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Agôn Gestão Do Desporto

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GUSTAVO PIRES

Agôn
Gest-o s rt
Ojogo de Zeus

fi# PORTO EDITORA


Título
Agôn- Gestão do Desporto

Autor
Gustavo Pires

Capa
António Modesto

Design gráfico e paginação


Alfredo Costa

Editora
Porto Editora

© PORTO EDITORA LDA - 2007


Rua da Restauração, 365
4099-023 PORTO- PORTUGAL

Reservados todos os direitos.


Esta publicaçào não pode ser reproduzida, nern transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo
electrónico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização escnta da Editora.

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www.portoeditora.pt E-mail pe@portoeditora.pt Telefone [351) 22 608 83 00 Fax [351) 22 608 83 01

,JIIN/2007

Este livro fo1 produz1do na un1dade. mdustr1al do Bloco Gráfico, Lda .. CUJO ~
Sistema de Gestão Ambiental está cert1f1cado pela APCER. corno n. 0 2006/AM8.258 er õ
0
Produção de l1vros escolar-es e não escolar·es c outros matena1s 1rnprcssos 150 ..."""
Índice
[ Prefác:io ... .... ............. .. .......... ...... .................... ...................... .. ............................ .. .... ...... ...... 9
11
[ Agôn" ... ....... ... .............................. ....... ...... ....... ............. ................ ..... .. .. ......... ............... ... 13
2 [ Modelo.................................................................................................................................. 25
3 [ (aos e o Ambiente ................................................... ........................................................... 31
3.1 Formo.................................................................................................................................. 34
3.2 Conteúdo ............................................................................................................................ 51
3.3 Factores .............................................................................................................................. 63
3.4 Cenários.............................................................................................................................. 75
3.5 Atitudes................................................................................................................................ 76
3.6 Consequências .................................................~.................................................................... 81
3.7 Conclusão ............................................................................................................................ 88
4 [ Zeus e a Organização ........................................................................................................ 91
4.1 Conceito .............................................................................................................................. 92
4.2 Metáforas............................................................................................................................ 93
4.3 Gestão do trobolho .............................................................................................................. 100
4.3.1 Mecanismos de coordenação do trabalho .................................................................... 100
4.3.2 Mecanismos de conjugação do trabalho ...................................................................... 104
4.3.3 Sistema de fluxos de trabalho .................................................................................... 106
4.4 Tipologia dos crises orgonizocionois ...................................................................................... 109
4.5 Homeostosio ........................................................................................................................ 11 O
S [ Atena e a Tecnologia .: ............................................................... ,;....................................... 113
5.1 Desporto.............................................................................................................................. 114
5.2 Escolas do Gestão ................................................................................................................ 119
5.2.1 Perspectivo clássico.................................................................................................... 124
5.2.2 Escola psicossociológico .............................................................................................. 128
5.2.3 Escalo burocrático ...................................................................................................... 135
5.2.4 Escalo sistémico.......................................................................................................... 137
5.2.5 Escalo contingencial .................................................................................................. 139
5.3 Gestão & Gestores................................................................................................................ 142
5.4 Gestão do desporto .............................................................................................................. 154
5.4.1 Situação desportivo.................................................................................................... 157
5.4.2 ODesporto em Portugal ............................................................................................ 163
4 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

6 [ Hérodes e o Cultura............................................................................................................. 173


6.1 Filosofia .............................................................................................................................. 184
6.2 Vocoçõo................................................................................................................................ 187
6.3 Missõo ................................................................................................................................ 188
6.4 Comportamento.................................................................................................................... 194
6.5 Visõo .................................................................................................................................. 202
6.6 Estruturo.............................................................................................................................. 204
6.6.1 Portes do orgonizoçõo ................................................................................................ 206
6.6.2 Parâmetros de concepção .......................................................................................... 208
6.6.3 Factores de contingência ............................................................................................ 209
6.6.4 Configurações estruturais .......................................................................................... 21 O
6.6.5 Orgonigromos............................................................................................................ 211
1 [ Dionísio e o Desenvolvimento ........... .......... ............................................ ............. ......... ... 21 5
7.1 Conceito de desenvolvimento................................................................................................ 218
7.2 Desenvolvimento do desporto .............................................................................................. 220
7.3 Factores de desenvolvimento ................................................................................................ 222
7.4 Princípios do desenvolvimento.............................................................................................. 225
7.5 Nível desportivo .................................................................................................................. 235
8 [Apolo e o Planeamento...................................................................................................... 243
8.1 Ailusõo do tempo ................................................................................................................ 244
8.2 Mudonço .............................................................................................................................. 246
8.3 Ofuturo necessário .............................................................................................................. 248
8.4 Utilidade do planeamento .................................................................................................... 252
8.5 Cotegorios de planeamento .................................................................................................. 254
8.6 Oplaneamento em processo ................................................................................................ 255
8.7 Acontecimentos .................................................................................................................... 259
8.8 Fozer o futuro acontecer ...................................................................................................... 264
8. 9 Estratégia ............................................................................................................................ 266
8.1 OCorocterizoçõo do planeamento .......................................................................................... 278
8.1 0.1 Planeamento estratégico.......................................................................................... 284
8.1 0.2 Planeamento táctico ................................................................................................ 291
8.1 0.3 Planeamento operacional ........................................................................................ 292
8.11 Sistema de controlo ............................................................................................................ 293
8.12 Projecto e planeamento ...................................................................................................... 294
fndice [ 5

9 [Hermes e a Gestão de Projectos ...................................................................................... 295


9.1 Oque é um projecto? .......................................................................................................... 297
9.2 Questões iniciais .................................................................................................................. 299
9.3 Técnicas de programação...................................................................................................... 300
9.3.1 Redes........................................................................................................................ 300
9.3.2 Sub-redes .................................................................................................................. 300
9.3.3 Gantt ........................................................................................................................ 301
9.3.4 Pert .......................................................................................................................... 301
9.41dentificação do projecto ...................................................................................................... 303
9.5 Planeamento do projecto·········:···························································································· 305
9.5.1 Definir o projecto ...................................................................................................... 306
9.5.2 Determinar as actividades e tarefas............................................................................ 307
9.5.3 Modelar o projecto .................................................................................................... 31 O
9.5.4 Ajustar as condições ····························::···································································· 318
9.5.5 Aprovar e divulgar .................................................................................................... 319
9.5.6 Executar.................................................................................................................... 319
9.5.7 Controlar .................................................................................................................. 319
9.6 Conclusão ...............,............................................................................................................ 320
1O[ Prometeu e a "areté" ··············································································'························· 323
11 11
10.1 Areté •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 324
10.2 Excelência e gestão do desporto.......................................................................................... 325
10.3 Drucker x Prometeu .......................................................................................................... 327
10.4 Cultura agonística .............................................................................................................. 327
10.5 Crise x Oportunidade ........................................................................................................ 328
10.6 Oque fazer com o desporto?.............................................................................................. 329
10.7 Em busca da excelência ............... :..................................................................................... 330
[ Bibliografia .......................................................................................................................... 333
[ Índice temático .................................................................................................................... 341
[Índice onomástico ................................................................................................................ 349
[7

[Apresentação

Um trabalho deste género acaba sempre por ter contributos de algumas pessoas com quem parti-
lhamos a nossa vida profissional, as nossas preocupações, os nossos desejos e projectos. Assim, o
presente livro decorre em grande medida do trabalho que temos vindo a realizar, no âmbito da gestão
do desporto, na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, com vários
colegas e amigos. Desde logo João Marcelino, um amigo de vida com quem temos participado nos
mais diversos projectos no âmbito do desenvolvimento do desporto. O nosso muito obrigado. Mas
os nossos agradecimentos vão também para os colegas Carlos Colaço, da Faculdade de Motricidade
Humana da Universidade Técnica de Lisboa, e José Pedro Sarmento, da Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto. Pelos trabalhos e projectos qLJe desenvolvemos ao longo dos últimos anos,
também eles estão presentes neste livro. Mais recentemente, tivemos a oportunidade de usufruir de
uma profícua troca de conhecimentos e experiências no domínio da gestão e da economia do des-
porto com José Pinto Correia, pelo que não podemos deixar de aqui o referir e agradecer.
Mas este livro decorre ainda do trabalho realizado no âmbito do mestrado em Gestão do Des-
porto da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa. Assim sendo, é de
toda a justiça agradecer a André Escórcio, Paulo Guimarães, João Marcelino, Augusto Baganha, Fran-
cisco Fernandes, Olavo Malveiro, Paulo Andrade, Vítor Medeiros, Eduardo Monteiro, Odete Graça,
Elsa Pereira, Marcelino Sanches, Romão Antunes, Rui Lança, Ângela Garrine, José Pinto Correia e
tantos outros que, na orientação das suas monografias, nos "obrigaram" a com eles reBectir a pro-
blemática do desenvolvimento, da organização e gestão do desporto. A todos, muito obrigado.
Henry Mintzberg (1979) diz-nos que escreve para aprender. Também nós sentimos essa neces-
sidade de escrever para, de texto em texto, adquirirmos novos conhecimentos, novas perspectivas
de abordagem ou novos desafios que passam pela descoberta de novas ideias, diferentes teorias,
outros autores que nos podem dar mais uma achega para melhor compreendermos as questões
relativas ao desenvolvimento e à gestão do desporto.
Mas se escrevemos a fim de melhor compreendermos as questões que se colocam à gestão do
desporto, também escrevemos para os outros, para aqueles a quem queremos fazer passar o
nosso pensamento e a nossa opinião sobre as mais diversas problemáticas relacionadas com a
gestão e o desenvolvimento do desporto. Assim, o presente trabalho procura atingir grupos-alvo
muito específicos que por várias razões se interessam pela problemática do desenvolvimento, da
organização e da gestão do desporto. Destina-se em primeiro lugar às novas gerações que com as
mais diversas formações iniciais estão a chegar ao mundo do desporto em busca de um emprego
interessante num mundo onde os empregos interessantes estão a rarear. Destina-se aos estudan-
tes de Desporto nas suas diversas especializações, da Educação Desportiva à Gestão, passando
pelo Treino e pelo Exercício, bem como aos de outras licenCiaturas das mais diversas especialida-
des interessados no fenómeno desportivo, quer as suas práticas se desenvolvam no âmbito dos
sistemas educativo, desportivo ou económico. É a eles que temos dedicado a nossa vida profissio-
nal nos últimos mais de trinta anos. Mas não só.
8 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Este livro destina-se, também, a todos os profissionais que, estando em situações de gestão nas
escolas, nas autarquias, nas federações, em clubes ou em empresas privadas desejam perceber o
desporto na perspectiva do seu desenvolvimento organizacional de maneira a melhor compreende-
rem os contornos teóricos daquilo que do ponto de vista empírico, certamente, já vêm praticando.
De facto, entendemos que só há evolução e progresso quando se torna possível teorizar a prática e
praticar a teoria, e assim sucessivamente, na procura de novas soluções que hão-de resolver os
novos problemas que todos os dias surgem na sociedade moderna.
Destina-se ainda aos técnicos que desenvolvem a sua actividade no domínio do treino, na
medida em que esta actividade cada vez mais se integra em cenários macro de compreensão da rea-
lidade, sem os quais não é possível agir com eficiência e eficácia, como é possível perceber das pala-
vras dos mais diversos treinadores desportivos. Quer dizer, dirige-se a todos aqueles que no domí-
nio do treino desportivo sentem que o seu estádio de evolução de conhecimentos os obriga a olhar
para o desporto através de um paradigma mais amplo, de maneira a melhor compreenderem os
contextos e os quadros teóricos que envolvem a dinâmica da competição, a fim de, semana após
semana, época após época, organizarem a vitória das suas equipas de uma maneira mais eficiente.
Destina-se também aos dirigentes desportivos que na linha hierárquica e no centro operacional
das organizações, públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos do sistema desportivo, para
além das luzes da ribalta, cumprem no dia-a-dia em prol das mais diversas categorias de pratican-
tes desportivos uma missão de enorme valor social. É a estes dirigentes, curiosos e inconformados,
que desejam compreender o fenómeno desportivo para além dos meros circunstancialismos que
ganham espaço nas parangonas dos media, que também se destinam as páginas deste livro.
Finalmente, nos destinatários deste livro não podemos deixar ainda de incluir todos os técnicos e
dirigentes benévolos ou profissionais dos países de língua portuguesa. Tem sido para nós um enorme
prazer e vantagem termos com eles trabalhado nos comités olímpicos, nas administrações públicas ou
nos clubes, ao longo dos últimos anos.

Gustavo Pires
Maio 2006
[9

Prefácio

O momento da publicação e o roteiro de elaboração deste livro são bem oportunos, tanto para
o desporto como para as ciências da gestão propriamente ditas. De facto, o desporto actual está
crescentemente relacionando-se com a gestão dando-lhe novos significados, como inversamente a
gestão do desporto busca maior suporte nas tradicionais teorias administrativas e organizacionais,
dada a expansão notável das actividades físicas de competição, de saúde e de lazer. Esta realimen-
tação mútua é novidade em termos da gestão como área de conhecimento e ocorre também por
inclusão de outras formas de experiência prática da vida em condições limites ou de crise (artes
performativas, aventuras radicais, grandes realizações, etc.).
a
A contribuição em conteúdo do desporto para gestão per se manifesta-se sobretudo na dinâ-
mica de funcionamento e de liderança de equipas quando o resultado positivo é uma questão fun-
damental, e até mesmo de sobrevivência grupal ou corporativa. E se a competição estiver no foco
das acções, a questão da excelência nos empreendimentos de gestão aprofunda a sua compreen-
são pois que o desporto privilegia a qualidade e a continuidade na performance e não somente nas
vitórias ocasionais. Neste caso, o desempenho individual, além do referido às equipas, ressurge
mais valorizado, tal como ocorre nos desportos radicais e da Natureza, desde que então a liderança
se alie ao talento e à experiência construída por iniciativa pessoal.
O ponto de encontro de tais tendências simétricas entre gestão lato sensu e desporto estaria,
em tese, na convivência entre a diferenciação e a convergência, algo cultivado no desporto desde a
Grécia Antiga mas que agora se revela como um desafio das novas organizações "locais" actuantes
num crescente ambiente "global". Este imperativo foi assumido por Pierre de Coubertin ao reabili-
tar os jogos Olímpicos no final do século XIX, criando uma versão moderna da busca da excelência
atlética anteriormente exercida pelos gregos há cerca de três milénios. Hoje, a bem sucedida e
audaciosa empreitada de Coubertin demonstra a universalidade do desporto, sendo este um exem-
plo actual e Hpico de prática diversificada, multicultural e planetária.
Estes prolegómenos aprestam-se outrossim à obra presente de Gustavo Pires, porque em princí-
pio adoptou como método o "trabalho em progresso". Este procedimento fez-se com ampla diferen-
ciação de abordagens de gestão e consecutivas focalizações de situações de contexto, produzindo a
necessária convergência entre teorias propostas e práticas identificadas. O "local" ateve-se natural-
mente ao país onde vive o autor, porém, exemplos internacionais foram incluídos dando destaque as
mais das vezes à dimensão "global". Condignamente, o autor prestigiou teorias relacionadas histori-
camente à gestão, mantendo a sua diferenciação típica por sínteses do passado e por problematiza-
ções do presente. Neste ensejo, o autor não somente perseguiu a máxima de Henry Mintzberg-
aquela em que se "escreve para aprender" - mas também escreveu para manter a tradição convi-
vendo com a inovação. Tal índole- cumpre enfatizar- é desportiva na sua essência, o que se pode
remeter mais uma vez a Coubertin, cuja proposta do Olimpismo como doutrina para o desporto tem
a sua base na tradição grega, contudo se projectando por sucessivos desafios.de renovação, em seus
100 anos de existência.
1O ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Em resumo, este livro pode ser inserido no novo patamar de conhecimentos da gestão como
disciplina académica e meio de treinamento gerencial, ao manter o desporto em suas linhas de
compreensão conceptual hoje pretendidas como transferíveis para outras áreas de saber e de exer-
cício profissional. Assim se dispôs, porque o seu autor preservou o sentido de revisão da primeira
edição, adicionando-lhe novos predicados e significados. Além deste reajustamento, o sentido de
confiito das relações do desporto com os seus variados contextos e actores sociais - sobretudo as
delimitadas por instituições desportivas e seus líderes - foram postos em relevo, criando maior
funcionalidade na apropriação dos problemas de gestão das actividades físicas para competição,
saúde e lazer.
A particularidade de se admitir as contradições do desporto ao serem examinadas possibilidades
da sua gestão, legitima então o enfoque central deste livro no Desenvolvimento Organizacional
como também justifica sua recomendação como obra de base em cursos de graduação e pós-gra-
duação em Educação Desportiva e Ciências do Desporto em geral. O apelo a Pierre Bourdieu, com
as suas teorias de domínio e transacções entre poderes, de acordo com a opção de Gustavo Pires,
por si só, reforçam tal atributo de chancela pois não se perderam de vista tanto as "forças de
mudança" existentes no desporto como os valores humanistas que devem nortear as práticas físicas
organizadas e institucionalizadas.
A antiga tese de Gustavo Pires- da qual sou seguidor inconteste- de que a gestào do desporto
deve ter as suas raízes mais no desporto do que na gestão, ganha com as formas de abordagem da
presente obra mais um reforço de confirmação teórica e prática. E nesta perspectiva há que se rela-
tivizar Henry Mintzberg, pois por vezes se escreve para ensinar e não somente para aprender.

Prof. Dr. Lamartine DaCosta


Universidade Gama Filho- Rio de janeiro
Conselho de Pesquisas do Centro de Estudos Olímpicos- Lausanne
-------------~----~-

Tal como a água é o primeiro dos elementos,


como o ouro é a mais preciosa de todas as riquezas,
como os raios de Sol são as mais ardentes fontes de
calor, não há combate mais nobre de contar do que o
dos jogos Olímpicos.
Píndaro (518-440 a. C)
[ "Agôn"

Objectivos do capítulo. Opresente capítulo tem por objectivo principal estabelecer o enquadra-
mento contextuai que deve envolver a gestão do desporto moderno. Na nossa perspectiva, a proble-
11 11 11 11
mática da gestão do desporto está circunscrita à dinâmica do quadro cultural do agôn e da areté
dos gregos antigos que encontravam no desporto a razão central da sua vida colectiva. Em conformi-
dade, vamos trabalhar os conceitos em causa com vista a, posteriormente, integrarmos toda uma cul-
tura desportiva - agôn x llaretéll - com milhares de anos de história nos quadros teóricos e nos
11 11

instrumentos da gestão moderna. Trata-se de entender a dinâmica da gestão à luz do agôn da 11 11

11 11
competição e da superação em busca da excelência da areté Nesta perspectiva, este primeiro capí-

tulo abre a problemática do jogo enquanto fio condutor da explicação ontológica, porque entendemos
que é no jogo, e na sua dinâmica festiva, agonística e sagrada, que podemos encontrar a verdadeira
compreensão da gestão em geral e da gestão do desporto moderno em particular.

O mundo é o jogo de Zeus.


Friedrich Nietzsche (1844·1900)

Os gregos antigos viajavam longas distâncias para consultarem os oráculos e ouvirem as previ-
sões das musas, cassandras e pitonisas a fim de superarem as dúvidas e angústias das suas vidas,
mas também para participarem nas grandes festas de destrezas, de lutas, de corridas, de declama-
ções, de música e de dança que eram os jogos, entre outros, os Olímpicos, os Píticos, os Nemeus e
os Ístmicos, realizados em honra de Zeus, o rei dos deuses. Ao tempo, os jogos eram o centro
nevrálgico da vida grega, numa comunhão perfeita entre o Homem e a sociedade. De um lado, a
deusa Paidia geria a algazarra do divertimento que podia ir, sob o comando de Ares, o deus da
·guerra, até ao agridoce sabor da violência selvagem. Do outro lado, o deus Ludus 1 do jogo, promo-
tor da ordem e da excelência da "areté" 2 , através da violência organizada no polissémico conceito
de "agôn", ao qual Friedrich Nietzsche (1844-1900), o filósofo da energia vital, da vontade de poder
e do super-homem, consagrou o texto "A Competição em Homero".

1
L. Jean Lauand, jeanlaua@usp.br, Universidade de São Paulo, "Ludus est necessarius ad conversationem humana: vita:" - "O
brincar é necessário para (levar uma) a vida humana". S. Tomás de Aquino, Suma Teológica 11·11, 168, 3, ad 3-
2 A palavra é grega, "areté" significa excelência, virtude e tem de ser usada ou entre aspas ou em itálico. "Areté" é um nome
feminino, e o seu plural é "aretai". Aretologia é um termo usado em ética e designa a "doutrina que versa sobre a virtude e
o estudo filosófico a respeito da perfeição moral" (in Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
14 ] Agôn I Gestão do desporto 1O jogo de Zeus

Jogo, festa, sagrado

No mundo grego era impossível separar a palavra "agôn" da tríade jogo, festa e sagrado.
Assim, ao cultivarem o gosto pela luta, os gregos desenvolviam o talento e a vocação através da
competição, o que fez deles pedagogos tremendamente eficazes, porque, nas palavras do filósofo,
a competição "desencadeia o indivíduo" ao mesmo tempo que o reprime e disciplina, segundo o
jogo sagrado das leis eternas. Assim, em defesa da "nobreza de espírito", o sentimento que deve
resultar da disputa entre dois rivais valorosos não deve ser o ódio ou a vingança, mas a amizade na
medida em que um antagonista de brio proporciona ao outro a possibilidade de se conhecer e
renovar continuamente as suas forças vitais, em busca da excelência. O que não teríamos nós,
hoje, a aprender com a maneira dos gregos antigos gerirem a dimensão agonística da vida, através
do jogo, da festa e do sagrado em busca da superação e da "areté".
Nesta perspectiva, entender as raízes do desporto, as suas origens, os seus ritos e as suas identi-
dades é compreender a própria vida, na medida em que sendo o desporto um testemunho vivo dos
nossos ancestrais e dos seus usos e costumes, deve também ser entendido como a mola primordial
da civilização. Como explica Nietzsche, se os gregos tivessem eliminado o "agôn" da sua vida pessoal
e social, abririam as portas do Inferno pré-homérico caracterizado pela selvajaria louca do ódio e pelo
prazer sádico do extermínio, cantado por Homero na ilíada, ao descrever, por exemplo, a brutalidade
demente representada por Aquiles que, num acto de pura vingança, arrastou com o seu carro de com-
bate o corpo já morto de Heitor, depois de o derrotar. Em conformidade, é de fundamental importân-
cia que as sociedades saibam, através da educação ao longo da vida, preservar e gerir os valores do
jogo, porque é no jogo que se encontra o "agôn" e o fio condutor não só da explicação ontológica,
como refere Hans-George Gadamer (2005), como da própria organização e do progresso social.

Educação agonística

A educação agonística, para os gregos antigos, era o bem-estar social. O jovem, quando compe-
tia na luta, na corrida ou nos lançamentos durante os Jogos pensava na satisfação da sua cidade
natal na medida em que era a glória dela que ele queria projectar. Até as coroas de louros, que os
juízes colocavam na cabeça dos grandes heróis olímpicos, estes as consagravam aos deuses das
respectivas cidades. A este estado de espírito os gregos chamavam "areté", uma espécie de virtude
própria da nobreza aristocrática, do heroísmo guerreiro, da honra, da glória, do "agôn" e da von-
tade de vencer. Por isso, eles cultivavam a destreza e a força invulgares não só como exercício da
estética e do combate leal, mas também como o suporte indiscutível de qualquer posição de lide-
rança. Quer dizer, a ambição existia, só que tinha limites e estava condicionada pela entrega con-
creta à causa social. Neste sentido, a necessidade de competição entre os gregos ganhava um sen-
tido especial porque o que estava em causa eram os valores do social e a honra da sua cidade. A
este sentimento chamou-lhe Hesíodo (séc. VII-VIII a. C) o "princípio do ostracismo".

Princípio do ostracismo

Mas o que é o "princípio do ostracismo"? No sentido de renovar constantemente o círculo do


"agôn", os gregos não eram favoráveis à hegemonia de um vencedor sobre os demais concorrentes
por um grande período de tempo. Tal situação retiraria aos vencidos a vontade para uma nova dis-
puta. Também Nietzsche exemplifica esta tendência agónica através da estória do corajoso Hermo-
doro, que acabou banido e votado ao ostracismo pelos efésios pelo facto de, num acto de heroicidade,
superar todos os seus companheiros de batalha, desrespeitando a estratégia bélica do seu exército:
"Entre nós, ninguém deve ser melhor, se alguém no entanto o for, que o seja noutro lado e entre outra
"Agôn" [ 15

gente". E o filósofo perguntava: "Qual a razão para que ninguém deva ser melhor~ É que, se tal ocor-
resse, a competição esmoreceria e com isso ficaria ameaçada a razão do Estado helénico". "Tal é o
cerne da ideia de 'agôn', que detesta o despotismo e teme os seus perigos, e que gera como meio de
protecção contra o génio, precisamente- um segundo génio" (Nietzsche, 2003). Por isso, quando em
diversos sectores sociais da sociedade portuguesa, entre eles o desportivo, se levanta a questão da
limitação de mandatos, não se está a expressar mais do que o princípio do ostracismo que, em ter-
mos de desenvolvimento humano, passa pela institucionalização de uma forte cultura democrática,
que devia estar perfeitamente assumida por aqueles que têm pretensões de liderança. Repare-se que
no mundo do desporto existem demasiados dirigentes desportivos que, através dos mais diversos
expedientes, ocupam os lugares de liderança há quinze, vinte, vinte e cinco e mais anos. Ora, isto é
uma perversão do "agôn" e da própria democracia que só revela o atraso cultural do país e do des-
porto. A ambição desmesurada, livre de bom-senso, de regras, de equilíbrios, de lealdade e de vergo-
nha que conduz ao espírito de competição exacerbado, acaba por privilegiar o ignorante, na medida
em que a ignorância é atrevida, pelo que a sociedade deve introduzir regras que a protejam da ambi-
ção desmedida enquanto empecilho ao desenvolvimento. Perceber o princípio do ostracismo é de
fundamental importância para se perceber a dinâmica que deve presidir ao desenvolvimento do des-
porto, mas também ao desenvolvimento da própria vida moderna no quadro da sociedade global.
Repare-se que, se, por um lado, a competição não deve estar condicionada para que se possa desen-
volver dentro dos limites da dignidade humana deve, por outro lado, estar sujeita a regras precisas
para que se possa desenvolver na sua plenitude.
Em 1887, com o objectivo de fazer renascer os verdadeiros valores do "agôn", Pierre de Coubertin
(1863-1937) lançou ao mundo a ideia de voltar a organizar os Jogos Olímpicos. Em conformidade, o
Movimento Olímpico assumiu a divisa latina citius, altius,fortius (mais rápido, mais alto, mais forte),
que simboliza a vontade de superação dos atletas, temperada ainda com o mote "o importante é par-
ticipar". Sete anos depois, em 1894, foi fundado o Comité Olímpico Internacional (COI) e, em 1896,
realizaram-se em Atenas os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna. Sem menosprezarmos o
espírito de iniciativa, o esforço e a visão de Coubertin, devemos considerar que, segundo David
Young, professor de cultura clássica na Universidade da Florida, ao ressurgimento dos Jogos Olímpi-
cos da era moderna ficam ainda ligados dois outros nomes, o grego Evangelis Zappas (18oo-1865) e o
britânico William Penny Brookes (1809-1895) (ver As origens dos jogos Modernos).
Pierre de Coubertin, tal como os seus antecessores, ao tempo, tiveram do desporto e do Olim-
pismo uma visão de acordo com a época. Aos olhos dos nossos dias, não foi uma visão perfeita.
No entanto, cumpre-nos, sem perda do sentido dos valores da dignidade humana que presidiram
ao sonho dos Homens do Olimpismo moderno, encontrar os caminhos que devem presidir ao
desenvolvimento do desporto, muito embora se saiba que, muitas vezes, o desporto e as suas prá-
ticas, bem como o próprio Movimento Olímpico, não andem pelos melhores caminhos.
Por isso, quando hoje se fala de "desenvolvimento desportivo sustentado", do qual o desporto
faz parte, à imagem e semelhança do que, aparentemente, se passava na antiga sociedade grega,
entendemos que o conceito em si tem de estar integrado de uma forma equilibrada na vida das
populações, pelo que não pode ser realizado nem à custa da alienação das gerações actuais nem à
custa da qualidade de vida das gerações vindouras.

Desenvolvimento sustentado

Geralmente, o conceito de "desenvolvimento sustentado" tem estado associado à problemática da


ecologia e da conservação da Natureza, contudo, pode e deve ser aplicado às mais diversas áreas
sociais, entre elas a do desporto. Para se perceber se uma política desportiva está a ser realizada à custa
16 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

da prática desportiva das gerações vindouras, repare-se, por exemplo, na "loucura pré-homérica" da
construção de dez estádios de futebol para o Euro 2004, onde se gastaram verbas astronómicas numa
violência incontida contra os direitos dos portugueses, sobretudo dos mais desfavorecidos. Verbas sig-
nificativas foram desviadas de outros sectores sociais, entre eles o desportivo, comprometendo a quali-
dade de vida das gerações actuais e das vindouras, num país como Portugal, em que a pobreza infantil
atinge uma em cada seis crianças e em que o índice de prática desportiva de 23% da população é o
mais medíocre da União Europeia 3 Entretanto, os estádios estão, semana após semana, vazios e a
obrigar a despesas exorbitantes de manutenção e conservação. Quer dizer que, muito embora o Euro
2004 até tenha sido uma festa maravilhosa que galvanizou os portugueses, não foi por isso que deixou
de comprometer o desenvolvimento do desporto e do país, o que só significa que não chega fazer as
coisas bem, é necessário, em primeiro lugar, fazer as opções certas.
Tal como os gregos não eram capazes de suportar uma glória que não comportasse mais desa-
fios, nem uma felicidade que pusesse cobro ao "agôn", como refere Nietzsche, também nós deve-
mos recusar o conformismo de um desporto parado no tempo, sem significado social, em que cada
talento e vocação, do ensino ao alto rendimento, não possa livremente encontrar a sua oportunidade
numa sociedade e num modelo de desenvolvimento estimulantemente equitativo, isto é, alimentado
por tudo aquilo que de mais nobre tem a ambição agonística. Sem esta, o Estado torna-se mau,
cruel, vingativo e ateu, porque deixa de acreditar no futuro, numa palavra, torna-se pré-homérico.
Bastará um susto-pânico para o destroçar.

As origens dos jogos Modernos


Vários historiadores defendem que os créditos da institucionalização dos jogos Olímpicos da
era moderna deveriam pertencer ao grego Evangelis Zappas (18oo-1865) e ao médico britânico
William Penny Brookes (1809-1895) de Much Wenlock no Shropshire. De facto, alguns anos
antes de Pierre de Coubertin ter nascido, já o milionário grego Evangelis Zappas tinha organizado
uma série de jogos Olímpicos em Atenas. Influenciado pelo poeta grego Alexandros Soutsos, Zap-
pas decidiu organizar os jogos Olímpicos da era moderna. Depois de acordar a realização com o
governo grego, o Rei Otto permitiu que os jogos Olímpicos fossem organizados. Os jogos Zappia-
nos chegaram a ter quarto edições (1859, 1870, 1875, 1889). Estes jogos, por proposta de Alexan-
dros Rizos Rangaves, ao tempo ministro grego dos negócios estrangeiros, na medida em que, na
sua opinião, os tempos eram outros, deviam ser um misto de exibições de destrezas agrícolas e
industriais e não desportivas. Para além das opiniões do ministro, os primeiros jogos aconteceram
em 1859 e realizaram-se na Praça Loudovikos em Atenas, em virtude do estádio Panatinaicos
não estar terminado. Pelo seu lado, William Penny Brookes, em 1859, já em contacto com os gre-
gos, enviou a quantia de 10[ a fim de ser entregue a um vencedor de uma das provas dos jogos
Olímpicos. O Comité Organizador grego decidiu atribuir o prémio ao vencedor da "corrida
longa". Na opinião de Konstantinos Georgiadis, Pierre de Coubertin, ao fundar o Comité Interna-
cional Olímpico e a reeditar os jogos Olímpicos, em 1896, limitou-se a aproveitar a ideia dos seus
verdadeiros precursores. Na realidade, para além de Evangelis Zappas, em 1865, o Dr. William
Penny Brookes tinha fundado a "National Olympian Association" e organizado os jogos Olímpi-
cos de Shropshire pela primeira vez em 1861. Hoje, sabe-se que Coubertin se deslocou a Much
Wenlock em 1890, onde assistiu aos jogos. De acordo com o académico americano David Young,

3
Eurobarometer (2004). The Citizens of European Union and Sport.
"Agôn" [ 17

foi lá que Coubertin foi buscar a ideia da internacionalização dos jogos Olímpicos. David Young vai
mesmo ao ponto de afirmar que receia que a vaidade de Coubertin tenha feito com que ele ficasse
com todos os créditos, esquecendo-se pura e simplesmente da contribuição de Zappas e de Brookes
no seu livro de "Mémoires Oympiques", editado em 1931. jean-Loup Chappelet, secretário-geral da
Fundação Coubertin, argumenta que "o legado de Coubertin é o que mais importa". Sem dúvida,
mas há que respeitar a verdade histórica, até porque, segundo David Young, foi o próprio William
Brookes a transmitir a Pierre de Coubertin a sua visão de internacionalizar os jogos Olímpicos. Isto
significa que não chega ter razão. Há que tê-la no horário e no local próprios. Apesar de tudo, o
mundo do desporto não pode deixar de reconhecer a Pierre de Coubertin a oportunidade e a força de
vontade para conduzir um projecto que hoje se desenvolve à escala do planeta.

Guerra e paz

Os gregos antigos sabiam que os Homens, na sua tacanhez (má Éris), tinham necessidade de
violência para se sentirem glorificados. Para suprirem essa necessidade, sem os custos trágicos da
guerra, inventaram os Jogos e tornaram a paz gloriosa, através do prazer lúdico da violência contro-
lada (boa Éris). Era a trégua olímpica. Com o declínio da competição, o que deve ser um aviso para
nós portugueses, o Estado grego entrou em turbulência interna e dissolução. Este é o dilema que se
coloca aos decisores políticos. Por um lado, é evidente que a violência no mundo do desporto não
pode disparar para níveis incontroláveis. Por outro, como nos diz Thomas Moore (1992), é ilusório
abordar a violência movidos pela singela ideia de que a podemos eliminar. De facto, qualquer tenta-
tiva de erradicar a violência que existe no ser humano poderá fazer com que o desliguemos do poder
profundo que sustenta a vida criadora. Quer dizer, trata-se de controlar a violência e, se possível,
conduzi-la para fins positivos, ou seja, para a boa Éris.
Aqueles que através de um discurso pseudomoralista pretendem castrar o desporto em geral e o
futebol em particular das suas origens antropológicas que têm a ver com a necessidade de extrava-
são da violência (geralmente virtual) que cada homem contém dentro de si, transformando o jogo
numa mera recreação, em que o objectivo se resume a curtir o deleite da destreza do gesto acrobá-
tico e da estética geométrica da progressão no terreno, que também se encontram em muitas outras
actividades humanas, podem estar a fazer com que o futebol se desligue dos laços que ainda o pren-
dem às suas verdadeiras raízes que se encontram nas origens da humanidade, fazendo com que
deixe de ter a atracção mágica que, semana após semana, época após época, conduz aos estádios,
quer directa quer indirectamente através da televisão, dezenas de milhões de espectadores por todo
o mundo, independentemente do seu estatuto social, credo, género ou idade.

À escala global

l<ofi Annan, Secretário-Geral das Nações Unidas, no dia 24 de Janeiro (2006), visitou o quartel-
-general do Comité Internacional Olímpico, com sede em Lausanne, onde foi recebido pelo "senhor
dos anéis", Jacques Roggé A trégua olímpica foi o ponto principal da agenda, para além dos vários
programas desportivos a desenvolver no âmbito da cooperação entre as duas entidades. No dia

4
Presidente do Comité Olímpico Internacional.

AGONGD-D2
18 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

seguinte ao referido encontro, l<ofi Annan e Jacques Rogge participaram no Fórum Económico
Mundial, que decorreu em Davos, na Suiça, onde o impacto do desporto no mundo foi um dos
temas em discussão. Isto significa que, hoje, o desporto acontece nos fóruns de decisão internacio-
nal realizados ao mais alto nível. A sua importância na sociedade moderna é cada vez maior, pelo
que está presente em questões que vão da paz no mundo e da economia global até às do
ambiente. Nesta perspectiva, tal como ao tempo dos primeiros jogos na Grécia antiga, o desporto
é portador de um capital social simbólico a uma escala global que não deve ser menosprezado
pelos diversos dirigentes. Contudo, trata-se da gestão do jogo e o jogo é "agôn", o que levanta,
como temos tido a oportunidade de ver por esse mundo fora, questões que não podem ser resolvi-
das à custa da mais pura demagogia, aliás como é timbre da generalidade dos políticos sempre
que se lembram do desporto, invariavelmente nos momentos de afiição.

Conflito não convencional

Na realidade, muito embora o desporto, ao longo do tempo, através do "agôn" que lhe é pró-
prio, tenha, por vezes, estado ligado à promoção da paz, o que é facto é que também foi um
espaço e um tempo de confronto destruidor entre povos, nações e regimes. Como se sabe, em
muitas e demasiadas circunstâncias durante o século XX, o desporto foi um instrumento confiitual
de que as grandes potências imperialistas se serviram para se digladiarem no quadro da "guerra
fria" que, como se viu, não organizou a paz mundial, impediu somente que o mundo, tal qual os
heróis gregos de Homero, entrasse numa escalada de destruição total. Actualmente, em inícios do
século XXI, o desporto está transfigurado num espaço e num tempo onde as regiões, os países e
até as grandes marcas comerciais combatem entre si pela conquista de supremacia, muitas vezes à
custa da violência dos nacionalismos ou da exploração da mão-de-obra nos países em vias de
desenvolvimento, inclusivamente da mão-de-obra infantil e da organização de grandes ou mega
eventos desportivos que acabam por se virar contra as pessoas. Quer dizer que o desporto se tem
vindo a transformar numa espécie de espaço e tempo de "confiito não convencional", o que acaba
por reduzir as suas práticas a um modelo de desenvolvimento caracterizado em regime de exclusi-
vidade pelo rendimento, a medida, o recorde, o espectáculo e o profissionalismo precoce, com
todos os efeitos colaterais de sinal negativo que dele decorrem. Todavia, há que entender que o
desporto sendo uno não é unicitário. Por isso, sem se negarem as virtualidades do rendimento, da
medida, do recorde e do espectáculo desportivo, e com o objectivo de afirmar a excelência humana
através da assumpção de uma perspectiva positiva de desenvolvimento, é necessário entender que
existem outras práticas e diferentes segmentos sociais com necessidades e direitos de acesso aos
benefícios do desporto que é necessário considerar e respeitar, se realmente se deseja transformar
o desporto num instrumento de desenvolvimento humano.
Nestas circunstâncias, é necessário ter do desporto uma ideia clara, sob pena do próprio des-
porto, agora que o paternalismo do Estado-Providência, por exaustão, está a chegar ao fim, se
transformar num processo de alienação de massas ao serviço de interesses corporativos das mais
diversas marcas e emblemas que nada têm a ver com a problemática do desenvolvimento humano.
Repare-se que, por exemplo, o grande campeão olímpico de Atenas nos 110 metros barreiras, Liu
Xiang, foi contratado para promover a imagem da principal companhia de tabaco chinesa (A Bola,
27/10/2004)- Deste modo, o atleta acabou enquanto "herói olímpico" a fazer publicidade ao tabaco
e, em consequência, a promover o hábito do fumo entre a juventude chinesa.
"Agôn" [ 19

Instrumento de desenvolvimento
Segundo um estudo coordenado por Cristina Padez (DN, 25/5/2004), um terço das crianças por-
tuguesas tem excesso de peso. Uma em cada dez, com idades entre os sete e os nove anos, é obesa.
Na Europa, no que diz respeito à obesidade infantil, apenas somos ultrapassados pela Itália. A expli-
car esta situação, assim como que numa verdade de Lapalisse, são apontados como grandes res-
ponsáveis a qualidade da alimentação e a falta de exercício físico 5. Em conformidade, é necessário
enquadrar as práticas desportivas nas políticas públicas sob pena do desporto não servir para coisa
nenhuma. Por isso, seria bom que se entendesse que, neste domínio, o desporto não pode ser um
fim em si mesmo. Sempre que o desporto é um fim em si mesmo transforma-se num instrumento
de alienação, em que, numa profunda injustiça social, uma minoria de privilegiados acaba por viver à
custa do prejuízo da maioria. O desporto enquanto instrumento de desenvolvimento tem de ser
gerido ao serviço das pessoas e dos países, o que nem sempre é fácil, quando a pressão do marke-
ting, muitas vezes, deturpa os verdadeiros objectivos que devem presidir ao desporto. Assim, devem
ser identificados e combatidos os expedientes que o desviam dos seus verdadeiros fins.

Alienação

De uma maneira geral, a maioria das pessoas, incluindo a generalidade dos dirigentes desporti-
vos e políticos, tem do desporto uma ideia estática à partir de uma ilusória concepção de tempo.
Para elas o desporto existiu desde sempre como uma actividade à margem da sociedade, pelo que
não tem nem passado nem futuro. Nesta perspectiva, o desporto é qualquer coisa que pertence ao
presente, a um imenso presente que se pode depois, em função das conveniências, expandir para
trás e atingir os tempos dos Gregos ou dos Romanos, ou para a frente e prospectivar,se !Tas activi-
dades de compensação que se opõem na sociedade moderna ao mundo do trabalho. Esta ausência
de tempo que o senso comum atribui ao desporto faz também com que o mesmo senso comum
não lhe atribua um sentido de espaço. Quer dizer, espaço físico, económico, geográfico, histórico,
lúdico, etc., para a grande maioria dos dirigentes não tem significado desportivo, pelo que o des-
porto passa a ser qualquer coisa que funciona à margem da sociedade sem que se estabeleçam
quaisquer relações com as mais diversas dinâmicas económicas e sociais. Deste modo, Portugal
tem vindo a assistir, por exemplo, à defesa na maior das impunidades da candidatura de Lisboa à
realização dos Jogos Olímpicos, tal como assistiu à realização do Euro 2004 e à irresponsável cons-
trução de dez estádios de futebol quando, no mesmo país, se viveu uma dramática seca com o
plano de regas do Alentejo por construir, um sistema de reformas e pensões a entrar em colapso,
um desemprego a disparar para níveis absolutamente preocupantes, um dos crescimentos econó-
micos mais miseráveis da Europa, em suma, um padrão médio de vida cada vez mais longe do
padrão médio europeu. Quer dizer, numa alienante ausência de referências relativas ao tempo e ao
espaço, os fins passaram a justificar os meios, numa dinâmica em que o circo só serve para masca-
rar a falta de pão. Nestes termos, o desporto transforma-se num instrumento de alienação de mas-
sas a todos os títulos reprovável.

5
Para superar esta deficiência há muito conhecida, o Governo, através do Instituto do Desporto de Portugal, à imagem e
semelhança do que se passa no futebol, não estivesse este país a ser completamente "futebolizado", fez um acordo com a
McDonald's no âmbito do programa nacional "Mexa-se" (A Bola, 3/5/2004)- Sabendo-se o que os especialistas dizem
acerca deste tipo de "comida rápida" e o que ela tem vindo a fazer a sucessivas gerações de jovens dos mais diversos paí-
ses do mundo, parece-nos profundamente errado ser a própria Administração Pública Desportiva a integrá-la na política
desportiva do Governo e, deste modo, associá-la à prática desportiva e a um estilo de vida saudável. Portanto, nesta dinâ-
mica mercantilista de promover o desporto, só nos podemos perguntar se estamos perante um Estado distraído ou
perante um estado de "distracção total".
20 ] Agón I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Custos

Não só Zeus como todos os outros deuses do Olimpo sorriram de alegria ao verificarem o
sucesso dos jogos Olímpicos de Atenas (2004), disse Gianna Angelopoulos, presidente da Comissão
Organizadora dos jogos Olímpicos de Atenas. Gianna foi mesmo ao ponto de considerar os jogos
de Atenas como os de maior sucesso desde sempre, até porque eles passaram a representar um
momento em que emergiu uma nova Grécia para o século XXI.
Contudo, muito embora os jogos tenham proporcionado a construção de infra-estruturas há
muito necessárias à cidade de Atenas, o que é facto é que nesta questão dos mega-eventos não há
bela sem senão. Na realidade, o custo da realização dos jogos disparou para valores absoluta-
mente impensáveis aquando da realização do orçamento inicial em 1997.
No mês de Novembro de 2004 começaram a chegar os primeiros resultados. O custo dos jogos,
inicialmente previsto para menos de 5 mil milhões de dólares, ultrapassará certamente os 12 mil
milhões de dólares sem se considerarem os custos das infra-estruturas. Para os Paralímpicos foram
gastos 5, 9 mil milhões de dólares.
Mas os problemas não acabaram com o fim dos jogos, na medida em que há instalações des-
portivas que após o evento foram pura e simplesmente demolidas. Contudo, esta situação até nem
é a mais dramática, na medida em que só para funcionamento e manutenção do complexo olím-
pico de Atenas são necessários 103,8 milhões de dólares anuais.
Como disse Fani Palli-Petralia, ministro da Cultura, os gregos tiveram uns jogos Olímpicos
com um enorme sucesso, vão ter é de passar os próximos anos a pagá-los.
A partir de Associated Press, 12/ll/2004

Bullshit

O problema é que a sociedade actual vive, em muitas circunstâncias, à margem da realidade da


vida. No livro intitulado On Builshit6 , da autoria do filósofo americano Harry Frankfurt, da Universi-
dade Princeton - EUA, a palavra que dá título ao livro é definida como uma forma de falsidade dis-
tinta do mentir. É impossível mentir a menos que se saiba a verdade. Enquanto que o mentiroso
sabe a verdade pelo que, em contrapartida, sabe que está a mentir, pelo contrário, ao "bullshiter"
pouco lhe interessa a verdade porque a única coisa que está em causa são os argumentos que justi-
ficam os seus próprios interesses e objectivos. Na sua lábia o finório não está nem do lado da ver-
dade nem do lado da mentira, ele está simplesmente do seu próprio lado. O que menos lhe
importa é a realidade, na medida em que a conversa fiada está naturalmente ao serviço das suas
conveniências. Esta, infelizmente, é uma das características centrais e não um desvio da sociedade
actual onde muitos dirigentes se permitem ter opiniões sobre assuntos acerca dos quais são pro-
fundos ignorantes. O desporto é sem sombra de dúvidas um deles 7 A vermos bem, ainda de

6
www.princeton.edu
7
Veja-se, por exemplo, a recente posição do ministro dos Negócios Estrangeiros ao querer resolver a questão das caricatu-
ras de Maomé e a sua própria posição com argumentos futebolísticos. Como se sabe, posteriormente, numa espécie de
'"cruzada da bola", o ministério dos Negócios Estrangeiros enviou, com a colaboração da Federação Portuguesa de Futebol,
160 equipamentos desportivos e bolas de futebol para crianças israelitas e palestinianas entre os 10 e os 12 anos que inte-
gram as escolas do Centro Peres para a Paz espalhadas por Israel e Palestina (in Record, 17/3/2006). Quanto a nós tudo
isto não passa de "bullshit", quer dizer, de conversa da trela.
"Agôn" [ 21

acordo com Harry Frankfurt, a conversa da treta é muito mais perigosa do que a própria mentira,
porque enquanto esta estabelece uma ruptura com a realidade, a conversa da treta, ou conversa
fiada, não está completamente desligada da realidade, de maneira a melhor esconder aquilo que o
seu autor realmente pretende. A agravar esta situação, por esquisito que possa parecer, a conversa
da treta tem uma estranha tolerância social, pelo que em determinadas circunstâncias parece assu-
mir-se na maior das hipocrisias como uma autêntica norma social. Em conformidade, a conversa
da treta parece que se está a revelar como algo central no discurso moderno, em que todos se
entendem mas ninguém diz nada, na medida em que o que menos interessa são as verdadeiras
questões. Nietzsche afirmava que se deve falar somente daquilo que se superou, tudo o mais é
tagarelice e falta de disciplina. Deste modo, como ele próprio dizia, os seus escritos falavam das
suas superações.

História com futuro

O desporto tem uma história e um futuro, tem um discurso que o deve organizar no tempo e
no espaço, de acordo com a sociedade onde está inserido. De há cerca de 20 anos a esta parte
encontra-se num processo acelerado de desagregação, pelo que obriga a que sejam encontradas,
para cada situação, as soluções mais adequadas para o gerir numa perspectiva de desenvolvimento
humano que ultrapasse as meras conversas de circunstância que têm caracterizado as políticas
desportivas em muitos países.

A pirâmide

Entendemos que o desenvolvimento do desporto enquanto instrumento de desenvolvimento


humano não pode circunstanciar-se à conversa da treta. O desenvolvimento do desporto tem de
estar circunstanciado a quadros claros de referência em que as pessoas se possam entender. Assim
sendo, com o presente trabalho temos como objectivo fornecer os instrumentos necessários à aná-
lise e compreensão dos verdadeiros problemas que se colocam ao desenvolvimento do desporto
moderno. Para o efeito, sentimos ser necessário voltar aos valores iniciais do desporto, quer eles se
situem no domínio do social ou do económico, de maneira a que, tal como preconiza o CIO, odes-
porto possa ser uma actividade realmente desenvolvida, organizada e gerida, com o objectivo de
"celebrar a humanidade". Mas também sentimos necessidade de prospectivar o desporto do futuro
enquanto instrumento de desenvolvimento humano. Coubertin deixou-nos uma ideia e um projecto
que devemos desenvolver. Dizia ele que "Para que cem se entreguem à cultura física é necessário
que cinquenta pratiquem desporto. Para que cinquenta pratiquem desporto, é necessário que vinte
se especializem. Para que vinte se especializem, é necessário que cinco sejam capazes de proezas
espantosas". Este é o credo que deve animar aqueles que gostam de desporto e entendem que o
desporto, do "agôn" à "areté", vale enquanto projecto de desenvolvimento humano.

A pirâmide de Coubertin

Para que cem se entreguem à cultura física é necessário que cinquenta pratiquem desporto.
Para que cinquenta pratiquem desporto, é necessário que vinte se especializem. Para que vinte se
especializem, é necessário que cinco sejam capazes de proezas espantosas.
Mémoires 0/ympiques, Pierre de Couberlin (1931)
22 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Hoje, sabemos que a pirâmide de Coubertin é falsa. Quer dizer, não garante uma relação de
causalidade entre a base e a elite, na medida em que é perfeitamente possível um país ter um
pequeno grupo de atletas a competir de igual para igual nos grandes e mega-eventos desportivos
internacionais sem que exista uma base de praticantes desportivos aceitável nos países de onde
são originários. Podemos dizer que, entre muitos outros países, Portugal, com uma base de prati-
cantes de 23%, que é uma das mais baixas da Europa, se encontra nessa situação, na medida em
que existem atletas que até obtêm resultados significativos em provas desportivas internacionais
sem que a base de prática desportiva tenha um volume idêntico aos dos países desenvolvidos.
Jacques Rogge, durante a realização dos Jogos Africanos, na Nigéria, em 2003, afirmou aquilo
que há muito vai no espírito daqueles que ainda acreditam que o desporto pode ser um instru-
mento ao serviço da humanidade. Disse o presidente do maior emblema do mundo do desporto
que se opõe à compra de atletas oriundos de países subdesenvolvidos por parte das nações mais
ricas, que assim tentam "aumentar o seu medalheiro em competições". Afirmou, ainda, que a orga-
nização que lidera não gosta que concedam aos atletas passaportes sem que existam fortes razões
sociais, como é o caso do casamento. É evidente que Jacques Rogge não se estava a referir aos
"casamentos brancos" que há uns anos estiveram em voga em Portugal, sem que as entidades
desportivas públicas ou privadas tivessem uma posição frontal, assumida claramente e com a res-
sonância nacional apropriada, relativamente à gravidade do que se estava a passar.

Políticas de holofote

Os dirigentes políticos e desportivos entraram numa autêntica paranóia em matéria de resulta-


dos desportivos nas competições internacionais. Governam para as parangonas nos jornais e
quanto pior for a situação económica e social do país mais eles se esforçam para aparecer acompa-
nhados dos campeões que muitas vezes conseguiram os resultados sem os justos e necessários
apoios. Como só querem medalhas e estas, além de levarem tempo a conseguir, exigem muito tra-
balho e dependem, muitas vezes, de situações fortuitas, jogam pelo seguro, apostam no curto
prazo e numa política de tipo "chave na mão". Em conformidade, olham para os países africanos
como a solução expedita para disfarçarem o fracasso das políticas públicas desportivas de holofote
e apostam em soluções de recrutamento e naturalizações feitas à pressa. Deste modo, destroem o
"agôn" e deturpam a "areté" que deviam presidir aos destinos do desporto.

Maria Muto/a

Conhecida lá para os lados da África Austral, e não só, como "o Expresso do Maputo", em
1988, então com 15 anos de idade, esteve para ingressar no Benfica. Só não ingressou porque os
dirigentes moçambicanos tiveram medo que ela viesse a optar pela nacionalidade portuguesa.
Muto/a foi para os EUA e foi a sorte dela, na medida em que continuou a competir pelo seu país e
não foi submetida às agruras a que os atletas portugueses têm sido sujeitos.

"Medalheiros"

A pirâmide de Coubertin na sua relação causa-efeito é falsa, contudo não é por isso que ela
não pode continuar a ser utilizada, aliás, no próprio espírito da Carta Olímpica, como um credo
por aqueles que acreditam verdadeiramente nas virtualidades do desporto enquanto instrumento
de desenvolvimento humano. O que é facto é que políticas públicas de resultados desportivos
"Agôn" [ 23

internacionais, sem uma base de prática desportiva suficientemente alargada que os justifiquem,
há-de sempre significar subdesenvolvimento, por maiores que sejam as campanhas de lavagem ao
cérebro protagonizadas por uma comunicação social dócil que, comandada por Zeus, vive mais
nos braços de Hermes e de Dionísio do que nos de Apoio e Atena.
Debaixo do epíteto de cooperação, gente sem educação, sem cultura e, por vezes até, sem
escrúpulos, que de África a única ideia que tem é a dos filmes do Tarzan, tem transformado odes-
porto num autêntico instrumento de neocolonialismo. Portugal, que neste domínio devia ter um
comportamento exemplar, tem-se comportado à semelhança dos negreiros dos séculos XV e XVI,
que agora Jacques Rogge, com toda a propriedade, chama de "medalheiros".
[Modelo
Objectivos do capítulo. No presente capítulo vamos realizar um enquadramento geral da
estrutura do presente trabalho, tendo em atenção a necessidade de se construir uma linguagem
de referência comum entre aqueles que intervêm nos domínios do desenvolvimento e da gestão
do desporto.

Não são os indivíduos que lutam uns contra os outros,


mas as ideias.
Friedrich Nietzsche (1844-1900)

De onde vem e para ond e va i o des porto são as interrogações que o fil ósofo do des porto
moderno, Berna rd j eu (1987), coloca no seu livro Analise du Sport. Para sa bermos de on de vem e
para on de va i o des porto é necessá ri o sa bermos ond e o des porto se enco ntra, quer dize r, qu al a
sua situ ação actu al, já que o prese nte é não só o res ultado do passado, que nos dá referências, mas
também um futuro que se deseja co nstruir. PÓrtanto, a situ ação actu al do mundo do des porto é
um ponto de partid a, com vista a perce ber-se aquil o qu e tem vin do a aco ntece r, bem co mo para se
perspectivar o que, no futu ro, pres umive lmente, p o~-á'v ir a suceder.
Vivemos num a sociedade do co nh ecimento(pelo qu e saber ond e é que o des porto está, de .
ond e ve m e para ond e deve camin har só é poss íve l se form os pos suidores, em prim eiro lu gar, de
um a lin guage m co mu m que poss ibil ite o enten di me nto entre dife rentes perspectiv as e, em
segu ndo lu gar, de quad ros teó ricos su fi cie ntemente estruturados que permi tam, em distintos
mome ntos, anali sa r a rea lidade desporti va com a qu al so mos co nfrontados .

linguagem

A desagregação do des porto co m a co nsequente proliferação de diferentes projectos, culturas e


interesses aconse lh a à existência de um a linguagem a partir da qual todos, no res peito pelas res-
pectivas singul arid ades, se possam entend er e interagi r. A existência de um a li nguagem co mum é
tanto mais importa nte qu anto se sa be que a ter min ologia é com pl exa e não está esta bili zada ,
sendo mesmo de preve r qu e continu e a evolui r a grande ve loc idade com a introd ução de nova s
palavras, algun s estra ngeiris mos e outras figuras que aca barão semp re po r dificultar ou facilitar os
processos de entendim ento . Tal co mo o biólogo Jean Rostand (1 894-1 977), diremos qu e "n os pode-
mos entender co m pessoa s qu e não fa lam a mesma língu a, mas não nos ente ndemos com pes-
soas pa ra quem as palavras não têm o mes mo signifi cado". No des porto, as palavra s não têm o
mes mo sign ificado pa ra muita gente, co mo facilmente podemos co mpree nder ao ve rm os algum as
entidades da cúpu la do des porto naciona l, à reve li a dos prin cípi os e va lores que deviam defender, a
pact uare m com a mentira e a deso nestidade porque o que está em causa não são os princíp ios, os
26 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

valores e o desenvolvimento humano mas uma mera conquista e usufruto do poder. Não só em
termos dos seus valores, dos seus objectivos, da sua dialéctica entre fins e meios, mas também ao
nível do operatório, como se pôde constatar durante a preparação para a Olimpíada de Atenas em
que, devido às mais diversas dificuldades de comunicação e entendimento, não foi sequer possível
constituir uma simples "comissão de preparação olímpica". Na realidade, só através da relação biu-
nívoca entre a palavra e o conceito pode resultar a comunicação.

Segundo a Regra Seis, n. o 2, da Carta Olímpica, "os Jogos Olímpicos são os Jogos da Olim-
píada e os Jogos Olímpicos de Inverno".

Com a Carta Olímpica que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2004 deixou de existir o con-
ceito de Jogos Olímpicos de Verão que até então determinavam o período da Olimpíada.

Agora, segundo o Texto de Aplicação à Regra Seis, "uma Olimpíada é um período de quatro
anos civis consecutivos que começa no primeiro de Janeiro do primeiro ano e termina em 31 de
Dezembro do quarto ano". As Olimpíadas contam-se a partir dos primeiros Jogos da Olimpíada
celebrada em Atenas em 1896. "A XXIX Olimpíada começa em 1 de Janeiro de 2008. Os Jogos da
XXIX Olimpíada serão realizados em Beijing. Deste modo, as Olimpíadas deixam de estar associa-
das exclusivamente aos Jogos Olímpicos que se realizam no Verão."

É necessário sistematizar toda uma terminologia que permita o diálogo através da utilização de
palavras que tenham para todos o mesmo significado. Só assim, pela compreensão daquilo que
cada um possa pensar e no respeito pelas respectivas opiniões, é possível evoluir em matéria de
desenvolvimento e organização do desporto, de maneira a que o final de cada ciclo olímpico não se
transforme sistematicamente num muro de lamentações. Nada se tira ou limita, na medida em que
o que temos vindo a procurar é estabelecer um espaço aberto de linguagem comum em que as
mesmas palavras tenham para todos o mesmo significado, para que nos possamos entender e o
desporto possa progredir. As ideias, essas, continuam livres ao sabor dos desejos e da criatividade
de cada um, num ajustamento permanente ao contexto, para que o equacionar livre das mesmas
questões em diferentes momentos seja portador de novas perspectivas conducentes a uma com-
preensão sempre actual do fenómeno desportivo.
A problemática da gestão só ganha verdadeiro significado se for contextualizada. Assim, se
num primeiro momento é de fundamental importância para a gestão do desporto estabelecer uma
linguagem em que todos se entendam uns aos outros, num segundo momento é necessário
encontrar os quadros teóricos que organizem o processo de desenvolvimento do desporto, tendo
em atenção a necessidade duma parcimoniosa e equilibrada utilização de recursos escassos numa
perspectiva de desenvolvimento sustentado, isto é, sem que a prática desportiva das gerações
actuais comprometa as oportunidades de prática desportiva das gerações vindouras. Nesta pers-
pectiva, desenvolvemos o modelo do quadro 1, que deve ser entendido como um instrumento pro-
visório, singular e imperfeito de análise do sistema e não como uma estrutura definitiva sem qual-
quer possibilidade de adaptação e mudança. Deste modo, este e os demais esquemas que
apresentamos ao longo do livro só servem para nos ajudar a comunicar com os leitores e não
como ideias a seguir definitivamente.
Modelo [ 27

Fotocopiadora

Muita gente me pede para observar os treinos do Chelsea e raros são aqueles a quem concedo
esse privilégio. Porquê? Simplesmente porque não acredito em cópias. O original é sempre melhor
que a cópia saída da melhor fotocopiadora do mundo.
José Mourinho, in A Bola. 29(3(2005

Na realidade, a questão está em ser-se capaz de, a partir do estudo e da refiexão, ultrapassar os
modelos dos outros, sobretudo daqueles que demonstram sucesso, para a construção dos próprios
modelos. Daí José Mourinho afirmar que concede a alguns o privilégio de assistirem aos treinos do
Chelsea. Porque não se trata de repetir. Trata-se de, a partir do conhecimento dos outros, construir-
mos o nosso próprio conhecimento.

Uma lógica hipotético-dedutiva

Sendo a gestão uma actividade científica (o que r]ão significa que a gestão seja uma ciência) e
profissional relativamente nova, por um lado, é fácil sistematizar o con'~ecimento na medida em
que os campos de acção ainda estão relativamente abertos, contudo, esse c;onhecimento só ganha
validade se estiver perfeitamente contextualizado, o que já não se revela assim tão fácil. Nesta con-
formidade, não é qualquer modelo de análise que nos interessa utilizar.

De facto, o gestor, perante uma dada realidade, entre o desejo de tudo poder prever através da
utilização ilusória do método científico tradicional eo pensar que nada é possível prever, na medida
em que não existem instrumentos capazes de previsão, tem de ser capaz de conceber modelos de
análise, tão abrangentes quanto possível, que lhe permitam compreender o mundo de maneira a
poder agir em conformidade. A questão está em saber se vamos partir das partes para o todo na
presunção de que poderemos descobrir a lei geral, ou se, no reconhecimento desta impossibili-
dade, partimos do todo para as partes, através da construção de um modelo hipotético-dedutivo
que, caso a caso, dará ou não resposta às necessidades sociais para as quais é necessário encon-
trar respostas convincentes.

Quando estamos no domínio do desenvolvimento humano, a metodologia deve partir duma lógica
hipotético-dedutiva. Para o efeito, é necessário, desde logo, ultrapassar a perspectiva reducionista do
método cartesiano, sustentada numa lógica empírico-racionalista de analisar e compreender o mundo
e, em consequência, o desporto. Quer dizer, não se trata de estabelecer uma dada lei universal através
da utilização de uma fórmula estandardizada, construída a partir de uma determinada amostra que
será sempre tão grande quanto maior for o nosso tempo, os recursos tecnológicos e a verba disponí-
veis. Trata-se de idealizar um paradigma conceptual, que organize de uma forma dinâmica uma conste-
lação de modelos que na sua estrutura representem uma dada visão do mundo, neste caso do mundo
do desporto, que, posteriormente, poderá ou não responder às questões formuladas.

Esta perspectiva, como não podia deixar de ser, aceita um envolvimento (planeadorjobjecto de
planeamento), em vez de defender que se está a funcionar num sistema experimental indutivo que
assegura a distância necessária entre o investigador e o objecto de investigação, ao ponto de não
haver qualquer contaminação emocional entre aquele que planeia eo produto do planeamento, isto
é, entre o agente de desenvolvimento eo próprio desenvolvimento. Na realidade, o gestor não é um
ser neutro, é um ser emocional e comprometido - o desenvolvimento pressupõe um determinado
28 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

Quadro 1 Modelo de desenvolvimento organizacional

Ambiente Ambiente
Organização ·--------·---------··-··-

--- --------------------------------------

"'
·a,
o
Gestão -----·---··· ----.-
oc
u
"'
t- Agonística

Movimento Desporto Instituição


--------·---·-------·-·----·----!-··-

Filosofia --------

I Voco~o----
L
M1ssão
~
"c

u
:::J

Vit_
Estrutura ri'
c
õl

)lo Identidade cultural ~------

1·- - - - - - - - - - - ----···---··------···------···---··---·+-----

Mudança ---·----·---·-

Situação - - - - ----------·------)~»Planeamento
·"'E"' t
9
:::J

'"'
o
c +
Projectos -<----
Política
-------··------Objectivos
'"'
3

' -t------------------------------
- - - - ---))I>P.

·----~
Estratégia

Funções e Tarefas
~---------···-

..,.~~-------
----1-

-------·----~
Desenvolvimento
L _ __ _ _ _ ~-------- - - - -
Nível Desportivo
Ambiente Ambiente

tipo de sociedade que se deseja construir-, pelo que, tal como nos diz António Damásio (1998) no
Erro de Descartes" ... a razão pode não ser tão pura quanto a maioria de nós pensa que é ou desejaria
que fosse, e as emoções e os sentimentos podem não ser de todo uns intrusos no bastião da razão,
podendo encontrar-se, pelo contrário, enredados nas suas teias, para o melhor e para o pior". Em
conformidade, ainda na lógica de António Damásio, a emoção no seu melhor, através dos instru-
mentos da lógica, entre aquilo que é e não é susceptível de ser planeado, encaminha-nos na direcção
correcta da previsão e do processo hipotético-dedutivo de tomada de decisão que, na linha de Henry
Fayol, é a actividade mais nobre do gestor.
Modelo [ 29

Estamos a passar dum sistema social baseado na lógica da civilização industrial, em que o
Homem, inclusivamente o "homo ludens", foi, numa cultura empírico-racionalista, muitas e varia-
das vezes tratado como uma simples peça de máquina, para uma lógica pós-industrial, em que o
Homem, pelos direitos que lhe assistem, tem vindo a ganhar independência em relação às máqui-
nas, sejam elas de desporto ou não, que o devem servir. Nesta perspectiva, o desenvolvimento
organizacional, como visão comportamental (behaviorista) da organização surgida a partir da "teo-
ria das relações humanas", enquadra uma análise eminentemente sociológica e motivacional das
organizações e da sua gestão. Esta óptica visa ultrapassar aquela "cultura-máquina" em que, em
regime de exclusividade, sucessivas gerações foram educadas. Deste modo, a organização passa a
ser entendida como um corpo social, com vida e cultura próprias, onde se desenvolvem estilos
comportamentais centrados no processo de desenvolvimento das próprias pessoas com vista à
constante adaptação das organizações ao ambiente que as envolve. Por isso, na perspectiva da sua
gestão, o desenvolvimento organizacional comporta (ver quadro 1):
'1. Tecnologia: A tecnologia ao serviço das pessoas e não o contrário. A tecnologia do e no des-
porto é um meio e não um fim em si;
2. Cultura: Adaptação da cultura da organização à mudança e aos desafios do futuro;
3· Dinâmica: Esforço continuado, participado e estrategicamente planeado, das organizações
gerirem os processos de mudança pessoal, grupal, organizacional e social.

Padrões comportamentais

Só é possível gerir estas três dimensões, na sua plenitude, se as considerarmos integradas num
processo de desenvolvimento humano, porque o desenvolvimento organizacional está intima-
mente ligado à capacidade adaptativa da tecnologia e da cultura da organização à mudança, ao
equilíbrio entre os interesses da produção e a satisfação das pessoas nas organizações onde vivem.
Deste modo, a vida das pessoas dentro das organizações tem de ser entendida para além da for-
malidade, quer dizer, da burocracia, na medida em que elas aceitam cada vez menos ser reduzidas
a simples peças de uma qualquer máquina. Por isso, a gestão das organizações numa perspectiva
desenvolvimentista tem como um dos seus principais objectivos equilibrar as necessidades huma-
nas com as da própria organização, tendo em vista a preservação do futuro, uma vez que, como se
disse, o desenvolvimento para ser sustentado não pode ser realizado à custa do bem-estar das
gerações vindouras.
Vamos desenvolver o quadro teórico apresentado considerando no capítulo 3 o ambiente. Hoje,
as organizações desportivas são envolvidas por um ambiente que está em constante mutação. Em
conformidade, é necessária capacidade para, em cada momento, o caracterizar para melhor o com-
preender. Assim, consideraremos o ambiente que envolve o mundo das organizações desportivas
tendo em atenção que existe uma dialéctica constante entre o desporto e a sociedade. O capítulo
será desenvolvido considerando a forma de mudança, os conteúdos, os factores, os cenários, as
atitudes e, finalmente, numa perspectiva global, as consequências.
No capítulo 4 trataremos das questões relativas à organização propriamente dita. Começare-
mos por definir o que se entende por organização, tendo em atenção diferentes perspectivas para,
de seguida, abordarmos a gestão do trabalho, tomando em consideração os mecanismos e os Bu-
xos que mais contribuem para um funcionamento eficiente das organizações. No capítulo 5 vamos
considerar a tecnologia. Para nós, trata-se da tecnologia da gestão do desporto que, enquanto acti-
vidade contextualizada, tem de ser encontrada na interface entre a gestão e o próprio desporto. No
capítulo 6 abordaremos a problemática da cultura no que diz respeito à filosofia das organizações
'
,;
,.
ft.;gôn I.Gestão do desporto~ 1'0 jog~ de z~~s :.- .
.
.
·~ ·-

desportivas e à sua identidade cultural. Esclareceremos os conceitos de vocação, missão, compor·


tamento, visão e estrutura. O sétimo capítulo trata das questões relativas ao desenvolvimento,
abordando a problemática do conceito e os princípios do desenvolvimento circunstanc iados ao
desporto. Termina com o conceito de nível desportivo e equaciona algumas questões relativas às
perspectivas futuras. O oitavo capítulo aborda o planeamento. As questões do tempo e a organiza·
ção do futuro vão servir de base de suporte ao planeamento estratégico, táctico e operacioní)l. Este
capítu lo conclui com um sistema de controlo . O nono capítulo trata da gestão de projectos. A iden·
tificação do projecto, as técnicas de programação, a modelação e .o sistema de contro lo. Final·
mente, o décimo capítu lo conclui com as questões da "areté" enquanto consequência natural da
educação agonística, condição "sine qua non" para que Portugal, numa cu ltura de exce lência,
possa superar as profundas dificuldades económicas e sociais em que hoje se encontra.
[ Coos e oAmbiente

Objectivos do capítulo. Antes de serem criados o céu, a terra e o mar, todas as coisas apre-
sentavam um aspecto a que se dava o nome de Caos 8. Aterra, o mar e o ar estavam todos mis-
turados de tal maneira que a terra não era sólida, o mar não era líquido e o ar não era transpa-
rente. Assim, Caos representa uma informe e confusa massa, mero peso morto, no quat
contudo, jaziam latentesàs---s~s de todas as coisas que iriam existir e acontecer.
Caos simboliza o ambiente caótico que hoje envolve todas as organizações. Ogestor tem de ser
capaz de olhar para o mundo que envolve o desporto e promover a organização e os projectos,
através da criação de equilíbrios dinâmicos entre os recursos e os constrangimentos, em função
dos interesses da maioria. Tem de encontrar a ordem dentro da desordem, perceber o regular na
irregularidade, determinar o grau de variação constante e apurar a variabilidade consistente.
Assim, no presente capítulo, vamos tratar. do ambiente que envolve o mundo das organizações des-
portivas. Vamos considerá-lo em função das circunstâncias que podem evoluir de uma situação
fechada e estática até uma outra completamente oposta, aberta, dinâmica, de configuração caótica e
de extraordinária turbulência. Deste modo, serão considerados os seguintes aspectos: (1.0 ) Aforma
que determina odesenho com que a mudança acontece; (2. Oconteúdo no que respeita aos aspec-
0
)

tos substantivos da mudança; (3. 0 ) Os factores que, eventualmente, podem desencadear a mudança;
(4. 0 ) Os cenários relativamente à organização do futuro; (5. 0 ) As atitudes de que o gestor deve ser
possuidor a fim de enfrentar a mudança como uma realidade de todos os dias; (6. As consequên-
0
)

cias que decorrem da mudança. Finalmente, concluímos com algumas recomendações.

Maturidade do Homem : significa ter-se encontrado a


seriedade que se tinha em criança, ao jogar.
Fried ri ch Nietzsche (1 844-1900)

O des porto, desde qu e, em 1960, a televi são entrou pela primeira vez em larga escal a nos Jogos
Olímpi cos 9, tem vindo a ganhar um a progress iva importância na soci edad e. Muito provavelmente, será
um dos sectores do desenvolvim ento human o, a par da mú sica e do lazer tecnológico , com maior
importância na confi guração social do corrente século. Qu er dizer que, se por um lado o des porto tem
sido infiuen ciado pela din âmica social, a partir da co municação globa l ini ciad a, fund am enta lmente,

8
A relação que em cada ca pítul o fazemos aos deuses gregos tem co mo ideia origin al a obra de Charles Handy, in titul ada Os
Deuses da Gestão. Handy co nsi derou 4 deuses: Ze us, Apo io, Atena e Di on ísio.
9
Na realid ade, a primeira vez que a te lev isão entrou nos jogos Olímpicos foi em Berlim , em 1936. Contudo, a experiência fo i
rea li zada em te rmos muito lim itados. Em 1948, em Londres, já houve uma tran sm issão para um número restri to de pes-
soas. De facto, só em 1960, em Roma, é que a transmissão telev isionada dos Jogos assumiu uma dimensão qualitati va e
qu antitativa signifi cati va a um a esca la global.
32 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

com as novas tecnologias, por outro, numa espécie de regresso ao passado10 , começou, também, a
inBuenciar a sociedade, não só a partir dos padrões de moda que impõe como pelos estilos de vida que
organiza, principalmente naquilo que diz respeito à gestão do tempo livre, à educação d~e ao
interesse pelos grandes ou mega-eventos desportivos 11 .
Por isso, nas duas últimas décadas o desporto tem vindo a deixar de ser gerido por dirigentes
diletantes que se envolviam no desporto por motivos exclusivos de satisfação pessoal, para passar a
sê-lo por empreendedores e gestores numa lógica de desenvolvimento social ejou económico.
Como vimos nas candidaturas de Londres, Paris, Moscovo, Nova Iorque e Madrid à organização dos
jogos Olímpicos de 2012, a decisão de candidatura não aconteceu por mero capricho de qualquer
dirigente em busca de protagonismo. A decisão aconteceu porque houve uma mobilização dos
governos e, como se pôde verificar pelos respectivos sites na Internet, foi também idealizada toda
uma estratégia de desenvolvimento económico e social dos países e das respectivas cidades.

Um futuro com história

Aquilo que hoje nos apercebemos acerca desta actividade que se organiza à escala planetária é
que é o produto final dum processo iniciado há muito tempo, em nossa opinião há alguns milé-
nios, processo esse em plena evolução, provavelmente interminável, tal e qual uma história sem
fim, num perpétuo evoluir, em busca de novas ideias, novas sensações, novas práticas e novas
dinâmicas sociais e, em consequência, de novos projectos de desenvolvimento humano. Se o des-
porto, hoje, já não é o que era, podemos com a mesma certeza afirmar que o desporto de amanhã
não será, certamente, aquilo que hoje conhecemos. Portanto, se é necessário compreender o des-
porto que temos a partir das suas raízes que, numa perspectiva antropológica, se prolongam até
aos tempos mais recônditos da história da humanidade, é também muito importante tentar com-
preender as grandes tendências que organizam o desporto do futuro e o projectam neste novo
milénio. Descobrir as raízes do desporto, as suas origens, os seus ritos e as suas identidades é
11
compreender a própria vida, na medida em que sendo o desporto um testemunho vivo dos nossos
ancestrais ele deve também de ser entendido como a mola primordial da civilização.

Compreender aquilo que está a mudar

Nesta perspectiva, é necessário compreender os processos que determinam a mudança, para


se compreender aquilo que tem vindo e está a acontecer ao desporto. Conhecer o desporto para
além daquilo que existe é wmpreender, antes de tudo, aquilo que está num estado de evolução
constante, bem como as suas causas e consequências . Mais importante do que conhecer as estru-
turas, e organizar o desporto a partir delas, é conhecer os processos e gerir o desporto a partir
deles. Só se pode gerir o desporto se se compreender aquilo que está a mudar. Por isso, o que se
espera de um gestor é a sua capacidade para gerir processos de mudança social e organizacional.

10
Veja-se, por exemplo, os grandes festivais atléticos Pan-helénicos que organizavam a vida social (cf. Pereira, Maria Helena
da Rocha).
11
A este respeito temos eventos, grandes eventos e mega-eventos desportivos. O evento desportivo tem um carácter local,
uma dimensão limitada, podendo ou não ser internacional, por exemplo, a Meia Maratona de Lisboa. O grande evento
desportivo é uma realização de ordem internacional em que está em causa uma única modalidade, por exemplo, o Euro
2004. O mega-evento é uma realização desportiva de nível internacional composta por várias modalidades desportivas,
por exemplo, os jogos Continentais (jogos Asiáticos) ou os jogos Olímpicos.
Caos e o Ambiente [ 33

Assim, a gestão do desporto ob~a--a-conhecer e compreender os processos de mudança, pessoal,


grupal, organizacional e social , na medida em que a gestão, seja ela do desporto ou de outra activi-
dade qualquer, só ganha verdadeiramente sentido se for contextualizada a uma dada realidade. Entre
um gestor de fortunas e um gestor de falência s existe um mundo de diferentes situações caracteri-
zado pelos respectivos contextos que devem ser con hecidos de A a Z pelos respectivos gestores.
Gerir um hospital é diferente de gerir um clube, e uma escola de desporto diferente de gerir uma
sociedade anónima desportiva, pelo que cada um dos exemplos tem de ser tratado em função da
tecnologia específica que o caracteriza e os respectivos contextos onde as operações acontecem.

Futebol Clube do Porto

A época de 2003j2oo4 foi um sucesso desportivo e financeiro. Do ponto de vista desportivo o


clube ganhou a Liga e o Campeonato Europeu de Clubes. Do ponto de vista financeiro a SAD teve
um lu cro de quase 25 milhões de euros. O FC Porto arrecadou 15 milhões de euros com a venda de
Deco ao Barcelona, 20 milhões com a venda de Paulo Ferreira ao Chelsea e 30 por Ricardo Carva-
lho ainda ao Chelsea. Embora se desconheça o valor, o clube amea lhou ainda a verba relativa à
transferência de José Mourinho também para o Chelsea (SIC, 7/19/2004)· As questões e operações
que se colocam no quadro de uma SAD são bem diferentes daquelas que se co locam no âmbito de
uma escola de desporto. Se assim não fos se, o Futebol Clube do Porto, na época de 2004/2005,
repetiria sem quaisquer problemas os êxitos das épocas anteriores.
Como referimos, nos tempos que correm, para se gerir seja o que for é necessário dominar a
tecnologia em causa bem como o ambiente que a rodeia. Mas não só. É necessá rio compreender
as duas realidades- tecnologia e amb iente- numa perspectiva dinâmica. Por isso, é de fundamen-
tal interesse compreender a dinâmica da mudança social.

Mudança social

Têm sido diversos os investigadores que se têm dedicado ao estudo dos processos de mudança
social. Robert Nisbet (1969), um dos primeiros a abordar esta questão, identificava a mudança socia l
com a própria história. Dizi a ele que não pode haver reflexão, teoria ou in vestigação sobre a
mudança socia l que se distinga da história. Ortega y Gasset (1988) afirmava que cabia ao historiador
a profecia. Para ele, a história só tem valor científico desde que torne a profecia possível. O historia-
dor é um profeta ao contrário. "Compr~e ndemos historicamente uma situação quando a vemos sur-
gir necessariamente de outra anterior", diz-nos Ortega y Gasset em E/ Tema de Nuestro Tiempo.
Nesta perspectiva, para os hi storicistas, organizar o futuro, quer dizer, prever, é pôr a história a
andar ao contrário . Só que, como muitos outros autores afirmam, a investigação não acaba na histó-
ria, pelo que têm de ser consideradas diferentes perspectivas de aná li se provenientes de diversos
saberes, entre eles a economia, a sociologia, a gestão ou a estratégia. Assim, Max Weber (1864-1920)
acentu a o carácter necessariamente relativo que a história confere a toda a fi losofia e a todo o conhe-
cim ento, vendo nela um limite para a va lid ade das manifestações do espírito.

A miséria do historicismo

Numa posição mais radical, e partindo da id eia de que "o passado não fala por si só" (the past
cannot speakfor itselj), o historicismo foi criticado por Karl Popper com um escrito datado de 1957,
intitulado Miséria do Historicismo. O problema é que se a história não se repete com exactidão, o
futuro também não surge exactamente por acaso.

AGONGD-03
ri rr
34 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Vamos tratar as questões relativas à mudança social tendo em co nsid eração seis perspecti vas
fundam enta is:
1. Forma; 4· Cená rio s;
2. Conteúdos; S· Atitud es; (
3· Factores; 6. Co nsequ ênc ias .

3.1 Forma
O passado não nos dirá o que temos de fazer mas o que
temos de evitar.
Ortega y Gasset

Thomas Kuhn (1970)

O desenvolvimento e a conseq uente mudança socia l, segu ndo Thomas Kuhn (1970), obedecem,
em geral, a um processo que se dese ncadeia er:n três fases:
1. Ciência normal;
2. Revo lu ção;
3· Nova ciência normal.

A luta entre o novo e o velho

Nesta perspectiva trifás ica existe uma interpretação de sco ntínua e con flitu al do desenvo lvi -
mento. De facto, na prim eira fase referida pelo autor, a de ciência norm al, o paradigma vigen te
ca ra cteriz ado pelo co njunto das orientações teóricas em voga, com maior ou menor coerênc ia,
serve de quad ro de referência à co muni dade li gada a um a dada di sc iplin a ou ramo da actividade
cie ntífica. A esta fase segue-se um a outra (revo lução), em que co meçam a ser detectadas no sis-
tema anoma lia s, turbul ência s, se qui sermos utilizar a terminologia de Charles Handy (1994). Neste
se·gund o mome nto id entifi cam-se facto s e circun stâ ncia s que já não se enquadram na norma do
paradi gma dom in an te. Começa-se mesmo a verifi car con trad ições nas teorias até então acei tes.
Aquilo qu e existe aind a nã.o é posto de lado de forma abrupta, oo enta nto, também já não é total-
mente ace ite de forma perfeita mente ass umida. A teo ria domin ante leva tempo a se r alterada, por-
que os seus defensores mais acérrim os têm interesse em manter o paradi gma anti go, como nos
diz Ray mond Bou don (1990), esforça nd o-se por supera r as anoma li as de forma a, de algu ma
man eira, darem res posta às din âmica s soc iais (l eia-se turbul ências) dese ncadeadas pe las co ntradi-
ções entre o parad igma vel ho e o paradigma novo. De "anomali a" em "anoma lia" integrada, a tur-
bu lência aumenta. O sistema co meça a ap rox imar-se ve rtigin osa mente de um po nto de ruptura. O
paradi gma velho aca bará por morrer em proveito de um novo parad igma qu e, entretanto, foi
encontrando cada vez melh ores condições de dese nvo lvim ento. Entra-se, deste modo, na terce ira
fase, denomin ada de "nova ciência norm al", em que tud o se repete . A nova ciê ncia aca bará po r se
transform ar em ciência norm al, as anom ali as surgirão, a pressão e o ca lor do siste ma aumentarão,
tudo se vai repetir no cicl o etern o da vid a, tal qu al cicl o da Natureza ond e tud o se renova ao ritmo
das qu atro estações ... , ano após ano.
Caos e o Ambiente [ 35

Teoria da Curva Sigmóide

Tal como Thomas l<uhn (1970), a perspectiva de Charles Handy (1994), na sua "Teoria da Curva
Sigmóide" (ver quadro 2) não nos diz o que vai mudar, mas sim a maneira como se desencadeiam
as mudanças. O sigma é a letra do alfabeto grego que corresponde ao nosso (S). Representa a histó-
ria da vida, a metáfora da vida. Nascemos, crescemos, desenvolvemo-nos, entramos em declínio e,
finalmente, morremos. O que se passa com as pessoas, passa-se, também, com as ideias, as organi-
zações e até com os próprios impérios e civilizações.

Queda de impérios

O império soviético, depois de crescer e de se desenvolver, atingiu um apogeu que não resistiu
às contradições internas e às pressões e ameaças externas. Em conformidade, desmoronou-se sobre
si próprio como tivemos a oportunidade de assistir em 1989, com a queda do Muro de Berlim e a
desagregação da União Soviética e dos seus países-satélites. Tal como caem impérios também
caem nações, países, organizações, filosofias e ideias.

Ver mais longe e primeiro

As civilizações têm vindo a existir ao longo do tempo e, se acreditarmos nos historicistas, de


acordo com o ritmo do "relógio da história". Nascem, crescem, vivem e morrem. Naquilo que nos
diz respeito, estamos, precisamente, a passar de uma civilização a que chamamos "industrial" para
uma "pós-industrial". Tal como o desporto está a passar dum modelo organizado a partir da lógica
da civilização industrial, o chamado Modelo Europeu de Desporto, para uma lógica pós-industrial
que adiante esclareceremos em pormenor.
Ao longo do tempo, o ritmo e a aceleração da mudança estão configurados na curva sigmóide
(ver quadro 2). Felizmente, como nos diz Charles Handy, "existe vida" e, por isso, futuro do outro
lado da curva. Deste modo, "o segredo da vida eterna" é começar uma nova curva sigmóide antes
da primeira se ter afundado em demasia. Antes de ter entrado em colapso. Antes de ter morrido. É
o problema da "falsificabilidade" que nos é colocado por Popper: "é preferível que morram as teo-
rias a morrermos nós próprios". Portanto, a partir do momento em que uma dada teoria deixou de
responder às condições de "falsificabilidade" deve ser abandonada 12 . Descobrir o momento exacto
para se iniciar essa mudança é a operação mais difícil. Muitas vezes, só reservada a alguns. Àqueles
que revelam a capacidade de verem primeiro e mais longe do que os outros. O problema é que as
pessoas, muitas vezes, não querem ver. Agarram-se ao passado, como a uma bóia de salvação,
sem compreenderem que o passado já passou e, por isso, já não responde às necessidades de um
tempo novo. Charles Handy (1995) diz-nos que não podemos deixar que o nosso passado, ainda
que glorioso, esbarre o caminho do nosso futuro promissor.

12
l(arl Popper (1934), no livro A Lógica da Descoberta Científica, critica o positivismo em geral e, em especial, o método
indutivo em ciências naturais. Em alternativa ao "'verificacionismo" do empírico-racionalismo, ele propõe uma lógica de
"falsificabil1dade". Deste modo, reJeita o processo de indução que parte da análise dos factos para construir a lei geral,
para desenvolver um modelo hipotético-dedutivo em que as teorias são validadas ou não, enquanto res1slirem ou não aos
testes que determinam ou não a sua falsificabilidade. Contudo, caso a teoria resista aos testes, não significa que esteja
certa em termos absolutos, apenas que pode ser aceite provisoriamente, enquanto não for substituída por uma outra que
lhes resista melhor.
36 ) Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

· Jogada de antecipação

Para Charles Handy (1994), a mudança tem de ser realizada quando se começa a compreender
que as capacidades de um dado sistema vão entrar em co lapso num futuro mais ou menos pró-
ximo. Por isso, a mudança tem de ser preparada enquanto as potencialidades do sistema, traduzi·
das pelo seu posicionamento na curva sigmóide, ainda não se esgotaram, quer dizer, enquanto
existem as energias necessárias para se iniciar uma nova curva, isto é, uma nova mudança e um
novo ciclo de vida. O problema é que, por contraditório que possa parecer, a mudança tem de se
começar a processar, precisamente, enquanto todas as informações que chegam ao sistema ner-
voso central (metáfora da organ ização enquanto sistema nervoso capaz de processar informação)
indicam que tudo está a correr bem (ponto A do quadro 2). Nada indicia, naquele momento, que
alguma coisa tem de mudar. Assim, torna-se necessária uma jogada de antecipação, sustentada na
capacidade de ver mais longe e de arriscar a mudança, enquanto ainda houver energia vital para
mudar. Até porque, se os deuses tudo podem, os Homens, na sua pequenez mundana, estão limi-
tados a ter de arriscar. Quando acontece eles arriscarem então ini ciam uma nova curva sigmóide
que significa um novo paradigma e um novo ciclo de vida.

A oportunidade da mudança

O problema é que, muitas vezes, a vontade de mudar só surge quançlo a --energia vital para a
mudança ou já é muito reduzida ou já não existe. Em consequência, a ma'rgem ·de manobra também
começa a ser mu ito limitada, pelo que tudo acaba por ser muito mais difícil (ponto B do quadro 2).
Por isso, se uma dada situação atingir o ponto B da curva, é necessário um esforço cons iderável que,
numa atitude diferente, poderia ser rentab ilizado de uma forma mais eficaz e com maiores provei·
tos. Quando se está no ponto B tudo é mais difícil na competição pelo futuro, desde a mobilização
das pessoas até à obtenção dos próprios recursos, ou, mais grave ainda, da própria vontade para
mudar. A arte está em começar a mudança no ponto A de forma a que sejam os próprios interessa-
dos a controlar as condições de mudança em vez de serem controlados por elas.

, A resistência à mudança

A problemática da mudança, geralmente, encontra-se associada a todo o tipo de resistências à


própria mudança. Como se disse, as pessoas e as organizações encontram-se bem instaladas
quando estão no ponto A. As ideias ainda apresentam estruturas estáveis que transmitem segu-
rança àqueles que funcionam com um horizonte temporal de curto prazo. Contudo, aque les que
têm outra perspectiva, qu·e organizam a vida segundo um horizt>nte tempora l de longo prazo, aper-
cebem-se primeiro das situações e, por isso, estão mais receptivos a uma mudança em termos de
organ ização do futuro. O problema é que a mudança incomoda consciênc ias adormecidas por
anos a fio de rotinas. É normal que tal aconteça, mas também é normal que su rj am momentos em
que se agitam ideias, em que se trocam opiniões, em que se divu lgam experiências, em que se con·
frontam pontos de vista, para que tudo possa ser reequacionado de novo. Momentos de antecipa-
ção. Momentos em que tudo é possível fazer renascer, tal co~o a vid a e o ciclo da Natureza o
fazem, ano após ano. Contudo, há que ter atenção e cuidado com aqueles que falam de mudança
para mudarem o menos possível e que quando são obrigados a mudar tratam de fazer com que a
mudança não ponha em causa o statu quo.

O renascimento do desporto

Por tudo isto, questionar hoje o desporto, a sua organização e as práticas desportivas é, antes de
mais, criar as cond ições para que o desporto possa, mais uma vez, renascer. Isto é um trabalho a ser
Caos e o Ambiente [ 37

partilhado por todos, sem dogmas, sem preconceitos e sem ideias feitas, já que, em nossa opinião,
estamos entre os pontos A e B da sigmóide (ver quadro 2). Estamos a passar de uma prática despor-
tiva construída na base da lógica do industrialismo para uma prática desportiva que terá, necessaria-
mente, de ser organizada na lógica da civilização pós-industrial. Por isso, tal como o modelo de
treino fraccionado recusado por José Mourinho, também o tradicional Modelo Europeu de Desporto,
de configuração piramidal e corporativo, deixou de responder às dinâmicas de desenvolvimento dos
vários sectores desportivos, pelo que têm de ser idealizados e construídos novos modelos de organi-
zação e gestão das práticas desportivas que respondam às necessidades do desporto pós-industrial
e à dinâmica de participação de uma sociedade aberta.

' Modelo Europeu de Desporto

O problema actual do Modelo Europeu de Desporto tem sobretudo a ver com o facto de o des-
porto federado, durante os três primeiros quartéis do século XX, ter sido desenvolvido numa lógica
corporativa de prática desportiva amadora e numa dinâmica organizacional de promoção social.
Hoje, o desporto federado está a ser desenvolvido numa lógica económica de prática desportiva
profissional e numa dinâmica organizacional de gestão de negócios. Em conformidade, estão sub-
vertidos os princípios, os valores, os objectivos e as estratégias do modelo inicial. Consequente-
mente, as contradições estão a evoluir inexoravelmente para níveis de ruptura, como se pode verifi- '
car em modalidades como, por exemplo, entre outras, o andebol ou o futebol, sem que os poderes I
públicos ou de direito privado demonstrem qualquer capacidade para alterarem o processo a cami- •
nho da ruptura total.

Alvin Toffler (1980)

Este é outro autor que, no final do milénio passado, também abordou a problemática da transfor-
mação e da mudança social sob o ponto de vista da sua forma. Toffier vê a história como uma "suces-
são de vagas" e pergunta aonde é que cada uma das vagas conduziu os destinos da humanidade.

A 1. 3 vaga

Há cerca de dez mil anos iniciou-se um processo que é hoje conhecido pelo nome de revolução
agrícola. Este processo desencadeou transformações radicais na vida das populações, já que as
fixou a um local certo. As populações deixaram de ser nómadas para passarem a ser sedentárias.
Desenvolveram-se novos sistemas de organização social que se prolongaram até ao surgimento da
segunda vaga de mudança, a revolução industrial. Antes da primeira vaga de mudança, os seres
humanos viviam em pequenos grupos, as hordas, frequentemente migratórias, que subsistiam da
caça, da pesca e da pastorícia. As l:10rdas existiam isoladas. Vagueavam anos e anos sem se encon-
trarem umas com as outras. O número de indivíduos da espécie humana era muito reduzido em
todo o planeta. As condições de vida eram terríveis. Só subsistiam os mais fortes, quer dizer, os
que melhor se adaptavam, ou, segundo outros, aqueles que eram bafejados pela sorte do acaso.
Entretanto, surgiu um período em que as condições de vida melhoraram. A mãe Natureza foi fértil
e a pressão da luta contínua pela sobrevivência tornou-se mais suave. Em consequência, a espécie
humana viveu um período de grande reprodução. A população cresceu. O corpo social adquiriu for-
mas mais estruturadas e organizadas. Como refere Jorge Crespo (lS87), "o jogo e o trabalho forma-
vam uma unidade dialéctica, integrando as dimensões utilitária e de prazer ... ".
38 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Entretanto, as hordas passaram a contactar das mais diversas maneiras umas com as outras.
As condições favoráveis permitiram, ainda, que as hordas encurtassem as deslocações e aumentas-
sem os tempos de repouso. Já não eram necessárias tantas deslocações. As hordas sedentariza-
ram-se e transformaram-se em tribos. Deste modo, ficaram criadas as condições para que a huma-
nidade desse mais um passo no caminho do seu desenvolvimento. Durante esta pequena
descrição que Ortega y Gasset (1987) nos relata em A Origem DesportitJa do Estado, em algumas
páginas e alguns minutos de leitura, passaram-se, entretanto, alguns milhares de anos.
Ortega y Gasset vê na dinâmica de organização social a partir de grupos etários a origem do
Estado que encontrou as suas condições de desenvolvimento precisamente no grupo (clube) dos
jovens. Daí o autor defender a "origem desportiva do Estado". Nesta perspectiva, o princípio da
organização do Estado assentou na idade, ao contrário daquilo que defendem os marxistas que
entendem a dinâmica social através de uma organização de grupos económicos e sociais e na luta
de classes.
Ortega y Gasset (1987) coloca ainda as coisas na "pequena grande" questão que está em saber
onde é que tudo começa? Onde é que começa a actividade humana> No lazer ou no trabalho? Quer
dizer, no desporto, isto é, na cultura (entendida esta como uma forma superior de lazer e de des-.
porto) ou no trabalho? John Hoberman (1984) denominou a esta questão "a dialéctica trabalho-lazer e
as origens da ideologia", no segundo capítulo do seu livro Sport and Politica/ ldeology. A resposta
coloca uma separação entre uma corrente liberal de ver o fenómeno desportivo e uma perspectiva
marxista que o vê ao serviço da classe dominanteD Para os liberais, na linha de Ortega y Gasset, o
lazer é o acto espontâneo e criador e, por isso, a categoria fundamental da vida. Pelo contrário, para
os marxistas, a categoria fundamental da vida está no trabalho. Álvaro Cunhai, em entrevista à revista
Expresso (20/4/1996), dizia: "Nós os marxistas dizemos que o género humano começou a ser género
humano no dia em que o Homem produziu os seus instrumentos de trabalho".
Segundo Allan Guttmann (1978), as mais diversas modalidades desportivas e suas especialida-
des, como a corrida, o salto, os lançamentos, a luta, estão tão próximas das ancestrais actividades
relacionadas com a caça e a guerra que podem ser considerados como actos espontâneos e criado-
res da luta pela vida, que podem também ser considerados como derivantes mais ou menos direc-
tas do "processo de produção".

13
Ver Jean-Marie Brohm (1972) Sociologie Politique du Sport, Par·is, Maspero. Este trabalho, segundo nota do autor, foi, pela
primeira vez, publicado em 1966. Em Portugal foi publicada uma tradução em 1974, editada pela Delfos. De notar que,
independentemente de lerem passado 40 anos, ao contrário de muitos arrependidos que em Portugal e por esse mundo
fora se entregaram às delícias do mercantilismo neoliberal em que o despmlo, como se vru entre nós durante o Euro
2004, e no Mundial 2006, foi utilizado como um instrumento de alienação de massas, Jean-Marie Brohm contrnua a
manter uma coerência intocável no que diz respeito à análise social, numa perspectiva marxista, o que não significa
comunista, que faz do desporto e das suas instituições que vão desde o mais pequeno clube ao Comité Olímpico Interna-
cional, enquanto "aparelhos ideológicos do Estado". Tiramos o chapéu à sua coerêncra. Com uma vasta obra publicada
ao longo de mais de 30 anos, o seu último trabalho surgiu recentemente na revista 11/usio, n." 1, Junho de 2004, dedicada
aos Jogos Olímpicos, com um artigo intitulado "Critque de L'lllusion e lllusron Critique". Hoje, os nossos coraJosos mar-
xistas do 25 de Abril, que se entregar'am ao bacanal das mordomias do neoliberalismo tantas vezes selvagem, sem se
aperceberem de que não tinham necessidade de renegar o passado, deviam voltar a ler Jean-Marie Brohm. Se não acredi-
tam comecem por ler o padre jesuíta francês Jean-Yves Calvez, um dos primeiros teólogos a debruçar-se sobre l<arl Marx,
que nos diz que o pensamento do velho filósofo da economia política ainda está, de muitas maneiras, actual. Muito
embma a situação a que se referenciava Marx fosse bem diíerente da de hoje, a análise que fez da economia e a crítica ao
capitalismo permanecem válrdas. No livro Mudar o Capitalismo, Jean-Yves Calvez defende que "é possível encontrar
meios para tornar o capitalismo mais igual e menos divisor da sociedade". A diíerença em a Marx é que ele
achava que o capitalismo era incapaz de tirar as pessoas da miséria, hoje sabemos que, de facto, é o único modelo eco-
nómico conhecido com possibilidades de o fazer se estiver imbuído de um sentido ético de desenvolvimento.
Caos e o Ambiente [ 39

Muito provavelmente, hoj e es tamo s perante um a si tua ção de pré-conflito interge racional. O fim
do Estado-Provid ência e a crise do emprego estão a co nduzir a sociedade nos países des envolvidos
a um a situação em que um a geração bem instal ada na vida está a coarctar as possibilidades de afir-
mação e desenvolvimento às ge rações que a antecedem . Tal co mo afirma John Rawls (1997), "a
ideia estruturante fundam ental da ju sti ça como equidade, de aco rdo com a qual todas as outras
ideia s básicas são sistemati ca m ente li gadas , é a da socied ade co mo um sistem a eq uitati vo de coo-
pera ção ao lon go do tempo, detendo um carácter interge racional" .

A 2.• vaga

A exp ressão revolução in du strial fo i usada pela primeira vez no início do sécul o XIX em França ,
por analistas franceses ao referirem- se às transformações eco nómi cas de raízes profunda s que
estava m a acontece r em In glaterra, po r comparação co m a revo lução política de 1789, em França.
O term o revol ução industrial descreve as mudan ças hi stóricas acontecidas com a passagem duma
sociedade de economia tradi cio nal para uma outra de economia indu stria lizada, pelo extraordinário
au mento da produção per capita, tornada possíve l pela mecanização do trabalho rea li zado nos
ca mpos e nas fábri cas. Foram esta s mud anças que torna ra m possível a organização do despo rto
moderno que se co nfi gu rou à im age m e sem elh ança do próp ri o indu striali smo (Volpicelli, L. , 1967).
Os doi s principais critérios para a defini ção daquilo que foi a revo lu ção indu stri al são:

1. Em primeiro lu gar, o crescimento da eco nom ia;

2. Em segund o, as transformações estruturais provocadas pelo prim eiro critério.

De facto, o desenvolvimento económ ico obrigou a tran sformações na estrutura e na din âm ica da
socied ade, o que permitiu m elhorias signifi cativas na eficiên cia do sistema social que se traduziu no
au mento da produti vidad e e no co nseq uente aumento do rendimento per capita. Os níveis médios
de crescime nto de 2 ou 3 por cento ao ano aumentaram de uma maneira exponencial, possibilitando
a existência de condições para as mai s diversas transforma ções sociai s, do sexo ao desporto , como
refe re Alvin Toffler (1980).

Institucionalização do desporto mo~erno


O industrialismo criou o padrão de organização que tem vindo a varrer as sociedades de lés a
lés. O desporto é uma das instituições mais visíveis da sociedade industrial que converge para
modelos comportamentais, sistemas de valores e regras comuns, que se organizam a uma escala
geográfica cada vez maior. Os Jogos Olímpicos são bem o padrão universal dessa estandardização
configurada num projecto comum (o Olimpismo), com um ponto alto que se realiza de quatro em
quatro anos (os Jogos Olímpicos). Nos Jogos Olímpicos de Atenas (2004) participaram 201 países,
10 564 atletas (41% de mulheres), 28 modalidades desportivas e 37 disciplinas, mais de 5500 ofi-
ciais e 57 ooo voluntários, 11 400 portadores da tocha olímpica, para além de 21 soo elementos dos
media. Foram distribuídas 929 medalhas de ouro e outras tantas de prata e bronze. Setenta e cinco
países ganharam medalhas. Entretanto, o presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), Jac-
ques Rogge, manifestou a sua satisfação pelos resultados de audiências dos Jogos de Atenas, que
foram acompanhados por um total de 3,9 mil milhões de pessoas, o que bate o recorde das compe-
tições de Sydney, em 2ooo, vistas por 3,6 mil milhões.
40 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

As condições de arranque do desporto moderno

Segundo Peter Mathi as (1993), a parte final do sécul o XV III foi um ponto de viragem a longo
prazo. De facto, fo i na época da In glaterra vitoriana (1837-1901) que começaram a ser constru ídas
as co ndi ções económ icas e soc iais que poss ibilitaram o arranque do desporto moderno du rante a
segunda metade do sécul o XIX. O desenvolvimento não é lin ear nem uniforme, pelo que em vários
países e regiões ai nd a hoje se proc ura cri ar cond ições idênticas àquelas que permitiram a fase natu-
ral de arranqu e da eco nomia no século XV III na Grã-Bretanha. Em co nform id ade, diferentes níveis
de dese nvolvi mento eco nómi co e social impli cam à esca la do planeta, em diferentes reg iões , um a
simultaneidade de vagas civi lizacio nais. Quer dizer que, hoje, coexistem populações a viver quer na
prim eira quer na segun da ou na terce ira vagas de mudança. Isto significa que para cada caso espe-
cífico é necessário enco ntrar as co ndi ções próprias para o desenvolvimento do desporto que não
podem ser ignoradas sob pena de se gastarem inutilmente recursos que serão se mpre escassos.

Ruptura espácio~temporal

A sociedade indu strial , co m os novos meios de co muni cação , tal como o co mboio, as viaturas e
os aviões, descontextualizou o es paço do tempo (ver quadro 3). O tempo de um determinado loca l
deixou de existir especifica mente em relação a esse loca l, para passar a ter significado e portanto a
existir em relação a espaços muito maiores. Quer dizer, a lógica do tempo separo u-se da lógica do
es paço, na medida em que os dispositivos de ordenamento espácio-temporal (David Harvey, 1989)
adquiriram coe rências qu e ultrapassaram as dinâmicas loca is. Pel a separação entre o tempo e o
es paço, os gran des e os mega-eventos desportivos cortaram radicalmente as li gações exclusivas a
um determin ado local para passarem a ser eq uacio nados a um a dim ensão global ou em rel ação
àq ueles que estão di spostos a paga r a contextu alização (sincroni a) do eve nto ao seu próprio espaço
geográfico. Este fenómeno da globalização permitiu que as organizações do mund o moderno adq ui-
rissem capacidade para li gar o loca l ao global, afectando deste modo a vid a de milhões de pessoas.
Os Jogos Olímpicos e os ca mpeo natos do Mundo e Regionai s co ntêm em si essa capac id ade, por-
ventura potenci ada à esca la máxim a, de descontextua liza rem o espaço do tempo.

Sistemas periciais

Os siste mas periciais pretendem simul ar o pensamento de um perito hum ano. O primeiro sis-
tema perici al, o DENDRAL, fo i cri ado em 1985 por Edward Feigenbaun. Os elementos fundamen-
ta is para a comp ree nsão dos age ntes inteligentes ou sistemas periciai s são a representação de
co nh ecim entos, a procura, o raciocínio e a re solu ção de problemas. O conhecim ento é a base dos
nossos raciocíni os. Pensamos manipulando símbo los. Será que pensaríamos se não poss uíssemos
uma estrutura conceptual que nos permite co locar o importa nte em ev id ência e escolh er de acordo
co m as operações que realizamos 14 . Os regulamentos unive rsa is- do Com ité Olímpico Inte rn ac io-
nal e das Federações Internaciona is- que nas mais diversas áreas do conhecimento e tecnológicas
permitem orga ni za r os Jogos Olímpicos, são meios de distanciamento espác io-tempora l, quer
dizer, "si stemas periciais" (Anthony Giddens, 1996). que poss ibili ta m organ iza r um modelo de

14
O DENDRALfoi o primei ro sistema pericial ou 'à base de co nheci mentos' a ser criado, em 1985, por Edward Feige nbaum.
O programa dividia-se em três partes: a base, ou armazém de conhecimentos, que continha todas as informações do pro-
grama; a base de factos, que armazenava os dados do problema corrente (memória de trabalho); e o motor de inferências,
que seleccionava e validava as regras para a resolução do problema, operando entre a base de factos e a base de conheci-
mentos (http:f fwww.c iti.pt/) .
Caos e o Ambiente [ 41

compet ições para além dos amb ientes particulares das actividades físicas e recreativas loca is. Por
isso, os regulamentos estabe lecem o corte espácio-temporal entre a tradição e a modernidade, na
medida em que ao determinarem uma incisão com o passado fazem com que "a apropriação refle-
xiva do conhecim ento possa ser diferenciada da tradição". Em suma, o indu strialismo estabeleceu
uma separação em relação ao conhecimento tradiciona l, em benefício do conhecimento sistemati-
zado e obtido por processos científicos. Deste modo, o desporto transformou-se, na sua plenitude,
num produto acabado da modernidade.

Esta vaga é caracteri zada, fundamentalmente, pelas tecnologias da inform ação e da comunica·
ção. Devido a elas, a escala do planeta reduziu-se, possibilitando estabelecer eficientes sistemas de
comun icação em tempo real, entre pessoas ef ou organizações, pelo que toda a lógica do desenvolvi-
mento das práticas desportivas também se está a alterar. É um novo salto qualitativo, diferente
daquele que foi dado da primeira vaga para a segunda vaga. Na sociedade agríco la, o espaço e o
tempo estavam contextualizados a um determinado loca l aonde as pessoas viviam. Assim, o espaço
e o tempo tinham um determinado sign ificado, um em rel ação ao outro. Na 2." vaga, com a evo lu-
ção dos transportes, o espaço foi descontextualizado do tempo (ver quadro 3). Com a 3. 3 vaga, e a
consequente evolução das tecnologias da informação, o espaço e o tempo voltaram a estar contex-
tualizados na medida em que o fenómeno da globalização, por via de um sa lto qualitativo das tecno-
logias da informação e da comunicação, atribuiu novamente significado espacial ao tempo, só que,
desta vez, a uma esca la global (Giddens, Anthony, 1996). Hoje, o tempo considera-se à esca la do
planeta, como se pode verificar, por exemplo, na rea lização dos grandes e mega-eventos desportivos,
tal como os Campeonatos do Mundo, os Regionais ou os Jogos Olímpicos. Como se viu durante os
Jogos de Atenas, hoje vivemos um novo tempo, o tempo da Internet, em que os resultados desporti-
vos foram acompanhados em tempo real por todo o mundo bastando para isso a existênci a de um
computador e uma vu lgar linh a telefónica. Todas as competições aconteceram em todos os lu gares
ao mesmo tempo, desde que existisse um computador ligado à Internet. Na sua essência, o tempo
triunfou sobre o espaço de tal maneira que o fabricante de relógios Swatch criou uma nova unidade
de tempo à esca la global- o "Swatch Beat" -que eliminou os tradicionais fusos horários. A Swatch
dividiu o dia em 1000 unidades de tempo e criou um novo meridiano de referência, o meridiano de
Biel (local onde a fábrica da Swatch está loca lizada na Suíça), de maneira a que o tempo Internet

Aescala do planeta
O jogo da final do Euro 2004, entre Portugal e a Grécia, foi seguido por uma audiência total de
cinco milhões de portugueses e entre 130 e 150 milhões de pessoas em todo o mundo. Na Grécia, o
número de espectadores do desafio ultrapassou os três milhões e, na Alemanha, atingiu os 25,4
milhões. No Reino Unido, o jogo mais visto foi o que opôs a Inglaterra "a Portugal, acompanhado
por 20,7 milhões de telespectadores. Um estudo apresentado pelo grupo "lnitiative", em Julho de
2004, e realizado em 52 pafses, revelava que cada jogo do campeonato europeu foi visto por uma
média de 8o milhões de pessoas. Os dados indicaram também um crescimento de 20 por cento
(400 mil pessoas) face às audiências do Euro 2000. Os 31 encontros do campeonato, realizados
nos meses de Junho e Julho, foram seguidos por uma audiência global de 2,5 mil milhões de espec-
tadores, de acordo com a mesma análise (in Público, 16j1oj2oo4)- De facto, hoje, o desporto em
geral, e o futebol em particular, acontecem à escala do planeta.
42 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

passe a ser comandado pela hora de Biel. As pessoas, em vez de se encontrarem ao meio-dia não se
sabe de que loca l, passam a marcar o encontro para as @soo Swatch Beat, que é o tempo Internet
contextua lizado à esca la do planeta. A Swatch já começou a produzir relógios com esta nova escala
de tempo mundia l.

Corte

A forma da mudança social desenha-se a partir de vagas, de sigmas ou de mudanças de para-


digma, ao ritmo do desenvolvimento dos conhecimentos e das novas id eias da humanidade. A
humanidade não está parada nem a história do mundo tem de, necessariamente, repetir-se ao
ritmo da história do tempo. Pelo contrário, a mudança, as vagas ou os sigmas significam que a
capacidade de im agin ação e de sonho do Homem não têm li mites, daí que, embora em cada vaga
possam ser entend id os alguns sinais dum passado longínquo, o que é facto é que quando acontece
uma mudança ela significa um corte com um passado que já passou e que não vo lta mais. Significa
um corte co m um paradigma que deixou de re sponder às necessidades não só do momento mas
15
das condições necessárias à organização do futuro .

As vagas do mundo do desporto

A mudança socia l tem vindo a acontece r ao longo dos tempos, assumi ndo uma forma a que os
diversos autores chamam vagas ou sigmóides de mudança. Cada vaga ou sigmó id e apresenta
determinados conteúdos organizacionais que caracteriza m a mudança em marcha.
Do mesmo modo, ao longo da hi stória da humanidade, as actividades lúd icas têm tido diversas
características pelo que não podem ser categorizadas da mesma maneira. Os cortes, ou vagas,
acontec id as dé período para período, provocaram transformaçõe s de tal ordem que, segu nd o
alguns autores, não é legítimo, por exemplo, procurar na Antiguidade grega as origens do desporto
moderno, dando a id eia de que o desporto existiu desde sem pre (Pociello, Christien, 1991). Na rea -
lid ade, na nossa perspectiva, tendo em cons id eração a ideia da curva sigmóide ou da s vagas de
mud ança, o desporto, no tempo dos Gregos, pode ser entendido como uma vaga ou um sigma
anterior a outros, que serve tanto para justificar como para melhor entender o desporto que hoje
existe. Somos mesmo de op ini ão de que sem se ir efectivamente às origens do des porto é difíci l,
senão impossível, compreender a estrutura e a dinâmica do desporto moderno.

15
O desenvolvimento da desporto em Portugal arrancou na segunda metade do século XIX com um período denominado
de "aeróbio, lúdi co informal" (Pires, Gustavo, 1985), que decorreu até 1900. Foi caracterizado por um tipo de activid ades
que constituiu a génese das práticas desportivas que hoje conhecemos. Eram os jogadores ou "lutadores que disputavam
as primeiras partid as ou "ensaios" (Barros, 1958). Eram os "businessmen" que, nas suas horas de lazer, se transforma-
vam em "sport-men", em "club-men", em "veloce-men", em "record-men", em "yacht-men". Duma forma ecléctica foram
os protagonistas e predecessores da organização do desporto em Portugal. Muitas vezes, os diversos estatutos de prati-
cante, técnico e dirigente eram ass umid os duma forma natural pela mesma pessoa. Por isso, este período tem mais a ver
com os protagonistas do que propriamente com as estru turas de organização institucionalizadas. Eles foram os actores,
as figuras principais, os primeiros planos, os cabeças de cartaz que tanto podiam ser oriundos dos salões da nobreza
como de grupos de circo , como, ainda, da média e alta burguesia, principalmente das cidades de Lisboa e do Porto.
"Entre a minguada co horte de gymnastas amadores de circo encon trou -se um (Luís Monteiro) que pensou mais seria-
mente no caso, teve curiosidade de saber o que se fazia de gymnastica na Alemanha, na Inglaterra, na América, e já bas ·
tante em França e na Hespanha, e ficou maravilhado da consideração que por lá merecia a arte que Li sboa cons id erava
primitiva dos saltim bancos - fez-se professor de gymnastica". "Foi em 1862, no gymnás io do Instituto Industrial, que
começou a sua carreira. Em 13 de Maio de 1865 abria um curso de gymnastica hygiénica na Escola Académica. Acabou
por ser nomeado professor do Colégio Militar." (Pontes, José , 1934)
Caos e o Ambiente [ 43

Quadro 2 Mudança de paradigma

Novo paradigma

7
Novo paradigma

+ Novo paradigma
-
1\l
u
o
Vl

o
.....
u
1\l
a.
E
Crescem

Zona de turbulência

Nascem
Morte

Paradigma do Circo Paradigma da Ginástica Paradigma da Educação Física Paradigma do Desporto Paradigma 7

A origem dos jogos

É desconhecida a origem dos jogos Olímpicos. No entanto, segundo a mitologia grega, ficaram
a dever-se a Héracles, filho de Zeus. Para Homero, os jogos tiveram início cerca de 1370 a. C. em
Olímpia. Inicialmente constavam apenas de uma corrida em que participavam os adoradores de
Zeus. Aquiles, herói de Tróia, teria começado a organizar os jogos em honra do seu escudeiro,
Pátroc/o. Nestes jogos, já se incluíam corridas de quadriga, luta e lançamento do dardo. Contudo,
no aniversário da morte de Pátroclo, chegava-se ao exagero da celebração da violência através da
inclusão nos jogos de combates de morte. Por exemplo, o pancrácio era uma luta mortal em que
se permitia estrangular o adversário, partir-lhe as pernas e os braços e até arrancar-lhe os olhos.
Nos primórdios dos jogos a violência e a crueldade ia ao ponto de sacrificar e devorar uma criança.
A serem verdadeiras as descrições do poeta, os gregos antigos não eram mais civilizados do que
outros povos.

A arqueologia do desporto moderno

Hans-Georg Gadamer (igoo-2002), na obra Verdade e Método, cuja edição original surgiu em
1960, procura encontrar no Homo Ludens de Johan Huizinga (1872-1945), o momento lúdico que é
intrínseco a toda a cultura, estabelecendo a correlação do jogo infantil e animal com os "jogos
sagrados" do culto. O jogo nasce na área do culto, que, por sua vez, acontece num espaço onde se
reconhece de antemão uma autoridade superior, por parte daqueles que praticam o culto. Mas
Gadamer ultrapassa a visão de Huizinga, pois para ele já não se trata de argumentar que o jogo
antecede a cultura, até porque os animais não pediram autorização aos Homens para brincarem, ele
vai mais longe e assume o verdadeiro mistério de que o jogo é portador, ao afirmar que é o fio con-
dutor da explicação ontológica. Deste modo, o jogo é elevado à máxima potência, na medida em que
44 ] Agôn I Gestão do desporto 1O jogo de Zeus

é co nsiderado como modelo estrutural para a compreensão do ser hum ano em todas as suas acti-
vid ades, da reli gião à econom ia, do sexo à guerra, da arte ao desporto. "Deus brinca. Deus cria,
brin cando. E o Homem deve brincar para levar um a vid a humana, como também é no brincar que
encontra a razão mais profunda do mistério da realidade, que é porque é 'brincada' por Deus." O
brincar é necessário para levar um a vida humana, dizia S. Tom ás de Aquino . Assim, o jogo não é
en tendido como um método, quer dize r, um cam inh o para chegar a um determinado fim, mas um
modelo estrutura l segundo o qual é possível expli car o sabe r filosófico da própria vid a.

Um tempo e um espaço de culto

O jogo despontou num tempo e num espaço de cu lto, que, por sua vez, aconteceu num ambiente
social onde aqueles que o praticavam reconheciam à partida uma autoridade superior e, muitas vezes,
essa autorid ade superi or correspondia às próprias forças inexplicáveis da Natureza. O Homem primitivo
procurou, através do mito, compreender o mundo dos fenómenos, atribu indo-lhes um fundamento
divino. Para tal socorreu-se do jogo, que já fazia parte dele. Na mitologia há um espírito fantasista que
joga no extremo limite entre a brincadeira e a seriedade. Os sacrifícios, os ritos sagrad os, as consagra-
ções dos rituais de iniciação e passagem e os mistéri os das sociedades primitivas tinham por função
assegurar a ordem e a tranqui lidade do mundo dentro de um espírito de puro jogo.
Descobrir as raízes do desporto, as suas ori gens e as suas identidades, é compreende r a pró-
pria vid a, na medida em que o desporto é um testem unho dos nossos ancestra is. As figuras dese-
nh adas nas cavernas li gavam -se a ritua is de caça, abrindo um espaço e um tempo próprios de
acesso a uma actividade lúdi ca qu e acontecia e se prospectivava na própria vida. A experiência que
as gravuras rupestres retratam deixa-nos abso lutamente fascinados, na medida em que a partir de
um in citamento ini cial, que con du ziu o Home m à caça pe la sobrev ivência, num segund o momento
o sucesso ou o fracasso eram antec ipados através dos desenhos que, simultaneam ente, já raciona-
lizavam um jogo estratégico em relação à orga nização do devir.

Educação desportiva

Também os gregos antigos não deixavam os jogos por mãos alheias. Segundo Werner Jaeger
(1888-1961), na obra Paideia: a Formação do Homem Grego, publicada pela prim eira vez em 1934,
toda a cu ltu ra superi or surge da di ferenciação de classes socia is que dá origem à diferença de va lores
esp irituai s e corpora is dos indi víduos . Nestes termos, a educação entre os gregos era uma questão
centra l expressa na "areté" ," enqua nto co nceito formulado e exp li êitado nos poemas hom éri cos que
nas suas origens exprimi a o ideal educativo grego. A "areté" era entendida como um atributo próprio
da nobreza, um conjunto de qualidades físicas, espi rituais e morais tais como a bravura, a coragem,
a força, a destreza, a eloquência, a capacidade de persuasão, em suma, a heroicid ade. Mais do que
honra e glória os gregos pretendiam alca nça r a excelência moral e fís ica. Para ati ngir estes objectivos
existia um programa educativo co nstituído por dois elementos fundamenta is: a música, a leitura e o
ca nto para o desenvolvimento da alma, e a ginástica para o desenvolvimento do corpo . No final da
época arca ica o programa educativo completava-se com a gramática. A partir do século V a. C., a
educação, para além de formar o homem, devia aind a formar o cid adão. Ass im, a antiga educação,
baseada na gin ástica, na música e na gramáti ca, deixou de ser suficiente pelo que surgiu o novo id ea l
ed ucativo grego, a partir do conceito de "paideia", enquanto formação geral que tinh a por missão
construir o homem como homem e como cidadão. Ainda segundo Werner jaeger, Platão definia
"paideia" como a essência que dá ao homem o desejo e a ânsia de lutar para se tornar um cidadão
perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo como fundamento a ju stiça . Ao cultivare m o gosto
Caos e o Ambiente [ 45

pela luta os gregos desenvolviam o talento e a vocação através da competição, o que fez deles peda-
gogos tremendamente eficazes, porque a competição "desencadeia o indivíduo" ao mesmo tempo
que o reprime, segundo o jogo sagrado das leis eternas.

"Agôn"

Se do ponto de vista do espírito cabia à "paideia" a formação do homem grego, quanto ao


corpo era ao "agôn" que calhava a aquisição das aptidões corporais, até porque a pedagogia popu-
lar grega exigia que cada talento ou vocação se desenvolvesse pela luta. Entre os gregos o "agôn"
era uma palavra polissémica que significava assembleia, reunião para jogos, festas, actos religiosos.
Em conformidade, o protagonista ("prot'' - primeiro; "agôn" - luta; sufixo - ista) era aquele que
entrava em competição, por isso, o "agôn" inclui, também, o sentido de combate. Assim sendo, a
agonística visava ultrapassar uma visão pessimista e decadente pela constante superação das ten-
sões entre os homens com o objectivo de afirmar a excelência humana na sua verdadeira beleza e
glória, através da afirmação de uma perspectiva positiva da vida. Por isso, no mundo grego era
impossível separar a palavra "agôn" da tríade jogo, festa e sagrado.
Tendo em atenção a tríade do "agôn" (jogo, festa e sagrado), em defesa da "nobreza de espí-
rito", o sentimento que devia resultar da disputa entr_e dois rivais valorosos não era o ódio ou a vin-
gança, mas a amizade, na medida em que um antagonista de brio proporciona ao outro a possibili-
dade de se conhecer e renovar continuamente as suas forças vitais, em busca da excelência.

"Areté"

Na ideia de Friedrich Nietzsche (2003), o "agôn" "desencadeia o indivíduo" ao mesmo tempo


que o disciplina segundo as suas próprias leis eternas. Se os gregos tivessem eliminado o "agôn"
da sua vida pessoal e social abririam as portas do inferno pré-homérico, caracterizado pela selvaja-
ria demente de Aquiles ao arrastar o corpo já morto de Heitor, depois de o derrotar. Para os gregos
a ambição existia, só que tinha limites e estava condicionada pela entrega concreta à causa social.
Neste sentido, a necessidade de competição ganhava um sentido especial porque o que estava em
causa eram os valores do social e a honra da sua cidade. A educação agonística para os gregos
antigos era o bem-estar social. O jovem, quando competia na luta, na corrida ou nos lançamentos
durante os Jogos, pensava na satisfação da sua cidade natal, na medida em que era a glória desta
que ele, através da sua, queria projectar. Até as coroas de louros que os juízes colocavam na cabeça
dos grandes heróis olímpicos eles as consagravam aos deuses da sua cidade. A este estado de espí-
rito os gregos chamavam "areté", uma espécie de virtude própria da nobreza aristocrática, do
heroísmo guerreiro, da honra, da glória, do "agôn" e da vontade de vencer. Por isso, eles cultivavam
a destreza e a força invulgares, não só como exercício da estética e do combate leal mas também
como o suporte indiscutível de qualquer posição de liderança.
Nietzsche recusa os abismos do ódio e do direito da guerra que pela arrogância do triunfo dava
livre curso à manifestação da violência pré-homérica. Para ele, "uma vida de que tal instinto seja a
raiz não é digna de ser vivida" e formula a pergunta: "O que pretende uma vida de luta e de vitória?"
A resposta encontra-a no poema didáctico de Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias, através de Éris,
deusa da discórdia e do confiito. No poema percebe-se como o génio grego pós-homérico conviveu
bem e legitimou esse instinto magnífico que é o "agôn", consubstanciado numa vida de luta e de
vitória. Hesíodo defendia a importância da competitividade entre os homens, na medida em que só
assim eles buscam superação e manifestam a excelência das suas obras. No entanto, para Hesíodo,
existem na Terra, não uma, mas duas deusas da discórdia, com maneiras de ser completamente
46 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

opostas. Uma delas é cruel, fomenta a má guerra e a discórdia, "nenhum mortal a deve tolerar",
comenta o filósofo do super-homem. E continua, esta Éris, que é a primogénita, deu à luz a negra
noite, pelo que a ela se ficam a dever os atributos de inveja, rancor e cobiça, na medida em que con-
duz os homens a "lutas malignas de extermínio uns contra os outros". O desporto moderno, ao
entregar-se ao deus Hermes, corre o risco de passar a ser dominado por esta má Éris. A outra Éris,
segundo Hesíodo, foi dada por Zeus aos homens. "Ela move ao trabalho até o homem desajeitado,
e aquele que nada possui repara noutro, que é rico, apressa-se, do mesmo modo, a semear e a plan-
tar e a governar bem a sua casa; o vizinho rivaliza com o vizinho que procura alcançar a prosperi-
dade. Por isso, quanto mais nobre for um grego, tanto mais viva será a chama da amb ição que dele
irrompe, consum indo todo aquele que cruze a sua trajectória" (Nietzsche, 2003). Esta segunda Éris
é boa para os homens na medida em que os adverte do carácter efémero do seu destino. Nesta pers-
pectiva, a predisposição para a competição não se circunscrevia apenas às actividades físicas. Ela
projectava-se nos jogos, na política, nas artes, no trabalho, onde cada um procurava vencer os adver-
sários à altura de si, de maneira a dar um eterno prosseguimento à vontade de competir. Assim, os
gregos superavam a má Éris, representada pelos impulsos de aniquilamento e de morte. Na busca
do ideal de excelência procuravam evitar o excesso, o orgulho, a insolência, a violência desmedida, a
que chamavam "hybris", pelo que a boa Éris va lorizava o comedimento próprio da excelência que
integrava a visão que tinham do mundo. E assim, nas palavras do filósofo, "cada grego ilustre pas-
sava a outro o facho da competição porque cada grande virtude excitava uma nova grandeza" .

Demónio de Sócrates

A excitação enquanto cond ição inicial da acção humana é o tema centra l da filosofia de Nietzsche,
ao que ele designou pela metáfora do "Demónio de Sócrates". Na sua obra A Origem da Tragédia
escrevia: "Uma chave para decifrar a natureza de Sócrates consiste nesse curioso fenómeno conhe-
cido como o 'demónio de Sócrates'. Em ocasiões excepcionais, quando a sua brilhante inteligência lhe
falhava, encontrava orientação numa voz divina que nesses momentos lhe fa lava. A voz adverte sem-
pre que fala. Neste homem inteiramente anormal a sabedoria instintiva surge apenas para impedir o
conhecimento consciente em determinados instantes. Enquanto em todas as pessoas criativas o ins-
tinto é a força criadora e afirmativa, e a consciência assume um papel crítico e dissuasivo, em Sócra-
tes é o instinto que se torna o crítico e a consciência se revela criadora. Uma verdadeira monstruosi-
dade per defectum l" Esta linha de pensamento, em que o que entra em primeiro lugar em jogo é a
actividade instintiva e criadora no que diz respeito a uma visão do desenvolvimento do desporto,
encontra-se em Ortega y <:;asset (1883-1955), que desde muito cedo leu a obra de Nietzsche.

Acto primeiro

Ortega y Gasset parte precisamente da id eia do "Demónio de Sócrates" ao desencadear uma


nova perspectiva de analisar o fenómeno desportivo, na medida em que o eleva a uma categoria
superior, considerando, por exemp lo, no escrito de 1921, Paisaje Utilitário, que "a cultura não é filha
do trabalho mas do desporto". Ass im , ta l qual Nietzsche, estabelece uma ruptura com o pensa-
mento de Sócrates em que este, a partir da ideia de conceito, faz com que a lógica prevaleça sobre
a existência, quer dizer, a razão sobre o instinto. Isto significa que o homem que até então era
comandado pelo instinto e controlado pala razão passou a ser comandado pela razão e controlado
pelo instinto, o que acaba por se revelar uma aberração. Por isso, na perspectiva de Gasset, o des-
porto, enquanto acto primeiro, instintivo, espontâneo, livre, criador e supérfiuo, assume-se como
categoria superior da condição humana, que depois há-de ser contro lado pela razão. A forma supe-
rior da existência humana é o desporto, devemo-lo entender como a categoria superior da vida, pelo
Caos e o Ambiente [ 47

que os conceitos de humanidad e e natureza não são tão antagónicos quanto os querem fazer parecer,
na medida em que as qualidades naturais e as qua lidades humanas estão inseparavelmente unidas.
Numa perspectiva ontológica, o melhor que se faz na vid a não é por imposição, como acontece com o
trabalho, mas por um impul so íntimo, um imperativo vital in scrito no nosso código genético que nos
incita a se rmo s melhores do que aqui lo que na realidade somos. No ensa io A Origem Desporti11a do
Estado, de 1924, Gasset vê no clube dos jovens, nas suas danças e cantares, nas rezas e lengalengas, na
arte da pesca e da caça, na preparação das disputas e na luta co m o outro pela conquista da mulher
não consanguín ea, a origem desportiva do próprio Estado. Cantando, dançando e reza ndo, quer dizer
joga ndo, o Homem exprime-se como elemento de uma comu nidade superi or. Em conformidade, tudo
o que é reacção a necess id ades prementes faz parte da vid a secundária. A activid ade origina l da vida é
sempre espontânea, luxuosa e de intenção supérflua. Não cons iste em suprir uma necess idade, não é
um movimento forçado ou tropi smo. A acção primei ra é liberal e imprevisível, porque natural. Foram
os comportamentos de desafio, de risco, de vertigem, de luta, de conqu ista e sobrevivência da própria
espécie que o Homem praticava na Natureza que o leva ram a engend rar mecanismos de organização
do colectivo, quer dizer, da estratégia, que configura os primórdios da orga nização social através do
"clube dos jovens" e, posteriormente, do próprio Estado. O "clube dos jovens", segundo Gasset, origi-
nava os segui ntes factores: a exogam ia e o consequente cru zamento de indivíduos não apa rentados; a
guerra e a conqui sta do outro e de outro género; a organização autoritária e a necessária lid era nça; a
disciplina do treino ou ascética enqu anto regi me de vida e de sobrevivência; a lei porqu e promotora da
ordem necessá ri a à vid a em comum; a associação cu ltura l para a prossecução de objecti vos partilha-
dos ; os festi vais de danças mascaradas para comemorar a vid a; a sociedade secreta para preservar a
solid ariedade e o fu turo. E tudo isto através da graça, do prazer, do desafio à margem da uti lidade ime-
diata. A vida propriamente dita é a de cariz desportivo, na medida em que todo o processo vital é um a
energia de sentido supérfluo. Em co nclu são, Gasset vê na incitação aq uilo que Ni etzsche via na activi-
dade in stintiva, qu er dizer, os actos primeiros da excelência hum ana.

Cenário da criação do mundo

Também para Bernard Jeu (1987), no livro Analyse du Sport, o desporto está envolto no sagrad o,
pelo qu e é necessário compreendê-lo a partir dos primórdios da própria hi stória da humanidad e,
quer dizer, do "ce nário da criação do mundo", devendo-se até co rrer o ri sco de fazer ape lo ao acto
de criação, tal co mo é repre sen tado na s reli giões pri mitivas , com o objectivo de se insistir sobre as
suas rem ini scênc ias antropológicas. Para o autor, o desporto é um res quício tribal em pl ena era do
in dustri al, envo lvendo rito s antigos, ord áli os e múltip la s represe ntações interiores que lh e conferem
·um se ntid o míti co e um a emoção pa'rt ilh ada nos grandes e mega-eve ntos despo rtivos internacio-
nais que lhe co nferem um sent id o qu ase reli gioso.
O trein o e a co mpeti ção seguem um modelo idêntico aos ritos de iniciação e pa ssagem onde o
atl eta cumpre todo um conjunto de ritu ais em qu e cada vi tória é um novo triunfo so bre a morte.
Do ponto de vis ta cul tural o desporto é visto entre dois pó los co ntrad itórios, quer dizer, entre Pín -
daro e Platão, isto é, entre o heró ico do be lo, a natureza do ri sco, dos jogos cantados pelo poeta e a
visão utilitari sta e militarista desenvolvid a por Platão na República, em que os jogos , ao tempo, tal
co mo hoje, eram um meio de que o Estado dispunha para educar e formar os ci dadãos, tendo em
vista a preparação para a guerra enqu anto produto evo luído da arte da pesca e da caça, da prepara-
ção das disputas e da luta pe lo usufruto de um território natural, promotor da vid a e garante da
so brev ivência. O des porto é paixão e emoção e, como tal, enquanto jogo, está in scrito no própri o
código genético da humanidad e qu e, através de processos de acu ltu ração, a que Richard Dawkins
(2003), no O Gene Egoísta, chama de "memes", se humaniza tendo em ate nção que o hu manismo
sem téc ni ca é pa lavreado e a técn ica sem humanismo um perfe ito absurdo.
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48 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

É de fundamental importância que as sociedades saibam, através da educação ao longo da


vida, preservar e gerir os valores do jogo, porque é no jogo que se encontra o fio condutor não só
da explicação ontológica, como refere Gadamer, como da própria organização e do progresso
social. Nestas circunstâncias, o "agôn" próprio do jogo quando influenciado pela boa Éris é promo-
tor dos valores sociais que desencadeiam o desenvolvimento e o progresso. Quando dominado
pela má Éris é causador de desordem, violência gratuita e morte. A este sentimento a que já nos
referimos chamou-lhe Hesíodo o princípio do ostracismo. A este propósito, na Competição em
Homero, Nietzsche afirma que a ideia de "agôn" detesta o despotismo e teme os seus perigos,
gerando como meio de protecção contra o génio um "segundo génio."

Homo Ludens

Nestes termos, em que o "agôn" determina a própria organização social, Johan Huizinga, na sua
obra Homo Ludens, de 1938, vê o jogo como sendo mais velho do que a cultura. O jogo não é um dos
elementos da cultura mas a própria cultura, na medida em que esta assume o carácter de jogo nas suas
relações mais íntimas entre o Homem e a Natureza. Se a cultura pressupõe uma sociedade humana, o
jogo parece estar inscrito no nosso código genético. De facto, numa perspectiva antropogenética, é
possível perceber as transformações evolutivas dos animais, que nos explicam a própria origem do
"homo ludens". Para Huizinga, que parece ter, também, sido influenciado por Nietzsche, e A Origem
da Tragédia, o jogo é uma actividade livre que se organiza à margem da sociedade na medida em que
acontece dentro de certos limites de espaço e de tempo, com regras aceites e se situa fora do interesse
material. Para ele, é no mito e no culto que se originam as grandes forças instintivas da civilização
humana, tais como o direito e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a prosa e a poesia, a
sabedoria, a ciência e a guerra. Todas elas têm as suas raízes no âmago primitivo do jogo. Econclui, "o
jogo genuíno e puro é um dos grandes pilares da civilização". Por nós, diremos que o jogo genuíno e
puro é o grande pilar da civilização. De resto, veja-se a actual situação do Irão e o problema do urânio
enriquecido: "Teerão faz jogos de guerra no Golfo Pérsico, enquanto que em Washington se fala em san-
ções e não se exclui um ataque aéreo" é o discurso da generalidade da imprensa ocidental.

A quinta dimensão

Neste sentido, é necessário encontrar modelos explicativos de maneira a melhor se compreen-


der os problemas da gestão do desporto moderno. Roge r Caillois (1913-1978), em Os Jogos e os
Homens, de 1966, atribui aos jogos uma intenção civilizadora. Ele vê os jogos como "resíduos da
nossa cultura ancestral", testemunhos dum passado lúdico-corporal pouco conhecido. O jogo é
consubstancial à cultura. Ele fundamenta o seu modelo na intersecção de duas dimensões, a saber:
(1. As características; (2. O grau de disciplina. As características dos diferentes jogos são: (1.
0
)
0
)
0
)

0
Competição (agôn); (2. 0 ) Sorte (alea); (3-o) Simulação (mimicry); (4. ) Vertigem (ilinx). Quanto ao
grau de disciplina os jogos são classificados: (1°) Numa abordagem mais primitiva, espontânea ou
orgânica (Paidia), como se disse, deusa do divertimento e do prazer ou; (2. Numa mais regrada,
0
)

estandardizada e burocrática (Ludus), deus do jogo e da ordem. Estas duas dimensões podem ser
· analisadas numa perspectiva sociogenésica, quer dizer, da paidia com uma forma menos sociali-
zada dos jogos, mais próxima da Natureza e típica, por exemplo, da infância, ao ludus como forma
disciplinada, socializada e sujeita a regras de comportamento estandardizadas, que originou e con-
diciona o desporto moderno. Assim, o ludus representa no jogo o elemento que, disciplinando a
paidia, tem por objectivo dar às suas características fundamentais (agôn, mimicry, alea, ilinx) a
pureza e a excelência. Neste sentido, entendemos que o ludus de Caillois assume um significado
semelhante ao areté dos gregos antigos.
Caos e o Ambiente [ 49

O modelo explicativo de Caillois possibilita um espectro de oportunidades muito amplo, quando,


por um lado, afirma que muitos jogos não envolvem regras e, por outro, diz que a guerra, que é 0
domínio da violência pura, tende a ser o da violência controlada, na medida em que as convenções limi-
tam as hostilidades no tempo e no espaço. De facto, a limitação das hostilidades e o controlo da violên-
cia são condicionados pelos custos da própria guerra em recursos e vidas. A partir do momento em
que os custos começam a ser muito pesados passa a imperar um espírito de contenção. Então, acon-
tece uma mudança de paradigma, como refere Sun Tzu, "lutar e vencer em todas as batalhas não é a
glória suprema. A glória suprema consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar". Deste
modo, a lógica do jogo, sem negar as regras, ultrapassa as regras do próprio jogo, porque o jogo, seja
ele qual for, se é verdadeiramente jogo, não se limita às regras sob pena de se negar a si próprio.
O jogo é uma actividade aberta, na medida em que entre a paidia e o ludus se pode desenvol-
ver, de acordo com a criatividade de cada um e o padrão de burocratização da actividade, aquilo a
que posteriormente, na linha de Henry Mintzberg (1989), designaremos por configuração inova-
dora, quer dizer, com uma forte dinâmica de abertura ao exterior. Repare-se, por exemplo, no jogo
de palavras que treinadores de futebol esgrimem antes dos próprios jogos. O jogo não é só os 90
minutos, o jogo ultrapassa os 90 minutos muito para além dos descontos. O jogo projecta-se nos
media e o jogo nos media antecede o próprio jogo. Em suma, queremos dizer que se o jogo se cir-
cunscrever em exclusivo às regras e às convenções deixa de ser jogo. O jogo tem uma identidade
própria que ultrapassa aqueles que jogam.

Surpresa

Entretanto, somos levados a questionar se, de facto, Caillois, com os seus quatro grupos dife-
rentes, cobre o espectro de possibilidades no que diz respeito às características do desporto
moderno. Quando, hoje, fazemos a análise do desporto moderno entendemos que Caillois não
considerou uma das dimensões fundamentais do jogo. Estamo-nos a referir à dimensão surpresa.
Segundo Maalke Lauwert (2005) é a "quinta dimensão de Caillois". É o "repens", para utilizarmos a
expressão latina que significa surpresa que não está contida nas quatro características (agôn, alea,
mimicry, ilinx) de Caillois. De facto, o inesperado não faz parte de nenhuma daquelas característi-
cas, no entanto, não restam dúvidas de que a surpresa é uma condição fundamental à condução da
estratégia de jogo. Ao contrário da sorte, a surpresa não faz parte do aleatório do jogo. A surpresa
caracteriza-se por ser uma opção estratégica que o jogador utiliza através de meios que têm a ver
com aquilo a que, quando tratarmos das tarefas do gestor, denominaremos como tarefas de con-
cepção (tecnologia, criatividade e prospectiva).
Quando olhamos para o mundo do futebol, podemos ver um padrão nos resultados dos jogos,
contudo, não é por isso que não existem resultados surpresa. A surpresa é, certamente, uma das
características fundamentais do jogo, que, diferentemente da simulação, que procura enganar o
adversário, tem por finalidade apanhar o adversário desprevenido, criar-lhe dilemas e frustrações.
Em conformidade, a estratégia de qualquer treinador tem de se sustentar numa estrutura de sur-
presas que deve acontecer através de um conjunto de acções programadas que, dependendo das
circunstâncias fortuitas, devem ou não ser desencadeadas antes, durante e depois do jogo. A sur-
presa pode assumir diversas formas e procurar ter diferentes efeitos. Assim, ao contrário das res-
tantes características do jogo, a gestão da surpresa apresenta-se ao gestor numa dinâmica eminen-
temente aberta e emergente.
Temos, assim, cinco grandes categorias a partir das quais, na linha de Caillois, podemos formar
as seguintes dez combinações:

AGONGD-04
50 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

1. Comb in ações fundamentais:


a- Compet ição & Sorte- Estabelecem uma simetria perfeita;
b- Simu lação & Vertigem - Nenhuma reconhece qualq uer código;
c- Surpresa & Competição- A surpresa é um instrumento da estratégia compet it iva;
d - Surpresa & Simul ação- A surpresa deve jogar com a simul ação.

2. Comb in ações contingenciais :


a- Vertigem & Sorte- A vertigem não contraria nem destrói a sorte;
b- Competição & Simu lação- A compet ição pode ou não ti rar partido da simu lação;
c - Surpresa & Sorte- A su rpresa é condicionada pela sorte.

3· Comb in ações inapropriadas:


a- Competição & Verti gem- A vertigem desorganiza a compet ição;
b- Simu lação & Sorte- Não tem lógica simul ar a sorte;
c- Surpresa & Vertigem- A vertigem tira sent id o à surpresa.

A partir das comb in ações das características fundamentais do jogo podemos_.avançar para uma
ideia aberta e globa l do jogo, que cruza as mais diversas activ id ades da vid a, entre elas a gestão, em
geral, e a gestão do desporto, em particular. Na realidade, a noção fechada de jogo, como qualqu er
coisa que acontece à margem da vid a normal, parece-nos já não ser possíve l ajustar à sociedade de
comun icação de massas em que vivemos .

Auto-representação

Os jogos têm um espírito especial que os distingue entre si. O que constitu i a essência do jogo
são as disposições que preenchem o espaço lúdi co . O jogo exige o seu próprio espaço de jogo, quer
dizer, a delimitação do seu campo de jogo, como ocorre no sagrado. Jogar é jogar algo, pe lo que
cada jogo co loca uma tarefa especia l àquele que joga. Um tre inador estabelece para a equ ipa as suas
tarefas, que são as tarefas do jogo. Contudo, o verdadeiro fim do jogo não é a solução dessas tare-
fas, mas a ord enação e a configuração do próprio movim ento do jogo que se projecta nu m object ivo .
Assim, o jogo limita-se a representar-se, na medida em que o seu modo de ser é a auto-representa-
ção e a auto-rep resentação é um aspecto onto lógico universal da Natureza.
Desmond Morris (1981) .argumenta que as raízes da "tribo do futebo l" mergulham fundo nas ori-
gens mais remotas da humanidade, ao tempo em que os nossos antepassados viviam e morriam
como caçadores de anima is selvagens. Eles tornaram-se gradua lmente mais atléticos e, ao mesmo
tempo, mais inteligentes, pela necessidade de coo rd enação do trabalho em equipa que a caça lhes
exigia. Depois, através de uma liderança deli berada, concebiam estratégias, planeavam tácticas, orga-
nizavam o ataque e a defesa, montavam armad ilh as, corr iam riscos e, deste modo, garantiam a
sobrevivência e a vid a, e "ludibriavam" a morte certa. O jogo, enquanto abertura ao mundo, acto pri-
meiro, criativo e supérfiuo, continua vivo e perene na actividade de maior magia à esca la do planeta,
que é o desporto. Como refere Morris, os nossos progen itores transformaram-se de caçadores em mar-
cadores de golos. Por nós, esses marcadores de golos deviam não só estar nas equipas de futebo l,
como a liderar empresas, organismos públicos, universidades e, até, o país. É do ludus de Ca illois e da
"areté" dos gregos, enquanto busca da excelência, de que estamos a falar.
Caos e o Ambiente [ 51

A contextualização da gestão do desporto

A credibilidade da gestão do desporto moderno passa necessariamente por um forte envolvimento


antropológico, cultural e sociológico do acto de gerir, sob pena de um evento desportivo ou uma sim-
ples actividade perderem todo e qualquer sentido por estarem completamente descontextualizadas da
realidade desportiva. A palavra gestão é uma palavra polissémica, pelo que pode assumir vários senti-
dos. Por exemplo, um gestor financeiro poderá ter alguma dificuldade em compreender que existe ges-
tão nas práticas desportivas, tal como um gestor desportivo terá dificuldade em perceber que a gestão
pode ser reduzida ao simples domínio das aplicações financeiras. Portanto, nesta fase, em que odes-
porto moderno caminha para a sua maturidade, não é exagerado dizer que estamos no domínio duma
nova gestão que pode assumir as mais variadas formas de intervenção para aqueles que estão encarre-
gues de unidades ou subunidades dum dado sistema organizacional. Trata-se, em conformidade, de
gerir num determinado quadro cultural, um clube, uma escola de desporto, uma equipa de uma qual-
quer modalidade desportiva, um evento desportivo, num espaço mas também num tempo que atri-
buem significado ao acto de gerir. Por isso, aqueles que através de um discurso pseudomoralista pre-
tendem castrar o desporto das suas origens antropológicas que têm a ver com a necessidade de
extravasão da violência que cada homem contém dentro de si e que lhe permite estar ligado à vida cria-
dora, transformando-o num mero espectáculo em que o objectivo se resume ao curtir o deleite da arte
do gesto acrobático e da geometria do jogo, podem estar a fazer com que o jogo se desuna dos laços
que o prendem às suas verdadeiras raízes que se encontram nas origens da humanidade, fazendo com
que ele deixe de ter a atracção mágica que, semana após semana, conduz aos espectáculos directa-
mente ou indirectamente, através da televisão, centenas de milhões de espectadores por todo o
mundo, independentemente do seu estatuto social, do credo, do género ou da idade.

3.2 Conteúdo
Muitas das grandes estratégias são simplesmente grandes
visões. E grandes visões podem ser muito mais inspiracionais
e eficazes do que o plano mais cuidadosamente elaborado.
Henry Mintzberg

Tábua rasa

Na perspectiva que acabámos de referir, fica claro que o desporto moderno, como alguns defen-
dem, não pode ser nem entendido nem gerido a partir de uma "tábua rasa", mas sobre um material
vivo e organizado nas estruturas do imaginário ancestral que está dentro de cada ser humano e através
da síntese estilizada de toda uma longa experiência comunitária. É o que Bernard Jeu (1987) chama de
"racionalidade do imaginário" que organiza as suas leis de acordo com a respectiva sigmóide ou vaga,
sem esquecer as anteriores, mas também sem deixar de considerar que já se está a idealizar e a organi-
zar uma outra, de acordo com o futuro que há-de vir.
Acreditamos, portanto, que nos tempos que correm ganham cada vez mais importância os futuro-
logistas, planeadores, prognosticadores e criadores de modelos. Dizem eles que o futuro já se encon-
tra entre nós. Para conhecê-lo basta ter bons instrumentos e boas técnicas para focá-lo e torná-lo visí-
vel. Pela modelagem do presente, através dos dados obtidos da contabilidade do passado, é possível
construir modelos preditivos (pelo menos em teoria) que desenham o(s) cenário(s) hipotético(s) do
futuro. Pensar a situação, considerar o ambiente 'de crise permanente em que vivemos e elaborar
52 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

cenários para o futuro são exercícios co m in spiração na teoria dos jogos, so bretudo na teoria dos
jogos de guerra 16 , que se têm vindo a aperfeiçoa r através da utilização de sofi sticados modelos de
decisão. No entanto, o "paradigma da in certeza", que cada vez mai s governa as ciências do comporta-
mento, da gestão e da política, coloca problemas que é necessá rio resolver antes de se ini ciarem pro-
cessos de análi se prospectiva.
O des porto, enquanto produto da indústria do entrete nim ento, está na prim eira li nha da dinâ-
mi ca socia l que hoje se vive à esca la do planeta. El e domina a matri z cultural do nosso tempo ,
naquilo que tem a ver com um a cultura dita popular. Por exemplo, Bill Gates afirmou, numa entre-
vista à "Hollywood Reporter" (1 4/10/2004), que "a TV está a mud ar e, neste momento, os eventos
desportivos val em mais do ponto de vista económico do que as notícias". E o problema a conside-
rar, como nos diz o homem mais rico do mundo, é que: "yo u real ly affect thin gs when you change
their economic sou rce", quer dizer, tudo se altera qu ando se alteram as fontes de fin anciamento.
Esta é a verdad e que está a dei xa r co mpl eta mente fora da realid ade o chamado Modelo Europeu de
Desporto. A partir do momento em qu e envolve ram as actividades despo rtivas na lógica da econo-
mi a do lu cro, as regra s passaram a ser radicalm ente diferentes. O probl ema é que os diri gentes des-
portivos e políticos parecem não ter sido aind a capazes de percebe r qu e o des porto do es pectáculo e
do entreten imento é outro paradigma. O cham ado Mod elo Europeu de Des porto, que sempre fun-
cionou à margem da economia do lucro, co m a nova situação, devido às contr~d i ções interna s acu-
mulad as, tem vindo a dese nvolver uma es pécie de "tragédia nacional" no mundo do futebol que já
está a contaminar outras modalid ades des portivas . As sim , em cada momento, é fundam ental ser-se
ca paz de perceber as mud anças soc iai s e organizacionais em curso, a partir da identificação dos con-
teúdos qu e caracte ri zam as vagas de mud ança que ocorrem ao longo do tempo .

Os autores

A perspectiva de compreender a mudança social a partir dos conteúdos tem como autores mai s
representativo s, entre outros, Jean Fourastié (1947), Alvin Toffier (1980), John Naisbitt (1988), Faith
Popcorn (1 991) , Paul Kennedy (1 993), Hamish McRae (1 994) ou Barry Minkin (1 994) . Estes autores
desenvolveram os seus trabalhos com o objectivo de ver na sociedade tendências, ou se quisermos
aplicar o termo mais querido dos h istoriadores, as leis da históri a, que permitem antever o desen ho
do futuro. Eles procuram encontrar o programa de mud ança, qu er dizer, a existência de tendências
mais ou menos irreversíveis, de modo a poderem com algum grau de probabilidad e desenh ar o futuro
qu e pensa m poder vir a acontecer. É a prospectiva que, segundo André Decoufié (1972), se situa no
limite do es pectro dos saberes constituídos , quer dizer, das ciências, a partir do momento em qu e as
verificações experimentais deixam de ter aplicação ou fazer sentid o. Na fronteira do conhecimento, a
prospectiva afirma ce nári os e tend ências. Não se trata do controlo do devi r pela pa lavra mágica, pela
interpretação do indício, ou pelo uso astucioso do último dos "gadgets" tecnológicos da moda.
Nas palavras de André Decou fi é (1 972), a prospectiva é "a apren dizagem do distanciamento e a
co nsequ ente recusa em satisfaze r as ex igência s de um sa ber mundano, apressado em encontrar,
onde e qu ando pode, as ju stificações dos seus próprios erro s". É, numa acepção rigorosa do seu

16
A teoria dos jogos de guerra tem por objectivo engendrar uma metodologia formal para o autoconh ecimento e o conheci-
mento dos inimigos. Em conform idade, aj uda a analisar e prever os movimentos estratégicos dos adversários, para a partir
deles engendrarmos os nossos que, por sua vez, vão influenciar o adversário. Foi desenvolvida há cerca de 3 mil anos, com o
objectivo de trein ar a tomada de decisões estratégicas e tácticas relativas a conflitos armados, tendo em vista evita r os ri scos
intrín secos à própria guerra. Hoje, a teoria dos jogos pode e deve ser aplicada no desporto, no que diz respeito à organi zação
da competição com vista à obtenção da vitória.
Caos e o Ambiente [ 53

Profetas, bruxos e adivinhos

A prospectiva diferencia-se da futurologia, de conotações obscurantistas, e da própria ficção


científica, dado o seu carácter meramente especulativo. O mundo do desporto, ao ter de alimen-
tar, ininterruptamente, para além de jornais diários, inúmeras secções escritas, radiofónicas ou 1

te/evisionadas de um sem-número de órgãos de comunicação social, é um espaço onde pululam


profetas e adivinhos que, muitas vezes, têm transformado o desporto na espantosa confusão em
que hoje se encontra. Esta mentalidade, que acredita ser possível ver ou condicionar o futuro atra-
vés de processos mágicos, de mesinhas, de rituais e de cerimónias mais ou menos religiosas, está
i muito arreigada ao mundo do desporto. Desde a vistosa esposa do presidP-nte dum grande clube de
' futebol que decidiu construir uma capela no próprio estádio do clube, presumive/mente a fim de
poder "controlar ce/estia/mente" o futuro dos resultados, até ao presidente de outro grande clube ,
de futebol que insistia com o treinador na necessidade de se aconselhar com um bruxo a fim de
controlar os resultados do futuro, ou do treinador de futebol que invariavelmente ia para o jogo
! com peúgas diferentes porque acreditava que assim podia influenciar a sorte do resultado, são
"estórias" do mundo do desporto que fazem a história do próprio desporto, mas que não determi-
nam, nem de perto nem de longe, a história do desporto do futuro.

pensamento, o primeiro produto do processo de planeamento. De facto, a prospectiva nasceu,


segundo Michel Godet (1993), de uma revolta do espírito contra o jugo do determinismo e da aleato-
riedade do acaso. É um combate contra a fatalidade pela força de vontade do desejo de criar um
futuro que se deseja e quer construir. Existe, assim, um postulado de liberdade perante múltiplos e
indeterminados futuros que nada têm a ver com essa "capacidade" que alguns acreditam poder ser
vista na transparência duma "bola de cristal". A prospectiva não é nada disso. A prospectiva parte da
necessidade de ter uma visão de conjunto sobre os diversos cenários do futuro. A prospectiva é, de
facto, um olhar sobre os futuros possíveis a fim de clarificar a acção presente, através das previsões
tecnológicas, económicas, geográficas, relativas à gestão do território, educativas ou desportivas,
enquanto preocupações que interessam àqueles que são responsáveis pelos processos de decisão,
tanto nas organizações como nos sistemas sociais. Vejamos, então, o que diversos autores nos
dizem sobre o conteúdo da mudança.

17
Jean Fourastié (1907-1990)

Com a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, o modelo keynesiano 18 tornou-se o


paradigma de referência de todo um processo de reconstrução das economias europeias, significativa-
mente marcado por uma forte intervenção do Estado. Começou aquilo a que Jean Fourastié chamou
de "Revolução Invisível das Três Décadas Gloriosas" 19 , referindo-se aos anos de expansão económica
entre 1945 e 1975, que marcaram um tempo de políticas de pleno emprego, sustentadas numa ideia
de crescimento estável e infinito e alicerçado na intervenção do Estado, que deu origem às políticas de
promoção do desporto que começaram a acontecer a partir dos anos cinquenta no âmbito daquilo a
que ficou conhecido como o Estado-Providência e as políticas de "Desporto para Todos".

17
http:jjwww.jean-fourastie.org/
18
john Maynard l<eynes (1883-1946) foi um economista inglês CUJaS ideias tiveram um enorme impacto no pensamento
económico e político moderno. Foi um defensor do intervencionismo do Estado na economia através de medidas fiscats
e monetárias a fim de contrariar os efeitos nefastos da depressão. É por muitos considerado o pai da macroeconomia.
19
Fourastié, Jean (1979). Les Trente Glorieuses ou la Révolution lnvisihle de 1946 à 1975. Paris, Fayard.
54 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Fourastié partia do princípio que a sorte do homem tinha de, necessariamente, estar associada
ao progresso técnico. O futuro da humanidade, na hipótese de um progresso indefinido da técnica
científica era, segundo o autor, comparável ao de um un iverso em que a alimentação e os bens
materiais seriam dados pela Natureza aos seres vivos, como o oxigénio e a água lhes foram dados
desde semp re. Contudo, o Homem devia permanecer, pelo menos até ao advento de uma nova
idade ainda absolutamente imprevisível, constrangido a realizar os trabalhos necessários à reparti-
ção dos produtos e ao seu consumo, à satisfação das necessidades intelectuais e artísticas e às
despesas gerais da organização técnica e social .
Fourastié (1970), no livro Des Loisir: Pour Quoi Faire?, descreveu catorze tendências que iriam
caracterizar a condição humana no ano de 1989. Foram elas:
1. Acesso de todos sem distinção de classe, profissão ou situação económica à cultura, ao
ensino e, em geral, a tudo aqu ilo que possibilita o desenvolvimento do ser humano;
2. Decréscimo do trabalho físico em benefício do trabalho intelectual. O clima intelectual e
moral tornar-se-ão progressivamente cada vez mais abstractos, so li citando capacidades de
resposta cada vez mais rápidas. A força emotiva dos espectáculos conduzirá os homens
para situações ali enantes;
3· A despersonalização dos ambientes sociais e de trabalho. As relações tenderão a ser mais
escritas, informáticas ou mecânicas;
4· Proliferação da regulamentação. Existe um grau de liberdade e de risco necessários ao
Homem que as sociedades demasiado organizadas estão a negligenciar. Num tempo em
que as possibilidades serão numerosas, e até infinitas, as impossibilidades parece que tam-
bém vão progredir paralelamente;
5· Desprezo pelos processos de racionação. Tendência para ignorar a dura situação do
Homem tradicional. O Homem deixará de julgar a sua situ ação em relação ao passado. O
falso sentimento de que tudo é possível dificultará o contacto com a realidade, dando ori-
gem a sentimentos de arbitrariedade, injustiça, insatisfação e revolta;
6. Uniformização ela vida, pelas soluções estandardizadas no mundo, de Paris a Tóquio, pas-
sando pelas aldeias mais recônditas. Existirão as mesmas revistas, a mesma arquitectura, o
mesmo vestuário, muitas vezes, os mesmos lazeres;
7· O combate ao aborrecimento e à saciedade será conseguido pelo interesse marginal e pela
diversidade das necessidades crescentes. O Homem procurará a diversidade de esco lh as,
nos mais diversos .domínios, entre eles o do lazer;
8. A diversificação exercer-se-á fundamentalmente nos domínios intelectual, afectivo, filosófico
e económico, áreas estas que deverão ser consideradas pelos "produtores de lazeres";
9· Consumos surpreendentes. Os consumos tenderão a ser surpreendentes, como ainda recen-
temente tivemos a oportunidade de ver anunciado num jornal: "água engarrafada para cães";
10. Diversificação das necessidades em função do aumento do nível de vid a. Estas necessida-
des serão limitadas exclusivamente pela imaginação do Homem;
11. O Homem, pela sua natureza, não é somente um consumidor, é um criador de va lores natu-
rais e esp iritu ais. Em conformidade, o que lhe interessará é a salvaguarda do seu espírito de
iniciativa e de in ovação. A necessidade de actividades criativas é uma das condições do equi-
líbrio hum ano;
12. O Homem de amanhã terá necessidade da Natureza. No futuro, o que faltará aos homens é
o contacto com a Natureza. O lazer será um elemento fundamental para evitar o corte do
Homem com as suas faculdades instintivas, rituais e sentimentais;
Caos e o Ambiente [ 55

13. O Homem do futuro viverá num estado de in quietude e de angú stia. O mundo das tecnolo-
gias provocará transformações exp los ivas que originarão elementos de grande in stabilidade.
Observar-se-á um aumento da s psicoses, um agravamento da delinquência juvenil e um
crescimento das toxicomanias;
14. O Homem de amanhã será rico. As necessidades humanas crescerão em função do aumento
do nível de vida. Esta bulimia acabará por despersonalizar o Homem e privá-lo da sua vida pri-
mitiva e criadora. No entanto, o apetite consum idor é um dos aspectos particulares mais pro-
fundos do ser humano, que o conduz a jamais estar satisfeito com os resultados conseguidos .
O Homem tenderá a progredir não só no domínio económico, mas sobretudo no domínio da
técnica, da aventura, do heroísmo e da mística. Enquanto o Homem existir, ele tenderá a ir mais
longe, ele quererá ser mais rico, mais instruído, mais livre e procurará usar o lazer a fim de
explorar toda a sua liberdade.
De alguma maneira, Fourastié foi capaz de prever há quase quarenta anos o que ia acontecer. Con-
tudo, seria bom que se compreendesse que a melhoria extraord inária das condições de vida das popu la-
ções dos mais diversos países do mundo não têm sido realizadas de uma forma uniforme. Os dados no
que diz respeito ao Índice de Desenvolvimento Humano do relatório das Nações Unidas (2004) demons-
tram bem as assimetrias sociais e económ icas que se vivem à escala do planeta. Enquanto que os cida-
dãos do país mais rico do planeta, o Canadá, vivem COQ1 um PIB per capita de 36 6oo dólares e uma
esperança de vida à nascença de 78,9 anos, os do país mais pobre, a Serra Leoa, vivem com 520 dólares e
uma esperança de vida à nascença de 34.3 anos (in Relatório de Desenvolvimento Humano, 2004).
No que diz respe ito ao desenvolvimento do desporto, também ele esteve sempre ligad o à histó-
ria da tecnologia e das grandes transformações sociais desencadeada s pela evolução do conheci-
mento científico, muito embora, muitas vezes, à margem de quaisquer preocupações sociais. Da
horda à tribo, da tribo à comuna, da comu na à empresa, da empresa à sociedade, da soc iedade ao
planeta, durante o século XX, processaram-se tran sfo rmações tecnológicas e sociais com incidên-
cias extraord in ariamente sign ifi cativas no domínio da organ ização das práti cas desportiva s que
deram origem ao designado Modelo Europeu de Desporto. Contudo, à imagem e semelh ança do
que se pa sso u em termos gerais na sociedade, também o referido modelo foi apanhado na engre-
nagem da técnica e nas própri as consequências que dela advieram.

Bruno Ugolotti (1921-2003}


Resistente antifascista e escritor italiano, dizia: "Depois veio o progresso e destruiu tudo. Foi
• pior que a guerra, porque se a guerra destruiu coisas, o progresso destruiu o nosso modo de vida".

Em conformidade, há que ter em atenção o que é que relativamente ao desporto o chamado


progresso está a determinar. É que, se é possível observa r aspectos bem positivos, também é pos-
sível ver que nem tudo está a ir pelo melhor cam inho, sobretudo quando começamos a perceber
que o Estado está ·a deixar de se r o fiel da ba lança de uma soc iedade desportivi zada qu e deve
encontrar na dinâmica social as razões e os impulsos do seu desenvolvimento e não em determina-
das corporações de interes ses que já começa m a apresentar os primeiros tiques fa sc izantes que, a
evoluírem, hão-de comprometer o desenvo lvim ento do desporto.

John Naisbitt (1988)

Escreveu o li vro intitulado Megatrends. Ten New Directions Transforming our Lives. Se atender-
mos às macrotendências de Naisbitt, temos:
56 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

1. De uma sociedade industrial para uma sociedade baseada na informação. Na real id ade, se
qu isermos fazer um pa ralelo com o que se passa em termos globa is a nível do desporto,
podemos ver que estamos a passar dum modelo desportivo baseado, em te rm os organi za-
cion ais, numa lógica da civi lização indu strial para um modelo baseado na inform ação. Odes-
porto dos nossos dias va le pe la capacid ade de inform ação que for capaz de gerar;
2. De uma tecnologia orientada para os produtos para uma tecnologia orientada para as pes-
soas. É evid ente que, também a nível do desporto, as tecnologias devem estar (o que nem
sempre acontece) cada vez mais ao serviço das pessoas. Os mais diversos artefactos despor-
tivos estão a adapta r- se às pessoas, aos seus so nhos, desejos e necess id ades;
3· De uma economia local para uma economia global. O desporto está a se r contextualizado a
uma esca la globa l. Está, por assim dizer; a processar-se um regresso ao passado, de tal
maneira que as práticas desportivas, através das tecnologias de com un icação, voltam a ter o
significado espácio-tempora l qu e perderam durante a civilização indu stria l;
, 4· Do curto prazo para uma visão estratégica. A idei a do desporto pelo desporto deixou de
fazer qu alqu er sentido. O desporto, hoj e, tem de estar ao serviço da qualidade de vida das
pessoas e do desenvolvimento das regiões e dos países. Assim, a candidatura à realização de
mega-eventos desportivos tem de obedecer a esta lógica. Tudo isto requer um a visão estraté-
gica, por parte não só das regiões ou dos países como também das orga ni zações desporti-
vas, por exem pl o, desde logo, pela esco lh a dos loca is de rea lização dos Jogos Olímpicos.
Repare-se qu e, sendo o Olimpismo um in strum ento que deve estar ao serviço do desenvolvi-
mento huma no, as cid ades mais pobres candidatas à orga nização dos Jogos Olímpicos não
podem ser afastadas simpl esmente porque são pobres, mas também não podem ava nça r
para projectos perfeitamente demenciais que comp rom ete m a vida das gerações vind ou ras;
. S· Da centralização para a descentralização das decisões. Durante a revolução indu stri al acon-
teceu um a enorm e centralização das decisões. Aliás, o princípio da centra li zação é um dos
seis ind icados por Alvin Toffler (1980), no livro A Terceira Vaga, como caracterizador da pró-
pria civili zação ind ustrial. Está-se agora a entrar numa perspectiva globa li zante mas descen-
tralizada das questões despo rti vas, em que o princípio "pensar loca l, agir globa l" cada vez
mais se ap li ca. Isto sign ifi ca qu e, por exemplo, só os clubes de futebol da 1. 3 li ga portuguesa
co m capacidade para, numa perspectiva loca l, se imporem à esca la global é que vão conse-
gu ir as co ndições 9esucesso. Ora, esta perspectiva ob~i ga a mudar o Modelo Europeu de
Desporto, que está a impedi r o normal desenvolvimento do desporto pós-i ndu stri al;
' 6. Da assistência institucional para a confiança individual. O va lor das pessoas e a prática des -
portiva personalizada está, também, a subst itui r a massificação desportiva da civi lização
indu strial, bem como a pôr em causa todo um conjunto de lideranças e de in stitui ções cadu-
cas que, paras itariamente, em muitas situações, se limitam a viver à custa dos contribuintes;
7· De uma democracia representativa para uma democracia participativa. Pelo seu lado, a
democracia representativa cada vez mais fará ape lo à democracia participativa, por exe mpl o,
nas decisões dos grandes clubes e das próprias po líticas desportivas, através da utilização
das novas tecno logias de informação e comunicação ao serviço da participação das pessoas.
Por exe mplo, hoje, as questões do Olimpismo co locam-se com tal incidência em te rm os
sociais que não podem continu ar a estar nas mãos de meia dúzia de pessoas a funcionarem
em regi me fechado e a decidirem à custa do dinheiro dos contribuintes sobre ass untos que
ultrapassam o limite das competências da organ ização de que fazem parte;
Caos e o Ambiente [ 57

8. Das estruturas hierárquicas ao trabalho em rede. A rede, por seu lado, é uma realid ade que a
nível do desporto significa uma ordem internacional cada vez mais interacti va, por oposição
aos modelos piramidais do passado, que estão a conduzir a sua organização à maior das con-
fusões de que há memóri a. A desagregação do desporto moderno indica que o modelo de
organização do desporto do futuro passa por uma estrutura mai s ou menos vo láti l a funcionar
em rede;
9· De Norte para Sul. Quanto à geografia, também vemos o desporto a deslocar-se de Norte
para Sul. A América do Sul e a África do Sul são os dois espaços geográficos que reivindi-
cam a rea lização de g~andes competições internacionais, como sejam o Campeonato do
Mundo de Futebol e os próprios Jogos Olímpicos;
10. Das escolhas simples às múltiplas opções. Finalmente, também a diversidade das práticas
desportivas está a dar origem a uma multiplicidade de opções, não só das mais diversas
man eiras de praticar desporto mas também das mais variadas atitud es com que se pratica .

Faith Popcorn (1991)

Intitulada pela rev ista Fortune co mo a "Nostradamus" do market in g, esta autora considera-se
uma optim ista e, como tal, tem um a perspectiva basrante positiva ace rca da organ ização do futuro.
Para ela "predizer o futuro é fácil, po is que o que co nta, quer dize r, o problema, é saber o que fazer
com ele". A autora diz- nos que "embora alguns teóricos estejam a prever um terrível apocalipse, eu
tenho um forte se ntimento de que o futuro será melh or que o presente. Eu quero mostrar às pes-
soas o caminho para saírem da escuridão. Eu quero ser aquela que vai ap resentar o novo consumi-
dor à nova organização. E eu qu ero juntar a min ha voz àq ueles que têm uma visão positiva acerca
da organ ização do futuro". Em conform idade, a perspectiva de Popcorn centra-se a partir daquilo
que está a aco ntecer às pessoas. No seu livro Faith Popcorn Report - Targetting Your Life - Th e
Future of your Company, Your World, Your Life, organ iza o seu pensamento em 10 tendências para o
futuro. A autora utiliza algumas metáforas, ta l como, cada vez mai s, ve mos fazer no mundo da ges-
tão, para tra nsm itir as suas ideias. São elas:
1. Encasulamento (cocooning) . Naquilo qu e respeita à procura de locais seguros para se viver. A
in segurança das nossas vidas tem feito co m que cada um de nós se encerre na sua própria
"concha" ("cocooning") porque é lá que enco ntra segurança num mundo cada vez com mais
in seguranças. O desporto tem ~compan hado esta tendência com a pulverização por todo o
lado dos mai s diversos clu bes privados;
2. Aventura. Quanto à necess idade que as pessoas têm de encontrar novas e estimulantes
situ ações para as suas vidas, todos os dias cada vez ma is iguais e, em co nsequê ncia, pouco
interessa ntes. Também neste domín io o desporto acaba por se r mai s um pretexto para a
aventura na procura dos grandes espaços naturais;
3· Pequenos prazeres (sma/1 indulgences) . Pela necessidade que cada um tem de se atribuir a si
próprio alguma coisa qu e lhe dê prazer. É evi dente que nem todos podem ter um Ferrari mas
podem ter uma bicicleta de montanha correspo ndente a um Ferrari. Pode m ter um relógio de
pul so de uma qualidade superior. Pod em ter tantas outras coisas que, se ndo boas, lh es dão
"pequenos prazeres" e marcam a diferença das suas vidas ;
4· Egonomia (egonomics). Quanto à auto-estima , a procura do individuali smo e a personaliza-
ção da vida de cada um. O desporto neste domínio é um exce lente espaço de procura e de
enco ntro de cada um cons igo mesmo;
58 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

5· Anticarreirismo (cashing out). A procu ra de outras fontes de afirmação pessoal e social em altern a-
tiva a um carreirismo desgastante. O emprego para a vida está a dar lu gar a uma multiplicidade de
empregos ao longo da vida, tal como o desporto também pode proporcionar um a multipl icidade
de práticas ao longo da vida;
6. Juventude eterna. Cada vez mais prolon ga mos aquil o que gostamos de faze r ao longo das
nossas vidas, na ten tativa de pro longarmos a nossa própria juve ntud e. O despo rto é um
exce lente meio para afirm armos a nossa juventude etern a;
7· Saúde e longevidade. Procura da sa úd e e, depoi s, a vida etern a. Hoje, o desporto está asso-
ciado a um a vid a sau dáve l e o seu desenvo lvim ento passa por associa r as suas práticas aos
prog ramas de promoção da sa úde para a vida, como é o caso do co mbate à obes id ade;
8. Defesa do consumidor. Co nsc iência dos nossos direitos enqu anto co nsumidores. Somo s
um a sociedade de consu mi dores e não uma sociedade de co nsum o de massas. Em co nfor-
mid ade, es pera-se das políticas públi cas e prog ramas que promova m a equidade no acesso
generali zado à práti ca des portiva e não só de programas para aq ueles que revelam co ndi -
ções para al im entarem o alto rendim ento despo rti vo e o es pectácul o;
g. Noventa e nove vidas . Re lati va mente à divers id ade de situações que vivemos na nossa vida
ass umimos também diferentes person ali dades qu e serve m para estabej ece r o nosso equilí-
brio emocional. O des porto é um es paço e um tempo de resta belecimento de equilíbri os
numa sociedade cada vez mais esqu izofrénica;
10. SOS (save our society). No qu e res peita à eco logia e às impli cações plan etári as das atitud es
das nossas vidas . O des porto tem de se r um in strumento de pro tecção da Natu reza . A este
respe ito, o CIO, desde 1994, reco nh ece o ambiente e a sua defesa, a par da cu ltura e do des-
porto, como um dos três pil ares do Oli mpismo. Segund o a reg ra 3, parág rafo 2 da Ca rta
Olímpi ca, os j ogos Olímpi cos devem se r orga ni zados no abso luto respe ito pe lo meio
amb iente. Em 1995, o CO I cri ou mes mo um a co mi ssão para as qu estões do ambi ente.

Click
Mais rece nte mente, em 1996, esta autora, no livro Click, acresce nta à sua li sta se is novas ten-
dências. São elas :
n . Formação de clãs (clanning). No que respe ita à necess id ade que as pessoas sentem em per-
te nce rem a grupo s afin s. Veja-se o que se está a passar com a des agregação do des porto
através da criação de novas modalidades e novas práticas que co ndu zem à organ ização de
novos grupos mais ou menos form ais;
12. Busca do hedonismo (pleasure re venge ). Qu anto ao quebrar das reg ra s e reg ul amentos qu e
nos orie nta ram a vid a. As chamadas moda lidades "doces " estão aí;
13. Ancoragem (anchoring) . Re lativame nte ao regresso aos va lores tradicionais, à esp iritua li-
dade com o fo rma de adquirir seguran ça em relação ao futu ro. É imperat ivo pree ncher o
vaz io qu e muitos estão se ntind o, in cl usiva mente o vaz io qu e cada vez mais se sen te em
relação aos va lores do des porto;
14. Femininamente (fema le thin k). As mulh eres pensam e co mportam-s e de ma neira diferente
da dos homens. Esta mos a, chega r ao milén io das mulh eres. O pad rão de parti cipação das
mulh eres no mun do do des porto está a aumentar, mu ito embora preva leça ainda um a fo rte
mentalid ade misógin a no mund o do di rigismo des port ivo;
Caos e o Ambiente [ 59

15. Homencipação (mancipation). Decorre da problemática anterior. Diz respeito à libertação


de alguns estereótipos relativos ao comportamento machista dos homens. É evidente que
no mundo do desporto só será possível ultrapassar esta situação através da renovação dos
dirigentes que ocupam o vértice estratégico do mundo do desporto há demasiados anos;
16. Queda de ícones (icon toppling). Tal qual "sociomoto" em relação a alguns pilares arcaicos
da sociedade industrial. De facto, durante o século passado, a democratização do desporto
transformou-o num instrumento de educação e cultura ao serviço do Homem. Contudo, é
necessário perceber que estão sempre a ser construídos novos ícones que, em muitas cir-
cunstâncias, não passam de instrumentos de alienação.

Paul Kennedy (1993)

No livro Preparing for the Twentyjirst Century aponta oito grandes tendências gerais que vão
organizar a sociedade no século XXI. São elas:
1. Explosão demográfica. Quanto aos problemas que a demografia está a causar à escala do
planeta. A demografia desportiva é uma questão em equação nos processos de desenvolvi-
mento do desporto na maioria dos países, sobretudo a demografia do desporto federado,
uma vez que o número de praticantes deste sector desportivo está a decair;
2. Comunicação. Naquilo que respeita aos novos sistemas de comunicação que transformaram
o planeta numa "aldeia global". Hoje, o desporto organiza-se à escala global e o seu valor
depende da informação que é capaz de produzir e da comunicação que é capaz de gerar;
3· Revolução financeira. Relativamente à rede financeira que envolve o globo e determina o
apartidarismo dos capitais. O apartidarismo dos capitais já entrou no mundo, não só das
sociedades desportivas como dos grandes eventos desportivos e, em nossa opinião, será
cada vez maior. Veja-se o que se passa com o Chelsea ou o Manchester United;
4· Ascensão da empresa multinacional. Quanto às grandes empresas que se desenvolvem para
além do Estado-nação. Os clubes multinacionais são uma realidade que não tardará muito a
acontecer;
5· Revolução biotecnológica. A agricultura como uma das portas abertas à solução dum mundo
carente e ao mesmo tempo perdulário de recursos. A revolução biotecnológica também trás
enormes preocupações ao desporto, sobretudo naquilo que tem a ver com o doping genético;
6. Robótica. No que diz respeito à nova revolução industrial e às opot·tunidades tecnológicas e
sociais no domínio duma nova estrutura para o tempo. O desporto, com todo o tipo de com-
petições internacionais, já vive esta nova estrutura do tempo;
7· Defesa do meio ambiente. Como garantia indispensável para a preservação da vida à face do
planeta. O ecossistema desportivo deve estabelecer as relações de equilíbrio entre as diversas
práticas desportivas e o meio ambiente. O desporto é um instrumento de grande utilidade na
cruzada por um planeta limpo, mas também é, quando mal utilizado, um instrumento de
poluição e degradação do ambiente;
8. Futuro do Estado nacional. Naquilo que respeita à construção duma nova lógica que deixa
de estar centrada na ideia de Estado-nação. Também a dimensão nacional das práticas des-
portivas cada vez mais está a ser posta em causa. As grandes marcas estão a tomar conta
das organizações e dos eventos desportivos ao ponto de condicionarem a própria evolução
do desporto.
60 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Doping genético

Amanhã é o horror, segundo as palavras de Claude-Louis Gallien, investigador e professor de


Biologia, presidente da Federação do Desporto Universitário em França. Hoje, apercebemo-nos
que a dopagem actual- a dopagem bioquímica- pode ser, com vantagens, substituída por mani-
pulações biológicas e genéticas. Se somos capazes de 'fabricar" rãs com oito patas porque não
conceber um nadador com mãos e pés maiores através da manipulação do embrião? Não tarda
muito vamos começar a falar dos atletas mutantes. Ou já teremos atletas mutantes?
L __ _

Hamish McRae (1994)


Tido como um dos gurus da economia, no seu livro The World in 2020, na linha de Paul l<ennedy,
considera existirem cinco forças de mudança. De uma forma geral, repetem aquilo que os autores ante-
riores já disseram. A saber:
1. Demografia;

2. Meio ambiente e recursos;

3· Comércio internacional e finanças;


4· Tecnologia;
5· Governo e sociedade. Interessa considerar esta tendência no sentido de se apurar quais vão ser,
no futuro, as relações entre o Estado e a sociedade em matéria de promoção e desenvolvimento
do desporto. Passada que está a era do Estado-Providência, que deu origem ao designado
Modelo Europeu de Desporto, chegou o momento em que se torna necessário equacionar um
novo modelo de desenvolvimento e uma nova estratégia em relação à organização do futuro. A
situação desportiva nacional, com o alto padrão de potencial confiito que a caracteriza, demons-
tra, por um lado, a existência de um poder político absolutamente desajeitado em matéria de
políticas públicas de desporto e, por outro lado, um movimento associativo fratricida que lutará
na defesa egoísta dos seus privilégios até se autodestruir, a menos que o actual modelo organi·
zativo seja radicalmente alterado.

Barry Minkin (1994)

Na sua obra The Future in Sight organiza, em dez grandes categorias, um conjunto de cem ten-
dências que, numa perspectiva "mercadológica", vão configurar a sociedade no próximo milénio.
Para ele, as grandes categorias são:
1. Marketing. Os técnicos de marketing propõem e as pessoas dispõem. Os técnicos de marke-
ting dirigem e as pessoas reagem. Em conformidade, é necessário saber quem e quantos são
os compradores? Quem são aqueles que estão disponíveis para praticar e comprar desporto"
Quanto é que podem ou estão dispostos a pagar" Quais os aspectos mais significativos rela-
tivamente aos seus hábitos e à sua maneira de viver? Como é que vivem e como é que dese-
jam viver" Quais os valores intangíveis que orientam as suas vidas" É evidente que uma coisa
é conhecer os sentimentos, os valores e os hábitos das pessoas a fim de serem implementa-
das políticas de promoção social, outra completamente diferente é transformar o mercado,
tal qual Hermes, num novo deus e o marketing numa nova religião;
2. Negócios. Os negócios do futuro são os negócios da saúde, das drogas anti-envelhecimento,
das telecomunicações, do entretenimento. O desporto cruza transversalmente todas estas
Caos e o Ambiente [ 61

actividades económicas, para além de outras. Em conformidade, há que apurar os cruzamentos,


as interfaces e as relações que o desporto estabelece com as mais diversas actividades humanas;
3· Aspectos legais e financeiros. O globalismo da informação financeira é uma realidade que hoje
começa a envolver a sociedade. O mercado vai-se desenvolver onde a acção estiver a acontecer.
Em consequência, a lógica dos mercados financeiros está em mutação a partir das possibilida-
des das novas tecnologias através das "contas-riqueza" ou "contas-património" de cada um. O
aumento da possibilidade de risco no domínio financeiro vai ganhar importância, pelo que o
direito e a jurisprudência em matéria de resolução de confiitos vão ganhar valor acrescentado.
As empresas serão cada vez maiores, e cada vez mais controladas por instituições financeiras,
com o consequente afastamento dos investidores individuais. Como se sabe, o desporto através
das sociedades desportivas dos clubes já está a entrar no mercado financeiro;
4· Globalismo. Os sistemas de comunicação vão alterar todo o tipo de relações, desde as de
trabalho até às de comércio. Os postos de trabalho e os mercados estão a transferir-se para
os países em vias de desenvolvimento. Esta tendência dá pelo nome de "deslocalização", que
20
no âmbito do desporto há muito que vem a ser praticada por empresas como a Nike ou a
Adidas. Com o aumento do PIB nestes países, o consumo de proteínas animais vai aumentar
tal como as doenças cardiovasculares. Só que o aumento de cada quilograma de proteínas
animais à escala global tem custos incompor!áveis. Daí que seja necessário e previsível o
estabelecimento de um equilíbrio mundial nesta matéria;
. 5· Demografia e os estilos de vida. Os problemas da demografia serão dos mais cruciais na
evolução da história da humanidade. As populações dos países industrializados estão a enve-
lhecer. O "saldo fisiológico" caminha para o zero ou mesmo um valor negativo, no entanto,
por contraditório que possa parecer, a população mundial está a aumentar, mas em simultâ-
neo está a envelhecer, na medida em que a esperança média de vida tem vindo a aumentar.
O sangue novo dos países industrializados terá de ser conseguido à custa de imigração, o
que levanta novas questões e problemas, nos domínios da integração, da diversidade cultu-
ral, da configuração da família, da educação das crianças, da reorganização dos mercados de
trabalho, dos padrões de consumo, da utilização do tempo livre e de lazer. Os desequilíbrios
entre países desenvolvidos e não desenvolvidos tenderão a aumentar;
6. Tecnologia de ponta. A tecnologia dos microprocessadores será cada vez mais desenvolvida.
Mais pequena, mais rápida e mais barata. No futebol, a bola inteligente já está aí. Equipada com
um microprocessador possibilita saber a sua posição no terreno de jogo e, em consequência,
determinar sem quaisquer dúvidas se a bola entrou ou não na baliza. A tecnologia das novas fon-
tes de energia manterão o poder das superpotências. A robótica desenvolver-se-á de maneira a
que os robôs possam ser utilizados em diferentes tarefas, através de comando por voz. As tecno-
logias da cerâmica e das fibras ópticas suportarão a sociedade da informação do próximo século.
Novos sistemas de produção de energia a uma escala reduzida serão desenvolvidos, a fim de
minorarem a crise mundial do petróleo que ocorrerá mais cedo ou mais tarde;
7· Gestão das organizações. Uma das mais significativas mudanças organizacionais da pró-
xima década terá a ver com a atitude cultural das pessoas acerca da própria mudança. A res-
ponsabilidade, os processos de tomada de decisão, os sistemas de ligação. Nestes domínios
esperam-se e desejam-se grandes mudanças no mundo das organizações desportivas, que é
um mundo tradicional e, muitas vezes, irresponsável;

20
Niké, deusa grega que personificava a vitória em combate.
62 ] Agôn 1 Gestão do desporto I O jogo de Zeus

8. Funções e os recursos. Um cada vez maior número de mulheres entrará no mundo do traba-
lho, tornando-se inclusivamente donas dos seus próprios negócios. O "efeito superstar" atingirá
cada vez mais empresas e profissões e a tendência será a de pagar ordenados extraordinaria-
mente elevados a alguns técnicos que trarão valor acrescido para as organizações. José Mouri-
nho é bem o exemplo desta tendência;
• g. Economia. Infelizmente, os benefícios da economia terão impacto somente em dois terços da
população. O restante terço continuará a descer para níveis inferiores. Os ricos ficarão mais
ricos e os pobres mais pobres. O fulcro do sistema económico tenderá a deslocar-se para o
oriente. A Internet criará um mercado global. A economia subterrânea tornar-se-á mais forte. A
criação de empregos será uma das questões fundamentais dos próximos anos. Os problemas,
em vez de serem vistos de forma separada, tenderão a ter um tratamento holístico.
• 10. Política. A construção da paz parece ser uma das questões fundamentais dos próximos anos.
A tendência para a transferência de poderes para o nível local continuará a acentuar-se. Os
Estados-nação vão ser postos em causa pelas economias globais. A democracia electrónica
assumirá uma importância significativa.

Síntese

Das várias perspectivas é possível concluir que existem duas maneiras de ver a questão das ten-
dências. Uma centrada mais nos problemas, que se relacionam com as pessoas e as suas vidas,
outra, na maneira como a sociedade está ser organizada. Verifica-se que existe uma certa concor-
dância em relação a alguns aspectos considerados pelos diversos autores. São eles:
1. Demografia;
2. Comunicação;
3· Globalização;
4· Tecnologia;
5· Organização social;
6. Ambiente;
7· Economia social;
8. Descentralização;
g. Política e planeamento;
10. Formação e emprego.
São estes os indicadores que estão a determinar as condições de mudança da vaga da civiliza-
ção industrial para a pós-industrial. Digamos que, na acepção de Alvin Toff1er, é este o código que
está a determinar a mudança de paradigma da organização do desporto baseada no industrialismo
para uma outra baseada na informação que caracteriza a sociedade pós-industrial (ver quadro 3).
Caos e o Ambiente [ 63

3.3 Factores
Quando deliberamos é sobre os meios e não sobre os fins.
Aristóteles

Programa

Se desejarmos analisar os factores que podem desencadear a passagem de um paradigma para


outro, quer dizer, os aspectos que determinam a vida das ideias em cada sigmóide, podemos verifi-
car que existem, de uma maneira geral, desenhos mais ou menos estáveis e repetitivos que possibili-
tam compreender todo o processo. lmre Lakatos (1970), filósofo das ciências, designava com a
noção de "programa" as orientações gerais que conduziam as comunidades científicas no seu traba-
lho de investigação. Portanto, cada sigmóide ou cada processo de mudança ou mesmo de desenvol-
vimento tem um programa específico que configura o padrão da própria mudança. É num quadro
semelhante que entendemos que as mudanças que têm vindo a processar-se no mundo do desporto
devem ser estudadas e compreendidas. Isto quer dizer que, em matéria de desenvolvimento do des-
porto, é possível enunciar preposições verificáveis acerca da mudança social cuja aplicação não se
limita a um dado contexto espácio-temporal, na medida em que tem um alcance mais alargado.
Trata-se de compreender as zonas sociais de turbulência onde se cruzam, e por vezes chocam, dife-
rentes ideias, mas que, no fundo e em conclusão, possibilitam determinar os factores que podem, se
activados, desencadear a organização de um futuro que se deseja construir.

Factores de mudança

Todo este quadro de situação leva-nos a inquirir sobre as condições e os acontecimentos que
terão levado o desporto a assumir a forma e a organização que hoje lhe conhecemos, bem como
sobre as condições que provocaram que as actividades lúdicas, fundamentalmente associadas aos
ritos religiosos, aos processos de iniciação e de passagem, aos ciclos dos trabalhos da terra, aos rit-
mos das festas da natureza, à luta pela sobrevivência e à própria arte da guerra, praticados na
sociedade agrícola, se tenham transformado numa das actividades de maior magia do mundo
moderno, praticada com um código comum à escala do planeta. Nesta perspectiva, acreditamos
que o futuro do desporto pode ser estabelecido por determinados factmes de mudança, que se no
passado deram forma à organização que hoje conhecemos, quando devidamente activados, podem
desencadear a organização do futuro que se deseja construir.

Factores de desenvolvimento

Aos factores de mudança, capazes de provocar a passagem de uma sigmóide para outra, desig-
naremos factores de desenvolvimento. Organizam-se em torno daquilo a que geralmente se chama
de "leis condicionais" (Boudon, 1984): "Se A então B". Ou, então, com um enunciado probabilís-
tico: "Se A então (o mais frequente) B". Se se organizar um bom despmto escolar (factor orgânica),
então a juventude cria hábitos desportivos para a vida, ou, com um alto grau de probabilidade, cria
hábitos desportivos para a vida. Uma das mais célebres leis condicionais do mundo do desporto é
a da "Pirâmide de Coubertin".
64 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Lei estrutural

Quando A não é uma variável mas sim um siste ma de va ri áveis então diz-se que temos uma lei
estrutural. Se tivermos um bom siste ma desportivo então temos um melhor índice de qu alid ade de
vid a. Aqui , o que se procura é estud ar e co mpreender as impli cações da estrutura das relações e da
din âmi ca da acção sobre a mudança do s sistemas sociais. Pod em existir casos intermédios entre a
categoria de lei s condicionais e a categoria de leis estruturais. Ao estudar e exp li car uma dada situ a-
ção procuram-se os traços fundamenta is aos qu ais se dá o nome de estrutura. São traços "funda-
mentais" ou "estruturais" na medida em qu e, co nsid erad os em conjun to e co mo que formand o um
siste ma, são suficientes para explica r uma dada situação. Os outros traços que podem se r vistos
numa dada situação, mas que não a ex pli ca m, são denomin ados de "não estruturais" 21 .

Causalidade circular

Dev ido à circunstância de existirem processos de causal id ade circu lar quando se pretende ana li-
sa r um a dada realidade de mud ança social, a noção de cau sa pod e ter um certo grau de ambigu i-
dade. A ausê nci a dum sistema de desporto esco lar coerente é a causa dum baixo padrão de cultura
desportiva, e o baixo padrão de cu ltura desportiva é a causa responsável pela desorganização em
que o desporto se encontra, e a desorgan ização em que o desporto se encontra é a causa da inexis-
tência de um des porto esco lar coerente. A obra de Max Weber A Ética Protesta nte e o Espírito Capi-
talista surge como um exempl o qu e, gera lmente, é apresentado como paradigmático para referi r
· esta categoria de mudança social. Se a teoria é verdadeira, diz- nos Boudon, demonstra, de facto,
que os va lores podem ser ca usa de transformação das re lações de produção. Transpondo ainda
para o despo rto, diremos qu e um a cultura des portiva assumid a e prat icada tem de ser, necessaria-
mente, a causa do desenvolvim ento sustentável do sistema des portivo naciona l. A partir daqui, é
evid ente que a organização do futebol naciona l, entre outras modalid ades des portivas, jam ais será
conseguida, a menos que o padrão de cultura desportiva dos protagonistas do fenómeno despo r-
tivo melhore significativa mente. Por isso, a necess idade de apostar nas pessoas e na sua formação
é a atitud e estratégica necessá ri a ao desenvolvimento do despo rto em qu alquer país do mundo. E,
em consequência, a causa de todas as sua s transformações de sin al positi vo.

Valores e desenvolvimento

Nos anos sesse nta e seguintes, diversos teóricos do desenvolvimento qu estionaram-se so bre a
infiuência dos valores no dese nvo lvimento. Esta perspectiva s u stenta-~e no postulado de que todo
o processo social é, em última in stância, res ultado de comportamentos decorrentes dos valores
interi ori zados e assumidos pelos indivíduos aq uando do processo de socialização. Pens avam eles
que as mudanças são produto das estruturas . Por exemp lo, as práticas lúdi cas, em cada tempo e
loca l, so b o ponto de vista da sua organização, regem-se pelas estruturas socia is de cada époci 2 .

21
Embora esta se paração entre factores estruturais e não estruturai s seja, por vezes, considerada um a característica do pen-
sa mento marxista, na medida em que o marxismo procura identificar as estruturas fundamentais da organização socia l
para determinar as leis da sua evo lu ção, co ntud o, não parece conclu sivo associar esta forma de pensamento à tradição
marxi sta, já que determinar tipos de es truturas e estabelecer lei s de evo lu ção destas estruturas não está mais ou menos
li gado a esta ou aq uela trad ição doutrinal (Boud on, Raymon, 1990), mas, de uma maneira geral, a muitas delas.
22
A este respeito, entre nós, é significativa a obra de José Esteves, intitulada O Desporto e as Estruturas Sociais.
Caos e o Ambiente [ 65

Contudo, o conceito de estruturas sociais deve ser entendido não só como os elementos físicos
e orgânicos mas também os filosóficos e mentais que dão forma e organizam as sociedades. As
estruturas sociais têm, deste modo, a ver com a maneira como as pessoas pensam e com o padrão
dos seus valores, as atitudes e os comportamentos de uma dada sociedade, pelo que configuram o
desenho organizacional que envolve os diversos períodos e circunstâncias que caracterizam cada
comun1dade ou até cada civilização. Esse padrão tem vindo a evoluir ao ritmo sincrónico da histó-
ria da humanidade. Hoje, como temos vindo a argumentar, estamos em plena mudança de uma
sociedade industrial, organizada na base da lógica que formatou o industrialismo, para uma outra,
pós-industrial, da qual já se adivinham os primeiros sinais que a caracterizam.

As etapas do desenvolvimento

A pergunta que conduziu a investigação de Walt Whitman Rostow (1916-2003), professor de História
Económica do Instituto Tecnológico de Massachusetts, na obra Etapas do Desenf!Oiflimento Económico -
Um Manifesto Não-Comunista, publicada, pela primeira vez, em 1960, foi a seguinte: "Quais os impulsos
que levaram as tradicionais sociedades agrícolas a iniciarem o processo de modernização"~ Transposta
esta pergunta para o mundo do desporto somos levados a questionar quais os impulsos que levaram as
actividades físicas de cariz recreativo a evoluírem e a transformarem-se nas modalidades desportivas que
hoje conhecemos? Por que filtros é que passaram para atingirem o estádio de desenvolvimento que
hoje lhes conhecemos~ Responder a estas questões é compreender os mecanismos que deram
forma à mudança e transformaram as actividades lúdicas da sociedade agrícola no modelo-padrão
que hoje se desenrola à escala do planeta. Como vimos, Alvin Toffier (1980) avançou com aquilo a
que denominou de "código da civilização industrial". No que diz respeito ao desporto, sabemos
que as práticas lúdico-recreativas que caracterizaram a civilização agrícola, ao passarem pelo refe-
rido código, institucionalizaram-se e deram origem ao desporto moderno, que encontra o seu
padrão máximo de estandardização, especialização, sincronização, concentração, maximização e
centralização nos grandes e mega-eventos desportivos regionais e mundiais, tais como campeona-
tos ou jogos regionais, campeonatos do Mundo e Jogos Olímpicos.
Rostow (1960) organizou a mudança social através de estádios de desenvolvimento, tentando
demonstrar que o desenvolvimento económico obedece a um conjunto de 5 etapas, a saber:
1. Sociedade tradicional. A primeira etapa é caracterizada por uma sociedade sem crescimento, com
uma produção agrícola per capita muito pobre. Neste tipo de sociedade as populações têm carac-
terísticas fatalistas, já que pensam que as coisas não podem mudar. O autor chama ainda a esta
fase pré-newtoniana, na medida em que Newton marca um momento em que o Homem come-
çara a compreender as leis da Natureza e a utilizá-las com vista à melhoria da produção;
2. Pré-condições de arranque. Esta fase é caracterizada pela ocorrência de um conjunto de
situações que tornam as sociedades disponíveis para a mudança. Surgem empreendedores
(empresários), a educação e a tecnologia ganham força, sobretudo, no sector agrícola. O fun-
cionamento do mundo desmistifica-se progressivamente. Nesta fase existe, por partes das
elites, uma grande vontade de modernização;
3· Arranque. Na fase de "arranque" estabelecem-se as condições necessárias ao desenvolvi-
mento, que para o autor são três: uma taxa de investimentos alta; criação de indústrias de
transformação; aparelho político e institucional empenhado;
4· Marcha para a maturidade. Na "marcha para a maturidade" a sociedade organiza-se e
moderniza-se duma forma contínua e auto-sustentada. A sociedade começa a ver o industria-
lismo não como um fim em si mesmo, mas como um meio ao serviço da qualidade de vida
das populações;

AGONGD-05
66 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Quadro 3 Competir pelo futuro

1.a vaga 2.a vaga 3.a vaga

Sociedade Agrícola Sociedade Pós-Industrial


~

+
o
- -o
E
"'u ~
c: ----1> Produtor
o o
u
"'o o
-o
o
..... D:: -~
u
• EstandafCn::>aç~-
Globalização
"'c..
E
• Maximização
I
Consumidor
• Sincronização

Tempo

CEspaç~~
~~
Cla;e~
C_Tr;balh~~

5· Consumo de massas. Por último, esta fase caracteriza-se pela circunstância da produção de
bens destinados ao consumo ser superior à produção de bens destinados à produção.

Condições de arranque do desporto moderno

Don Calhoun (1981), fazendo um paralelo entre o desenvolvimento do desporto eo desenvolvi-


mento económico e baseando-se na teoria de Rostow, identifica o processo de desenvolvimento do
desporto moderno com a fase de "arranque" das etapas do desenvolvimento. O autor diz-nos que
se olharmos para trás e quisermos comparar o processo de desenvolvimento económico com o
processo de desenvolvimento do desporto, temos que reconhecer que é com a revolução industrial
que se criaram condições de desenvolvimento do desporto moderno, tal como foi com a revolução
industrial que se criaram condições para o desenvolvimento económico e social.

O código do desporto

Também o conceito de desporto se alterou radicalmente ao longo do século passado em função


do código proposto por Toffier. Sobretudo durante os últimos cinquenta anos as alterações foram
radicais e, por vezes, até dramáticas. Proveniente das práticas lúdico-desportivas da sociedade agrí-
cola, o desporto encontrou no paradigma industrial as condições propícias ao seu desenvolvimento.
A cientificidade das regras, a estandardização das tácticas e do treino eo rigor das medidas, naquilo
que diz respeito à organização racional do rendimento da "máquina humana", segundo Luigi Volpi-
celli (1967), são aspectos fundamentais que identificam o desporto com o industrialismo. De facto, o
Caos e o Ambiente [ 67

desport9 moderno desenvolveu-se à imagem e semelhança do paradigma Industrial. Hoje, está


adquirido que as condicionantes sociais, mentais e operacionais provocadas pela revolução indus-
trial, com a consequente divisão do trabalho e a formação do capitalismo industrial, inf1uenciaram
fortemente o quadro organizacional das práticas desportivas modernas.

Código da civilização industrial

Alvin Toffler (1980) apresenta aquilo que denomina de "código da civilização industrial".
Segundo o autor, a sociedade industrial, a da segunda vaga, pode ser caracterizada por um con-
junto de seis princípios que percorrem todas as suas actividades, afectando em consequência o
próprio desporto. De facto, a gestão dos sistemas e organismos desportivos, segundo um modelo-
-máquina, não é mais do que a aplicação ao desporto moderno do paradigma de desenvolvimento
organizacional próprio do industrialismo. O desporto moderno organizou-se no estrito cumpri-
mento dos princípios do industrialismo, quer dizer, os factores que originaram que as ocorrências
lúdicas da primeira vaga se transformassem num modelo praticado a escalas geográficas, culturais
e sociais cada vez maiores. Segundo Toff1er, os princípios do industrialismo, qu(Y<lfectam todos os
aspectos da vida, "desde o sexo e o desporto até ao trabalho e à guerra", são os seguintes:
1. Estandardização; 4· Concentração;
2. Especialização; 5· Maximização;
3· Sincronização; 6. Centralização.

Estandardização

As normas que regulamentam o desporto têm de estar bem esclarecidas, quer dizer, estandardi-
zadas, para que ele possa funcionar a uma escala mundial. O americano Frederick Winslow Taylor
(1856-1915) desenvolveu a maneira ideal de executar um trabalho:
1. Aferição do desempenho das funções; 3· Tempos de execução óptimos;
2. Utilização das ferramentas próprias; 4· Regras perfeitamente estabelecidas.

A divisão do trabalho transformou o homo sapiens no homo faber. O cérebro separou-se da


mão. Deixou de ser necessário pensar. Passou a bastar cumprir o "standard", quer dizer, o padrão.
A sociedade industrial estandardizou:
• Salários; ·Testes de inteligência;
• Benefícios; · Normas de admissão;
• Horas de trabalho; · Padrões de conhecimentos;
·Tempo de repouso; · Pré-requisitos de acesso;
·Tempo de férias; · Línguas;
·Inquéritos; • Pesos;
• Livros de reclamações; • Medidas;
• Currículos; • Lazer, desporto e comportamentos desportivos.
A sociedade industrial chegou ao ponto de padronizar comportamentos sexuais I A padronização
foi consubstanciada em:
· Documentos; · Normas;
· Manuais; · Protocolos;
68 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

· Instruções; · Ideias;
· Procedimentos; · Testes;
· Regras; · Sistemas de medidas.
Tudo isto determinou o nível de estandardização de cada sector da vida social. Por exemplo,
quando se trata do desporto, os elementos desportivos (Castejon Paz, 1973) são agregados por
uma amálgama de:
· Sistemas de valores; · Distintivos;
. Ambições; ·Emblemas;
· Frustrações; · Rituais;
·Tabus; · Cerimónias;
. Insígnias; · Crenças;
· Regras; · Sublimações.
· Normas;

É esta amálgama disforme de sentimentos, ideias e valores que motivam e projectam as activi-
dades desportivas. É o quadro normativo (formal e informal) que, em última análi~e, acaba por
configurar o envolvimento cultural do mundo do desporto e os seus padrões de estandardização.
O desporto ultrapassou, em muitos aspectos, o padrão médio de estandardização da própria
sociedade industrial. Na realidade, o desporto cumpriu na plenitude, à escala do planeta, o princí-
pio da estandardização. Hoje, é possível organizar na China um jogo de futebol entre uma equipa
francesa e uma búlgara, arbitrado por uma equipa espanhola, em que todos se entendem na ~
medida em que existe um código estandardizado a uma dimensão universal. Hoje, é possível orga-
nizarem-se na China (http:j jen.beijing2oo8.comj) os próprios Jogos Olímpicos. Portanto, o desen-
volvimento do desporto na sociedade industrial apoiou-se numa forte dinâmica de estandardiza-
ção, que lhe possibilitou atingir a dimensão global que hoje conhecemos. Contudo, a pergunta a
fazer neste momento, em que muitas comunidades dos mais diversos países por esse mundo fora
estão a passar de uma sociedade industrial para uma pós-industrial, tem a ver com a necessidade
de saber se a estratégia de desenvolvimento do desporto no futuro passa necessariamente por um
modelo estandardizado de desporto próprio da sociedade industrial, ou, ao invés, por um novo
modelo de desenvolvimento do desporto que se ajuste à dinâmica de uma configuração organiza-
cional em rede que está a caracterizar a sociedade pós-industrial.

Especialização

Até aos anos setenta do século passado era usual haver praticantes desportivos que, simultanea-
mente, eram técnicos e dirigentes. Por vezes eram atletas de várias modalidades e até chegaram a ser
campeões nacionais em mais do que uma. O saudoso Acácio Rosa, dirigente do Futebol Clube "Os
Belenenses", foi um exemplo a todos os títulos notável do que acabámos de referir. Mesmo no mundo
do futebol, a situação de jogador;treinador ainda foi utilizada até há pouco tempo. O princípio da espe-
cialização veio acabar com esta situação. Hoje, o desporto desenvolve-se através de um conjunto de
etapas que vão desde a animação até à recreação, à manutenção, à alta competição, ao profissiona-
lismo e ao espectáculo.
A especialização determina o grau em que o trabalho é dividido. Estabelece diferenças de processos
de trabalho que, por vezes, podem ir até à completa desumanização. Os imperativos da tecnologia obri-
garam a sociedade a desenvolver modelos cada vez mais especializados de organização do trabalho e
Caos e o Ambiente [ 69

FordT

Na sua autobiografia "My Life and Work", publicada por Henry Ford aos 6o anos, o industrial
observou que das 7882 operações em que se decompunha a montagem do Ford T, 949 tarefas exi-
giam pessoas robustas e 3338 homens com uma força física normal. As outras estavam ao alcance :
de "mulheres ou crianças grandes". A saber:
• 2637 operações podiam ser efectuadas por deficientes sem uma perna;
• 715 por pessoas sem um braço;
• 670 por deficientes sem ambas as pernas;
• 10 por invisuais;

• 2 por pessoas amputadas dos dois braços.

da própria organização desportiva, que podem ir do ensino e do treino até alta competição. Se existe
uma coloração filosófica e ideológica em relação às políticas que podem ser desenvolvidas a nível do
desporto, o que é facto é que a sociedade industrial estabeleceu, para os regimes capitalistas de mer-
cado ou de Estado, regras básicas de funcionamento.
Este princípio também tem sido aplicado ao desporto, tanto a nível micro como a nível macro.
Como nos diz Jean-Maie Brohm (1975), ao "trabalho triturado" de George Friedmann (1964), racio-
nalizado pelo mercantilismo, corresponde o indivíduo esmigalhado, hiper-especializado, agente
passivo e exclusivo de uma operação parcial submet1da a um alto rendimento. Efectivamente,
segundo George Friedmann, existe uma estreita relação entre a divisão do trabalho e o sistema de
autoridade. Este tipo de organização origina também um grau de espeêlàlização ao nível da tomada
de decisão, com a exclusão completa da participação dos executantes. Contudo, o dinamismo e o
bom funcionamento das organizações exigem que as pessoas, mesmo as que desempenham
papéis predominantemente de carácter operacional, sejam capazes de resolver problemas impre-
vistos pelas regras estabelecidas, ou seja, que tenham certa autonomia e capacidade de decisão.
Nas últimas décadas, em certos países industrializados, têm vindo a introduzir-se diversas formas
legais de participação na autoridade no seio da empresa por parte dos trabalhadores, nos domínios
da co-gestão e da autogestão, que encontram correspondência no âmbito das práticas desportivas.
O bom funcionamento de qualquer organização parte da necessidade básica das pessoas não
serem só motivadas mas também envolvidas.
A respeito da organização das práticas desportivas é significativo o trabalho de Lamartine
DaCosta (1986) Actividades de Lazer e de Desporto Para Todos em Abordagens de Rede e de Baixo
Custo e o seu modelo FIN (formaljinformaljnão formal). A ele se fica a dever a abertura do mundo
fechado e estandardizado da educação física ao exterior. O quadro teórico de Lamartine DaCosta
expressa bem as possíveis dinâmicas organizacionais que se traduzem através daquilo a que deno-
minamos de "áreas organizacionais de prática desportiva" que, como o autor demonstra, têm diver-
sos enfoques organizacionais que podem ir do indivíduo à comunidade, passando pela família, o
pequeno grupo, o grupo comunitário e o grande grupo.
Hoje sabemos quanto o princípio da especialização se introduziu no desporto, ao ponto de
haver atletas que da prática de determinada modalidade desportiva têm uma experiência exclusiva-
mente de um dos seus aspectos. A especialização conduz à profissionalização e ao espectáculo. A
sociedade industrial foi portadora de uma cultura dominada por profissionais. Por exemplo, as
modalidades desportivas a partir de um certo momento só garantem as condições de sobrevivência
se forem orientadas por profissionais e a sua prática vivida por profissionais, num ambiente gerido
70 ] Agôn 1Gestão do desporto I O jogo de Zeus

por profissionais. "A nossa cultura é dominada por profissionais que nos chamam clientes e tratam
das nossas necessidades." (Aivin Tofner, 1980). É evidente que tudo isto tem de ser envolvido no
espectáculo para poder sobreviver.

Sincronização

O tempo "é aquilo que fazemos com ele". Repare-se que se não existisse tempo tudo acontecia
simultaneamente. Como nada acontece sem estar localizado no tempo, é necessário sincronizar as
mais diversas actividades humanas, até porque nem todas elas podem acontecer em simultâneo.
Na sociedade agrícola, a sincronização do trabalho foi marcada pelos ritmos da Natureza que
determinavam os afazeres da agricultura durante as horas de sol, onde estavam incluídas as mais
diversas actividades humanas, desde as do descanso às do lazer e do trabalho. Quer dizer, o;empo
da Natureza estava profundamente ligado a um tempo astral e biológico determinado pela cadên-
cia das estações do ano, bem como das necessidades do corpo que orientavam a vida no decorrer
de cada dia. O tempo estava acima de tudo relacionado com o lugar, muito embora fosse impre-
ciso e variável, na medida em que, embora existissem métodos para o calcular, não era possível
indicar a hora do dia sem que esta estivesse referida a determinados marcos sócio-espaciais, espa-
ços geográficos ou ainda a ocorrências naturais. O relógio mecânico foi uma invenção fundamental
para separar o tempo dos acontecimentos, do espaço e das ocorrências, pelo que passou a expri-
mir uma concepção de "tempo vazio". Contudo, esta concepção continuou a estar ligada a um
lugar, até que, como diz Anthony Giddens (1996), "a uniformidade da medição do tempo pelo reló-
gio mecânico foi igualada pela organização social do tempo". Ora, foi esta sincronização do tempo
que permitiu a estandardização dos calendários à escala global.
Deste modo, a sociedade industrial foi portadora de uma nova concepção de tempo. De facto,
para além dos ritmos do corpo e das sincronias dos astros que orientavam a vida colectiva na
sociedade agrícola, a noção de "tempo vazio" na sociedade industrial deu origem a uma nova reali-
dade social coordenada pelas mais diversas burocracias que passaram a organizar e a regulamentar
as várias actividades no dia-a-dia, através de uma escala de tempo artificialmente construída. Sur-
giu assim uma medida de tempo físico e simultaneamente cultural, determinada pelo relógio, que
passou a coordenar e a sincronizar as actividades de um número cada vez maior de pessoas, orga-
nizações e países.
No mundo industrial, a máquina e o cronómetro passaram a ser o critério máximo de eficiência
e de eficácia que determina o êxito dos resultados. A máquina, come artefacto exterior ao trabalha-
dor, introduziu um tempo artificialmente planeado de acordo com padrões que deixaram de ter
relações com os ritmos da Natureza. O tempo começou a ser organizado de acordo com a disponi-
bilidade dos recursos. Associou-se ao dinheiro, isto é, a um custo pela sua utilização. Portanto, o
tempo ligou-se ao relógio de ponto, quer dizer, aos horários que se têm de encaixar no padrão tem-
poral de trabalho entre as nove horas da manhã e as cinco da tarde, pois o trabalho deixou de ser
de "Sol a Sol". Assim, o tempo artificial começou a reger a vida das pessoas nos seus mais diver-
sos aspectos. Entre outros:
· O ano escolar; ·As emissões televisivas;
· Os horários escolares; · Os horários nobres;
· As horas das refeições; · Os serviços;
· O horário dos transportes; · Etc.
· As horas de ponta;
Caos e o Ambiente [ 71

Pelo exposto podemos verificar que a sociedade industrial trata o tempo como um bem pre-
cioso que deve ser medido, categorizado, qualificado, estudado e compreendido duma forma conti-
nuada, segundo um modelo de sequência linear, em que a vida das pessoas se desenrola ao longo
de três grandes períodos: Educação; Trabalho; Reforma.
Entretanto, de há alguns anos a esta parte, têm vindo a ser realizados diversos estudos acerca
da utilização que as pessoas fazem do seu tempo. Já não se trata, somente, de organizar o tempo
de educação, trabalho e reforma, mas de compreender a complexidade da organização e utilização
do tempo numa sociedade global e complexa. Em conformidade, o tempo passou a ter as mais
diversas categorias que, sequencial ou concomitantemente, se desenrolam ao longo da vida de
cada um. As novas categorias de tempo são as mais diversas:
· De escolaridade; · Dos serviços de saúde;
·De trabalho (tempo de produção); · De lazer;
· De acesso ao comércio; · De cultura;
· De utilização dos serviços públicos administrativos; · De desporto;
· De utilização dos transportes colectivos ou individuais; · Etc., etc.
Entre todas estas categorias de tempo, estabelece-se uma grande diversidade de relações que
desenham, em cada momento, a organização da vidÇJ das diversas comunidades. Estamos, então,
no domínio da engenharia social, no sentido em que através de soluções ajustadas ao quadro da
situação real, resolvem-se problemas, constroem-se e afinam-se soluções para o futuro. De facto, o
acesso aos serviços administrativos, aos serviços de saúde, aos comerciais ou aos desportivos,
implica que exista uma articulação e fiexibilização dos horários e dos procedimentos, de maneira a
ajustar as disponibilidades das pessoas à obtenção de serviços. Assim, o tempo artificial passou a
estabelecer o calendário da estrutura complexa das relações funcionais, entre as diversas activida-
des que se desenrolam na vida dos indivíduos.
Por isso, as mais diversas organizações desportivas, em função da sua filosofia, têm tempos e
momentos próprios, de comando, de acção e de controlo, que organizam:
·As épocas; ·A hora do treino;
· Os calendários; · A hora do jogo;
·Os quadros competitivos; · Etc.
· Os ciclos de treino;
Se foi sobre a separação entre o espaço e o tempo que o desporto industrial se organizou,
agora, tudo leva a crer que o desporto pós-industrial se vai organizar através de uma compressão
espácio-temporal (ver quadro 3).

Concentração

Os séculos XIX e XX foram caracterizados pelo surgimento de grandes concentrações que


deram origem aos mais diversos enclausuramentos dos vários grupos sociais. As fábricas, os hos-
pitais, os teatros e os cinemas, as prisões, as escolas, os clubes, os estádios, entre outras grandes
concentrações, caracterizam a era do industrialismo.
O desenvolvimento do desporto moderno fica, em grande medida, a dever-se ao surgimento de
grandes concentrações de pessoas. Pode-se, facilmente, compreender que só assim foi possível a cria-
ção de uma massa potencial de praticantes e de espectadores desportivos, bem como a existência de
clubes mais ou menos populares. De facto, a localização concentrada das estruturas desportivas foi a
condição sine qua non para o desenvolvimento do desporto moderno.
72 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

O problema da concentração tem, também, expressão no conceito de "centralidade", isto é, no


índice que representa a extensão, o valor do exercício das funções centrais, do lugar da área que
serve (Jorge Gaspar, 1981). Sabendo-se que as funções centrais produzem bens centrais, o princípio
da concentração provocou, a partir de meados do século passado, também a concentração de ser-
viços e equipamentos desportivos 23
Outro aspecto a considerar neste princípio é o da redução de custos à escala. Se repararmos na
posição dos economistas no que diz respeito à concentração económica, constatamos que, segundo
Pereira de Moura (1966), "nas leis modernas aceita-se o facto da concentração e o fenómeno inerente
do poder, pois lhe podem andar associadas substanciais vantagens para a comunidade, menores custos
à escala, maior estabilidade, maior capacidade de concorrência no estrangeiro, mais amplo dina-
mismo na investigação e no investimento, etc., ao mesmo tempo que assentam, tantas vezes, em ten-
dências e condicionalismos praticamente inelutáveis". Veja-se, por exemplo, o que se passa com os
grandes clubes de futebol numa Europa de fronteiras abertas. A centralidade e a redução de custos à
escala condicionam o aparecimento do serviço desportivo, público ou privado, com ou sem fins lucra-
tivos, e provocam toda a espécie de desequilíbrios entre as regiões. Segundo Simões Lopes (1979), a
natureza do problema da localização obriga a dar uma atenção muito especial aos aspectos económi-
cos, "não apenas porque sempre estarão em causa benefícios e custos, mas porque a maioria das
actividades humanas envolve a distribuição e uso de recursos limitados". O desportq nestas circuns-
tâncias é, como se sabe, fortemente penalizado, podendo-se constatar essa penalização no diferente
acesso que as pessoas têm aos serviços e aos produtos desportivos nas diversas regiões do país. Por
exemplo, menos de cinco no total de cerca de oitenta federações desportivas têm sede na cidade do
Porto. O desenvolvimento do país, incluindo o do desporto, passa por processos de desconcentração
dos recursos em direcção às periferias, para que aí se possam gerar processos de desenvolvimento e
progresso. Uma justa regionalização articulada numa coerência nacional é a melhor forma de comba-
ter regionalismos exacerbados que, muitas vezes, se assumem através do desporto e das manifesta-
ções desportivas, principalmente de futebol. Neste domínio, também o Modelo Europeu de Desporto
tem sido gerador de novas assimetrias e injustiças sociais. Repare-se o que aconteceu com o Euro
2004 e, de uma maneira geral, com os grandes eventos desportivos. O que se espera é que o Estado
desenvolva políticas que de alguma maneira corrijam as assimetrias provocadas pelos excessos con-
centracionários de bens e serviços que decorrem do livre funcionamento do mercado.

Maximização

A sociedade industrial deixou-nos a ideia de que o grande é sinónimo de bom e de belo. Num número
significativo de situações a quantidade sobrepôs-se à qualidade. Hoje, como se sabe, em muitas situações
e circunstâncias, o grande está a tornar-se mau. Não é o grande em si, mas os problemas de gestão que
levanta. Grande, significa complexidade, que em termos organizacionais, muitas vezes, resulta em:
· Ineficiência; · Desperdício;
· Burocracia; · Confiitos.
· Comunicações estranguladas;
Uma das propriedades básicas dos sistemas sociais de tipo burocrático é que eles se movimen-
tam em direcção à maximização, ao crescimento e à expansão (l<atz & l<ahn, 1973). É a sociedade do
rendimento, "valem os que rendem", nas palavras de Manuel Sérgio (1986a), ora na competição entre
organizações e até países o que vale são as economias de escala que fazem disparar os processos para

23
No que diz respeito à organização do espaço desportivo ver Cunha, Luís Miguel (1997).
Caos e o Ambiente [ 73

i
Richard Pound
De acordo com Gilgert Heebner, as anomalias são sempre significativas. Por isso, não podemos
aceitar de todo a opinião de Richard Pound, ex-responsável pelo marketing do COI, quando faz a
seguinte pergunta: "Se tirarmos o 'sponsoring' e o comercialismo do desporto o que é que nos
resta?" E é o próprio que nos dá a resposta: "Uma sofisticada e bem afinada máquina, desenvol-
vida durante um período de 100 anos, mas sem gasolina".

situações complicadíssimas. Alvin Toftler avança mesmo com a opinião de que as sociedades da 2 3 vaga
são possuidoras de uma "macrofilia obsessiva". Nesta conformidade, o grande, e se possível o maior, tor-
naram-se sinónimo de êxito, de eficiência, de sucesso, de utilidade e de prestígio. Contudo, muitas vezes, o
grande não é mais do que um "grande elefante branco", quer dizer, um grande problema.
No corrente século, o desporto foi dominado pela divisa olímpica do "citius, altius, fortius". O gigan-
tismo dos Jogos Olímpicos é bem o exemplo para onde o desporto foi conduzido pelo mercantilismo
das grandes marcas que o sustentam. Na realidade, o "mais rápido", "mais alto" e "mais forte" conduziu
a que, hoje, o desporto, tanto a Ocidente como a Oriente, assuma características que o podem levar à
própria destruição, como sejam, por exemplo, entre outros, o doping ou a exploração do trabalho infantil.

Centralização

O sistema desportivo, para funcionar de maneira síncrona, quer dizer, coordenada, articulada,
tem de ter níveis de centralização do poder e do comando ajustados a cada realidade. No século
XIX, foram iniciados processos de organização sustentados em mecanismos de centralização da
informação, do poder e do comando. Da unidade de comando (só comanda quem está na posse
da informação e só quem está na posse da informação tem capacidade de comando) surge, de
uma forma natural, a capacidade de coordenação. Contudo, esta necessidade de centralização da
informação, do poder e do comando pode levar a excessos. Entre nós, não é por acaso que durante
muito tempo se ouviu dizer que "Portugal é Lisboa e o resto é paisagem". Este ditado popular
refere bem quanto a concentração do poder e do comando tem estado circunscrito ao Terreiro do
Paço, muito embora existam Regiões Autónomas e um forte espírito de regionalização em todo o
país. A regionalização tem de ser entendida e praticada sem demagogias, no sentido das popula-
ções serem detentoras do seu presente de forma a poderem, de alguma maneira, controlar o seu
futuro. Em matéria de desporto, embora se tenha de reconhecer que existe por parte das regiões
continentais uma forte vontade de contrariar a centralização de tudo em Lisboa, o que é facto é que
toda a lógica da estrutura associativa federada assenta numa forte centralização do poder e do
comando nas federações, a maioria delas com sede em Lisboa e com todas as possibilidades de
"lobilizarem" no sentido de manterem o statu quo. Aliás, facilmente se pode verificar que a organi-
zação federativa se baseia numa estrutura vertical descendente em que as periferias estão condena-
das a viverem na míngua de recursos humanos, materiais e financeiros, consumidos nos grandes
centros de Lisboa e do Porto. Por exemplo, a escassos meses de acabar uma legislatura, o Secretá-
rio de Estado da Educação e Desporto, do XII Governo Constitucional (PSD), em entrevista ao jor·
na I desportivo A Bola de 23/1 j1995, afirmou que dos quatro milhões de contos gastos com o asso-
ciativismo desportivo no ano de 1994, 88% foram entregues às federações desportivas e só 12%
aos clubes. Em conformidade, prometeu uma inAexão na "política desportiva", indo passilr a apoiar
mais os clubes e menos as federações. Contudo, hoje, a situação, se não for pior, não deve ser
muito diferente. Na realidade, o movimento desportivo está a ser objecto de uma concentrofilia
obsessiva que está a pôr em causa o seu próprio desenvolvimento.
74 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Charles Handy (1989)

Este autor, no livro intitulado The Age of Unreason, diz-nos que os indicadores da mudança são
os seguintes:
·Alarme; · Novas estruturas;
· Novas caras; · Novos objectivos;
· Novas questões; · Novo paradigma.
Para o autor, não existem predições verdadeiras, pois estamos a entrar numa era sem sentido,
numa era em que o futuro, em inúmeras áreas, está a ser formatado por nós e para nós, no
entanto, por paradoxal que possa parecer, estamos também a entrar numa era em que a única pre-
dição verdadeira acerca do futuro é a de que não existe nenhuma predição verdadeira. De facto, se
fizermos uma análise acerca daquilo que se passa nas organizações e na própria sociedade quando
entram em crise, quer elas sejam um clube, uma federação desportiva, um partido, um governo ou
a sociedade em geral, podemos verificar que tudo se desencadeia com uma situação de alarme, já
que começam a surgir sinais que indicam que as coisas se estão a complicar. Por vezes, surge até o
caos e o pânico. Aqueles que estão em situação de comando deixam de ter condições para decidir.
Diminui-se-lhes a margem de manobra. Perdem o controlo. A derrocada apresenta-se à vista. Sur-
gem novos protagonistas. Novas caras com novas ideias e novos projectos que podem introduzir
novas dinâmicas nas organizações, quer elas sejam desportivas ou outras. Resta saber se ainda vão
a tempo, ou se já estão estabelecidas as condições para a organização aceitar as transformações e,
consequentemente, a mudança. Num ambiente deste tipo surgem necessariamente novas ques-
tões. Tudo é reequacionado, para que possam ser idealizadas novas estruturas de ideias, novas
estruturas materiais, novas estruturas financeiras, novas estruturas humanas. Em consequência,
definem-se novos objectivos e aparece um novo paradigma organizacional e social.

Factores de desenvolvimento

No domínio do desporto, temos aquilo que se designa por factores de desenvolvimento do des-
porto (Castejon Paz, 1973). Entendemos por factor de desenvolvimento do desporto um instrumento
de transformação e de progresso que, transformado em programa, tem por objectivo provocar uma
melhoria numa determinada situação desportiva, num dado período de tempo. Tem sido usual con-
siderar como factores de desenvolvimento do desporto (Gustavo Pires, 1986) os seguintes:
1. Orgânica; 7· Instalações;
2. Actividades; 8. Apetrechamento;
3· Marketing; 9· Quadros humanos;
4· Formação; 10. Finanças;
5· Documentação; n. Normativo;
6. Informação; 12. Gestão.

Analisaremos em pormenor cada um destes factores de desenvolvimento do desporto, no capí-


tulo relativo ao desenvolvimento, e trataremos da sua aplicação no capítulo do planeamento.
Caos e o Ambiente [ 75

3.4 Cenários
A ausência de alternativas clarifica maravilhosamente
o espírito.
Henry l<issinger

O desporto está a evoluir a uma velocidade vertiginosa, num mundo em que só a mudança é
imutável. Deste modo, quando se trata de perspectivar a mudança social e organizacional, o con-
ceito de cenário é de utilidade fundamental. Pelo quadro 4 podemos verificar que um dado
ambiente pode ser caracterizado em relação ao grau de complexidade, à velocidade de mudança e à
similitude dos elementos.
Velocidade. A velocidade de mudança pode ser lenta ou rápida.
Complexidade. A complexidade pode ser simples ou elevada.
Elementos. Os elementos podem ser ou não similares.

Destas três categorias - velocidade, complexidade e elementos - podem ser construídos oito
cenários que dão origem a outras tantas atitudes em relação ao processo de planeamento. Em con-
formidade, apresentam-se os seguintes cenários possíveis:

Cenário 1- Totalmente previsível. Elementos desportivos similares, pouco complexos e está-


veis;

Cenário 2- Previsível. Elementos desportivos não similares, pouco complexos e estáveis;

Cenário 3- Relativamente previsível. Elementos desportivos similares, pouco complexos e dinâ-


micos;

Cenário 4- Relativamente imprevisível. Elementos desportivos não similares, pouco complexos


e dinâmicos;
Cenário 5- Difícil previsão. Elementos desportivos similares, complexos e estáveis;

Cenário 6- Muito difícil previsão. Elementos desportivos não similares, complexos e estáveis;

Cenário 7- Imprevisível. Elementos desportivos similares, complexos e dinâmicos;

Cenário 8- Completamente imprevisível. Elementos desportivos não similares, complexos e


dinâmicos.

É evidente que o cenário 1, em que a velocidade de mudança é lenta, a complexidade é simples e


os elementos a considerar são similares, possibilita um tipo de acção estandardizada, na medida em
que a situação se apresenta estável e previsível (por exemplo, as escolas de formação de um clube
durante uma ou várias épocas). Pelo contrário, no cenário 8, em que a velocidade de mudança é
rápida, a complexidade elevada e os elementos não são similares, o gestor encontra-se perante uma
situação de enorme turbulência em que as decisões são realizadas no decorrer da acção (por exem-
plo, um treinador a conduzir um jogo, uma equipa de bombeiros a atacar um fogo, uma equipa de
"rafting", uma embarcação de um pequeno cruzeiro no meio de uma borrasca, etc.). Nesta última
situação, o que se espera do gestor é uma apurada capacidade para gerir incertezas e surpresas em
tempo real, através de uma alta competência intuitiva.
76 ] Agôn f Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Quadro 4 I Grau de complexidade x Velocidade de mudança

Velocidade de mudança
Grau de
complexidade
Lenta Rápida
.
Elementos Elementos

Simples Similares Não similares Similares Não similares

Cenário 1 Cenário 2 Cenário 3 Cenário 4

Elementos Elementos

Elevada Similares Não similares Similares Não similares

Cenário 5 Cenário 6 Cenário 7 Cenário 8

3.5 Atitudes
Aponta para a Lua. Se falhares aterras no meio das estrelas.
Les Brown

Como se percebe pe lo exposto, lid ar com cenários obriga a uma determinada atitude por parte
do gestor.

O futuro já não é o que costumava ser

A maioria das previsões do futuro baseiam-se na extrapolação da experiência passada. Mas, como o
passado geralm ente não se repete, as previsões, em grande medida, acabam por estar erradas. Quando
estão certas, numa grande maioria de situações, o futuro não passa de uma simples repetição do pas-
sado. Autores como Ralph Stacey (1992) propõem uma nova atitude est~atégica em relação à organ iza-
ção do futuro, já que os antigos mapas (metodologias) deixaram de responder às necessidades actuais
dos tempos de turbulência e de mudança que vivemos. De facto, estamos a viver tempos de grande
turbulência, caracterizados pelos cenários muito vo láteis do tipo 6, 7 e 8 do quadro 4· É necessário reali-
zar constantemente novos mapas porque já não é suficiente fazer uma simples cópia ou afinação
daqueles que já existem. Não é uma tarefa fáci l, no entanto, pode ser superada se se considerar que as
pessoas, e através delas as organ izações, podem ter diferentes atitudes em relação à previsão do futuro.
Cada uma das atitu des dá origem a outras tantas formas de estruturar a própria organ ização. De
acordo com Russell Ackoff (1974) existem três possibilidades. As pessoas podem:
1. Espe rar que as co isas aconteçam para depois reagirem;
2. Prever aqu il o que eventua lm ente surgirá para prepararem a resposta certa, antes dos aconte-
cimentos surgirem;
3· Engendrar as condições para a construção e organ ização do futuro, segundo os próprios desejos.
Caos e o Ambiente [ 77

Sintetizando, temos:
1. Esperar e reagir;
2. Prever e preparar;
3· Fazer acontecer.

Atitudes

Se nos primeiros cenários do quadro 4 a previsão é possível por extrapolação ou por analogia, a
partir do cenário 5, em que os elementos podem ou não ser sim il ares, a complexidade é elevada,
embora a velocidade de mudança não seja grande, em termos de planeamento, não é aconse lh ável
ficar à espera que as coisas aconteçam para depois se reagir. Se assim acontecer, os sistemas e as
organizações fecham-se cada vez mais sobre si próprias, alienam-se em relação à realidade que as
circunda e passarão a viver muito mais orientados para um passado que já passou do que para um
futuro que há-de vir. Em conformidade, é necessário ultrapassar esta perspectiva de entender o
fenómeno desportivo para passar a perspectivá-lo numa dinâmica de acordo com o amb iente eco-
nómico e social que se vive à escala do planeta. Até porque num ambiente dinâmico e imprevisível:
1. Esperar que as co isas aconteçam para depois reagirmo s, limitamo-nos a correr atrás dos
acontecimentos. As pessoas deste tipo são reactivas;
2. Prever os acontec im entos, para preparar a resposta, acabamos por, em muitas situ ações, nã.o
sermos capazes de reagir em tempo real. A veloc id ade dos acontecimentos ultrapassa a
nossa capacidade de reacção. As pessoas deste tipo são planificadoras;
3· Só nos resta a hipótese de fazer com que o futuro aconteça de acordo com os nossos dese-
jos. As pessoas deste tipo são empreendedoras.

Fazer o futuro acontecer

A estratégia tem de ser a de fazer com que as coisas aconteçam de acordo com as ideias daque-
les que têm capacidades e competências para idealizarem um futuro a médio e lon go prazos. Que
tenham uma visão prospectiva (primeiro produto do processo de planeamento) num ambiente de
paradoxos e contradições como o actual. Nestas circunstâncias, é necessário ser capaz de gerir:
·Teoria e prática; • Micro e macro;
• Novo e velho; ·Curto e longo prazos.

Como refere Friedrich Nietzsche (2003), o vulgo julga reconhecer algo de rígido, de acabado, de
permanente. Na verdade, a cada momento, luz e trevas, amargo e doce, estão juntos e ligados
entre si, como dois lutadores, dos quais ora um ora outro está em vantagem. O mel é, segundo
Heráclito, ao mesmo tempo amargo e doce, e o próprio mundo do desporto (acrescentamos nós)
é uma cratera cuja mistura tem de ser constantemente remexida. Em conformidade, é conveniente
olh ar para o futuro, não numa perspectiva sonhadora daquilo que se deseja, mas numa postura
pragmática e dialéctica no que diz respeito à realidade presente que é possível constru ir, em função
duma ideia prospectiva que desejamos fazer acontecer. E o filó sofo continua dizendo que todo o
futuro nasce da guerra dos opostos. As qualidades estáticas que nos parecem duradouras expri-
mem somente a preponderância momentânea de um dos lutadores, mas com isso a guerra não
chega ao fim, a lu ta perdura para se mpre.
78 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

Atitude proactiva

O grande problema que se coloca ao mundo do desporto é a dificuldade que as suas lideranças
têm de se adaptarem aos tempos de mudança que hoje estamos a viver. Funcionar numa lógica de
rotina quando o que se espera dos líderes é que tenham uma atitude proactiva, está a colocar o des-
porto numa situação muito difícil. Esta situ ação só vai ser alterada quando começarem a chegar ao
mundo do desporto novas gerações com outra vontade e outras competências, em busca de um
emprego e da realização pessoal e profissional, num mundo onde os empregos interessantes estão a
rarear. A não ser ass im, o desporto vai continuar a seguir o caminho dos dinossauros, como se prova
pelo perfil dos dirigentes que, em Portugal, há dez, quinze, vinte e mais anos ocupam o vértice estraté-
gico do movimento desportivo, com enormes inconvenientes para o normal processo de desenvolvi-
mento do desporto e enormes custos para os contribuintes.
Epicuro escreveu que não sendo o futuro conhecido ele também não nos é completamente
estranho. Assim, não devemos ficar à espera que ele aconteça, mas também não devemos ficar
desiludidos se ele não acontecer da maneira que desejamos.

As leis para a organização do futuro

É neces sá ria uma enorme capacidade de idealização e de so nho para construir os ê aminhos do
futuro. Quando se está no domínio da criatividade, através da exploração da capacidade intuitiva
das pessoas envo lvidas no processo de planeamento, existe um conjunto de leis que nos podem
dar a primeira perspectiva da evo lu ção tendencia l dos acontecimentos. Segundo Gilbert Heebner,
vice-presidente do Centro de Interdependência Global (G IC), devem ser consideradas sete leis
quando se trata de realizar uma previsão sobre o_futuro:
1. Se o futuro não surge ao acaso, a história também não se repete com exactidão;
2. De tempos a tempos, surge um choque, geralmente imprevisível, que obriga a sociedade a
mudár de rumo;
3· Na maioria das vezes, o consenso das previsões dos especialistas costuma estar certo;
4· Sustentar demasiado tempo determinada teoria pode ser perigoso;
S· Muitas previsões podem estar certas quanto à sua substância mas não quanto ao seu horário;
6. As anomalias são sempre significativas;
7· Aprende-se mais através da .forma como se chegou a determinada previsão do que propriamente
com a previsão em si.

Gerir paradoxos

É evid ente que se está no domínio das contradições e dos paradoxos. Contudo, é bom que se
entenda que a capacid ade de gerir, de uma forma coerente, paradoxos e contradições é uma das
mais im portantes competências que se exigem aos gestores dos novos tempos.

Navegar, desenhando as cartas

A partir deste conjunto de id eias, somos levados a pensar que é muito possível que as previ-
sões sirvam, fundamentalmente, para orientar as políticas. Obrigam a que exista uma linha de
rumo, quer dizer, que se saiba para onde se quer ir e como é que se deseja lá chegar. Para o efeito,
é necessário constru ir constantemente novos mapas que corrijam e orientem o cam inho que se
Caos e o Ambiente [ 79

deseja prosseguir. Tal como a poetisa Sophia de Mello Breyner ca nta, também os navegadores por-
tugueses no século XV "navegavam com o mapa qu e faziam". Eles ada ptava m o se u com port a-
m ento aos aco ntec imentos, experi ências e novos co nhecim en tos que ocorriam ao longo das via-
gens e qu e serviam para dese nh arem os mapas que, em simultâneo, os gui avam.
Transpondo esta ideia para o domín io da gestão, podem os equ acionar, co mo se especifica no
qu ad ro 5, cin co ambientes de turbulên cia cat ego ri za dos numa esca la de ze ro a cinco (lgor An soff,
1993), aos quais correspondem um co njunto de acontecimentos e de atitudes que se ind ica m na
co lun a da esquerda:
1. Tipo de acontecimentos; 4· Planeamento poss ível;
2. Capacidade de re sposta do gestor; 5· Situ ação orga nizacional.
3· Possibilidade de rea liza r previsões;

Acontecimentos

Entre áco ntecim entos normai s e aco ntecimentos descontínuos novos, passando por extrapola-
ções e descontínuos com o passado, os diversos acontecimentos são determinados por cada cenário
próprio da turbulência. Aqui já não se trata de perceber do ponto de vista interno o grau de comp lexi-
dade e a velocid ade de mud ança de um determinadO<amb iente. Trata-se, do ponto de vista externo,
perceber que determinados acontecimentos categorizados na referid a esca la de lgor An soff (1 993)
obri ga m a determinad as atitudes do gestor no que diz respeito à sua ca pacidade de resposta, à possi-
bilid ade de serem rea lizadas previsões, ao ti po de planeamento e à situ ação organizacional.

Quadro 5 I Escala de turbu lência

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Ambiente 1 2 3 4 5

Extrapolação Descontínuos
Acontecimentos Normais Descontínuos novos
possível com o passado

Ajustada
Capacidade de Mais lenta do que a capacidade Mais rápida do que a capacidade
à capacidade
resposta de resposta de resposta
de resposta

Apuramento
Possíveis por Futuro Futuro
Previsões Decorrentes de ameaças
extrapolação não previsível imprevisível
e oportunidades

Gestão estratégica
Planeamento Ti po financeiro Longo prazo Estratégico Gestão de surpresas
em tempo real

Situação
organizacional
Rotina - ~ Segurança - ~ Atenta - --. Din âmica - ~ Proactiva

· A parti r de lgor An soff


80 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Capacidade de resposta

O gestor de desporto tem de se aperceber que, em relação à turbulência do ambiente, a sua


capacidade de resposta tem limites, pelo que deve adoptar diferentes atitudes para enfrentar as difi-
culdades. Se assim não o fizer, quando a turbulência do ambiente for grande ele acaba por andar a
correr atrás dos acontecimentos, na medida em que eles surgem a uma velocidade mais rápida do
que a sua própria capacidade de reacção. Em conformidade, o gestor tem de ter uma capacidade
proactiva, quer dizer, uma competência que lhe permita antecipar-se aos problemas, através de
uma estratégia emergente, organizando o presente de acordo com o futuro que deseja construir.
É evidente que a situação organizacional é consequência dos restantes itens. O nível de turbu-
lência dos acontecimentos, que pode ir de 1 a 5, determina a capacidade de resposta do gestor, as
previsões que pode fazer, o tipo de planeamento que deve executar e a configuração da situação
organizacional em que está a funcionar.

Estratégia em tempo real


Não há treinador que não saiba, pelo menos intuitivamente, que, na dinâmica da competição
desportiva, a solução de um problema altera a natureza do próprio problema. Ora, si a resolução
de um problema específico de um determinado jogo altera a natureza do próprio jogo, a única regra
credível é a inexistência de regras absolutas. Em conformidade, a acção estratégica do treinador, ao
ser elaborada no calor da batalha, tem de estar em constante reelaboração tendo em atenção o
nível da escala de turbulência em que está a operar. Por isso, para o treinador enquanto gestor de
recursos, a dinâmica da competição desportiva não se cinge exclusivamente ao que se passa nas
quatro linhas durante o tempo de jogo, mas tem a ver com um "antes, durante e depois" de cada
jogo, ao longo de toda a época e de várias épocas. A acção do treinador tem de ser, não só um pro-
duto estandardizado, muito bem delineado no espaço e no tempo a fim de ser utilizado de uma
forma perfeita em cada jogo, mas também um processo ao longo da época e de cada jogo que, em
cada momento e em função das circunstâncias, vai sendo ajustada aos níveis de turbulência que
caracterizam os diversos itens (e outros) considerados no quadro 5·

A sociedade industrial ensinou às pessoas o que fazer e como as coisas deviam ser feitas. Num
ambiente industrial complexo e turbulento os líderes têm sido pressionados pelo sentimento de
urgência e envolvidos numa atitude estratégica que, no fundo, tem resultado em menor qualidade
das soluções, na medida em que estas acabam por estar desligadas dos verdadeiros interesses das
pessoas. O sentido de urgência tem afastado os dirigentes e gestores da génese dos problemas do
desporto que dizem respeito ao processo de desenvolvimento humano. Todas as evidências indi-
cam que, em muitos países, os governos e as grandes organizações internacionais deviam actuar à
margem de um alienante sentido de urgência, de maneira a protegerem os cidadãos de um tipo de
sociedade que já só se interessa pela velocidade sem sequer querer saber qual o seu destino.
Caos e o Ambiente [ 81

3.6 Consequências
O primeiro sinal de corrupção numa sociedade que
ainda está viva é que os fins justificam os meios.
George Bernanos

A ordem desportiva institucionalizada já não consegue acompanhar o ambiente de mudança ace-


lerada dos nossos dias. Os sintomas começaram a surgir de todos os lados e a diversos níveis, pelo
que o sistema desportivo tradicional tem vindo a desagregar-se a uma velocidade vertiginosa (1<.
Roberts, 1992). O desporto, duma maneira geral, está envolto num processo de desagregação acele-
rada que faz com que toda a sua estrutura se esteja a modificar rapidamente, sem que os próprios
protagonistas compreendam com que lógica e em que sentido. Nesta conformidade, podemos dizer
que, no quadro da sociedade actual, as transformações se processam, na maioria das vezes, a uma
velocidade maior do que a capacidade de análise que as organizações e as suas lideranças revelam ser
capazes de processar. Em consequência, limitam-se a correr atrás dos acontecimentos 24.

Um modelo conceptual sustentável

A questão agora tem a ver com a capacidade dos governos e das organizações privadas, com e
sem fins lucrativos, num mundo a viver uma enorme ebulição, no respeito dos valores democráticos e
da própria dignidade humana, determinarem as políticas desportivas necessárias ao desenvolvimento
do próprio desporto. Tem a ver com a necessidade de passar da teoria à prática, o que não é fácil,
para a construção de um desporto novo, não piramidal, corporativo e diletante como no passado,
mas um desporto em rede, livre e competente, que possa responder aos desafios do futuro. Ora, isto
só é possível a partir do conceito de "posição original". Muito embora voltemos a este assunto, por
agora diremos que, segundo John Rawls (1997, 2001), "posição inicial" é uma situação de partida em
que os homens como seres racionais acordam em associar-se para alcançar a justiça e o desenvolvi-
mento. Para o efeito, promovem uma justa repartição dos direitos básicos em que as desigualdades
só são aceitáveis enquanto promotoras do bem comum.
Em conformidade, o desenvolvimento só pode partir de uma ideia de cooperação entre todos, o
que exclui à partida qualquer privilégio monopolista no que diz respeito às mais diversas áreas
organizacionais e sectores de prática desportiva sob pena de ficarem prejudicadas as leis do jogo
da cooperação. Ora, este é um dos principais problemas do Modelo Europeu de Desporto que fará,
certamente, correr muita tinta na União Europeia durante os próximos anos. Como é que pode
existir cooperação se não está garantida a diversidade?
O quadro 6 procura estabelecer um espectro de ambientes teóricos a partir dos quais é possível
entender a organização do desporto moderno. Como se sabe, o desenvolvimento do desporto
durante o século XX fez com que o mundo do desporto se organize nos mais diversificados mode-
los, que se podem caracterizar através de um gráfico constituído por um sistema de eixos em que o

24
Esta tendência desagregadora do desporto moderno contrasta com a mentalidade totalitária e monopolista que alguns
dirigentes desportivos têm sobre determinados espaços de desenvolvimento do desporto que consideram próprios. O
desporto do futuro passa pela implementação de estruturas organizacionais em rede, que hão-de ultrapassar a estrutura
piramidal que caracteriza o modelo actual. Significativo é o estudo solicitado pela União Europeia sobre o desporto euro-
peu a uma comissão independente presidida pelo português José Luís Arnaut. Aguardam-se os resultados.

AGONGD-06
82 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Quadro 6 Áreas organizacionais/Modelos de gestão

Organização biológica Organização tradicional


Espontânea Hierárquica
Comportamento a-racional
Gestão do acaso Gestão das regras
• Seitas populares • Religiões
• Sun-Tzu- Competição/Destruição • Vocação da Educação Física
• Actividades lúdicas espontâneas • Movimento desportivo
• Gestão da vertigem, violência e risco
• Claques- Paidia!Ludus/Agôn
A B • Comité lnt. Fair Play
• Ass. lnt. p/ Desporto sem Violência

Sistema orgânico Sistema burocrático

Gestão económica Gestão política


• Economia do desporto
• Gestão de negócios
• Empresas de desporto
D c • Administração do interesse público
• Política desportiva
• Da Educação à alta competição
• Espectáculo desportivo • Controlo social- Saúde
• Indústria do entretenimento • Desenvolvimento humano
Comportamento racional
Organização de negócios Organização política
Mercado Engenharia social

eixo horizontal determina uma perspectiva mais ou menos burocrática ou orgânica de gerir o fenó-
meno desportivo eo eixo vertical uma perspectiva mais ou menos racional ou a-racional de organi-
zar o mesmo fenómeno. Quer dizer, um sistema de eixos em que, do ponto de vista organizacio-
nal, se procura identificar a dinâmica "burocrática versus orgânica" e outro, em que, do ponto de
vista pessoal, se considera um comportamento "racional versus a-racional". Vejamos, então, o que
é que se passa no interior de cada um dos quadrantes (A, B, C, D) que resultam do cruzamento
dos eixos considerados.

Organização biológica

O ambiente (A) é caracterizado por todo um conjunto de actividades espontâneas que vão da
religião e a arte da guerra, à violência e à competição que caracterizam as mais diversas actividades
humanas. Como referimos, o desporto encontra as suas raízes, entre outras, naquelas actividades.
No quadrante (A) consideramos o desporto em primeiro lugar na sua perspectiva antropológica e,
em segundo, numa perspectiva actual, como "válvula de escape" pessoal e social. Neste sentido,
estamos a considerar não só as actividades informais e "inorganizadas", na perspectiva de Christien
Pociello (1991), mas também outras actividades sociais mais ou menos duras ou doces, tais como
as diversas formas de violência, vertigem, algazarra, sejam elas legais ou ilegais, algumas perten-
cendo à cultura institucionalizada, outras a uma subcultura que em qualquer dos casos contribui
para estabelecer o equilíbrio da organização social espontânea, gerida através do acaso. Nietzsche
(2005), em A Origem da Tragédia, apresenta a noção de acaso como sendo o encontro fortuito de
forças que constituem o devir vital. Esse encontro implica a vitória da afirmação da vida à margem
de qualquer estratégia de conhecimento e de controlo. Estamos no domínio dum processo de adap-
tação constante, de ajustamento aos acontecimentos desconhecidos, por alternativa a soluções de
compromisso ou soluções contingenciais, em relação àquilo que é respectivamente conhecido certo,
conhecido incerto e desconhecido.
Caos e o Ambiente [ 83

Organização histórica e tradicional

Os princípios da civilização industrial, ao in~uenciarem a sociedade em geral eo desporto em


particular, provocaram um salto qualitativo nas práticas desportivas, do orgânico para o burocrá-
tico, da espontaneidade das seitas religiosas para as religiões formais, do desporto informal e inor-
ganizado para o desporto formal do mundo do associativismo desportivo. A institucionalização dos
Jogos Olímpicos da era moderna culmina um processo iniciado em finais do século XIX, com um
apogeu na segunda metade do século XX.
As pessoas de todo o mundo ocidental e dos mais variados regimes foram educadas de acordo
com o sistema de comando e controlo, fortemente hierarquizado, do mundo industrial. Em conse-
quência, aquilo que o modelo anterior (o agrícola) tinha de orgânico, este (o industrial) tem de buro-
crático, com a institucionalização de todo um conjunto de normas e procedimentos, impostos atra-
vés dos mais variados regulamentos, implementados por diversas organizações. Trata-se, portanto,
de gerir as regras segundo a necessidade de manter a tradição. O quadrante (B) representa o mundo
do desporto formal, do desporto federado, da pirâmide desportiva com os clubes na base, as federa-
ções e confederações internacionais no topo. A burocracia institucionalizada é a-racional, porque, na
grande maioria das vezes, as normas não se explicam por um padrão de racionalidade, mas, sim-
plesmente, porque a cultura específica da tradição industrial determina que assim seja.
As pessoas e as organizações reagem, muitas vezes com violência, a este modelo organizacio-
nal, porque os Estados e os governos não lhes deixam margem de manobra para resolverem os
seus problemas e expressarem as suas ideias. Como se sabe, o desporto formal, enquanto prática
exclusiva, tem sido muitas vezes usado, principalmente por uma juventude sem quaisquer perspec-
tivas de vida, para expressar a sua revolta contra a sociedade falha de oportunidades em que é obri-
gada a viver. A violência das claques durante muitos eventos desportivos é um instrumento subli-
mador das mais diversas frustrações para grupos sociais sem rumo e sem objectivos de vida.
O movimento desportivo, ou o movimento olímpico, que em teoria até podem coincidir, são
espaços de intervenção social que não é legítimo que vivam à margem das misérias do mundo,
mas, pelo contrário, devem prosseguir uma política para as ajudar a resolver. Como defende Jac-
ques Rogge, não se pode esperar que o Olimpismo resolva todos os problemas da humanidade,
contudo, pode-se esperar que contribua, pelo menos, para ajudar a resolver alguns.

Engenharia social -Organização política

Durante o século passado, a maioria dos regimes políticos utilizaram o desporto como um ins-
trumento de promoção dos respectivos poderes, sem que tivessem qualquer ideia acerca do que o
desporto deveria e poderia ser do ponto de vista ideológico. A ideologia esteve, e em demasiadas
circunstâncias continua a estar, fora da ideia de desporto, na medida em que o desporto tem
estado demasiado envolvido numa perspectiva pragmática de desenvolvimento, à margem de qual-
quer ideia para além do curto prazo. Em muitas situações, o desporto foi usado para promover
regimes políticos, como tivemos a oportunidade de ver durante a "guerra fria". De facto, o desporto
no século XX foi utilizado bastas vezes, pelos mais diversos regimes, como um instrumento inerte
sob o ponto de vista ideológico para propagandear os respectivos projectos políticos.
Por exemplo, os Jogos Olímpicos de 1936, realizados em Berlim, foram um excelente meio de pro-
paganda para o reg1me nazi. Benito Mussolini, inspirado no nazismo, foi dos primeiros políticos a repa-
rar que os Campeonatos do Mundo podiam ser peças feitas à medida de qualquer líder nacionalistis

26
Ver Oliveira, António Leal (1938). Reflexões sobre os jogos Olímpicos de 1936. Lisboa, Liga dos Combatentes da Grande Guerra.
84 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Vençam ou morram ...


Benito Mussolini compreendeu que a vitória no desporto podia motivar as pessoas a andarem
pelas ruas a cantarem alegremente, independentemente de viverem ou não num regime democrá-
' tico, terem uma economia estável ou até uma vida decente. No Campeonato do Mundo de Fute-
bol de 1938, o seu mote para a equipa italiana foi: "vençam ou morram".

Na mesma década, a URSS idealizou um programa de educação física sob a divisa "prontos para
a defesa e o trabalho". Franco, em Espanha, e Salazar, em Portugal, usaram o desporto como uma
arma para controlar os respectivos regimes. A máxima de Stroessner para o desporto, enquanto presi-
dente do Paraguai, era "o corpo ao serviço da pátria". Também o Brasil teve a sua versão fascista de
utilização do corpo através do desporto no consulado de Getúlio Vargas (Lamartine, DaCosta, 1999).
Durante os últimos cinquenta anos do século passado, o mundo do desporto foi conduzido pela
rivalidade entre os Estados Unidos da América e a União Soviética. Nos EUA, Robert l<ennedy afir-
mava, em 1964: "É de interesse nacional que nós voltemos a ganhar a nossa superioridade olímpica e
que uma vez mais demos ao mundo uma prova da nossa força interior e vitalidade". Os boicotes aos
jogos de Moscovo (1980) e de Los Angeles (1984) foram algumas das consequências mais visíveis da
política de confrontação das grandes potências através do desporto. Aliás, os boicotes já vinham de
trás. O Egipto, o Iraque e o Líbano tinham boicotado os Jogos de Melbourne (1956), em protesto con-
tra o controlo anglo-francês do Canal do Suez. Os Países-Baixos, a Espanha e a Suiça também o fize-
ram em protesto contra a invasão da Hungria. Em Montreal (1976), 33 países africanos, represen-
tando mais de 400 atletas, boicotaram os Jogos em protesto contra a política do "apartheid".
Pese embora todas as dificuldades, os governos, de uma maneira ou de outra, nunca deixaram
de apostar em "projectos olímpicos". Um caso paradigmático é o Canadiano. Por exemplo, nos
Jogos Olímpicos de Roma (1960), os Canadianos conseguiram somente uma medalha de prata em
remo. Em 1970, segundo Bruce l<idd, professor na Universidade de Toronto, que competiu pelo
Canadá nos Jogos de 1964 (Time, 15/7/1996, vol. 148, n. 3), na Administração Trudeau, o investi-
0

mento no desporto aumentou significativamente. O desporto no Canadá profissionalizou-se, os


atletas começaram a ser pagos pelo Estado e foram fundadas diversas organizações profissionais
para acelerar o desenvolvimento.
O carismático primeiro-ministro Pierre Trudeau esperava que uma participação olímpica com
sucesso pudesse promover a unidade nacional. Estes esforços foram ainda incrementados com uma
política muito agressiva de realização de grandes eventos internacionais, construção de novas insta-
lações desportivas, formação de novas lideranças e mobilização da população através dos resultados
das equipas nacionais sem que os objectivos referentes à construção de uma unidade nacional tives-
sem sido alcançados. Ora, a realização dos Jogos Olímpicos em Montreal acabaram por ser um
enorme desastre económico, financeiro e desportivo para o país. O Canadá não conseguiu qualquer
0
medalha de ouro. Acabou por ficar em 27. lugar, com 5 medalhas de prata e 6 de bronze.
O processo de desagregação do desporto tem vindo, sobretudo desde o último quartel do
século XX, a fazer o Estado perder completamente o controlo sobre as mais diversas práticas des-
portivas. Como diz 1<. Roberts, o desporto "está a tornar-se numa entidade menos coerente". A alta
competição, o desporto amador, os clubes, a generalização da prática, estão a perder a antiga inter-
dependência ideológica para além da interdependência em termos de capital humano, organização
de recursos e fontes de financiamento, o que significa diferentes perspectivas e novas responsabili-
dades no domínio das políticas públicas em matéria de promoção do desporto.
Caos e o Ambiente [ 85

Câmara de Lisboa desiste da rede de percursos para bicicletas


A cétmara de Lisboa manteve na gaveta, desde julho de 2001, um estudo destinado a criar
uma rede de percursos para bicicletas que abrange toda a cidade, num total de 238 quilómetros.
Depois de um longo silêncio, a autarquia argumenta agora que o projecto é "megalómano" e "de
dificil implementação". Os responsáveis pela autarquia argumentaram ainda que "o custo era
enorme e o beneficio só existiria passado quatro ou cinco gerações", quando se criasse "a habitua-
ção" do uso da bicicleta em Lisboa no dia-a-dia, e não apenas numa perspectiva de lazer.
ln Público, 24/04/2005

Esta menor coerência, que pode ser entend ida como muito positiva, está a acontecer por todo o
mundo, pelo que estão a surgir os mais diferentes tipos de prática desportiva enquadrados por orga-
nizações com estruturas li geiras e informais, à margem do modelo estandard izado e formal legado
pela civi li zação industrial. Mas também apresenta aspectos bem negativos. De facto, os governos
deixaram de saber o que fazer em matéria de políticas pública s e como tal fazem aquilo que lhes é
ditado pelas pressões dos lóbi s institucionalizados, muitas vezes à margem de qualqu er gestão polí-
tica do interesse público. A opção da câmara municipal de Lisboa em matéria da construção de uma
rede viária para utilizadores de bicicletas é bem o exemplo do que acabámos de referir.
Quanto a nós, a atitude da câmara revela uma ausência absoluta de sensib ilid ade em matéria
de serviço público que no âmbito do desporto devia proporcionar aos seus munícipes. Em primeiro
lu ga r, porque o projecto só seria megalómano se o quisessem fazer em seis meses. Um projecto
deste tipo é para ir fazendo ao longo do tempo com marcos, prazos e orçamentos bem definidos.
Em segundo, revela uma ausência absoluta de bom senso em matéria de promoção de hábitos
desportivos. Falar em resultados a cinco gerações parece-nos um argumento que mais não é do
que um atentado à inteligência dos munícipes. Em terceiro lu gar, o desenvolvimento faz- se para
beneficiar as gerações actuais mas, fundamentalmente, para as futura s. Não é isso que as actuais
gerações devem aos seus filhos? Não é este um dos prinCípios do desenvolvimento sustentado?
Quando uma situação atinge uma enorme confusão, a melhor estratégia é começar tudo de
novo e apurar o que é que o desporto dos nossos dias, em termos de responsabi lidade do Estado,
realmente representa no processo de desenvolvimento humano. Claro que se pode continuar a cor-
rer atrás dos acontecimentos. No entanto, de uma maneira geral, as pessoas não aceitam aqu il o a
que podemos chamar de "cocaco lização" do desporto, quer dizer, a transferência para o mercado
das competências in ali enáveis do Esta.do, como uma estratégia dos governos para ali geirarem res-
ponsabilidades, deixando para o mundo das organizações co merciais, que no fundo se servem
(legitimamente) do desporto para vender os próprios produtos, uma re sponsabilidade que deve
competir ao Estado. Quando isto acontece, significa que os governos não estão a cumprir a sua
missão, e estão a transformar os seus cidadãos em meros clientes, esquecendo-se que cada cliente
antes de o ser é um cidadão com direitos intransmi ssíve is. Actualmente, em Portugal, chegou-se ao
extremo do absurdo de ser a estrutura ministerial do Desporto Escolar a patrocinar a realização de
um campeonato de futebol promovido pela Coca-Cola.
Em nossa opin ião, quando a confusão é generalizada o melhor é regressar às origen s, aos
ideais olímpicos que nos foram legados pela cultura gregi 6 e que são património da humanidade.

26
Os Jogos Pan-helénicos, além de festas religiosas, eram também grandes acontecimentos culturais, pois a eles assistiam
líderes políticos, negociantes e artistas. Escritores, poeta s, mú sicos, pintores e escu ltores encontravam nos jogos uma
excelente oportunidade para divulgarem as suas obras de arte.
86 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Evidentemente que adaptados ao nosso tempo por esse grande visionário do século XX que foi
Pierre de Coubertin, bem como ajustados ao século XXI em que vivemos. São eles que podem
determinar os objectivos e restabelecer novamente o rumo para o desporto moderno, desde que os
dirigentes não se tenham eles próprios rendido a Dionísio e entregue o desporto a Hermes.

Mercado

O desporto é um efectivo transmissor de imagens, ideias, conceitos e valores. Desde a performance


dos atletas e das vitórias das equipas nacionais, até aos escândalos do mercado de venda de bilhetes
que, volta e meia, ocorrem aquando da organização de grandes eventos desportivos, o desporto, para o
melhor e para o pior, tem cada vez mais impacto nos sistemas nacionais de comunicação de massas.
A indústria do desporto é hoje, simultaneamente, um mercado de negócios que pode vir a ser um
dos de maior significado no mundo contemporâneo. Segundo a Sport Business (24/5/2002), o mer-
cado desportivo chinês representa 5 biliões de dólares americanos por ano. Este valor está estimado
para cerca de 100 milhões de consumidores pertencentes a uma classe média. No entanto, as poten-
cialidades são enormes, se considerarmos que a população chinesa já ultrapassou os mil milhões.
Neste sentido, as grandes multinacionais, na gestão dos seus negócios, estão a tomar posições na
perspectiva de conseguirem vantagens competitivas através de uma posição estratégicavantajosa.
Mas se as perspectivas são extraordinariamente aliciantes, é necessário ter também em conta
que o horizonte pode estar cheio de ameaças. Tal como foi referido no "VIII Fórum do Desporto",
realizado em Salzburg, a 25 Novembro de 1998, o desporto enfrenta três categorias de problemas:
(1) Um comercialismo exagerado; (2) Falta de protecção para os jovens atletas; (3) Doping. É evi-
dente que o principal problema é o comercialismo na medida em que envolve e potencia os outros.
Neste sentido, a pergunta que se coloca é a de saber em que medida o Olimpismo, enquanto ins-
trumento de desenvolvimento humano, pode lidar com o comercialismo que hoje envolve o mundo
do desporto sem se deixar contaminar por ele.
Nos últimos anos, grandes grupos da comunicação social da indústria do entretenimento têm
vindo a adquirir um número cada vez maior de clubes de futebol. Por exemplo, o grupo francês "Canal
Plus" controla o Paris Saint-Germain e o Servette Genéve. A companhia inglesa ENIC (England Natio-
nal ln~estment Co.), com sede em Londres, comprou 54% do Slavia de Praga. Esta companhia é
detentora de grande parte do AEI< de Atenas e do Vicenza de Itália e de uma importante parte do Glas-
gow Rangers da Escócia. Georges Soros é o accionista principal do Vasco da Gama do Brasil e Silvio
Berlusconi, com a Media Partners, é o dono do AC Milan e o mais entusiasta defensor da Super Liga.
Rupert Murdoch comprou 5% do capital do Sunderland que é o quarto clube da BSkyB controlada por
Murdoch que tem, ainda, acções no Manchester United, Leeds e Manchester City. Em Portugal, a
Média Capital é detentora do Estoril-Praia Futebol SAD e da SAD Leiria. Perante a situação em que

Real Madrid

"O Real Madrid é um Ro/Is Royce enquanto o Barcelona não passa de um Mercedes." A céle-
bre frase de Jorge Valdano foi repetida por um director de marketing dos "merengues", José Angel
Sánchez, para justificar os resultados de um estudo efectuado na Alemanha, segundo o qual o Real
Madrid tem actualmente 228 milhões de adeptos em todo o Mundo, situando-se no topo das pre-
ferências, bem longe de clubes como Manchester United, AC Milão ou mesmo o Barcelona.
ln O Jogo, 29/11/2005
Caos e o Ambiente [ 87

Patrocínio

O Manchester United acabou de assinar um contracto de patrocínio (camisolas da equipa), com


efeitos a partir da época de 20o6joJ, no valor de 8o, 6 milhões de euros para o período de quatro anos
com a companhia de seguros American /nternational Group lnc (AIG), uma das maiores do mundo.
Actualmente, o clube pertence ao milionário americano Malcolm Glazer, que comprou o clube
no passado mês de Maio pela quantia de 1,12 biliões de euros.
Associated Press, 9/4/2006

grandes empresas multinacionais estão a tomar conta do mundo do desporto, temos de nos pergun-
tar se o Olimpismo e os próprios Jogos Olímpicos não correm o risco de deixar de ser uns jogos de
atletas ou de países para passarem a ser uns jogos de marcas (brands) >
Empreendedores como Rupert Murdoch e outros, bem como organizações tais como a alemã l<irch,
as holandesas Morgan Granfell, lng Barings e UBS, pretendem dominar a indústria do entretenimento
através de grupos de empresas com uma estratégia de integração vertical duma cadeia de valores econó-
micos, representados por produtos e serviços específicos. O objectivo é controlarem a produção de con-
teúdos e a sua distribuição. No entanto, como se sabe; estas grandes organizações, quando menos se
espera, entram em colapso, como aconteceu, por exemplo, à l<irch ou à IS L, deixando em estado de cho-
que muitas organizações do mundo do desporto, sobretudo do mundo do futebol, aliás à semelhança de
outras tantas falências, tal como da Worldcom Inc. (2002), Enron Corp (2001), Texaco Inc. (1987) e
outras, que acabam por deixar a própria economia mundial em estado de choque. Mas estes desastres
não parecem fazer esmorecer os eventuais investidores, porque, entretanto, outras grandes empresas,
como a Disney, Time Wamer, Bertelsmann, Viacom Group e, provavelmente, a Sony e a Microsoft de Bill
Gates, já estão a competir por uma posição na indústria do entretenimento global. Em conjunto estes
grupos são proprietários de satélites, redes de transmissão, serviços de televisão, discos e companhias
de música, estúdios de Hollywood, empresas de produção, televisões por cabo, filmotecas, produtoras
de software, bases de imagem digitalizada, editoras, clubes e empresas de desporto, pelo que estão a
apostar duma forma integrada no mundo do entretenimento. Estamos no domínio da gestão económica
do desporto, da gestão de negócios, do espectáculo desportivo e da economia do desporto, como repre-
sentamos no quadrante (D).
Se hoje é reconhecido que o desporto em geral pode interferir na economia, o futebol em particular
fá-lo com grande incidência. Mas se considerarmos os Jogos Olímpicos, os efeitos ainda podem ser
mais significativos. No entanto, é bom que se entenda que esta inter-relação entre o desporto e a eco-
nomia nem sempre é de sinal positivo na medida em que muitas vezes o ser humano é o que menos
interessa em todo um processo em que se visa, exclusivamente, obter o lucro. Há desporto gerador de
externalidades de sinal negativo que não podem deixar de ser consideradas. Em conformidade, a candi-
datura à organização de mega e grandes eventos deve obrigar a procedimentos, garantias e decisões
que afastem candidaturas aventureiras sem a mínima consistência e ainda menos viabilidade, em que a
única coisa que se procura é obter um efeito de anúncio 27 , em benefício de dirigentes desportivos ou
políticos de moralidade duvidosa. A ideologia olímpica só tem sentido se estiver verdadeiramente ao
serviço das pessoas, sobretudo na defesa dos grupos sociais mais desfavorecidos.

27
Efeito de anúncio: estratégia utilizada por alguns políticos e dirigentes desportivos, quando anunciam realizaçoes e acon-
tecimentos com o único objectivo de tirarem vantagens desse anúncio. Contudo, fazem-no na plena consciência de que
aquilo que anunciam jamais se realizará.
88 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Nas mais diversas áreas e sectores de desporto o desenvolvimento não pode fazer cedências ao
mercantilismo que, de uma forma desenfreada, em muitas circunstâncias, está a envolver o des-
porto moderno. O desenvolvimento através da gestão deve estar ao serviço das diferentes necessi-
dades dos mais diversos estratos sociais e propor as soluções mais ou menos sustentadas no
Estado ou no mercado em função dos anseios das populações. Ao Estado o que é do Estado e ao
Mercado o que é do Mercado. O problema universal é que, no curto prazo, em termos políticos,
uma medalha olímpica vale mais do que um milhão de pessoas a praticar desporto 28

. 3.7 Conclusão
Não se pode acreditar em coisas impossíveis, disse Alice.
Isso éfalta de treino, disse a Rainha.
Lewis Carol, in Alice no País das Maravilhas

A desagregação do desporto de que falávamos não significa que o desporto esteja em declínio.
Bem pelo contrário, o desporto cada vez está mais envolvido na dinâmica social, muito embora em
várias circunstâncias não seja da melhor maneira. Por ausência duma ideia clara e dum sentido
para o desporto, manifestados de uma maneira geral pelo poder político público ou privado, a ges-
tão fica transformada numa actividade de alto risco sem qualquer sentido. Por isso, se, por um
lado, gerir surpresas é uma das capacidades que hoje têm de ser exigidas àqueles que têm respon-
sabilidades administrativas e técnicas no mundo do desporto, por outro, mais importante ainda, é
exigir-se-lhes uma capacidade prospectiva, naquilo que tem a ver com a organização do quotidiano
a partir duma ideia de futuro que possa ser partilhada. Só assim é possível ultrapassar essa reali-
dade que nos diz que só a mudança é imutável, quer dizer, o Mundo muda porque ele próprio é
mudança, como há três mil anos referiu Heráclito. Em conformidade, é fundamental ter do des-
porto uma ideia de processo em constante evolução de paradigma em paradigma e não uma sim-
ples ideia de produto que de uma maneira reducionista acaba por se consubstanciar em termos de
exclusividade no espectáculo desportivo.

Heráclito (540·480 a. C)

Filósofo grego nascido em meados do século VI a. C. Para ele, "nada pode ser pensado sem o
seu contrário" e "na Natureza nada há de permanente a não ser o conflito e a mudança." A ori-
gem de todo o dinamismo assenta na luta entre opostos, pelo que a realidade do devir passa pela
constante mobilidade das coisas. Assim sendo, os opostos devem manter-se num estado de alter-
nância cíclica e de equilíbrio global. A Heráclito se ficou a dever a célebre máxima: "Não nos pode-
mos banhar duas vezes no mesmo rio" que, infelizmente, não atinge muitos dos nossos dirigentes
desportivos do vértice estratégico do desporto nacional que já vão em três, quatro e cinco manda-
tos consecutivos de quatro anos, pelo que acabam por ser um entrave ao normal processo de
desenvolvimento do desporto.

28
Lín Yutang (1895-1976), filólogo chinês, dizia que a sociedade só pode existir sobre uma certa base de amáveis mentiras e
desde que ninguém diga exactamente aquilo que pensa.
Caos e o Ambiente [ 89

Um desporto em transformação

É pois necessário desmistificar o desporto enquanto actividade imutável e separada da vida e da


sociedade no tempo longo e realizar uma análise acerca do processo de gestão do desporto no quadro
da civilização industrial, tendo em atenção não só o paradigma agrícola e outros que o antecederam,
como, também, o paradigma pós-industrial, que já começa a estabelecer os contornos do desenho
organizacional e da gestão das práticas desportivas do novo milénio. A ideia que desejamos transmitir
é a de que o desporto, embora apresente um figurino que decorre do modelo organizacional da civiliza-
ção industrial, tem um passado que está escrito no seu próprio código genético e, porque gravado na
memória da Humanidade, um presente que deve ser vivido não a partir de um passado que já passou,
mas a partir de uma ideia de futuro que é necessário ousar imaginar para fazê-la acontecer.
Por isso, o desenvolvimento humano tem de ser entendido como um esforço sustentado, com
um horizonte temporal de "longo prazo", no sentido de, através de processos de liderança parti-
lhada, promover as mudanças culturais e tecnológicas necessárias à organização do futuro para o
qual o desporto deve contribuir.

Os jogos enquanto ideia central

Os Jogos Olímpicos surgiram pela primeira vez em 776 a. C., na cidade de Olímpia, em honra
de Zeus, o pai dos deuses. Organizavam-se de quatro em quatro anos. Foram abolidos em 393 d. C.
pelo imperador cristão romano Teodósio I, por serem festivais pagãos. Os jogos e as competições na
Grécia Antiga ocupavam um lugar central na vida dos gregos. Eram associados aos mais diversos
aspectos da vida. Aos deuses, às festas e comemorações, aos feitos heróicos, à destreza humana, à
beleza e à estética do corpo e do movimento, bem como à intenção mística e fúnebre. No canto IX
da Ilíada, Homero descreve as competições fúnebres que precederam a inumação de Pátrocles,
escudeiro de Aquiles, morto por Heitor durante a guerra de Tróia.
- - - - ____ J
'

Neste sentido, a gestão do desporto como instrumento de desenvolvimento organizacional e


social integra um conjunto de procedimentos imbricados com a própria realidade física, biológica e
social que envolve as práticas desportivas. Numa perspectiva dita aplicada, é qualquer coisa que
29
existe desde a realização dos Jogos Pan-helénicos , considerando este período como um dos ciclos
de vida, ou sigmóide, na expressão de Charles Handy (1994), que antecederam as práticas desporti-
vas modernas, mu·1to embora os genes do desporto moderno tenham a sua origem nas moléculas,
células, organismos, espécies e ecologia do desporto enquanto sistema, na arte da guerra e na luta
pela conquista da mulher não consanguínea, na acepção de Ortega y Gasset (1987) em A Origem
Desportí11a do Estado. É nesta perspectiva que entendemos a gestão do desporto, quer dizer, numa
perspectiva de desenvolvimento humano, num processo contínuo de adaptação dos sistemas, das
organizações e das pessoas que nelas vivem e trabalham, a um meio que tem estado desde sempre
em contínua evolução.

29
Os Jogos Olímpicos, Píticos, Ístmicos e Nemeus eram os mais importantes da Grécia. Em Corinto, realizavam-se os Jogos Ístm,i-.
cos. Em Delfos, em honra do famoso Oráculo de Apoio, realizavam-se os jogos Píticos. Em Argos organizavam-se os Jogos
Nemeus. Em Olímpia, os Olímpicos. Este conjunto de jogos ficaram conhecidos como jogos pan-helénicos. Os jogos Olímpicos
eram celebrados em Olímpia em honra a Zeus. Os de Delfos em honra a Apoio, daí serem chamados de Píticos. Os jogos de
Nemeus, da antiga cidade de Neméia (hoje chamada de Heracléia), eram celebrados em honra a Zeus e a seu filho Héracles, o
famoso Hércules dos romanos. Os jogos nemeus ocupavam o quarto lugar em importância. (http:f jgreciantiga.orgf)
90 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

A gestão dos jogos antigos

A gestão do desporto, numa perspectiva dita aplicada, é qualquer coisa que existe desde sempre.
Na cerimónia de abertura os juízes juravam não falsificar os resultados. No encerramento, todos
presidiam ao banquete final e coroavam os vencedores. O prémio era uma coroa de oliveira brava,
árvore simbólica de Héracles. O número de provas foi aumentando até chegar às 14 competições.
Corridas de carros de cavalos, de carros de mulas e de cavalos de sela; Pentatlo (disco, dardo, corri-
das pedestres, luta e saltos); Dromo (uma volta ao estádio); Diaulo (duas voltas ao estádio); Dólico
(24 vezes o comprimento do estádio); Provas de luta, pugilismo e pancrácio (espécie de luta livre). O
primeiro campeão olímpico foi Coreobo, que venceu o dromo ou estádio, em 776 a. C.

Qual a estrutu ra e a din âm ica de um a co nce pção po líti ca em matéri a de des porto qu e no qu a··
dro das co ndi ções econó mi cas e socia is da sociedade po rtu guesa permitem uma art icul ação ju sta,
coerente e operac ional entre as du as gra nd es categorias de prática des porti va, tend o em atenção
que a promoção da massa de praticantes que assegura a igua ld ade só funciona se estiver garantida
a promoção da elite que defen de a liberdade do pratica nte de excepção, e vice-ve rsa, na prossecu·
ção da ju st iça e da equidade. Desta questão decorre m:
1. Qu al é, po r um lado, o pa pel do Estado neste processo, bem como, por outro, o da sociedade
civil ?
2. Qu al é o modelo de coope ração a in stitucionaliza r e os processos de gestão e co ntro lo a
im plementar?
O despo rto encontra-se num processo de desagregação acelerado em res posta aos mais va ri ados
grupos de interesse. Esta situação obri ga a um esforço su pl ementar pa ra, à margem do monopo li smo
qu e ca racteriz a o Mode lo Eu ro peu de Des porto, enco ntrar as soluções necessárias à orga nização do
futu ro.
[Zeus e o Organização

Objectivos do capítulo. Zeus, nome que significa "tesouro que reluz", foi o rei dos deuses.
Patriarcal, irracional, benevolente, impiedoso e carismático era o responsável pela organização
da vida no monte Olímpia. Por isso, ele enquadra no presente capítulo o conceito de organização
e a polissemia que envolve a palavra. Desta polissemia decorrem oito metáforas ou imagens que
possibilitam uma melhor compreensão da organização. Zeus reinou nos céus e na terra pelo que,
em sua honra, os homens começaram a organizar os Jogos Olímpicos. Ora, isto leva-nos a consi-
derar a dinâmica do trabalho produzido dentro da organização através da exploração dos con-
ceitos de mecanismos de ·coordenação do trabalho, mecanismos de conjugação do trabalho e os
fluxos de trabalho. Zeus na organização representa, ainda, o paradigma da cultura do gestor
empreendedor que constrói a sua empresa através da organização duma teia de influências. Em
conformidade, vamos também desenvolver um modelo que caracteriza as crises que do ponto de
vista interno, externo, tecnológico e social acontecem dentro das organizações. Finalmente, na
assumpção de que a gestão no mundo do desporto se baseia fundamentalmente no informal e
no voluntariado, quer dizer, numa cultura de clube que se sustenta na confiança e empatia numa
perfeita harmonia entre o Homem, a organização e a sociedade, concluímos com um quadro que
tem por objectivo determinar as condições de homeostasia que devem equilibrar a vida das orga-
nizações no que respeita aos seus próprios objectivos e à satisfação pessoal daqueles que nela
trabalham.

A morte de uma organização acontece quando os de


baixo já não querem e os de cima já não podem.
Vladimir Lénine (1870-1924)

.
A palavra organ ização and a na boca do mundo, na medida em que na sociedade moderna a
mesma pessoa pode assumi r uma mu ltip li cidade de funções organizacionais, que vão desde:
· Ser pai (chefe) de família;
· Ser emp regado num centro comercial, numa fábrica ou num escri tório;
· Ser membro de um partido po lítico;
· Ser membro de um clube des portivo, etc.
92 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

4.1 Conceito
A pirâmide desportiva transformou-se numa hierar-
quia de experiência. Contudo, o que o desporto neces-
sita é de uma hierarquia de imaginação.

Palavra polissémica

A palavra organização está contaminada por um sem-número de circunstâncias que têm a ver
com a própria vida, pelo que é considerada uma palavra polissémica, quer dizer, pode assumir diver-
sos sentidos. Podemos dizer: "a organização, faz a organização da organização". O que significa:
·A organização - conjunto de princípios que governam a actividade de um clube ou qualquer
outro organismo desportivo;
· Faz a organização- acto de organizar (gerir) ou esforço dirigido à prossecução de determina-
dos objectivos desportivos;
· Da organização- organismo criado, por exemplo, um clube.

Burocracia

Max Weber (1864-1920) pode ser considerado como o pai da teoria da organização. A pergunta
que a este respeito o orientou foi: Como é que uma grande organização podia funcionar melhor? A
resposta foi: Através de regras, controlo e hierarquia. Estes três objectivos deviam ser controlados
pela burocracia.
A burocracia, na sua perspectiva racional (a mais pura) de coordenação do trabalho, apresenta
os seguintes 10 critérios, a partir dos quais a organização deve conduzir a sua própria acção:
1. Legalidade das normas. As organizações e os sistemas não podem funcionar sem normas;
2. Formalidade dos procedimentos. Determina o comportamento de cada elemento que tem
de estar formalizado através de normas;
3· Racionalidade na divisão do trabalho. Sem divisão do trabalho, do poder e da autoridade
não há organização;
4· Impessoalidade. Nas relações humanas;
5· Hierarquia de autoridade. Os sistemas só podem funcionar com uma hierarquia bem defi-
nida de autoridade;
6. Rotinas e procedimentos. Estandardização das condutas;
7· Meritocracia. Predomínio da competência e do mérito;
8. Especialização da gestão. Separação da propriedade das organizações, da sua gestão;
g. Profissionalização. Dos recursos humanos;
10. Previsibilidade. Do funcionamento, quer dizer que os mesmos problemas se resolvem da
mesma maneira.

A organização perfeita

Para Max Weber, a organização perfeita devia funcionar como uma máquina. Note-se que o autor
desenvolveu o seu trabalho porque foi motivado pela teoria da organização científica do trabalho de
Zeus e a Organização [ 93

Taylor que, entretanto, tinha atravessado o Atlântico e sido traduzida para alemão. Hoje, quando olha-
mos para o mundo do desporto, do treino à competição, passando por toda a logística de suporte,
percebe-se bem que se está perante um modelo burocrático de funcionamento.
Contudo, muito embora as condições naturais da burocracia permitam o trabalho de organiza-
ções e equipas de uma forma eficiente, diferentes organizações aplicam as mesmas regras de
forma diferente, uma vez que a referida aplicação tem a ver com as diversas perspectivas próprias
de cada tipo de organização.

'4.2 Metáforas
Torna-te naquilo que és, para fazeres aquilo que só tu
podes fazer.
Friedrich Nietzsche (1844-1900)

/
Se desejamos conhecer a organização devemos partir da premissa de que ela é complexa, ambígua
e paradoxal. As metáforas possibilitam melhorar a inteligibilidade dos fenómenos em causa e dos com-
portamentos organizacionais. Garett Morgan (1986) justifica a utilização do uso das metáforas na aná-
lise dos processos organizacionais, na medida em que o estudo das organizações deve partir da ideia
de que elas "podem ser muitas coisas em simultâneo". Charles Handy (1991) elaborou um quadro cul-
tural tendo como referência as divindades gregas, tendo em atenção todas as suas virtudes e defeitos,
na medida em que os deuses gregos tinham as mesmas tentações dos Homens. As metáforas con-
substanciam imagens e ideias que ajudam a compreender e a analisar as organizações e possibilitam o
aparecimento e desenvolvimento de perspectivas acerca da maneira como elas podem ser geridas.

A arte de ler as organizações

No livro intitulado lmages of Organization, Morgan sintetizou um conjunto de oito metáforas


com o objectivo de explicar aquilo que as organizações podem ser, através de um método a que ele
denomina de "a arte de ler e de compreender as organizações através de um método capaz de
diagnosticar os seus problemas". A metáfora é, assim, um instrumento capaz de proporcionar um
melhor conhecimento e explicação do funcionamento de uma organização.
Para o autor, muitas das nossas ideias acerca das organizações são metafóricas. Por exemplo,
utilizamos no discurso comum, e não só, a ideia de "máquina" e o seu funcionamento para expres-
sarmos pensamentos que, de outro modo, provavelmente, não seria possível exprimir casualmente.
O autor desenvolve as seguintes oito metáforas:
1. Máquina; 5· Sistema político;
2. Organismo vivo; 6. Prisão psíquica;
3· Sistema nervoso; 7· Fluxo de transformações;
4· Cultura; 8. Instrumento de domínio.

Máquina

A organização como máquina é vista como um mecanismo cujas peças devem estar perfeita-
mente lubrificadas:
94 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

· Enquadra as teorias clássicas da organização;


. Estudo dos tempos e dos movimentos;
·Ambientes fechados;
· Produtos e serviços-padrão;
·Dificuldades de adaptação à mudança.

Da rotina para a criatividade


A metáfora da organização-máquina configurou a sociedade e o trabalho em regime de exclu-
sividade durante a primeira metade do século passado e, em consequência, o mundo do desporto e
do treino. As equipas de futebol tipo "laranja mecânica", "bloco de betão", ou outra metáfora
mecanicista qualquer, fizeram escola, produziram resultados, mas já não são o que outrora foram
muito embora ainda tenham os seus apaniguados.
Se olharmos para a selecção nacional, Luís Filipe Scolari aposta no 4x3x2X1 numa dialéctica
de compromisso, comprometidamente defensiva. A esta escolha musculada, no país da doçura do
samba, chamam-lhe o "Estilo Filipão", porque foi ele que estabeleceu um corte com a filosofia do
'futebol-arte", predominantemente de ataque, do ex-seleccionador Telê Santana.
Para o sargentão da nossa selecção, futebol é guerra. Para ele, 'jogar pela SelecÇão é como ser
chamado pela Pátria para lutar numa guerra". (A Bola, 31/5/2oo4)
A teoria da guerra organiza-se a partir do discurso histórico e do discurso dogmático. O pro-
blema está em conseguir que os jogadores criativos tenham margem de manobra para se libertarem
das necessárias rotinas dos modelos dogmáticos estilo bloco de betão para, num rasgo de criativi-
dade, darem expressão à sua liberdade num futebol-arte que não se compadece com formas jogadas
de configuração estereotipada.

Organismo vivo

A organização como organismo vivo é vista como um sistema que se adapta ao seu ambiente:
· Existem diferentes espécies de organizações;
·A organização é um sistema aberto;
· Em luta pela sobrevivência;
· Hierarquia de necessidades;
· Princípio da entropia negativa;
·Teoria da contingência: a solução depende da tarefa e do contexto.

Blackout

O blackout traduz-se na recusa por parte de uma organização em deixar passar informação
para o exterior. No mundo do desporto, joga-se entre três protagonistas fundamentais. Os promoto-
res do espectáculo desportivo, quer dizer, os clubes ou seus representantes, os media que divulgam o
espectáculo e os patrocinadores que o financiam. Se esta relação tivesse só a ver com a racionali-
dade económica, não haveria grandes problemas na medida em que ojogo das partes seria de soma
positiva. O problema é que o blackout tem, também, a ver com a lógica do desporto que é caracte-
rizada por ser uma situação de confronto de soma nula.
-
Zeus e a Organização [ 95

Um clube de futebol vencedor é uma "máquina de guerra". Ao ser atacado do exterior tem de
saber defender-se, desde logo, fechando-se sobre si próprio. Ao fechar-se, defende-se dos adversá-
rios mas, em contrapartida, entra em confiito com as fontes que o alimentam. Directamente com
os media e indirectamente com os patrocinadores. Estas entidades também podem fazer blackout
ao clube, deixando os media de o divulgar e os patrocinadores de o apoiar.
Homero Serpa, um dos últimos românticos do futebol, argumentava (A Bola, 4/ll/2001) que
ao tempo do mestre José Maria Pedroto (1928-1985) jamais se ouvira falar de blackout. Não duvida-
mos, mas Pedroto foi, provavelmente, o primeiro treinador de futebol português que, sem ter lido
Sun Tzu, foi capaz de compreender e organizar o jogo como a "arte da guerra". Pode não ter utili-
zado explicitamente o b!ackout, mas fê-lo implicitamente. Ele percebeu que as regras do futebol
estavam a mudar, pelo que era necessário controlar o grau de abertura dos clubes ao exterior.
Muito provavelmente, se estivesse entre nós, utilizaria o blackout como nenhum outro para unir
forças, delinear estratégias, confundir os adversários, organizar a vitória e ganhar campeonatos.
Duvidam? Então, o que é que ele pretendia quando citava Miguel Torga: "Prefiro o ódio dos que
estão, ao desprezo dos que hão-de vir".
Hoje, o blackout faz parte da gestão da competição. Os treinadores decidem-no no balneário
como um instrumento de gestão. Os jogadores tratam-no como uma amante caprichosa que têm
de saber satisfazer. Os dirigentes utilizam-no como rEJdenção dos pecados cometidos, que desejam
fazer esquecer. Os jornalistas, numa sadomasoquista, odeiam-no e amam-no porque lhes api-
menta o ofício. Os adeptos servem-se dele como um brinquedo de imaginação e criatividade com
que adoçam a vida cinzenta de todos os dias.
Portanto, o blackout tem de ser gerido de forma inteligente em função da organização da vitó-
ria. No futuro, tanto os adeptos como os accionistas não terão contemplações para com qualquer
responsável que, por excesso ou por defeito, não o saiba utilizar com objectivos claros e um hori-
zonte temporal bem definido.

Sistema Nervoso- Cérebro

A organização é vista como um cérebro que recebe e trata a informação e comanda os órgãos
que dele dependem:
· Perspectiva cibernética;
· Promove fiexibilidade e acção criativa;
· Princípio holográfico- O todo está contido nas partes;

O plano global do organismo

Steve Jobs, um dos grandes visionários do século XX, inventor do computador pessoal Apple,
dizia à revista "Fortune" (26/oJ/1990), no início dos anos noventa, acerca da desorganização da
indústria informática americana e das ameaças comerciais japonesas: "Ponham as coisas desta
maneira: Se olharmos para o nosso próprio corpo, as nossas células são especializadas, mas cada
uma delas tem o plano global de todo o organismo". Pensamos que o sistema desportivo seria
muito melhor se cada uma das entidades que o constituí fosse conhecedora do plano global de
maneira a poder tomar as suas próprias decisões. Qual a visão que se tem para o sistema? O que
se deseja? Onde se quer chegar? Com que meios? Existem enormes riscos em fornecer às pessoas
acesso a uma vasta gama de informações. No entanto, tal como afirmava Steve Jobs, somos de
opinião de que aquilo que se ganha é superior àquilo que se perde.
96 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

·Aprendizagem organizacional- Aprender a aprender;


· Sistemas auto-organizados;
· Funciona para além da racionalidade e da burocracia;
· Capacidade cognitiva: holística, analógica, intuitiva.

Cultura

A organização como cultura é vista como um grupo que comunga dos mesmos valores:
• Desvaloriza o quantitativo e o racional;
·Valoriza o qualitativo, o simbólico;
·Já não é a forma que interessa, mas o conteúdo, a linguagem, os hábitos, os procedimentos,
as cerimónias e as práticas sociais;
• Ideologias, valores, crenças, estilos de liderança;
• Cultura de mudança;
· Gestão da cultura;
· Consequências simbólicas dos actos de gestão.

Cultura

Heródoto (490-430 a. C), um dos pais da História, encontrou na experiência terrena as respostas
1
às perguntas relativas à própria essência da vida. Uma das questões por ele colocadas é simples, directa
e clara: Será que o padrão de comportamento dos homens reflecte a própria natureza humana ou é o
resultado de um processo de aquisição de convenções, sedimentadas ao longo dos tempos?
Durante as guerras entre os gregos e os persas, Dário, rei dos persas, perguntou a alguns guer-
reiros gregos quanto dinheiro lhes tinha de oferecer para eles comerem os próprios pais após a sua
morte. Os gregos sentiram-se ofendidos com tal pergunta. Heródoto continua a sua narrativa e
conta-nos que Dário também perguntou a alguns guerreiros indianos, que costumavam comer o
cadáver dos seus pais, quanto dinheiro queriam para em vez de os comerem, queimarem-nos tal
como os gregos o faziam. Claro que os indianos se sentiram, de igual modo, ultrajados com tal
proposta. Heródoto concluiu que a diferença e a tradição comandam a vida das comunidades e
dos povos.

Sistema político

A organização como sistema político é vista como um lugar de governo onde os indivíduos se
opõem e defendem os seus interesses:
·A organização baseia-se num sistema de interesses pessoais;
· O poder na determinação dos objectivos duma organização;
·Contraria o mito da racionalidade organizacional;
· Desmistifica a ideia de que as organizações são sistemas funcionais integrados;
·As implicações sociopolíticas das diferentes organizações;
·Uma organização é um jogo de soma igual a zero, pelo que terá de haver ganhadores e perdedores.
-
Zeus e a Organização [ 97

Ambições

Quando, em 1975, exerci as funções de director-geral de acção cultural, apareceu no meu gabi-
nete uma funcionária já perto da idade da reforma. Vendo a minha juventude, e julgando que cor-
respondia a uma enorme ingenuidade, tratou-me como se eu fosse seu neto. E terminou a protec-
tora conversa com esta frase extraordinária: "O senhor doutor aqui não confie em ninguém. Nem
mesmo em mim". E saiu porta fora.
O que pude verificar é que no quotidiano toda a gente se entendia. Mas quando se tratava de
promoções vinha ao de cima uma lava negra e cada um sentia-se marginalizado. Todos tinham o
sentimento de injustiça. Não estou a falar de avaliações, em que toda a gente tinha nota máxima,
uma vez que o chefe não queria desencadear um processo de negros contornos.
Eduardo Prado Coelho, in Público, 16/3/2005

Prisão psíquica

A organização como prisão psíquica é vista como um lugar de constrangimentos psicológicos,


em oposição aos exageros racionalistas de outras perspectivas: ·

• Factores como agressividade, avareza, medo, ódio, desejo sexual não têm um estatuto formal
dentro das organizações;

·As pessoas estão presas consciente ou inconscientemente aos valores da organização;

• Pelo que esta metáfora se relaciona também com a cultural.

Qualquer organização que se preze, seja ela um clube ou um banco, é um sistema cultural,
onde as pessoas comungam sentimentos, valores, ·Ideais com vista a, através de uma estratég'1a
deliberada, se atingirem os objectivos por todos desejados. Por isso, quem pertence a uma organi-
zação está sujeito a regras que deve voluntariamente assumir e respeitar, pelo que podemos dizer
que está numa "prisão psíquica". Só assim uma equipa de futebol, ou outra organização qualquer,
pode funcionar com uma unidade inquestionável e, mesmo na adversidade da derrota ou de even-
tuais dificuldades, ainda ter uma reserva de forças para tentar organizar a vitória.

Contudo, quando numa organização os circuitos de comunicação interna deixam de funcionar,


aumentando o padrão de entropia para além dos limites suportáveis, então é uma questão de
tempo até que se quebrem as grades da prisão psíquica e, em consequência, a organização entre
num confiito que extravase necessariamente para o exterior.

Prisão psíquica

Na época futebolística de 2003j04 correu uma espécie de indignação, porque Luís Bilró, joga-
dor de futebol do União de Leiria, resolveu manifestar a sua opinião, para consumo externo, acerca
do desempenho da sua equipa no jogo com o Sporting. Resumindo e concluindo, Bilro disse à
comunicação social que a equipa não esteve bem ... que jogou mal no jogo contra os Leões. Em
consequência, meteu-se num "molho de brócolos".
Os dirigentes, que já tinham manifestado uma opinião diferente da de Bilro, não ficaram con-
tentes. Para eles a culpa da derrota não foi porque o União de Leiria não jogou bem, mas porque a
arbitragem foi má. T

AGONGD-D7
98 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Vai daí, as mais piedosas consciências saíram em defesa de Bilro, dizendo que não estava certo
que os jogadores de futebol eram treinados para não pensar, quando, num rasgo de ousadia,
algum o fazia, surgiam logo represálias. De facto, Bilro ficou sem braçadeira, foi sujeito a um pro-
cesso disciplinar e acabou por ser despedido.
Qualquer jogador de futebol, por sua livre iniciativa, não pode manifestar a sua opinião sobre
assuntos que tenham a ver com a organização de que faz parte, a menos que esteja autorizado a
fazê-lo. E aqui está o busílis da questão. Não é um direito que se lhes retira, é um dever que deve
ser cumprido, sob pena da equipa se transformar numa autêntica horda.
Ricardo Carvalho, jogador do Chelsea, e as suas declarações relativamente ao treinador José
Mourinho é outro exemplo que não pode ser aceite. José Mourinho respondeu-lhe em conformi-
dade e o problema parece ter ficado resolvido.

Pode-se perguntar até onde é que o princípio da "prisão psíquica" deve ser cumprido na dinâ-
mica da vida das organizações. O princípio deve ser cumprido enquanto os valores democráticos
numa organização forem preservados. A partir do momento em que os dirigentes se servem sem
qualquer sentido do seu poder de uma forma ditatorial, o dever da solidariedade que é determinado
pelo princípio da "prisão psíquica" deixa de ter qualquer sentido. Entenda-se que, segundo Bob
Garratt (1997), "as organizações são como os peixes, quando começam a apodrecer é pela cabeça".

Fluxo de transformações

A organização como fiuxo de transformações é vista como um sistema de adaptação à mudança.


Como é que a organização responde aos diferentes processos de mudança:
· Direcção da mudança;
·Turbulência da mudança;
· Previsão do futuro;
· Adaptação à mudança.
Na linha de Humberto Maturana & Francisco Varela (2003), Garett Morgan defende que na pers-
pectiva autopoiética as transacções de um sistema com o seu ambiente são na realidade transacções
dentro de si mesmo. A autopoesis (auto-organização) procura a explicação das transformações e ou
evolução dos sistemas vivos como resultado de mudanças geradas internamente, "moldando o seu
próprio futuro" em termos da sua própria sobrevivência. O exemplo do "blackout" anteriormente
apresentado pode explicar o surgimento de uma nova forma de organização dentro da própria orga-
nização, de maneira a que o sistema possa continuar a manter a sua identidade, ignorando ou neu-
tralizando fiutuações ameaçadoras que ocorrem no sistema total, na medida em que as relações
com o ambiente são internamente determinadas (ver factores de contingência).
Veremos posteriormente que, segundo Mintzberg (1979), os fiuxos organizacionais podem ser
organizados da seguinte maneira:
1. Autoridade formal;
2. Comunicação informal;
3· Fluxos regulados;
4· Constelações de trabalho;
5· Processo de tomada de decisão.
- Zeus e a Organização [ 99

O elogio da batota

Paulo de Almeida Sande contava no "Diário de Notícias" (6/5/2004): O filho do meu amigo
António tem 11 anos.
Andam a ensiná-lo a atirar-se para o chão e a fingir que está lesionado.
Entretanto, a Amélia também contou: O filho do António não sei, mas o meu está a aprender
a dar rasteiras sem que o árbitro veja. E concluiu: Parece que não é nada fácil.
O filho da Amélia tem 13 anos.
Claro que os pais podem tirar os miúdos das escolas de futebol e mudá-los para outras. Mas
para quê?
Os dirigentes e treinadores fazem quase todos o mesmo. E explicam: futebol é para homens.
A batota tornou-se a nossa maior competência.

Instrumento de domínio

A organização como instrumento de domínio é vista como um instrumento ao serviço duma


oligarquia que pretende continuar o seu domínio:
·O domínio pode ser uma variável intrínseca à maneira como organizamos;
·Muitas organizações não são mais do que a supremacia duma casta que se perpetua no poder;
·As organizações podem transformar-se em locais de exploração;
· Que só é derrotada através de formas bastante agressivas de consciência social.

Um Estado dentro do próprio Estado

Hoje, muitas organizações desportivas são autênticos instrumentos de poder.


A "Declaração da Salvaguarda da Independência do Desporto Federado" foi assinada pela
generalidade dos países europeus em Março de 1977- A referida Declaração procurou estabelecer
um conjunto de regras que preservassem o desporto federado em especial e o movimento despor-
tivo em geral dos abusos que nos estados totalitários os governos autocráticos faziam do desporto e
dos seus praticantes. Em conformidade, a Declaração afirmava que "um controlo estatal do des-
porto nacional, que limite bastante o papel a desempenhar pelos organismos desportivos dirigen-
tes, está em contradição com os princípios básicos sobre os quais assenta a política desportiva nos
países da Europa Ocidental". Ao tempo, os ministros europeus responsáveis pelo desporto afirma-
vam temer que o desporto não fosse um meio "que permitisse ao Homem desenvolver a sua perso-
nalidade mas acima de tudo um instrumento de política nacional e também um meio de obter
mais prestígio nacional".
O problema é que agora todo o processo parece estar a virar-se do avesso. Quer dizer, já não
são os governos que querem intervir abusivamente no desporto, é o desporto, através de algumas
organizações internacionais, que pretende intervir abusivamente nos governos dos países.
Está neste caso a toda-poderosa FIFA, que através de uma circular endereçada à Federação
Portuguesa de Futebol (FPF) solícita desta um relatório sobre as áreas nas quais a legislação por-
tuguesa contraria os estatutos da FPF e restringe a sua aplicação. T
100 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

O mais curioso de tudo isto é que a argumentação da FIFA faz apelo à própria Carta Olfmpica
proveniente do Comité Olfmpico Internacional que, como se sabe, muito embora possa ser consi-
derada uma organização muito respeitável, não funciona de acordo com uma dinOmica democrá-
tica.
Carlos Aguiar, in O Desporto Madeira, 9{9{2005

,É evid ente que alguém tem de explicar rapidamente a teoria de Bob Garratt (1997) a este tipo de
dirigentes.

4.3 Gestão do trabalho

Qualquer trabalho seria terrivelmente aborrecido se não


jogássemos ojogo apaixonadamente.
Simone de Beauvoir (1908-1986)

Paradoxo da organização do trabalho

Toda a actividade humana organizada dá origem a necess id ades fundamentai s contraditórias. Por
um lado, o trabalho tem de ser dividido, por outro, tem de ser reagrupado segundo lógicas que devem
obedecer aos objectivos e ao contexto onde o mesmo está a ser processado. Quer dizer que, como se
expressa no quadro 7, para que o trabalho possa ser organizado tem de começar por ser desorganizado.

Quadro 71 Essência da organização do trabalho

TODA A ACTIVIDADE HUMANA ORGANIZADA

Divisão do trabalho Ordenação das tarefas


em tarefas em actividades

4.3.1 Mecanismos de coordenação do trabalho

O processo de trabalho desenvolvido pelas pessoas nos diversos departamentos e níveis hierár-
quicos numa organização tem de obedecer a mecanismos de coorde nação sob pena de o produto
final (output) não resultar num todo coerente.
Zeus e a Organização [ 101

Quadro 8 1Mecanismos de coordenação do ttabalho

Estandardização
1. Qualificações
Ajustamento Supervisão Ajustamento
2. Processos de trabalho
mútuo directa mútuo
3. Resultados
4. Normas

Os meca ni smos de coord enação do trabalho (H enry Mintzberg, 1989) podem ser de três cate-
go ri as (ver qu ad ro 8):
1. Ajustamento mútuo;
2. Supervisão directa;
3· Estand ardização:
· Qualifi cações;
· Processos de trabalh o;
· Res ultados;
· Normas .

Ajustamento mútuo

O exe mpl o tradi cio nal de aj uste mútu o é a activ idade em que duas pessoas estão a remar
numa ca noa. A cada remad a de um elemento tem qu e haver um reajustame nto do outro e vice-
·versa, sob pen a de não con seguirem fazer a ca noa progredir na direcção qu e desejam. O qu e é
curioso é qu e nesta situação são precisam ente a simp li cid ade e simultaneamente a complex id ade
que obri ga m este tipo de coordenação do tra balho de remar (ver qu ad ro 9).

~ua dro 9 1Mecanismos de coordenação do trabal ~o (ajustamento mútuo)

ANALISTA GESTOR

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102 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Entre o simples e o complexo

É de notar que existe uma coincidência entre as actividades pouco complexas e as muito com-
plexas no que diz respeito à necessidade de utilizarem o mecanismo de coordenação por ajusta-
mento mútuo. De facto, em qualquer destas situações o processo de estandardização não se
aplica, no primeiro caso porque na simplicidade da actividade só iria complicar, no segundo não é
possível pela sua complexidade.

Supervisão directa

Já na situação de supervisão directa o exemplo tradicional é a embarcação a remos com timo-


neiro. Devido ao número de remadores torna-se impossível ajustarem mutuamente as respectivas
remadas, pelo que há necessidade de haver alguém que, externamente à actividade propriamente
dita de remar, estabeleça a coordenação. O mesmo se passa com um grupo de futebol. Tem de exis-
tir liderança na base da supervisão directa na medida em que é impossível os 22 ou 23 jogadores
chegarem a acordo quanto a quem joga, em que posição e de que maneira. Por isso, esta competên-
cia tem de estar nas mãos do treinador, sob pena do grupo não encontrar maneira de funcionar por-
que um sistema de ajustamento mútuo não surte efeito (ver quadro 10).

Quadro 10 Mecanismos de coordenação do trabalho (supervisão directa)

OPERACIONAL OPERACIONAL

Estandardização

Só é possível quando os conhecimentos e as competências necessárias à realização de determi-


nada tarefa estão identificados. Neste caso são possíveis quatro tipos de estandardização das acti-
vidades (ver quadro n):
·À entrada do processo: Qualificações;
· Durante o processo: Normas;
·À saída do processo: Resultados.
· Externamente: Normas.

Qualificações

Neste caso temos, por exemplo, as qualificações necessárias ao exercício duma profissão. A
medicina ou a advocacia ou a gestão do desporto requerem determinadas competências iniciais
para o exercício das funções.
Zeus e a Organização [ 103

Quadro 11 I Mecanismos de coordenação do trabalho (estandardização)

GESTOR

Qualificações Processos de trabalho Resultados

Processos de trabalho

Nesta situação temos os processos de trabalho que obrigam a laborar com determinados pro-
cedimentos estabelecidos pela estrutura hierárquica superior. Neste caso temos, por exemplo, os
programas das diversas disciplinas que os professores dos ensinos básico e secundário devem apli-
car, ou os diversos programas das disciplinas dos cursos dos vários níveis de treinadores.

Resultados

Com este mecanismo de estandardização a única coisa requerida é o resultado final. Por exem-
plo, um treinador de futebol é contratado para colocar a equipa nos três primeiros lugares. Não
interessa como o vai fazer, o que interessa é se o faz. Contudo, é bom que se entenda que tem de
haver processos de comunicação eficientes entre as áreas da decisão técnica e da de decisão polí-
tica. Por exemp lo, José Mourinho afirmou apresentar semanalmente à Direcção do Chelsea as suas
opções em matéria de constituição da equipa, procurando expli cá-las o melhor possível. Segundo o
?úblico (20/S/2oos), para o treinador. a questão é clara: "Devo explicar ... Mais que exp li car, devo
apresentar um relatório escrito que eles (dirigentes) possam compreender".

Normas

São procedimentos, restrições e obrigações, determinados por entidades externas às organiza-


ções. Por exemplo, os sindicatos determinam as especificidades próprias dos perfis profissionais
que representam.

Utilização dos mecanismos de coordenação do trabalho

Cada mecanismo de coordenação do trabalho responde a uma situação mais ou menos buro-
crática ou mais ou menos orgân ica. Uma situação burocrática de trabalho caracteriza-se pela obri-
gatoriedade de cumprir normas e procedimentos predeterminados, por supervisão directa ou por
mecanismos de supervisão indirecta (qualificações, processos de trabalho, resultados e normas).
104 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Uma situação orgânica distingue-se por deixar um espaço de decisão e criatividade amplo às
pessoas envolvidas, pelo que o mecanismo de ajustamento mútuo responde a esta situação consi-
derando, contudo, que o número de elementos do grupo tem de ser relativamente pequeno. Deste
modo, enquanto que o mecanismo de coordenação do trabalho de "supervisão directa" e de
"estandardização dos processos de trabalho" não permitem qualquer espaço de decisão individual,
na medida em que os procedimentos são à partida determinados directa ou indirectamente, já o
ajustamento mútuo deixa toda a liberdade porque o que interessa é atingir o objectivo proposto.
Na organização do trabalho, os mecanismos de coordenação são escolhidos tendo em atenção a
complexidade ou a simplicidade do trabalho a realizar, bem como o número de elementos da
equipa. É evidente que um trabalho muito simples que implica o contributo de muitas pessoas difi-
cilmente pode ser realizado por aJUStamento mútuo ou por qualquer processo de estandardização,
uma vez que exige uma direcção clara e efectiva do trabalho de todos, sob pena do mesmo não
progredir por falta de coordenação das partes (Quadro 12).

Quadro 12 I Mecanismos de coordenação do trabalho (Orgânica x Burocracia)

_ _ _ _ Estandardização
das normas ---

Estandardização
dos processos de trabalho

u
Estandardização
dos resultados
"'
~

u
o
~

::I
r:a Estandardização
das qualificações

Director Ajustamento mútuo


de supervisão

(-)Orgânica (+)

4.3.2 Mecanismos de conjugação do trabalho


As organizações processam as suas actividades segundo uma determinada sequência lógica
em função de dependência ou independência das actividades em causa. Existem três tipos de con-
jugação do trabalho, a saber (ver quadro 13):
1. Comunidade;
2. Sequencial;
3· Recíproca.
-
Zeus e a Organização [ 105

Conjugação comunitária

A única coisa que exige é a partilha dos recursos existentes já que as actividades enquanto con-
junto de tarefas são independ entes. É o caso dum clube com várias classes de giná stica a funciona-
rem em simultâneo. Neste caso, a única necessidade é a partilha de recursos materiais entre os
responsáveis por cada classe. Ou a disciplina de educação desportiva 30 em que vários professores
desenvolvem as actividades desportivas do programa, num siste ma de comunidade, limitando-se a
partilhar recursos- geralmente instalações e apetrechamento.

Conjugação sequencial

Obriga a uma melhor conjugação, de forma a ser conseguido um ajuste ideal entre o trabalh o
realizado pel as unidades qu e estiverem em causa. Está neste caso o funcionam ento, por exemplo,
das escolas dum clube duma modalidade qualquer, em qu e tem de existir coordenação entre os
responsáveis pelas actividades no sentido de preverem percursos lógicos e consequentes de vida
dos praticantes, de forma a eles poderem tran sitar de actividade em actividade, até atingirem um
términos definido.

Conjugação recíproca

Finalmente, a terce ira categoria implica um a conjugação de actividades em que, por exemplo,
no produto final, que é um a sessão de treino, existem pequenos grupos que podem ter actividades
específicas e posteriormente voltarem ao grupo inicial, sem deixarem de estar sem pre integrados
no processo global de treino previamente planeado.

Quadro 13 I Mecanismos de conjugação do trabalho

Conjugação
de actividades - - - ----+1• o
de comunidade
l
Conjugação
de actividades
sequenciais

Conjugação
de actividades Acontecimento
reciprocas
Fluxo de actividade

30
Preferimos o termo "educação desportiva" ao de "educação física" por três razões fundamentais: em primeiro lu gar, por-
que é efectivamenté aq uilo que acontece nas au las dos ensinos básico e secundáFio; em segundo, porque o desporto
represen ta a cultura do nosso tempo como macroconce ito que envolve as mais diversas ideias relacionadas com o físico,
o corpo, a saúde e todos os objectivos pedagógicos e sociai s que o caracteriza; em terceiro, porque não se educam físi -
cos, educam-se pessoas através de instrumentos de educação, como, entre vários, é o caso do desporto.
106 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

4.3.3 Sistema de fluxos de trabalho

Sistema de fluxos

Para além das relações de trabalho numa organização existem um conjunto de f1uxos que per-
mitem que as relações f1uam de uma forma expedita. Segundo Mintzberg (1989), os f1uxos organi-
zacionais podem ser organizados através de cinco estratos:

1. Autoridade formal- Organigramas;

2. Comunicação informal- A gestão pela conversação;

3· Fluxos regulados:
a. Operacionais- Transformações de "inputs" em "outputs";

b. Funcionais- Entre centro operacional e a logística e a tecnoestrutura;


c. Controlo -Canais verticais de comando e retroacção.

4· Constelações de trabalho (estruturas mais ou menos formais ou informais):

a. Comissões;

b. Grupos de trabalho;

c. Cliques;
d. Comités permanentes.

5· Processos de tomada de decisão:

a. Padrão de estandardização:

i- Programadas (rotina);

ii- Não programadas (ad hoc).


b. Domínio funcional:

i- Produção;

ii- Marketing;
iii- Recursos humanos;

iv- Etc.

c. Nível hierárquico:

i - Estratégicas -Vértice estratégico;

ii- Administrativas- Logística;

iii- Operacionais- Linha hierárquica;

iv- Ad hoc- Centro operacional.

Autoridade formal

Este tipo de f1uxo é o que se processa de acordo com a configuração do organigrama. Respeita,
por isso, a hierarquia e sustenta-se num conjunto de normas e procedimentos que têm a ver com a
tecnologia da organização, a sua cultura eo seu ambiente. O organigrama, apesar de tudo, ainda é
a maneira mais expedita para representar uma organização e as suas partes.
- Zeus e a Organização [ 107

Comunicação informal

As organizações não podem funcionar só de acordo com as relações determinadas pelo organi-
grama. Existe uma estrutura informal, mais ou menos volátil, que garante de uma forma expedita
as relações entre as pessoas através de uma comunicação que se estabelece à margem dos forma-
lismos hierárquicos e de competências. No entanto, também se deve considerar que uma organiza-
ção não pode funcionar só através da comunicação informal, sob pena de cair na anarquia. Con-
tudo, quanto mais sofisticada for a tecnologia e quanto mais dinâmico for o ambiente, mais a
comunicação informal ganha peso na cultura da organização, na medida em que só assim ela
garante a agilidade necessária a fim de se adaptar continuamente à mudança.

Fluxos regulados

As diversas partes da organização (vértice estratégico, tecnoestrutura, linha hierárquica, logística e


centro operacional) comunicam entre si através de fiuxos. Os fiuxos de trabalho consubstanciam-se nos
circuitos de tipo operacional, funcional e de controlo que organizam e gerem o trabalho formal nas
organizações. Cada fiuxo tem um sistema próprio que, de acordo com a tecnologia que desenvolve,
apresenta uma orgânica e um processo. A orgânica indica os órgãos que fazem parte de um determi-
nado fiuxo. O processo determina os vários passos e a ordem com que os diversos órgãos envolvidos
intervêm num determinado fiuxo. Os fiuxos regulados caracterizam-se ainda por serem sistemática e
explicitamente controlados através de processos de supervisão directa e de estandardização.

Fluxos operacionais

Acontecem quando se trata da produção ao nível do centro operacional. Em conformidade, eles


tratam de responder em termos operacionais à vocação e à missão da organização, tendo em aten-
ção a sua tecnologia. Entretanto, há que ter em atenção que o centro operacional de uma academia
de futebol de uma sociedade anónima desportiva é diferente do de um clube multidesportivo, de um
"health club", de uma empresa municipal de desporto, de uma empresa de serviços desportivos
"out door" ou de, entre outros, uma loja de material desportivo.

Fluxos funcionais

Têm a ver com todos os fiuxos constituídos por sistemas de suporte de vida à organização. Decor-
rem sob a responsabilidade da tecnoestrutura e logística tendo como missão suprir as necessidades
básicas do centro operacional, no que diz respeito a informação, serviços ou matéria-prima. Quando se
trata de fiuxos da logística eles não têm nada a ver com a produção. Limitam-se a manter o sistema de
suporte à vida. Os fiuxos da tecnoestrutura já têm a ver com a produção, na medida em que interferem
indirectamente no trabalho do centro operacional. A tecnoestrutura pode ainda ter fiuxos de trabalho
relativos à assessoria ao vértice estratégico ou até às unidades orgânicas da linha hierárquica, bem
como fiuxos no domínio da realização de estudos e, entre outros, nos processos de planeamento.

Fluxos de controlo

Formam o sistema de controlo constituído por circuitos verticais de informação e decisão que se
estabelecem entre o centro operacional e a cadeia de comando através da linha hierárquica. No sen-
tido descendente circulam os comandos e as instruções de trabalho. No sentido ascendente, a infor-
mação retroactiva. Em cada nível hierár·quico acontecem as decisões intermédias. As orientações de
108 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

comando iniciadas no vértice estratégico to rn am-se natu ra lmente cada vez mais específicas e preci-
sas à medid a que se aproxim am do centro ope racio nal (ver quadro 46). Por exemplo, os pl anos
estratégicos de natureza geral são elabo rados no vérti ce estratégico e depois desce m pe la linha hie-
rárqui ca cumprindo um sistema regul ado de operações e decisões que darão ori gem ao pl anea -
mento táctico e ao operacional.

Constelações de trabalho

São grupos que se form am dentro das organ izações para resolverem problemas qu e têm uma
solução qúe cruza transversa lmente diversas unid ades orgânicas. Estamos, portanto, no domíni o da
com unicação horizo ntal nu ma orga ni zação. Podem ser, por exem plo, comi ssões, comités perma -
nentes ou grupos de tra balhos. Geralm ente, as co mi ssões e os gru pos de trabal ho fu nciona m numa
dinâmica formal, com um horizonte tem pora l à vista, quer dizer, uma vez cumprid o o obj_ectivo para
o qual foram criados são extintos. Surgem, ainda, nas orga nizações co m um a estrutura informa l as
des ignadas "cliqu es ", co nstituíd as por pess oa s qu e, por trabalh are m muito próx im o um as das
outras, se juntam para rea liza rem traba lh o, defend erem interesses comun s ou agirem co mo grupo
de pressão. As cli qu es acontecem porq ue as pessoas dentro das organ izações tendem a rea lizar tra-
ba lho numa din âmi ca de re lações horizonta is e não de relações ve rti ca is, ult rap assando, deste
modo, as divisões criadas pe la es pecialização e a hi erarqu ia, transforma ndo ass im a organização
nu m co njunto de redes de com unicação ou cl iques mais ou menos es pecializadas por interesses ou
ass untos, situadas nas suas diversas pa rtes e níveis. De facto, os diversos gru pos nos vá ri os níveis
de uma organização lidam com diferentes naturezas de informação, pelo que os problemas também
são diferentes. Ass im, os prob lemas estratégicos são tratados no vértice estratégico e os prob lemas
de produ ção ao nível do centro operacional co m utilização de lin guage ns diferenciadas.

Processo de tomada de decisão

Numa organ ização ex iste m geralm ente três tipos de processos de tomada de decisão: padrão
de estand ardi zação; domín io fun ciona l; nível hierá rqui co.

Padrão de estandardização

As dec isões podem ser programadas (estandardi zadas e não progra madas ou ad hoc). As deci-
sões programadas são rea liza.das seg und o períod os de tempo regw lares através de um processo
esta nd ardi zado. As deci sões não progra madas ou ad hoc aco ntecem em interva los de tempo irre-
gul ares e não obedece m a um padrão esta belecid o.

Domínio funcional

Os processos de tomada de decisão são fu ncionais qu and o se relacio nam co m as fun ções da
própria organização, en tre outras, fina nceira, de marketin g, de produção, etc.

Nível hierárquico

Fi na lm ente, os processos de tomada de dec isão podem se r catego ri zados tend o em atenção o
nível da orga niza ção em qu e a dec isão é rea li zada. Ass im , as dec isões podem se r estratégicas,
admin ist rativas e ope racionais.
Zeus e a Organização [ 109

Processos de tomada de decisão ad hoc

Este processo de tomada de decisão acontece quando um problema que surge no centro opera-
cional requer para a sua so lu ção uma decisão a realizar a nível do vértice estratégico. Nesta confor-
midade, o centro operacional deve, em simultâneo com a comunicação do problema, propor uma
so lu ção que, uma vez assumida e autorizada pelo vértice estratégico, desce pela linha hierárquica
até atingir o centro operacional a fim de ser implementada.

4.4 Tipologia das crises organizacionais

Começámos por fazer uma pequena comunidade


anarquista. Depois, verificámos que as pessoas não
obedeciam a regras.
Alan Bennett

Podemos compreender as crises organizacionais através de um modelo em que se estabelecem


quatro quadrantes, tendo em atenção o ponto de vista interno e externo os seus aspectos económi-
cos, organ izacionais e técnicos por opos ição aos soci; is e humanos (ver quadro 14).

Quadro 14 1Tipologia das crises organizacionais

ECONÓMICOS/ORGANIZACIONAIS/TÉCNICOS

Implosão do ambiente
Produção Falhas do macrossistema
Instalações, equipamentos Crises institucionais
Dados, informação, conhecimento Crises nacionais
Crises internacionais

INTERNAS EXTERNAS

Incapacidade de interiorização das


mudanças
Incapacidade de adaptação.
Falha estrutural
à mudança
Falta de comunicação
Falta de referências
Sabotagem
Turbulência social
Difamação, rumores, boatos
Rumores, difamação
Incapacidade dos dirigentes
Greves, boicotes
Actividades ilegais
Desinteresse

SOCIAIS/HUMANOS
11 O ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

4.5 Homeostasia
A ordem não é imposta a uma organização a partir do
nada, mas um equilíbrio conseguido a partir de dentro.
Jose Ortega y Gasset (1883-1955)

A vida das organizações deve ser gerida pela sustentação duma homeostasia organizacional,
quer dizer, através duma gestão parcimoniosa e inteligente dos equilíbrios e desequilíbrios que têm
a ver com os processos de tomada de decisão conducentes à afectação de recursos que são escas-
sos, tendo em atenção aquilo a que se designa por desenvolvimento sustentado. Esta é uma velha
questão. Chester Barnard (1886-1961) 31 defendia que uma verdadeira organização é aquela que pro-
porciona condições de desenvolvimento e de sucesso não só a si própria como aos indivíduos que
nela trabalham. Aliás, isto não é mais do que aquilo que cada pessoa, enquanto organismo vivo, faz
em relação aos equilíbrios internos e externos que tem de gerir, quer em relação à própria vida pes-
soal quer em relação à vida social. Por isso, a homeostasia de que falávamos, e que até podemos
chamar de êxito ou sucesso, começa em nós próprios, na nossa vida familiar, na nossa situação
dentro das organizações em que exercemos a actividade profissional ou na comu.nidade onde
expressamos as nossas opções políticas.
Queremos dizer que, para nós, a gestão do desporto não é uma actividade neutra, pois deve ser
socialmente comprometida, tal como o é o desenvolvimento humano que obriga a determinar o
tipo de sociedade que se deseja construir. Por isso, não é indiferente decidir se o país deve ou não
candidatar-se à realização dos Jogos Olímpicos. Tal opção, porque os recursos não são ilimitados e
existem outras prioridades sociais que se devem sobrepor ao desporto, sob pena do desporto se
transformar num simples instrumento político de alienação de massas, obriga a que o país, em
matéria de política desportiva, faça determinadas opções que acabarão por configurar o tipo de
sociedade desportiva que deseja construir. Quer dizer, tem de existir um equilíbrio entre os interes-
ses da generalidade dos portugueses que estão interessadas no desporto e no Olimpismo e os
interesses do Comité Olímpico de Portugal, que tem de cumprir a sua vocação e missão (que
decorrem da Carta Olímpica) através de uma gestão parcimoniosa dos recursos disponíveis.
Ora, isto só é possível a partir do conceito de "posição original" de John Rawls (1997, 2001) a que já
nos referimos. Em conformidade, o desenvolvimento e os processos de gestão a ele associados só
podem partir de uma ideia de cooperação entre todos, o que exclui à part1da qualquer privilégio mono-
polista no que diz respeito às mais diversas áreas e sectores de prática desportiva, sob pena de ficarem
prejudicadas as leis do jogo da cooperação. Ora, este é um dos principais problemas do Modelo Euro-
peu de Desporto que originará, certamente, muita discussão na União Europeia durante os próximos
anos, na medida em que vai ser necessário responder às seguintes questões:
1. Como é que pode existir cooperação se não está garantida a diversidade?
2. Como é que pode existir cooperação na base do pensamento único"
3· Como é que pode existir cooperação se se privilegia um modelo único de prática desportiva"

31
Mesmo sem ter conseguido concluir a licenciatura em economia na Universidade de Harvard, Chester Barnard obteve sete
doutoramentos honoris causa pelo seu trabalho no domínio do conhecimento da natureza das organizações. O trabalho
mais conhecido de Barnard é The Functions of Executive, onde defende a ideia de que muitos dos insucessos nas organiza-
ções ficaram-se a dever à falha das relações formais dentro das organizações Deste modo, Chester Barnard foi um dos pri-
meiros a contribuir para a construção da escola das relações humanas, ou psicossociológica, das organizações.
Zeus e a Organização [ 111

Por outro lado, a "posição original" tem de esclarecer a relação massajelite que deve presidir às
políticas desportivas. Esta é uma velha questão que, no fundo, procura esclarecer o valor da "elite
correspondente" (Castejon Paz, 1973) na gestão e controlo das políticas desportivas.
Como se pode ver no quadro 15, quando a performance é conseguida à custa do desenvolvi-
mento pessoal o insucesso acontece a médio prazo.
Nesta incessante busca da cooperação que, muitas vezes, até pode ser informal e acidental, é
necessário entender que só existe desenvolvimento pessoal, organizacional e social quando a taxa
de aprendizagem é superior à taxa de mudança. Isto é, quando a capacidade para aprender for
maior do que a velocidade a que as coisas mudam. Quando esta relação acontece, significa que se
caminha ao ritmo dos ponteiros do relógio da História, que se está actualizado e se é portador do
conhecimento mais actual. Nesta conformidade, é possível equacionar os problemas e delinear as
soluções. Mas, se a referida relação estagnou ou se se inverteu, quer dizer que o ritmo dos aconte-
cimentos acontece mais depressa do que a capacidade para os compreender, pelo que as pessoas,
as organizaçoes e até os países deixam de ser capazes de discernir para além daquilo que existe,
quer d1zer, não são capazes de perceber o que está a mudar. Claro que quando não se é capaz de
acompanhar o ritmo dos acontecimentos dá-se uma desactualização inexorável, desde logo pela
incapacidade para assimilar que, nos tempos que correm, a única coisa com que se pode contar
como garantida é que só a mudança é imutável, pelo que a cooperação franca é a única estratégia
possível de organização do futuro a favor das pessoas.

Quadro 15 Modelo de êxito pessoal x êxito organizacional

+
Ausência de resultados Sucesso a curto prazo - Boa
organizacionais - Insucesso a prazo dinâmica organizacional
"'o
"'"'
QJ
c..
o
.....
t:
QJ

E
·->
Insucesso a curto prazo Desvalorização das pessoas -
o Insucesso a médio prazo
>
t:
QJ
VI
QJ
t::l

(-) Performance da organização(+)

Uma concepção de desenvolvimento só pode acontecer se a partir das organizações de que


fazem parte pessoas razoáveis de uma forma descomprometida, a partir de uma "posição original"
à margem de qualquer tipo de monopólios, optem por princípios de liberdade e de diferenciação
orientadores que garantam uma maior justiça social numa base de equidade. O problema é que o
sistema fechado que hoje caracteriza o Modelo Europeu de Desporto já não apresenta as potencia-
lidades promotoras da justiça ·e da equidade que de alguma maneira o caracterizaram durante os
seus tempos originais.
[ Ateno e oTecnologia

Objectivos do capítulo. Atenas, deusa do sabedoria, dos artes e oficias, dos guerreiros e dos
artesãos simbolizo uma cultura de resolução de problemas e de descoberto de soluções próprios
dos artífices. Era uma deusa virgem, dedicado à castidade e ao celibato. Nesta conformidade, o
presente capítulo troto dos questões que têm o ver com o tecnologia do desporto e do próprio
gestão poro ensaiar construir uma tecnologia que caracterize o gestão do desporto. Foi elo que
deu à humanidade os rédeas poro amansar o cavalo. Inspirou os construtores de navios e ensi-
nou os agricultores o utilizarem o orado, o ancinho, o congo do boi e o corro de guerra. Por isso,
o conhecimento foi o base do seu poder e do suo influência, tal como hoje deve ser o base de
influência do gestor. Como paradigma de gestão represento um modelo em que cada elemento
do organização sobe precisamente o que tem o fazer. Caracterizo, ainda, uma cultura de forma-
ção de equipas de trabalho em rede, onde o arte envolve o gestão e o criatividade o burocracia.
Assim, no presente capítulo vamos ainda trotar os principais aspectos dos escolas de gestão onde,
numa perspectivo metafórico, se encontram o orado, o ancinho e, entre outros, os carros de
guerra do gestor moderno, quer dizer, o conhecimento proporcionado pelos mais diversos instru-
mentos de gestão que permitem, segundo o especialização do posto de trabalho e o consequente
formalização dos comportamentos contextualizados ao mundo do desporto, o existência do pro-
fissão de gestor de desporto. Concluímos com os questões relativos à situação desportivo e com
uma breve análise acerco do desporto em Portugal.

Os negócios são a combinação da guerra e do desporto.


André Maurois (1885-1967)

Qua lq uer actividade humana sustenta-se numa determinada tecnologia que tem de ser gerida
de acordo com determinados critérios· de racionalidade. Esta gestão pode ser realizada das mais
diversas maneiras, tendo em atenção diferentes aspectos determinantes do seu grau de sucesso.
Nesta conformidade, a tecnologia deve ser entendi da como mais uma variável que organiza a vida
das pessoas, das organizações e da sociedade. A técnica consubstancia a totalidade de todos os
métodos racionais em cada campo da actividade humana, pelo que, por exemp lo, a educação, o
32
direito, o desporto, a propaganda e as ciências sociais são tecnologias (Jacques Ellul , 1967) .

Entre a ciência e a técnica

Muitas vezes, o conceito de técnica confunde-se com o de ciência. Muito embora estes dois con -
ceitos estabeleçam entre si relações de grande complexidade, de uma maneira expedita podemos

32
Ellul, J. (s.d.) . La Technique ou L'Enjeu du Siede, Colin, obra citada por Jean-Marie Brohm na apresentação do livro Sport,
Culture ll( Répression, Paris, Maspero.

AGONGD-08
114 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

dizer que a ciência deve ser entendida como "o porquê" das coisas e a técnica como "o como". No
entanto, deve considerar-se que existe muita tecnologia que foi e é desenvolvida sem qualquer
suporte científico. Esta realidade é um dos grandes problemas do próprio desenvolvimento do des-
porto em geral e do processo do ensino, do treino e da orientação da competição em especial, na
medida em que os envolve num empirismo repetitivo sem qualquer sentido crítico e, em conformi-
dade, limitador da evolução e do progresso. O "just do it" da Nli< E representa bem a valorização do
"como" em prejuízo do "porquê". Ora, quando no domínio das relações humanas o "como" se
repete sem que os responsáveis se perguntem "porquê", é porque o sistema estagnou e vai a cami-
nho da entropia, na medida em que as pessoas deixaram de ser a origem e o fim, para passarem a
ser o meio ao serviço de objectivos que geralmente não têm nada a ver com os seus interesses.

Soluções desactualizadas

Nestas circunstâncias, dizemos que as soluções ficaram desactualizadas. E ficaram desactualiza-


dos porquê) Porque os avanços técnicos, ao serem seguidos por ajustamentos sociais e culturais
que procuram enquadrar as novas tecnologias, preparam, ao mesmo tempo, novas inovações tecno-
lógicas. Quer isto dizer que, nas palavras de Norberto Elias (1992), a solução dum problema altera a
natureza do próprio problema.

5.1 Desporto

Tornou-se chocantemente óbvio que a nossa tecnologia


excedeu a nossa humanidade.
Albert Einstein (1879-1955}

Donald Guay (1993), professor de História e de Filosofia do Desporto na Universidade de Quebe-


que em Trois-Riviêres, diz-nos, no seu livro La Culture Sportive, que "a análise conceptual é um
método empírico que permite, com a ajuda de indicadores suportados na realidade, identificar e defi-
nir as dimensões de um fenómeno nas suas especificidades e descrevê-lo no seu funcionamento".
Portanto, a realidade a observar e a estudar é ·apurada através da utilização de instrumentosjconcei-
tos suscepHveis de permitirem a objectivação e compreensão do fenómeno desportivo. Diz-nos
ainda o mesmo autor que, por paradoxal que possa parecer, a definição do conceito de desporto tem
de passar por um processo de abstracção através do apuramento duma bateria de dados empíricos
possíveis de conceptualizar.

Definir desporto

Ao longo do século passado foram realizadas diversas tentativas para definir a palavra desporto.
Pese embora a sua variedade e diversidade são alguns os autores que continuam a concluir pela
impossibilidade de definir o conceito. Segundo Norbert Elias (1992), o termo desporto é utilizado
nos nossos dias de uma maneira bastante vaga e até aberta, de forma a "abranger confrontos de
jogos de numerosos géneros". O autor faz mesmo uma comparação com o termo "indústria", que
tanto pode ser utilizado de uma forma específica como num sentido lato, com uma abrangência
sobre diversas actividades de diferentes estádios de organização e de desenvolvimento.
Atena e a Tecnologia [ 115

Vejamos, então, algumas definições do conceito de desporto:

Dicionário Larousse: Prática metodológica de exercícios físicos com a finalidade de aumentar a


força, a destreza e a beleza do corpo; ~
Pierre Coubertin (1934): Desporto é um culto voluntário e habitual de exercício muscular intenso
suscitado pelo desejo de progresso e não hesitando em ir até ao risco;

Georges Hébert (1935): Todo o género de exercícios ou de actividades físicas tendo por fim a rea-
lização de uma performance e cuja execução repousa essencialmente sobre um elemento definido:
uma distância, um tempo, um obstáculo, uma dificuldade material, um perigo, um animal, um
adversário e, por extensão, o próprio desportista;

Bernard Gillet (1949): Actividade física intensa, submetida a regras precisas e preparada por um
treino físico metódico;

Johan Huizinga (2003): No seu já célebre livro Homo Ludens, Um Estudo sobre o Elemento
Lúdico da Cultura, definiu jogo da seguinte maneira: jogar é uma actividade ou ocupação voluntária
executada dentro de determinados limites de tempo e de lugar de acordo com regras livremente
aceites, mas absolutamente obrigatórias tendo o seu objectivo em si próprio, e sendo acompanhado
por um sentimento de tensão, alegria e consciência de que isso é diferente da vida normal;

George Magname (1964): Desporto é uma actividade de lazer cuja dominante é o esforço físico,
praticada por alternativa ao jogo e ao trabalho, de uma forma competitiva, comportando regras e ins-
tituições específicas, e susceptível de se transformar em actividades profissionais;

Roger Caillois (1967): Conforme especificámos no ponto 3.1 do presente trabalho, este autor
organiza uma estrutura de classificação dos jogos em quatro categorias horizontais e duas verticais.
33
As categorias que organiza horizontalmente são agôn (competição) alea (sorte), mimicry (simula-
,

cro), ilinx (vertigem). Segundo o eixo vertical utiliza dois conceitos: paidia (agitação), que na sua ra1z
significa criança em grego e relaciona-se, no seu quadro conceptual, com uma manifestação exube-
rante e espontânea do prazer do instinto de jogar pelo que a Paidia também é a deusa do diverti-
mento, e ludus (disciplina), do latim, pode ser traduzido como jogo, desporto ou escola, pois implica
disciplina e treino.

Luigi Volpicelli (1967): Para este autor não se pode falar de desporto onde falta a cientificidade
das suas regras e suas tácticas, do seu treino, das suas medidas, em suma, da organização racional
do rendimento da máquina humana;

Michel Bouet (1968): Define desporto como a procura competitiva (actual ou potencial) da perfor-
mance no campo do movimento físico afrontado intencionalmente com dificuldades. É, diz-nos ainda,
o emprego sistemático e preciso da medida dos tempos e das distâncias e da contagem de pontos;

Pierre Laguillaumie (1970): Para este autor, desporto é sobretudo uma organização mundial
dominada por um governo internacional desportivo, o Comité Olímpico Internacional, pelas Federa-
ções Internacionais e por todos os organismos desportivos privados ou públicos que gerem, admi-
nistram, dirigem e controlam o desporto;
P. C. Macintosh (1970): Desporto refere-se a todas as actividades físicas que não são necessaria-
mente para a sobrevivência do indivíduo ou da raça e que são dominadas por um elemento compul-
sório. Para este autor, conforme vem expresso no seu famoso livro Desporto e Sociedade, uma classi-
ficação deve estar de acordo com a satisfação que cada desporto dá e não sobre a estrutura da
actividade que ele determina;

33
"Agôn", em grego antigo, significava competição.
116 ] Agôn 1 Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Jean-Marie Brohm (1976): Dá-nos, segu ndo as suas própri as pa lavras, uma visão dialéctica e expli-
cativa. Para o autor, desporto é um sistema institucionalizado de práticas co mpetitivas de dominante
física, delimitadas, codificadas, regul amentadas co nvencionalmente, cujo obj ectivo é, sobre a base de
um a co mparação de perform ances, de ex plorações, de demonstrações e de prestações fís icas, des ig-
nar o melh or concorrente (ca mpeão) ou registar a melhor perform ance (reco rd e).
David Miller (1992): No livro denomin ado Revolução Olímpica, so bre a biografi a olímpica de Ju an
Antonio Samaranch, diz-nos que no mu ndo existem cinco idiomas fund amentais: o dinheiro, a política,
a arte, o sexo e o desporto. O curioso é que este último, em desenvolvi mento crescente desde há um
sécu lo, reúne elementos de todos os outros quatro. Podemos acrescenta r um quinto idioma que tam-
bém está presente no des porto que é o da droga. Ou até um sexto, sobretudo a partir dos recentes
acontecimentos, a corrupção. Di remos então que existem sete idiomas u ni ve rsa i s~ o dinheiro, a política,
a arte, o sexo, a droga, a corrupção e o des porto. O desporto reú ne todos os outros.

Conselho da Europa
Na perspectiva da "Carta Europeia do Desporto", aprovada pelos Ministros Europeus responsáveis
pelo desporto, reunidos na 7-a Conferência nos dias 14 e 15 de Maio de 1992, em Rhodes, o Çonselho da
Europa define desporto da seguinte maneira:
Entende-se por "desporto" todas as formas de actividade flsica que, através de uma participa-
ção organizada ou não, têm por objectivo a expressão ou o melhoramento da condição flsica e psí-
quica, o desenvolvimento das relações sociais ou a obtenção de resultados na competição a todos
os nfveis.
L-------------------------------------------------------------------~ -, ,
I
\

Súmula das definições

Destas defini ções decorre que o des porto envolve exe rcíc io físico, com petição, desafi o, esforço,
luta, apet rechos, estratégia e táct ica , princípi os, obj ectivos, in stitui ções, reg ras, cla ss ificações,
tempo livre , jogo, verti gem, aventura, investi gação, dinheiro, lazer, so rte, rendim ento, simul ação,
códi gos, res ultados, prestações, treino, força , destreza, medição, tempo, es paço, beleza, medida,
voluntari smo, <morte, etc.

O desporto como fenómeno macrossocial

O jogo é um a oco rrência qu e acontece in tegrada na vida e nos hábitos culturais de cad a um e de
cada sociedade, já o des porto é um modelo qu e se processa à esca la do pl aneta. Quer dizer, é um
jogo in stitu cionali zado, na med ida em que existe um códi go (o da civilização indu stri al) ao qual o
jogo se subm ete e sujeita, transformando-se em prática despo rtiva form al e estan dardizada. É um a
in stituição social, po is o despo rto conté m va lores recon hecidos so bre o po nto de vista social à vo lta
· dos qu ais as pessoas se congrega m e orga niza m. O des porto, co mo se sa be, atin ge um a diversid ade
muito ampl a de valores qu e confi guram a soc iedade modern a. Em co nfo rmidad e, é uma form a de
envolvi mento social, poi s cri a diversos padrões de envolvimento, tais co mo o dos praticantes (envol-
vim ento de nível primário), o dos co nsumid ores e o dos prod utores qu e pod em se r estabelecidos
através de processos emin entemente afectivos (p. ex.: os adeptos e as cl aq ues) e de con hecimento
(p. ex.: os médicos ou os juristas li gam-se ao des porto através de um co nhecimento es pecífi co).
Atena e a Tecnologia [ 117

Microssocial

O desporto como fenómeno microssocial comporta as seguintes instit4ições:


• Sociais : A escola, a família e demais sectores e subsectores do sistema desportivo;
• Regulamentado ras: Os normativos económ icos, legais e po líticos que enquadram o mundo
das práti cas despo rtiva s;
·Culturais: A reli gião, os media, as arte s, bem co mo os produtos desportivos de cariz cultural.
Por isso, o desporto é:
·Um jogo que acontece, "a game occurence", como refere Don Calhoun (1981);
• Um jogo in stituciona lizado;
• Uma in stituição social;
• Uma categoria de envo lvimento socia l.

Quadro 16 I Processo de institucionalização dos Jogos

. Processo de
Itens Jogos tradicionais Jogos institucionais
institucionalização
Sistema de controlo Tradição Autoridade oficial

Regras Flutuantes que admitem variações Precisas escritas e reconhecidas

Integradas nas dinâmicas culturais tiependem de instâncias superiores


Hierarquia Estandardização
das regiões nacionais e internacionais
Concentração
Ligadas às opções políticas
Desenvolvimento Informa l Sincronização e espectacularidade
Maximização
Organização Autogestão; co-gestão Formal
Centralização
Gestão Microcosmos Tradicional
Especialização

Dimensão social Macrocosmo Macrocosmo

Ignoradas pelo processo. Integradas no processo


-Economia
socioeconómico socioeconómico

Baseado em Pierre Parlebas, 1981'; Alvin Toffler, 1986

Jogo com etit~o

Na linha de Roger Cai llois, o desporto é um a certa categoria de jogo, isto é, uma forma de jogo
com petitivo, cujo resultado é determinado por destrezas física s, estratégia ou so rte, empregues indi-
vidu alm ente ou em grupo e jogad as segundo regra s padronizada s e in stitu cionalizadas. Portanto,
desde que o jogo passou aquilo a que na acepção "Toffleriana" podemos designar como código da
civi lização industrial, transformou-se em desporto, havendo assim uma linha de continuid ade, por
mudança de paradigma, entre o jogo praticado na sociedade agrícola e o desporto na industrial.
118 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

... Do jogo ao desporto

Alvin Toffier (1980) organizou um esquema de pensamento em que justificou a passagem da


sociedade agrícola (1 a vaga- a sociedade do jogo) para a sociedade industrial (2." vaga - a socie-
dade do desporto), através de um proces so caracterizado por seis variáveis a que ele denominou de
código ocu lto da civi lização industrial, a que já nos referimos. Podemos verifi car que existem deter-
minadas categorias (itens) que diferenciam, sob o ponto de vista in stitucional, o jogo do desporto
(ver quadro 16). Os sistemas de controlo, as regras , a hierarquia, o desenvolvimento, a organização,
a gestão, a dimensão social e a economia. Estes aspectos são aqueles que, tocados pelo processo
organizacional da revolução indu strial , diferenciam as actividades do jogo daquelas ç!o desporto .
• O desporto é, na nossa perspectiva, uma actividade human a composta por cinco elementos de
conteúdo psicológico, sociológico, político e organizacional. São eles:
1. jogo; 4· Instituição;
2. Movimento; 5· Projecto.
3· Agonística;

Quadro 17 1Modelo pentadimensional de geometria variável

JOGO

3 z
~z ------------------------------------------------------------------------------------l----------------------------------------------------------------------------------- §c
o ~
~ ~
~ o

MOVIMENTO

Cada uma destas componentes pode assumir uma determinada valência e tod,as em conjunto
uma con ~guração específica, de acordo com a estratégia a adoptar em relação ao denário de acção
em que se está a operar. Estamos, ass im, numa dimens ão ecossistémica e de g~ometri a variável
(ver quadro 17).

Ecossistema desportivo

É um espaço de equilíbrio entre as actividades desenvolvidas pelos diversos sectores desporti-


vos e as próprias dinâmicas políticas, económicas, socia is e eco lógicas. Configura-se num quadro
onde se organizam uma multiplicidade de respostas a um. sistema que deve primar pela sua diver-
sidade. Por isso, é necessário haver uma co-respons~ilização das partes envolvid as num projecto
de transformação social. Sem que nenhuma delas abaique das suas re spo nsabilidades, sem que
nenhuma delas se queira sobrepor às outras, num proces so de justiça com equ id ade.
Atena e a Tecnologia [ 119

·Elementos

Vejamos, então, os elementos que constituem as 5 componentes que determinam a definição


de desporto:
1. Componentes lúdicas (jogo): competição; sorte; simulacro; ordem; desordem; vertigem; etc.
2. Componentes agonísticas: agressividade; tensão; supercompensação de complemento;
supercompensação de superação; supercompensação de substituição34 ; exibicionismo; frus-
tração; etc.
3· Componentes do movimento: força; velocidade; resistência; flexibilidade; etc.
4· Componentes institucionais: memórias (constituídas por um vasto sistema de imagens, de
recordações e de emoções, que funcionam, segundo Bernard jeu (1987), como uma recapitu-
lação estilizada das nossas experiências ancestrais, regulação discreta das nossas condutas
presentes e modelo incontornável da nossa criatividade); sistemas de valores; sistema de
interesses; o ilegal; o proibido; as tradições; o legal; os compromissos; etc.
5· Componentes do projecto: uma ideia de projecto é de fundamental interesse para a definição
de desporto sob pena do próprio desporto se transformar num instrumento de alienação de
massas. Uma ideia de futuro; o contexto, os objectivos; as estratégias; os programas; os recur-
sos humanos; os recursos materiais; os recursos financeiros; a execução; as correcções.

Por isso, Manuel Sérgio (1986b) diz-nos que "a motricidade surge e subsiste como emergência
de corporeidade, como sinal de que se está no mundo para alguma coisa, isto é, como sinal de um
projecto". Na realidade, é esta ideia de projecto, e de desporto, como uma das vertentes mais signi-
ficativas da motricidade humana que não se deve perder de vista. Não se deve, sobretudo, abdicar
de princípios em nome de qualquer pragmatismo conjuntural, sem conteúdo teórico e por conse-
guinte sem rosto ideológico, que da gestão das práticas desportivas tem uma visão corporal ou
administrativa, burocratizante e asfixiante.

5.2 Escolas da Gestão

Não existe nada mais ineficiente do que alguém supereficiente


a fazer empiricamente coisas que não deviam ser feitas.
Anónimo

O desenvolvimento teórico da problemática da gestão é uma questão recente, na medida em


que foi só a partir do início da revolução industrial que, de facto, os problemas teóricos levantados
pela própria organização do trabalho começaram a ser colocados. Vasconcellos e Sá (1997) refere
que em 1943, quando Peter Drucker (1909-2005) foi convidado por Alfredo Sloan, Presidente da
General Motors, para fazer um trabalho de consultaria, foi à biblioteca Municipal de Nova Iorque e.
procurou nos ficheiros quais os livros disponíveis sobre gestão. Concluiu que eram poucos e todos
sobre áreas funcionais de contabilidade, gestão financeira, fiscalidade e "engineering", etc.

34 Para Michel Bouet (1968), o desporto assume para as pessoas uma espécie de supercompensação, uma forma de sublima-
ção das frustrações da própria vida, numa panóplia de características que podem ir até a estados de autêntica patologia. O
autor distingue três tipos de supercompensação: de complemento; de superação; de substituição.
120 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Na realidade, na história da humanidade existiram poucas situações em que foram necessários


procedimentos especiais no domínio da organização e gestão do trabalho, para além daquelas que
eram determinados pelos ritmos da Natureza. A organ ização do traba lh o humano em larga esca la,
com as necessárias movimentações de pessoas e materiais, a requererem níveis de coordenação e de
logística sofi sticados, com utilização de recursos financeiros significativos não era muito usual. Para
além das grand es co nstruções, da guerra, da igreja e das universidades, não se enco ntram mais exem-
plos. De qualquer maneira, como se pode veri ficar no quadro, desde sempre a questão da organiza-
ção no sentido de "dispor para funcionar" esteve nas preocupações das pessoas (ver quadro 18).

Quadro 18 I Cronologia da Gestão

1900 Administração científica Frederick Taylor

1800 Procedimentos padronizados de operação James Watt

1776 Aplicação do princípio da especialização ao trabalho Adam Smith

1426 Contabilidade de custos Arsenal di! Veneza

400 a. C. Princípio da especialização Platão

400 a. C. Universal idade da gestão Sócrates

3000 a. C. Necessi9ade de pensamento estratégico - "A arte da guerra" Sun Tzu

4000 a. C. Reconhecimento da necessidade de planear, organizar e controlar Egípcios

Etimologia

A literatura publicada sobre os conceitos de organização, gestão, "management", administração é


dispersa e ambígua. Estes termos são utilizados das maneiras mais variadas pelos diversos autores,
muito embora, nos campos da teoria da adm inistração, da teoria da gestão ou "management", ou aind a
da teoria da organização, geralmente, os assu ntos tratados, embora com perspectivas diferenciadas, aca-
bem por aborda r as mesmas problemáticas. Por exemplo, a palavra "management" tem provavelmente
a mesma raiz latina que "menagement" , palavra francesa do sécu lo XV I derivada de "ménager", que sig-
nifica di spor, regular com cuidado e destreza (in Petit Robert, 1976). No entanto, esta palavra não tem
uma correspondência de tradução directa para português. A palavra "management", utilizada nos países
anglo-saxónicos, e até mesmo em França, não é geralmente utilizada em português, embora exista uma
"Associação Portuguesa de Management" (http:f j www.apmanagement.com .pt/).
Na lin guagem comum utilizamos o termo gestão. No entanto, entre os co nceitos de organ iza-
ção, gestão e adm ini stração surgem algu mas questões quanto ao verdadeiro significado de cada
um deles. Para alguns autores, organização é o conceito maior do qual devem partir todos os
outros. Consiste na agregação dos conceitos de gestão e adm ini stração numa nova di sciplin a deno-
minada de teoria das organizações, ou "organizaciologia", que passaria a englobar tudo o que se
relacionasse co m a gestão dos negóc ios públicos ou privados (Kast e Rosenzweig, 1970). Nesta
conformid ade, uma teoria da orga ni zação do desporto poderia se r definida como se nd o um co n-
junto de princípios, proposições, con hecimentos e técnicas inter-relacionados e coerentes, aplicá-
veis à comp reensão e ao funcionamento dos siste mas e organ ismos desportivos, bem como ao
~
-
Atena e a Tecnologia [ 121

mund o das práti cas des portivas, co m o objectivo de o gerir ej ou adm ini strar e, deste mod o, alcan-
ça r, através de um processo de pl anea mento, obj ectivos pré-esta belecidos. Co ntudo, não nos pode-
mos esqu ece r, como vimos anteriormente, qu e a ex pressão "a orga ni zação faz a organização da
orga ni zação" nos indi ca qu e, geralm ente, a pa lav ra é utilizada indi sti ntame nte no di scurso co mum.

O fato-macaco

É no século XIX que a civilização se torna amarga: toda a Europa vestiu o fato-macaco. Daí
em diante, o que predominou na civilização foi ter consciência social, aspirações educacionais,
juízo científico. Esta sobrevalorização grotesca do factor económico foi condicionada pela nossa
veneração do progresso tecnológico, ele próprio fruto do racionalismo e do utilitarismo depois des-
tes terem aniquilado os mistérios e libertado o Homem da culpa e do pecado. Desprovido .do
sagrado e do lúdico - dois atributos quase equivalentes - o Homem entregou-se à construção de
um mundo industrial, vistoso mas vulgar, segundo os padrões da sua própria vulgaridade: as ninfas
e os pastores já não dançam.
George Steiner, in prefácio ao Homo Ludens

Administração x Gestão

Foca lizando ago ra a nossa atenção sob re as qu estões relativas aos co nce itos de admini stração
e gestão, podemos estabelece r algum as diferenças , muito embora se reco rde qu e, no domínio das
ciências soc iais, os con ceito s aca bam se mpre por ter uma din âmi ca muito própri a em fun ção do
ambi ente aond e estão a se r utili zados.
A noção de admini stração tem estado mais ligada à admini stração públi ca, já que trad icional-
mente foi esta a única ad min istração que teve interferência na vida das pessoas. Por isso, o con-
ce ito adm ini stração co nfund e-se, mui tas vezes, co m admini stração públi ca, em virtud e de a admi-
nistração estatal ter sid o, du ra nte muito tem po, a úni ca qu e era con heci da (J . Cheva lli er & D.
Loschak, 1980). Podemos di ze r que o term o gestão tem sido, geralm ente, uti lizado para referir enti-
dades co merciais, porta nto associado às qu estões dos negócios e da renta bili zação das apli cações
fin ance iras. Vejamos , então, o qu e se passa em relação a cada um dos co nce itos.

A ciência administrativa

A ori gem da ciência admin istrativa europe ia está li gada ao co ntexto po lítico prec iso que corres-
ponde à fase da co nstru ção do Estado-N ação. Em França, nos séculos XV II e XVII I, sob o nome de
"ciência da políti ca ", ini ciou-se o dese nvo lvimento de uma ciência ad mini stra tiva em que predo mi -
nava m propós itos técn icos e burocráticos. Fora m elaborados num erosos cód igos de pol ícia, dicio-
nários ad mi nistrati vos e outros , redigid os por ju ris tas ou práti cos, que no fundo eram sínteses
empíri cas destin adas a inform ar sobre práticas admini strativas e os meios pa ra ga rantir a boa ges-
tão dos se rviços (J . Chevalli er & D. Loschak, 1980). Segundo os autores citados, pode-se di ze r que a
noção de admini stração se en contra dividi da entre aquilo a qu e se pode denomin ar de perspecti va
juri sd iciza da dos fenómenos admini strativos, qu e se proj ecta no estudo da ad mini stração públi ca e
está mais desenvolvi da nos países Eu rope us, e uma pe rspecti va mais integradora, desenvo lvi da
nos Estados Unidos , que se projecta, funda menta lm ente, no estud o das organ izações.
122 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Administração pública

e variado que só pode


O conceito de administração pública enquanto categoria é tão abstracto
ser descrito em termos gerais, amorfos e de oposição (Rosenbloom, 1989). A administração
pública é, "em sentido material, o conjunto de decisões e operações mediante as quais o Estado e
outras entidades públicas procuram, dentro das orientações gerais traçadas pela política e directa-
mente ou mediante estímulo, coordenação e orientação das actividades privadas, assegurar a satis-
fação regular das necessidades colectivas de segurança e de bem-estar dos indivíduos, obtendo e
empregando racionalmente, para esse efeito, os recursos adequados" (M. Caetano, 1984). Numa
perspectiva europeia, a administração é integrada por um conjunto de decisões e operações
mediante as quais alguém procura prover a satisfação regular de necessidades humanas, obtendo e
empregando racionalmente, para esse efeito, os recursos adequados. Nestas circunstâncias, admi-
nistrar exige racionalidade na utilização dos recursos, sem integrar uma perspectiva económica,
entendendo-se esta numa dimensão de obtenção de lucro.

Entre o macro e o micro

Para Tezenas Montecel (1972), administração implica uma actividade contínua com finalidade de
manter a organização em consonância com os seus objectivos e garantir um funcionamento eficiente.
Nesta perspectiva, a administração em sentido alargado pode ser entendida como "a parte da gestão
encarregada de exprimir os objectivos da organização em directivas de acção". Ou, num sentido mais
restrito, como o "conjunto de processos que asseguram o funcionamento quotidiano da empresa".
Se, por exemplo, consultarmos a enciclopédia luso-brasileira, verificamos que administração é:

·A acção ou efeito de administrar; · Gestão;

·Governo; · Governar, gerir o Estado.

· Gerência;

Burocracia em excesso

Por vezes, o conceito de administração pública está, também, ligado a uma ideia de excesso de
burocracia, de processos pesados, de sistema de inutilidade, de dependência politico-partidária e,
principalmente, de ineficiência. Mesmo a nível do desporto em Portugal, desde que se iniciou a
intervenção do aparelho estatal a partir de finais dos anos trinta, com a criação da Organização
Nacional da Mocidade Portuguesa, nunca mais a administração pública deixou de ter uma actua-
35
ção tutelar, por vezes "paternalista", por vezes desinteressada, sobre o mundo do desporto .

Gestão

Uma das justificações que tem feito, nos últimos anos, os organismos públicos trocarem a pala-
vra administração pela de gestão, tem sido a tentativa de se demarcarem da ideia de ineficiência que,
por vezes, envolve a primeira. Na realidade, pelas situações idênticas à que acabámos de referir, que

35
Ultimamente, com Manuel Brito (durante o XIV e XV Governos Constitucionais) e José Manuel Constantino (durante o XVI
e XVII Governos Constitucionais), parece ter-se iniciado uma nova era em que a administração pública desportiva (Instituto
do Desporto de Portugal) se tem vindo a assumir como uma entidade que controla verdadeiramente o desporto federado
através da institucionalização de uma dinâmica continuada de auditorias que salvaguardam a boa utilização dos dinheiros
públicos afectados.
-
Atena e a Tecnologia [ 123

nos últimos anos têm vindo a acontecer, a própria administração pública tem estado a adoptar o
conceito de gestão como forma de contrariar a ideia de burocracia e imobilismo que, algumas vezes,
se encontra ligada à ideia de administração. Tem vindo a fiexibilizar a sua própria gestão e, em con-
sequência, a abandonar o conceito que lhe deu origem. No entanto, para alguns autores, o termo
administração continua a ser utilizado na sua categoria máxima. Por exemplo, para Chiavenato
(1983) a administração não é mais do que a condução racional das act'lv1dades dentro de uma orga-
nização, quer ela tenha fins lucrativos ou não. Na sua obra Teoria Geral da Administração, um "best-
-seller" em Portugal, utiliza o conceito de uma forma aberta e descomprometida, se quisermos, de
uma forma indiferenciada em relação ao conceito de gestão. Na enciclopédia luso-brasileira pode-
mos encontrar para o conceito de gestão o seguinte desenvolvimento:
·Acção de gerir;
·Administração;
· Conjunto de operações de uma empresa durante um determinado prazo.
Diz-se ainda que no seu sentido genérico significa "qualquer administração de bens ou negócios
próprios, alheios, privados ou públicos". Como podemos verificar, existe muitas vezes uma conside-
rável indiscriminação na utilização dos termos e verificamos que, na bibliografia mais difundida, os
termos gestão e administração são utilizados de forma variada sendo, por isso, difícil estabelecer
uma regra de contornos precisos. Como referimos, à parte do conceito de gestão estar mais próximo
da actividade económica do que o conceito de administração, não se conseguem identificar mais
aspectos que os diferenciem. Logo que os tentamos esclarecer nas suas especificidades começam a
surgir dificuldades, na medida em que cada um deles necessita do outro para a sua própria defini-
ção. Esta situação fica a dever-se ao facto do objecto de análise e os processos metodológicos da
"ciência" da administração e da gestão não terem deixado de evoluir ao longo dos tempos. As "ciên-
cias" da administração ou gestão até agora não pararam de se desenvolver, pelo que ainda não têm
um paradigma de referência estável no que respeita ao apuramento e afinação de conceitos. Em con-
formidade, é sempre possível que existam algumas contradições em todo este processo. Saber viver
com elas deve fazer parte da personalidade do gestor. Portanto, vamos necessariamente continuar a
ter uma panóplia de discursos segmentados, por vezes fechados, inacabados, a encobrirem algumas
dificuldades e ineficiências. Temos de nos habituar a viver com eles. São os discursos de todos aque-
les para os quais a administração e a gestão são necessárias ao desenvolvimento das suas activida-
des: é o discurso dos juristas, dos funcionários da burocracia e da administração, dos economistas,
dos sociólogos, dos gestores, dos professores e dos profissionais de Educação Desportiva, entre
outros. Quer dizer, são discursos contextualizados que, embora com uma raiz mais ou menos
comum, determinam a linguagem própria de cada grupo profissional. Ou seja, o trabalho que é reali-
zado pelo gestor enquanto profissional generalista está a mudar. De facto, o trabalho no domínio
dos mais diversos ambientes que é necessário gerir, está a ganhar especificidades próprias. A vida, a
sociedade e o desporto complexificaram-se, pelo que o próprio desporto tornou-se uma actividade
com um nível de exigência que requer outras competências e atitudes na sua gestão.
Para concluir, podemos dizer que tanto a administração como a gestão têm como objectivos
afectar e coordenar recursos, tais como pessoas, dinheiro, materiais, informação, tempo e símbo-
los, nos diferentes tipos de organizações que funcionam em contextos próprios.

Escolas da gestão

As questões culturais de cada tempo têm conferido aspectos específicos aos modelos de gestão
que caracterizam cada época. Compreender é comparar, é ter a capacidade de discernir em relação
124 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

a um passado a evolução no tempo das grandes tendências organizacionais que conduziram a


acção dos Homens no quadro da vida em sociedade. É, também em relação a um tempo presente,
a capacidade de comparar, articular e integrar os aspectos mais relevantes que conduzem os
Homens e as empresas na organização do futuro.
Desde os modelos dos organismos fechados até às perspectivas contingenciais em que a incidên-
cia é focalizada no ambiente e nos aspectos tecnológicos, existe um conjunto de perspectivas que
caracterizam a maneira como as organizações foram geridas ou administradas ao longo dos tempos:
1. Perspectiva clássica;
2. Perspectiva psicossociológica;
3· Perspectiva estruturalista;
4· Perspectiva sistémica;
5· Perspectiva contingencial.

Estado puro

É evidente que nenhuma destas perspectivas pode ser considerada no seu estado puro. Ao
longo do tempo cada uma delas, na sua evolução, tem sido contaminada pelas que vão surgindo e
cada uma nova que surge está marcada pelas que a antecederam. "'

5.2.1 Perspectiva clássica


À escola clássica ficaram ligados, entre outros, dois autores que interessa por agora considerar:
Frederick Winslow Taylor (1856-1917), nos Estados Unidos da América, e Henri Fayol (1884-1925),
deste lado do Atlântico.

Frederick Taylor (1856-1917)

Foi o primeiro homem da História que, segundo Peter Drucker (1909-2005), não considerou o
trabalho como "simples favas contadas". A perspectiva clássica de gestão enquadra os aspectos da
organização que podem ser comparados ao funcionamento de uma máquina. É a ideia da organi-
zação-máquina que está de tal maneira arreigada no modo de pensar das pessoas que, muitas
vezes, dificilmente conseguem pensar de outra maneira. Vivemos numa era de tecnologia domi-
nada pela necessidade de utilizarmos constantemente máquinas pelo que temos, em muitas situa-
ções, uma visão mecânica do mundo. Taylor, a par de outros tais como o casal Frank Gilbreth
(1868-1924) e Lillian Gilbreth (1878-1972) 36 , estudou o método de trabalho, quer dizer, os tempos
de execução e os movimentos das diversas tarefas produzidas pelos operários, presumindo que a
partir da racionalização do trabalho no centro operacional da organização se poderia in~uenciar e
reorganizar toda ela a partir do topo da estrutura. Nenhuma organização pode dispensar totalmente
os processos de gestão sustentados na perspectiva máquina. Quer dizer, toda a organização tem
necessidade de rotinas que lhe permitem viver sem estar, todos os dias, a inventar tudo de novo,
quer dizer, "a inventar a roda". Taylor acabou por ser um maníaco do cronómetro.

36
O casal Frank Gilbreth (1868-1924) e Lillian Gilbreth (1878·1972) desenvolveu estudos no sentido de apurar a "endurance"
e a fadiga muscular dos operários. Era um método bastante sofisticado e sistemático de análise dos tempos e dos movi-
mentos, tendo em atenção os limites psicológicos e físicos da capacidade humana e a importância de um bom ambiente
físico para as condições de trabalho.
Atena e a Tecnologia [ 125

Princípios de Frederick Taylor

A gestão das organizações deve basear-se em quatro princípios (Chiavenato, 1983):


1. Desenvolvimento de um espírito científico e construção de uma ciência do trabalho;
2. Selecção e formação dos operários, segundo um método científico;
3· Informação aos operários dos seus próprios resultados de forma a provocar um maior inte-
resse pela produção;
4· Equidade na divisão do trabalho e da responsabilidade entre os operários.

Para Taylor, os elementos da administração científica eram os seguintes:


• Estudo do tempo e dos movimentos;
· Sistema de classificação de produtos;
• Criação de sistema de rotinas de trabalho;
• Padronização de ferramentas e instrumentos;
· Planeamento das tarefas e cargos;
• Fichas de instruções de serviços;
• Supervisão funcional;
· Prémios de produção.

Frederick Taylor no desporto

Taylor dedicou-se ao estudo e análise das diversas componentes da execução do trabalho


manual, na procura de uma eficácia cada vez maior, tendo mesmo realizado algumas incursões no
domínio do desporto, já que até chegou a conseguir alterar as regras do baseba/1 provando que lançar
a bola por alto era mais eficaz do que se ela fosse lançada por baixo, muito embora não tenha con-
seguido convencer os dirigentes do ténis que uma raqueta em forma de colher seria mais eficaz do
que as de forma oval (C. Kennedy, 1991).
É evidente que tanto no mundo das empresas como no mundo do desporto o taylorismo ainda
está presente nos métodos de trabalho desenvolvidos. No que diz respeito ao desporto formal direc-
cionado para o rendimento e para o espectáculo, Taylor é bem o treinador de muitas equipas que
competem por esse mundo fora. O estudo e a aplicação estandardizada de tempos e movimentos
em relação a determinados objectivos que se desejam atingir continua a ser de fundamental utili-
·dade na organização do trabalho, através da implementação de rotinas e de formas jogadas (coorde-
nação do trabalho, conjugação do trabalho, fiuxos de trabalho) nas equipas de jogos desportivos
colectivos. Contudo, não se pode esperar que, de uma forma automática, as transformações de qua-
lidade conseguidas no processo de produção que acontecem no centro operacional subam até ao
vértice estratégico das mesmas . De facto, podemos ver que, por exemplo, no mundo do desporto
federado, enquanto que o vértice estratégico funciona na maior das incompetências a nível da linha
hierárquica e sobretudo do centro operacional são conseguidos resultados desportivos que permi-
tem aos dirigentes manterem-se em funções durante muitos e demasiados mandatos.
Por isso, alguns autores denominam de "segunda fase do discurso de Taylor" o momento a partir
do qual o investigador concluiu que os dados científicos colhidos pelo estudo do perfil do posto de
trabalho deveriam ser acompanhados a nível da estruturação da própria empresa para que os seus
princípios pudessem, de facto, ser aplicados. Quer dizer, ou os conhecimentos adquiridos no centro
operacional subiam até ao vértice estratégico, de maneira a que posteriormente pudessem promover
as modificações estruturais necessárias, ou muito do esforço realizado acabava por ser perdido.
126 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Segunda fase do discurso de Frederick Taylor

Este cientista, numa perspectiva indutiva, estudou a organização de baixo para cima, tendo con-
cluído que, muito embora o centro operacional pudesse estar a funcionar bem, essa eficiência não
se repercutia automaticamente de uma forma global na organização o que, consequentemente, difi-
cultava o trabalho na base. Taylor concluiu que os dados científicos colhidos pelo estudo do perfil
do posto de trabalho deveriam ser acompanhados a nível da estruturação da própria organização
para que os seus princípios e método de organização do trabalho pudessem verdadeiramente ser
aplicados. Contudo, a reorganização da macroestrutura a partir das indicações da base, geralmente,
apresenta dificuldades complicadas de ultrapassar, desde logo pelas diferentes linguagens que o
vértice estratégico e o centro operacional da organização utilizám.

O erro de Carlos Queirós

É reconhecido pela generalidade das pessoas que a fase de "take off' do futebol nacional se
ficou a dever ao excelente trabalho que Carlos Queirós desenvolveu na Federação Portuguesa de
Futebol. Foram muitos os que acreditavam que pelo facto de Carlos Queirós ter realizado um exce-
lente trabalho a nível da base do sistema, esse trabalho podia automaticamente repercutir-se na
macroestrutura da Federação. Na realidade, como se pode constatar pelo estado de organização
do futebol nacional, isso não aconteceu. E não aconteceu no futebol como não tem acontecido na
generalidade das modalidades desportivas. Por muito bom que seja o trabalho no centro operacio-
nal, se o mesmo não for entendido e integrado a nível do vértice estratégico, o surgimento dos pro-
blemas e dos conflitos é só uma questão de tempo.
Abordámos esta questão pela primeira vez em janeiro de 1994.
ln Desporto e Política- Paradoxos c Realidades
L ______ - - - - - - - - - - - -------- -- ----------- --------------------- -

Pese embora os aspectos positivos na abordagem da organização do trabalho por parte de Taylor,
que ainda hoje são considerados quando se trata de organizar rotinas, existem, contudo, aspectos
negativos que não devem ser ignorados:

·Visão simplista do Homem, ignorando toda a sua complexidade e individualidade. Não é por
acaso que o sistema de Taylor não foi criticado no mundo comunista;

·Análise microscópica do indivíduo, já que foi reduzido a uma simples peça da máquina;

·Organização mecanicista do trabalho, ignorando outras estruturas formais e informais que se


desenvolvem dentro das organizações;

• Especialização exagerada das funções, provocando uma desumanização completa da organi-


zação do trabalho. Henry Ford chegou mesmo a perguntar: "porque diabo é que sempre que
preciso de dois braços, aparece-me uma cabeça em cima?";

·Visão limitada e parcial da organização, ignorando que elas funcionam num sistema social do
qual recebem e transmitem infiuências.

Henry Fayol (1884-1925)

Partiu da ideia de que o conceito de organização é o conceito maior, do qual o conceito de admi-
nistração faz parte. No livro Administration Industriei/e et Générale, Fayol identificou as áreas funcio-
nais de uma organização: para ele, gerir era "prever, organizar, comandar, coordenar e controlar".
-
Atena e a Tecnologia [ 127

Esta definição foi largamente usada durante todo o século XX. As organizações deviam ser estruturadas
em seis subunidades que enquadravam as seguintes funções:
1. Técnicas; 4· Segurança;
2. Comerciais; 5· Contáveis (contabilísticas);
3· Financeiras; 6. Administrativas.

Funções da administração

Por sua vez, Fayol considerou que as funções da gestão ou administrativas eram as seguintes:
1. Prever, de forma a preparar o futuro;
2. Organizar, no sentido de obter todos os recursos humanos materiais e financeiros necessários;
3· Comandar, tendo em atenção a necessidade de melhor tirar partido das características indivi-
duais dos recursos humanos da empresa;
4· Coordenar, com o fim de integrar e harmonizar todas as políticas a desenvolver na empresa;
5· Controlar, para verificar se tudo se passou conforme estava planeado.

The manager'sjob

Até à publicação, nos anos setenta, dos trabalhos desenvolvidos por Henry Mintzberg (The
Manager's job: Folklore and Fact) acerca do quotidiano dos gestores, estas eram as funções que,
sob o ponto de vista teórico, competiam aos gestores. No entanto, podemos compreender que
uma coisa é aquilo que compete aos gestores, outra a maneira como a organização está estrutu-
rada. Na realidade, o que tem sido constatado é que, de uma maneira geral, não existe uma coinci-
dência directa entre estas duas questões.
Se perguntarmos a um gestor o que é que ele faz, diz-nos Mintzberg (1992), muito provavelmente
ele diz que planeia, organiza, coordena e controla. Só que quando se observa, de facto, aquilo que ele
faz não aparece nenhuma destas quatro funções. Segundo Mintzberg, estas quatro palavras, que
dominaram o vocabulário da gestão desde que foram introduzidas por Fayol em 1916, dizem muito
pouco acerca daquilo que os gestores fazem na realidade. Voltaremos ao assunto no ponto S-3-

Princípios de Henry Fayol

Este gestor focalizou a sua análise da gestão tendo principalmente em atenção a necessidade
de comandar, de ter uma ideia estratégica para a organização e as qualidades de liderança que con-
siderava como a principal característica do gestor para tirar o melhor partido possível dos recursos
humanos. Independentemente do tamanho da organização e da sua missão, na perspectiva de
Fayol, era possível aplicar as mesmas regras de gestão a todas elas. Ao contrário de Taylor, que
olhou para a organização a partir das pessoas, Fayol fê-lo a partir das estruturas. Organizou as suas
ideias em catorze princípios:
1. Divisão do trabalho para uma maior eficácia;
2. Correspondência entre responsabilidade e autoridade;
3· Disciplina;
4· Unidade de comando;
5· Unidade de direcção;
128 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

6. Subordinação do interesse individual ao interesse geral;


7· Justa remuneração;
8. Boa articulação entre centralização e descentralização;
g. Cadeia hierárquica bem definida;
10. Equilíbrio entre necessidades e recursos da empresa;
11. Igualdade e sentimento de igualdade em todos os níveis da empresa;
12. Estabilidade do pessoal;
13. Iniciativa;
14. Espírito de corpo.

Intemporal idade

Para Fayol, as organizações eram máquinas governadas por leis universais, pelo que tinham de ser
as pessoas a adaptarem-se ao sistema. De certa maneira, a afirmação continua a ser válida, na
medida em que, nos dias de hoje, continuam a ser aplicados os princípios de Fayol não só ao mundo
das empresas como ao mundo do desporto, em tudo aquilo que tem a ver com a institucionalização
de rotinas necessárias à vida em comum. Contudo, é bom que se entenda que a gestão não pára aqui.

5.2.2 Escola psicossociológica


Esta perspectiva decorre das teorias relacionadas com as relações humanas. Surgiu nos EUA a
partir dos anos 30 do século XX, como contraponto às perspectivas centradas nas tarefas dos tra-
balhadores (Taylor) ou nas estruturas das organizações (Fayol) desenvolvidas pela escola clássica.
Nestas teorias, o Homem era preterido não só em relação às tarefas e à máquina bem como em
relação às próprias estruturas da organização. As preocupações passaram então a estar centradas
nas pessoas e nos seus comportamentos. Defendia-se que os trabalhadores recusavam o taylo-
rismo e o fordismo porque estas perspectivas organizacionais não tinham em conta as suas pró-
prias opiniões, os seus sentimentos e a sua maneira de ser.

Fordismo

Idealizado por Henry Ford (1863-1947), fundador da Ford Motor Company, o fordismo, enquanto
modelo de organização do trabalho, foi um aperfeiçoamento do taylorismo. Caracterizou-se por ser
um método de produção baseado na produção em série. Ford introduziu nas suas fábricas as chama-
das linhas de montagem, onde cada operário realizava uma etapa da produção. Com este método a
Ford Motor Company, durante a década de 1920, produziu mais de 2 milhões de carros por ano. O
veículo produzido foi o célebre "Ford T". O fordismo teve o seu apogeu durante os anos cinquenta e
sessenta. A filosofia do fordismo atingiu diversas áreas sociais, entre as quais o desporto, através do
treino e os métodos de treino em circuito, com as mais diversas estações de trabalho.

Mary Parker Follett (1868-1933)

Peter Drucker (1909-2005) chamou-lhe "a profeta da gestão". Hoje, é possível perceber que ela
se antecipou em muito anos aos gurus da gestão que, nos tempos que correm, são venerados à
escala mundial. De facto, enquanto Frederick Taylor inventou a organização científica do trabalho
Atena e a Tecnologia [ 129

qu e in spirou Henry Ford e influen cia todo o sécul o XX, Mary Parker Foll ett pregou doutrin as qu e
proc uravam humaniza r a organização do trabalho, muito embora, como tantos out ros que tive ram
razão antes do tempo, foram poucos os qu e lh e deram créd ito.

Mary Parker Follett


Nasceu em Quincy, no Massachusetts (USA) . Estudou no Radcliffe College, tendo obtido uma
graduação em Filosofia, Direito, História e Ciência Polftica. Follett foi uma cientista social que, na
década de vinte, foi capaz de compreender os limites da administração científica de Taylor, defen-
dendo uma perspectiva humanista e criativa para lidar com os trabalhadores. Em conformidade,
foi apologista de uma lógica centrada na responsabilidade face à da obediência. Contudo, por ter
tido razão antes de tempo, nunca lhe chegaram a dar o devido valor. De facto, o mundo ocidental
nos anos trinta e quarenta do século XX estava envolvido num complexo processo de luta de classes
e, por isso, pouco ou nada receptivo ao discurso de Follett.
www.follettfoundation.org

A ca rreira de Foll ett desenvo lveu-se em du as áreas fund am entais. Em pri meiro lu ga r, no tra ba-
lho soc ial. Em segund o lu ga r, no estud o das pesso~s en qu an to fu lcro das orga ni zações. Neste
domínio, foi uma das prim eiras a ex pl orar a probl emáti ca da gestão do co nflito e do dese nvolvi-
mento da s técnicas de liderança. Para ela, nu m co nflito, as soluções só podem ser encontradas
co m a parti cipação de tod as as partes. Qu er dizer, não através de um a lógica "behaviori sta" de
"estímulo e res posta" num a "psico logia de ada ptação", mas através de um a interacção din âmi ca
num a "psico logia de invenção ". Esta potenc ia um a din âmi ca circul ar com du as es pirai s opostas .
Uma co nstituíd a por um círcul o vicioso e negativo que leva à desagregação e outra co nstituíd a por
um círcul o virtuoso e pos iti vo qu e leva à criativid ade e ao desenvolvim ento.
Na sua obra mais significativa , Creatit1e Experience, de 1924, Foll ett escreveu: "Qu and o duas ou
mais pessoas trabalh am em co njunto ela s co mbin am o pensa mento através de um processo de
aju stamento". E el a exemplificava: "Num jogo de téni s de pares, cada jogador tem de aju sta r o seu
pen sa mento de man eira a refl ectir os movimentos e as acções do seu parceiro". Da mes ma maneira,
num a organização, "o líder de cada depa rtam ento tem de co nsta ntemente aju sta r o se u pen sa mento
de maneira a refl ectir as acções e acti vid ades dos colegas dos outros departa mentos". Em conse-
qu ência desta din âmica de pe n s am e n t~, no arti go "Th e Process of Co ntra i", de 1930, Foll ett defen-
deu qu e muito provavelmente a form a mais viável de controlo é a coo rd enação. Para ela, a qu estão
não está em "controlar as pessoas" mas "co ntrolar factos", dan do abertura a um a questão que só
viri a a ter actu alid ade em fin ais do século: a gestão do conhec imento. Nesta perspectiva, rejeitou o
emp irismo, na ass um pção de que a experiência não deve se r usada para criar con ceitos e teori as rígi-
das, mas simplesmente para "libertar o es pírito" , através de um processo a qu e des ignava "evoca-
ção". Segund o ela, só desta maneira a expe ri ência podi a tornar-se verdad eiramente cri ativa, qu er
dize r, uma podero sa força ca paz de promover o desenvolvimento e o progresso. Ass im , deu abertura
ao qu e hoj e se designa por "gestão do conhec im ento" 37 Na perspectiva actu al da gestão do co nheci-
mento, um gestor decid e bem, pl aneia bem e implementa bem, desde que o faça sustentado em
modelos teó ricos de análi se da rea lid ade qu e lh e permitam, num a oportunidade posteri or, decidir
melhor, pl anear melh or e implementa r melh or.

37
Ver http:f fwww.follettfoundation.orgfwri tings.htm

AGONG D-Q9
130 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Para decidir são necessários dados, que devem ser transformados em informação e esta, ao ser
contextualizada, deve ser geradora de conhecimento. Assim, estamos num processo de gestão do
conhecimento em que uma boa decisão tem necessidade de um conjunto de princípios e normas, ou
outras abstracções que a orientem no plano e acção. Estas abstracções podem ser reutilizadas a fim
de se decidir novamente com outras informações. Deste modo, a gestão do conhecimento passa por
ser um modelo abstracto que atribui significado prospectivo ao processo de tomada de decisão.
É estranho que tendo sido uma mulher a dar este tipo de abertura ao pensamento estratégico
do conhecimento, vai para mais de sessenta anos, as mulheres na sociedade actual ainda estejam
tão afastadas dos centros de decisão, não só na vida em geral como, em especial, no mundo do
desporto. Contudo, se pensarmos bem, provavelmente este tipo de comportamento esteja intrin-
cado na história da humanidade e, por isso, inscrito no código genético dos homens, pelo que só
através de uma profunda cultura democrática pode ser ultrapassado.

A estória de Ka/lípateira
Nos Jogos Olímpicos antigos as mulheres eram proibidas de entrar no estádio para assistirem
aos jogos. Essa regra machista era aplicada mesmo às mães e às esposas dos concorrentes mas, sur-
preendentemente, não às meninas virgens, a quem era permitido assistir aos jogos. A punição para
toda e qualquer mulher que ousasse quebrar esta regra era ser jogada dos penhascos de Typaion.
Contudo, Kallipateira quebrou essa regra e não foi punida.
Kallipateira, provinha de uma família de campeões olímpicos, por isso, perante a morte do
marido não hesitou em ser ela própria a treinar o filho Peisirodos.
Contudo, a fim de poder acompanhar o filho no estádio em Olímpia durante as competições,
Kallipateira foi obrigada disfarçar-se de instrutor masculino. Mas, quando Peisirodos se consagrou
campeão, o entusiasmo de Kallipateira foi de tal ordem que acabou por revelar a sua condição de ,
mulher.
Em honra da sua família de campeões foi decidido que Kallipateira não seria condenada à
morte, mas, a partir de então, os instrutores deveriam participar despidos nos jogos Olímpicos, tor-
nando impossível às mulheres entrar disfarçadas.
Ver Pausanias, Dcscription ofCrcecc, V.6.7-8, tr. de S. C. Miller

Gianna Angelopoulos é uma espécie de l<allipateira moderna. Presidente do Comité Organizador


dos Jogos Olímpicos de Atenas, sofreu todas as agruras no seu país até a reconhecerem como a grande
organizadora dos Jogos da XXVIII Olimpíada. Em consequência, foi agraciada com o "IOC's World
'Women and Sport' Trophy 2005 World" pelo seu imenso contributo para a organização dos Jogos de
Atenas, bem como por ter sido um exemplo para que outras mulheres se envolvam na gestão do des-
porto. O problema é que não é fácil para as mulheres envolverem-se na gestão do desporto, na medida
em que têm todos os caminhos barrados por homens que, em muitas situações, são autênticos pesos
mortos nas organizações que dizem gerir. Entre nós, o COP, que por recomendação do CIO devia ter
nos seus corpos gerentes pelo menos quatro mulheres, tem somente duas, o que é de lamentar.

George Elton Mayo (1880-1949)

Ficou conhecido pelo seu trabalho no domínio da infiuência das relações sociais e da motivação
na performance dos grupos. De facto, o principal contributo de Mayo tem a ver com a descoberta
-
Atena e a Tecnologia [ 131

de todo um conjunto de fundamentações não económicas que podem envolver e justificar o traba-
lho humano. As suas teorias suportam-se nas experiências que conduziu em Hawthorne, na Wes-
tern Electric de Chicago, durante os anos de 1927 a 1932. A experiência inicial tinha por objectivo
apurar as diferenças de produção entre dois grupos em diferentes condições ambientais de traba-
lho. Ao primeiro melhoraram as condições físicas de trabalho alterando as condições de luminosi-
dade. O segundo, que era o grupo de controlo, manteve as condições de luminosidade habituais.
Elton Mayo acabou por chegar a conclusões diferentes daquelas que estava à espera, já que o
grupo de controlo só pelo simples facto de ter sido escolhido alterou o seu comportamento e atin-
0
giu performances de produção idênticas às do 1. grupo.
Quantos treinadores de futebol não utilizam um procedimento idêntico ao darem uma primeira
oportunidade a um jogador) Mayo foi portador duma nova cultura nos processos de organização
do trabalho que os seleccionadores, directores técnicos e treinadores do mundo do desporto, de
uma maneira mais ou menos esclarecida, conhecem. No entanto, não chega conhecê-los, é neces-
sário praticá-los, como parece ser o caso de José Mourinho nos clubes que treina.
Mayo apurou que no interior das organizações formais existem outras, por vezes numerosas,
que são as organizações informais que, em determinadas circunstâncias, podem melhorar conside-
ravelmente a produtividade das primeiras. Os grupos informais, na ideia de Mayo, criam na organi-
zação uma atmosfera de cooperação espontânea que-melhora significativamente o ambiente de tra-
balho. Deste modo, trata-se de descobrir a melhor maneira de enquadrar e promover a participação
das pessoas nos objectivos e nos trabalhos das organizações. Assim, Mayo provocou uma abertura
nos circuitos internos das organizações, através do estabelecimento de novos canais de comunica-
ção entre os dirigentes e os funcionários, promovendo, entre outros aspectos, o cultivo do "espírito
de corpo" através do aproveitamento das emoções das pessoas, da valorização da sua dignidade e
do respeito pelo seu estatuto profissional. Não se dirige efectivamente uma organização se, de
facto, os grupos informais o não desejarem, concluiu Mayo. Esta ideia traduz bem aquilo que hoje
se passa no mundo do desporto. Quantos treinadores de futebol não são, nos tempos que correm,
despedidos pelos grupos que se originam no "balneário"?
A teoria das relações humanas, com todos os aspectos que têm a ver com os processos de
super-compensação, tem sido, ao longo dos tempos, de extraordinária importância na organização
do desporto. Esta importância assume tal dimensão que se no passado foi o mundo do desporto a
olhar para as organizações do mundo do trabalho para aplicar a dinâmica dos processos de traba-
lho aos organismos desportivos, hoje, passa-se também o contrário, já que são as empresas a ten-
tarem compreender o que acontece para o bem e para o mal em termos de relações humanas no
mundo do desporto. Quantos gestores não gostariam de ter a sua equipa de trabalho a funcionar
como un:a equipa de futebol treinada por José Mourinho ou Nelo Vingada? Do ponto de vista
macro, também podemos dizer que, na realidade, são os grupos informais não alinhados que, para
além das burocracias institucionalizadas, dão vida e promovem o desporto. Pense-se, por exemplo,
na tristeza que seria o futebol sem as claques mais ou menos organizadas a apoiarem as equipas.
Foram vários os autores que através dos seus estudos e investigação contribuíram para esta
dimensão humana de gerir as organizações. Consideremos alguns.

Chester Barnard (1886-1961)

Executivo americano, iniciou a refiexão sobre a problemática da motivação nas organizações.


Como nos diz Stuart Crainer (1998), muito do que foi defendido por Barnard está relacionado com
a gestão moderna. Por exemplo, os meios e os fiuxos de comunicação de maneira a que as pessoas
132 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

pudessem estar em consonância com os objectivos da organização. Nesta perspectiva, segundo


Barnard, o director de uma organização, antes de tudo, tinha por missão fazer passar os valores e
os objectivos da própria organização.
De facto, ao defender que todos os actos dos membros de uma organização estão inter-relacio-
nados, Barnard não fez mais do que antecipar uma certa visão holística da organização. As obras
mais significativas de Barnard foram The Functíons of the Executí~e (1938) e The Nature of Leadershíp
(1940). Em The Functíons of the ExecutítJe, considerado o primeiro manual de gestão visto por um
prático, sintetizou as suas ideias relativas à gestão em três princípios básicos:
1. Estabelecer e manter um sistema eficiente de comunicações;
2. Motivar os trabalhadores quanto aos objectivos da organização;

3· Definir os objectivos da organização duma forma compreensível por todos.


Barnard preconizava, ainda, como funções da gestão, aquilo a que designava por sistema de
manutenção:
1. Canais de comunicação;

2. Acesso a um canal formal de comunicação;

3· Linhas de comunicação tão curtas quanto possível;


4· Manutenção da moral;
5· Manutenção dum esquema de incentivos;
6. Manutenção do controlo, tais como supervisão, controlo, inspecções, educação, treino, de
forma a viabilizar um sistema cooperativo.

Organização informal

Barnard, com algumas décadas de antecedência, perspectivou os aspectos informais da organi-


zação, estabelecendo, deste modo, um equilíbrio em relação aos aspectos formais, até então privi-
legiados pelos investigadores e gestores. Por isso, para ele, o papel do presidente executivo não era
o de um ditador, na medida em que grande parte das suas tarefas consistiam em implementar os
valores morais da empresa. No fundo, é o que se espera dos líderes das organizações desportivas
que, acima de tudo, até pelo seu exemplo, têm por missão defender os valores do desporto. De
notar que muitas das ideias desenvolvidas posteriormente por Peter Drucker (1909-2005) foram
pela primeira vez expostas nos livros de Chester Barnard.

Kurt Lewin (1890-1947)

Iniciou os estudos relativos à dinâmica de grupos. Para ele, o comportamento dos indivíduos é
determinado pelo espaço das suas vidas contemporâneas. Aquilo que constitui a vida não é o
envolvimento objectivo do indivíduo mas a percepção que ele faz dela. Em 1946, l<urt Lewin reali-
zou aquela que ficou conhecida por ser a sua pesquisa mais famosa. O estudo aconteceu no domí-
nio da gestão de confiitos, tendo como base de sustentação as relações entre as comunidades
negra e judaica de Connecticut. Lewin concluiu que reunir grupos de pessoas era uma das melho-
res maneiras para identificar áreas de confiito. Estes grupos, a que denominou "T-groups" (T de
traíníngjformação), tinham como teoria subjacente o facto dos padrões comportamentais terem
que ser "descongelados" antes de serem alterados e depois "congelados" novamente. A estratégia
dos "T-groups" foi a solução encontrada por Lewin para que isso acontecesse.
Atena e a Tecnologia [ 133

Nada mais prático...

A Lewin ficou-se a dever a máxima que devia interessar a muito boa gente, entre técnicos e diri-
gentes do mundo do desporto:
"Não existe nada mais prático do que uma boa teoria".

Douglas MacGregor (1906-1964)

Psicólogo soc ial, especializado em comporta mento hum ano, encarregou-se de dar continuidade
às perspectivas desenvolvidas por Elton Mayo, através daquilo que ficou conhecido como a "Teoria X
e a Teoria Y", bem como toda a pro blemática relacionada com a questão (autoritarismo vs participa-
ção), através da publicação, no ano de 1960, da obra O Lado Humano da Empresa. A teoria X diz que
os trabalhadores, dominados pela má Éris, dizemos nós, são por natureza preguiçosos. Em confor-
midade, necessitam de ser motivados e contro lados. O traba lh o, para eles, é um mal necessá rio. A
teoria Y, pelo contrário, defende que as pessoas para além de necessitarem de traba lhar, dom in ados
pela boa Éri s, têm gosto em fazê-lo. Quando MacGregor morreu, em 1964, trabalhava no desenvolvi-
mento da teoria Z, que tin ha por objectivo concili ar as ~s pirações individuai s e os objectivos da orga-
nização, que no fundo é o que qualquer teoria da gestão procura co nseguir.

Abraham Maslow (1908-1970)

Com a "h ierarqu ia de necessidades", termo inventado pelo autor para com preender os cam inhos
da motivação humana, Maslow acrescentou novas perspectivas à compreensão dos processos de
gestão necessá rios ao bom funcionamento das organ izações. É este lado humano que deve ser con-
siderado quando se procura gerir a partir das pessoas, tendo em conta as~u necessidades. Como
podemos ver no quadro, as necessidades humanas estão organizadas num série de níveis, segundo
uma hi erarqu ia de importância. O autor cons idera existirem cin co níveis d necessidades:
1. Fi siológicas;
2. Segurança;
3· Sociais - Perten ça;
4· Pessoais - Relacionadas com o EU -Auto-estima;
5· Auto-rea lização.

São necess idades fisiológicas a alimentação, o abrigo, o repo uso, o exercício, etc. As necessida-
des de segurança re lacionam-se com a protecção da integrid ade física do ser humano. As necessi-
dades sociais têm a ver com os se ntim entos de pertença a um grupo, quer dizer, estar associado,
ser aceite pelos pares, construir am izades e comungar dos mesmos id eais. As necess idad es rela-
cionadas com o eu satisfazem a auto-estima, a confiança, a autonom ia, a co mpetênc ia, o sucesso e
o prestígio. Fin almente, as necess idades de auto-rea li zação são as que possibilitam desenvolver as
potencia li dades de cada ser humano através das mais diversas actividades (ver quadro 19).
É evidente qu e o desporto não se encontra entre as necess id ades básicas da popu lação em
geral, muito embora deva ser co nsiderado, no que diz respeito não só aos objectivos específicos
bem como aos grupo s-a lvo a ati ngir, na din âmica da gestão de projectos de desenvolvimento. Que-
remos co m isto di ze r que as po líticas públicas em matéria de desenvolvimento do desporto não
podem se r cegas, como muitas vezes parecem ser.
----------

134 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Quadro 19 Hierarquia de necessidades

Auto-realização

Estima
--------------

Sociais

Segurança

Fisiológicas

'
A hierarquia de necessidades tem expressão no quadro condicionante na terminologia de Castejon
Paz (1973) (ver quadro 25) e nos filtros de probabilidade e decisão individual da terminologia de
Roge r, Brien (1977) (ver quadro 38), que determinam as condições de acessos, sociais e pessoais,
ao usufruto da prática desportiva.

Princípios da escola psicossociológica

Da perspectiva psicossociológica decorrem os seguintes princípios:


·Trabalho é uma actividade tipicamente grupal;
·Os indivíduos não reagem isoladamente mas como membros de um grupo social;
·A tarefa básica da administração é formar uma elite capaz de compreender e de comunicar;
·A pessoa é motivada pela necessidade de "estar junto", de ser reconhecida e de receber ade-
quada comunicação;
· Motivação humana- Necessidades humanas;
·Ciclo motivacional- Sistemas de frustração e compensação;
· Moral e atitude acima de tudo;
· Liderança baseada no conhecimento, na confiança e partilhada;
·Comunicação e redes de comunicação;
·Organização informal- Dinâmica de grupo.

Mas nem tudo são rosas. Muitos dirigentes não gerem as organizações desportivas de que são
responsáveis da mesma maneira e com os mesmos critérios com que gerem as suas próprias
empresas ou até, simplesmente, o seu próprio orçamento pessoal. O mundo do dirigismo despor-
tivo tem sido assim como que uma espécie de "pátio de recreio" ou de "reforma dourada", e mais
recentemente até de complemento de vencimento, onde alguns senhores, à margem de qualquer
responsabilização, sublimam as frustrações dos seus empregos ou até das suas vidas. Este tipo de
dirigentes tem vindo a colocar em situações dramáticas muitos clubes e organizações desportivas,
Atena e a Tecnologia [ 135

entre elas federações, bem como a vida de muitos atletas e técn icos. Por isso, é bom que se consi-
dere que existem algumas críticas relativamente à escola das relações humanas:
·Afastamento radica l da teoria clássica;
· Sobrevalorização das questões individuais;
· Perspectiva ingénua das pessoas;
• Distorção da importância dos grupos informais;
• Desequilíbrio nas relações humanas;
• Parcialidade de conclusões .

5.2.3 Escola burocrática

Esta escola surge por volta dos anos quarenta, quando a teoria clássica e a psicossociológica já
não satisfaziam as necessidades das organizações. O nome que, desde sempre, ficou ligado à teo-
ria burocrática da organização foi Max Weber (1864-1920), através do conceito por ele desenvolvido
de "tipo ideal". O conceito de "tipo ideal" corresponde, no pensamento weberiano, a um processo
que subtrai dos fenómenos concretos das ciências humanas o que existe de particular, constitu indo
assim um novo conceito a que Weber designou por "mnceito histórico concreto".
Este conceito enquadrou uma forma de identificar a estrutura, o processo e o comportamento
das organizações. Max Weber foi, provavelmente, o prime iro teórico das organizações, na medida
em que, até então, os teorizadores anteriores focaram a sua atenção principalmente nas questões
do trabalho. De facto, o autor construiu um corpo de conhecimentos que ficou conhecido como
Teoria burocrática da administração ou organização.
Segundo Max Weber, o moderno sistema de produção raciona l e capitalista organizou-se a par-
tir daquilo a que denominou de "ética protestante". A sua obra mais sign ificativa tem precisamente
o título que inspirou todo o seu quadro teórico: A Ética Protestante e o Espírito Capitalista. Este con-
ceito foi desenvolvido para descrever as virtudes do traba lho árduo, a abstenção do luxo e a acumu-
lação da riqueza que é associada ao protestantismo dos países do Norte da Europa. As virtudes
apontadas conduziram ao desenvolvimento do capitalismo . Embora a fé e a humildade fossem as
principa is virtudes do protestantismo, o sucesso profissional e financeiro era tido como uma
dádiva de Deus em opos ição à perspectiva da Igreja Cató lica Romana que advogava que os favores
divinos não dependiam do mérito individual. ~
• Para Weber, a burocracia é a organização eficiente por excelência. Portanto, o conceito de burocra-
cia inicialmente não tinha o sentido pejorativo que hoje, tantas vezes, o envolve. A racionalidade da
organização do traba lho requer esforço, empenho e rigor, na justa medida. No caso de défice cai-se na
desorganização. No caso de excesso cai-se na "burocracia" , isto é, em procedimentos mais ou menos
inúteis que só servem para complicar a vida das organizações e das pessoas. Segundo E. Beetham
(1988) "a burocracia é algo que todos nós gostamos de odiar". Só que, segundo Weber, numa pers-
pectiva sociológica, a burocracia significava um sistema de adm inistração executado numa base de
continuidade por profissionais treinados de acordo com regras prescritas. No entanto, alguns daque-
les que dela se têm vindo a servir é que, muitas vezes, a transformam em processos de inutilidade,
com um dispêndio de recursos humanos, materiais e financeiros absolutamente desnecessários.
A burocracia, segundo Weber, apresenta as seguintes características:
• Legal idade das normas;
• Forma lidade dos procedimentos;
136 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

• Racional idade na divisão do trabalho;


·Impessoa lid ade nas relações humana s;
• Hierarquia de autoridade;
• Rotin as e procedimentos estanda rdiz ados;
• Competência técnica e meritocracia;
• Especi alização da gestão se parada da propriedade;
· Profi ss ionalização dos participantes;
·Completa previ sibilidade do funcionamento .

É evidente que numa organização, ou num sistema social, ao sere m tomadas tais medidas com
peso, conta e medida, tem de haver, neces sa riamente, vantagens significativas. Podem se r aponta-
das as seguintes:
· Racion alidade: naquilo que respeita à poss ibilidade dos objectivos pod ere m ser alcançados;
• Preci são: quanto à definição do perfil do cargo e dos se us próprios deveres;
· Unidade: na in terpretação da regu lamentação;
• Informação: discreta, já que só é fornecida a quem a ela tem direito;
• Uniformidade: de rotinas e de procedimentos;
· Continuidade: da organização, no sentido em qu e os seus qu adros devem se r renovados;
·Selecção de pessoal: baseada na capacidade e na competência técnica;
• Redução da fricção: entre as pessoas, na medida em que cada pes soa conhece perfeitamente
quai s as suas responsabilidade s;
·Constância: de procedimentos na medid a em que o mesmo tipo de proced imento tem de ser
ap li cado tendo em atenção o mesmo tipo de situações;
• Subordinação: dos mais novos aos mai s antigos, poi s as deci sões do nível superior têm de se r
cumpridas pelos níveis inferiores da organização;
· Confiabi lid ade: porque os processos são conduzidos de acordo co m regras conhecidas, sendo
os casos simi lares resolvido s da mesma maneira;
• Carreira: os quadros podem prever uma evolução das suas carrei ras profi ss ionai s, ao longo do
tempo.

Efeitos perversos

Por sua vez, também a burocracia em excesso, tal como já se disse, pode dar origem a algumas
disfunções da organização. Robert Merton (1965) foi um dos autores que siste matizo u as disfun-
ções e os aspectos negativos do modelo burocrático we beri ano. Entre as diversas críticas qu e
pod em ser feitas em relação ao modelo burocrático apontamos as segu intes:
• Exagerado apego aos lu gares e aos regulamentos;
· Exces so de formalismos, no se ntido em que as normas são levadas ao extremo, ao ponto de
(
dificultarem os sistemas de comunicação e a própria circulação de informação;
• Demasiados suportes de papel, já qu e todo o sistema fun cion a na base dos papéis que se exi-
gem à partida e não através dos sistemas de ava li ação que se constroem à posteriori;
• Resistência à mudança;
Atena e a Tecnologia [ 137

• Despersonalização do relacionamento;
• Conformidade em relação às rotinas e procedimentos;
· Exibição de sina is de autoridade;
· Dificuldade de relacionamento com o meio socia l.

Quadros deste tipo, segundo David Rosenbloom (1989), dão origem:


·À ex istência de chefes incompetentes;
· A arbitrariedades;
· À sobreva lorização do informal;
• A confusões e confl itos entre funções;
·A situações indignas, sob o ponto de vista humano.

Em conformidade com o que acabámos de expor, a característica principal da burocracia é a divi-


são sistemát ica do poder, da re sponsabi lid ade e do trabalho, para que os comp lexos problemas da
vid a duma organização possam ser desagregados em tarefas viáve is, de forma a ser(em) afectada(s)
a determinada(s) pessoa(s) ou serviço(s).

5.2.4 Escola sistémica

Ao longo deste texto temos vind o, por várias vezes, a referir a pa lavra sistema, muitas delas rela-
cionando-a com o mundo do desporto. Tendo em atenção a sua origem grega, a palavra sistema sig-
nifica colocar em con junto, isto é, reunir num todo organizado. Este sentido de globalidade, por um
lado, bem como a perspectiva de relação entre as partes, por outro, deu origem àquilo que ficou
conhecido como teoria geral dos sistemas. Numa perspectiva moderna o conceito ficou a dever-se ao
biólogo Ludwing von Bertalanffy.
De uma maneira geral, desde os anos cinquenta, a teoria geral dos sistemas tem vindo a propor-
cionar uma base de integração de diversos ramos do conhecimento científico, já que a palavra sistema
cobre um amplo leque de actividades, conceitos e ideias do nosso mundo físico, biológico e socia l.
Deste modo, ela possibilita a compreensão de conhecimentos de um número variado de áreas espe-
cial izadas como, entre outras, o desporto, a política, a educação, a economia, a organização, a gestão
e o desenvolvimento. Por definição, um sistema é um conjunto de elementos em interacção dinâmica
com vista a atingirem determinados objectivos predeterminados.
Kenneth Boulding escreveu um texto, General Systems Theory: The Skeleton of Sciences, para a
Management Science do mês de Abril de 1956, onde sistematizava os diversos níveis de sistema. A
saber:
1. Sistemas físicos ou mecânicos:
a. De estrutura estática;
b. Dinâmico simples, com movimentos predeterminados;
2. Sistemas biológicos:
a. Auto-regulável, de termóstato;
b. Aberto, em que a vida começa a diferenciar-se da não vida: célula;
(
c. Genético, o das plantas;
d. Animal, caracterizado por um comportamento teleológico;
138 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

3· Sistemas humanos e sociais:


a. Humano, autoconsciente, capaz de utilizar linguagem e simbolismo;
b. Social, baseado na organização humana;
c. Transcendentais, supremos e absolutos.

As teorias tradicionais idealizavam a organização como um sistema fechado. No entanto, pre-


sume-se que cada área do conhecimento passa por períodos de análise seguidos de períodos de
síntese. Enquanto que nos períodos de análise se procura fazer o levantamento das questões, dos
dados e dos resultados, sendo por isso um tempo de balanço, já nos períodos de síntese o que se
procura fazer é a integração dos conhecimentos apurados no período anterior. Na realidade, a teo-
ria geral dos sistemas tem proporcionado a assimilação de dados e realidades construídas e vividas
ao longo dos últimos anos numa nova realidade de conhecimento. Em conformidade, o pensa-
mento sistémico tem sido um instrumento de inegável valor para as ciências sociais em geral e
para a gestão em particular, já que possibilita uma perspectiva holista em que se procura com-
preender o total como um produto superior à soma das partes individuais (elementarismo).
Na teoria tradicional da organização estudam-se os subsistemas separadamente com a ideia de
posteriormente juntar as partes para formar o todo. A perspectiva sistémica defende que é necessário
começar pelo sistema total (James Rosenzweig, et ai, 1980). Pelo que se disse existem duas perspecti-
vas extremas de encarar os sistemas: uma aberta e outra fechada. Entre estes dois extremos existem
vários graus de abertura. Os sistemas mecânicos fechados apresentam como características funda-
mentais o funcionarem em equilíbrio estático e em crescendo de entropia, já que com o passar do
tempo caminham para a desordem e autodestruição. Os sistemas biológicos e sociais têm uma rela-
ção dinâmica com o ambiente, do qual recebem dados, processam-nos em informação e produzem
um resultado como produto desse processamento. As organizações têm de ser vistas a funcionarem
em regime de sistema aberto onde devem procurar uma situação de estabilidade, de equilíbrio dinâ-
mico, naquilo que diz respeito às relações com os seus próprios ambientes interno e externo.

Subsistemas

A organização, na perspectiva sistémica, apresenta os seguintes subsistemas:


·Tecnológico, representado pelos requisitos técnicos necessários ao processamento do sistema;
· Psicossocial, composto pelas interacções, relações, aspirações, desejos, frustrações e motiva-
ções das pessoas que dela fazem parte;
· Estrutural, já que são os dois primeiros subsistemas que vão configurar este terceiro.

Sistema desportivo

Podemos dizer que o sistema desportivo apresenta as seguintes características, a saber:


··Entradas (input). Constituídas pelos recursos humanos, materiais e financeiros postos à dis-
posição do sistema desportivo;
· · Processamento (throughput). O sistema desportivo processa ou funciona através dos factores
de desenvolvimento;
·Saída (output). O sistema desportivo deve produzir antes de mais praticantes. Praticantes de
diversas categorias, mas também resultados desportivos, instalações, actividades diversas e
quadros competitivos, etc.;
-
Atena e a Tecnologia [ 139

' ·Retroacção (feedback). Os sensores do sistema para além de apurarem a informação acerca
do funcionamento do próprio sistema desportivo são também transmissores dessa informa-
ção para que o sistema funcione melhor. Os sistemas de informação, gabinetes técnicos, rela-
tórios periódicos, comunicação social de uma maneira geral, são alguns dos processos para
apurar o estado de funcionamento do sistema e as performances do mesmo;

. Ambiente (environment). O sistema desportivo vive num dado ambiente político, económico,
educativo, cultural e social que o infiuencia. É o quadro condicionante (Paz, Castejon, 1973);
. Fronteiras. O sistema desportivo tem não só fronteiras internas, já que o sistema não é unici-
tário, como tem fronteiras externas que estabelece desde logo com outros sistemas sociais
como, entre outros, o da cultura, o da educação, o da saúde, o político, o económico, o do
turismo, etc.;

·Objectivos, propósitos. O sistema desportivo não pode funcionar em regime de "roda livre"
sem se saber para onde caminha. O sistema, de uma maneira ou de outra, tem de ter objecti-
vos definidos à partida para que a dinâmica das partes possa interagir na procura desses
objectivos;
·Globalismo. O sistema desportivo tem uma globalidade pois é constituído por uma multiplici-
dade de partes que interagem no sentido de promoverem o próprio desenvolvimento do des-
porto. Contudo, o sistema não é total, totalizante, totalitário, já que cada uma das partes tem
de interagir no respeito pela vocação e pela missão de cada uma das outras;

· Entropia. O sistema desportivo tem de criar mecanismos de comunicação da informação,


pois são estes que vão criar a entropia negativa, ou neguentropia, que o impedirá de caminhar
para a sua autodestruição. O desenvolvimento é o esforço da neguentropia (organização) para
vencer a entropia (desorganização);
. Homeostasia. O sistema desportivo deve procurar viver num equilíbrio dinâmico entre cada
uma das suas partes, pois cada uma delas tem os seus próprios objectivos. Quer dizer, num
equilíbrio dinâmico conseguido pelo constante ajustamento ente equilíbrios e desequilíbrios;
· Interdependência das partes. As partes do sistema desportivo têm de interagir na base da
confiança e da comunicação entre elas. O sistema não pode viver se, por exemplo, o subsis-
tema federado quiser "engolir" o subsistema escolar ou se se permitirem monopólios sobre
determinadas áreas e sectores de desenvolvimento;
. Auto-regulação. O sistema desportivo deve encontrar processos democráticos de auto-regula-
ção, em que o poder seja exercido pela capacidade técnica, científica e do conhecimento e não
pelos lóbis, pelo nepotismo ou pelo dinheiro;

. Multidisciplinaridade. O sistema desportivo é um espaço de multidisciplinaridade no qual nin-


guém se pode arvorar em detentor de todas as competências e de todos os conhecimentos. É,
por isso, um espaço de diálogo, até porque nem o Olimpismo nem o desporto pertencem a
qualquer grupo ou casta, já que são património da humanidade.

5.2.5 Escola contingencial


A escola contingencial deve ser considerada como um instrumento capaz de identificar tendências
nos ambientes organizacionais de grande turbulência e agir em conformidade. A estrutura das organi-
zações e o seu funcionamento são dependentes das relações que estabelecem com o ambiente externo.
Quer dizer, ao contrário da teoria clássica, não há uma única e melhor maneira- "the best way" -para
organizar. Tudo depende, pelo que a solução de um problem<l altera a natureza do próprio problema.
- 140 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Tom Peters e Robert Waterman (1987), Ralph Stacey (1992), Michael Hammer e James Champy (1993)
são alguns dos autores ligados a esta perspectiva de olhar para as organizações e entender os proces-
sos de gestão necessários a implementar. Tom Peters e Robert Waterman (1987), no livro ln Search of
Excellence, encontraram uma fórmu la para determinar a capacidade das empresas se adaptarem ao
meio social, que ficou conhecida como "Sete S" da estratégia. É constituída pelos seguintes elementos
que se inter-relacionam uns com os outros:
1. Estrutura (structure);
2. Estratégia (strategie);
3· Sistemas (systems);
4· Estilo (style);
5· Savoir faire;
6. Pessoal (stajj);
7· Valores partilhados (shared values).

Os autores aplicaram este quadro de análises a 43 empresas americanas e chegaram às seguintes


características que identificavam as melhores delas:
·Acção: antes de tudo é necessário agir;
· Cli entes: aprender com os clientes;
· In ovação: gerar campeões;
. Pessoal: produtividade centrada no pessoal como fonte de qualidade;
· Mobilização: à volta de um valor-chave;
. Realizações: continuar no domínio daquilo que se sabe fazer;
· Estruturas: simples e ligeiras;
· Atitude: flexibilidade e rigor.

O sucesso não é eterno

Contudo, os autores, passados uns anos, concluíram que o sucesso não é eterno. Das quarenta
e três empresas estudadas, cinco anos depois da publicação de ln Search of Excellend, dois terços
delas tinham sofrido alguns fracassos . Os autores concluíram que nada é estável durante muito
tempo no meio das turbulências caóticas dos ambientes em que as êmpresas se têm de desenvol-
ver. Os principais clubes de futebol das grandes ligas europeias são bem o exemplo de que o
sucesso não é eterno. Em função do exposto, o quadro teórico contingencial considera que as
características das organizações são variáveis dependentes do ambiente e da tecnologia.
Ralph Stacey (1992), na obra Managing Chaos, esclarece melhor esta questão, dizendo que o
pensamento dominante leva os gestores a pensarem que têm de conceber o mapa ideal antes de
embarcarem na tarefa de construírem o futuro. O senso comum acredita mesmo que é necessário
saber-se para onde se vai e ter alguma ide ia de como se deve lá chegar, antes de se arrancar. Só que
a maioria dos mapas que hoje estão a ser utilizados já não respondem às necessidades dos tempos
de mudança que estamos a viver. Esses mapas foram realizados para dar resposta a um mundo que
já passou. Segundo Stacey, a ideia de que um mapa pode ser desenhCJdo à priori nos tempos de tur-
bulência que correm é uma fantasia sem aplicação de ordem prática. É durante a própria viagem que
o caminho e o destino devem ser descobertos. É necessário estar constantemente a fazer novos
mapas, se de facto se deseja construir alguma coisa. A chave do sucesso está na criatividade de ser
Atena e a Tecnologia ( 141

capaz de fazer novos mapas que de facto respondam às necess id ades da organização do futuro.
Para que isto seja poss ível o auto r apresenta três co ndições:
·Tem de ex istir uma ideia visionária sobre o futuro;
· Tem de ex istir uma cultura com um entre os elementos da organi zação;
·Tem de ex istir um a capacidade de resposta às necessidad es sociais.

O problema dos mapas-padrão é que eles só servem para identificar os cam inh os já por outros
percorridos. El es, por isso, só têm sentid o pa ra gerirem aquilo que já é co nh ecid o. São de uma inu-
tilid ade absoluta quando é necessário ir para lu gares onde nin guém ainda foi.
Na rea lid ade, nas mai s diversas situ ações, o futuro a longo termo é imprevisível e cheio de sur-
presas. Por isso, ninguém consegue saber o futuro de uma orga nização, pera nte um futuro que é
desconhecido. Nesta con formi dade, ao gestor resta-lhe a capac id ade de idealizar o futuro que
deseja fazer acontece r e começar a trabalhar nesse se ntido. E isto é de fundamental importâ ncia,
porqu e se num a organização nin guém so uber para onde ela vai, aca bará por se gerar a mai s co m-
pl eta anarquia porque as lideranças não têm co ndi ções para liderar.

Chegar, ver e arriscar...


(... ) Sem grandes surpresas, foi apresentado, na terçafeira, o holandês Co Adriaanse como
novo treinador dos "azuis e brancos" para as próximas duas temporadas (mais um ano de opção) .
Chegou e prometeu: "campeão na próxima época e praticar um futebol técnico e atractivo".
Joaquim Sousa, in Norte Desportivo, 28/S/2005

Co Adriaanse idealizou um futuro e depois começou a fazê-lo acontecer. O treinador do Fute-


bol Clube do Porto marcou o caminho, aguentou quando todos duvidavam, superou as dificulda-
des, ganhou o Campeonato e a Taça de Portugal, fez o futuro acontecer...

É evid ente que uma perspectiva deste ti po impli ca processos de gestão também co mpletamente
diferentes. "Esta nova perspectiva tem a ver com uma utilização positiva da in stabi lid ade e da cri se
de maneira a gerar novas dinâmicas, provocar interrogações co ntínu as e aprendizage ns organizacio-
na is através das quai s o futuro desco~ h ecido pode se r criado e descoberto" (R alph Stacey, 1992).
Nas orga nizações inovadoras o futuro desconhecido, numa estratégia emerge nte, tem de ser, todos
os dias, descoberto e construído, através de um a sistema din âmico de equ ilíbri os e desequilíbrios
criadores de alguma ansiedad e no sistema, m~s, também, de desenvolvimento e de progresso.
Aind a nesta dinâmica de encontrar respostas para ambientes contingenciais, pela mão de Michael
Hammer e James Champy (1993), surgiu uma nova teoria de gestão designada por "reengenhari a",
que tinha como principal objectivo superar a cri se do modelo cláss ico americano de gestão que ao
tempo estava a ser confrontado com o êxito do modelo japonês. A "reengenha ri a" foi portadora de
um a mudança das operações para os processos e da inovação tecnológica para a inovação organiza-
cional, com vista à promoção da qu alid ade. Os autores colocaram as questões da seguinte man eira:
1. Quais são as questões bás icas, fundamentais, que se co loca m em relação à organização~
Quais os seus principais problemas?
2. Como é qoe a ocgao;,ção pode sec ,;,,otada' Não chega ;,tcod"';' m"daoças sopecfida;s;\
------~---

142 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

3· Quais são as grandes transformações a desencadear (saltos quânticos)~ Não é suficiente dizer,
por exemplo, que num clube as modalidades amadoras devem continuar, mas à custa do patri-
mónio alheio;
4· Qual é o processo a desencadear? Mais importante que a estrutura, são os processos organi-
zacionais que se vivem nas organizações desportivas.

Parece fácil~ Não se pense nisso. Aquilo que de pior existe na burocracia espreita nas mais
diversas esquinas das mais insuspeitas organizações. Hoje sabemos que l<afka e Orwell estão pre-
sentes no mundo das organizações, entre elas as de desporto.

Triz

Genrich Altshuller, engenheiro russo, inventor do Triz, que é o acrónimo de "Theory of Solving
Problems lnventively" foi um dos grandes inovadores do século XX. Nos inícios dos anos quarenta,
tinha ele vinte anos, escreveu uma carta ao camarada Estaline, explicando-lhe o caos e a ignorância
com que os camaradas do regime abordavam as questões tecnológicas. Convidado a expor as suas
ideias perante um comité de oficiais, Altshuller acabou condenado a 25 anos de prisão no Gulag.
Qual é o problema? As nomenclaturas jamais estarão disponíveis para inovar seja o que for. E
a razão é simples: Se estão tão bem, para que é que se hão-de incomodar? Por outro lado, a haver
mudanças, seriam eles os primeiros a serem mudados.
------------------------------

Portanto, numa perspectiva contingencial, as mais diferentes teorias da gestão podem ser utili-
zadas na organização em diferentes momentos, dependendo exclusivamente do local, do sector e
das circunstâncias.

5.3 Gestão & Gestores


A maior parte dos gestores foi treinada para ser aquilo
que mais despreza: burocratas.
Alvín Tofner

A palavra gestão é uma palavra polissémica. Em conformidade, é necessário adaptá-la ao


ambiente onde está a ser utilizada de maneira a assumir em termos relativos o seu verdadeiro sig-
nificado. No nosso caso, é o ambiente desportivo que está em causa. Assim, quando falamos de
gestão do desporto, trata-se de estabelecer a interface entre a gestão e o desporto de maneira a
engendrar um quadro teórico que fundamente a acção do gestor de desporto. Deste modo, a credi-
bilidade da gestão do desporto moderno passa necessariamente por um forte envolvimento antro-
pológico, cultural e técnico relativamente às especificidades da modalidade, sector ou etapa de
desenvolvimento que estiverem a ser consideradas.

Modalidades desportivas

As modalidades desportivas têm uma cultura própria que determina diferentes atitudes e com-
portamentos dos praticantes, técnicos e dirigentes que a elas estão ligados. Nesta conformidade,
Atena e a Tecnologia [ 143

de modalidade para modalidade, os modelos de gestão não são susceptíveis de serem cop iados de
uma para a outra sem as respectivas adaptações, sob pena do projecto em causa poder resultar num
fracasso.

Sector desportivo

O conceito de sector parte da ideia de que sendo o desporto uno ele não é unicitário. Existe uma
multiplicidade de maneiras de praticar e, em consequência, de organ izar as práticas desportivas. Por
isso, subjacente ao conteúdo do conceito está a ideia de segmentação desportiva, na medida em que as
pessoas não devem ser obrigadas a praticar desporto todas da mesma maneira. Assim, sector despor-
tivo pode ser definido como o espaço institucional mais ou menos forma lizado, com uma filosofia de
acção e identidade cultural próprias, coordenado por estruturas orgânicas dedicadas que gerem as res-
pectivas actividades desportivas com objectivos bem estabelecidos e dirigidas a grupos-alvo predefinidos.
Entre outros sectores temos o desporto escolar, o desporto universitário, o desporto para os trabalhado-
res, o desporto federado, o turismo desportivo, o desporto aventura, o desporto para todos, o desporto
militar, o desporto profiss ional, o desporto autárquico.
O desenvolvimento do desporto deve valorizar, numa determinada lógica, o trabalho em comu-
nidade dos diversos sectores. Contudo, sectores existem, como, por exemplo, o escolar e o federado,
que devem conjugar o seu trabalho em termos recíprocos, sob pena de se desperdiçarem recursos
que hão-de ser sempre escassos.

Etapa de desenvolvimento

O conceito de etapa determina os períodos de tempo entre os diversos momentos da vid a de um


praticante desportivo, que vão desde a animação e a iniciação até à orientação, especialização e manu-
tenção. Do ponto de vista formal, assumem diversas classificações, a depender das modalidades:
infantil, iniciado, juvenil, júnior, sén ior e veterano. O desenvolvimento do desporto deve determinar,
numa lógica de coordenação sequencia l, aqui lo que acontece nas diversas etapas de desenvolvimento.

Gestão e desporto formal

Antes das pessoas terem empregos organizados de acordo com a burocracia desenhada pela
sociedade industrial, elas já traba lh avam segundo um calendário organizado pela Natureza, onde a
gestão do tempo era determinada pelo so l, pelas cond ições climatéricas, pelas estações do ano e
pelas necessidades próprias de cada dia. A gestão exist ia numa perspectiva natural (orgânica),
muito diferente da perspectiva mecanicista (burocrática) que a passou a envo lver desde que a revo-
lução industrial arrancou. De facto, a gestão é uma ideia que nasceu no século XIX para envolver o
trabalho que era necessário realizar nas fábricas e nas burocracias das nações industrializadas. Foi
esta gestão que envolveu o chamado desporto tradicional, quer dizer, o desporto federado, e confi-
gurou o Modelo Europeu de Desporto, que se organiza nos clubes a partir do treino para se projec-
tar num sistema de competições desportivas. Nesta perspectiva, o praticante entra num sistema
estandardizado ao qual se tem de adaptar. Caso não o consiga é pura e s imp~smente excluído.
Esta é a lógica exclusiva do desporto federado. Se assim não for o sector não cum re a sua missão.
A gestão das suas práticas funciona num modelo fechado, já que na linh a do en no, da orientação
e da especialização desportiva, num processo de coordenação sequencial, as act vidades de ens in o,
treino e competição estão relativamente bem padronizadas. Uma escola de desporto, um quadro
competitivo nacional ou a realização de eventos desportivos obedecem a lógicas próprias circuns-
critas às modalidades que estiverem a ser consideradas.
144 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Gestão e desporto informal

A prática des porti va não tem só a ver co m as modalid ades despo rtivas tradicionai s de co nfi gu-
ração meca ni cista e burocráti ca , na linh a da co mpeti ção, da med ida e do recorde. Existe todo um
outro mund o de pos sibilidad es de acesso à práti ca desporti va qu e é necessá rio con siderar, so bre-
tudo co mo res posta às necess idad es das pess oas qu e não estão di sponíveis para entrarem no
mod elo da competição form al, ou estão em vi as de sair.
Co m o advento da sociedade pós-i ndu strial tem vind o a ser construíd a uma nova e diferente
maneira de ver, de entender, de estar, de praticar e gerir o des porto que va loriza os aspectos relaciona-
dos com o inform al, o inorganizado, a Natureza, o ri sco e a aventura. Para este novo pratica nte des-
portivo as técnicas são meios ao serviço da sua prática des porti va e não fin s que é necessári o cumprir
para obter um determin ado rendim ento padronizad o, que garante a subida ao pódio, muito embora
as modalidades desportivas de Natureza requeiram a utilização de técnicas de execução complexa,
não só pelos inerentes ri scos como pelos equipamentos que utili za m. Contudo, é a pratica des porti va
que tem de se adaptar às pessoas e não o contrário, como no modelo federado, pelo que a gestão
tem de enco ntrar numa perspectiva aberta as res postas convenientes e não o contrário. Ass im, a
lógica da organização e gestão deste tipo de activid ades já não se circun screve exclu siva mente aos
modelos formais da gestão tradicional ce ntralizada fund amenta lmente na supervisão directa, mas
abraça processos de cogestão e de autogestão, em qu e passa m a ser de fund amental importância os
mecani smos de coorden ação do tra balho, de aju sta mento mútuo e esta ndardi zação.

A técnica como meio

Os caminheiros e os montanheiras, para além de dominarem toda a técnica requerida pela pró-
pria modalidade, sentem um prazer imenso ao usufruírem da paisagem como também do esforço
ftsico realizado em plena Natureza. A técnica para eles serviu para melhor poderem gozar de todo
um conjunto de situações que a modalidade lhes pode proporcionar e não, simplesmente, para o
objectivo de quererem chegar mais alto, a fim de baterem um qualquer recorde. ·O praticante de
kayak goza o prazer imenso de desfrutar do poder e da velocidade da corrente do rio, das curvas ver-
tiginosas, das rochas e dos obstáculos que é obrigado a ultrapassar sem ter necessidade de estar inte-
grado numa competição e de querer chegar primeiro, ultrapassando obstáculos artificiais. O prati-
cante de surf aproveita a força e a inclinação das ondas para atingir velocidades extraordinárias e
sensações indescritíveis, independentemente de ter de entrar em confronto directo com outros prati-
cantes, através de competições estandardizadas. Nestas, o prazer deixa de ser a "destruição" da
onda para passar a ser a realização da técnica. O mergulhador, para além de sentir o prazer de
observar a paisagem subaquática, vive momentos de ausência de gravidade provocadores de sensa-
ções relaxantes e de conforto, que não se obtêm na atmosfera. Esta perspectiva é completamente
diferente daquela em que os praticantes mergulham para realizarem competições debaixo de água.

No modelo trad ici onal, quando o prati ca nte deixa de ser capaz de rea lizar a técnica na perfor-
. mance desejada, geralm ente des iste da prática des portiva. O prazer dele era rea liza r a técni ca e não
desfrutar da força da ond a, da beleza da altitude, da velocid ade da co rrente, da verti gem da veloci- )
dade, do desafio da gravid ade, da força do vento, do prazer de se projectar na bola que através de
um a pancada procura atin gir o obj ectivo, etc., etc. , etc. Esta maneira diferente de ver, interpretar e de
estar no desporto ca racteri za-se por as modalidades des porti vas deixarem de ser um conjunto de ges-
tos técnicos que é necessário cum prir para obter um res ultad o e uma cl assi fi cação, para passa rem a
-----
Atena e a Tecnologia [ 145

ser simples meios intermediários entre o praticante e a Natureza, o qu e obriga a toda uma din âm ica
de gestão da produção completamente diferente, bem co mo da logística de apoi o. A técnica, ass im ,
não é mais do qu e um in strumento ao serviço do praticante e não o contrá rio, co mo acontece na
visão tradiciona l das práticas des portivas. Na visão tradicional o pratica nte está ao serviço da técnica,
ele tem de trabalhar para conseguir cumprir, na mais alta performance, essa técni ca e, em consequên-
cia, obter a melhor cl ass ificação poss íve l.

lnorganizado

No desporto informal, in orga ni zado, não é a téc nica (leia-se burocracia) qu e interessa rea liza r
até à perfeição abso luta da pe rformance. O que interessa é enfrentar o desafio, é ve nce r o obstá-
culo. A técnica é um in strum ento qu e tem de se r gerido ao se rviço desse desid erato . Nestas cir-
cunstâncias, ela jamais se justifica por si só. Em con formidade, quando fa lamos de gestão do des-
porto temos também de co nsid era r esta perspectiva qu e apresen ta níveis de diferenciação
significativos e padrões de comp lexidad e muito elevados em relação ao modelo tradiciona l, o que,
no fund o, significa dizer que a gestão depende não só da tecnologia que está a se r gerida bem
co mo do contexto ond e está a ser rea lizada.

Ver as estrelas
Expressivas são as palavras de Guy Bernadin: "Tornámo-nos máquinas que correm em máquinas
numa sociedade de máquinas. Prefiro considerar esta volta ao mundo como uma aventura. Será o
meu quarto Inverno passado no Cabo Horn e, desta vez, espero ter tempo de contemplar as estrelas".
ln Pires, Gustavo (1990) . A Aventura Desportiva - O Desporto Para o 3-• Milénio

Gerir faz parte da essência da actividade humana

A problemática da gestão tem sido um a preocupação constante ao lon go da história da huma-


nidade. É evidente que as questões qu e hoje se colocam diferem daquelas qu e era m postas em
jogo no passado, já qu e as grandes qu estões organizacionais têm a ver com o estádio de desenvo l-
vimento tecnológico da humanidade. O próp ri o des porto moderno é um a consequência desse está-
dio de dese nvolvimento, na medida em.que, como se sa be, sendo um produto da soc iedade indu s-
trial, organizou-se à imagem e se melhança do se u modelo.

O desporto enquanto centro da vida social

Para os gregos antigos era considerado uma infelicidade morrerem sem terem estado em 0/fm-
pia. A civilização grega organizou a vida dos cidadãos a partir dos jogos que eram uma actividade
estrutu~te da própria sociedade. Qualquer circunstância social era um pretexto para organizarem
uma dis uta desportiva. Elas aconteciam nas mais diversas ocasiões, entre elas, casamentos e fune-
rais. O p drão de violência era enorme, contudo, não deve ser entendido segundo os critérios que
regem a s ciedade actual que também, em muitas circunstâncias, com outro tipo de violência, está
a encontrar no desporto a lógica do seu funcionamento. Na realidade, o Campeonato do Mundo de
Futebol (2oo6) a realizar na Alemanha, com todas as consequências económicas, sociais e polfticas,
está a colocar ofutebol no centro da vida moderna. Depois, em 2008, seguem-se os jogos de Beijing.

AGONGD- 10
146 ) Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Ao lon go de cada época, as práticas lúdicas e recreat iva s orga ni zaram-se de acordo com os
padrões determinados pelo cenário político, económico e socia l dos locais onde foram praticadas. No
entanto, aqui lo que tem a ver com as questões básicas da gestão, no que diz respeito à utilização de
recursos, de informação e de tempo, supomos que nada se modificou ao longo da história , na medida
em que, utilizar recursos, inform ação e tempo faz parte da essência de qualquer actividade humana.

Estabilidade da terminologia

De um a maneira gera l a termino logia no mundo da gestão não está estabil izada, desde logo
devido à dinâmica cu ltu ral que cada povo, sector ou organização imprime ao acto de gerir. Em conse-
quência, actualmente, podemos encontrar para o conceito de gestão múltiplas definições, entre elas:
·Acção de gerir; ·Administ ração; ·Conjunto de operações .

Diz-se ainda que no seu se ntido gené ri co significa qualquer admi ni stração de bens ou negócios
próprios, alh eios, privados ou públicos.
De facto, como temos vi nd o a referir, existe uma zona de incertezas, co ntrad ições e ambiguida-
des, que é necessário estudar para serem desvendadas, compreendidas e escla recidas. Em confor-
midade, há que esta belecer alguma disciplina de aná li se no sent ido de perce ber a verdadeira
dimensão do co nceito de gestão, não só em termos gerais como em relação à sua contextualização
ao mu ndo do desporto. Contudo, também não se deve esq uecer que o acto de gerir impli ca saber
conviver com paradoxos e con trad ições na procura das melhores soluções.
Peter Drucker (1993) perguntou, em 1954, no livro The Practice of Management: O que é a ges-
38
tão e o qu e é que o gestor faz? Para este académico, a gestão é um problema central e o gestor
um elemen to dinâmico em cada negócio. Segundo ele, existem duas dimensões da gestão, a eco-
nómica e a temporal. É evidente que hoj e podemos sem qualquer som bra de dúvida acrescentar
uma te rce ira que é o comportamento, quer dizer, as relações humanas e a co nsequente necessi-
dade de coordenação do traba lho entre pessoas. Peter Drucker (1909-2005) consi dera que o gestor
exerce as segu intes cinco funções fundamentais:
1. Determinação de objectivos; 4· El aboração de normas;
2. Desenho da o rganização; 5· Treino de re7crso hum anos.
3· Motivação e com uni cação;

Por tudo ISto, o gestor tem ppr fun ção pnnc1pal tomar dec 1sões.

Capacidades do gestor

Peter Drucker conclui que o gestor do futuro dever ser possuidor de 7 capacidades :
1. Gerir por objectivos;

2. Saber assu mir ri scos em relação ao tempo;

3· Estar apto a tomar decisões estratégicas;

38
The Practice of Management (1954), segundo Jorge Nascimento Rodrigues, veio mostrar três coisas: 1.' A existência de
uma nova profissão, o gestor, ou o "executivo", como lhe chamara, em 1938, Chester Barnard; 2 .' Que nascera um novo
tipo de estrutura organizacional ascendente (a corporação), nomeadamente com a nova economia do automóvel desde
os anos 20; 3.' Que passou a ser possível transferir o "know-how" da gestão, propriedade de uma meia dúzia de capitães
de indústria e profetas, pa ra um público mais alargado.
-- Atena e a Tecnologia [ 147

4· Ser capaz de construir e integrar equipas de trabalho;


5· Saber comunicar informação;
6. Ser capaz de ver o seu trabalho como um todo;
7· Conseguir relacionar a sua área de acção com o sistema total.

Sociedade pós-capitalista

No livro Sociedade Pós-Capitalista, Peter Drucker (1993a) diz-nos em pé de página: "No meu
livro The Practice ofManagement, de 1954, no qual tracei a gestão como uma disciplina, no que fui
pioneiro, a maior parte da análise tem a ver com gestão de negócios e a maioria dos exemplos são
retirados dessa área. Quando comecei a trabalhar em gestão, há cerca de cinquenta anos, também
me concentrei apenas nos negócios, mas rapidamente aprendi que ela é necessária em todas as
organizações modernas, quer sejam ou não dessa área. Quanto menor for a disciplina de resulta-
dos a que uma organização tem de estar obrigada maior serão as necessidades de gestão".
É o que se está a passar com o mundo do desporto. A tecnologia da condição física e do treino
não chegam para obter resultados, até porque a "disciplina de resultados" é no domínio da condi-
ção física e do treino bastante volátil. Um atleta pode estar hoje em plena forma e, amanhã, por
motivos vários, eventualmente do foro psicológico, potle piorar radicalmente a sua forma. Só é pos-
sível superar este tipo de dificuldades através de processos de gestão devidamente integrados, que
salvaguardem as organizações das turbulências próprias do mundo da competição e do espectá-
culo desportivo. O problema é que no mundo do desporto, em demasiadas situações, os projectos
decorrem dos resultados e não são os projectos que dão origem aos resultados.
Com as novas gerações de gestores de desporto, esta característica tem vindo a alterar-se, já
que se começou a perceber que a qualidade do produto final depende da qualidade dos gestores,
quer eles sejam directores-gerais, directores desportivos, directores técnicos ou até treinadores, e
dos consequentes projectos que eles são capazes de idealizar e desenvolver.

Gestores
Nicolau Santos escrevia nas páginas do Expresso (12/3J2oos): (... ) "É um dos melhores gestores
portugueses e, certamente, o mais bem pago. Com razão. Porque não há sorte que explique ser,
em três anos consecutivos, duas vezes campeão de Portugal, vencedor da Taça UEFA, vencedor da
Liga dos campeões, vencedor da Liga Inglesa, a caminho de ganhar o primeiro campeonato para o
Chelsea e eliminar o Barcelona nos quartos-de-final da Liga dos Campeões. (...) As vitórias de Mou-
rinho fazem-nos bem à alma. E servem-nos para dizer que temos outros Mourinhos- e não exacta-
mente no futebol". Nicolau Santos tem razão.

No entanto, num país em que, em muitos sectores e circunstâncias, entre elas o desporto, se pri-
vilegia a mediocridade, infelizmente, casos como o de Mourinho são uma excepção. Provavelmente,
Mourinho só existe precisamente porque se trata do mundo do futebol, um mundo onde no domí-
nio do jogo e do treino se privilegia a excelência. De facto, o que está a acontecer na sociedade actual
é que salvo raras excepções a mediocridade subiu ao poder. Em muitas e demasiadas circunstâncias
o que interessa é estar quieto porque o sucesso passa precisamente pelo imobilismo e a mediocri-
dade. A mediocridade passou a ser, na gestão de muitas organizações nacionais e internacionais, o
148 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

maior denominador comum pelo que muitas delas estão geridas por perfeitos incapazes ou simples
oportun istas que se acomodaram ao sistema. Em conformidade, tal como Nicolau Santos, sabemos
que existem muitos Mourinhos por esse país fora . O problema é que estão assoberbados pela ·
mediocridade reinante, que se encarregou de destruir a competição. A este respeito, o pedagogo bra-
sileiro Lauro de Oliveira Lima expressa bem o sentim ento, quando diz: "Eu me sinto como um puro-
-sangue árabe, trancado na cocheira, vendo os 'pangarés' correndo no 'derby'". Há no país muita
gente nesta situação, quer dizer, que é obrigada a ver os "pangarés" a governar as mais diversas ins-
tituições. É essa gente que um dia há-de garantir o futuro.

Novas oportunidades

Na realidade, o acto de gerir no mundo do desporto tem vindo a multiplicar o número de dife-
rentes oportun id ades de intervenção em função da criatividade das pessoas, das organizações e até
da própria dinâmica socia l. Contudo, em muitas e demasiadas situações, essas oportunidades têm
vindo a ser usurpadas por pilecas e "pangarés", através de processos que vão desde o nepotismo
ao tráfico de infiu ências, bem como à perpetuação e ao açambarcamento de lu gares, para além do
sistemático afastamento das mulheres.
Como nos diz Henry Mintzberg (1992), toda a actividade humana dá origem a necessidades
fundamentais e contraditórias. Por um lado, a divisão do trabalho, por outro, a coÔrdenação e a
conjugação do traba lh o. As organizações existem para produzirem trabalho que está de acordo
com a sua vocação, missão e objectivos. Por isso, "o gestor é uma pessoa encarregada de uma
organização ou de uma subunidade dessa organ ização". Deste modo, tanto é gestor o primeiro-
-ministro como o treinador duma equipa desportiva. No entanto, não restam dúvidas para qualquer
um, com um mínimo de bom senso, que cada um deles realiza um tipo de gestão completamente
diferenciada da outra. Quer dizer, muito embora exista um quadro cu ltural subjacente a qualquer
activid ade de gestão, contudo, existe também um sem-número de actividades de gestão relaciona-
das com a tecnologia específica bem como com os contextos, quer dizer, com uma filosofia e iden-
tidade cu ltural diferentes onde a referida tecnologia é aplicada. Uma coisa é gerir um governo outra
uma equipa de futebol. Como referia Nicolau Santos, relativamente a José Mourinho: "É um dos
melhores gestores portugueses - e, certamente, o mais bem pago". Claro que a tecnologia gerida
por Mourinho é diferente da de um primeiro-ministro.

Ambientes de gestão
Na visita que José Mourinho realizou a Israel um jornalista perguntou-lhe se alguma vez
Roman Abramovich tentou intrometer-se no seu trabalho. Mourinho respondeu:
"Se ele um dia quiser ser treinador do Chelsea, a equipa depressa vai parar ao fundo da tabela.
Tal como ele, se me entregar as suas economias, rapidamente estará na bancarrota. Cada um em
seu sftio: Ele com o dinheiro, eu com a equipa".
ln A Bola, 29{3{2005

Quando se está no domínio da gestão há necessidade de determinar o âmbito e o nível de res-


ponsabi lid ade daqueles quem têm as mais diversas competências dentro de uma organização.
Atena e a Tecnologia [ 149

Âmbito e nível de responsabilidade

Tendo em atenção a estrutura das organizações os gestores podem ser classificados de acordo
com o âmbito de responsabilidade e o nível de responsabilidade (ver quadro 20):
. Âmbito da responsabilidade: · Nível de responsabilidade:
- Gestores gerais; -Gestores de topo;
- Gestores de projecto; -Gestores intermédios;
-Gestores de funções . - Gestores de primeira linha.

Quadro 20 I Âmbito e nivel de responsabilidade

Gestor de Função

Cada uma das posições pode dar origem a diversos postos de traba lh o, com determ in ados perfis
de funções. Por exemplo, podemos perguntar qual é o perfil de funções do posto de traba lho que dá
pelo nome de "director-geral" de um clube da 1• li ga de futebol? Esta pergunta pode-se repetir inú-
meras vezes até porque são imensas as profissões do desporto já perfeitamente identificadas .

Nova gestão

Portanto, nesta fase em que o desporto moderno caminha para a sua maturidade, não é exage-
rado dizer que estamos no domínio duma nova gestão (a gestão do desporto) que pode assumir as
mais variadas formas de intervenção para aqueles (gestores de desporto) que estão encarregues de
unidades ou subunidades de organizações e nelas actuam através do conhecimento e aplicação de
uma dada tecnologia específica que neste caso é o desporto, tendo em atenção uma filosofia de acção
que determina a identidade cu ltural não só da profissão com da organização onde actuam.
150 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Contudo, é bom que se enten da que a gestão do desporto pode assumir também característi-
cas próprias. Os presidentes de uma federação desportiva ou de um clube têm necessariamente
competências, responsabilidades e perfis de funções diferentes das de um director técnico ou de
um treinador. Quanto mais elevado é o âmbito e o nível de responsabilidade mais se espera capaci-
dade intuitivajpo lítica da parte dos gestores (ver quadro 21). Pelo contrário, quanto mais se desce
na estrutura hierárquica, mais as capacidades técnicas devem prevalecer sobre as políticas.

Quadro 21 I Intuição x Tipos de níveis de gestão

Gestores de topo
+

"'> Gestores gerais


::I
....
c:
Gestores intermédios
Cll
"'C
Gestores de projectos
"'
"'C
v
"'c..
u"'
Gestores de prim · mha

Gestores de funções

(-)Âmbito e nível de responsabilidade(+)

As tarefas do gestor

Entretanto, por todo o mundo e nos mais diversos quadrantes da prática desportiva, os espe-
cia listas desportivos em matéria de gestão do desporto começam a surgir de todos os lados, sem
que o sistema se aperceba muito bem para o que é que eles servem - veja-se o que se passa com
os "directores desportivos" nos gran des clubes. E quando surgem especialistas emergem, conse-
quentemente, especialidades que são id entifi cadas através da formalização de comportamentos
que respondem àquela especialização.
Portanto, é necessário reconhecer que a formação do professor de Educação Física que outrora
respondia às mais diversas necessidades socia is e desportivas, quer dizer, às mais variada s espe-
cialidades, deixou de o fazer. No mundo do desporto começaram a surgir treinadores, preparado-
res físicos, gestores, directores técnicos, directores desportivos, isto é, um sign ificativo núm ero de
profissões do desporto, cada uma delas com funções diferenciadas relativamente aos contextos
onde são ap li cadas.

Os factos e o folclore

Entretanto, Henry Mintzberg (1975), na linha de Nietzsche (2005), ao contestar Sócrates n' A
Origem da Tragédia, também ele conclu iu que o modelo racional da acção dos gestores que Henry
Fayol tinha idealizado em princípios do sécu lo XX, constituído pela racionalidade apo lín ea do
....
Atena e a Tecnologia [ 151

prever, organizar, coordena r, comanda r e controlar, pouco ou nada tinha a ver com a rea lid ade.
Onde quer que "o seu olhar lúcido pousasse" encontrava apenas em matéria daquilo que os gesto-
res faziam o poder da ilu são, quer dizer, um folclore, na medida em que uma coisa era aquilo que
se dizia que os gestores faziam e outra, completamente diferente, o que eles na realidade faziam.
Numa cu ltura racionalista, o discurso dominante das esco las clássicas foi conduzido para aceitar
que os gestores eram conduzidos pela razão, pelo que paradoxalmente todo o sistema de contro lo
era deixado no domínio do instinto e da emoção. Ao afirmar peremptoriamente que a gestão não é
uma ciência, Mintzberg desmistificou a profissão de gestor, esclarecendo que uma coisa é real-
mente aquilo que eles fazem e outra comp letamente diferente aqui lo que o discurso comum dizia
que eles faziam (ver quadro 22).

Quadro 22 1Folclore & Realidade

Folclore Realidade

O gestor é: A acção do gestor é caracterizada por:

Brevidade, variedade, superficialidade, descontinuidade, pouco reflexivos,


Um planeador reflexivo e sistemático.
orientados para a acção.""

Não tem tarefas a cumprir. Comprom issos regulares, rituais, cerimónias, negociações.

Utiliza informação agregada. Privilegia a informação oral, conversas, telefone, reuniões, porta aberta.

A gestão é uma ciência. A gestão é uma arte. O conhecimento está no inconsciente do gestor.

Adaptado de Mintzberg (1992)

A partir do momento em que Henry Mintzberg (1975) apurou o conjunto de contrad ições entre os
factos e a realidade no que diz respeito às tarefas do gestor que se situavam mu ito mais debaixo da
acção de Dionísio do que da de Apoio, também ele não resistiu à tentação de as ordenar em três cate-
gorias fundamentais: (1) Tarefas de inter-relação; (2) Tarefas de informação; (3) Tarefas de decisão.

Concepção

O acto de gerir pressupõe o conhecim ento de um conjunto de competências do âmbito da ges-


tão. Contudo, o domínio dessas competências só ganha verdadeiro significado quando ajustado ao
amb iente e à tecnologia que estiverem em causa. Para gerir é fundamental co nhecer profundamente
o ambiente em que se está, numa interacção profundamente criativa muito mais relacionada com
Dionísio do que com Apoio. O "agôn" da gestão, no fundo, tem de ser encontrado na dialéctica
entre Apoio e Dionísio, sem deixar de, em cada momento, considerar tanto Zeus quanto Atena .
Parece-nos evidente que gerir uma fábrica de automóveis como a Volkswagen não é a mesma coisa
que gerir um clube social, as práticas desportivas ao nível do desporto escolar, ou qualquer programa
desportivo no âmbito do sector autárqu ico ou empresarial, na medida em que estamos em presença de
tecnologias distintas e culturas diferenciadas. Gerir dinheiro e aplicações financeiras, por exemplo,
quando os clubes são sociedades anón imas, não é a mesma coisa que gerir pessoas e actividades que
152 ] Agôn I Gestão do desporto 1O jogo de Zeus

tenham directamente a ver com as suas vidas naquilo que diz respeito à ocupação do seu tempo livre,
recreação e lazer, muito embora também se administrem recursos financeiros (angariação, aplicação e
controlo), recursos humanos, recursos materiais e recursos informacionais. E, mesmo na situação das
ditas sociedades desportivas, há que saber muito bem o que é que se está a gerir. Se aplicações finan-
ceiras, fundos de investimento, obrigações, acções ou outros, ou se se está a gerir práticas desportivas,
nos domínios da organização e do negócio do desporto, quer dizer, a substância que poderá dar signifi-
cado e va lor à sociedade desportiva, como por exemplo um centro de formação ou uma academia.

' Ambiente

As organ izações desportivas vivem em determinados ambientes que lhes condicionam a vida.
O ambiente dum clube do desporto escolar é comp letamente diferente do ambiente dum clube do
sector do desporto federado, ou daquele que envo lve uma sociedade anónima desportiva.
Mesmo se olharmos só para o desporto temos de acordar que existem organizações que se relacio-
nam com ele das mais diversas maneiras. A multiplicidade de relações possíveis que as organizações
podem estabelecer com o ambiente que as circunda exige uma aná lise, um tratamento e uma com-
preensão cuidadas. Comparar a Adidas ou a Nike com um clube, ou até um clube europeu com um
americano, é comparar realidades tão diferentes que dificilmente podem ser comparadas. Repare-se
que a Nike, enquanto organização do mundo do desporto, fabricante de diverso materi~l desportivo,
que até contribui para a contabilid ade relativa à economia do desporto, tem uma vocação e missão que
nada têm a ver com a gestão duma organ ização desportiva, muito embora necessite nos seus quadros
humanos de especialistas de diversas áreas, entre as quais a do desporto (gestores de desporto).
Portanto, quando se trata de perspectivar as tarefas de um gestor de desporto é necessário, antes
de tudo, conhecer e compreender o ambiente em que a organização está envolvida. Assim, torna-se
necessário ser possuidor de uma capacidade de concepção sobre uma dada tecno logia (desporto,
modalidades desportivas), a funcionar num determinado ambiente (áreas e sectores de prática des-
portiva) e dirigida a grupos-alvo específicos (pessoas, id ade, género, seus anseios e objectivos).
Daqui se comp reende que para gerir seja o que for é necessário ter da actividade em causa o
conhecimento da sua tecnologia e do contexto onde ela opera. Assim, tem de existir uma compe-
tência da parte do gestor de desporto que está intimamente relacionada com a actividade em si e
que denominaremos de concepção.
A partir da ideia inicial de Mintzberg organizámos as tarefas do gestor a partir de algumas
adaptações que, para além de c0nsiderarem as tarefas de concepção·, ajustaram a terminologia
adaptando-a à nossa realidade desportiva (ver quadro 23) .

Quadro 23 1Tarefas do gestor

Tarefas do gestor

Concepção Informação lnter-relação Decisão

Tecnologia Recolha Liderança Empreendimento


Criatividade Tratamento Ligação Resolução de problemas
Prospectiva Disseminação Representação Locação de recurso
Negociação

Adaptado de Mintzberg (1992)


Atena e a Tecnologia [ 153

Tarefas e subtarefas

Da desagregação das fun ções do gestor em tarefas e estas em competências gerais orga nizámos
um quadro que não pretende ser exa ustivo mas pura e si mples mente encontrar um primeiro esboço
que permita determin ar os diversos perfis de posto de trabalho qu e hoje podem ser encontrados no
domínio da gestão do desporto (ver quadro 24). O objectivo é poss ibi litar a descrição do posto de tra-
balho a partir do conceito de competências no âmbito da gestão do desporto, quer di zer, o conjunto
de competências necessárias ao desem penho de uma determi nada profissãojocupação no âmbito da
gestão do desporto.

Quadro 24 I Funções x Tarefas x Competências

Tarefas Subtarefas Descrição

Conhece os fundamentos do desporto e da gestão no contexto económico,


Tecnologia
educativo e social.

Relaciona numa perspectiva sinergística e pragmática as problemáticas relacionadas


Cri atividade
De concepção com a história e o futuro"'"do desporto.

Projecta o fenómeno de desenvolvimento do desporto para além dos


Prospectiva circunstancialismos do quotidiano, tendo em atenção as grandes tendências
económicas, sociais e políticas.

Identifica os dados necessários à gestão da informação de suporte à tomada de


Recolha
decisão.

Écapaz de transformar os dados em informação e esta em conhecimento


De informação Tratamento de utilização prática. Domina a tecnologia do planeamento e gestão de projectos
nos diversos contextos económicos e sociais onde se desenvolve o desporto.

Écapaz de idealizar e construir bases de complexidade simples. Domina


Disseminação
as tecnologias necessárias à comunicação interna e externa das organizações.

Conhece os rituais, as cerimónias e os procedimentos do desporto nacion al


Representação no quadro das dinâmicas da cu ltura dos diversos sistemas desportivos, tanto
a nível nacional como internacional.

Conhece as problemáticas da liderança nas suas componentes do conhecimento,


.De inter-relação
Lideran ça da autoridade, da motivação, da confiança e da incerteza. Écapaz de construir
e integrar equipas de trabalho. Compreende a dinâmica de grupos.

Sabe com unicar informação. Écapaz de ver o seu traba lho como um todo.
Ligação
Consegue relacionar a sua área de acção com o sistema total.

Empreendimento
Écapaz de gerir por objectivos. Está apto a tomar decisões estratégicas.
Sabe assumir riscos em relação ao momento certo.
/
Écapaz de identifica r potenciais conflitos. Écapaz de os gerir tanto a nível interno
Resolução de conflitos
como externo da organização.
De decisão
Locação de recursos Écapaz de gerir recursos humanos, materiais, financeiros, informacionais.

Negociação Da empatia à dinâmica da negociação.


154 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

5.4 Gestão do desporto

A imaginação é, de longe, muito mais importante do


que o conhecimento.
Albert Einstein (1879-1955)

Para que serve a gestão do desporto~ Quando nos fazem esta pergunta le.mbramo-nos da
pequena estória passada com o inventor da electricidade. Quando Michael Faraday descrevia a sua
última descoberta em electricidade, o primeiro-ministro britânico que visitava o laboratório pergun -
tou-lhe: "Para que é que isso serve?" Faraday respondeu-lhe: "Para que é que serve um recém-nas-
cido? Há que esperar que cresça para o sabermos".
Os problemas relativos à gestão do desporto, que no passado eram resolvidos simplesmente
com o recurso aos instrumentos da pedagogia, nos últimos 20 anos, entraram num processo de
acelerada complexificação que obrigou a integrar no acto de gerir um cada vez maior número de
conhecimentos e técnicas das mais diversas áreas científicas. Se considerarmos a perspectiva de
Henry Mintzberg (1992), naquilo que designa por "parâmetros de concepção" (concepção do posto
de trabalho, concepção da super-estrutura, concepção das ligações laterais e concep~ão da tomada
de decisão), quanto à concepção do posto de trabalho devem ser considerados qu ~ro aspectos
0
fundamentais (ver ponto n. 7.2):
1. Especialização; 3· Formação inicial;
2. Formalização dos comportamentos; 4· Socialização.

Existe uma determinada categoria profissional quando é possível determinar a especialização


das tarefas, pelo que a formalização dos comportamentos acontece de uma forma estandardizada.
Como tal, podem-se elaborar programas de formação inicial, para, finalmente, todo o sistema ser
reconhecido institucionalmente através das mais diversas associações que existem na sociedade.
Será que isto já está a acontecer no mundo da gestão do desporto~

EUA

Nos EUA a gestão do desporto pode ser analisada a partir das ligas profissionais, por um lado, e
o sistema de competição inter-colégios e universidades por outro (G. Pires e P. Sarmento, 2001). Em
qualquer das situações, todo o srstema se desenvolveu a partir de uma tógica de negócio.
Para Don Calhoun (1981), a história do desporto é a história da transição do amadorismo para
o profissionalismo. Na realidade, a gestão do desporto nos EUA esteve, desde sempre, ligada à
necessidade de "fazer dinheiro" . Por isso, não é de estranhar que, de acordo com E. Zeigler (1987),
na década de sessenta ainda não existissem estudos significativos relativos à gestão e administra-
ção do desporto. A gestão aconteceu a partir da acção de promover negócios no âmbito do des-
porto. O autor referido publicou, em 1959, Administration of Physical Education and Athletics e, pos-
teriormente, em 1975, Administrati11e Theory and Practice in Physical Education and Athletics. Em
1971, a "American Association for Health, Physical Education and Recreation" publicou Administra-
tion of Athletics in Colleges and Uni11ersities . Do lado americano, estas são as primeiras referências
que deram origem àquilo que hoje se passa em matéria de gestão do desporto.
Em 1993. a NASSM (North America Society for Sport Management), que tinha sido fundada em
1985/86 por académicos tanto dos EUA como do Canadá, em colaboração com a NASPE (North
America Society for Physica/ Education). editaram o documento Standards for Curriculum and Voluntary
- Atena e a Tecnologia [ 155

Accredítatíon of Sport Mangement Educatíon Programs. Neste documento foram estabelecidos os


critérios mínimos para um currículo de gestão do desporto poder funcionar, não só no que diz res-
peito às áreas burocráticas e administrativas como científicas. Isto significa que, uma vez cumprido
o necessário processo de especialização do posto de trabalho, foi possível formalizar comporta-
mentos para se iniciar a formação inicial.

Formação inicial

De acordo com Bonnie Parkhouse (1996) os aspectos fundamentais que um programa de ges-
tão do desporto deve conter são os seguintes:
·Domínio das actividades desportivas (hehavíoral dímensíons ín sport);
· Gestão e competências organizacionais em desporto (management and organizational ski!!s in
sport);
· Ética;
· Marketing;
· Comunicação;
• Finanças;
• Economia do desporto;
· Direito do desporto;
· Política desportiva;
· Experiência de terreno.

Mais recentemente, l<aren Daylchuck (1999) enfatiza que os programas de gestão do desporto
devem evoluir nos próximos anos em termos estratégicos, tendo em atenção quatro características
fundamentais:
1. Envolvimento com as faculdades de economia e gestão;
2. Incrementar diversidade e especialização;
3· Reforçar os aspectos internacionais e globais;
4· Melhorar a capacidade empreendedora.

Em conformidade, os currículos deverão considerar as seguintes áreas do conhecimento: Marke-


ting, Turismo, Recursos Humanos, Tecnologias da Informação, Relações internacionais, Planeamento
estratégico, Gestão de negócios.

Europa

No que diz respeito à Europa houve acerca da gestão do desporto uma atitude mais sociológica
e "jurisdicizada", ou até do domínio da economia política (G. Pires, 1989). Os primeiros trabalhos
tendo em atenção a organização política da educação física e desporto datam já da segunda metade
do século passado, em que os autores de referência, em nossa opinião, podem ser, entre outros,
Jean Dumazedier (1950), com a obra Regards Neufs sur /e Sport, George Magname (1964) e a obra
Sociologie du Sport - Situation du Loisir Sportif dans la Culture Contemporaine, Jean Meynaud (1966)
com Sport et Politique e Berthaud, G. & Brohm J. M. & Gantheret, F. & Laguillaumie, Pierre (1972)
com a obra colectiva Sport, Culture et Repressíon e Bernard Jeu (1972) com Le Sport, la Mort, la Vio-
lence. Este último autor procurou definir os conceitos, as estruturas e os modelos, em relação ao
156 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

processo desportivo. O importante desta obra é o facto de, pela primeira vez, partindo da necessi-
dade da "exigê ncia de racionalid ade" , o autor falar em "defin ir políticas desportivas", id ea lizando um
conceito com uma dimen são em que procura ca ptar a globalidade do fenómeno. Simultaneamente,
na Suiça, François Pidoux (1972) pub licou Vers une Politiqu e de Promotion Sporti11e . O finlandês
Pekka Kivi aho (1973) publicou, através da Universidade de Jyva skyla, o títu lo Sport Organizations and
the Strutcture of Society. Em 11 de Março de 1973, a cu lmin ar todo um traba lh o coordenado por
Benito Castejon Paz, foi divul gada, pelo Conselho da Europa, a obra La Rationalization des Choix en
Matiére de Politique Sporti11e. Entretanto, o grande sa lto da pedagogia, da economia política e da pró-
pria sociologia para a admini stração dá-se em 1975 atra vés do CO I, ao edita r uma obra intitu lada Pro-
blemes d'Organisation et d'Administration du Sport, onde aparecem nomes credenciados no domínio
da pedagogia do desporto como era o de Jose Maria Cagical.
Entretanto, o "Sport Management Comm ittee da Eu ropean Network of Sport Sciences in Higher
Education" editou , em 1995, umas normas onde foram estabelecidos os critério s mínimos para atri-
buir respectivamen te os diplomas de licenciatura e de mestrado a nível das universidades aderentes.

Portugal

Ao longo do século XX fora m pub li cadas diversas obras a justificarem a necessid ade de um a
gestão política, técnica e adm ini strativa do fenóm eno desportivo. A primeira foi cer tam ente a de
José Pontes (1934) Quase um Século de Desporto .
Eurico Serra (1939) proclama a necessidade da intervenção admini strati va do Estado no des-
porto. Na obra intitulada Desporto, Educação Física e Estado diz o autor: "O Chefe do Gove rn o
anuncio u já que de há muito se lh e afi gu ra necessária qu alquer intervenção para suprir o que de
outro modo não poder se r fe ito, para coo rdenar o qu e andasse di sperso, para subordinar ce rto s
individu ali smos in ev itáveis ao alto interesse de todos. (.. .) A doutrina do Estado não é tota litária
qu anto à essência, porque o poder encerra na sua origem limites de ord em espi ritual e moral".
Em 1967, numa perspectiva ideológica diametralmente oposta, José Esteves pub li ca O Desporto
e as Estruturas Sociais.
Sob a coordenação de Prostes da Fonseca surgiu , em 1968, Planeamento da Acção Educati11a,
editado pelo Ministério da Educação Naciona l, ao qual fica também ligado esse nome fundam ental
da admi ni stração pública portuguesa que foi José Mari a Noro nh a Feio.
Manuel Sérgio (1974), na obra Para uma Reno11ação do Desporto Na cional, dá abertura à discus-
são políti ca e adm ini strativa da organização do desporto em Portu ga l, já na vigência do regim e
democrático.
Seguem-se obras como as de Melo de Carvalho (1975) Desporto e Re11olução- Uma Política Des-
portil!a, Jorge Cres po (1976) O Desenllol11imento do Desporto em Portugal um Acto Político, Gustavo
Pires (1979) Pressupostos para a Análise da Situação Desporti11a39 .

39
Mai s recen temente, surgiram trabalhos como Melo Carva lho (1994) . Desporto e Autarquias Locais - Uma Nova Via para o
Desenvolvimento Desportivo Nacional, Porto, Campo das Letras; Gustavo Pires (1996). Desporto e Política- Paradoxos e
Realidades, Funchal, O Desporto Madeira; Melo Ca rva lho (1997). O Dirigente Desportivo Voluntário, Li sboa, Horizonte;
Francisco Fernandes (1999) . Madeira, Desporto e Autonomia, Fun chal, Desporto Madeira; José Manuel Constantino
(1999). Desporto, Política e Autarquias, Lisboa, Livros Horizo nte; Abel Corre ia (2000). Estratégia das Federações Desporti-
vas no Ciclo Olímpico de Sydney, Li sboa, Secretaria de Estado do Desporto; Melo Carva lh o (2001). O Clube Desportivo
Popular. Porto, Campo das Letras; Gustavo Pires (2003). Gest do Desporto - Desenvolvimento Organizacional, Porto,
Associação Portuguesa de Gestão de Desporto; André Escórcio (2004). Ano Europeu da Educação pelo Desporto , Funcha l,
O Despo rto Madeira.
Atena e a Tecnologia [ 157

Em língua portuguesa, e porque o autor tem uma grande influência em Portugal, acrescenta-
mos que Lamartine DaCosta (1972) coordenou os trabalhos que resu ltaram na obra Diagnóstico da
Educação Física e Desportos no Brasil, ficando como sendo uma das primeiras obras a nível mundial
produzidas sobre o assunto.

Síntese

A gestão do desporto não nasceu de geração espontânea, na medida em que é b resultado dum
processo de evo lu ção lon go, do qual, agora, começam a existir as prim eiras sínteses reflexivas.
Embora por vias distintas, uma norte-americana, centrada na base do desporto universitário das
ligas e da gestão de negócios e outra europeia, mais preocupada na intervenção política da admi-
nistração pública e na consequente generali zação da prática desportiva através do "Desporto para
Todos". Quer dizer, nos EUA, na organização das práticas desportivas de competição escolar. Na
Europa, nas actividades de lazer e compet ição organizadas pelos clubes soc iais, promovidas e
apo iadas pelo próprio Estado.
De há cerca de vinte anos a esta parte, através da indústria do lazer, o desporto entrou naquilo a
que podemos des ignar como a "era económica". De facto, se o desporto dantes era um sistema
integrador de uma cadeia vertica l de va lores sociais, h;je, cada vez mais, é um sistema integrador de
uma cadeia vertica l de valores económicos. Em conformidade, a concepção do posto de trabalho
nos mais diversos amb ientes que caracterizam as práticas desportivas está num processo de trans-
formação acelerada que acabará por defin ir o gestor de desporto do futuro e as suas especialidades.
Em 1987, o Conselho da Europa, a partir de um seminário realizado sob o título "La formation a
la Cestion Sportive", definia gestão como "o processo pelo qual assum im os a responsabilidade da
planificação e da regulação dos recursos no interior de uma organização- pessoas, manifestações
ou instalações - a fim de realizar objectivos". Mais recentemente, a "European Association for
Sport Management" (http:/ jwww.easm.net) definiu gestão do desporto como "os aspectos estra-
tégicos, organizacionais e de contro lo de actividades no domínio da organização do desporto com
o objectivo de: (1) proporcionarem boas condições para os utentes dos serviços desportivos
(espectadores, atletas); (2) possibilitarem uma boa e efectiva cooperação entre entidades voluntá-
rias e profissionais; (3) permitirem um razoável pagamento dos custos". Nesta conform id ade, a
mesma organização define gestor como: "Aquele que gere as práticas desportivas utilizando um
conhecime nto específico das organizaÇões desportivas, através de uma estratégia, um processo e
um co ntrolo de activ idades". Define, ainda, organização do desporto como "qualquer organização
permanente ou temporária que desenvolve actividades relacionadas com o desporto ou que delas
· depende para o seu processo de produção e sobrev ivência" .

5.4.1 Situação desportiva

Quando se está no domínio da gestão do desporto, o primeiro conceito a ser cons iderado deve
ser o de situação desportiva (Castejon Paz, 1973). A situação desportiva é um dos conceitos-base
do processo de gestão do desporto que permite conhecer, analisar e compreender o estado de um
dado contexto desportivo num determinado momento, através da identificação dos seus elementos
desportivos, paradesportivos e extra-desportivos .
1 58 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

O interesse fundamental do conhecimento da situação desportiva 40 deve-se ao facto de este


conceito ser a base de sustentação de políticas e de projectos desportivos, já que é a partir da aná-
lise da situação desportiva - diagnóstico do desporto- que se pode desencadear um processo de
tomada de decisão quanto à organização do futuro, quer ele diga respeito a um estabelecimento de
ensino, um clube, uma federação, uma organização não governamental, uma empresa desportiva
ou ao próprio país. No entanto, para que a análise da situação desportiva seja um instrumento com
utilidade prática, tem de se sustentar em estruturas de análise predeterminadas que garantam pro-
cessos metodológicos ajustáveis às diferentes realidades dos vários países, das diversas regiões,
diferentes organizações, sectores ou modalidades desportivas.

DadosflnformaçãofConhecimento

Para apurar a situação desportiva são necessários dados, para que possam ser transformados
em informação e esta em conhecimento. No entanto, a tradição no mundo do desporto não tem
sido a de medir para além dos resultados desportivos que se obtêm ao longo de cada época des-
portiva. Tudo o resto, salvo raras excepções 41 , não tem merecido o interesse das diversas autorida-
des, que nos seus mais variados sectores superintendem o processo de desenvolvimento do des-
porto. Repare-se que, se por um lado as estatísticas desportivas produzidas pelo Instituto Nacional
de Estatística são parcas e de utilidade reduzida, por outro, a publicação dos anuári9s do desporto,
embora com utilidade, não resolvem o problema na sua totalidade.

Conhecimento da situação desportiva

De facto, não é fácil conhecer, com um relativo rigor, quanto é que cada sector, autarquia ou o
país gastam no desporto e, muito menos, como, aonde e com quem. Mas não só. Se passarmos para
os recursos humanos, a situação é mais ou menos idêntica. Não se sabe com rigor quantos atletas,
dirigentes ou técnicos é que existem, com que níveis de formação e com que estatuto. Do mesmo
modo, se pensarmos nas instalações desportivas, não é fácil conhecer com exactidão a situação que
existe em relação aos diversos espaços e às várias tipologias.
Contudo, a este respeito têm sido realizados ultimamente significativos esforços pelas autar-
quias, bem como, de certo modo, pela administração pública (Instituto do Desporto de Portugal),
no que diz respeito a algumas bases de dados (http:jjwww.idesporto.pt), entre elas:
· Legislação desportiva;
· Carta das Instalações Desporti~as Artificiais- 2000, tem por objectivo fornecer, ao sistema despor-
tivo, elementos actualizados sobre o número de instalações construídas e respectiva superfície
útil, dados comparativos com os índices de referência internacionais, oferta do número de insta-
lações e da superfície útil por tipologia e por Nuts III.

40
Desenvolvemos a problemática da situação desportiva a partir do estudo realizado por Benito Castejon Paz para o Conse·
lho da Europa, intitulado La Rationalization des Choix en Matiere de Politique Sporti~e, no ano de 1973- A prime1ra parte
deste trabalho, intitulada Instrumentos Conceptuais, foi traduzida para português e publicada na Colecção Antologia Des-
portiva, Vol. 6, editada pela dos Desportos. O conceito de situação desportiva começou também a ser
desenvolvido no âmbito do "Conselho Americano do Desporto Internacional". A este respeito, ver Conselho Americano
do Desporto Internacional (1978). Directrizes Orientadoras de um Estudo Nacional sobre a Situação da Educação Física e do
Desporto, Washington, ACIS.
41
Entre as excepções mais recentes não podemos deixar de referir os seguintes trabalhos: (1.
0
} Estatísticas do Associati~ismo
Desporti~o-
0
1996-2004, editado pelo Instituto do Desporto de Portugal sob a coordenação de Fernando Tenreiro. (2. A }

Administração Pública Desportiva e a Avaliação dos Apoios à Participação de Portugal nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004,
um trabalho coordenado por Alfredo Silva e João Campos.
....
Atena e a Tecnologia [ 159

Levantamento e análise

O levantamento e análise da situação desportiva de um país, uma região, uma federação ou,
simplesmente, um clube ou empresa, tem por objectivo obter um conjunto de dados que determi-
nam as existências e os ~uxos no mundo do desporto e, através do tratamento dos dados obtidos,
conseguir a informação a partir da qual (análise) é possível desencadear o processo de planea-
mento. Isto significa passar dos dados colhidos no levantamento da situação desportiva para a
informação elaborada na análise da situação desportiva. Na sequência do levantamento e da aná-
lise de uma dada situação (realidade) desportiva decorre o conhecimento necessário à compreen-
são dessa mesma realidade. Em conformidade, o instrumento situação desportiva deve permitir a
qualquer organismo despor1ivo responder a três questões fundamentais:
1. Aonde é que se encontra?
2. Para onde é que quer ir>
3· Como é que pode ou deseja lá chegar?

Objectivos da situação desportiva

Porque, quando não se sabe para onde é que se quer ir, qualquer caminho serve. Quando qual-
quer caminho serve, geralmente, acaba-se por chega t a lado nenhum. Por isso, o desenvolvimento
do conceito de situação desportiva deve cumprir quatro objectivos fundamentais, a saber:
1. Construir e utilizar uma terminologia comum, facilitadora de diálogos francos, abertos e per-
ceptíveis entre diferentes opiniões;
2. Apurar de forma sistemática aquilo que existe num dado espaço geográfico, sector, área ou
modalidade desportiva;
3· Estabelecer comparações entre diferentes momentos da mesma realidade desportiva;
4· Permitir desencadear processos de planeamento, quer dizer, determinar o "gap" estratégico
(diferença entre a projecção de referência e a projecção planeada).

Alice no País das Maravilhas

Na estória de Lewis Carrol/, a pequena Alice resolveu seguir o coelho, um animal com proble-
mas de gestão do tempo, e, quando deu por ela, estava completamente perdida. Até que, num
cruzamento de caminhos, encontrou ~gato. Este foi o diálogo que se seguiu:
Alice: Por qual caminho devemos seguir?
Gato: Para onde é que queres ir?
Alice: Não sei.
Gato: Então qualquer caminho serve.

Decisões fundamentadas

A decisão em matéria de gestão do desporto, naquilo que tem a ver com o planeamento das
organizações e sectores desportivos na prossecução dos seus objectivos, passa a ser construída na
base de decisões fundamentadas em parâmetros perfeitamente compreensíveis pela sociedade
desportiva, sem que com isso se limite o espaço de liberdade de intervenção dos diversos agentes
J
160 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

públicos ou privados, com e sem fins lucrativos. O que se pretende, é que o desporto deixe de ser
um espaço em que impera uma prática de expedientes e do "salve-se quem puder", através de pro-
cessos de manipulação e influência, que só convêm àqueles que sustentam as suas acções na
capacidade para manobrarem o poder, em defesa dos seus interesses, na maioria das vezes de
valor ético e social duvidoso. Contudo é bom que se considere que nem sempre as boas decisões
garantem bons resultados . Só porque as coisas não evoluíram num determinado sentido, não quer
dizer que as decisões tenham sido erradas. É necessário considerar que muitas coisas acontecem
pura e simplesmente de forma imprevisível, sendo, por isso, desconhecidas, pelo que, na avaliação
de uma decisão, é imprescindível considerar a informação ao tempo disponível.

Mudança cultural

Muito embora os processos de mudança cultural levem tempo a produzir efeitos, principal-
mente no mundo do desporto em que o civismo, a cultura e a vivência democrática já não são o
que outrora foram- veja-se, por exemplo, os estatutos de algumas federações desportivas que são
um autêntico atentado aos mais simples valores democráticos -tem-se por objectivo esclar"ecer a
noção de situação desportiva, na expectativa de podermos enriquecer um quadro teórico de concei-
tos no domínio duma teoria da gestão do desporto, que possibilite um diálogo entre aqueles que,
quer directa quer indirectamente, intervêm no processo desportivo.

Definição

A situação desportiva é definida como uma visão analítica e funcional do mundo do desporto
(Castejon Paz, 1973). Refere-se a um determinado momento na medida em que, geralmente, a data
de balanço se ajusta aos períodos anuais ou quadrienais relativos a cada ciclo olímpico ou de pla-
neamento anual, de acordo com a situação que estiver a ser tratada.

Visão analítica do mundo do desporto

A situação desportiva é uma visão analítica do mundo do desporto porque:


1. Identifica os múltiplos aspectos (elementos) que, num determinado momento, caracterizam
uma dada realidade desportiva;
2. Realiza o inventário e o balanço, numa data precisa das diversas partesjrealidadesjelementos
<:JUe caracterizam o mundo do desporto;
3· Determina a contabilidade analítica das práticas desportivas, isto é, a medida das existências
e dos fluxos internos dos bens (materiais e imateriais) e das actividades públicas ou privadas
que dão forma e conteúdo aos mais diversos sectores desportivos.

Fotografia

Tal como Castejon Paz (1973), podemos dizer que a situação desportiva é a fotografia do des-
porto num dado momento, quer dize r, uma descrição sistemática do estado de uma organização,
de um sector, de uma região ou do próprio sistema desportivo de um país.

Visão funcional do mundo do desporto

A situação desportiva representa, ai da segundo o autor referido, uma visão funcional do mundo do
desporto, porque permite diagnosticar ma dada realidade desportiva (análise), através do apuramento
...
Atena e a Tecnologia [ 161

de um conjunto de rácios, úteis não só à compreensão da própria organização ou sistema como à elabo-
ração do planeamento e à programação de projectos. Podemos considerar, entre outras, as seguintes
taxas no que diz respeito à relação entre os praticantes e a prática (Brian Rodgers, 1977):
1. Taxa de penetração- Relação entre os praticantes ocasionais (pessoas que praticaram alguma
vez desporto) e a população total;
2. Taxa de participação- Relação entre os praticantes em actividade e a população total;
3· Taxa de fidelidade- Relação entre os praticantes em actividade e as pessoas que praticaram
desporto numa dada ocasião;
4· Taxa de intensidade- Relação entre praticantes regulares e os praticantes em actividade.

Outras taxas

Em função do levantamento e da análise da situação que se deseja realizar, podem ser estabele-
cidas as mais diversas taxas desportivas. Tudo depende de existirem ou não estatísticas fiáveis de
suporte. Podem ser organizadas, entre outras, as seguintes taxas:
1. Relação entre as diversas categorias de recursos humanos;
2. De instalações;
3· De relação entre praticantes e instalações;
4· Financeiras;
5· Relação entre indicadores financeiros e praticantes;
6. Diferentes realidades, por exemplo, desporto federadojdesporto escolar.

Elementos

O processo para se atingir a raiz de qualquer problema, sobre o qual debruçamos a nossa aten-
ção, pode ser o método analítico, que possibilita a análise até um ponto não decomponível, daquilo
que está em observação. No desporto, também podemos utilizar este processo lógico, atomista, de
forma a melhor compreendê-lo. Ao desagregarmos o desporto nas suas mais pequenas partes,
quer dizer, em elementos- as unidades mais simples que caracterizam o mundo do desporto42 -,
estamos a utilizar um método analítico que pode prosseguir até um ponto em que a decomposição
não é mais possível.
O conceito de situação desportiva pode ser definido a partir do conjunto de elementos desporti-
vos que caracterizam num dado momento uma determinada realidade desportiva, tendo em consi-
deração um quadro condicionante e um quadro de apoio (ver quadro 25).

Categoria dos elementos

Os elementos podem ser de três categorias: desportivos, paradesportivos e extra-desportivos.

42 /
Repare-se que podemos considerar o elemento praticante, mas também podemos depender da situação, desagregar este
elemento em diversas categorias, já que pode haver praticantes desportivos escolares, federados, profissionais, infantis,
iniciados, juvenis, etc.
/
AGONGD-11
162 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Quadro 25 1Situação desportiva

~
Desportivo Paradesportivo Extra-desportivo
...
.
/. Independentes Suporte Dependentes

.. ·,,~~~!$~~l~j~\~ Controláveis Suporte Condicionante

S'stetnas .a. Elementos desportivos

Estruturas desportivas Geografia: montanha; planície; Meteorologia: temperatura;


1. Fisico naturais .. . interior; litoral; relevo ... precipitação; humidade;
horas/sol ...
As decisões em matéria de Políticas sectoriais: Políticas nacionais:
política desportiva devem ser Saúde; trabalho; juventude; constituição;
equacionadas, tendo em transportes, ambiente; programas de governo;
atenção os seguintes vectores: energia; turismo; etc. leis gerais;
2. Politico
Estado x Sociedade civil; relações exteriores ...
Massa x Elite.
Implementação: Factores de
desenvolvimento ...
Contabilidade desportiva: Políticas nacionais PIB, rendimento "per capita";
receitas/despesas; % do Pib; e regionais ... consumo das famílias;
3. Financeiro/Económico
% desp. Administração salários ...
Pública ...
Seguros desportivos; apoio Apoio médico e paramédico; Sistema educativo; sistema de
médico e paramédico; sistema formação; ensino; serviços de saúde; política de emprego .. .
4. Social de apoio à alta competição; saúde; comunicação social ...
apoios à generalização da
prática desportiva ...
Hábitos desportivos e História do desporto ... História do desporto ...
5. Cultural culturais; atitudes sociais;
sistema de valores; memórias ..

Praticantes; treinadores; Especialistas de diversas População residente;


dirigentes; prof. Ed. Física; actividades profissionais. trabalhadores p/ sectores;
6. Humano
gestores; espectadores; Processos de desempregados; estrutura de
clientes ... supercompensação ... idades; grupos sociais ...
-
Instalações naturais, Parques naturais; rios; praias; Sistema de transportes ...
7. Material sem i-naturais e artificiais; ruas ...
equipamentos diversos ...

Governamentais, não gover- Agências de publicidade; Empresas comerciais


8. Orgânico na mentais, nacionais e locais empresas comerciais; e industriais ...
com e sem fins lucrativos ... imprensa; rádio; televisão ...

Legislação desportiva; normas; Legislação ou normas de L~islação e normativo geral


9. Normativo regras; estatutos; sistemas de outras áreas com incidências aplicável ao desporto. ·;-.
va lores ... no desporto ... P. ex.: CPA .. .

Sectores: federado, escolar, traba lhista, comercial. .. ; Etapas: iniciação- orientação-


especialização; Áreas: informal/inorganizado; formal/federado; Estado/política;
10. Actividades
mercado/negócio; Ciclo: promoção - formação- (re)organização;
Eventos: quadros competitivos; espectáculos, projectos especiais ...
Atena e a Tecnologia [ 163

Elementos desportivos- Quadro desportivo

Estes elementos fazem parte do mundo do desporto e, por isso, pode ser objecto de políticas
desportivas pela sua manipulação através de processos de planeamento e programação. Por exem-
plo, uma piscina, um treinador, um praticante, um campeonato. No seu conjunto, estão organiza-
dos no quadro desportivo.

Elementos paradesportivos- Quadro paradesportivo

São elementos que não fazem parte do mundo do desporto mas que podem ser solicitados a
apoiarem as práticas desportivas. Por exemplo, uma corporação de bombeiros, uma agência de
publicidade. Organizam-se no quadro de apoio.

Elementos extra-desportivos- Quadro extra-desportivo ou condicionante

Não fazem parte do mundo do desporto mas condicionam-no, quer positivamente quer negati-
vamente. O(ganizam-se no quadro condicionante que, como o próprio nome indica, condiciona,
positiva ou negativamente, as práticas desportivas. Como exemplo temos as condições climatéricas
de uma região, as condições económicas, os seus hábjtos culturais, etc.

Planeamento

Só é possível planear aquilo que se controla, pelo que é necessário, desde o momento de arran-
0
que de todo o processo de planeamento: (1. ) Dominar as variáveis sobre as quais podemos actuar;
0
(2. ) Apelar para aquelas que embora não controlemos possamos solicitar os seus efeitos positivos
e, nnalmente; (3. 0
) Considerar aquelas sobre as quais nos é impossível actuar pois só as podemos
considerar quer elas tenham efeitos positivos ou negativos.

5.4.2 O Desporto em Portugal


Os conceitos de levantamento da situação desportiva e análise da situação desportiva possibili-
tam conhecer e compreender o estado do desporto num dado momento. Entretanto, como decorre
do que temos vindo a defender, o processo de desenvolvimento do desporto se tem um futuro é
porque tem uma história que não pode ser ignorada nem escamoteada. Em conformidade, é neces-
sário conhecer a história do desporto moderno em Portugal de maneira a que melhor possam ser
delineados os caminhos do futuro.

Tempos primeiros

O desporto moderno em Portugal tem a sua fase de pré-arranque durante finais do século XIX e
primeira metade do século XX. Em meados do século XIX, os jovens portugueses, que não alinhavam
no grupo dos "janotinhas do passeio público", pegavam touros, corriam lebres, remavam em "gui-
gas", velejavam em canoas do Tejo, eram bombeiros destemidos, dedicavam-se à ginástica de acroba-
cia e de aparelhos, jogavam ao pau e à bola e conviviam com os artistas dos circos Price, Diaz, Aragon
e outros. Estas actividades desportivas, umas mais do que outras, foram acompanhadas até à implan-
tação da República com grande interesse pela família real. Por exemplo, em 1905, abriu a primeira
escola de natação na Trafaria e, em 1906, realizou-se na baía do Alfeite a primeira prova de natação na
distância de meia milha. O rei D. Carlos ofereceu uma taça para primeiro prémio (José Pontes, 1934).
164 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Sociedade Promotora da Educação Física Nacional

Decorreu um século desde o tempo da génese das práticas desportivas que aconteciam de forma
espontânea até aos dias de hoje, em que o desporto está cada vez mais envolvido nas actividades
económicas e sociais do país. Para além dos clubes fundados ainda durante o século XIX, datam do
início do século XX as primeiras preocupações concernentes à estruturação das práticas desportivas.
Em 1905, por alvitre de Luiz Furtado Coelho, foi publicado o decreto que estabeleceu o ensino da
ginástica nos liceus portugueses. De acordo com José Pontes (1934), em 26 de Outubro de 1909 foi
fundada a Sociedade Promotora da Educação Física Nacional. Presidida inicialmente pelo Conde de
Penha Garcia desenvolveu a sua acção até ao ano de 1913. Em 1911 elaborou um "Projecto de Orga-
nização do Ensino da Educação Physica Nacional". Contudo, a Sociedade Promotora de Educação
43
Física Nacional não foi, de facto, fundada em 26 de Outubro, mas em 27 de Novembro .

Cem anos de Olimpismo

No início do século passado, a ideia olímpica estava a chegar a Portugal. Pierre de Coubertin
tinha lançado pela primeira vez, numa conferência proferida em Paris no ano de 1892, a ideia da
renovação dos Jogos Olímpicos. Em 23 de Julho 1894, no Grande Anfiteatro da Sorbonne, foi apro-
vada a constituição do primeiro Comité Internacional Olímpico (CIO) e em 1896 realizaram-se em
Atenas os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna.
Portugal começou a pertencer ao clube olímpico em 1906, quando o rei D. Carlos indicou a
Pierre de Coubertin, a pedido deste, o Dr. D. António de Lencastre, médico da Casa Real, para
Encarregado de Negócios em Portugal do COI. Numa carta de 9 de Junho, dirigida a Pierre de Cou-
44
bertin, António Lencastre aceitou o convite e a nomeação . Entretanto, na Revue 0/ympíque
45
número 7, de Julho de 1906 , surge o nome de António Lencastre como tendo sido eleito membro
do COI. Assim, a data de 9 de Junho de 1906, até que eventualmente surja outra melhor, é aquela
que institucionaliza o arranque do Movimento Olímpico em Portugal e aquela que, com toda a pro-
priedade, devia ser assumida pelo Comité Olímpico de Portugal como a da fundação do Olim-
pismo em Portugal.
O problema é que a data de fundação do Comité Olímpico Português é comemorada a partir de 26
de Outubro de 1909, data tida como a da fundação da Sociedade Promotora da Educação Física Nacio-
nal que, segundo Carlos Cardoso, só aconteceu a 27 de Novembro de 1909. Todavia, os problemas não
se ficam por aqui. Como com toda a propriedade argumenta o ex-atleta olímpico e ex-Inspector Supe-
rior da Direcção-Geral dos Desportos, Dr. Orlando Azinhais, o Comité Olímpico Português só viria a ser
fundado em 30 de Abril de 1912, ano em que decorreram os Jogos Olímpicos de Estocolmo, onde
começámos a nossa aventura Olímpica em busca da superação. Infelizmente, não começámos bem, já
que na corrida da Maratona faleceu o nosso compatriota Francisco Lázaro.

43
Conferir Carlos Cardoso, in A Bola, 13 de junho de 2003- Este pequeno pormenor levanta a questão que tem a ver com a
data oficial da fundação do próprio Comité Olímpico de Portugal.
44
Na carta dirigida por António Lencastre a Coubertin pode-se ler: "Le Comité Olympic lnternational, dO à votre obligeance,
tiendrait à m'elire représentant de mon pays ou sein de votre honorable compagnie. Touché de votre bienveillance Je
m'expresse de porter à votre connaissance que j'accépte votre indication avec le plus grand plaisir, soucieux de'apporter
mon concours à votre ceuvre ... "
Re~ue 0/ympique,
45
Ver número 7, de Julho de 1906 (p.m).
- Atena e a Tecnologia [ 165

Confederação Portuguesa de Desportos

A fundação do primeiro clube português, a Real Associação Naval, surgida em Lisboa, aconteceu no
ano de 1856, a partir de toda a dinâmica das regatas de vela e de remo que, ao tempo, ainda envolvidas
nas artes da pesca e dos transportes, aconteciam no rio Tejo.

Real Associação Naval


O Clube foi formalmente constituído com o nome de Real Associação Naval, em 30 de Abril de
1856, ao serem publicados os seus Estatutos, no Diário do Governo, assinados por S. M. o rei O. Pedro
V. O seu objecto era então o de "animar a construção e navegação de iates ou barcos de recreio, e pro-
mover o divertimento das regatas em Portugal". A designação inicial foi alterada para Associação
Naval de Lisboa, em 1911, em assembleia geral celebrada para o efoito. É o clube náutico mais antigo
de Portugal e da Península Ibérica, situando-se entre os trinta clubes náuticos mais antigos da Europa.

À Real Associação Naval seguiu-se-lhe o Clube E~questre, em 1873, e, em 1875, o Real Ginásio
Clube. Até ao início do século XX as actividades desportivas desenvolveram-se de forma dispersa e
circunstanciadas a determinadas classes sociais. A partir de 1910, começaram a aparecer clubes por
todo o país. Em finais dos anos trinta existiam mais de três centenas, principalmente localizados à
volta dos três grandes centros urbanos e industriais: Lisboa, Porto e Setúbal.
A primeira federação desportiva, a União Velocipédica Portuguesa, foi fundada em 14 de
Dezembro de 1899. Em fmais dos anos trinta, já existiam no país 16 federações desportivas.
No mês de Março de 1926, um grupo de federações acordou fundar a Confederação Portuguesa
de Desportos, ideia que já vinha desde inícios dos anos vinte, constituindo para isso uma comissão
organizadora (Século, 8/3/1926). A questão não era pacífica, tendo sido mesmo um dos temas
quentes do li Congresso de Educação Física em que José Pontes, Presidente do Comité Olímpico
Português, fez aprovar um voto contra a eventual existência de uma confederação 46 Finalmente,
segundo os estatutos aprovados por alvará de 27 jn j1928, foi formalizada a fundação da Confedera-
ção Portuguesa de Desporto, que segundo os seus estatutos aconteceu em 6 de Agosto de 1928.

Modelo económico

Actualmente, o associativismo desportivo a nível da sua cúpula é representado pelo Comité


Olímpico de Portugal e pela Confederação do Desporto de Portugal, re-fundada em 1993. Em 1997,
foi criada a figura jurídica das sociedades anónimas desportivas (SAD) como entidades vocaciona-
das para a organização e gestão do desporto profissional nos clubes, as quais, para o efeito, têm um
estatuto societário específico em certas vertentes, e no geral reportam para os requisitos jurídicos

46
Segundo Mário de Oliveira (O Sport de Lisboa, 9/9/1925), a ideia da fundaçao da Confederaçao Portuguesa de Desporto,
depois de várias tentativas falhadas, surgiu do próprio Chefe de Estado, que promoveu um "almoço-conferência" em que
José Pontes, Presidente do Comité Olímpico Português, "reconheceu que a Confederaçao nao colidia com a existência do
Comité ficando as duas colectividades com funções diversas". E o articulista continua: "Nao obstante as declarações
prestadas pelo Sr. Dr. José Pontes, na qualidade de presidente do Comité, o Comité torpedeou, violentamente, a ideia de
fazer sair a Confederaçao dum voto do li Congresso de Educaçao Física".
166 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Real Ginásio Clube Português


1875 - Fundação por Luís Monteiro, do Ginásio Clube Português, num pequeno palacete na
Carreirinha do Socorro, em Lisboa. O grupo inicial era composto por 24 amigos de Luís Monteiro.
1876 -Inicia-se, com regularidade, a ginástica pedagógica.
1878- O rei D. Luís I pede ao Ginásio Clube Português e a Luís Monteiro para instalarem no
Palácio Real da Ajuda um pequeno ginásio para os seus filhos, D. Carlos e D. Afonso.
1881 - Promove um grande espectáculo gímnico no Circo Price a favor da Assistência Social,
sendo inauguradas nesse ano as creches D. Luís e D. Maria Pia.
São publicados os primeiros estatutos do Clube.
1882- O Rei e o Governo outorgam ao Ginásio Clube Português o título de "Real".
ln http:jjwww.gcp.pt/

das restantes sociedades anónimas comerciais. As empresas criadas passaram a responder gestio-
nariamente, quer em concretização de estratégias e objectivos quer nos resultados financeiros e eco-
nómicos, perante os seus "stakeholders", entre os quais se encontram agora os seusJinanciadores
por excelência, isto é, os seus accionistas ("shareholders").

A ordem desportiva

Em 1916, organizado pelo Ginásio Clube Português, realizou-se o "I Congresso de Educação
Física", tendo sido discutidas, durante três dias, diversas teses respeitantes à organização e institu-
cionalização do desporto em Portugal. Contudo, os esforços de organização do desporto na pri-
meira metade do século XX foram deveras contraditórios. Por um lado, era manifesto o desinte-
resse e até alguma oposição do Estado em relação a tudo aquilo que tivesse a ver com a prática
desportiva. Por exemplo, em 1932, no Decreto n. 0 21:110, de 16 de Abril, que "aprovou e mandou
pôr em execução o regulamento da educação física dos liceus", foram condenados os "desportos
anglo-saxónicos". Em 1933, no 1.° Congresso dos Clubes Desportivos, houve um apelo das mais
ilustres figuras da sociedade desportiva solicitando a intervenção do Estado no desporto (in Os
Sports, 1j12j1933), apelo esse que já vinha de há muito. Esta intervenção acabou por surgir com a
institucionalização da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, em 1935, da Organização
Nacional da Mocidade Portuguesa em 1936 e da Direcção-Geral da Educação Física, dos Desportos
e Saúde Escolar em 1942. Esta ordem desportiva durou até 25 de Abril de 1974.

O direito ao desporto

Desde 1976, o desporto passou a fazer parte dos direitos consignados na Constituição da República
Portuguesa, que no seu artigo 79° determina que "todos têm direito à cultura física e ao desporto". Lá
se diz que "incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades des-
portivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto,
bem como prevenir a violência no desporto". Contudo, o Decreto-Lei 32946, de 3 de Agosto de 1943,
que organizou o desporto no Estado Novo, só viria a ser ultrapassado com a Lei de Bases do Sistema
Desportivo (Lei 1j90, de 13 de Janeiro) que criou um novo enquadramento jurídico para o desporto no
país. Este instrumento jurídico veio a ser revogado pela Lei 30/2004, de 21 de Julho, denominada de Lei
de Bases do Desporto.
...
Atena e a Tecnologia [ 167

Associativismo

Dados do Instituto Nacional do Desporto relat1vos a 2000 47 indicam um total de 8874 clubes
no âmbito do desporto federado, admitindo-se que possam existir cerca de 9500 clubes desporti-
vos. No que diz respeito às federações desportivas, segundo a mesma fonte, estão contabilizadas
62, aceitando-se que possam existir cerca de 75 federações desportivas, número este com tendência
para aumentar. Contudo, a taxa de associativismo desportivo, entre 1988 e 1998, decresceu de 36%
para 21% da população (Ana Fernandes, 1998). Independentemente do tipo de associativismo, as
taxas de adesão dos JOvens portugueses são relativamente baixas.

Concepção da superstrutura

Do ponto de vista do Estado o desporto em Portugal organiza-se em três níveis:


1. Uma estrutura governamental (Instituto do Desporto de Portugal), com serviços operativos
no domínio da administração pública desconcentrada a nível distrital;
2. A administração regional, com serviços político-administrativos a nível das regiões autóno-
mas dos Açores e da Madeira;
3· A administração pública local, através das autarquias locais.

É nesta dinâmica entre o público e o privado que a nível europeu foi configurado aquilo que é
designado como o Modelo Europeu de Desporto, que deverá ficar explanado na futura Constituição
Europeia (actualmente com o "não" da França e da Holanda os dados da constituição terão de ser
certamente novamente lançados) naquilo que tem a ver com direito de acesso à prática desportiva
da generalidade dos cidadãos europeus.

Promoção

As grandes acções de promoção da prática desportiva só arrancaram na década de setenta,


com as enormes transformações sociais e políticas que se viveram no país a partir de Abril de 1974.
A implantação do novo regime favoreceu, em 1975, a realização doENDO- Encontro Nacional do
Desporto, que teve como objectivo principal "promover o debate de ideias em torno de uma nova
definição de desporto". O país foi varrido por um vasto programa de actividades desportivas dirigi-
das à generalidade da população, executado pelo então designado MDV- Movimento Desportivo
Voluntário. A partir de então, começou a expandir-se o "movimento da corrida" nas ruas e nas
estradas, muitas vezes espontâneo e inorganizado, que veio não só gerar um volume de praticantes
muito significativo como também a proporcionar as condições para o aparecimento de grandes
corredores de fundo e meio fundo, com projecção internacional, como, por exemplo, Carlos Lopes,
Fernando Mamede, Rosa Mota e, mais recentemente, António Pinto e Fernanda Ribeiro. Salvo
raras excepções, temos de estranhar o menosprezo a que a grande maioria dos heróis desportivos
têm sido votados num quadro de promoção da educação desportiva da juventude portuguesa. Pro-
vavelmente, ainda são laivos do fundamentalismo de 1932, que condena as práticas desportivas
pelos aspectos negativos que são atribuídos à competição.

47
Estes dados podem de alguma maneira ser actualizados com Estatísticas do Associativismo Desportivo - 1996-2004, edi-
tado pelo Instituto do Desporto de Portugal sob a coordenação de Fernando Tenreiro.
168 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Desporto escolar

Entre a institucionalização da Organização Nacional da Mocidade Portuguesa, em 1936, e as


reformas do sistema educativo e desportivo acontecidas respectivamente nos anos oitenta e
noventa, não foi possível encontrar um máximo denominador comum ideológico capaz de catapul-
tar o desporto enquanto instrumento educativo para uma dinâmica de acordo com a emergência
de um novo século. Muito embora o Programa do Desporto Escolar tenha ganho significado estra-
tégico no que concerne à promoção das práticas desportivas entre a juventude escolar, o que é
facto é que muita coisa ficou por esclarecer, desde logo a existência de perspectivas políticas claras
no que diz respeito à identidade pedagógica do desporto em ambiente educativo bem como a
estrutura e a dinâmica da sua organização.

Ascensão do Estado-Providência

O mundo do desporto, a par da sociedade em geral, vive um tempo de mudança, um tempo de tur-
bulência, de antagonismo de ideias entre o velho e o novo, entre o imobilismo e a inovação, que encon-
tra em si as potencialidades necessárias à evolução e ao progresso sem ser à custa da qualidade de vida
das gerações futuras. A "Carta Europeia de Desporto para Todos" do Conselho da Europa, durante os
finais da década de setenta e a de oitenta, serviu de orientação às políticas desportivas conduzidas a nível
governamental. Aqueles anos foram, tanto em Portugal como na generalidade dos países da Europa Oci-
dental, os anos dourados do Estado-Providência, que sustentou as suas políticas no programa europeu
designado de "Desporto para Todos". A partir deste programa organizaram-se inúmeras actividades des-
portivas formais dirigidas à população em geral, bem como a prática de novas modalidades desportivas
marcadas por motivações ecológicas, pela fruição da Natureza, pelo culto da imagem e da estética cor-
poral. Contudo, nos anos noventa, a política desportiva, em virtude de um arrefecimento da intervenção
do Estado-Providência, voltou-se para o desenvolvimento do desporto federado, com o objectivo de sus-
tentar as suas opções através da obtenção de resultados desportivos em provas internacionais.

Queda do Estado-Providência

Com o arrefecimento do Estado-Providência, o apoio estatal ao desporto a nível central passou


a ser realizado essencialmente através da celebração de contratos-programa de desenvolvimento
desportivo com as diferentes federações desportivas. Em conformidade, a administração pública
apoiou fundamentalmente o sistema de alta competição conducente à obtenção de resultados des-
portivos com forte projecção internacional. Em consequência, se por um lado a taxa de participação
desportiva decaiu significativamente durante os anos noventa, por outro, é geralmente reconhecido
que, no capítulo da alta competição, durante esta década foram obtidos resultados de grande signi-
ficado internacional em diversas modalidades desportivas. Na realidade, hoje podemos facilmente
constatar que o país, a par da mais miserável taxa de participação desportiva da Europa, apresenta
resultados na alta competição de nível internacional, o que bem vistas as coisas só revela o padrão
de subdesenvolvimento do nosso desporto e dos nossos dirigentes, quer sejam eles do mundo da
política quer do desporto.

"Ciusters"

A partir dos anos noventa começaram a chegar ao desporto não só outras práticas e outros
modelos organizacionais, como também novos agentes interessados, quer directa quer indirecta-
mente, não exclusivamente nas práticas em si, como no passado, mas em toda uma indústria do
-
Atena e a Tecnologia [ 169

entretenimento que já se organiza à escala do planeta. Os "clusters" são constituídos por grupos
de entidades, cujas inter-relações reforçam a vantagem competitiva; podem ser conseguidos entre
indústrias inter-relacionadas, por exemplo, desporto e turismo. Os "clusters" críticos determinam o
centro de desenvolvimento de uma indústria ou de um país. Está neste caso também a íntima
inter-relação que o desporto estabelece com o turismo, não só em termos individuais, naquilo que
tem a ver com a ocupação do tempo com as mais diversas actividades desportivas desde o espec-
táculo à prática propriamente dita, como também a dimensão relação desporto e turismo no qua-
dro dos respectivos planos estratégicos de desenvolvimento das cidades, das regiões e até de paí-
ses. O turismo é um sector estratégico no desenvolvimento do país, pelo que a promoção da sua
qualidade passa por considerar vários aspectos que lhe possam trazer vantagens competitivas no
âmbito da competição inter-países, razão pela qual o desporto não pode deixar de ser considerado,
tendo em atenção os mais diversos segmentos sociais que ao longo do ano nos visitam.

Os grandes eventos

Os eventos desportivos, quando realizados na justa medida e na dimensão acertada, foram,


desde sempre, um excelente factor de promoção das práticas desportivas. Nesta perspectiva, desde
sempre os eventos desportivos patrocinados ou até mesmo organizados pelos jornais foram um
factor de promoção das práticas desportivas. Por exemplo, o Diário de Notícias e Os Sports organi-
zaram a 1." Volta a Portugal em Bicicleta decorria o ano de 1927-

José Bento Pessoa

O grande campeão José Bento Pessoa (1874-1954), que em 1899 bateu o recorde mundial de
soo metros no velódromo de Chamartin, dizia ao Os Sports: "Acompanho com toda a minha fé
de desportista a grande prova, esperançado em que essa grande man!fostação de ciclismo há-de
trazer, para esse desporto, os mais benéficos".
ln Os Sports, 25 de Março de 1927

Contudo, a política desportiva desenvolvida a partir do alto rendimento e do espectáculo des-


portivo, com a organização de grandes eventos desportivos como o Master de Ténis em 2000, o
Mundial de Atletismo de Pista Coberta e Mundial de Ciclismo em 2001, o Mundial de Esgrima em
2002, a Gymnaestrada em 2003, o Mundial de Andebol em 2003, o Campeonato Europeu de Fute-
bol em 2004, traduziu-se num desequilíbrio gritante no que diz respeito à responsabilidade do
Estado em promover políticas a montante que garantam a prazo o necessário efeito de volume
indispensável a um desenvolvimento desportivo equilibrado.

A prática

Os números das poucas estatísticas que é possível apurar indiciam uma situação preocupante e
difícil, senão impossível, de alterar a curto prazo. De facto, muito embora 47% da população portu-
guesa tenha afirmado em 1998 que gosta bastante de desporto (in Marketest- Consumidor, 1999),
na realidade, segundo dados da União Europeia, somente 23% diz praticar desporto com regulari-
dade. Em termos europeus é uma taxa baixa, provavelmente com tendência para decrescer, até por-
que as estatísticas da demografia desportiva do Ministério da Juventude e Desporto indicam que,
entre 1988 e 1998, a taxa de participação desportiva decresceu de 27% para 23%. No período em
---------

170 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

causa, em conformidade com o que se passa no cenário internacional, verificou-se um aumento da


prática desportiva ao nível dos adultos e idosos, mas simultaneamente registou-se um decréscimo
acentuado ao nível dos adolescentes e jovens. O próprio desporto federado, no mesmo período de
tempo, cresceu somente de 3% para 4% da população praticante. Os resultados mais recentes relati-
vos à generalização da prática desportiva dos portugueses são provenientes do "Eurobarometer" da
Comissão Europeia, referentes a 2004. O referido relatório apresenta uma situação catastrófica. De
facto, Portugal está em matéria de prática desportiva em último lugar na Europa dos 25, Já que 73%
dos portugueses afirmaram não praticar desporto ou só o fazerem esporadicamente.
Segundo o Instituto Nacional do Desporto, em 2000, estavam inscritos em 62 federações des-
portivas 317 798 praticantes. Contudo, com a melhoria das condições de vida de estratos significati-
vos da população portuguesa, conseguidas nos últimos 20 anos, os jovens e adultos em idade
mais baixa parece terem iniciado uma reinterpretação do desporto através das mais diversas práti-
cas desportivas informais que escapam às estatísticas tradicionais.

Novas práticas

O desporto tem vindo a expandir-se para além das práticas formais, pelo que está a fiorescer uma
nova cultura desportiva consubstanciada naquilo a que Olímpio Bento chamou de uma "ética indolor",
associada à fruição de valores de pendor hedonista e à rejeição do esforço, do suor, da di-sciplina e do
sacrifício. Nesta perspectiva aberta de entender a prática desportiva, se forem contabilizados os caçado-
res com um total no país de cerca de 400 mil e os pescadores desportivos com cerca de 200 mil, a taxa
de participação desportiva poderá subir para valores mais favoráveis, muito embora não branqueie as
desastrosas decisões que em matéria de política desportiva têm sido realizadas nos últimos anos.

As mulheres

Para Odete Graça 48 , o acesso da mulher ao desporto assume aspectos muito preocupantes. Em
Portugal não houve, até à década de 90, nenhuma iniciativa que promovesse o debate sobre a
(des) igualdade da mulher no desporto. Só com a realização do 1.° Congresso "A Mulher e o Des-
porto", realizado em 1996, promovido pelo Movimento Democrático das Mulheres, é que pela pri-
meira vez a problemática do desporto foi abordada de forma tão ampla e diversificada. Não faz sen-
tido, diz-nos ainda Odete Graça, "que numa sociedade que se deseja evoluída e em pleno século XXI,
a situação das mulheres quanto à sua presença no desporto como praticante, treinadora, juiz, árbitra
ou dirigente se assemelhe mais ;, de um país do terceiro mundo". Repare-se, por exemplo, que o
Comité Olímpico de Portugal, que neste domínio devia ser exemplar, tem somente duas mulheres
nos corpos dirigentes, não cumprindo sequer o recomendado pelo CIO.

A Carta Europeia do Desporto

Os dados conhecidos indicam uma necessidade imperativa de ser o Estado a estabelecer os


equilíbrios necessários a uma sociedade que cada vez mais fundamenta o seu desenvolvimento
numa lógia de mercado. Obrigam a que a entidade pública com competência para tal, o Instituto
do Desporto de Portugal, tenha não só por vocação e missão apoiar o desporto federado e a alta

48
Graça, Odete (2004). A Participação das Mulheres nos Diferentes Aspectos da Dinâmica Desportiva, Lisboa, Centro de Estudos
dos Povos e Culturas de Expressao Portuguesa, Universidade Católica Portuguesa.
Atena e a Tecnologia [ 171

competição, mas principalmente os programas conducentes à generalização da prática desportiva,


de modo a conseguir um significativo efeito de volume no desporto nacional. No fundo, trata-se de
acertar a prática política com a teoria determinada pelo quadro ideológico acordado na "Carta Euro-
peia do Desporto" aprovada pelos Ministros Europeus responsáveis pelo desporto em Rhodes, em
Maio de 1992. A carta define desporto como "todas as formas de actividade física que através de
uma participação organizada ou não têm por objectivo a expressão ou o melhoramento da condi-
ção física e psíquica, o desenvolvimento das relações sociais ou a obtenção de resultados na com-
petição a todos os níveis". Nesta perspectiva, se o projecto "Mexa-se", que decorre em 2004, no
âmbito do "Ano Europeu da Educação pelo Desporto", do ponto de vista da promoção da prática
desportiva pode ser enquadrado no espírito da carta, por outro, é de lamentar que seja o próprio
Governo, através do Instituto do Desporto de Portugal, a suportar o programa através do recurso a
entidades privadas ligadas à indústria da "fast food" e dos refrigerantes. Na verdade, para além de
ser questionável que o Estado para cumprir a sua missão tenha de ser patrocinado por empresas
privadas, por outro, como é reconhecido pela generalidade das pessoas envolvidas nas mais diver-
sas vertentes da saúde e da qualidade de vida, as empresas em causa levantam graves questões no
que diz respeito à saúde e aos problemas da obesidade que afiigem a generalidade das populações
dos países desenvolvidos. O imperativo do equilíbrio deve orientar a acção do Estado sob pena de
ser o próprio Estado a promover novos desequilíbrio;; sociais.

As instalações desportivas

Se existem aspectos em que a situação desportiva evoluiu significativamente nos últimos trinta
anos, o das instalações é, certamente, um deles. Considerando a taxionomia adoptada no âmbito
da administração pública (www.idesporto.pt), existem no país 2716 grandes campos, 3510 peque-
nos campos, 59 pistas de atletismo, 1090 campos de ténis, 1224 salas, 836 pavilhões, 355 piscinas
cobertas e 325 piscinas de ar livre. Se tivermos em conta que em 1975 (Melo Carvalho, 1975) exis-
tiam, em relação às instalações cobertas, 120 pavilhões, 20 piscinas e 21 tanques e, quanto às des-
cobertas, 481 polidesportivos e 30 pistas de cinza (14 de piso sintético em 1994), pode-se perceber
o extraordinário salto dado nesta matéria pelo país. Se considerarmos ainda que o objectivo então
afirmado pretendia atingir uma situação de 222 pavilhões, 186 piscinas, 425 tanques, polidesporti-
vos (sem necessidades), 50 pistas de atletismo, pode-se verificar o extraordinário salto quantitativo
e qualitativo que o país deu nos últimos 30 anos em matéria de instalações desportivas. Estes
dados, em princípio, estão em constante actualização no site do IDP.

Um dirigismo diletante

A gestão do desporto no país é um aspecto crucial em termos de desenvolvimento. Os recursos


humanos, materiais e financeiros envolvidos obrigam a uma nova prática no que diz respeito à gestão
do sistema desportivo ao nível do seu vértice estratégico que promova uma ruptura entre o velho diri-
gente diletante e as novas necessidades sociais não se compadecem com um amadorismo muitas
vezes de grande irresponsabilidade. Isto significa que é necessário encontrar respostas a três níveis
das organizações desportivas. Em primeiro lugar, é necessário encontrar mecanismos que facilitem a
vida a todos aqueles dirigentes que a nível do centro operacional do sistema, de uma forma benévola,
promovem, organizam e mantêm as actividades desportivas nos mais diversos organismos do sis-
tema desportivo. Em segundo lugar, é fundamental começar a formar estruturas intermédias com um
alto perfil profissionalizado que respondam às novas necessidades organizacionais do desporto
moderno. Finalmente, há que considerar a figura do dirigente não executivo que no vértice estratégico
172 ) Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

das organizações preserva os valores que devem presidir à organização em causa. Não se pode acei-
tar é que o velho dirigente diletante, agarrado ao vértice estratégico do poder desportivo há dezenas .
de anos com enormes prejuízos para o desenvolvimento do desporto e do país, de um momento para
o outro adquira, à conta do erário público, um estatuto profissional, passando a fazer profissional-
mente e à custa do dinheiro dos contribuintes as asneiras que até então cometia simplesmente como
amador. Voltaremos a este assunto quando tratarmos do comportamento (Capítulo 6-4).

Paradoxos e contradições

O desporto em Portugal apresenta diversos paradoxos e contradições. Por um lado, tem estado
condicionado à difícil situação económica e social do país, por outro, exibe resultados em algumas
modálidades, quer individuais quer colectivas, que ultrapassam significativamente aquelas dificul-
dades. Vive a crise do Modelo Europeu de Desporto, bem como as contradições entre as políticas
dirigidas mais para a massa ou mais para a elite. Em conformidade, é de fundamental importância
que se encontre a verdadeira vocação de cada sector de prática ou de actividade desportiva, bem
como o padrão de intervenção do Estado e das suas relações com o movimento desportivo.
O salto qualitativo e quantitativo do parque de instalações para o desporto formal foi, como dis-
semos, significativo, contudo, tudo indica que a adesão das novas gerações à prática desportiva
está a ser realizada no domínio do informal e do inorganizado, pelo que se torna necessário dar
nova orientação às políticas de equipamentos desportivos. Muito embora exista um esforço signifi-
cativo na formação de quadros a nível superior, o dirigismo desportivo perpetua-se no poder impe-
dindo o acesso às novas gerações que procuram no desporto uma profissão interessante num
mundo onde, como se disse, as profissões interessantes estão a rarear.
Finalmente, diremos que a importância que o desporto assume na sociedade actual requer um
maior investimento não de dinheiro mas de massa cinzenta. Requer um investimento da classe
política e dos partidos para o estudarem e compreenderem a fim de se tornar possível aidealização
de políticas desportivas claras e objectivas que tenham em atenção os reais interesses das popula-
ções, sobretudo as mais desfavorecidas, e não simplesmente as habituais medidas de holofote que
acabam por prejudicar o desenvolvimento desportivo do país.
[ Hérocles e oCultura

Objectivos do capítulo. Hérodes, filho de Zeus e de uma mulher mortal, Alcmeno, considerado,
por isso, um semi-deus, foi o maior e mais popular herói de todo o Grécia antigo. Ele represento bem
o quadro cultural que deve envolver o mundo do desporto. Dotado de imenso vigor físico, o suo
forço era famoso. Armado com o característico dava, arco e flechas e vestido com uma pele de leão,
realizou proezas incríveis. Derrotou monstros outrora invencíveis, conquistou cidades e seus reis. Foi
mesmo capaz de vencer em combate os próprios deuses. Os seus feitos mais famosos foram os "12
trabalhos", que efectuou o mondo do deusa Hera. Hérodes, símbolo do homem em luto contra os
forças do Natureza, represento o cultura de superação e de excelência que deve envolver o mundo
do desporto, desde logo porque foi ele que começou por organizar os Jogos em honro de Zeus. Foi
também de Hérodes o iniciativa de coroar com um ramo de oliveira os vencedores. Assim, Hérodes
represento bem o quadro cultural de "ogôn e "oreté" que deviam presidir às festas sagrados dos
competições do gregos antigos que eram os Jogos Olímpicos"9. Neste capítulo, vamos trotar dos
questões do cultura que envolvem o mundo dos organizações. Do suo filosofia de acção à identidade
cultural. Serão desenvolvidos os problemóticos do vocação dos organizações, quer dizer, aquilo que
têm de fazer, osuo missão, ou seja, o maneiro especial como cumprenr ovocação, o padrão de com-
portamento dos vários elementos do organização, do liderança ao trabalho grupol, o visão no que
respeito o organização do futuro e, finalmente, o estruturo quanto à maneiro como o organização
dispõe os suas portes poro funcionar com o máximo eficiência e eficácia.

Aquilo que não me destrói fortalece-me.


Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Se existe actividade em que a gestão do intangível não deve ser descurada, essa actividade é o
desporto. De facto, o desporto é muito mais do que todos os seus aspectos fís icos, biológicos ou
organ izacionais, na medida em que se projecta para além de tudo aqu il o que nele é palpável. Pro-
jecta-se no "agôn" e "areté" qu e deve orientar a vid a no mundo do desporto. Porque, quando se
trata de gerir práticas desportivas, há que conside rar que elas acabam sempre por se sustentar nas
motivações mais profundas das diversas pessoas que até as podem conduz ir a mover montanh as,
pelo simples gozo de participarem numa actividade colectiva.
A c•Atura das organ izações, ao sistematizar um quadro de va lores partilh ados pelos seus mem-
bro0/~ com que uma organização se possa distinguir de outra pelas so!uções singu lares internas
que encontra para responder às necessidades que entende serem as do meio socia l envo lvente e
deste modo cumprir a sua vocação e missão. Daqu i se depreende que, por exemp lo, a cu ltura que

49
A li gação dos jogos olímpicos à cu ltura foi muito poderosa. Começaram por ser festivais religiosos, provavelmente orga·
nizados a partir dos jogos fúnebres em honra de heróis locais. No início do sécu lo VIII, o contexto fúnebre perdeu o sign i·
ficado, tendo aumen tado consideravelmente o seu carácter religioso. Além dos tradicionais sacrifícios e das procissões,
os concursos artísticos (música, poes ia) e as provas atléticas assum iram papel proeminente. (http:f fgreciantiga.org/)
174 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

organiza e orienta o desporto escolar é diferente daquela que organiza e orienta as entidades do
desporto federado. Deste modo, as organizações deixam de ser entidades abstractas para passa-
rem a ser entidades concretas, com vida própria, com um passado e um futuro aos quais as pes-
soas se ligam através da partilha de uma identidade cultural que lhes é comum.

Consequências culturais

De acordo com Geert Hofstede (2001), tendo a palavra gestão as origens e os significados mais
variados não se aplica de uma forma universal às diversas regiões, países e culturas por esse mundo
fora, na medida em que não pode ser isolada dos outros fenómenos sociais. A gestão interage com,
entre outros, o tempo de família, de educação, de saúde, de lazer, de religião, de intervenção social. De
acordo com Hofstede a cultura dos diversos países pode ser caracterizada de acordo com 5 variáveis fun-
damentais que formulam outros tantos problemas-base, com que qualquer sociedade tem de lidar:
1. Distância do poder- Diferentes soluções encontradas a nível social e político relativamente à
resolução dos problemas básicos da desigualdade entre os Homens;
2. Gestão da incerteza - Padrão de stress que uma sociedade assume quando enfrenta o futuro
desconhecido;
3· Individualismo e colectivismo- Capacidade de integração das pessoas nos grupos primários;
4· Masculino e feminino- Divisão das tarefas emocionais entre homens e mulheres;
5· Curto prazo e longo prazo- Disponibilidade das pessoas para orientarem a sua vida relativa-
mente ao presente ou ao futuro.

Contudo, foram vários os autores que ao longo do século passado trataram da questão cultural
relativamente aos povos e suas instituições. As variáveis que de uma maneira geral utilizaram para
perceber a dimensão cultural das sociedades, países e grupos foram as mais diversas. Entre outras,
podemos apontar as seguintes:
1. Relação social e pessoal para com o ambiente;
2. Padrão de responsabilização das lideranças;
3· Estilos de liderança;
4· Comportamento social das elites;
S· Diferenciação das tarefas de acordo com a idade, o género e a hierarquia;
6. Perspectivas mais ou menos colectivistas ou individualistas;
]. Visão mais ou menos universalista;
8. Julgamento dos outros relativamente ao que são ou ao que fazem;
g. Orientação da vida quanto ao passado, ao presente ou ao futuro;
10. Relação hierárquica entre as pessoas;
11. Sistemas de comunicação mais ou menos explícitos ou implícitos;
12. Socialização dos novos membros;
13. Partilha do conhecimento;
14. Regulação das formas de expressão e credos;
15. Utilização do pensamento lógico;
16. Afectação dos meios em relação aos objectivos;
17. Controlo de comportamentos anti-sociais.
......

Héracles e a Cultura [ 175

A realidade da ilusão

As organizações desportivas valem pelas performances e os resultados que conseguem, mas


valem muito mais pelo espectáculo que originam e por tudo aquilo que simbolizam do ponto de
vista cultural, que tem a ver com a educação, os valores, a solidariedade, os princípios que consti-
tuem a sua filosofia de acção, que determina a sua identidade cultural diferenciada.

Solidariedade

No momento em que começo a escrever este editorial algumas crianças provenientes de insti-
tuições de solidariedade social entram num estádio de futebol envergando os equipamentos das
duas equipas que, dentro de poucos minutos, se irão defrontar num jogo determinante. Este será
certamente um dia inesquecível nas vidas destes meninos, garante, na rádio, a voz empolgada do
jornalista desportivo. Certamente. Um pouco de bom senso levar-nos-ia, por exemplo, a questionar
esta espécie de "apartheid" social. Porque não hão-de ser simplesmente crianças das mais diversas
origens sociais?
Porque pura e simplesmente o que conta, o que fica a dançar nos nossos ouvidos, é a expressão
"solidariedade social". O que conta é que à relação assistencialista que neste caso se estabeleceu
com estas crianças, se possa colar o termo solidariedade, essa palavra unívoca que apaga comple-
tamente o destinatário para fazer cair o seu sentido positivo sobre aqueles que a praticam. É sobre-
tudo para si que olha o autodenominado solidário. Se olhasse para aqueles que são objecto dos
recursos materiais e humanos afectados a essa solidariedade teria necessariamente de se questio-
nar sobre os resultados das políticas que tem como mais emblemáticas.
Helena Matos, "O Peso das Palavras", in Re~isia Atlântico, n° 3, Junho de 2005

É fundamental que as organizações desportivas façam corresponder ao seu discurso cultural


uma prática que tenha efectivamente a ver com os valores que defendem. Quando o COI vende os
Jogos Olímpicos não vende simplesmente uma organização de performances atléticas, mas todo
um sistema de ideias, valores e memórias, que têm a sua origem nos Jogos Pan-Helénicos e que
fazem parte do património da humanidade. Por isso, quando a corrupção invade o templo onde os
mais altos valores do desporto devem ser preservados, não é um favor ou outro que incomoda,
nem são algumas moedas, ou qualquer presente de mais ou menos brilhantes que envergonham,
e, muito menos, as viagens em executiva ou os hotéis cinco estrelas que importunam. O que está
em jogo é muito mais do que tudo isso, porque se trata da credibilidade de uma instituição, o
movimento desportivo, que deve estar acima de qualquer hipocrisia, de qualquer embuste ou de
qualquer suspeita. Quando tal não acontece, são as ideias que se desmoronam, os valores que se
corrompem e as memórias que se defraudam, o povo que se aliena. Em consequência, as pessoas
caem na realidade e chegam à conclusão de que, afinal, aquilo em que acreditavam não passava de
uma ilusão, porque como referia Helena Matos, "é sobretudo para si que olha o autodenominado
solidário", e no desporto impera cada vez mais uma solidariedade autodenominada.

Credibilidade

Mas o mais grave problema é que, como se está no domínio do intangível, os estragos acabam
por ser muito maiores e piores do que aqueles que aconteceriam caso se estivesse no domínio do
tangível, na medida em que problemas de credibilidade não se resolvem nem no curto prazo nem à
custa de dinheiro, por muito dinheiro que se tenha.
176 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

Credibilidade
O antigo conselheiro da segurança nacional dos EUA, Zbigriew Bzrezinski, num artigo intitu-
lado "O problema da credibilidade dos Estados Unidos", contou uma história passada com o
antigo secretário de Estado, Dean Acheson, enviado pelo Presidente John Kennedy a França, no
tempo de De Gaulle, para lhe pedir o apoio da França na gravíssima crise acontecida em 1962,
provocada pela descoberta dos mísseis em Cuba. Quando se preparava para lhe mostrar as provas
fotográficas da existência dos mísseis, De Gaulle observou bem ao seu estilo: "Não desejo ver as
fotografias. A palavra do Presidente dos Estados Unidos chega-me". Em seguida, Bzrezinski fez
uma pergunta terrivelmente pertinente: "Será que algum líder mundial reagiria hoje da mesma
maneira a um emissário do actual presidente dos Estados Unidos?"
Contado por Mário Soares, in Expresso, Novembro de 2003

Novamente Careth Morgan (1986)

É necessário compreender em que é que se sustenta a dimensão cultural das organizações. A


metáfora da cultura organizacional fundamenta a sua compreensão em três sistema_s de significa-
dos comuns.
· Quais os esquemas mentais que tornam a organização possível?
· De onde vêm esses esquemas?
·Como são criados, comunicados e mantidos?

Credibilidade dos valores

Como se compreende, a resposta a estas questões do domínio do cultural não é encontrada


nos aspectos tangíveis que orientam a vida das organizações. De facto, estamos numa dimensão
de valores de características muito especiais, que se relacionam fundamentalmente com as ques-
tões imateriais que uma organização tem de gerir, porque para além de fazerem parte do seu patri-
mónio, podem conferir um valor acrescido à sua dinâmica de afirmação social. É evidente que
quando o movimento desportivo ou até o movimento olímpico são postos em causa nos seus valo-
res, quando esses valores deixam de ter significado em relação ao passado e ficam prejudicados
naquilo que diz respeito à mensagem que deviam passar para o futuro, é o desporto e a própria
educação da juventude através do desporto que acabam por ficar prejudicados.

Desvalorização do quantitativo

Por isso, a cultura das organizações desvaloriza naturalmente o quantitativo e o racional em


benefício:
· Do qualitativo; · Das práticas sociais;
· Do simbólico; · Das ideologias;
· Da linguagem; · Da honestidade;
. Dos hábitos; · Dos valores;
· Dos procedimentos; · Das crenças;
· Das cerimónias; · Dos estilos de liderança.
-
Héracles e a Cultura [ 177

A gestão do simbólico

O recurso à dinâmica cultural, que a "moda" da gestão pela cultura introduziu na vida das orga-
nizações, está novamente a trazer para primeiro plano o domínio do simbólico afastado das práti-
cas recreativas que caracterizaram a sociedade agrícola, pela cientificidade da civilização industrial
projectada no desporto moderno. Portanto, a cultura, para além da visão cartesiana, que caracteri-
zou a educação física e o desporto como cultura duma época, volta a ganhar valor na dinâmica
organizacional, ao mesmo nível de outras variáveis de cariz técnico, pedagógico, organizacional e
económico. Em conformidade, a gestão da cultura faz-se pelo aproveitamento das consequências
simbólicas dos actos de gestão, com o objectivo de animar e envolver as pessoas numa dinâmica
de mudança e de progresso. Deste modo, é necessário saber:

·Quais os valores que orientam a vida das organizações?

• De onde vêm esses valores>


• Como são criados, comunicados, mantidos e desenvolvidos?

A resposta a estas questões traduz-se na articulação das ideias essenciais que justificam, expli-
cam e projectam a vida duma organização por um lado e, por outro, a estrutura das representações
mentais que consubstancia a nível de cada elemento da organização a sua identidade cultural no
que diz respeito à manutenção, transmissão e des~nvolvimento dos valores partilhados. Deste
modo, a estrutura de representações mentais organiza de uma maneira lógica e coerente os valores
preponderantes.

Os japoneses

Henry Mintzberg (1992) identifica os anos setenta como os do início destas preocupações e
responsabiliza os japoneses por essa ocorrência. Muito embora Mintzberg já tivesse feito uma refe-
rência à componente cultural no âmbito das organizações na obra Estrutura e Dinâmica das Organi-
zações, a qual finaliza sugerindo a nova configuração, a missionária, é sobretudo a partir de 1989,
na obra lnside ou r Strange World of Organizations, que desenvolve esta nova perspectiva de equa-
cionar as organizações e a sua gestão a partir da cultura ou o que ele designa por ideologia. Para o
autor, as organizações têm uma ideologia (cultura) "que descreve a sua maneira de fazer as coi-
sas", quer dizer, um sistema rico, desenvolvido e profundamente enraizado de valores e de senti-
50
mentos que distinguem uma dada organização de todas as outras. Neste sentido, a ideologia ou
a cultura apresenta um sentido unificador, quer dizer:

• Promove um espírito de corpo;

• Estabelece um sentido de missão;


• Desencadeia sinergias de sinal positivo.

O sentido de missão

Segundo Andrew Campbell (1993), geralmente, quando se pergunta às pessoas qual a missão
da organização a que pertencem, elas não mencionam metas que têm a ver com os lucros.

50
Para Mintzberg a palavra ideologia é utilizada no seu sentido organizacional e não no seu sentido político.

AGONGD-12
1 78 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Elas falam de coisas mais pessoais, tais como a importância da cooperação, a sua própria ideia
acerca da organização, a maneira como trabalham, quer dizer, falam mais acerca das suas relações
com a própria organização do que sobre os serviços ou os produtos que ela oferece à sociedade. De
facto, os membros de uma organização apercebem-se da sua missão através da maneira como a
organização opera, dos seus padrões comportamentais e dos seus valores. Por isso, "o sentido da
missão tem mais a ver com a cultura da organização do que com a identificação das suas metas".

A cultura enquanto geradora de sinergias

A dinâmica cultural da organização está na capacidade dos seus elementos perceberem o que,
para eles, ela significa e qual o lugar que eles nela ocupam. Esta relação biunívoca determina o
espírito de corpo que envolve e compromete as pessoas num projecto assumido colectivamente.
Mas as pessoas juntam-se com determinados objectivos pelo que as organizações têm de ter bem
definida qual a sua vocação de modo a que possam ser geradas sinergias que, no quadro cultural
da organização, potencializem a sua acção para resultados superiores à da simples soma das tare-
fas realizadas, ou seja, criando acréscimos de resultados de modo a que o todo seja superior à
soma das partes (2 + 2 = 5). É evidente que não há equipa, clube, federação, SAD ou clube escolar
que possa funcionar se não tiver um corpo unido e motivado à volta de ideias partilhadas, se não
souber aquilo que tem de fazer e, finalmente, se não for capaz de criar sinergias de valor positivo.

Estádios da cultura

Ainda segundo Mintzberg, uma cultura desenvolve-se através de três estádios, a saber:
·A tradição;
·A missão;
· A identidade.

Tradição

Estrutura as histórias e os mitos que formatam o passado da organização e lhe transmitem uma
dinâmica de futuro. Veja-se o que acontece com os grandes clubes de futebol nacional nas ex-colónias,
donde saímos há mais de trinta anos. A tradição, ao ser partilhada pelos membros de uma organiza-
ção, transforma-a numa instituição venerada em termos de passado e respeitada em termos de futuro.

Missão

Forma-se a partir de um sentimento de grupo que mobiliza os elementos na prossecução dum


objectivo e da maneira especial como o vão prosseguir. Veja-se o que se passou com a liderança de
Pinto da Costa no Futebol Clube do Porto. Traduziu-se na capacidade de mobilizar um clube, uma
cidade e até uma região para um projecto partilhado por todos.

Identidade

Determina a ligação de um indivíduo aos valores da organização. Cada elemento da organiza-


ção assume uma determinada identidade cultural porque integra, à sua maneira, os valores da
organização. A identidade pode ser:
· Natural: o associado é naturalmente atraído pelos valores da organização;
-
Héracles e a Cultura [ 179

·Selectiva: os novos assoC1ados são escolhidos de acordo com a sua adequação aos valores da
organização;
·Suscitada: quando os novos associados aderem a partir dum programa de promoção dos
valores da organização;
·Calculada: quando o associado o é, simplesmente, para tirar partido da organização.

A força da cultura

A cultura de uma organização ou a sua ideologia é forte quando os processos de identificação


das pessoas com a cultura da própria organização são naturais. Ela é fraca quando a identificação
dos aderentes à organização obriga a processos de doutrinação pesados ou baseia-se simplesmente
em formas de identificação calculada. Neste último caso, a cultura acaba por ser extraordinariamente
fraca, com tendência para desaparecer.
A cultura, na perspectiva de Mintzberg, conduz a uma configuração organizacional denominada
missionária, cujo mecanismo de coordenação é a socialização ou a estandardização das normas que
operacionalizam os valores. Nesta configuração, o principal parâmetro de concepção é a doutrinação.

A busca da excelência

Pelo exposto, podemos dizer que uma organização quer ela seja, entre outras, uma escola, um
clube, uma direcção-geral, um instituto, uma faculdade ou uma sociedade desportiva, se quiser pro-
gredir na senda da excelência terá de ter uma cultura, quer dizer, uma cultura de excelência 51 que lhe
possibilite, por um lado, integrar as suas próprias competências internas e, por outro, ajustar-se à
dinâmica (grau de complexidade e velocidade de mudança) do seu contexto envolvente. Por isso,' em
termos da sua cultura, a gestão das organizações deve procurar estabelecer um equilíbrio entre:
·A coesão e a eficácia do sistema interno (integração);
· A adaptação à dinâmica do ambiente.

Dificuldades

Estas duas dimensões (coesão x contexto) são de difícil coordenação se as organizações revela-
rem incapacidade de adaptação ao sistema envolvente, sem que daí advenha uma forte desagrega-
ção interna 52 É o que hoje, em nossa opinião, se passa em várias organizações dos diversos secto-
res do sistema desportivo. Quer dizer, tem existido uma forte incapacidade interna de muitas
organizações desportivas 53 em idealizarem um novo quadro teórico de acção, que acompanhe e
responda à dinâmica do ambiente, caracterizada desde início dos anos sessenta- Jogos Olímpicos
de Roma- por uma forte desagregação dos valores até então prevalecentes. No fundo, a dimensão

51
O espírito de rivalidade estava presente na cultura grega. Em primeiro lugar, através da guerra que era considerada a
prova máxima de confronto físico. Depois, nos embates retóricos que aconteciam nos debates políticos nas assembleias
e nas disputas nas sessões do tribunal JUdiciário Em conformidade, os gregos, para enfrentarem os desafios da vida,
tinham por modelos de excelência os heróis míticos, tal como Aquiles e Ulisses, cujas proezas eram divulgadas em poe-
sias como a Ilíada e a Odisseia de Homero, que os JOVens decoravam na escola.
52
Veja-se o que já referimos em relação ao "blackout".
53
Veja-se o que se passou com o Sporting Clube Campomaiorense, O Desportivo de Chaves, O Sporting Clube Farense, O
Portimonense Sporting Clube, etc.
1
.

180 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

interna das organizações e os respectivos contextos representam constrangimentos à acção dos


gestores. Os constrangimentos internos decorrem da cultura que caracteriza a organização. Os
constrangimentos externos decorrem da dinâmica do ambiente. Qualquer destes constrangimentos
é determinante para o processo de gestão das organizações.
l
I
Constrangimentos de ordem interna I!
!
Têm a ver com a cultura da organização e têm incidências nos próprios processos de gestão. I

Ii
Podem, entre outros, ser os seguintes:
• Conceptualização da dinâmica de futuro (visão, vocação, missão);
. Estilos de liderança; l
. Oportunidades de participação;
l

· Relações intra e interunidades;


· Conhecimento produzido;
· Sistemas de planeamento;
· Processos de tomada de decisão;
· Sistemas de controlo e correcção.
I
Constrangimentos de ordem externa

Observa-se, também, na dinâmica externa que envolve uma dada organização desportiva:
• Surgimento da organização: qual o estímulo social que desencadeou o nascimento da organização;
• Crenças;
·Moda: uma cultura que não gera moda é uma cultura estática (Humberto Eco);
· Sistemas de valores;
· Leis;
· Quadros ideológicos de acção;
· Rituais do quotidiano;
· Objectivos de valor pedagógico, económico e social que o sistema espera que cumpra;
·Atitude (positiva, negativa ou neutra) dos agentes individuais ou colectivos que a envolvem.

Identificar e resolver problemas

Através da coesão interna e da adaptação a uma dinâmica externa a cultura enfatiza o processo de
desenvolvimento da organização ao longo do tempo, pela identificação dos modos de actuar (estru-
tura de coesão interna), no que diz respeito ao processo de identificar e resolver problemas (resposta
às necessidades do contexto). Nesta perspectiva, a cultura de uma organização expressa-se pela capa-
cidade colectiva que uma unidade social tem para resolver os problemas do meio interno e sobreviver
no meio externo (E. Schein, 1985).

A lógica de uma cultura forte

A cultura torna-se um factor positivo de sucesso quando é forte, isto é, quando modela e optimiza
os comportamentos e as formas de gestão às dinâmicas do ambiente que circunda a organização. Por
--
Héracles e a Cultura [ 181

isso, não vale a pena falar de uma cultura de Benfica à Benfica, se não estiver perfeitamente estabele-
cido um equilíbrio dinâmico entre a coesão e a eficácia do sistema interno, num dos pratos da balança,
e uma bem estruturada dinâmica de adaptação ao ambiente, no outro. Tal como não vale a pena conti-
nuar a advogar os benefícios da educação física se não existir uma coesão e eficácia no quadro ideoló-
gico de suporte, por um lado, e uma boa adaptação daquele quadro às necessidades do sistema social.

A cultura do industrialismo

Como se sabe, o desporto é um produto da sociedade industrial. Está envolvido na cultura do


industrialismo através daquilo a que Alvin Tomer (1980) designou de "código da civilização indus-
trial". A sociedade industrial, a da segunda vaga, é caracterizada por um conjunto de seis princípios
que percorrem todas as suas actividades, afectando, em consequência, o próprio desporto. Os seis
princípios que já tivemos a oportunidade de referir afectam todos os aspectos da vida, desde o sexo
e o desporto até ao trabalho e à guerra. Nesta conformidade, também o desporto se tem vindo a
adaptar ao longo deste século, em função do código proposto por Toffier. Quer dizer, o desporto
tem construído o seu quadro cultural dentro daquele que caracteriza o da civilização industrial.
Nesta conformidade, ser membro dum clube requer um profundo conhecimento duma prática cultu-
ral, que é diferente daquele que é requerido a alguém que trabalha num escritório ou numa fábrica,
muito embora todas estas situações estejam envolvidas' no quadro cultural do industrialismo.

Desporto e industrialismo

O desporto, durante o século passado, varreu a face do planeta Terra. Proveniente das práticas
ludicodesportivas da sociedade agrícola, encontrou no paradigma industrial as condições propícias
ao seu desenvolvimento. A cientificidade das regras, a estandardização das tácticas e do treino eo
rigor das medidas, naquilo que diz respeito à organização racional do rendimento da máquina
humana, segundo Luigi Volpicelli (1967), são aspectos fundamentais que identificam o desporto
com o industrialismo. De facto, o desporto moderno desenvolveu-se à imagem e semelhança do
paradigma industrial, quer dizer, da cultura industrial, pelo que está adquirido que foram as condi-
cionantes sociais, mentais e operacionais, provocadas pela revolução industrial, com a conse-
quente divisão do trabalho e a formação do capitalismo industrial, que infiuenciaram fortemente o
quadro cultural e a própria organização e gestão das práticas desportivas modernas, independente-
mente dos diversos sectores de prática desportiva.

"Your dub will be in good hands"

As organizações nascidas na civilização industrial, ao assumirem-se como o lugar da racionalidade


plena- veja-se a teoria clássica das organizações-, desvalorizaram a possibilidade de desenvolvimento
do pensamento mítico-religioso, tão próprio das práticas desportivas 54 , considerado como um terreno
propício ao surgimento de subjectividades perturbadoras da racionalidade do sistema. A dinâmica
industrial ignorou que as sociedades humanas não se reduzem à s1mples produção de bens materiais e
respectivos saberes técnicos. De facto, no que diz respeito ao desporto, há necessidade absoluta que o

54
Quando nos referimos ao termo prática queremos significar, na linha que nos é proposta por Armando de Castro (1985) e
numa inter-sistemacidade relacional, não só a actividade material do sujeito que é condicionada e determinada social-
mente (prática) como também a actividade, em parte, exo-mental mas de raiz física, biológica, neurológica e psicológica
(actividade).
182 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

processo de desenvolvimento ultrapasse uma cultura de racionalidade cartesiana proveniente do indus-


trialismo, para passar a integrar outros valores do domínio do qualitativo na dinâmica de compreensão
e organização das práticas desportivas, quer dizer, dos direitos humanos e do desenvolvimento susten-
tado, de maneira a que fique restabelecido um equilíbrio entre a cultura e a economia.
A produção de sistemas de representações traduzidas numa multiplicidade de actividades de
carácter simbólico é uma dimensão da organização social porventura mais importante do que a
clássica e, por isso, não pode ser esquecida. Quando Rupert Murdoch, magnata da BSkyB, disse
aos fãs do Manchester United: "Your club will be in good hands" é evidente que se estava a esque-
cer de todos os valores imateriais que envolvem o clube e que ultrapassam tudo aquilo que o
senhor todo-poderoso da indústria dos media pode, alguma vez, comprar e muito menos preser-
var. Isto porque, afinal, o clube, para ser um verdadeiro clube, é muito mais do que um conjunto de
acções cotadas na bolsa de valores, coisa que muitos empresários e dirigentes parece não quere-
rem compreender. Hoje é necessário considerar que um clube tem um "capital simbólico".
Pierre Bourdieu (1930-2002) dedicou grande parte dos seus estudos à descoberta dos mecanis-
mos que configuram o "capital simbólico" nos mais diversos campos sociais. No desporto, as várias
modalidades desportivas proporcionam um determinado capital simbólico que as torna diferenciadas
em relação aos grupos sociais que são atraídos por elas. Segundo Pierre Bourdieu (1989), os símbolos
são os instrumentos por excelência da "integração social", enquanto instrumentos de cor1hecimento e
de comunicação. Eles tornam possível um determinado consenso acerca do sentido do desenvolvi-
mento de uma organização ou de um sistema social mais ou menos alargado, pelo que contribuem
para a reprodução de uma determinada dinâmica social. Enquanto instrumentos estruturadose estru-
turantes de comunicação e de conhecimento os "sistemas simbólicos" cumprem a sua função polí-
tica de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, e contribuem para assegurar a
dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica), dando o reforço da sua própria força às
relações de força que as fundamentam (Pierre Bourdieu, 1989).

O poder simbólico

O ténis está para os outros desportos como a ópera está para os concertos rock. No ténis, os
espectadores atrasados esperam pelo intervalo para se sentar. No Roland Carros, os espectadores
assistiram ao Rafael Nada/ (espanhol) contra Sébastien Grosjean (francês) como quem vai ouvir
uma banda de heavy metal: A favor, claro, do da casa.
Nada/ deixou pousar a ira. (... ) E despachou o Grosjean. No ténis, como na ópera, há grandes
tenores e meros chefes de claque.
Ferreira Fernandes, in Rccord, 1/6/2005

Pierre Bourdieu (2001), em diversos momentos da obra Razões Práticas - Sobre a teoria da
Acção, manifesta-se contra as teorias da acção humana "com interesses", o que explica através de
uma acção abusiva das regras de um determinado campo sobre outro. Quer dizer, do campo eco-
' nómico sobre o desportivo, o que pressupõe um certo calculismo na acção desencadeada.

"Red Devils"

Entretanto, em Maio de 2005, Malcolm Glazer, um magnata americano, anunciou a sua partici-
pação nos "Red Devils", que passou a ser de 71,8% do capital social. Deste modo, ficou a 3,2% do
Héracles e a Cultura [ 183

controlo total do clube. Claro que os "supporters" não vêem com bons olhos a aquisição do clube
por parte do norte-americano, pois receiam que o investimento feito em acções limite a margem de
manobra do novo dono aquando da aquisição de novos jogadores. Muito provavelmente enquanto
Glazer está a pensar em estrondosas vitórias financeiras, os clubes de "supporters" estão a pensar
em inolvidáveis vitórias desportivas. Portanto, estamos perante um combate que se vai desenvolver
nos próximos anos em que cada uma das partes utilizará a "violência simbólica" dos seus argu-
mentos. Os argumentos económicos contra os argumentos dos "supporters", que são fundamen-
talmente do âmbito da organização da vitória desportiva.

Missão do Manchester

O problema é saber se os senhores Rupert Murdoch e Malcolm Glazer têm bem consciência da
dimensão qualitativa-simbólica da missão do clube que está para além dos lucros que ele lhes pode
proporcionar no curto prazo.

Missão do Manchester

Manchester United is followed by fans from ali ov~r the world with more than 200 branches of ·
the Supporters' Club stretching round the globe. The club is also worshipped by people of ali ages.
At Manchester United we believe everyone should have the chance to be coached by the best. That
is why the Manchester United Soccer Schools are run by ou r Official Club Coaches, many of whom
are past players. lt is ou r aim to take skills taught by ou r coaches and practiced by ou r players to I
kids of ali ages and abilities, with the main aim being for everyone to enjoy the sport and make
new friends in the process.
ln h!lp:/ fwww.manutd.comfhomcf

Na realidade, ainda segundo Bourdieu, os "sistemas simbólicos" distinguem-se em função de


serem produzidos ejou apropriados por um grupo ou produzidos por especialistas produtores de
discursos que vão fazer desapossar os laicos dos instrumentos de produção simbólica. Ora, isto
está a acontecer no Manchester, como em muitos outros clubes, federações nacionais e internacio-
nais, bem como nos Comités Olímpicos nacionais e no Internacional, originando aquilo a que
temos vindo a referir como a profunda crise do Modelo Europeu de Desporto.

O material inseparável do simbólico

Na realidade, é necessário considerar, tal como conclui L. Vallée (1985), no texto Representations
Collectives et Société, que é impossível separar a produção de bens da consequente produção de
símbolos e de representações. Quer dizer, quando se fala de desporto não se trata só de um resul-
tado, de uma classificação no campeonato ou de uma cotação na bolsa. O valor de qualquer clube,
digno desse nome, ultrapassa em muito aqueles três indicadores, na medida em que se organiza
na memória e nos sentimentos de gerações sucessivas de pessoas e ao fazê-lo projecta-se no
futuro. Mas, por outro lado, para que os sentimentos de pertença a um grupo se possam reforçar,
também têm de se sustentar em valores materiais. Nesta perspectiva, os dois maiores clubes da
cidade de Lisboa, quando se encontravam numa situação de falência, construíram, em simultâneo,
contra todas as lógicas de ordem económica, política e social, os seus novos estádios, que podiam,
com todas as vantagens, ser substituídos por um estádio municipal que os servisse a ambos. De
184 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

facto, neste domínio, imperou uma certa cultura de irresponsabilidade e de oportunismo que, infe-
lizmente, envolve muitas decisões em matéria de política desportiva, tanto públicas como privadas,
TI
à conta, claro, dos dinheiros públicos.
I
6.1 Filosofia
A visão convencional serve para nos proteger do dolo-
roso trabalho de pensar.
John Kenneth Galbraith (1908-2oo6)

A filosofia das organizações

A cultura das organizações desportivas resulta não só da sua história, da sua acção presente,
como também da perspectiva que os respectivos elementos, independentemente do seu nível hierár-
quico, têm quanto à organização do futuro. É consubstanciada nos seus valores que determinam a
sua filosofia de acção. Claude Sicard (1987) diz-nos que os valores da organização são constituídos
por aquilo a que se denomina de filosofia da organização. Por isso, a filosofia organiza ~m conjunto
de valores partilhados que, traduzidos nas normas de comportamento, determinam a identidade cul-
tural da organização.

Thomas Watson Júnior

Filho do fundador da IBM, considerou que a filosofia de uma organização contribui mais para
os seus resultados do que o fazem os recursos económicos, a estrutura e a inovação.

O Campomaiorense

O que se tem vindo a passar com o clube Campomaiorense é para ser seguido com atenção,
no sentido de se saber quem é que vai ganhar o "braço de ferro" e porquê. João Manuel Na beiro,
presidente do clube, pretende mudar o símbolo do leão pelo símbolo de um galgo. Entretanto, por
dificuldades levantadas pelos associados, continuaram a coexistir os dois símbolos. O presidente do
clube, em entrevista ao diário desportivo Record (23/8/1998), por um lado dizia "... temos dois
símbolos que coexistem", mas por outro, também dizia "... o novo símbolo, uma nova identidade,
um novo querer e um novo desejo". É a luta entre o novo e o velho, o futuro e o passado, a viabili-
dade e a morte, o desenvolvimento e a estagnação, o passado e o futuro, o pensar globalmente e
agir localmente e o não pensar de todo. É a necessidade de encontrar novas simbologias capazes
de enquadrar todos os interessados no clube que representa uma região, à volta de novos valores
para novos desafios e novos projectos. É evidente que o comportamento do Campomaiorense na
Taça de Portugal (futebol) (1998!99) constituiu uma boa ajuda para catapultar o clube e a região
para outros voos. No entanto, os resultados desportivos posteriores colocaram o clube numa posi-
ção dificil, tendo mesmo acabado por desistir de participar no campeonato da 2. a Liga. Na época
de 2002j03, o clube ensaia uma nova estratégia centrada na formação de praticantes e no envolvi-
mento emocional da região no próprio clube.
Héracles e a Cultura [ 185

Quadro 26 Da filosofia à identidade cultural

FILOSOFIA ~~--~~~-~

~····························>' 1 l
M;,;ão

!
Estrutura ~
~'fI
~~- ~ Comportamento I

IDENTIDADE CULTURAL ~------- _j


Da filosofia à identidade cultural

A cultura de uma organização é determinada pela sua filosofia de acção que se expressa na
identidade cultural que anima e congrega as pessoas que a ela, das mais diversas maneiras, se
ligam. Entretanto, da filosofia de acção à identidade cultural, podemos sistematizar um conjunto de
parâmetros (ver quadro 26).
É evidente que um clube tem uma filosofia de acção diferente da de uma sociedade desportiva e
os elementos de cada uma daquelas organizações distinguem-se entre si por serem possuidores de
diferentes identidades culturais. Quer dizer que a filosofia de cada uma das organizações, ao ser dife-
rente, determina diferentes identidades culturais e, em consequência, diferentes comportamentos que
caracterizam os respectivos recursos humanos. A filosofia (normas de acção), expressa na identidade
cultural (padrão de comportamento das pessoas) de uma organização, distingue-a das outras.

Filosofia

Para o que é que uma organização serve. A filosofia situa-se no domínio da acção das organiza-
ções. Por isso, a filosofia organiza conceitos com um sentido operacional que determinam, de
facto, para o que é que a organização serve. Portanto, na filosofia da organização são geridos os
valores de ordem moral e social que devem operacionalizar a sua acção. Quer dizer, que dão vida e
orientam os projectos.

Desporto escolar versus desporto federado

Por exemplo, podemos dizer que em relação ao desporto escolar a sua filosofia deve, em princí-
pio, ser a de proporcionar a todos os jovens do país, quer eles tenham jeito quer não, quer sejam ricos
ou pobres, vivam no interior ou no litoral, nas aldeias ou nos centros urbanos, o direito de praticarem
desporto em função dos seus próprios desejos e possibilidades intrínsecas. O desporto escolar ou é
inclusivo ou não é. Já a filosofia que deve presidir ao processo de desenvolvimento das organizações
relacionadas com o desporto federado circunscreve-se a ideias que têm a ver com a promoção do
desporto numa perspectiva do rendimento, da medida, do recorde, do espectáculo desportivo e do
186 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

profissionalismo, pelo que se devem apurar os melhores e proporcionar-se-lhes as condições óptimas


para que possam atingir os mais elevados padrões de prática desportiva. Deste modo, sem confusões
e sem injustiças e sem oportunismos, têm de ser construídas sinergias entre subsistemas para que o
desporto seja posto realmente ao serviço da educação e do desenvolvimento.

Desporto escolar: já há novos Obikwelus

Já foram encontrados os novos Obikwelus. A uescoberta ocorreu em Óbidos, no passado fim-


-de-semana, durante as finais do projecto "Megasprinter- Escola Em Alta Velocidade", iniciativa
do âmbito do desporto escolar, que juntou na pista daquela localidade do Oeste cerca de 400
jovens oriundos de todo o país, incluindo Madeira e Açores.
A grande final, que contou com a presença de Francis Obikwelu, medalha de prata dos 100
I metros nos jogos Olíf?1picos de Atenas e "patrono" deste projecto que teve o apoio da Federação
i Portuguesa de Atletismo, COP e COI, através da Solidariedade Olímpica.
O responsável pelo projecto afirmou: "Isto demonstra que o objectivo, que passava pela detec-
ção de eventuais talentos, foi atingido".
ln Record, s/S/2005

55
A este respeito são sintomáticas as palavras de Maria Helena Matos , e elas claro que, em
nossa opinião, nada têm a ver com Obikwelu: "É sobretudo para si que olha o autodenominado
solidário. Se olhasse para aqueles que são objecto dos recursos materiais e humanos afectados a
essa solidariedade teria necessariamente de se questionar sobre os resultados das políticas que
tem como mais emblemáticas". Magistral.

As variáveis

A cultura, através da filosofia de acção das organizações ejou dos sistemas, consubstancia os
valores que se expressam nas variáveis que se seguem:
·Vocação;
· Missão;
· Comportamento;
· Estrutura;
·Visão.

Identidade cultural

Em conformidade, podemos definir identidade cultural como o padrão de atitudes e comporta-


mentos expressos pelos membros de uma organização. Diremos ainda que a identidade cultural se
organiza a partir das metáforas da cultura e a da prisão psíquica de Gareth Morgan (1986).

55
ln Revista Atlântico, n. 0 3, Junho de 2005.
-
Héracles e a Cultura [ 187

6.2 Vocação
A única coisa que nos salva da burocracia é a sua ineficiência.
Eugene McCarthy (1916-2005)

A vocação consubstancia a função social que a organização tem por objectivo preencher. Para o
que é que serve a organização é a pergunta que deve desencadear a resposta que traduz a vocação
da organização. Representa, por isso, a escolha da organização em relação à função social que ela
se propõe ou tem de desempenhar.

Espaço social genérico

Assim, a vocação da organização deve ser definida no quadro do espaço social genérico da sua
acção e não, somente, no quadro do espaço social principal e, muito menos, no de segmento ou
subsegmento social (Claude Sicard, 1987). A este respeito, quando se está no domínio da educação
desportiva não restam dúvidas que o espaço social genérico é a educação. O espaço social princi-
pal é a parte curricular ou de complemento curricular do programa e o segmento social os vários
grupos que se podem organizar em função das necessidades e desejos dos jovens.
Já quando se está no mundo do desporto federado podem surgir algumas dúvidas. Qual é o
espaço social genérico) A educação, o entretenimento, a economia, o negócio, o lazer ou a indús-
tria do desporto? Repare-se que, hoje, as próprias escolas de desporto fazem parte das sociedades
desportivas. Segundo José Manuel Chabert, o que se deseja é uma intervenção do Estado que "per-
mita ao futebol português assumir, sem reservas, o estatuto de formador e exportador de talentos"
(in Record, 11/0S/1999). Deste modo, sem as hipocrisias do Modelo Europeu de Desporto, entra-se no
domínio da indústria da prática desportiva que se for bem organizada só pode trazer vantagens
para os jovens praticantes, para o desporto e para o país. A vocação de qualquer organismo des-
portivo tradicional (do desporto federado ou do desporto escolar) é a promoção do desporto. No
entanto, como o vai fazer já é outro problema.

Organizações com fins lucrativos

A este propósito é, ainda, conveniente considerar as organizações com fins lucrativos que
desenvolvem a sua actividade no mundo do desporto. É evidente que a vocação da Nike ou qual-
quer outra empresa comercial não é a de promover o desporto. Quando o faz, é numa política de
marketing, no sentido de ganhar notoriedade ou melhorar a cota de mercado. Quer dizer, utiliza o
desporto como meio de promoção dos seus produtos. Note-se que a este respeito não estamos a
fazer qualquer juízo de valor, na medida em que consideramos absolutamente legítimo que a Nike,
ou qualquer outra empresa, dentro dos limites da ética, utilize o desporto como meio ao serviço da
sua estratégia de conquista ou solidificação de mercados.
188 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

6.3 Missão
Pense. (slogan da IBM)
Pense de uma forma diferente. (slogan da Apple)

Missão

A maneira especial como uma organização deve cumprir a sua vocação designa-se por missão.
Na missão, a organização já actua em função dum espaço social principal e de segmentos. Por-
tanto, tem de se dirigir a grupos-alvo específicos que lhe são próprios. É evidente que quando uma
organização não sabe ou não quer definir o seu espaço social principal, dirige-se para o genérico e
entra em conAito com outras organizações. Em conclusão, a missão esclarece a maneira especial
como uma dada organização cumpre a sua vocação.

Missão do Instituto do Desporto de Portugal


O IDP tem por missão o apoio e o fomento à concepção de uma política desportiva nacional
integrada, nas diversas vertentes do desporto, colaborando na criação e disponibilização das neces-
sárias condições técnicas, financeiras e materiais com vista a incrementar os hábitos de participa-
ção da população na prática desportiva, promovendo-a de forma regular, continuada e com níveis
de qualidade elevados, inserida num ambiente seguro e saudável.
http:f fwww.idesporto.pt

Boas intenções

Para Colin Marshall, Director Executivo da British Airways, a missão é muito mais do que boas
intenções e ideias bonitas. Representa a estrutura de trabalho de toda a empresa, os valores que a
impulsionam e a fé que esta tem em relação a si mesma e àquilo que poderá concretizar. Por isso,
quando vemos a lógica do programa do desporto escolar "Megasprinter- Escola Em Alta Veloci-
dade", temos de questionar se as pessoas sabem realmente o que andam a fazer num quadro ideo-
lógico de equidade educativa.

Elementos da missão

Para Andrew Campbell (1993), a missão inclui quatro elementos fundamentais:


. Finalidade; · Valores;
· Estratégia; · Padrões comportamentais.

Finalidade

Indica-nos porque é que uma organização existe. Para o que serve a organização. Quem benefi-
cia da sua acção. Por que razão alguém deverá fazer mais do que o mínimo exigido. O problema
surge quando uma organização ou instituição não sabe para o que é que existe. Qual a natureza da
sua finalidade global.
......

Héracles e a Cultura [ 189

Estratégia

Fornece à organização uma lógica de acção. Indica as áreas em que a organização poderá
adquirir vantagem competitiva naquilo que realiza. A estratégia serve de elo de ligação entre a finali-
dade e o comportamento.

Valores

Representam aquilo em que a organização acredita. É o credo, as convicções morais que estão
por detrás da cultura da organização.

Padrões comportamentais

Dão expressão às políticas que suportam a competência distinta e o sistema de valores.

Os estatutos e os regulamentos

Os regulamentos das mais diversas organizações desportivas devem expressar os elementos-


-chave que lhes permitem agir em função da vocação e em especial da missão que lhes é específica
e as individualiza. Em conformidade, o que se esper9 de algumas organizações é a capacidade de
mudarem, de maneira a corrigirem os valores institucionalizados pela civilização industrial que as
afastaram das respectivas vocação e missão que deviam prosseguir.

Compromisso emocional

O sentido de missão de alguém que trabalha numa organização é um compromisso emocional.


Trabalhar numa boa organização, com altas finalidades de ordem social e cultural, não garante que
alguém tenha um bom sentido ou espírito de missão. Pode-se ser professor, ter um grupojequipa de
desporto escolar, gerir uma escola de desporto ou uma sociedade desportiva, sem se ter qualquer
espírito de missão.
O espírito de missão surge quando existe uma coincidência entre os valores do indivíduo e as
políticas de organização. Quer dizer que, por exemplo, se alguém é professor de Educação Despor-
tiva ou presidente de uma federação desportiva ou outra organização qualquer, só por uma questão
de ter emprego ou uma ocupação vantajosa em termos pessoais, sem acreditar nos valores da res-
pectiva organização onde está envolvido, significa que está condenado a contribuir para o insu-
cesso pessoal e organizacional a prazo.

Missão da Nike

Through the adoption of sustainable business practices Nike is committed to securing intergenera-
tional quality of lifo, restoring the environment and increasing value for ou r customers, shareholders
and business partners.
ln http:jfwww.nike.orgjmain.html

Escolar x Federado

Tanto o desporto escolar como o federado podem ter a mesma vocação, tendo contudo mis-
sões diferentes (ver quadro 27). Toda a discussão que não se circunscreva a esta realidade está
190 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

eventualmente contaminada por interesses que nada têm a ver com as realidades em causa. Por
exemplo, interesses de conquista de recursos financeiros (que serão sempre limitados) junto do
Estado. Em nossa opinião, numa política desportiva equilibrada e coerente os dois sectores com-
plementam-se, não se sobrepõem nem se excluem.

Quadro 27 i Vocação/Missão- Escolar/Federado

l~--·--- DESPORTO ·-··-··----~--1

y y
Federa~ _l-'~ ---- t -- -- -- -- {_- ~co~ -~I

VOCAÇÃO

MISSÃO Desenvolvimento MISSÃO


Rendimento do Desporto Educação
Medida Generalização
Recorde Catarse
Espectáculo Recreação
Profissionalismo Saúde

VocaçãofMissão- Escolar/Federado

A vocação de uma estrutura como o desporto escolar tem a ver com a necessidade de satisfazer
as necessidades de prática desportiva dos jovens em idade escolar. No entanto, podemos dizer que
uma federação tem a mesma vocação que é também a de satisfazer as necessidades de prática des-
portiva dos jovens em idade escolar ou não. Quer dizer, são duas unidades orgânicas independen-
tes do sistema desportivo que podem cooperar, desde que não exista da parte de nenhuma delas
tentações hegemónicas e totalitárias, na medida em que ambas têm a mesma vocação. Portanto, a
cooperação tem de ser realizada no respeito pela identidade cultural de cada subsistema, na cer-
teza de que se não for possível estabelecer distintamente diferentes identidades culturais, então,
podemos dizer que um dos sistemas está a mais. É uma questão de decisão política em matéria de
modelo de promoção do desporto. Ou o desporto escolar toma conta dos escalões etários em
idade de escolaridade obrigatória ficando o desporto federado dispensado de tal missão, ou se
entrega pura e simplesmente o desporto escolar às federações desportivas. A questão está agora
em verificar as vantagens e os inconvenientes de cada uma destas situações, na certeza de que na
segunda, num país como Portugal, o Estado corre o risco de deixar de cumprir a missão que dele
se espera em termos de políticas públicas. ·

Situação

Vivemos actualmente em Portugal numa situação que podemos considerar de mista. De facto,
estamos a funcionar numa perspectiva que vem desde os anos trinta com a institucionalização da
Héracles e a Cultura [ 191

Mocid ade Portu guesa. Quer dize r, reco nh ece-se qu e ambo s os sistemas, o federado e o esco lar,
tê m a mes ma vocação de promoção do des porto, só qu e cada um deles rea li za es sa vocação duma
ma neira específi ca através das respectivas mi ssões . De facto, julgamos se r esta a so lu ção mais
eq uil ibrada em função do país que temos, dos professo res habilitados, dos dirigentes qu e ex istem,
das in stal ações di sponíve is e, sob retud o, dos inte resses da s crianças e dos jove ns que, aonde qu er
qu e estejam, têm o direito de pratica r desporto em fun ção dos se us desejos, qu er di zer, num a via
recreativa ond e a com petição está prese nte co m uma ca rga específica, ou num a via emin entemente
co mpetitiva onde a com petição ass ume um a va lência acresc id a. Não se pode aceitar nem promi s-
cuid ades nem que aqu eles qu e co nseg uem chegar mais fac il mente aos media arrebanh em os
meios que deviam estar à di spos ição de todos de um a form a equi tat iva . O despo rto enqu anto in s-
trum ento de edu cação é demas iado importante pa ra hipocri sias e opo rtuni smos.

Falar pela primeira vez


Numa competição paralímpica de atletismo, uma jovem menina tinha acabado de ganhar
uma corrida de 6o metros pelo que estava radiante. Corria e saltava toda excitada.
Ao mesmo tempo gritava para os pais que, felizes, tinham assistido à competição: "Vejam pai
e mãe, eu ganhei!"
Quem assistia à cena, de um momento para o outro, reparou que os pais da rapariguinha
estavam lavados em lágrimas.
Na cerimónia de atribuição dos prémios a jovem menina recebeu com imenso orgulho a meda-
lha que tinha ganho abraçando de alegria os pais que ainda choravam mais. Abraçados uns aos
outros, aquela pequena família chorava copiosamente até que alguém da organização se aproxi-
mou para perguntar o que é que se passava, se havia algum problema?
Qual não foi o seu espanto quando a mãe lhe respondeu: "Não, não há qualquer problema.
Nós simplesmente ouvimos a nossa filha falar pela primeira vez".
ln http:f f www.osoinc.comf

Pelo exempl o da menina que falou pela primeira vez depois de ter ganho uma prova des porti va é
fácil perceber que as finalidades e os va lores que pres id em ao desporto escolar têm de ser consu bs-
ta nciados em políticas públicas aju stadas à generalidade dos diversos grupos sociais. Por exempl o, a
norm a que deve cond icionar o acesso à pa rticipação em competi ções des portivas no sistema escolar
aos jovens qu e já o fazem na mes ma modalidade no des porto fede rado represe nta a ass un ção de
um princípio determ in ado pela missão es pecífica que pres ide à fil osofi a do secto r, em função dos
gran des obj ectivos no âm bito da incl usão que deve cump ri r. Co mo se sa be, estes objectivos são os
de pro porcionar a prática des portiva aos jove ns qu e, pelas mais dive rsas razões, não têm outro loca l
pa ra praticarem desporto se não na esco la. Só des te modo a mi ssão defend e os elementos-chave de
sucesso da acção. De outra maneira, é a anarq uia total, aliás o estado em que, de algum a maneira,
tanto o despo rto escolar como o desporto federado se enco ntram em Portu ga l.

Cooperação

O que é necessário reconhecer é que cada um dos sistemas é válido, cada um deles cumpre a sua
mi ssão, cad a um deles se dirige a segmentos popul acionais diferenciados, cada um deles tem as suas
metodologias e cada um deles cu mpre objectivos próprios que se com pl ementam. Porta nto, haverá
192 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

sempre similitudes e diferenças entre os sistemas que se dirigem a populações específicas. Similitudes,
porque tratam do desporto que pela sua definição é competição. Qualquer sistema para sobreviver tem
de ter processos de superação próprios organizados ou não em quadros competitivos formais, sob
pena de deixar de ter qualquer significado. Diferenças, porque se dirigem a grupos-alvo que, na reali-
dade, não são iguais, na medida em que apresentam diferenças de diversa ordem que é necessário res-
peitar, implementando as situações organizacionais necessárias aos respectivos desenvolvimentos.

Modelo

O problema está em encontrar um modelo em que, no respeito pela missão de cada uma das
entidades, os recursos humanos, materiais e financeiros, sejam de facto rentabilizados, em função
da vocação que envolve as duas entidades. A não ser possível atingir estes desígnios, os sistemas,
a prazo, vão entrar em ruptura, pela simples razão de que as forças do mercado, que comandam a
indústria dos media e do entretenimento, vão tQmar conta de todo o processo desportivo em pre-
juízo daqueles que não têm voz e, por isso, poder reivindicativo. É evidente que é nestes domínios
que compete ao Estado promover as políticas necessárias que corrijam as disparidades sociais.

Vocação/Missão- Clube social/Clube-empresa

Entretanto, com o advento dos clubes-empresa e das sociedades desportivas, coloca-se tam-
bém o problema da distinção entre a missão do clube tradicional e a missão da sociedade despor-
tiva. Podemos aceitar que a vocação seja comum a ambas as organizações, na medida em que a
questão central é o desporto. Contudo, a missão é diferente (ver quadro 28).

Quadro 28 I Vocação/Missão - Clube social/Sociedade desportiva

DESPORTO

Clube Social SAD

VOCAÇÃO

MISSÃO Desenvolvimento MISSÃO


Satisfação da massa associativa do Desporto Satisfação dos accionistas
Integração vertical de processo Integração vertical de cadeias
de desenvolvimento de valores

Na cultura das organizações desportivas, enquanto conjunto de normas de comportamento,


que decorrem da filosofia que identifica a respectiva identidade cultural, se estiver de acordo com
as exigências do meio social, a organização vive num estado de equilíbrio dinâmico com o seu
Héracles e a Cultura [ 193

ambiente , isto é, manté m as co ndições da sua própri a so brev ivência. A partir do momento em qu e
as co ndições exte rn as se alteraram, a orga nização tem de procurar uma nova homeostas ia organi -
zacional. Quer dize r, a homeostas ia não é um estado estável é antes uma di nâmica de equ ilíbrios e
desequilíbri os na prossecução do desenvolvimento.
Muito em bora os processos de mu dança cultu ral seja m difíceis de desencadea r e levem tem po a
prod uzir efeitos, so bretudo no mundo do des porto em que o civismo, a cultura e a vivência democrá-
tica já não são o que outrora foram - veja-se, por exem pl o, os estatutos de algumas organ izações des-
portivas qu e são um autêntico atentado aos mais simples valores democráticos - somos de opin ião
que não existe outra solu ção senão a de aceitarmos a necess idade de mudar co mo um im perativo de
orde m soci al e, em co nsequ ência, uma situ ação normal das nossas vid as. No enta nto, qu ando se fa la
de desporto todo e qualquer processo de mudança tem de começar a montante, quer dizer, no sis-
tema ed ucativo, através da discipl ina de Ed ucação Desportiva enq uanto ensino cu rricular do des porto.

Culturas fragmentadas

É evidente que todo e qu alquer processo de mudança neste domínio tem de partir da co nsciencia-
lização dos próp ri os profi ssio nais de educação fís ica, sobretudo daqueles que vão ser os primei ros
prejudicados se não se anteciparem às mudanças que se avizin ham, não nu ma perspectiva corporati-
vista de defesa de interesses tantas vezes mesquin hos âe uma cl asse profi ss ional, mas num a atitu de
de pl anea mento e co ntrol o do se u próprio futu ro, a partir dum a res posta inteli gente às novas rea lid a-
des e necess idades socia is. O prob lema é, também, aq uilo a que Gareth Morgan (1 986) chama de cu l-
turas fragmentadas, quer dizer, culturas em que algumas pessoas prim am po r dizer uma co isa e
depois fazer outra completa mente diferente. Cu ltu ras em que não existe um a co incidência entre o dis-
curso teó ri co e a prática social e profiss ional de todos os dias. É, em nossa opi nião, o que está a acon-
tece r não só em múltipl as situ ações do sistema desporti vo, desde o própri o Co mité Olímpi co de Por-
tuga l até à próp ria organização da disciplina de Educação Fís ica e do Desporto Esco lar.

Comité Olímpico de Portugal (COP)


Nenhum pensamento polftico pode legitimamente questionar a sociedade sem primeiro questio-
nar as suas próprias categorias. Quando, nas campanhas de comunicação externa do COP, a
máxima que a quase centenária organização diz prosseguir e faz passar para o país e sua juventude é
"só os melhores se qualificam", deixando no esquecimento a máxima adoptada por Coubertin que
diz que "o ma{ importante nos jogos Olímpicos não é ganhar mas participar", o que o COP está a
transmitir é a valorização de um comportamento social em que o importante é ganhar a qualquer
preço, numa ineficácia absoluta relativamente aos fins que a organização devia prosseguir.
Carlos Agui ar, in O Desporto Madeira, 7j 2j 2oo3

AGONGD- 13
194 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

6.4 Comportamento
Tentar e falhar é, pelo menos, aprender. Não tentar é
sofrer a inestimável perca do que poderia ter sido.
Chester Barnard (1886-1961)

Segundo Warren Bennis (1997), as organizações só aproveitam 20% do seu capital intelectual.
O sistema desportivo vive a desperdiçar competências, porque de Olimpíada para Olimpíada se
tem vindo a fechar cada vez mai s so bre si próprio, impedindo a renovação de quadros e dirigentes.
No entanto, todos estaremos de acordo com a afirmação de que as organizações e os sistemas
com forte turbulência intern a e com petição externa não podem permitir- se funcionar aquém das
suas capacidades. Ao fazê-lo, origina-se um enorme desperdício de valores e recursos necessários
ao desenvolvimento e ao progresso.

Quadro 29 1Turbulência social e comportamento

Estilo Conservador Controlador Carismático Empreendedor Criador

Cultura Estabilidade Eficácia Crescimento Oportunidades

Preocupação Longevidade Rentabilidade Eficiência Potencialidades Criatividade

Resolução Controlo da Aproveitar Criar


Diagnosticar Optimizar
de problemas mudança oportunidades oportunidades

Extrapolação Planificação Gestão


Gestão Procedimentos Controlo financeiro
gestão de crises estratégica de surpresas

Dados, informação Performance Extrapolação per-


Anteriores Visão Indícios
conhecimento passada formance passada

Adaptado de Ansoff, I. (1993)

Padrões de comportamento

A cultura não é algo que possa ser imposto, quer interna quer externa mente, sobre uma dad a situa-
ção socia l. A cu ltura anima-se e desenvolve-se através dum processo de interacção sociàl entre todos os
agentes interessados, pelo envolvimento das pessoas e por uma liderança partilhada. Por isso, o com-
portamento das pessoas nas organizações tem a ver com um conjunto de variáveis internas no domí-
nio da liderança e de variávei s externas no domínio do padrão de turbulência do ambiente. É evidente
que o tipo de ambiente determin a pelo seu lado o estilo de liderança das organizações.
Conforme se pode ver no qu ad ro 29, um ambiente com uma turbulência baixa possibilita um com-
portamento de estilo conservador numa cultura de estabilidade, em que a lon gevidade das so luções é
Héracles e a Cultura [ 195

garantida através de simples procedimentos estandardizados. Nestas situações, a resolução dos pro-
blemas está controlada porque os dados, a informação e o conhecimento estão actualizados e antece-
dem as decisões. Uma situação de turbulência 5 exige um com portamento completamente diferente,
em que o estilo das pessoas deve ser dinâmico e criati vo na procura de soluções nem sempre fáceis.
Nestas circunstâncias, os gestores têm de ser capazes de gerir su rpresas, pelo que são obrigados a
esta r atentos aos mais leves indícios relativamente às mais diversas matérias que lhe permitem formu -
lar intuitiva mente opin iões e avançar em tempo real para as necessá ri as decisões.

Turbulência X Liderança
Luís Filipe Vieira reafirmou que não admite pressões na escolha do sucessor de Ronald Koeman
no comando da equipa do Benfica na época 2oo6foJ. Efoi mais longe: "Só o que está na minha
cabeça é que conta. Não vale a pena mandaram-me mensagens, darem conselhos, eu não preciso de
conselhos de ninguém. Sei qual é a decisão que tenho de tomar para o Benfica e qual é a serenidade
que é preciso ter. Sei o que é que o Benfica precisa, sei para onde o Benfica tem de caminhar... "
"As pessoas têm de entender que não fui eleito presidente do Benfica para os momentos fáceis
mas sim para os momentos diftceis. Acho que já dei provas nos momentos diftceis e mais uma vez
vamo~ fazê-lo".
ln Record, 9/5/2006

Construção de valores

Naquilo que tem a ver com a cultura da organização, segundo Garett Morgan (1986), os líderes
formais não têm o monopólio da criação e constru ção de uma cu ltura organ izaciona l. A posição de
poder que têm empresta-lhes es pecial va ntagem para desenvolverem sistemas de valores e códigos
de co mportamento, uma vez que, frequentemente, têm o pod er de recompensar e punir aqueles qu e
seguem ou ignoram a sua liderança. É necessá ri o considerar que ex istem pessoas qu e são capazes de
influencia r e determinar o padrão cu ltural das organ izações agindo simpl esmente como líderes infor-
mais e outras com todo o poder formal que possuem não exercem qualquer infl uência no sistema.

Dinossauros excelentíssimos

Por isso mesmo, não acreditamos que o sistema despo rti vo nac iona l co nsiga sob reviver com
pessoas que de há demasiados anos a esta parte se perpet uam e multiplicam a si própri as nos
lu gares de decisão. De facto, são necessárias mud anças de pessoas e, em consequência, de menta-
lidades, id eia s e de políticas, até porque o actual sistema de fun ciona mento já está a co mprometer
o próprio des porto das gerações futuras.

Implosão

Tal como nos dizia Mari a de Lurdes Pintas il go, "a democracia é um sistema hoje reduzido a
meca ni smos formais que a esgotam e a levam à implosão" (in Visão, 8j1j1998). É o qu e está a
aco ntece r a alguns sistemas e orga ni zações do mu ndo do desporto. Estão a implodir. Estão ades-
moronar- se sobre si próprios, pelas sua s próprias deficiências, con tra di ções internas e in capaci-
dade abso luta de se relacionarem co m o ambi ente socia l que os rodeia e com o próprio futuro. Os
196 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Quadro 30 I Estrela do poder para uma liderança eficaz

Rejeitar um estilo de liderança "quero, posso e mando"


Delegar competências
Capacidade para liderar líderes

Privilegiar a acção
Obter resultados
Realizar uma boa articulação entre a teoria e a prática

Identificar as informações de valor significante


Capacidade de diagnóstico
Fazer sínteses técnico-funcionais de valor político

Desafiar o "statu quo"


Criatividade
Estimular a capacidade criativa dos outros

Carácter acima de tudo


Gerar confiança
Coerência entre aquilo que se diz e aquilo que se faz

Ver mais longe e primeiro do que os outros


Visão partilhada
Motivar e envolver as pessoas nos projectos

Assumir as próprias responsabilidades


Coragem
Aceitar desafios

Disponibilidade para se reinventarem a si próprios


Alterar comportamentos
Liderar "organizações que aprendem"

Perceber o momento exacto da mudança


Sentido de oportunidade
Não confundi r urgência com importância

Transformar ameaças Conseguir capitalizar na adversidade


em oportunidades Motivar as pessoas a ultrapassar barreiras

processos eleitorais são meros mecanismos formais que se esgotam em si mesmo e, sa lvo raras
excepções, a comun icação socia l transformou-se num a mera caixa de ressonância das op iniões das
"nomenklaturas" instaladas no -poder. Esta problemática leva -nos a qt:~estionar a liderança.
Sun Tzu e Confucius acreditavam que a liderança, naquilo qu e tem de mai s fundamental, vem de
dentro de nós próprios, já que é uma questão de carácter e não de posição soc ial ou institucional.
Mas, se o poder da lidera nça nasce co m as pessoas, no entanto, tem de ser descoberto, treinado e
desenvolvido.

Liderança

Pode ser definida como a capacidade intrín seca de alguém ser capaz de influenciar, quer vo lun -
tária quer involuntariamente, quer directa quer indirectamente, a vida de terce iros. Ao exercício
desta capacidade encontra-se associado o conceito de poder. Este poder pod e se r exercido através
da autoridade, do conheci mento, da con fi ança, da motivação e do acaso. É aqui lo a que designa-
mos por estrela do poder para uma lideran ça eficaz. É evidente que os padrões de poder, conheci-
mento, confiança, motivação e sorte podem variar de indivíduo para indivíduo e de situ ação para
-- ·~---------------------

Héracles e a Cultura [ 197

situação. A liderança pode mesmo se r exercida utilizando predominantemente uma das variáveis
ou uma combinação de duas delas ou até mesmo de quatro ou das cinco (ver quadro 30).
A autoridade não deve ser gerida, como no passado, num estilo "quero, posso e mando". Há
que delegar competências de forma a liderar líderes e obter resultados pela acção sustentada na
articulação entre a teoria e a prática. O conhecimento obriga a desafiar o "statu quo" pela criativi-
dade do diagnóstico técnico-funcional de valor significante. A confiança supõe ser capaz de gerar
uma visão partilhada, pelo carácter, coerência e envolvimento das pessoas. A motivação requer
coragem para assumir responsabilidades e aceitar desafios de forma a alterar comportamentos
pessoais e organizacionais / Finalmente, é necessário forçar a sorte pela capacidade de compreen-
der o momento de mudal'lça e transformar cada ameaça numa nova oportunidade. A chave do
sucesso passa por "forçar" a sorte através de análises estatísticas e de probabilidades, a fim de
encontrar tendências ou anomalias. Analisar uma dada situação, encontrar novas maneiras de a
compreender, novos cruzamentos, padrões ou irregularidades podem ajudar a melhor compreen-
der uma situação, e deste modo engendrar melhores estratégias de liderança. Quer dizer, aquilo
que muitas vezes parece sorte tem por detrás um trabalho aturado de investigação e de análise.

Modelo de governação do desporto federado

Como tivemos a oportunidade de referir, os gregos antigos cultivavam a destreza e a força invul-
gares, não só como exercício da estética e do combate leal mas também como o suporte indiscutível
de qualquer posição de liderança. Para eles a ambição existia, só que tinha limites e estava condicio-
nada pela entrega concreta à causa social. Melo de Carvalho (1997) escreveu um livro intitulado O
Dirigente Desporti1.1o Voluntário, onde questiona, nos seus diversos paradoxos e contradições, a pro-
blemática dos dirigentes desportivos, colocando precisamente a tónica na causa social.
O autor avança com uma estimativa de existirem 6o a 8o mil dirigentes desportivos benévolos :
Não nos custa a acreditar que existam . No entanto, para nós, é evidente que este tipo de dirigentes
desportivos benévolos, que ao longo da sua vida têm sido os grandes responsáveis pela verdadeira
prática desportiva no país, não tem nada a ver com os dinossáuricos dirigentes que há dezenas de
anos, com o objectivo de usufruírem das mais diversas mordomias, entre elas a de uma reforma
dourada, se instalaram no vértice estratégico do movimento desportivo com enormes prejuízos,
para a juventude, para o desporto e para o país. Hoje, existem muitos dirigentes desportivos no
vértice estratégico do movimento desportivo que já não se enquadram no padrão do dirigente des-
portivo voluntário. Hoje, dirigentes de;; portivos há que tendo sido eleitos como benévolos, através
de "golpes palacianos" consubstanciados ou não por via estatutária, de um momento para o outro,
passaram a profissionais ou semiprofissionais, usufruindo de chorudos vencimentos à conta do
erário público. Outros, no maior despudor, preparam-se para tal.
A este respeito, Melo de Carvalho alerta para o facto de se estar a matar o dirigente desportivo bené-
volo, na ilusão de se poder construir um novo tipo de dirigente de uma pseudo-capacidade técnico-admi-
nistrativa. Esta visão utilitarista e economicista, que parece estar a vingar no movimento desportivo, é um
dos aspectos que hoje determina a corrosão do carácter que, em muitas circunstâncias, graça na cúpula
do desporto português. Melo de Carvalho vai mesmo ao ponto de alertar para o facto de ser corrente no
movimento desportivo pensar que "só quem é estúpido aceita trabalhar benevolamente".
Para nós é evidente que este tipo de alerta se dirige não à generalidade dos técnicos e dirigentes
que por esse país fora sustentam o desporto e a sua prática, mas a uma cliqu e instalada há dema-
siados anos no poder que já não se satisfaz com as mordomias conseguidas. Como se tem visto
nos últimos anos, salvo raras excepções, eles não sabem o que querem a não ser que querem mais
198 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

dinheiro, mais poder e mais mordomias. Em conformidade, aí está um dirigismo desportivo pago a
peso de ouro pelos contribuintes, exercido por muitas pessoas sem habilitações nem competências
para tal e à margem de sistemas de controlo minimamente credíveis.
E Melo de Carvalho pergunta: "A profissionalização dos dirigentes desportivos é útil, viável e
consequente com o processo de democratização real das actividades físico-desportivas?"

A resposta a esta questão tem de ser analisada no quadro da profunda crise em que o actual
Modelo Europeu de Desporto vive, pelo que a generalização da profissionalização do dirigente des-
portivo através de processos de geração espontânea é de todo inaceitável, em termos práticos por
impossibilidade económica e em termos teóricos por ausência de coerência ideológica. Ao profis-
sionalizar o dirigismo desportivo sem quaisquer princípios, regras e objectivos que, de alguma
maneira, é o que já está a acontecer, está-se a construir uma espécie de "Função Pública" privile-
giada, porque vivendo à custa do erário público vive simultaneamente sem as responsabilidades
que lhe são inerentes. Os exemplos podem ser encontrados nas mais diversas federações, que
devem ser estudados e criticados no sentido de se encontrarem soluções para o futuro.

Aceitar profissionalizar de qualquer maneira dirigentes amadores que através de processos elei-
torais de democraticidade duvidosa estão instalados há dez, quinze, vinte e mais anos no sistema
desportivo é colocar em cheque todo o edifício lógico-conceptual que fundamenta o Modelo Euro-
peu de Desporto, e pôr em causa os seus valores, o seu credo, a sua vocação e a su.a missão de
serviço público. Para nós, há muito que é evidente que o Modelo Europeu de Desporto tem de evo-
luir, contudo tem de o fazer no sentido de proporcionar uma melhor prática desportiva, da generali-
zação à alta competição, que não passa certamente por pagar vencimentos chorudos a detentores
de dois, três e mais empregos e até, cúmulo dos cúmulos, a reformados que mais não fazem do
que usurpar postos de trabalho às novas gerações.

À partida não negamos a possibilidade, e até necessidade, de, em determinadas circunstâncias,


poderem existir dirigentes profissionais. Contudo, é necessário saber em que termos essa profissio-
nalização acontece e no quadro de que modelo de desenvolvimento desportivo. As características
lúdico-agonísticas que regem as práticas desportivas, que para o bem e para o mal se interpene-
tram nos processos de gestão do Modelo Europeu de Desporto, obrigam à existência de um diri-
gismo benévolo, acima de qualquer suspeita e superior a quaisquer interesses que não sejam os
dos praticantes, da modalidade ou da organização. Portanto, o vértice estratégico das organizações
desportivas tem de estar acima de qualquer estrutura dirigente profissional da linha hierárquica,
que só deve existir se, para além de uma clara cobertura legal, por um lado, significar eficiência e
eficácia para a organização e, por outro, se for economicamente justificável e, claro, sustentável.

O dirigismo desportivo profissional no quadro do Modelo Europeu de Desporto, pressupondo


que este deve evoluir na sua configuração, a existir, só deve acontecer nas estruturas intermédias das
organizações desportivas, tendo estas sempre acima de si órgãos insuspeitos que a devem controlar.
Estes órgãos, em nossa opinião, devem ser não executivos, o que acabaria com os efeitos perversos
que hoje estão a acontecer em diversas organizações desportivas em que existe uma enorme pro-
miscuidade entre aqueles que têm de preservar os valores da organização ejou da modalidade e
aqueles que têm responsabilidades executivas. Nesta perspectiva, no quadro normativo actual que
, configura o Modelo Europeu de Desporto, não aceitamos que os actuais presidentes de federações
desportivas ou grandes clubes desportivos e, muito menos, de confederações, comités olímpicos,
etc., possam ser profissionais. Por um lado, porque se o são é à custa do dinheiro dos contribuintes
sem que exista qualquer controlo credível e, por outro, porque funcionam com um poder absoluto,
sem que se saiba se estão a defender os seus interesses ou o das modalidades ou organizações que
dizem representar.
....
Héracles e a Cultura [ 199

Por isso, como Melo de Carvalho afirma, o que está em causa é a concepção de desenvolvi-
mento. De facto, ao que hoje se assiste é à mais pura promiscuidade entre o benévolo e o profissio-
nal, entre o público e o privado, entre o social e o mercado, entre a economia e o mercantilismo,
que está a deixar o desporto exangue como se pode constatar com o que se passa no mundo do
futebol e, entre outras modalidades desportivas, o atletismo.
Também defendemos que é necessário seguir uma via onde os diferentes processos podem
interagir no sentido de colocar "o ser humano como motor da vida social". Por isso, também esta-
mos contra os tecnocratas desprovidos de ideologia e os pragmáticos alienados dum sentido de
desenvolvimento humano. Entre um radicalismo economicista e uma relação harmónica entre o
desporto e a economia é necessário caminhar para esta última situação sob pena de transformar o
desporto num instrumento de alienação de massas ao serviço de um neo-fascismo global servido
por dirigentes acéfalos, pagos a peso de ouro, sem educação e sem cultura, aliás como já está a
acontecer em muitas organizações desportivas.
Nestas circunstâncias, é necessário que se entenda que não é pelo facto de se começar a pagar
a um dirigente que ele passa a usufruir de determinadas competências no domínio da gestão. Nem
é isso que se espera de um dirigente. Ao fazê-lo, está-se a confundir as competências de um diri-
gente benévolo que devem ser a nível da defesa dos valores do desporto, da modalidade e da orga-
nização a que pertence, com competências profission,ais no âmbito da gestão. Se os dirigentes des-
portivos passarem a profissionais, quem defende o credo da organização, a sua missão e os valores
do desporto? Melo de Carvalho, depois de apontar várias situações paradoxais que decorrem da
profissionalização do dirigente, entre elas a de ele passar a ser na organização em causa um
empregado igual aos outros, com tudo o que daí decorre em termos até jurídicos, afirma que o que
está em causa é a "legitimidade da acção do dirigente", pelo que é necessário saber se a remunera-
ção limita a legitimidade. Para ele, embora a legitimação possa não ser posta em causa o seu reco-
nhecimento enfraquece. Em consequência, passa a existir um potencial ambiente de confiitualidade
entre dirigentes eleitos, profissionais e técnicos.
Melo de Carvalho aponta uma solução que passa por uma boa relação entre o dirigente bené-
volo e o profissional, de maneira a que aquele assuma na plenitude o papel de líder do projecto,
com a presença e a ajuda dos profissionais. Pensamos que esta situação resulta bem nas pequenas
organizações desportivas, em que o modelo corporativo que é o Modelo Europeu de Desporto, que
lhes subjaz, entre o dirigente, o técnico e o praticante existe uma comunhão de interesses, propósi-
tos e desejos inquestionáveis. Por isso, nestes casos, estamos obviamente de acordo com a referida
perspectiva de Melo de Carvalho.
Os verdadeiros problemas e as contradições surgem nas organizações desportivas em que a res-
pectiva dimensão económica começa a ser um dos vectores fundamentais de todo o processo orga-
nizacional, pelo que os interesses dos dirigentes benévolos e dos profissionais começam a ser com-
pletamente distintos. Já referimos anteriormente que os fenómenos e as estruturas socioculturais,
seJam elas quais forem, do desporto à religião, alteram-se completamente a partir do momento em
que se modificam as respectivas estruturas económicas em que elas se envolvem ou se organizam.
Ora, a estrutura económica básica do mundo do desporto actual, sobretudo a nível da sua cúpula,
com todas as consequências financeiras que daí decorrem, já nada tem a ver com aquela que carac-
terizou o seu passado. O que hoje está a acontecer com o chamado Modelo Europeu de Desporto é
uma espécie de corporativismo orgânico, no qual predomina uma visão antiliberal, que promove um
modelo fechado de sociedade e de desporto.
Portanto, quanto a nós, coloca-se o problema fundamental de reconfigurar o próprio modelo de
governação do sistema desportivo europeu. E, assim, há que encontrar alternativas ao actual statu quo
200 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

do dirigismo da cúpula do movimento desportivo, que a partir de uma falsa prática democrática em
grande número de organizações, como se constata pelos processos eleitorais, conduz a um certo
poder tirânico em demasiadas organizações desportivas. É necessário, por conseguinte, encontrar
uma nova configuração do modelo governativo que evite o mau uso e abuso de poder (mesmo
quando em poucos casos excepcionais é exercido através de um "bom tirano" ou "boa tirania"), que é
o que está em demasiadas situações a acontecer com o actual Modelo Europeu de Desporto.
Esta situação, que se tornará cada vez mais insustentável, pode ser resolvida por um novo
modelo configurado em rede, em que não existam monopólios orgânicos de qualquer espécie e em
que a arquitectura estrutural das organizações desportivas passe a ser dual, constituída por um nível
superior onde se encontrem os dirigentes benévolos, responsável pela defesa dos valores, credo,
grandes linhas de orientação estratégica, filosofia de acção e identidade cultural das organizações, e
um segundo nível onde estão os novos dirigentes profissionais, responsáveis pela gestão corrente e
a implementação dos planos e objectivos estratégicos, bem como pela salvaguarda da eficiência e a
eficácia das organizações desportivas, que lhes garantem a afirmação e sobrevivência no futuro.
Como é que isto pode ser conseguido? Em nossa opinião, se nos dermos ao trabalho de escutar
Peter Drucker (1992, 1994), podemos antever nesta solução de governação um modelo que visa
assegurar a manutenção e salvaguarda dos valores essenciais do desporto, garantida naquele pri-
meiro nível de dirigentes benévolos e autênticos "curadores" 56 , para usar uma terminologia habitual
em organizações não lucrativas de matriz anglo-saxónica, em coexistência com um segundo nível
composto por dirigentes desportivos profissionais, a funcionarem num regime perfeitamente sobre-
determinado, e não em regime de roda livre como acontece, ou pode acontecer, actualmente (ver
supra o levantamento da situação das federações desportivas de Portugal).
A concretização de um tal modelo de governação impõe a necessidade de garantir para as orga-
nizações desportivas sem fins lucrativos, com utilidade pública, um regime estatutário que deter-
mine a existência de um órgão, ao nível do respectivo vértice estratégico, constituído por dirigentes
benévolos com as competências referidas e de carácter não executivo e, ao nível da linha hierárquica,
de um órgão constituído por dirigentes profissionais com as competências executivas necessárias à
concretização das grandes directrizes emanadas do órgão superior do vértice estratégico. Quer dizer,
assim, que a profissionalização nas organizações desportivas nesta configuração governativa passa a
estar em estruturas intermédias, subordinadas a uma estrutura superior não executiva benévola de
cariz político-ideológico e cultural do desporto.
O que está a acontecer presentemente é que o vértice estratégico das organizações desportivas,
com competências executivas e um estatuto cada vez mais profissionalizado, em coerência, não tem
capacidade para garantir a defesa dos valores, do credo, da filosofia e da identidade cultural das
organizações, uma vez que acaba por exprimir e pôr em prática os seus interesses próprios no inte-
rior do sistema desportivo. Funciona, assim, como "agente" com interesses específicos diferentes
dos que estariam na substância originária do sistema em que actuam (o que tem correspondência
com a "teoria do agente" das organizações empresariais).

56
Nestas discussões da arquitectura institucional surgem em inúmeras organizaç6es de carácter não lucrativo, como por
exemplo clubes, universidades, órgãos de cúpula que não têm carácter executivo e que são os responsáveis pela orienta-
ção missionária e estratégica dessas organizações. Em certos casos, são denominados "conselhos de curadores" (os
"board of trustees"), no sentido em que o "curador" é aquele que se responsabiliza institucionalmente pelo sentido subs·
lanlivo da organização (filosofia, missão, estratégia, etc.). A outros níveis aparecem os órgãos executivos, profissionais,
que derivam as respectivas competências e atribuiç6es dos curadores e garantem a gestão corrente, a implementação da
estratégia e a afirmação competitiva da organização em causa.
-
Héracles e a Cultura [ 201

Os dirigentes desportivos benévolos


É uma das mais antigas e persistentes reivindicações do movimento associativo desportivo: os
dirigentes desportivos desempenham as suas actividades em regime de benevolato, graciosamente,
sacrificando os seus tempos livres -e a família!- aos interesses do desporto, pelo que tais activida-
des têm que ser incentivadas e apoiadas pelo Estado, através de um adequado Estatuto do Diri-
gente Desportivo, para que, assim, possam continuar desinteressadamente - a promover o des-
porto. Quão benévolos serão, então, os dirigentes desportivos?
Um rápido passeio pelos estatutos de algumas federações desportivas portuguesas é certamente
susceptível de nos ajudar a formar uma ideia mais precisa sobre este assunto. Assim: as federações
de Futebol, Natação, Ginástica, Andebol, Basquetebol, Badminton, Hóquei em Campo, Bilhar,
Automobilismo e l<arting, de uma maneira ou outra, prevêem a remuneração dos dirigentes des-
portivos.
As Federações Portuguesas de Vela, Patinagem e Voleibol não são muito claras sobre a possibi-
lidade de remunerar, ou não, os dirigentes federativos.
As Federações Portuguesas de Ciclismo e Ténis nada dizem sobre a eventualidade da existência :
de remunerações.
A Federação Portuguesa de judo- corajosamente. estabelece que o exercício dos cargos fede-
rativos é gratuito. -
Por último, há que assinalar a posição mais elaborada, mais subtil e tecnicamente mais per-
feita da Federação Portuguesa de Atletismo: por via das dúvidas, não divulga os seus Estatutos na
Internet ... Não vá o Diabo tecê-las!...
José Manuel Chabert (http:j jchabert.blogs.sapo.pt, 19/5/2005)

Em conformidade, a reestruturação indispensável do modelo de governo do sistema desportivo


federado passa pela separação muito nítida entre um órgão de cúpula, constituído por membros
não executivos (tipo conselho de administração ou de "curadores") que tem por missão exclusiva
defender o credo e os valores da organização, e uma estrutura intermédia executiva, que tem de
garantir o desenvolvimento projectado, o funcionamento corrente e os níveis adequados de pro-
gresso da organização.
Só desta forma será possível, em nosso entender, ultrapassar os actuais estrangulamentos que
caracterizam o Modelo Europeu de Desporto, visíveis em modalidades profissionais como o futebol,
onde grassam desequilíbrios insustentáveis, e começar a estabelecer na arquitectura do movimento
desportivo, com incidência nos respectivos recursos humanos dirigentes, um equilíbrio entre as
matrizes características do desporto e da economia, e ultrapassar um ambiente de evidente confii-
tualidade entre os estatutos dos dirigentes benévolos, tradicionais no desporto, e os outros novos
que querem ser profissionais, mas aos quais tem de estar reservado um estatuto diferente.
202 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

6.5 Visão
É verdade que se a visão do futuro não é toda a gestão,
pelo menos é uma parte essencial dela.
Henry Ford ( 1841-1925)

Visão

A vocação e a missão enq uanto elementos centrais da fil osofi a das organ izações devem ser
orientados pela visão que enqu adra a atitud e da organização em relação às sua s perspectivas de
futuro. De facto, existem organizações que no âmb ito da sua cu ltura e identid ade se orientam em
termos do passado, e outras que, sem se esquecere m dos valores do passado, se organizam em
relação ao futuro. Diremos que as primeiras organizações ou instituições são fundamentalistas e as
segund as reform istas. As primeiras organizam o presente a pensar, por vezes de forma acéfa la, nos
valo res do passado, sem qualquer curiosidade ou possibilidade de os questionar. As segund as,
organizam o presente a partir duma id eia de futuro, quer dizer, a partir duma visão prospectiva que
nas palavras de Gaston Berger signifi ca: "Ver lon ge e com amplitude, ana li sar eQ1 profundidade,
arriscar, pensar no Homem" .

· Vantagens competitivas de longo prazo

Portanto, uma organização (clube, escola, federação, cid ade, etc.), ou uma instituição (desporto
federado, desporto escolar, etc.), só conseguirá subsistir se for capaz de definir a maneira pela qual
lh e é possível ganh ar vantagens competiti vas de longo prazo. Estas vantagens devem ser co nsegu i-
das tendo em atenção os efeitos sociais que cada um daqueles sectores provoca, de maneira a
obterem os recursos necessários ao se u desenvolvimento.
Um provérb io japon ês diz qu e se uma visão sem acção é um devaneio, uma acção sem visão é
um pesadel o. Por isso, a melhor maneira de co nstruir o futuro é ter um a visão acerca do fu turo que
se deseja construir e depois trabalhar para a fazer aco ntecer.
As organizações em termos latos são in stitu ições 57 que são portadoras de um a cultura que as
configura e envo lve as pessoas que nelas, directa ou indirectamente, participam. Como vimos , nas-
cem, cresce m, vivem e mom~m. ou, em alternativa, têm de se reatustar ao novo contexto quando
deixa de existir um equ ilíbrio, entre a sua vocação e missão e as necessidades socia is que devem
sup rir. Nesta perspectiva entramos no domínio da racionalização das esco lh as em matéria de po lí-
tica desportiva em que numa estratégia de mudança devem ser tid as em conta as seguintes ideias:
· Reinventar;
· Reorganizar;
· Revitalizar;
• Renovar.

57
Uma instituição é uma estrutura estabelecida de comportamento homogéneo e coerente que tem por objectivo suprir
uma necessidade social, por um lado, e, por outro, exercer um determinado contro lo socia l. Configura, por isso, um para-
digma de comportamento partilhado, centrado na satisfação de uma necessidade fundamental de um grupo alargado:
instituição familiar, instituição esco lar, instituição desportiva, etc.
Héracles e a Cultura [ 203

Quadro 31 I Visão

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Para preencher o qu adro é necessá ri o ter em atenção dois as pectos fund amentais:
1. Conhecer a din âmica do desenvolvim ento do desporto no passado;
2. Agir de harmonia com a natureza do des porto.

Nesta co nformid ade, partind o da ideia de Pi tágoras (580-50 a. C), deve-se olhar para o mundo
do des porto como uma área social de harmoni a de co nflitos. Porqu e a harm onia só é possível na
unid ade das diferenças . De outro modo, está-se perante o maras mo e a medi ocrid ade de pensa-
mento, que é o estado actu al de muito do des porto portugu ês.

Hansoku-make (faltas muito graves} .


Recentemente, os portugueses tiveram a oportunidade de ler no Record (22/5/2005) que "a Fede-
ração Portuguesa de judo (FPJ) pondera prospectar judocas que possam ter dupla nacionalidade
(luso-descendentes) nas categorias mais pesadas, em pafses como a França ou Brasil - potências na
modalidade -, com o objectivo de suprir o défice dos super-pesados na Selecção, onde apenas o olfm-
pico Pedro Soares alcançou resultados de nomeada"; o menos que se pode perguntar é como é que a
FPJ anda a gerir a sua vocação, a sua missão bem como a visão que devia ter em relação à organiza-
ção do futuro, que, pela análise que fazemos dos seus estatutos, não passa certamente por ir contra-
tar ao estrangeiro atletas luso-descendentes58•

58
É pena que algu ns di ri gentes entrem em mala barismos deste tipo pa ra obterem res ultados. Como se viu recentemente na
Taça do Mundo rea li zada em Lisboa (2006), o judo portu guês não tem necess idade. Depois dos sucessos de Pedro Dias
(prata a 66 kg) , João Pina (bronze a 73 kg) e João Ca rdoso (bronze a 6o kg) e João Neto (ouro a 81kg).
204 ] Agôn I Gestão do desporto 1O jogo de Zeus

Harmonia não é sinónimo de paz podre, que hoje, à im agem do que se passa em vários secto-
res socia is, impera em muitas organizações desportivas.
Ainda segundo Pitágoras, a harmonia enquanto unidade das diferenças pode ser postulada
atrávés de uma gestão parcimoniosa de confiitos, que podem ser identificados em dez pares de
oposições, a saber:
1. Finito x Infinito; 6. Mover x Parar;
2. Conhecido x Desconhecido; ]. Recta x Curva;
3· Individual x Colectivo; 8. Luz x Escuridão;
4· Direita x Esquerda; 9· Bom x Mau;
5· Homem x Mulher; 1o. Quadrado x Lin ear.
Como vamos ver posteriormente, o prin cíp io da utilidade, necessário a qualquer processo de
desenvolvimento, tem de jogar com a harmonia, na base da equidade, sob pena da utilidade se
transformar em mero oportunismo.

6.6 Estrutura
A qualidade de uma organização jamais excederá o
espírito daquele que a concebeu.
Harold R. McAiindon

Tudo tem uma estrutura

É sab id o que o conceito de estrutura é vulgarmente ap li cado a tudo, embora o seu sentid o não
seja absolutamente id êntico nos vários campos em que é usado. É possível analisar a estrutura das
coisas, das organizações, das re lações humanas, dos acontecimentos. Tudo tem uma estrutura que
pode ser mais ou menos complexa e ter significados muito diferentes. O desporto não foge a esta
situação, pelo que o conceito é utilizado de diversas maneiras.
De entre os significados relativos ao conceito de estrutura que surgem com mais frequência
podemos indicar os segu intes:
· Diferenciação socia l; • Estatutos e papéis;
• Relações de produção; · Instituições;
• Formas de associação; • Infra-estruturas.
• Interdependência funcional;

Conceito em evolução

Trata-se, por isso, de um conce ito em permanente evo lu ção em sistema aberto, e, por isso, em
constante reajustamento à realidade em mutação. Está, deste modo, sujeito a interpretações singu-
lares, geradoras de inúmeras divergências que, por um lado, causam problemas de comunicação e,
por outro, enriquecem a problemática subjacente à ideia inicial.
-
Héracles e a Cultura [ 205

Não há estruturas

No domínio do desporto ouvimos e lemos, constantemente, referências às deficiências estrutu-


rais das práticas desportivas, entendidas estas, na maioria das vezes, como a ausência de organis-
mos, técnicos e meios financeiros de apoio ao desporto. "Não há estruturas", ouve-se dizer fre-
quentemente quando se quer justificar alguma dificuldade ou fracasso. Portanto, aqui, o termo
significa meios materiais, humanos e financeiros necessários ao desenvolvimento de projectos. No
entanto, esta perspectiva do conceito é muito vaga. Vejamos outras perspectivas.

Alfred Chandler (1962)

Para este autor, estrutura pode ser definida como o desenho da organização através do qual os
seus objectivos são atingidos. Nada de mais prático do que uma boa ideia. Segundo o autor,
devem ser considerados dois aspectos fundamentais:
1. Em primeiro lugar, as linhas de autoridade e comunicação que estabelecem as ligações entre
as diferentes partes da organização;
2. Em segundo lugar, a informação e os dados que Mem através das linhas de autoridade e
comunicação.

A estrutura segue a estratégia

Alfred Chandler defende que a estrutura segue a estratégia e que os mais complexos tipos de
estruturas são o resultado da concentração de diversas estratégias fundamentais. Em conformi-
dade, há que estranhar quando se processam transformações na estrutura das organizações sem
que se conheçam os objectivos e as linhas estratégicas de acção.

Strategor (1993)

Nesta obra colectiva organizada no âmbito do Centro HEC-ISA, estrutura é "o conjunto das fun-
ções e das relações que determinam formalmente as missões que cada unidade da organização
deve executar, e os modelos de colaboração entre essas unidades". Ainda segundo os autores, a
estrutura apresenta três características principais:
1. Especialização: Determina o grau e o modo como é realizada a divisão do trabalho;
2. Coordenação: Determina os modos de colaboração, ligação e padrão de centralização entre
as diversas unidades;
3· Formalização: Determina o grau de estandardização das funções e das ligações.

Nas ciências sociais, estrutura é a maneira como um conjunto de coisas, de partes ou de for-
ças, estão ajustadas de modo a constituírem um todo com identidade própria. Deste modo, a
estrutura determina a forma e a coerência específica de um conjunto e a sua singularidade em rela-
ção aos outros. Cada parte ou elemento está em ligação com os outros, sendo a sua identidade
definida através do seu relacionamento com os outros.
No âmbito do presente trabalho, entende-se por estrutura o modo como um edifício é cons-
truído e, neste sentido etimológico, estamos-lhe a atribuir uma dimensão arquitectónica, quer dizer,
a maneira como as diversas partes que compõem um todo (uma organização) estão dispostas umas
em relação às outras. Uma alteração num dos elementos implica reajustamentos em todos os
outros. Nestes termos, podemos ter como exemplo a estrutura de uma organização ou a de uma
equipa de futebol. Vejamos a lógica que deve orientar, à partida, a estrutura das organizações.
206 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

6.6.1 Partes da organização

Configuração da organização

A estrutura de uma organização define a maneira como a organização dispõe as suas unidades
de trabalho para funcionarem e a maneira como afecta os recursos humanos a essas unidades. É
um modelo mais ou menos estabilizado que configura uma organização ou um sistema num dado
momento. Em conformidade, há que esclarecer quais são as partes segundo as quais uma organi-
zação pode ser estruturada (ver quadro 32).

Quadro 32 Partes da organização

VÉRTICE

-§~
::::;=---------< LOGÍSTIC
Esta ardização Cooperação

CENTRO OPERACIONAL
Profissionalização

Partes da organização

Duma maneira geral, podemos dizer que uma organização é constituída por cinco partes básicas
(Mintzberg, 1992):
1. Vértice estratégico. Coordena a organização para que ela cumpra a sua vocação e missão e
atinja através duma estratégia apropriada os objectivos estratégicos (necessidade pública);
2. Tecnoestrutura. Nesta parte da organização estão todos os serviços que dão suporte à estru-
tura de produção da organização. Por exemplo, gabinetes de estudos e gabinetes de planea-
mento, gabinetes de controlo, etc.;
3· Logística. Aqui organizam-se todos os serviços de suporte que não intervêm na produção da
organização. Por exemplo, biblioteca, contencioso, cantinas, serviços administrativos, etc.;
4· Linha hierárquica. Estruturas que estabelecem a ligação entre o vértice estratégico e o centro
operacional. A linha hierárquica, ao dividir no sentido horizontal e vertical o organigrama, cria
especialização. Quando se divide o organigrama no seu sentido horizontal está-se a departa-
mentalizar, quer dizer, a criar departamentos. Quando se divide o organigrama no sentido ver-
tical está-se a estabelecer níveis hierárquicos, quer dizer, a estabelecer hierarquia, hierarquizar;
S· Centro operacional. É constituído pelos serviços encarregados do sistema de produção da
organização.
-
Héracles e a Cultura [ 207

Tendências

Cada uma destas componentes apresenta, respectivamente, as seguintes tendências:


1. Vértice estratégico. Centralização, na medida em que a tendência dos seus membros é a de
centralizarem o poder e o comando;
2. Tecnoestrutura. Estandardização, na medida em que os seus membros têm por missão criar
as condições estandardizadas (regras, normas, procedimentos, planos, sistemas de controlo)
para o centro operacional funcionar;
3· Linha hierárquica. Balcanização ou pulverização, que significa que os seus elementos têm
tendência para multiplicarem os órgãos entre o vértice estratégico e o centro operacional;
4· Logística. Colaboração, na medida em que os seus membros têm de criar condições de fun-
cionamento da organização, por exemplo, os serviços administrativos. Depende da tecnolo-
gia da organização;
5· Centro operacional. Profissionalização, na medida em que é onde estão as unidades de pro-
dução.

Em trabalhos posteriores, Henry Mintzberg (1989) 59 acrescentou duas outras dimensões ao seu
modelo. Foram elas (que no nosso modelo ficam reprE;sentadas no ambiente):
· Ideologia. Identifica as forças congregadoras da organização;
· Política. Identifica as forças desagregadoras da organização.

Na linha de pensamento de Manuel Sérgio (1996), ainda a respeito das partes da organização,
diremos que muito embora até metade do século passado a produção do conhecimento se fizesse
pela redução de um conhecimento "do todo" ao conhecimento "das partes", é necessário considerar
que a reorganização de "um todo", que no fundo é o que se pretende com a gestão, produz qualida-
des novas em relação às partes consideradas isoladamente. Por isso, a estrutura das organizações
tem uma dimensão estratégica.
Hoje, compreendemos que o mundo não se encontra subjugado à soberania absoluta da esta-
bilidade e da Adem, porque nele existe dinâmica entre as partes que jogam num diálogo de ordem-
-desordem-organização. Quer dizer que, também no domínio da gestão, é necessário ultrapassar o
pensamento linear do paradigma cartesiano da simplicidade, para se entrar nos domínios da com-
plexidade (Edgar Morin, 1991) e do seu paradigma. Nesta conformidade, qualquer das partes da
organização só pode ser verdadeiramente compreendida se estiver integrada na dinâmica da com-
plexidade do conjunto para a qual contribuem os mecanismos de coordenação do trabalho, os de
conjugação do trabalho e os fiuxos de trabalho.
Portanto, o gestor de desporto, embora possa ser possuidor de todo um conjunto de compe-
tências que lhe facilitarão a análise das situações com que se depara no contexto desportivo, será
tanto mais competente quanto for capaz de lidar com a multiplicidade, a diversidade e a complexi-
dade do real que aquele contexto significa. Entenda-se que as competências são as capacidades
para o desempenho das actividades de um emprego ou trabalho. Nesta conformidade, o conceito
de competência tem duas dimensões (www.mtecbo.gov.brj):
1. Nível de competência. Especifica a complexidade, amplitude e responsabilidade das activida-
des desenvolvidas no emprego ou outro tipo de relação de trabalho.

59
Repare-se que a obra que temos vindo a citar, embora a tradução portuguesa SeJa de 1992, a edição original, como se
indica na bibliografia, é de 1979-
208 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

2. Domínio (ou especialização) da competência. Relaciona-se com as características do con-


texto do trabalho como área de conhecimento, função, actividade económica, processo pro-
dutivo, equipamentos, bens produzidos que identificarão o tipo de profissão ou ocupação.

6.6.2 Parâmetros de concepção


A estrutura duma organização desportiva passa pela definição dos seus objectivos e a maneira
como os pretende atingir (estratégia). Quer dizer, tem uma lógica interna determinada pelos parâme-
tros de concepção e uma lógica externa determinada pelos factores de contingência (M intzberg, 1992).

O que são os parâmetros de concepção?

Os parâmetros de concepção são os instrumentos ideológicos (corpo organizado de conheci-


mentos), as alavancas que os gestores utilizam para dividir e coordenar o trabalho, de forma a
serem criados padrões estáveis de comportamento entre as diversas partes e os vários protagonis-
tas externos e internos das organizações. Os parâmetros de concepção determinam, sob o ponto
de vista interno, o desenho da configuração estrutural da organização, tendo em consideração as
suas partes. Os parâmetros de concepção são os que se apresentam no quadro 33·

Quadro 33 Parâmetros de concepção

1. Concepção do posto de trabalho


11.1. Especialização do trabalho- Amplitudel~r;f~~didade ----~- ~~~:-_=:= ~ _- ~:~ : --

----

11.2. Formalização do comportamento- Posto de trabalho, fluxos de trabalho, regras, comportamentos


--

11.3. Formação e socialização- Estandardização d~~;ualifica~Ôes/Normas e valores . ··-


- - - - - - - - - - - - - - - ---------- --

2. Concepção da superstrutura
------------ ---- ·----

2.1. Agrupamento em unidades- Critérios de departamentalização


- ---------- - - - - ------------

2.2. Dimensão das unidades- Maior-> Estandardização/Menor-> Supervisão directa/Ajustamento mútuo


3. Concepção das ligações laterais
3.1. Sistema de planeamento e controlo- Tecnoestrutura-> Prever/medir/motivar
3.2. Mecanismos de ligação
---

3.3. Reunião
--- - ------ --------------

3.3.1. Grupos de projecto


-----t-·
I
-- ---

3.3.2. Comités permanentes


I

-13.4.-ouadrosin;~gradores
13.5. E,;,;'""'~~''' (bi oo tcidim"''"""'l
13.5.1.
I
Permanente
~--- _]3.5.2. Variável

4. Concepção do sistema de tomada de decisão


----- ----

4.1. Descentralização vertical - Delegação de poder


- ----- --

4.2. Descentralização horizontal- Poder nos especialistas

Adaptado de Mintzberg (1992)


Héracles e a Cultura [ 209

6.6.3 Factores de contingência


Definição

Os factores de contingência são as variáveis (ver quadro 34) que do ponto de vista externo, 0
que significa que o gestor não as pode controlar, determinam a configuração de uma organização.
Quanto mais velha é uma organização mais pesada é a sua estrutura. Quer dizer, sendo a idade
um factor externo à organização não é por isso que deixa de inf1uenciar a sua estrutura.
Também o sistema técnico, quer dizer, o ambiente tecnológico que envolve a organização, tem
a ver com a maneira como ela se deve estruturar. Um ambiente do ponto de vista tecnológico
muito dinâmico, em que o longo prazo não vai além de três a seis meses, é evidente que obriga a
uma estrutura bem diferente de uma organização em que o ambiente é estável e o longo prazo
pode ser de vários anos, como acontece, por exemplo, na educação ou no desporto.
Mas as organizações também se devem estruturar tendo em atenção a complexidade, a estabili-
dade e a hostilidade do ambiente. Uma organização com um ambiente complexo obriga a uma
estrutura ágil e capaz de encontr~' respostas criativas, enquanto que uma outra com um ambiente
estável pode funcionar fundamentalmente a partir da implementação de rotinas. Pelo seu lado, um
ambiente hostil obriga a que a organização se feche'sobre si própria.
Uma organização que tem um proprietário tem necessariamente uma estrutura diferente, even-
tualmente muito mais centralizada, do que aquela em que não existe um proprietário.
O problema das necessidades dos membros é, também, uma questão fundamental da estru-
tura de uma organização, na medida em que organizações existem como, por exemplo, os clubes
ou as universitárias, em que o seu sucesso passa em grande medida pelo sucesso dos seus mem-
bros, o que significa que elas têm de se estruturar em função do trabalho que tem de ser produzido
pelos seus dirigentes, no caso dos seus técnicos e clubes, e professores e investigadores, no caso
das universidades.
Finalmente, a moda. Como em tudo na vida a moda é um factor determinante na configuração
estrutural das organizações, pois é ela que determina a própria estrutura do pensamento domi-
nante que, necessariamente, se ref1ecte na estrutura da organização.

Quadro 34 Factores de contingência

1. A idade e a dimensão
·----

2. Sistema técnico
· - -

3. Ambiente

'2:1 Comple_x.idade
3.2. Estabilidade
--·- ··-----

3.3. Hostilidade
. ···-----

4. Poder
-

4.1. Propriedade
--- ·--

4.2. Necessidade dos membros


-·--

5. Moda

Adaptado de Mintzberg (1992)

AGONGD-14
21 O ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

As diversas combinações dos parâmetros de concepção, cruzados com os factores de contin-


gência, dão origem à configuração da estrutura das organizações.

6.6.4 Configurações estruturais


Características das configurações

Tendo em atenção as partes da organização, e considerando do ponto de vista interno os parâme-


tros de concepção e do ponto de vista externo os factores de contingência, é possível estabelecer um
conjunto de configurações estruturais que posteriormente vão determinar o desenho da organização.
Em cada configuração estrutural existe um mecanismo de coordenação do trabalho dominante,
uma parte-chave da organização que desempenha o papel principal e um tipo específico de descen-
tralização que especifica a coordenação, a conjugação e os ~uxos de trabalho. Henry Mintzberg
(1989), na obra lnside the Strange World of Organizations, apresenta as seguintes configurações,
com as respectivas partes-chave (ver quadro 35):

Quadro 35 I Configurações estruturais

Empreendedora Supervisão directa Vértice estratégico

Mecanicista Estandardização dos processos de trabalho Tecnoestrutura

Profissional Estandardização das qualificações Centro operacional

Divisionada Estandardização dos resultados Linha hierárquica

Inovadora Ajustamento mútuo Logística

Missionária Estandardização das normas Vértice estratégico

Política Nenhuma Nenhuma

Adaptado de Mintzberg (1992)

Quadro 36 I Formas das configurações estruturais

Empreendedora Mecanicista Profissional

Divisionada Inovadora Missionária e Política


Héracles e a Cultura [ 211

De notar que as configurações missionária e política estão sempre presentes em todas as


outras. No que diz respeito à missionária porque ela representa todos os valores que congregam
uma organização, quer dizer, o seu credo (os valores em que os seus elementos acreditam), a sua
vocação (aquilo que ela tem de fazer), ·a sua missão (a maneira especial como cumpre a vocação).
No que diz respeito à política porque representa os aspectos que desagregam a organização.

6.6.5 Organigramas

As configurações estruturais assumem um desenho que deve dar origem aos organigramas,
tendo em atenção:
1. A coesão e a eficácia do sistema interno;

2. A adaptação à dinâmica do ambiente.


60
A escola neoclássica aponta quatro configurações-tipo (ver quadro 37):
1. Hierárquica em linha;

2. Hierárquico funcional;

3· Linha staff;
4· Em rede ou matriciais.
A construção de organigramas, no seu desenvolvimento horizontal, rege-se por critérios de
departamentalização. Geralmente, são referidos os seguintes critérios de departamentalização:

• Por objectivos;
• Por método;
• Por clientes;
• Por localização;
• Por duração;

• Etc.

Critérios de departamentalização

No domínio do desporto podemos acrescentar como critério de departamentalização os


·seguintes aspectos:
• Modalidades;
• Sectores de prática;
·Áreas de desenvolvimento;
• Factores de desenvolvimento;
• Escalões etários;
• Mistos:
• Etc.

Repare-se que o organigrama "linha staff' tem um órgão de staff centralizado (A) e outro des-
centralizado (B) (ver quadro 37).

60
Podem existir outras, como uma denominada configuração em estrela.
212 ) Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Quadro 37 I Organigramas

Estrutura hierárquica em linha Estrutura hierárquica funcional

Estrutura linha staff Estrutura matricial

'
'
' ------- - ~'' -- - - +
' ------ -E!)
----- E!)-
' ' '
'
---- -&- ------ -&' ---- --- -&--
'
-+

----- ~-- ------ -&-- ----- -&--- +


' ' '

Os organi gra ma s ap rese ntados anteri orme nte têm as va ntage ns e os in co nve ni entes qu e se
indica m:
Hierárquico em linha -Aquelas em que os líderes e os subordinados estão ligados por linhas
hierárquicas claras:
• Vantagens: • Desvantagens:
Lid erança definid a; Necess id ade de boas chefi as ;
Evita interferências de terce iros; Demas iada dependência do líd er;
Simp licid ade de estru tura; Ce ntralização exagerada;
Co municação es cl arec id a. Difi culd ades de delegação;
Reduz espírito de in iciati va.
Hierárquico funcional - Flexibiliza a rigidez da estrutura linear maximizando a relação entre a
concepção e a execução:
• Vantagens: • Desvantagens:
Apoio es pec ializado; Dupl a hiera rquia;
Motivação; Possibilidade de confl itos de competências;
Desenvo lvim en to pessoa l. Relat iva lentid ão;
Difi culd ade de entendimento.
Héracles e a Cultura [ 213

Linha statf-lntegra órgãos de apoio (sta.DJ;


• Vantagens: • Desvantagens:
Flexibilidade; Custo;
Rapidez de apo io e decisão; Confiitos entre a linha e o staff.
Melhoria da qualidade das decisões.
Matriciais ou em rede- Possibilita uma gestão por objectivos (projectos}:
• Vantagens • Desvantagens:
Dinâmica; Custos;
Responsabil ização. Dificuldades de controlo.

Em conclusão, diremos que as configurações dependem, do ponto de vista interno, dos parâme-
tros de concepção e, do ponto de vista externo, dos factores de contin gência, que por sua vez servem
também de modelo para a construção dos organigramas que estabelecem o desenho da estrutura das
organizações.
Contudo, enquanto que no passado as organizações apresentavam estruturas mais estáticas em
virtude do ambiente ser mais estável, hoje, devido ao ambiente voláti l e por vezes até adverso em que
muitas organizações têm de operar, elas são obrigada'"s a ter uma estrutura mais difusa, por vezes de
geometria variável, que responda em tempo útil às situações que tem de enfrentar. Por exemplo, a
estrutura difusa da organização AI-Queda de Bin Laden é eficiente porque é difícil de ser combatida .
Uma estrutura deste tipo funciona porque tem por base uma forte ideologia sustentada numa determi-
nada visão religiosa que congrega e dá um sentido único às acções das mais diversas unidades que,
como se sabe, têm de operar em regime de autogestão em ambientes extraordinariamente difíceis.
Che Guevara dizia que "frente à rigidez dos métodos clássicos de guerrear, o guerrilheiro
inventa a sua própria táctica e surpreende constantemente o inimigo". À enorme superioridade
hard do exército regular, com toda a sua hierarquia pesada e meios supersofisticados, a guerrilh a
opõe recursos soft de simpli cidade, astúc ia, grande mobilidade e pequenos grupos ideologicamente
muito motivados.
As estruturas das organizações, sejam elas uma equipa de futebol, uma organização terrorista,
uma multinacional ou outra qualquer, têm de se adaptar ao seu credo (ideologia, valores em que
acreditam), à sua vocação, à sua missão, ao padrão de comportamento dos seus elementos, bem
_como às suas relações no que diz respeito à gestão do futuro. Quer dizer, também aqui, de novo, a
estrutura segue a estratég ia, como Alfred Chandler observava.
[Dionísio eoDesenvolvimento_

Objectivos do capítulo. Um capítulo sobre desenvolvimento só pode apostar no deus Dionísio.


Porque o organização dionisíaco fundamento-se numa forte cultura profissional de livre iniciativa
e de criatividade. Dionísio, deus Baco, serve poro ajudar os indivíduos a cumprirem os suas fina-
lidades e extravasarem os suas capacidades e competências. Ogestor não assume uma grande
importância, pois funciono entre profissionais que não lho dão. Numa cultura dionisíaco os pro-
fissionais têm todo o liberdade poro realizarem os suas funções sem darem, praticamente, qual-
quer satisfação à hierarquia, promovendo o desenvolvimento necessário à margem dos questões
do burocracia determinado pelo padrão hierárquico. Assim, no presente capítulo, vamos trotar
dos questões relativos ao desenvolvimento que, antes de tudo, obrigam o uma forte cultura pro-
fissional. Com Dionísio privilegio-se o competência, o capacidade, o criatividade e o espírito de
iniciativa dos membros do organização; que agem de uma formo natural à margem de qualquer
sistema de controlo e comando. Assim, vamos considerar um conjunto de princípios de desenvol-
vimento que devem ser tidos em conto quando se troto de promover o desenvolvimento. Este
tipo de organizações baseio-se no espontaneidade, no capacidade de iniciativa, no mobilização
de vontades e, por isso, são tumultuários e instintivos. Isto significo que o gestor só gere com o
consentimento daqueles que estão o ser geridos. Terminamos o presente capítulo com o conceito
de nível desportivo e o suo determinação enquanto instrumento de gestão de grande utilidade
em matéria de desenvolvimento do desporto.

As convicções são inimigas mais perigosas da verdade


do que as mentiras.
Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Aos olhos dos cidadãos do mundo ocidental, depois do colapso da União Soviética e dos seus
satélites, o capitalismo parece que triunfou. Como supostamente o capitalismo triunfou, o sector pri-
vado tornou-se bom e o sector público mau. Agora parece que o mercado está transformado no
. novo deus e o marketing numa nova religião, mesmo no domínio do desporto. Neste, sentido, as
preocupações actuais são com a "marketinguisação", provocada pelo processo de globalização que,
no fundo, está a transformar os ricos em cada vez mais ricos e os pobres em cada vez mais pobres.
O movimento desportivo parece que entrou nesta dinâmica frenética que acabará por se virar
contra as pessoas e o próprio desporto.
Temos de chamar às pessoas clientes para as tratar decentemente~ Esta é a pergunta que nos
deixa Henry Mintzberg (1996). Segundo ele, o capitalismo não triunfou. O que triunfou foi o equilíbrio.
O problema é que a lógica do triunfo do capitalismo está a colocar as sociedades ocidentais em
profundo desequilíbrio. Será que também o estrondoso êxito dos jogos Olímpicos está a colocar o
Olimpismo numa situação de profundo desequilíbrio? Entre os valores do humanismo e os valores
do mercantilismo?
216 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Um novo desequilíbrio

Nos últim os anos o mercado tornou-se num a es pécie de palavra mágica que resolve todos os pro-
blemas, muito embora hoje co mece também a se r reconhecido que a pers pecti va neoli bera l da econo-
mi a de mercado, porque cen trada num merca ntili smo feroz, não reso lve os probl emas da generali-
dade das popul ações, so bretud o das mais carenciadas. Por outro lado, o des interesse cada vez maior
por parte do Estado, pa ra além de um dirigismo po lítico e des portivo malform ado, estão a colocar o
61
movim ento des porti vo num a din âmica economicista e, em consequ ência, numa situação de pro-
fund o desequilíbrio, pelo que agora é urgente que se proceda a um reequil íbrio de todo o sistema.

Desenvolvimento do desporto e justiça social

Nes ta co nformid ade, boa s opções políticas dese nvol vid as a nível na cional e intern ac ional
devem se r ace ites do ponto de vista normativo em sa lvaguard a de va lores éticos , suste ntados pela
cooperação internacional entre estad os , a sociedade civil e o secto r privad o (Asbj0rn Eid e, 1998).
Numa estratégia globa l é imperativo ligar o desenvo lvim ento do des porto à ju stiça social, cons id e-
ra nd o qu e num modelo de desenvo lvi mento promíscuo, o negócio dos grandes eventos despo rti-
vos pro mov idos pel os pa íses ri cos aca ba por se r inju stam ente suportado pelos países de ma is
baixo nível de dese nvo lvimento hum ano 62. Na rea lid ade, a violação dos direitos hu rrta nos tem sido
con statada demas iad as vezes, nos mais diversos aspectos da indú stri a li gad a ao desporto.

O poder do dinheiro

Quando Xerxes I (O Grande), que governou o Império Persa de 486 a 465 a. C., dirigia a campanha
contra a Grécia levaram-lhe uns trtJnsjúgas da Arcádia, que precisavam de ter com que viver e queriam
trabalhar. Quando lhes perguntaram o que é que os gregos estavam afazer, eles responderam que os gre-
gos estavam a celebrar os jogos Olímpicos pelo que assistiam aos concursos gírnniros e hípicos. Pergunta-
ram-lhes então qual era o prémio proposto pelo qual os gregos lutavam. Os trtJnsjúgas informaram que
se tratava de urna coroa de oliveira. Então Tritantaicrnes exprimiu urna opinião que lhe valeu o apodo de
cobarde por parte de Xerxes. Ao ser informado que o prémio era urna coroa e não dinheiro não se conteve
e exclamou: "Ai-Mardónio, que homens são esses contra quem nos levas a combater, se eles não lutam
pela riqueza mas só pela superioridade".
Xerxes tinha razão ao não permitir que menosprezassem quem era capaz de lutar sirnpiesrnente pela
conquista de urna coroa de oliveira e pelo prazer de demonstrar a sua superioridade atlética. De facto, em
480 a. C., depois de assistir à deffota da sua armada em Saiam is, Xerxes foi obrigado a retirar deixando a
cobrir a retaguarda um dos seus generais, Mardónio, que acabou deffotado em 479 em Plateia.
ln Hélade, Maria Helena Rocha Pereira

De aco rd o co m as Nações Unid as, a co munidad e intern acional deve formul ar códi gos de co n-
duta no que diz respe ito aos direitos dos traba lh adores do des porto. É um a qu estão moral e ética

61
Ente ndemos pelo neologismo "econom icismo" uma má utilização da economia, porque a economia, enquanto di stri buição
racional e justa dos recursos disponíveis, só pode ser uma coisa boa.
62
Repare-se o que se passou com o Campeonato do Mundo de Futebol (2oo6) rea li zado na Alema nh a. Fora m abertas ao
público , na Alema nha, um se m-núm ero de casas de prostitui ção que fu ncionaram durante o evento. Ora, as ditas não
fu ncionaram certamente com mulheres alemãs, mas com mulheres dos países do Leste que vivem em situações de enor·
mes carências.
-
Dionísio e o Desenvolvimento [ 217

quando vemos jogadores como Ronaldo, Michel Jordan e outros, a serem indirectamente pagos
por países pobres, nos quais as despesas públicas em educação e saúde decaíram de 2,0% do PIB
em 1986-90 para 1,8% em 1991-96.

Desenvolvimento e olimpismo

Vivemos no mesmo planeta, pelo que as pessoas, estejam elas onde estiverem, são, pelo
menos moralmente, afectadas pelos mais diversos acontecimentos que acontecem nos quatro can-
tos do Mundo. O falhanço das políticas neoliberais respeitantes ao mundo do desporto recomen-
dam uma nova direcção para o Olimpismo (aliás de acordo com o n° 12 do Capítulo 1. 0 da Carta
Olímpica), no sentido de haver uma maior responsabilização na promoção do desporto para a
generalidade das pessoas e não exclusivamente a promoção do desporto de alto nível ligado aos
negócios. Assim, o desenvolvimento do desporto passa por um certo regresso às origens, pela pro-
moção do Olimpismo e dos seus verdadeiros valores, através de uma ruptura com o passado
recente corroído pelo doping, mercantilismo, corrupção, exploração do trabalho infantil, etc.
Tal como foi referido no Relatório de 1999 do Banco Mundial, apesar dos avanços significativos
no último quartel do século XX, a pobreza está a avançar significativamente em muitas partes do
mundo, especialmente naquelas afectadas por confiitos. Em nossa opinião, o Olimpismo tem uma
palavra a dizer no restabelecimento de todo um equilíbrio necessário em busca dum desporto
melhor. E o desporto só pode ser melhor se o Olimpismo for assumido como um instrumento de
combate às misérias do desporto e do Mundo.
A cultura formata o modo como vemos o mundo. O Olimpismo, enquanto instrumento de for-
matação cultural, é uma chave fundamental para desenvolver um projecto a nível mundial, no qual
podem ser desenvolvidas novas políticas que modifiquem as atitudes das pessoas e dos governan-
tes no sentido de assegurar um desenvolvimento sustentado, assente numa cultura de paz que não
comprometa a qualidade de vida das gerações vindouras.

Desporto e ideologia

A assumpção de que a racionalidade do mercado vai resolver todos os problemas é seguramente


uma ilusão. O desenvolvimento do desporto obriga a um quadro ideológico que suporte as opções que
em matéria de política desportiva vão sendo realizadas. Contudo, a ideologia necessita de uma concep-
ção de justiça, quer dizer, um sentido acerca daquilo que é justo e injusto e, a este propósito, o Olim-
pismo não pode deixar margem para dúvidas. Todavia, a análise ideológica acerca do desenvolvimento
do desporto não requer que as pessoas tenham uma graduação em filosofia da justiça para poderem
discutir e argumentar as razões acerca daquilo que está certo e errado no que diz respeito ao desenvol-
vimento do desporto. A filosofia acerca da justiça, geralmente, é demasiado abstracta para que possa
permitir julgamentos acerca de políticas sociais particulares, sobretudo naqueles domínios que são cru-
zados por uma dinâmica emocional, como é o caso do desporto. Tal como J. M. Balkin (1998) referiu,
uma pessoa pode saber exactamente qual o significado de justiça sem que com isso tenha de ser capaz
de a dennir exactamente. No fundo, as pessoas continuam a ter um sentido dos valores, muito embora
a sociedade actual, na sua ânsia do lucro, os esteja constantemente a pôr em causa.
Portanto, que fique claro que quando tratamos da problemática do desenvolvimento o fazemos
num sentido em que o desporto e até a economia que ele pode gerar têm de estar ao serviço das
pessoas, sobretudo das mais desfavorecidas. Caso contrário, o desporto, tal como muitas outras
actividades humanas, por muitas medalhas olímpicas que possam ganhar, acaba por não passar de
um mero instrumento de alienação de massas.
218 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Titanic
Os que viram o filme Titanic verificaram que enquanto o navio ia ao fundo os passageiros da
"primeira classe" se digladiavam para conseguirem um lugar nos salva-vidas que eram em número
reduzido. Só pela intervenção dos marinheiros foi possível dar lugar às mulheres e às crianças nos
botes disponíveis. Contudo, segundo as estatísticas e os relatos dos sobreviventes, a convenção
"mulheres e crianças em primeiro lugar" foi respeitada por todos, praticamente sem excepção. Por
isso, a quase totalidade das mulheres e crianças salvaram-se, enquanto que 8o% a 90% dos
homens pereceram. Na lista dos passageiros da primeira classe constavam 400 nomes dos homens
mais ricos da América. Por exemplo, John Jacob Astor, ao tempo supostamente o mais rico, lutou
para chegar a um bote, embarcou a mulher e depois afastou-se, recusando-se a entrar nele. Se
assim foi, então porque é que o realizador do filme alterou a verdade histórica? Segundo Zakaria
Fareed (2004) a verdade histórica foi modificada porque, hoje, aquele tipo de comportamento
nobre, sério, corajoso e altruísta seria pura e simplesmente ridicularizado!
Será que os valores do desporto estão a ir ao fundo como o Titanic?

7 1 Conceito de desenvolvimento
o

Está a emergir uma nova visão sobre o desenvolvimento.


O desenvolvimento está a tornar-se num processo cen-
trado nas pessoas cujo último objectivo é a melhoria da
condição humana.
Boutros Boutros-Ghali

A melhoria de vida das populações é, simultaneamente, condição e fim do processo de desen-


volvimento. Assim, o desenvolvimento não tem por objectivo exclusivo satisfazer as necessidades
materiais do Homem mas, sobretudo, melhorar as suas condições de vida e contribuir para as suas
aspirações em geral. Em conformidade, o conceito de desenvolvimento deve ser pensado e organi-
zado não só numa perspectiva de ordem quantitativa como numa de ordem qualitativa. É, por isso,
um conceito de grande complexidade, se comparado ao conceito de crescimento que contém no
seu significado uma dimensão exclusivamente quantitativa. Claro que, como diz Simões Lopes
(1986), o crescimento é uma condição necessária ao processo de desenvolvimento, mas não sufi-
ciente porque não é qualquer crescimento que pode servir ao processo de desenvolvimento, na
medida em que aquele deve estar imbuído de uma dimensão ética e moral, impeditiva de que
sejam criados maiores ou novos desequilíbrios. Considera-se que ao desenvolvimento interessa o
crescimento, mas ter-se-á sempre presente que este apenas interessa como meio ou instrumento
ao serviço daquele e não como objectivo em si. Por isso, o desenvolvimento deve representar uma
determinada ideia de mudança social, num dado sistema social, referenciado no espaço e no
tempo, pelo que obriga à definição do tipo de sociedade que se procura atingir. O desenvolvimento
do desporto obriga à definição do modelo de desporto que se quer atingir no quadro do modelo de
desenvolvimento do país.
-
Dionísio e o Desenvolvimento [ 219

Crescimento como meio

Simões Lopes avisa para a utilização indevida do conceito de desenvolvimento pela sua utiliza-
ção despreocupada e, por vezes, até ilegítima na linguagem corrente. É o que se passa em muitas
federações desportivas, que ao falarem de desenvolvimento do desporto mais não estão do que
envolvidas num processo de promoção do espectáculo desportivo à custa do dinheiro dos contri-
buintes. Além do mais é grande a confusão com o termo crescimento. O crescimento não é um fim
em si mesmo mas antes um meio de se atingir o desenvolvimento.

Direitos humanos

Amartya Sen (1999), prémio Nobel da economia, no que diz respeito ao desenvolvimento
humano, pergunta: "Como é que os direitos humanos podem ter qualquer valor senão através da
responsabilidade do Estado, enquanto autoridade máxima?" No entanto, ele também argumenta
que, muito embora não deva ser descartada a responsabilidade do Estado garantir o pleno cumpri-
mento dos direitos, há que ir mais longe e considerar a perspectiva de que eles podem ser muito
melhor cumpridos se considerados num sistema de valores éticos ao serviço da humanidade.
Assume-se, assim, os direitos humanos como um sistema ético, que se constitui como base funda-
mental da acção política. Nesta perspectiva, promover os direitos humanos não significa trans-
formá-los em "leis de bases" e outras, mas criar as condições para que qualquer projecto de desen-
volvimento esteja ao serviço da qualidade de vida das populações.

Deveres perfeitos

Em conformidade, a dialéctica entre os direitos e os deveres não é uma questão simples, pelo
que não deve ser tratada com a ligeireza com que alguns o têm feito. De facto, qualquer direito, em
princípio, requer que lhe esteja associado um dever que, sob a responsabilidade do Estado, deverá
ser atribuído a alguma entidade pública ou privada. Se não estiver determinado a quem compete o
dever de suprir um determinado direito, esse direito não passa de uma ilusão. Defender os direitos
e deveres, na forma de deveres perfeitos, quer dizer, quando existe, entre ambos, uma relação biu-
nívoca, significa ter de esclarecer inequivocamente os agentes que têm o dever de assegurar o cum-
primento desses direitos, sob pena das políticas públicas não passarem de uma charlatanice e os
próprios direitos humanos, tal como nos diz Sen, ficarem no domínio da conversa fiada ("loose
talk"). O dever perfeito não permite qualquer excepção, sob pena de se transformar num dever
imperfeito. Estes são deveres gerais e não compulsivos, dado que deixam em aberto quer o modo
como podem ser desempenhados quer a sua eficácia. Contudo, o não cumprimento de um dever
63
imperfeito não deixa de significar falhas, morais ou políticas, graves .

Direitos i";lperfeitos

Então, a quem compete suprir os direitos quando não existe um dever perfeito? Consideram-se
duas situações distintas. A primeira caracteriza-se pelos direitos fundamentais que as pessoas têm

63
A ligação entre direitos e deveres corresponde àquilo que o filósofo lmmanuel l<ant chamava de dever perfeito. Kant, na
Crítica da Razão Prática, designa por deveres perfeitos aqueles que estão perfeitamente ligados aos direitos. São deveres
predefinidos, exactos e atribuídos a determinados agentes, pelo que estão próximos dos deveres legais. O dever perfeito
não permite qualquer excepção, sob pena de se transformar num dever· imperfeito. Estes são deveres gerais e não com-
pulsivos, dado que deixam em aberto quer o modo como podem ser desempenhados quer a sua eficácra. Contudo, o não
cumprimento de um dever imperfeito não deixa de significar falhas, morais ou políticas, graves.
220 ] Agôn 1 Gestão do desporto I O jogo de Zeus

mas não são cumpridos. Esta situação tem a ver com os direitos de cidadania, pois o que está em
ca usa é a democraticidade de qualquer regime. A segunda, a relativa aos direitos imperfeitos , quer
dizer aq ueles que embora sejam reconhecidos não são, pelas mais diversas razões, supridos por
um dever, abre, de facto, a possibilidade à intervenção da s mais diversas organizações entre elas as
desportivas, que passam a cumprir uma missão social.

Mais ou menos Estado

Portanto, não se trata de proclamar que há Estado a mais ou a menos no desporto. Trata-se de
saber quais as acções estratégicas e os esfo rços que o Estado deve emp ree nd er para suprir as
necess id ades dos cidadãos em matéria de desporto. Trata-se, ainda, de permitir o envolvimento
dos diversos actores e instituições sociais, aq ueles que, segund o Amartya Sen, estão em posição de
poderem ajud ar se mpre que os direitos humanos e o desenvolvimento continuam por cumprir. Por
isso, estranh amos que por motivos orçamentais se arvore um discurso de desrespo nsabi li zação do
Estado qu e, em última análise, acaba rá por ju stificar a criação de mais e maiores assimetrias, atra-
vés do apoio àqueles que num a perspectiva profundam ente ego ísta, mesmo num tempo de crise,
mantêm intacta a sua capacidade reivind icativa. '--

7.2 Desenvolvimento do desporto

O desporto enquanto instrumento de desenvolvimento


humano obriga à construção de um sistema coerente e
não à exibição de um aparato de eventos e recordes.

Quando se coloca o problema do desenvolvimento do desporto, tem de ser também leva ntada a
questão que procura respond er às razões que levam alguém (técnico, di ri gente, político, praticante,
professor, etc.) a interessa r-se pela problemática. Na realidade, em nossa op inião, existe um conjunto
de razões que conduzem a que o desenvolvimento do desporto seja tido em co nta quando se trata do
próprio desenvolvimento socia l, pelo que é possível alinhar um conjunto de razões qu e obrigam a
considerar o dese nvolvimento do desporto no quadro do processo de desenvolvimento hum ano.

O desenvolvimento não é amoral

As questões do desenvolvimento têm desde logo a ve r com razões morais e éticas, já que sabe-
mos que as condições de acesso à prática desportiva não são iguais para todas as pessoas. Existem
dificuldades de ord em social, quadro cond icionante, na term inologia de Castejon Paz (1973) (ver qua-
dro 25), ou filtros de probabilidade e decisão individu al, na terminologia de Brien Roger (1977) (ver
· quadro 38), que determinam as oportunidades que as pessoas têm para poderem usufrui r de uma
prática desportiva regular. Por isso, o desenvo lvimento de desporto não se pode abstrair do que é
ju sto ou não, na medida em que o próprio desenvo lvimento não é amoral e toca, ou pelo menos dev ia
tocar, na consciência das pessoas. Em conformid ade, o desenvolvimento do desporto deve equ acio·
nar alternativas, aval iar meios e, consequentemente, atribuir os recursos disponíveis, tendo em aten -
ção as diferentes políticas alternativas.
Dionísio e o Desenvolvimento [ 221

Quadro 38 1Filtros de probabilidade e decisão individual

Filtros de probabilidade Filtros de decisão individual População


desportiva
Idade Conhecimentos
Sexo Motivações Real
Rendimento Disponibilidades Regulares em actividade
Educação
Grupo social Potencial
Outros Ocasionais

Residual
Não praticantes

As dinâmicas internas e externas do desporto

O desporto, hoje, é um in st rumento que deve ser utilizad o de uma form a raciona l e coerente
em matéria não só de política interna como no domínio das relações internacionais. A nível interno,
a promoção de as pectos específicos do fen ómeno desportivo é uma questão de interdependências,
ta l co mo os aspectos que se co locam a níve l de relaç,Pes inter-países são elementos fundamenta is
naqu ilo qu e diz respe ito ao desenvolvimento interno das qu estões desportivas. Hoje, as questões
do desenvolvimento do desporto são globais, não podendo esta r dissociadas das dinâm icas não só
internas (nacionais) como externas (internaciona is).

Desenvolvimento e educação desportiva

O desenvolvim ento é, também, uma questão ed ucativa. A onda de violência que atinge o desporto
é bem um exem plo de quanto tem fa lhado a dimensão educativa no processo de desenvolvimento do
des porto em Portuga l. Na real idade, o que temos verificado, ao longo dos últimos anos, é serem privile-
giados processos que, de uma maneira geral , ignoram a din âm ica educativa das práticas desportivas.
Na rea lidade, o desporto tem de ser um factor de edu cação e cultura de relativa im portância, que deve
estar integrado no processo de desenvolvimento económico e social dos países.

Para além dos circunstancialismos do dia-a-dia

O desenvolvimento, ao traduzir-se; em últim a aná li se, no desejo de encontrar so lu ções ju stas ,


razoáveis e racionai s sob o ponto de vista educativo, político, econó mico ou social, justifica o estudo e
investigação do desporto, para além dos circunstancial ismos do dia-a-d ia, dos campeonatos nacionais
ou das fam igeradas galas de di stribuição de prémios. Só assim será possível ultrapassar as meras
questões de ordem li mitada ou sectorial, de maneira a começar-se a entender todo o fenómeno des-
portivo nas mai s diversas vertentes, entre elas a qu e tem a ver co m a utilização do tempo livre qu e
cada vez mais passará a organ izar a dinâm ica da vida social .

A organização social a partir do tempo livre

O tempo de traba lh o e as oportunidad es de emprego vão co ntinuar a decresce r, pelo que as


pessoas cada vez terão mais tempo livre. A organ ização socia l, ao contrári o daquilo que aconteceu
na din âm ica da sociedade in dustri al, terá de começa r a ser rea lizada tendo em co nta o tempo livre
que as pessoas têm disponível e não o tempo co mpro metid o com o trab alh o.
222 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

Nestas circunstâncias, é necessário educar as novas gerações para, no futuro, saberem usufruir
do tempo livre que terão à sua disposição em volumes cada vez maiores, de uma forma pessoal-
mente gratificante e socialmente útil. Assim, a gestão do tempo de lazer através da cultura trans-
forma-se numa questão crucial no quadro das preocupações sociais dos nossos dias. Sendo odes-
porto uma das vertentes mais fortes da cultura popular do nosso tempo, que representa um
conjunto de valores inestimáveis que são um repositório da memória colectiva da Humanidade,
não pode deixar de estar perfeitamente integrado no processo de desenvolvimento económico e
social dos países. Contudo, este des_iderato obriga a uma ideia de desenvolvimento do desporto.

7.3 Factores de desenvolvimento


As pessoas podem ser encorajadas a mudar, mas se a
estrutura do sistema no qual as pessoas trabalham não as
suporta, ou não tem um mínimo de flexibilidade, os esfor-
ços de mudança e desenvolvimento acaba rã? por fracassar.
Todnem & Warner (1994)

Os factores de desenvolvimento do desporto são operadores de mudança e de progresso que


têm por objectivo promover o desenvolvimento do desporto. Para desencadear um processo de
desenvolvimento, tendo em atenção a realidade em causa e os objectivos a atingir, deve ser utili-
zado um número apropriado de factores de desenvolvimento do desporto. Estes factores combina-
dos entre si, com uma determinada estrutura, em função dos objectivos a atingir e das políticas a
prosseguir, dão substância ao planeamento. Através das combinações escolhidas, materializadas
em programas e projectos de desenvolvimento (ver quadro 54 no capítulo do planeamento), trans-
forma-se uma dada situação desportiva (Castejon Paz, 1973) numa outra que se pretende quantita-
tiva ejou qualitativamente melhor. Acontece, deste modo, mudança e desenvolvimento.
Vejamos, então, o significado de cada factor de desenvolvimento do desporto.

Orgânica

Em sentido lato, a orgânica é constituída pelos organismos nacionais e internacionais, governa-


mentais e não governamentais que configuram, enquadram e animam o processo de desenvolvi-
mento desportivo. Em sentido estrito, como veremos posteriormente, representa o desenho da
estrutura, bem como as relações das suas partes, de uma dada organização.

Actividades

Conjunto das acções motoras de raiz física, biológica, neurológica e fisiológica, condicionadas e
determinadas socialmente. As actividades assumem a forma de variadas modalidades desportivas,
podendo cada uma delas ter, segundo o modelo FINde Lamartine DaCosta (1986), uma dinâmica
organizacional formal, não formal e informal (inorganizada) e decorrer sob a responsabilidade insti-
tucional de diversos sectores com objectivos próprios e dirigidos a grupos-alvo específicos, tendo
em atenção as várias etapas do processo de desenvolvimento.
-
Dionísio e o Desenvolvimento [ 223

Marketing

É um conceito global, multidimensional, utilizado por diversas áreas sociais, entre as quais o
desporto, com o objectivo de perspectivarem as suas relações (comunicação externa) com o sis-
tema social que visam atingir. Em desporto pode ser definido como o conjunto das técnicas que
têm como objectivo tornar o desporto conhecido e de prática sistemática, adequando-o, nos diver-
sos factores de desenvolvimento, às características, necessidades e anseios da população, procu-
rando obter um máximo de benefícios, utilizando, para o efeito, um mínimo de recursos. É, por
isso, uma das funções da gestão das práticas desportivas que tem por objectivo conhecer e satisfa-
zer as necessidades das populações desportivas "real, potencial e residual" (Salomé Mariovoet,
1987) em função de políticas previamente estabelecidas. No que diz respeito ao marketing deve-se
ter em atenção o facto de ele poder ser dirigido para organizações desportivas comerciais de fins
lucrativos ou para organizações sem fins lucrativos. A este respeito, hoje, no mundo do desporto
impera a maior das promiscuidades.

Formação

Processo de transmissão/aquisição activa de conhecimentos, tendo em vista a valorização técnica


e humana de forma a melhorar o desempenho dos quadros humanos intervenientes no processo des-
portivo. Consiste, por isso, em transmitir de uma forma dinâmica e sistemática conhecimentos, pro-
vocando a sua actualização e melhoria, criando condições para uma mais eficiente integração dos
agentes no processo desportivo, tendo em atenção, em simultâneo, a sua vida pessoal.

Documentação

Congrega a literatura que aborda os diversos aspectos da problemática desportiva. É o conjunto


da produção literária de cariz desportivo. Este factor articula-se e, por vezes, confunde-se com o fac-
tor informação.

Informação

Processo pelo qual o conteúdo de significado e interesse desportivo é transmitido e circula


entre os intervenientes públicos e privados, individuais e colectivos que configuram o processo des-
portivo. Hoje em dia, o desporto entrou e conquistou os mais diversos meios de comunicação de
massas, tendo obtido um espaço significativo nas suas edições escritas, faladas ou televisionadas.
Em conformidade, cada vez mais o problema se coloca não sobre uma pura transmissão de infor-
mação, mas sobre os mecanismos pelos quais a comunicação selecciona a informação com vista a
optimizar o funcionamento do sistema desportivo.

Instalações

Conjunto dos meios materiais, artificiais, naturais e semi-naturais necessários ao desenvolvi-


mento das actividades desportivas. As instalações desportivas artificiais são constituídas por áreas
especiais ou recintos, cobertas ou ao ar livre, destinadas à prática desportiva, tais como, entre
outras, pistas de atletismo, pavilhões, campos de jogos, ginásios, piscinas, etc. Para além da área
de prática desportiva a instalação desportiva deverá ter também unidades de apoio à prática des-
portiva, tais como arrecadações de material, vestiários e balneários para ambos os sexos, podendo,
eventualmente, ter também um local reservado aos espectadores. Recinto desportivo é toda a área
224 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

de prática desportiva. Complexo desportivo é um conjunto de instalações ejou recintos desportivos


de vários tipos. Complexo desportivo integrado é todo o complexo desportivo com instalações não
desportivas, tais como escolas, restaurantes, serviços de saúde, etc. (in Atlas Desportivo- Carta das
Instalações Desportivas, Vol. 1).

Apetrechamento

O apetrechamento desportivo é constituído pelos equipamentos leves e pesados, individuais e


colectivos necessários à prática desportiva. O apetrechamento colectivo é constituído por todos
aqueles equipamentos de utilização colectiva, tais como balizas, tabelas, espaldares, etc. que geral-
mente pertencem às entidades prestadoras de serviços, escolas, clubes, unidades hoteleiras, etc. O
apetrechamento individual, em princípio, é propriedade de cada um.

Quadros humanos

Os quadros humanos são os indivíduos que intervêm, animam e dão sentido ao processo de
desenvolvimento do desporto. São os sujeitos do processo desportivo. São eles os praticantes, os
técnicos, os dirigentes e os espectadores.

Financiamento

O sistema financeiro é constituído pelo conjunto dos mecanismos através dos quais as organi-
zações desportivas (clubes, associações, federações, empresas e outras entidades) satisfazem as
suas necessidades de financiamento, de tal maneira que se adeqúem aos planos de investimento
que devem expressar a sua vocação e gerar fiuxos de caixa com saldo positivo. Por sua vez, o sis-
tema económico determina os critérios e a maneira como aqueles recursos são aplicados nas diver-
sas políticas a implementar. A economia é o estudo de como as pessoas e as sociedades acabam
por escolher, com ou sem utilização da moeda, a aplicação de recursos produtivos escassos que
podem ter usos alternativos, para produzir variados bens e distribuir estes bens para consumo,
actual ou futuro, entre as várias pessoas e grupos sociais. A economia analisa os custos e os bene-
fícios resultantes do aperfeiçoamento dos modelos de repartição dos recursos (Samuelson, 1981).

Normativo

Conjunto das normas mais ou menos formais e das leis que enquadram, regulamentam e confi-
guram o sistema desportivo.

Gestão

Conjunto das funções- planear, organizar, comandar, coordenar e controlar- através das
quais se providenciam os meios para as organizações operarem e cumprirem a sua missão. Ages-
tão integra um conjunto de ciências (sociologia, matemática, história, psicologia, etc.), que quando
se trata do desporto devem ser contextualizadas às diversas áreas e sectores de prática.
-
Dionísio e o Desenvolvimento [ 225

7.4 Princípios do desenvolvimento

É mais fácil lutar por princípios do que viver segundo eles.


Alfred Adler (1870-1937)

O conceito de liberalismo político defende a igualdade de direitos, tendo em atenção, por um


lado, uma vivência tão ampla quanto possível das liberdades individuais e, por outro, uma interven-
ção bem limitada por parte do Estado na sociedade. À volta destas ideias gerou-se um certo oportu-
nismo, em que os governos, por uma profunda incapacidade em matéria de política desportiva,
têm vindo a abdicar das suas próprias responsabilidades entregando à sociedade civil a condução
do desenvolvimento, reservando para si algumas competências de simples cosmética política. Nes-
tas circunstâncias, estamos perante um modelo de desenvolvimento do desporto a funcionar em
regime de roda livre, à margem de qualquer intervenção credível por parte do Estado, que a passos
largos caminha para a implosão.

A crise do Estado-Providência

Com a crise do Estado-Providência e a transferên~ia para o movimento desportivo de um con-


junto de responsabilidades que até então tinham competido ao Estado, temos vindo ao longo dos
últimos anos a assistir à organização de um sistema desportivo que, à custa do dinheiro dos contri-
buintes, tem vindo a organizar uma espécie de administração pública de segunda escolha que, sem
qualquer espécie de credibilidade técnica, científica e democrática, está a pôr em causa o desenvol-
vimento do desporto e do país. Os resultados deste modelo estão à vista, pois temos as piores
taxas de participação desportiva da Europa.
Recordamos que, segundo Henry Mintzberg (1996), o capitalismo não triunfou sobre o socialismo. O
que triunfou foi o equilíbrio sobre o desequilíbrio. O problema é que agora está a ser estabelecido um novo
desequilíbrio gerador de novas injustiças em que a lei do mais forte está a tomar conta do mercado, da
sociedade e da vida das pessoas. Hoje, o desporto em Portugal, a coberto de uma prática profundamente
irresponsável por parte da generalidade dos governos que, nos últimos anos, na mais pura demagogia,
têm vindo a aligeirar responsabilidades inalienáveis para entidades que não têm nem vocação, nem capa-
cidade para as receber, está a atingir as raias do absurdo. A prová-lo aí estão alguns resultados desportivos
de significado competitivo de nível internacional, alguns conseguidos por processos não recomendáveis64 ,
à par das piores taxas de participação desportiva no âmbito da Europa dos 25. Se a esta relação massa-elite
juntarmos o discurso acéfalo, chauvinista mas, desgraçadamente, politicamente correcto, relativamente às

64
Estamos a pensar em Naide Gomes. A atleta, nos Campeonatos do Mundo de Pista Coberta de 2004, realizados em Buda-
peste, realizou uma proeza que só podemos louvar. Não é isso que está em causa. O que está em causa, bem vistas as coisas,
é uma vergonha para o atletismo português e para o próprio país que não pode continuar a viver de uma política neocolonial
porque predadora em relação às suas antigas colónias.
Se alguns houve que, em Portugal, por ingenuidade, hipocrisia, oportuni smo ou ignorância, rejubilaram com os resultados de
Naide, outros, de um pequeno país situado no centro do Mundo (Lat.- o; Long. -o), que convive diariamente com uma
pobreza confrangedora que devia envergonhar o país colonizador, choraram de raiva e desespero pela pouca-vergonha que
graça na política portuguesa, em relação a São Tomé e Príncipe (STP). João Costa Alegre, presidente do Comité Olímpico de
STP (COSTP), não cala a sua mágoa ao ver uma atleta que foi a porta-bandeira de STP nos jogos de Sydney, três anos depois,
ganhar uma medalha ao "serviço" de Portugal, bem como representar o país em tempos colonizador, nos jogos Olímpicos de
Atenas. Uma situação que deveria fazer corar de vergonha os nossos olímpicos dirigentes. O problema do país e do desporto é
que não faz I

AGONGD-15
226 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
'tI
selecções nacionais, principalmente de futebol, produzido por alguns políticos, dirigentes desportivos
e jornalistas, estamos perante uma bomba-relógio que, quando menos se esperar, vai rebentar nas
mãos dos portugueses.

Princípio da equidade

Mas então aonde é que está o equilíbrio que aconselha Mintzberg> Os liberais, na perspectiva de
John Rawls (1997, 2001), acreditam que nem todos somos iguais. As pessoas têm capacidades distin-
tas. Em consequência, assumem, em termos sociais, estatutos e papéis diferentes, pelo que devem,
por isso, ser justamente recompensadas. Não se trata, como no passado, de igualdade mas de equi-
dade e esta deve ser, antes de tudo, reivindicada no tribunal da consciência colectiva, na medida em
que o liberalismo, no plano das ideias, aceita as desigualdades desde que elas sejam funcionais, isto
é, promotoras de desenvolvimento e progresso. Todavia, não aceita que, numa perspectiva selvagem
e desprovida de quaisquer sentimentos sociais, em seu nome, se cometam os maiores dislates.

Atletas de elite e desenvolvimento

O problema é que nas mais diversas áreas sociais, entre elas a do desporto, estão a ser promovi-
das desigualdades disfuncionais que estabelecem novos e profundos desequilíbrios sociais que colo-
cam o país cada vez mais longe dos valores económicos e sociais médios da Europa. Quer dizer, as
desigualdades não devem ser aceites sem qualquer espécie de controlo, porque quando isto acon-
tece, acontece em simultâneo um certo liberalismo selvagem promotor de injustiças e de subdesen-
volvimento. Assim sendo, numa perspectiva liberal civilizada, as desigualdades naturais existentes só
podem ser aceites se estiverem perfeitamente justificadas. Mas mais, se alguma entidade, líder ou
governo, as pretender anular para além de um limiar mínimo razoável, acaba por provocar um mal
maior prejudicando sobretudo os mais carentes. Este é o princípio sine qua non que deve presidir ao
livre desenvolvimento de uma sociedade democrática e liberal. É este o princípio que devia orientar
as políticas desportivas em Portugal. Deste modo, a existência de atletas de elite deve ser, antes de
tudo, considerada em função da sua capacidade para promoverem a generalização da prática des-
portiva. Assim, aceita-se a diferença enquanto ela for funcional, quer dizer, for promotora de evolu-
ção e progresso, pelo que a sua extinção significaria estagnação e até retrocesso.

Monopólio desportivo

Contudo, nos últimos anos, o processo de desenvolvimento tem evoluído na maior das contra-
dições. A partir de uma anacrónica desresponsabilização do Estado das suas inalienáveis responsa-
bilidades, num liberalismo perfeitamente selvagem, tem-se vindo a promover a transferência para o
movimento desportivo de todo um conjunto de competências que, para além de estarem a promo-
ver profundas injustiças sociais, estão a criar um monopólio que questiona os princípios da livre
concorrência que devem presidir à organização social da União Europeia. Como diria Raymond
Boudon, não se pode pretender desenvolver políticas liberais e, depois, deixar o sistema funcionar
num modelo profundamente iliberal, como aquele que caracteriza actualmente o movimento des-
portivo português, onde prevalece um pensamento único protagonizado por uma casta de agentes
que, num sistema pseudodemocrático, avocam o monopólio das palavras e das obras.
Uma sociedade desportiva realmente justa, democrática e liberal é aquela que aceita e até pro-
move a diferença baseada nas capacidades individuais, mas que deve funcionar a partir dos melho-
res a favor dos destituídos. Pois bem, isto só é possível através de uma estratégia de equidade a ser
alcançada dentro das normas de uma democracia liberal moderna em que, acima de tudo, funcione
-
Dionísio e o Desenvolvimento [ 227

o primado da liberdade e da livre concorrência em benefício das reais necessidades dum povo que,
caso contrário, continuará a sofrer as agruras do centralismo burocrático promovido por uma casta
que tem vindo a delapidar o país.

"Just do it"

A problemática do desenvolvimento do desporto coloca-se porque se sabe que subsistem popula-


ções com enormes carências para as quais a justiça distributiva em matéria de acesso à prática despor-
tiva ainda não lhes chegou ou ainda não é suficiente. Por isso, o desporto na sociedade moderna deve
ser considerado como um instrumento de políticas públicas, implementadas para melhorar a qualidade
de vida das populações, sobretudo das mais desfavorecidas, pelo que o "just do it" que caracteriza o
pensamento de muitos responsáveis políticos e desportivos, que origina o desperdício de muitos
milhões de euros em projectos perfeitamente inúteis, não só em termos económicos e sociais como
também desportivos, deve dar origem a um processo de decisão racional, enquadrado numa dinâmica
de desenvolvimento que, ao ser promotora de justiça, garanta a satisfação plena do direito à prática
desportiva consignado na Constituição e contribua para o desenvolvimento do desporto e do país.

O Modelo Europeu de Desporto

O desporto, ao longo do século XX, foi desenvolvido numa lógica corporativa, a partir do desig-
nado Modelo Europeu de Desporto, consubstanciado no desporto federado e caracterizado por:
1. Uma prática desportiva amadora;
2. Uma filosofia de promoção social;
3· Uma dinâmica económica sem fins lucrativos.

Em conformidade, a sua estrutura orgânica assumiu um desenho de configuração piramidal,


monopolista e centralizador do poder e do comando, na base de um paradigma de desenvolvi-
mento de pensamento único, na partilha do mesmo credo, dos mesmos valores, dos mesmos
objectivos e dos mesmos processos de acção, tudo isto sustentado num Estado-Providência forte.
Entretanto, o mundo, bem como o paradigma do desporto federado, mudaram sem que a generali-
dade das pessoas tivesse dado por isso. O desporto, sobretudo a partir da entrada em força da televisão
nos jogos Olímpicos (Roma, 1960), começou a ser desenvolvido numa lógica caracterizada por:
1. Uma prática desportiva profissional assumida ou encapotada;
2. Uma filosofia de promoção de negócios;
3· Uma dinâmica económica com fins lucrativos.

Contudo, muito embora se tenham processado estas transformações radicais, o desporto na


Europa continuou a funcionar como se nada tivesse acontecido, desta feita sustentado num Estado-
-Providência em dificuldades acrescidas a partir dos anos oitenta, sem força nem vontade para promo-
ver as necessárias mudanças. Na realidade, problemas de concentração de riqueza, regulamentação
das apostas, regulamentação da actividade de intermediários e agentes, formação, gestão de clubes,
segurança nos recintos desportivos, circulação de jogadores, representações nacionais, ligas privadas e
tantos outros, já nada têm a ver com a lógica com que o Modelo Europeu de Desporto foi criado65 .

65
O estado calamitoso em que o desporto se encontra na Europa deu, recentemente, origem à nomeação, por parte da
União Europeia, do português José Luís Arnaut para presidir a uma comissão independente para o estudo do desporto
europeu. Ver em www.independentfootballrevrew.com
228 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Contradições

As contradições começaram a evoluir inexoravelmente para níveis de ruptura in suportáveis,


como se pode verificar, por exemplo, na luta de morte entre li gas e federações em várias modalida-
des desportivas, bem como na corrupção ideológica nos vértices estratégicos de algumas organiza-
ções, mais interessados nas mordomias dos cargos que ocupam do que na promoção do desporto
e na resolução dos dramáticos problemas dos atletas de alta competição. Dramático é também o
facto de os poderes públicos, de há vários anos a esta parte, não terem tido a força ou a vontade
para alterarem o rumo dos acontecimentos.
Assim, os sistemas desportivos por todo o Mundo têm vindo a ser pressionados pelos mais diver-
sos grupos sociais para evoluírem tendencialmente para modelos de configuração em rede, o que sig-
nifica que o imperialismo monopolista do rendimento, da medida, do recorde, do espectácu lo e do
profissionalismo precoce, que caracterizou em regime de exclusividade a maioria das organizações do
desporto federado, no que diz respeito às políticas públicas em matéria de desenvolvimento do des-
porto, tem de ceder espaço mental, socia l e político a outros paradigmas de prática e a outros mode-
los organizacionais, uma vez que o desporto tem vindo, de uma forma acelerada (e ainda bem), a
desagregar-se nas mais variadas actividades em função dos novos sentimentos e necessidades da
generalid ade das pessoas. Hoje, parece claro que o Modelo Europeu de Desporto, através do des-
porto federado de cultura un icitária, deixou de ser capaz de responder em regime de nionopólio às
necessidades de prática desportiva da generalid ade das populações, até porque estão subvertidos os
princípios, os va lores, os objectivos e as estratégias com que foi inicialmente concebido. Em muitas e
variadas situações, por in crível que possa parecer, já está transformado num instrumento promotor
de alienação de massas, de violência e de racismo, gerador de novas injustiças sociais e promotor de
uma nova casta sqcial de dirigentes desportivos ávidos de mando e de mordomias.

Um processo amigável

Em conformidade, é necessário, antes de tudo, assumir que o desporto, para além dos seus
aspectos educativos e económicos, é uma questão social, quer dizer, um problema de liberdade e
justiça que contribu i, na sua quota-parte, para o próprio desenvolvimento humano. A este respeito,
Amartya Sen (2003) defende que o desenvolvimento humano tem de ser visto como um processo
amigável, friendly process, que deve estar inti mamente relacionado com a expansão da liberdade
para usufruto das pessoas. Parafraseando, em muitas e demasiadas situações neste país, o desen-
vo lvim ento do desporto está longe de ser um "processo amigáve l" a® serviço dos portugueses,
sobretudo dos mais desfavorecidos.
Quer dizer, o desenvolvimento do desporto do futuro obriga, a partir das noções de liberdade e
de justiça e dos vínculos sociais, políticos, psicológicos e económ icos que lhes estão associados, a
avançar para um esclarecimento profundo acerca do lu gar que o desporto deve ocupar na socie-
dade. Assim, as questões que podem animar o debate sobre o desenvolvimento do desporto em
Portugal devem colocar-se nos seguintes termos:

· · Liberdade

Qual a estrutura e a dinâmica de uma concepção política em matéria de desporto que no qua-
dro das cond ições económicas e sociais da sociedade portuguesa permitam uma articulação justa,
coerente e operacional entre as duas grandes categorias de prática desportiva, tendo em atenção
que a promoção da massa de praticantes que assegura a iguald ade só funciona se estiver garantid a
- - - --- - -- ---------· -~---- ~-~-----·-------.,...,,...

Dionísio e o Desenvolvimento [ 229

a promoção da elite que defende a liberdade do praticante de excepção, e vice-versa, na prossecu-


ção da justiça e da equidade. Desta questão decorrem:
1. Qual é, por um lado, o papel do Estado neste processo, bem como, por outro, o da sociedade
civ il ?
2. Qual é o modelo de cooperação a institucionalizar e os processos de gestão e controlo a
impl ementar?

Vivemos num Mundo plural em que, como se disse, o desporto se desagrega nas mais diversas
actividades e se distribui pelos mais variados grupos de interesse. Esta situação obriga a um esforço
intelectual (teórico) para, à margem de qualquer egoísmo de classe, encontrar os caminhos que per-
mitam um diálogo entre pessoas que nascem, vivem e morrem em contextos económicos, sociais e
culturais muito diferentes. Ora, isto só é possível a partir do conceito de "posição origin al".
Segundo John Rawls (1997, 2001), a "posição origina l" parte de uma situação hipotética em que
num dado momento os Homens, como seres racionais, acordam em associar-se para realizar fins,
satisfazer necessidades e alcançar a justiça e, em consequência, o desenvolvimento. Segundo o
autor, ex istem dois princípios a respeitar:
1. Iguald ade na repartição dos direitos e deveres básicos;
2. As desigualdades só são justas se forem geradoras de benefícios compensadores para todos,
em especial para os mais desfavorecidos.

Cooperação

Assim, o desenvolvimento do desporto só pode partir de uma ideia de cooperação entre todos,
o que exclui à partida qualquer privilégio monopolista no que diz respeito às mais diversas áreas e
sectores de prática desportiva, sob pena de ficarem prejudicadas as leis do jogo da cooperação. Ora,
este é um dos principais problemas do Modelo Europeu de Desporto que originará, certamente,
muita discussão na União Europeia durante os próximos anos, na medida em que va i ser necessário
responder às seguintes questões:
1. Como é que pode existir cooperação se não está garantida a diversidade?
2. Como é que pode exist ir cooperação na base do pensamento único?
3· Como é que pode existir cooperação se se privilegia um modelo único de prática desportiva?

Massa-elite

Por outro lado, a "posição original" tem de esclarecer a relação massa-elite que deve presidir às
políticas desportivas. Esta é uma ve lh a questão que, no fundo, procura esclarecer o valor da "elite
correspondente" (Paz, Castejon, 1973) na gestão e contro lo das políticas desportivas.

Elites

Tal como defendemos a diversidade em matéria de prática desportiva, assim também defendemos
a promoção e o apoio às elites de praticantes. No desporto, tal como em muitas áreas socia is, nem
todos são iguais. Os praticantes desportivos têm capacid ades e interesses distintos, pelo que, em con-
sequência, as elites desportivas devem assumir em termos desportivos estatutos e papéis diferentes e
serem justamente recompensadas por isso. Contudo, a elite de praticantes não pode aumentar até um
ponto em que, pelos recursos que consome, começa a prejudicar a massa de praticantes desportivos.
230 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

Assim, tem de ser encontrado um limite, e esse limite é estabelecido pela elite correspondente 66 que é
aquela que deve corresponder aos praticantes de base reais, pelo que em boa política a elite real deve
ser igual à elite correspondente. Nestes termos, a elite assume a sua função de promoção da massa de
praticantes que, aumentando, justifica o posterior aumento da elite.

Desigualdades

O grande problema do desenvolvimento surge quando o modelo, numa dinâmica esquizofré-


nica de obtenção de resultados desportivos, transforma a elite desportiva num grupo promotor de
desigualdades disfuncionais que estabelece novos e profundos desequilíbrios que colocam o país
cada vez mais longe dos valores de prática desportiva da Europa. Também no desporto as desi-
gualdades não devem ser aceites de uma forma acrítica sem qualquer refiexão acerca do assunto,
sobretudo quando entram no domínio do imoral. Quando isto acontece, o desporto assume uma
dinâmica "liberal mercantilista", acabando por se transformar num agente promotor de injustiças e
de subdesenvolvimento. Assim, as desigualdades entre a massa e as elites promotoras do espectá-
culo desportivo só devem ser aceites se estiverem perfeitamente justificadas. Mas mais, se algum
líder, entidade ou governo as pretender anular, deixando a elite real descer para um valor abaixo do
valor da elite correspondente, acaba por provocar um mal maior prejudicando sobretudo a promo-
ção da massa de praticantes que também tem necessidade da elite para aumentar. 'Este é o princí-
pio sine qua non que deve presidir ao livre desenvolvimento do desporto no país e que deve ser o
azimute de qualquer política que terá sempre de se assumir como um processo de refiexão e
debate contínuo ao longo do tempo.

Justiça com equidade

Portanto, quando se fala em desenvolvimento do desporto e em projectos para o futuro, toda a


discussão tem de ser realizada numa situação de igualdade de cidadania. Quer dizer, através de um
processo de justiça com equidade. Um processo contratualista em que os agentes envolvidos são
obrigados a uma "posição original" caracterizada por estar envolta num "espesso véu de ignorân-
cia" (John Rawls, 1997, 2001), quer dizer, em que os interventores estão libertos de todos os inte-
resses e preconceitos com que geralmente estão envolvidos nas próprias actividades. Contudo,
ainda na linha daquele autor, na "posição original" são inevitáveis desigualdades, pelo que uma
situação de bem-estar depende de uma estrutura de cooperação, que numa concepção de desen-
volvimento concebida numa base de justiça não deve anular nem as aptidões naturais nem as con-
tingentes desigualdades sociais que, de uma maneira geral, incidem nos mais diversos aspectos da
vida. Nesta conformidade, ninguém pode, à partida, estar excluído. Assim, uma concepção de
desenvolvimento para o desporto só pode acontecer se pessoas razoáveis, de uma forma descom-
prometida a partir de uma "posição original", optarem por princípios de liberdade e de diferencia-
ção orientadores, que garantam uma maior justiça social numa base de equidade.

66
Segundo Castejon Paz (1973), é necessário distinguir a elite ideal duma elite que se designa por "correspondente". A pri-
meira define-se em relação aos praticantes possíveis. É a elite que corresponde idealmente ao número de prat'lcantes pos-
síveis. Em contrapartida, a elite correspondente define-se em relação ao número de praticantes reais. É a elite que deve
existir de acordo com o número de praticantes reais, quer dizer, aqueles que, de facto, existem. Repare-se que a elite real,
a que verdadeiramente existe, pode ser igual, menor ou maior do que a elite correspondente, tirando-se daí as ilações
necessárias em termos de política desportiva.
-~--~-------------------~

Dionísio e o Desenvolvimento [ 231

O sistema fechado que hoje caracteriza o Modelo Europeu de Desporto já não apresenta, por isso, as
potencialidades promotoras da justiça e da equidade que de alguma maneira o caracterizaram durante
os seus tempos originais. Na realidade, um modelo de desenvolvimento do desporto bem ordenado
deve garantir a liberdade, a verdade, a probidade, a lealdade e a honradez, numa atmosfera de responsa-
bilidade e autenticidade, o que pressupõe, desde logo, a ausência de monopólios constrangedores.
Decorre do que foi dito que o desenvolvimento do desporto também é um conceito normativo,
que representa uma determinada ideia de mudança social, num dado sistema sociopolítico, refe-
renciado no espaço e no tempo. Em conformidade, deve obedecer a um conjunto de princípios que
passamos a enunciar.
1. Princípio da responsabilização do Estado. Quando se trata de analisar o papel do Estado no
desporto não se trata de uma questão de quantidade mas de qualidade. Não se trata de haver
mais ou menos Estado. Trata-se de ter um Estado com uma focagem certa em relação aos
aspectos económicos e sociais da sociedade desportiva onde está a intervir. Neste domínio, o
Estado não pode ser "amnésico", esquecendo as suas obrigações naquilo que diz respeito à
correcção das assimetrias económicas e sociais, nem pode ser "cego", ao ponto de ter uma
política desportiva indiferenciada para a generalidade da população ou mesmo promovendo e
acentuando as assimetrias do país. O Estado tem de ter uma acção inteligente que se deve
traduzir em benefício das populações. Mas, quando é que se justifica a intervenção do
Estado? Em nossa opinião, os critérios são quatro: (1. 0 ) Quando o interesse de minorias com
capacidade de reivindicação e organizadas em lóbis se esteja a sobrepor ao interesse das
maiorias sem capacidade reivindicativa. Ou quando minorias desprotegidas estejam a ser
ignoradas, no quadro do desenvolvimento do país; (2°) Quando a sociedade civil não res-
ponde, por incapacidade ou desinteresse, às necessidades sociais; (3. 0 ) Quando a boa utiliza-
ção de dinheiros públicos estiver em jogo; (4. 0 ) Quando o prestígio e a dignidade nacional
estiverem em causa. A este respeito, Amartya Sen (1999) pergunta como é que os direitos
podem ter qualquer valor senão através da responsabilidade do Estado, enquanto autoridade
máxima? Muito embora não se descarte a responsabilidade do Estado garantir o pleno cum-
primento dos direitos, há que considerar a perspectiva de que eles podem ser muito melhor
cumpridos }:',nquanto considerados num sistema de valores éticos ao serviço da humanidade
do que ape~as através de normas legais produzidas pelo próprio Estado;
2. Princípio da globalidade. O desenvolvimento aplica-se ao todo humano. O Homem, por um
lado, tem de ser entendido na sua globalidade, por outro, como medida de todas as coisas.
O desenvolvimento é, por isso, uma questão de dignidade da pessoa na salvaguarda dos
seus direitos de cidadania. Representa uma visão de conjunto das dimensões de um todo
humano e a diversidade dos aspectos da vida que devem ser assumidos, como, entre outros,
a educação, a saúde, a cultura ou o desporto. Nesta conformidade, não faz sentido pensar-se
no desenvolvimento do desporto à margem do desenvolvimento do país, sob pena do des-
porto dar origem a uma nova casta que acaba por viver à custa das misérias culturais, econó-
micas e políticas do povo. "Abaixo os privilegiados, artistas e desportistas" eram as palavras
que se liam em alguns cartazes em Berlim, aquando da queda do muro;
3· Princípio da teleologia funcional. Sendo a teleologia a ciência que estuda as finalidades, pro-
cura determinar a acção directa que o fim exerce sobre os meios. É necessário conhecer a
razão da existência do desporto. Temos de saber para que serve o desporto, isto é, utilizando
as palavras de Peter Drucker (1989) 67 , qual é o "negócio" do desporto, quais os seus objectivos

67
Drucker, Peter (1989). Inovação e Gestão - Uma Nova Concepção de Estratégia de Empresa. Lisboa, Biblioteca de Gestão Moderna.
232 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

e as suas metas, quais as concepções de ordem filosófica. É que entre colocar o desporto ao
serviço do cidadão ou o cidadão ao serviço do desporto va i um mundo de possibilidades que
podem configurar as mais diversas ideologias;
4· Princípio da autodeterminação. As decisões fundamentais relativas ao desenvolvimento de um
sistema não lhe podem ser exteriores. O efeito sinérgico só é conseguido se o sistema mantiver
a sua identidade, conseguida através do usufruto de um estatuto de independência. Embora o
princípio da integração seja de fundamental importância, há que evitar a possibilidade de todo o
processo descambar numa total subordinação do desporto aos demai s su bsistemas. Quer isto
dizer que o desenvolvimento do desporto deve ter sempre presente o quadro desportivo, na
medida em que, em quaisquer circunstâncias, ele deve ser prioritário quando se desenvolvem
políticas desportivas. Por isso, o desenvolvimento tem de ser endógeno, isto é, cada sistema
tem de encontrar as forças internas necessárias para a sua evolução e progresso. Tem de estar
sustentado na construção de sinergias internas de forma a poder s?breviver;
5· Princípio da prioridade estrutural. É necessário conseguir estabelecer alterações na estrutura
do sistema. Deste modo, têm de ser previamente identificados os factores de desenvolvimento
estruturantes, estabelecida uma hierarquia de prioridades, no sentido de ultrapassar os estran-
gulamentos e as dificuldades. Não existem sistemas estáveis, no entanto, os limites da sua
mobilidade devem ser determinados pelos princípios de ordem ideológica que Q devem orien-
tar: (1. 0 ) Por finalidades que determinem a razão da sua existência; (2. 0 ) Por um quadro de
metas e objectivos que deve procurar atingir; (3- 0 ) Pelos meios e os processos de actuação;
6. Princípio da transformação graduada. O futuro está em conseguir idealizar uma so lução
que, por um lado, não dê continuidade total ao sistema, mas que, por outro, não crie uma
ruptura total. Em conformidade, é necessário distinguir três realidades distintas. A primeira
diz respeito à necessidade de determinar o que deve ser substituído, a segunda o que deve
ser melhorado e a terceira o que deve ser aproveitado. Ora, isto só pode ser conseguido, de
uma forma participada e integrada, em cada área, sector e etapi 8 do fenómeno desportivo,
de uma forma progressiva e graduada. É necessário partir de um quadro de princípios para
que possam ser definidos objectivos, conçebidas estratégias alternativas, formaliz adas em
políticas e articuladas no tempo;
1· Princípio da continuidade funcional. Q sistema não pode parar. Os cortes processam-se no
domínio das id eias. Devem ser evitados cortes radicais entre o novo e o velho. As transforma-
ções devem ter em conta o sistema existente e em funcionamento . Deve-se procurar uma arti-
cu lação harmoniosa entre a tradição e a modernidade. Uma via de transformações com um
carácter reformista trata de introduzir, em cada local e em cada momento, medidas no sistema
que o conduzam a melhorar as suas performances e não a substituí-lo. O que se deve procurar
é descobrir as razões di sfuncionai s do sistema desportivo, de forma a serem encontradas as
so lu ções ajustadas ao seu desenvolvimento;
8. Princípio do equilíbrio. O desenvolvimento do desporto deve processa r-se de uma forma equili-
brada, tendo em atenção que, no planeamento da di stribuição dos recursos, tem de se ter em
atenção não só a situação dos diversos segmentos socia is do país, a dimensão espacia l do pro-
cesso de desenvolvimento, mas também uma justa e coerente articulação dos vários programas

68
O conceito de "etapa" determina os períodos de tempo entre os diversos momentos da vida de um praticante desportivo,
que vão desde a animação, até à recreação, à manutenção, à alta competição e ao profissionalismo. Do ponto de vista
formal, assume diversas classificações, a depender das modalidades: infantil, iniciado, juvenil, júnior, senior.
Dionisio e o Desenvolvimento [ 233

e projectos entre si . Este princípio estabelece uma íntima relação com o princípio da desconcen-
tração e descentralização;

g. Princípio da garantia dos recursos mínimos. Deve ser conseguida uma boa correspondência
entre os objectivos e os recursos para que, em termos temporais e espaciais, o desenvolvi-
mento se processe de um a maneira uniforme. O desporto constitui um direito cuja satisfa-
ção o Es tado deve procurar assegurar, na medida do que é justo e legítimo;

10. Princípio da interacção. O sistema desportivo para sobreviver e desenvolver-se tem de criar
mecanismos e projectos de interacção e entreajuda com todos os outros sistemas sociais.
Deve m ser estudadas as possibilidades de cooperação com outros sistemas, tais como a
saúde, a juventude, o trabalho, a justiça, o turismo, etc. Aqui levanta-se outra questão de fun-
damental importância. Então quem é que tem o dever de suprir um direito , quando não
existe um dever perfeito> Para Amartya Sen, a resposta a este direito tem de ser encontrada
na sociedade, entre aqueles que estão em posição de poderem aj udar. Desta perspectiva sur-
gem duas situações distintas. A primeira caracteriza-se pelos direitos que as pessoas têm
mas não são cumpridos. Esta situação tem a ver com os direitos de cidadania , pois o que
está em causa é a democraticidade do regime. A segunda, a re lativa aos dire itos im perfeitos,
quer d izer, aqueles que embora sejam reconhecidos não são, pelas mais diversas razões,
supridos, o que abre, de facto, a possibilidade à intervenção das mais diversas organizações;
11. Princípio da integração. Deve existir, a nível da concepção da po lítica global, uma articula-
ção e coordenação entre os vários subsistemas sociais que intervêm directa ou indirecta -
mente no processo desportivo. Enquanto que com o princípio da interacção se procurava
uma inter-ajuda de efeitos benéficos para ambas as partes, com o princípio da integração o
que se visa é a construção de políticas desportivas rea lizadas por diferentes organismos,
mas com objectivos comuns. O que se nota, na maioria das vezes, é que não existe uma
política desportiva, mas a coexistência de várias po líticas desenvolvidas por d iversos organis-
mos do sistema desportivo, sem qualquer articulação entre si;

12. Princípio da descentralização. O desenvolvimento deve ter como objectivo, por um lado,
detectar e corrigir as assimetrias regionais, e, por outro, ter em atenção o quadro cu ltural de
cada região, respeitando as suas normas, os seus valores, as suas tradições e as suas reais
capacidades de participar no desenvolvimento. O princípio em causa diz-nos que é uma
injustiça e, ao mesmo tempo, um sério mal e uma perturbação do desenvolvimento atribuir
a uma unidade orgânica de maiores d imensões e dum nível mais alto aquilo que unidades
subordinadas e menores podem, até com vantagens acrescidas, fazer (princípio da subsida-
riedade). E é assim porque toda a actividade social deve, por sua própria natureza, propor-
cionar uma ajuda aos membros do corpo socia l e nunca acabar com eles ou absorvê-los
69
(Schumacher, 1g8o) ;

13. Princípio da optimização de meios. Sendo o sistema desportivo constituído por vários sub -
sistemas, têm que ser idealizados os mecanismos conducentes a uma rentabilização óptima
dos recursos disponíve is, no respeito por cada uma das partes. Nenhum sistema pode viver
sem as ajudas e sem as contribuições daqueles que, a diversos níveis, podem protagonizar o
desenvolvimento. São eles que vão estabe lecer as pontes necessárias e, consequentemente, a
co municação entre o ambiente burocrático e o poder político. Deste modo, os portadores de

69
Ernest Schumacher (1980). Sma/1 is Beautiful- Um Estudo de Economia em que as Pessoas Também Contam. Lisboa ,
Publicações Dom Quixote, 1' ed. original, 1973-
234 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

conhecimento serão, cada vez mais, os actores que vão funcionar, tanto no ambiente burocrá-
tico como no ambiente político. São eles que vão reduzir as incertezas e preparar e integrar
com sinergia a decisão política. São aquilo que podemos denominar de comissões interacti-
vas, constelações de trabalho de apoio à decisão ou constelações de conhecimento que, ao
integrarem as mais diversificadas e significativas sensibilidades do sistema, garantem o prin-
cípio da participação e, consequentemente, uma melhor decisão;
14. Princípio da participação. O processo de desenvolvimento desportivo tem de proporcionar
um mínimo de condições para conduzir os cidadãos a criarem hábitos desportivos e enten-
derem o seu significado. Consequentemente, a sua participação deve estar sempre garan-
tida, bem como a liberdade fundamental dos indivíduos e grupos participarem ou não no
desporto, escolherem a sua modalidade ou associarem-se livremente nos mais diversos pro-
jectos. A cada Homem devem ser proporcionadas condições e oportunidades para um apro-
veitamento global das suas capacidades segundo as suas próprias aspirações. O desenvolvi-
mento é feito pelas pessoas para as pessoas, e para as comunidades em geral. Deste modo,
a dimensão da participação das populações é, em nossa opinião, uma forte componente
que separa um processo exclusivamente vocacionado para o crescimento de um outro com
objectivos no domínio do desenvolvimento;
15. Princípio da responsabilidade. O sistema desportivo deverá, através da mediaÇão da organi-
zação política, ser responsabilizado perante o sistema social. Entenda-se que o Estado tam-
bém faz parte do sistema desportivo e, como tal, tem a sua quota-parte de responsabilidade,
sobretudo nos domínios do financiamento, da função legislativa e da função de controlo. A
burocracia desportiva configurada pela Administração Pública terá de dar origem a uma
burocracia à qual se deve acrescentar uma visão científica e humanística da problemática
desportiva. É ela que deve estar ao serviço dos cidadãos e não estes ao seu serviço;
16. Princípio da igualdade e do direito à diferença. Este princípio diz-nos que a todos os
Homens em geral e a cada Homem em particular devem ser proporcionadas condições
para o pleno aproveitamento das suas capacidades segundo as suas próprias aspirações
(Perroux, 1981). Deste modo, não devem ser estabelecidas discriminações entre os indiví-
duos. Este princípio conduz-nos ao problema da "igualização de oportunidades", que deter-
mina que, para que as oportunidades sejam iguais para todos, não devem ser estabelecidas
discriminações entre os indivíduos. Desenvolver é homogeneizar, anular disparidades e
desigualdades, isto é, no respeito pelo princípio da equidade, proporcionar às populações
igualdades de direitos no acesso aos equipamentos e práticas desportivas. A partir daqui,
coloca-se a questão das políticas desportivas desenvolvidas para a generalidade da popula-
ção e as direccionadas para as elites. Tem de haver uma justa relação, no pressuposto que
nem as elites desportivas dependem dos praticantes de base nem os atletas de alta compe-
tição podem ser factores únicos de promoção do desporto. O conceito de elite "correspon-
dente"70, em termos de "ciclos de desenvolvimento" do desporto, possibilita a abordagem
desta questão de uma forma séria e justa71 ;

70
Recorda-se que a elite correspondente é aquela que, em termos teóricos, deve corresponder aos praticantes reais (aqueles
que na realidade existem) (ver nota 66).
71 A teoria dos ciclos de desenvolvimento do desporto decorre de um trabalho realizado para o Conselho da Europa por
André Van Lierd. Cruzando as conclusões do trabalho de Van Lierd com a obra de Rostow (1978}, As Etapas do Desenvolvi-
mento Económico, foi possível idealizar um processo idêntico para desporto em que o desenvolvimento se processa
segundo um ciclo de três fases, a saber: a fase de promoção; a fase de formação; a fase de (re)organização. Nenhuma des-
tas fases funciona só por si, já que o seu nome representa exclusivamente uma tendência nos processos organizacionais.
--
Dionísio e o Desenvolvimento [ 235

1]. Princípio do direito de livre escolha. A importância deste princípio relaciona-se com a necessi-
dade do sistema desportivo engendrar soluções que garantam a liberdade de participação e de
escolha a todos os seus intervenientes. Processos de "desenvolvimento" centrados em políti-
cas desportivas de massas, isto é, dirigidas a uma população amálgama e indiferenciada,
devem dar origem a políticas desportivas centradas na satisfação das necessidades singulares
dos diferentes grupos sociais;
18. Princípio da coerência. O sistema desportivo, na sua diversidade, deverá ser organizado
tendo em atenção a sua unidade perante a sociedade, na medida em que as políticas des-
portivas não podem ser geradoras de novas injustiças. Pelo contrário, devem ser dirigidas,
sobretudo quando se trata de apoios substanciais por parte do Estado, àqueles que dela
mais têm necessidade e não àqueles que têm capacidade reivindicativa;
19. Princípio dos deveres perfeitos. Os direitos humanos ligam ao desenvolvimento a ideia de
que todos são responsáveis por facilitar e melhorar o próprio desenvolvimento humano. A
questão está em saber quais as acções estratégicas e os esforços que as diferentes entida-
des devem empreender para a realização de direitos humanos, projectando-as no sentido de
promover o correspondente desenvolvimento. Significa, em suma, uma abertura à respon-
sabilização dos diversos actores e instituições sociais, aqueles que, segundo Amartya Sen,
estão em posição de poderem ajudar, sempre que os direitos humanos e o desenvolvi-
mento estiverem por cumprir.

Como já referimos, qualquer direito, em princípio, requer que lhe esteja associado um dever que
terá de ser atribuído a alguma entidade. Se não estiver determinado a quem compete o dever de
suprir um determinado direito, esse direito não passa de uma ilusão. O Relatório de Desenvolvimento
Humano (2000), aliás na sequência do que Amartya Sen já explicara, afirma que aqueles que defen-
dem os direitos e deveres, na forma de deveres perfeitos, quer dizer, quando existe entre ambos uma
relação biunívoca, tendem a ser, normalmente, bastante intolerantes com o discurso dos "direitos",
independentemente de se indicarem os agentes que têm o dever de assegurar o cumprimento desses
direitos. A não ser assim, os direitos humanos não passam de conversa fiada (!oose talk).

7.5 Nível desportivo


No que diz respeito à excelência não é suficiente
conhecê-la, é necessário possui-la e usá-la.
Aristóteles (384-322 a. C)

A aplicação do quadro teórico que temos vindo a desenvolver, bem como dos princípios enun-
ciados, leva-nos agora a considerar o conceito de nível desportivo.

Nível desportivo 72

A perspectiva de integrar o desporto no desenvolvimento económico e social dos países e regiões


obr"1ga à definição do conceito de nível desportivo. Este conceito traduz o objectivo global, quer d"1zer,

72
Castejon, Paz (1973). Para este autor, o termo nível desportivo pode ser substituído por uma expressão análoga, como,
por exemplo, desenvolvimento desportivo.
236 ] Agôn 1Gestão do desporto I O jogo de Zeus

o objectivo máximo de toda a política desportiva. Nesta conformidade, o nível desportivo é um índice
que nos possibilita ter uma visão global do mundo do desporto, através de uma relação, expressa pela
razão entre o número de praticantes de base e o número de praticantes de elite (Castejon Paz, 1979).

Objectivos

O nível desportivo tem quatro grandes objectivos:


1. Visão estratégica de conjunto no que re speita à relação entre a generalização da prática des-
portiva e a elite de praticantes;
2. Coordenação eficaz entre as diferentes categorias de objectivos;

3· Possibilidade de se poderem comparar diferentes políticas desportivas;


4· Integração da política de desenvolvimento do desporto na política de desenvolvimento global.

Visão de conjunto

Podemos admitir que o processo de desenvolvimento do desporto acaba por ter expressão final
naquela relação, já que se existem praticantes de elite e de massa é porque existem estruturas de
suporte que possibilitam a existência daqueles praticantes e, em consequência, wm maior ou
menor nível desportivo. Uma política desportiva não pode ser eficaz se não tiver uma visão de con-
junto de todo o sistema. É necessária uma "óptica global" para se poder compreender o sistema e
comparar programas e projectos, fundamentalmente no que diz respeito à relação massa-elite, na
exploração de uma conjugação virtuosa, promotora de sinergias.

Coordenação

Uma ideia de nível desportivo promove uma coordenação eficaz entre as diferentes categorias
iJe objectivos. Se, por um lado, entre a relação massa-elite podem existir aspectos complementares,
por outro, existem, como facilmente se pode verificar, aspectos que são geradores de confiitos. A
gestão destes confiitos só é possível, em primeiro lugar, ultrapassando esta visão bipolar do fenó-
meno desportivo, em que tudo é reduzido ou à massa ou à elite, e, em segundo, promovendo uma
boa articulação dos objectivos, utilizando os diversos elementos que configuram os vários quadros
que organizam o desporto. Tudo isto, em função das necessidades sociais económicas ou educati-
vas que se desejam suprir, tendo em atenção o "agôn" do princípio da equidade. Entra-se, assim,
num domínio da discussão do conceito sob o ponto de vista ideológico·, com a possibilidade conse-
quente de poderem ser avaliadas e aferidas políticas desportivas.

Comparar políticas

Para que o conceito de nível desportivo possa ter um verdadeiro significado, tem de ter a possi-
bilidade de ser referenciado em termos relativos, já que um nível desportivo em termos absolutos
de pouco servirá. Deste modo, é necessário apurar em termos globais o resultado do levantamento
da situação desportiva e, em fase de planeamento, determinar objectivos a médio e longo prazos, a
fim de idealizar, planear e programar políticas de acordo com eles.

Integração

Quanto à integração da política desportiva na política global de desenvolvimento, um bom nível


desportivo de um país pode significar desde um bom sistema educativo, ou de saúde, até um quadro
Dionísio e o Desenvolvimento [ 237

cultural alargado à generalid ade da popul ação através de um a boa, variada e criativa utili zação do
tempo livre. Um bom nível desportivo estabelece o "agôn" do país e a sua propensão para a competi-
ção num quadro de economia globa l.

Quadro 39 I Nível desportivo- distância

.....Cll
w

EI ~--------------------------------~ SD I

ER 1---- - - - - -----,-'
SDR

PR PI Base/Massa

Legenda: D- Distância; ER - Elite real; EI - Elite ideal; PR- Praticantes reais; PI - Praticantes ideais.

Valor relativo

Ao contrário do conceito de situ ação desportiva, que é um conceito absoluto, o de nível desportivo
é relativo. Daí o poder cumprir a função de comparação de políticas desportivas, o que em termos de
desenvolvimento é o que mais nos interessa. Em conformidade, o nível desportivo é-nos dado pela
distância entre uma situação rea l e uma ideal (ver quadro 39). A situação ideal é obtida por conven-
ção. Por exemplo, entende-se que a relação ideal entre praticantes de elite e praticantes de base é de
4/10 ooo a 15j1 o ooo, a depender ?as situações (é necessário co nsiderar se estamos a tratar de
modalidades colectivas ou de modalidades individuais), o que significa dizer que para dez mil prati-
cantes de base a elite correspondente é de 4 a 15 atletas de alta competição. Ass im, o nível desportivo
duma região ou dum país será tanto maior quanto menor for a distância entre a sua situação despor-
tiva real e a idea l. Deste modo, podem, como se disse, comparar-se diferentes realidades, na medida
em que se compara em cada uma as distâncias da situação rea l à ideal.
No que diz respeito à massa de praticantes, o valor ideal é também obtido por convenção. Esta
convenção deve respeitar um modelo que relativize o número id ea l de praticantes de base de cada
país relativamente ao número de pratica ntes reais e ao seu índ ice de desenvolvimento humano.
O va lor da distância é obtido pela expressão:

D= ~(PI - PR)'+ (EI - ER)'

Em que: D- Di stâ ncia; ER- Elite real; EI - Elite ideal; PR- Praticantes reais; PI - Praticantes ideais.
238 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

Jogo de soma igual a zero

Um dos momentos cruciais que todos os anos se vivem no mundo do movimento desportivo é
o da atribuição do subsídio anual por parte da Administração Pública às federações. Bem vistas as
coisas, este processo está transformado num jogo de soma igual a zero, quer dizer, num jogo em
que os benefícios obtidos por qualquer federação desportiva só podem ser conseguidos à custa do
prejuízo das outras. Em conformidade, a pergunta que urge fazer é a de saber se vale a pena conti-
nuar a insistir neste jogo de ilusões? Estamos em crer que não porque já desde os anos sessenta
que se ensaiam modelos, como o do inspector da Direcção-Geral de Educação Física e Desportos,
Salazar Carreira, sem que alguma vez se tenha chegado a uma solução minimamente satisfatória.
Valerá a pena continuar a apostar nas mesmas soluções, à espera de obter outros resultados?

Relação massa X elite

Por isso, em matéria de desenvolvimento do desporto, um dos problemas mais interessantes


que se coloca aos decisores é o da relação massa-elite. Esta relação, que determina as políticas a
seguir, provavelmente, é a maior dor de cabeça dos políticos e a indigestão mais complicada dos
técnicos que atingem as estruturas do poder. Isto porque, entre umas medalhas em competições
internacionais e uma taxa de participação desportiva minimamente aceitável para um, país que se
quer desenvolvido, existem opções fundamentais a fazer, das quais os políticos mais ou menos téc-
nicos e os técnicos mais ou menos políticos fogem como o Diabo da cruz. Por isso, não há nada
mais pungente do que ver um governante seduzido pela boa Éris a abraçar o discurso dos direitos
à prática desportiva consignados na Constituição e, na realidade, dominado pela má Éris, desenvol-
ver uma prática política dirigida para o rendimento, o espectáculo e o profissionalismo precoce.
Portanto, antes de se atribuir mais ou menos dinheiro a esta ou àquela federação ou a este ou
àquele projecto, o que interessa saber é como é que a política desportiva, no que diz respeito aos
praticantes, vai resolver a questão da relação entre a massa e a elite. Resolvida esta questão, tudo o
mais vem por acréscimo.

Lei dos rendimentos decrescentes

Contudo, a questão em causa obriga a fazer as opções que ninguém quer fazer, na medida em
que, em última análise, se trata de decidir a distribuição de recursos escassos. Contudo, existem
alguns mecanismos que podem ajudar ao processo de tomada de decisão. A lei dos rendimentos
decrescentes é um deles. Esta lei tecnológica, que pode ser aplicada às mais variadas actividades, no
que diz respeito ao desporto, permite ajudar a determinar aquilo que se designa por elite correspon-
dente e, deste modo, estabelecer uma relação lógica entre a massa e a elite, fazendo com que as
decisões nesta matéria deixem de estar eivadas de meros circunstancialismos e interesses mais ou
menos pessoais, para ganharem a objectividade da racionalidade económica. A lei em causa diz-nos
que ao aplicarem-se acréscimos iguais de um factor variável a uma quantidade constante de um fac-
tor fixo se obtém uma produção adicional cada vez menor. Transpondo para o desporto, diremos
que, considerando uma massa de praticantes constante, ao investir-se nos praticantes de elite, a par-
' tir de um dado momento, obtém-se uma produção adicional de atletas de elite cada vez menor.
Quer dizer que a elite real poderá aumentar com redução de custos até um ponto de in~exão (rendi-
mentos crescentes), a partir do qual começará a ter custos cada vez mais elevados (rendimentos
decrescentes), pelo que deixa de ter qualquer interesse continuar a investir recursos no seu aumento
qualitativo e ou quantitativo, porque mais não se está a fazer do que a alimentar a burocracia. Nestas
circunstâncias, deve-se apontar as políticas desportivas para a promoção da massa.
Dionísio e o Desenvolvimento [ 239

Ponto de inflexão

O momento a partir do qual não interessa investir mais na elite é simbolizado por aquilo a que
se designa por elite correspondente, que é a elite que deve corresponder ao número de praticantes
de massa existentes. A partir deste conceito é possível determinar a política desportiva que, na
perspectiva da procura de um justo equilíbrio, deverá ensaiar fazer coincidir a elite real de um país
com a sua elite correspondente. É evidente que quando a elite real é menor do que a elite corres-
pondente as políticas têm de ser dirigidas para a promoção da elite. Mas quando a elite real é
maior do que a elite correspondente é porque as políticas desportivas têm de ser dirigidas para a
promoção da base, de modo a restabelecer o equilíbrio do sistema. Contudo, como estamos no
domínio do social, continua a existir uma margem de manobra no que diz respeito às opções em
matéria de política desportiva.

Para que o nível desportivo possa ter um valor relativo, quer dizer, de modo a poder comparar
diferentes realidades desportivas, há que relativizá-lo (ver quadro 40). Para o efeito, estabelecem-se
dois rácios, considerando os valores ideais e reais (valor real sobre o valor ideal), que serão sempre
menores ou iguais à unidade uma vez que os valores reais serão sempre mais reduzidos do que os
ideais. Considera-se, ainda, que a situação ideal no sistema de eixos cartesianos é igual à unidade.

Quadro 40 f Nível desportivo- distância (valores relativos)

1----------------------------------~SDI

ER t - - - - - - - T · · ------------------
EI SDR

PR Base/Massa
PI

Legenda: ER- Elite real; EI- Elite ideal; PR- Praticantes reais; PI- Praticantes ideais; D- Distância: SDR- Situação desportiva
real; SDI- Situação desportiva ideal.

A distância entre a situação real e ideal decorre da expressão:

Em que: D- Distância; ER- Elite real; EI - Elite ideal; PR- Praticantes reais; PI -Praticantes ideais.
240 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

A fórmula que expressa o nível desportivo a duas dimensões é a que a seguir se apresenta 73:

Em que: N D- Nível desportivo; D- Distância.


Aplicando a fórmula, temos:
1. Se o número de praticantes reais (PR) for igual a zero e o número de elite real for também
igual a zero significa que não existe desporto. A distância (D) é igual à raiz de dois e o nível
desportivo (N D) igual a zero.
2. Se o número de praticantes reais (PR) for igual ao número de praticantes ideais (PI) a distância
é igual a zero e o nível desportivo (N D) igual a cem.

Num sistema a três dimensões a expressão é análoga (ver quadro 41). Nesta situação, pode-
mos considerar três elementos desportivos na determinação do nível desportivo. Para além dos
considerados anteriormente, podemos considerar, por exemplo, os técnicos direccionados para a
elite ou os direccionados para a generalização da prática desportiva, as instalações, os dirigentes
etc. Na nossa fórmula vamos considerar o elemento 1 (E1), o elemento 2 (E2) e o elemepto 3 (E3) .

Quadro 41 1Distância a três dimensões

z
~------------------------------~ 501

Legenda: E- Elemento; R- Real; I - Ideal; D- Distância; SDR- Situação desportiva real; SDI -Situação desportiva ideal.

73
Utilizamos a palavra dimensões, podíamos utilizar variáveis.
Dionísio e o Desenvolvimento ( 241

Da distância a três dimensões decorre da expressão que se repre senta:

D= J(1 _~)
Ell,
+ (1 _~)\ (1 _Q&
2

El1 El1 2 3
r
Em que: EIR- Elemento real; Ell- Elemento ideal; D- Distân cia.
A fórmula qu e expressa o nível desportivo a três dimensões é a que a seguir se apresenta:

Em que N D- Nível desportivo; D: Distância.


Aplicando a fórmula temos:
1. Se o valor dos três elementos for igual a zero, significa que não existe desporto. A distância
(D) é igual a raiz de três e o nível desportivo (N D) igual a zero.
2. Se o valor dos elementos reais for igual aos ideais significa que existe uma situação óptima
em que a distância é igual a zero e o nível desportivo (N D) igual a cem.

Finalmente, vamos generalizar para uma situação â n dimensões que pode ser utilizada em fun-
ção de cada realidade que se deseja apurar, os dados disponíveis e os prazos a cumprir. A distância
a n dimensões é dada pela expressão:

D =J(_Q&)2
1
Ell
1
~)2
+ ... + Ell 11

Em que: EIR- Elemento real; Ell- Elemento ideal; D- Distância.


Nesta perspectiva, podemos utilizar os elementos entendidos como necessários para caracteri-
zar uma dada situação: Por exemplo, praticantes, técnicos, dirigentes, instalações, recursos, docu-
mentação, etc.
A fórmula que decorre de um modelo a n dimensões é a seguinte:

Em que: N D- Nível desportivo; D- Distância.


Aplicando a fórmula, temos:
1. Se o número de elementos reais (ER) for igual a zero a distância é igual a raiz de n e o nível
desportivo é igual a zero;
2. Se o valor dos elementos reais (ER) considerados for igual ao valor dos elementos ideais (E I)
considerados a distância é igual a zero e o nível desportivo (ND) igual a cem.

Situação portuguesa

Se analisarmos o que aconteceu em Portugal a partir da década de noventa, podemos verificar


que as políticas desportivas se dirigiram fundamentalmente para a elite, se m cuidarem de acautelar
o necessário efeito de volume conseguido através do aumento da massa. Quer dizer, a elite real
ultrapassou significativamente a elite correspondente. Em consequência, hoje, como não temos

AGONGD-16
242 ] . Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

massa suficiente, corremos o risco de, independentemente de se obterem alguns resultados de


valor internacional, virmos a não ter elite dentro de determinado horizonte temporal, uma vez que
· se perde a capacidade de rejuvenescimento da mesma a partir da base.
Em termos de desenvolvimento há que iniciar um novo processo de re~exão, já que as condições
que estabeleceram as lógicas do passado deixaram de, em múltiplas situações, ter significado nos
dias que correm. O mercado invadiu o mundo do desporto. O Estado tem-se vindo a retirar ao
ponto de em muitos casos ter deixado de cumprir as suas responsabilidades. Os lóbis que dominam
os media e reivindicam cada vez mais privilégios sem terem o mais pequeno sentido de utilidade
social do desporto estão, em muitas circunstâncias, a dominar as políticas desportivas. A "futeboli-
zação" das modalidades desportivas ameaça generalizar a confusão no mundo do desporto.
Quando ouvimos um presidente duma federação desportiva pedir uma rubrica especial para a sua
modalidade no Orçamento de Estado, então as pessoas de boa vontade têm de reconhecer que há
que colocar um travão em tudo isto e iniciar paulatinamente um movimento que traga novamente
para o mundo do desporto um pouco de bom senso. Estamos no domínio do desenvolvimento,
como tal, há que encontrar, ou reencontrar, o espaço do desporto na sociedade hodierna.
[Apolo e o Planeamento

Objectivos do capítulo. Apoio é o deus dos profecias. Assim, o presente capítulo, oo versar os
questões do planeamento, só pode ser dedicado oApoio, odeus copoz de prever ofuturo. Por isso,
vamos trotar dos questões do tempo, do mudança e do futuro necessário. Mos Apoio também é o
deus do ordem e dos regras, pelo que os questões do planeamento têm umo importôncio fundo-
mentol no harmonia, no beleza, no cortesia e no domínio de si, aspectos que devem caracterizar o
estilo daqueles que gerem os organizações_ Apolo, no gestão, represento umo cultura de atribuição
de papéis, que se sustento no copocidode de prospectivo necessário o qualquer gestor. Por isso,
vamos considerar no presente capítulo os vários aspectos que caracterizam o ploneomento, bem
como os suas categorias. No planeamento é o projecto que está em couso, pelo que otrabalho do
organização pode ser dividido olé ser encontrado um fluxograma mais lógico que represente o
papel de codo elemento dentro do organização.

Pode delegar-se autoridade, mas não responsabilidade.


Stephen Comiskey

~
/ideia de planeamento surgiu certamente da necessidade que os humanos têm de conhecer o
fu o, na presunção de que o podem controlar. Partiu da urgência em compreenderem as grandes
te ências que governam a vida das pessoas e das organizações, de maneira a tornarem possível
u acção em consonância com ela s. Mas os Homens têm consciência de que sendo o futuro
incognoscível é necessário haver uma ideia acerca do futuro que desejam construir, sob pena de
poderem vir a não ter futuro algum. Este é o grande paradoxo do processo de planeamento, na
medida em que sendo o planeamento formado por um conjunto concertado de acções conhecidas
tem por objectivo organizar um futuro que se desconhece.
A necessidade de se ter uma visão clara acerca do futuro obriga à existência de um processo de
planeamento mais ou menos formalizado para que o futuro que se deseja possa vir a acontecer. Em
conformidade, só uma actuação corajosa tendo em conta a necessidade de esclarecer uma estratégia
de desenvolvimento do desporto, que no quadro de cada região, organização ou empresa, considere
as suas potencialidades enquanto agente de educação, de cultura, de lazer e de economia, pode dar
ao planeamento a importância que deve ter e, deste modo, libertar o desporto do estado generali-
zado de confusão em que hoje se encontra nos mais diversos países do mundo. De facto, um dos
principais problemas que se colocam ao planeamento é a falta de uma estratégia de futuro que
oriente a vida das pessoas e das organizações públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos.
244 ] Agôn I Gestão do desporto ro jogo de Zeus
8.1 A ilusão do tempo
O nosso gasto mais dispendioso é o tempo.
Teofrasto (370·287 a. C), filósofo grego

A importância do planeamento tem a ver, antes de tudo, com a própria necessidade intrínseca à
condição humana de desejar conhecer o futuro. Muito embora saibamos que é impossível conhecê-lo,
toda a dinâmica da vida nos obriga a agir como se tivéssemos algum controlo sobre o futuro. De
facto, o Homem é o único animal que sustenta o seu presente na experiência do passado e no futuro
que deseja construir. Existe, pois, uma história do futuro que tem acompanhado a humanidade ao
longo dos tempos porque, através dos mais variados processos, o Homem, a partir da experiência do
passado, sempre foi tentado a adivinhar o futuro, na presunção de que, se for capaz de o desvendar,
passará a exercer sobre a vida alguma espécie de controlo. No entanto, hoje sabemos que enquanto
que o domínio do espaço, nas suas várias acepções, é uma conquista que tem vindo a progredir, por
vezes a uma velocidade vertiginosa, já a conquista do tempo encontra-se envolta num enorme misté-
rio, impossível de desvendar. Por isso, a conquista do tempo é uma eterna ilusão que caminha a par
da história da humanidade. Mas apesar de tudo isto o Homem continua a prever, tend'o mesmo à
partida consciência de que as previsões serão muito provavelmente falsas.

Santo Agos~inho, também perguntou:


O que é o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? (...) Quando dele falamos,
compreendemos o que dizemos. Cômpreendemos também o que nos dizem quando nos falam
. dele. Que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a
quem me fizer a pergunta, já não sei. .É impróprio afirmar que os tempos são três: passado, pre-
sente e futuro. Mas talvez fosse mais próprio dizer: Os temP, s são três: O presente das coisas pas-
sadas (... ), o presente das presentes (... ) e o presente das fi uras (... ). Existem, pois, três tempos na
minha mente que não vejo em outra parte: Lembranç, presente das coisas passadas, visão pre-
sente das coisas presentes e esperança presente das coi s futuras.

Quando tomamos consciência da volatilidade do conceito de tempo, sem que o saibamos expli-
car, passou,se uma vida. Vivemos um tempo complexo, de grande precariedade, associado a uma
enorme aceleração. E de tal maneira que as pessoas deixaram de se interessar para onde estão a ser
conduzidas, na medida em que a única coisa que as preocupa é saber a que velocidade lá vão che-
gar. Não lhes interessa aonde, nem porquê. Querem chegar o mais depressa possível, muito embora
acabem, na grande maioria das vezes, por não chegar a lado nenhum. Em conformidade, se não per-
cebem o que estão a viver, e, muito menos, o que se está a passar, perderam a noção do tempo.

Importância versus urgência

O desporto tem sido vítima deste tempo precário que corre a velocidade alucinante, e da inca-
pacidade dos seus actores perceberem a dinâmica presente do passado, do presente do presente e
do presente do futuro e, em conformidade, a dialéctica entre importância e urgência. Quer dizer, se
por um lado não chega esperar que as coisas aconteçam, por outro não vale a pena andar depressa
Apoio e o Planeamento [ 245

demais. Como já tivemos a oportunidade de referir, há que destrinçar aquilo que sendo importante
não é urgente, daquilo que sendo urgente não é importante. Vejamos porquê.
Ainda o sistema desportivo não tinha digerido os resultados de Barcelona, já estava a imprimir
uma velocidade louca para chegar a tempo a Atlanta, a Sydney e a Atenas. Entretanto, já há quem
esteja obcecado por Pequim, por Londres, em 2012, e até pelos jogos de 2016 ou 2020, sem que os
problemas básicos do desporto nacional, da formação à alta competição, no âmbito do designado
Modelo Europeu de Desporto, ou outro, tenham alguma vez sido discutidos de uma forma compe-
tente, alargada e organizada. O que é facto é que enquanto o país apresenta as mais baixas taxas de
participação desportiva da Europa, os dirigentes desportivos parece só pensarem na realização dos
jogos Olímpicos em Lisboa.

A urgência tem-se sobreposto à importância

Os dirigentes da cúpula do sistema não têm sido capazes de criar o tempo e o espaço necessá-
rios no que diz respeito à organização do futuro, isto é, não têm sido competentes para separarem
aquilo que é importante daquilo que é, simplesmente, urgente. A velocidade imprimida pela civiliza-
ção pós-industrial dificulta-lhes a tarefa de compreenderem o espaço organizacional em que vivem,
pelo que estão a ser consumidos pela velocidade do::;. segundos que lhes trituram a vida e, em con-
sequência, são incapazes de organizar as horas, os dias e a vida das próprias modalidades que
dizem servi r. Por isso, o desporto federado, que tradicionalmente tem sido o motor do desenvolvi-
mento do desporto no país, estagnou nos últimos 15 anos, no que diz respeito ao número de prati-
cantes desportivos e aos recursos humanos de suporte.
É "no tempo que se produz algo de novo que não mais tem fim. E por que não dizer o mesmo
acerca do Mundo? E por que não igualmente acerca do Homem criado no Mundo? É que, procedendo
com uma doutrina sã e por um caminho recto, evitamos aqueles falsos circuitos e retornos, inventados
por enganosos pensadores", diz-nos Santo Agostinho. Se atentarmos bem, o desporto em Portugal,
sobretudo o federado, tem vivido em falsos circuitos e retornos, que o estão, mais do que nunca, a con-
duzir para lado nenhum, sem que surjam novas alternativas. Um resultado ou outro brilhante, de um
ou outro atleta ou equipa, só confirmam que "uma andorinha não faz a Primavera ".

Salários em atraso
Oitenta por cento dos clubes profissionais apresentam salários em atraso. E este dado é ainda
mais preocupante no futebol não profissional, onde 90 por cento estão em situação de débito salarial,
realidade que tende a agravar-se à medida que o Sindicato de jogadores vai recebendo novas queixas.
Mesmo sendo o escalão mais profissional de todos, também a Super Liga não escapa ao pano-
rama dos salários em atraso, apesar do cenário não ser tão desolador.
ln Norte Desportivo, 11j6j2oos

A velocidade comanda a vida dos dirigentes

Parece que os dirigentes se esqueceram que tal como existe um "elo secreto entre a lentidão e a
memória", existe outro entre "a velocid ade e o esquecimento". Como Kundera, diremos que se o
grau de lentidão é directamente proporcional à intensidade da memória, da mesma maneira o grau
246 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

de velocidade é directamente proporcional à intensidade do esquecimento. O que fica por saber é


se os nossos dirigentes políticos, e outros, se esquecem dos verdadeiros valores do desporto
enquanto instrumento de desenvolvimento humano, porque vão depressa demais, ou se vão
depressa demais precisamente porque se querem esquecer dos valores do desporto enquanto ins-
trumento de desenvolvimento humano. Provavelmente, estão a viver, em simultâneo, as duas
situações. Entraram eles próprios, e com eles o país e o sistema desportivo, num círculo vicioso.

Poder fátuo
Nesta sociedade em que os centros de poder já não estão onde outrora estavam, aqueles que
ainda se agarram a qualquer réstia de poder fátuo seria bom que se apercebessem que a vida lhes
foge por entre os dedos das mãos, pelo que deviam atentar nas palavras de Santo Agostinho,
quando nos diz que:
"O tempo que se vive é vida que se corta, e cada dia que passa é menos vida que nos fica".
Portanto, não tendo tempo a perder, têm, por isso mesmo, de saber dar tempo ao tempo e
geri-lo com a parcimónia necessária, de maneira a que o tempo que lhes foi dado gerir não seja
tido como tempo simplesmente perdido para eles e para os outros. ,

As organizações desportivas públicas e privadas estão a ser consumidas pelo imediatismo e o


curto prazo e esquecem o tempo longo. Contudo, o curto prazo é isso mesmo. Não fica. Escapa à
memória. Não aspira a ser lembrado. E, quando não se deseja ser-se lembrado, é porque o pre-
sente do futuro já pouco importa. Vale a pena relembrar, mais uma vez, as palavras de Santo Agos-
tinho: "O mundo não foi criado no tempo, mas com o tempo, pois o que se faz no tempo faz-se
depois de certo tempo".
Para quê tanta pressa? É necessário organizar o tempo com um grau de lentidão que potencie a
memória colectiva, para que o tempo não seja um simples desenrolar de acontecimentos aleatórios
e aparentemente urgentes, controlados por planos de contingência e de adaptação de pouca impor-
tância, numa esquizofrenia de urgência destruidora, para passar a ser uma estrutura rica de aconte-
cimentos importantes, certos e organizados, através de planeamentos de compromisso, geradores
de desenvolvimento sustentável, quer dizer, que não comprometa a vida desportiva das gerações
futuras e ponha o país a funcionar com "esperança presente nas coisas futuras". A não ser assim a
paciência do povo esgota-se e acontece a rebelião das massas.

8.2 Mudança
Na vida as pessoas mais perigosas são aquelas que querem
mudar tudo ou nada.
Nancy Astor

À partida é necessário considerar o facto da mudança não ser necessariamente para melhor.
Contudo, num tempo de mudança, as organizações e os sistemas têm de estar preparadas para
---
Apoio e o Planeamento [ 24 7

mudar, sob pena de deixarem de ser capazes de garantir a organização do futuro. Contudo, a
mudança, segundo Edgar Schein (1985), depende de:
1. Flexibilidade da organização;
2. Grau em que cada elemento está disposto a mudar;
3· Intensidade das forças internas que forçam a mudança;
4· Crises induzidas externamente.

A nexibilidade das organizações depende das respectivas tecnologias e dos respectivos ambien-
tes, tanto interno como externo, mas depende também da disponibilidade mental das pessoas que
as constituem para aceitarem o novo.

Cultura de passado

As organizações que vivem uma cultura de passado, centrada numa prática ajustada a um mundo
que já passou, estão condenadas a morrer por não conseguirem acompanhar as novas realidades da
dinâmica social. Quer dizer, não são capazes de mudar de sigmóide de maneira a encontrarem as
novas soluções de sobrevivência. Por isso, se quiserem sobreviver, em vez de continuarem agarradas
a uma visão de passado, devem promover uma vis,ão de futuro. Para o efeito, têm de desenvolver
uma cultura de conhecimento e inovação capaz de as ajustar em tempo real às transformações que
vão ocorrendo no seu ambiente.
É evidente que sendo as organizações compostas por pessoas, a capacidade para mudarem
depende da disponibilidade mental das próprias pessoas. Esta capacidade tem a ver com o conhe-
cimento e a cultura dos seus líderes. Se as lideranças estagnaram e passaram a confundir-se elas
próprias com a organização, qualquer processo de mudança está condenado à partida, porque
implica mudar as próprias pessoas que se tornaram um entrave à necessária mudança. Se olhar-
mos para as lideranças de muitas federações desportivas podemos concluir que o desenvolvimento
da respectiva modalidade está comprometido ou não acontece de acordo com os recursos disponi-
bilizados pelo Estado ou outras entidades devido àqueles que a lideram. É evidente que quando as
pessoas ocupam a liderança das organizações há dez, quinze, vinte e mais anos, geralmente estão
pouco disponíveis para mudar. Elas podem falar em mudar mas mudam o menos possível, na
medida em que correm o risco de ser atingidas pelo processo que desencadearam.
Do ponto de vista interno, a mudança só acontece ou através de lideranças fortes ou quando o
número daqueles que julgam poder vir a beneficiar com a mudança for maior do que o daqueles
que pensam poder vir a ser prejudicados. Na realidade, como já dissemos, de uma maneira geral,
as pessoas desconfiam dos efeitos da mudança, pelo que não gostam de mudar.
Muitas vezes, diremos mesmo que quase sempre, as mudanças acontecem porque são induzi-
das externamente. Do ponto de vista interno ninguém está disponível para mudar, pelo que é a rea-
lidade externa que por si própria ou através de terceiros impõe a mudança.
A mudança se se deseja planeada obriga ao estabelecimento de consensos tanto a nível interno
como externo:

Nível interno

A nível da dinâmica interna é necessário considerar sete aspectos:


1. Ideologia;
2. Linguagem comum;
248 ] Agôn 1Gestão do desporto I O jogo de Zeus

3· Fronteiras grupais;
4· Critérios de inclusão e de exclusão;
5· Poderes e estatutos;
6. Intimidade e amizade;
1· Recompensas e punições.

Nível externo

A nível da dinâmica externa é necessário considerar seis aspectos:


1. Vocação;
2. Missão;
3· Objectivos;
4· Meios;
5· Medição das performances;
6. Correcções à estratégia.

O que se espera do gestor de desporto é a capacidade para a cada momento determinar, do ponto
de vista interno e do ponto de vista externo, as variáveis significantes que podem promover a mudança.

8.3 O futuro necessário


O planeamento a longo prazo não lida com decisões
futuras. Lida com o futuro das decisões presentes.
Peter Drucker (1909·2005)

A necessidade de promover a organização do futuro de uma forma controlada é um problema


inerente à própria condição humana, pelo que sempre preocupou o Homem ao longo da sua histó-
ria e da sua vida. Como nos diz jeorge Minois (2000), desde que o Homem existe ele prevê, desde
logo começando por adivinhar. Este acto de previsão era, antes de tudo, uma mágica, um feitiço,
um comportamento que lhe "assegurava" aquilo que pretendia obter. ' Desde o início da humani-
dade, o Homem lançou-se na aventura de, através da previsão, controlar um espaço cada vez mais
amplo e um tempo cada vez mais longo. Para ele, tentar adivinhar já era preparar o futuro incerto.

Premonições

Em conformidade, as mais diversas formas de adivinhação têm sido utilizadas por todos os
povos ao longo dos tempos. Os povos antigos acreditavam que o futuro era determinado pelos deu-
ses e revelado aos Homens através de sinais e premonições. Por isso, a adivinhação tem uma longa
história, tanto nos povos do Oriente como do Ocidente. A astrologia foi praticada no Egipto, Grécia,
Índia, China e no mundo Islâmico. Eram as interpretações dos sonhos ou a interpretação espontâ-
nea de recordações que podiam significar advertências em relação a acontecimentos futuros. Os
povos antigos consideravam-nos como avisos prévios e, ainda hoje, há quem os considere pressenti-
mentos quanto àquilo que poderá vir a acontecer. Por isso, os nossos antepassados premuniam-se,
--------
Apoio e o Planeamento [ 249

precaviam-se, acautelavam-se em relação aos seus pressentimentos acerca do devir que, tal como
hoje, tentavam adivinhar de maneira a implementarem os procedimentos necessários ao seu êxito.

Beijing 2oo8: a abertura dos jogos Olímpicos


O 8 é o número da sorte para os chineses, pois significa "enriquecimento". Como para o presi-
dente da Câmara Municipal de Beijing "uma boa cerimónia de abertura significa mais de .metade
do êxito de uns jogos Olímpicos", a cerimónia de abertura dos jogos Olímpicos de Beijing 2008
realizar-se-á às 8 da tarde, do dia 8, do mês 8, do ano 8 do corrente milénio. É evidente que com
todas estas coincidências dificilmente alguma coisa poderá falhar, até" porque os chineses esperam
qualquer coisa como 8 milhões de visitantes.

Tecnologias

De uma maneira geral, as interpretações do futuro baseavam-se nas mais diversas tecnologias
que passavam, entre outras, pela observação de objectos sobre os quais não havia intervenção
humana, tal como, por exemplo, as estrelas (astrologia), as linhas da palma da mão (quiromancia),
as proporções e as protuberâncias do crânio (frenologia), as folhas das plantas (botamancia), as
cartas (cartomancia), as bolas de cristal (cristalomancia), a interpretação dos sonhos (oniroman-
cia), a consulta do azeite (lecanomancia), os vaticínios a partir das malformações (teratomancia), a
abertura de diversos livros à sorte, principalmente a Bíblia (bibliomancia), a interpretação das posi-
ções de pedras atiradas para o chão, a introdução de um pau na água, ou, entre outros, o astrágalo,
primeiro osso utilizado pelos humanos há milhares de anos nos jogos de ossos para daí tirarem
conclusões em relação à previsão do futuro. Repare-se que todas estas tecnologias, que misturam
aspectos sobrenaturais e experiências da vida, em que os primeiros, ao legitimarem os segundos,
acabam por revelar em cada momento um avanço científico da humanidade, na medida em que
quem faz uma previsão parte do princípio de que as mesmas circunstâncias produzem sempre os
mesmos resultados.

Profecias

Diz a lenda grega que foi Apoio. quem ensinou aos humanos a arte da profecia. As profecias
diziam respeito tanto à vida comum como à vida política, que tinha até a ver com a própria coloni-
zação grega. Apoio estava associado aos mais famosos videntes que, para o melhor e para o pior,
inspiraram a vida dos gregos antigos, ao fazerem as suas premonições através da observação da
luz dos raios, do barulho dos trovões ou do voo das aves. No entanto, para os gregos antigos, nem
sempre os deuses se manifestavam através de sinais. Nestas circunstâncias, o profeta entrava num
estado de êxtase de forma a passar a mensagem do deus para o suplicante. Esta última forma de
74
profecia era a mais comum no modus operandi dos videntes, das musas e pitonisas que habita-
vam os oráculos gregos. Entre os videntes mais conhecidos encontram-se Cassandra, Melambus,
Anfiáurus, Calchas, Tiresis e Manto.

74
A pitonisa do Oráculo de Delfos era mulher, o que pode ser entendido como algo de extraordinário, se considerarmos a
misoginia da cultura grega.
250 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Cassandra

Quando Apoio se apaixonou por Cassandra, filha do Rei Priam, de Tróia, deu-lhe o dom de
predizer o futuro, com a condição de ela se lhe entregar. No entanto, Cassandra, depois de receber
o dom da previsão, não cumpriu a parte dela do acordo, enganando Apolo. Este, para se vingar,
porque não lhe podia tirar aquilo que lhe tinha dado, isto é, o poder da previsão, em alternativa,
suprimiu-lhe o dom da persuasão. Sem essa virtude, quando no final da guerra de Tróia Cassandra
previu o perigo do Cavalo de Tróia e a consequente tomada da cidade, ninguém lhe deu a devida
importância, pois consideraram-na louca.
Quando hoje se fala de gestão do desporto, marketing do desporto, não chega ter uma solução
tipo "chave na mão" que se ajusta a qualquer ambiente económico, social ou político. É necessário
que exista por parte do gestor uma capacidade persuasiva que só pode ser conseguida através do
conhecimento profundo do contexto onde está a acontecer desporto.
L___ _

Os oráculos

Na mitologia grega Apoio é a divindade mais associada aos oráculos. Os gregos antigos sempre
procuraram conhecer os desejos dos deuses, a fim de determinarem o próprio compor!amento, pelo
que se dirigiam aos oráculos. Entre os mais famosos encontra-se o oráculo de Delfos. Delfos era uma
cidade sagrada da Grécia antiga, consagrada a Apoio, deus das profecias, da filosofia e da arte. Naquele
tempo, Delfos era o centro da Terra. Era o local onde os gregos, pelo pagamento de uma taxa, podiam
consultar os deuses através dos médiuns que eram as sacerdotisas e os sacerdotes. Muito embora o
oráculo de Delfos dedicado a Apoio fosse, provavelmente, o mais famoso, entre os vários oráculos gre-
gos- Trofónios, Dead, etc.-, Dodona, dedicado a Zeus, é considerado o mais antigo.

Prever

Regressando à Terra, quer dizer à nossa era, para Henry Fayol (1884-1925), gerir significava olhar
para o futuro. Por isso, planeamento e gestão eram a mesma coisa. Para que é que nos temos de
preocupar a definir planeamento se o conceito de gestão já o faz, perguntava ele. Por isso, Fayol con-
siderou que as funções da gestão ou administrativas eram as seguintes:
· Prever, de maneira a preparar o futuro;
·Organizar, no sentido de obter todos os recursos humanos, materiais e financeiros necessários;
· Comandar, tendo em atenção a necessidade de melhor tirar partido das características indivi-
duais e colectivas dos elementos e dos grupos da organização;
·Coordenar, com o fim de integrar e harmonizar todas as políticas a desenvolver na organização;
· Controlar, para verificar se tudo se passou conforme estava planeado.

Nesta perspectiva, segundo Daniel, A. Wren (1994), embora Henry Fayol não tenha definido
planeamento, definiu plano de acção, afirmando que é, ao mesmo tempo, o resultado pretendido, a
linha de acção a ser seguida, as etapas a serem cumpridas e os métodos a serem usados. Mas foi
mais longe ao abrir as portas do planeamento contingencial, quando afirmou que os melhores pla-
nos não conseguem antecipar todas as ocorrências imprevisíveis que podem acontecer mas devem
considerar estas ocorrências e preparar as medidas necessárias ao momento das surpresas. Nesta
conformidade, o planeamento é constituído pelas tarefas que traçam as linhas gerais daquilo que
deve ser realizado e dos métodos a empregar, a fim de se atingirem os objectivos desejados.
-
Apoio e o Planeamento [ 251

O Oráculo de Delfos

Delfos foi fundada perto do golfo de Coríntio, a Sul do sopé do monte Parnaso, provavelmente
antes de 1400 a. C. Lá, foi construído um templo dedicado a Apolo, o deus da profecia e patrono
da filosofia e da arte. Veio a ser um dos mais famosos da Grécia antiga, consultado por Sócrates e
outros gregos famosos. Se a princípio o oráculo só entrava em comunicação com os homens uma
vez por ano, a partir de um determinado momento começou a fazê-lo uma vez por mês. Por isso,
ao tempo, a cidade de Delfos foi considerada o centro do Mundo, pela grande influência exercida
pelo seu oráculo.
O oráculo comunicava em estado de delírio, depois de se inspirar nos fumos sagrados. As profe-
cias eram formuladas em verso, de forma ambígua, de tal maneira que dificilmente se poderia pro-
var estarem erradas. O oráculo, segundo alguns investigadores, comunicava directamente com os
peticionários, segundo outros investigadores, fazia-o através da Pítia e de sacerdotes.
Plutarco (64 a. C-25 d. C.) descreveu as relações entre o deus, a mulher e o gás, comparando
Apolo a um músico, a mulher ao seu instrumento e o pneuma75 ao plectro76 com o qual ele a
tocava para fazê-la falar.
Recentemente, um grupo de investigadores provou que as fendas geológicas que passam por
baixo do oráculo dão origem a nascentes, onde foi possível detectar etileno. O etileno, segundo os
toxicólogos, produz uma sensação de euforia, quer dizer, um estado mental alterado e uma
impressão agradável, o que na gíria moderna significa "estar com uma grande pedrada".
Desta maneira ficou explicada a situação de transe em que as pitonisas entravam quando
transmitiam as premonições.
ln Scientiflc Amcrican, Setembro de 2003, "As Fontes do Poder no Oráculo de Delfos". Edição brasileira

POSDCORB

Os trabalhos de Fayol, antes de serem traduzidos para inglês, foram divulgados por Luther
Gulick (1865-1918) e Lyndall Wrwick (1891-1983f 7 A obra mais conhecida destes autores foi Papers
on Science of Administration. Segundo ldalberto Chiavenato (1983), Gulick, um dos autores mais
eruditos da teoria clássica, propõe sete funções da administração. As respectivas palavras formam
o acrónimo POSDCORB que o autor utilizava para melhor fazer passar as suas ideias:
1. Planeamento (planning); 5· Coordenação (coordinating);
2. Organização (organizing); 6. Informação (reporting);
3· Assessoria (staffing); 7· Orçamento (budgeting).
4· Direcção (directing);

Para Luther Gulick o planeamento é constituído pela tarefa de traçar as linhas gerais daquilo que
deve ser realizado, bem como os métodos empregues, a fim de atingir os objectivos da organização.

75
Pneuma: Nome com que os filósofos estóicos designavam um princípio espiritual constitutivo do Universo (do gr.
pneuma, "sopro").
76
Plectro: Ponteiro de marfim com que se feriam as cordas da lira (do gr. pljAktron, "coisa com que se bate").
77
O que Frederick Taylor investigou ao nível do trabalho manual, Lyndall Wrwick investigou a nível das organrzações. Foi o
primeiro a estudar a estrutura e os pr·ocessos de trabalho nas organizações, determinar objectivos, funções, organigramas
e descrição de tarefas Uob description). Também foi ele o primeiro a estabelecer a diferenciação entre gestão de linha e
gestão funcional.
252 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

A verdadeira eficácia deve ser incorporada na estrutura de uma organização, assim como é incorpo-
rada na estrutura de uma máquina (in Papers on Science of Administration). Repare-se que a ideia de
que a estrutura segue a estratégia antecipa um bom número de anos a afirmação de Alfred Chandler.

8.4 Utilidade do planeamento

Estava eu na cama todo quentinho, e, de repente, passei


a fazer parte do plano.
Woody Allen, realizador de cinema

Podemos de uma forma expedita definir planeamento como o processo através do qual se pre-
tende organizar o futuro, estabe lecendo objectivos e implementando as estratégias necessárias
para os alca nçar, tendo em conta tanto o amb iente interno como externo da organ ização .

Vale a pena planear?

Para que este tipo de interrogação não aconteça, o planeamento deve partir sempre da necess i-
dade de haver uma ideia acerca do futuro que se deseja construir. Isto porque o futuro não é inevi-
tável, já que pode ser infiuenciado se soubermos o que queremos fazer com ele (Charles Handy,
1993). É esta a ideia que vamos defender quando discorrermos acerca daqu il o a que designámos
por "dinâmica organizacional de futuro", porque entendemos que va le a pena planear, na convic-
ção de que o futuro será diferente e mais favorável do aque le que aconteceria caso o planeamento
não tivesse sido realizado. Em conformidade, apo ntamos 12 razões que justificam a necessidade de
se realizar planeamento:
1. Detecção antecipada dos problemas;
2. Existência de um diagnóstico da situação;
3· Visão de co njunto;
4· Intervenção na causa dos prob lemas;
5· Controlo sobre o futuro;
6. Evitar actuações iso ladas e desarticuladas;
7· Determinação de prioridades;
8. Obrig~toriedade de estabelecer objectivos;
g. Integração das políticas sectoria is nas políticas gerais;
10. Mobili zação das pessoas pela participação;
n. Coordenação da gestão corrente;
12. Rentabilização de equ ipamentos caros.

Gestão por impulsos

É evidente que este conjunto de argumentos justifica a necessidade das organ izações, através
daqueles que as gerem, deixarem de viver num amb iente dominado por uma gestão por impulsos, a
correrem atrás lilos acontecimentos, a apagarem fogos, para passarem a ter uma atitude organizada
quanto à preparação do próprio futuro. Se o não fizerem os resu ltados não vão ter contemplações.
---
Apolo e o Planeamento ( 253

Contudo, tendo em atenção a dinâmica interna da organização, bem como o seu ambiente externo,
a gestão, no seu sentido de acção estratégica, tem de admitir, como decorre da nossa exposição, não
só acções deliberadas perfeitamente esclarecidas nos seus vários aspectos como acções emergentes
que surgem em função dos acontecimentos imprevisíveis, ou que, pelas mais diversas razões, não
foram previstos e para os quais é necessário encontrar resposta.
Contudo, as organizações não podem estar sujeitas constantemente aos poderes discricioná-
rios de alguns dirigentes, sob pena de não haver desenvolvimento que resista a um processo de
planeamento sustentado e dominado numa dinâmica de impulsos, quer dizer, em que tudo pode
ser alterado em qualquer momento. Portanto, há que saber qual o sistema de planeamento, isto é,
a sua orgânica e o seu processo, de maneira a que a vida das organizações não se transforme num
autêntico caos, a funcionar em regime de roda livre, sem compromissos que lhe transmitam estabi-
lidade no que diz respeito à organização do futuro.

Riscos

Planear é correr riscos, muito embora esses riscos sejam menores do que aqueles que necessa-
riamente surgem caso não exista planeamento. Portanto, o planeamento é um processo através do
qual os gestores olham para o futuro, determinam objectivos e metas e assumem os riscos neces-
sários à escolha das diferentes alternativas de acção, ~m função dos recursos que têm disponíveis.

Envolvimento

Por isso, não chega motivar as pessoas para a importância de um dado projecto. É necessário
envolvê-las e dar-lhes a responsabilidade e a autoridade necessárias, sob pena de elas se virarem
contra o projecto em causa. Nesta conformidade, qualquer gestor não pode correr o risco de ter
contra o projecto as próprias pessoas que vão participar ou ser atingidas por ele. Assim, tem de
promover as condições para que as pessoas possam participar, através do seu envolvimento no
projecto em causa. Tem de existir um equilíbrio bem conseguido entre a necessidade do planea-
mento ser ~exível, ao ponto de se ajustar às rápidas mudanças que acontecem no ambiente, sem
contudo levar as pessoas q!Je estão envolvidas em todo o processo a ficarem com a ideia de que
afinal o planeamento não serviu para nada.

A questão é esta: Haverá desenvolvimento sem projecto?


Estamos em crer que não, pelo que se não há desenvolvimento sem projecto também não há
projecto sem ideologia. Não do tipo narrativo totalizante tal como o marxismo, o fàscismo e outros
"ismos", alguns até relacionados com as religiões. Segundo o filósofo polaco Leszek Kolawski, as
pessoas podem viver sem este tipo de ideologias, meta-narrativas dogmáticas e totalitárias, que
pretendem, à priori, resolver os problemas do mundo. O que as pessoas não podem viver é sem
crenças que lhes orientem a vida, de forma a poderem saber o que é bom e o que é mau, ou o que
é justo e injusto. As pessoas têm necessidade de valores políticos (ideologias) que possam ser parti-
lhados e defendidos de maneira a consumarem o próprio desenvolvimento humano.
254] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

8.5 Categorias de planeamento


A não ser que haja um compromisso, só há promessas
e esperanças ... mas nada de planos.
Peter Drucker (1909·2005)

Planeamento informal

Antes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o planeamento era fundamentalmente informal.

Planeamento financeiro

A seguir à guerra, com a melhoria das economias mundiais, o acréscimo das linhas de produtos,
vendas, investimentos e os avanços tecnológicos levaram à introdução do planeamento financeiro.

Outras áreas sociais

Na década de cinquenta, começou a surgir o planeamento noutras áreas sociais. Institucionali-


zou-se o plano formal a longo prazo, integrador dos planos funcionais. Posteriormente,, iniciou-se a
integração entre os planos a longo e a curto prazos.

Planeamento por objectivos

Ainda nos anos cinquenta, criado por Peter Drucker (1909-2005), surgiu o planeamento por objec-
tivos, "management by objectives- MBO", uma das técnicas de gestão mais popularizadas. A gestão
por objectivos, que não passa de uma gestão totalmente integrada no processo de planeamento, pro-
cura envolver os gestores do centro operacional, intermédios e de topo na definição conjunta do
objectivo do trabalho, no que diz respeito ao processo de avaliação. As críticas a este método dizem
que os objectivos, geralmente, não surgem dum processo descentralizado e participado. Os gestores
têm tendência para definirem objectivos desajustados por excesso ou defeito. E, finalmente, os críticos
dizem que o planeamento por objectivos não promove o trabalho em equipa.

Planeamento estratégico

Arrancou nos anos setenta e oitenta. Na realidade, segundo Henry Mintzberg (1994), a maioria
desses planos acabou por falhar. As razões têm a ver com o excesso de análise que cria paralisia e
uma enorme distância entre o pensamento e a acção. Se a estratégia se baseia na criatividade,
intuição e capacidade de síntese, o planeamento parte de um exercício analítico, pelo que a atitude
estratégica está precisamente na capacidade de articular o pensamento e a acção.

Cenários

Os anos oitenta vieram trazer para a ribalta a velocidade de mudança como variável significante
• do processo de planeamento. Prever as ocorrências a longo prazo, num ambiente em que a veloci-
dade de mudança é rápida e o grau de complexidade é alto, tornou-se a maior dor de cabeça dos
gestores. Os cenários são hipóteses alternativas acerca do futuro que permitem às organizações
preparar uma estratégia a longo prazo que responda a cada um dos hipotéticos cenários. Segundo
Pierre Wack (1991), responsável pelo desenvolvimento de cenários da Shell, vivemos um tempo em
que é necessário saber aceitar a incerteza, tentar compreendê-la e integrá-la no nosso raciocínio.
- Apoio e o Planeamento [ 255

Posição competitiva

Segundo Ralph Stacey (1993), nos últimos anos tem havido um claro afastamento dos planos
quantitativos, pormenorizados, preparados por peritos na tecnoestrutura, a favor de uma visão
mais livre do planeamento como função ~exível e qualitativa dos gestores de linha. Em vez de
objectivos fixos e quantitativos de longo prazo, os gestores são incentivados a apresentarem relató-
rios de missão com os seguintes elementos:
1. Dinâmica do ambiente;
2. Estrutura do sistema;
3· Cadeias de valores;
4· Fontes de vantagens competitivas;
5· Capacidade competitiva.

Dinâmica

O planeamento, nesta dimensão estratégica, acaba por se transformar num processo com uma
dinâmica analíticajsintéticajanalítica, com o objectivo de estabelecer posições competitivas susten-
táveis. O que se deseja atingir em termos qualitativos acaba por ser mais importante do que sofisti-
cados métodos quantitativos e procedimentos formais.

Vocação, missão e visão

A partir dos anos noventa, a vocação, a missão e a visão, numa dinâmica da "gestão da cultura",
surgiram como variáveis orientadoras da acção estratégica das organizações. São os valores da cultura
a entrarem no mundo das organizações e, em consequência, a determinarem a lógica do planeamento.

Hoje

Nos tempos que correm o planeamento é uma função essencial da gestão, porventura a mais
importante já que, como se disse, não se pode dizer que existe verdadeiramente gestão se não exis-
tir planeamento. Quer dizer que um gestor não pode cumprir verdadeiramente a sua função se não
controlar o sistema de planeamento. Contudo, hoje, devido à aleatoriedade e turbulência dos
ambientes económico, social e político, o planeamento é uma actividade de alto risco que requer
cuidados especiais e competência acrescida.

8.6 O planeamento em processo

Os planos não são nada. O planeamento é tudo.


Dwight D. Ersenhower (1890-1969)

Num mundo em que só a mudança é imutável, é melhor haver um plano, mesmo que pouco
formalizado, a não haver planeamento nenhum. Até porque a necessidade de se viver enquadrado
por alguma espécie de orientação que conduza e organize a vida faz parte da própria condição
humana. Assim, a necessidade de preparar continuamente o futuro é uma indispensabilidade das
organizações e sistemas, num mundo em que tudo gira a uma velocidade vertiginosa.
256] Agôn 1 Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

Por isso, o processo de planeamento que há-de resultar no plano tem de ser uma actividade de
todos os dias e não uma tarefa que só se realiza uma vez de quatro em quatro anos para cada
Olimpíada, ou uma vez por ano, no planeamento anual. Nesta perspectiva, é importante que se
comece a falar de processo de planeamento e não simp lesmente em plano, já que aquele significa
um processo em construção e reajustamento constantes, e este um produto final acabado, sem
capacidade de adaptação permanente ao meio onde vai ser aplicado. Assim, o planeamento é uma
das funções da gestão, provavelmente até a mais nobre, na medida em que obriga a organizar o
presente a partir de uma ideia do futuro que se deseja.

A função planeamento

Na realidade, não se pode falar efectivamente de gestão se a função planeamento não estiver
considerada, na medida em que o planeamento é um pré-requisito das demais funções. Tal como,
do mesmo modo, dificilmente se poderá falar de planeamento se não estiver também cons id erado
um sistema efectivo de previsão e contro lo. Em consequência, um gestor, ou alguém que tem pre-
tensões a gerir seja o que for, não se pode considerar no efectivo exercício das suas funções se não
controlar a função planeamento. O planeamento do desporto, quer se trate de organismos públicos
ou privados, quer se esteja no domínio do social ou do económico, hoje, requer que sejam conside-
rados um cada vez maior número de aspectos, pelo que não pode ser realizado ao sabor do impro-
viso, em regime de supercompensação (Michel Bouet, 1968), para ser utilizado por uns quantos
políticos que o vêem como uma cortina de fumo aos desaires da ausência de política desportiva,
ou por empresários que o consideram como um meio de obtenção de lu cros rápidos e fáceis.

Externalidades

Há decisões em rnátéria de política desportiva que requerem opções ideológicas, mas, também,
racionais para que os recursos que serão sempre escassos não sejam mal utilizados. A raciona li za-
ção das esco lh as em matéria de política desportiva é, assim, de fundamental importância, sob pena
do desporto ser transformado numa externa lid ade de sina l negativo que acaba por prejudicar a vida
das pessoas e das sociedades. A este respeito, existem várias confusões decorrentes da dialéctica
entre o certo e o bem. Repare-se que se pode estar a fazer bem as opções erradas e a fazer mal as
opções certas. A primeira situação significa incapacidade para tomar boas decisões. A segunda
situação revela incompetência operacional.

Eventos desportivos

Por exemplo, no domínio dos grandes eventos desportivos realizados em muitos países, num
grande número de situações·, até são bem organ izados, no entanto, a opção pelas respectivas reali-
zações pode não ter sido a acertada. Nestas circunstâncias, acaba por se fazer bem as coisas erra-
. das, o que resulta, em termos de desenvolvimento, num enorme desperdício. Como nos diz Manuel
Queiroz, é evidentemente discutível que uma câmara municipal como a da Maia deva incluir entre
os seus grandes objectivos ter uma equipa de ciclismo ganhadora. Em princípio, uma autarquia deve
ter apenas preocupações socia is (Record, 16jo8j2002) . O Euro 2004 até pode ter tido uma excelente
organização, no entanto não é por isso que deixa de ter sido uma decisão profundamente errada,
realizada por pessoas sem capacidade ou a informação necessária para a terem feito.
Existem eventos desportivos regulares e irregulares, sendo que estes últimos só ocorrem cumpri-
dos certos lapsos temporais (ciclos olímpicos ou ciclos europeus ou mundiais no futebol). Os even-
tos desportivos podem ter uma pequena, média ou grande dimen são. Os de pequena dimensão têm
--
Apoio e o Planeamento [ 257

um carácter local, os espectadores, e em consequência os media, não têm relevância determinante,


podendo ter ou não uma dimensão internacional, por exemplo, o Campeonato Europeu de Hóquei
em Campo, a realizar em 2007 em Lisboa. Os eventos desportivos de dimensão média têm um
carácter regional, com uma dimensão internacional ou não, os espectadores já têm um certo signifi-
cado e, em consequência, os media revelam algum interesse na sua cobertura, como, por exemplo, a
Meia Maratona de Lisboa. O grande evento desportivo é uma realização de ordem internacional em
que está em causa uma única modalidade, por exemplo, o Euro 2004. O mega-evento é uma realiza-
ção desportiva de nível internacional composta por várias modalidades desportivas, por exemplo, os
Jogos Continentais (Jogos Asiáticos) ou, entre outros, os Jogos Olímpicos.

Quadro 42 I Dinâmica das questões iniciais

O QUÊ? COMO?

QUANDO?

ONDE?

POR QUEM?

PARA QUt? COM QUEM?

Os grandes e mega-eventos desportivos movimentam grande número de atletas, árbitros, juí-


zes, jornalistas, patrocinadores, cobertura televisiva extensa geograficamente, organizadores mono-
polistas e poderosas organizações nacionais e internacionais das modalidades ou do próprio
·evento em si mesmo (por exemplo, Comité Organizador do Jogos Olímpicos). Os grande e mega-
-eventos desportivos implicam um esforço nacional do país hospedeiro que se inicia muitos anos
antes do evento na formulação político-desportiva da candidatura, decorre com significativos recur-
sos financeiros próprios em infra-estruturas desportivas e de urbanização e transportes, segurança,
etc. Estes eventos têm um carácter global, pois que envolvem a participação de vários países,
mesmo que apenas na fase de apuramento, como no futebol, e são partilhados mundialmente não
apenas em espectadores como também em patrocinadores e meios de informação. Trata-se de
acontecimentos globais na sua essência que hoje são instrumentos de afirmação global e competi-
tiva dos próprios países hospedeiros/organizadores. Os seus efeitos e incidências de carácter eco-
nómico (negativos e positivos) são de enorme magnitude, sentindo-se em espaços geográficos
alargados durante prazos longos, antes, durante e após a realização do evento em causa. Em con-
formidade, os processos de tomada de decisão que a eles conduzem têm de ser realizados ·numa
78
base de profunda responsabilidade .

78
A partir de Pinto Correia, Análise Económica de Eventos Desportivos- O Caso dos jogos Olímpicos, Dissertação de Mestrado
em Gestão do Desporto, Fevereiro de 2006, Faculdade de Motricidade Humana.

AGONG[).-17
258 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

A dinâmica das questões iniciais

Compree nd er é um processo em inentemente teórico, muito embora o con hecimento e a acção


estejam intimam ente li gados. Deste modo, o conhecim ento está envo lvido por va ri ados interesses e
propós itos, pelo que a sua co nstrução passa pela integração de um crescente núm ero de teo rias,
modelos, metod ologias e práti cas, na ce rteza de que haverá se mpre necess id ade de um a gestão par-
cimo niosa de dilemas, paradoxos e até co ntradições entre as vá ri as hipóteses ou perspectivas em
co nfronto. Em conformi dade, num a din âmi ca em que se pretende que seja m estabelecidas relações
muito ínti mas entre os quadros teó ri cos e os modelos práti cos, qualqu er processo de planea mento
tem de ter sempre presente um conj unto de questões que se co loca m numa co nfiguração em ser-
pentina, na medid a em qu e todas elas depend em e interage m um as com as outras (ver qu ad ro 42).
1. O qu ê? (Obj ecto) - É necessá ri o, desde logo, saber "o qu ê?". Quer dizer, o que é que se qu er
reali za r? O que é qu e se va i fazer na presun ção de qu e se está a faze r aquil o qu e é ce rto, ou
seja, aquil o que tem de ser feito, e se deseja fazê-lo da melhor maneira poss ível? Até porqu e
se pode estar a fazer bem as co isas erradas.
2. Como? (M étodo, estratégia) - Co mo é que se va i co nseguir rea li za r o objecto do pl anea-
mento? Qual o cami nho a segui r? Com que projecto(s) , com que recursos hum anos, materiais
e fin ance iros? Com qu e co nstrangimentos? É evid ente que este as pecto joga intim amente com
o anteri or, na med id a em que se não se soube r para onde se quer ir qualquer caminho serve e
qu ando qu alqu er ca minho se rve aca ba-se necessa ri amente po r chega r a lado nenhu m.
3· Qua ndo? (Tempo) - Quando é que a acção "o qu ê ~ " va i ser rea li zada? Esta questão procura
escla rece r os probl emas relativos à gestão do tempo. Início e fim da acção. Margens de folga .
Tempos ma is cedo e mai s tarde do in ício e do fim , etc.
4· Ond e? (Lu gar) -Ond e é qu e tud o va i aco ntecer ? On de é qu e o projecto se va i rea li za r ~
5· Por quem? (Executores) - Procura determin ar qu em são os respo nsáve is? Pessoas ejou enti-
dades .
6. Com quem? (Envo lvidos) - Esta questão te m por obj ectivo indica r as enti dades in dividuais e
co lectivas pú blicas ou privadas a se rem envo lvidas (parce iros), quer directamente quer indi-
recta mente no projecto.
7· Para que m ~ (Desti natários) - Qu em são os desti natários daqu ilo qu e se deseja rea li za r ~
Qu ais os segmentos sociais abrangid os ? Estão de aco rd o co m "o qu ê? ", quer di ze r, com
aquilo que se pretende real iza r?
8. Para qu ê? (Obj ecti vos) - Qu àis os obj ectivo s qu e se pretend em atin gir, através de uma acção
ou projecto es pecífico. Os objectivos só ganh am sentido se estão de acordo co m aquilo que
se deseja fazer, "o q u ê~ " . e co m os destin atá ri os , "pa ra qu em?".

Estas questões devem ser colocadas nos vários momentos do processo de pl aneamento- desde
logo no momento de an áli se, enqu anto, co mo se di sse, momento crítico de arra nqu e de qualqu er
processo de pensamento estratégico -, tendo em atenção os âmbitos do econó mico /fi nanceiro, da
logísti ca e da produção (da fo rm ação ao espectácu lo).

Pares de questões combinadas

Das questões in iciais podem decorrer um conju nto de questões com bin adas, duas a duas, que
ajudam a e0 mpree nd er toda a din âmi ca de um a dad a situação e do co nseq uente processo de
desenvolvime nto.
Apoio e o Planeamento [ 259

Quadro 43 I Combinação de pares de questões

Avançar para qualquer projecto, desde a fase de concepção à fase de elaboração, é começar por
dar resposta não só à se rpentin a das questões ini ciai s, como aos pares que se especificam no qua-
dro (ver quadro 43). ~

8.7 Acontecimentos
A vida foi o que aconteceu enquanto estávamos a fazer
planos.
John Lennon (1940-1980)

Tipologia de acontecimentos

Muito embo ra o mundo soc ial não seja um siste ma determinista, é possível, se uma linh a
sequenc ial de acontecimentos prosseguir, antever determinado desenlace num dado futuro. Em
conformidade, a nossa percepção sobre o futuro pode ser organizada através da segu inte categoria
de acontecim ento s (ver quadro 44):
1. Conhecidos ce rtos;
2. Conhecidos in certos;
3· Desconhecidos.

Acontecimentos conhecidos certos

São aqueles que são previsíveis e, por isso, estão ao alcance do controlo do planeador. Em con-
formidade, é requerido um planeamento em relação às variáve is que se contro lam. Pode se r, neste
caso, realizado um planeamento de comprom isso que, mesmo ass im , pode estar suje ito à possibi-
lid ade de falha ou de erro. Pod em-se desde logo planear rotinas, por exemp lo, a hora dos treinos
ou dos jogos, o horá rio escolar ou o do fun ciona mento de um clube, o pagamento de venc im entos,
contro lo de fa ltas, etc. Outros compromissos ex istem quando acontece m pelo aco rdo de acções
entre partes que nelas vão estar envo lvid as . Por exemp lo, a rea li zação de um torneio de futebol de
260 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

praia que passa pelo assunção de uma estrutura de compromissos entre as partes interessadas. Se
não existisse este tipo de compromissos -de rotina e de projecto- muito provavelmente as orga-
nizações não conseguiam funcionar. Portanto, estamos no domínio dos acontecimentos considera-
dos certos e, como tal, controláveis, quer dizer planeáveis.

Quadro 44 Acontecimentos- planeamento

Planeamento Planeamento
de compromisso de contingência de adaptação

Acontecimentos conhecidos incertos

Quanto à segunda categoria, os acontecimentos incertos, têm de ser consideradas as variáveis


conhecidas que não se controlam. Estas variáveis obrigam a planos de contingência, já que devem
considerar as hipóteses mais plausíveis. Por exemplo, para uma prova de corta-mato, em função da
estação do ano, devem ser consideradas as hipóteses de chover ou não, e preparar as respostas
necessárias em função das dificuldades organizacionais que a chuva pode causar. São acontecimen-
tos que ocorrem fora do controlo do planeador. Limitam-se a acontecer. O resultado de um jogo é
um acontecimento conhecido já que ele existirá necessariamente, mas está fora do controlo do trei-
nador que, neste caso, funciona como planeador. Deste modo, determinado acontecimento conhe-
cido incerto não pode ser objecto de planificação na medida em que o resultado é imprevisível. Um
treinador pode desejar um resultado mas não pode planear um resultado, na medida em que, se
tudo se processar normalmente, foge ao controlo do treinador, pois está no domínio do imprevisível.
O treinador deve, no entanto, considerar o(s) resultado(s) no seu plano de acção. Não o(s) controla
mas considera-o(s). Pode, inclusivamente, considerar a hipótese mais plausível. Assim, os aconteci-
mentos incertos podem ser equacionados em função das diversas hipóteses alternativas. Estas hipó-
teses podem, inclusivamente, ser consideradas no planeamento (hoje referem-se a elas como o
plano B). Aquele que planeia tem de prever planos alternativos. No entanto, não é possível realizar
um planeamento exclusivamente na base de acontecimentos que não se controlam.
-~-

Apoio e o Planeamento [ 261

Acontecimentos desconhecidos

Em terceiro lugar, existem aspectos que em relação ao futuro são desconhecidos, tais como
entre outros, catástrofes naturais, crises políticas, guerras, etc. Por exemplo, a guerra do Golfo foi
um acontecimento imprevisível que obrigou o movimento desportivo internacional a um grande
esforço de adaptação ao ambiente de guerra que então se vivia, com incidências à escala planetária.
Como se sabe, algumas provas desportivas foram alteradas e outras estiveram em risco de não se
realizar. Os acontecimentos desconhecidos, no que diz respeito ao planeador, limitam-se a aconte-
cer. Requerem da parte do planeador e da organização uma grande capacidade de adaptação a
novas situações, provocadas por imprevistos que obrigam a encontrar uma resposta ajustada e, se
possível, em tempo útil. É da capacidade de improvisação ao mais alto grau que se trata. No
entanto, embora o planeamento deva considerar a capacidade de improvisação das pessoas, não
pode, contudo, sustentar-se exclusivamente ou até a um nível elevado nela, sob pena da organiza-
ção entrar em derrocada, quer dizer, num processo de planeamento em regime de roda livre, em
que cada um faz o que quer.

"Desenrascanço"

A ausência de previsão e planeamento leva os portugueses em várias e demasiadas situações a


desenrascar. A palavra "desenrascar" significa a capacidade para resolver problemas sem ter os
conhecimentos e as ferramentas necessárias, recorrendo à criatividade e imaginação de maneira a
ajustar conhecimentos antigos às novas situações.
ln www.wikipedia.org

O célebre "desenrascanso" para responder a situações absolutamente inesperadas pode ser


uma capacidade muito útil em qualquer equipa de projecto que esteja a funcionar em tempo real.
O problema é que, muitas vezes, as pessoas, de tanto recorrerem a soluções de "desenrascanso",
acabam por deixar de saber funcionar de outra maneira. Em conformidade, o desenrascanso, se apli-
cado a acontecimentos que já deviam estar rotinados ou a opções que deviam estar previstas atra-
vés de planos de compromisso ou contingência, não passa de pura incompetência. Quando as
organizações passam a conjugar o verbo desenrascar em todos os tempos e situações, então
devem soar os sinais de alarme porque há qualquer coisa que tem de mudar rapidamente.

Controlo do planeador

No entanto, antes de fazer qualquer predição, o planeador deve estar preparado para argumen-
tar uma razão credível que mostre que o elemento a que a predição diz respeito é previsível (Ernest
Schumacher, 1973). Portanto, aquele que planeia parte do princípio de que vai controlar elementos
susceptíveis de alterarem o futuro, já que é absurdo aplicar o termo planeamento a matérias que
não são controladas pelo planeador, quer dizer, a assuntos que fogem ao seu próprio controlo.
Quer dizer que o planeador tem de adaptar as suas decisões ao tipo de acontecimentos que por
sua vez determina o tipo de planeamento. O critério é simples:
·Aquilo que está na esfera de controlo do planeador é susceptível de ser planeado;
·Aquilo que não está ou foge da esfera de controlo do planeador não pode ser planeado.
262 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

Exercício de inutilidade

Em conformidade, qualquer processo de planeamento ou plano, sustentado em elementos que


fogem ao controlo dos planeadores, é um mero exercício de inutilidade. Eric Hoffer (1902-1983),
filósofo social americano, crítico dos movimentos de massas e dos seus aderentes, dizia mesmo
que a única maneira de predizer o futuro é ter poder para o moldar (in Grolier Electronic Publishing,
lnc., 1992). De facto, como se disse, a capacidade de planear indica a capacidade do próprio gestor
e o seu grau de competência na escala hierárquica da organização.
Diferentes categorias de acontecimentos obrigam a diferentes planeamentos que pressupõem
tipos de decisões diferenciadas. Estas são determinadas também pelos factos das causas serem
conhecidas ou desconhecidas e as consequências ou resultados certos ou incertos (ver quadro 45).

Quadro 45 í Tipo de decisões

Resultados
6
~Oj,, f----- - - - - - · ,- - - - -

"'o
Certos Incertos

----·--- --··· ----····--- - - --- -


r-- ----- ---· -

A B
Conhecidas Rotina Contingência
VI Compromisso Compromisso
"'
VI
::l ;--- ---- ----- --- - - --- - - -

u"' c D
Desconhecidas
Intuição Adaptação

Assim, o planeamento deve ser realizado utilizando as variáveis que são conhecidas e certas,
isto é, aquelas que se encontram totalmente dentro da esfera de controlo do planeador. Nesta
situação, podem ser implementadas rotinas e realizado planeamento de compromisso, quer dizer,
quando existe uma relação entre a causa e os resultados. Nesta conformidade, as rotinas ou os
compromissos são as atitudes indicadas para a decisão e o planeamento (A).

Rotina

É uma sequência automatizada de tarefas que surgem como resposta estandardizada a uma
dada situação complexa.
Quando existe uma certeza em relação às causas, mas os efeitos ou resultados não são possí-
' veis de prever, a decisão entra no domínio do contingencial, em que devem ser preparadas várias
respostas que obrigam a decisões de compromisso (B).
Quando as causas são desconhecidas e os resultados certos, a decisão é de grande complexi-
dade e entra no domínio da intuição (C). Quer dizer, sabe-se o que se quer, os objectivos a atingir,
mas desconhecem-se com mais ou menos precisão as causas que os podem provocar. Este tipo de
Apoio e o Planeamento [ 263

decisão parte de um juízo baseado na intuição, na medida em que decorre da capacidade racional
do decisor, cruzada com o seu estado emocional que é consequência do conhecimento do contexto
a que a decisão se refere.
Finalmente, a situação (D), relativa ao planeamento de adaptação que obriga a uma decisão de adap-
tação que se sustenta pura e simplesmente na inspiração do decisor. Quer dizer, não existem dados de
qualquer ordem que permitam outro tipo de decisão que não seja a realizada por mero feeling.
O planeamento deve, ainda, prever um quadro de resposta para as situações que embora possam
ser conhecidas são incertas. É o planeamento de contingência (o chamado plano B, C, D, etc.) que
prepara as respostas necessárias a situações que podem ocorrer, embora não sejam certas. Está neste
caso o planeamento em situação de catástrofe, isto é, se tudo correr mal, quais são as respostas pos-
síveis da organização, para que o projecto não entre em colapso. Se a organização tiver respostas
alternativas o proJecto pode continuar. Se não, deve ser reformulado ou abandonado.

Quadro 46 i Hierarquia das decisões

Gestão de topo Gestão intermédia Gestão de 1. a linha


Vértice estratégico Linha hierárquica Centro operacional

Competên as conceptuais

Co etências interpe soais

Competências écnicas

Finalmente, caímos no domínio da gestão de surpresas e na capacidade de encontrar as respostas


necessárias. É da capacidade de improvisação de que se trata. Esta capacidade tem de ser cultivada de
maneira a permitir às organizações reagirem em tempo útil às inúmeras surpresas que um ambiente
de grande aleatoriedade e turbulência pode causar. É evidente que a capacidade de uma organização
responder em regime de adaptação só é possível se as rotinas estiverem definidas, os compromissos
acordados e as contingências previstas. Então, a possibilidade de uma organização reagir em tempo
real, em cima dos acontecimentos, quer dizer, numa estratégia emergente, surge com uma base de
sustentação nas rotinas, nos compromissos e nas contingências, que lhe garante não só a eficiência
das acções ajustadas como a eficácia dos resultados úteis. Muitas vezes, é o que acontece no ataque a
um fogo por parte de uma corporação de bombeiros, em que a estratégia emergente só ganha eficácia
se tudo o resto (rotinas, compromissos e contingências) estiver bem planeado e treinado à partida.
Quer dizer, a coordenação, a conjugação e os fiuxos de trabalho têm de funcionar em articulação de
maneira a que as soluções de adaptação surjam de uma forma natural.
Tal como a acção do treinador no banco só pode acontecer em tempo real com a eficácia neces-
sária, se as rotinas, os compromissos e as contingências conseguidas através da coordenação, da
conjugação e dos fiuxos de trabalho estiverem eficientemente integradas não só no comportamento
264 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

global da equipa como no comportamento dos subgrupos e de cada um dos seus membros. Tam-
bém se espera esta capacidade de um gestor de projectos, quando as condições em que o mesmo
decorre se podem alterar de um momento para o outro.
Contudo, as decisões não se esgotam no seu tipo (rotina, compromisso, contingência) . As deci-
sões podem ser organizadas de acordo com o seu nível hierárquico. Deste modo, as decisões polí-
ticas ou estratégicas decorrem naturalmente do vértice estratégico das organizações, enquanto que
as técnicas dependem da linha hierárquica ou do centro operacional (ver quadro 46).
Pelo quadro pode-se compreender que a gestão de topo, quer dizer, a nível do vértice estratégico
ou de uma posição elevada da linha hierárquica, é sobretudo uma decisão política que tem a ver com
competências conceptuais, já as decisões de um gestor de primeira linh a, ou seja, do centro opera-
cional, têm sobretudo a ver com as suas competências técnicas. O gestor intermédio é aquele cujas
competências são interpessoais, na medida em que ele é um descodificador de discursos provenien-
tes do topo da pirâm ide para a base e vice-versa.
Hoje, um dos mais significativos problemas da gestão no mundo do desporto tem a ver com as
relações que se estabelecem entre a componente dirigente e técnica das organizações desportivas
em geral e das federações desportivas em particular. O Modelo Europeu do Desporto, de configura-
ção corporativa, já não tem capacidade para resolver os problemas que decorrem dos diferentes
interesses dos dirigentes e dos técnicos que começam a ser cada vez mais antagónicos.

8.8 Fazer o futuro acontecer


O futuro já não é o que costumava ser.
Anónimo

Já vimos que aqueles que são responsáveis pelo planeamento, e através deles as organizações
de que fazem parte, podem ter diferentes atitudes em relação à previsão do futuro. Cada uma das
atitudes dá origem a uma diferente forma de o encarar. As pessoas e as organizações podem ter
uma de três atitudes:
1. Esperar que as coisas aconteçam para depois reagirem;
2. Prever aqu il o que eventua lm ente acontecerá, para prepararem a resposta certa antes dos
acontecimentos surgirem;
3· Engendrar as condições para a construção e organização do futuro, segundo os próprios
desejos (Russell Ackoff, 1974) .

Fazer o futuro acontecer

Como referimos, só nos resta fazer com que o futuro aconteça. Nesta última situação partimos
da ideia de que hipoteticamente o fut o já está entre nós. Na nossa capacidade de imaginação e
de sonho. Para fazê-lo acontecer só temos de escolher os objectivos certos, utilizar os instrumentos
apropriados, esco lher as estratégias adequadas e desenvolver os projectos ajustados às mudanças
que se pretendem desencadear.
Apoio e o Planeamento [ 265

Visão

Portanto, como se disse, os gestores, e através deles as organizações, têm de ter uma visão em
relação ao futuro que desejam construir. Esta visão, como vim os, sustenta-se, em primeiro lugar,
na capacidade de realizar uma aná lise intern a, o que, por vezes, não é fácil. Por exemplo, a incapa-
cid ade em organizar o futuro está bem patente na organização dos Jogos Olímpicos de Atenas
(2004) pelos gregos e do Europeu de Futebol (2004) pelos portugueses. Ambas as organ izações
deixaram para o futuro a resolução de problemas que deviam estar antecipadamente assegurados.
Muito embora seja reconhecido que tanto o Euro 2004 como os Jogos correram bem, o que é facto
é que, em ambas as situações, ficou muita coisa por resolver, que compromete o futuro de cada
um dos países.
Para fazer o futuro acontecer podem ser utilizadas várias técnicas. Uma delas é o brain storming,
que numa tradução à letra significa tempestade cerebral.

Brain storming

É um método qualitativo não causal baseado num processo de auscu ltação de especialistas.
Cons iste em organizar um grupo de vários indivíduos para que, motivados pela necessidade de
terem de resolver um problema, produzam as ideias nêcessárias à sua resolução.

Criatividade

Este método, que apela à criatividade, parte do princípio de que só utilizamos uma parte do
nosso cérebro. Portanto, é necessário estimular aquelas partes do cérebro que não são geralmente
utilizadas, de forma a encontrarem-se soluções criativas para problemas previamente estabeleci-
dos. O objectivo é, portanto, fazer apelo à mobilização de um maior número possível de recursos
do cérebro, através da criação de situações artificiais, propiciadoras de processos de criatividade,
invenção e previsão. Esta forma de encontrar soluções para a resolução de problemas (planear é
uma forma de resolver problemas) faz apelo à criatividade das pessoas, à sua capacidade de engen-
drarem so lu ções eficientes e originais quanto à organização do futuro.

Fases

O brain storming deve ser desenvolvido em duas fases:


1. Busca de id eias;
2. Crítica e aval iação das ideias.

Quanto à primeira fase, constituída pelo trabalho de grupo, devem ser tidos em conta os seguin -
tes aspectos:
·Não deve ser constituído por mais de 15 elementos;
·O trabalho não deve ultrapa ssar o tempo de 1 h 30 min;
• O objectivo do grupo é produzir o máximo de ideias possível;
• Os participantes devem ser encorajados a jogar com as id eias;
· Nenhum elemento pode emitir juízos de valor sobre qualquer idei a expressa;
266 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

· Não é permitido manifestar acordo ou desacordo acerca das ideias expressas por outros;

· Nenhum elemento pode ser, naquele momento ou noutro temporalmente posterior, respon-
sabilizado pelas ideias que produziu;
·As ideias produzidas não têm proprietários;
• Pode-se jogar com as ideias, mesmo que tenham sido produzidas por outros;

• Mesmo as ideias mais loucas (extravagantes, chocantes) são úteis e devem ser emitidas;

. O grupo deve ser coordenado por um elemento externo (externalfacílitator).

2. 3 fase

Quanto à segunda fase, a avaliação crítica das ideias, o objectivo é tratar as ideias iniciais, produzi-
das de uma forma anárquica, de maneira a criar uma estrutura lógica para que se possam fazer
opções. O desenvolvimento desta fase pode ir até ao ponto de se organizar um "quadro tecnológico"
das ideias que serão aproveitadas. Neste quadro tecnológico as ideias são colocadas segundo uma
ordem e estrutura lógicas, de maneira a expressarem um corpo organizado.

Aplicações

O brain stormíng pode ser aplicado a diversas situações ou necessidades:

1. Descobrir a melhor maneira de resolver um problema;

2. Encontrar um slogan para um projecto ou associação;

3· Iniciar um processo de planeamento;

4· Desenvolver um projecto;
5· Sugerir soluções para resolver uma crise numa associação ou um clube;

6. Descobrir novas actividades;

7· Orientar o futuro duma organização pela previsão do processo de planeamento.

Panaceia?

O brain stormíng, embora não seja uma panaceia, pode concorrer para a organização do planea-
mento nas suas diversas fases.

Fazer o futuro acontecer, quer ele seja no domínio de um país, de um sector social ou económico,
de uma organização ou de uma equipa de futebol, é aquilo que qualquer estratega mais deseja.
Identificado o futuro que se deseja construir, é necessário decidir.

8. 9 Estratégia
Estratégia é onde se está e com que força.
l(arl von Clausewitz (1780-1831)

Na antiga Grécia, o stratego era o chefe máximo incumbido de governar e comandar a defesa da
cidade. Hoje, o Age of Mythology é o mais novo JOgo de estratégia em tempo real da Microsoft que
Apoio e o Planeamento [ 267

faz as delícias da juventude e não só. De facto, o conceito de estratégia enquanto ideia mais elabo-
rada do que o conceito de JOgo faz parte do discurso dos mais diversos grupos sociais. Por isso, a
palavra avantaja-se na sua polissemia, podendo assumir vários significados. Contudo, na linha de
Henry Mintzberg (1994), diremos que, para nós, o conceito de estratégia, de pensamento estratégico
ou de formulação estratégica é diferente do conceito de planeamento estratégico. Por agora vamos
tratar simplesmente do conceito de estratégia.
A palavra estratégia faz parte do léxico contemporâneo. Por vezes, é considerada uma palavra
mágica, que pode resolver todos os problemas! Que responde, por si só, às condições criadas pelo
ambiente de turbulência em que hoje a sociedade e o seu tecido organizacional (nele incluindo,
como é evidente, as escolas, os clubes, as associações desportivas, etc.) vivem.

5 Pês

Henry Mintzberg (1994) defende que, muito embora as pessoas tenham necessidade de uma
definição, a palavra estratégia pode ter muitas, o que só pode ajudar aqueles que dela necessitam a
melhor organizarem o seu pensamento. Para o autor, estratégia pode ter os seguintes conceitos:
1. Plan (plano); 4· Position (posição);
2. Ploy (truque, medida); 5· Perspective (perspectiva).
3· Pathern (modelo);

Tal como outras palavras no domínio da gestão, a palavra estratégia é polissémica, pelo que as
suas mais diversas acepções permitem que ela seja aplicada em vários domínios e contextos. Con-
tudo, apesar de se reconhecer que a estratégia pode ser aplicada a diferentes ambientes sociais, é
necessário saber se, de facto, existem condições de elaboração de pensamento estratégico.
Na linha de Vasconcellos e Sá (1998) diremos que na estratégia existem dois momentos distin-
tos. Um é a estratégia actual, o outro a estratégia futura. A estratégia actual está à vista, pelo que não
é susceptível de opinião na medida em que se trata de factos objectivos. Para se perceber a estraté-
gia actual de uma organização desportiva basta fazer o levantamento das opções que ela realiza nos
diversos factores de desenvolvimento. Entretanto, parte-se da estratégia actual para perceber a sua
eficiência e eficácia de maneira a decidir se ela se deve manter ou se se deverá organizar outra mais
apropriada ao futuro que se deseja construir. Esta é a estratégia futura que deve ser consubstanciada
através do planeamento estratégico.
Para Francisco Abreu (2004) 79 , para tratar da problemática da estratégia é necessário demarcar,
à partida, em termos epistemológicos, o terreno em que se vai processar a discussão. E aponta
desde logo duas premissas:
1. As linhas de força essenciais do pensamento estratégico não conhecem fronteiras no que diz
respeito aos contextos de aplicação, contudo, não é por isso que se pode deixar de demarcar
o que separa o "estrategicamente relevante" do "estrategicamente irrelevante". O autor, entre
outros exemplos, com os quais até estamos de acordo (embora se dispensasse o ridículo de
alguns deles), incluiu o jogo de futebol como um dos contextos que do ponto de vista estraté-
gico, para ele, é irrelevante;

79
Francisco Abreu é licenciado em Organização e Gestão de Empresas e Mestre em Estratégia Conferência proferida em
19/2/2004 na Academia Militar, no âmbito do seminário final do curso de pós-graduação em "Guerra de Informação/Competi-
tive lntelligence", subordinada ao tema "A Relevância da Estratégia Militar nas Políticas Empresariais". A posição de Francisco
Abreu é reforçada no texto "Estratégia: Da Confiitualidade à Competição", in Pensar Estratégia: Do Politico-Militar ao Empresa-
rial, Lisboa, Edições Silabo.
268 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

2. Aqueles que são obrigados a decidir e agir num contexto empresarial não podem com
sobranceria ignorar milhares de anos de experiências e reflexões acumu lad as pelos ensina-
mentos de T'ai Kung e Sun Tzu a Clausewitz e Liddell Hart, como de uma maneira geral tem
sido feito pelos autores dos manuais de estratégia empresarial.

Quanto à primeira premissa, a nossa tese é a de que o mundo do desporto em geral é um


espaço privilegiado de reflexão e aplicação estratégica a nível da dinâmica do jogo, do eterno retorno
do campeonato e da relação inter clubes e inter países. Segundo Nietzsche, o mundo, e nós acres-
centamos o desporto em geral e o futebol em particular, passa indefinidamente pela alternância da
criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. Assim, é necessário compreen-
der a estratégia a partir da competição de onde ela decorre, desde os primórdios da própria humani-
dade, quer dizer, do cenário da criação do mundo (Bernard jeu, 1987), devendo-se a ele fazer apelo
tal como é representado nas religiões primitivas, com o objectivo de se insistir sobre as suas remi-
niscências antropológicas que se projectam na ulterior criatividade do general no campo de batalha,
ou do treinador na concepção da manobra vitoriosa, onde, no pensamento de Ortega y Gasset .
(1987), se encontra a própria origem desportiva do Estado. A estratégia, enquanto "agôn" que liberta
o espírito da emulação do moralismo hipócrita e enquanto "areté" que busca a excelência pela supe-
ração, consubstancia-se numa cumplicidade entre Natureza e Humanidade no doce sabor amargo
da violência do jogo da vida, pelo que só pode encontrar no desporto, em geral, e no ft7tebol, em par-
ticular, um espaço de reflexão e aplicação que não é admissível menosprezar. Assim, ao desporto
em geral e às mais diversas modalidades desportivas não lhes faltam legitimidade para serem consi-
derados estrategicamente relevantes, o que contraria a posição de Francisco Abreu acima referida.
Quanto à segunda premissa, na linha do pensamento de Clausewitz, defendemos que se está no
domínio da estratégia, seja em ambiente militar, de negócios, desportivo, jurídico ou outro, sempre
que a acção do estrategista decorre da vontade do seu adversário como a do seu adversário decorre
da sua. Nesta perspectiva, só por ingenuidade se pode aceitar a inutilidade de um pensamento com
milhares de anos no mundo do desporto, sobretudo em modalid ades em que semanalmente se
jogam muitos milhões de euros. Repare-se que no término da época de 2005/o6, o jogo entre o Ben-
fica e o Sporting, que podia determinar o 2. 0 lu gar no campeonato da 1.• liga de futebol, significava
um encaixe financeiro de sete milhões de euros80 Assim, a nossa tese é a de que o desporto em geral,
e o futebol, em particular, não podem dispensar o conhecimento e pensamento estratégicos.

Estratégia X Empresa

Se atendermos à história da estratégia no jogo das empresas, de facto, só nos anos sessenta é
que as questões da estratégia começaram a chegar ao mundo da gestão. As primeiras obras que sur-
giram foram: Strategy and Structure, de Alfred Chandler (1962), My Years with General Motors, de
Alfred Sloan (1963). A Company and its Beliefs, de Thomas Watson Jr. (1963) e Corporate Strategy, de
lgor Ansoff (1965).

Estratégia X Desporto

Contudo, se olharmos para o mundo do desporto, Leon Teodoresco vinha, desde 1957, com o tra-
balho Problemas do Treino nos jogos Desportivos Colectivos, a tratar das questões da organização do
jogo e Fridrich Mahlo, em 1969, publicou O Acto Táctico em jogo. Em Portugal, Adriano Peixoto editou,

80
ln A Bola, 17{4{2oo6. •
Apoio e o Planeamento [ 269

em 1947, O Futebol Português e o Sistema de Herbert Chapman e, em 1965, As Grandes Tácticas do


Futebol, mas se quisermos recuar ainda mais no tempo, Când ido Oliveira, em 1947, publica Os Segre-
dos do Futebol: Técnica de Ensino, Aprendizagem e Treino, Táctica de jogo e Augusto Sabbo, em 1948, a
obra de 321 páginas intitulada Estratégia e Método Base do Futebol Associatit~o Científico. Neste último,
Augusto Sabbo faz a ruptura com aqui lo a que então se designava por "futebol arte" e avança com um
novo paradigma, o do "futebol científico". Curioso é notar que o traba lho de Sabbo teve como base
epistemológica a obra Not~as Directrizes da Estratégia e do Método do Oficial da Marinha de Guerra
Ital iana, Luigi Castagna. Em conclusão, diremos que se a estratégia chegou tarde ao mundo empresa-
ria l, no que diz respe ito ao desporto ela esteve, até pela sua tradição militar, desde sempre a ele
ligada. Hoje, para além do pensa mento prático de inúmeros treinadores, os traba lhos científicos
como os de, entre outros, Júlio Garganta e Jorge Castelo provam que o futebol é um espaço onde o
pensamento estratégico assume, cada vez mais, um especial interesse.
Nesta conformidade, atribuir ao futebol a classificação de "estrategicamente irrelevante" parece-nos
ser uma heresia que vai contra a lógica da história da human idade, quer dizer, do homo strategicus, que
encontra a sua lógica no homo ludens, bem como ao revés da produção prática e científica no âmbito
do desporto, produzida ao longo dos últimos cinquenta anos (ver quadro 47) .

Quadro 47 I A estratégia do jogo às empresas

;~··.
,._ .·.~·~~e-••1.~ ~:;~-~ ':'<\):.t ·:':' .: .. :;e, .· .~·:t
·' Jogo das empresas
Itens Jogo da vida Jogo militar Jogo desportivo
e do pais

Primeiro-ministro
Mais forte, mais audaz, Treinador,
Chefe General de campanha CEO- "Chief Executive
mais esperto capitão de equipa
Officer"

Equipas, massa Organizações,


Exército Hordas, os jovens Exércitos, batalhões
associativa, claques departamentos

Amor ao emblema, Cultura de empresa


Motivação Jogo, culto, sexo Patriotismo, espaço vital
dinheiro ... e do país

Equipas interessadas na Países e empresas


Inimigo Natureza, outra tribo Exército adversário mesma vitória ou mesmo interessadas no mesmo
título mercado ...

A caça, roubo, o rapto das Subjugação do inimigo. Conquista do campeonato Conquista duma posição
Vitória
raparigas Conquista de território ou duma boa classificação dominante no mercado

Satisfação dos associados,


Procriação, preservação da Paz, bem-estar Satisfação dos cidadãos
Resultados dos accionistas, dos
espécie dos cidadãos consumidores
cidadãos, do Governo

Pelo exposto pode-se concluir que a necess idade de existir uma atitude estratégica ocorre nas
mais d i v~rsas áreas sociais mas não em todas as situações. As organ izações, sejam elas escolas,
clubes, federações, empresas ou outras, têm de ter uma orientação estratégica acerca da organiza-
ção do futuro, sobretudo quando a construção do futuro parte do confiito de vontades que se dese-
jam impor. Por isso, a ideia de estratégia pressupõe um antagonista, quer dizer, um adversário, que
270 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

obriga a que as acções de uns sejam determinadas pelas de outros. Nesta perspectiva, a ideia de
estratégia é diferente da de método, pois este pressupõe um caminho com adversidades mas sem
opositores que procuram conquistar o mesmo objectivo.

Carl von Clausewitz (178o-1831)


O estratega não é senhor dos seus actos. O adversário dita-me as suas leis, tal como eu lhe dito
as minhas.
Na estratégia tudo é muito simples, o que não significa que tudo se torna fácil.

Em conformidade, todo o líder deve orientar-se por um pensamento estratégico que o dirige e
lhe organiza a acção do dia-a-dia, bem como lhe permite prospectivar o futuro. Pensamento esse à
volta do qual ele ordena, de uma maneira mais ou menos coerente, as decisões fundamentais.
Essas decisões podem ser sistematizadas em duas grandes categorias:
· Deliberadas;
· Emergentes.

As deliberadas servem para assegurar o sistema básico de vida da organização. Têm a ver
sobretudo com a logística, quer dizer, as operações que suportam o centro operacional, bem como
tudo aquilo que no centro operacional está debaixo do controlo do gestor, ou seja, é susceptível de
ser planeado.
No que diz respeito às emergentes têm a ver com o processo de desenvolvimento que ocorre
ao sabor das circunstâncias e à margem da intervenção directa do gestor. Nestas situações, pode-
mos dizer que se está no domínio da arte, quer dizer, da arte da estratégia. De facto, a estratégia é
muito mais uma arte ou uma intuição do que uma ciência. É, em última análise, a capacidade de
juntar e articular, ou separar e desarticular:
1. A rotina com o desenvolvimento;
2. O antigo com o novo;
3· A repetição com a inovação;
4· O curto prazo com o longo prazo;
5· O micro com o macro;
6. A oportunidade com a inoportunidade;
7· O local com o global.

Nestes termos, a estratégia é uma espécie de oximoro, quer dizer, uma figura de retórica que
consiste em reunir, no mesmo conceito, palavras de sentido oposto ou contraditório.

Atitude estratégica

Em algumas circunstâncias, e com um limite temporal à vista, a tradição e as rotinas têm sido
suficientes para gerir, com algum êxito, as organizações. Quer dizer, os responsáveis não sentem
necessidade de programar a acção para além dos circunstancialismos do dia-a-dia, na medida em
que o dia-a-dia se repete indefinidamente num ambiente estável e pouco ou nada complexo.
------------
Apoio e o Planeamento [ 271

O problema é que nos tempos de aleatoriedade e mudança em que hoje se vive e no ambiente
de forte competição em que as organizações, sejam elas quais forem, têm de operar, elas têm neces-
sidade de ter uma ideia acerca da organização do futuro sob pena de virem a não ter futuro nenhum.
Contudo, temos de admitir que, por vezes, existe alguma descrença em relação à eficácia de uma ati-
tude estratégica. Na realidade, esta descrença fica-se a dever ao facto da emergência estratégica só
surgir depois de um qualquer sistema humano atingir um certo grau crítico de complexidade.
No entanto, aqueles que acreditam e que apostam numa gestão que ultrapasse os circunstan-
cialismos do dia-a-dia acabam por colher os respectivos resultados a partir do momento em que
projectam a sua acção num cenário de interacções dialécticas entre as posições em confronto num
mundo em transformação constante. Em conformidade, em ambientes de forte competição, do
treinador ao director-geral, a questão da estratégica é de importância fundamental em termos de
garantir a sobrevivência futura das organizações que lideram.

Limites

Existem, contudo, domínios onde não faz qualquer sentido falar de estratégia na verdadeira
acepção do termo. Estratégia implica "agôn", oposição, combate, quer dizer, acção em função da
acção do adversário (Carl von Clausewitz, 1997). Nestes termos, se existe domínio nas mais varia-
das actividades humanas onde, para além da guerra, a palavra estratégia ainda tem significado,
esse é o do desporto.

Estratégia e desporto

Os Gregos antigos, nos interregnos das suas guerras, em vez de se entregarem à luxúria e à
indolência da vida, instituíram os jogos e, assim, tornaram a paz violenta e gloriosa. Hoje, o cerne
do desporto está na conjugação de meios num ambiente de incerteza em situação de choque de
forças antagónicas, numa dinâmica de sucessivas decisões inter-relacionadas de acções e reacções,
de paradas e respostas, que terminam com a consumação da vitória.

A estratégia nas organizações

Segundo Claude Sicard (1987), o conceito de estratégia começou a ser utilizado em 1928, no
domínio da matemática e estatística, para designar um plano de acção completo, estabelecido por
um programador. Com a publicação do livro Theory of Games and Economic Behaviour no ano de
1944, por V. Newmann e O. Morgenstern, o termo estratégia passou também a fazer parte da lin-
guagem da economia. Seguiram-se obras como Strategy and Structure, de Alfred Chandler (1962),
My Years with General Motors, de Alfred Sloan (1963), A Company and its Beliefs, de Thomas Wat-
son Jr. (1963) e Corporate Strategy, de lgor Ansoff (1965), The Concept ofCorporate Strategy, de l<en-
neth R. Andrews (1971), A Concept of Corporate Planning, de Russell L. Ackoff (1976), The Mind of
the Strategist, de l<enichi Ohmae (1975), Competitive Strategy, de Michael E. Porte r (1980) e The
Rise and Fali ofStategic Planning, de Henry Mintzberg (1994).
Mas afinal o que é a estratégia)

Alfred Chandler (1962)

A estratégia "é a determinação dos fins e dos objectivos a longo termo, de uma organização. É
a adopção de políticas determinadas e a afectação dos meios para atingir esses fins".
272 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Modelo estratégico de Harvard

Em 1965, a Universidade de Harvard desenvolvia um modelo de gestão estratégica que ficou


conhecido com a designação de Modelo Estratégico de Harvard. Fundamentava-se nas seguintes
quatro ideias:
1. Determinar as forças e as fraquezas das organizações;
2. Análise do ambiente envolvente;
3· Identificação das oportunidades;
4· Circunscrever as ameaças.

Este modelo conduziu os sistemas e as organizações ao planeamento a longo prazo, que fez
escola nos finais dos anos sessenta e princípios dos anos setenta.

lgor Ansoff (1965)

"As decisões estratégicas são aquelas que dizem respeito à escolha de afectação de recursos."
Para Ansoff existem três tipos de decisões:
1. Estratégicas;
2. Administrativas;
3· Operacionais.

Kenneth R. Andrews (1971)

Uma estratégia bem articulada leva a empresa a diferenciar-se dos concorrentes e a conseguir
vantagem competitiva. Andrews identifica quatro componentes da estratégia:
1. Oportunidade de mercado;
2. Competências e recursos da organização;
3· Valores e aspirações pessoais;
4· Obrigações sociais.

Russell L. Ackoff (1974)

A estratégia tem em vista idealizar um futuro ideal, sem limitações para aquilo que se deseja pla-
near. Uma vez identificada a situação ideal é possível determinar até que ponto é possível atingi-la a
fim de se iniciar o processo de planeamento. Segundo o autor, do plano estratégico, geralmente,
fazem parte as seguintes peças:
1. Pressupostos condicionantes;
2. Declaração de propósitos;
3· Objectivos;
4· Estratégia escol hida;
5· Sistema de controlo.

Kenichi Ohmae (1975)

A partir de meados dos anos setenta surgiram novas lógicas de organização do futuro, já que os
tempos então vividos justificavam uma abordagem diferente no que diz respeito ao planeamento.
---·----------~~~~~

Apoio e o Planeamento [ 273

Kenichi Ohmae (1975), com o livro The Mind ofthe Strategist, desenvolveu uma perspectiva do pen-
samento estratégico basicamente "criativo, intuitivo e racional". Ele não advoga grandes equipas de
planeamento estratégico. As organizações necessitam sobretudo de um único estratega com
talento natural, capaz de um pensamento "idiossincrático" em que a empresa, os clientes e a con-
corrência se fundem numa interacção dinâmica, a partir da qual se organizam os objectivos e os
planos de acção. Para ele, o cliente representava o centro de tudo, pelo que simboliza o fulcro dos
valores da organização. Nesta conformidade, a estratégia deve ter em conta aquilo .que ele designa
por triângulo estratégico:
1. A organização;

2. O cliente;

3· A concorrência.

Para Ohmae, o estrategista tem por obrigação alcançar um desempenho superior em relação à
concorrência, pelo que tem de estar seguro de que a sua estratégia combina adequadamente os
pontos fortes da organização com as necessidades do mercado, tendo em conta a concorrência.
Assim, para o autor, são importantes os seguintes elementos:

1. Tipos de estratégia;

2. Escala de turbulência;

3· Critérios da escala de turbulência.

O pensamento estratégico preocupa-se assim com a necessidade de fazer concorrer meios


heterogéneos e de organizar as operações diversas que se sucedem no tempo, com vista à realiza-
ção de objectivos globais. No plano táctico a estratégia é considerada inoperante.

Claude Sicard (1987)

Considera a planificação estratégica como um processo lógico de raciocínio (a invenção perpé-


tua de Beaufre) que permite identificar um conjunto de manobras estratégicas e escolher aquelas
que dão às organizações as melhores hipóteses de atingirem os seus objectivos e realizarem as res-
pectivas finalidades.

Octave Gélinier (1990)

Diz-nos que é "o conjunto das decisões destinadas a adaptar no tempo e no espaço os recursos
da organização às oportunidades e aos riscos do meio e do mercado em mutação constante" .

Henry Mintzberg (1994)

No livro The Rise and Fali ofStrategic Planning considera que a estratégia visa reduzir, num qua-
dro de planeamento, o desvio entre o prolongamento da tendência e a projecção planeada.

Gap estratégico

Estratégia é toda a decisão que, a consumar-se, visa anular, num quadro de planeamento, o desvio
entre a projecção de referência (se não existir planeamento) e a projecção planeada. Esta diferença é o
gap estratégico. Em termos de planeamento no desporto pode-se também criar uma projecção ideal a
fim de, como veremos posteriormente, poder ser determinado o nível desportivo (ver quadro 48).

AGONGD-18
274 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Quadro 48 "Gap" estratégico

o
...... Projecção ideal
s:::
"'E
>
o
>
<=
l Projecção planeada

"'
Vl

"'
Cl "Gap" estratégico

_
---
<;:~~---- ________ '-• "''' fo<_P"-""'"-- ______ - Loj&ção ' ' ruf"''d'

Tempo

Deste modo, a estratégia deve lidar com ideias e decisões de efeitos duradoiros. Não se limita a
ser uma simples afectação de recursos, na medida em que, através dela, se procura provocar
mudanças estruturais no sistema em causa com vista a atingir uma situação ideal. Uma organiza-
ção não pode estar todos os dias, todos os meses ou até todos os anos a alterar a sua vocação, a
sua missão e os seus objectivos, bem como o caminho escolhido (estratégia) para que eles pos-
sam ser atingidos. Nesta conformidade, podemos compreender que quantas mais actividades
forem afectadas pelo processo de planeamento, maior será a sua dimensão estratégica, mais dura-
doiras são os seus efeitos e mais difícil será, também, alterá-los.
Muitas vezes as estratégias são modelos do passado e planos para o futuro, em virtude de se
terem de conciliar as forças da estabilidade (passado) com as da mudança (futuro), o que é um
dos paradoxos da própria estratégia. Esta constatação, na linha de Mintzberg, leva a considerar a
necessidade da estratégia poder ser ou deliberada ou emergente.
Deixar à estratégia unicamente a possibilidade de ter planos deliberados torna-se muito arris-
cado. As estratégias não têm de ser consumadas exclusivamente por planos deliberados, na
medida em que elas podem ser consumadas através de actividades emergentes (artesanar) que vão
acontecendo em função das necessidades. Um gestor tem de ser capaz de compreender que, como
diz Ron Atkinson, "os golos modificam o jogo", quer dizer, a atitude do gestor em termos estratégi-
cos deve sofrer ajustamentos sempre que necessário em função das ocorrências.
Para Henry Mintzberg (1994), a metáfora artesanal que implica a emergência da estratégia é a
que melhor traduz o processo através do qual as estratégias são realizadas.

Caos calculado

Um gestor trabalha num ambiente de caos calculado, em que tem de lidar com um processo
de trabalho colectivo que é o de idealizar uma estratégia. Nesta conformidade, um gestor tem de
"artesanar" a sua estratégia.
Henry Mintzberg (1994)
Apoio e o Planeamento [ 275

Para Henry Mintzberg (1994), todas as estratégias são abstracções que só existem na mente
das partes interessadas. Para o autor, toda a estratégia é uma invenção, ou para conceber intenções
que regulem comportamentos antes das acções decorrerem ou para inferir modelos pela observa-
ção de comportamentos de sucesso. Ele avança com uma perspectiva em que organiza o pensa-
mento estratégico do gestor em quatro categorias:
1. Estratégia intencional: Aquilo que se quer ou simplesmente deseja;
2. Estratégia deliberada: Aquilo que realmente se faz;
3· Estratégia não realizada: Aquilo de que se desiste;
4· Estratégia emergente: Aquilo que se é obrigado a fazer como reacção aos acontecimentos.

Portanto, toda a estratégia deve, desde logo, ter em atenção:


1. Aquilo que deve ser deliberado, planeado;
2. Aquilo que deve ser emergente, adaptado.

Esta preocupação de esclarecer entre aquilo que é ou tem de ser deliberado em função daquilo
que simplesmente se deseja em termos ideais, tendo em atenção que existem projectos que
podem ser abandonados (estratégia não realizada) ou que podem deslizar para o ciclo de planea-
mento seguinte, parece-nos de fundamental importância. Por isso, a estratégia deliberada deve
jogar com a estratégia emergente, de modo a que ambas formem um continuum na procura de
uma coerência que tem de ser projectada no mundo real.
Esta dialéctica entre aquilo que é deliberado e aquilo que é emergente não é fácil. A estratégia
deliberada, ao fundamentar-se num plano de acção, pressupõe ordem, estabilidade, rotina, pelo
que contraria a criatividade e a livre iniciativa. Pelo seu lado, a estratégia emergente, ao fundamen-
tar-se na acção imediata, promove a livre iniciativa e a criatividade mas destabiliza a ordem e a esta-
bilidade. Podemos dizer que se está numa luta entre Apoio e Dionísio, entre Ludus e Paidia, entre
ordem e criatividade.

SWOT

Um bom instrumento para a idealização das estratégias que hão-de suportar o planeamento é a
matriz de decisão estratégica SWOT, divulgada a partir dos anos setenta. Significa Strengths (For-
ças), Weaknesses (Fraquezas), Opportunities (Oportunidades), Threats (Ameaças) (ver quadro 49).
Muito provavelmente, a análise SWOT começou a ser utilizada, simultaneamente, em vários
locais por diferentes pessoas. Mintzberg (1994) refere Philip Selzn1ck e o livro Leadership in Admi-
nistration (1957) como tendo sido, presumivelmente, o primeiro a utilizá-lo.

TOWS

Entretanto, Weihrich Heinz (1982), professor de gestão internacional da Universidade de São


Francisco - USA, divulgou o modelo no livro The Tows Matrix - A Too/ for Situational Analyses.
Aliás, Weihrich Heinz (1993), no livro Managing a Global Perspective, reivindica para si a paterni-
dade da concepção do modelo de análise estratégica.
Weihrich utiliza o acrónimo TOWS porque entende que em primeiro lugar as organizações têm
de ter em conta as ameaças (threats).
Nestes termos, a estratégia, enquanto poder do livre pensamento, assume uma importância
primordial na determinação dos factores críticos de sucesso das mais diversas realidades organiza-
cionais do mundo do desporto, pelo que não deve ser ignorada.
276 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Quadro 49 I SWOT- Matriz de decisão estratégica

~
Factores internos
Forças internas (F) Fraquezas internas (R)
Factores externos

~ 1.2.3.4.n. 1. 2. 3. 4. n.

Estratégia (FO) Estratégia (RO)


1.
1. 1.
2.
Oportunidades 2. 2.
3.
externas (O) 3. 3.
4.
4. 4.
n.
n. n.

Estratégia (FA) Estratégia (RA)


1.
1. 1.
2.
Ameaças 2. 2.
3.
externas (A) 3. 3.
4.
4. 4.
n.
n. n.

Vantagem competitiva

Quando se idealiza uma estratégia o objectivo primeiro é obter vantagem competitiva. A vanta·
. gem competitiva é a consequência da articulação de duas realidades distintas (ver quadro so) :
1. Das competências distintivas que decorrem da análise interna;
2. Das competências comparativas que decorrem da análise externa.

Para Michael Porter (1986) , a vantagem competitiva de uma organização é determinada por
cinco forças fundamentais que actuam sobre uma indústria e as suas implicações estratégicas :
1. O poder de negociação com os fornecedores;
2. O poder de negociação com os utentes;
3· Ameaça de serviços similares a baixo custo;
4· Ameaça de entrada de no~6 concorrente no mercado;
S· Intensidade da rivalidade entre os concorrentes.

Factores críticos de sucesso

Do jogo entre as competências distintivas e as competências comparativas resultam os factores


críticos de sucesso. A probabilidade dos factores críticos de sucesso resultarem é tanto maior
quanto maior for a intenção estratégica daqueles que os têm de levar à prática.

Intenção estratégica

Para existir vantagem competitiva é necessário antes de tudo existir intenção estratégica. Esta é
definida pela diferença entre as capacidades e os recursos disponíveis de uma organização num dado
momento e as suas aspirações relativamente à construção do futuro. Segundo Gary Hamel & C K.
Prahalad (1999) essa intenção é um factor fundamental na construção de uma vantagem competitiva.
Apoio e o Planeamento [ 277

Quadro 50 Vantagem competitiva

Estratégia

- - - -,
Análise interna
- - --

J _l
Fraquezas Ameaças Oportunidades

--~=r--
Competências distintivas Competências comparativas
t ~ ·~ - --------

Factores críticos de sucesso

----------- ------- _ _ _ _ _ _ j

Como tal, deve ser tida em conta e, se possível, explorada em todas as organizações públicas ou priva-
das, com ou sem fins lucrativos. Por exemplo, consideremos duas organizações completamente dife-
rentes. Uma tem um património cultural de enorme significado, recursos humanos, uma tecnologia
superior, uma boa situação económica e financeira. No entanto, apesar destas condições favoráveis,
tem uma estratégia que passa simplesmente por se manter numa situação de liderança em relação
aos concorrentes. Outra organização, muito mais pequena, com poucos meios e recursos, instalações
exíguas e sem verba para 1&0, tem, no entanto, uma enorme capacidade de idealização e de sonho
que contraria a sua fraca situação no sector e estimula-a a superar aquelas que o lideram. A primeira
organização pode ser caracterizada como sendo rica de recursos e pobre em aspirações, a segunda,
pelo contrário, é pobre em recursos e rica em aspirações, quer dizer que ganha vantagem competitiva
através de uma boa intenção estratégica.

Ainda segundo os autores referidos, a intenção estratégica de uma organização consubstancia a


capacidade de sonho e criação, através da sustentação de uma posição competitiva a longo prazo.
Para o efeito, é necessário transmitir às organizações:

• Um sentido de direcção- As pessoas têm de saber para onde vai a organização. Se não, preo-
cupam-se, exclusivamente, com o curto prazo;

• Um sentido de descoberta -As pessoas têm de ter a oportunidade de dar azo à sua curiosi-
dade e capacidade criativa.

Sem intenção estratégica as organizações transformam-se a prazo nuns monstros ingeríveis


que acabarão por se desmoronar por elas próprias, ou porque a sociedade deixou de ter vontade de
as sustentar. A guerra do Vietname acabou com a máquina de guerra americana a esboroar-se e os
generais americanos a fugirem que nem ratos do terreno, porque perdeu essa capacidade de ideali-
zação do futuro que a intenção estratégica possibilita.
278 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

General americano
De visita a Hanoi, um general americano perguntou a um dirigente vietnamita como é que o
Vietname tinha conseguido deslocar homens e material para o sul, atravessando rios, apesar da
aviação americana ter bombardeado as pontes. A resposta foi a de que, após o bombardeamento
das primeiras pontes, passaram a construí-las ligeiramente abaixo da linha de água, pelo que
muito embora pudessem ser atravessadas por homens e material, não eram vistas do ar, não
podendo, por isso, ser bombardeadas pela força aérea americana. O general americano deu por si
a pensar se o problema fosse ao contrário como é que o exército mais poderoso do mundo reagiria.
Claro que chegou à conclusão que reagiria à bruta. Construía pontes mais fortes, montava siste-
mas de defesa sofisticados, mobilizava recursos e homens em quantidades indetermináveis e, final-
mente, acabaria por não resolver o problema. Quer isto dizer que não é suficiente ter recursos em
quantidades astronómicas, é necessário mobilizar a capacidade de sonho e criação das pessoas.
ln Competingfor lhe Future, Gary H amei & P. K. Prahalad (1999)

A estratégia falha

Geralmente, entre outras, podem ser apontadas as seguintes razões justificativas quando o pro-
cesso de formulação estratégica falha:
1. Não existem ideias claras acerca do que se pretende;
2. Os políticos (a decisão política, pública ou privada) não estão interessados;
3· Os gestores não estão suficientemente preparados;
4· A informação é insuficiente;
5· Os objectivos são demasiado vagos para serem medidos;
6. As unidades de acção não estão suficientemente esclarecidas;
7· Os diversos aspectos não estão suficientemente integrados;
8. As ligações com o sistema de controlo não são suficientes;
9· Aqueles que vão ser afectados pelo plano não o compreendem.

8.1 OCaracterização do planeamento


Na preparação das batalhas sempre verifiquei que os
planos eram inúteis mas o planeamento indispensável.
Dwight D. Eisenhower (1890-1969)

Tipos de planeamento

A palavra planeamento pode, como já tivemos a oportunidade de ver, significar muitas coisas. Uma
das razões que, de alguma maneira, justifica esta circunstância é o facto de existirem vários tipos de
planeamento. Segundo H. Weihrich & H. l<oontz (1993) existem pelo menos 7 tipos de planeamento:
1. De vocação e missão; 3· De estratégias;
2. De objectivos ou metas; 4· De políticas;
Apoio e o Planeamento [ 279

5· De procedimentos; 7· De orçamentos;
6. De programas; &. Outros.

No entanto, é possível construir outros tipos de planeamento, tais como de investigação, de


marketing, de produção, de pessoal, financeiro, etc. Ou dos diferentes sectores da organização
social, tais como da educação, da saúde, dos transportes, do desporto, etc. Em conformidade,
quando se inicia qualquer planeamento há que saber qual é o seu universo.

Universo do planeamento

É o conjunto de todas as situações possíveis que podem ser integradas no plano. É caracteri-
zado por dois aspectos fundamentais:
1. A abrangência;
2. O âmbito.

Abrangência

Determina a dinâmica com que as diversas áreas, sectores e etapas do sistema desportivo se
devem desenvolver, de acordo com uma ideia global- que anima e dá direcção às acções de todo o
sistema. A este respeito recordamos a metáfora de Steve Jobs relativamente à necessidade de toda
e qualquer célula ser portadora do plano global do organismo a fim de poder funcionar na sua ple-
nitude (perspectiva holográfica dos sistemas).

Âmbito

Determina a incidência espacial do planeamento. A saber:


1. Nacional; 2. Regional; 3· Local.

Descentralização

A descentralização determina o nível de desagregação do poder, da responsabilidade e do.s


recursos, em direcção à periferia do processo de planeamento. No entanto, o planeamento descen-
tralizado deve ser entendido como um processo contínuo e circular e não um canal por onde desce
a informação que se vai perdendo e degradando em cada patamar da estrutura orgânica e pela pró-
pria hierarquia. A planificação descentralizada é um sistema de fluxos horizontais e verticais de
informação que deve pôr em interacção todos aqueles que estão implicados nas actividades des-
portivas e sociais, absorver estímulos e rectificar as atitudes e operações, isto é, processar uma fun-
ção de adaptação contínua, própria de qualquer sistema aberto. Só assim é possível enquadrar o
âmbito local no regional e este no nacional.
No domínio do desporto, a planificação descentralizada é um processo vital e não um instru-
mento tecnocrático para confundir espíritos e deixar tudo na mesma. Não se trata só de estimular e
regular o sistema central para uma nova atitude mental e estrutural quanto às suas relações com a
periferia, na medida em que se deve aplicar ao conjunto do sistema, desde os grandes programas e
projectos nacionais até aos regionais, locais e sectoriais. No entanto, quando se trata de planear
uma unidade geográfica alargada, concelho, região ou um país, tem de existir uma coerência quanto
às soluções adoptadas, sob pena das decisões ficarem nas mãos de determinados lóbis que nada
têm a ver com os interesses da unidade geográfica em causa, do próprio desporto e das populações.
280 Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Subsidiariedade

A planificação descentralizada deve pois cumprir esse princípio tão importante do desenvolvi-
mento, denominado princípio da subsidiariedade (Ernest Schumacher, 1980; Charles Handy, 1994),
que encontra a sua expressão prática no processo de planeamento.

Princípio da subsidiariedade

É um enorme erro e uma injustiça atribuir a uma unidade orgânica de maiores dimensões e de
mais alto nível aquilo que organizações subordinadas e menores são capazes de fazer. O princípio da
subsidiariedade implica que o ónus da prova caiba àquele que quer absorver a função da estrutura de
nível inferior. O princípio da função subsidiária diz-nos ainda que o centro ganhará em autoridade e
eficácia se a liberdade e a responsabilidade das funções de nível mais baixo for cuidadosamente pre-
servada, resultando daí uma organização no seu conjunto mais feliz e mais próspera.

Sinergia

Obtém-se um efeito sinérgico quando, através de uma estratégia de alianças, se consegue que
o produto final da acção desencadeada seja maior do que a simples soma das partes. )ignifica que
dois mais dois podem ser igual a cinco (2 + 2 = s). O conceito foi pela primeira vez introduzido por
lgor Ansoff, em 1965, através do livro Corporate Strategy. Se não, à imagem e semelhança do que se
passa na Biologia, é uma sinergia onerosa, quer dizer, a articulação dos diversos órgãos de um sis-
tema processa-se num regime em que um deles se alimenta à custa dos outros acabando por os
destruir. Em nossa opinião é o que está a acontecer no sistema desportivo, ou seja, os órgãos de
cúpula estão a viver à custa das periferias, criando deste modo sinergias onerosas que fazem com
que o sistema desportivo não funcione com todas as suas potencialidades.

Quadro 51 Horizonte temporal fixo e móvel

Anos Horizonte temporal fixo Horizonte temporal móvel

-------,
I
3
-------,
I
2 4
-------,
I
1 4

4 4

Segundo Camacho, A. et ai. (1982)


Apoio e o Planeamento [ 281

Horizonte temporal

É o período de tempo a que determinado planeamento se refere. O horizonte temporal que


determina a mecânica do planeamento.

Mecânica de planeamento

Quanto à sua mecânica, o planeamento pode ter um horizonte temporal fixo ou móvel (ver qua-
dro 51).
1. Horizonte temporal fixo. Circunscreve-se a um período limitado de tempo, para além do qual
se inicia um novo planeamento.
2. Horizonte temporal móvel. Quando os objectivos de determinado plano não são atingidos
numa data prevista, assume-se que passam para o período imediatamente sequente. A este
operação dá-se o nome de deslize. Quer dizer os projectos deslizaram para o ciclo seguinte
de planeamento.

Hierarquia do planeamento

A hierarquia do planeamento tem a ver com o nível organizacional em que o mesmo é realizado.
Quanto mais alto um gestor estiver colocado na hierarquia da organização, maiores são as suas com-
petências e responsabilidades em relação ao planeamento. De facto, um dos maiores garantes de
estarmos na presença de um gestor de sucesso pode ser indicado pela sua habilidade para implemen-
tar processos de planeamento. Um quadro superior de um sistema ou duma organização, em matéria
de planeamento, transmite as grandes linhas que devem enquadrar a acção da organização. Nestas
circunstâncias, está-se no domínio político. É a ele que também lhe compete orientar a realização do
planeamento estratégico. Já no que se refere aos gestores de níveis mais baixos da organização têm
de desenvolver toda a sua acção no sentido de planearem, a fim de cumprirem os objectivos e as
metas81 determinados pelos primeiros. Compete-lhes o planeamento táctico. No que diz respeito aos
elementos que estão junto dos executores compete-lhes o planeamento operacional.

Nível dos objectivos

O nível hierárquico do planeamento determina logicamente o nível de objectivos. Em muitas


circunstâncias, os objectivos não são nem bem decididos nem bem formalizados. De facto, o pla-
neamento quanto às suas implicações pode ter diversos níveis de especificidade. Uma coisa é ter-
mos da realidade que estamos a tratar uma visão de grande angular. Outra é termos uma visão
com uma perspectiva que nos possibilite uma visão de aspectos específicos do projecto.
Em conformidade, consideramos cinco níveis hierárquicos de objectivos:
1. Político- Satisfazer uma necessidade social;
2. Estratégico- Responder a um problema específico;
3· Táctico- Obter um resultado;
4· Operacional - Provocar uma transformação;
5· Suporte- Desenvolvido a nível da logística.

81
Uma meta é um objectivo quantificado. Contudo, esclarecemos que autores existem que têm uma ideia contrária.
282 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Objectivos políticos

Tal como referimos anteriormente, na linha de pensamento de Henry Mintzberg (1994), para
nós os conceitos de estratégia, de pensamento estratégico e de formulação estratégica são diferen-
tes do conceito de planeamento estratégico. Por isso, estabelece-se a categoria de objectivos políti-
cos que determinam as grandes opções que devem orientar as vidas das organizações. O que se
visa é determinar as grandes necessidades sociais. Nesta dimensão, deve ser especificada a filoso-
fia de acção da organização. Esta é constituída pelo credo da organização, quer dizer, os seus prin-
cípios, os seus valores, isto é, aquilo em que a organização acredita e que determina a sua identi-
dade cultural. No plano político, devem, assim, ser consideradas a vocação da organização, a sua
missão, bem como a super-estrutura e os modelos de liderança e as relações interpessoais. Quer
dizer, estamos perante uma estrutura de ideias que visa satisfazer uma necessidade social. Em con-
formidade, os objectivos políticos são aqueles que têm um valor ideológico, pelo que não podem
estar a mudar ao sabor circunstancial das conjunturas (ver quadro 52).

Quadro 52 Hierarquia do planeamento

1. 0 Nível- Político 2. 0 Nível- Estratégico 3. 0 Nível- Táctico 4. 0 Nível+ Operacional

Satisfazer uma Resolver um problema


um resultado Provocar transformações
social específico

1.1.1.1

1.1
1.1.1

__f12-
1.1.2 j:u -
1 2.2
1.

1.2.1 I~
1.2.1.2
1.2
1.2.2.1
12.2
1.2.2.2

Objectivos estratégicos

São objectivos políticos de longo prazo. Quer dizer, aqueles que têm um valor estruturante. Visam
ser mais do que uma simples formulação de grandes ideias, pois procuram transmitir uma mensa-
gem mobilizadora para todos aqueles que estão envolvidos numa determinada organização ou pro-
jecto, na medida em que é através deles que se realizam as grandes decisões em matéria de atribuição
de responsabilidades, escolha de mercados ou áreas sociais, opções de produção ou de serviços, afec-
tação de recursos. Devem, por isso, estar intimamente ligados às grandes opções políticas da organi-
zação que lhe está a montante e ao planeamento táctico que lhe é sequente e está a jusante.
-
Objectivos tácticos
Apoio e o Planeamento [ 283

Os objectivos tácticos têm por finalidade resolver problemas específicos. Por isso, consubstan-
l
ciam em programas e projectos as decisões realizadas no planeamento estratégico.

Planeamento operacional

O planeamento operacional visa provocar transformações pelo desenvolvimento das activida-


des e tarefas que possibilitam a realização do trabalho quotidiano das organizações, para que estas
possam cumprir a sua missão e objectivos.

Objectivos de suporte

São aqueles que são estabelecidos a nível da logística, a fim de suportarem a vida da organização.

Sistema de planeamento

O planeamento tem um sistema que o caracteriza e determina o protocolo segundo o qual deve
ser realizado. Por definição, um sistema é um conjunto de elementos em interacção dinâmica para
atingirem um determinado fim. Em conformidade, t0mbém o planeamento tem um conjunto de
elementos que devem interagir para atingirem um fim que lhes é comum. Muito embora possa
depois apresentar um nível de formalização mais ou menos complexo, devem ser considerados os
seguintes elementos:
Orgânica;
Processo;
Fronte"1 ras;
lnteifaces;
AI imentação;
Resultados;
Retro-ai imentação.

Orgânica

A orgânica do planeamento traduz o conjunto de órgãos que animam o processo de planea-


mento (A. Camacho, et ai., 1982).

Processo

O processo de planeamento determina a sequência segundo a qual os vários órgãos de uma


organização intervêm no planeamento.

Fronteiras e interfaces

As fronteiras delimitam o espaço de intervenção do sistema de planeamento.

Interfaces

São os espaços de cooperação entre os diversos sistemas sociais. São ainda os pontos de con-
tacto e de coincidência dos vários sectores sociais que são objecto do planeamento.
284 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Alimentação

Um sistema de planeamento tem de ser alimentado com recursos humanos, materiais e finan-
ceiros sob pena de ser inoperacional e inconsequente.

Universo

Implícito na definição de planeamento está o conceito de universo, entendido como o conjunto


de todas as situações possíveis que são objecto de planeamento.

Resultados

Um sistema de planeamento tem de produzir resultados. Os resultados imediatos são os planos


que, enquanto peças do processo, contribuem para o seu próprio sistema de controlo.

Retro-alimentação

A retro-alimentação,feedback, dá resposta às necessidades do sistema de controlo, ajustando a


cada momento as transformações que vão ocorrendo no meio social.

8.1 0.1 Planeamento estratégico


A ligação da estratégia enquanto "arte de liderar" ao conceito de planeamento surgiu de uma
forma natural. Desde os anos 6o tem vindo a ser aplicado nos mais diversos sectores sociais, desde
as empresas e toda a correspondente problemática da conquista de mercados à gestão de cidades,
onde se procura obter consensos mas também integrar novas perspectivas de desenvolvimento, em
que a multiplicidade de interesses e diferentes visões conduzem a situações de antagonismo que é
necessário resolver. Contudo, segundo Francisco Abreu (2002), quando se entra no domínio da
estratégia empresarial acontece uma mudança no "edifício conceptual", na medida em que o jogo
estratégico deixa de ser jogado a dois, pois passa a incluir um terceiro jogador, que muito embora
não intervenha nas jogadas impõe que seja a partir dele que os dois restantes elaboram e executam
os seus lances. O terceiro jogador é constituído pelas entidades externas ao confronto cuja satisfa-
ção das necessidades é necessário cumprir. Nestes termos, enquanto na estratégia militar e na des-
portiva vencer significa a derrota do outro, na estratégia empresarial a vitória significa conquistar
mercados através da satisfação dos clientes. Quer dizer que, embora se continue no domínio da
estratégia, na medida em que entre as empresas continua a existir uma dialéctica da agonística de
vontades, em que até se pode admitir a derrota dos adversários e a constituição de um monopólio, o
que é facto é que acontece também uma mudança de paradigma com a introdução do terceiro joga-
dor que é o cliente. A este respeito, l<enichi Ohmae (1975) fundamenta a estratégia no designado
"triângulo estratégico constituído pela organização, o cliente e a concorrência".
O planeamento estratégico decorre do pensamento estratégico. Como tal, o planeamento estra-
tégico é um processo de raciocínio lógico que, num horizonte temporal longo, permite identificar um
conjunto de manobras estratégicas e escolher aquelas que podem dar à organização as melhores
oportunidades de cumprir os objectivos e de realizar a sua missão de acordo com a sua vocação.
Por isso, toda a planificação estratégica supõe um conjunto de operações integradas, na
medida em que a integração representa a qualidade do estado de colaboração íntima de uma dada
organização.
Apoio e o Planeamento [ 285

O tempo

Actividades existem em que o tempo longo pode ser de seis meses a um ano, na medida em
que as coisas mudam muito rapidamente (por exemplo, as novas tecnologias, a moda, etc.).
Outras actividades mais estáticas, em que o tempo longo pode ser de quatro ou mais anos, por
exemplo, o próprio desporto federado, em que as regras só mudam, eventualmente, de quatro em
quatro anos, de acordo com as Olimpíadas.
No entanto, se olharmos para as novas práticas desportivas, as coisas mudam e evoluem bem
mais depressa. Quando se trata de espaços sociais ou organizacionais com maiores dimensões o
tempo longo geralmente assume períodos que se relacionam com as suas especificidades.

Espírito de corpo

O nível e o padrão de col aboração entre as diversas unid ades da organi zação determin am o
"es pírito de co rpo" necessário à rea li zação da res pectiva mi ssão.
A rea lização da mi ssão obri ga a um esfo rço co njunto dos procedim entos organi zacionais (coor-
denação, co nju gação e fiu xos de trabalho) dese nvo lvidos num determi nado am bi ente de tra balho.
Deve ser considerado que o padrão de in tegração do trabalh o, segundo Beve rl y, Goldberg & G.,
John Sifonis (1 994), acon selh a uma integração do pensam ento por parte das lideranças . Isto signi·
fi ca qu e os pro bl ema s das organi zações, das cid ades, dos países, já não podem ser vistos de um a
forma iso lada, pelo que têm de se r co nsiderados nu ma dinâm ica de in te r-relações . Por isso, só um
lun ático pode and ar por aí em regim e de autogestão a reivindi ca r a rea lização dos Jogos Olímpicos
de Li sbo a à reveli a de tudo e de tod os, num a esquizomania a todos os títul os lamentável porqu e
ridi cul ariza o desporto e o país perante o movim ento olímpico intern acional.

Vantagens e desvantagens

A integração no pl aneamento estratégico pode ser anali sad a do ponto de vi sta horizontal e ve r-
tica l. Do ponto de vista horizontal qu and o se deseja um desenvolvim ento de novas áreas de produ-
ção dentro da orga ni zação. Do ponto de vista verti ca l quand o se deseja obter novas fases do pro -
cesso produtivo . Esta dinâmi ca de integração num a dada organi zação aprese nta va nta gens, mas
também pod e aprese ntar desva ntage ns:
Vantagens:
1. Promove a motivação;
2. Não te m custos di rectos e pode promove r econo mias;
3· Dá um a visão global das organizações aos seus elementos;
4· Favorece relações inform ais;
5· Supera as limitações do forma li smo das regras;
6. Favo rece a efi các ia das rotin as.
Desvantagens:
1. Pode promover inefici ência e aum ento de custos;
2. Pode promover disfun ções ;

3· Pode aumen tar o tempo do traba lh o e o dispêndi o de ene rgia ;


286 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

4· Só funciona com as pessoas adequadas;


5· É de difícil implementação entre funções distintas;
6. Pode ser geradora de con~itos.

Longo prazo

O planeamento a nível estratégico caracteriza-se por suportar as decisões de longo prazo. Deve,
por isso:
1. Partir da iniciativa dos níveis hierárquicos mais elevados;

2. Promover decisões de efeitos prolongados no tempo;


3· Optar por soluções estruturantes, quer dizer, que promovam alterações estruturais;
4· As diversas interfaces e fronteiras devem estar bem esclarecidas;
5· Os vários gestores de linha devem partir das mesmas premissas;
6. A comunicação entre todos os responsáveis deve estar garantida;
1· A participação e a consequente divulgação devem estar garantidas;
8. A estratégia subjacente ao plano tem de ser perfeitamente compreendida pelas estruturas
subordinadas da organização.

Vejamos, então, como os vários autores 82 apresentam a estrutura e os componentes do planea-


mento estratégico:

lgor Ansoff (1965)

Na obra Corporate Strategl 3 :


1. A partir de um estímulo inicial determinar os objectivos;
2. Avaliação interna:
a. Determinação das oportunidades de crescimento;
b. Avaliação dos pontos fortes e fracos.
3· Avaliação externa:
a. Avaliação das oportunidades externas;
b. Decidir diversificar ou não.
4· Determinação da estrutura a fim de promover sinergias:
a. Alterar a estrutura;
b. Não alterar a estrutura.
5· Posicionamento:
a. Optar por uma estratégia de diversificação~

b. Optar por uma estratégia de expansão?


6. Determinar a estratégia administrativa;
1· Determinar a estratégia financeira.

82
Utilizamos a data da primeira edição da obra referida.
83 Da tradução brasileira: lgor Ansoff (1977). Estratégia Empresarial. Rio de Janeiro, McGraw-Hill, 1.a ed., 1965.
Apoio e o Planeamento [ 287

Russell Ackoff (1976)

Na obra A Concept ofCorporate Planning 84 o planeamento estratégico deve obedecer aos seguin-
tes itens:
1. Pressupostos condicionantes;

2. Declaração de propósitos;

3· Objectivos;
4· Estratégia esco lhid a;
5· Sistema de contro lo.

Alan Rowe J. & O. Richard Mason & E. Karl Dickel & H. Neil Snyder (1989)

Na obra Strategic Management- A Methodological Approch, os autores apresentam o seguinte


modelo de planeamento estratégico:
1. Auditoria de situação:

a. Valores, constrangimentos, capacidades;


b. Forças, vulnerabilidades e necessidades in satisfeitas.
"
2. Propósitos, missão, objectivos:

a. Oportunidades, ameaças, interessados (stakeholders);


b. Definição do negócio, perspectivas futuras, objectivos.
3· Estratégia competitiva:
a. Competência s distintivas, mercado potencial, competidores;
b. Vantagem competitiva, nichos, estratégias genéricas.
4· Estratégia de recursos:
a. Recursos financeiros, humanos e tecnológicos;
b. Financiamentos, orçamento, ca lend ári os.
5· Desenvolvimento e implementação dos planos:
a. Sistema de gestão, processos, cu ltura organizaciona l;
b. Eficiência de gestão, políticas, planos,Jeedback.

Arthur A. Thompson Jr. & A. J. Strickland III (1990)

Na obra Strategic management: Concepts and Cases, desenvolveram um modelo a que designa-
ram "As cinco tarefas da estratégia":
1. Definir a missão;

2. Determinar objectivos:

a. Curto prazo;
b. Lon go prazo.

84
Da tradução brasileira: Russell Ackoff (1979). Planejamento Empresarial. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1• ed.,
1976.
288 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

3· Idealizar a estratégia:
a. Nível da organização;
b. Nível dos negócios;
c. Nível funcional;
d. Nível operacional.
4· Im plementação e execução;
5· Avaliação e revisão.

Tom, Perry Lee & G. Stott, Randall & W. Norman Smallwood (1993)

Na obra Real-Time Strategy: lmprovising Team-Based Planning for a Fast-Changing World argu-
mentam que o planeamento estratégico parte de um "sistema de acompanhamento" que interage
com os segu intes aspectos:
1. Objectivos estratégicos;
2. Oportunidades;

3· Responsabilidades sociais;
4· Capacidades;
5· Recursos humanos;
6. Acção.

Goldberg Beverly & John G. Sifonis (1994)

Na obra Dynamic Planning- The Art of Managing Beyond Tomorrow apontam a segu inte meto-
dologia:
1. Identificação do problema:
a. Levantamento dos recursos;
b. Análise interna;
c. Análise externa;
d. Retorno à aná li se interna.
2. Procura de so lu ções:

a. Determinação da situação;
b. Desenvolver opções.
3· Análise das soluções:
a. Elaboração de um modelo estratégico;
b. Análise da opção;
c. A abordagem.
4· Implementar as soluções:
a. A grande estratégia;
b. A dinâmica do planeamento;
c. Gestão da mudança;
d. Monitorização;
e. Prospectiva.
Apoio e o Planeamento [ 289

John Bryson M. (2004)

Na obra Strategic Planningfor Public and Nonprofit Organizations: A Cuide to Strengthening and
Sustaining Organizational Achiet~ement são identificados oito momentos que devem ser considerados
na elaboração de um processo de planeamento estratégico:
1. Acordar as condições de arranque do processo de planeamento estratégico;
2. Identificar o enquadramento legal do plano estratégico;
3· Clarificar a missão da organização;
4· Avaliação do ambiente externo: oportunidades e ameaças;
5· Avaliação do ambiente interno: forças e fraquezas;
6. Identificar potenciais confiitos;
7· Formular estratégias para a gestão de cada item;
8. Estabelecer uma visão para o futuro.

Tendo em atenção, por um lado, a formulação estratégica e, por outro, a metodologia do pla-
neamento estratégico podemos desenhar o modelo que apresentamos no quadro (ver quadro 53).

Quadro 53 Planeamento estratégico

Integração

Área
Objectivos
IQualidade
OK?

Factores críticos de sucesso Projecção de:


o • Tendência
u
'õil • Ideal Sim
:l'J [~aç~o de sinergias I
~
2'"c
Vantagem competitiva
(análise da situação)
Formalização do plano estratégico
'"
E
L___ _ __

"'c
'" 1.Orgânica
"'
o: 2. Actividades

3· Marketing
4· Formação
S· Documentação
6. Informação

~~uê?---- ~~~~L;]?
7· Instalações
8. Apetrechamento -->-
g. Quadros humanos Onde?
___ ____ , 10. Economia e finanças Por quem?
~iagnóstico interno____ l : 11. Normativo
Par quê.
) ~uem?
+
L_~tamento da~i:tJ.a~"'-- L1_2_.G_e_s_tã_o_ _ ~---------"
. ,_ --------E~

AGONGD-19
290 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Pelo mode lo proposto é possíve l identifi ca r os pa râmetros que devem ori entar o pl anea mento
estratégico:

Diagnóstico externo

Ava li ação do ambi ente extern o da orga ni zação (levantamento da situ ação), tend o em atenção a
evo lu ção das tend ênci as sociodespo rtivas , as oportunidad es e as ameaças, a fim de serem determi-
nados os facto res críti cos de sucesso relativa mente à organi zação.

Diagnóstico interno

Ava li ação do ambiente intern o da orga ni zação (l evanta mento da situ ação), so b o ponto de vista
das suas forças e das suas fraquezas, ten do em conta a sua fil osofia de acção e a identid ade cultural,
a fim de serem determin adas as competências di stintivas da organização.

Vantagem competitiva

Determin ação da vantagem competi ti va da orga nização pelo cru za mento das co mpetências distin -
tivas com os factores críticos de sucesso. A determ inação da vantagem competitiva pode desencadear
feedbacks orga nizacionais a fim de afi narem os factores críticos de sucesso, bem como ils com petên-
cias distintivas identificadas . A determ inação das va ntagens competiti vas de uma organização é obtida
pela análi se da situação.

Objectivos estratégicos

Deco rre m da determin ação da va ntage m co mpetitiva e deve m se r determin ado s a partir dos
facto res de dese nvolvim ento signifi cativos , qu er di zer, aqu eles qu e in te ressa m ao pl anea mento
estratégico . A determin ação dos obj ectivos estratégicos (projecção planeada) deve se r rea li za da
tendo em ate nção a projecção de tendência e a projecção ideal.

Determinação da estratégia

Determin ar a estratégia a adoptar é conseguido através de um a de quatro opções fund amenta is:
1. Expa nsão; 3· Qua lidade;
2. Dive rsificação; 4· Mi sta.

Integração

In tegrar os objectivos estratégicos nas diversas áreas, sectores, etapas ou ciclos do processo de
desenvo lvi mento do despo rto é de fu nd amen tal importância a fi m de cri ar sine rgias entre as partes
de qualquer sistema. Não esquecer qu e se po r um lado o processo de es peciali zação do trabalh o
obriga a dividir os organi gramas no se ntid o horizo ntal e verti ca l, o processo de integração obri ga a
fazer a ope ração em se ntido contrário , isto é, no se ntid o da co njugação e coo peração interpartes da
organ ização, estimul and o o surgimento das co rrespo nden tes potenciais sinergias .

Formalização do plano estratégico

Uma vez definido s os objecti vos es tratégicos há qu e passa r para a form alização do pl anea-
mento estra tégico através da determ inação e dos programas e a afectação dos recursos dispon íve is
e passar ao pl ane mane nto tácti co e ope rac ional.
Apoio e o Planeamento [ 291

Sistema de controlo

Elaboração do sistema de controlo conforme quadro 56. Assim, é necessário definir as variáveis que
se pretendem medir, estabelecer os critérios de medição, determinar o sistema de controlo (quem con-
trola, como, quando e onde), avaliar os resultados, proceder a eventuais correcções, fazer relatório.

8.1 0.2 Planeamento táctico

No planeamento táctico a tomada da decisão é feita com base em factos, conhecimento e razão
(em opos ição à tomada de decisão com base na intuição) . Deve ser explícito, rigoroso e sistemát ico,
baseado em técnicas e processos lógicos.
O planeamento táctico tem por objectivo a afectação de recursos e o estabelecimento de sistemas
de controlo necessários para levar a cabo as decisões realizadas a nível estratégico. Destina-se, por
isso, a determinar os tempos e os momentos e a afectar os recursos através dos quais vão ser atingi-
dos os objectivos inicialmente previstos que devem ser organizados em programas (ver quadro 54).
Deve, ainda, escolher e afectar os meios pelos quais se procurará atingir os objectivos. Tem, por
isso, a finalidade de optimizar determinada área de resultado ou factor de desenvolvimento, para usar-
mos a terminologia desportiva. De uma maneira geral, em matéria de desporto, o planeamento táctico
pode ser realizado através da utilização de factores de desenvolvimento. Na nossa ideia, o planeamento
táctico organiza-se através de diversos programas por factores de desenvolvimento do desporto.

Quadro 54 I Planeamento táctico

Fact. de desenvolvimento Projectos Total


de
Programas 1
I 1 l l l
2 3 4 5 6
I
7
I ... I· ... I n programas

Gestão a, b, c, ...

Orgânica a, b, c, ...

Recursos humanos a, b, c, ...

~
Factores Forças
Marketing internos Fraquezas a, b, c, ...

Documentação a, b, c, ...

Informação a, b, c, ...

· Apetrechamento a, b, c, ...

Instalações a, b, c, ...

Formação Factores Ameaças a, b, c, ...


externos Oportunidades
Normativo a, b, c, .. .

Economia e finanças a, b, c, ...

Adi_vidades a, b, c, ...

Total de projectos Ln I 2..n I 3...n I 4... n I S.. .n I 6... n I 7... n I .. . I .. . I n... n


292 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

8.1 0.3 Planeamento operacional

O planeamento a nível operaciona l caracteriza-se pelo desenvolvim ento das actividades e tare-
fas que possibilitam a realização do trabalho quotidiano das organizações (rotinas), para que estas
possam cumprir a sua missão e objectivos . Traduz-se ain da nos programas e nos projectos desen-
vo lvidos a nível de cada ano. No planeamento operaciona l não se trata de declarações de intenções
ou proposições. Trata-se de especifi car aqui lo que se vai fazer. Nesta perspectiva, o planeamento
operaciona l pode ser organizado tendo em atenção o conjunto de programas e de projectos que
vão se r desenvolvidos (ver quadro 55).
Em relação a cada projecto ou programa devem ser respondidas as perguntas tradicionais:
1. O que é que se quer fazer?
2. Como é que se quer fazer? Com que tecnologia e com que recursos?
3· Quando é que se va i fazer?
4· Onde é que aqui lo que se quer fazer vai oéorrer?
5· Por quem é que vai ser realizado?
6. Com quem é que va i ser realizado?
7· Para quem é que va i ser rea lizado? Quem são os destinatários?
8. Para o que é que se va i fazer? Quais são os objectivos da acção?

Quadro 55 1Planeamento operacional

Total
de
n programas

Gestão a, b, c, ...

Orgânica O quê? Como? a, b, c, ...

Recursos humanos
t
Quando?
a, b, c, ...

a, b, c, ...
Marketing

Documentação t
Onde?
a, b, c, .. .

Informação

Apetrechamento Para quê?


t
Por quem?
a, b, c, ...

a, b, c, .. .

Instalações

Formação
t
Com quem?
a, b, c, .. .

a, b, c, ...

Normativo
1 t
Para quem?
a, b, c, ...

Economia e finanças a, b, c, .. .

Actividades a, b, c, ...

Total de projectos 1...n n... n


Apoio e o Planeamento [ 293

8.11 Sistema de controlo

Nada melhora mais a inovação do que a falta de controlo.


Lei de M uench

Os processos de controlo mal assumidos podem conduzir a situações de desadaptação e de


desinteresse generalizado. A liberdade pode gerar criatividade, como o sistema de controlo em
excesso pode descambar num sistema sem capacidade de reacção às transformações que ocorrem
no amb iente. Portanto, é necessário, por um lado, encontrar a justa medida e, por outro, os proces-
sos mais expeditos que permitam atin gir os objectivos próprios dum sistema de contro lo.

Controlo

É formado por todos os mecanismos que sistemática e continuamente permitem, em todos os


momentos do processo, estar-se na posse dos dados para processar as correcções necessárias (ver
quadro 56). O que se procura atingir ao engendrar-se um sistema de controlo no processo de planea-
mento é:
1. Assegurar a regularidade do padrão de comport~mento em relação ao predeterminado;
2. Adaptar a organização ao seu meio envolvente;
3· Estabelecer as condições para que a organização possa viver numa situação de homeostasia;
4· Melhorar o padrão de funcionamento da organização.

Quadro 56 1Sistema de controlo

Implementar ... ________ Apurar as falhas + - __________ ~


as medidas e os estrangulamentos ~
correctivas apuradas

1
Os resultados
Definir Estabelecer Determinar Medir atingiram
as variáveis critérios e nfveis o sistema os
a medir de aceitação de controlo resultados

L __ _ Re_la_tó_r_io__ ~l~·------,1~------~

Nova fase ~.
L-----------~__d_e_co_n_tr_o_
lo~l+-------,
~ \-------V
294 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

8.12 Projecto e planeamento

J. F. Lyotard (1979)
Na obra A Condição Pós-Moderna, este auto r diagnostico u o fim da modern id ade e o co nsequente
advento de um a nova era ca racterizada pelo abandono das narrati vas id eológicas legitim antes que,
desde'o século XVIII , organi zava m o pensamento e a acção dos Homens. Também o des porto foi var-
rid o por esta voragem da hi stóri a, pelo que, hoje, se enco ntra profund amente irreco nhecível no que
diz respeito à sua vocação e sistema de va lores.
Por isso, no des porto actual, não chega determi nar um res ultado ou um a marca ou organiza r
um even to intern aciona l. É necessá ri o sa ber em qu e projecto de desenvo lvimento hum ano é que
aq ueles estão integrados, so b pena de aco ntecer um a co mpleta pe rve rsão dos va lores e dos objecti-
vos do des porto.
Por outro lado, vej a-se o que se passa hoje no mundo do despo rto co m os países e as grandes
marcas a aproveitarem-se e a fin anciarem organizações, eventos e atl etas à custa da exploração de
mão-de-obra barata nos países em vias de dese nvolvimento, tal como a Chin a, a Ín dia, o Paqui stão e
até mesmo em países qu e já pertencem ao clube dos pretensa mente desenvolvidos como, por exem-
plo, Portuga l. Portugal, neste aspecto, até apresenta um a situação singular na med id a ~m que se por
um lado é explorado, por outro não deixa de ser expl orador. Veja-se, entre outros, o caso de Obi kwelu,
Naide Gomes ou até, mais recentemente, Pedro Em anuel e Chainho, que viram a sua inscrição para o
Mundial de 2006, na equi pa de Ango la, recusada pela FIFA, uma vez que os jogadores já tinham
representado Portu gal nas selecções de jovens em competições internacionais85.

Manuel Sérgio

O "desporto pelo desporto", que alguns querem contrapor ao desporto político, pretendendo
ressuscitar o complexo ideológico que presidiu ao nascimento do desporto moderno na Inglaterra
vitoriana, redundará fatalmente em fracasso e não resistirá a um austero esforço de compreensão
global. É que, embora algazarreado por pessoas que se afirmam apolíticas, esse tipo de desporto
está penetrado e imbuído de opções políticas fundamenta is. Não há desporto, na sociedade
moderna, sem um claro suporte institucional e não há instituições sem uma prática política efec-
tiva no contexto sociaL O desporto apolítico é uma doce mentira ou uma tremenda ignorância.
Iri O Desporto Madeira , 29/ll/2002

85
In Público, i 3/S/2oo6.
[Hermes e oGestõo de Projectos

Objectivos do capítulo. Hermes começou por ser invocado como deus dos pastores e protector
dos rebanhos, dos covolos e onimois selvagens. Depois, tornou-se deus dos viajantes. Por isso,
em suo homenagem, foram erguidos estátuas à beiro dos estrados (hermos). Nesta perspectivo,
aqui o associamos à gestão de projectos no medido em que o ideio de projecto tem dentro de si
umo perspectivo de viagem. Posteriormente, Hermes tornou-se deus do comércio, pelo que é
mais umo razão poro enquadrar o espírito do presente capítulo. Infelizmente, Hermes tàmbém
ocobou por ser o deus dos ladrões. Poro proteger os compradores e vendedores, inventou o
bolonço e promoveu o eloquência. Ébem o deus patrono dos gestores de projectos, obrigados oo
rigor e à copocidode de persuasão que deve ser apanágio de quem se espero copocidode de
envolver os pessoas no organização do futuro. Assim, no presente capítulo, vamos desenvolver
os questões relativos oo planeamento e-gestão de projectos, considerando o suo definição, os
questões iniciais, os técnicos de programação, o identificação de um projecto e o seu planea-
mento. Finalmente, apresentamos umo pequeno síntese de conclusão.

Um projecto é um rascunho do futuro.


Jules Rena rd (1864-1910)

Antigamente, os projectos, sa lvo raras excepções, não eram suficientemente grandes e complexos
ou com necessidade de serem co mprimid os no tempo, de forma a exigirem para a sua execução uma
estrutura de ta refas 86 executadas em regime de coordenação, bem como uma série de técnicas e com-
petências de programação. Então, os responsáveis pela gestão de projectos lim itava m-se a realiza r de
memória um conjunto de operações que se sucediam umas atrás das outras. Com o decorrer do
tempo, a evo lução da sociedade industri al obrigou a que os projectos se tornassem não só maiores
como mais comp lexos . Deste modo, a importância e o esfo rço de planeamento têm vindo a aumen-
tar, de forma a dar res posta às exigências provocadas pela compl exidade dos projectos e às li mitações
do tempo em relação à sua execução. Po r isso, quanto maior for a comp lexidade e o níve l de incer-
teza, maiores são os con hecimentos e os recursos técnicos necessários ao processo de planeamento.
Por outro lado, a escassez de recursos veio, ainda, a obrigar a que os projectos se rea lizassem cada
vez com um maior ri gor, de maneira a serem controlados e, se possível, red uzidos os custos e renta-
bilizados os meios disponíveis. A complexidade e o rigor vieram, ass im, originar que as técnicas de
planeamento e programação de projectos evolu íssem para níveis de sofisticação muito elevados. Con-
tudo, há que manter os pés bem assen tes na terra. Um projecto é para dar resposta expedita a proble-
mas. Portanto, a ênfase do gestor de projectos deve ser co locada fundamentalmente na so lu ção.

86
Uti lizamos o conceito de tarefa com duas acepções. No seu sentido lato como uma unidade de trabalho independente,
seja ela uma actividade, uma tarefa ou uma subtarefa. Ou, no seu sen tido estrito, co mo uma subunidade da actividade ou
como um conjunto de subtarefas.
296 ) Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Foco no problema versus foco na solução ...

Quando a Nasa iniciou o lançamento de astronautas, descobriu que as canetas não funciona-
riam com gravidade zero. Em conformidade, contrataram a Andersen Consulting, para resolver o
enorme problema. Gastaram dez anos e 12 milhões de dólares. E com êxito, já que conseguiram
desenvolver uma caneta que escreve com gravidade zero, debaixo de água, em praticamente qual-
quer superftcie e a temperaturas que podem ir até 300 graus Celsius.
Os russos usaram simplesmente um lápis ...

É isso precisa mente o qu e se passa com o desporto. Des de o pl anea mento e a programação
dum grand e eve nto des portivo até à simpl es rea lização dum qu adro co mpetiti vo esco lar, cada vez
são mais utilizadas técni cas de pl aneamento e programação que aca bam por melh orar signifi cativa-
mente a efi ciên cia e a eficácia do trabalho rea lizado. Com mais ou menos tec nologia, com mais ou
menos pessoas envo lvidas, co m recu rsos ma is ou menos signifi cativos, com um a lid erança mais
ou menos pa rtilh ada , o co nhecim ento re lativo ao pl anea mento e gestão de projectos é de fund a-
mental importância pa ra o gestor de desporto . De facto, as escolas , os clubes, as federações des-
portivas e outras orga nizações são rea lid ades organi zacionais inte ractivas que co mportam acti vid a-
des que podem ser processadas co mo unid ades de traba lho independ entes, para além de todas as
rotinas de manutenção e suporte qu e devem fun cionar no dia-a-di a. Essas unid ades de trabalho ou
projecto dão form a .a todo um co njunto de se ntim entos, desej os, crenças e motivações qu e os
diversos prota goni stas vi ve m dentro de cada um a daqu elas organizações .
87
Em conformidad e, a gestão dum projecto tem , sim ultanea mente, a ver co m um processo que
se deseja cie ntífico mas, também, tem a ver co m aquilo a que podemos des ignar por arte. De facto,
um projecto utiliza determin adas operações de natureza científica mas, também, muita da sua efi-
cácia e efi ciênci a fica-se a dever ao trabalho de cri ativid ade do s se us mentores e autores. Ass im, um
projecto terá tanto maior êxito qu anto mais os seus autores esti verem integrados na din âmi ca das
orga ni zações e sistemas ond e ele se dese nvolve. Por outro lado, é necessá ri o co nsid erar a qu estão
políti ca. Muitos projectos de dese nvolvim ento estão envolvidos na probl emáti ca da política geral,
na política edu cativa e, no caso do des porto, na política desporti va, eco nómi ca e social, qu e confi -
gura as opções ideológicas esse nciais qu e é necessá ri o co nsid erar. Portanto, os critéri os para a sua
elaboração e execução ultra passa m frequ entemente os aspectos de ordem técni ca e situ am-se num
pl ano de decisão macro de tod'o o sistema de pl anea mento a qu e já ~os refe rimo s.

87
Se mpre que possível, usamos a te rmi no logia mais co rrJnteme nte utili zada pelo software mais div ul gado no me rcado
nacio nal e intern acio nal, concretamen te o programa de planeamento de projectos da Microsoft.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 297

9.1O que é um projecto?


O trabalho expande-se até preencher o tempo e o orça-
mento disponiveis.
Lei de Parkinson

No discurso co mum, e na literatura mais divul gada, o term o projecto, de uma maneira gera l,
em sentid o lato, pode significar um a id eia qu e se deseja desenvolve r, ou uma mera intenção de rea-
li za r qualqu er co isa no futuro. As pessoas e as organ izações têm projectos, enten den do-se estes
projectos como ideias que desejam vir a rea liza r.

A voz de Deus troou ...

Faz uma arca; uma grande barca de boa madeira resinosa, com vários compartimentos e põe-
-lhe betume por dentro e por fora . Deves fazê-la com estas medidas: cento e cinquenta metros de
comprimento, vinte e cinco metros de largura e quinze metros de altura. Faz-lhe uma clarabóia a
meio metro do cimo e uma porta de lado. Deves fazf -la com três andares sobrepostos. f. --1 Vou
fazer cair sobre a terra um dilúvio de água, para destruir todos os seres vivos que existem no
mundo. Tudo o que há na terra vai morrer. Mas contigo farei um pacto de aliança. Deves entrar
na arca, tu e os teus dois filhos, a tua mulher e as dos teus filhos. E de todas as espécies de seres
vivos deves levar para a arca dois exemplares, um macho e uma fêmea, para poderem sobreviver
juntamente contigo. Deves apanhar e armazenar os diferentes tipos de comida que cada espécie
costuma comer, como provisões para ti e para os teus animais. E Noé fez tudo exactamente como
o Senhor lhe tinha mandado fazer.
ln Génesis

No entanto, a id eia de proj ecto pode também ser utilizada num se ntido estrito, send o neste
caso o term o cons id erado co mo um a unid ade do programa. Então, te ríamos a seguinte estrutura:
· Pl ano;
· Programas ;
· Projectos;
· Actividad es;
·Tarefa s;
· Subtarefas.
O planeam ento de proj ectos utiliza uma tecnologia específi ca co nstituíd a por um conjunto de
procedimentos e in strumentos qu e escl arecem, integram, contro lam e facilitam todo o sistema de
pl anea mento. É este último se ntido que agora nos interessa co nsid erar, ind epend entemente do
projecto em ca usa se situ ar no domíni o estratégico, táctico ou operacional.
Um projecto é um a ideia qu e tem de ser pl aneada, como deco rre do qu adro relativo ao pl anea-
mento operacional. Para que o plan ea mento possa se r realizad o, o projecto tem de ser dividido num
conjunto de partes (activid ades, tarefas e subtarefas) que deve m ser executadas segundo um a dada
ordem, ao longo de um período de tem po estabelecido. Esta operação pode ser um a simples li sta de
"coisas" (cábul a, check-líst) a rea li zar, segund o um a prioridade co m um a lógica predetermin ada.
298 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

No entanto, quando o número de tarefas e de pessoas envolvidas aumenta significativamente, a ela-


boração do projecto começa a colocar questões de eficiência e eficácia, pelo que é necessário encon-
trar técnicas específicas para as resolver. Nestas circunstâncias, utilizam-se as denominadas técnicas
de programação. É evidente que se estivermos a marcar uma simples reunião de atletas, dirigentes
ou alunos não é necessário nada de especial para além de se saber quem são as pessoas, a hora eo
local da reunião, o objectivo da reunião e, eventualmente, o limite de tempo de duração. Isto é pla-
near um projecto (realização de uma reunião), só que, como as tarefas a cumprir são tão limitadas e
tão pouco complexas, não é necessária qualquer técnica especial. Eventualmente, uma simples nota
(convocatória) é suficiente.
No entanto, quando as coisas são mais complicadas, por exemplo, quando estamos a planear o
projecto educativo dum estabelecimento de ensino, um projecto específico de desenvolvimento de
um clube ou federação, as actividades de um centro de formação de uma SAD, uma actividade de
férias onde estão envolvidos bastantes alunos, vários professores, necessidades de alimentação,
transportes, etc., é conveniente ter outros cuidados e, por isso, utilizar processos mais formalizados.
Por exemplo, a realização dum evento desportivo apresenta, muitas vezes, um número significativo
de actividades e de tarefas com níveis de complexidade consideráveis que devem ser articuladas de
forma a encontrar-se a melhor solução. Portanto, já não chega uma simples nota a anunciar o
evento, pelo que têm de ser encontrados outros processos mais eficientes que se coQsubstanciam
naquilo a que na gíria da gestão se convencionou designar por planeamento e gestão de projectos.

Um projecto é um corpo organizado de actividades estruturadas em tarefas e subtarefas, coor-


denadas entre si, no espaço e no tempo que, duma forma integrada, concorrem para a realização
de determinado objectivo.

O conceito de projecto ultrapassa a rotina das organizações. Por não pertencer ao domínio da
rotina, o projecto requer um planeamento próprio e específico, muitas vezes com a utilização de gru-
pos de trabalho constituídos para o efeito, em função dos objectivos a atingir. No âmbito deste tra-
balho, o projecto organiza as actividades inerentes ao planeamento operacional. Um processo de
desenvolvimento consiste, precisamente, em transformar projectos em rotinas, de maneira a que
sobre as novas rotinas se possam realizar novos projectos e assim sucessivamente.

Não chega ter ideias. Estas têm de ser implementadas e como tal têm de ser sujeitas a um con-
junto de operações que as vão transformar em realidades. É aqui que surgem as técnicas de planea-
mento e programação de projectos. O planeamento dum projecto é, por isso, o conjunto das opera-
ções que é necessário realizar num determinado período de tempo que medeia entre o momento
em que é decidido dar corpo a uma ideia e a sua implementação.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 299

9.2 Questões iniciais


Se uma coisa puder correr mal, correrá mal.
Lei de Murphy

A elaboração do projecto vai responder, em termos operacionais, quer dizer, de uma maneira
mais fina, às questões iniciais anteriormente enunciadas. Assim, deve-se ter uma resposta concreta
para as seguintes questões:
O quê? (Objecto) - Qual é o projecto a realizar. Onde é que ele se integra no plano operacio-
nal? O que é necessário fazer (objectivos técnicos)> Quais são as condições em que o projecto
é considerado como realizado?
Como? (Método, estratégia) -Como é que se vai conseguir realizar o objecto do planeamento?
Qual é o ambiente e a complexidade do trabalho a realizar? Qual o caminho a seguir> Com que
recursos humanos, materiais e financeiros> Com que constrangimentos> Quais as actividades e
tarefas a realizar> Qual o sistema de planeamento a utilizar> Quais são as questões que se colo-
cam em relação à utilização do tempo? Quanto, custa e quais são os recursos necessários?
Quais os recursos disponíveis? Qual o balanço entre os recursos disponíveis e os necessários?
Como é que funciona o sistema de controlo?
Quando? (Tempo) -Quando é que a acção "o quê>" vai ser realizada? Quais os problemas
relativos à gestão do tempo> Quais o início e fim da acção? Quais as margens de folga> Tem-
pos mais cedo e mais tarde do início e do fim, etc. Quanto tempo é necessário para que o pro-
jecto produza os efeitos desejados>
Onde? (Lugar) -Onde é que tudo vai acontecer> Onde é que o projecto se vai realizar?
Por quem? (Executores) - Por quem, determina quem são os responsáveis? Pessoas ejou enti-
dades? Quem vai realizar o trabalho> Quem toma as decisões>
Com quem? (Envolvidos) - Esta questão tem por objectivo indicar as entidades individuais e
colectivas, públicas ou privadas (parceiros), a serem envolvidas, quer directamente quer indirec-
tamente, no projecto.
Para quem? (Destinatário) -Quem são os destinatários> Quais os segmentos sociais abrangi-
dos> Estão de acordo com "o quê?", quer dizer, com aquilo que se pretende realizar?
Para quê? (Objectivo) -Quais os objectivos que se pretendem atingir, através de uma acção ou
projecto específico> Os objectivos só ganham sentido se estiverem de acordo com aquilo que
se deseja fazer, "o quê>", e com os destinatários, "para quem>".

Pelo exposto, podemos concluir que um projecto deve ser construído segundo um conjunto de
operações que devem ser realizadas com uma certa lógica com vista à obtenção de determinados
resultados previamente previstos. É evidente que cada projecto será realizado em conformidade
com o contexto das acções e tarefas a desencadear.

Fases

Para desenvolver um projecto é necessário proceder a um conjunto de operações que podem


ser organizadas por fases. Geralmente, a gestão de um projecto envolve três fases:
1. Planeamento do projecto;
300 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

2. Gestão da evolução do projecto e das mudanças;


3· Comunicação da informação.

fase: No planeamento do projecto desenvolvem-se todas as operações necessárias à formali-


1.a
zação do projecto: determinação dos objectivos, dos destinatários, dos recursos, etc. Nesta fase
procura-se dar resposta às questões iniciais.
2.a fase: Na fase da gestão da evolução do projecto, bem como da gestão no que diz respeito às
mudanças que vão acontecendo com a sua execução, devem ser considerados os diversos sistemas
de controlo (sistema em paralelo), de maneira a que, em cada momento, seja sempre possível
saber em que fase de execução é que cada tarefa do projecto se encontra e, em consequência, a
totalidade do projecto.
3-a fase: Finalmente, na fase de comunicação, devem ser considerados os aspectos que dizem res-
peito à circulação da informação que deve ser do conhecimento geral e, por isso, disponibilizada a
todos aqueles que participam ou estão envolvidos no projecto. Este objectivo deve ser conseguido
através da divulgação de diversos tipos de relatórios. Na realidade, é necessário criar espaços de infor-
mação e participação, de forma a garantir-se o êxito do projecto através da participação das pessoas.

9.3 Técnicas de programação


Em quase tudo na vida é mais fácil a gente meter-se
do que sair.
Lei de Allen

No sentido de responder às necessidades técnicas de elaboração de projectos têm vindo a ser


desenvolvidas nos últimos anos inúmeras soluções operacionais, que passaram a ser conhecidas
por técnicas de programação de projectos, cujos exemplos mais comuns são os gráficos de Gantt e
os sistemas de redes Pert e CPM.

9.3.1 Redes
Uma rede (grafo) é uma representação gráfica da sequência lógica das actividades, das tarefas e
dos acontecimentos, das respectivas interdependências, com o fim de alcançar um determinado
objectivo. A rede, no seu conjunto, representa o desenho do projecto. É composta por actividades,
tarefas, acontecimentos e marcos (milestone).
Como se disse, no planeamento e gestão de projectos utilizam-se as seguintes técnicas: Pert e
CPM. Actualmente, não se realiza uma distinção muito nítida entre as duas técnicas, já que os
modelos ~escritos, geralmente, tentam aproveitar as melhores características de cada uma, em fun-
ção daquilo que se está a planear.

9.3.2 Sub-redes
Quando o número de tarefas ultrapassa a capacidade de análise é necessário criar sub-redes.
Do mesmo modo, quando existem assuntos diversos dentro dum mesmo projecto, para além de
poderem ser organizados em sub-redes, podem também ser realizados por equipas diferentes.
----------

Hermes e a Gestão de Projectos [ 301

9.3.3 Gantt
Planear, como temos tido a oportunidade de ver, corresponde a dividir o trabalho de forma a
poder posteriormente juntá-lo de novo de maneira a obter-se determinado produto ou efeito espe-
rado. Esta técnica foi inventada por Henry Gantt em 1900. A ideia de Gantt foi dividir um projecto
em actividades que têm de ser realizadas segundo uma determinada ordem. Gantt desagregou o
trabalho necessário à realização dum projecto em diversas actividades e estas em tarefas.
Para a elaboração dum cronograma Gantt devem ser executados os seguintes procedimentos:
• Identificar as actividades, tarefas (quando existem) e subtarefas;
• Ordenar as actividades;
• Apurar a interdependência das actividades;
· Estimativa do tempo de duração das actividades;
· Controlar os recursos;
·Determinar os marcos (milestone).
Basicamente, como se pode verificar pelo respectivo quadro, o modelo Gantt (ver quadro 57) é
constituído por um quadro de dupla entrada em que iJ S diversas actividades a realizar são especifi-
cadas no eixo vertical do gráfico e são colocadas ao longo de uma escala de tempo marcada no eixo
horizontal do mesmo gráfico. Como se depreende, este é um processo bastante simples que pode
ser utilizado nas mais diversas situações.
O método Gantt tem limitações que foram ultrapassadas pelos chamados métodos em rede,
denominados Pert e CPM.

Quadro 57 I Quadro de barras Gantt

Desenvolvimento
0 .. .

0 ...

o ...
o6
os
04
03
02

01

Tempo

9.3.4 Pert
O método Pert, que significa Program Evaluation and Review Technique, que poderá ser tradu-
zido por "programa técnico de avaliação e revisão", foi inventado para dar resposta ao Projecto
"Polaris", desenvolvido pela marinha dos Estados Unidos da América, a partir do ano de 1957.
302 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Receava-se o caos administrativo. A situação era muito complicada já que existiam 250 empreitei-
ros; 9000 subempreiteiros; 70 ooo tipos de peças diferentes; tempo limitado. Os tempos de fabri-
cação não eram perfeitamente conhecidos tendo de ser estimados, por isso, o tempo final do traba-
lho baseava-se em probabilidades. Este método começou por ser aplicado ao fabrico de produtos
que nunca foram realizados ou produzidos, por isso, joga com incertezas, tempos aleatórios e
modelos probabilísticos. Com o desenvolvimento deste método foi conseguido que o prazo inicial-
mente previsto para a construção do "Polaris" se reduzisse de 5 para 3 anos. Portanto, o diagrama
Pert consubstancia principalmente um grafo onde são representadas as diversas relações entre acti-
vidades no sentido de se conseguir uma melhor economia de recursos através duma melhor renta-
bilização da utilização do tempo.
Por coincidência, também o método CPM, que significa Criticai Path Method, "método do cami-
nho crítico", foi desenvolvido a partir de 1957, pela firma E. I. Dupont. Foi aplicado num projecto de
produtos químicos, em que os tempos podiam ser estimados com precisão. Hoje, geralmente, é
empregue na construção civil. Neste método, a duração duma actividade (conjunto de tarefas) é
linearmente e inversamente relacionada com os custos dos recursos aplicados à actividade: "tempo
é dinheiro". O que interessa é que existindo uma actividade com um grande volume de custos, ela
demore o menor terrpo possível a ser realizada. Portanto, o CPM dirige-se fundamentalmente para a
produção de materiais ejou projectos já conhecidos, em que os problemas de calendári·o podem ser
controlados, com o objectivo de minimizar custos através duma boa gestão do tempo e dos recur-
sos. É, por isso, um modelo determinístico que tem por objectivo final nivelar custos através do cál-
culo da duração total do projecto, a partir da duração e das dependências das diversas tarefas, pela
identificação das denominadas tarefas críticas.

Quadro 58 Sistema de programação em rede

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Jose
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_ António
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Hoje existem programas informáticos que procuram integrar e tirar vantagens de cada um dos
sistemas referidos, bem como introduzir novas facilidades em função das solicitações do mercado
e dos utilizadores. Destes programas informáticos o mais conhecido é o MSProject da Microsoft,
do qual já saíram várias versões.
O que se pretende com a elaboração das redes é conseguir visualizar graficamente o conjunto
• das relações estabelecidas entre as diversas actividades do projecto, às quais já foram determina-
dos os respectivos constrangimentos.
As actividades têm uma configuração de rectângulos, nos quais é colocado um conjunto de infor-
mação em função das necessidades. Entre duas actividades consecutivas dá-se um acontecimento
que é representado por uma seta (ver quadro 58). As actividades são numeradas da esquerda para a
direita e de cima para baixo.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 303

Existem duas possibilidades para a elaboração duma rede. Cada uma delas não é utilizada
duma forma pura, já que, geralmente, se usam as duas simultaneamente. Uma rede pode então ser
desenhada das seguintes maneiras:
· Regressão: parte-se do fim para o princípio;
· Progressão: parte-se do princípio para o fim;
·Mista: na prática utilizam-se as duas maneiras anteriores já que as redes são elaboradas do
princípio para o fim e do fim para o princípio.

De facto, é esta última situação a mais comum, já que a utilização do MSProject permite acres-
centar ou anular tarefas em qualquer momento.
Como se pode ver pelo quadro 58, os rectângulos ou nós representam actividades e as setas os
acontecimentos. Este sistema denomina-se AON, que signinca action on nade. Dentro de cada rec-
tângulo podem ser colocadas várias informações.
Quanto à informação a colocar dentro de cada actividade ela pode ser alterada em função do
objectivo da rede. Se estivermos numa rede de recursos, a informação terá de ser acerca dos recur-
sos materiais, financeiros e humanos de cada tarefa, para além do nome e do código da mesma.
Num quadro geral, a sugestão que fazemos é a de, sempre que possível, referir o nome do respon-
sável pela respectiva tarefa.

9.4 Identificação do projecto


Pior do que ser apanhado entre duas burocracias é ser
apanhado entre três.
Lei de Serip

Num sentido prático, l<nutson & Bitz (1991) indicam sete passos para elaborar um projecto:
1. Definir o projecto;
2. Obter os dados necessários;
3· Determinar as possíveis soluções alternativas;
4· Analisar e avaliar as alternativas;
5· Seleccionar a melhor alternativa;
6. Implementar a decisão;
7· Controlar no sentido de saber se tudo está a decorrer em conformidade.

Vejamos, então, o que se passa em relação a cada uma delas.

Definir o projecto

Os projectos podem ser desenvolvidos, entre outros, no âmbito macro do sistema educativo ou
no âmbito do desporto federado, ou a nível micro no domínio dum estabelecimento de educação e
ensino, de um clube ou de uma pequena empresa. Assim, é necessário começar por esclarecer em
que plano o projecto vai ser desenvolvido. Existem projectos que têm um nível micro, outros, um
nível meso e alguns a um nível macro. Por isso, é útil começar por definir o plano de influência a
304 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

que o projecto está circunscrito. É evidente que um projecto no domínio do desporto escolar para o
país não tem o mesmo nível de especi~cidade daquele que se destina, por exemplo, para uma
escola. Nem o de uma federação desportiva tem o mesmo nível de um da administração pública.
Portanto, é necessário definir o projecto, desde logo, quanto aos aspectos que se relacionam com o
seu plano de incidência.

Determinar as possíveis soluções alternativas

As soluções geralmente não são únicas. É possível alinhar um conjunto de soluções alternati-
vas, acompanhadas dos prós e dos contras de cada uma delas. Por vezes, as diversas alternativas
em presença nem são completamente negativas nem totalmente positivas. Cada uma delas apre-
senta vantagens e desvantagens que é necessário equacionar.
É evidente que existem muitas soluções para se realizar um campeonato interturmas numa
escola, ou organizar a dinâmica de f1uxos numa academia de uma SAD. Escolher a melhor solução é,
pois, uma questão não só técnica, mas, também, como se disse, de criatividade e empenho dos
principais intervenientes envolvidos no projecto. Tal como o sistema de competição duma federação
desportiva, que pode estar organizado de maneira a afastar os praticantes em vez de os fidelizar à
modalidade. Aqui colocam-se problemas de dropout, conforme se pode verificar no trabalho de
Manuel Torres (1997), que caracteriza, infelizmente, a política de muitas federações desportivas.

Analisar e avaliar as alternativas

O que é necessário fazer nesta etapa é um quadro onde sejam contabilizados os diversos
aspectos negativos e positivos das várias alternativas, de maneira a que, duma forma racional, a
melhor possa ser escolhida.

Seleccionar a melhor alternativa

Escolher a melhor alternativa pressupõe a existência dum "processo para a tomada de decisão"
onde, por hipóteses alternativas, estão equacionadas todas as questões que devem suportar a deci-
são superior.

Implementar a decisão

Implementar a decisão tem a ver com os mecanismos necessários ao arranque do projecto,


após a tomada de decisão. Quer dizer, inicia-se a fase seguinte de planeamento do projecto. No
entanto, a decisão pode ter sido a de reformular o projecto ou até mesmo de abandoná-lo.

Controlar

O controlo é um sistema normal de gestão que deve ser desenvolvido ao longo de todo o pro-
jecto, para que possam ser introduzidas continuamente as correcções necessárias, em relação aos
, desvios detectados, tomando como referência a "linha base" do projecto 88 . As correcções introduzi-
das devem ser objecto dum sistema de circulação de informação.

88
Baselíne, na terminologia do MSProject.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 305

9.5 Planeamento do projecto


A urgência varia na razão inversa da importância.
Lei de Frontingham

O planeamento dum projecto é um exercício lógico em que se procura estabelecer o algoritmo


que tenta resolver a eterna questão da afectação e utilização de recursos que geralmente são escas-
sos. Por isso, a questão central da gestão dum projecto tem a ver com a organização, a gestão e o
planeamento dum determinado conjunto de tarefas organizadas em actividades, com restrições
nos domínios do tempo e dos recursos disponíveis.
Em conformidade, os recursos têm de ser atribuídos com vista à obtenção de objectivos previa-
mente estabelecidos, em função de necessidades sociais ou organizacionais que decorrem dos pla-
neamentos estratégico e operacional.
No planeamento e gestão dos projectos utilizam-se técnicas de programação específicas para
coordenar e articular (estabelecer relações) actividades de natureza diferente, com vista a realizar,
em tempo útil, com a maior eficácia possível, uma operação complexa dirigida a um ou vários
objectivos pré-estabelecidos. Portanto, o planeamento dum projecto significa colocar numa dada
lógica temporal e relacional um conjunto de actividade, afectar-lhes recursos humanos, materiais e
financeiros, de maneira a serem executadas com a maior eficiência e eficácia possíveis.
O planeamento e a programação dum projecto realizam-se de acordo com um determinado
número de ideias/instrumentos, que podem ser aplicadas "manualmente" sem a utilização de recur-
sos informáticos, ou através da utilização de meios informáticos. É bom que se compreenda que um
computador, através da respectiva aplicação, só resolve um problema em relação à elaboração dum
projecto se esse problema tiver uma solução possível "à mão". Qualquer projecto pode ser elaborado
manualmente, isto é, sem meios informáticos. O facto de se utilizarem ou não meios informáticos
depende somente do número de actividades e tarefas que o compõem, determinantes do volume e da
complexidade do trabalho a realizar. Um grande número de actividades e tarefas significa um volume
considerável de trabalho que através da utilização de meios informáticos pode ser reduzido significati-
vamente. No entanto, um projecto, mesmo com um número reduzido de actividades e tarefas, ganha
operacionalidade se forem utilizados meios informáticos, pelas facilidades de informação e comunica-
ção que proporciona. É evidente que quando o número de tarefas aumenta e, em consequência, todos
os outros aspectos se complexificam, a utilização de recursos informáticos é imprescindível.
Como se sabe, a partir de meados dos anos oitenta, com a generalização do uso de computa-
dores pessoais, têm sido desenvolvidos diversos programas informáticos de apoio, com custos
reduzidos e de acessível utilização. Por isso, hoje, não existem razões fortes que impeçam alguém
de utilizar esta nova tecnologia. No entanto, é bom que se perceba que, mesmo sem a aplicação de
recursos informáticos, o simples facto de ser utilizado um quadro de conhecimentos teórico
melhora significativamente a idealização e implementação de projectos, desde logo pela utilização
de uma linguagem comum. Portanto, existe um conjunto de conceitos-chave, no domínio das téc-
nicas de planeamento e programação, que é necessário serem conhecidos. Vejamos, então, quais
são os conceitos-chave que envolvem a elaboração dum projecto. Para programar um projecto é
necessário resolver as seguintes questões:
1. Definir o projecto;
2. Determinar as actividades e tarefas;

AGONGD-20
306 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

3· Modelar o projecto;
4· Afectar os recursos;
5· Ajustar as condições;
6. Aprovar e divulgar;
7· Executar;
8. Sistemas de controlo.

9.5.1 Definir o projecto


Para definir um projecto são realizadas as seguintes funções:
1. Atribuir um título;
2. Determinar os objectivos;
3· Estabelecer as datas;
4· Determinar o responsável;
5· Descrever o projecto;
6. Comentar as principais questões e problemas.

Título

Um projecto deve ser identificado por um título.

Objectivo

É evidente que quando se realiza um projecto é para atingir determinado(s) objectivo(s). Em


conformidade, os objectivos e subobjectivos devem ser esclarecidos. Neste âmbito, é possível tam-
bém elaborar uma estrutura de objectivos que facilitem uma visão geral dos aspectos que quere-
mos ver referenciados.
Por exemplo, um projecto no domínio do desporto escolar, numa escola do ensino secundário,
pode ter diversas tarefas de acordo com os vários objectivos que se desejam atingir (treinos, forma-
ção de árbitros, formação de dirigentes, apetrechamento, instalações, quadro competitivo, etc.).
Um projecto definido a este nível ainda não apresenta um nível de especificação muito fino, na
medida em que o objectivo é desenhar as linhas gerais do mesmo. Está-se, por assim dizer, numa
visão (focagem) de "grande angular" que, à medida que o projecto vai evoluindo, impõe um escla-
recimento cada vez mais pormenorizado dos diferentes aspectos.

Datas

É necessário identificar as datas de início e do fim relativas ao projecto. Um projecto tem um


início e funciona em função dum determinado horizonte temporal a partir do qual deixa de produ-
zir efeitos. O projecto "nasce" e "morre" (deadline). Esta data pode ser estabelecida de diversas
maneiras, mas tem sobretudo a ver com o ambiente organizacional em que o projecto está a ser
realizado. Por exemplo, no mundo do desporto federado, os horizontes temporais funcionam de
acordo com os ciclos olímpicos. Se estivermos no domínio das autarquias o horizonte temporal
deve ser estabelecido de acordo com as eleições autárquicas. Nas escolas, os horizontes temporais
funcionam de acordo com o calendário lectivo.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 307

Responsável

Um projecto não funciona se não tiver um responsável ao qual possam ser pedidas responsabi-
lidades. É a ele que compete a responsabilidade de toda a coordenação e controlo das diversas
tarefas em curso. O responsável do projecto pode pertencer a uma organização que o indicou para
essas funções. Neste caso, a organização em causa deve também ser identificada e comprometida
no processo.
Mas, em qualquer caso, a identificação do responsável deve ser feita pelo nome, categoria
(quando for caso disso), morada, telefone, fax e correio electrónico (se existir).

Descritivo

Na maioria dos casos o título do projecto não chega para o identificar. Em conformidade, é
necessário elaborar um pequeno descritivo do projecto que, duma forma clara, o identifique sem
deixar margem para dúvidas. No descritivo podem, também, ser identificadas a negrito ou subli-
nhadas as palavras-chave que melhor identificam o projecto. Este aspecto constitui uma facilidade
para o leitor.

Comentários

Abrir um espaço para comentários é bastante vantajoso, sobretudo quando um projecto tem
alguma complexidade, o que aconselha informações adicionais que podem significar esclarecimen-
tos úteis para a sua execução. Por exemplo, quando o projecto muda de responsável ou quando é
composto por diversas pessoas que trabalham noutros projectos não existindo, por isso, capaci-
dade de registarem em memória todos os aspectos importantes.
Um sistema de registo de comentários pode, também, com grande vantagem, ser implemen-
tado para que a situação do projecto possa ser actualizada ao longo da sua realização. Deste modo,
cria-se também um sistema de participação e controlo.

9.5.2 Determinar as actividades e tarefas

Um projecto tem de ser subdividido (desagregado) num conjunto de tarefas predizíveis e inde-
pendentes. Uma tarefa tem a representação que se apresenta no quadro 59·

Quadro 59 Representação gráfica das tarefas

Configuração Gantt Configuração Rede

Nome da tarefa
-------- ------~

Código Responsável
Data de início I Data de término

Cada tarefa, se necessário, pode ser dividida em subtarefas

Um conjunto de tarefas pode ser organizado numa tarefa maior, passando a designar-se por
"actividade".
308 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

As tarefas dum proj ecto representam a execução duma operação, num determinado período de
tempo, onde são consumidos tempo e recursos. Cada tarefa consome tempo e recursos .
As tarefas têm a ver especificamente com o projecto em causa. Podem ser, por exemplo, aque-
las que representam as operações necessárias à realização dum quadro com petitivo, as que dizem
respeito à realização do plano anu al para uma eq uipa de futebo l ou, ainda a um nível mais gera l, as
que cons ub sta nciam um plano quadrienal de desenvolvimento do desporto escolar para um a
escola do ensino secun dári o.

Fase de criação

Em co nformidade, é necessário elabora r li stas específicas de activid ades e tarefas necessárias à


construção de cada projecto.
A melhor maneira de determinar e id entificar as tarefas necessárias à elaboração dum projecto
é através da realização duma reu ni ão (brain sto rming) onde, dum a forma livre e descomprom etida,
os participantes debitam, mesmo que duma forma pouco organizada, as tarefas que em sua op i-
ni ão devem ser executadas para a realização do projecto em ca usa.

Fase de organização

O resultado fi nal desta operação traduz-se no apuramento dum conjunto de tarefas escolhid as
duma forma aind a um tanto anárq ui ca, que representa aq uil o que é necessário fazer para se atin gi-
rem os objectivos que, entretanto, já tinh am sido definidos.

Fase de filtragem

A fase segu inte é filtrar e dar uma ordenação mai s ou menos coerente ao conjunto de tarefas
que foi decidido aprove itar do brain storm ing inici al. Por exemplo, para realizar um projecto no
domín io do desporto esco lar, num estabelecimento de ensi no secundá ri o, após uma reunião alar-
gada de troca de ideias, chego u-se à concl usão qu e era necessário realizar as seguintes tarefas:
· Quadros competitivos;
• Form ação de treinadores;
·Apoio médico;
• Pontos altos;
• Mobilização da Escola;
• Pl aneamento pelo grupo de disciplin a;
• El aboração e divul gação do plano;
• Sistema de contro lo;
• Pl anea mento anu al e plurianual;
· Projecto ed ucativo da Escola;
• Organizar os espaços;
• Contactos sistema social;
• Actividades regul ares;

· Etc.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 309

É evidente que numa reunião deste tipo surgem imensas ideias que têm de ser consideradas ou
não para a elaboração do projecto. Nesta fase, está-se somente no domínio da criatividade, pelo
que muitas das ideias produzidas serão abandonadas ou integradas noutras de dimensão maior. É
o que se passa a fazer na fase seguinte.

Acontecimentos

Um projecto é composto por actividades, tarefas e subtarefas que quando finalizadas dão ori-
gem a acontecimentos. Entre dois acontecimentos só existe uma tarefa. Os acontecimentos repre-
sentam um dado momento, uma marca de tempo, um determinado instante que separa duas ou
mais tarefas. Representam e identificam um determinado instante que não consome nem tempo
nem recursos (ver quadro 6o).

89
Actividades I

Ao conjunto de tarefas que concorrem para o mesmo fim dá-se o nome de actividade. Assim,
uma actividade é constituída por um conjunto de tarefas. O tempo de duração duma actividade é
representado pelo somatório dos tempos de duração das tarefas críticas que a constituem. De igual
modo, os recursos utilizados por uma actividade rep(esentam o somatório dos recursos utilizados
por cada uma das tarefas que compõem a respectiva actividade. j

Marcos

A realização dum determinado número de actividades ou de tarefas que no seu conjunto se iniciam
num determinado momento e terminam noutro dão origem a um momento distinto denominado
marco (milestone). Quer dizer que um grupo de actividades ou tarefas ao terminar dá origem a um
momento identificado por um marco. Por sua vez, este marco dá origem a outro conjunto de tarefas.

Quadro 60 I Acontecimentos

Tarefa Tarefa

Nome da tarefa Nome da tarefa


Código Responsável Código I Responsável
Data de início Data de término Data de início [ Data de término

Em função do que se disse compreende-se que um marco consome tempo zero. No MS Project, !
ao atribuir-se um tempo de valor zero a uma tarefa está a transformar-se essa tarefa num marco. Um I

marco é, assim, também utilizado para controlar a organização e a progressão do projecto. I

89
Na terminologia do MSProject, as tarefas que congregam outras tarefas são denominadas "tarefas·sumário". Por nós
chamamos-lhe actividade.
""'
31 O ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

9.5.3 Modelar o projecto


Uma vez identificadas as tarefas necessárias à elaboração do projecto, este tem de ser configu-
rado ou modelado, de acordo com os condicionamentos de ordem geral, bem como com aqueles
que são inerentes às diversas tarefas em si e ao contexto em que estiver a ser realizado. Por exem-
plo, o programa anual para o desporto escolar tem de decorrer em sete meses com os períodos
normais de interrupção de aulas no Natal, Carnaval e Páscoa, enquanto que os constrangimentos
temporais dos quadros competitivos do sistema federado são muito diferentes. Postas estas consi-
derações iniciais, vamos considerar os seguintes aspectos para a modelação dum projecto:
. Série ou paralelo; · Marcos;
. Escala de tempo; ·Caminho crítico;
· Datas; · Espera planeada;
· Calendário-base; · Aceleração;
· Ordenar as tarefas; ·Quadro tecnológico;
· Interdependência das tarefas; ·Afectação de recursos;
· Estimativas de tempo; · Controlo de recursos;
· Dependências; ·Ajustar as condições;
· Estrutura das tarefas; ·Aprovar e divulgar.

Série ou paralelo

Se não existissem quaisquer constrangimentos, de recursos ou de tempo, as tarefas dum pro-


jecto podiam-se realizar umas a seguir às outras. Teríamos, assim, uma espécie de planeamento
em série, o que originava que o tempo total do projecto seria o somatório dos tempos parciais de
cada tarefa. Diz-se que as tarefas se processam em série quando se realizam uma após outra, não
podendo nenhuma delas ser desencadeada sem que a sua antecessora imediata esteja terminada.
No entanto, existem constrangimentos de tempo e recursos que obrigam a que seja considerada
a possibilidade de haver tarefas que podem ser realizadas em simultâneo. Nesta situação, diz-se que
as tarefas se realizam em paralelo, já que podem ser realizadas ao mesmo tempo sempre que não
apresentem mútuas dependências.

Escala de tempo (zoom)

Em função do projecto que estiver a ser realizado é necessário estabelecer qual a escala de
tempo que vai ser utilizada. No entanto, há que ter alguns cuidados na medida em que tendencial-
mente o trabalho se expande até preencher o tempo disponível (l.a Lei de Parkinson).
Por exemplo, um plano estratégico poderá ter uma escala de tempo plurianual em relação à deter-
minação das tarefas, que se podem especificar (zoam) até ao nível de mês. Embora se possa desenvol-
ver uma escala mais fina, num planeamento estratégico não nos parece muito curial avançar para ela.
• Existem outros projectos que terão de apresentar uma especificação muito mais fina que, por exemplo,
nos domínios do treino ou duma aula de Educação Desportiva poderão ir ao nível do minuto. No
entanto, podemos considerar ainda um esquema de "ginástica rítmica desportiva", ou um programa de
"movimentos livres" de ginástica desportiva em que a escala de tempo terá de ser definida ao nível do
segundo. Outro exemplo que podemos adiantar refere-se ao planeamento anual duma escola que
poderá ser desagregado até ao nível das acções a realizar em cada dia ou cada meio-dia. Quando se
entra no domínio da hora, então passa-se para outra escala de planeamento.
----------------···-........,
Hermes e a Gestão de Projectos [ 311

Uma das vantagens dos programas de computador especificamente preparados para a elabora-
ção de projectos é o facto de, com um simples toque num determinado ícone, através do rato, se
conseguir obter diferentes níveis de especificação do projecto, expandindo ou comprimindo (zoam)
a sua escala de tempo.

Estimativas de tempo

Em relação a cada tarefa é necessário atribuir-lhe um determinado tempo necessário para a sua
execução. Desta forma, é preciso determinar estimativas de tempo para cada uma delas. Para apu-
rar o tempo que cada tarefa leva a ser terminada é conveniente ter alguns cuidados. Quando não,
correm-se também alguns riscos como o que a seguir se descreve.
Para avaliar o tempo necessário para desempenhar uma tarefa, estime-se o tempo que se pensa
que ela deverá levar para ser cumprida, multiplique-se por dois e troca-se a unidade de medida usada
pela unidade seguinte. Assim se destinarão dois dias a uma tarefa duma hora (Lei de Westheimer).
É evidente que estamos no domínio do absurdo. No entanto, por vezes, estas situações levam-
-nos a considerar alguns cuidados, necessários a uma boa elaboração do planeamento naquilo que
diz respeito à gestão do tempo. Na realidade, as estimativas de tempo que cada tarefa deve levar a
realizar é uma das operações mais importantes do processo de planeamento de projectos, já que
uma boa utilização do tempo acaba por poupar, al'ém do próprio tempo, uma boa utilização de
recursos e o volume do próprio trabalho.
Em conformidade é necessário atribuir a cada tarefa um determinado tempo conveniente para a
sua execução. Desta forma, é preciso determinar estimativas de tempo para cada uma delas.
Podem-se avançar para três perspectivas de atribuição de tempo a uma tarefa:
1. Uma optimista; 2. Uma pessimista; 3· Uma realista.

Uma boa utilização do tempo acaba por poupar o próprio tempo, para além de garantir uma boa
utilização dos recursos e o volume do próprio trabalho. Isto obriga a que sejam definidas datas.

Datas

Um projecto na acepção que está a ser utilizada é, por definição, um trabalho com um início e um
fim determinados. Em conformidade, um projecto tem de ter uma data de início e uma data de tér-
mino. O que se passa em relação à globalidade do projecto passa-se, também, em relação às diversas
actividades e tarefas que o compõem. Estas devem ser balizadas por datas que representam os res-
pectivos inícios e términos. São os limites temporais dos acontecimentos ou etapas (ver quadro 57).
Na elaboração dum planeamento podem existir determinadas restrições em relação às datas de
início e fim dos projectos. Por exemplo, podem ser identificadas as restrições que a seguir se indicam:
· Mais cedo possível: uma tarefa deve começar o mais cedo possível em relação à data do projecto;
· Mais tarde possível: esta indicação tem utilidade quando se está a construir o projecto do fim
para o princípio;
· Não terminar mais cedo que: quando uma tarefa não pode terminar antes de uma data específica;
· Não começar mais cedo que: usa-se quando uma tarefa não pode começar antes de uma deter-
minada data;
· Não acabar mais tarde que: quando uma tarefa deve acabar antes de uma data específica;
·Terminar numa determinada data: existem tarefas que devem acabar numa data estabelecida;
·Começar numa determinada data: quando uma tarefa deve começar numa determinada data.
312 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Assim, as datas, tanto em relação ao início duma tarefa como em relação ao seu término,
podem ser especificadas em data mais cedo (do início ou do fim) e data mais tarde (do início ou
do fim). Em princípio, as datas mais cedo especificam-se através duma progressão na rede. As
datas mais tarde especificam-se através da regressão na rede. Assim, podem acontecer as seguin-
tes hipóteses temporais.
· Datas mais cedo do início e do término:
Data mais cedo do início: é a primeira data em que uma tarefa pode começar, sem que
haja uma alteração do tempo total do projecto;
Data mais cedo do término: é a primeira data em que a tarefa pode terminar, sem que haja
uma alteração do tempo total do projecto.
· Data mais tarde do início e do término:
Data mais tarde do início: é a última data em que uma tarefa pode começar, sem que haja
uma alteração do tempo total do projecto;
Data mais tarde do término: é a última data em que a tarefa pode terminar, sem que haja
uma alteração do tempo total do projecto.

Calendário-base

Cada projecto tem um calendário-base, de acordo com as possibilidades e os constrangimentos


com que as diversas tarefas podem ser realizadas. Um projecto no domínio do desporto escolar
terá, necessariamente, possibilidades e constrangimentos diferentes daqueles relativos a um pro-
jecto no domínio do desporto federado, dum projecto de férias desportivas, da 3- 2 idade, do traba-
lho ou do "desporto para todos" ou de uma academia de futebol.
É evidente que os constrangimentos neste domínio, quando se está num estabelecimento de
educação e ensino, têm a ver com os próprios constrangimentos dos planos anual e plurianual de
actividades. Por exemplo, qual é a gestão dos dias úteis e de interrupção que é realizada na escola?
Quais os tempos de férias? Como é que são geridos os horários curriculares disciplinares e não dis-
ciplinares? Quais são as tradições da escola? Os feriados municipais e nacionais? Como é que todo
este tempo pode ser gerido~ O calendário-base deve definir à partida estas questões, sob pena de
posteriormente perder-se constantemente tempo com decisões que deveriam ter sido realizadas
antecipadamente.

Ordenar as actividades

Das ideias anteriormente apresentadas pode concluir-se que todas elas podiam ser organizadas
em 10 grandes actividades que podem ser subdivididas em tarefas e estas em subtarefas no âmbito
escolar.
· Projecto educativo da Escola; · Mobilização da Escola;
· Planeamento anual e plurianual; · Contactos no sistema social;
· Planeamento grupo de disciplina; · Organizar os espaços;
·Actividades regulares; · Sistema de controlo;
· Pontos altos; · Divulgação do plano.

Estas dez actividades apresentam já um certo ordenamento em função da oportunidade de reali-


zação. É, portanto, necessário elaborar de seguida aquilo que já denominámos de quadro tecnológico,
Hermes e a Gestão de Projectos [ 313

no qual, para além de serem especificadas as diversas tarefas e subtarefas, pode ser introduzida, tal
como já se disse, alguma informação complementar, tal como, por exemplo, datas, responsável(veis),
custo de cada tarefa, etc.

Interdependência das actividades

As diversas actividades e tarefas dum projecto não se realizam duma forma independente. Uma
vez escalonadas numa listagem, deve-se procurar determinar as relações que estabelecem entre si,
quer dizer, as respectivas interdependências. As actividades e tarefas estabelecem relações que
devem ser consideradas na programação do projecto. Uma tarefa predecessora (antecessora) é
aquela que deve começar ou acabar antes duma outra poder começar ou acabar. Uma tarefa que
depende do início ou do fim duma outra que a antecede denomina-se tarefa sucessora. É evidente
que a relação mais comum é aquela em que uma tarefa começa quando a sua predecessora acaba.
De facto, existem actividades que só podem ser realizadas depois de determinadas actividades
terem sido parcial ou totalmente consumadas. Uma actividade pode ter uma ou várias actividades
antecessoras imediatas, quer dizer, que devem realizar-se imediatamente antes da actividade em
causa poder ser realizada. Uma actividade dependente directa é aquela que depende directamente
duma anterior. Qualquer actividade que parte dum nó é uma actividade dependente de todas as que
chegam a esse nó. Actividade dependente indirecta é aquela que depende indirectamente duma
outra que é sua antecessora não imediata.
Nas relações que as actividades podem estabelecer entre si existem casos em que as actividades
têm de acabar ao mesmo tempo e outros em que têm de começar ao mesmo tempo. Também é possí-
vel que algumas actividades possam ter início após a sua antecessora imediata estar parcialmente con-
cluída. Por exemplo, as inscrições para um quadro competitivo podem ser iniciadas depois de so% da
campanha de promoção estar concluída. Muito embora possam existir situações especiais, como são
os casos das actividades poderem estabelecer relações entre si em que os términos não estão consu-
mados, podemos dizer que são possíveis quatro tipos de relações entre actividades (ver quadro 61):
· Relação Fim-Início (FS); · Relação Fim-Fim (FF);
·Relação Início-Início (SS); · Relação Início-Fim (SF).

Estas relações podem ser configuradas conforme se especifica no quadro 61.

Quadro 61 Relação entre actividades ou tarefas

Relação Fim-Início

Relação Início-Início

Relação Fim-Fim

Relação Início-Fim
EE~l
----··-I
314 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Estrutura das actividades

As diversas actividades que consubstanciam um projecto não têm todas a mesma categoria.
Existem actividades que agregam tarefas e estas por sua vez subtarefas. Por isso, as diversas activi-
dades dum projecto têm de ser organizadas segundo uma estrutura hierárquica.

Marcos (milestones)

Cada conjunto lógico de actividades ou tarefas pode ser separado por um marco ou milestone.
Segundo o MSProject, milestone é uma actividade ou tarefa com a duração de tempo igual a zero. É
usada para medir o progresso dum projecto.

Espera planeada

Em função de determinadas conveniências, uma actividade pode ser atrasada ou adiantada em


relação ao término da sua antecessora. Por exemplo, as inscrições para a participação num evento
desportivo podem começar antes da campanha de promoção ter acabado e, nesta circunstância,
temos uma situação de avanço. Mas o início do quadro competitivo só se pode iniciar alguns dias
depois das inscrições terem acabado. Nesta situação, temos um atraso. Portanto, n_a elaboração
dum projecto é necessário serem considerados atrasos e adiantamentos entre tarefas, para que
exista uma rentabilização do tempo em função dos custos.
Pode haver necessidade do início duma tarefa ser adiado de forma a só começar decorrido um
determinado tempo depois do seu predecessor terminar. Por exemplo, entre o anúncio dum curso
de formação de árbitros publicado no jornal da escola e o início das inscrições deverá haver um
tempo de espera planeado (/ag time) de forma a permitir aos candidatos informarem-se das condi-
ções, consultarem os encarregados de educação, elaborarem as candidaturas, para depois, dentro
do período de inscrições indicado, as formalizarem. No entanto, por exemplo, a abertura das inscri-
ções para um torneio de futebol pode começar (x) dias ou so% depois da data de início da promo-
ção do torneio. Este aspecto, quando considerado nos programas específicos de planeamento para
computadores, é de grande utilidade.

Aceleração

Em função dos custos, ou do tempo, as actividades podem ser aceleradas ou desaceleradas.


Nesta conformidade, em relação a cada projecto, é necessário estimar os custos por cada unidade
acelerada ou desacelerada. Os custos em muitas situações podem ser substituídos por outras vanta-
gens ou desvantagens, por exemplo, ganhos de tempo que assim fica disponível para outras coisas.

Caminho crítico

É o caminho mais longo. É constituído pelas actividades ou tarefas críticas. É o caminho ao


longo do qual os acontecimentos possuem folga nula. O tempo mais cedo é igual ao tempo mais
tarde. As tarefas críticas são aquelas que têm uma margem de folga igual a zero. Se uma actividade
crítica alterar o seu tempo de execução o tempo de realização do projecto também se altera (ver
quadro 62).
O caminho crítico é constituído pelas actividades críticas, isto é, aquelas que não têm margem
de tempo de folga. Uma vez que exista um atraso numa delas acontece, necessariamente, um atraso
no projecto. Portanto, uma rede é constituída por actividades críticas e actividades não críticas.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 315

Assim, o caminho crítico é o caminho mais longo. Um projecto rígido é aquele em que todos os
caminhos são críticos, aquele em que não existe qualquer folga, quer dizer, em que nenhuma das
actividades tem qualquer margem de folga.

Quadro 62 Caminho crítico

~- Ô1 . 05
L João

03 I ~----~----~~
José_ _j

O caminho crítico num grafo é a sequência das actividades críticas, isto é, aquelas que, no seu con-
junto, consomem mais tempo no total do projecto. O comprimento do caminho crítico é obtido pelo
somatório dos tempos das actividades críticas (ver quadro 62). Em conformidade, o caminho crítico
determina o tempo total do projecto. Qualquer atraso numa actividade crítica implica um atraso no
tempo total do projecto, já que nenhuma das actividades do caminho crítico apresenta margem de folga.

Quadro 63 Quadro tecnológico das actividades críticas

·.
Duração
N.• código Nome da tarefa ,........ . .....
Responsável
Início Fim Total Situação
.... ········ ....... .... i·· -··--[·-·· ----------

-·- -------

------- ---------

-· -------- I
iI

Note-se que o caminho crítico não é aquele que tem mais actividades mas aquele cujas tarefas
ocupam mais tempo. Em conformidade, é necessário ter um quadro tecnológico das actividades
críticas (ver quadro 63).
O conceito de folga (margem livre) pode ser utilizada em relação a uma tarefa ou a um aconteci-
mento. É o atraso máximo que uma tarefa pode ter sem que esse atraso implique o atraso do pro-
jecto. É, portanto, a diferença entre a data mais cedo do término e a data mais tarde do término. Por-
tanto, é a diferença entre o tarde e o cedo desse acontecimento. Quando existe folga positiva, existe,
simultaneamente, uma maior elasticidade do projecto ou da actividade. Se a folga é negativa o pro-
jecto tem de ser reajustado. As margens de folga podem ser positivas ou negativas. É positiva quando
uma actividade tem tempo para se expandir. É negativa quando o tempo disponível não é suficiente
para realizar a actividade. Neste caso, o projecto, a actividade, ou ambos, têm de ser reajustados. A
folga pode ser dependente ou independente. É independente quando não depende de nenhuma outra
actividade. É dependente quando depende de uma outra actividade antecessora ou sucessora.
316 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Quadro 64 1Quadro tecnológico de apresentação do projecto

Projecto Código

Data inicio Data fim

Responsável Organização

Objectivos

'
O que é o projecto?

Descritivo
'
Destinatários

Pessoas envolvidas

Org. envolvidas

Custo total

Outras informações

Quest6es e problemas

Palavras-chave Problemas e dificuldades

Quadro tecnológico

Como di ssemos, não chega id entifi ca r du ma forma livre e desco mprometid a as activid ades, tare-
fas e subtarefas necessárias à realização do projecto. É necessário, em pri meiro lu g~ r. dar-lhes uma
ordem, na medida em que um as têm de ser rea lizadas antes das outras. Em segundo lu gar, é neces-
sário atribuir-lhes uma estrutu ra, na medida em que existem ta refas que podem se r agregadas dentro
de outras de dimensão maior. Em terceiro luga r, é necessá rio sa ber quem são os responsáveis de
cada tarefa. Em qu arto luga r, é necessá rio atribui r a cada ta refa um tempo de execução, bem como a
data do seu início e a data do seu término. Em quinto lugar, é necessá rio id entifica r a estrutura de rela-
ções que as ta refas estabelecem entre si.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 317

O quadro tecnológico é a representação formal de um conjunto de informação coerente e arti-


culada entre si, que, de uma forma expedita, permite ter uma visão parcial ou global do projecto.
Este conjunto de operações acaba por ser consubstanciado num quadro de dupla entrada a que
denominamos de "quadro tecnológico" 90 Podem ser elaborados tantos quadros tecnológicos
quantos os necessários de maneira a não sobrecarregar com demasiada informação um único qua-
dro que, por isso, se tornaria muito pesado e de difícil leitura.
O quadro tecnológico pode apresentar uma estrutura de tarefas já organizadas, de acordo com
as diversas actividades do projecto. Por exemplo, relativamente a um evento desportivo, o projecto
poderá apresentar várias actividades organizadas de acordo com a seguinte lógica:
1. Administração; 6. Instalações;
2.. Promoção; 7· Calendário;
3· Alojamentos; 8. Coordenação técnica;
4· Alimentação; 9· Etc.
5· Transportes;

Cada uma destas partes do projecto poderá ser desagregada para uma estrutura mais fina.
Quanto a um plano de desenvolvimento do desporto escolar para um estabelecimento de educação
e ensino podemos considerar as seguintes partes do f0rojecto: promoção, formação, gestão de ins-
talações, elaboração de calendários, nomeação de árbitros, etc. Do mesmo modo, cada uma destas
partes do projecto poderá ainda ser desagregada para uma estrutura mais fina.
Portanto, podem ser organizadas tabelas ou quadros tecnológicos de diversas categorias:
·Apresentação do projecto (ver quadro 64);
• Dados iniciais (inicial) (ver quadro 65);
• De afectação de recursos humanos (ver quadro 66);
• De custos (ver quadro 67);
• De controlo de tempo, de custos;
• De tarefas críticas;
·Outros.

Quadro 65 1Quadro tecnológico inicial

Duração
N. 0 código Nome da tarefa Predecessoras Responsável
Início Fim Total

90
Na terminologia MSProject.
318 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Afectação de recursos

É necessário afectar a cada tarefa os recursos específicos, bem como o tempo em que os recursos,
se forem humanos, vão estar implicados (custojhoras trabalho); se forem recursos materiais é neces-
sário indicar quando vão ser utilizados (custojhora utilização) . O número de pessoas incluídas num
grupo de trabalho tende a crescer independentemente do trabalho a ser feito (4." Lei de Parkinson)
(ver quadro 62) .

Afectar os recursos

Um projecto é constituído, como dissemos, por um conjunto de actividades que se processam


segundo uma determinada ordem ao longo dum tempo pré-estabelecido. É evidente que estas activida-
des só podem realizar-se se a elas estiverem afectados os recursos humanos, materiais e financeiros
necessários. Portanto, pessoas, objectos e dinheiro têm de ser afectados a cada actividade, tarefa e subta-
refa de modo a que no final seja possível apurar e gerir racionalmente os recursos necessários à realiza-
ção do projecto. Existem, no entanto, determinados riscos, na medida em que, por aplicação da 2• Lei
de Parkinson, há tendência para que as despesas tendam a crescer até igualarem as receitas do projecto.

Quadro 66 I Quadro tecnológico de afectação de recursos

Duração
N.• código Nome da tarefa Responsável Equipa
Início Fim Total

Carga dos recursos

Uma vez observada a utilização dos recursos pelas diversas tarefas ao longo do tempo, por vezes
é necessário harmonizar a sua utilização de maneira a que alguns não estejam a ser sobre-utilizados
e outros subutilizados. Esta op,eração permite determinar se algum recurso, num determinado
momento ou período, foi afectado acima das possibilidades da organização.

Nivelamento dos recursos

A ideia da necessidade de nivelamento de recursos, embora parta da desejável harmonização


da sua utilização, como vimos anteriormente, é uma operação mais sofisticada. O problema que
ela coloca é o da avaliação cuidada do custo dos recursos, já que geralmente existe uma relação
directa entre os gastos em dinheiro e o dispêndio de tempo e recursos.

9.5.4 Ajustar as condições

O ajustamento das condições, no que diz respeito à utilização dos recursos e à própria gestão
do tempo, tem um interesse muito especial, na medida em que o objectivo é verificar se o projecto
Hermes e a Gestão de Projectos [ 319

vai decorrer nas melhores condições possíveis no que diz respeito à sua eficiência e eficácia. O ajus-
tamento das condições é, por assim dizer, uma espécie de retroacção (mecanismo de controlo).

9.5.5 Aprovar e divulgar


Um projecto para passar à fase de execução necessita ser aprovado por quem tenha a capacidade de
decisão nessa matéria. Geralmente, o que se faz é começar por um nível de especificação bastante geral
(com um zoom muito aberto, de grande angular), para depois, através da elaboração de sucessivos "pro-
cessos para a tomada de decisão", se obter sucessivamente o acordo das estruturas de decisão. Num
estabelecimento de ensino, os projectos têm de ser aprovados pelo Conselho Pedagógico e devem cons-
tar no Plano de Actividades de Escola. Num clube ou federação, a direcção, numa autarquia, o responsá-
vel pelo pelouro de desporto, na administração pública, o director de serviços, director-geral, secretário
de Estado ou até mesmo ministro, conforme as competências atribuídas ou delegadas, são generica-
mente as entidades decisoras mais importantes para os respectivos projectos.
Por outro lado, um projecto, sobretudo se tem a ver com questões relacionadas com o pro-
cesso de desenvolvimento social, como é o caso do desporto, carece de ser divulgado entre aquelas
pessoas que nele participam, ou que vão ser por ele afectadas. No caso, por exemplo, de uma SAD
ou de uma escola, a metodologia de divulgação durp projecto numa perspectiva de comunicação
externa tem a ver com a sua dimensão e as entidades implicadas. É evidente que quanto maior for
a abertura ao exterior maior tem de ser a divulgação.

9.5.6 Executar
Nesta fase o projecto é implementado no terreno. Quer dizer, o projecto acontece segundo aquilo
que foi planeado nas fases anteriores (estratégia deliberada) e vai sofrendo as alterações de acordo com
os condicionalismos que forem ocorrendo no desenvolvimento do mesmo (estratégia emergente).

9.5.7 Controlar
A gestão dum projecto envolve também a comunicação de informação. Sendo o planeamento um
"ponto de encontro" entre aqueles que participam num projecto é, em simultâneo, um instrumento pri-
vilegiado para levar equipas a trabalharem em conjunto. Portanto, as técnicas de programação de projec-
tos têm também a ver com a ideia de gerir e fazer circular informação duma forma participada e aberta.
Nesta conformidade, é necessário que os intervenientes sejam colocados na posse de informa-
ções tão rapidamente quanto possível. Este objectivo, em termos práticos, é facilmente conseguido,
por exemplo, através da elaboração de relatórios periódicos, de reuniões em que podem ser apre-
sentados determinados quadros ou projectadas transparências ou ainda pela utilização de um
computador. A ideia fundamental é comunicar informação. A utilização, por exemplo, do MSProject
possibilita duma forma fácil e expedita o conhecimento de determinados aspectos relacionais com
o controlo das diversas actividades e tarefas que, de outra maneira, não seria possível realizar. Por-
tanto, toda a informação disponível pode ser analisada de diversas maneiras e a vários níveis, o que
possibilita uma comunhão de ideias e informação entre aqueles que estão a participar no projecto.
Posteriormente, podem ser divulgadas por todos os participantes através de relatórios.
Os relatórios neste sistema têm duas vantagens. A primeira diz respeito à necessidade de con-
trolo do projecto com vista a apurar a taxa de execução global e as diversas taxas específicas. A
segunda, a vantagem de constituir-se como um instrumento de comunicação muito útil na circulação
320 ) Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

da informação. Portanto, os relatórios devem ser entendidos como peças de fundamental importân-
cia na evolução dos projectos, já que proporcionam a divulgação, duma forma organizada e ala r-
gada, de informação, que de outra maneira seria mais difícil ou até mesmo impossível consegu ir.
Quando não existiam meios informáticos, elaborar relatórios era gera lmente um traba lh o fastidioso
e demorado, hoje, com a utilização de meios informáticos, é um trabalho que se realiza com grande
facilidade e sem grande perda de tempo, desde que se domine o programa.
A necessidade de acompanhar e registar as mudanças que vão ocorrendo ao longo do tempo é
de fundamental importância. Qualquer projecto em fase de execução encontra-se em movimento
constante, pelo que estão a acontecer transformações a todo o momento.
É necessário estabelecer datas de controlo, em que se procura saber em que situ ações se encon-
tram as diversas tarefas em relação àqui lo que estava previsto (baseline). Relativamente ao andamento
e ao controlo dos prazos de execução das tarefas, podem ser construídos quadros tecnológicos de con-
trolo a serem preenchidos em momentos determinados para o controlo e avaliação do projecto.

Quadro 67 I Quadro tecnológico de controlo de custos

Custos
N.• código Nome da tarefa Responsável
Planeado Situação Esperado Saldo

Do mesmo modo, é importante ter um controlo dos custos. Para o efeito pode ser co nstruído o
quadro de controlo de custos (ver quadro 67).
O controlo de custos dos projectos deve ser conseguido através do controlo das próprias tarefas,
tendo em atenção a relação do custo planeado e o custo real.

9.6 Conclusão
Muitos actos de gestão só servem para complicar a vida
àqueles que têm de trabalhar.
Peter Drucker (1909-2005)

As técnicas apresentadas devem ser utilizadas no sentid o de facilitar os processos de trabalho e,


sobretudo, a vida às pessoas envolvidas no projecto. Tendo em atenção esta premissa podemos sinteti-
zar em dez pontos as principais questões que se colocam ao planeamento e programação de projectos:
1. Identificação: identificação de todas as tarefas necessárias à execução do projecto;
2. Agregação/Divisão: agregar o projecto em fases; dividir as fases em act ividades; dividir as
activid ades em tarefas. Esta operação faz-se em simul tâneo de forma a ter-se sempre uma
visão global do desenvolvimento do projecto;
Hermes e a Gestão de Projectos [ 321

3· Circul ação: faze r circul ar a li sta das fases, activid ades e tarefas do projecto por aqueles qu e
nele vão participar;
4· Temporização: atribu ir um tempo máxi mo míni mo e méd io a cada tarefa;
5· Afectação de recursos: afectar os recu rsos, hum anos, materi ais e fin ancei ros a cada ta refa;
6. Depend ências: estabelece r as depend ências de cada tarefa. Os antecesso res imediatos.
7· Marcos: determin ar os marcos do projecto qu e represe nta m as dive rsas fases do projecto;
8. Tarefas críticas: determi na r as tarefas críti cas, isto é, aqu elas qu e podem provoca r atrasos em
todo o projecto;
g. El abo rar os necessá rios quadros tecnológicos;
10. Estabelecer sistemas de contro lo.

AGONGD-21
Objectivos do capítulo. Este último capítulo tem de ser dedicado a Prometeu. Uma excepção,
na medida em que Prometeu não é um deus mas um titã. Contudo, não é por isso que ele não
deve merecer esta consideração. De facto, Prometeu, com um pouco de terra e água, fez o
Homem à semelhança dos deuses. Edeu-lhe um porte erecto, que lhe permitia levantar a cabeça
para o céu e olhar as estrelas em busca da "areté". Assim, este é o grande objectivo do presente
capítulo, que fecha as ideias que iniciámos no primeiro, que designámos pura e simplesmente
por "agôn". Tem como principal objectivo fazer com que os gestores percebam que a gestão é
muito mais do que uma simples burocracia porque tem de estar envolvida numa dinâmica de
luta pela superação em busca da excelência. Prometeu, depois de ter feito o Homem, subiu ao
céu e acendeu a sua tocha no carro do Sol, roubando o fogo dos deuses para o dar aos Homens.
Éeste fogo que deve alimentar a cap!!fidade de imaginação e de sonho de qualquer gestor. Por-
que, tal como com a dádiva do fogo o Homem ganhou superioridade sobre todos os outros ani-
mais, também com os instrumentos de desenvolvimento e gestão os gestores de desporto podem
ganhar superioridade sobre os estigmas que ferem de morte o desporto moderno. Porque se o
fogo foi o instrumento de gestão que permitiu ao Homem construir as armas com que subjugou
os animais, as ferramentas com que cultivou a terra, a lareira com que aqueceu a morada, a
cunhagem da moeda com que fez os negócios, também o "agôn e a "areté", que devem presidir
à gestão do desporto moderno, podem fazer com que o desporto se transforme num instrumento
ao serviço do país no quadro da economia global.

Quando se acabou de construir a própria casa, nota-se, de repente,


que se aprendeu qualquer coisa que, pura e simplesmente, já se
devia ter sabido antes de começar. O eterno e triste "demasiado
tarde"! A melancolia de tudo o que está pronto.
Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Defendemos ao longo deste livro o desenvo lvimento do desporto enqua nto projecto de desen -
volvimento humano. Defendemos mesmo que quando o desporto não tem subjacente um projecto
de desenvolvimento humano se transforma, pura e simp lesmente, num instrumento de ali enação
de massas ao serviço duma classe ou de um grupo dominante. Se no passado o aprove itamento
do desporto, em mu itas circunstâncias, aconteceu no quadro da Guerra Fria e no da confrontação
dos grandes blocos id eo lóg icos, hoje, temos a ocas ião de todos os dias co nstatar atra vés da comu-
nicação social que o desporto, nas mais diversas situações, está ao serviço de grupos económicos
que dele se servem para alienar as popu lações no sentido dos seus interesses. Que melhor exem-
plo do qu e o da equ ipa nacional de futebo l de Portu gal, num país co m um grave prob lema de
alcoo li smo, ser patrocinada por um a marca de cerveja. De acordo com as estatísticas, Portugal é o
prime iro consum id or europeu de bebidas alcoólicas, sendo cada vez maior o número de mulheres
e jovens com problemas dessa dependência.
324 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Pierre Bourdieu considerava a sociologia como "um desporto de combate". Em 1992, Bourdieu
afirmava ao Le Monde a necessidade imperativa da crítica. E continuava, não há democracia efec-
tiva sem um eficaz contrapoder crítico, pelo que temos de ir mais longe e afirmar que, antes de
tudo, é a democracia que é um desporto de combate. A partir desta perspectiva, há muito que
defendemos que aqueles que não aderiram a um modelo de desporto hiper-mercantilizado pelo
espectáculo e o profissionalismo precoce têm de saber utilizar a sociologia enquanto instrumento
de defesa e de ataque, ao serviço dos valores inalienáveis e eternos do próprio desporto. Nesta
perspectiva, o desporto enquanto fenómeno social de massas de maior magia à escala do planeta
pode transformar-se num instrumento de combate pela promoção da justiça e da equidade social
ao serviço do desenvolvimento humano.
Hoje, no mundo do desporto, a democracia, em muitas e demasiadas situações, é uma farsa. E
é uma farsa porque as condições de uma competição leal e justa deixaram de estar garantidas. E
deixaram de estar garantidas porque a ganância do poder tem matado a competição, na medida
em que, através dos mais diversos expedientes, o princípio do ostracismo, como definimos, deixou
de ser respeitado. Ora, não existe desenvolvimento se este não for sustentado num processo a
todos os títulos democrático, em que a competição, justa e nobre do "agôn" em busca da quali-
dade e da excelência da "areté", esteja assegurada. Só nesta perspectiva o desporto, enquanto fenó-
meno universal de cultura de massas, pode estar ao serviço da promoção da den;ocracia e do
desenvolvimento do Homem sob pena de, se assim não for, se tornar num instrumento de aliena-
ção que corrompe e despreza a democracia, o desenvolvimento e o progresso.
A sociedade industrial centralizada, hierarquizada e massificada organizou-se debaixo de uma
forte infiuência do modelo militar. Hoje, vivemos numa sociedade pós-industrial que tende para a
descentralização, a desagregação e o desmoronar das estruturas verticais e hiper-centralizadas de
poder e de comando. Agora, segundo Abel Cabral Couto (2004), trata-se de gerir interdependências
em sistemas crescentemente abertos com uma grande proliferação de pólos a funcionar numa rede
caótica, onde a mínima perturbação pode originar a perda de controlo e provocar situações perfei-
tamente aberrantes porque geradoras de autocracia e subdesenvolvimento.
Nesta conformidade, o espírito que animou o presente trabalho fundamentou-se nos valores da
competição com vista a atingir a excelência. Entre a competição e a excelência sistematizámos de
forma contextualizada um vasto conjunto de instrumentos de gestão necessários ao desenvolvi-
mento de projectos no âmbito do desporto. Não pelo desporto em si, mas pelo desporto enquanto
instrumento de desenvolvimento humano, promotor do "agôn e da "areté" catalizadores funda-
mentais do desenvolvimento económico e social do país.

10.1 "Areté"
A palavra "areté" aparece nos mais antigos textos da cultura ocidental, a Ilíada e a Odisseia. Signi-
fica mérito ou qualidade pela qual alguém se destaca, pelo que pode ser aplicada às mais diferentes
actividades da vida. Como podemos constatar na Ilíada, significava, entre outras, uma qualidade do
corpo, tal como a força, a agilidade ou a beleza. Na perspectiva de Homero, a "areté" envolvia as com-
petências e as potencialidades humanas em busca da superação, bem como as qualidades através
das quais alguém revela a sua excelência.
Para Platão, traduzia saúde ou, até, uma qualidade da inteligência ou da própria alma. Podia
ainda expressar consideração ou honra, mas também o mérito do artesão ou do homem de Estado.
Prometeu e a "areté" [ 325

No sentido moral, a palavra indicava a capacidade de realizar nobres acções por parte daqueles que
eram seus detentores. Aristóteles definiu "areté" como a condição que nos torna bons e permite aos
Homens concluir tarefas que lhes são próprias. Assim, a "areté" simbolizava o potencial humano,
quer dizer, as capacidades que permitiam ao Homem a superação e a busca da excelência.
Em consequência, para os gregos antigos a "areté" estava especificamente ligada ao conheci-
mento. De facto, era o conhecimento que podia animar a vida, pelo que só através dele era possível
engendrar as soluções que, em cada circunstância, garantiam a organização do futuro. Foi o sen-
tido que pretendemos dar ao presente livro, enquanto estrutura de conhecimentos que possibilita
uma refiexão pessoal, na medida em que, na linha de Mintzberg, assumimos que escrevemos para
aprender. Mas também pretendemos fornecer uma estrutura de análise e acção destinada àqueles
que, dos mais diversos modos e em diferentes contextos organizacionais, têm por missão intervir
no mundo do desporto.

10"2 Excelência e gestão do desporto


Na perspectiva da excelência tivemos como ponto de referência autores do mundo do desporto,
como, entre outros, Ortega y Gasset, Johan Huizinga, Roger Caillois, Bernard Jeu, mas também no
domínio da gestão das organizações, como Peter Drucker, Henry Mintzberg, Garett Morgan ou ldal-
berto Chiavenato.
Contudo, neste momento de síntese, se do lado do desporto nos cabe fazer especial referência
a Ortega y Gasset, já do lado da gestão é Peter Drucker que não pode deixar de ser destacado.
Ortega y Gasset (1987), com A Origem Desporti~a do Estado, ao tratar da dialéctica entre traba-
lho e lazer, em primeiro lugar abriu a questão ideológica ao mundo do desporto até então conside-
rado como uma arte menor, catóptrica e sem interesse de ordem social. Em segundo lugar, propor-
cionou-nos uma nova perspectiva para compreender a dinâmica da organização social a partir do
confronto dos diferentes grupos etários ao ver na organização do clube jovem a própria organiza-
ção desportiva do Estado. Finalmente, em terceiro lugar, Gasset, na linha de Nietzsche, estabeleceu
uma ruptura com o pensamento de Sócrates, no qual a lógica prevalecia sobre a existência, quer
dizer, a razão sobre o instinto. Isto significou que se até então o Homem era comandado pelo ins-
tinto e controlado pala razão passou, a partir do pensamento socrático, a ser comandado pela
razão e controlado pelo instinto, o que acaba por se revelar uma aberração. Para Gasset, as activi-
dades originais da vida são sempre espontâneas, luxuosas e de intenção supérfiua, depois podem
ser controladas pela razão. Não servem para satisfazer uma necessidade vital, um movimento for-
çado ou tropismo. A acção primeira é liberal e imprevisível, porque natural. Foram os comporta-
mentos de desafio, de risco, de vertigem, de luta, de conquista e sobrevivência da própria espécie
que o Homem praticava na Natureza que o levaram a engendrar mecanismos de organização do
colectivo, quer dizer, da estratégia que configura os primórdios da organização social através do
"clube dos jovens" e, posteriormente, da própria organização do Estado. Assim, o desporto
enquanto acto primeiro, instintivo, espontâneo, livre, criador e supérfiuo assume-se como categoria
superior da condição humana que só depois há-de ser controlada pela razão. Nesta perspectiva, os
conceitos de Humanidade e Natureza não são tão antagónicos quanto os querem fazer parecer, na
medida em que as qualidades naturais e as qualidades humanas estão inseparavelmente unidas.
De facto, o melhor que se faz na vida não é por imposição, como acontece com o trabalho, mas por
um impulso íntimo, um imperativo vital inscrito no nosso código genético que nos incita a sermos
melhores do que aquilo que na realidade somos. Daí o sucesso do futebol nacional, que enquanto
326 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

jogo ultrapassa as burocracias in staladas, entre ela s as do próprio futebol. O problema é que hoje
são as grandes emp resas naciona is ou multinacionais a aprove itarem-se, co nscie nte ou inconscien-
91
temente, da condição ontológica do jogo , fazendo-o nem sempre da melhor maneira, sem que o
Estado introduza, so bretud o a montante do sistema, quer dizer, no sistema educativo, as correc-
ções necessárias à anu lação das assimetrias decorrentes de um mercado a funcionar em roda li vre,
estabelecendo co ntinuam ente entre as dialécticas ma ssafe lite e soc ialfeconó mico os eq uilíbri os
dinâmicos necessários ao desenvolvimento equitativo e suste ntado.
Peter Drucker foi muito ju stamente cons id erado o pai da gestão moderna. Contudo, ele foi
muito mais do que um simpl es gestor ou académico. Ele foi um "pintor de conce itos soc iais" 92 , o
que elevou o seu pensamento e os quadros teóricos que id ea li zou muito para além das questões
relativas à gestão.
Drucker, muito certamente an im ado por Atena, a deusa dos guerreiros e dos artesãos, susten-
tou o seu poder na base da serenidade e do co nh ecimento e estabeleceu uma ruptura com o pas-
sado, interessando-se pelo comportamento das pessoas e não pelo capita l ou pelas mercadorias.
Em conform idade, construiu o seu pensamento na procura de padrões qu e exp lica sse m a reali-
dade, identificando no flu xo caótico dos dados as conste lações de problemas geradora s de informa-
ção e conhecim ento, necessário s à evo lu ção e ao progresso. Peter Drucker ajudou a encontrar um
rumo de excelência a muitos daq ueles que ao longo dos últimos cinq uenta anos se i!lteressaram,
das mais diversas maneiras e nos mais variados contextos, entre eles o desportivo, pelas mú ltipl as
problemáticas da gestão. Ele viu mais longe e primeiro do que todos os seus co ntemporâneos. De
facto, ele percebeu os dois grandes movimentos orga nizacionais do século XX:
1. O auge da sociedade industrial, das grandes empresas e da produção de massas;
2. O nascimento da sociedade do con hecim ento.

Estes dois grandes movim entos que anim aram o sécul o passado levaram-no naturalm ente à
"descoberta" da gestão.
Como tivemos a oportunid ade de referir, até aos anos 40 existiam muito poucos livros que real-
mente versavam sobre a problemática da gestão. Os editores interrogavam-se: "Quem é que se
interessa por uma coisa dessas~" Chegaram mesmo a aconselhar Peter Drucker a ded icar o seu
talento a ass untos mais respeitáveis, ta l como hoje muitos fazem relativa mente ao desporto e à sua
gestão, na mais profund a ignorância acerca daquilo que o desporto em si pode significar no êx ito
da sociedade humana.

91
Veja-se, por exemplo, o aproveitamento que grandes empresas fizeram do Campeonato do Mundo de Futebol (2006). Se
ao tempo do Campeonato do Mundo de Futebol de 1938, Benito Mussolini compreendeu que a vitória no desporto podia
motivar as pessoas a andarem pelas ruas a cantarem alegremente, independentemente de viverem num regime democrá-
tico, terem uma econom ia estável ou até uma vida decen te, hoje, as grandes empresas, nesta socieda de de massas, com-
preenderam que a vitória no desporto pode levar ao consumo desenfreado, independentemente das populações terem
uma economia estável e uma vida decente, conduzindo-as, através de campanhas de marketing e publicidade de uma
agress ividade esquizofrénica, a situações de sobrendividamento.
92
Segundo Jack Beatty (1989). no livro The World According to Peter Drucker.
Prometeu e a "areté" [ 327

10.3 Drucker X Prometeu

A gestão existiu desde sempre, muito embora não fosse entendida como tal. Drucker, com o seu
primeiro livro, intitulado The Practice of Management, editado em 1955, desencadeou um processo de
consciencialização ("agôn" & "areté") entre todos aqueles que de uma maneira mais ou menos explí-
cita exerciam as funções de gestor. Quer dizer, formalizou um conjunto de comportamentos decor-
rentes da especialização do posto de trabalho. Pela vasta literatura que produziu enquanto académico
desencadeou a implementação de processos de formação inicial a partir da organização de cursos na
área da gestão. Finalmente, foi indirectamente responsável pela institucionalização de um processo de
socialização à escala do planeta, através do surgimento de múltiplas sociedades e organizações dedi-
cadas às mais diversas funções da gestão. Peter Drucker foi, por assim dizer, uma espécie de Prome-
teu, ao fazer com que a gestão descesse à Terra ofertando-a aos Homens. Tal como na mitologia
grega, o fogo deixou de ser propriedade dos deuses, também na sociedade pós-industrial a gestão dei-
xou de ser uma disciplina de alguns privilegiados, através do contributo exemplar de Drucker.
Em conformidade, se no mundo da gestão durante o século XX existiu alguém a quem a palavra
excelência assenta como um luva foi Peter Drucker. Ele foi a prova de que só através de uma cultura
de luta, de competição, de superação e de nobreza, que se deve expressar na capacidade empreende-
dora de todos e cada um, os países podem organizar ó presente e garantir o seu futuro. Só através de
uma cultura de competição é possível renovar, de geração em geração, as forças vitais que garantem a
"areté", quer dizer, a busca da excelência. Por isso, do desporto à economia, há que promover uma
dinâmica agonística que, em muitas circunstâncias, foi adormecida pelo bem-estar social proporcio-
nado por trinta anos de democracia liberal, bem como por uma dinâmica educativa que desvalorizou
os valores do "agôn" e da "areté", mas que hoje faz uma falta tremenda no quadro do processo de
globalização em que o país está envolvido. Trata-se, assim, de encontrar a "areté" nacional a partir do
"agôn" de uma competição nobre e leal que anime a educação e a cultura portuguesas na busca da
excelência, com vista a garantir a qualidade de vida das gerações vindouras.

10.4 Cultura agonística

Não há tempo a perder. Hoje, parece ser comummente aceite que o processo de globalização
_abriu a caixa de Pandora. Perante as ~ normes dificuldades com que os países ditos desenvolvidos
se deparam, é necessário tomar consciência de que o mundo é um local de enormes dificuldades e
de eterno connito, pelo que o sucesso dos países será cada vez mais medido pela capacidade dos
seus cidadãos superarem, pela iniciativa, pela criatividade e pelo empreendorismo as dificuldades,
através de uma cultura agonística na defesa da "areté" e do bem comum. Porque a "areté" é
medida através da efectividade com que cada ser humano é capaz de, numa perspectiva positiva,
interagir com o mundo.
Isto significa que é de fundamental importância apostar na formação dos cidadãos enquanto futu-
ros agentes de desenvolvimento e progresso num mundo em que o padrão de competitividade, quer
se queira que não, será cada vez maior. Os países e as suas organizações necessitam de novos líde-
res, movidos por uma forte cultura de competição e excelência, capazes de desencadear os processos
necessários ao desenvolvimento no quadro de uma economia global. Em consequência, também o
desporto necessita urgentemente de novos líderes capazes de promoverem a organização do futuro
num ambiente de excelência, profundamente democrático, preocupado com as ideias, sentimentos e
328 ] Agôn I Gestão.do desporto I O jogo de Zeus

expectativas das novas gerações e a funcionar de acordo com as grandes transformações sociais que
estão a acontecer à escala do planeta. Na realidade, necessitamos de um desporto que promova uma
cultura de competição que, no respeito do princípio da equidade, do ensino à alta competição, garanta
as oportunidades de afirmação e sucesso que todo e qualquer cidadão deve poder ambicionar ao
longo da sua vida.

Educação agonística

Ora, os líderes do futuro estão hoje nos bancos das escolas e das universidades, pelo que o espí-
rito de competição e excelência tem de ser desenvolvido através programas dirigidos à população em
idade escolar. Se o país tem necessidade de empreendedores, com espírito competitivo e amantes da
excelência como forma de promoção da qualidade e do bem-estar social, tem de os começar a prepa-
rar precisamente a partir da idade escolar. Por isso, uma educação verdadeiramente desportiva é uma
das condições de sucesso no âmbito da competição económica a uma escala global. A este respeito,
sem negar os valores do desporto enquanto instrumento promotor da saúde, receamos que a actual
dinâmica curricular dos ensinos básico e secundário de uma "educação física para a saúde" venha a
ser mais um factor promotor da mediocridade que hoje caracteriza a generalidade do ensino e a cul-
tura do português médio, o qual está mais disponível para ir para o estádio agarrado à bandeira à
espera que os favores dos deuses lhe garantam a vitória da equipa nacional do que <a envolver-se
numa verdadeira prática desportiva promotora da sua própria qualidade de vida.
Como é que o país pode ambicionar ter bons empreendedores, que numa cultura de competi-
ção busquem a excelência, se as sucessivas gerações não são formadas a partir de programas que
estimulem o gosto e o respeito pela própria competição, bem como a procura insaciável da exce-
lência. Pelo contrário, por exemplo, através de uma educação física sustentada no exercício para a
saúde, o que se está a promover é uma cultura hedonista, acomodada, egoísta, que ignora o gosto
pela superação e recusa a capacidade de iniciativa e a assumpção consciente do risco, tão necessá-
rios não só ao sucesso pessoal como dos próprios países. Para o conseguir haverá melhor espaço
social e educacional do que um currículo de educação desportiva, promotor do "agôn" e da
"areté"? É evidente que a resposta só pode apontar nesse sentido. O problema é que nos últimos
anos houve quem, por motivos ideológicos, se encarregasse de matar a competição do sistema de
ensino. Em consequência, a maioria dos nossos líderes, ao longo dos últimos trinta anos, de vitória
em vitória, também se encarregou de, através dos mais variados processos, destruir a competição.
Transformou um país de empreendedores, que teve a ousadia de partir em busca de novos mun-
dos, numa catrefa de funcionários públicos e burocratas sem garra e 'sem ambição, incapazes de
conduzir o país para além da sua limitada ou até inexistente visão de futuro.

10.5 Crise X Oportunidade

Contudo, se os momentos de crise podem significar ameaças, eles também podem ser consi-
derados como um tempo de oportunidades que devem ser utilizados para mudar o rumo dos
acontecimentos.
No estado de profunda depressão que o país atravessa, o que não teriam os portugueses a
aprender com a maneira dos gregos antigos gerirem a dimensão agónica da vida, através do jogo,
da festa e do sagrado, em busca da superação e da "areté". Porque, hoje, na economia global, a
competição já não passa por uma estratégia de baixos salários, mas por uma política de exigência,
Prometeu e a "areté" [ 329

de qualidade e de superação em busca da exce lência da "areté". Em conformidade, é de fundamen-


tal importância que as sociedades saibam, através da educação ao longo da vida, preservar e gerir
os valores do jogo, porque é no jogo que se encontra o "agôn" enquanto fio condutor que deve pre-
sidir ao desenvolvimento e à organ ização do progresso socia l. Trata-se, pois, de conduzir o país
para um espírito de excelência através do "agôn" e da vontade de vencer, enquanto factores da coe-
são socia l e a própria viabilidade do país.
Ora isto só é possível pela promoção de uma forte cultura agonística que se inicie através da
educação desportiva no ensino básico e se prolongue ao longo da vida de cada um. Para tal, é neces-
sário que exista uma ideia de desenvolvimento para o país e para o desporto, sabendo-se qual o
lugar que o desporto deve ocupar na educação no próprio desenvolvimento do país. Já Platão queria
saber se a excelência podia ser ensinada. Se ela é um dom natural ou uma graça divina. É possível
ensinar a "areté"? Assim, temos de perguntar: Como é que o desporto atinge a sua "areté"? Qual é a
"areté" ideal para o desporto de maneira que este sentido de excelência se projecte no país~
Os gregos associavam a plena realização do Homem ao poder que advinh a do culto da força
física, a coragem, a honra, o respeito, a va lorização da vitória nas competições e a importân cia da
pólis como categoria existencial. Na id eia de Werner Jaeger, a função da "areté" era a de constitu ir
uma força, uma capacidade, em que o vigor e a saúde eram a "areté" do corpo, e a sagacidade e a
penetração a "areté" do espírito. A palavra "areté" êstabelecia entre os gregos o fio co ndu tor da
educação, na medida em que li gava a um modo de pensar a educação pela qual se asp irava a reali-
zar o verdadeiro Homem. No enta nto, a "areté" também devia ser conseguida através do cu lto do
gosto pela luta leal e, através duma pedagogia de competição, desencadear e disciplinar as novas
gerações segundo as lei s sagradas do jogo eterno da vid a. Nesta conformidade, percebe-se bem
que as políticas desportivas não podem ficar na s mãos de interesses particulares, desta ou daquela
federação ou de qualquer político que, por motivo de interesses partidários co njunturai s, foi
nomeado responsável pela tutela do desporto. O desporto tem de contribuir efectivamente para um
projecto duradouro de afirmação nacional, sustentado em valores nacionais que o organi zem no
âmbito dos vários grupos soc iais, de modo a contribui r para uma cultura nacional de excelência
necessária à afirm ação do país no quadro da competição global.

10.6 O que fazer com o desporto?

Engendrar políticas desportivas sem se saber o que é que se deseja para o desporto, para além
de só servir para adormece r o país, prejudicando-o fortemente sob o ponto de vista económico e
social, acaba por comprometer a vida das gerações futuras. Quando isto acontece é a má Éris que é
posta em jogo, na medida em que haverá sempre quem beneficiará com tal situação em prejuízo
da ma ioria e do país. O desporto, hoje, através de um modelo de organização excl usiva, paradoxal-
mente não promove a competição, quer dizer, não cumpre o princípio do ostracismo, a partir da
criação de cond ições de acesso da generalidade da população à prática desportiva e às virtual ida-
des das mais diversas formas de competição. O Modelo Europeu de Desporto, nas suas profundas
contradições, está transformado num agente promotor da mediocridade que se expande para o
país, pelo que é na sua quota-parte responsável pela profunda crise de prin cíp ios, de valores e de
vontade de vencer que hoje caracteriza grande parte da sociedade portuguesa. Temos tido a opor-
tunidade de observar o seu pior nas políticas de realização de grandes eventos desportivos (salvo
raras excepções) com que, nos últimos anos, os diversos governos têm castigado o país.
330 ] Agôn 1 Gestão do desporto I O jogo de Zeus

O que aconteceu nos últimos trinta anos foi uma política desportiva que ao apostar no rendi-
mento, na medida, no recorde, no espectáculo e no profissionalismo precoce, sem cuidar da base do
sistema através da educação desportiva e da criação de condições de acesso general izado à prática
desportiva, foi também responsável pela in stituciona lização de um a cu ltura de mediocridade que não
preza nem os va lores do "agôn" nem asp ira aos estádios superiores de organização pessoal e social
que a "areté" promove. Hoje, perante as dificuldades e os desa~os do futuro, somos uma sociedade
desmobilizada. De facto, através da realização de grandes eventos desportivos sem passado nem
futuro, como se constata pelo Euro 2004, e da construção de instalações desportivas que são autênti-
cos mastodontes brancos que acabam só por homenagear a estupidez humana, afastaram -se sucessi-
vas gerações da prática desportiva e da consequente cu ltura de competição que hoje bem fa lta faz ao
país. Agora, os portugueses, a par de irem berrar para os estádios de futebol agarrados ridiculamente
à bandeira nacional, vivem na maior das depressões colectivas, na medida em que não encontram
dentro de si as forças que os levem a lutar em busca da "areté" e da excelência de modo a superarem
as dificuldades, pela simples razão de que não foram educados nesse sentido por um sistema educa-
tivo cujos objectivos primários sempre foram os de formar funcionários públicos e um sistema des-
portivo que privilegiou a satisfação de clientelas político-partidárias em detrimento de políticas de ver-
dadeira educação desportiva, dirigidas à general id ade das crianças e dos jovens do país. <.
Em conformidade, os grandes responsáveis por esta situação, salvo raras excepções, são os
dirigentes políticos e desportivos que no âmbito do Estado e do movimento desportivo têm tido a
responsabilidade pela tutela da educação e do desporto nos últimos anos. Os primeiros, pela sua
passagem, por vezes breve e quase sempre inútil, irresponsável e incompetente, que fizeram pela
educação e pelo desporto. Os segundos, pelo oportunismo e mediocridade que têm revelado ao
perpetuarem-se e multiplicarem-se anos e anos a fio agarrados a vários lu gares do vértice estraté-
gico do movimento desportivo, impedindo a renovação e o progresso do desporto. Em consequên-
cia, hoje, temos a mais miserável taxa (23%) de participação desportiva da Europa, que traduz um
indi cador de carácte r desportivo resultante da ausê ncia de uma nítida separação entre indigência e
excelência que, de uma maneira geral, caracteriza o país. De facto, o desporto tem sido governado
por uma elite incapaz que o conduz iu para uma enorme crise de identidade.

10.7 Em busca da excelência

Como referiu Martina Navratilova, "quem disse que ganhar ou perder é desporto, provavelmente
perdeu". Mas, não se trata de perder, trata-se de aceitar de uma forma conformista a derrota. Em con-
formidade, os objectivos da "areté" e da excelência do "agôn", próprios do desporto, e que se devem
projectar na cultura nacional, não em benefício de uns tantos atletas e alguns diletantes dirigentes, mas
da general id ade da população, a fim de se construir uma sociedade capaz de lutar e de vencer em
busca da excelência, têm de ser conseguidos a partir de uma "posição inicial" de maneira a determ in ar:
1. Qual a fi losofia que se deseja para o desporto?
a. Qual a sua vocação no quadro do desenvolvimento do país?
b. Qual a sua especial missão?
c. Qual a estrutura?
d. Qual a visão quanto à organ ização do futuro?
Prometeu e a "areté" [ 331

2. Quais os objectivos)
a. Estão definidos)
i. Por áreas organizacionais;
ii. Por sectores de prática;
iii. Por etapas de desenvolvimento;
i~. Por áreas geográficas.
b. Estão assumidos pelos diferentes estruturas sociais)
i. Governo)
ii. Ministérios?
iii. Partidos)
i~. Organizações sociais)
3· Quais as estratégias?
a. Estão estabelecidas?
i. Por áreas organizacionais;
ii. Por sectores de prática;
iii. Por etapas de desenvolvimento;
i~. Por áreas geográficas.
b. Qual o padrão de integração)
4· Existe um sistema de planeamento)
a. É antecipativo?
b. A orgânica está definida?
c. O processo está determinado?
5· A estrutura está bem definida?
a. Os subsistemas estão integrados)
b. É fiexível? É necessário comprimi-la)
c. A organização responde como um todo?
6. Está orientada para os processos>
a. O trabalho processa-se em série) Em paralelo?
b. Quais as relações formais e informais?
c. Existe coordenação entre as unidades>
7· Os recursos humanos respondem?
a. Trabalham de acordo com os planos>
b. Por casos>
c. A decisão faz parte do trabalho>
d. Estão motivados?
e. As pessoas aderem à inovação?
f. A mudança acontece de uma forma natural?
g. Qual o sistema de remuneração/gratificação?
332 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
1
8. Existe lid erança?
a. Está bem integrada nos departamentos?
b. A autoridade funciona?
c. Existe delegação de competências?
d. A tomada de decisão é rápida?
e. A decisão é tom ada próximo da fonte de informação?
g. Os recursos estão de aco rdo com os objectivos?
a. Os materiais respondem à situação o rgan i zac i ona l ~
b. Os recursos fin ancei ros são suficientes?
10. A com uni cação funciona?
a. Processa-se no sentid o asce nd ente e descendente?
b. Existe um sistema de informação no interior e para o exterior?
n. Existe um siste ma de contro lo?
a. Existe um sistema de medida da performance (eficácia e eficiência)?
b. Funciona em séri e ou em para lelo?
c. A partir de entid ades independentes?

Quer se queira quer não, o desporto deixou de ser um instrumento exclus iva mente de ordem
pedagógica a funcionar em circuito fechado em escolas e clubes, para passar a ser um a actividade
de significat ivo va lor económico, soc ial e político, com imp actos relevantes nas decisões que
devem presidir às estratégias de desenvolvimento dos países. Por isso, no quadro da compet ição
económ ica globa l em qu e os países se encontram, o desporto tem de ser co nsiderado como uma
activid ade social geradora de educação, de cu ltu ra e de econom ia, no âmb ito da vida nacional. Não
como no passado para superar frustrações de uma população a viver num padrão de qualidade
deficiente. Não como no presente quando se diz que o desporto serve para projectar a im agem do
país no estrangeiro, muito embora não se saiba minimamente qual é a im agem que se deseja pro-
jectar. O desenvolvimento eco nóm ico e social te m a ganhar tanto mais co m o desporto quanto o
desporto seja capaz de ser verdadeiramente um in strum ento promoto r de uma ed ucação ago nís-
tica cujo objectivo é contribuir para um amb iente económico e social no país com uma forte cultura
de excelênc ia. A não ser assim, jamais passará de um in strum ento de a,li enação de massas promo-
tor de mediocridade e de subd esenvo lvim ento em que hoj e, infeli zmente, está transformado.
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[Índice temático

Ace leração 35, 244, 310, 314 Antecipação 36


Aconteci mentos 63, 70, 76, 77, 78, 79, 8o, 82, 85, 87, jogada 36, 130
lll, 116, 204,217,228,246,248,252, 253. 257.
Apetrechamento 74, 105, 203, 224, 291, 292, 306
259.260,261, 262,263,264, 275.300,303,309,
Areté 13, 14, 21, 22, 30, 44, 45, 48, 50, 173, 268, 323,
311, 314, 328
324,325,327,328,329,330,331
certos 48, 6g, 156, 200, 246, 256, 259, 260, 262,
Arranque 40, 65, 66, 163, 164, 258,289,304
264
fase 34, 40, 51, 65, 66, 121, 125, 126, 149, 163, 234,
con hecidos 33, 8g, 170, 249, 259, 260, 302, 305
236,257,259.265,266,300,304,308,309,319,
desconhecidos 82, 259, 260, 261
320
incertos 259, 260, 262
Batota 99
tipologia 109, 158, 259
elogio da batota 99
Actividades desportivas 52, 68, 105, 143,155, 163,165,
Beijing 2008 249
167, 168, 16g, 171, 223, 279
benévolos, dirigentes desportivos 197, 201
ADIDAS 61, 152
Benfica 22, 181, 195, 268
Administração,., gestão 121
Blackout 94. 95, g8, 179
Admin istração pública 19, 121, 122, 123, 156, 157, 158,
162, 167, 168, 171, 225, 234. 238, 304, 319 Bola 18, 19, 20, 27, 53, 61, 73. 94, 95, 125, 144, 148,
163, 164, 268
adm ini stração 19, 82, 84, 120, 121, 122, 123, 125,
Brain storming 265, 266, 308
126, 127, 129, 134. 135. 146, 154. 156, 157. 158, 162,
167,168,171,201,225,234.238,251,304,317,319 Burocracia 29, 72, 83, 92, 93. g6, 104, 11 3, 122, 123,
Agôn 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 28, 135, 136, 137. 142, 143. 145. 187, 215, 234. 238, 323
30, 32, 34.36, 38,40,42, 44.45. 46,4~. 49. 50, Caminh o crítico 302 , 310, 314, 315
52, 54, 56, 58 , 6o, 62, 64, 66, 68, 70, 72 , 74, 76, Campomaiorense 179, 184
78, 8o, 82, 84, 86, 88 , go, 92, 94, g6, g8, 100,
Ca ndid atu ra 19, 32, 56, 87, 257
102, 104, 106, 108, 11 0, 114, 115, 116, 11 8, 120, 122,
124, 126, 128, 130, 132, 134. 136, 138, 140, 142, Caos 31, 33, 35, 37, 39, 41, 43, 45, 47, 49, 51, 53, 55, 57,
144.146,148,150,151,152,154.156,158,160,162, 59, 61, 63, 6s, 67, 6g, 71, n 74, 75, nn 81, 83,
164, 166, 168, 170, 172, 173, 174, 176, 178, 180, 85, 87, 8g, 142, 253, 274, 302
182 , 184, 186, 188, 190, 192, 194>196, 1g8, 200, Capacidade intu iti va 78, 150
202, 204, 206, 208, 210, 212, 216, 218, 220, 222, Carta Europeia do Desporto 116, 170, 171
224, 226, 228, 230, 232, 234. 236, 237, 238, 240,
Cassandra 249, 250, 343
242, 244. 246, 248, 250, 252, 254. 256, 258, 260,
262, 264, 266, 268, 270, 271, 272, 274, 276, 278, Causalidade ci rcu lar 64
280, 282, 284, 286, 288 , 290, 292, 294, 296 , 2g8, Centralização 56, 65, 67, 73. 11 7, 128, 205, 206, 207,
300, 302, 304, 306, 308, 310, 312, 314, 316, 318, 212
320, 323, 324,326,327,328,329,330 Centro operacional1o6, 107, 108, 109, 124, 125, 126,
Aná lise da situação desportiva 158, 159, 163 171, 206, 207, 210, 254. 264, 270
342 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

Cerimónias 53, 68, 96, 151, 153, 176 COP 130, 186, 193 i
Chelsea 27, 33, 59 , 98, 103, 147, 148 Credibilidade 51, 142 , 175, 176, 225
Ciclo olímpico 26, 156, 160 Criatividade 26, 49, 78, 94, 95, 104, 113, 11 9, 129, 140,
Clique 197 148, 152 ,1 53. 194. 196, 197.215,254. 261 , 265 ,
268, 275. 293. 296, 304, 309, 327
Clusters 168, 169
Crises organizacionais 109
Código da civilização industri al 65, 67, 11 7, 181
Delfos 38, 89, 249, 250, 251
Código do desporto 66
Demografi a 59, 6o, 61, 62, 169
Com issões 106, 108, 234
Departamentalização 208, 211
Competências distintivas 276, 277, 287, 290
Desenrascanso 261
Comunicação 23 , 26, 31, 40, 41, 50, 53, 56, 59, 61, 62,
86, 97. 98, 103, 106, 107, 108, 109, 131, 132, 134. Desenvolvimento do desporto 15, 16, 21, 26, 40, 42,
136. 139. 146, 153. 155. 162, 174. 182, 193, 196, 46, ss. s6, 59, 6o, 63, 64, 66, 68, 71, 74, 78, 81,
204, 205, 212, 223, 233. 251, 286, 300, 305, 319, 88, 11 4, 133.1 39. 143.153. 156, 158, 163, 168, 172,
203, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 224,
323,332
225,227,228, 229,230,231, 232,234. 236, 238,
Concentração 65, 67, 71, 72, 73. 11 7, 205 , 227
243.245.290,291,308,317,323
Confederação do Desporto de Portugal165
Desenvolvimento humano 15, 18, 21, 22, 26, 27, 29,
Confederação Portuguesa de Desportos 165 31, 32, 55. 56, 8o, 82, 85, 86, 89, 110,"199. 219,
Configurações estruturais 210, 211 220,228,235.237.246,253.294.323,324
Conflito 18, 39, 45, 6o, 88, 95, 97, 129, 132, 188, 269, Desenvolvimento sustentado 15, 26, 85, 11 0, 182, 217
327 desenvolvimento, princípios do 30, 85, 225
Co nhecimento 25, 27, 33, 40, 41, 46, 52, 55, 82, 93. Desporto escolar 63, 64, 85, 143, 151, 152, 161, 168,
109, 11 0, 111,11 3, 116,129, 130,1 34. 137. 138, 139. 174.1 85 ,1 86,1 87, 188,1 89,190, 191,193, 202,
149. 151 , 152, 153.154.155.1 57.1 58,159.174. 180, 304, 306, 308, 310, 312, 317
181, 182, 194. 195. 196, 197. 207, 208, 234. 247.
Desporto federado 37, 59, 83, 99, 122, 125, 143, 152,
250,258,263,268,291,296,300,319,325,326
161, 167, 168,170,174. 185, 187, 190, 191, 197.
Conjugação 91, 104, 105, 125, 148, 207, 210, 236, 263, 202,227,228,245.285,303,306,312
271' 285, 290
Desporto para todos 53, 69, 143, 157, 168, 312
Conjugação do trabalho 91, 104, 105, 125, 148, 207
desporto, conceito de 66, 11 4, 115
Constrangimentos 31, 97, 180, 258, 287, 299, 302,
Deu ses 13, 14, 20, 31, 36, 45, 89, 91, 93, 173, 248, 249,
310, 312
250,323,327,328
Controlo 30, 49, 52, 71, 74, 82 , 83, 84, 90, 92, 99, 106,
Deveres 136, 219 , 229, i135
107, lll , 117,118,1 29 ,131,1 32, 151 ,"152, 157.1 74.
180, 183,193. 194. 198, 202,206,207, 208, 213, Diagnósti co 157,158,196,197,252,290 !.
215, 226, 229,234.244.252,256,259.260, 261, Direitos 16, 18, 29, 58, 81, 85, 166, 182,216,219, 220,
262, 270, 272, 278, 284, 287, 291, 293. 299. 300, 225,229, 231,233. 234.235.238
304, 306, 307, 308, 310, 312, 317, 319, 320, 321, Direitos humanos 182, 216, 219, 220, 235
324, 332
Diri gente 32, 42, 68, 156, 170, 171, 172, 197, 198, 199,
Cooperação 17, 23, 39, 81, 90, 11 0, m , 131, 157, 178, 201 ' 220, 264, 278
190,191,206,216,229,230,233.283, 290
Distância 27, 115, 163,174,237,239,240,241,254
, Coordenação 50, 73. 91, 92, 100, 101, 102, 103, 104,
Documentação 74, 203, 223, 241, 291, 292
105, 120, 122, 125, 129, 143. 144. 146, 148. 156, 158,
167, 179. 205, 207, 210, 233. 236, 251' 252 , 263, Economia 18, 33 , 38, 39, 40, 44, 52, 53, 56, 6o, 62 , 82 ,
285, 295. 307, 317, 331 84, 87, 11 0, 117, 11 8, 137. 146, 152, 155. 156, 182,
187, 199. 201, 216, 217, 219, 224, 233. 237. 243.
Coordenação do trabalhoso, 91, 92, 100, 101, 102,
271,291,292,302,323,326,327,328,332
103, 104, 125, 144. 146, 207, 210
---------------------------------------------------------------------------- ---------
Índice temático [ 343

Eficácia 70,125,127,173,179,181,194,198,200,211, eventos, grandes32, 59, 72, 84, 86, 87,169,216,


219, 252,263,267,271,280,285, 296, 298,305, 256, 257, 296, 330
319, 332 eventos, mega- 20, 22, 32, 40, 41, 47, 56, 65, 257
Eficiência 39, 70, 73. 126, 173, 194, 198, 200, 263, 267, Excelência 13, 14, 18, 30, 44, 45, 46, 47, 48, 50, 135,
287,296,298,305,319, 332 147. 166, 173, 179, 182, 235. 268, 323, 324, 325,
Elementos desportivos 68, 75, 157, 161, 162, 163, 240 326,327,328,329,330,332
Elite 22, 90, lll, 134, 162, 172, 225,226,229,230,234, Externalidades 87, 256
236, 237. 238, 239. 240, 241, 242, 326, 330 Factores críticos de sucesso 275, 276, 277, 290
Elite correspondente lll, 229, 230, 234, 237, 238, 239, Factores de contingência 98, 208, 209, 210, 213
241
Factores de desenvolvimento 63, 74,138,162,211,
Elite ideal 230, 237, 239 222, 223, 232, 267, 290, 291
Elite real 230, 237, 238, 239, 240, 241 Factores de mudança 63
Equidade 39, 58, 90, lll, 118, 125, 188, 204, 226, 229, Federação desportiva 74, 150, 165, 189, 238, 242, 304
230,231,234.236,324,328
Federação do Desporto Universitário 6o
Escolas da gestão 119, 123
Federação Portuguesa de Atletismo 186, 201
Especialização 65, 67, 68, 69, 92, 108, 113, 117, 120,
Federação Portuguesa de Futebol2o, 99, 126
126, 136,143. 150, 154.155.162, 205,206,208,
Federação Portuguesa de Judo 201, 203
290, 327
Espera planeada 310, 314 Filosofia 28, 29, 33, 46, 71, 94, 114, 128, 129, 143, 148,
149.173.175.184,185,186,191,192,200,202,
Estado-Providência 168, 225, 227
217,227,250,251,282,290,330
Estandardização 39, 65, 66, 67, 68, 70, 92, 101, 102,
Filtros de probabi lid ade e decisão individual134, 220,
103, 104, 106, 107, 108, 117, 144. 179, 181, 205,
221
206, 207, 208, 210
Finanças 6o, 74, 155, 203, 291, 292
Estilos de vida 32, 61
Fluxo de transformações 93. 98
Estratégia 14, 28, 32, 33, 47, 49, 50, 6o, 68, n 8o, 82,
85, 87, 97, m, 116,117,118,132,140,141,156,157, Fluxos 29, 91, 98, 106, 107, 125, 131, 159, 160, 207,
184, 187, 188, 189, 200, 202, 205, 206, 208, 213, 208, 210, 224, 263, 279, 285, 304
216, 226, 231, 243. 248, 252, 254. 258, 263, 266, Formação 44, 45, 58, 62, 64, 67, 74, 75, 84, 113, 125,
267, 268, 269,270,271,272,273, 274. 275.276, 132,150,152,154.155.158,162,172,181,184,203,
277. 278, 280, 282, 284, 286, 287, 288, 290, 299. 208, 223, 227, 234. 245. 258, 291, 292, 298, 306,
319,325,328 308, 314, 317, 327
Estratégia e desporto 271 Fotografia 160
Estratégia em tempo rea l 8o, 266 Funções da gestão 127, 132, 223, 250, 256, 327
estratégica, atitude 64, 76, 8o, 254, 269, 270, 271 Futebol Clube do Porto 33, 141 , 178
estratégica, intenção 276, 277 futuro, organização do 30, 31, 36, 57, 6o, 63, 76,
Estrutura 25, 26, 27, 28, 30, 39, 40,42, 49, 57, 59, 64, 78, 89, 90, m, 124,141,158,173,184,203,245,
71,n 81, 85, 90, 103, 107, 108, 115, 124, 135, 137, 247. 248, 253. 264, 265, 269, 271' 272, 295. 325,
139. 140, 142, 146,149. 150, 154. 162,167, 168, 327, 331
173, 177, 178, 180, 184, 185, 186, 188, 190, 198, Gap estratégico 273
199, 2oo, 201,202, 204, 2o5, 206,207,208,209, Gerir surpresas 88, 195
210, 212, 213, 222, 227, 228, 230, 232, 246, 251,
gestão do desporto, contextua lização da 51
252, 255. 260, 266, 279. 280, 282, 286, 295. 297,
306, 310, 314, 316, 317, 325, 331
Gestão do simbólico in
Gestão por impulsos 252
Etapas do desenvolvimento 65, 66, 234, 337
Gestão por objectivos 213, 254
344 ] Agôn 1 Gestão do desporto I O jogo de Zeus

gestão, conceito de 123, 146, 250 In stitu to do Desporto de Portugal1 9, 122,158,167,


gestão, cronologia da 120 1]0, 1]1' 188

Gestor 27, 28, 31, 32, 33, 49, 51, 75, 76, 79, 8o, 91, 101, Instrumento de domínio 93, 99
102, 103, 113, 123, 12], 129, 141, 142, 146. 148, 149. inutilidade, exercício de 262
150, 151, 152, 153. 157. 20], 209, 215, 243. 248, 250, Jogo 13, 14, 16, 17, 18, 20, 22, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 37,
253. 255.256,262,264, 2]0, 274. 275.281,295. 38, 40, 41' 42, 43. 44. 45. 46, 47. 48. 49. 50, 51'
296, 323, 326, 327 52, 53, 54. 56, 58, 6o, 61, 62, 64, 66, 68, 70, 71, 72,
capacidade 29, 32, 35. 36, 37. 40, 42, 44. 53. s6 , 74, 75, 76, 78, 8o, 81, 82, 84, 86, 88, 90, 92, 94,
69, 72, n 75, 77, 78, 79, 8o, 81, 88, 96, m, 123, 95. 96, 97. 98, 100, 102, 104, 106, 108, 110, 114,
124, 136, 139. 140, 141, 146, 150, 152, 155. 160, 174. 115, 116, 11], 118, 119, 120, 122, 124, 126, 128, 129,
1]8, 180, 189, 196, 197.200,215,220,225, 226, 130, 132, 134. 136, 138, 140, 142, 144. 145. 146. 147.
231, 235. 242,243.247.248,250, 254.255. 256, 148, 150, 152, 154. 156, 158, 160, 162, 164, 166,
261, 262, 263, 264, 265, 2]0, 2]], 2]8, 293. 295. 168, 1]0, 1]2, 174.175. 1]6, 1]8, 180,182,184,186,
300, 307, 319, 323, 325, 327, 328, 329 188, 190, 192, 194. 196, 198, 200, 202, 204, 206,
funções de gesto r 153, 327 208,210, 212, 216 , 218, 220, 222, 224,226, 228,
229, 230, 231, 232, 234. 236, 238, 240, 242, 244.
tarefas do gestor 49, 150, 151, 152
246, 248, 250, 252, 254
Gestores de projecto 149
Jogos Olímpicos 15, 16, 17, 19, 20, 26, 31, 32, 38, 39,
Globalização 40, 41, 62,215,327 40, 41, 43, 56, 57, 58, 65, 68, n 83, B4, 87, 89, 91,
Governo 16, 19, 6o, J3, 74, 96, 115, 122, 148, 156, 162, 11 0, 130, 158, 164, 173. 175. 179. 186, 193. 215, 216,
165, 166, 171' 201' 226, 230, 269, 331 225, 22], 245. 249. 257. 265, 285
Guerra e paz 17 origem dos jogos 43
Hierarq uia 92, 94, 106, 108, 117, 118, 133, 134, 136, Lazer 31, 38, 42, 54, 55, 61, 67, 69, 70, 71, 85, 115, 11 6,
174. 206, 212, 213, 215, 232, 263, 279. 281, 282 152, 1 5~ 174. 18], 222, 243. 325
Hi storicismo 33 Legis lação 99, 158, 162
Holográfico, princípio 95 Liberalismo 225, 226
Homeostas ia 91,11 0,139, 193.293 Liderançaj4'y(.j-5. 47, so, 89, 96, 102, 127, 129, 134,
Horizonte temporal36, 89, 95, 108, 242, 280, 281, 152, 153. 173. 174. 1]6, 1]8, 180, 194. 195. 196, 197.
284,306 212,247.277.282,296,332

Identidade cultural28, 30, 143, 148, 149, 173, 174, 175, Linguagem 25, 26, 96, 120, 123, 138, 176, 219, 247,
177. 1]8, 184,185, 186, 190,192, 200,282,290 2]1, 305

Impérios, queda de 35 Linha hierárquica 106, 107, 108, 109, 125, 198, 200,
206, 20], 210, 261
Impl osão 109, 195, 225
Logística 93, 106, 107, 120, 145, 206, 207, 210, 258,
Industrialismo 37, 39, 41, 62, 65, 66, 67, 71, 181, 182
2]0, 281' 283
Ineficiência 72, 122, 187, 285
Manchester City 86
Informação 36, 41, 56, 59, 61, 62, J3, 74, 94, 95 , 107,
Manchester United 59, 86, 87, 182, 183
108, 109, 123, 125, 130, 136, 138, 139. 146, 147. 151,
152, 153. 155. 158, 159. 160, 194. 195. 203, 205, 223, Máquina 29, 66, 67, 70, J3, 92, 93. 94, 95, 115, 124,
251,256,257. 26], 2]8, 279.291, 292,300,302, 126, 128, 181,252,277
303, 304, 305, 313, 317, 319, 320, 326, 332 Marcos 70, 85, 300, 301, 309, 310, 314, 321
In stalações 20, 74, 84,105,109, 138,157, 158, 161, Marketing 19, 57, 6o, 73. 74, 86, 106, 108, 155, 187,
162, 1]1, 172,191,203,223,224,240,241,277. 203,215, 223, 250,279. 291, 292,326
291, 292, 306, 317, 330 Maximização 65, 67, 72, 117
Institucionalização 15, 16, 39, 83, 11 7,122, 128, 166, Mercantilismo 38, 69, 73. 88,199,215,216,217
168, 190, 327, 330
mercantilista 19, 230
lndice temático [ 345

Metáforas 57, 91, 93. 186 Oráculos 13, 249, 250


Missão 28, 30, 44, 85, 107, 110, 127, 132, 139, 143, 148, Orgânica 48, 63, 74, 82, 103, 104, 107, 143, 203, 222,
152,170,171,173.177.178,180,183,185,186,188, 227, 233. 253. 279. 280, 283, 291, 292, 331
189, 190, 191, 192, 198, 199. 200,201,202, 203, Organigrama 106, 107, 206, 211
206, 207, 211, 213, 220, 224, 248, 255. 274, 278,
Organismo vivo 93, 94, 110
282,283,284,285,287,289,292,325,330
organização, conceito de 91,126
Modelo de desenvolvimento 16, 18, 28, 6o, 68, 198,
216, 218, 225, 231 organização, partes da 107, 205, 206, 207, 210,
290
Modelo Europeu de Desporto 35, 37, 52, 55, 56, 6o,
72, 81, go, 110, m, 143,167,172,183,187,198, Paradigma 27, 34, 36, 42, 43, 49, 52, 53, 62, 63, 66,
199. 200, 201, 227, 228, 229, 231, 245. 329 67, 74. 88, 8g, 91,113,117,123,181,202,207,227,
269, 284
Motivação 130,131,133,134,146,153,196,197,212,
269, 285 Paradoxos 77. 78, 126, 146, 156, 172, 197, 258, 274, 337

Mudança social 32, 33, 34, 37, 42, 52, 63, 64, 65, 75, Parâmetros de concepção 154, 208, 210, 213
218, 231 Pirâmide de Coubertin 21, 22, 63
resistência à mudança 36, 136 Planeamento estratégico 30, 155, 254, 267, 273, 281,
velocidade de mudança 75, 76, 77. 79, 179, 254 282, 283, 284, 285, 286, 287, 288, 289, 290, 310
Mulheres 39, 58, 62, 69,130,148,170,174,216,218, Plr neamento operacional 281, 283, 292, 297, 298
323 Planeamento táctico 108, 281, 282, 291
Negócio 16, 20, 37, 6o, 62, 82, 86, 87,113,120,121, planeamento, categorias de 254
123,146,147.152,154.155.157.162,164,187,216,
planeamento, mecânica de 281
217, 227,231,268, 287,288,323
Planeta 17, 37, 40, 41, 42, so, 52, 55, 59, 63, 65, 68, 77.
N IKE 114, 152, 187, 189
116, 169, 181,217,324,327,328
Nível desportivo 28, 30, 215,235, 236,237,239,240,
Poder absoluto 198
241, 273
Poder de negociação 276
Nível hierárquico 106, 107, 108, 184, 264, 281
Poder do dinheiro 216
Normas 67, 68, 83, 92, 101, 102, 103, 106, 130, 135,
136, 146, 156, 162, 179, 184, 185, 192, 207, 208, Poder fátuo 246
210, 224, 226, 231, 233 Poder político 6o, 88, 233
Objectivos 13, 19, 20, 25, 26, 28, 29, 31, 37, 44, 47, 74, Poder simbólico 182, 333
83, 84, 86, 91, 92, 95, 96, 97, wo, 105, 113, 114, estrela do poder 196
116,119,121,122,123,125,131,132,133.136,137,
Política desportiva 15, 19, 73. 82, 99,110, 155, 156, 162,
139. 143. 146, 148, 152, 153. 157, 159. 166, 173. 174,
168, 169, 170, 184,188,190,202,217, 225,230,
178, 180, 191, 198, 200, 205, 206, 208, 211, 213, .
231, 233.236, 238,239.256,296,330
215, 222, 227, 228, 231, 232, 233. 234. 236, 243.
248, 250, 251, 252, 253. 254. 255. 256, 258, 262, Políticas públicas 19, 22, 58, 6o, 84, 85,133, 190,191,
264,267,271,272, 273,274.278,281,282,283, 219, 227, 228
284, 286, 287, 288, 290, 291, 292, 293. 294. 295. Praticante 42, 90,143,144, 145,161, 163, 170,199,
298, 299.300,305,306,308,316,323,330,331, 220, 229, 232
332 Premonições 248, 249, 251
Objectivos de suporte 283 Previsão 27, 28, 75, 76, 77, 78, 98, 248, 249, 250, 256,
Objectivos estratégicos 200, 206, 282, 288, 290 261, 264, 265, 266
Objectivos tácticos 283 Prisão psíquica 93. 97, 98, 186
nível de objectivos 281 Profetas 53, 146
O Desporto em Portugal163, 167, 172, 225, 245 Programa 19, 40, 44, 52, 63, 74, 84,105,151,155,167,
Olimpíada 26, 130, 194, 256 168,171,179,187,188,292,296,297.301,310,320
346 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus

Programação 30,161,163,295,296,298,300,302, Rotina 36, 78, 79. 92, 94,106,124,125,126,128,136,


305, 313, 319, 320 137, 209, 259, z6o, 262, 263, 264, 270, 275, 285,
ProJecto 17, 21, 30, 39, 85, 118, 119, 143, 149, 164, 171, 292, 296, 298
178, 186, 199.208, 217, 219, 238, 243. 253, 258, Ruptura 21, 34, 37, 40, 46, 171, 192, 217, 228, 232,
259, 260, 261' 263, 266, 281' 282, 292, 294, 295. 269, 325, 326
296, 297, 298, 299· 300, 301' 302, 303, 304, 305, Ruptura espácio-temporal 40
306,307,308,309, 310,311,312,313,314,315, 316,
Sigmóide 35, 36, 37, 42, 51, 63, 89, 247
317,318,319,320,321,323,329
Sincronização 65, 67, 70, 117
Promoção 18, 37, 53, 58, 6o, 83, 84, 85, 90, 141, 162,
167, 168, 169, 171, 179, 185, 187, 190, 191,217,219, Sinergia 234, 280
221,227,228,229, 230, 234. 238,239.313,314, Sistema nervoso 36, 93, 95
317. 324, 328, 329 Sistema político 93, 96
Prospectiva 49, 52, 53, 77, 88, 152, 153, 202, 243, 288 Situação desportiva 6o, 74,113, 157, 158,159,160,161,
Quadro condicionante 134, 139, 161, 163,220 162, 163, 171, 222, 236,237, 239,240
Quadro de apoio 161, 163 Sociedade anónima desportiva 33, 107, 152
Quadro desportivo 163, 232 Sociedade pós-capitalista 147
Quadro tecnológico 266, 310, 312, 315, 316, 317, 318, Solidariedade 47, 98, 175, 186
320 Solução 22, 50, 59, 8o, 94, 108, 109, 11-4, 132, 139, 191,
Quadros competitivos 71, 138, 162, 192,308,310 193, 199, 200, 232, 238, 250, 295, 296,298,304,
Quadros humanos 74, 152, 203, 223, 224 305

Qualidade 15, 16, 19, 56, 57, 64, 65, 72, 8o, 125, 140, Soluções desactualizadas 114
141, 147. 165, 168, 169, 171, 188, 204,213,217,219, Sorte 22, 37, 48, 49, 50, 53, 54, 115, 116, 117, 119, 147,
227, 231, 284,290, 324,327,328,329,332 196, 197, 249
Questões iniciais 257, 258, 295, 299 StajJ140, 211,212,213
Real Associação Naval165 Subsidiariedade, princípio da 280
Real Ginásio Clube 165, 166 Surpresas 49, 75, 79, 88, 141, 194, 195, 250, 263
Record 20, 42,182,184,186,187,195,203,256 SWOT 275, 276
Recursos humanos 73, 92,106,119,127, 135,138,146, Tábua rasa 51
152,153,155, 158, 161,171, 185, 192,201,206,245, Táctica 116,213,269
250, 258, 277,284, 288, 291, 292, 299. 305,317,
Tecnoestrutura 106, 107, 206, 207, 208, 210, 255
318, 331
Tecnologia 28, 29, 33, 49, 55, 56, 6o, 61, 62, 65, 68,
recursos, afectação de 110, 272,274, 282, 291,
106,107,113, 114,115, 117, 119,121, 123, 124,125,
310, 317, 318, 321
127,129,131, 133,135,137, 139,140, 141,143, 145.
Redes 87, 108, 134, 300, 302, 303 147, 148, 149, 151, 152, 153, 155. 157, 159, 161, 163,
Relações internacionais 155, 221 165, 167, 169, 171, 207, 277, 292, 296, 297. 305
Responsabilidade, âmbito e nível de 149 Televisão 17, 31, 51, 87, 162, 227
Resposta 27, 34, 38, 45, 54, 73. 76, 77. 79, 8o, 90, 92, tempo, conceito de 244
129,140,141, 144.176,177,180,187,193, 198, tempo, gestão do 32, 143, 159, 222, 258, 299, 302,
233, 253, 259, 261' 262, 263, 264, 278, 284, 295, 311
299, 300, 301' 328
Tendências 32, 52, 54, 57, 58, 59, 6o, 62, 72, 124, 139,
resposta, capacidade de 79, 8o, 141 153, 197, 207, 243, 290
Risco 46, 47, 54, 61, 82, 87, 88, 115, 144, 190, 242, Terceira vaga 56, 338
247, 253, 255, 261, 325, 328
Terminologia 25, 26, 34, 134, 146, 152, 159, zoo, 220,
Rituais 44, 47, 53, 54, 68, 151, 153, 180 291, 296, 304, 309, 317
Índice temático [ 347

Titanic 218 Vantagem competitiva 169, 189, 272, 276, 277, 287,
Trabalho, mundo do 19, 62, 131 290

TRIZ 142 Velocidade 25, 75, 76, 77. 79. 8o, 81, m, 119, 144, 179,
186, 188, 244, 245, 246, 254, 255
Turbulência 17, 31, 34, 63, 75, 76, 79, 8o, 98, 109, 139,
140, 168, 194, 195, 255. 263, 267, 273 Visão 15, 17, 27, 28, 29, 30, 43, 45, 46, 47, 53, 56, 57,
77, 95. 116, 119, 124, 126, 132, 145, 160, 173, 174,
Urgência 8o, 196, 243, 244, 245, 246, 305
177,180, 184,185,186, 194,195,196,197,199,
Vagas do mundo do desporto 42
202, 203,213, 218, 231, 234. 236, 2LJ3, 244,247,
Vagas de mudança 40, 42, 52 252, 255,265,281,285, 289,306,317,320,328, 331
Valores 14, 15, 20, 21, 25, 26, 37, 39, 44, 45, 48, 54, 58, Vocação 14, 16, 28, 30, 45, 82, 107, 110, 139, 148, 152,
6o, 64, 65, 68, 81, 86, 87, 96, 97, 98, 116, 119, 132, 170,172,173,178,180, 185,186,187,188,189,190,
140, 157, 160,162,170,172,173,175,176, 177,178, 191, 192, 198, 202,203, 206,211, 213, 224,225,
179,180,182, 183,184,185,186,188,189,191, 248, 255. 274, 278, 282, 284, 294, 330
192, 193, 194, 195. 198, 199, 200, 201' 202, 208,
211,213,215,216,217,218,219,222,226,227,
228, 230, 231' 233, 239, 246, 253, 255, 272, 273,
282, 287, 294, 324, 327, 328, 329, 330
[Índice onomástico

A. J. Stri ckland III 287 Charl es Handy 31, 34, 35, 36, 74, 89, 93. 252 , 280
Abra ham Mas low 133 Ch ester Ba rn ard 11 0, 131, 132, 146, 194
Alan Rowe 287 Chri sti en Pociello 42 , 82
Alfred Chandler 205, 213, 252 , 268, 271 Claude Sica rd 184, 187, 271, 273
Alfred Sloa n 11 9, 268, 271 Claude-Louis Ga llien 6o
All an Guttma nn 38 Dani el, A. Wren 250
Álva ro Cunhai 38 David Harvey 40
Alvin Toffi er 37, 39, 52, 56, 62, 65, 66, 67, 70, 73. 11 7, Desmond Morris 50
11 8, 142, 181 Don Calhoun 66, 11 7, 154
Amartya Sen 219, 220, 228, 231, 233 , 235 Donald Guay 114
An dré Decou Aé 52 Douglas MacGregor 133
André Escórcio 7, 156 E. Karl Dickel 287
Andrew Ca mpbell177, 188 Ed gar Schein 180, 247
Andrews Kenneth R. 271, 272 Eduardo Prado Coelho 97
Anth ony Giddens 40, 41 ,70 Eric Hoffer 262
António Damás io 28 Ernest Schum acher 233, 261, 280
António Lencas tre 164 Eva ngelis Za ppas 15, 16, 17
Ari stóteles 63, 235, 325 Faith Popcorn 52, 57
Arth ur A. Th ompson 287 Fani Palli-Petralia 20
Augusto Sabbo 269 Ferreira Fern andes 182
Barry Min kin 52, 6o Francisco Abreu 267, 268, 284
Benito Mu ssolini 83 , 84, 326 Franci sco Fern andes 7, 156
Be rn ard )eu 25 , 47, 51, 11 9, 155,268 , 325 Francisco Varela 98
Bill Gates 52, 87 Frank Gilb reth 124
Bri en Reger 134, 220 Friedrich Nietzsche 13, 14, 15, 16, 21, 25, 31, 45, 46, 47,
Bruce Kidd 84 48, 77, 82, 93, 150, 173 , 215, 268, 323, 325
Bruno Ugolotti 55 G. Stott Rand all 288
C. K. Prahalad 276, 278 Ga rett Morgan 93. 98, 176 ,1 86, 193, 195, 325
Ca rl os Agui ar 100, 193 Ga ry Hamel 276 , 278
Ca rl os Ca rd oso 164 Geert Hofstede 174
Cassa ndra 249, 250 Geo rge Elton Mayo 130, 131, 133
Castejon Paz 68, 74, 11 1,1 34, 139, 156, 157, 158, 160, G~o rge Fried mann 69
220, 222, 229, 230, 235, 236
350 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus

George Steiner 121 Jorge Gaspar 72


Gianna Angelopoulos 20, 130 Jorge Valdano 86
Gilbert Heebner 73. 78 José Bento Pessoa 169
Goldberg Beverly 285, 288 José Esteves 64, 156
Gustavo Pires 2, 8, 9, 10, 42, 74, 145, 154, 155, 156 José Manuel Chabert 187, 201
H. Neil Snyder 287 José Manuel Constantino 122, 156
Hamish McRae 52, 6o Jose Maria Cagigal156
Hans-George Gadamer 14, 43, 48 José Maria Pedroto 95
Harry Frankfurt 20, 21 José Mourinho 27, 33, 37, 62, 98, 103, 131, 148
Helena Matos 175, 186 José Pontes 42,156,163,164, 165
Henry Fayol28, 124, 126, 127, 128, 150, 250, 251 1<. Roberts 81, 84
Henry Ford 69, 126, 128, 129, 202 l<aren Daylchuck 155, 335
Henry Kissinger 75 l<arl Popper 33, 35
Henry Mintzberg 7, 9, 10, 49, 51, 98, 101, 106, 127, l<arl von Clausewitz 266, 268, 270, 271
148, 150, 151, 152, 154, 177, 178, 179, 206, 207, Kenichi Ohmae 271, 272, 273, 284
208, 209,210, 215, 225, 226, 254. 267,271, 273,
l<ofi Annan 17, 18
274, 275, 282, 325
l<urt Lewin 132, 133
Heródoto 96
Lamartine DaCosta 10, 69, 84, 157, 222
Hesíodo 14, 45, 46, 48
Liddell Hart 268
Homero 13, 14, 18, 43, 48, 89, 95, 179, 324
Lillian Gilbreth 124
Humberto Eco 180
Luigi Castagna 269
Humberto Maturana 98
Luigi Volpicelli 39, 66, 115, 181
lgor Ansoff79, 194, 268, 271, 272, 280, 286
Luís Filipe Scolari 94
lmmanuell<ant 219
Luís Monteiro 42, 166
Imre Lakatos 63
Luther Gulick 251
Jacques Rogge 17, 18, 22, 23, 39, 83
Lyndall Wrwick 251
James Champy 140, 141
Maalke Lauwert 49
Jean Dumazedier 155
Malcolm Glazer 87, 182, 183
Jean Fourastié 52, 53, 54, 55
Manuel Brito 122
Jean Rostand 25
Manuel Sérgio 72, 119, 156,207, 294
Jean-Marie Brohm 38, 69, 113, 116, 155
Maria de Lurdes Pintasilgo 195
Jean-Yves Calvez 38
Mário Soares 176
João Costa Alegre 225
Mary Parker Follett 128, 129
João Manuel Nabeiro 184
Max Weber 33. 64, 92, 135
Johan Huizinga 43, 48, 115,325
Melo Carvalho 156, 171
John Bryson M. 289
Melo de Carvalho 156, 197, 198, 199
John G. Sifonis 285, 288
Michael E. Porte r 271, 276
John l<enneth Galbraith 184
Michael Hammer 140, 141
John Naisbitt 52, 55
Michel Bouet 115, 119, 256
John Rawls 39, 81, 110, 226, 229, 230
Miguel Torga 95
Jorge Crespo 37, 156
Naide Gomes 225, 294
lndice onomástico ( 351

Norbert Elias 114 Raymond Boudon 34, 63, 64, 226


Norman Smallwood 288 Richard Dawkins 47
O. Morgenstern 271 Robert Kennedy 84
O. Richard Mason 287 Robert Nisbet 33
Obikwelu, Francis 186, 294 Robert Waterman 140
Octave Gélinier 273 Roger Cai Ilois 48, 49, 50, 115, 117, 325
Odete Graça 7, 170 Rupert Murdoch 86, 87, 182, 183
Olímpia Bento 170 Russell Ackoff 76, 264, 271, 272, 287
Ortega y Gasset 33, 34, 38, 46, 47, 8g, 110, 268, 325 Salazar Carreira 238
Paul Kennedy 52, 59, 6o Salomé Mariovoet 223
Paulo de Almeida Sande 99 Simões Lopes 72,218,219
Pereira de Moura 72 Steve jobs 95, 279
Peter Drucker 5, 119, 124, 128, 132, 146, 147, 200, 231, Sun Tzu 49, 82, 95, 120, 196, 268
248, 254. 320, 325, 326, 327 Thomas Kuhn 34, 35
Peter Mathias 40 Thomas Moore 17
Pierre Bourdieu 10, 182, 183, 324 Thomas Watson júnior 184, 268, 271
Pierre de Coubertin g, 15, 16, 17, 21, 22, 63, 86,115, T~ m Perry Lee 288
164,193
Tom Peters 140
Pierre Laguillaumie 115, 155
V. Newmann 271
Pierre Parlebas 117
Vasconcellos e Sá 119, 267
Pierre Trudeau 84
Volpicelli 39, 66, 115, 181
Pierre Wack 254
Walt Whitman Rostow 65, 66, 234
Plutarco 251
Werner Jaeger 44, 329
Prostes da Fonseca 156
William Penny Brookes 15, 16, 17
Ralph Stacey 76, 140, 141, 255
Winslow Taylor 67, 93. 124

I; • l. H1

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