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Agôn Gestão Do Desporto
Agôn Gestão Do Desporto
Agôn Gestão Do Desporto
Agôn
Gest-o s rt
Ojogo de Zeus
Autor
Gustavo Pires
Capa
António Modesto
Editora
Porto Editora
,JIIN/2007
Este livro fo1 produz1do na un1dade. mdustr1al do Bloco Gráfico, Lda .. CUJO ~
Sistema de Gestão Ambiental está cert1f1cado pela APCER. corno n. 0 2006/AM8.258 er õ
0
Produção de l1vros escolar-es e não escolar·es c outros matena1s 1rnprcssos 150 ..."""
Índice
[ Prefác:io ... .... ............. .. .......... ...... .................... ...................... .. ............................ .. .... ...... ...... 9
11
[ Agôn" ... ....... ... .............................. ....... ...... ....... ............. ................ ..... .. .. ......... ............... ... 13
2 [ Modelo.................................................................................................................................. 25
3 [ (aos e o Ambiente ................................................... ........................................................... 31
3.1 Formo.................................................................................................................................. 34
3.2 Conteúdo ............................................................................................................................ 51
3.3 Factores .............................................................................................................................. 63
3.4 Cenários.............................................................................................................................. 75
3.5 Atitudes................................................................................................................................ 76
3.6 Consequências .................................................~.................................................................... 81
3.7 Conclusão ............................................................................................................................ 88
4 [ Zeus e a Organização ........................................................................................................ 91
4.1 Conceito .............................................................................................................................. 92
4.2 Metáforas............................................................................................................................ 93
4.3 Gestão do trobolho .............................................................................................................. 100
4.3.1 Mecanismos de coordenação do trabalho .................................................................... 100
4.3.2 Mecanismos de conjugação do trabalho ...................................................................... 104
4.3.3 Sistema de fluxos de trabalho .................................................................................... 106
4.4 Tipologia dos crises orgonizocionois ...................................................................................... 109
4.5 Homeostosio ........................................................................................................................ 11 O
S [ Atena e a Tecnologia .: ............................................................... ,;....................................... 113
5.1 Desporto.............................................................................................................................. 114
5.2 Escolas do Gestão ................................................................................................................ 119
5.2.1 Perspectivo clássico.................................................................................................... 124
5.2.2 Escola psicossociológico .............................................................................................. 128
5.2.3 Escalo burocrático ...................................................................................................... 135
5.2.4 Escalo sistémico.......................................................................................................... 137
5.2.5 Escalo contingencial .................................................................................................. 139
5.3 Gestão & Gestores................................................................................................................ 142
5.4 Gestão do desporto .............................................................................................................. 154
5.4.1 Situação desportivo.................................................................................................... 157
5.4.2 ODesporto em Portugal ............................................................................................ 163
4 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
[Apresentação
Um trabalho deste género acaba sempre por ter contributos de algumas pessoas com quem parti-
lhamos a nossa vida profissional, as nossas preocupações, os nossos desejos e projectos. Assim, o
presente livro decorre em grande medida do trabalho que temos vindo a realizar, no âmbito da gestão
do desporto, na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, com vários
colegas e amigos. Desde logo João Marcelino, um amigo de vida com quem temos participado nos
mais diversos projectos no âmbito do desenvolvimento do desporto. O nosso muito obrigado. Mas
os nossos agradecimentos vão também para os colegas Carlos Colaço, da Faculdade de Motricidade
Humana da Universidade Técnica de Lisboa, e José Pedro Sarmento, da Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto. Pelos trabalhos e projectos qLJe desenvolvemos ao longo dos últimos anos,
também eles estão presentes neste livro. Mais recentemente, tivemos a oportunidade de usufruir de
uma profícua troca de conhecimentos e experiências no domínio da gestão e da economia do des-
porto com José Pinto Correia, pelo que não podemos deixar de aqui o referir e agradecer.
Mas este livro decorre ainda do trabalho realizado no âmbito do mestrado em Gestão do Des-
porto da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa. Assim sendo, é de
toda a justiça agradecer a André Escórcio, Paulo Guimarães, João Marcelino, Augusto Baganha, Fran-
cisco Fernandes, Olavo Malveiro, Paulo Andrade, Vítor Medeiros, Eduardo Monteiro, Odete Graça,
Elsa Pereira, Marcelino Sanches, Romão Antunes, Rui Lança, Ângela Garrine, José Pinto Correia e
tantos outros que, na orientação das suas monografias, nos "obrigaram" a com eles reBectir a pro-
blemática do desenvolvimento, da organização e gestão do desporto. A todos, muito obrigado.
Henry Mintzberg (1979) diz-nos que escreve para aprender. Também nós sentimos essa neces-
sidade de escrever para, de texto em texto, adquirirmos novos conhecimentos, novas perspectivas
de abordagem ou novos desafios que passam pela descoberta de novas ideias, diferentes teorias,
outros autores que nos podem dar mais uma achega para melhor compreendermos as questões
relativas ao desenvolvimento e à gestão do desporto.
Mas se escrevemos a fim de melhor compreendermos as questões que se colocam à gestão do
desporto, também escrevemos para os outros, para aqueles a quem queremos fazer passar o
nosso pensamento e a nossa opinião sobre as mais diversas problemáticas relacionadas com a
gestão e o desenvolvimento do desporto. Assim, o presente trabalho procura atingir grupos-alvo
muito específicos que por várias razões se interessam pela problemática do desenvolvimento, da
organização e da gestão do desporto. Destina-se em primeiro lugar às novas gerações que com as
mais diversas formações iniciais estão a chegar ao mundo do desporto em busca de um emprego
interessante num mundo onde os empregos interessantes estão a rarear. Destina-se aos estudan-
tes de Desporto nas suas diversas especializações, da Educação Desportiva à Gestão, passando
pelo Treino e pelo Exercício, bem como aos de outras licenCiaturas das mais diversas especialida-
des interessados no fenómeno desportivo, quer as suas práticas se desenvolvam no âmbito dos
sistemas educativo, desportivo ou económico. É a eles que temos dedicado a nossa vida profissio-
nal nos últimos mais de trinta anos. Mas não só.
8 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Este livro destina-se, também, a todos os profissionais que, estando em situações de gestão nas
escolas, nas autarquias, nas federações, em clubes ou em empresas privadas desejam perceber o
desporto na perspectiva do seu desenvolvimento organizacional de maneira a melhor compreende-
rem os contornos teóricos daquilo que do ponto de vista empírico, certamente, já vêm praticando.
De facto, entendemos que só há evolução e progresso quando se torna possível teorizar a prática e
praticar a teoria, e assim sucessivamente, na procura de novas soluções que hão-de resolver os
novos problemas que todos os dias surgem na sociedade moderna.
Destina-se ainda aos técnicos que desenvolvem a sua actividade no domínio do treino, na
medida em que esta actividade cada vez mais se integra em cenários macro de compreensão da rea-
lidade, sem os quais não é possível agir com eficiência e eficácia, como é possível perceber das pala-
vras dos mais diversos treinadores desportivos. Quer dizer, dirige-se a todos aqueles que no domí-
nio do treino desportivo sentem que o seu estádio de evolução de conhecimentos os obriga a olhar
para o desporto através de um paradigma mais amplo, de maneira a melhor compreenderem os
contextos e os quadros teóricos que envolvem a dinâmica da competição, a fim de, semana após
semana, época após época, organizarem a vitória das suas equipas de uma maneira mais eficiente.
Destina-se também aos dirigentes desportivos que na linha hierárquica e no centro operacional
das organizações, públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos do sistema desportivo, para
além das luzes da ribalta, cumprem no dia-a-dia em prol das mais diversas categorias de pratican-
tes desportivos uma missão de enorme valor social. É a estes dirigentes, curiosos e inconformados,
que desejam compreender o fenómeno desportivo para além dos meros circunstancialismos que
ganham espaço nas parangonas dos media, que também se destinam as páginas deste livro.
Finalmente, nos destinatários deste livro não podemos deixar ainda de incluir todos os técnicos e
dirigentes benévolos ou profissionais dos países de língua portuguesa. Tem sido para nós um enorme
prazer e vantagem termos com eles trabalhado nos comités olímpicos, nas administrações públicas ou
nos clubes, ao longo dos últimos anos.
Gustavo Pires
Maio 2006
[9
Prefácio
O momento da publicação e o roteiro de elaboração deste livro são bem oportunos, tanto para
o desporto como para as ciências da gestão propriamente ditas. De facto, o desporto actual está
crescentemente relacionando-se com a gestão dando-lhe novos significados, como inversamente a
gestão do desporto busca maior suporte nas tradicionais teorias administrativas e organizacionais,
dada a expansão notável das actividades físicas de competição, de saúde e de lazer. Esta realimen-
tação mútua é novidade em termos da gestão como área de conhecimento e ocorre também por
inclusão de outras formas de experiência prática da vida em condições limites ou de crise (artes
performativas, aventuras radicais, grandes realizações, etc.).
a
A contribuição em conteúdo do desporto para gestão per se manifesta-se sobretudo na dinâ-
mica de funcionamento e de liderança de equipas quando o resultado positivo é uma questão fun-
damental, e até mesmo de sobrevivência grupal ou corporativa. E se a competição estiver no foco
das acções, a questão da excelência nos empreendimentos de gestão aprofunda a sua compreen-
são pois que o desporto privilegia a qualidade e a continuidade na performance e não somente nas
vitórias ocasionais. Neste caso, o desempenho individual, além do referido às equipas, ressurge
mais valorizado, tal como ocorre nos desportos radicais e da Natureza, desde que então a liderança
se alie ao talento e à experiência construída por iniciativa pessoal.
O ponto de encontro de tais tendências simétricas entre gestão lato sensu e desporto estaria,
em tese, na convivência entre a diferenciação e a convergência, algo cultivado no desporto desde a
Grécia Antiga mas que agora se revela como um desafio das novas organizações "locais" actuantes
num crescente ambiente "global". Este imperativo foi assumido por Pierre de Coubertin ao reabili-
tar os jogos Olímpicos no final do século XIX, criando uma versão moderna da busca da excelência
atlética anteriormente exercida pelos gregos há cerca de três milénios. Hoje, a bem sucedida e
audaciosa empreitada de Coubertin demonstra a universalidade do desporto, sendo este um exem-
plo actual e Hpico de prática diversificada, multicultural e planetária.
Estes prolegómenos aprestam-se outrossim à obra presente de Gustavo Pires, porque em princí-
pio adoptou como método o "trabalho em progresso". Este procedimento fez-se com ampla diferen-
ciação de abordagens de gestão e consecutivas focalizações de situações de contexto, produzindo a
necessária convergência entre teorias propostas e práticas identificadas. O "local" ateve-se natural-
mente ao país onde vive o autor, porém, exemplos internacionais foram incluídos dando destaque as
mais das vezes à dimensão "global". Condignamente, o autor prestigiou teorias relacionadas histori-
camente à gestão, mantendo a sua diferenciação típica por sínteses do passado e por problematiza-
ções do presente. Neste ensejo, o autor não somente perseguiu a máxima de Henry Mintzberg-
aquela em que se "escreve para aprender" - mas também escreveu para manter a tradição convi-
vendo com a inovação. Tal índole- cumpre enfatizar- é desportiva na sua essência, o que se pode
remeter mais uma vez a Coubertin, cuja proposta do Olimpismo como doutrina para o desporto tem
a sua base na tradição grega, contudo se projectando por sucessivos desafios.de renovação, em seus
100 anos de existência.
1O ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Em resumo, este livro pode ser inserido no novo patamar de conhecimentos da gestão como
disciplina académica e meio de treinamento gerencial, ao manter o desporto em suas linhas de
compreensão conceptual hoje pretendidas como transferíveis para outras áreas de saber e de exer-
cício profissional. Assim se dispôs, porque o seu autor preservou o sentido de revisão da primeira
edição, adicionando-lhe novos predicados e significados. Além deste reajustamento, o sentido de
confiito das relações do desporto com os seus variados contextos e actores sociais - sobretudo as
delimitadas por instituições desportivas e seus líderes - foram postos em relevo, criando maior
funcionalidade na apropriação dos problemas de gestão das actividades físicas para competição,
saúde e lazer.
A particularidade de se admitir as contradições do desporto ao serem examinadas possibilidades
da sua gestão, legitima então o enfoque central deste livro no Desenvolvimento Organizacional
como também justifica sua recomendação como obra de base em cursos de graduação e pós-gra-
duação em Educação Desportiva e Ciências do Desporto em geral. O apelo a Pierre Bourdieu, com
as suas teorias de domínio e transacções entre poderes, de acordo com a opção de Gustavo Pires,
por si só, reforçam tal atributo de chancela pois não se perderam de vista tanto as "forças de
mudança" existentes no desporto como os valores humanistas que devem nortear as práticas físicas
organizadas e institucionalizadas.
A antiga tese de Gustavo Pires- da qual sou seguidor inconteste- de que a gestào do desporto
deve ter as suas raízes mais no desporto do que na gestão, ganha com as formas de abordagem da
presente obra mais um reforço de confirmação teórica e prática. E nesta perspectiva há que se rela-
tivizar Henry Mintzberg, pois por vezes se escreve para ensinar e não somente para aprender.
Objectivos do capítulo. Opresente capítulo tem por objectivo principal estabelecer o enquadra-
mento contextuai que deve envolver a gestão do desporto moderno. Na nossa perspectiva, a proble-
11 11 11 11
mática da gestão do desporto está circunscrita à dinâmica do quadro cultural do agôn e da areté
dos gregos antigos que encontravam no desporto a razão central da sua vida colectiva. Em conformi-
dade, vamos trabalhar os conceitos em causa com vista a, posteriormente, integrarmos toda uma cul-
tura desportiva - agôn x llaretéll - com milhares de anos de história nos quadros teóricos e nos
11 11
11 11
competição e da superação em busca da excelência da areté Nesta perspectiva, este primeiro capí-
•
tulo abre a problemática do jogo enquanto fio condutor da explicação ontológica, porque entendemos
que é no jogo, e na sua dinâmica festiva, agonística e sagrada, que podemos encontrar a verdadeira
compreensão da gestão em geral e da gestão do desporto moderno em particular.
Os gregos antigos viajavam longas distâncias para consultarem os oráculos e ouvirem as previ-
sões das musas, cassandras e pitonisas a fim de superarem as dúvidas e angústias das suas vidas,
mas também para participarem nas grandes festas de destrezas, de lutas, de corridas, de declama-
ções, de música e de dança que eram os jogos, entre outros, os Olímpicos, os Píticos, os Nemeus e
os Ístmicos, realizados em honra de Zeus, o rei dos deuses. Ao tempo, os jogos eram o centro
nevrálgico da vida grega, numa comunhão perfeita entre o Homem e a sociedade. De um lado, a
deusa Paidia geria a algazarra do divertimento que podia ir, sob o comando de Ares, o deus da
·guerra, até ao agridoce sabor da violência selvagem. Do outro lado, o deus Ludus 1 do jogo, promo-
tor da ordem e da excelência da "areté" 2 , através da violência organizada no polissémico conceito
de "agôn", ao qual Friedrich Nietzsche (1844-1900), o filósofo da energia vital, da vontade de poder
e do super-homem, consagrou o texto "A Competição em Homero".
1
L. Jean Lauand, jeanlaua@usp.br, Universidade de São Paulo, "Ludus est necessarius ad conversationem humana: vita:" - "O
brincar é necessário para (levar uma) a vida humana". S. Tomás de Aquino, Suma Teológica 11·11, 168, 3, ad 3-
2 A palavra é grega, "areté" significa excelência, virtude e tem de ser usada ou entre aspas ou em itálico. "Areté" é um nome
feminino, e o seu plural é "aretai". Aretologia é um termo usado em ética e designa a "doutrina que versa sobre a virtude e
o estudo filosófico a respeito da perfeição moral" (in Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
14 ] Agôn I Gestão do desporto 1O jogo de Zeus
No mundo grego era impossível separar a palavra "agôn" da tríade jogo, festa e sagrado.
Assim, ao cultivarem o gosto pela luta, os gregos desenvolviam o talento e a vocação através da
competição, o que fez deles pedagogos tremendamente eficazes, porque, nas palavras do filósofo,
a competição "desencadeia o indivíduo" ao mesmo tempo que o reprime e disciplina, segundo o
jogo sagrado das leis eternas. Assim, em defesa da "nobreza de espírito", o sentimento que deve
resultar da disputa entre dois rivais valorosos não deve ser o ódio ou a vingança, mas a amizade na
medida em que um antagonista de brio proporciona ao outro a possibilidade de se conhecer e
renovar continuamente as suas forças vitais, em busca da excelência. O que não teríamos nós,
hoje, a aprender com a maneira dos gregos antigos gerirem a dimensão agonística da vida, através
do jogo, da festa e do sagrado em busca da superação e da "areté".
Nesta perspectiva, entender as raízes do desporto, as suas origens, os seus ritos e as suas identi-
dades é compreender a própria vida, na medida em que sendo o desporto um testemunho vivo dos
nossos ancestrais e dos seus usos e costumes, deve também ser entendido como a mola primordial
da civilização. Como explica Nietzsche, se os gregos tivessem eliminado o "agôn" da sua vida pessoal
e social, abririam as portas do Inferno pré-homérico caracterizado pela selvajaria louca do ódio e pelo
prazer sádico do extermínio, cantado por Homero na ilíada, ao descrever, por exemplo, a brutalidade
demente representada por Aquiles que, num acto de pura vingança, arrastou com o seu carro de com-
bate o corpo já morto de Heitor, depois de o derrotar. Em conformidade, é de fundamental importân-
cia que as sociedades saibam, através da educação ao longo da vida, preservar e gerir os valores do
jogo, porque é no jogo que se encontra o "agôn" e o fio condutor não só da explicação ontológica,
como refere Hans-George Gadamer (2005), como da própria organização e do progresso social.
Educação agonística
A educação agonística, para os gregos antigos, era o bem-estar social. O jovem, quando compe-
tia na luta, na corrida ou nos lançamentos durante os Jogos pensava na satisfação da sua cidade
natal na medida em que era a glória dela que ele queria projectar. Até as coroas de louros, que os
juízes colocavam na cabeça dos grandes heróis olímpicos, estes as consagravam aos deuses das
respectivas cidades. A este estado de espírito os gregos chamavam "areté", uma espécie de virtude
própria da nobreza aristocrática, do heroísmo guerreiro, da honra, da glória, do "agôn" e da von-
tade de vencer. Por isso, eles cultivavam a destreza e a força invulgares não só como exercício da
estética e do combate leal, mas também como o suporte indiscutível de qualquer posição de lide-
rança. Quer dizer, a ambição existia, só que tinha limites e estava condicionada pela entrega con-
creta à causa social. Neste sentido, a necessidade de competição entre os gregos ganhava um sen-
tido especial porque o que estava em causa eram os valores do social e a honra da sua cidade. A
este sentimento chamou-lhe Hesíodo (séc. VII-VIII a. C) o "princípio do ostracismo".
Princípio do ostracismo
gente". E o filósofo perguntava: "Qual a razão para que ninguém deva ser melhor~ É que, se tal ocor-
resse, a competição esmoreceria e com isso ficaria ameaçada a razão do Estado helénico". "Tal é o
cerne da ideia de 'agôn', que detesta o despotismo e teme os seus perigos, e que gera como meio de
protecção contra o génio, precisamente- um segundo génio" (Nietzsche, 2003). Por isso, quando em
diversos sectores sociais da sociedade portuguesa, entre eles o desportivo, se levanta a questão da
limitação de mandatos, não se está a expressar mais do que o princípio do ostracismo que, em ter-
mos de desenvolvimento humano, passa pela institucionalização de uma forte cultura democrática,
que devia estar perfeitamente assumida por aqueles que têm pretensões de liderança. Repare-se que
no mundo do desporto existem demasiados dirigentes desportivos que, através dos mais diversos
expedientes, ocupam os lugares de liderança há quinze, vinte, vinte e cinco e mais anos. Ora, isto é
uma perversão do "agôn" e da própria democracia que só revela o atraso cultural do país e do des-
porto. A ambição desmesurada, livre de bom-senso, de regras, de equilíbrios, de lealdade e de vergo-
nha que conduz ao espírito de competição exacerbado, acaba por privilegiar o ignorante, na medida
em que a ignorância é atrevida, pelo que a sociedade deve introduzir regras que a protejam da ambi-
ção desmedida enquanto empecilho ao desenvolvimento. Perceber o princípio do ostracismo é de
fundamental importância para se perceber a dinâmica que deve presidir ao desenvolvimento do des-
porto, mas também ao desenvolvimento da própria vida moderna no quadro da sociedade global.
Repare-se que, se, por um lado, a competição não deve estar condicionada para que se possa desen-
volver dentro dos limites da dignidade humana deve, por outro lado, estar sujeita a regras precisas
para que se possa desenvolver na sua plenitude.
Em 1887, com o objectivo de fazer renascer os verdadeiros valores do "agôn", Pierre de Coubertin
(1863-1937) lançou ao mundo a ideia de voltar a organizar os Jogos Olímpicos. Em conformidade, o
Movimento Olímpico assumiu a divisa latina citius, altius,fortius (mais rápido, mais alto, mais forte),
que simboliza a vontade de superação dos atletas, temperada ainda com o mote "o importante é par-
ticipar". Sete anos depois, em 1894, foi fundado o Comité Olímpico Internacional (COI) e, em 1896,
realizaram-se em Atenas os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna. Sem menosprezarmos o
espírito de iniciativa, o esforço e a visão de Coubertin, devemos considerar que, segundo David
Young, professor de cultura clássica na Universidade da Florida, ao ressurgimento dos Jogos Olímpi-
cos da era moderna ficam ainda ligados dois outros nomes, o grego Evangelis Zappas (18oo-1865) e o
britânico William Penny Brookes (1809-1895) (ver As origens dos jogos Modernos).
Pierre de Coubertin, tal como os seus antecessores, ao tempo, tiveram do desporto e do Olim-
pismo uma visão de acordo com a época. Aos olhos dos nossos dias, não foi uma visão perfeita.
No entanto, cumpre-nos, sem perda do sentido dos valores da dignidade humana que presidiram
ao sonho dos Homens do Olimpismo moderno, encontrar os caminhos que devem presidir ao
desenvolvimento do desporto, muito embora se saiba que, muitas vezes, o desporto e as suas prá-
ticas, bem como o próprio Movimento Olímpico, não andem pelos melhores caminhos.
Por isso, quando hoje se fala de "desenvolvimento desportivo sustentado", do qual o desporto
faz parte, à imagem e semelhança do que, aparentemente, se passava na antiga sociedade grega,
entendemos que o conceito em si tem de estar integrado de uma forma equilibrada na vida das
populações, pelo que não pode ser realizado nem à custa da alienação das gerações actuais nem à
custa da qualidade de vida das gerações vindouras.
Desenvolvimento sustentado
da prática desportiva das gerações vindouras, repare-se, por exemplo, na "loucura pré-homérica" da
construção de dez estádios de futebol para o Euro 2004, onde se gastaram verbas astronómicas numa
violência incontida contra os direitos dos portugueses, sobretudo dos mais desfavorecidos. Verbas sig-
nificativas foram desviadas de outros sectores sociais, entre eles o desportivo, comprometendo a quali-
dade de vida das gerações actuais e das vindouras, num país como Portugal, em que a pobreza infantil
atinge uma em cada seis crianças e em que o índice de prática desportiva de 23% da população é o
mais medíocre da União Europeia 3 Entretanto, os estádios estão, semana após semana, vazios e a
obrigar a despesas exorbitantes de manutenção e conservação. Quer dizer que, muito embora o Euro
2004 até tenha sido uma festa maravilhosa que galvanizou os portugueses, não foi por isso que deixou
de comprometer o desenvolvimento do desporto e do país, o que só significa que não chega fazer as
coisas bem, é necessário, em primeiro lugar, fazer as opções certas.
Tal como os gregos não eram capazes de suportar uma glória que não comportasse mais desa-
fios, nem uma felicidade que pusesse cobro ao "agôn", como refere Nietzsche, também nós deve-
mos recusar o conformismo de um desporto parado no tempo, sem significado social, em que cada
talento e vocação, do ensino ao alto rendimento, não possa livremente encontrar a sua oportunidade
numa sociedade e num modelo de desenvolvimento estimulantemente equitativo, isto é, alimentado
por tudo aquilo que de mais nobre tem a ambição agonística. Sem esta, o Estado torna-se mau,
cruel, vingativo e ateu, porque deixa de acreditar no futuro, numa palavra, torna-se pré-homérico.
Bastará um susto-pânico para o destroçar.
3
Eurobarometer (2004). The Citizens of European Union and Sport.
"Agôn" [ 17
foi lá que Coubertin foi buscar a ideia da internacionalização dos jogos Olímpicos. David Young vai
mesmo ao ponto de afirmar que receia que a vaidade de Coubertin tenha feito com que ele ficasse
com todos os créditos, esquecendo-se pura e simplesmente da contribuição de Zappas e de Brookes
no seu livro de "Mémoires Oympiques", editado em 1931. jean-Loup Chappelet, secretário-geral da
Fundação Coubertin, argumenta que "o legado de Coubertin é o que mais importa". Sem dúvida,
mas há que respeitar a verdade histórica, até porque, segundo David Young, foi o próprio William
Brookes a transmitir a Pierre de Coubertin a sua visão de internacionalizar os jogos Olímpicos. Isto
significa que não chega ter razão. Há que tê-la no horário e no local próprios. Apesar de tudo, o
mundo do desporto não pode deixar de reconhecer a Pierre de Coubertin a oportunidade e a força de
vontade para conduzir um projecto que hoje se desenvolve à escala do planeta.
Guerra e paz
Os gregos antigos sabiam que os Homens, na sua tacanhez (má Éris), tinham necessidade de
violência para se sentirem glorificados. Para suprirem essa necessidade, sem os custos trágicos da
guerra, inventaram os Jogos e tornaram a paz gloriosa, através do prazer lúdico da violência contro-
lada (boa Éris). Era a trégua olímpica. Com o declínio da competição, o que deve ser um aviso para
nós portugueses, o Estado grego entrou em turbulência interna e dissolução. Este é o dilema que se
coloca aos decisores políticos. Por um lado, é evidente que a violência no mundo do desporto não
pode disparar para níveis incontroláveis. Por outro, como nos diz Thomas Moore (1992), é ilusório
abordar a violência movidos pela singela ideia de que a podemos eliminar. De facto, qualquer tenta-
tiva de erradicar a violência que existe no ser humano poderá fazer com que o desliguemos do poder
profundo que sustenta a vida criadora. Quer dizer, trata-se de controlar a violência e, se possível,
conduzi-la para fins positivos, ou seja, para a boa Éris.
Aqueles que através de um discurso pseudomoralista pretendem castrar o desporto em geral e o
futebol em particular das suas origens antropológicas que têm a ver com a necessidade de extrava-
são da violência (geralmente virtual) que cada homem contém dentro de si, transformando o jogo
numa mera recreação, em que o objectivo se resume a curtir o deleite da destreza do gesto acrobá-
tico e da estética geométrica da progressão no terreno, que também se encontram em muitas outras
actividades humanas, podem estar a fazer com que o futebol se desligue dos laços que ainda o pren-
dem às suas verdadeiras raízes que se encontram nas origens da humanidade, fazendo com que
deixe de ter a atracção mágica que, semana após semana, época após época, conduz aos estádios,
quer directa quer indirectamente através da televisão, dezenas de milhões de espectadores por todo
o mundo, independentemente do seu estatuto social, credo, género ou idade.
À escala global
l<ofi Annan, Secretário-Geral das Nações Unidas, no dia 24 de Janeiro (2006), visitou o quartel-
-general do Comité Internacional Olímpico, com sede em Lausanne, onde foi recebido pelo "senhor
dos anéis", Jacques Roggé A trégua olímpica foi o ponto principal da agenda, para além dos vários
programas desportivos a desenvolver no âmbito da cooperação entre as duas entidades. No dia
4
Presidente do Comité Olímpico Internacional.
AGONGD-D2
18 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
seguinte ao referido encontro, l<ofi Annan e Jacques Rogge participaram no Fórum Económico
Mundial, que decorreu em Davos, na Suiça, onde o impacto do desporto no mundo foi um dos
temas em discussão. Isto significa que, hoje, o desporto acontece nos fóruns de decisão internacio-
nal realizados ao mais alto nível. A sua importância na sociedade moderna é cada vez maior, pelo
que está presente em questões que vão da paz no mundo e da economia global até às do
ambiente. Nesta perspectiva, tal como ao tempo dos primeiros jogos na Grécia antiga, o desporto
é portador de um capital social simbólico a uma escala global que não deve ser menosprezado
pelos diversos dirigentes. Contudo, trata-se da gestão do jogo e o jogo é "agôn", o que levanta,
como temos tido a oportunidade de ver por esse mundo fora, questões que não podem ser resolvi-
das à custa da mais pura demagogia, aliás como é timbre da generalidade dos políticos sempre
que se lembram do desporto, invariavelmente nos momentos de afiição.
Na realidade, muito embora o desporto, ao longo do tempo, através do "agôn" que lhe é pró-
prio, tenha, por vezes, estado ligado à promoção da paz, o que é facto é que também foi um
espaço e um tempo de confronto destruidor entre povos, nações e regimes. Como se sabe, em
muitas e demasiadas circunstâncias durante o século XX, o desporto foi um instrumento confiitual
de que as grandes potências imperialistas se serviram para se digladiarem no quadro da "guerra
fria" que, como se viu, não organizou a paz mundial, impediu somente que o mundo, tal qual os
heróis gregos de Homero, entrasse numa escalada de destruição total. Actualmente, em inícios do
século XXI, o desporto está transfigurado num espaço e num tempo onde as regiões, os países e
até as grandes marcas comerciais combatem entre si pela conquista de supremacia, muitas vezes à
custa da violência dos nacionalismos ou da exploração da mão-de-obra nos países em vias de
desenvolvimento, inclusivamente da mão-de-obra infantil e da organização de grandes ou mega
eventos desportivos que acabam por se virar contra as pessoas. Quer dizer que o desporto se tem
vindo a transformar numa espécie de espaço e tempo de "confiito não convencional", o que acaba
por reduzir as suas práticas a um modelo de desenvolvimento caracterizado em regime de exclusi-
vidade pelo rendimento, a medida, o recorde, o espectáculo e o profissionalismo precoce, com
todos os efeitos colaterais de sinal negativo que dele decorrem. Todavia, há que entender que o
desporto sendo uno não é unicitário. Por isso, sem se negarem as virtualidades do rendimento, da
medida, do recorde e do espectáculo desportivo, e com o objectivo de afirmar a excelência humana
através da assumpção de uma perspectiva positiva de desenvolvimento, é necessário entender que
existem outras práticas e diferentes segmentos sociais com necessidades e direitos de acesso aos
benefícios do desporto que é necessário considerar e respeitar, se realmente se deseja transformar
o desporto num instrumento de desenvolvimento humano.
Nestas circunstâncias, é necessário ter do desporto uma ideia clara, sob pena do próprio des-
porto, agora que o paternalismo do Estado-Providência, por exaustão, está a chegar ao fim, se
transformar num processo de alienação de massas ao serviço de interesses corporativos das mais
diversas marcas e emblemas que nada têm a ver com a problemática do desenvolvimento humano.
Repare-se que, por exemplo, o grande campeão olímpico de Atenas nos 110 metros barreiras, Liu
Xiang, foi contratado para promover a imagem da principal companhia de tabaco chinesa (A Bola,
27/10/2004)- Deste modo, o atleta acabou enquanto "herói olímpico" a fazer publicidade ao tabaco
e, em consequência, a promover o hábito do fumo entre a juventude chinesa.
"Agôn" [ 19
Instrumento de desenvolvimento
Segundo um estudo coordenado por Cristina Padez (DN, 25/5/2004), um terço das crianças por-
tuguesas tem excesso de peso. Uma em cada dez, com idades entre os sete e os nove anos, é obesa.
Na Europa, no que diz respeito à obesidade infantil, apenas somos ultrapassados pela Itália. A expli-
car esta situação, assim como que numa verdade de Lapalisse, são apontados como grandes res-
ponsáveis a qualidade da alimentação e a falta de exercício físico 5. Em conformidade, é necessário
enquadrar as práticas desportivas nas políticas públicas sob pena do desporto não servir para coisa
nenhuma. Por isso, seria bom que se entendesse que, neste domínio, o desporto não pode ser um
fim em si mesmo. Sempre que o desporto é um fim em si mesmo transforma-se num instrumento
de alienação, em que, numa profunda injustiça social, uma minoria de privilegiados acaba por viver à
custa do prejuízo da maioria. O desporto enquanto instrumento de desenvolvimento tem de ser
gerido ao serviço das pessoas e dos países, o que nem sempre é fácil, quando a pressão do marke-
ting, muitas vezes, deturpa os verdadeiros objectivos que devem presidir ao desporto. Assim, devem
ser identificados e combatidos os expedientes que o desviam dos seus verdadeiros fins.
Alienação
De uma maneira geral, a maioria das pessoas, incluindo a generalidade dos dirigentes desporti-
vos e políticos, tem do desporto uma ideia estática à partir de uma ilusória concepção de tempo.
Para elas o desporto existiu desde sempre como uma actividade à margem da sociedade, pelo que
não tem nem passado nem futuro. Nesta perspectiva, o desporto é qualquer coisa que pertence ao
presente, a um imenso presente que se pode depois, em função das conveniências, expandir para
trás e atingir os tempos dos Gregos ou dos Romanos, ou para a frente e prospectivar,se !Tas activi-
dades de compensação que se opõem na sociedade moderna ao mundo do trabalho. Esta ausência
de tempo que o senso comum atribui ao desporto faz também com que o mesmo senso comum
não lhe atribua um sentido de espaço. Quer dizer, espaço físico, económico, geográfico, histórico,
lúdico, etc., para a grande maioria dos dirigentes não tem significado desportivo, pelo que o des-
porto passa a ser qualquer coisa que funciona à margem da sociedade sem que se estabeleçam
quaisquer relações com as mais diversas dinâmicas económicas e sociais. Deste modo, Portugal
tem vindo a assistir, por exemplo, à defesa na maior das impunidades da candidatura de Lisboa à
realização dos Jogos Olímpicos, tal como assistiu à realização do Euro 2004 e à irresponsável cons-
trução de dez estádios de futebol quando, no mesmo país, se viveu uma dramática seca com o
plano de regas do Alentejo por construir, um sistema de reformas e pensões a entrar em colapso,
um desemprego a disparar para níveis absolutamente preocupantes, um dos crescimentos econó-
micos mais miseráveis da Europa, em suma, um padrão médio de vida cada vez mais longe do
padrão médio europeu. Quer dizer, numa alienante ausência de referências relativas ao tempo e ao
espaço, os fins passaram a justificar os meios, numa dinâmica em que o circo só serve para masca-
rar a falta de pão. Nestes termos, o desporto transforma-se num instrumento de alienação de mas-
sas a todos os títulos reprovável.
5
Para superar esta deficiência há muito conhecida, o Governo, através do Instituto do Desporto de Portugal, à imagem e
semelhança do que se passa no futebol, não estivesse este país a ser completamente "futebolizado", fez um acordo com a
McDonald's no âmbito do programa nacional "Mexa-se" (A Bola, 3/5/2004)- Sabendo-se o que os especialistas dizem
acerca deste tipo de "comida rápida" e o que ela tem vindo a fazer a sucessivas gerações de jovens dos mais diversos paí-
ses do mundo, parece-nos profundamente errado ser a própria Administração Pública Desportiva a integrá-la na política
desportiva do Governo e, deste modo, associá-la à prática desportiva e a um estilo de vida saudável. Portanto, nesta dinâ-
mica mercantilista de promover o desporto, só nos podemos perguntar se estamos perante um Estado distraído ou
perante um estado de "distracção total".
20 ] Agón I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Custos
Não só Zeus como todos os outros deuses do Olimpo sorriram de alegria ao verificarem o
sucesso dos jogos Olímpicos de Atenas (2004), disse Gianna Angelopoulos, presidente da Comissão
Organizadora dos jogos Olímpicos de Atenas. Gianna foi mesmo ao ponto de considerar os jogos
de Atenas como os de maior sucesso desde sempre, até porque eles passaram a representar um
momento em que emergiu uma nova Grécia para o século XXI.
Contudo, muito embora os jogos tenham proporcionado a construção de infra-estruturas há
muito necessárias à cidade de Atenas, o que é facto é que nesta questão dos mega-eventos não há
bela sem senão. Na realidade, o custo da realização dos jogos disparou para valores absoluta-
mente impensáveis aquando da realização do orçamento inicial em 1997.
No mês de Novembro de 2004 começaram a chegar os primeiros resultados. O custo dos jogos,
inicialmente previsto para menos de 5 mil milhões de dólares, ultrapassará certamente os 12 mil
milhões de dólares sem se considerarem os custos das infra-estruturas. Para os Paralímpicos foram
gastos 5, 9 mil milhões de dólares.
Mas os problemas não acabaram com o fim dos jogos, na medida em que há instalações des-
portivas que após o evento foram pura e simplesmente demolidas. Contudo, esta situação até nem
é a mais dramática, na medida em que só para funcionamento e manutenção do complexo olím-
pico de Atenas são necessários 103,8 milhões de dólares anuais.
Como disse Fani Palli-Petralia, ministro da Cultura, os gregos tiveram uns jogos Olímpicos
com um enorme sucesso, vão ter é de passar os próximos anos a pagá-los.
A partir de Associated Press, 12/ll/2004
Bullshit
6
www.princeton.edu
7
Veja-se, por exemplo, a recente posição do ministro dos Negócios Estrangeiros ao querer resolver a questão das caricatu-
ras de Maomé e a sua própria posição com argumentos futebolísticos. Como se sabe, posteriormente, numa espécie de
'"cruzada da bola", o ministério dos Negócios Estrangeiros enviou, com a colaboração da Federação Portuguesa de Futebol,
160 equipamentos desportivos e bolas de futebol para crianças israelitas e palestinianas entre os 10 e os 12 anos que inte-
gram as escolas do Centro Peres para a Paz espalhadas por Israel e Palestina (in Record, 17/3/2006). Quanto a nós tudo
isto não passa de "bullshit", quer dizer, de conversa da trela.
"Agôn" [ 21
acordo com Harry Frankfurt, a conversa da treta é muito mais perigosa do que a própria mentira,
porque enquanto esta estabelece uma ruptura com a realidade, a conversa da treta, ou conversa
fiada, não está completamente desligada da realidade, de maneira a melhor esconder aquilo que o
seu autor realmente pretende. A agravar esta situação, por esquisito que possa parecer, a conversa
da treta tem uma estranha tolerância social, pelo que em determinadas circunstâncias parece assu-
mir-se na maior das hipocrisias como uma autêntica norma social. Em conformidade, a conversa
da treta parece que se está a revelar como algo central no discurso moderno, em que todos se
entendem mas ninguém diz nada, na medida em que o que menos interessa são as verdadeiras
questões. Nietzsche afirmava que se deve falar somente daquilo que se superou, tudo o mais é
tagarelice e falta de disciplina. Deste modo, como ele próprio dizia, os seus escritos falavam das
suas superações.
O desporto tem uma história e um futuro, tem um discurso que o deve organizar no tempo e
no espaço, de acordo com a sociedade onde está inserido. De há cerca de 20 anos a esta parte
encontra-se num processo acelerado de desagregação, pelo que obriga a que sejam encontradas,
para cada situação, as soluções mais adequadas para o gerir numa perspectiva de desenvolvimento
humano que ultrapasse as meras conversas de circunstância que têm caracterizado as políticas
desportivas em muitos países.
A pirâmide
A pirâmide de Coubertin
Para que cem se entreguem à cultura física é necessário que cinquenta pratiquem desporto.
Para que cinquenta pratiquem desporto, é necessário que vinte se especializem. Para que vinte se
especializem, é necessário que cinco sejam capazes de proezas espantosas.
Mémoires 0/ympiques, Pierre de Couberlin (1931)
22 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Hoje, sabemos que a pirâmide de Coubertin é falsa. Quer dizer, não garante uma relação de
causalidade entre a base e a elite, na medida em que é perfeitamente possível um país ter um
pequeno grupo de atletas a competir de igual para igual nos grandes e mega-eventos desportivos
internacionais sem que exista uma base de praticantes desportivos aceitável nos países de onde
são originários. Podemos dizer que, entre muitos outros países, Portugal, com uma base de prati-
cantes de 23%, que é uma das mais baixas da Europa, se encontra nessa situação, na medida em
que existem atletas que até obtêm resultados significativos em provas desportivas internacionais
sem que a base de prática desportiva tenha um volume idêntico aos dos países desenvolvidos.
Jacques Rogge, durante a realização dos Jogos Africanos, na Nigéria, em 2003, afirmou aquilo
que há muito vai no espírito daqueles que ainda acreditam que o desporto pode ser um instru-
mento ao serviço da humanidade. Disse o presidente do maior emblema do mundo do desporto
que se opõe à compra de atletas oriundos de países subdesenvolvidos por parte das nações mais
ricas, que assim tentam "aumentar o seu medalheiro em competições". Afirmou, ainda, que a orga-
nização que lidera não gosta que concedam aos atletas passaportes sem que existam fortes razões
sociais, como é o caso do casamento. É evidente que Jacques Rogge não se estava a referir aos
"casamentos brancos" que há uns anos estiveram em voga em Portugal, sem que as entidades
desportivas públicas ou privadas tivessem uma posição frontal, assumida claramente e com a res-
sonância nacional apropriada, relativamente à gravidade do que se estava a passar.
Políticas de holofote
Maria Muto/a
Conhecida lá para os lados da África Austral, e não só, como "o Expresso do Maputo", em
1988, então com 15 anos de idade, esteve para ingressar no Benfica. Só não ingressou porque os
dirigentes moçambicanos tiveram medo que ela viesse a optar pela nacionalidade portuguesa.
Muto/a foi para os EUA e foi a sorte dela, na medida em que continuou a competir pelo seu país e
não foi submetida às agruras a que os atletas portugueses têm sido sujeitos.
"Medalheiros"
A pirâmide de Coubertin na sua relação causa-efeito é falsa, contudo não é por isso que ela
não pode continuar a ser utilizada, aliás, no próprio espírito da Carta Olímpica, como um credo
por aqueles que acreditam verdadeiramente nas virtualidades do desporto enquanto instrumento
de desenvolvimento humano. O que é facto é que políticas públicas de resultados desportivos
"Agôn" [ 23
internacionais, sem uma base de prática desportiva suficientemente alargada que os justifiquem,
há-de sempre significar subdesenvolvimento, por maiores que sejam as campanhas de lavagem ao
cérebro protagonizadas por uma comunicação social dócil que, comandada por Zeus, vive mais
nos braços de Hermes e de Dionísio do que nos de Apoio e Atena.
Debaixo do epíteto de cooperação, gente sem educação, sem cultura e, por vezes até, sem
escrúpulos, que de África a única ideia que tem é a dos filmes do Tarzan, tem transformado odes-
porto num autêntico instrumento de neocolonialismo. Portugal, que neste domínio devia ter um
comportamento exemplar, tem-se comportado à semelhança dos negreiros dos séculos XV e XVI,
que agora Jacques Rogge, com toda a propriedade, chama de "medalheiros".
[Modelo
Objectivos do capítulo. No presente capítulo vamos realizar um enquadramento geral da
estrutura do presente trabalho, tendo em atenção a necessidade de se construir uma linguagem
de referência comum entre aqueles que intervêm nos domínios do desenvolvimento e da gestão
do desporto.
De onde vem e para ond e va i o des porto são as interrogações que o fil ósofo do des porto
moderno, Berna rd j eu (1987), coloca no seu livro Analise du Sport. Para sa bermos de on de vem e
para on de va i o des porto é necessá ri o sa bermos ond e o des porto se enco ntra, quer dize r, qu al a
sua situ ação actu al, já que o prese nte é não só o res ultado do passado, que nos dá referências, mas
também um futuro que se deseja co nstruir. PÓrtanto, a situ ação actu al do mundo do des porto é
um ponto de partid a, com vista a perce ber-se aquil o qu e tem vin do a aco ntece r, bem co mo para se
perspectivar o que, no futu ro, pres umive lmente, p o~-á'v ir a suceder.
Vivemos num a sociedade do co nh ecimento(pelo qu e saber ond e é que o des porto está, de .
ond e ve m e para ond e deve camin har só é poss íve l se form os pos suidores, em prim eiro lu gar, de
um a lin guage m co mu m que poss ibil ite o enten di me nto entre dife rentes perspectiv as e, em
segu ndo lu gar, de quad ros teó ricos su fi cie ntemente estruturados que permi tam, em distintos
mome ntos, anali sa r a rea lidade desporti va com a qu al so mos co nfrontados .
linguagem
valores e o desenvolvimento humano mas uma mera conquista e usufruto do poder. Não só em
termos dos seus valores, dos seus objectivos, da sua dialéctica entre fins e meios, mas também ao
nível do operatório, como se pôde constatar durante a preparação para a Olimpíada de Atenas em
que, devido às mais diversas dificuldades de comunicação e entendimento, não foi sequer possível
constituir uma simples "comissão de preparação olímpica". Na realidade, só através da relação biu-
nívoca entre a palavra e o conceito pode resultar a comunicação.
Segundo a Regra Seis, n. o 2, da Carta Olímpica, "os Jogos Olímpicos são os Jogos da Olim-
píada e os Jogos Olímpicos de Inverno".
Com a Carta Olímpica que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2004 deixou de existir o con-
ceito de Jogos Olímpicos de Verão que até então determinavam o período da Olimpíada.
Agora, segundo o Texto de Aplicação à Regra Seis, "uma Olimpíada é um período de quatro
anos civis consecutivos que começa no primeiro de Janeiro do primeiro ano e termina em 31 de
Dezembro do quarto ano". As Olimpíadas contam-se a partir dos primeiros Jogos da Olimpíada
celebrada em Atenas em 1896. "A XXIX Olimpíada começa em 1 de Janeiro de 2008. Os Jogos da
XXIX Olimpíada serão realizados em Beijing. Deste modo, as Olimpíadas deixam de estar associa-
das exclusivamente aos Jogos Olímpicos que se realizam no Verão."
É necessário sistematizar toda uma terminologia que permita o diálogo através da utilização de
palavras que tenham para todos o mesmo significado. Só assim, pela compreensão daquilo que
cada um possa pensar e no respeito pelas respectivas opiniões, é possível evoluir em matéria de
desenvolvimento e organização do desporto, de maneira a que o final de cada ciclo olímpico não se
transforme sistematicamente num muro de lamentações. Nada se tira ou limita, na medida em que
o que temos vindo a procurar é estabelecer um espaço aberto de linguagem comum em que as
mesmas palavras tenham para todos o mesmo significado, para que nos possamos entender e o
desporto possa progredir. As ideias, essas, continuam livres ao sabor dos desejos e da criatividade
de cada um, num ajustamento permanente ao contexto, para que o equacionar livre das mesmas
questões em diferentes momentos seja portador de novas perspectivas conducentes a uma com-
preensão sempre actual do fenómeno desportivo.
A problemática da gestão só ganha verdadeiro significado se for contextualizada. Assim, se
num primeiro momento é de fundamental importância para a gestão do desporto estabelecer uma
linguagem em que todos se entendam uns aos outros, num segundo momento é necessário
encontrar os quadros teóricos que organizem o processo de desenvolvimento do desporto, tendo
em atenção a necessidade duma parcimoniosa e equilibrada utilização de recursos escassos numa
perspectiva de desenvolvimento sustentado, isto é, sem que a prática desportiva das gerações
actuais comprometa as oportunidades de prática desportiva das gerações vindouras. Nesta pers-
pectiva, desenvolvemos o modelo do quadro 1, que deve ser entendido como um instrumento pro-
visório, singular e imperfeito de análise do sistema e não como uma estrutura definitiva sem qual-
quer possibilidade de adaptação e mudança. Deste modo, este e os demais esquemas que
apresentamos ao longo do livro só servem para nos ajudar a comunicar com os leitores e não
como ideias a seguir definitivamente.
Modelo [ 27
Fotocopiadora
Muita gente me pede para observar os treinos do Chelsea e raros são aqueles a quem concedo
esse privilégio. Porquê? Simplesmente porque não acredito em cópias. O original é sempre melhor
que a cópia saída da melhor fotocopiadora do mundo.
José Mourinho, in A Bola. 29(3(2005
Na realidade, a questão está em ser-se capaz de, a partir do estudo e da refiexão, ultrapassar os
modelos dos outros, sobretudo daqueles que demonstram sucesso, para a construção dos próprios
modelos. Daí José Mourinho afirmar que concede a alguns o privilégio de assistirem aos treinos do
Chelsea. Porque não se trata de repetir. Trata-se de, a partir do conhecimento dos outros, construir-
mos o nosso próprio conhecimento.
Sendo a gestão uma actividade científica (o que r]ão significa que a gestão seja uma ciência) e
profissional relativamente nova, por um lado, é fácil sistematizar o con'~ecimento na medida em
que os campos de acção ainda estão relativamente abertos, contudo, esse c;onhecimento só ganha
validade se estiver perfeitamente contextualizado, o que já não se revela assim tão fácil. Nesta con-
formidade, não é qualquer modelo de análise que nos interessa utilizar.
De facto, o gestor, perante uma dada realidade, entre o desejo de tudo poder prever através da
utilização ilusória do método científico tradicional eo pensar que nada é possível prever, na medida
em que não existem instrumentos capazes de previsão, tem de ser capaz de conceber modelos de
análise, tão abrangentes quanto possível, que lhe permitam compreender o mundo de maneira a
poder agir em conformidade. A questão está em saber se vamos partir das partes para o todo na
presunção de que poderemos descobrir a lei geral, ou se, no reconhecimento desta impossibili-
dade, partimos do todo para as partes, através da construção de um modelo hipotético-dedutivo
que, caso a caso, dará ou não resposta às necessidades sociais para as quais é necessário encon-
trar respostas convincentes.
Quando estamos no domínio do desenvolvimento humano, a metodologia deve partir duma lógica
hipotético-dedutiva. Para o efeito, é necessário, desde logo, ultrapassar a perspectiva reducionista do
método cartesiano, sustentada numa lógica empírico-racionalista de analisar e compreender o mundo
e, em consequência, o desporto. Quer dizer, não se trata de estabelecer uma dada lei universal através
da utilização de uma fórmula estandardizada, construída a partir de uma determinada amostra que
será sempre tão grande quanto maior for o nosso tempo, os recursos tecnológicos e a verba disponí-
veis. Trata-se de idealizar um paradigma conceptual, que organize de uma forma dinâmica uma conste-
lação de modelos que na sua estrutura representem uma dada visão do mundo, neste caso do mundo
do desporto, que, posteriormente, poderá ou não responder às questões formuladas.
Esta perspectiva, como não podia deixar de ser, aceita um envolvimento (planeadorjobjecto de
planeamento), em vez de defender que se está a funcionar num sistema experimental indutivo que
assegura a distância necessária entre o investigador e o objecto de investigação, ao ponto de não
haver qualquer contaminação emocional entre aquele que planeia eo produto do planeamento, isto
é, entre o agente de desenvolvimento eo próprio desenvolvimento. Na realidade, o gestor não é um
ser neutro, é um ser emocional e comprometido - o desenvolvimento pressupõe um determinado
28 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus
Ambiente Ambiente
Organização ·--------·---------··-··-
--- --------------------------------------
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Gestão -----·---··· ----.-
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t- Agonística
Filosofia --------
I Voco~o----
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o
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Projectos -<----
Política
-------··------Objectivos
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3
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- - - - ---))I>P.
·----~
Estratégia
Funções e Tarefas
~---------···-
..,.~~-------
----1-
-------·----~
Desenvolvimento
L _ __ _ _ _ ~-------- - - - -
Nível Desportivo
Ambiente Ambiente
tipo de sociedade que se deseja construir-, pelo que, tal como nos diz António Damásio (1998) no
Erro de Descartes" ... a razão pode não ser tão pura quanto a maioria de nós pensa que é ou desejaria
que fosse, e as emoções e os sentimentos podem não ser de todo uns intrusos no bastião da razão,
podendo encontrar-se, pelo contrário, enredados nas suas teias, para o melhor e para o pior". Em
conformidade, ainda na lógica de António Damásio, a emoção no seu melhor, através dos instru-
mentos da lógica, entre aquilo que é e não é susceptível de ser planeado, encaminha-nos na direcção
correcta da previsão e do processo hipotético-dedutivo de tomada de decisão que, na linha de Henry
Fayol, é a actividade mais nobre do gestor.
Modelo [ 29
Estamos a passar dum sistema social baseado na lógica da civilização industrial, em que o
Homem, inclusivamente o "homo ludens", foi, numa cultura empírico-racionalista, muitas e varia-
das vezes tratado como uma simples peça de máquina, para uma lógica pós-industrial, em que o
Homem, pelos direitos que lhe assistem, tem vindo a ganhar independência em relação às máqui-
nas, sejam elas de desporto ou não, que o devem servir. Nesta perspectiva, o desenvolvimento
organizacional, como visão comportamental (behaviorista) da organização surgida a partir da "teo-
ria das relações humanas", enquadra uma análise eminentemente sociológica e motivacional das
organizações e da sua gestão. Esta óptica visa ultrapassar aquela "cultura-máquina" em que, em
regime de exclusividade, sucessivas gerações foram educadas. Deste modo, a organização passa a
ser entendida como um corpo social, com vida e cultura próprias, onde se desenvolvem estilos
comportamentais centrados no processo de desenvolvimento das próprias pessoas com vista à
constante adaptação das organizações ao ambiente que as envolve. Por isso, na perspectiva da sua
gestão, o desenvolvimento organizacional comporta (ver quadro 1):
'1. Tecnologia: A tecnologia ao serviço das pessoas e não o contrário. A tecnologia do e no des-
porto é um meio e não um fim em si;
2. Cultura: Adaptação da cultura da organização à mudança e aos desafios do futuro;
3· Dinâmica: Esforço continuado, participado e estrategicamente planeado, das organizações
gerirem os processos de mudança pessoal, grupal, organizacional e social.
Padrões comportamentais
Só é possível gerir estas três dimensões, na sua plenitude, se as considerarmos integradas num
processo de desenvolvimento humano, porque o desenvolvimento organizacional está intima-
mente ligado à capacidade adaptativa da tecnologia e da cultura da organização à mudança, ao
equilíbrio entre os interesses da produção e a satisfação das pessoas nas organizações onde vivem.
Deste modo, a vida das pessoas dentro das organizações tem de ser entendida para além da for-
malidade, quer dizer, da burocracia, na medida em que elas aceitam cada vez menos ser reduzidas
a simples peças de uma qualquer máquina. Por isso, a gestão das organizações numa perspectiva
desenvolvimentista tem como um dos seus principais objectivos equilibrar as necessidades huma-
nas com as da própria organização, tendo em vista a preservação do futuro, uma vez que, como se
disse, o desenvolvimento para ser sustentado não pode ser realizado à custa do bem-estar das
gerações vindouras.
Vamos desenvolver o quadro teórico apresentado considerando no capítulo 3 o ambiente. Hoje,
as organizações desportivas são envolvidas por um ambiente que está em constante mutação. Em
conformidade, é necessária capacidade para, em cada momento, o caracterizar para melhor o com-
preender. Assim, consideraremos o ambiente que envolve o mundo das organizações desportivas
tendo em atenção que existe uma dialéctica constante entre o desporto e a sociedade. O capítulo
será desenvolvido considerando a forma de mudança, os conteúdos, os factores, os cenários, as
atitudes e, finalmente, numa perspectiva global, as consequências.
No capítulo 4 trataremos das questões relativas à organização propriamente dita. Começare-
mos por definir o que se entende por organização, tendo em atenção diferentes perspectivas para,
de seguida, abordarmos a gestão do trabalho, tomando em consideração os mecanismos e os Bu-
xos que mais contribuem para um funcionamento eficiente das organizações. No capítulo 5 vamos
considerar a tecnologia. Para nós, trata-se da tecnologia da gestão do desporto que, enquanto acti-
vidade contextualizada, tem de ser encontrada na interface entre a gestão e o próprio desporto. No
capítulo 6 abordaremos a problemática da cultura no que diz respeito à filosofia das organizações
'
,;
,.
ft.;gôn I.Gestão do desporto~ 1'0 jog~ de z~~s :.- .
.
.
·~ ·-
Objectivos do capítulo. Antes de serem criados o céu, a terra e o mar, todas as coisas apre-
sentavam um aspecto a que se dava o nome de Caos 8. Aterra, o mar e o ar estavam todos mis-
turados de tal maneira que a terra não era sólida, o mar não era líquido e o ar não era transpa-
rente. Assim, Caos representa uma informe e confusa massa, mero peso morto, no quat
contudo, jaziam latentesàs---s~s de todas as coisas que iriam existir e acontecer.
Caos simboliza o ambiente caótico que hoje envolve todas as organizações. Ogestor tem de ser
capaz de olhar para o mundo que envolve o desporto e promover a organização e os projectos,
através da criação de equilíbrios dinâmicos entre os recursos e os constrangimentos, em função
dos interesses da maioria. Tem de encontrar a ordem dentro da desordem, perceber o regular na
irregularidade, determinar o grau de variação constante e apurar a variabilidade consistente.
Assim, no presente capítulo, vamos tratar. do ambiente que envolve o mundo das organizações des-
portivas. Vamos considerá-lo em função das circunstâncias que podem evoluir de uma situação
fechada e estática até uma outra completamente oposta, aberta, dinâmica, de configuração caótica e
de extraordinária turbulência. Deste modo, serão considerados os seguintes aspectos: (1.0 ) Aforma
que determina odesenho com que a mudança acontece; (2. Oconteúdo no que respeita aos aspec-
0
)
tos substantivos da mudança; (3. 0 ) Os factores que, eventualmente, podem desencadear a mudança;
(4. 0 ) Os cenários relativamente à organização do futuro; (5. 0 ) As atitudes de que o gestor deve ser
possuidor a fim de enfrentar a mudança como uma realidade de todos os dias; (6. As consequên-
0
)
O des porto, desde qu e, em 1960, a televi são entrou pela primeira vez em larga escal a nos Jogos
Olímpi cos 9, tem vindo a ganhar um a progress iva importância na soci edad e. Muito provavelmente, será
um dos sectores do desenvolvim ento human o, a par da mú sica e do lazer tecnológico , com maior
importância na confi guração social do corrente século. Qu er dizer que, se por um lado o des porto tem
sido infiuen ciado pela din âmica social, a partir da co municação globa l ini ciad a, fund am enta lmente,
8
A relação que em cada ca pítul o fazemos aos deuses gregos tem co mo ideia origin al a obra de Charles Handy, in titul ada Os
Deuses da Gestão. Handy co nsi derou 4 deuses: Ze us, Apo io, Atena e Di on ísio.
9
Na realid ade, a primeira vez que a te lev isão entrou nos jogos Olímpicos foi em Berlim , em 1936. Contudo, a experiência fo i
rea li zada em te rmos muito lim itados. Em 1948, em Londres, já houve uma tran sm issão para um número restri to de pes-
soas. De facto, só em 1960, em Roma, é que a transmissão telev isionada dos Jogos assumiu uma dimensão qualitati va e
qu antitativa signifi cati va a um a esca la global.
32 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
com as novas tecnologias, por outro, numa espécie de regresso ao passado10 , começou, também, a
inBuenciar a sociedade, não só a partir dos padrões de moda que impõe como pelos estilos de vida que
organiza, principalmente naquilo que diz respeito à gestão do tempo livre, à educação d~e ao
interesse pelos grandes ou mega-eventos desportivos 11 .
Por isso, nas duas últimas décadas o desporto tem vindo a deixar de ser gerido por dirigentes
diletantes que se envolviam no desporto por motivos exclusivos de satisfação pessoal, para passar a
sê-lo por empreendedores e gestores numa lógica de desenvolvimento social ejou económico.
Como vimos nas candidaturas de Londres, Paris, Moscovo, Nova Iorque e Madrid à organização dos
jogos Olímpicos de 2012, a decisão de candidatura não aconteceu por mero capricho de qualquer
dirigente em busca de protagonismo. A decisão aconteceu porque houve uma mobilização dos
governos e, como se pôde verificar pelos respectivos sites na Internet, foi também idealizada toda
uma estratégia de desenvolvimento económico e social dos países e das respectivas cidades.
Aquilo que hoje nos apercebemos acerca desta actividade que se organiza à escala planetária é
que é o produto final dum processo iniciado há muito tempo, em nossa opinião há alguns milé-
nios, processo esse em plena evolução, provavelmente interminável, tal e qual uma história sem
fim, num perpétuo evoluir, em busca de novas ideias, novas sensações, novas práticas e novas
dinâmicas sociais e, em consequência, de novos projectos de desenvolvimento humano. Se o des-
porto, hoje, já não é o que era, podemos com a mesma certeza afirmar que o desporto de amanhã
não será, certamente, aquilo que hoje conhecemos. Portanto, se é necessário compreender o des-
porto que temos a partir das suas raízes que, numa perspectiva antropológica, se prolongam até
aos tempos mais recônditos da história da humanidade, é também muito importante tentar com-
preender as grandes tendências que organizam o desporto do futuro e o projectam neste novo
milénio. Descobrir as raízes do desporto, as suas origens, os seus ritos e as suas identidades é
11
compreender a própria vida, na medida em que sendo o desporto um testemunho vivo dos nossos
ancestrais ele deve também de ser entendido como a mola primordial da civilização.
10
Veja-se, por exemplo, os grandes festivais atléticos Pan-helénicos que organizavam a vida social (cf. Pereira, Maria Helena
da Rocha).
11
A este respeito temos eventos, grandes eventos e mega-eventos desportivos. O evento desportivo tem um carácter local,
uma dimensão limitada, podendo ou não ser internacional, por exemplo, a Meia Maratona de Lisboa. O grande evento
desportivo é uma realização de ordem internacional em que está em causa uma única modalidade, por exemplo, o Euro
2004. O mega-evento é uma realização desportiva de nível internacional composta por várias modalidades desportivas,
por exemplo, os jogos Continentais (jogos Asiáticos) ou os jogos Olímpicos.
Caos e o Ambiente [ 33
Mudança social
Têm sido diversos os investigadores que se têm dedicado ao estudo dos processos de mudança
social. Robert Nisbet (1969), um dos primeiros a abordar esta questão, identificava a mudança socia l
com a própria história. Dizi a ele que não pode haver reflexão, teoria ou in vestigação sobre a
mudança socia l que se distinga da história. Ortega y Gasset (1988) afirmava que cabia ao historiador
a profecia. Para ele, a história só tem valor científico desde que torne a profecia possível. O historia-
dor é um profeta ao contrário. "Compr~e ndemos historicamente uma situação quando a vemos sur-
gir necessariamente de outra anterior", diz-nos Ortega y Gasset em E/ Tema de Nuestro Tiempo.
Nesta perspectiva, para os hi storicistas, organizar o futuro, quer dizer, prever, é pôr a história a
andar ao contrário . Só que, como muitos outros autores afirmam, a investigação não acaba na histó-
ria, pelo que têm de ser consideradas diferentes perspectivas de aná li se provenientes de diversos
saberes, entre eles a economia, a sociologia, a gestão ou a estratégia. Assim, Max Weber (1864-1920)
acentu a o carácter necessariamente relativo que a história confere a toda a fi losofia e a todo o conhe-
cim ento, vendo nela um limite para a va lid ade das manifestações do espírito.
A miséria do historicismo
Numa posição mais radical, e partindo da id eia de que "o passado não fala por si só" (the past
cannot speakfor itselj), o historicismo foi criticado por Karl Popper com um escrito datado de 1957,
intitulado Miséria do Historicismo. O problema é que se a história não se repete com exactidão, o
futuro também não surge exactamente por acaso.
AGONGD-03
ri rr
34 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Vamos tratar as questões relativas à mudança social tendo em co nsid eração seis perspecti vas
fundam enta is:
1. Forma; 4· Cená rio s;
2. Conteúdos; S· Atitud es; (
3· Factores; 6. Co nsequ ênc ias .
3.1 Forma
O passado não nos dirá o que temos de fazer mas o que
temos de evitar.
Ortega y Gasset
O desenvolvimento e a conseq uente mudança socia l, segu ndo Thomas Kuhn (1970), obedecem,
em geral, a um processo que se dese ncadeia er:n três fases:
1. Ciência normal;
2. Revo lu ção;
3· Nova ciência normal.
Nesta perspectiva trifás ica existe uma interpretação de sco ntínua e con flitu al do desenvo lvi -
mento. De facto, na prim eira fase referida pelo autor, a de ciência norm al, o paradigma vigen te
ca ra cteriz ado pelo co njunto das orientações teóricas em voga, com maior ou menor coerênc ia,
serve de quad ro de referência à co muni dade li gada a um a dada di sc iplin a ou ramo da actividade
cie ntífica. A esta fase segue-se um a outra (revo lução), em que co meçam a ser detectadas no sis-
tema anoma lia s, turbul ência s, se qui sermos utilizar a terminologia de Charles Handy (1994). Neste
se·gund o mome nto id entifi cam-se facto s e circun stâ ncia s que já não se enquadram na norma do
paradi gma dom in an te. Começa-se mesmo a verifi car con trad ições nas teorias até então acei tes.
Aquilo qu e existe aind a nã.o é posto de lado de forma abrupta, oo enta nto, também já não é total-
mente ace ite de forma perfeita mente ass umida. A teo ria domin ante leva tempo a se r alterada, por-
que os seus defensores mais acérrim os têm interesse em manter o paradi gma anti go, como nos
diz Ray mond Bou don (1990), esforça nd o-se por supera r as anoma li as de forma a, de algu ma
man eira, darem res posta às din âmica s soc iais (l eia-se turbul ências) dese ncadeadas pe las co ntradi-
ções entre o parad igma vel ho e o paradigma novo. De "anomali a" em "anoma lia" integrada, a tur-
bu lência aumenta. O sistema co meça a ap rox imar-se ve rtigin osa mente de um po nto de ruptura. O
paradi gma velho aca bará por morrer em proveito de um novo parad igma qu e, entretanto, foi
encontrando cada vez melh ores condições de dese nvo lvim ento. Entra-se, deste modo, na terce ira
fase, denomin ada de "nova ciência norm al", em que tud o se repete . A nova ciê ncia aca bará po r se
transform ar em ciência norm al, as anom ali as surgirão, a pressão e o ca lor do siste ma aumentarão,
tudo se vai repetir no cicl o etern o da vid a, tal qu al cicl o da Natureza ond e tud o se renova ao ritmo
das qu atro estações ... , ano após ano.
Caos e o Ambiente [ 35
Tal como Thomas l<uhn (1970), a perspectiva de Charles Handy (1994), na sua "Teoria da Curva
Sigmóide" (ver quadro 2) não nos diz o que vai mudar, mas sim a maneira como se desencadeiam
as mudanças. O sigma é a letra do alfabeto grego que corresponde ao nosso (S). Representa a histó-
ria da vida, a metáfora da vida. Nascemos, crescemos, desenvolvemo-nos, entramos em declínio e,
finalmente, morremos. O que se passa com as pessoas, passa-se, também, com as ideias, as organi-
zações e até com os próprios impérios e civilizações.
Queda de impérios
O império soviético, depois de crescer e de se desenvolver, atingiu um apogeu que não resistiu
às contradições internas e às pressões e ameaças externas. Em conformidade, desmoronou-se sobre
si próprio como tivemos a oportunidade de assistir em 1989, com a queda do Muro de Berlim e a
desagregação da União Soviética e dos seus países-satélites. Tal como caem impérios também
caem nações, países, organizações, filosofias e ideias.
12
l(arl Popper (1934), no livro A Lógica da Descoberta Científica, critica o positivismo em geral e, em especial, o método
indutivo em ciências naturais. Em alternativa ao "'verificacionismo" do empírico-racionalismo, ele propõe uma lógica de
"falsificabil1dade". Deste modo, reJeita o processo de indução que parte da análise dos factos para construir a lei geral,
para desenvolver um modelo hipotético-dedutivo em que as teorias são validadas ou não, enquanto res1slirem ou não aos
testes que determinam ou não a sua falsificabilidade. Contudo, caso a teoria resista aos testes, não significa que esteja
certa em termos absolutos, apenas que pode ser aceite provisoriamente, enquanto não for substituída por uma outra que
lhes resista melhor.
36 ) Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
· Jogada de antecipação
Para Charles Handy (1994), a mudança tem de ser realizada quando se começa a compreender
que as capacidades de um dado sistema vão entrar em co lapso num futuro mais ou menos pró-
ximo. Por isso, a mudança tem de ser preparada enquanto as potencialidades do sistema, traduzi·
das pelo seu posicionamento na curva sigmóide, ainda não se esgotaram, quer dizer, enquanto
existem as energias necessárias para se iniciar uma nova curva, isto é, uma nova mudança e um
novo ciclo de vida. O problema é que, por contraditório que possa parecer, a mudança tem de se
começar a processar, precisamente, enquanto todas as informações que chegam ao sistema ner-
voso central (metáfora da organ ização enquanto sistema nervoso capaz de processar informação)
indicam que tudo está a correr bem (ponto A do quadro 2). Nada indicia, naquele momento, que
alguma coisa tem de mudar. Assim, torna-se necessária uma jogada de antecipação, sustentada na
capacidade de ver mais longe e de arriscar a mudança, enquanto ainda houver energia vital para
mudar. Até porque, se os deuses tudo podem, os Homens, na sua pequenez mundana, estão limi-
tados a ter de arriscar. Quando acontece eles arriscarem então ini ciam uma nova curva sigmóide
que significa um novo paradigma e um novo ciclo de vida.
A oportunidade da mudança
O problema é que, muitas vezes, a vontade de mudar só surge quançlo a --energia vital para a
mudança ou já é muito reduzida ou já não existe. Em consequência, a ma'rgem ·de manobra também
começa a ser mu ito limitada, pelo que tudo acaba por ser muito mais difícil (ponto B do quadro 2).
Por isso, se uma dada situação atingir o ponto B da curva, é necessário um esforço cons iderável que,
numa atitude diferente, poderia ser rentab ilizado de uma forma mais eficaz e com maiores provei·
tos. Quando se está no ponto B tudo é mais difícil na competição pelo futuro, desde a mobilização
das pessoas até à obtenção dos próprios recursos, ou, mais grave ainda, da própria vontade para
mudar. A arte está em começar a mudança no ponto A de forma a que sejam os próprios interessa-
dos a controlar as condições de mudança em vez de serem controlados por elas.
, A resistência à mudança
O renascimento do desporto
Por tudo isto, questionar hoje o desporto, a sua organização e as práticas desportivas é, antes de
mais, criar as cond ições para que o desporto possa, mais uma vez, renascer. Isto é um trabalho a ser
Caos e o Ambiente [ 37
partilhado por todos, sem dogmas, sem preconceitos e sem ideias feitas, já que, em nossa opinião,
estamos entre os pontos A e B da sigmóide (ver quadro 2). Estamos a passar de uma prática despor-
tiva construída na base da lógica do industrialismo para uma prática desportiva que terá, necessaria-
mente, de ser organizada na lógica da civilização pós-industrial. Por isso, tal como o modelo de
treino fraccionado recusado por José Mourinho, também o tradicional Modelo Europeu de Desporto,
de configuração piramidal e corporativo, deixou de responder às dinâmicas de desenvolvimento dos
vários sectores desportivos, pelo que têm de ser idealizados e construídos novos modelos de organi-
zação e gestão das práticas desportivas que respondam às necessidades do desporto pós-industrial
e à dinâmica de participação de uma sociedade aberta.
O problema actual do Modelo Europeu de Desporto tem sobretudo a ver com o facto de o des-
porto federado, durante os três primeiros quartéis do século XX, ter sido desenvolvido numa lógica
corporativa de prática desportiva amadora e numa dinâmica organizacional de promoção social.
Hoje, o desporto federado está a ser desenvolvido numa lógica económica de prática desportiva
profissional e numa dinâmica organizacional de gestão de negócios. Em conformidade, estão sub-
vertidos os princípios, os valores, os objectivos e as estratégias do modelo inicial. Consequente-
mente, as contradições estão a evoluir inexoravelmente para níveis de ruptura, como se pode verifi- '
car em modalidades como, por exemplo, entre outras, o andebol ou o futebol, sem que os poderes I
públicos ou de direito privado demonstrem qualquer capacidade para alterarem o processo a cami- •
nho da ruptura total.
Este é outro autor que, no final do milénio passado, também abordou a problemática da transfor-
mação e da mudança social sob o ponto de vista da sua forma. Toffier vê a história como uma "suces-
são de vagas" e pergunta aonde é que cada uma das vagas conduziu os destinos da humanidade.
A 1. 3 vaga
Há cerca de dez mil anos iniciou-se um processo que é hoje conhecido pelo nome de revolução
agrícola. Este processo desencadeou transformações radicais na vida das populações, já que as
fixou a um local certo. As populações deixaram de ser nómadas para passarem a ser sedentárias.
Desenvolveram-se novos sistemas de organização social que se prolongaram até ao surgimento da
segunda vaga de mudança, a revolução industrial. Antes da primeira vaga de mudança, os seres
humanos viviam em pequenos grupos, as hordas, frequentemente migratórias, que subsistiam da
caça, da pesca e da pastorícia. As l:10rdas existiam isoladas. Vagueavam anos e anos sem se encon-
trarem umas com as outras. O número de indivíduos da espécie humana era muito reduzido em
todo o planeta. As condições de vida eram terríveis. Só subsistiam os mais fortes, quer dizer, os
que melhor se adaptavam, ou, segundo outros, aqueles que eram bafejados pela sorte do acaso.
Entretanto, surgiu um período em que as condições de vida melhoraram. A mãe Natureza foi fértil
e a pressão da luta contínua pela sobrevivência tornou-se mais suave. Em consequência, a espécie
humana viveu um período de grande reprodução. A população cresceu. O corpo social adquiriu for-
mas mais estruturadas e organizadas. Como refere Jorge Crespo (lS87), "o jogo e o trabalho forma-
vam uma unidade dialéctica, integrando as dimensões utilitária e de prazer ... ".
38 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Entretanto, as hordas passaram a contactar das mais diversas maneiras umas com as outras.
As condições favoráveis permitiram, ainda, que as hordas encurtassem as deslocações e aumentas-
sem os tempos de repouso. Já não eram necessárias tantas deslocações. As hordas sedentariza-
ram-se e transformaram-se em tribos. Deste modo, ficaram criadas as condições para que a huma-
nidade desse mais um passo no caminho do seu desenvolvimento. Durante esta pequena
descrição que Ortega y Gasset (1987) nos relata em A Origem DesportitJa do Estado, em algumas
páginas e alguns minutos de leitura, passaram-se, entretanto, alguns milhares de anos.
Ortega y Gasset vê na dinâmica de organização social a partir de grupos etários a origem do
Estado que encontrou as suas condições de desenvolvimento precisamente no grupo (clube) dos
jovens. Daí o autor defender a "origem desportiva do Estado". Nesta perspectiva, o princípio da
organização do Estado assentou na idade, ao contrário daquilo que defendem os marxistas que
entendem a dinâmica social através de uma organização de grupos económicos e sociais e na luta
de classes.
Ortega y Gasset (1987) coloca ainda as coisas na "pequena grande" questão que está em saber
onde é que tudo começa? Onde é que começa a actividade humana> No lazer ou no trabalho? Quer
dizer, no desporto, isto é, na cultura (entendida esta como uma forma superior de lazer e de des-.
porto) ou no trabalho? John Hoberman (1984) denominou a esta questão "a dialéctica trabalho-lazer e
as origens da ideologia", no segundo capítulo do seu livro Sport and Politica/ ldeology. A resposta
coloca uma separação entre uma corrente liberal de ver o fenómeno desportivo e uma perspectiva
marxista que o vê ao serviço da classe dominanteD Para os liberais, na linha de Ortega y Gasset, o
lazer é o acto espontâneo e criador e, por isso, a categoria fundamental da vida. Pelo contrário, para
os marxistas, a categoria fundamental da vida está no trabalho. Álvaro Cunhai, em entrevista à revista
Expresso (20/4/1996), dizia: "Nós os marxistas dizemos que o género humano começou a ser género
humano no dia em que o Homem produziu os seus instrumentos de trabalho".
Segundo Allan Guttmann (1978), as mais diversas modalidades desportivas e suas especialida-
des, como a corrida, o salto, os lançamentos, a luta, estão tão próximas das ancestrais actividades
relacionadas com a caça e a guerra que podem ser considerados como actos espontâneos e criado-
res da luta pela vida, que podem também ser considerados como derivantes mais ou menos direc-
tas do "processo de produção".
13
Ver Jean-Marie Brohm (1972) Sociologie Politique du Sport, Par·is, Maspero. Este trabalho, segundo nota do autor, foi, pela
primeira vez, publicado em 1966. Em Portugal foi publicada uma tradução em 1974, editada pela Delfos. De notar que,
independentemente de lerem passado 40 anos, ao contrário de muitos arrependidos que em Portugal e por esse mundo
fora se entregaram às delícias do mercantilismo neoliberal em que o despmlo, como se vru entre nós durante o Euro
2004, e no Mundial 2006, foi utilizado como um instrumento de alienação de massas, Jean-Marie Brohm contrnua a
manter uma coerência intocável no que diz respeito à análise social, numa perspectiva marxista, o que não significa
comunista, que faz do desporto e das suas instituições que vão desde o mais pequeno clube ao Comité Olímpico Interna-
cional, enquanto "aparelhos ideológicos do Estado". Tiramos o chapéu à sua coerêncra. Com uma vasta obra publicada
ao longo de mais de 30 anos, o seu último trabalho surgiu recentemente na revista 11/usio, n." 1, Junho de 2004, dedicada
aos Jogos Olímpicos, com um artigo intitulado "Critque de L'lllusion e lllusron Critique". Hoje, os nossos coraJosos mar-
xistas do 25 de Abril, que se entregar'am ao bacanal das mordomias do neoliberalismo tantas vezes selvagem, sem se
aperceberem de que não tinham necessidade de renegar o passado, deviam voltar a ler Jean-Marie Brohm. Se não acredi-
tam comecem por ler o padre jesuíta francês Jean-Yves Calvez, um dos primeiros teólogos a debruçar-se sobre l<arl Marx,
que nos diz que o pensamento do velho filósofo da economia política ainda está, de muitas maneiras, actual. Muito
embma a situação a que se referenciava Marx fosse bem diíerente da de hoje, a análise que fez da economia e a crítica ao
capitalismo permanecem válrdas. No livro Mudar o Capitalismo, Jean-Yves Calvez defende que "é possível encontrar
meios para tornar o capitalismo mais igual e menos divisor da sociedade". A diíerença em a Marx é que ele
achava que o capitalismo era incapaz de tirar as pessoas da miséria, hoje sabemos que, de facto, é o único modelo eco-
nómico conhecido com possibilidades de o fazer se estiver imbuído de um sentido ético de desenvolvimento.
Caos e o Ambiente [ 39
Muito provavelmente, hoj e es tamo s perante um a si tua ção de pré-conflito interge racional. O fim
do Estado-Provid ência e a crise do emprego estão a co nduzir a sociedade nos países des envolvidos
a um a situação em que um a geração bem instal ada na vida está a coarctar as possibilidades de afir-
mação e desenvolvimento às ge rações que a antecedem . Tal co mo afirma John Rawls (1997), "a
ideia estruturante fundam ental da ju sti ça como equidade, de aco rdo com a qual todas as outras
ideia s básicas são sistemati ca m ente li gadas , é a da socied ade co mo um sistem a eq uitati vo de coo-
pera ção ao lon go do tempo, detendo um carácter interge racional" .
A 2.• vaga
A exp ressão revolução in du strial fo i usada pela primeira vez no início do sécul o XIX em França ,
por analistas franceses ao referirem- se às transformações eco nómi cas de raízes profunda s que
estava m a acontece r em In glaterra, po r comparação co m a revo lução política de 1789, em França.
O term o revol ução industrial descreve as mudan ças hi stóricas acontecidas com a passagem duma
sociedade de economia tradi cio nal para uma outra de economia indu stria lizada, pelo extraordinário
au mento da produção per capita, tornada possíve l pela mecanização do trabalho rea li zado nos
ca mpos e nas fábri cas. Foram esta s mud anças que torna ra m possível a organização do despo rto
moderno que se co nfi gu rou à im age m e sem elh ança do próp ri o indu striali smo (Volpicelli, L. , 1967).
Os doi s principais critérios para a defini ção daquilo que foi a revo lu ção indu stri al são:
De facto, o desenvolvimento económ ico obrigou a tran sformações na estrutura e na din âm ica da
socied ade, o que permitiu m elhorias signifi cativas na eficiên cia do sistema social que se traduziu no
au mento da produti vidad e e no co nseq uente aumento do rendimento per capita. Os níveis médios
de crescime nto de 2 ou 3 por cento ao ano aumentaram de uma maneira exponencial, possibilitando
a existência de condições para as mai s diversas transforma ções sociai s, do sexo ao desporto , como
refe re Alvin Toffler (1980).
Segundo Peter Mathi as (1993), a parte final do sécul o XV III foi um ponto de viragem a longo
prazo. De facto, fo i na época da In glaterra vitoriana (1837-1901) que começaram a ser constru ídas
as co ndi ções económ icas e soc iais que poss ibilitaram o arranque do desporto moderno du rante a
segunda metade do sécul o XIX. O desenvolvimento não é lin ear nem uniforme, pelo que em vários
países e regiões ai nd a hoje se proc ura cri ar cond ições idênticas àquelas que permitiram a fase natu-
ral de arranqu e da eco nomia no século XV III na Grã-Bretanha. Em co nform id ade, diferentes níveis
de dese nvolvi mento eco nómi co e social impli cam à esca la do planeta, em diferentes reg iões , um a
simultaneidade de vagas civi lizacio nais. Quer dizer que, hoje, coexistem populações a viver quer na
prim eira quer na segun da ou na terce ira vagas de mudança. Isto significa que para cada caso espe-
cífico é necessário enco ntrar as co ndi ções próprias para o desenvolvimento do desporto que não
podem ser ignoradas sob pena de se gastarem inutilmente recursos que serão se mpre escassos.
Ruptura espácio~temporal
A sociedade indu strial , co m os novos meios de co muni cação , tal como o co mboio, as viaturas e
os aviões, descontextualizou o es paço do tempo (ver quadro 3). O tempo de um determinado loca l
deixou de existir especifica mente em relação a esse loca l, para passar a ter significado e portanto a
existir em relação a espaços muito maiores. Quer dizer, a lógica do tempo separo u-se da lógica do
es paço, na medida em que os dispositivos de ordenamento espácio-temporal (David Harvey, 1989)
adquiriram coe rências qu e ultrapassaram as dinâmicas loca is. Pel a separação entre o tempo e o
es paço, os gran des e os mega-eventos desportivos cortaram radicalmente as li gações exclusivas a
um determin ado local para passarem a ser eq uacio nados a um a dim ensão global ou em rel ação
àq ueles que estão di spostos a paga r a contextu alização (sincroni a) do eve nto ao seu próprio espaço
geográfico. Este fenómeno da globalização permitiu que as organizações do mund o moderno adq ui-
rissem capacidade para li gar o loca l ao global, afectando deste modo a vid a de milhões de pessoas.
Os Jogos Olímpicos e os ca mpeo natos do Mundo e Regionai s co ntêm em si essa capac id ade, por-
ventura potenci ada à esca la máxim a, de descontextua liza rem o espaço do tempo.
Sistemas periciais
Os siste mas periciais pretendem simul ar o pensamento de um perito hum ano. O primeiro sis-
tema perici al, o DENDRAL, fo i cri ado em 1985 por Edward Feigenbaun. Os elementos fundamen-
ta is para a comp ree nsão dos age ntes inteligentes ou sistemas periciai s são a representação de
co nh ecim entos, a procura, o raciocínio e a re solu ção de problemas. O conhecim ento é a base dos
nossos raciocíni os. Pensamos manipulando símbo los. Será que pensaríamos se não poss uíssemos
uma estrutura conceptual que nos permite co locar o importa nte em ev id ência e escolh er de acordo
co m as operações que realizamos 14 . Os regulamentos unive rsa is- do Com ité Olímpico Inte rn ac io-
nal e das Federações Internaciona is- que nas mais diversas áreas do conhecimento e tecnológicas
permitem orga ni za r os Jogos Olímpicos, são meios de distanciamento espác io-tempora l, quer
dizer, "si stemas periciais" (Anthony Giddens, 1996). que poss ibili ta m organ iza r um modelo de
14
O DENDRALfoi o primei ro sistema pericial ou 'à base de co nheci mentos' a ser criado, em 1985, por Edward Feige nbaum.
O programa dividia-se em três partes: a base, ou armazém de conhecimentos, que continha todas as informações do pro-
grama; a base de factos, que armazenava os dados do problema corrente (memória de trabalho); e o motor de inferências,
que seleccionava e validava as regras para a resolução do problema, operando entre a base de factos e a base de conheci-
mentos (http:f fwww.c iti.pt/) .
Caos e o Ambiente [ 41
compet ições para além dos amb ientes particulares das actividades físicas e recreativas loca is. Por
isso, os regulamentos estabe lecem o corte espácio-temporal entre a tradição e a modernidade, na
medida em que ao determinarem uma incisão com o passado fazem com que "a apropriação refle-
xiva do conhecim ento possa ser diferenciada da tradição". Em suma, o indu strialismo estabeleceu
uma separação em relação ao conhecimento tradiciona l, em benefício do conhecimento sistemati-
zado e obtido por processos científicos. Deste modo, o desporto transformou-se, na sua plenitude,
num produto acabado da modernidade.
Esta vaga é caracteri zada, fundamentalmente, pelas tecnologias da inform ação e da comunica·
ção. Devido a elas, a escala do planeta reduziu-se, possibilitando estabelecer eficientes sistemas de
comun icação em tempo real, entre pessoas ef ou organizações, pelo que toda a lógica do desenvolvi-
mento das práticas desportivas também se está a alterar. É um novo salto qualitativo, diferente
daquele que foi dado da primeira vaga para a segunda vaga. Na sociedade agríco la, o espaço e o
tempo estavam contextualizados a um determinado loca l aonde as pessoas viviam. Assim, o espaço
e o tempo tinham um determinado sign ificado, um em rel ação ao outro. Na 2." vaga, com a evo lu-
ção dos transportes, o espaço foi descontextualizado do tempo (ver quadro 3). Com a 3. 3 vaga, e a
consequente evolução das tecnologias da informação, o espaço e o tempo voltaram a estar contex-
tualizados na medida em que o fenómeno da globalização, por via de um sa lto qualitativo das tecno-
logias da informação e da comunicação, atribuiu novamente significado espacial ao tempo, só que,
desta vez, a uma esca la global (Giddens, Anthony, 1996). Hoje, o tempo considera-se à esca la do
planeta, como se pode verificar, por exemplo, na rea lização dos grandes e mega-eventos desportivos,
tal como os Campeonatos do Mundo, os Regionais ou os Jogos Olímpicos. Como se viu durante os
Jogos de Atenas, hoje vivemos um novo tempo, o tempo da Internet, em que os resultados desporti-
vos foram acompanhados em tempo real por todo o mundo bastando para isso a existênci a de um
computador e uma vu lgar linh a telefónica. Todas as competições aconteceram em todos os lu gares
ao mesmo tempo, desde que existisse um computador ligado à Internet. Na sua essência, o tempo
triunfou sobre o espaço de tal maneira que o fabricante de relógios Swatch criou uma nova unidade
de tempo à esca la global- o "Swatch Beat" -que eliminou os tradicionais fusos horários. A Swatch
dividiu o dia em 1000 unidades de tempo e criou um novo meridiano de referência, o meridiano de
Biel (local onde a fábrica da Swatch está loca lizada na Suíça), de maneira a que o tempo Internet
Aescala do planeta
O jogo da final do Euro 2004, entre Portugal e a Grécia, foi seguido por uma audiência total de
cinco milhões de portugueses e entre 130 e 150 milhões de pessoas em todo o mundo. Na Grécia, o
número de espectadores do desafio ultrapassou os três milhões e, na Alemanha, atingiu os 25,4
milhões. No Reino Unido, o jogo mais visto foi o que opôs a Inglaterra "a Portugal, acompanhado
por 20,7 milhões de telespectadores. Um estudo apresentado pelo grupo "lnitiative", em Julho de
2004, e realizado em 52 pafses, revelava que cada jogo do campeonato europeu foi visto por uma
média de 8o milhões de pessoas. Os dados indicaram também um crescimento de 20 por cento
(400 mil pessoas) face às audiências do Euro 2000. Os 31 encontros do campeonato, realizados
nos meses de Junho e Julho, foram seguidos por uma audiência global de 2,5 mil milhões de espec-
tadores, de acordo com a mesma análise (in Público, 16j1oj2oo4)- De facto, hoje, o desporto em
geral, e o futebol em particular, acontecem à escala do planeta.
42 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
passe a ser comandado pela hora de Biel. As pessoas, em vez de se encontrarem ao meio-dia não se
sabe de que loca l, passam a marcar o encontro para as @soo Swatch Beat, que é o tempo Internet
contextua lizado à esca la do planeta. A Swatch já começou a produzir relógios com esta nova escala
de tempo mundia l.
Corte
A mudança socia l tem vindo a acontece r ao longo dos tempos, assumi ndo uma forma a que os
diversos autores chamam vagas ou sigmóides de mudança. Cada vaga ou sigmó id e apresenta
determinados conteúdos organizacionais que caracteriza m a mudança em marcha.
Do mesmo modo, ao longo da hi stória da humanidade, as actividades lúd icas têm tido diversas
características pelo que não podem ser categorizadas da mesma maneira. Os cortes, ou vagas,
acontec id as dé período para período, provocaram transformaçõe s de tal ordem que, segu nd o
alguns autores, não é legítimo, por exemplo, procurar na Antiguidade grega as origens do desporto
moderno, dando a id eia de que o desporto existiu desde sem pre (Pociello, Christien, 1991). Na rea -
lid ade, na nossa perspectiva, tendo em cons id eração a ideia da curva sigmóide ou da s vagas de
mud ança, o desporto, no tempo dos Gregos, pode ser entendido como uma vaga ou um sigma
anterior a outros, que serve tanto para justificar como para melhor entender o desporto que hoje
existe. Somos mesmo de op ini ão de que sem se ir efectivamente às origens do des porto é difíci l,
senão impossível, compreender a estrutura e a dinâmica do desporto moderno.
15
O desenvolvimento da desporto em Portugal arrancou na segunda metade do século XIX com um período denominado
de "aeróbio, lúdi co informal" (Pires, Gustavo, 1985), que decorreu até 1900. Foi caracterizado por um tipo de activid ades
que constituiu a génese das práticas desportivas que hoje conhecemos. Eram os jogadores ou "lutadores que disputavam
as primeiras partid as ou "ensaios" (Barros, 1958). Eram os "businessmen" que, nas suas horas de lazer, se transforma-
vam em "sport-men", em "club-men", em "veloce-men", em "record-men", em "yacht-men". Duma forma ecléctica foram
os protagonistas e predecessores da organização do desporto em Portugal. Muitas vezes, os diversos estatutos de prati-
cante, técnico e dirigente eram ass umid os duma forma natural pela mesma pessoa. Por isso, este período tem mais a ver
com os protagonistas do que propriamente com as estru turas de organização institucionalizadas. Eles foram os actores,
as figuras principais, os primeiros planos, os cabeças de cartaz que tanto podiam ser oriundos dos salões da nobreza
como de grupos de circo , como, ainda, da média e alta burguesia, principalmente das cidades de Lisboa e do Porto.
"Entre a minguada co horte de gymnastas amadores de circo encon trou -se um (Luís Monteiro) que pensou mais seria-
mente no caso, teve curiosidade de saber o que se fazia de gymnastica na Alemanha, na Inglaterra, na América, e já bas ·
tante em França e na Hespanha, e ficou maravilhado da consideração que por lá merecia a arte que Li sboa cons id erava
primitiva dos saltim bancos - fez-se professor de gymnastica". "Foi em 1862, no gymnás io do Instituto Industrial, que
começou a sua carreira. Em 13 de Maio de 1865 abria um curso de gymnastica hygiénica na Escola Académica. Acabou
por ser nomeado professor do Colégio Militar." (Pontes, José , 1934)
Caos e o Ambiente [ 43
Novo paradigma
7
Novo paradigma
+ Novo paradigma
-
1\l
u
o
Vl
o
.....
u
1\l
a.
E
Crescem
Zona de turbulência
Nascem
Morte
Paradigma do Circo Paradigma da Ginástica Paradigma da Educação Física Paradigma do Desporto Paradigma 7
É desconhecida a origem dos jogos Olímpicos. No entanto, segundo a mitologia grega, ficaram
a dever-se a Héracles, filho de Zeus. Para Homero, os jogos tiveram início cerca de 1370 a. C. em
Olímpia. Inicialmente constavam apenas de uma corrida em que participavam os adoradores de
Zeus. Aquiles, herói de Tróia, teria começado a organizar os jogos em honra do seu escudeiro,
Pátroc/o. Nestes jogos, já se incluíam corridas de quadriga, luta e lançamento do dardo. Contudo,
no aniversário da morte de Pátroclo, chegava-se ao exagero da celebração da violência através da
inclusão nos jogos de combates de morte. Por exemplo, o pancrácio era uma luta mortal em que
se permitia estrangular o adversário, partir-lhe as pernas e os braços e até arrancar-lhe os olhos.
Nos primórdios dos jogos a violência e a crueldade ia ao ponto de sacrificar e devorar uma criança.
A serem verdadeiras as descrições do poeta, os gregos antigos não eram mais civilizados do que
outros povos.
Hans-Georg Gadamer (igoo-2002), na obra Verdade e Método, cuja edição original surgiu em
1960, procura encontrar no Homo Ludens de Johan Huizinga (1872-1945), o momento lúdico que é
intrínseco a toda a cultura, estabelecendo a correlação do jogo infantil e animal com os "jogos
sagrados" do culto. O jogo nasce na área do culto, que, por sua vez, acontece num espaço onde se
reconhece de antemão uma autoridade superior, por parte daqueles que praticam o culto. Mas
Gadamer ultrapassa a visão de Huizinga, pois para ele já não se trata de argumentar que o jogo
antecede a cultura, até porque os animais não pediram autorização aos Homens para brincarem, ele
vai mais longe e assume o verdadeiro mistério de que o jogo é portador, ao afirmar que é o fio con-
dutor da explicação ontológica. Deste modo, o jogo é elevado à máxima potência, na medida em que
44 ] Agôn I Gestão do desporto 1O jogo de Zeus
é co nsiderado como modelo estrutural para a compreensão do ser hum ano em todas as suas acti-
vid ades, da reli gião à econom ia, do sexo à guerra, da arte ao desporto. "Deus brinca. Deus cria,
brin cando. E o Homem deve brincar para levar um a vid a humana, como também é no brincar que
encontra a razão mais profunda do mistério da realidade, que é porque é 'brincada' por Deus." O
brincar é necessário para levar um a vida humana, dizia S. Tom ás de Aquino . Assim, o jogo não é
en tendido como um método, quer dize r, um cam inh o para chegar a um determinado fim, mas um
modelo estrutura l segundo o qual é possível expli car o sabe r filosófico da própria vid a.
O jogo despontou num tempo e num espaço de cu lto, que, por sua vez, aconteceu num ambiente
social onde aqueles que o praticavam reconheciam à partida uma autoridade superior e, muitas vezes,
essa autorid ade superi or correspondia às próprias forças inexplicáveis da Natureza. O Homem primitivo
procurou, através do mito, compreender o mundo dos fenómenos, atribu indo-lhes um fundamento
divino. Para tal socorreu-se do jogo, que já fazia parte dele. Na mitologia há um espírito fantasista que
joga no extremo limite entre a brincadeira e a seriedade. Os sacrifícios, os ritos sagrad os, as consagra-
ções dos rituais de iniciação e passagem e os mistéri os das sociedades primitivas tinham por função
assegurar a ordem e a tranqui lidade do mundo dentro de um espírito de puro jogo.
Descobrir as raízes do desporto, as suas ori gens e as suas identidades, é compreende r a pró-
pria vid a, na medida em que o desporto é um testem unho dos nossos ancestra is. As figuras dese-
nh adas nas cavernas li gavam -se a ritua is de caça, abrindo um espaço e um tempo próprios de
acesso a uma actividade lúdi ca qu e acontecia e se prospectivava na própria vida. A experiência que
as gravuras rupestres retratam deixa-nos abso lutamente fascinados, na medida em que a partir de
um in citamento ini cial, que con du ziu o Home m à caça pe la sobrev ivência, num segund o momento
o sucesso ou o fracasso eram antec ipados através dos desenhos que, simultaneam ente, já raciona-
lizavam um jogo estratégico em relação à orga nização do devir.
Educação desportiva
Também os gregos antigos não deixavam os jogos por mãos alheias. Segundo Werner Jaeger
(1888-1961), na obra Paideia: a Formação do Homem Grego, publicada pela prim eira vez em 1934,
toda a cu ltu ra superi or surge da di ferenciação de classes socia is que dá origem à diferença de va lores
esp irituai s e corpora is dos indi víduos . Nestes termos, a educação entre os gregos era uma questão
centra l expressa na "areté" ," enqua nto co nceito formulado e exp li êitado nos poemas hom éri cos que
nas suas origens exprimi a o ideal educativo grego. A "areté" era entendida como um atributo próprio
da nobreza, um conjunto de qualidades físicas, espi rituais e morais tais como a bravura, a coragem,
a força, a destreza, a eloquência, a capacidade de persuasão, em suma, a heroicid ade. Mais do que
honra e glória os gregos pretendiam alca nça r a excelência moral e fís ica. Para ati ngir estes objectivos
existia um programa educativo co nstituído por dois elementos fundamenta is: a música, a leitura e o
ca nto para o desenvolvimento da alma, e a ginástica para o desenvolvimento do corpo . No final da
época arca ica o programa educativo completava-se com a gramática. A partir do século V a. C., a
educação, para além de formar o homem, devia aind a formar o cid adão. Ass im, a antiga educação,
baseada na gin ástica, na música e na gramáti ca, deixou de ser suficiente pelo que surgiu o novo id ea l
ed ucativo grego, a partir do conceito de "paideia", enquanto formação geral que tinh a por missão
construir o homem como homem e como cidadão. Ainda segundo Werner jaeger, Platão definia
"paideia" como a essência que dá ao homem o desejo e a ânsia de lutar para se tornar um cidadão
perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo como fundamento a ju stiça . Ao cultivare m o gosto
Caos e o Ambiente [ 45
pela luta os gregos desenvolviam o talento e a vocação através da competição, o que fez deles peda-
gogos tremendamente eficazes, porque a competição "desencadeia o indivíduo" ao mesmo tempo
que o reprime, segundo o jogo sagrado das leis eternas.
"Agôn"
"Areté"
opostas. Uma delas é cruel, fomenta a má guerra e a discórdia, "nenhum mortal a deve tolerar",
comenta o filósofo do super-homem. E continua, esta Éris, que é a primogénita, deu à luz a negra
noite, pelo que a ela se ficam a dever os atributos de inveja, rancor e cobiça, na medida em que con-
duz os homens a "lutas malignas de extermínio uns contra os outros". O desporto moderno, ao
entregar-se ao deus Hermes, corre o risco de passar a ser dominado por esta má Éris. A outra Éris,
segundo Hesíodo, foi dada por Zeus aos homens. "Ela move ao trabalho até o homem desajeitado,
e aquele que nada possui repara noutro, que é rico, apressa-se, do mesmo modo, a semear e a plan-
tar e a governar bem a sua casa; o vizinho rivaliza com o vizinho que procura alcançar a prosperi-
dade. Por isso, quanto mais nobre for um grego, tanto mais viva será a chama da amb ição que dele
irrompe, consum indo todo aquele que cruze a sua trajectória" (Nietzsche, 2003). Esta segunda Éris
é boa para os homens na medida em que os adverte do carácter efémero do seu destino. Nesta pers-
pectiva, a predisposição para a competição não se circunscrevia apenas às actividades físicas. Ela
projectava-se nos jogos, na política, nas artes, no trabalho, onde cada um procurava vencer os adver-
sários à altura de si, de maneira a dar um eterno prosseguimento à vontade de competir. Assim, os
gregos superavam a má Éris, representada pelos impulsos de aniquilamento e de morte. Na busca
do ideal de excelência procuravam evitar o excesso, o orgulho, a insolência, a violência desmedida, a
que chamavam "hybris", pelo que a boa Éris va lorizava o comedimento próprio da excelência que
integrava a visão que tinham do mundo. E assim, nas palavras do filósofo, "cada grego ilustre pas-
sava a outro o facho da competição porque cada grande virtude excitava uma nova grandeza" .
Demónio de Sócrates
A excitação enquanto cond ição inicial da acção humana é o tema centra l da filosofia de Nietzsche,
ao que ele designou pela metáfora do "Demónio de Sócrates". Na sua obra A Origem da Tragédia
escrevia: "Uma chave para decifrar a natureza de Sócrates consiste nesse curioso fenómeno conhe-
cido como o 'demónio de Sócrates'. Em ocasiões excepcionais, quando a sua brilhante inteligência lhe
falhava, encontrava orientação numa voz divina que nesses momentos lhe fa lava. A voz adverte sem-
pre que fala. Neste homem inteiramente anormal a sabedoria instintiva surge apenas para impedir o
conhecimento consciente em determinados instantes. Enquanto em todas as pessoas criativas o ins-
tinto é a força criadora e afirmativa, e a consciência assume um papel crítico e dissuasivo, em Sócra-
tes é o instinto que se torna o crítico e a consciência se revela criadora. Uma verdadeira monstruosi-
dade per defectum l" Esta linha de pensamento, em que o que entra em primeiro lugar em jogo é a
actividade instintiva e criadora no que diz respeito a uma visão do desenvolvimento do desporto,
encontra-se em Ortega y <:;asset (1883-1955), que desde muito cedo leu a obra de Nietzsche.
Acto primeiro
que os conceitos de humanidad e e natureza não são tão antagónicos quanto os querem fazer parecer,
na medida em que as qualidades naturais e as qua lidades humanas estão inseparavelmente unidas.
Numa perspectiva ontológica, o melhor que se faz na vid a não é por imposição, como acontece com o
trabalho, mas por um impul so íntimo, um imperativo vital in scrito no nosso código genético que nos
incita a se rmo s melhores do que aqui lo que na realidade somos. No ensa io A Origem Desporti11a do
Estado, de 1924, Gasset vê no clube dos jovens, nas suas danças e cantares, nas rezas e lengalengas, na
arte da pesca e da caça, na preparação das disputas e na luta co m o outro pela conquista da mulher
não consanguín ea, a origem desportiva do próprio Estado. Cantando, dançando e reza ndo, quer dizer
joga ndo, o Homem exprime-se como elemento de uma comu nidade superi or. Em conformidade, tudo
o que é reacção a necess id ades prementes faz parte da vid a secundária. A activid ade origina l da vida é
sempre espontânea, luxuosa e de intenção supérflua. Não cons iste em suprir uma necess idade, não é
um movimento forçado ou tropi smo. A acção primei ra é liberal e imprevisível, porque natural. Foram
os comportamentos de desafio, de risco, de vertigem, de luta, de conqu ista e sobrevivência da própria
espécie que o Homem praticava na Natureza que o leva ram a engend rar mecanismos de organização
do colectivo, quer dizer, da estratégia, que configura os primórdios da orga nização social através do
"clube dos jovens" e, posteriormente, do próprio Estado. O "clube dos jovens", segundo Gasset, origi-
nava os segui ntes factores: a exogam ia e o consequente cru zamento de indivíduos não apa rentados; a
guerra e a conqui sta do outro e de outro género; a organização autoritária e a necessária lid era nça; a
disciplina do treino ou ascética enqu anto regi me de vida e de sobrevivência; a lei porqu e promotora da
ordem necessá ri a à vid a em comum; a associação cu ltura l para a prossecução de objecti vos partilha-
dos ; os festi vais de danças mascaradas para comemorar a vid a; a sociedade secreta para preservar a
solid ariedade e o fu turo. E tudo isto através da graça, do prazer, do desafio à margem da uti lidade ime-
diata. A vida propriamente dita é a de cariz desportivo, na medida em que todo o processo vital é um a
energia de sentido supérfluo. Em co nclu são, Gasset vê na incitação aq uilo que Ni etzsche via na activi-
dade in stintiva, qu er dizer, os actos primeiros da excelência hum ana.
Também para Bernard Jeu (1987), no livro Analyse du Sport, o desporto está envolto no sagrad o,
pelo qu e é necessário compreendê-lo a partir dos primórdios da própria hi stória da humanidad e,
quer dizer, do "ce nário da criação do mundo", devendo-se até co rrer o ri sco de fazer ape lo ao acto
de criação, tal co mo é repre sen tado na s reli giões pri mitivas , com o objectivo de se insistir sobre as
suas rem ini scênc ias antropológicas. Para o autor, o desporto é um res quício tribal em pl ena era do
in dustri al, envo lvendo rito s antigos, ord áli os e múltip la s represe ntações interiores que lh e conferem
·um se ntid o míti co e um a emoção pa'rt ilh ada nos grandes e mega-eve ntos despo rtivos internacio-
nais que lhe co nferem um sent id o qu ase reli gioso.
O trein o e a co mpeti ção seguem um modelo idêntico aos ritos de iniciação e pa ssagem onde o
atl eta cumpre todo um conjunto de ritu ais em qu e cada vi tória é um novo triunfo so bre a morte.
Do ponto de vis ta cul tural o desporto é visto entre dois pó los co ntrad itórios, quer dizer, entre Pín -
daro e Platão, isto é, entre o heró ico do be lo, a natureza do ri sco, dos jogos cantados pelo poeta e a
visão utilitari sta e militarista desenvolvid a por Platão na República, em que os jogos , ao tempo, tal
co mo hoje, eram um meio de que o Estado dispunha para educar e formar os ci dadãos, tendo em
vista a preparação para a guerra enqu anto produto evo luído da arte da pesca e da caça, da prepara-
ção das disputas e da luta pe lo usufruto de um território natural, promotor da vid a e garante da
so brev ivência. O des porto é paixão e emoção e, como tal, enquanto jogo, está in scrito no própri o
código genético da humanidad e qu e, através de processos de acu ltu ração, a que Richard Dawkins
(2003), no O Gene Egoísta, chama de "memes", se humaniza tendo em ate nção que o hu manismo
sem téc ni ca é pa lavreado e a técn ica sem humanismo um perfe ito absurdo.
--~-~ - - - - - - -
Homo Ludens
Nestes termos, em que o "agôn" determina a própria organização social, Johan Huizinga, na sua
obra Homo Ludens, de 1938, vê o jogo como sendo mais velho do que a cultura. O jogo não é um dos
elementos da cultura mas a própria cultura, na medida em que esta assume o carácter de jogo nas suas
relações mais íntimas entre o Homem e a Natureza. Se a cultura pressupõe uma sociedade humana, o
jogo parece estar inscrito no nosso código genético. De facto, numa perspectiva antropogenética, é
possível perceber as transformações evolutivas dos animais, que nos explicam a própria origem do
"homo ludens". Para Huizinga, que parece ter, também, sido influenciado por Nietzsche, e A Origem
da Tragédia, o jogo é uma actividade livre que se organiza à margem da sociedade na medida em que
acontece dentro de certos limites de espaço e de tempo, com regras aceites e se situa fora do interesse
material. Para ele, é no mito e no culto que se originam as grandes forças instintivas da civilização
humana, tais como o direito e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a arte, a prosa e a poesia, a
sabedoria, a ciência e a guerra. Todas elas têm as suas raízes no âmago primitivo do jogo. Econclui, "o
jogo genuíno e puro é um dos grandes pilares da civilização". Por nós, diremos que o jogo genuíno e
puro é o grande pilar da civilização. De resto, veja-se a actual situação do Irão e o problema do urânio
enriquecido: "Teerão faz jogos de guerra no Golfo Pérsico, enquanto que em Washington se fala em san-
ções e não se exclui um ataque aéreo" é o discurso da generalidade da imprensa ocidental.
A quinta dimensão
0
Competição (agôn); (2. 0 ) Sorte (alea); (3-o) Simulação (mimicry); (4. ) Vertigem (ilinx). Quanto ao
grau de disciplina os jogos são classificados: (1°) Numa abordagem mais primitiva, espontânea ou
orgânica (Paidia), como se disse, deusa do divertimento e do prazer ou; (2. Numa mais regrada,
0
)
estandardizada e burocrática (Ludus), deus do jogo e da ordem. Estas duas dimensões podem ser
· analisadas numa perspectiva sociogenésica, quer dizer, da paidia com uma forma menos sociali-
zada dos jogos, mais próxima da Natureza e típica, por exemplo, da infância, ao ludus como forma
disciplinada, socializada e sujeita a regras de comportamento estandardizadas, que originou e con-
diciona o desporto moderno. Assim, o ludus representa no jogo o elemento que, disciplinando a
paidia, tem por objectivo dar às suas características fundamentais (agôn, mimicry, alea, ilinx) a
pureza e a excelência. Neste sentido, entendemos que o ludus de Caillois assume um significado
semelhante ao areté dos gregos antigos.
Caos e o Ambiente [ 49
Surpresa
Entretanto, somos levados a questionar se, de facto, Caillois, com os seus quatro grupos dife-
rentes, cobre o espectro de possibilidades no que diz respeito às características do desporto
moderno. Quando, hoje, fazemos a análise do desporto moderno entendemos que Caillois não
considerou uma das dimensões fundamentais do jogo. Estamo-nos a referir à dimensão surpresa.
Segundo Maalke Lauwert (2005) é a "quinta dimensão de Caillois". É o "repens", para utilizarmos a
expressão latina que significa surpresa que não está contida nas quatro características (agôn, alea,
mimicry, ilinx) de Caillois. De facto, o inesperado não faz parte de nenhuma daquelas característi-
cas, no entanto, não restam dúvidas de que a surpresa é uma condição fundamental à condução da
estratégia de jogo. Ao contrário da sorte, a surpresa não faz parte do aleatório do jogo. A surpresa
caracteriza-se por ser uma opção estratégica que o jogador utiliza através de meios que têm a ver
com aquilo a que, quando tratarmos das tarefas do gestor, denominaremos como tarefas de con-
cepção (tecnologia, criatividade e prospectiva).
Quando olhamos para o mundo do futebol, podemos ver um padrão nos resultados dos jogos,
contudo, não é por isso que não existem resultados surpresa. A surpresa é, certamente, uma das
características fundamentais do jogo, que, diferentemente da simulação, que procura enganar o
adversário, tem por finalidade apanhar o adversário desprevenido, criar-lhe dilemas e frustrações.
Em conformidade, a estratégia de qualquer treinador tem de se sustentar numa estrutura de sur-
presas que deve acontecer através de um conjunto de acções programadas que, dependendo das
circunstâncias fortuitas, devem ou não ser desencadeadas antes, durante e depois do jogo. A sur-
presa pode assumir diversas formas e procurar ter diferentes efeitos. Assim, ao contrário das res-
tantes características do jogo, a gestão da surpresa apresenta-se ao gestor numa dinâmica eminen-
temente aberta e emergente.
Temos, assim, cinco grandes categorias a partir das quais, na linha de Caillois, podemos formar
as seguintes dez combinações:
AGONGD-04
50 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
A partir das comb in ações das características fundamentais do jogo podemos_.avançar para uma
ideia aberta e globa l do jogo, que cruza as mais diversas activ id ades da vid a, entre elas a gestão, em
geral, e a gestão do desporto, em particular. Na realidade, a noção fechada de jogo, como qualqu er
coisa que acontece à margem da vid a normal, parece-nos já não ser possíve l ajustar à sociedade de
comun icação de massas em que vivemos .
Auto-representação
Os jogos têm um espírito especial que os distingue entre si. O que constitu i a essência do jogo
são as disposições que preenchem o espaço lúdi co . O jogo exige o seu próprio espaço de jogo, quer
dizer, a delimitação do seu campo de jogo, como ocorre no sagrado. Jogar é jogar algo, pe lo que
cada jogo co loca uma tarefa especia l àquele que joga. Um tre inador estabelece para a equ ipa as suas
tarefas, que são as tarefas do jogo. Contudo, o verdadeiro fim do jogo não é a solução dessas tare-
fas, mas a ord enação e a configuração do próprio movim ento do jogo que se projecta nu m object ivo .
Assim, o jogo limita-se a representar-se, na medida em que o seu modo de ser é a auto-representa-
ção e a auto-rep resentação é um aspecto onto lógico universal da Natureza.
Desmond Morris (1981) .argumenta que as raízes da "tribo do futebo l" mergulham fundo nas ori-
gens mais remotas da humanidade, ao tempo em que os nossos antepassados viviam e morriam
como caçadores de anima is selvagens. Eles tornaram-se gradua lmente mais atléticos e, ao mesmo
tempo, mais inteligentes, pela necessidade de coo rd enação do trabalho em equipa que a caça lhes
exigia. Depois, através de uma liderança deli berada, concebiam estratégias, planeavam tácticas, orga-
nizavam o ataque e a defesa, montavam armad ilh as, corr iam riscos e, deste modo, garantiam a
sobrevivência e a vid a, e "ludibriavam" a morte certa. O jogo, enquanto abertura ao mundo, acto pri-
meiro, criativo e supérfiuo, continua vivo e perene na actividade de maior magia à esca la do planeta,
que é o desporto. Como refere Morris, os nossos progen itores transformaram-se de caçadores em mar-
cadores de golos. Por nós, esses marcadores de golos deviam não só estar nas equipas de futebo l,
como a liderar empresas, organismos públicos, universidades e, até, o país. É do ludus de Ca illois e da
"areté" dos gregos, enquanto busca da excelência, de que estamos a falar.
Caos e o Ambiente [ 51
3.2 Conteúdo
Muitas das grandes estratégias são simplesmente grandes
visões. E grandes visões podem ser muito mais inspiracionais
e eficazes do que o plano mais cuidadosamente elaborado.
Henry Mintzberg
Tábua rasa
Na perspectiva que acabámos de referir, fica claro que o desporto moderno, como alguns defen-
dem, não pode ser nem entendido nem gerido a partir de uma "tábua rasa", mas sobre um material
vivo e organizado nas estruturas do imaginário ancestral que está dentro de cada ser humano e através
da síntese estilizada de toda uma longa experiência comunitária. É o que Bernard Jeu (1987) chama de
"racionalidade do imaginário" que organiza as suas leis de acordo com a respectiva sigmóide ou vaga,
sem esquecer as anteriores, mas também sem deixar de considerar que já se está a idealizar e a organi-
zar uma outra, de acordo com o futuro que há-de vir.
Acreditamos, portanto, que nos tempos que correm ganham cada vez mais importância os futuro-
logistas, planeadores, prognosticadores e criadores de modelos. Dizem eles que o futuro já se encon-
tra entre nós. Para conhecê-lo basta ter bons instrumentos e boas técnicas para focá-lo e torná-lo visí-
vel. Pela modelagem do presente, através dos dados obtidos da contabilidade do passado, é possível
construir modelos preditivos (pelo menos em teoria) que desenham o(s) cenário(s) hipotético(s) do
futuro. Pensar a situação, considerar o ambiente 'de crise permanente em que vivemos e elaborar
52 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
cenários para o futuro são exercícios co m in spiração na teoria dos jogos, so bretudo na teoria dos
jogos de guerra 16 , que se têm vindo a aperfeiçoa r através da utilização de sofi sticados modelos de
decisão. No entanto, o "paradigma da in certeza", que cada vez mai s governa as ciências do comporta-
mento, da gestão e da política, coloca problemas que é necessá rio resolver antes de se ini ciarem pro-
cessos de análi se prospectiva.
O des porto, enquanto produto da indústria do entrete nim ento, está na prim eira li nha da dinâ-
mi ca socia l que hoje se vive à esca la do planeta. El e domina a matri z cultural do nosso tempo ,
naquilo que tem a ver com um a cultura dita popular. Por exemplo, Bill Gates afirmou, numa entre-
vista à "Hollywood Reporter" (1 4/10/2004), que "a TV está a mud ar e, neste momento, os eventos
desportivos val em mais do ponto de vista económico do que as notícias". E o problema a conside-
rar, como nos diz o homem mais rico do mundo, é que: "yo u real ly affect thin gs when you change
their economic sou rce", quer dizer, tudo se altera qu ando se alteram as fontes de fin anciamento.
Esta é a verdad e que está a dei xa r co mpl eta mente fora da realid ade o chamado Modelo Europeu de
Desporto. A partir do momento em qu e envolve ram as actividades despo rtivas na lógica da econo-
mi a do lu cro, as regra s passaram a ser radicalm ente diferentes. O probl ema é que os diri gentes des-
portivos e políticos parecem não ter sido aind a capazes de percebe r qu e o des porto do es pectáculo e
do entreten imento é outro paradigma. O cham ado Mod elo Europeu de Des porto, que sempre fun-
cionou à margem da economia do lucro, co m a nova situação, devido às contr~d i ções interna s acu-
mulad as, tem vindo a dese nvolver uma es pécie de "tragédia nacional" no mundo do futebol que já
está a contaminar outras modalid ades des portivas . As sim , em cada momento, é fundam ental ser-se
ca paz de perceber as mud anças soc iai s e organizacionais em curso, a partir da identificação dos con-
teúdos qu e caracte ri zam as vagas de mud ança que ocorrem ao longo do tempo .
Os autores
A perspectiva de compreender a mudança social a partir dos conteúdos tem como autores mai s
representativo s, entre outros, Jean Fourastié (1947), Alvin Toffier (1980), John Naisbitt (1988), Faith
Popcorn (1 991) , Paul Kennedy (1 993), Hamish McRae (1 994) ou Barry Minkin (1 994) . Estes autores
desenvolveram os seus trabalhos com o objectivo de ver na sociedade tendências, ou se quisermos
aplicar o termo mais querido dos h istoriadores, as leis da históri a, que permitem antever o desen ho
do futuro. Eles procuram encontrar o programa de mud ança, qu er dizer, a existência de tendências
mais ou menos irreversíveis, de modo a poderem com algum grau de probabilidad e desenh ar o futuro
qu e pensa m poder vir a acontecer. É a prospectiva que, segundo André Decoufié (1972), se situa no
limite do es pectro dos saberes constituídos , quer dizer, das ciências, a partir do momento em qu e as
verificações experimentais deixam de ter aplicação ou fazer sentid o. Na fronteira do conhecimento, a
prospectiva afirma ce nári os e tend ências. Não se trata do controlo do devi r pela pa lavra mágica, pela
interpretação do indício, ou pelo uso astucioso do último dos "gadgets" tecnológicos da moda.
Nas palavras de André Decou fi é (1 972), a prospectiva é "a apren dizagem do distanciamento e a
co nsequ ente recusa em satisfaze r as ex igência s de um sa ber mundano, apressado em encontrar,
onde e qu ando pode, as ju stificações dos seus próprios erro s". É, numa acepção rigorosa do seu
16
A teoria dos jogos de guerra tem por objectivo engendrar uma metodologia formal para o autoconh ecimento e o conheci-
mento dos inimigos. Em conform idade, aj uda a analisar e prever os movimentos estratégicos dos adversários, para a partir
deles engendrarmos os nossos que, por sua vez, vão influenciar o adversário. Foi desenvolvida há cerca de 3 mil anos, com o
objectivo de trein ar a tomada de decisões estratégicas e tácticas relativas a conflitos armados, tendo em vista evita r os ri scos
intrín secos à própria guerra. Hoje, a teoria dos jogos pode e deve ser aplicada no desporto, no que diz respeito à organi zação
da competição com vista à obtenção da vitória.
Caos e o Ambiente [ 53
17
Jean Fourastié (1907-1990)
17
http:jjwww.jean-fourastie.org/
18
john Maynard l<eynes (1883-1946) foi um economista inglês CUJaS ideias tiveram um enorme impacto no pensamento
económico e político moderno. Foi um defensor do intervencionismo do Estado na economia através de medidas fiscats
e monetárias a fim de contrariar os efeitos nefastos da depressão. É por muitos considerado o pai da macroeconomia.
19
Fourastié, Jean (1979). Les Trente Glorieuses ou la Révolution lnvisihle de 1946 à 1975. Paris, Fayard.
54 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Fourastié partia do princípio que a sorte do homem tinha de, necessariamente, estar associada
ao progresso técnico. O futuro da humanidade, na hipótese de um progresso indefinido da técnica
científica era, segundo o autor, comparável ao de um un iverso em que a alimentação e os bens
materiais seriam dados pela Natureza aos seres vivos, como o oxigénio e a água lhes foram dados
desde semp re. Contudo, o Homem devia permanecer, pelo menos até ao advento de uma nova
idade ainda absolutamente imprevisível, constrangido a realizar os trabalhos necessários à reparti-
ção dos produtos e ao seu consumo, à satisfação das necessidades intelectuais e artísticas e às
despesas gerais da organização técnica e social .
Fourastié (1970), no livro Des Loisir: Pour Quoi Faire?, descreveu catorze tendências que iriam
caracterizar a condição humana no ano de 1989. Foram elas:
1. Acesso de todos sem distinção de classe, profissão ou situação económica à cultura, ao
ensino e, em geral, a tudo aqu ilo que possibilita o desenvolvimento do ser humano;
2. Decréscimo do trabalho físico em benefício do trabalho intelectual. O clima intelectual e
moral tornar-se-ão progressivamente cada vez mais abstractos, so li citando capacidades de
resposta cada vez mais rápidas. A força emotiva dos espectáculos conduzirá os homens
para situações ali enantes;
3· A despersonalização dos ambientes sociais e de trabalho. As relações tenderão a ser mais
escritas, informáticas ou mecânicas;
4· Proliferação da regulamentação. Existe um grau de liberdade e de risco necessários ao
Homem que as sociedades demasiado organizadas estão a negligenciar. Num tempo em
que as possibilidades serão numerosas, e até infinitas, as impossibilidades parece que tam-
bém vão progredir paralelamente;
5· Desprezo pelos processos de racionação. Tendência para ignorar a dura situação do
Homem tradicional. O Homem deixará de julgar a sua situ ação em relação ao passado. O
falso sentimento de que tudo é possível dificultará o contacto com a realidade, dando ori-
gem a sentimentos de arbitrariedade, injustiça, insatisfação e revolta;
6. Uniformização ela vida, pelas soluções estandardizadas no mundo, de Paris a Tóquio, pas-
sando pelas aldeias mais recônditas. Existirão as mesmas revistas, a mesma arquitectura, o
mesmo vestuário, muitas vezes, os mesmos lazeres;
7· O combate ao aborrecimento e à saciedade será conseguido pelo interesse marginal e pela
diversidade das necessidades crescentes. O Homem procurará a diversidade de esco lh as,
nos mais diversos .domínios, entre eles o do lazer;
8. A diversificação exercer-se-á fundamentalmente nos domínios intelectual, afectivo, filosófico
e económico, áreas estas que deverão ser consideradas pelos "produtores de lazeres";
9· Consumos surpreendentes. Os consumos tenderão a ser surpreendentes, como ainda recen-
temente tivemos a oportunidade de ver anunciado num jornal: "água engarrafada para cães";
10. Diversificação das necessidades em função do aumento do nível de vid a. Estas necessida-
des serão limitadas exclusivamente pela imaginação do Homem;
11. O Homem, pela sua natureza, não é somente um consumidor, é um criador de va lores natu-
rais e esp iritu ais. Em conformidade, o que lhe interessará é a salvaguarda do seu espírito de
iniciativa e de in ovação. A necessidade de actividades criativas é uma das condições do equi-
líbrio hum ano;
12. O Homem de amanhã terá necessidade da Natureza. No futuro, o que faltará aos homens é
o contacto com a Natureza. O lazer será um elemento fundamental para evitar o corte do
Homem com as suas faculdades instintivas, rituais e sentimentais;
Caos e o Ambiente [ 55
13. O Homem do futuro viverá num estado de in quietude e de angú stia. O mundo das tecnolo-
gias provocará transformações exp los ivas que originarão elementos de grande in stabilidade.
Observar-se-á um aumento da s psicoses, um agravamento da delinquência juvenil e um
crescimento das toxicomanias;
14. O Homem de amanhã será rico. As necessidades humanas crescerão em função do aumento
do nível de vida. Esta bulimia acabará por despersonalizar o Homem e privá-lo da sua vida pri-
mitiva e criadora. No entanto, o apetite consum idor é um dos aspectos particulares mais pro-
fundos do ser humano, que o conduz a jamais estar satisfeito com os resultados conseguidos .
O Homem tenderá a progredir não só no domínio económico, mas sobretudo no domínio da
técnica, da aventura, do heroísmo e da mística. Enquanto o Homem existir, ele tenderá a ir mais
longe, ele quererá ser mais rico, mais instruído, mais livre e procurará usar o lazer a fim de
explorar toda a sua liberdade.
De alguma maneira, Fourastié foi capaz de prever há quase quarenta anos o que ia acontecer. Con-
tudo, seria bom que se compreendesse que a melhoria extraord inária das condições de vida das popu la-
ções dos mais diversos países do mundo não têm sido realizadas de uma forma uniforme. Os dados no
que diz respeito ao Índice de Desenvolvimento Humano do relatório das Nações Unidas (2004) demons-
tram bem as assimetrias sociais e económ icas que se vivem à escala do planeta. Enquanto que os cida-
dãos do país mais rico do planeta, o Canadá, vivem COQ1 um PIB per capita de 36 6oo dólares e uma
esperança de vida à nascença de 78,9 anos, os do país mais pobre, a Serra Leoa, vivem com 520 dólares e
uma esperança de vida à nascença de 34.3 anos (in Relatório de Desenvolvimento Humano, 2004).
No que diz respe ito ao desenvolvimento do desporto, também ele esteve sempre ligad o à histó-
ria da tecnologia e das grandes transformações sociais desencadeada s pela evolução do conheci-
mento científico, muito embora, muitas vezes, à margem de quaisquer preocupações sociais. Da
horda à tribo, da tribo à comuna, da comu na à empresa, da empresa à sociedade, da soc iedade ao
planeta, durante o século XX, processaram-se tran sfo rmações tecnológicas e sociais com incidên-
cias extraord in ariamente sign ifi cativas no domínio da organ ização das práti cas desportiva s que
deram origem ao designado Modelo Europeu de Desporto. Contudo, à imagem e semelh ança do
que se pa sso u em termos gerais na sociedade, também o referido modelo foi apanhado na engre-
nagem da técnica e nas própri as consequências que dela advieram.
Escreveu o li vro intitulado Megatrends. Ten New Directions Transforming our Lives. Se atender-
mos às macrotendências de Naisbitt, temos:
56 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
1. De uma sociedade industrial para uma sociedade baseada na informação. Na real id ade, se
qu isermos fazer um pa ralelo com o que se passa em termos globa is a nível do desporto,
podemos ver que estamos a passar dum modelo desportivo baseado, em te rm os organi za-
cion ais, numa lógica da civi lização indu strial para um modelo baseado na inform ação. Odes-
porto dos nossos dias va le pe la capacid ade de inform ação que for capaz de gerar;
2. De uma tecnologia orientada para os produtos para uma tecnologia orientada para as pes-
soas. É evid ente que, também a nível do desporto, as tecnologias devem estar (o que nem
sempre acontece) cada vez mais ao serviço das pessoas. Os mais diversos artefactos despor-
tivos estão a adapta r- se às pessoas, aos seus so nhos, desejos e necess id ades;
3· De uma economia local para uma economia global. O desporto está a se r contextualizado a
uma esca la globa l. Está, por assim dizer; a processar-se um regresso ao passado, de tal
maneira que as práticas desportivas, através das tecnologias de com un icação, voltam a ter o
significado espácio-tempora l qu e perderam durante a civilização indu stria l;
, 4· Do curto prazo para uma visão estratégica. A idei a do desporto pelo desporto deixou de
fazer qu alqu er sentido. O desporto, hoj e, tem de estar ao serviço da qualidade de vida das
pessoas e do desenvolvimento das regiões e dos países. Assim, a candidatura à realização de
mega-eventos desportivos tem de obedecer a esta lógica. Tudo isto requer um a visão estraté-
gica, por parte não só das regiões ou dos países como também das orga ni zações desporti-
vas, por exem pl o, desde logo, pela esco lh a dos loca is de rea lização dos Jogos Olímpicos.
Repare-se qu e, sendo o Olimpismo um in strum ento que deve estar ao serviço do desenvolvi-
mento huma no, as cid ades mais pobres candidatas à orga nização dos Jogos Olímpicos não
podem ser afastadas simpl esmente porque são pobres, mas também não podem ava nça r
para projectos perfeitamente demenciais que comp rom ete m a vida das gerações vind ou ras;
. S· Da centralização para a descentralização das decisões. Durante a revolução indu stri al acon-
teceu um a enorm e centralização das decisões. Aliás, o princípio da centra li zação é um dos
seis ind icados por Alvin Toffler (1980), no livro A Terceira Vaga, como caracterizador da pró-
pria civili zação ind ustrial. Está-se agora a entrar numa perspectiva globa li zante mas descen-
tralizada das questões despo rti vas, em que o princípio "pensar loca l, agir globa l" cada vez
mais se ap li ca. Isto sign ifi ca qu e, por exemplo, só os clubes de futebol da 1. 3 li ga portuguesa
co m capacidade para, numa perspectiva loca l, se imporem à esca la global é que vão conse-
gu ir as co ndições 9esucesso. Ora, esta perspectiva ob~i ga a mudar o Modelo Europeu de
Desporto, que está a impedi r o normal desenvolvimento do desporto pós-i ndu stri al;
' 6. Da assistência institucional para a confiança individual. O va lor das pessoas e a prática des -
portiva personalizada está, também, a subst itui r a massificação desportiva da civi lização
indu strial, bem como a pôr em causa todo um conjunto de lideranças e de in stitui ções cadu-
cas que, paras itariamente, em muitas situações, se limitam a viver à custa dos contribuintes;
7· De uma democracia representativa para uma democracia participativa. Pelo seu lado, a
democracia representativa cada vez mais fará ape lo à democracia participativa, por exe mpl o,
nas decisões dos grandes clubes e das próprias po líticas desportivas, através da utilização
das novas tecno logias de informação e comunicação ao serviço da participação das pessoas.
Por exe mplo, hoje, as questões do Olimpismo co locam-se com tal incidência em te rm os
sociais que não podem continu ar a estar nas mãos de meia dúzia de pessoas a funcionarem
em regi me fechado e a decidirem à custa do dinheiro dos contribuintes sobre ass untos que
ultrapassam o limite das competências da organ ização de que fazem parte;
Caos e o Ambiente [ 57
8. Das estruturas hierárquicas ao trabalho em rede. A rede, por seu lado, é uma realid ade que a
nível do desporto significa uma ordem internacional cada vez mais interacti va, por oposição
aos modelos piramidais do passado, que estão a conduzir a sua organização à maior das con-
fusões de que há memóri a. A desagregação do desporto moderno indica que o modelo de
organização do desporto do futuro passa por uma estrutura mai s ou menos vo láti l a funcionar
em rede;
9· De Norte para Sul. Quanto à geografia, também vemos o desporto a deslocar-se de Norte
para Sul. A América do Sul e a África do Sul são os dois espaços geográficos que reivindi-
cam a rea lização de g~andes competições internacionais, como sejam o Campeonato do
Mundo de Futebol e os próprios Jogos Olímpicos;
10. Das escolhas simples às múltiplas opções. Finalmente, também a diversidade das práticas
desportivas está a dar origem a uma multiplicidade de opções, não só das mais diversas
man eiras de praticar desporto mas também das mais variadas atitud es com que se pratica .
Intitulada pela rev ista Fortune co mo a "Nostradamus" do market in g, esta autora considera-se
uma optim ista e, como tal, tem um a perspectiva basrante positiva ace rca da organ ização do futuro.
Para ela "predizer o futuro é fácil, po is que o que co nta, quer dize r, o problema, é saber o que fazer
com ele". A autora diz- nos que "embora alguns teóricos estejam a prever um terrível apocalipse, eu
tenho um forte se ntimento de que o futuro será melh or que o presente. Eu quero mostrar às pes-
soas o caminho para saírem da escuridão. Eu quero ser aquela que vai ap resentar o novo consumi-
dor à nova organização. E eu qu ero juntar a min ha voz àq ueles que têm uma visão positiva acerca
da organ ização do futuro". Em conform idade, a perspectiva de Popcorn centra-se a partir daquilo
que está a aco ntecer às pessoas. No seu livro Faith Popcorn Report - Targetting Your Life - Th e
Future of your Company, Your World, Your Life, organ iza o seu pensamento em 10 tendências para o
futuro. A autora utiliza algumas metáforas, ta l como, cada vez mai s, ve mos fazer no mundo da ges-
tão, para tra nsm itir as suas ideias. São elas:
1. Encasulamento (cocooning) . Naquilo qu e respeita à procura de locais seguros para se viver. A
in segurança das nossas vidas tem feito co m que cada um de nós se encerre na sua própria
"concha" ("cocooning") porque é lá que enco ntra segurança num mundo cada vez com mais
in seguranças. O desporto tem ~compan hado esta tendência com a pulverização por todo o
lado dos mai s diversos clu bes privados;
2. Aventura. Quanto à necess idade que as pessoas têm de encontrar novas e estimulantes
situ ações para as suas vidas, todos os dias cada vez ma is iguais e, em co nsequê ncia, pouco
interessa ntes. Também neste domín io o desporto acaba por se r mai s um pretexto para a
aventura na procura dos grandes espaços naturais;
3· Pequenos prazeres (sma/1 indulgences) . Pela necessidade que cada um tem de se atribuir a si
próprio alguma coisa qu e lhe dê prazer. É evi dente que nem todos podem ter um Ferrari mas
podem ter uma bicicleta de montanha correspo ndente a um Ferrari. Pode m ter um relógio de
pul so de uma qualidade superior. Pod em ter tantas outras coisas que, se ndo boas, lh es dão
"pequenos prazeres" e marcam a diferença das suas vidas ;
4· Egonomia (egonomics). Quanto à auto-estima , a procura do individuali smo e a personaliza-
ção da vida de cada um. O desporto neste domínio é um exce lente espaço de procura e de
enco ntro de cada um cons igo mesmo;
58 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
5· Anticarreirismo (cashing out). A procu ra de outras fontes de afirmação pessoal e social em altern a-
tiva a um carreirismo desgastante. O emprego para a vida está a dar lu gar a uma multiplicidade de
empregos ao longo da vida, tal como o desporto também pode proporcionar um a multipl icidade
de práticas ao longo da vida;
6. Juventude eterna. Cada vez mais prolon ga mos aquil o que gostamos de faze r ao longo das
nossas vidas, na ten tativa de pro longarmos a nossa própria juve ntud e. O despo rto é um
exce lente meio para afirm armos a nossa juventude etern a;
7· Saúde e longevidade. Procura da sa úd e e, depoi s, a vida etern a. Hoje, o desporto está asso-
ciado a um a vid a sau dáve l e o seu desenvo lvim ento passa por associa r as suas práticas aos
prog ramas de promoção da sa úde para a vida, como é o caso do co mbate à obes id ade;
8. Defesa do consumidor. Co nsc iência dos nossos direitos enqu anto co nsumidores. Somo s
um a sociedade de consu mi dores e não uma sociedade de co nsum o de massas. Em co nfor-
mid ade, es pera-se das políticas públi cas e prog ramas que promova m a equidade no acesso
generali zado à práti ca des portiva e não só de programas para aq ueles que revelam co ndi -
ções para al im entarem o alto rendim ento despo rti vo e o es pectácul o;
g. Noventa e nove vidas . Re lati va mente à divers id ade de situações que vivemos na nossa vida
ass umimos também diferentes person ali dades qu e serve m para estabej ece r o nosso equilí-
brio emocional. O des porto é um es paço e um tempo de resta belecimento de equilíbri os
numa sociedade cada vez mais esqu izofrénica;
10. SOS (save our society). No qu e res peita à eco logia e às impli cações plan etári as das atitud es
das nossas vidas . O des porto tem de se r um in strumento de pro tecção da Natu reza . A este
respe ito, o CIO, desde 1994, reco nh ece o ambiente e a sua defesa, a par da cu ltura e do des-
porto, como um dos três pil ares do Oli mpismo. Segund o a reg ra 3, parág rafo 2 da Ca rta
Olímpi ca, os j ogos Olímpi cos devem se r orga ni zados no abso luto respe ito pe lo meio
amb iente. Em 1995, o CO I cri ou mes mo um a co mi ssão para as qu estões do ambi ente.
Click
Mais rece nte mente, em 1996, esta autora, no livro Click, acresce nta à sua li sta se is novas ten-
dências. São elas :
n . Formação de clãs (clanning). No que respe ita à necess id ade que as pessoas sentem em per-
te nce rem a grupo s afin s. Veja-se o que se está a passar com a des agregação do des porto
através da criação de novas modalidades e novas práticas que co ndu zem à organ ização de
novos grupos mais ou menos form ais;
12. Busca do hedonismo (pleasure re venge ). Qu anto ao quebrar das reg ra s e reg ul amentos qu e
nos orie nta ram a vid a. As chamadas moda lidades "doces " estão aí;
13. Ancoragem (anchoring) . Re lativame nte ao regresso aos va lores tradicionais, à esp iritua li-
dade com o fo rma de adquirir seguran ça em relação ao futu ro. É imperat ivo pree ncher o
vaz io qu e muitos estão se ntind o, in cl usiva mente o vaz io qu e cada vez mais se sen te em
relação aos va lores do des porto;
14. Femininamente (fema le thin k). As mulh eres pensam e co mportam-s e de ma neira diferente
da dos homens. Esta mos a, chega r ao milén io das mulh eres. O pad rão de parti cipação das
mulh eres no mun do do des porto está a aumentar, mu ito embora preva leça ainda um a fo rte
mentalid ade misógin a no mund o do di rigismo des port ivo;
Caos e o Ambiente [ 59
No livro Preparing for the Twentyjirst Century aponta oito grandes tendências gerais que vão
organizar a sociedade no século XXI. São elas:
1. Explosão demográfica. Quanto aos problemas que a demografia está a causar à escala do
planeta. A demografia desportiva é uma questão em equação nos processos de desenvolvi-
mento do desporto na maioria dos países, sobretudo a demografia do desporto federado,
uma vez que o número de praticantes deste sector desportivo está a decair;
2. Comunicação. Naquilo que respeita aos novos sistemas de comunicação que transformaram
o planeta numa "aldeia global". Hoje, o desporto organiza-se à escala global e o seu valor
depende da informação que é capaz de produzir e da comunicação que é capaz de gerar;
3· Revolução financeira. Relativamente à rede financeira que envolve o globo e determina o
apartidarismo dos capitais. O apartidarismo dos capitais já entrou no mundo, não só das
sociedades desportivas como dos grandes eventos desportivos e, em nossa opinião, será
cada vez maior. Veja-se o que se passa com o Chelsea ou o Manchester United;
4· Ascensão da empresa multinacional. Quanto às grandes empresas que se desenvolvem para
além do Estado-nação. Os clubes multinacionais são uma realidade que não tardará muito a
acontecer;
5· Revolução biotecnológica. A agricultura como uma das portas abertas à solução dum mundo
carente e ao mesmo tempo perdulário de recursos. A revolução biotecnológica também trás
enormes preocupações ao desporto, sobretudo naquilo que tem a ver com o doping genético;
6. Robótica. No que diz respeito à nova revolução industrial e às opot·tunidades tecnológicas e
sociais no domínio duma nova estrutura para o tempo. O desporto, com todo o tipo de com-
petições internacionais, já vive esta nova estrutura do tempo;
7· Defesa do meio ambiente. Como garantia indispensável para a preservação da vida à face do
planeta. O ecossistema desportivo deve estabelecer as relações de equilíbrio entre as diversas
práticas desportivas e o meio ambiente. O desporto é um instrumento de grande utilidade na
cruzada por um planeta limpo, mas também é, quando mal utilizado, um instrumento de
poluição e degradação do ambiente;
8. Futuro do Estado nacional. Naquilo que respeita à construção duma nova lógica que deixa
de estar centrada na ideia de Estado-nação. Também a dimensão nacional das práticas des-
portivas cada vez mais está a ser posta em causa. As grandes marcas estão a tomar conta
das organizações e dos eventos desportivos ao ponto de condicionarem a própria evolução
do desporto.
60 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Doping genético
Na sua obra The Future in Sight organiza, em dez grandes categorias, um conjunto de cem ten-
dências que, numa perspectiva "mercadológica", vão configurar a sociedade no próximo milénio.
Para ele, as grandes categorias são:
1. Marketing. Os técnicos de marketing propõem e as pessoas dispõem. Os técnicos de marke-
ting dirigem e as pessoas reagem. Em conformidade, é necessário saber quem e quantos são
os compradores? Quem são aqueles que estão disponíveis para praticar e comprar desporto"
Quanto é que podem ou estão dispostos a pagar" Quais os aspectos mais significativos rela-
tivamente aos seus hábitos e à sua maneira de viver? Como é que vivem e como é que dese-
jam viver" Quais os valores intangíveis que orientam as suas vidas" É evidente que uma coisa
é conhecer os sentimentos, os valores e os hábitos das pessoas a fim de serem implementa-
das políticas de promoção social, outra completamente diferente é transformar o mercado,
tal qual Hermes, num novo deus e o marketing numa nova religião;
2. Negócios. Os negócios do futuro são os negócios da saúde, das drogas anti-envelhecimento,
das telecomunicações, do entretenimento. O desporto cruza transversalmente todas estas
Caos e o Ambiente [ 61
20
Niké, deusa grega que personificava a vitória em combate.
62 ] Agôn 1 Gestão do desporto I O jogo de Zeus
8. Funções e os recursos. Um cada vez maior número de mulheres entrará no mundo do traba-
lho, tornando-se inclusivamente donas dos seus próprios negócios. O "efeito superstar" atingirá
cada vez mais empresas e profissões e a tendência será a de pagar ordenados extraordinaria-
mente elevados a alguns técnicos que trarão valor acrescido para as organizações. José Mouri-
nho é bem o exemplo desta tendência;
• g. Economia. Infelizmente, os benefícios da economia terão impacto somente em dois terços da
população. O restante terço continuará a descer para níveis inferiores. Os ricos ficarão mais
ricos e os pobres mais pobres. O fulcro do sistema económico tenderá a deslocar-se para o
oriente. A Internet criará um mercado global. A economia subterrânea tornar-se-á mais forte. A
criação de empregos será uma das questões fundamentais dos próximos anos. Os problemas,
em vez de serem vistos de forma separada, tenderão a ter um tratamento holístico.
• 10. Política. A construção da paz parece ser uma das questões fundamentais dos próximos anos.
A tendência para a transferência de poderes para o nível local continuará a acentuar-se. Os
Estados-nação vão ser postos em causa pelas economias globais. A democracia electrónica
assumirá uma importância significativa.
Síntese
Das várias perspectivas é possível concluir que existem duas maneiras de ver a questão das ten-
dências. Uma centrada mais nos problemas, que se relacionam com as pessoas e as suas vidas,
outra, na maneira como a sociedade está ser organizada. Verifica-se que existe uma certa concor-
dância em relação a alguns aspectos considerados pelos diversos autores. São eles:
1. Demografia;
2. Comunicação;
3· Globalização;
4· Tecnologia;
5· Organização social;
6. Ambiente;
7· Economia social;
8. Descentralização;
g. Política e planeamento;
10. Formação e emprego.
São estes os indicadores que estão a determinar as condições de mudança da vaga da civiliza-
ção industrial para a pós-industrial. Digamos que, na acepção de Alvin Toff1er, é este o código que
está a determinar a mudança de paradigma da organização do desporto baseada no industrialismo
para uma outra baseada na informação que caracteriza a sociedade pós-industrial (ver quadro 3).
Caos e o Ambiente [ 63
3.3 Factores
Quando deliberamos é sobre os meios e não sobre os fins.
Aristóteles
Programa
Factores de mudança
Todo este quadro de situação leva-nos a inquirir sobre as condições e os acontecimentos que
terão levado o desporto a assumir a forma e a organização que hoje lhe conhecemos, bem como
sobre as condições que provocaram que as actividades lúdicas, fundamentalmente associadas aos
ritos religiosos, aos processos de iniciação e de passagem, aos ciclos dos trabalhos da terra, aos rit-
mos das festas da natureza, à luta pela sobrevivência e à própria arte da guerra, praticados na
sociedade agrícola, se tenham transformado numa das actividades de maior magia do mundo
moderno, praticada com um código comum à escala do planeta. Nesta perspectiva, acreditamos
que o futuro do desporto pode ser estabelecido por determinados factmes de mudança, que se no
passado deram forma à organização que hoje conhecemos, quando devidamente activados, podem
desencadear a organização do futuro que se deseja construir.
Factores de desenvolvimento
Aos factores de mudança, capazes de provocar a passagem de uma sigmóide para outra, desig-
naremos factores de desenvolvimento. Organizam-se em torno daquilo a que geralmente se chama
de "leis condicionais" (Boudon, 1984): "Se A então B". Ou, então, com um enunciado probabilís-
tico: "Se A então (o mais frequente) B". Se se organizar um bom despmto escolar (factor orgânica),
então a juventude cria hábitos desportivos para a vida, ou, com um alto grau de probabilidade, cria
hábitos desportivos para a vida. Uma das mais célebres leis condicionais do mundo do desporto é
a da "Pirâmide de Coubertin".
64 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Lei estrutural
Quando A não é uma variável mas sim um siste ma de va ri áveis então diz-se que temos uma lei
estrutural. Se tivermos um bom siste ma desportivo então temos um melhor índice de qu alid ade de
vid a. Aqui , o que se procura é estud ar e co mpreender as impli cações da estrutura das relações e da
din âmi ca da acção sobre a mudança do s sistemas sociais. Pod em existir casos intermédios entre a
categoria de lei s condicionais e a categoria de leis estruturais. Ao estudar e exp li car uma dada situ a-
ção procuram-se os traços fundamenta is aos qu ais se dá o nome de estrutura. São traços "funda-
mentais" ou "estruturais" na medida em qu e, co nsid erad os em conjun to e co mo que formand o um
siste ma, são suficientes para explica r uma dada situação. Os outros traços que podem se r vistos
numa dada situação, mas que não a ex pli ca m, são denomin ados de "não estruturais" 21 .
Causalidade circular
Dev ido à circunstância de existirem processos de causal id ade circu lar quando se pretende ana li-
sa r um a dada realidade de mud ança social, a noção de cau sa pod e ter um certo grau de ambigu i-
dade. A ausê nci a dum sistema de desporto esco lar coerente é a causa dum baixo padrão de cultura
desportiva, e o baixo padrão de cu ltura desportiva é a causa responsável pela desorganização em
que o desporto se encontra, e a desorgan ização em que o desporto se encontra é a causa da inexis-
tência de um des porto esco lar coerente. A obra de Max Weber A Ética Protesta nte e o Espírito Capi-
talista surge como um exempl o qu e, gera lmente, é apresentado como paradigmático para referi r
· esta categoria de mudança social. Se a teoria é verdadeira, diz- nos Boudon, demonstra, de facto,
que os va lores podem ser ca usa de transformação das re lações de produção. Transpondo ainda
para o despo rto, diremos qu e um a cultura des portiva assumid a e prat icada tem de ser, necessaria-
mente, a causa do desenvolvim ento sustentável do sistema des portivo naciona l. A partir daqui, é
evid ente que a organização do futebol naciona l, entre outras modalid ades des portivas, jam ais será
conseguida, a menos que o padrão de cultura desportiva dos protagonistas do fenómeno despo r-
tivo melhore significativa mente. Por isso, a necess idade de apostar nas pessoas e na sua formação
é a atitud e estratégica necessá ri a ao desenvolvimento do despo rto em qu alquer país do mundo. E,
em consequência, a causa de todas as sua s transformações de sin al positi vo.
Valores e desenvolvimento
Nos anos sesse nta e seguintes, diversos teóricos do desenvolvimento qu estionaram-se so bre a
infiuência dos valores no dese nvo lvimento. Esta perspectiva s u stenta-~e no postulado de que todo
o processo social é, em última in stância, res ultado de comportamentos decorrentes dos valores
interi ori zados e assumidos pelos indivíduos aq uando do processo de socialização. Pens avam eles
que as mudanças são produto das estruturas . Por exemp lo, as práticas lúdi cas, em cada tempo e
loca l, so b o ponto de vista da sua organização, regem-se pelas estruturas socia is de cada époci 2 .
21
Embora esta se paração entre factores estruturais e não estruturai s seja, por vezes, considerada um a característica do pen-
sa mento marxista, na medida em que o marxismo procura identificar as estruturas fundamentais da organização socia l
para determinar as leis da sua evo lu ção, co ntud o, não parece conclu sivo associar esta forma de pensamento à tradição
marxi sta, já que determinar tipos de es truturas e estabelecer lei s de evo lu ção destas estruturas não está mais ou menos
li gado a esta ou aq uela trad ição doutrinal (Boud on, Raymon, 1990), mas, de uma maneira geral, a muitas delas.
22
A este respeito, entre nós, é significativa a obra de José Esteves, intitulada O Desporto e as Estruturas Sociais.
Caos e o Ambiente [ 65
Contudo, o conceito de estruturas sociais deve ser entendido não só como os elementos físicos
e orgânicos mas também os filosóficos e mentais que dão forma e organizam as sociedades. As
estruturas sociais têm, deste modo, a ver com a maneira como as pessoas pensam e com o padrão
dos seus valores, as atitudes e os comportamentos de uma dada sociedade, pelo que configuram o
desenho organizacional que envolve os diversos períodos e circunstâncias que caracterizam cada
comun1dade ou até cada civilização. Esse padrão tem vindo a evoluir ao ritmo sincrónico da histó-
ria da humanidade. Hoje, como temos vindo a argumentar, estamos em plena mudança de uma
sociedade industrial, organizada na base da lógica que formatou o industrialismo, para uma outra,
pós-industrial, da qual já se adivinham os primeiros sinais que a caracterizam.
As etapas do desenvolvimento
A pergunta que conduziu a investigação de Walt Whitman Rostow (1916-2003), professor de História
Económica do Instituto Tecnológico de Massachusetts, na obra Etapas do Desenf!Oiflimento Económico -
Um Manifesto Não-Comunista, publicada, pela primeira vez, em 1960, foi a seguinte: "Quais os impulsos
que levaram as tradicionais sociedades agrícolas a iniciarem o processo de modernização"~ Transposta
esta pergunta para o mundo do desporto somos levados a questionar quais os impulsos que levaram as
actividades físicas de cariz recreativo a evoluírem e a transformarem-se nas modalidades desportivas que
hoje conhecemos? Por que filtros é que passaram para atingirem o estádio de desenvolvimento que
hoje lhes conhecemos~ Responder a estas questões é compreender os mecanismos que deram
forma à mudança e transformaram as actividades lúdicas da sociedade agrícola no modelo-padrão
que hoje se desenrola à escala do planeta. Como vimos, Alvin Toffier (1980) avançou com aquilo a
que denominou de "código da civilização industrial". No que diz respeito ao desporto, sabemos
que as práticas lúdico-recreativas que caracterizaram a civilização agrícola, ao passarem pelo refe-
rido código, institucionalizaram-se e deram origem ao desporto moderno, que encontra o seu
padrão máximo de estandardização, especialização, sincronização, concentração, maximização e
centralização nos grandes e mega-eventos desportivos regionais e mundiais, tais como campeona-
tos ou jogos regionais, campeonatos do Mundo e Jogos Olímpicos.
Rostow (1960) organizou a mudança social através de estádios de desenvolvimento, tentando
demonstrar que o desenvolvimento económico obedece a um conjunto de 5 etapas, a saber:
1. Sociedade tradicional. A primeira etapa é caracterizada por uma sociedade sem crescimento, com
uma produção agrícola per capita muito pobre. Neste tipo de sociedade as populações têm carac-
terísticas fatalistas, já que pensam que as coisas não podem mudar. O autor chama ainda a esta
fase pré-newtoniana, na medida em que Newton marca um momento em que o Homem come-
çara a compreender as leis da Natureza e a utilizá-las com vista à melhoria da produção;
2. Pré-condições de arranque. Esta fase é caracterizada pela ocorrência de um conjunto de
situações que tornam as sociedades disponíveis para a mudança. Surgem empreendedores
(empresários), a educação e a tecnologia ganham força, sobretudo, no sector agrícola. O fun-
cionamento do mundo desmistifica-se progressivamente. Nesta fase existe, por partes das
elites, uma grande vontade de modernização;
3· Arranque. Na fase de "arranque" estabelecem-se as condições necessárias ao desenvolvi-
mento, que para o autor são três: uma taxa de investimentos alta; criação de indústrias de
transformação; aparelho político e institucional empenhado;
4· Marcha para a maturidade. Na "marcha para a maturidade" a sociedade organiza-se e
moderniza-se duma forma contínua e auto-sustentada. A sociedade começa a ver o industria-
lismo não como um fim em si mesmo, mas como um meio ao serviço da qualidade de vida
das populações;
AGONGD-05
66 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
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5· Consumo de massas. Por último, esta fase caracteriza-se pela circunstância da produção de
bens destinados ao consumo ser superior à produção de bens destinados à produção.
O código do desporto
Alvin Toffler (1980) apresenta aquilo que denomina de "código da civilização industrial".
Segundo o autor, a sociedade industrial, a da segunda vaga, pode ser caracterizada por um con-
junto de seis princípios que percorrem todas as suas actividades, afectando em consequência o
próprio desporto. De facto, a gestão dos sistemas e organismos desportivos, segundo um modelo-
-máquina, não é mais do que a aplicação ao desporto moderno do paradigma de desenvolvimento
organizacional próprio do industrialismo. O desporto moderno organizou-se no estrito cumpri-
mento dos princípios do industrialismo, quer dizer, os factores que originaram que as ocorrências
lúdicas da primeira vaga se transformassem num modelo praticado a escalas geográficas, culturais
e sociais cada vez maiores. Segundo Toff1er, os princípios do industrialismo, qu(Y<lfectam todos os
aspectos da vida, "desde o sexo e o desporto até ao trabalho e à guerra", são os seguintes:
1. Estandardização; 4· Concentração;
2. Especialização; 5· Maximização;
3· Sincronização; 6. Centralização.
Estandardização
As normas que regulamentam o desporto têm de estar bem esclarecidas, quer dizer, estandardi-
zadas, para que ele possa funcionar a uma escala mundial. O americano Frederick Winslow Taylor
(1856-1915) desenvolveu a maneira ideal de executar um trabalho:
1. Aferição do desempenho das funções; 3· Tempos de execução óptimos;
2. Utilização das ferramentas próprias; 4· Regras perfeitamente estabelecidas.
· Instruções; · Ideias;
· Procedimentos; · Testes;
· Regras; · Sistemas de medidas.
Tudo isto determinou o nível de estandardização de cada sector da vida social. Por exemplo,
quando se trata do desporto, os elementos desportivos (Castejon Paz, 1973) são agregados por
uma amálgama de:
· Sistemas de valores; · Distintivos;
. Ambições; ·Emblemas;
· Frustrações; · Rituais;
·Tabus; · Cerimónias;
. Insígnias; · Crenças;
· Regras; · Sublimações.
· Normas;
É esta amálgama disforme de sentimentos, ideias e valores que motivam e projectam as activi-
dades desportivas. É o quadro normativo (formal e informal) que, em última análi~e, acaba por
configurar o envolvimento cultural do mundo do desporto e os seus padrões de estandardização.
O desporto ultrapassou, em muitos aspectos, o padrão médio de estandardização da própria
sociedade industrial. Na realidade, o desporto cumpriu na plenitude, à escala do planeta, o princí-
pio da estandardização. Hoje, é possível organizar na China um jogo de futebol entre uma equipa
francesa e uma búlgara, arbitrado por uma equipa espanhola, em que todos se entendem na ~
medida em que existe um código estandardizado a uma dimensão universal. Hoje, é possível orga-
nizarem-se na China (http:j jen.beijing2oo8.comj) os próprios Jogos Olímpicos. Portanto, o desen-
volvimento do desporto na sociedade industrial apoiou-se numa forte dinâmica de estandardiza-
ção, que lhe possibilitou atingir a dimensão global que hoje conhecemos. Contudo, a pergunta a
fazer neste momento, em que muitas comunidades dos mais diversos países por esse mundo fora
estão a passar de uma sociedade industrial para uma pós-industrial, tem a ver com a necessidade
de saber se a estratégia de desenvolvimento do desporto no futuro passa necessariamente por um
modelo estandardizado de desporto próprio da sociedade industrial, ou, ao invés, por um novo
modelo de desenvolvimento do desporto que se ajuste à dinâmica de uma configuração organiza-
cional em rede que está a caracterizar a sociedade pós-industrial.
Especialização
Até aos anos setenta do século passado era usual haver praticantes desportivos que, simultanea-
mente, eram técnicos e dirigentes. Por vezes eram atletas de várias modalidades e até chegaram a ser
campeões nacionais em mais do que uma. O saudoso Acácio Rosa, dirigente do Futebol Clube "Os
Belenenses", foi um exemplo a todos os títulos notável do que acabámos de referir. Mesmo no mundo
do futebol, a situação de jogador;treinador ainda foi utilizada até há pouco tempo. O princípio da espe-
cialização veio acabar com esta situação. Hoje, o desporto desenvolve-se através de um conjunto de
etapas que vão desde a animação até à recreação, à manutenção, à alta competição, ao profissiona-
lismo e ao espectáculo.
A especialização determina o grau em que o trabalho é dividido. Estabelece diferenças de processos
de trabalho que, por vezes, podem ir até à completa desumanização. Os imperativos da tecnologia obri-
garam a sociedade a desenvolver modelos cada vez mais especializados de organização do trabalho e
Caos e o Ambiente [ 69
FordT
Na sua autobiografia "My Life and Work", publicada por Henry Ford aos 6o anos, o industrial
observou que das 7882 operações em que se decompunha a montagem do Ford T, 949 tarefas exi-
giam pessoas robustas e 3338 homens com uma força física normal. As outras estavam ao alcance :
de "mulheres ou crianças grandes". A saber:
• 2637 operações podiam ser efectuadas por deficientes sem uma perna;
• 715 por pessoas sem um braço;
• 670 por deficientes sem ambas as pernas;
• 10 por invisuais;
da própria organização desportiva, que podem ir do ensino e do treino até alta competição. Se existe
uma coloração filosófica e ideológica em relação às políticas que podem ser desenvolvidas a nível do
desporto, o que é facto é que a sociedade industrial estabeleceu, para os regimes capitalistas de mer-
cado ou de Estado, regras básicas de funcionamento.
Este princípio também tem sido aplicado ao desporto, tanto a nível micro como a nível macro.
Como nos diz Jean-Maie Brohm (1975), ao "trabalho triturado" de George Friedmann (1964), racio-
nalizado pelo mercantilismo, corresponde o indivíduo esmigalhado, hiper-especializado, agente
passivo e exclusivo de uma operação parcial submet1da a um alto rendimento. Efectivamente,
segundo George Friedmann, existe uma estreita relação entre a divisão do trabalho e o sistema de
autoridade. Este tipo de organização origina também um grau de espeêlàlização ao nível da tomada
de decisão, com a exclusão completa da participação dos executantes. Contudo, o dinamismo e o
bom funcionamento das organizações exigem que as pessoas, mesmo as que desempenham
papéis predominantemente de carácter operacional, sejam capazes de resolver problemas impre-
vistos pelas regras estabelecidas, ou seja, que tenham certa autonomia e capacidade de decisão.
Nas últimas décadas, em certos países industrializados, têm vindo a introduzir-se diversas formas
legais de participação na autoridade no seio da empresa por parte dos trabalhadores, nos domínios
da co-gestão e da autogestão, que encontram correspondência no âmbito das práticas desportivas.
O bom funcionamento de qualquer organização parte da necessidade básica das pessoas não
serem só motivadas mas também envolvidas.
A respeito da organização das práticas desportivas é significativo o trabalho de Lamartine
DaCosta (1986) Actividades de Lazer e de Desporto Para Todos em Abordagens de Rede e de Baixo
Custo e o seu modelo FIN (formaljinformaljnão formal). A ele se fica a dever a abertura do mundo
fechado e estandardizado da educação física ao exterior. O quadro teórico de Lamartine DaCosta
expressa bem as possíveis dinâmicas organizacionais que se traduzem através daquilo a que deno-
minamos de "áreas organizacionais de prática desportiva" que, como o autor demonstra, têm diver-
sos enfoques organizacionais que podem ir do indivíduo à comunidade, passando pela família, o
pequeno grupo, o grupo comunitário e o grande grupo.
Hoje sabemos quanto o princípio da especialização se introduziu no desporto, ao ponto de
haver atletas que da prática de determinada modalidade desportiva têm uma experiência exclusiva-
mente de um dos seus aspectos. A especialização conduz à profissionalização e ao espectáculo. A
sociedade industrial foi portadora de uma cultura dominada por profissionais. Por exemplo, as
modalidades desportivas a partir de um certo momento só garantem as condições de sobrevivência
se forem orientadas por profissionais e a sua prática vivida por profissionais, num ambiente gerido
70 ] Agôn 1Gestão do desporto I O jogo de Zeus
por profissionais. "A nossa cultura é dominada por profissionais que nos chamam clientes e tratam
das nossas necessidades." (Aivin Tofner, 1980). É evidente que tudo isto tem de ser envolvido no
espectáculo para poder sobreviver.
Sincronização
O tempo "é aquilo que fazemos com ele". Repare-se que se não existisse tempo tudo acontecia
simultaneamente. Como nada acontece sem estar localizado no tempo, é necessário sincronizar as
mais diversas actividades humanas, até porque nem todas elas podem acontecer em simultâneo.
Na sociedade agrícola, a sincronização do trabalho foi marcada pelos ritmos da Natureza que
determinavam os afazeres da agricultura durante as horas de sol, onde estavam incluídas as mais
diversas actividades humanas, desde as do descanso às do lazer e do trabalho. Quer dizer, o;empo
da Natureza estava profundamente ligado a um tempo astral e biológico determinado pela cadên-
cia das estações do ano, bem como das necessidades do corpo que orientavam a vida no decorrer
de cada dia. O tempo estava acima de tudo relacionado com o lugar, muito embora fosse impre-
ciso e variável, na medida em que, embora existissem métodos para o calcular, não era possível
indicar a hora do dia sem que esta estivesse referida a determinados marcos sócio-espaciais, espa-
ços geográficos ou ainda a ocorrências naturais. O relógio mecânico foi uma invenção fundamental
para separar o tempo dos acontecimentos, do espaço e das ocorrências, pelo que passou a expri-
mir uma concepção de "tempo vazio". Contudo, esta concepção continuou a estar ligada a um
lugar, até que, como diz Anthony Giddens (1996), "a uniformidade da medição do tempo pelo reló-
gio mecânico foi igualada pela organização social do tempo". Ora, foi esta sincronização do tempo
que permitiu a estandardização dos calendários à escala global.
Deste modo, a sociedade industrial foi portadora de uma nova concepção de tempo. De facto,
para além dos ritmos do corpo e das sincronias dos astros que orientavam a vida colectiva na
sociedade agrícola, a noção de "tempo vazio" na sociedade industrial deu origem a uma nova reali-
dade social coordenada pelas mais diversas burocracias que passaram a organizar e a regulamentar
as várias actividades no dia-a-dia, através de uma escala de tempo artificialmente construída. Sur-
giu assim uma medida de tempo físico e simultaneamente cultural, determinada pelo relógio, que
passou a coordenar e a sincronizar as actividades de um número cada vez maior de pessoas, orga-
nizações e países.
No mundo industrial, a máquina e o cronómetro passaram a ser o critério máximo de eficiência
e de eficácia que determina o êxito dos resultados. A máquina, come artefacto exterior ao trabalha-
dor, introduziu um tempo artificialmente planeado de acordo com padrões que deixaram de ter
relações com os ritmos da Natureza. O tempo começou a ser organizado de acordo com a disponi-
bilidade dos recursos. Associou-se ao dinheiro, isto é, a um custo pela sua utilização. Portanto, o
tempo ligou-se ao relógio de ponto, quer dizer, aos horários que se têm de encaixar no padrão tem-
poral de trabalho entre as nove horas da manhã e as cinco da tarde, pois o trabalho deixou de ser
de "Sol a Sol". Assim, o tempo artificial começou a reger a vida das pessoas nos seus mais diver-
sos aspectos. Entre outros:
· O ano escolar; ·As emissões televisivas;
· Os horários escolares; · Os horários nobres;
· As horas das refeições; · Os serviços;
· O horário dos transportes; · Etc.
· As horas de ponta;
Caos e o Ambiente [ 71
Pelo exposto podemos verificar que a sociedade industrial trata o tempo como um bem pre-
cioso que deve ser medido, categorizado, qualificado, estudado e compreendido duma forma conti-
nuada, segundo um modelo de sequência linear, em que a vida das pessoas se desenrola ao longo
de três grandes períodos: Educação; Trabalho; Reforma.
Entretanto, de há alguns anos a esta parte, têm vindo a ser realizados diversos estudos acerca
da utilização que as pessoas fazem do seu tempo. Já não se trata, somente, de organizar o tempo
de educação, trabalho e reforma, mas de compreender a complexidade da organização e utilização
do tempo numa sociedade global e complexa. Em conformidade, o tempo passou a ter as mais
diversas categorias que, sequencial ou concomitantemente, se desenrolam ao longo da vida de
cada um. As novas categorias de tempo são as mais diversas:
· De escolaridade; · Dos serviços de saúde;
·De trabalho (tempo de produção); · De lazer;
· De acesso ao comércio; · De cultura;
· De utilização dos serviços públicos administrativos; · De desporto;
· De utilização dos transportes colectivos ou individuais; · Etc., etc.
Entre todas estas categorias de tempo, estabelece-se uma grande diversidade de relações que
desenham, em cada momento, a organização da vidÇJ das diversas comunidades. Estamos, então,
no domínio da engenharia social, no sentido em que através de soluções ajustadas ao quadro da
situação real, resolvem-se problemas, constroem-se e afinam-se soluções para o futuro. De facto, o
acesso aos serviços administrativos, aos serviços de saúde, aos comerciais ou aos desportivos,
implica que exista uma articulação e fiexibilização dos horários e dos procedimentos, de maneira a
ajustar as disponibilidades das pessoas à obtenção de serviços. Assim, o tempo artificial passou a
estabelecer o calendário da estrutura complexa das relações funcionais, entre as diversas activida-
des que se desenrolam na vida dos indivíduos.
Por isso, as mais diversas organizações desportivas, em função da sua filosofia, têm tempos e
momentos próprios, de comando, de acção e de controlo, que organizam:
·As épocas; ·A hora do treino;
· Os calendários; · A hora do jogo;
·Os quadros competitivos; · Etc.
· Os ciclos de treino;
Se foi sobre a separação entre o espaço e o tempo que o desporto industrial se organizou,
agora, tudo leva a crer que o desporto pós-industrial se vai organizar através de uma compressão
espácio-temporal (ver quadro 3).
Concentração
Maximização
A sociedade industrial deixou-nos a ideia de que o grande é sinónimo de bom e de belo. Num número
significativo de situações a quantidade sobrepôs-se à qualidade. Hoje, como se sabe, em muitas situações
e circunstâncias, o grande está a tornar-se mau. Não é o grande em si, mas os problemas de gestão que
levanta. Grande, significa complexidade, que em termos organizacionais, muitas vezes, resulta em:
· Ineficiência; · Desperdício;
· Burocracia; · Confiitos.
· Comunicações estranguladas;
Uma das propriedades básicas dos sistemas sociais de tipo burocrático é que eles se movimen-
tam em direcção à maximização, ao crescimento e à expansão (l<atz & l<ahn, 1973). É a sociedade do
rendimento, "valem os que rendem", nas palavras de Manuel Sérgio (1986a), ora na competição entre
organizações e até países o que vale são as economias de escala que fazem disparar os processos para
23
No que diz respeito à organização do espaço desportivo ver Cunha, Luís Miguel (1997).
Caos e o Ambiente [ 73
i
Richard Pound
De acordo com Gilgert Heebner, as anomalias são sempre significativas. Por isso, não podemos
aceitar de todo a opinião de Richard Pound, ex-responsável pelo marketing do COI, quando faz a
seguinte pergunta: "Se tirarmos o 'sponsoring' e o comercialismo do desporto o que é que nos
resta?" E é o próprio que nos dá a resposta: "Uma sofisticada e bem afinada máquina, desenvol-
vida durante um período de 100 anos, mas sem gasolina".
situações complicadíssimas. Alvin Toftler avança mesmo com a opinião de que as sociedades da 2 3 vaga
são possuidoras de uma "macrofilia obsessiva". Nesta conformidade, o grande, e se possível o maior, tor-
naram-se sinónimo de êxito, de eficiência, de sucesso, de utilidade e de prestígio. Contudo, muitas vezes, o
grande não é mais do que um "grande elefante branco", quer dizer, um grande problema.
No corrente século, o desporto foi dominado pela divisa olímpica do "citius, altius, fortius". O gigan-
tismo dos Jogos Olímpicos é bem o exemplo para onde o desporto foi conduzido pelo mercantilismo
das grandes marcas que o sustentam. Na realidade, o "mais rápido", "mais alto" e "mais forte" conduziu
a que, hoje, o desporto, tanto a Ocidente como a Oriente, assuma características que o podem levar à
própria destruição, como sejam, por exemplo, entre outros, o doping ou a exploração do trabalho infantil.
Centralização
O sistema desportivo, para funcionar de maneira síncrona, quer dizer, coordenada, articulada,
tem de ter níveis de centralização do poder e do comando ajustados a cada realidade. No século
XIX, foram iniciados processos de organização sustentados em mecanismos de centralização da
informação, do poder e do comando. Da unidade de comando (só comanda quem está na posse
da informação e só quem está na posse da informação tem capacidade de comando) surge, de
uma forma natural, a capacidade de coordenação. Contudo, esta necessidade de centralização da
informação, do poder e do comando pode levar a excessos. Entre nós, não é por acaso que durante
muito tempo se ouviu dizer que "Portugal é Lisboa e o resto é paisagem". Este ditado popular
refere bem quanto a concentração do poder e do comando tem estado circunscrito ao Terreiro do
Paço, muito embora existam Regiões Autónomas e um forte espírito de regionalização em todo o
país. A regionalização tem de ser entendida e praticada sem demagogias, no sentido das popula-
ções serem detentoras do seu presente de forma a poderem, de alguma maneira, controlar o seu
futuro. Em matéria de desporto, embora se tenha de reconhecer que existe por parte das regiões
continentais uma forte vontade de contrariar a centralização de tudo em Lisboa, o que é facto é que
toda a lógica da estrutura associativa federada assenta numa forte centralização do poder e do
comando nas federações, a maioria delas com sede em Lisboa e com todas as possibilidades de
"lobilizarem" no sentido de manterem o statu quo. Aliás, facilmente se pode verificar que a organi-
zação federativa se baseia numa estrutura vertical descendente em que as periferias estão condena-
das a viverem na míngua de recursos humanos, materiais e financeiros, consumidos nos grandes
centros de Lisboa e do Porto. Por exemplo, a escassos meses de acabar uma legislatura, o Secretá-
rio de Estado da Educação e Desporto, do XII Governo Constitucional (PSD), em entrevista ao jor·
na I desportivo A Bola de 23/1 j1995, afirmou que dos quatro milhões de contos gastos com o asso-
ciativismo desportivo no ano de 1994, 88% foram entregues às federações desportivas e só 12%
aos clubes. Em conformidade, prometeu uma inAexão na "política desportiva", indo passilr a apoiar
mais os clubes e menos as federações. Contudo, hoje, a situação, se não for pior, não deve ser
muito diferente. Na realidade, o movimento desportivo está a ser objecto de uma concentrofilia
obsessiva que está a pôr em causa o seu próprio desenvolvimento.
74 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Este autor, no livro intitulado The Age of Unreason, diz-nos que os indicadores da mudança são
os seguintes:
·Alarme; · Novas estruturas;
· Novas caras; · Novos objectivos;
· Novas questões; · Novo paradigma.
Para o autor, não existem predições verdadeiras, pois estamos a entrar numa era sem sentido,
numa era em que o futuro, em inúmeras áreas, está a ser formatado por nós e para nós, no
entanto, por paradoxal que possa parecer, estamos também a entrar numa era em que a única pre-
dição verdadeira acerca do futuro é a de que não existe nenhuma predição verdadeira. De facto, se
fizermos uma análise acerca daquilo que se passa nas organizações e na própria sociedade quando
entram em crise, quer elas sejam um clube, uma federação desportiva, um partido, um governo ou
a sociedade em geral, podemos verificar que tudo se desencadeia com uma situação de alarme, já
que começam a surgir sinais que indicam que as coisas se estão a complicar. Por vezes, surge até o
caos e o pânico. Aqueles que estão em situação de comando deixam de ter condições para decidir.
Diminui-se-lhes a margem de manobra. Perdem o controlo. A derrocada apresenta-se à vista. Sur-
gem novos protagonistas. Novas caras com novas ideias e novos projectos que podem introduzir
novas dinâmicas nas organizações, quer elas sejam desportivas ou outras. Resta saber se ainda vão
a tempo, ou se já estão estabelecidas as condições para a organização aceitar as transformações e,
consequentemente, a mudança. Num ambiente deste tipo surgem necessariamente novas ques-
tões. Tudo é reequacionado, para que possam ser idealizadas novas estruturas de ideias, novas
estruturas materiais, novas estruturas financeiras, novas estruturas humanas. Em consequência,
definem-se novos objectivos e aparece um novo paradigma organizacional e social.
Factores de desenvolvimento
No domínio do desporto, temos aquilo que se designa por factores de desenvolvimento do des-
porto (Castejon Paz, 1973). Entendemos por factor de desenvolvimento do desporto um instrumento
de transformação e de progresso que, transformado em programa, tem por objectivo provocar uma
melhoria numa determinada situação desportiva, num dado período de tempo. Tem sido usual con-
siderar como factores de desenvolvimento do desporto (Gustavo Pires, 1986) os seguintes:
1. Orgânica; 7· Instalações;
2. Actividades; 8. Apetrechamento;
3· Marketing; 9· Quadros humanos;
4· Formação; 10. Finanças;
5· Documentação; n. Normativo;
6. Informação; 12. Gestão.
3.4 Cenários
A ausência de alternativas clarifica maravilhosamente
o espírito.
Henry l<issinger
O desporto está a evoluir a uma velocidade vertiginosa, num mundo em que só a mudança é
imutável. Deste modo, quando se trata de perspectivar a mudança social e organizacional, o con-
ceito de cenário é de utilidade fundamental. Pelo quadro 4 podemos verificar que um dado
ambiente pode ser caracterizado em relação ao grau de complexidade, à velocidade de mudança e à
similitude dos elementos.
Velocidade. A velocidade de mudança pode ser lenta ou rápida.
Complexidade. A complexidade pode ser simples ou elevada.
Elementos. Os elementos podem ser ou não similares.
Destas três categorias - velocidade, complexidade e elementos - podem ser construídos oito
cenários que dão origem a outras tantas atitudes em relação ao processo de planeamento. Em con-
formidade, apresentam-se os seguintes cenários possíveis:
Cenário 6- Muito difícil previsão. Elementos desportivos não similares, complexos e estáveis;
Velocidade de mudança
Grau de
complexidade
Lenta Rápida
.
Elementos Elementos
Elementos Elementos
3.5 Atitudes
Aponta para a Lua. Se falhares aterras no meio das estrelas.
Les Brown
Como se percebe pe lo exposto, lid ar com cenários obriga a uma determinada atitude por parte
do gestor.
A maioria das previsões do futuro baseiam-se na extrapolação da experiência passada. Mas, como o
passado geralm ente não se repete, as previsões, em grande medida, acabam por estar erradas. Quando
estão certas, numa grande maioria de situações, o futuro não passa de uma simples repetição do pas-
sado. Autores como Ralph Stacey (1992) propõem uma nova atitude est~atégica em relação à organ iza-
ção do futuro, já que os antigos mapas (metodologias) deixaram de responder às necessidades actuais
dos tempos de turbulência e de mudança que vivemos. De facto, estamos a viver tempos de grande
turbulência, caracterizados pelos cenários muito vo láteis do tipo 6, 7 e 8 do quadro 4· É necessário reali-
zar constantemente novos mapas porque já não é suficiente fazer uma simples cópia ou afinação
daqueles que já existem. Não é uma tarefa fáci l, no entanto, pode ser superada se se considerar que as
pessoas, e através delas as organ izações, podem ter diferentes atitudes em relação à previsão do futuro.
Cada uma das atitu des dá origem a outras tantas formas de estruturar a própria organ ização. De
acordo com Russell Ackoff (1974) existem três possibilidades. As pessoas podem:
1. Espe rar que as co isas aconteçam para depois reagirem;
2. Prever aqu il o que eventua lm ente surgirá para prepararem a resposta certa, antes dos aconte-
cimentos surgirem;
3· Engendrar as condições para a construção e organ ização do futuro, segundo os próprios desejos.
Caos e o Ambiente [ 77
Sintetizando, temos:
1. Esperar e reagir;
2. Prever e preparar;
3· Fazer acontecer.
Atitudes
Se nos primeiros cenários do quadro 4 a previsão é possível por extrapolação ou por analogia, a
partir do cenário 5, em que os elementos podem ou não ser sim il ares, a complexidade é elevada,
embora a velocidade de mudança não seja grande, em termos de planeamento, não é aconse lh ável
ficar à espera que as coisas aconteçam para depois se reagir. Se assim acontecer, os sistemas e as
organizações fecham-se cada vez mais sobre si próprias, alienam-se em relação à realidade que as
circunda e passarão a viver muito mais orientados para um passado que já passou do que para um
futuro que há-de vir. Em conformidade, é necessário ultrapassar esta perspectiva de entender o
fenómeno desportivo para passar a perspectivá-lo numa dinâmica de acordo com o amb iente eco-
nómico e social que se vive à escala do planeta. Até porque num ambiente dinâmico e imprevisível:
1. Esperar que as co isas aconteçam para depois reagirmo s, limitamo-nos a correr atrás dos
acontecimentos. As pessoas deste tipo são reactivas;
2. Prever os acontec im entos, para preparar a resposta, acabamos por, em muitas situ ações, nã.o
sermos capazes de reagir em tempo real. A veloc id ade dos acontecimentos ultrapassa a
nossa capacidade de reacção. As pessoas deste tipo são planificadoras;
3· Só nos resta a hipótese de fazer com que o futuro aconteça de acordo com os nossos dese-
jos. As pessoas deste tipo são empreendedoras.
A estratégia tem de ser a de fazer com que as coisas aconteçam de acordo com as ideias daque-
les que têm capacidades e competências para idealizarem um futuro a médio e lon go prazos. Que
tenham uma visão prospectiva (primeiro produto do processo de planeamento) num ambiente de
paradoxos e contradições como o actual. Nestas circunstâncias, é necessário ser capaz de gerir:
·Teoria e prática; • Micro e macro;
• Novo e velho; ·Curto e longo prazos.
Como refere Friedrich Nietzsche (2003), o vulgo julga reconhecer algo de rígido, de acabado, de
permanente. Na verdade, a cada momento, luz e trevas, amargo e doce, estão juntos e ligados
entre si, como dois lutadores, dos quais ora um ora outro está em vantagem. O mel é, segundo
Heráclito, ao mesmo tempo amargo e doce, e o próprio mundo do desporto (acrescentamos nós)
é uma cratera cuja mistura tem de ser constantemente remexida. Em conformidade, é conveniente
olh ar para o futuro, não numa perspectiva sonhadora daquilo que se deseja, mas numa postura
pragmática e dialéctica no que diz respeito à realidade presente que é possível constru ir, em função
duma ideia prospectiva que desejamos fazer acontecer. E o filó sofo continua dizendo que todo o
futuro nasce da guerra dos opostos. As qualidades estáticas que nos parecem duradouras expri-
mem somente a preponderância momentânea de um dos lutadores, mas com isso a guerra não
chega ao fim, a lu ta perdura para se mpre.
78 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus
Atitude proactiva
O grande problema que se coloca ao mundo do desporto é a dificuldade que as suas lideranças
têm de se adaptarem aos tempos de mudança que hoje estamos a viver. Funcionar numa lógica de
rotina quando o que se espera dos líderes é que tenham uma atitude proactiva, está a colocar o des-
porto numa situação muito difícil. Esta situ ação só vai ser alterada quando começarem a chegar ao
mundo do desporto novas gerações com outra vontade e outras competências, em busca de um
emprego e da realização pessoal e profissional, num mundo onde os empregos interessantes estão a
rarear. A não ser ass im, o desporto vai continuar a seguir o caminho dos dinossauros, como se prova
pelo perfil dos dirigentes que, em Portugal, há dez, quinze, vinte e mais anos ocupam o vértice estraté-
gico do movimento desportivo, com enormes inconvenientes para o normal processo de desenvolvi-
mento do desporto e enormes custos para os contribuintes.
Epicuro escreveu que não sendo o futuro conhecido ele também não nos é completamente
estranho. Assim, não devemos ficar à espera que ele aconteça, mas também não devemos ficar
desiludidos se ele não acontecer da maneira que desejamos.
É neces sá ria uma enorme capacidade de idealização e de so nho para construir os ê aminhos do
futuro. Quando se está no domínio da criatividade, através da exploração da capacidade intuitiva
das pessoas envo lvidas no processo de planeamento, existe um conjunto de leis que nos podem
dar a primeira perspectiva da evo lu ção tendencia l dos acontecimentos. Segundo Gilbert Heebner,
vice-presidente do Centro de Interdependência Global (G IC), devem ser consideradas sete leis
quando se trata de realizar uma previsão sobre o_futuro:
1. Se o futuro não surge ao acaso, a história também não se repete com exactidão;
2. De tempos a tempos, surge um choque, geralmente imprevisível, que obriga a sociedade a
mudár de rumo;
3· Na maioria das vezes, o consenso das previsões dos especialistas costuma estar certo;
4· Sustentar demasiado tempo determinada teoria pode ser perigoso;
S· Muitas previsões podem estar certas quanto à sua substância mas não quanto ao seu horário;
6. As anomalias são sempre significativas;
7· Aprende-se mais através da .forma como se chegou a determinada previsão do que propriamente
com a previsão em si.
Gerir paradoxos
É evid ente que se está no domínio das contradições e dos paradoxos. Contudo, é bom que se
entenda que a capacid ade de gerir, de uma forma coerente, paradoxos e contradições é uma das
mais im portantes competências que se exigem aos gestores dos novos tempos.
A partir deste conjunto de id eias, somos levados a pensar que é muito possível que as previ-
sões sirvam, fundamentalmente, para orientar as políticas. Obrigam a que exista uma linha de
rumo, quer dizer, que se saiba para onde se quer ir e como é que se deseja lá chegar. Para o efeito,
é necessário constru ir constantemente novos mapas que corrijam e orientem o cam inho que se
Caos e o Ambiente [ 79
deseja prosseguir. Tal como a poetisa Sophia de Mello Breyner ca nta, também os navegadores por-
tugueses no século XV "navegavam com o mapa qu e faziam". Eles ada ptava m o se u com port a-
m ento aos aco ntec imentos, experi ências e novos co nhecim en tos que ocorriam ao longo das via-
gens e qu e serviam para dese nh arem os mapas que, em simultâneo, os gui avam.
Transpondo esta ideia para o domín io da gestão, podem os equ acionar, co mo se especifica no
qu ad ro 5, cin co ambientes de turbulên cia cat ego ri za dos numa esca la de ze ro a cinco (lgor An soff,
1993), aos quais correspondem um co njunto de acontecimentos e de atitudes que se ind ica m na
co lun a da esquerda:
1. Tipo de acontecimentos; 4· Planeamento poss ível;
2. Capacidade de re sposta do gestor; 5· Situ ação orga nizacional.
3· Possibilidade de rea liza r previsões;
Acontecimentos
Entre áco ntecim entos normai s e aco ntecimentos descontínuos novos, passando por extrapola-
ções e descontínuos com o passado, os diversos acontecimentos são determinados por cada cenário
próprio da turbulência. Aqui já não se trata de perceber do ponto de vista interno o grau de comp lexi-
dade e a velocid ade de mud ança de um determinadO<amb iente. Trata-se, do ponto de vista externo,
perceber que determinados acontecimentos categorizados na referid a esca la de lgor An soff (1 993)
obri ga m a determinad as atitudes do gestor no que diz respeito à sua ca pacidade de resposta, à possi-
bilid ade de serem rea lizadas previsões, ao ti po de planeamento e à situ ação organizacional.
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Ambiente 1 2 3 4 5
Extrapolação Descontínuos
Acontecimentos Normais Descontínuos novos
possível com o passado
Ajustada
Capacidade de Mais lenta do que a capacidade Mais rápida do que a capacidade
à capacidade
resposta de resposta de resposta
de resposta
Apuramento
Possíveis por Futuro Futuro
Previsões Decorrentes de ameaças
extrapolação não previsível imprevisível
e oportunidades
Gestão estratégica
Planeamento Ti po financeiro Longo prazo Estratégico Gestão de surpresas
em tempo real
Situação
organizacional
Rotina - ~ Segurança - ~ Atenta - --. Din âmica - ~ Proactiva
Capacidade de resposta
A sociedade industrial ensinou às pessoas o que fazer e como as coisas deviam ser feitas. Num
ambiente industrial complexo e turbulento os líderes têm sido pressionados pelo sentimento de
urgência e envolvidos numa atitude estratégica que, no fundo, tem resultado em menor qualidade
das soluções, na medida em que estas acabam por estar desligadas dos verdadeiros interesses das
pessoas. O sentido de urgência tem afastado os dirigentes e gestores da génese dos problemas do
desporto que dizem respeito ao processo de desenvolvimento humano. Todas as evidências indi-
cam que, em muitos países, os governos e as grandes organizações internacionais deviam actuar à
margem de um alienante sentido de urgência, de maneira a protegerem os cidadãos de um tipo de
sociedade que já só se interessa pela velocidade sem sequer querer saber qual o seu destino.
Caos e o Ambiente [ 81
3.6 Consequências
O primeiro sinal de corrupção numa sociedade que
ainda está viva é que os fins justificam os meios.
George Bernanos
A questão agora tem a ver com a capacidade dos governos e das organizações privadas, com e
sem fins lucrativos, num mundo a viver uma enorme ebulição, no respeito dos valores democráticos e
da própria dignidade humana, determinarem as políticas desportivas necessárias ao desenvolvimento
do próprio desporto. Tem a ver com a necessidade de passar da teoria à prática, o que não é fácil,
para a construção de um desporto novo, não piramidal, corporativo e diletante como no passado,
mas um desporto em rede, livre e competente, que possa responder aos desafios do futuro. Ora, isto
só é possível a partir do conceito de "posição original". Muito embora voltemos a este assunto, por
agora diremos que, segundo John Rawls (1997, 2001), "posição inicial" é uma situação de partida em
que os homens como seres racionais acordam em associar-se para alcançar a justiça e o desenvolvi-
mento. Para o efeito, promovem uma justa repartição dos direitos básicos em que as desigualdades
só são aceitáveis enquanto promotoras do bem comum.
Em conformidade, o desenvolvimento só pode partir de uma ideia de cooperação entre todos, o
que exclui à partida qualquer privilégio monopolista no que diz respeito às mais diversas áreas
organizacionais e sectores de prática desportiva sob pena de ficarem prejudicadas as leis do jogo
da cooperação. Ora, este é um dos principais problemas do Modelo Europeu de Desporto que fará,
certamente, correr muita tinta na União Europeia durante os próximos anos. Como é que pode
existir cooperação se não está garantida a diversidade?
O quadro 6 procura estabelecer um espectro de ambientes teóricos a partir dos quais é possível
entender a organização do desporto moderno. Como se sabe, o desenvolvimento do desporto
durante o século XX fez com que o mundo do desporto se organize nos mais diversificados mode-
los, que se podem caracterizar através de um gráfico constituído por um sistema de eixos em que o
24
Esta tendência desagregadora do desporto moderno contrasta com a mentalidade totalitária e monopolista que alguns
dirigentes desportivos têm sobre determinados espaços de desenvolvimento do desporto que consideram próprios. O
desporto do futuro passa pela implementação de estruturas organizacionais em rede, que hão-de ultrapassar a estrutura
piramidal que caracteriza o modelo actual. Significativo é o estudo solicitado pela União Europeia sobre o desporto euro-
peu a uma comissão independente presidida pelo português José Luís Arnaut. Aguardam-se os resultados.
AGONGD-06
82 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
eixo horizontal determina uma perspectiva mais ou menos burocrática ou orgânica de gerir o fenó-
meno desportivo eo eixo vertical uma perspectiva mais ou menos racional ou a-racional de organi-
zar o mesmo fenómeno. Quer dizer, um sistema de eixos em que, do ponto de vista organizacio-
nal, se procura identificar a dinâmica "burocrática versus orgânica" e outro, em que, do ponto de
vista pessoal, se considera um comportamento "racional versus a-racional". Vejamos, então, o que
é que se passa no interior de cada um dos quadrantes (A, B, C, D) que resultam do cruzamento
dos eixos considerados.
Organização biológica
O ambiente (A) é caracterizado por todo um conjunto de actividades espontâneas que vão da
religião e a arte da guerra, à violência e à competição que caracterizam as mais diversas actividades
humanas. Como referimos, o desporto encontra as suas raízes, entre outras, naquelas actividades.
No quadrante (A) consideramos o desporto em primeiro lugar na sua perspectiva antropológica e,
em segundo, numa perspectiva actual, como "válvula de escape" pessoal e social. Neste sentido,
estamos a considerar não só as actividades informais e "inorganizadas", na perspectiva de Christien
Pociello (1991), mas também outras actividades sociais mais ou menos duras ou doces, tais como
as diversas formas de violência, vertigem, algazarra, sejam elas legais ou ilegais, algumas perten-
cendo à cultura institucionalizada, outras a uma subcultura que em qualquer dos casos contribui
para estabelecer o equilíbrio da organização social espontânea, gerida através do acaso. Nietzsche
(2005), em A Origem da Tragédia, apresenta a noção de acaso como sendo o encontro fortuito de
forças que constituem o devir vital. Esse encontro implica a vitória da afirmação da vida à margem
de qualquer estratégia de conhecimento e de controlo. Estamos no domínio dum processo de adap-
tação constante, de ajustamento aos acontecimentos desconhecidos, por alternativa a soluções de
compromisso ou soluções contingenciais, em relação àquilo que é respectivamente conhecido certo,
conhecido incerto e desconhecido.
Caos e o Ambiente [ 83
Durante o século passado, a maioria dos regimes políticos utilizaram o desporto como um ins-
trumento de promoção dos respectivos poderes, sem que tivessem qualquer ideia acerca do que o
desporto deveria e poderia ser do ponto de vista ideológico. A ideologia esteve, e em demasiadas
circunstâncias continua a estar, fora da ideia de desporto, na medida em que o desporto tem
estado demasiado envolvido numa perspectiva pragmática de desenvolvimento, à margem de qual-
quer ideia para além do curto prazo. Em muitas situações, o desporto foi usado para promover
regimes políticos, como tivemos a oportunidade de ver durante a "guerra fria". De facto, o desporto
no século XX foi utilizado bastas vezes, pelos mais diversos regimes, como um instrumento inerte
sob o ponto de vista ideológico para propagandear os respectivos projectos políticos.
Por exemplo, os Jogos Olímpicos de 1936, realizados em Berlim, foram um excelente meio de pro-
paganda para o reg1me nazi. Benito Mussolini, inspirado no nazismo, foi dos primeiros políticos a repa-
rar que os Campeonatos do Mundo podiam ser peças feitas à medida de qualquer líder nacionalistis
26
Ver Oliveira, António Leal (1938). Reflexões sobre os jogos Olímpicos de 1936. Lisboa, Liga dos Combatentes da Grande Guerra.
84 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Na mesma década, a URSS idealizou um programa de educação física sob a divisa "prontos para
a defesa e o trabalho". Franco, em Espanha, e Salazar, em Portugal, usaram o desporto como uma
arma para controlar os respectivos regimes. A máxima de Stroessner para o desporto, enquanto presi-
dente do Paraguai, era "o corpo ao serviço da pátria". Também o Brasil teve a sua versão fascista de
utilização do corpo através do desporto no consulado de Getúlio Vargas (Lamartine, DaCosta, 1999).
Durante os últimos cinquenta anos do século passado, o mundo do desporto foi conduzido pela
rivalidade entre os Estados Unidos da América e a União Soviética. Nos EUA, Robert l<ennedy afir-
mava, em 1964: "É de interesse nacional que nós voltemos a ganhar a nossa superioridade olímpica e
que uma vez mais demos ao mundo uma prova da nossa força interior e vitalidade". Os boicotes aos
jogos de Moscovo (1980) e de Los Angeles (1984) foram algumas das consequências mais visíveis da
política de confrontação das grandes potências através do desporto. Aliás, os boicotes já vinham de
trás. O Egipto, o Iraque e o Líbano tinham boicotado os Jogos de Melbourne (1956), em protesto con-
tra o controlo anglo-francês do Canal do Suez. Os Países-Baixos, a Espanha e a Suiça também o fize-
ram em protesto contra a invasão da Hungria. Em Montreal (1976), 33 países africanos, represen-
tando mais de 400 atletas, boicotaram os Jogos em protesto contra a política do "apartheid".
Pese embora todas as dificuldades, os governos, de uma maneira ou de outra, nunca deixaram
de apostar em "projectos olímpicos". Um caso paradigmático é o Canadiano. Por exemplo, nos
Jogos Olímpicos de Roma (1960), os Canadianos conseguiram somente uma medalha de prata em
remo. Em 1970, segundo Bruce l<idd, professor na Universidade de Toronto, que competiu pelo
Canadá nos Jogos de 1964 (Time, 15/7/1996, vol. 148, n. 3), na Administração Trudeau, o investi-
0
Esta menor coerência, que pode ser entend ida como muito positiva, está a acontecer por todo o
mundo, pelo que estão a surgir os mais diferentes tipos de prática desportiva enquadrados por orga-
nizações com estruturas li geiras e informais, à margem do modelo estandard izado e formal legado
pela civi li zação industrial. Mas também apresenta aspectos bem negativos. De facto, os governos
deixaram de saber o que fazer em matéria de políticas pública s e como tal fazem aquilo que lhes é
ditado pelas pressões dos lóbi s institucionalizados, muitas vezes à margem de qualqu er gestão polí-
tica do interesse público. A opção da câmara municipal de Lisboa em matéria da construção de uma
rede viária para utilizadores de bicicletas é bem o exemplo do que acabámos de referir.
Quanto a nós, a atitude da câmara revela uma ausência absoluta de sensib ilid ade em matéria
de serviço público que no âmbito do desporto devia proporcionar aos seus munícipes. Em primeiro
lu ga r, porque o projecto só seria megalómano se o quisessem fazer em seis meses. Um projecto
deste tipo é para ir fazendo ao longo do tempo com marcos, prazos e orçamentos bem definidos.
Em segundo, revela uma ausência absoluta de bom senso em matéria de promoção de hábitos
desportivos. Falar em resultados a cinco gerações parece-nos um argumento que mais não é do
que um atentado à inteligência dos munícipes. Em terceiro lu gar, o desenvolvimento faz- se para
beneficiar as gerações actuais mas, fundamentalmente, para as futura s. Não é isso que as actuais
gerações devem aos seus filhos? Não é este um dos prinCípios do desenvolvimento sustentado?
Quando uma situação atinge uma enorme confusão, a melhor estratégia é começar tudo de
novo e apurar o que é que o desporto dos nossos dias, em termos de responsabi lidade do Estado,
realmente representa no processo de desenvolvimento humano. Claro que se pode continuar a cor-
rer atrás dos acontecimentos. No entanto, de uma maneira geral, as pessoas não aceitam aqu il o a
que podemos chamar de "cocaco lização" do desporto, quer dizer, a transferência para o mercado
das competências in ali enáveis do Esta.do, como uma estratégia dos governos para ali geirarem res-
ponsabilidades, deixando para o mundo das organizações co merciais, que no fundo se servem
(legitimamente) do desporto para vender os próprios produtos, uma re sponsabilidade que deve
competir ao Estado. Quando isto acontece, significa que os governos não estão a cumprir a sua
missão, e estão a transformar os seus cidadãos em meros clientes, esquecendo-se que cada cliente
antes de o ser é um cidadão com direitos intransmi ssíve is. Actualmente, em Portugal, chegou-se ao
extremo do absurdo de ser a estrutura ministerial do Desporto Escolar a patrocinar a realização de
um campeonato de futebol promovido pela Coca-Cola.
Em nossa opin ião, quando a confusão é generalizada o melhor é regressar às origen s, aos
ideais olímpicos que nos foram legados pela cultura gregi 6 e que são património da humanidade.
26
Os Jogos Pan-helénicos, além de festas religiosas, eram também grandes acontecimentos culturais, pois a eles assistiam
líderes políticos, negociantes e artistas. Escritores, poeta s, mú sicos, pintores e escu ltores encontravam nos jogos uma
excelente oportunidade para divulgarem as suas obras de arte.
86 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Evidentemente que adaptados ao nosso tempo por esse grande visionário do século XX que foi
Pierre de Coubertin, bem como ajustados ao século XXI em que vivemos. São eles que podem
determinar os objectivos e restabelecer novamente o rumo para o desporto moderno, desde que os
dirigentes não se tenham eles próprios rendido a Dionísio e entregue o desporto a Hermes.
Mercado
Real Madrid
"O Real Madrid é um Ro/Is Royce enquanto o Barcelona não passa de um Mercedes." A céle-
bre frase de Jorge Valdano foi repetida por um director de marketing dos "merengues", José Angel
Sánchez, para justificar os resultados de um estudo efectuado na Alemanha, segundo o qual o Real
Madrid tem actualmente 228 milhões de adeptos em todo o Mundo, situando-se no topo das pre-
ferências, bem longe de clubes como Manchester United, AC Milão ou mesmo o Barcelona.
ln O Jogo, 29/11/2005
Caos e o Ambiente [ 87
Patrocínio
grandes empresas multinacionais estão a tomar conta do mundo do desporto, temos de nos pergun-
tar se o Olimpismo e os próprios Jogos Olímpicos não correm o risco de deixar de ser uns jogos de
atletas ou de países para passarem a ser uns jogos de marcas (brands) >
Empreendedores como Rupert Murdoch e outros, bem como organizações tais como a alemã l<irch,
as holandesas Morgan Granfell, lng Barings e UBS, pretendem dominar a indústria do entretenimento
através de grupos de empresas com uma estratégia de integração vertical duma cadeia de valores econó-
micos, representados por produtos e serviços específicos. O objectivo é controlarem a produção de con-
teúdos e a sua distribuição. No entanto, como se sabe; estas grandes organizações, quando menos se
espera, entram em colapso, como aconteceu, por exemplo, à l<irch ou à IS L, deixando em estado de cho-
que muitas organizações do mundo do desporto, sobretudo do mundo do futebol, aliás à semelhança de
outras tantas falências, tal como da Worldcom Inc. (2002), Enron Corp (2001), Texaco Inc. (1987) e
outras, que acabam por deixar a própria economia mundial em estado de choque. Mas estes desastres
não parecem fazer esmorecer os eventuais investidores, porque, entretanto, outras grandes empresas,
como a Disney, Time Wamer, Bertelsmann, Viacom Group e, provavelmente, a Sony e a Microsoft de Bill
Gates, já estão a competir por uma posição na indústria do entretenimento global. Em conjunto estes
grupos são proprietários de satélites, redes de transmissão, serviços de televisão, discos e companhias
de música, estúdios de Hollywood, empresas de produção, televisões por cabo, filmotecas, produtoras
de software, bases de imagem digitalizada, editoras, clubes e empresas de desporto, pelo que estão a
apostar duma forma integrada no mundo do entretenimento. Estamos no domínio da gestão económica
do desporto, da gestão de negócios, do espectáculo desportivo e da economia do desporto, como repre-
sentamos no quadrante (D).
Se hoje é reconhecido que o desporto em geral pode interferir na economia, o futebol em particular
fá-lo com grande incidência. Mas se considerarmos os Jogos Olímpicos, os efeitos ainda podem ser
mais significativos. No entanto, é bom que se entenda que esta inter-relação entre o desporto e a eco-
nomia nem sempre é de sinal positivo na medida em que muitas vezes o ser humano é o que menos
interessa em todo um processo em que se visa, exclusivamente, obter o lucro. Há desporto gerador de
externalidades de sinal negativo que não podem deixar de ser consideradas. Em conformidade, a candi-
datura à organização de mega e grandes eventos deve obrigar a procedimentos, garantias e decisões
que afastem candidaturas aventureiras sem a mínima consistência e ainda menos viabilidade, em que a
única coisa que se procura é obter um efeito de anúncio 27 , em benefício de dirigentes desportivos ou
políticos de moralidade duvidosa. A ideologia olímpica só tem sentido se estiver verdadeiramente ao
serviço das pessoas, sobretudo na defesa dos grupos sociais mais desfavorecidos.
27
Efeito de anúncio: estratégia utilizada por alguns políticos e dirigentes desportivos, quando anunciam realizaçoes e acon-
tecimentos com o único objectivo de tirarem vantagens desse anúncio. Contudo, fazem-no na plena consciência de que
aquilo que anunciam jamais se realizará.
88 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Nas mais diversas áreas e sectores de desporto o desenvolvimento não pode fazer cedências ao
mercantilismo que, de uma forma desenfreada, em muitas circunstâncias, está a envolver o des-
porto moderno. O desenvolvimento através da gestão deve estar ao serviço das diferentes necessi-
dades dos mais diversos estratos sociais e propor as soluções mais ou menos sustentadas no
Estado ou no mercado em função dos anseios das populações. Ao Estado o que é do Estado e ao
Mercado o que é do Mercado. O problema universal é que, no curto prazo, em termos políticos,
uma medalha olímpica vale mais do que um milhão de pessoas a praticar desporto 28
. 3.7 Conclusão
Não se pode acreditar em coisas impossíveis, disse Alice.
Isso éfalta de treino, disse a Rainha.
Lewis Carol, in Alice no País das Maravilhas
A desagregação do desporto de que falávamos não significa que o desporto esteja em declínio.
Bem pelo contrário, o desporto cada vez está mais envolvido na dinâmica social, muito embora em
várias circunstâncias não seja da melhor maneira. Por ausência duma ideia clara e dum sentido
para o desporto, manifestados de uma maneira geral pelo poder político público ou privado, a ges-
tão fica transformada numa actividade de alto risco sem qualquer sentido. Por isso, se, por um
lado, gerir surpresas é uma das capacidades que hoje têm de ser exigidas àqueles que têm respon-
sabilidades administrativas e técnicas no mundo do desporto, por outro, mais importante ainda, é
exigir-se-lhes uma capacidade prospectiva, naquilo que tem a ver com a organização do quotidiano
a partir duma ideia de futuro que possa ser partilhada. Só assim é possível ultrapassar essa reali-
dade que nos diz que só a mudança é imutável, quer dizer, o Mundo muda porque ele próprio é
mudança, como há três mil anos referiu Heráclito. Em conformidade, é fundamental ter do des-
porto uma ideia de processo em constante evolução de paradigma em paradigma e não uma sim-
ples ideia de produto que de uma maneira reducionista acaba por se consubstanciar em termos de
exclusividade no espectáculo desportivo.
Heráclito (540·480 a. C)
Filósofo grego nascido em meados do século VI a. C. Para ele, "nada pode ser pensado sem o
seu contrário" e "na Natureza nada há de permanente a não ser o conflito e a mudança." A ori-
gem de todo o dinamismo assenta na luta entre opostos, pelo que a realidade do devir passa pela
constante mobilidade das coisas. Assim sendo, os opostos devem manter-se num estado de alter-
nância cíclica e de equilíbrio global. A Heráclito se ficou a dever a célebre máxima: "Não nos pode-
mos banhar duas vezes no mesmo rio" que, infelizmente, não atinge muitos dos nossos dirigentes
desportivos do vértice estratégico do desporto nacional que já vão em três, quatro e cinco manda-
tos consecutivos de quatro anos, pelo que acabam por ser um entrave ao normal processo de
desenvolvimento do desporto.
28
Lín Yutang (1895-1976), filólogo chinês, dizia que a sociedade só pode existir sobre uma certa base de amáveis mentiras e
desde que ninguém diga exactamente aquilo que pensa.
Caos e o Ambiente [ 89
Um desporto em transformação
Os Jogos Olímpicos surgiram pela primeira vez em 776 a. C., na cidade de Olímpia, em honra
de Zeus, o pai dos deuses. Organizavam-se de quatro em quatro anos. Foram abolidos em 393 d. C.
pelo imperador cristão romano Teodósio I, por serem festivais pagãos. Os jogos e as competições na
Grécia Antiga ocupavam um lugar central na vida dos gregos. Eram associados aos mais diversos
aspectos da vida. Aos deuses, às festas e comemorações, aos feitos heróicos, à destreza humana, à
beleza e à estética do corpo e do movimento, bem como à intenção mística e fúnebre. No canto IX
da Ilíada, Homero descreve as competições fúnebres que precederam a inumação de Pátrocles,
escudeiro de Aquiles, morto por Heitor durante a guerra de Tróia.
- - - - ____ J
'
29
Os Jogos Olímpicos, Píticos, Ístmicos e Nemeus eram os mais importantes da Grécia. Em Corinto, realizavam-se os Jogos Ístm,i-.
cos. Em Delfos, em honra do famoso Oráculo de Apoio, realizavam-se os jogos Píticos. Em Argos organizavam-se os Jogos
Nemeus. Em Olímpia, os Olímpicos. Este conjunto de jogos ficaram conhecidos como jogos pan-helénicos. Os jogos Olímpicos
eram celebrados em Olímpia em honra a Zeus. Os de Delfos em honra a Apoio, daí serem chamados de Píticos. Os jogos de
Nemeus, da antiga cidade de Neméia (hoje chamada de Heracléia), eram celebrados em honra a Zeus e a seu filho Héracles, o
famoso Hércules dos romanos. Os jogos nemeus ocupavam o quarto lugar em importância. (http:f jgreciantiga.orgf)
90 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
A gestão do desporto, numa perspectiva dita aplicada, é qualquer coisa que existe desde sempre.
Na cerimónia de abertura os juízes juravam não falsificar os resultados. No encerramento, todos
presidiam ao banquete final e coroavam os vencedores. O prémio era uma coroa de oliveira brava,
árvore simbólica de Héracles. O número de provas foi aumentando até chegar às 14 competições.
Corridas de carros de cavalos, de carros de mulas e de cavalos de sela; Pentatlo (disco, dardo, corri-
das pedestres, luta e saltos); Dromo (uma volta ao estádio); Diaulo (duas voltas ao estádio); Dólico
(24 vezes o comprimento do estádio); Provas de luta, pugilismo e pancrácio (espécie de luta livre). O
primeiro campeão olímpico foi Coreobo, que venceu o dromo ou estádio, em 776 a. C.
Qual a estrutu ra e a din âm ica de um a co nce pção po líti ca em matéri a de des porto qu e no qu a··
dro das co ndi ções econó mi cas e socia is da sociedade po rtu guesa permitem uma art icul ação ju sta,
coerente e operac ional entre as du as gra nd es categorias de prática des porti va, tend o em atenção
que a promoção da massa de praticantes que assegura a igua ld ade só funciona se estiver garantida
a promoção da elite que defen de a liberdade do pratica nte de excepção, e vice-ve rsa, na prossecu·
ção da ju st iça e da equidade. Desta questão decorre m:
1. Qu al é, po r um lado, o pa pel do Estado neste processo, bem como, por outro, o da sociedade
civil ?
2. Qu al é o modelo de coope ração a in stitucionaliza r e os processos de gestão e co ntro lo a
im plementar?
O despo rto encontra-se num processo de desagregação acelerado em res posta aos mais va ri ados
grupos de interesse. Esta situação obri ga a um esforço su pl ementar pa ra, à margem do monopo li smo
qu e ca racteriz a o Mode lo Eu ro peu de Des porto, enco ntrar as soluções necessárias à orga nização do
futu ro.
[Zeus e o Organização
Objectivos do capítulo. Zeus, nome que significa "tesouro que reluz", foi o rei dos deuses.
Patriarcal, irracional, benevolente, impiedoso e carismático era o responsável pela organização
da vida no monte Olímpia. Por isso, ele enquadra no presente capítulo o conceito de organização
e a polissemia que envolve a palavra. Desta polissemia decorrem oito metáforas ou imagens que
possibilitam uma melhor compreensão da organização. Zeus reinou nos céus e na terra pelo que,
em sua honra, os homens começaram a organizar os Jogos Olímpicos. Ora, isto leva-nos a consi-
derar a dinâmica do trabalho produzido dentro da organização através da exploração dos con-
ceitos de mecanismos de ·coordenação do trabalho, mecanismos de conjugação do trabalho e os
fluxos de trabalho. Zeus na organização representa, ainda, o paradigma da cultura do gestor
empreendedor que constrói a sua empresa através da organização duma teia de influências. Em
conformidade, vamos também desenvolver um modelo que caracteriza as crises que do ponto de
vista interno, externo, tecnológico e social acontecem dentro das organizações. Finalmente, na
assumpção de que a gestão no mundo do desporto se baseia fundamentalmente no informal e
no voluntariado, quer dizer, numa cultura de clube que se sustenta na confiança e empatia numa
perfeita harmonia entre o Homem, a organização e a sociedade, concluímos com um quadro que
tem por objectivo determinar as condições de homeostasia que devem equilibrar a vida das orga-
nizações no que respeita aos seus próprios objectivos e à satisfação pessoal daqueles que nela
trabalham.
.
A palavra organ ização and a na boca do mundo, na medida em que na sociedade moderna a
mesma pessoa pode assumi r uma mu ltip li cidade de funções organizacionais, que vão desde:
· Ser pai (chefe) de família;
· Ser emp regado num centro comercial, numa fábrica ou num escri tório;
· Ser membro de um partido po lítico;
· Ser membro de um clube des portivo, etc.
92 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
4.1 Conceito
A pirâmide desportiva transformou-se numa hierar-
quia de experiência. Contudo, o que o desporto neces-
sita é de uma hierarquia de imaginação.
Palavra polissémica
A palavra organização está contaminada por um sem-número de circunstâncias que têm a ver
com a própria vida, pelo que é considerada uma palavra polissémica, quer dizer, pode assumir diver-
sos sentidos. Podemos dizer: "a organização, faz a organização da organização". O que significa:
·A organização - conjunto de princípios que governam a actividade de um clube ou qualquer
outro organismo desportivo;
· Faz a organização- acto de organizar (gerir) ou esforço dirigido à prossecução de determina-
dos objectivos desportivos;
· Da organização- organismo criado, por exemplo, um clube.
Burocracia
Max Weber (1864-1920) pode ser considerado como o pai da teoria da organização. A pergunta
que a este respeito o orientou foi: Como é que uma grande organização podia funcionar melhor? A
resposta foi: Através de regras, controlo e hierarquia. Estes três objectivos deviam ser controlados
pela burocracia.
A burocracia, na sua perspectiva racional (a mais pura) de coordenação do trabalho, apresenta
os seguintes 10 critérios, a partir dos quais a organização deve conduzir a sua própria acção:
1. Legalidade das normas. As organizações e os sistemas não podem funcionar sem normas;
2. Formalidade dos procedimentos. Determina o comportamento de cada elemento que tem
de estar formalizado através de normas;
3· Racionalidade na divisão do trabalho. Sem divisão do trabalho, do poder e da autoridade
não há organização;
4· Impessoalidade. Nas relações humanas;
5· Hierarquia de autoridade. Os sistemas só podem funcionar com uma hierarquia bem defi-
nida de autoridade;
6. Rotinas e procedimentos. Estandardização das condutas;
7· Meritocracia. Predomínio da competência e do mérito;
8. Especialização da gestão. Separação da propriedade das organizações, da sua gestão;
g. Profissionalização. Dos recursos humanos;
10. Previsibilidade. Do funcionamento, quer dizer que os mesmos problemas se resolvem da
mesma maneira.
A organização perfeita
Para Max Weber, a organização perfeita devia funcionar como uma máquina. Note-se que o autor
desenvolveu o seu trabalho porque foi motivado pela teoria da organização científica do trabalho de
Zeus e a Organização [ 93
Taylor que, entretanto, tinha atravessado o Atlântico e sido traduzida para alemão. Hoje, quando olha-
mos para o mundo do desporto, do treino à competição, passando por toda a logística de suporte,
percebe-se bem que se está perante um modelo burocrático de funcionamento.
Contudo, muito embora as condições naturais da burocracia permitam o trabalho de organiza-
ções e equipas de uma forma eficiente, diferentes organizações aplicam as mesmas regras de
forma diferente, uma vez que a referida aplicação tem a ver com as diversas perspectivas próprias
de cada tipo de organização.
'4.2 Metáforas
Torna-te naquilo que és, para fazeres aquilo que só tu
podes fazer.
Friedrich Nietzsche (1844-1900)
/
Se desejamos conhecer a organização devemos partir da premissa de que ela é complexa, ambígua
e paradoxal. As metáforas possibilitam melhorar a inteligibilidade dos fenómenos em causa e dos com-
portamentos organizacionais. Garett Morgan (1986) justifica a utilização do uso das metáforas na aná-
lise dos processos organizacionais, na medida em que o estudo das organizações deve partir da ideia
de que elas "podem ser muitas coisas em simultâneo". Charles Handy (1991) elaborou um quadro cul-
tural tendo como referência as divindades gregas, tendo em atenção todas as suas virtudes e defeitos,
na medida em que os deuses gregos tinham as mesmas tentações dos Homens. As metáforas con-
substanciam imagens e ideias que ajudam a compreender e a analisar as organizações e possibilitam o
aparecimento e desenvolvimento de perspectivas acerca da maneira como elas podem ser geridas.
Máquina
A organização como máquina é vista como um mecanismo cujas peças devem estar perfeita-
mente lubrificadas:
94 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Organismo vivo
A organização como organismo vivo é vista como um sistema que se adapta ao seu ambiente:
· Existem diferentes espécies de organizações;
·A organização é um sistema aberto;
· Em luta pela sobrevivência;
· Hierarquia de necessidades;
· Princípio da entropia negativa;
·Teoria da contingência: a solução depende da tarefa e do contexto.
Blackout
O blackout traduz-se na recusa por parte de uma organização em deixar passar informação
para o exterior. No mundo do desporto, joga-se entre três protagonistas fundamentais. Os promoto-
res do espectáculo desportivo, quer dizer, os clubes ou seus representantes, os media que divulgam o
espectáculo e os patrocinadores que o financiam. Se esta relação tivesse só a ver com a racionali-
dade económica, não haveria grandes problemas na medida em que ojogo das partes seria de soma
positiva. O problema é que o blackout tem, também, a ver com a lógica do desporto que é caracte-
rizada por ser uma situação de confronto de soma nula.
-
Zeus e a Organização [ 95
Um clube de futebol vencedor é uma "máquina de guerra". Ao ser atacado do exterior tem de
saber defender-se, desde logo, fechando-se sobre si próprio. Ao fechar-se, defende-se dos adversá-
rios mas, em contrapartida, entra em confiito com as fontes que o alimentam. Directamente com
os media e indirectamente com os patrocinadores. Estas entidades também podem fazer blackout
ao clube, deixando os media de o divulgar e os patrocinadores de o apoiar.
Homero Serpa, um dos últimos românticos do futebol, argumentava (A Bola, 4/ll/2001) que
ao tempo do mestre José Maria Pedroto (1928-1985) jamais se ouvira falar de blackout. Não duvida-
mos, mas Pedroto foi, provavelmente, o primeiro treinador de futebol português que, sem ter lido
Sun Tzu, foi capaz de compreender e organizar o jogo como a "arte da guerra". Pode não ter utili-
zado explicitamente o b!ackout, mas fê-lo implicitamente. Ele percebeu que as regras do futebol
estavam a mudar, pelo que era necessário controlar o grau de abertura dos clubes ao exterior.
Muito provavelmente, se estivesse entre nós, utilizaria o blackout como nenhum outro para unir
forças, delinear estratégias, confundir os adversários, organizar a vitória e ganhar campeonatos.
Duvidam? Então, o que é que ele pretendia quando citava Miguel Torga: "Prefiro o ódio dos que
estão, ao desprezo dos que hão-de vir".
Hoje, o blackout faz parte da gestão da competição. Os treinadores decidem-no no balneário
como um instrumento de gestão. Os jogadores tratam-no como uma amante caprichosa que têm
de saber satisfazer. Os dirigentes utilizam-no como rEJdenção dos pecados cometidos, que desejam
fazer esquecer. Os jornalistas, numa sadomasoquista, odeiam-no e amam-no porque lhes api-
menta o ofício. Os adeptos servem-se dele como um brinquedo de imaginação e criatividade com
que adoçam a vida cinzenta de todos os dias.
Portanto, o blackout tem de ser gerido de forma inteligente em função da organização da vitó-
ria. No futuro, tanto os adeptos como os accionistas não terão contemplações para com qualquer
responsável que, por excesso ou por defeito, não o saiba utilizar com objectivos claros e um hori-
zonte temporal bem definido.
A organização é vista como um cérebro que recebe e trata a informação e comanda os órgãos
que dele dependem:
· Perspectiva cibernética;
· Promove fiexibilidade e acção criativa;
· Princípio holográfico- O todo está contido nas partes;
Steve Jobs, um dos grandes visionários do século XX, inventor do computador pessoal Apple,
dizia à revista "Fortune" (26/oJ/1990), no início dos anos noventa, acerca da desorganização da
indústria informática americana e das ameaças comerciais japonesas: "Ponham as coisas desta
maneira: Se olharmos para o nosso próprio corpo, as nossas células são especializadas, mas cada
uma delas tem o plano global de todo o organismo". Pensamos que o sistema desportivo seria
muito melhor se cada uma das entidades que o constituí fosse conhecedora do plano global de
maneira a poder tomar as suas próprias decisões. Qual a visão que se tem para o sistema? O que
se deseja? Onde se quer chegar? Com que meios? Existem enormes riscos em fornecer às pessoas
acesso a uma vasta gama de informações. No entanto, tal como afirmava Steve Jobs, somos de
opinião de que aquilo que se ganha é superior àquilo que se perde.
96 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Cultura
A organização como cultura é vista como um grupo que comunga dos mesmos valores:
• Desvaloriza o quantitativo e o racional;
·Valoriza o qualitativo, o simbólico;
·Já não é a forma que interessa, mas o conteúdo, a linguagem, os hábitos, os procedimentos,
as cerimónias e as práticas sociais;
• Ideologias, valores, crenças, estilos de liderança;
• Cultura de mudança;
· Gestão da cultura;
· Consequências simbólicas dos actos de gestão.
Cultura
Heródoto (490-430 a. C), um dos pais da História, encontrou na experiência terrena as respostas
1
às perguntas relativas à própria essência da vida. Uma das questões por ele colocadas é simples, directa
e clara: Será que o padrão de comportamento dos homens reflecte a própria natureza humana ou é o
resultado de um processo de aquisição de convenções, sedimentadas ao longo dos tempos?
Durante as guerras entre os gregos e os persas, Dário, rei dos persas, perguntou a alguns guer-
reiros gregos quanto dinheiro lhes tinha de oferecer para eles comerem os próprios pais após a sua
morte. Os gregos sentiram-se ofendidos com tal pergunta. Heródoto continua a sua narrativa e
conta-nos que Dário também perguntou a alguns guerreiros indianos, que costumavam comer o
cadáver dos seus pais, quanto dinheiro queriam para em vez de os comerem, queimarem-nos tal
como os gregos o faziam. Claro que os indianos se sentiram, de igual modo, ultrajados com tal
proposta. Heródoto concluiu que a diferença e a tradição comandam a vida das comunidades e
dos povos.
Sistema político
A organização como sistema político é vista como um lugar de governo onde os indivíduos se
opõem e defendem os seus interesses:
·A organização baseia-se num sistema de interesses pessoais;
· O poder na determinação dos objectivos duma organização;
·Contraria o mito da racionalidade organizacional;
· Desmistifica a ideia de que as organizações são sistemas funcionais integrados;
·As implicações sociopolíticas das diferentes organizações;
·Uma organização é um jogo de soma igual a zero, pelo que terá de haver ganhadores e perdedores.
-
Zeus e a Organização [ 97
Ambições
Quando, em 1975, exerci as funções de director-geral de acção cultural, apareceu no meu gabi-
nete uma funcionária já perto da idade da reforma. Vendo a minha juventude, e julgando que cor-
respondia a uma enorme ingenuidade, tratou-me como se eu fosse seu neto. E terminou a protec-
tora conversa com esta frase extraordinária: "O senhor doutor aqui não confie em ninguém. Nem
mesmo em mim". E saiu porta fora.
O que pude verificar é que no quotidiano toda a gente se entendia. Mas quando se tratava de
promoções vinha ao de cima uma lava negra e cada um sentia-se marginalizado. Todos tinham o
sentimento de injustiça. Não estou a falar de avaliações, em que toda a gente tinha nota máxima,
uma vez que o chefe não queria desencadear um processo de negros contornos.
Eduardo Prado Coelho, in Público, 16/3/2005
Prisão psíquica
• Factores como agressividade, avareza, medo, ódio, desejo sexual não têm um estatuto formal
dentro das organizações;
Qualquer organização que se preze, seja ela um clube ou um banco, é um sistema cultural,
onde as pessoas comungam sentimentos, valores, ·Ideais com vista a, através de uma estratég'1a
deliberada, se atingirem os objectivos por todos desejados. Por isso, quem pertence a uma organi-
zação está sujeito a regras que deve voluntariamente assumir e respeitar, pelo que podemos dizer
que está numa "prisão psíquica". Só assim uma equipa de futebol, ou outra organização qualquer,
pode funcionar com uma unidade inquestionável e, mesmo na adversidade da derrota ou de even-
tuais dificuldades, ainda ter uma reserva de forças para tentar organizar a vitória.
Prisão psíquica
Na época futebolística de 2003j04 correu uma espécie de indignação, porque Luís Bilró, joga-
dor de futebol do União de Leiria, resolveu manifestar a sua opinião, para consumo externo, acerca
do desempenho da sua equipa no jogo com o Sporting. Resumindo e concluindo, Bilro disse à
comunicação social que a equipa não esteve bem ... que jogou mal no jogo contra os Leões. Em
consequência, meteu-se num "molho de brócolos".
Os dirigentes, que já tinham manifestado uma opinião diferente da de Bilro, não ficaram con-
tentes. Para eles a culpa da derrota não foi porque o União de Leiria não jogou bem, mas porque a
arbitragem foi má. T
AGONGD-D7
98 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Vai daí, as mais piedosas consciências saíram em defesa de Bilro, dizendo que não estava certo
que os jogadores de futebol eram treinados para não pensar, quando, num rasgo de ousadia,
algum o fazia, surgiam logo represálias. De facto, Bilro ficou sem braçadeira, foi sujeito a um pro-
cesso disciplinar e acabou por ser despedido.
Qualquer jogador de futebol, por sua livre iniciativa, não pode manifestar a sua opinião sobre
assuntos que tenham a ver com a organização de que faz parte, a menos que esteja autorizado a
fazê-lo. E aqui está o busílis da questão. Não é um direito que se lhes retira, é um dever que deve
ser cumprido, sob pena da equipa se transformar numa autêntica horda.
Ricardo Carvalho, jogador do Chelsea, e as suas declarações relativamente ao treinador José
Mourinho é outro exemplo que não pode ser aceite. José Mourinho respondeu-lhe em conformi-
dade e o problema parece ter ficado resolvido.
Pode-se perguntar até onde é que o princípio da "prisão psíquica" deve ser cumprido na dinâ-
mica da vida das organizações. O princípio deve ser cumprido enquanto os valores democráticos
numa organização forem preservados. A partir do momento em que os dirigentes se servem sem
qualquer sentido do seu poder de uma forma ditatorial, o dever da solidariedade que é determinado
pelo princípio da "prisão psíquica" deixa de ter qualquer sentido. Entenda-se que, segundo Bob
Garratt (1997), "as organizações são como os peixes, quando começam a apodrecer é pela cabeça".
Fluxo de transformações
O elogio da batota
Paulo de Almeida Sande contava no "Diário de Notícias" (6/5/2004): O filho do meu amigo
António tem 11 anos.
Andam a ensiná-lo a atirar-se para o chão e a fingir que está lesionado.
Entretanto, a Amélia também contou: O filho do António não sei, mas o meu está a aprender
a dar rasteiras sem que o árbitro veja. E concluiu: Parece que não é nada fácil.
O filho da Amélia tem 13 anos.
Claro que os pais podem tirar os miúdos das escolas de futebol e mudá-los para outras. Mas
para quê?
Os dirigentes e treinadores fazem quase todos o mesmo. E explicam: futebol é para homens.
A batota tornou-se a nossa maior competência.
Instrumento de domínio
O mais curioso de tudo isto é que a argumentação da FIFA faz apelo à própria Carta Olfmpica
proveniente do Comité Olfmpico Internacional que, como se sabe, muito embora possa ser consi-
derada uma organização muito respeitável, não funciona de acordo com uma dinOmica democrá-
tica.
Carlos Aguiar, in O Desporto Madeira, 9{9{2005
,É evid ente que alguém tem de explicar rapidamente a teoria de Bob Garratt (1997) a este tipo de
dirigentes.
Toda a actividade humana organizada dá origem a necess id ades fundamentai s contraditórias. Por
um lado, o trabalho tem de ser dividido, por outro, tem de ser reagrupado segundo lógicas que devem
obedecer aos objectivos e ao contexto onde o mesmo está a ser processado. Quer dizer que, como se
expressa no quadro 7, para que o trabalho possa ser organizado tem de começar por ser desorganizado.
O processo de trabalho desenvolvido pelas pessoas nos diversos departamentos e níveis hierár-
quicos numa organização tem de obedecer a mecanismos de coorde nação sob pena de o produto
final (output) não resultar num todo coerente.
Zeus e a Organização [ 101
Estandardização
1. Qualificações
Ajustamento Supervisão Ajustamento
2. Processos de trabalho
mútuo directa mútuo
3. Resultados
4. Normas
Os meca ni smos de coord enação do trabalho (H enry Mintzberg, 1989) podem ser de três cate-
go ri as (ver qu ad ro 8):
1. Ajustamento mútuo;
2. Supervisão directa;
3· Estand ardização:
· Qualifi cações;
· Processos de trabalh o;
· Res ultados;
· Normas .
Ajustamento mútuo
O exe mpl o tradi cio nal de aj uste mútu o é a activ idade em que duas pessoas estão a remar
numa ca noa. A cada remad a de um elemento tem qu e haver um reajustame nto do outro e vice-
·versa, sob pen a de não con seguirem fazer a ca noa progredir na direcção qu e desejam. O qu e é
curioso é qu e nesta situação são precisam ente a simp li cid ade e simultaneamente a complex id ade
que obri ga m este tipo de coordenação do tra balho de remar (ver qu ad ro 9).
ANALISTA GESTOR
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102 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
É de notar que existe uma coincidência entre as actividades pouco complexas e as muito com-
plexas no que diz respeito à necessidade de utilizarem o mecanismo de coordenação por ajusta-
mento mútuo. De facto, em qualquer destas situações o processo de estandardização não se
aplica, no primeiro caso porque na simplicidade da actividade só iria complicar, no segundo não é
possível pela sua complexidade.
Supervisão directa
OPERACIONAL OPERACIONAL
Estandardização
Qualificações
Neste caso temos, por exemplo, as qualificações necessárias ao exercício duma profissão. A
medicina ou a advocacia ou a gestão do desporto requerem determinadas competências iniciais
para o exercício das funções.
Zeus e a Organização [ 103
GESTOR
Processos de trabalho
Nesta situação temos os processos de trabalho que obrigam a laborar com determinados pro-
cedimentos estabelecidos pela estrutura hierárquica superior. Neste caso temos, por exemplo, os
programas das diversas disciplinas que os professores dos ensinos básico e secundário devem apli-
car, ou os diversos programas das disciplinas dos cursos dos vários níveis de treinadores.
Resultados
Com este mecanismo de estandardização a única coisa requerida é o resultado final. Por exem-
plo, um treinador de futebol é contratado para colocar a equipa nos três primeiros lugares. Não
interessa como o vai fazer, o que interessa é se o faz. Contudo, é bom que se entenda que tem de
haver processos de comunicação eficientes entre as áreas da decisão técnica e da de decisão polí-
tica. Por exemp lo, José Mourinho afirmou apresentar semanalmente à Direcção do Chelsea as suas
opções em matéria de constituição da equipa, procurando expli cá-las o melhor possível. Segundo o
?úblico (20/S/2oos), para o treinador. a questão é clara: "Devo explicar ... Mais que exp li car, devo
apresentar um relatório escrito que eles (dirigentes) possam compreender".
Normas
Cada mecanismo de coordenação do trabalho responde a uma situação mais ou menos buro-
crática ou mais ou menos orgân ica. Uma situação burocrática de trabalho caracteriza-se pela obri-
gatoriedade de cumprir normas e procedimentos predeterminados, por supervisão directa ou por
mecanismos de supervisão indirecta (qualificações, processos de trabalho, resultados e normas).
104 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Uma situação orgânica distingue-se por deixar um espaço de decisão e criatividade amplo às
pessoas envolvidas, pelo que o mecanismo de ajustamento mútuo responde a esta situação consi-
derando, contudo, que o número de elementos do grupo tem de ser relativamente pequeno. Deste
modo, enquanto que o mecanismo de coordenação do trabalho de "supervisão directa" e de
"estandardização dos processos de trabalho" não permitem qualquer espaço de decisão individual,
na medida em que os procedimentos são à partida determinados directa ou indirectamente, já o
ajustamento mútuo deixa toda a liberdade porque o que interessa é atingir o objectivo proposto.
Na organização do trabalho, os mecanismos de coordenação são escolhidos tendo em atenção a
complexidade ou a simplicidade do trabalho a realizar, bem como o número de elementos da
equipa. É evidente que um trabalho muito simples que implica o contributo de muitas pessoas difi-
cilmente pode ser realizado por aJUStamento mútuo ou por qualquer processo de estandardização,
uma vez que exige uma direcção clara e efectiva do trabalho de todos, sob pena do mesmo não
progredir por falta de coordenação das partes (Quadro 12).
_ _ _ _ Estandardização
das normas ---
Estandardização
dos processos de trabalho
u
Estandardização
dos resultados
"'
~
u
o
~
::I
r:a Estandardização
das qualificações
(-)Orgânica (+)
Conjugação comunitária
A única coisa que exige é a partilha dos recursos existentes já que as actividades enquanto con-
junto de tarefas são independ entes. É o caso dum clube com várias classes de giná stica a funciona-
rem em simultâneo. Neste caso, a única necessidade é a partilha de recursos materiais entre os
responsáveis por cada classe. Ou a disciplina de educação desportiva 30 em que vários professores
desenvolvem as actividades desportivas do programa, num siste ma de comunidade, limitando-se a
partilhar recursos- geralmente instalações e apetrechamento.
Conjugação sequencial
Obriga a uma melhor conjugação, de forma a ser conseguido um ajuste ideal entre o trabalh o
realizado pel as unidades qu e estiverem em causa. Está neste caso o funcionam ento, por exemplo,
das escolas dum clube duma modalidade qualquer, em qu e tem de existir coordenação entre os
responsáveis pelas actividades no sentido de preverem percursos lógicos e consequentes de vida
dos praticantes, de forma a eles poderem tran sitar de actividade em actividade, até atingirem um
términos definido.
Conjugação recíproca
Finalmente, a terce ira categoria implica um a conjugação de actividades em que, por exemplo,
no produto final, que é um a sessão de treino, existem pequenos grupos que podem ter actividades
específicas e posteriormente voltarem ao grupo inicial, sem deixarem de estar sem pre integrados
no processo global de treino previamente planeado.
Conjugação
de actividades - - - ----+1• o
de comunidade
l
Conjugação
de actividades
sequenciais
Conjugação
de actividades Acontecimento
reciprocas
Fluxo de actividade
30
Preferimos o termo "educação desportiva" ao de "educação física" por três razões fundamentais: em primeiro lu gar, por-
que é efectivamenté aq uilo que acontece nas au las dos ensinos básico e secundáFio; em segundo, porque o desporto
represen ta a cultura do nosso tempo como macroconce ito que envolve as mais diversas ideias relacionadas com o físico,
o corpo, a saúde e todos os objectivos pedagógicos e sociai s que o caracteriza; em terceiro, porque não se educam físi -
cos, educam-se pessoas através de instrumentos de educação, como, entre vários, é o caso do desporto.
106 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Sistema de fluxos
Para além das relações de trabalho numa organização existem um conjunto de f1uxos que per-
mitem que as relações f1uam de uma forma expedita. Segundo Mintzberg (1989), os f1uxos organi-
zacionais podem ser organizados através de cinco estratos:
3· Fluxos regulados:
a. Operacionais- Transformações de "inputs" em "outputs";
a. Comissões;
b. Grupos de trabalho;
c. Cliques;
d. Comités permanentes.
a. Padrão de estandardização:
i- Programadas (rotina);
i- Produção;
ii- Marketing;
iii- Recursos humanos;
iv- Etc.
c. Nível hierárquico:
Autoridade formal
Este tipo de f1uxo é o que se processa de acordo com a configuração do organigrama. Respeita,
por isso, a hierarquia e sustenta-se num conjunto de normas e procedimentos que têm a ver com a
tecnologia da organização, a sua cultura eo seu ambiente. O organigrama, apesar de tudo, ainda é
a maneira mais expedita para representar uma organização e as suas partes.
- Zeus e a Organização [ 107
Comunicação informal
As organizações não podem funcionar só de acordo com as relações determinadas pelo organi-
grama. Existe uma estrutura informal, mais ou menos volátil, que garante de uma forma expedita
as relações entre as pessoas através de uma comunicação que se estabelece à margem dos forma-
lismos hierárquicos e de competências. No entanto, também se deve considerar que uma organiza-
ção não pode funcionar só através da comunicação informal, sob pena de cair na anarquia. Con-
tudo, quanto mais sofisticada for a tecnologia e quanto mais dinâmico for o ambiente, mais a
comunicação informal ganha peso na cultura da organização, na medida em que só assim ela
garante a agilidade necessária a fim de se adaptar continuamente à mudança.
Fluxos regulados
Fluxos operacionais
Fluxos funcionais
Têm a ver com todos os fiuxos constituídos por sistemas de suporte de vida à organização. Decor-
rem sob a responsabilidade da tecnoestrutura e logística tendo como missão suprir as necessidades
básicas do centro operacional, no que diz respeito a informação, serviços ou matéria-prima. Quando se
trata de fiuxos da logística eles não têm nada a ver com a produção. Limitam-se a manter o sistema de
suporte à vida. Os fiuxos da tecnoestrutura já têm a ver com a produção, na medida em que interferem
indirectamente no trabalho do centro operacional. A tecnoestrutura pode ainda ter fiuxos de trabalho
relativos à assessoria ao vértice estratégico ou até às unidades orgânicas da linha hierárquica, bem
como fiuxos no domínio da realização de estudos e, entre outros, nos processos de planeamento.
Fluxos de controlo
Formam o sistema de controlo constituído por circuitos verticais de informação e decisão que se
estabelecem entre o centro operacional e a cadeia de comando através da linha hierárquica. No sen-
tido descendente circulam os comandos e as instruções de trabalho. No sentido ascendente, a infor-
mação retroactiva. Em cada nível hierár·quico acontecem as decisões intermédias. As orientações de
108 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
comando iniciadas no vértice estratégico to rn am-se natu ra lmente cada vez mais específicas e preci-
sas à medid a que se aproxim am do centro ope racio nal (ver quadro 46). Por exemplo, os pl anos
estratégicos de natureza geral são elabo rados no vérti ce estratégico e depois desce m pe la linha hie-
rárqui ca cumprindo um sistema regul ado de operações e decisões que darão ori gem ao pl anea -
mento táctico e ao operacional.
Constelações de trabalho
São grupos que se form am dentro das organ izações para resolverem problemas qu e têm uma
solução qúe cruza transversa lmente diversas unid ades orgânicas. Estamos, portanto, no domíni o da
com unicação horizo ntal nu ma orga ni zação. Podem ser, por exem plo, comi ssões, comités perma -
nentes ou grupos de tra balhos. Geralm ente, as co mi ssões e os gru pos de trabal ho fu nciona m numa
dinâmica formal, com um horizonte tem pora l à vista, quer dizer, uma vez cumprid o o obj_ectivo para
o qual foram criados são extintos. Surgem, ainda, nas orga nizações co m um a estrutura informa l as
des ignadas "cliqu es ", co nstituíd as por pess oa s qu e, por trabalh are m muito próx im o um as das
outras, se juntam para rea liza rem traba lh o, defend erem interesses comun s ou agirem co mo grupo
de pressão. As cli qu es acontecem porq ue as pessoas dentro das organ izações tendem a rea lizar tra-
ba lho numa din âmi ca de re lações horizonta is e não de relações ve rti ca is, ult rap assando, deste
modo, as divisões criadas pe la es pecialização e a hi erarqu ia, transforma ndo ass im a organização
nu m co njunto de redes de com unicação ou cl iques mais ou menos es pecializadas por interesses ou
ass untos, situadas nas suas diversas pa rtes e níveis. De facto, os diversos gru pos nos vá ri os níveis
de uma organização lidam com diferentes naturezas de informação, pelo que os problemas também
são diferentes. Ass im, os prob lemas estratégicos são tratados no vértice estratégico e os prob lemas
de produ ção ao nível do centro operacional co m utilização de lin guage ns diferenciadas.
Numa organ ização ex iste m geralm ente três tipos de processos de tomada de decisão: padrão
de estand ardi zação; domín io fun ciona l; nível hierá rqui co.
Padrão de estandardização
As dec isões podem ser programadas (estandardi zadas e não progra madas ou ad hoc). As deci-
sões programadas são rea liza.das seg und o períod os de tempo regw lares através de um processo
esta nd ardi zado. As deci sões não progra madas ou ad hoc aco ntecem em interva los de tempo irre-
gul ares e não obedece m a um padrão esta belecid o.
Domínio funcional
Os processos de tomada de decisão são fu ncionais qu and o se relacio nam co m as fun ções da
própria organização, en tre outras, fina nceira, de marketin g, de produção, etc.
Nível hierárquico
Fi na lm ente, os processos de tomada de dec isão podem se r catego ri zados tend o em atenção o
nível da orga niza ção em qu e a dec isão é rea li zada. Ass im , as dec isões podem se r estratégicas,
admin ist rativas e ope racionais.
Zeus e a Organização [ 109
Este processo de tomada de decisão acontece quando um problema que surge no centro opera-
cional requer para a sua so lu ção uma decisão a realizar a nível do vértice estratégico. Nesta confor-
midade, o centro operacional deve, em simultâneo com a comunicação do problema, propor uma
so lu ção que, uma vez assumida e autorizada pelo vértice estratégico, desce pela linha hierárquica
até atingir o centro operacional a fim de ser implementada.
ECONÓMICOS/ORGANIZACIONAIS/TÉCNICOS
Implosão do ambiente
Produção Falhas do macrossistema
Instalações, equipamentos Crises institucionais
Dados, informação, conhecimento Crises nacionais
Crises internacionais
INTERNAS EXTERNAS
SOCIAIS/HUMANOS
11 O ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
4.5 Homeostasia
A ordem não é imposta a uma organização a partir do
nada, mas um equilíbrio conseguido a partir de dentro.
Jose Ortega y Gasset (1883-1955)
A vida das organizações deve ser gerida pela sustentação duma homeostasia organizacional,
quer dizer, através duma gestão parcimoniosa e inteligente dos equilíbrios e desequilíbrios que têm
a ver com os processos de tomada de decisão conducentes à afectação de recursos que são escas-
sos, tendo em atenção aquilo a que se designa por desenvolvimento sustentado. Esta é uma velha
questão. Chester Barnard (1886-1961) 31 defendia que uma verdadeira organização é aquela que pro-
porciona condições de desenvolvimento e de sucesso não só a si própria como aos indivíduos que
nela trabalham. Aliás, isto não é mais do que aquilo que cada pessoa, enquanto organismo vivo, faz
em relação aos equilíbrios internos e externos que tem de gerir, quer em relação à própria vida pes-
soal quer em relação à vida social. Por isso, a homeostasia de que falávamos, e que até podemos
chamar de êxito ou sucesso, começa em nós próprios, na nossa vida familiar, na nossa situação
dentro das organizações em que exercemos a actividade profissional ou na comu.nidade onde
expressamos as nossas opções políticas.
Queremos dizer que, para nós, a gestão do desporto não é uma actividade neutra, pois deve ser
socialmente comprometida, tal como o é o desenvolvimento humano que obriga a determinar o
tipo de sociedade que se deseja construir. Por isso, não é indiferente decidir se o país deve ou não
candidatar-se à realização dos Jogos Olímpicos. Tal opção, porque os recursos não são ilimitados e
existem outras prioridades sociais que se devem sobrepor ao desporto, sob pena do desporto se
transformar num simples instrumento político de alienação de massas, obriga a que o país, em
matéria de política desportiva, faça determinadas opções que acabarão por configurar o tipo de
sociedade desportiva que deseja construir. Quer dizer, tem de existir um equilíbrio entre os interes-
ses da generalidade dos portugueses que estão interessadas no desporto e no Olimpismo e os
interesses do Comité Olímpico de Portugal, que tem de cumprir a sua vocação e missão (que
decorrem da Carta Olímpica) através de uma gestão parcimoniosa dos recursos disponíveis.
Ora, isto só é possível a partir do conceito de "posição original" de John Rawls (1997, 2001) a que já
nos referimos. Em conformidade, o desenvolvimento e os processos de gestão a ele associados só
podem partir de uma ideia de cooperação entre todos, o que exclui à part1da qualquer privilégio mono-
polista no que diz respeito às mais diversas áreas e sectores de prática desportiva, sob pena de ficarem
prejudicadas as leis do jogo da cooperação. Ora, este é um dos principais problemas do Modelo Euro-
peu de Desporto que originará, certamente, muita discussão na União Europeia durante os próximos
anos, na medida em que vai ser necessário responder às seguintes questões:
1. Como é que pode existir cooperação se não está garantida a diversidade?
2. Como é que pode existir cooperação na base do pensamento único"
3· Como é que pode existir cooperação se se privilegia um modelo único de prática desportiva"
31
Mesmo sem ter conseguido concluir a licenciatura em economia na Universidade de Harvard, Chester Barnard obteve sete
doutoramentos honoris causa pelo seu trabalho no domínio do conhecimento da natureza das organizações. O trabalho
mais conhecido de Barnard é The Functions of Executive, onde defende a ideia de que muitos dos insucessos nas organiza-
ções ficaram-se a dever à falha das relações formais dentro das organizações Deste modo, Chester Barnard foi um dos pri-
meiros a contribuir para a construção da escola das relações humanas, ou psicossociológica, das organizações.
Zeus e a Organização [ 111
Por outro lado, a "posição original" tem de esclarecer a relação massajelite que deve presidir às
políticas desportivas. Esta é uma velha questão que, no fundo, procura esclarecer o valor da "elite
correspondente" (Castejon Paz, 1973) na gestão e controlo das políticas desportivas.
Como se pode ver no quadro 15, quando a performance é conseguida à custa do desenvolvi-
mento pessoal o insucesso acontece a médio prazo.
Nesta incessante busca da cooperação que, muitas vezes, até pode ser informal e acidental, é
necessário entender que só existe desenvolvimento pessoal, organizacional e social quando a taxa
de aprendizagem é superior à taxa de mudança. Isto é, quando a capacidade para aprender for
maior do que a velocidade a que as coisas mudam. Quando esta relação acontece, significa que se
caminha ao ritmo dos ponteiros do relógio da História, que se está actualizado e se é portador do
conhecimento mais actual. Nesta conformidade, é possível equacionar os problemas e delinear as
soluções. Mas, se a referida relação estagnou ou se se inverteu, quer dizer que o ritmo dos aconte-
cimentos acontece mais depressa do que a capacidade para os compreender, pelo que as pessoas,
as organizaçoes e até os países deixam de ser capazes de discernir para além daquilo que existe,
quer d1zer, não são capazes de perceber o que está a mudar. Claro que quando não se é capaz de
acompanhar o ritmo dos acontecimentos dá-se uma desactualização inexorável, desde logo pela
incapacidade para assimilar que, nos tempos que correm, a única coisa com que se pode contar
como garantida é que só a mudança é imutável, pelo que a cooperação franca é a única estratégia
possível de organização do futuro a favor das pessoas.
+
Ausência de resultados Sucesso a curto prazo - Boa
organizacionais - Insucesso a prazo dinâmica organizacional
"'o
"'"'
QJ
c..
o
.....
t:
QJ
E
·->
Insucesso a curto prazo Desvalorização das pessoas -
o Insucesso a médio prazo
>
t:
QJ
VI
QJ
t::l
Objectivos do capítulo. Atenas, deusa do sabedoria, dos artes e oficias, dos guerreiros e dos
artesãos simbolizo uma cultura de resolução de problemas e de descoberto de soluções próprios
dos artífices. Era uma deusa virgem, dedicado à castidade e ao celibato. Nesta conformidade, o
presente capítulo troto dos questões que têm o ver com o tecnologia do desporto e do próprio
gestão poro ensaiar construir uma tecnologia que caracterize o gestão do desporto. Foi elo que
deu à humanidade os rédeas poro amansar o cavalo. Inspirou os construtores de navios e ensi-
nou os agricultores o utilizarem o orado, o ancinho, o congo do boi e o corro de guerra. Por isso,
o conhecimento foi o base do seu poder e do suo influência, tal como hoje deve ser o base de
influência do gestor. Como paradigma de gestão represento um modelo em que cada elemento
do organização sobe precisamente o que tem o fazer. Caracterizo, ainda, uma cultura de forma-
ção de equipas de trabalho em rede, onde o arte envolve o gestão e o criatividade o burocracia.
Assim, no presente capítulo vamos ainda trotar os principais aspectos dos escolas de gestão onde,
numa perspectivo metafórico, se encontram o orado, o ancinho e, entre outros, os carros de
guerra do gestor moderno, quer dizer, o conhecimento proporcionado pelos mais diversos instru-
mentos de gestão que permitem, segundo o especialização do posto de trabalho e o consequente
formalização dos comportamentos contextualizados ao mundo do desporto, o existência do pro-
fissão de gestor de desporto. Concluímos com os questões relativos à situação desportivo e com
uma breve análise acerco do desporto em Portugal.
Qua lq uer actividade humana sustenta-se numa determinada tecnologia que tem de ser gerida
de acordo com determinados critérios· de racionalidade. Esta gestão pode ser realizada das mais
diversas maneiras, tendo em atenção diferentes aspectos determinantes do seu grau de sucesso.
Nesta conformidade, a tecnologia deve ser entendi da como mais uma variável que organiza a vida
das pessoas, das organizações e da sociedade. A técnica consubstancia a totalidade de todos os
métodos racionais em cada campo da actividade humana, pelo que, por exemp lo, a educação, o
32
direito, o desporto, a propaganda e as ciências sociais são tecnologias (Jacques Ellul , 1967) .
Muitas vezes, o conceito de técnica confunde-se com o de ciência. Muito embora estes dois con -
ceitos estabeleçam entre si relações de grande complexidade, de uma maneira expedita podemos
32
Ellul, J. (s.d.) . La Technique ou L'Enjeu du Siede, Colin, obra citada por Jean-Marie Brohm na apresentação do livro Sport,
Culture ll( Répression, Paris, Maspero.
AGONGD-08
114 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
dizer que a ciência deve ser entendida como "o porquê" das coisas e a técnica como "o como". No
entanto, deve considerar-se que existe muita tecnologia que foi e é desenvolvida sem qualquer
suporte científico. Esta realidade é um dos grandes problemas do próprio desenvolvimento do des-
porto em geral e do processo do ensino, do treino e da orientação da competição em especial, na
medida em que os envolve num empirismo repetitivo sem qualquer sentido crítico e, em conformi-
dade, limitador da evolução e do progresso. O "just do it" da Nli< E representa bem a valorização do
"como" em prejuízo do "porquê". Ora, quando no domínio das relações humanas o "como" se
repete sem que os responsáveis se perguntem "porquê", é porque o sistema estagnou e vai a cami-
nho da entropia, na medida em que as pessoas deixaram de ser a origem e o fim, para passarem a
ser o meio ao serviço de objectivos que geralmente não têm nada a ver com os seus interesses.
Soluções desactualizadas
5.1 Desporto
Definir desporto
Ao longo do século passado foram realizadas diversas tentativas para definir a palavra desporto.
Pese embora a sua variedade e diversidade são alguns os autores que continuam a concluir pela
impossibilidade de definir o conceito. Segundo Norbert Elias (1992), o termo desporto é utilizado
nos nossos dias de uma maneira bastante vaga e até aberta, de forma a "abranger confrontos de
jogos de numerosos géneros". O autor faz mesmo uma comparação com o termo "indústria", que
tanto pode ser utilizado de uma forma específica como num sentido lato, com uma abrangência
sobre diversas actividades de diferentes estádios de organização e de desenvolvimento.
Atena e a Tecnologia [ 115
Georges Hébert (1935): Todo o género de exercícios ou de actividades físicas tendo por fim a rea-
lização de uma performance e cuja execução repousa essencialmente sobre um elemento definido:
uma distância, um tempo, um obstáculo, uma dificuldade material, um perigo, um animal, um
adversário e, por extensão, o próprio desportista;
Bernard Gillet (1949): Actividade física intensa, submetida a regras precisas e preparada por um
treino físico metódico;
Johan Huizinga (2003): No seu já célebre livro Homo Ludens, Um Estudo sobre o Elemento
Lúdico da Cultura, definiu jogo da seguinte maneira: jogar é uma actividade ou ocupação voluntária
executada dentro de determinados limites de tempo e de lugar de acordo com regras livremente
aceites, mas absolutamente obrigatórias tendo o seu objectivo em si próprio, e sendo acompanhado
por um sentimento de tensão, alegria e consciência de que isso é diferente da vida normal;
George Magname (1964): Desporto é uma actividade de lazer cuja dominante é o esforço físico,
praticada por alternativa ao jogo e ao trabalho, de uma forma competitiva, comportando regras e ins-
tituições específicas, e susceptível de se transformar em actividades profissionais;
Roger Caillois (1967): Conforme especificámos no ponto 3.1 do presente trabalho, este autor
organiza uma estrutura de classificação dos jogos em quatro categorias horizontais e duas verticais.
33
As categorias que organiza horizontalmente são agôn (competição) alea (sorte), mimicry (simula-
,
cro), ilinx (vertigem). Segundo o eixo vertical utiliza dois conceitos: paidia (agitação), que na sua ra1z
significa criança em grego e relaciona-se, no seu quadro conceptual, com uma manifestação exube-
rante e espontânea do prazer do instinto de jogar pelo que a Paidia também é a deusa do diverti-
mento, e ludus (disciplina), do latim, pode ser traduzido como jogo, desporto ou escola, pois implica
disciplina e treino.
Luigi Volpicelli (1967): Para este autor não se pode falar de desporto onde falta a cientificidade
das suas regras e suas tácticas, do seu treino, das suas medidas, em suma, da organização racional
do rendimento da máquina humana;
Michel Bouet (1968): Define desporto como a procura competitiva (actual ou potencial) da perfor-
mance no campo do movimento físico afrontado intencionalmente com dificuldades. É, diz-nos ainda,
o emprego sistemático e preciso da medida dos tempos e das distâncias e da contagem de pontos;
Pierre Laguillaumie (1970): Para este autor, desporto é sobretudo uma organização mundial
dominada por um governo internacional desportivo, o Comité Olímpico Internacional, pelas Federa-
ções Internacionais e por todos os organismos desportivos privados ou públicos que gerem, admi-
nistram, dirigem e controlam o desporto;
P. C. Macintosh (1970): Desporto refere-se a todas as actividades físicas que não são necessaria-
mente para a sobrevivência do indivíduo ou da raça e que são dominadas por um elemento compul-
sório. Para este autor, conforme vem expresso no seu famoso livro Desporto e Sociedade, uma classi-
ficação deve estar de acordo com a satisfação que cada desporto dá e não sobre a estrutura da
actividade que ele determina;
33
"Agôn", em grego antigo, significava competição.
116 ] Agôn 1 Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Jean-Marie Brohm (1976): Dá-nos, segu ndo as suas própri as pa lavras, uma visão dialéctica e expli-
cativa. Para o autor, desporto é um sistema institucionalizado de práticas co mpetitivas de dominante
física, delimitadas, codificadas, regul amentadas co nvencionalmente, cujo obj ectivo é, sobre a base de
um a co mparação de perform ances, de ex plorações, de demonstrações e de prestações fís icas, des ig-
nar o melh or concorrente (ca mpeão) ou registar a melhor perform ance (reco rd e).
David Miller (1992): No livro denomin ado Revolução Olímpica, so bre a biografi a olímpica de Ju an
Antonio Samaranch, diz-nos que no mu ndo existem cinco idiomas fund amentais: o dinheiro, a política,
a arte, o sexo e o desporto. O curioso é que este último, em desenvolvi mento crescente desde há um
sécu lo, reúne elementos de todos os outros quatro. Podemos acrescenta r um quinto idioma que tam-
bém está presente no des porto que é o da droga. Ou até um sexto, sobretudo a partir dos recentes
acontecimentos, a corrupção. Di remos então que existem sete idiomas u ni ve rsa i s~ o dinheiro, a política,
a arte, o sexo, a droga, a corrupção e o des porto. O desporto reú ne todos os outros.
Conselho da Europa
Na perspectiva da "Carta Europeia do Desporto", aprovada pelos Ministros Europeus responsáveis
pelo desporto, reunidos na 7-a Conferência nos dias 14 e 15 de Maio de 1992, em Rhodes, o Çonselho da
Europa define desporto da seguinte maneira:
Entende-se por "desporto" todas as formas de actividade flsica que, através de uma participa-
ção organizada ou não, têm por objectivo a expressão ou o melhoramento da condição flsica e psí-
quica, o desenvolvimento das relações sociais ou a obtenção de resultados na competição a todos
os nfveis.
L-------------------------------------------------------------------~ -, ,
I
\
Destas defini ções decorre que o des porto envolve exe rcíc io físico, com petição, desafi o, esforço,
luta, apet rechos, estratégia e táct ica , princípi os, obj ectivos, in stitui ções, reg ras, cla ss ificações,
tempo livre , jogo, verti gem, aventura, investi gação, dinheiro, lazer, so rte, rendim ento, simul ação,
códi gos, res ultados, prestações, treino, força , destreza, medição, tempo, es paço, beleza, medida,
voluntari smo, <morte, etc.
O jogo é um a oco rrência qu e acontece in tegrada na vida e nos hábitos culturais de cad a um e de
cada sociedade, já o des porto é um modelo qu e se processa à esca la do pl aneta. Quer dizer, é um
jogo in stitu cionali zado, na med ida em que existe um códi go (o da civilização indu stri al) ao qual o
jogo se subm ete e sujeita, transformando-se em prática despo rtiva form al e estan dardizada. É um a
in stituição social, po is o despo rto conté m va lores recon hecidos so bre o po nto de vista social à vo lta
· dos qu ais as pessoas se congrega m e orga niza m. O des porto, co mo se sa be, atin ge um a diversid ade
muito ampl a de valores qu e confi guram a soc iedade modern a. Em co nfo rmidad e, é uma form a de
envolvi mento social, poi s cri a diversos padrões de envolvimento, tais co mo o dos praticantes (envol-
vim ento de nível primário), o dos co nsumid ores e o dos prod utores qu e pod em se r estabelecidos
através de processos emin entemente afectivos (p. ex.: os adeptos e as cl aq ues) e de con hecimento
(p. ex.: os médicos ou os juristas li gam-se ao des porto através de um co nhecimento es pecífi co).
Atena e a Tecnologia [ 117
Microssocial
. Processo de
Itens Jogos tradicionais Jogos institucionais
institucionalização
Sistema de controlo Tradição Autoridade oficial
Na linha de Roger Cai llois, o desporto é um a certa categoria de jogo, isto é, uma forma de jogo
com petitivo, cujo resultado é determinado por destrezas física s, estratégia ou so rte, empregues indi-
vidu alm ente ou em grupo e jogad as segundo regra s padronizada s e in stitu cionalizadas. Portanto,
desde que o jogo passou aquilo a que na acepção "Toffleriana" podemos designar como código da
civi lização industrial, transformou-se em desporto, havendo assim uma linha de continuid ade, por
mudança de paradigma, entre o jogo praticado na sociedade agrícola e o desporto na industrial.
118 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
JOGO
3 z
~z ------------------------------------------------------------------------------------l----------------------------------------------------------------------------------- §c
o ~
~ ~
~ o
MOVIMENTO
Cada uma destas componentes pode assumir uma determinada valência e tod,as em conjunto
uma con ~guração específica, de acordo com a estratégia a adoptar em relação ao denário de acção
em que se está a operar. Estamos, ass im, numa dimens ão ecossistémica e de g~ometri a variável
(ver quadro 17).
Ecossistema desportivo
·Elementos
Por isso, Manuel Sérgio (1986b) diz-nos que "a motricidade surge e subsiste como emergência
de corporeidade, como sinal de que se está no mundo para alguma coisa, isto é, como sinal de um
projecto". Na realidade, é esta ideia de projecto, e de desporto, como uma das vertentes mais signi-
ficativas da motricidade humana que não se deve perder de vista. Não se deve, sobretudo, abdicar
de princípios em nome de qualquer pragmatismo conjuntural, sem conteúdo teórico e por conse-
guinte sem rosto ideológico, que da gestão das práticas desportivas tem uma visão corporal ou
administrativa, burocratizante e asfixiante.
34 Para Michel Bouet (1968), o desporto assume para as pessoas uma espécie de supercompensação, uma forma de sublima-
ção das frustrações da própria vida, numa panóplia de características que podem ir até a estados de autêntica patologia. O
autor distingue três tipos de supercompensação: de complemento; de superação; de substituição.
120 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Etimologia
mund o das práti cas des portivas, co m o objectivo de o gerir ej ou adm ini strar e, deste mod o, alcan-
ça r, através de um processo de pl anea mento, obj ectivos pré-esta belecidos. Co ntudo, não nos pode-
mos esqu ece r, como vimos anteriormente, qu e a ex pressão "a orga ni zação faz a organização da
orga ni zação" nos indi ca qu e, geralm ente, a pa lav ra é utilizada indi sti ntame nte no di scurso co mum.
O fato-macaco
É no século XIX que a civilização se torna amarga: toda a Europa vestiu o fato-macaco. Daí
em diante, o que predominou na civilização foi ter consciência social, aspirações educacionais,
juízo científico. Esta sobrevalorização grotesca do factor económico foi condicionada pela nossa
veneração do progresso tecnológico, ele próprio fruto do racionalismo e do utilitarismo depois des-
tes terem aniquilado os mistérios e libertado o Homem da culpa e do pecado. Desprovido .do
sagrado e do lúdico - dois atributos quase equivalentes - o Homem entregou-se à construção de
um mundo industrial, vistoso mas vulgar, segundo os padrões da sua própria vulgaridade: as ninfas
e os pastores já não dançam.
George Steiner, in prefácio ao Homo Ludens
Administração x Gestão
Foca lizando ago ra a nossa atenção sob re as qu estões relativas aos co nce itos de admini stração
e gestão, podemos estabelece r algum as diferenças , muito embora se reco rde qu e, no domínio das
ciências soc iais, os con ceito s aca bam se mpre por ter uma din âmi ca muito própri a em fun ção do
ambi ente aond e estão a se r utili zados.
A noção de admini stração tem estado mais ligada à admini stração públi ca, já que trad icional-
mente foi esta a única ad min istração que teve interferência na vida das pessoas. Por isso, o con-
ce ito adm ini stração co nfund e-se, mui tas vezes, co m admini stração públi ca, em virtud e de a admi-
nistração estatal ter sid o, du ra nte muito tem po, a úni ca qu e era con heci da (J . Cheva lli er & D.
Loschak, 1980). Podemos di ze r que o term o gestão tem sido, geralm ente, uti lizado para referir enti-
dades co merciais, porta nto associado às qu estões dos negócios e da renta bili zação das apli cações
fin ance iras. Vejamos , então, o qu e se passa em relação a cada um dos co nce itos.
A ciência administrativa
A ori gem da ciência admin istrativa europe ia está li gada ao co ntexto po lítico prec iso que corres-
ponde à fase da co nstru ção do Estado-N ação. Em França, nos séculos XV II e XVII I, sob o nome de
"ciência da políti ca ", ini ciou-se o dese nvo lvimento de uma ciência ad mini stra tiva em que predo mi -
nava m propós itos técn icos e burocráticos. Fora m elaborados num erosos cód igos de pol ícia, dicio-
nários ad mi nistrati vos e outros , redigid os por ju ris tas ou práti cos, que no fundo eram sínteses
empíri cas destin adas a inform ar sobre práticas admini strativas e os meios pa ra ga rantir a boa ges-
tão dos se rviços (J . Chevalli er & D. Loschak, 1980). Segundo os autores citados, pode-se di ze r que a
noção de admini stração se en contra dividi da entre aquilo a qu e se pode denomin ar de perspecti va
juri sd iciza da dos fenómenos admini strativos, qu e se proj ecta no estudo da ad mini stração públi ca e
está mais desenvolvi da nos países Eu rope us, e uma pe rspecti va mais integradora, desenvo lvi da
nos Estados Unidos , que se projecta, funda menta lm ente, no estud o das organ izações.
122 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Administração pública
Para Tezenas Montecel (1972), administração implica uma actividade contínua com finalidade de
manter a organização em consonância com os seus objectivos e garantir um funcionamento eficiente.
Nesta perspectiva, a administração em sentido alargado pode ser entendida como "a parte da gestão
encarregada de exprimir os objectivos da organização em directivas de acção". Ou, num sentido mais
restrito, como o "conjunto de processos que asseguram o funcionamento quotidiano da empresa".
Se, por exemplo, consultarmos a enciclopédia luso-brasileira, verificamos que administração é:
· Gerência;
Burocracia em excesso
Por vezes, o conceito de administração pública está, também, ligado a uma ideia de excesso de
burocracia, de processos pesados, de sistema de inutilidade, de dependência politico-partidária e,
principalmente, de ineficiência. Mesmo a nível do desporto em Portugal, desde que se iniciou a
intervenção do aparelho estatal a partir de finais dos anos trinta, com a criação da Organização
Nacional da Mocidade Portuguesa, nunca mais a administração pública deixou de ter uma actua-
35
ção tutelar, por vezes "paternalista", por vezes desinteressada, sobre o mundo do desporto .
Gestão
Uma das justificações que tem feito, nos últimos anos, os organismos públicos trocarem a pala-
vra administração pela de gestão, tem sido a tentativa de se demarcarem da ideia de ineficiência que,
por vezes, envolve a primeira. Na realidade, pelas situações idênticas à que acabámos de referir, que
35
Ultimamente, com Manuel Brito (durante o XIV e XV Governos Constitucionais) e José Manuel Constantino (durante o XVI
e XVII Governos Constitucionais), parece ter-se iniciado uma nova era em que a administração pública desportiva (Instituto
do Desporto de Portugal) se tem vindo a assumir como uma entidade que controla verdadeiramente o desporto federado
através da institucionalização de uma dinâmica continuada de auditorias que salvaguardam a boa utilização dos dinheiros
públicos afectados.
-
Atena e a Tecnologia [ 123
nos últimos anos têm vindo a acontecer, a própria administração pública tem estado a adoptar o
conceito de gestão como forma de contrariar a ideia de burocracia e imobilismo que, algumas vezes,
se encontra ligada à ideia de administração. Tem vindo a fiexibilizar a sua própria gestão e, em con-
sequência, a abandonar o conceito que lhe deu origem. No entanto, para alguns autores, o termo
administração continua a ser utilizado na sua categoria máxima. Por exemplo, para Chiavenato
(1983) a administração não é mais do que a condução racional das act'lv1dades dentro de uma orga-
nização, quer ela tenha fins lucrativos ou não. Na sua obra Teoria Geral da Administração, um "best-
-seller" em Portugal, utiliza o conceito de uma forma aberta e descomprometida, se quisermos, de
uma forma indiferenciada em relação ao conceito de gestão. Na enciclopédia luso-brasileira pode-
mos encontrar para o conceito de gestão o seguinte desenvolvimento:
·Acção de gerir;
·Administração;
· Conjunto de operações de uma empresa durante um determinado prazo.
Diz-se ainda que no seu sentido genérico significa "qualquer administração de bens ou negócios
próprios, alheios, privados ou públicos". Como podemos verificar, existe muitas vezes uma conside-
rável indiscriminação na utilização dos termos e verificamos que, na bibliografia mais difundida, os
termos gestão e administração são utilizados de forma variada sendo, por isso, difícil estabelecer
uma regra de contornos precisos. Como referimos, à parte do conceito de gestão estar mais próximo
da actividade económica do que o conceito de administração, não se conseguem identificar mais
aspectos que os diferenciem. Logo que os tentamos esclarecer nas suas especificidades começam a
surgir dificuldades, na medida em que cada um deles necessita do outro para a sua própria defini-
ção. Esta situação fica a dever-se ao facto do objecto de análise e os processos metodológicos da
"ciência" da administração e da gestão não terem deixado de evoluir ao longo dos tempos. As "ciên-
cias" da administração ou gestão até agora não pararam de se desenvolver, pelo que ainda não têm
um paradigma de referência estável no que respeita ao apuramento e afinação de conceitos. Em con-
formidade, é sempre possível que existam algumas contradições em todo este processo. Saber viver
com elas deve fazer parte da personalidade do gestor. Portanto, vamos necessariamente continuar a
ter uma panóplia de discursos segmentados, por vezes fechados, inacabados, a encobrirem algumas
dificuldades e ineficiências. Temos de nos habituar a viver com eles. São os discursos de todos aque-
les para os quais a administração e a gestão são necessárias ao desenvolvimento das suas activida-
des: é o discurso dos juristas, dos funcionários da burocracia e da administração, dos economistas,
dos sociólogos, dos gestores, dos professores e dos profissionais de Educação Desportiva, entre
outros. Quer dizer, são discursos contextualizados que, embora com uma raiz mais ou menos
comum, determinam a linguagem própria de cada grupo profissional. Ou seja, o trabalho que é reali-
zado pelo gestor enquanto profissional generalista está a mudar. De facto, o trabalho no domínio
dos mais diversos ambientes que é necessário gerir, está a ganhar especificidades próprias. A vida, a
sociedade e o desporto complexificaram-se, pelo que o próprio desporto tornou-se uma actividade
com um nível de exigência que requer outras competências e atitudes na sua gestão.
Para concluir, podemos dizer que tanto a administração como a gestão têm como objectivos
afectar e coordenar recursos, tais como pessoas, dinheiro, materiais, informação, tempo e símbo-
los, nos diferentes tipos de organizações que funcionam em contextos próprios.
Escolas da gestão
As questões culturais de cada tempo têm conferido aspectos específicos aos modelos de gestão
que caracterizam cada época. Compreender é comparar, é ter a capacidade de discernir em relação
124 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Estado puro
É evidente que nenhuma destas perspectivas pode ser considerada no seu estado puro. Ao
longo do tempo cada uma delas, na sua evolução, tem sido contaminada pelas que vão surgindo e
cada uma nova que surge está marcada pelas que a antecederam. "'
Foi o primeiro homem da História que, segundo Peter Drucker (1909-2005), não considerou o
trabalho como "simples favas contadas". A perspectiva clássica de gestão enquadra os aspectos da
organização que podem ser comparados ao funcionamento de uma máquina. É a ideia da organi-
zação-máquina que está de tal maneira arreigada no modo de pensar das pessoas que, muitas
vezes, dificilmente conseguem pensar de outra maneira. Vivemos numa era de tecnologia domi-
nada pela necessidade de utilizarmos constantemente máquinas pelo que temos, em muitas situa-
ções, uma visão mecânica do mundo. Taylor, a par de outros tais como o casal Frank Gilbreth
(1868-1924) e Lillian Gilbreth (1878-1972) 36 , estudou o método de trabalho, quer dizer, os tempos
de execução e os movimentos das diversas tarefas produzidas pelos operários, presumindo que a
partir da racionalização do trabalho no centro operacional da organização se poderia in~uenciar e
reorganizar toda ela a partir do topo da estrutura. Nenhuma organização pode dispensar totalmente
os processos de gestão sustentados na perspectiva máquina. Quer dizer, toda a organização tem
necessidade de rotinas que lhe permitem viver sem estar, todos os dias, a inventar tudo de novo,
quer dizer, "a inventar a roda". Taylor acabou por ser um maníaco do cronómetro.
36
O casal Frank Gilbreth (1868-1924) e Lillian Gilbreth (1878·1972) desenvolveu estudos no sentido de apurar a "endurance"
e a fadiga muscular dos operários. Era um método bastante sofisticado e sistemático de análise dos tempos e dos movi-
mentos, tendo em atenção os limites psicológicos e físicos da capacidade humana e a importância de um bom ambiente
físico para as condições de trabalho.
Atena e a Tecnologia [ 125
Este cientista, numa perspectiva indutiva, estudou a organização de baixo para cima, tendo con-
cluído que, muito embora o centro operacional pudesse estar a funcionar bem, essa eficiência não
se repercutia automaticamente de uma forma global na organização o que, consequentemente, difi-
cultava o trabalho na base. Taylor concluiu que os dados científicos colhidos pelo estudo do perfil
do posto de trabalho deveriam ser acompanhados a nível da estruturação da própria organização
para que os seus princípios e método de organização do trabalho pudessem verdadeiramente ser
aplicados. Contudo, a reorganização da macroestrutura a partir das indicações da base, geralmente,
apresenta dificuldades complicadas de ultrapassar, desde logo pelas diferentes linguagens que o
vértice estratégico e o centro operacional da organização utilizám.
É reconhecido pela generalidade das pessoas que a fase de "take off' do futebol nacional se
ficou a dever ao excelente trabalho que Carlos Queirós desenvolveu na Federação Portuguesa de
Futebol. Foram muitos os que acreditavam que pelo facto de Carlos Queirós ter realizado um exce-
lente trabalho a nível da base do sistema, esse trabalho podia automaticamente repercutir-se na
macroestrutura da Federação. Na realidade, como se pode constatar pelo estado de organização
do futebol nacional, isso não aconteceu. E não aconteceu no futebol como não tem acontecido na
generalidade das modalidades desportivas. Por muito bom que seja o trabalho no centro operacio-
nal, se o mesmo não for entendido e integrado a nível do vértice estratégico, o surgimento dos pro-
blemas e dos conflitos é só uma questão de tempo.
Abordámos esta questão pela primeira vez em janeiro de 1994.
ln Desporto e Política- Paradoxos c Realidades
L ______ - - - - - - - - - - - -------- -- ----------- --------------------- -
Pese embora os aspectos positivos na abordagem da organização do trabalho por parte de Taylor,
que ainda hoje são considerados quando se trata de organizar rotinas, existem, contudo, aspectos
negativos que não devem ser ignorados:
·Visão simplista do Homem, ignorando toda a sua complexidade e individualidade. Não é por
acaso que o sistema de Taylor não foi criticado no mundo comunista;
·Análise microscópica do indivíduo, já que foi reduzido a uma simples peça da máquina;
·Visão limitada e parcial da organização, ignorando que elas funcionam num sistema social do
qual recebem e transmitem infiuências.
Partiu da ideia de que o conceito de organização é o conceito maior, do qual o conceito de admi-
nistração faz parte. No livro Administration Industriei/e et Générale, Fayol identificou as áreas funcio-
nais de uma organização: para ele, gerir era "prever, organizar, comandar, coordenar e controlar".
-
Atena e a Tecnologia [ 127
Esta definição foi largamente usada durante todo o século XX. As organizações deviam ser estruturadas
em seis subunidades que enquadravam as seguintes funções:
1. Técnicas; 4· Segurança;
2. Comerciais; 5· Contáveis (contabilísticas);
3· Financeiras; 6. Administrativas.
Funções da administração
Por sua vez, Fayol considerou que as funções da gestão ou administrativas eram as seguintes:
1. Prever, de forma a preparar o futuro;
2. Organizar, no sentido de obter todos os recursos humanos materiais e financeiros necessários;
3· Comandar, tendo em atenção a necessidade de melhor tirar partido das características indivi-
duais dos recursos humanos da empresa;
4· Coordenar, com o fim de integrar e harmonizar todas as políticas a desenvolver na empresa;
5· Controlar, para verificar se tudo se passou conforme estava planeado.
The manager'sjob
Até à publicação, nos anos setenta, dos trabalhos desenvolvidos por Henry Mintzberg (The
Manager's job: Folklore and Fact) acerca do quotidiano dos gestores, estas eram as funções que,
sob o ponto de vista teórico, competiam aos gestores. No entanto, podemos compreender que
uma coisa é aquilo que compete aos gestores, outra a maneira como a organização está estrutu-
rada. Na realidade, o que tem sido constatado é que, de uma maneira geral, não existe uma coinci-
dência directa entre estas duas questões.
Se perguntarmos a um gestor o que é que ele faz, diz-nos Mintzberg (1992), muito provavelmente
ele diz que planeia, organiza, coordena e controla. Só que quando se observa, de facto, aquilo que ele
faz não aparece nenhuma destas quatro funções. Segundo Mintzberg, estas quatro palavras, que
dominaram o vocabulário da gestão desde que foram introduzidas por Fayol em 1916, dizem muito
pouco acerca daquilo que os gestores fazem na realidade. Voltaremos ao assunto no ponto S-3-
Este gestor focalizou a sua análise da gestão tendo principalmente em atenção a necessidade
de comandar, de ter uma ideia estratégica para a organização e as qualidades de liderança que con-
siderava como a principal característica do gestor para tirar o melhor partido possível dos recursos
humanos. Independentemente do tamanho da organização e da sua missão, na perspectiva de
Fayol, era possível aplicar as mesmas regras de gestão a todas elas. Ao contrário de Taylor, que
olhou para a organização a partir das pessoas, Fayol fê-lo a partir das estruturas. Organizou as suas
ideias em catorze princípios:
1. Divisão do trabalho para uma maior eficácia;
2. Correspondência entre responsabilidade e autoridade;
3· Disciplina;
4· Unidade de comando;
5· Unidade de direcção;
128 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Intemporal idade
Para Fayol, as organizações eram máquinas governadas por leis universais, pelo que tinham de ser
as pessoas a adaptarem-se ao sistema. De certa maneira, a afirmação continua a ser válida, na
medida em que, nos dias de hoje, continuam a ser aplicados os princípios de Fayol não só ao mundo
das empresas como ao mundo do desporto, em tudo aquilo que tem a ver com a institucionalização
de rotinas necessárias à vida em comum. Contudo, é bom que se entenda que a gestão não pára aqui.
Fordismo
Idealizado por Henry Ford (1863-1947), fundador da Ford Motor Company, o fordismo, enquanto
modelo de organização do trabalho, foi um aperfeiçoamento do taylorismo. Caracterizou-se por ser
um método de produção baseado na produção em série. Ford introduziu nas suas fábricas as chama-
das linhas de montagem, onde cada operário realizava uma etapa da produção. Com este método a
Ford Motor Company, durante a década de 1920, produziu mais de 2 milhões de carros por ano. O
veículo produzido foi o célebre "Ford T". O fordismo teve o seu apogeu durante os anos cinquenta e
sessenta. A filosofia do fordismo atingiu diversas áreas sociais, entre as quais o desporto, através do
treino e os métodos de treino em circuito, com as mais diversas estações de trabalho.
Peter Drucker (1909-2005) chamou-lhe "a profeta da gestão". Hoje, é possível perceber que ela
se antecipou em muito anos aos gurus da gestão que, nos tempos que correm, são venerados à
escala mundial. De facto, enquanto Frederick Taylor inventou a organização científica do trabalho
Atena e a Tecnologia [ 129
qu e in spirou Henry Ford e influen cia todo o sécul o XX, Mary Parker Foll ett pregou doutrin as qu e
proc uravam humaniza r a organização do trabalho, muito embora, como tantos out ros que tive ram
razão antes do tempo, foram poucos os qu e lh e deram créd ito.
A ca rreira de Foll ett desenvo lveu-se em du as áreas fund am entais. Em pri meiro lu ga r, no tra ba-
lho soc ial. Em segund o lu ga r, no estud o das pesso~s en qu an to fu lcro das orga ni zações. Neste
domínio, foi uma das prim eiras a ex pl orar a probl emáti ca da gestão do co nflito e do dese nvolvi-
mento da s técnicas de liderança. Para ela, nu m co nflito, as soluções só podem ser encontradas
co m a parti cipação de tod as as partes. Qu er dizer, não através de um a lógica "behaviori sta" de
"estímulo e res posta" num a "psico logia de ada ptação", mas através de um a interacção din âmi ca
num a "psico logia de invenção ". Esta potenc ia um a din âmi ca circul ar com du as es pirai s opostas .
Uma co nstituíd a por um círcul o vicioso e negativo que leva à desagregação e outra co nstituíd a por
um círcul o virtuoso e pos iti vo qu e leva à criativid ade e ao desenvolvim ento.
Na sua obra mais significativa , Creatit1e Experience, de 1924, Foll ett escreveu: "Qu and o duas ou
mais pessoas trabalh am em co njunto ela s co mbin am o pensa mento através de um processo de
aju stamento". E el a exemplificava: "Num jogo de téni s de pares, cada jogador tem de aju sta r o seu
pen sa mento de man eira a refl ectir os movimentos e as acções do seu parceiro". Da mes ma maneira,
num a organização, "o líder de cada depa rtam ento tem de co nsta ntemente aju sta r o se u pen sa mento
de maneira a refl ectir as acções e acti vid ades dos colegas dos outros departa mentos". Em conse-
qu ência desta din âmica de pe n s am e n t~, no arti go "Th e Process of Co ntra i", de 1930, Foll ett defen-
deu qu e muito provavelmente a form a mais viável de controlo é a coo rd enação. Para ela, a qu estão
não está em "controlar as pessoas" mas "co ntrolar factos", dan do abertura a um a questão que só
viri a a ter actu alid ade em fin ais do século: a gestão do conhec imento. Nesta perspectiva, rejeitou o
emp irismo, na ass um pção de que a experiência não deve se r usada para criar con ceitos e teori as rígi-
das, mas simplesmente para "libertar o es pírito" , através de um processo a qu e des ignava "evoca-
ção". Segund o ela, só desta maneira a expe ri ência podi a tornar-se verdad eiramente cri ativa, qu er
dize r, uma podero sa força ca paz de promover o desenvolvimento e o progresso. Ass im , deu abertura
ao qu e hoj e se designa por "gestão do conhec im ento" 37 Na perspectiva actu al da gestão do co nheci-
mento, um gestor decid e bem, pl aneia bem e implementa bem, desde que o faça sustentado em
modelos teó ricos de análi se da rea lid ade qu e lh e permitam, num a oportunidade posteri or, decidir
melhor, pl anear melh or e implementa r melh or.
37
Ver http:f fwww.follettfoundation.orgfwri tings.htm
AGONG D-Q9
130 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Para decidir são necessários dados, que devem ser transformados em informação e esta, ao ser
contextualizada, deve ser geradora de conhecimento. Assim, estamos num processo de gestão do
conhecimento em que uma boa decisão tem necessidade de um conjunto de princípios e normas, ou
outras abstracções que a orientem no plano e acção. Estas abstracções podem ser reutilizadas a fim
de se decidir novamente com outras informações. Deste modo, a gestão do conhecimento passa por
ser um modelo abstracto que atribui significado prospectivo ao processo de tomada de decisão.
É estranho que tendo sido uma mulher a dar este tipo de abertura ao pensamento estratégico
do conhecimento, vai para mais de sessenta anos, as mulheres na sociedade actual ainda estejam
tão afastadas dos centros de decisão, não só na vida em geral como, em especial, no mundo do
desporto. Contudo, se pensarmos bem, provavelmente este tipo de comportamento esteja intrin-
cado na história da humanidade e, por isso, inscrito no código genético dos homens, pelo que só
através de uma profunda cultura democrática pode ser ultrapassado.
A estória de Ka/lípateira
Nos Jogos Olímpicos antigos as mulheres eram proibidas de entrar no estádio para assistirem
aos jogos. Essa regra machista era aplicada mesmo às mães e às esposas dos concorrentes mas, sur-
preendentemente, não às meninas virgens, a quem era permitido assistir aos jogos. A punição para
toda e qualquer mulher que ousasse quebrar esta regra era ser jogada dos penhascos de Typaion.
Contudo, Kallipateira quebrou essa regra e não foi punida.
Kallipateira, provinha de uma família de campeões olímpicos, por isso, perante a morte do
marido não hesitou em ser ela própria a treinar o filho Peisirodos.
Contudo, a fim de poder acompanhar o filho no estádio em Olímpia durante as competições,
Kallipateira foi obrigada disfarçar-se de instrutor masculino. Mas, quando Peisirodos se consagrou
campeão, o entusiasmo de Kallipateira foi de tal ordem que acabou por revelar a sua condição de ,
mulher.
Em honra da sua família de campeões foi decidido que Kallipateira não seria condenada à
morte, mas, a partir de então, os instrutores deveriam participar despidos nos jogos Olímpicos, tor-
nando impossível às mulheres entrar disfarçadas.
Ver Pausanias, Dcscription ofCrcecc, V.6.7-8, tr. de S. C. Miller
Ficou conhecido pelo seu trabalho no domínio da infiuência das relações sociais e da motivação
na performance dos grupos. De facto, o principal contributo de Mayo tem a ver com a descoberta
-
Atena e a Tecnologia [ 131
de todo um conjunto de fundamentações não económicas que podem envolver e justificar o traba-
lho humano. As suas teorias suportam-se nas experiências que conduziu em Hawthorne, na Wes-
tern Electric de Chicago, durante os anos de 1927 a 1932. A experiência inicial tinha por objectivo
apurar as diferenças de produção entre dois grupos em diferentes condições ambientais de traba-
lho. Ao primeiro melhoraram as condições físicas de trabalho alterando as condições de luminosi-
dade. O segundo, que era o grupo de controlo, manteve as condições de luminosidade habituais.
Elton Mayo acabou por chegar a conclusões diferentes daquelas que estava à espera, já que o
grupo de controlo só pelo simples facto de ter sido escolhido alterou o seu comportamento e atin-
0
giu performances de produção idênticas às do 1. grupo.
Quantos treinadores de futebol não utilizam um procedimento idêntico ao darem uma primeira
oportunidade a um jogador) Mayo foi portador duma nova cultura nos processos de organização
do trabalho que os seleccionadores, directores técnicos e treinadores do mundo do desporto, de
uma maneira mais ou menos esclarecida, conhecem. No entanto, não chega conhecê-los, é neces-
sário praticá-los, como parece ser o caso de José Mourinho nos clubes que treina.
Mayo apurou que no interior das organizações formais existem outras, por vezes numerosas,
que são as organizações informais que, em determinadas circunstâncias, podem melhorar conside-
ravelmente a produtividade das primeiras. Os grupos informais, na ideia de Mayo, criam na organi-
zação uma atmosfera de cooperação espontânea que-melhora significativamente o ambiente de tra-
balho. Deste modo, trata-se de descobrir a melhor maneira de enquadrar e promover a participação
das pessoas nos objectivos e nos trabalhos das organizações. Assim, Mayo provocou uma abertura
nos circuitos internos das organizações, através do estabelecimento de novos canais de comunica-
ção entre os dirigentes e os funcionários, promovendo, entre outros aspectos, o cultivo do "espírito
de corpo" através do aproveitamento das emoções das pessoas, da valorização da sua dignidade e
do respeito pelo seu estatuto profissional. Não se dirige efectivamente uma organização se, de
facto, os grupos informais o não desejarem, concluiu Mayo. Esta ideia traduz bem aquilo que hoje
se passa no mundo do desporto. Quantos treinadores de futebol não são, nos tempos que correm,
despedidos pelos grupos que se originam no "balneário"?
A teoria das relações humanas, com todos os aspectos que têm a ver com os processos de
super-compensação, tem sido, ao longo dos tempos, de extraordinária importância na organização
do desporto. Esta importância assume tal dimensão que se no passado foi o mundo do desporto a
olhar para as organizações do mundo do trabalho para aplicar a dinâmica dos processos de traba-
lho aos organismos desportivos, hoje, passa-se também o contrário, já que são as empresas a ten-
tarem compreender o que acontece para o bem e para o mal em termos de relações humanas no
mundo do desporto. Quantos gestores não gostariam de ter a sua equipa de trabalho a funcionar
como un:a equipa de futebol treinada por José Mourinho ou Nelo Vingada? Do ponto de vista
macro, também podemos dizer que, na realidade, são os grupos informais não alinhados que, para
além das burocracias institucionalizadas, dão vida e promovem o desporto. Pense-se, por exemplo,
na tristeza que seria o futebol sem as claques mais ou menos organizadas a apoiarem as equipas.
Foram vários os autores que através dos seus estudos e investigação contribuíram para esta
dimensão humana de gerir as organizações. Consideremos alguns.
Organização informal
Iniciou os estudos relativos à dinâmica de grupos. Para ele, o comportamento dos indivíduos é
determinado pelo espaço das suas vidas contemporâneas. Aquilo que constitui a vida não é o
envolvimento objectivo do indivíduo mas a percepção que ele faz dela. Em 1946, l<urt Lewin reali-
zou aquela que ficou conhecida por ser a sua pesquisa mais famosa. O estudo aconteceu no domí-
nio da gestão de confiitos, tendo como base de sustentação as relações entre as comunidades
negra e judaica de Connecticut. Lewin concluiu que reunir grupos de pessoas era uma das melho-
res maneiras para identificar áreas de confiito. Estes grupos, a que denominou "T-groups" (T de
traíníngjformação), tinham como teoria subjacente o facto dos padrões comportamentais terem
que ser "descongelados" antes de serem alterados e depois "congelados" novamente. A estratégia
dos "T-groups" foi a solução encontrada por Lewin para que isso acontecesse.
Atena e a Tecnologia [ 133
A Lewin ficou-se a dever a máxima que devia interessar a muito boa gente, entre técnicos e diri-
gentes do mundo do desporto:
"Não existe nada mais prático do que uma boa teoria".
Psicólogo soc ial, especializado em comporta mento hum ano, encarregou-se de dar continuidade
às perspectivas desenvolvidas por Elton Mayo, através daquilo que ficou conhecido como a "Teoria X
e a Teoria Y", bem como toda a pro blemática relacionada com a questão (autoritarismo vs participa-
ção), através da publicação, no ano de 1960, da obra O Lado Humano da Empresa. A teoria X diz que
os trabalhadores, dominados pela má Éris, dizemos nós, são por natureza preguiçosos. Em confor-
midade, necessitam de ser motivados e contro lados. O traba lh o, para eles, é um mal necessá rio. A
teoria Y, pelo contrário, defende que as pessoas para além de necessitarem de traba lhar, dom in ados
pela boa Éri s, têm gosto em fazê-lo. Quando MacGregor morreu, em 1964, trabalhava no desenvolvi-
mento da teoria Z, que tin ha por objectivo concili ar as ~s pirações individuai s e os objectivos da orga-
nização, que no fundo é o que qualquer teoria da gestão procura co nseguir.
Com a "h ierarqu ia de necessidades", termo inventado pelo autor para com preender os cam inhos
da motivação humana, Maslow acrescentou novas perspectivas à compreensão dos processos de
gestão necessá rios ao bom funcionamento das organ izações. É este lado humano que deve ser con-
siderado quando se procura gerir a partir das pessoas, tendo em conta as~u necessidades. Como
podemos ver no quadro, as necessidades humanas estão organizadas num série de níveis, segundo
uma hi erarqu ia de importância. O autor cons idera existirem cin co níveis d necessidades:
1. Fi siológicas;
2. Segurança;
3· Sociais - Perten ça;
4· Pessoais - Relacionadas com o EU -Auto-estima;
5· Auto-rea lização.
São necess idades fisiológicas a alimentação, o abrigo, o repo uso, o exercício, etc. As necessida-
des de segurança re lacionam-se com a protecção da integrid ade física do ser humano. As necessi-
dades sociais têm a ver com os se ntim entos de pertença a um grupo, quer dizer, estar associado,
ser aceite pelos pares, construir am izades e comungar dos mesmos id eais. As necess idad es rela-
cionadas com o eu satisfazem a auto-estima, a confiança, a autonom ia, a co mpetênc ia, o sucesso e
o prestígio. Fin almente, as necess idades de auto-rea li zação são as que possibilitam desenvolver as
potencia li dades de cada ser humano através das mais diversas actividades (ver quadro 19).
É evidente qu e o desporto não se encontra entre as necess id ades básicas da popu lação em
geral, muito embora deva ser co nsiderado, no que diz respeito não só aos objectivos específicos
bem como aos grupo s-a lvo a ati ngir, na din âmica da gestão de projectos de desenvolvimento. Que-
remos co m isto di ze r que as po líticas públicas em matéria de desenvolvimento do desporto não
podem se r cegas, como muitas vezes parecem ser.
----------
Auto-realização
Estima
--------------
Sociais
Segurança
Fisiológicas
'
A hierarquia de necessidades tem expressão no quadro condicionante na terminologia de Castejon
Paz (1973) (ver quadro 25) e nos filtros de probabilidade e decisão individual da terminologia de
Roge r, Brien (1977) (ver quadro 38), que determinam as condições de acessos, sociais e pessoais,
ao usufruto da prática desportiva.
Mas nem tudo são rosas. Muitos dirigentes não gerem as organizações desportivas de que são
responsáveis da mesma maneira e com os mesmos critérios com que gerem as suas próprias
empresas ou até, simplesmente, o seu próprio orçamento pessoal. O mundo do dirigismo despor-
tivo tem sido assim como que uma espécie de "pátio de recreio" ou de "reforma dourada", e mais
recentemente até de complemento de vencimento, onde alguns senhores, à margem de qualquer
responsabilização, sublimam as frustrações dos seus empregos ou até das suas vidas. Este tipo de
dirigentes tem vindo a colocar em situações dramáticas muitos clubes e organizações desportivas,
Atena e a Tecnologia [ 135
entre elas federações, bem como a vida de muitos atletas e técn icos. Por isso, é bom que se consi-
dere que existem algumas críticas relativamente à escola das relações humanas:
·Afastamento radica l da teoria clássica;
· Sobrevalorização das questões individuais;
· Perspectiva ingénua das pessoas;
• Distorção da importância dos grupos informais;
• Desequilíbrio nas relações humanas;
• Parcialidade de conclusões .
Esta escola surge por volta dos anos quarenta, quando a teoria clássica e a psicossociológica já
não satisfaziam as necessidades das organizações. O nome que, desde sempre, ficou ligado à teo-
ria burocrática da organização foi Max Weber (1864-1920), através do conceito por ele desenvolvido
de "tipo ideal". O conceito de "tipo ideal" corresponde, no pensamento weberiano, a um processo
que subtrai dos fenómenos concretos das ciências humanas o que existe de particular, constitu indo
assim um novo conceito a que Weber designou por "mnceito histórico concreto".
Este conceito enquadrou uma forma de identificar a estrutura, o processo e o comportamento
das organizações. Max Weber foi, provavelmente, o prime iro teórico das organizações, na medida
em que, até então, os teorizadores anteriores focaram a sua atenção principalmente nas questões
do trabalho. De facto, o autor construiu um corpo de conhecimentos que ficou conhecido como
Teoria burocrática da administração ou organização.
Segundo Max Weber, o moderno sistema de produção raciona l e capitalista organizou-se a par-
tir daquilo a que denominou de "ética protestante". A sua obra mais sign ificativa tem precisamente
o título que inspirou todo o seu quadro teórico: A Ética Protestante e o Espírito Capitalista. Este con-
ceito foi desenvolvido para descrever as virtudes do traba lho árduo, a abstenção do luxo e a acumu-
lação da riqueza que é associada ao protestantismo dos países do Norte da Europa. As virtudes
apontadas conduziram ao desenvolvimento do capitalismo . Embora a fé e a humildade fossem as
principa is virtudes do protestantismo, o sucesso profissional e financeiro era tido como uma
dádiva de Deus em opos ição à perspectiva da Igreja Cató lica Romana que advogava que os favores
divinos não dependiam do mérito individual. ~
• Para Weber, a burocracia é a organização eficiente por excelência. Portanto, o conceito de burocra-
cia inicialmente não tinha o sentido pejorativo que hoje, tantas vezes, o envolve. A racionalidade da
organização do traba lho requer esforço, empenho e rigor, na justa medida. No caso de défice cai-se na
desorganização. No caso de excesso cai-se na "burocracia" , isto é, em procedimentos mais ou menos
inúteis que só servem para complicar a vida das organizações e das pessoas. Segundo E. Beetham
(1988) "a burocracia é algo que todos nós gostamos de odiar". Só que, segundo Weber, numa pers-
pectiva sociológica, a burocracia significava um sistema de adm inistração executado numa base de
continuidade por profissionais treinados de acordo com regras prescritas. No entanto, alguns daque-
les que dela se têm vindo a servir é que, muitas vezes, a transformam em processos de inutilidade,
com um dispêndio de recursos humanos, materiais e financeiros absolutamente desnecessários.
A burocracia, segundo Weber, apresenta as seguintes características:
• Legal idade das normas;
• Forma lidade dos procedimentos;
136 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
É evidente que numa organização, ou num sistema social, ao sere m tomadas tais medidas com
peso, conta e medida, tem de haver, neces sa riamente, vantagens significativas. Podem se r aponta-
das as seguintes:
· Racion alidade: naquilo que respeita à poss ibilidade dos objectivos pod ere m ser alcançados;
• Preci são: quanto à definição do perfil do cargo e dos se us próprios deveres;
· Unidade: na in terpretação da regu lamentação;
• Informação: discreta, já que só é fornecida a quem a ela tem direito;
• Uniformidade: de rotinas e de procedimentos;
· Continuidade: da organização, no sentido em qu e os seus qu adros devem se r renovados;
·Selecção de pessoal: baseada na capacidade e na competência técnica;
• Redução da fricção: entre as pessoas, na medida em que cada pes soa conhece perfeitamente
quai s as suas responsabilidade s;
·Constância: de procedimentos na medid a em que o mesmo tipo de proced imento tem de ser
ap li cado tendo em atenção o mesmo tipo de situações;
• Subordinação: dos mais novos aos mai s antigos, poi s as deci sões do nível superior têm de se r
cumpridas pelos níveis inferiores da organização;
· Confiabi lid ade: porque os processos são conduzidos de acordo co m regras conhecidas, sendo
os casos simi lares resolvido s da mesma maneira;
• Carreira: os quadros podem prever uma evolução das suas carrei ras profi ss ionai s, ao longo do
tempo.
Efeitos perversos
Por sua vez, também a burocracia em excesso, tal como já se disse, pode dar origem a algumas
disfunções da organização. Robert Merton (1965) foi um dos autores que siste matizo u as disfun-
ções e os aspectos negativos do modelo burocrático we beri ano. Entre as diversas críticas qu e
pod em ser feitas em relação ao modelo burocrático apontamos as segu intes:
• Exagerado apego aos lu gares e aos regulamentos;
· Exces so de formalismos, no se ntido em que as normas são levadas ao extremo, ao ponto de
(
dificultarem os sistemas de comunicação e a própria circulação de informação;
• Demasiados suportes de papel, já qu e todo o sistema fun cion a na base dos papéis que se exi-
gem à partida e não através dos sistemas de ava li ação que se constroem à posteriori;
• Resistência à mudança;
Atena e a Tecnologia [ 137
• Despersonalização do relacionamento;
• Conformidade em relação às rotinas e procedimentos;
· Exibição de sina is de autoridade;
· Dificuldade de relacionamento com o meio socia l.
Ao longo deste texto temos vind o, por várias vezes, a referir a pa lavra sistema, muitas delas rela-
cionando-a com o mundo do desporto. Tendo em atenção a sua origem grega, a palavra sistema sig-
nifica colocar em con junto, isto é, reunir num todo organizado. Este sentido de globalidade, por um
lado, bem como a perspectiva de relação entre as partes, por outro, deu origem àquilo que ficou
conhecido como teoria geral dos sistemas. Numa perspectiva moderna o conceito ficou a dever-se ao
biólogo Ludwing von Bertalanffy.
De uma maneira geral, desde os anos cinquenta, a teoria geral dos sistemas tem vindo a propor-
cionar uma base de integração de diversos ramos do conhecimento científico, já que a palavra sistema
cobre um amplo leque de actividades, conceitos e ideias do nosso mundo físico, biológico e socia l.
Deste modo, ela possibilita a compreensão de conhecimentos de um número variado de áreas espe-
cial izadas como, entre outras, o desporto, a política, a educação, a economia, a organização, a gestão
e o desenvolvimento. Por definição, um sistema é um conjunto de elementos em interacção dinâmica
com vista a atingirem determinados objectivos predeterminados.
Kenneth Boulding escreveu um texto, General Systems Theory: The Skeleton of Sciences, para a
Management Science do mês de Abril de 1956, onde sistematizava os diversos níveis de sistema. A
saber:
1. Sistemas físicos ou mecânicos:
a. De estrutura estática;
b. Dinâmico simples, com movimentos predeterminados;
2. Sistemas biológicos:
a. Auto-regulável, de termóstato;
b. Aberto, em que a vida começa a diferenciar-se da não vida: célula;
(
c. Genético, o das plantas;
d. Animal, caracterizado por um comportamento teleológico;
138 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Subsistemas
Sistema desportivo
' ·Retroacção (feedback). Os sensores do sistema para além de apurarem a informação acerca
do funcionamento do próprio sistema desportivo são também transmissores dessa informa-
ção para que o sistema funcione melhor. Os sistemas de informação, gabinetes técnicos, rela-
tórios periódicos, comunicação social de uma maneira geral, são alguns dos processos para
apurar o estado de funcionamento do sistema e as performances do mesmo;
. Ambiente (environment). O sistema desportivo vive num dado ambiente político, económico,
educativo, cultural e social que o infiuencia. É o quadro condicionante (Paz, Castejon, 1973);
. Fronteiras. O sistema desportivo tem não só fronteiras internas, já que o sistema não é unici-
tário, como tem fronteiras externas que estabelece desde logo com outros sistemas sociais
como, entre outros, o da cultura, o da educação, o da saúde, o político, o económico, o do
turismo, etc.;
·Objectivos, propósitos. O sistema desportivo não pode funcionar em regime de "roda livre"
sem se saber para onde caminha. O sistema, de uma maneira ou de outra, tem de ter objecti-
vos definidos à partida para que a dinâmica das partes possa interagir na procura desses
objectivos;
·Globalismo. O sistema desportivo tem uma globalidade pois é constituído por uma multiplici-
dade de partes que interagem no sentido de promoverem o próprio desenvolvimento do des-
porto. Contudo, o sistema não é total, totalizante, totalitário, já que cada uma das partes tem
de interagir no respeito pela vocação e pela missão de cada uma das outras;
Tom Peters e Robert Waterman (1987), Ralph Stacey (1992), Michael Hammer e James Champy (1993)
são alguns dos autores ligados a esta perspectiva de olhar para as organizações e entender os proces-
sos de gestão necessários a implementar. Tom Peters e Robert Waterman (1987), no livro ln Search of
Excellence, encontraram uma fórmu la para determinar a capacidade das empresas se adaptarem ao
meio social, que ficou conhecida como "Sete S" da estratégia. É constituída pelos seguintes elementos
que se inter-relacionam uns com os outros:
1. Estrutura (structure);
2. Estratégia (strategie);
3· Sistemas (systems);
4· Estilo (style);
5· Savoir faire;
6. Pessoal (stajj);
7· Valores partilhados (shared values).
Contudo, os autores, passados uns anos, concluíram que o sucesso não é eterno. Das quarenta
e três empresas estudadas, cinco anos depois da publicação de ln Search of Excellend, dois terços
delas tinham sofrido alguns fracassos . Os autores concluíram que nada é estável durante muito
tempo no meio das turbulências caóticas dos ambientes em que as êmpresas se têm de desenvol-
ver. Os principais clubes de futebol das grandes ligas europeias são bem o exemplo de que o
sucesso não é eterno. Em função do exposto, o quadro teórico contingencial considera que as
características das organizações são variáveis dependentes do ambiente e da tecnologia.
Ralph Stacey (1992), na obra Managing Chaos, esclarece melhor esta questão, dizendo que o
pensamento dominante leva os gestores a pensarem que têm de conceber o mapa ideal antes de
embarcarem na tarefa de construírem o futuro. O senso comum acredita mesmo que é necessário
saber-se para onde se vai e ter alguma ide ia de como se deve lá chegar, antes de se arrancar. Só que
a maioria dos mapas que hoje estão a ser utilizados já não respondem às necessidades dos tempos
de mudança que estamos a viver. Esses mapas foram realizados para dar resposta a um mundo que
já passou. Segundo Stacey, a ideia de que um mapa pode ser desenhCJdo à priori nos tempos de tur-
bulência que correm é uma fantasia sem aplicação de ordem prática. É durante a própria viagem que
o caminho e o destino devem ser descobertos. É necessário estar constantemente a fazer novos
mapas, se de facto se deseja construir alguma coisa. A chave do sucesso está na criatividade de ser
Atena e a Tecnologia ( 141
capaz de fazer novos mapas que de facto respondam às necess id ades da organização do futuro.
Para que isto seja poss ível o auto r apresenta três co ndições:
·Tem de ex istir uma ideia visionária sobre o futuro;
· Tem de ex istir uma cultura com um entre os elementos da organi zação;
·Tem de ex istir um a capacidade de resposta às necessidad es sociais.
O problema dos mapas-padrão é que eles só servem para identificar os cam inh os já por outros
percorridos. El es, por isso, só têm sentid o pa ra gerirem aquilo que já é co nh ecid o. São de uma inu-
tilid ade absoluta quando é necessário ir para lu gares onde nin guém ainda foi.
Na rea lid ade, nas mai s diversas situ ações, o futuro a longo termo é imprevisível e cheio de sur-
presas. Por isso, ninguém consegue saber o futuro de uma orga nização, pera nte um futuro que é
desconhecido. Nesta con formi dade, ao gestor resta-lhe a capac id ade de idealizar o futuro que
deseja fazer acontece r e começar a trabalhar nesse se ntido. E isto é de fundamental importâ ncia,
porqu e se num a organização nin guém so uber para onde ela vai, aca bará por se gerar a mai s co m-
pl eta anarquia porque as lideranças não têm co ndi ções para liderar.
É evid ente que uma perspectiva deste ti po impli ca processos de gestão também co mpletamente
diferentes. "Esta nova perspectiva tem a ver com uma utilização positiva da in stabi lid ade e da cri se
de maneira a gerar novas dinâmicas, provocar interrogações co ntínu as e aprendizage ns organizacio-
na is através das quai s o futuro desco~ h ecido pode se r criado e descoberto" (R alph Stacey, 1992).
Nas orga nizações inovadoras o futuro desconhecido, numa estratégia emerge nte, tem de ser, todos
os dias, descoberto e construído, através de um a sistema din âmico de equ ilíbri os e desequilíbrios
criadores de alguma ansiedad e no sistema, m~s, também, de desenvolvimento e de progresso.
Aind a nesta dinâmica de encontrar respostas para ambientes contingenciais, pela mão de Michael
Hammer e James Champy (1993), surgiu uma nova teoria de gestão designada por "reengenhari a",
que tinha como principal objectivo superar a cri se do modelo cláss ico americano de gestão que ao
tempo estava a ser confrontado com o êxito do modelo japonês. A "reengenha ri a" foi portadora de
um a mudança das operações para os processos e da inovação tecnológica para a inovação organiza-
cional, com vista à promoção da qu alid ade. Os autores colocaram as questões da seguinte man eira:
1. Quais são as questões bás icas, fundamentais, que se co loca m em relação à organização~
Quais os seus principais problemas?
2. Como é qoe a ocgao;,ção pode sec ,;,,otada' Não chega ;,tcod"';' m"daoças sopecfida;s;\
------~---
3· Quais são as grandes transformações a desencadear (saltos quânticos)~ Não é suficiente dizer,
por exemplo, que num clube as modalidades amadoras devem continuar, mas à custa do patri-
mónio alheio;
4· Qual é o processo a desencadear? Mais importante que a estrutura, são os processos organi-
zacionais que se vivem nas organizações desportivas.
Parece fácil~ Não se pense nisso. Aquilo que de pior existe na burocracia espreita nas mais
diversas esquinas das mais insuspeitas organizações. Hoje sabemos que l<afka e Orwell estão pre-
sentes no mundo das organizações, entre elas as de desporto.
Triz
Genrich Altshuller, engenheiro russo, inventor do Triz, que é o acrónimo de "Theory of Solving
Problems lnventively" foi um dos grandes inovadores do século XX. Nos inícios dos anos quarenta,
tinha ele vinte anos, escreveu uma carta ao camarada Estaline, explicando-lhe o caos e a ignorância
com que os camaradas do regime abordavam as questões tecnológicas. Convidado a expor as suas
ideias perante um comité de oficiais, Altshuller acabou condenado a 25 anos de prisão no Gulag.
Qual é o problema? As nomenclaturas jamais estarão disponíveis para inovar seja o que for. E
a razão é simples: Se estão tão bem, para que é que se hão-de incomodar? Por outro lado, a haver
mudanças, seriam eles os primeiros a serem mudados.
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Portanto, numa perspectiva contingencial, as mais diferentes teorias da gestão podem ser utili-
zadas na organização em diferentes momentos, dependendo exclusivamente do local, do sector e
das circunstâncias.
Modalidades desportivas
As modalidades desportivas têm uma cultura própria que determina diferentes atitudes e com-
portamentos dos praticantes, técnicos e dirigentes que a elas estão ligados. Nesta conformidade,
Atena e a Tecnologia [ 143
de modalidade para modalidade, os modelos de gestão não são susceptíveis de serem cop iados de
uma para a outra sem as respectivas adaptações, sob pena do projecto em causa poder resultar num
fracasso.
Sector desportivo
O conceito de sector parte da ideia de que sendo o desporto uno ele não é unicitário. Existe uma
multiplicidade de maneiras de praticar e, em consequência, de organ izar as práticas desportivas. Por
isso, subjacente ao conteúdo do conceito está a ideia de segmentação desportiva, na medida em que as
pessoas não devem ser obrigadas a praticar desporto todas da mesma maneira. Assim, sector despor-
tivo pode ser definido como o espaço institucional mais ou menos forma lizado, com uma filosofia de
acção e identidade cultural próprias, coordenado por estruturas orgânicas dedicadas que gerem as res-
pectivas actividades desportivas com objectivos bem estabelecidos e dirigidas a grupos-alvo predefinidos.
Entre outros sectores temos o desporto escolar, o desporto universitário, o desporto para os trabalhado-
res, o desporto federado, o turismo desportivo, o desporto aventura, o desporto para todos, o desporto
militar, o desporto profiss ional, o desporto autárquico.
O desenvolvimento do desporto deve valorizar, numa determinada lógica, o trabalho em comu-
nidade dos diversos sectores. Contudo, sectores existem, como, por exemplo, o escolar e o federado,
que devem conjugar o seu trabalho em termos recíprocos, sob pena de se desperdiçarem recursos
que hão-de ser sempre escassos.
Etapa de desenvolvimento
Antes das pessoas terem empregos organizados de acordo com a burocracia desenhada pela
sociedade industrial, elas já traba lh avam segundo um calendário organizado pela Natureza, onde a
gestão do tempo era determinada pelo so l, pelas cond ições climatéricas, pelas estações do ano e
pelas necessidades próprias de cada dia. A gestão exist ia numa perspectiva natural (orgânica),
muito diferente da perspectiva mecanicista (burocrática) que a passou a envo lver desde que a revo-
lução industrial arrancou. De facto, a gestão é uma ideia que nasceu no século XIX para envolver o
trabalho que era necessário realizar nas fábricas e nas burocracias das nações industrializadas. Foi
esta gestão que envolveu o chamado desporto tradicional, quer dizer, o desporto federado, e confi-
gurou o Modelo Europeu de Desporto, que se organiza nos clubes a partir do treino para se projec-
tar num sistema de competições desportivas. Nesta perspectiva, o praticante entra num sistema
estandardizado ao qual se tem de adaptar. Caso não o consiga é pura e s imp~smente excluído.
Esta é a lógica exclusiva do desporto federado. Se assim não for o sector não cum re a sua missão.
A gestão das suas práticas funciona num modelo fechado, já que na linh a do en no, da orientação
e da especialização desportiva, num processo de coordenação sequencial, as act vidades de ens in o,
treino e competição estão relativamente bem padronizadas. Uma escola de desporto, um quadro
competitivo nacional ou a realização de eventos desportivos obedecem a lógicas próprias circuns-
critas às modalidades que estiverem a ser consideradas.
144 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
A prática des porti va não tem só a ver co m as modalid ades despo rtivas tradicionai s de co nfi gu-
ração meca ni cista e burocráti ca , na linh a da co mpeti ção, da med ida e do recorde. Existe todo um
outro mund o de pos sibilidad es de acesso à práti ca desporti va qu e é necessá rio con siderar, so bre-
tudo co mo res posta às necess idad es das pess oas qu e não estão di sponíveis para entrarem no
mod elo da competição form al, ou estão em vi as de sair.
Co m o advento da sociedade pós-i ndu strial tem vind o a ser construíd a uma nova e diferente
maneira de ver, de entender, de estar, de praticar e gerir o des porto que va loriza os aspectos relaciona-
dos com o inform al, o inorganizado, a Natureza, o ri sco e a aventura. Para este novo pratica nte des-
portivo as técnicas são meios ao serviço da sua prática des porti va e não fin s que é necessári o cumprir
para obter um determin ado rendim ento padronizad o, que garante a subida ao pódio, muito embora
as modalidades desportivas de Natureza requeiram a utilização de técnicas de execução complexa,
não só pelos inerentes ri scos como pelos equipamentos que utili za m. Contudo, é a pratica des porti va
que tem de se adaptar às pessoas e não o contrário, como no modelo federado, pelo que a gestão
tem de enco ntrar numa perspectiva aberta as res postas convenientes e não o contrário. Ass im, a
lógica da organização e gestão deste tipo de activid ades já não se circun screve exclu siva mente aos
modelos formais da gestão tradicional ce ntralizada fund amenta lmente na supervisão directa, mas
abraça processos de cogestão e de autogestão, em qu e passa m a ser de fund amental importância os
mecani smos de coorden ação do tra balho, de aju sta mento mútuo e esta ndardi zação.
Os caminheiros e os montanheiras, para além de dominarem toda a técnica requerida pela pró-
pria modalidade, sentem um prazer imenso ao usufruírem da paisagem como também do esforço
ftsico realizado em plena Natureza. A técnica para eles serviu para melhor poderem gozar de todo
um conjunto de situações que a modalidade lhes pode proporcionar e não, simplesmente, para o
objectivo de quererem chegar mais alto, a fim de baterem um qualquer recorde. ·O praticante de
kayak goza o prazer imenso de desfrutar do poder e da velocidade da corrente do rio, das curvas ver-
tiginosas, das rochas e dos obstáculos que é obrigado a ultrapassar sem ter necessidade de estar inte-
grado numa competição e de querer chegar primeiro, ultrapassando obstáculos artificiais. O prati-
cante de surf aproveita a força e a inclinação das ondas para atingir velocidades extraordinárias e
sensações indescritíveis, independentemente de ter de entrar em confronto directo com outros prati-
cantes, através de competições estandardizadas. Nestas, o prazer deixa de ser a "destruição" da
onda para passar a ser a realização da técnica. O mergulhador, para além de sentir o prazer de
observar a paisagem subaquática, vive momentos de ausência de gravidade provocadores de sensa-
ções relaxantes e de conforto, que não se obtêm na atmosfera. Esta perspectiva é completamente
diferente daquela em que os praticantes mergulham para realizarem competições debaixo de água.
No modelo trad ici onal, quando o prati ca nte deixa de ser capaz de rea lizar a técnica na perfor-
. mance desejada, geralm ente des iste da prática des portiva. O prazer dele era rea liza r a técni ca e não
desfrutar da força da ond a, da beleza da altitude, da velocid ade da co rrente, da verti gem da veloci- )
dade, do desafio da gravid ade, da força do vento, do prazer de se projectar na bola que através de
um a pancada procura atin gir o obj ectivo, etc., etc. , etc. Esta maneira diferente de ver, interpretar e de
estar no desporto ca racteri za-se por as modalidades des porti vas deixarem de ser um conjunto de ges-
tos técnicos que é necessário cum prir para obter um res ultad o e uma cl assi fi cação, para passa rem a
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Atena e a Tecnologia [ 145
ser simples meios intermediários entre o praticante e a Natureza, o qu e obriga a toda uma din âm ica
de gestão da produção completamente diferente, bem co mo da logística de apoi o. A técnica, ass im ,
não é mais do qu e um in strumento ao serviço do praticante e não o contrá rio, co mo acontece na
visão tradiciona l das práticas des portivas. Na visão tradicional o pratica nte está ao serviço da técnica,
ele tem de trabalhar para conseguir cumprir, na mais alta performance, essa técni ca e, em consequên-
cia, obter a melhor cl ass ificação poss íve l.
lnorganizado
No desporto informal, in orga ni zado, não é a téc nica (leia-se burocracia) qu e interessa rea liza r
até à perfeição abso luta da pe rformance. O que interessa é enfrentar o desafio, é ve nce r o obstá-
culo. A técnica é um in strum ento qu e tem de se r gerido ao se rviço desse desid erato . Nestas cir-
cunstâncias, ela jamais se justifica por si só. Em con formidade, quando fa lamos de gestão do des-
porto temos também de co nsid era r esta perspectiva qu e apresen ta níveis de diferenciação
significativos e padrões de comp lexidad e muito elevados em relação ao modelo tradiciona l, o que,
no fund o, significa dizer que a gestão depende não só da tecnologia que está a se r gerida bem
co mo do contexto ond e está a ser rea lizada.
Ver as estrelas
Expressivas são as palavras de Guy Bernadin: "Tornámo-nos máquinas que correm em máquinas
numa sociedade de máquinas. Prefiro considerar esta volta ao mundo como uma aventura. Será o
meu quarto Inverno passado no Cabo Horn e, desta vez, espero ter tempo de contemplar as estrelas".
ln Pires, Gustavo (1990) . A Aventura Desportiva - O Desporto Para o 3-• Milénio
Para os gregos antigos era considerado uma infelicidade morrerem sem terem estado em 0/fm-
pia. A civilização grega organizou a vida dos cidadãos a partir dos jogos que eram uma actividade
estrutu~te da própria sociedade. Qualquer circunstância social era um pretexto para organizarem
uma dis uta desportiva. Elas aconteciam nas mais diversas ocasiões, entre elas, casamentos e fune-
rais. O p drão de violência era enorme, contudo, não deve ser entendido segundo os critérios que
regem a s ciedade actual que também, em muitas circunstâncias, com outro tipo de violência, está
a encontrar no desporto a lógica do seu funcionamento. Na realidade, o Campeonato do Mundo de
Futebol (2oo6) a realizar na Alemanha, com todas as consequências económicas, sociais e polfticas,
está a colocar ofutebol no centro da vida moderna. Depois, em 2008, seguem-se os jogos de Beijing.
AGONGD- 10
146 ) Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Ao lon go de cada época, as práticas lúdicas e recreat iva s orga ni zaram-se de acordo com os
padrões determinados pelo cenário político, económico e socia l dos locais onde foram praticadas. No
entanto, aqui lo que tem a ver com as questões básicas da gestão, no que diz respeito à utilização de
recursos, de informação e de tempo, supomos que nada se modificou ao longo da história , na medida
em que, utilizar recursos, inform ação e tempo faz parte da essência de qualquer actividade humana.
Estabilidade da terminologia
De um a maneira gera l a termino logia no mundo da gestão não está estabil izada, desde logo
devido à dinâmica cu ltu ral que cada povo, sector ou organização imprime ao acto de gerir. Em conse-
quência, actualmente, podemos encontrar para o conceito de gestão múltiplas definições, entre elas:
·Acção de gerir; ·Administ ração; ·Conjunto de operações .
Diz-se ainda que no seu se ntido gené ri co significa qualquer admi ni stração de bens ou negócios
próprios, alh eios, privados ou públicos.
De facto, como temos vi nd o a referir, existe uma zona de incertezas, co ntrad ições e ambiguida-
des, que é necessário estudar para serem desvendadas, compreendidas e escla recidas. Em confor-
midade, há que esta belecer alguma disciplina de aná li se no sent ido de perce ber a verdadeira
dimensão do co nceito de gestão, não só em termos gerais como em relação à sua contextualização
ao mu ndo do desporto. Contudo, também não se deve esq uecer que o acto de gerir impli ca saber
conviver com paradoxos e con trad ições na procura das melhores soluções.
Peter Drucker (1993) perguntou, em 1954, no livro The Practice of Management: O que é a ges-
38
tão e o qu e é que o gestor faz? Para este académico, a gestão é um problema central e o gestor
um elemen to dinâmico em cada negócio. Segundo ele, existem duas dimensões da gestão, a eco-
nómica e a temporal. É evidente que hoj e podemos sem qualquer som bra de dúvida acrescentar
uma te rce ira que é o comportamento, quer dizer, as relações humanas e a co nsequente necessi-
dade de coordenação do traba lho entre pessoas. Peter Drucker (1909-2005) consi dera que o gestor
exerce as segu intes cinco funções fundamentais:
1. Determinação de objectivos; 4· El aboração de normas;
2. Desenho da o rganização; 5· Treino de re7crso hum anos.
3· Motivação e com uni cação;
Por tudo ISto, o gestor tem ppr fun ção pnnc1pal tomar dec 1sões.
Capacidades do gestor
Peter Drucker conclui que o gestor do futuro dever ser possuidor de 7 capacidades :
1. Gerir por objectivos;
38
The Practice of Management (1954), segundo Jorge Nascimento Rodrigues, veio mostrar três coisas: 1.' A existência de
uma nova profissão, o gestor, ou o "executivo", como lhe chamara, em 1938, Chester Barnard; 2 .' Que nascera um novo
tipo de estrutura organizacional ascendente (a corporação), nomeadamente com a nova economia do automóvel desde
os anos 20; 3.' Que passou a ser possível transferir o "know-how" da gestão, propriedade de uma meia dúzia de capitães
de indústria e profetas, pa ra um público mais alargado.
-- Atena e a Tecnologia [ 147
Sociedade pós-capitalista
No livro Sociedade Pós-Capitalista, Peter Drucker (1993a) diz-nos em pé de página: "No meu
livro The Practice ofManagement, de 1954, no qual tracei a gestão como uma disciplina, no que fui
pioneiro, a maior parte da análise tem a ver com gestão de negócios e a maioria dos exemplos são
retirados dessa área. Quando comecei a trabalhar em gestão, há cerca de cinquenta anos, também
me concentrei apenas nos negócios, mas rapidamente aprendi que ela é necessária em todas as
organizações modernas, quer sejam ou não dessa área. Quanto menor for a disciplina de resulta-
dos a que uma organização tem de estar obrigada maior serão as necessidades de gestão".
É o que se está a passar com o mundo do desporto. A tecnologia da condição física e do treino
não chegam para obter resultados, até porque a "disciplina de resultados" é no domínio da condi-
ção física e do treino bastante volátil. Um atleta pode estar hoje em plena forma e, amanhã, por
motivos vários, eventualmente do foro psicológico, potle piorar radicalmente a sua forma. Só é pos-
sível superar este tipo de dificuldades através de processos de gestão devidamente integrados, que
salvaguardem as organizações das turbulências próprias do mundo da competição e do espectá-
culo desportivo. O problema é que no mundo do desporto, em demasiadas situações, os projectos
decorrem dos resultados e não são os projectos que dão origem aos resultados.
Com as novas gerações de gestores de desporto, esta característica tem vindo a alterar-se, já
que se começou a perceber que a qualidade do produto final depende da qualidade dos gestores,
quer eles sejam directores-gerais, directores desportivos, directores técnicos ou até treinadores, e
dos consequentes projectos que eles são capazes de idealizar e desenvolver.
Gestores
Nicolau Santos escrevia nas páginas do Expresso (12/3J2oos): (... ) "É um dos melhores gestores
portugueses e, certamente, o mais bem pago. Com razão. Porque não há sorte que explique ser,
em três anos consecutivos, duas vezes campeão de Portugal, vencedor da Taça UEFA, vencedor da
Liga dos campeões, vencedor da Liga Inglesa, a caminho de ganhar o primeiro campeonato para o
Chelsea e eliminar o Barcelona nos quartos-de-final da Liga dos Campeões. (...) As vitórias de Mou-
rinho fazem-nos bem à alma. E servem-nos para dizer que temos outros Mourinhos- e não exacta-
mente no futebol". Nicolau Santos tem razão.
No entanto, num país em que, em muitos sectores e circunstâncias, entre elas o desporto, se pri-
vilegia a mediocridade, infelizmente, casos como o de Mourinho são uma excepção. Provavelmente,
Mourinho só existe precisamente porque se trata do mundo do futebol, um mundo onde no domí-
nio do jogo e do treino se privilegia a excelência. De facto, o que está a acontecer na sociedade actual
é que salvo raras excepções a mediocridade subiu ao poder. Em muitas e demasiadas circunstâncias
o que interessa é estar quieto porque o sucesso passa precisamente pelo imobilismo e a mediocri-
dade. A mediocridade passou a ser, na gestão de muitas organizações nacionais e internacionais, o
148 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
maior denominador comum pelo que muitas delas estão geridas por perfeitos incapazes ou simples
oportun istas que se acomodaram ao sistema. Em conformidade, tal como Nicolau Santos, sabemos
que existem muitos Mourinhos por esse país fora . O problema é que estão assoberbados pela ·
mediocridade reinante, que se encarregou de destruir a competição. A este respeito, o pedagogo bra-
sileiro Lauro de Oliveira Lima expressa bem o sentim ento, quando diz: "Eu me sinto como um puro-
-sangue árabe, trancado na cocheira, vendo os 'pangarés' correndo no 'derby'". Há no país muita
gente nesta situação, quer dizer, que é obrigada a ver os "pangarés" a governar as mais diversas ins-
tituições. É essa gente que um dia há-de garantir o futuro.
Novas oportunidades
Na realidade, o acto de gerir no mundo do desporto tem vindo a multiplicar o número de dife-
rentes oportun id ades de intervenção em função da criatividade das pessoas, das organizações e até
da própria dinâmica socia l. Contudo, em muitas e demasiadas situações, essas oportunidades têm
vindo a ser usurpadas por pilecas e "pangarés", através de processos que vão desde o nepotismo
ao tráfico de infiu ências, bem como à perpetuação e ao açambarcamento de lu gares, para além do
sistemático afastamento das mulheres.
Como nos diz Henry Mintzberg (1992), toda a actividade humana dá origem a necessidades
fundamentais e contraditórias. Por um lado, a divisão do trabalho, por outro, a coÔrdenação e a
conjugação do traba lh o. As organizações existem para produzirem trabalho que está de acordo
com a sua vocação, missão e objectivos. Por isso, "o gestor é uma pessoa encarregada de uma
organização ou de uma subunidade dessa organ ização". Deste modo, tanto é gestor o primeiro-
-ministro como o treinador duma equipa desportiva. No entanto, não restam dúvidas para qualquer
um, com um mínimo de bom senso, que cada um deles realiza um tipo de gestão completamente
diferenciada da outra. Quer dizer, muito embora exista um quadro cu ltural subjacente a qualquer
activid ade de gestão, contudo, existe também um sem-número de actividades de gestão relaciona-
das com a tecnologia específica bem como com os contextos, quer dizer, com uma filosofia e iden-
tidade cu ltural diferentes onde a referida tecnologia é aplicada. Uma coisa é gerir um governo outra
uma equipa de futebol. Como referia Nicolau Santos, relativamente a José Mourinho: "É um dos
melhores gestores portugueses - e, certamente, o mais bem pago". Claro que a tecnologia gerida
por Mourinho é diferente da de um primeiro-ministro.
Ambientes de gestão
Na visita que José Mourinho realizou a Israel um jornalista perguntou-lhe se alguma vez
Roman Abramovich tentou intrometer-se no seu trabalho. Mourinho respondeu:
"Se ele um dia quiser ser treinador do Chelsea, a equipa depressa vai parar ao fundo da tabela.
Tal como ele, se me entregar as suas economias, rapidamente estará na bancarrota. Cada um em
seu sftio: Ele com o dinheiro, eu com a equipa".
ln A Bola, 29{3{2005
Tendo em atenção a estrutura das organizações os gestores podem ser classificados de acordo
com o âmbito de responsabilidade e o nível de responsabilidade (ver quadro 20):
. Âmbito da responsabilidade: · Nível de responsabilidade:
- Gestores gerais; -Gestores de topo;
- Gestores de projecto; -Gestores intermédios;
-Gestores de funções . - Gestores de primeira linha.
Gestor de Função
Cada uma das posições pode dar origem a diversos postos de traba lh o, com determ in ados perfis
de funções. Por exemplo, podemos perguntar qual é o perfil de funções do posto de traba lho que dá
pelo nome de "director-geral" de um clube da 1• li ga de futebol? Esta pergunta pode-se repetir inú-
meras vezes até porque são imensas as profissões do desporto já perfeitamente identificadas .
Nova gestão
Portanto, nesta fase em que o desporto moderno caminha para a sua maturidade, não é exage-
rado dizer que estamos no domínio duma nova gestão (a gestão do desporto) que pode assumir as
mais variadas formas de intervenção para aqueles (gestores de desporto) que estão encarregues de
unidades ou subunidades de organizações e nelas actuam através do conhecimento e aplicação de
uma dada tecnologia específica que neste caso é o desporto, tendo em atenção uma filosofia de acção
que determina a identidade cu ltural não só da profissão com da organização onde actuam.
150 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Contudo, é bom que se enten da que a gestão do desporto pode assumir também característi-
cas próprias. Os presidentes de uma federação desportiva ou de um clube têm necessariamente
competências, responsabilidades e perfis de funções diferentes das de um director técnico ou de
um treinador. Quanto mais elevado é o âmbito e o nível de responsabilidade mais se espera capaci-
dade intuitivajpo lítica da parte dos gestores (ver quadro 21). Pelo contrário, quanto mais se desce
na estrutura hierárquica, mais as capacidades técnicas devem prevalecer sobre as políticas.
Gestores de topo
+
Gestores de funções
As tarefas do gestor
Entretanto, por todo o mundo e nos mais diversos quadrantes da prática desportiva, os espe-
cia listas desportivos em matéria de gestão do desporto começam a surgir de todos os lados, sem
que o sistema se aperceba muito bem para o que é que eles servem - veja-se o que se passa com
os "directores desportivos" nos gran des clubes. E quando surgem especialistas emergem, conse-
quentemente, especialidades que são id entifi cadas através da formalização de comportamentos
que respondem àquela especialização.
Portanto, é necessário reconhecer que a formação do professor de Educação Física que outrora
respondia às mais diversas necessidades socia is e desportivas, quer dizer, às mais variada s espe-
cialidades, deixou de o fazer. No mundo do desporto começaram a surgir treinadores, preparado-
res físicos, gestores, directores técnicos, directores desportivos, isto é, um sign ificativo núm ero de
profissões do desporto, cada uma delas com funções diferenciadas relativamente aos contextos
onde são ap li cadas.
Os factos e o folclore
Entretanto, Henry Mintzberg (1975), na linha de Nietzsche (2005), ao contestar Sócrates n' A
Origem da Tragédia, também ele conclu iu que o modelo racional da acção dos gestores que Henry
Fayol tinha idealizado em princípios do sécu lo XX, constituído pela racionalidade apo lín ea do
....
Atena e a Tecnologia [ 151
prever, organizar, coordena r, comanda r e controlar, pouco ou nada tinha a ver com a rea lid ade.
Onde quer que "o seu olhar lúcido pousasse" encontrava apenas em matéria daquilo que os gesto-
res faziam o poder da ilu são, quer dizer, um folclore, na medida em que uma coisa era aquilo que
se dizia que os gestores faziam e outra, completamente diferente, o que eles na realidade faziam.
Numa cu ltura racionalista, o discurso dominante das esco las clássicas foi conduzido para aceitar
que os gestores eram conduzidos pela razão, pelo que paradoxalmente todo o sistema de contro lo
era deixado no domínio do instinto e da emoção. Ao afirmar peremptoriamente que a gestão não é
uma ciência, Mintzberg desmistificou a profissão de gestor, esclarecendo que uma coisa é real-
mente aquilo que eles fazem e outra comp letamente diferente aqui lo que o discurso comum dizia
que eles faziam (ver quadro 22).
Folclore Realidade
Não tem tarefas a cumprir. Comprom issos regulares, rituais, cerimónias, negociações.
Utiliza informação agregada. Privilegia a informação oral, conversas, telefone, reuniões, porta aberta.
A gestão é uma ciência. A gestão é uma arte. O conhecimento está no inconsciente do gestor.
A partir do momento em que Henry Mintzberg (1975) apurou o conjunto de contrad ições entre os
factos e a realidade no que diz respeito às tarefas do gestor que se situavam mu ito mais debaixo da
acção de Dionísio do que da de Apoio, também ele não resistiu à tentação de as ordenar em três cate-
gorias fundamentais: (1) Tarefas de inter-relação; (2) Tarefas de informação; (3) Tarefas de decisão.
Concepção
tenham directamente a ver com as suas vidas naquilo que diz respeito à ocupação do seu tempo livre,
recreação e lazer, muito embora também se administrem recursos financeiros (angariação, aplicação e
controlo), recursos humanos, recursos materiais e recursos informacionais. E, mesmo na situação das
ditas sociedades desportivas, há que saber muito bem o que é que se está a gerir. Se aplicações finan-
ceiras, fundos de investimento, obrigações, acções ou outros, ou se se está a gerir práticas desportivas,
nos domínios da organização e do negócio do desporto, quer dizer, a substância que poderá dar signifi-
cado e va lor à sociedade desportiva, como por exemplo um centro de formação ou uma academia.
' Ambiente
As organ izações desportivas vivem em determinados ambientes que lhes condicionam a vida.
O ambiente dum clube do desporto escolar é comp letamente diferente do ambiente dum clube do
sector do desporto federado, ou daquele que envo lve uma sociedade anónima desportiva.
Mesmo se olharmos só para o desporto temos de acordar que existem organizações que se relacio-
nam com ele das mais diversas maneiras. A multiplicidade de relações possíveis que as organizações
podem estabelecer com o ambiente que as circunda exige uma aná lise, um tratamento e uma com-
preensão cuidadas. Comparar a Adidas ou a Nike com um clube, ou até um clube europeu com um
americano, é comparar realidades tão diferentes que dificilmente podem ser comparadas. Repare-se
que a Nike, enquanto organização do mundo do desporto, fabricante de diverso materi~l desportivo,
que até contribui para a contabilid ade relativa à economia do desporto, tem uma vocação e missão que
nada têm a ver com a gestão duma organ ização desportiva, muito embora necessite nos seus quadros
humanos de especialistas de diversas áreas, entre as quais a do desporto (gestores de desporto).
Portanto, quando se trata de perspectivar as tarefas de um gestor de desporto é necessário, antes
de tudo, conhecer e compreender o ambiente em que a organização está envolvida. Assim, torna-se
necessário ser possuidor de uma capacidade de concepção sobre uma dada tecno logia (desporto,
modalidades desportivas), a funcionar num determinado ambiente (áreas e sectores de prática des-
portiva) e dirigida a grupos-alvo específicos (pessoas, id ade, género, seus anseios e objectivos).
Daqui se comp reende que para gerir seja o que for é necessário ter da actividade em causa o
conhecimento da sua tecnologia e do contexto onde ela opera. Assim, tem de existir uma compe-
tência da parte do gestor de desporto que está intimamente relacionada com a actividade em si e
que denominaremos de concepção.
A partir da ideia inicial de Mintzberg organizámos as tarefas do gestor a partir de algumas
adaptações que, para além de c0nsiderarem as tarefas de concepção·, ajustaram a terminologia
adaptando-a à nossa realidade desportiva (ver quadro 23) .
Tarefas do gestor
Tarefas e subtarefas
Da desagregação das fun ções do gestor em tarefas e estas em competências gerais orga nizámos
um quadro que não pretende ser exa ustivo mas pura e si mples mente encontrar um primeiro esboço
que permita determin ar os diversos perfis de posto de trabalho qu e hoje podem ser encontrados no
domínio da gestão do desporto (ver quadro 24). O objectivo é poss ibi litar a descrição do posto de tra-
balho a partir do conceito de competências no âmbito da gestão do desporto, quer di zer, o conjunto
de competências necessárias ao desem penho de uma determi nada profissãojocupação no âmbito da
gestão do desporto.
Sabe com unicar informação. Écapaz de ver o seu traba lho como um todo.
Ligação
Consegue relacionar a sua área de acção com o sistema total.
Empreendimento
Écapaz de gerir por objectivos. Está apto a tomar decisões estratégicas.
Sabe assumir riscos em relação ao momento certo.
/
Écapaz de identifica r potenciais conflitos. Écapaz de os gerir tanto a nível interno
Resolução de conflitos
como externo da organização.
De decisão
Locação de recursos Écapaz de gerir recursos humanos, materiais, financeiros, informacionais.
Para que serve a gestão do desporto~ Quando nos fazem esta pergunta le.mbramo-nos da
pequena estória passada com o inventor da electricidade. Quando Michael Faraday descrevia a sua
última descoberta em electricidade, o primeiro-ministro britânico que visitava o laboratório pergun -
tou-lhe: "Para que é que isso serve?" Faraday respondeu-lhe: "Para que é que serve um recém-nas-
cido? Há que esperar que cresça para o sabermos".
Os problemas relativos à gestão do desporto, que no passado eram resolvidos simplesmente
com o recurso aos instrumentos da pedagogia, nos últimos 20 anos, entraram num processo de
acelerada complexificação que obrigou a integrar no acto de gerir um cada vez maior número de
conhecimentos e técnicas das mais diversas áreas científicas. Se considerarmos a perspectiva de
Henry Mintzberg (1992), naquilo que designa por "parâmetros de concepção" (concepção do posto
de trabalho, concepção da super-estrutura, concepção das ligações laterais e concep~ão da tomada
de decisão), quanto à concepção do posto de trabalho devem ser considerados qu ~ro aspectos
0
fundamentais (ver ponto n. 7.2):
1. Especialização; 3· Formação inicial;
2. Formalização dos comportamentos; 4· Socialização.
EUA
Nos EUA a gestão do desporto pode ser analisada a partir das ligas profissionais, por um lado, e
o sistema de competição inter-colégios e universidades por outro (G. Pires e P. Sarmento, 2001). Em
qualquer das situações, todo o srstema se desenvolveu a partir de uma tógica de negócio.
Para Don Calhoun (1981), a história do desporto é a história da transição do amadorismo para
o profissionalismo. Na realidade, a gestão do desporto nos EUA esteve, desde sempre, ligada à
necessidade de "fazer dinheiro" . Por isso, não é de estranhar que, de acordo com E. Zeigler (1987),
na década de sessenta ainda não existissem estudos significativos relativos à gestão e administra-
ção do desporto. A gestão aconteceu a partir da acção de promover negócios no âmbito do des-
porto. O autor referido publicou, em 1959, Administration of Physical Education and Athletics e, pos-
teriormente, em 1975, Administrati11e Theory and Practice in Physical Education and Athletics. Em
1971, a "American Association for Health, Physical Education and Recreation" publicou Administra-
tion of Athletics in Colleges and Uni11ersities . Do lado americano, estas são as primeiras referências
que deram origem àquilo que hoje se passa em matéria de gestão do desporto.
Em 1993. a NASSM (North America Society for Sport Management), que tinha sido fundada em
1985/86 por académicos tanto dos EUA como do Canadá, em colaboração com a NASPE (North
America Society for Physica/ Education). editaram o documento Standards for Curriculum and Voluntary
- Atena e a Tecnologia [ 155
Formação inicial
De acordo com Bonnie Parkhouse (1996) os aspectos fundamentais que um programa de ges-
tão do desporto deve conter são os seguintes:
·Domínio das actividades desportivas (hehavíoral dímensíons ín sport);
· Gestão e competências organizacionais em desporto (management and organizational ski!!s in
sport);
· Ética;
· Marketing;
· Comunicação;
• Finanças;
• Economia do desporto;
· Direito do desporto;
· Política desportiva;
· Experiência de terreno.
Mais recentemente, l<aren Daylchuck (1999) enfatiza que os programas de gestão do desporto
devem evoluir nos próximos anos em termos estratégicos, tendo em atenção quatro características
fundamentais:
1. Envolvimento com as faculdades de economia e gestão;
2. Incrementar diversidade e especialização;
3· Reforçar os aspectos internacionais e globais;
4· Melhorar a capacidade empreendedora.
Europa
No que diz respeito à Europa houve acerca da gestão do desporto uma atitude mais sociológica
e "jurisdicizada", ou até do domínio da economia política (G. Pires, 1989). Os primeiros trabalhos
tendo em atenção a organização política da educação física e desporto datam já da segunda metade
do século passado, em que os autores de referência, em nossa opinião, podem ser, entre outros,
Jean Dumazedier (1950), com a obra Regards Neufs sur /e Sport, George Magname (1964) e a obra
Sociologie du Sport - Situation du Loisir Sportif dans la Culture Contemporaine, Jean Meynaud (1966)
com Sport et Politique e Berthaud, G. & Brohm J. M. & Gantheret, F. & Laguillaumie, Pierre (1972)
com a obra colectiva Sport, Culture et Repressíon e Bernard Jeu (1972) com Le Sport, la Mort, la Vio-
lence. Este último autor procurou definir os conceitos, as estruturas e os modelos, em relação ao
156 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
processo desportivo. O importante desta obra é o facto de, pela primeira vez, partindo da necessi-
dade da "exigê ncia de racionalid ade" , o autor falar em "defin ir políticas desportivas", id ea lizando um
conceito com uma dimen são em que procura ca ptar a globalidade do fenómeno. Simultaneamente,
na Suiça, François Pidoux (1972) pub licou Vers une Politiqu e de Promotion Sporti11e . O finlandês
Pekka Kivi aho (1973) publicou, através da Universidade de Jyva skyla, o títu lo Sport Organizations and
the Strutcture of Society. Em 11 de Março de 1973, a cu lmin ar todo um traba lh o coordenado por
Benito Castejon Paz, foi divul gada, pelo Conselho da Europa, a obra La Rationalization des Choix en
Matiére de Politique Sporti11e. Entretanto, o grande sa lto da pedagogia, da economia política e da pró-
pria sociologia para a admini stração dá-se em 1975 atra vés do CO I, ao edita r uma obra intitu lada Pro-
blemes d'Organisation et d'Administration du Sport, onde aparecem nomes credenciados no domínio
da pedagogia do desporto como era o de Jose Maria Cagical.
Entretanto, o "Sport Management Comm ittee da Eu ropean Network of Sport Sciences in Higher
Education" editou , em 1995, umas normas onde foram estabelecidos os critério s mínimos para atri-
buir respectivamen te os diplomas de licenciatura e de mestrado a nível das universidades aderentes.
Portugal
Ao longo do século XX fora m pub li cadas diversas obras a justificarem a necessid ade de um a
gestão política, técnica e adm ini strativa do fenóm eno desportivo. A primeira foi cer tam ente a de
José Pontes (1934) Quase um Século de Desporto .
Eurico Serra (1939) proclama a necessidade da intervenção admini strati va do Estado no des-
porto. Na obra intitulada Desporto, Educação Física e Estado diz o autor: "O Chefe do Gove rn o
anuncio u já que de há muito se lh e afi gu ra necessária qu alquer intervenção para suprir o que de
outro modo não poder se r fe ito, para coo rdenar o qu e andasse di sperso, para subordinar ce rto s
individu ali smos in ev itáveis ao alto interesse de todos. (.. .) A doutrina do Estado não é tota litária
qu anto à essência, porque o poder encerra na sua origem limites de ord em espi ritual e moral".
Em 1967, numa perspectiva ideológica diametralmente oposta, José Esteves pub li ca O Desporto
e as Estruturas Sociais.
Sob a coordenação de Prostes da Fonseca surgiu , em 1968, Planeamento da Acção Educati11a,
editado pelo Ministério da Educação Naciona l, ao qual fica também ligado esse nome fundam ental
da admi ni stração pública portuguesa que foi José Mari a Noro nh a Feio.
Manuel Sérgio (1974), na obra Para uma Reno11ação do Desporto Na cional, dá abertura à discus-
são políti ca e adm ini strativa da organização do desporto em Portu ga l, já na vigência do regim e
democrático.
Seguem-se obras como as de Melo de Carvalho (1975) Desporto e Re11olução- Uma Política Des-
portil!a, Jorge Cres po (1976) O Desenllol11imento do Desporto em Portugal um Acto Político, Gustavo
Pires (1979) Pressupostos para a Análise da Situação Desporti11a39 .
39
Mai s recen temente, surgiram trabalhos como Melo Carva lho (1994) . Desporto e Autarquias Locais - Uma Nova Via para o
Desenvolvimento Desportivo Nacional, Porto, Campo das Letras; Gustavo Pires (1996). Desporto e Política- Paradoxos e
Realidades, Funchal, O Desporto Madeira; Melo Ca rva lho (1997). O Dirigente Desportivo Voluntário, Li sboa, Horizonte;
Francisco Fernandes (1999) . Madeira, Desporto e Autonomia, Fun chal, Desporto Madeira; José Manuel Constantino
(1999). Desporto, Política e Autarquias, Lisboa, Livros Horizo nte; Abel Corre ia (2000). Estratégia das Federações Desporti-
vas no Ciclo Olímpico de Sydney, Li sboa, Secretaria de Estado do Desporto; Melo Carva lh o (2001). O Clube Desportivo
Popular. Porto, Campo das Letras; Gustavo Pires (2003). Gest do Desporto - Desenvolvimento Organizacional, Porto,
Associação Portuguesa de Gestão de Desporto; André Escórcio (2004). Ano Europeu da Educação pelo Desporto , Funcha l,
O Despo rto Madeira.
Atena e a Tecnologia [ 157
Em língua portuguesa, e porque o autor tem uma grande influência em Portugal, acrescenta-
mos que Lamartine DaCosta (1972) coordenou os trabalhos que resu ltaram na obra Diagnóstico da
Educação Física e Desportos no Brasil, ficando como sendo uma das primeiras obras a nível mundial
produzidas sobre o assunto.
Síntese
A gestão do desporto não nasceu de geração espontânea, na medida em que é b resultado dum
processo de evo lu ção lon go, do qual, agora, começam a existir as prim eiras sínteses reflexivas.
Embora por vias distintas, uma norte-americana, centrada na base do desporto universitário das
ligas e da gestão de negócios e outra europeia, mais preocupada na intervenção política da admi-
nistração pública e na consequente generali zação da prática desportiva através do "Desporto para
Todos". Quer dizer, nos EUA, na organização das práticas desportivas de competição escolar. Na
Europa, nas actividades de lazer e compet ição organizadas pelos clubes soc iais, promovidas e
apo iadas pelo próprio Estado.
De há cerca de vinte anos a esta parte, através da indústria do lazer, o desporto entrou naquilo a
que podemos des ignar como a "era económica". De facto, se o desporto dantes era um sistema
integrador de uma cadeia vertica l de va lores sociais, h;je, cada vez mais, é um sistema integrador de
uma cadeia vertica l de valores económicos. Em conformidade, a concepção do posto de trabalho
nos mais diversos amb ientes que caracterizam as práticas desportivas está num processo de trans-
formação acelerada que acabará por defin ir o gestor de desporto do futuro e as suas especialidades.
Em 1987, o Conselho da Europa, a partir de um seminário realizado sob o título "La formation a
la Cestion Sportive", definia gestão como "o processo pelo qual assum im os a responsabilidade da
planificação e da regulação dos recursos no interior de uma organização- pessoas, manifestações
ou instalações - a fim de realizar objectivos". Mais recentemente, a "European Association for
Sport Management" (http:/ jwww.easm.net) definiu gestão do desporto como "os aspectos estra-
tégicos, organizacionais e de contro lo de actividades no domínio da organização do desporto com
o objectivo de: (1) proporcionarem boas condições para os utentes dos serviços desportivos
(espectadores, atletas); (2) possibilitarem uma boa e efectiva cooperação entre entidades voluntá-
rias e profissionais; (3) permitirem um razoável pagamento dos custos". Nesta conform id ade, a
mesma organização define gestor como: "Aquele que gere as práticas desportivas utilizando um
conhecime nto específico das organizaÇões desportivas, através de uma estratégia, um processo e
um co ntrolo de activ idades". Define, ainda, organização do desporto como "qualquer organização
permanente ou temporária que desenvolve actividades relacionadas com o desporto ou que delas
· depende para o seu processo de produção e sobrev ivência" .
Quando se está no domínio da gestão do desporto, o primeiro conceito a ser cons iderado deve
ser o de situação desportiva (Castejon Paz, 1973). A situação desportiva é um dos conceitos-base
do processo de gestão do desporto que permite conhecer, analisar e compreender o estado de um
dado contexto desportivo num determinado momento, através da identificação dos seus elementos
desportivos, paradesportivos e extra-desportivos .
1 58 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
DadosflnformaçãofConhecimento
Para apurar a situação desportiva são necessários dados, para que possam ser transformados
em informação e esta em conhecimento. No entanto, a tradição no mundo do desporto não tem
sido a de medir para além dos resultados desportivos que se obtêm ao longo de cada época des-
portiva. Tudo o resto, salvo raras excepções 41 , não tem merecido o interesse das diversas autorida-
des, que nos seus mais variados sectores superintendem o processo de desenvolvimento do des-
porto. Repare-se que, se por um lado as estatísticas desportivas produzidas pelo Instituto Nacional
de Estatística são parcas e de utilidade reduzida, por outro, a publicação dos anuári9s do desporto,
embora com utilidade, não resolvem o problema na sua totalidade.
De facto, não é fácil conhecer, com um relativo rigor, quanto é que cada sector, autarquia ou o
país gastam no desporto e, muito menos, como, aonde e com quem. Mas não só. Se passarmos para
os recursos humanos, a situação é mais ou menos idêntica. Não se sabe com rigor quantos atletas,
dirigentes ou técnicos é que existem, com que níveis de formação e com que estatuto. Do mesmo
modo, se pensarmos nas instalações desportivas, não é fácil conhecer com exactidão a situação que
existe em relação aos diversos espaços e às várias tipologias.
Contudo, a este respeito têm sido realizados ultimamente significativos esforços pelas autar-
quias, bem como, de certo modo, pela administração pública (Instituto do Desporto de Portugal),
no que diz respeito a algumas bases de dados (http:jjwww.idesporto.pt), entre elas:
· Legislação desportiva;
· Carta das Instalações Desporti~as Artificiais- 2000, tem por objectivo fornecer, ao sistema despor-
tivo, elementos actualizados sobre o número de instalações construídas e respectiva superfície
útil, dados comparativos com os índices de referência internacionais, oferta do número de insta-
lações e da superfície útil por tipologia e por Nuts III.
40
Desenvolvemos a problemática da situação desportiva a partir do estudo realizado por Benito Castejon Paz para o Conse·
lho da Europa, intitulado La Rationalization des Choix en Matiere de Politique Sporti~e, no ano de 1973- A prime1ra parte
deste trabalho, intitulada Instrumentos Conceptuais, foi traduzida para português e publicada na Colecção Antologia Des-
portiva, Vol. 6, editada pela dos Desportos. O conceito de situação desportiva começou também a ser
desenvolvido no âmbito do "Conselho Americano do Desporto Internacional". A este respeito, ver Conselho Americano
do Desporto Internacional (1978). Directrizes Orientadoras de um Estudo Nacional sobre a Situação da Educação Física e do
Desporto, Washington, ACIS.
41
Entre as excepções mais recentes não podemos deixar de referir os seguintes trabalhos: (1.
0
} Estatísticas do Associati~ismo
Desporti~o-
0
1996-2004, editado pelo Instituto do Desporto de Portugal sob a coordenação de Fernando Tenreiro. (2. A }
Administração Pública Desportiva e a Avaliação dos Apoios à Participação de Portugal nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004,
um trabalho coordenado por Alfredo Silva e João Campos.
....
Atena e a Tecnologia [ 159
Levantamento e análise
O levantamento e análise da situação desportiva de um país, uma região, uma federação ou,
simplesmente, um clube ou empresa, tem por objectivo obter um conjunto de dados que determi-
nam as existências e os ~uxos no mundo do desporto e, através do tratamento dos dados obtidos,
conseguir a informação a partir da qual (análise) é possível desencadear o processo de planea-
mento. Isto significa passar dos dados colhidos no levantamento da situação desportiva para a
informação elaborada na análise da situação desportiva. Na sequência do levantamento e da aná-
lise de uma dada situação (realidade) desportiva decorre o conhecimento necessário à compreen-
são dessa mesma realidade. Em conformidade, o instrumento situação desportiva deve permitir a
qualquer organismo despor1ivo responder a três questões fundamentais:
1. Aonde é que se encontra?
2. Para onde é que quer ir>
3· Como é que pode ou deseja lá chegar?
Porque, quando não se sabe para onde é que se quer ir, qualquer caminho serve. Quando qual-
quer caminho serve, geralmente, acaba-se por chega t a lado nenhum. Por isso, o desenvolvimento
do conceito de situação desportiva deve cumprir quatro objectivos fundamentais, a saber:
1. Construir e utilizar uma terminologia comum, facilitadora de diálogos francos, abertos e per-
ceptíveis entre diferentes opiniões;
2. Apurar de forma sistemática aquilo que existe num dado espaço geográfico, sector, área ou
modalidade desportiva;
3· Estabelecer comparações entre diferentes momentos da mesma realidade desportiva;
4· Permitir desencadear processos de planeamento, quer dizer, determinar o "gap" estratégico
(diferença entre a projecção de referência e a projecção planeada).
Na estória de Lewis Carrol/, a pequena Alice resolveu seguir o coelho, um animal com proble-
mas de gestão do tempo, e, quando deu por ela, estava completamente perdida. Até que, num
cruzamento de caminhos, encontrou ~gato. Este foi o diálogo que se seguiu:
Alice: Por qual caminho devemos seguir?
Gato: Para onde é que queres ir?
Alice: Não sei.
Gato: Então qualquer caminho serve.
Decisões fundamentadas
A decisão em matéria de gestão do desporto, naquilo que tem a ver com o planeamento das
organizações e sectores desportivos na prossecução dos seus objectivos, passa a ser construída na
base de decisões fundamentadas em parâmetros perfeitamente compreensíveis pela sociedade
desportiva, sem que com isso se limite o espaço de liberdade de intervenção dos diversos agentes
J
160 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
públicos ou privados, com e sem fins lucrativos. O que se pretende, é que o desporto deixe de ser
um espaço em que impera uma prática de expedientes e do "salve-se quem puder", através de pro-
cessos de manipulação e influência, que só convêm àqueles que sustentam as suas acções na
capacidade para manobrarem o poder, em defesa dos seus interesses, na maioria das vezes de
valor ético e social duvidoso. Contudo é bom que se considere que nem sempre as boas decisões
garantem bons resultados . Só porque as coisas não evoluíram num determinado sentido, não quer
dizer que as decisões tenham sido erradas. É necessário considerar que muitas coisas acontecem
pura e simplesmente de forma imprevisível, sendo, por isso, desconhecidas, pelo que, na avaliação
de uma decisão, é imprescindível considerar a informação ao tempo disponível.
Mudança cultural
Muito embora os processos de mudança cultural levem tempo a produzir efeitos, principal-
mente no mundo do desporto em que o civismo, a cultura e a vivência democrática já não são o
que outrora foram- veja-se, por exemplo, os estatutos de algumas federações desportivas que são
um autêntico atentado aos mais simples valores democráticos -tem-se por objectivo esclar"ecer a
noção de situação desportiva, na expectativa de podermos enriquecer um quadro teórico de concei-
tos no domínio duma teoria da gestão do desporto, que possibilite um diálogo entre aqueles que,
quer directa quer indirectamente, intervêm no processo desportivo.
Definição
A situação desportiva é definida como uma visão analítica e funcional do mundo do desporto
(Castejon Paz, 1973). Refere-se a um determinado momento na medida em que, geralmente, a data
de balanço se ajusta aos períodos anuais ou quadrienais relativos a cada ciclo olímpico ou de pla-
neamento anual, de acordo com a situação que estiver a ser tratada.
Fotografia
Tal como Castejon Paz (1973), podemos dizer que a situação desportiva é a fotografia do des-
porto num dado momento, quer dize r, uma descrição sistemática do estado de uma organização,
de um sector, de uma região ou do próprio sistema desportivo de um país.
A situação desportiva representa, ai da segundo o autor referido, uma visão funcional do mundo do
desporto, porque permite diagnosticar ma dada realidade desportiva (análise), através do apuramento
...
Atena e a Tecnologia [ 161
de um conjunto de rácios, úteis não só à compreensão da própria organização ou sistema como à elabo-
ração do planeamento e à programação de projectos. Podemos considerar, entre outras, as seguintes
taxas no que diz respeito à relação entre os praticantes e a prática (Brian Rodgers, 1977):
1. Taxa de penetração- Relação entre os praticantes ocasionais (pessoas que praticaram alguma
vez desporto) e a população total;
2. Taxa de participação- Relação entre os praticantes em actividade e a população total;
3· Taxa de fidelidade- Relação entre os praticantes em actividade e as pessoas que praticaram
desporto numa dada ocasião;
4· Taxa de intensidade- Relação entre praticantes regulares e os praticantes em actividade.
Outras taxas
Em função do levantamento e da análise da situação que se deseja realizar, podem ser estabele-
cidas as mais diversas taxas desportivas. Tudo depende de existirem ou não estatísticas fiáveis de
suporte. Podem ser organizadas, entre outras, as seguintes taxas:
1. Relação entre as diversas categorias de recursos humanos;
2. De instalações;
3· De relação entre praticantes e instalações;
4· Financeiras;
5· Relação entre indicadores financeiros e praticantes;
6. Diferentes realidades, por exemplo, desporto federadojdesporto escolar.
Elementos
O processo para se atingir a raiz de qualquer problema, sobre o qual debruçamos a nossa aten-
ção, pode ser o método analítico, que possibilita a análise até um ponto não decomponível, daquilo
que está em observação. No desporto, também podemos utilizar este processo lógico, atomista, de
forma a melhor compreendê-lo. Ao desagregarmos o desporto nas suas mais pequenas partes,
quer dizer, em elementos- as unidades mais simples que caracterizam o mundo do desporto42 -,
estamos a utilizar um método analítico que pode prosseguir até um ponto em que a decomposição
não é mais possível.
O conceito de situação desportiva pode ser definido a partir do conjunto de elementos desporti-
vos que caracterizam num dado momento uma determinada realidade desportiva, tendo em consi-
deração um quadro condicionante e um quadro de apoio (ver quadro 25).
42 /
Repare-se que podemos considerar o elemento praticante, mas também podemos depender da situação, desagregar este
elemento em diversas categorias, já que pode haver praticantes desportivos escolares, federados, profissionais, infantis,
iniciados, juvenis, etc.
/
AGONGD-11
162 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
~
Desportivo Paradesportivo Extra-desportivo
...
.
/. Independentes Suporte Dependentes
Estes elementos fazem parte do mundo do desporto e, por isso, pode ser objecto de políticas
desportivas pela sua manipulação através de processos de planeamento e programação. Por exem-
plo, uma piscina, um treinador, um praticante, um campeonato. No seu conjunto, estão organiza-
dos no quadro desportivo.
São elementos que não fazem parte do mundo do desporto mas que podem ser solicitados a
apoiarem as práticas desportivas. Por exemplo, uma corporação de bombeiros, uma agência de
publicidade. Organizam-se no quadro de apoio.
Não fazem parte do mundo do desporto mas condicionam-no, quer positivamente quer negati-
vamente. O(ganizam-se no quadro condicionante que, como o próprio nome indica, condiciona,
positiva ou negativamente, as práticas desportivas. Como exemplo temos as condições climatéricas
de uma região, as condições económicas, os seus hábjtos culturais, etc.
Planeamento
Só é possível planear aquilo que se controla, pelo que é necessário, desde o momento de arran-
0
que de todo o processo de planeamento: (1. ) Dominar as variáveis sobre as quais podemos actuar;
0
(2. ) Apelar para aquelas que embora não controlemos possamos solicitar os seus efeitos positivos
e, nnalmente; (3. 0
) Considerar aquelas sobre as quais nos é impossível actuar pois só as podemos
considerar quer elas tenham efeitos positivos ou negativos.
Tempos primeiros
O desporto moderno em Portugal tem a sua fase de pré-arranque durante finais do século XIX e
primeira metade do século XX. Em meados do século XIX, os jovens portugueses, que não alinhavam
no grupo dos "janotinhas do passeio público", pegavam touros, corriam lebres, remavam em "gui-
gas", velejavam em canoas do Tejo, eram bombeiros destemidos, dedicavam-se à ginástica de acroba-
cia e de aparelhos, jogavam ao pau e à bola e conviviam com os artistas dos circos Price, Diaz, Aragon
e outros. Estas actividades desportivas, umas mais do que outras, foram acompanhadas até à implan-
tação da República com grande interesse pela família real. Por exemplo, em 1905, abriu a primeira
escola de natação na Trafaria e, em 1906, realizou-se na baía do Alfeite a primeira prova de natação na
distância de meia milha. O rei D. Carlos ofereceu uma taça para primeiro prémio (José Pontes, 1934).
164 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Decorreu um século desde o tempo da génese das práticas desportivas que aconteciam de forma
espontânea até aos dias de hoje, em que o desporto está cada vez mais envolvido nas actividades
económicas e sociais do país. Para além dos clubes fundados ainda durante o século XIX, datam do
início do século XX as primeiras preocupações concernentes à estruturação das práticas desportivas.
Em 1905, por alvitre de Luiz Furtado Coelho, foi publicado o decreto que estabeleceu o ensino da
ginástica nos liceus portugueses. De acordo com José Pontes (1934), em 26 de Outubro de 1909 foi
fundada a Sociedade Promotora da Educação Física Nacional. Presidida inicialmente pelo Conde de
Penha Garcia desenvolveu a sua acção até ao ano de 1913. Em 1911 elaborou um "Projecto de Orga-
nização do Ensino da Educação Physica Nacional". Contudo, a Sociedade Promotora de Educação
43
Física Nacional não foi, de facto, fundada em 26 de Outubro, mas em 27 de Novembro .
No início do século passado, a ideia olímpica estava a chegar a Portugal. Pierre de Coubertin
tinha lançado pela primeira vez, numa conferência proferida em Paris no ano de 1892, a ideia da
renovação dos Jogos Olímpicos. Em 23 de Julho 1894, no Grande Anfiteatro da Sorbonne, foi apro-
vada a constituição do primeiro Comité Internacional Olímpico (CIO) e em 1896 realizaram-se em
Atenas os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna.
Portugal começou a pertencer ao clube olímpico em 1906, quando o rei D. Carlos indicou a
Pierre de Coubertin, a pedido deste, o Dr. D. António de Lencastre, médico da Casa Real, para
Encarregado de Negócios em Portugal do COI. Numa carta de 9 de Junho, dirigida a Pierre de Cou-
44
bertin, António Lencastre aceitou o convite e a nomeação . Entretanto, na Revue 0/ympíque
45
número 7, de Julho de 1906 , surge o nome de António Lencastre como tendo sido eleito membro
do COI. Assim, a data de 9 de Junho de 1906, até que eventualmente surja outra melhor, é aquela
que institucionaliza o arranque do Movimento Olímpico em Portugal e aquela que, com toda a pro-
priedade, devia ser assumida pelo Comité Olímpico de Portugal como a da fundação do Olim-
pismo em Portugal.
O problema é que a data de fundação do Comité Olímpico Português é comemorada a partir de 26
de Outubro de 1909, data tida como a da fundação da Sociedade Promotora da Educação Física Nacio-
nal que, segundo Carlos Cardoso, só aconteceu a 27 de Novembro de 1909. Todavia, os problemas não
se ficam por aqui. Como com toda a propriedade argumenta o ex-atleta olímpico e ex-Inspector Supe-
rior da Direcção-Geral dos Desportos, Dr. Orlando Azinhais, o Comité Olímpico Português só viria a ser
fundado em 30 de Abril de 1912, ano em que decorreram os Jogos Olímpicos de Estocolmo, onde
começámos a nossa aventura Olímpica em busca da superação. Infelizmente, não começámos bem, já
que na corrida da Maratona faleceu o nosso compatriota Francisco Lázaro.
43
Conferir Carlos Cardoso, in A Bola, 13 de junho de 2003- Este pequeno pormenor levanta a questão que tem a ver com a
data oficial da fundação do próprio Comité Olímpico de Portugal.
44
Na carta dirigida por António Lencastre a Coubertin pode-se ler: "Le Comité Olympic lnternational, dO à votre obligeance,
tiendrait à m'elire représentant de mon pays ou sein de votre honorable compagnie. Touché de votre bienveillance Je
m'expresse de porter à votre connaissance que j'accépte votre indication avec le plus grand plaisir, soucieux de'apporter
mon concours à votre ceuvre ... "
Re~ue 0/ympique,
45
Ver número 7, de Julho de 1906 (p.m).
- Atena e a Tecnologia [ 165
A fundação do primeiro clube português, a Real Associação Naval, surgida em Lisboa, aconteceu no
ano de 1856, a partir de toda a dinâmica das regatas de vela e de remo que, ao tempo, ainda envolvidas
nas artes da pesca e dos transportes, aconteciam no rio Tejo.
À Real Associação Naval seguiu-se-lhe o Clube E~questre, em 1873, e, em 1875, o Real Ginásio
Clube. Até ao início do século XX as actividades desportivas desenvolveram-se de forma dispersa e
circunstanciadas a determinadas classes sociais. A partir de 1910, começaram a aparecer clubes por
todo o país. Em finais dos anos trinta existiam mais de três centenas, principalmente localizados à
volta dos três grandes centros urbanos e industriais: Lisboa, Porto e Setúbal.
A primeira federação desportiva, a União Velocipédica Portuguesa, foi fundada em 14 de
Dezembro de 1899. Em fmais dos anos trinta, já existiam no país 16 federações desportivas.
No mês de Março de 1926, um grupo de federações acordou fundar a Confederação Portuguesa
de Desportos, ideia que já vinha desde inícios dos anos vinte, constituindo para isso uma comissão
organizadora (Século, 8/3/1926). A questão não era pacífica, tendo sido mesmo um dos temas
quentes do li Congresso de Educação Física em que José Pontes, Presidente do Comité Olímpico
Português, fez aprovar um voto contra a eventual existência de uma confederação 46 Finalmente,
segundo os estatutos aprovados por alvará de 27 jn j1928, foi formalizada a fundação da Confedera-
ção Portuguesa de Desporto, que segundo os seus estatutos aconteceu em 6 de Agosto de 1928.
Modelo económico
46
Segundo Mário de Oliveira (O Sport de Lisboa, 9/9/1925), a ideia da fundaçao da Confederaçao Portuguesa de Desporto,
depois de várias tentativas falhadas, surgiu do próprio Chefe de Estado, que promoveu um "almoço-conferência" em que
José Pontes, Presidente do Comité Olímpico Português, "reconheceu que a Confederaçao nao colidia com a existência do
Comité ficando as duas colectividades com funções diversas". E o articulista continua: "Nao obstante as declarações
prestadas pelo Sr. Dr. José Pontes, na qualidade de presidente do Comité, o Comité torpedeou, violentamente, a ideia de
fazer sair a Confederaçao dum voto do li Congresso de Educaçao Física".
166 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
das restantes sociedades anónimas comerciais. As empresas criadas passaram a responder gestio-
nariamente, quer em concretização de estratégias e objectivos quer nos resultados financeiros e eco-
nómicos, perante os seus "stakeholders", entre os quais se encontram agora os seusJinanciadores
por excelência, isto é, os seus accionistas ("shareholders").
A ordem desportiva
Em 1916, organizado pelo Ginásio Clube Português, realizou-se o "I Congresso de Educação
Física", tendo sido discutidas, durante três dias, diversas teses respeitantes à organização e institu-
cionalização do desporto em Portugal. Contudo, os esforços de organização do desporto na pri-
meira metade do século XX foram deveras contraditórios. Por um lado, era manifesto o desinte-
resse e até alguma oposição do Estado em relação a tudo aquilo que tivesse a ver com a prática
desportiva. Por exemplo, em 1932, no Decreto n. 0 21:110, de 16 de Abril, que "aprovou e mandou
pôr em execução o regulamento da educação física dos liceus", foram condenados os "desportos
anglo-saxónicos". Em 1933, no 1.° Congresso dos Clubes Desportivos, houve um apelo das mais
ilustres figuras da sociedade desportiva solicitando a intervenção do Estado no desporto (in Os
Sports, 1j12j1933), apelo esse que já vinha de há muito. Esta intervenção acabou por surgir com a
institucionalização da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, em 1935, da Organização
Nacional da Mocidade Portuguesa em 1936 e da Direcção-Geral da Educação Física, dos Desportos
e Saúde Escolar em 1942. Esta ordem desportiva durou até 25 de Abril de 1974.
O direito ao desporto
Desde 1976, o desporto passou a fazer parte dos direitos consignados na Constituição da República
Portuguesa, que no seu artigo 79° determina que "todos têm direito à cultura física e ao desporto". Lá
se diz que "incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e colectividades des-
portivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto,
bem como prevenir a violência no desporto". Contudo, o Decreto-Lei 32946, de 3 de Agosto de 1943,
que organizou o desporto no Estado Novo, só viria a ser ultrapassado com a Lei de Bases do Sistema
Desportivo (Lei 1j90, de 13 de Janeiro) que criou um novo enquadramento jurídico para o desporto no
país. Este instrumento jurídico veio a ser revogado pela Lei 30/2004, de 21 de Julho, denominada de Lei
de Bases do Desporto.
...
Atena e a Tecnologia [ 167
Associativismo
Dados do Instituto Nacional do Desporto relat1vos a 2000 47 indicam um total de 8874 clubes
no âmbito do desporto federado, admitindo-se que possam existir cerca de 9500 clubes desporti-
vos. No que diz respeito às federações desportivas, segundo a mesma fonte, estão contabilizadas
62, aceitando-se que possam existir cerca de 75 federações desportivas, número este com tendência
para aumentar. Contudo, a taxa de associativismo desportivo, entre 1988 e 1998, decresceu de 36%
para 21% da população (Ana Fernandes, 1998). Independentemente do tipo de associativismo, as
taxas de adesão dos JOvens portugueses são relativamente baixas.
Concepção da superstrutura
É nesta dinâmica entre o público e o privado que a nível europeu foi configurado aquilo que é
designado como o Modelo Europeu de Desporto, que deverá ficar explanado na futura Constituição
Europeia (actualmente com o "não" da França e da Holanda os dados da constituição terão de ser
certamente novamente lançados) naquilo que tem a ver com direito de acesso à prática desportiva
da generalidade dos cidadãos europeus.
Promoção
47
Estes dados podem de alguma maneira ser actualizados com Estatísticas do Associativismo Desportivo - 1996-2004, edi-
tado pelo Instituto do Desporto de Portugal sob a coordenação de Fernando Tenreiro.
168 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Desporto escolar
Ascensão do Estado-Providência
O mundo do desporto, a par da sociedade em geral, vive um tempo de mudança, um tempo de tur-
bulência, de antagonismo de ideias entre o velho e o novo, entre o imobilismo e a inovação, que encon-
tra em si as potencialidades necessárias à evolução e ao progresso sem ser à custa da qualidade de vida
das gerações futuras. A "Carta Europeia de Desporto para Todos" do Conselho da Europa, durante os
finais da década de setenta e a de oitenta, serviu de orientação às políticas desportivas conduzidas a nível
governamental. Aqueles anos foram, tanto em Portugal como na generalidade dos países da Europa Oci-
dental, os anos dourados do Estado-Providência, que sustentou as suas políticas no programa europeu
designado de "Desporto para Todos". A partir deste programa organizaram-se inúmeras actividades des-
portivas formais dirigidas à população em geral, bem como a prática de novas modalidades desportivas
marcadas por motivações ecológicas, pela fruição da Natureza, pelo culto da imagem e da estética cor-
poral. Contudo, nos anos noventa, a política desportiva, em virtude de um arrefecimento da intervenção
do Estado-Providência, voltou-se para o desenvolvimento do desporto federado, com o objectivo de sus-
tentar as suas opções através da obtenção de resultados desportivos em provas internacionais.
Queda do Estado-Providência
"Ciusters"
A partir dos anos noventa começaram a chegar ao desporto não só outras práticas e outros
modelos organizacionais, como também novos agentes interessados, quer directa quer indirecta-
mente, não exclusivamente nas práticas em si, como no passado, mas em toda uma indústria do
-
Atena e a Tecnologia [ 169
entretenimento que já se organiza à escala do planeta. Os "clusters" são constituídos por grupos
de entidades, cujas inter-relações reforçam a vantagem competitiva; podem ser conseguidos entre
indústrias inter-relacionadas, por exemplo, desporto e turismo. Os "clusters" críticos determinam o
centro de desenvolvimento de uma indústria ou de um país. Está neste caso também a íntima
inter-relação que o desporto estabelece com o turismo, não só em termos individuais, naquilo que
tem a ver com a ocupação do tempo com as mais diversas actividades desportivas desde o espec-
táculo à prática propriamente dita, como também a dimensão relação desporto e turismo no qua-
dro dos respectivos planos estratégicos de desenvolvimento das cidades, das regiões e até de paí-
ses. O turismo é um sector estratégico no desenvolvimento do país, pelo que a promoção da sua
qualidade passa por considerar vários aspectos que lhe possam trazer vantagens competitivas no
âmbito da competição inter-países, razão pela qual o desporto não pode deixar de ser considerado,
tendo em atenção os mais diversos segmentos sociais que ao longo do ano nos visitam.
Os grandes eventos
O grande campeão José Bento Pessoa (1874-1954), que em 1899 bateu o recorde mundial de
soo metros no velódromo de Chamartin, dizia ao Os Sports: "Acompanho com toda a minha fé
de desportista a grande prova, esperançado em que essa grande man!fostação de ciclismo há-de
trazer, para esse desporto, os mais benéficos".
ln Os Sports, 25 de Março de 1927
A prática
Os números das poucas estatísticas que é possível apurar indiciam uma situação preocupante e
difícil, senão impossível, de alterar a curto prazo. De facto, muito embora 47% da população portu-
guesa tenha afirmado em 1998 que gosta bastante de desporto (in Marketest- Consumidor, 1999),
na realidade, segundo dados da União Europeia, somente 23% diz praticar desporto com regulari-
dade. Em termos europeus é uma taxa baixa, provavelmente com tendência para decrescer, até por-
que as estatísticas da demografia desportiva do Ministério da Juventude e Desporto indicam que,
entre 1988 e 1998, a taxa de participação desportiva decresceu de 27% para 23%. No período em
---------
Novas práticas
O desporto tem vindo a expandir-se para além das práticas formais, pelo que está a fiorescer uma
nova cultura desportiva consubstanciada naquilo a que Olímpio Bento chamou de uma "ética indolor",
associada à fruição de valores de pendor hedonista e à rejeição do esforço, do suor, da di-sciplina e do
sacrifício. Nesta perspectiva aberta de entender a prática desportiva, se forem contabilizados os caçado-
res com um total no país de cerca de 400 mil e os pescadores desportivos com cerca de 200 mil, a taxa
de participação desportiva poderá subir para valores mais favoráveis, muito embora não branqueie as
desastrosas decisões que em matéria de política desportiva têm sido realizadas nos últimos anos.
As mulheres
Para Odete Graça 48 , o acesso da mulher ao desporto assume aspectos muito preocupantes. Em
Portugal não houve, até à década de 90, nenhuma iniciativa que promovesse o debate sobre a
(des) igualdade da mulher no desporto. Só com a realização do 1.° Congresso "A Mulher e o Des-
porto", realizado em 1996, promovido pelo Movimento Democrático das Mulheres, é que pela pri-
meira vez a problemática do desporto foi abordada de forma tão ampla e diversificada. Não faz sen-
tido, diz-nos ainda Odete Graça, "que numa sociedade que se deseja evoluída e em pleno século XXI,
a situação das mulheres quanto à sua presença no desporto como praticante, treinadora, juiz, árbitra
ou dirigente se assemelhe mais ;, de um país do terceiro mundo". Repare-se, por exemplo, que o
Comité Olímpico de Portugal, que neste domínio devia ser exemplar, tem somente duas mulheres
nos corpos dirigentes, não cumprindo sequer o recomendado pelo CIO.
48
Graça, Odete (2004). A Participação das Mulheres nos Diferentes Aspectos da Dinâmica Desportiva, Lisboa, Centro de Estudos
dos Povos e Culturas de Expressao Portuguesa, Universidade Católica Portuguesa.
Atena e a Tecnologia [ 171
As instalações desportivas
Se existem aspectos em que a situação desportiva evoluiu significativamente nos últimos trinta
anos, o das instalações é, certamente, um deles. Considerando a taxionomia adoptada no âmbito
da administração pública (www.idesporto.pt), existem no país 2716 grandes campos, 3510 peque-
nos campos, 59 pistas de atletismo, 1090 campos de ténis, 1224 salas, 836 pavilhões, 355 piscinas
cobertas e 325 piscinas de ar livre. Se tivermos em conta que em 1975 (Melo Carvalho, 1975) exis-
tiam, em relação às instalações cobertas, 120 pavilhões, 20 piscinas e 21 tanques e, quanto às des-
cobertas, 481 polidesportivos e 30 pistas de cinza (14 de piso sintético em 1994), pode-se perceber
o extraordinário salto dado nesta matéria pelo país. Se considerarmos ainda que o objectivo então
afirmado pretendia atingir uma situação de 222 pavilhões, 186 piscinas, 425 tanques, polidesporti-
vos (sem necessidades), 50 pistas de atletismo, pode-se verificar o extraordinário salto quantitativo
e qualitativo que o país deu nos últimos 30 anos em matéria de instalações desportivas. Estes
dados, em princípio, estão em constante actualização no site do IDP.
Um dirigismo diletante
das organizações preserva os valores que devem presidir à organização em causa. Não se pode acei-
tar é que o velho dirigente diletante, agarrado ao vértice estratégico do poder desportivo há dezenas .
de anos com enormes prejuízos para o desenvolvimento do desporto e do país, de um momento para
o outro adquira, à conta do erário público, um estatuto profissional, passando a fazer profissional-
mente e à custa do dinheiro dos contribuintes as asneiras que até então cometia simplesmente como
amador. Voltaremos a este assunto quando tratarmos do comportamento (Capítulo 6-4).
Paradoxos e contradições
O desporto em Portugal apresenta diversos paradoxos e contradições. Por um lado, tem estado
condicionado à difícil situação económica e social do país, por outro, exibe resultados em algumas
modálidades, quer individuais quer colectivas, que ultrapassam significativamente aquelas dificul-
dades. Vive a crise do Modelo Europeu de Desporto, bem como as contradições entre as políticas
dirigidas mais para a massa ou mais para a elite. Em conformidade, é de fundamental importância
que se encontre a verdadeira vocação de cada sector de prática ou de actividade desportiva, bem
como o padrão de intervenção do Estado e das suas relações com o movimento desportivo.
O salto qualitativo e quantitativo do parque de instalações para o desporto formal foi, como dis-
semos, significativo, contudo, tudo indica que a adesão das novas gerações à prática desportiva
está a ser realizada no domínio do informal e do inorganizado, pelo que se torna necessário dar
nova orientação às políticas de equipamentos desportivos. Muito embora exista um esforço signifi-
cativo na formação de quadros a nível superior, o dirigismo desportivo perpetua-se no poder impe-
dindo o acesso às novas gerações que procuram no desporto uma profissão interessante num
mundo onde, como se disse, as profissões interessantes estão a rarear.
Finalmente, diremos que a importância que o desporto assume na sociedade actual requer um
maior investimento não de dinheiro mas de massa cinzenta. Requer um investimento da classe
política e dos partidos para o estudarem e compreenderem a fim de se tornar possível aidealização
de políticas desportivas claras e objectivas que tenham em atenção os reais interesses das popula-
ções, sobretudo as mais desfavorecidas, e não simplesmente as habituais medidas de holofote que
acabam por prejudicar o desenvolvimento desportivo do país.
[ Hérocles e oCultura
Objectivos do capítulo. Hérodes, filho de Zeus e de uma mulher mortal, Alcmeno, considerado,
por isso, um semi-deus, foi o maior e mais popular herói de todo o Grécia antigo. Ele represento bem
o quadro cultural que deve envolver o mundo do desporto. Dotado de imenso vigor físico, o suo
forço era famoso. Armado com o característico dava, arco e flechas e vestido com uma pele de leão,
realizou proezas incríveis. Derrotou monstros outrora invencíveis, conquistou cidades e seus reis. Foi
mesmo capaz de vencer em combate os próprios deuses. Os seus feitos mais famosos foram os "12
trabalhos", que efectuou o mondo do deusa Hera. Hérodes, símbolo do homem em luto contra os
forças do Natureza, represento o cultura de superação e de excelência que deve envolver o mundo
do desporto, desde logo porque foi ele que começou por organizar os Jogos em honro de Zeus. Foi
também de Hérodes o iniciativa de coroar com um ramo de oliveira os vencedores. Assim, Hérodes
represento bem o quadro cultural de "ogôn e "oreté" que deviam presidir às festas sagrados dos
competições do gregos antigos que eram os Jogos Olímpicos"9. Neste capítulo, vamos trotar dos
questões do cultura que envolvem o mundo dos organizações. Do suo filosofia de acção à identidade
cultural. Serão desenvolvidos os problemóticos do vocação dos organizações, quer dizer, aquilo que
têm de fazer, osuo missão, ou seja, o maneiro especial como cumprenr ovocação, o padrão de com-
portamento dos vários elementos do organização, do liderança ao trabalho grupol, o visão no que
respeito o organização do futuro e, finalmente, o estruturo quanto à maneiro como o organização
dispõe os suas portes poro funcionar com o máximo eficiência e eficácia.
Se existe actividade em que a gestão do intangível não deve ser descurada, essa actividade é o
desporto. De facto, o desporto é muito mais do que todos os seus aspectos fís icos, biológicos ou
organ izacionais, na medida em que se projecta para além de tudo aqu il o que nele é palpável. Pro-
jecta-se no "agôn" e "areté" qu e deve orientar a vid a no mundo do desporto. Porque, quando se
trata de gerir práticas desportivas, há que conside rar que elas acabam sempre por se sustentar nas
motivações mais profundas das diversas pessoas que até as podem conduz ir a mover montanh as,
pelo simples gozo de participarem numa actividade colectiva.
A c•Atura das organ izações, ao sistematizar um quadro de va lores partilh ados pelos seus mem-
bro0/~ com que uma organização se possa distinguir de outra pelas so!uções singu lares internas
que encontra para responder às necessidades que entende serem as do meio socia l envo lvente e
deste modo cumprir a sua vocação e missão. Daqu i se depreende que, por exemp lo, a cu ltura que
49
A li gação dos jogos olímpicos à cu ltura foi muito poderosa. Começaram por ser festivais religiosos, provavelmente orga·
nizados a partir dos jogos fúnebres em honra de heróis locais. No início do sécu lo VIII, o contexto fúnebre perdeu o sign i·
ficado, tendo aumen tado consideravelmente o seu carácter religioso. Além dos tradicionais sacrifícios e das procissões,
os concursos artísticos (música, poes ia) e as provas atléticas assum iram papel proeminente. (http:f fgreciantiga.org/)
174 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
organiza e orienta o desporto escolar é diferente daquela que organiza e orienta as entidades do
desporto federado. Deste modo, as organizações deixam de ser entidades abstractas para passa-
rem a ser entidades concretas, com vida própria, com um passado e um futuro aos quais as pes-
soas se ligam através da partilha de uma identidade cultural que lhes é comum.
Consequências culturais
De acordo com Geert Hofstede (2001), tendo a palavra gestão as origens e os significados mais
variados não se aplica de uma forma universal às diversas regiões, países e culturas por esse mundo
fora, na medida em que não pode ser isolada dos outros fenómenos sociais. A gestão interage com,
entre outros, o tempo de família, de educação, de saúde, de lazer, de religião, de intervenção social. De
acordo com Hofstede a cultura dos diversos países pode ser caracterizada de acordo com 5 variáveis fun-
damentais que formulam outros tantos problemas-base, com que qualquer sociedade tem de lidar:
1. Distância do poder- Diferentes soluções encontradas a nível social e político relativamente à
resolução dos problemas básicos da desigualdade entre os Homens;
2. Gestão da incerteza - Padrão de stress que uma sociedade assume quando enfrenta o futuro
desconhecido;
3· Individualismo e colectivismo- Capacidade de integração das pessoas nos grupos primários;
4· Masculino e feminino- Divisão das tarefas emocionais entre homens e mulheres;
5· Curto prazo e longo prazo- Disponibilidade das pessoas para orientarem a sua vida relativa-
mente ao presente ou ao futuro.
Contudo, foram vários os autores que ao longo do século passado trataram da questão cultural
relativamente aos povos e suas instituições. As variáveis que de uma maneira geral utilizaram para
perceber a dimensão cultural das sociedades, países e grupos foram as mais diversas. Entre outras,
podemos apontar as seguintes:
1. Relação social e pessoal para com o ambiente;
2. Padrão de responsabilização das lideranças;
3· Estilos de liderança;
4· Comportamento social das elites;
S· Diferenciação das tarefas de acordo com a idade, o género e a hierarquia;
6. Perspectivas mais ou menos colectivistas ou individualistas;
]. Visão mais ou menos universalista;
8. Julgamento dos outros relativamente ao que são ou ao que fazem;
g. Orientação da vida quanto ao passado, ao presente ou ao futuro;
10. Relação hierárquica entre as pessoas;
11. Sistemas de comunicação mais ou menos explícitos ou implícitos;
12. Socialização dos novos membros;
13. Partilha do conhecimento;
14. Regulação das formas de expressão e credos;
15. Utilização do pensamento lógico;
16. Afectação dos meios em relação aos objectivos;
17. Controlo de comportamentos anti-sociais.
......
A realidade da ilusão
Solidariedade
No momento em que começo a escrever este editorial algumas crianças provenientes de insti-
tuições de solidariedade social entram num estádio de futebol envergando os equipamentos das
duas equipas que, dentro de poucos minutos, se irão defrontar num jogo determinante. Este será
certamente um dia inesquecível nas vidas destes meninos, garante, na rádio, a voz empolgada do
jornalista desportivo. Certamente. Um pouco de bom senso levar-nos-ia, por exemplo, a questionar
esta espécie de "apartheid" social. Porque não hão-de ser simplesmente crianças das mais diversas
origens sociais?
Porque pura e simplesmente o que conta, o que fica a dançar nos nossos ouvidos, é a expressão
"solidariedade social". O que conta é que à relação assistencialista que neste caso se estabeleceu
com estas crianças, se possa colar o termo solidariedade, essa palavra unívoca que apaga comple-
tamente o destinatário para fazer cair o seu sentido positivo sobre aqueles que a praticam. É sobre-
tudo para si que olha o autodenominado solidário. Se olhasse para aqueles que são objecto dos
recursos materiais e humanos afectados a essa solidariedade teria necessariamente de se questio-
nar sobre os resultados das políticas que tem como mais emblemáticas.
Helena Matos, "O Peso das Palavras", in Re~isia Atlântico, n° 3, Junho de 2005
Credibilidade
Mas o mais grave problema é que, como se está no domínio do intangível, os estragos acabam
por ser muito maiores e piores do que aqueles que aconteceriam caso se estivesse no domínio do
tangível, na medida em que problemas de credibilidade não se resolvem nem no curto prazo nem à
custa de dinheiro, por muito dinheiro que se tenha.
176 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus
Credibilidade
O antigo conselheiro da segurança nacional dos EUA, Zbigriew Bzrezinski, num artigo intitu-
lado "O problema da credibilidade dos Estados Unidos", contou uma história passada com o
antigo secretário de Estado, Dean Acheson, enviado pelo Presidente John Kennedy a França, no
tempo de De Gaulle, para lhe pedir o apoio da França na gravíssima crise acontecida em 1962,
provocada pela descoberta dos mísseis em Cuba. Quando se preparava para lhe mostrar as provas
fotográficas da existência dos mísseis, De Gaulle observou bem ao seu estilo: "Não desejo ver as
fotografias. A palavra do Presidente dos Estados Unidos chega-me". Em seguida, Bzrezinski fez
uma pergunta terrivelmente pertinente: "Será que algum líder mundial reagiria hoje da mesma
maneira a um emissário do actual presidente dos Estados Unidos?"
Contado por Mário Soares, in Expresso, Novembro de 2003
Desvalorização do quantitativo
A gestão do simbólico
O recurso à dinâmica cultural, que a "moda" da gestão pela cultura introduziu na vida das orga-
nizações, está novamente a trazer para primeiro plano o domínio do simbólico afastado das práti-
cas recreativas que caracterizaram a sociedade agrícola, pela cientificidade da civilização industrial
projectada no desporto moderno. Portanto, a cultura, para além da visão cartesiana, que caracteri-
zou a educação física e o desporto como cultura duma época, volta a ganhar valor na dinâmica
organizacional, ao mesmo nível de outras variáveis de cariz técnico, pedagógico, organizacional e
económico. Em conformidade, a gestão da cultura faz-se pelo aproveitamento das consequências
simbólicas dos actos de gestão, com o objectivo de animar e envolver as pessoas numa dinâmica
de mudança e de progresso. Deste modo, é necessário saber:
A resposta a estas questões traduz-se na articulação das ideias essenciais que justificam, expli-
cam e projectam a vida duma organização por um lado e, por outro, a estrutura das representações
mentais que consubstancia a nível de cada elemento da organização a sua identidade cultural no
que diz respeito à manutenção, transmissão e des~nvolvimento dos valores partilhados. Deste
modo, a estrutura de representações mentais organiza de uma maneira lógica e coerente os valores
preponderantes.
Os japoneses
Henry Mintzberg (1992) identifica os anos setenta como os do início destas preocupações e
responsabiliza os japoneses por essa ocorrência. Muito embora Mintzberg já tivesse feito uma refe-
rência à componente cultural no âmbito das organizações na obra Estrutura e Dinâmica das Organi-
zações, a qual finaliza sugerindo a nova configuração, a missionária, é sobretudo a partir de 1989,
na obra lnside ou r Strange World of Organizations, que desenvolve esta nova perspectiva de equa-
cionar as organizações e a sua gestão a partir da cultura ou o que ele designa por ideologia. Para o
autor, as organizações têm uma ideologia (cultura) "que descreve a sua maneira de fazer as coi-
sas", quer dizer, um sistema rico, desenvolvido e profundamente enraizado de valores e de senti-
50
mentos que distinguem uma dada organização de todas as outras. Neste sentido, a ideologia ou
a cultura apresenta um sentido unificador, quer dizer:
O sentido de missão
Segundo Andrew Campbell (1993), geralmente, quando se pergunta às pessoas qual a missão
da organização a que pertencem, elas não mencionam metas que têm a ver com os lucros.
50
Para Mintzberg a palavra ideologia é utilizada no seu sentido organizacional e não no seu sentido político.
AGONGD-12
1 78 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Elas falam de coisas mais pessoais, tais como a importância da cooperação, a sua própria ideia
acerca da organização, a maneira como trabalham, quer dizer, falam mais acerca das suas relações
com a própria organização do que sobre os serviços ou os produtos que ela oferece à sociedade. De
facto, os membros de uma organização apercebem-se da sua missão através da maneira como a
organização opera, dos seus padrões comportamentais e dos seus valores. Por isso, "o sentido da
missão tem mais a ver com a cultura da organização do que com a identificação das suas metas".
A dinâmica cultural da organização está na capacidade dos seus elementos perceberem o que,
para eles, ela significa e qual o lugar que eles nela ocupam. Esta relação biunívoca determina o
espírito de corpo que envolve e compromete as pessoas num projecto assumido colectivamente.
Mas as pessoas juntam-se com determinados objectivos pelo que as organizações têm de ter bem
definida qual a sua vocação de modo a que possam ser geradas sinergias que, no quadro cultural
da organização, potencializem a sua acção para resultados superiores à da simples soma das tare-
fas realizadas, ou seja, criando acréscimos de resultados de modo a que o todo seja superior à
soma das partes (2 + 2 = 5). É evidente que não há equipa, clube, federação, SAD ou clube escolar
que possa funcionar se não tiver um corpo unido e motivado à volta de ideias partilhadas, se não
souber aquilo que tem de fazer e, finalmente, se não for capaz de criar sinergias de valor positivo.
Estádios da cultura
Ainda segundo Mintzberg, uma cultura desenvolve-se através de três estádios, a saber:
·A tradição;
·A missão;
· A identidade.
Tradição
Estrutura as histórias e os mitos que formatam o passado da organização e lhe transmitem uma
dinâmica de futuro. Veja-se o que acontece com os grandes clubes de futebol nacional nas ex-colónias,
donde saímos há mais de trinta anos. A tradição, ao ser partilhada pelos membros de uma organiza-
ção, transforma-a numa instituição venerada em termos de passado e respeitada em termos de futuro.
Missão
Identidade
·Selectiva: os novos assoC1ados são escolhidos de acordo com a sua adequação aos valores da
organização;
·Suscitada: quando os novos associados aderem a partir dum programa de promoção dos
valores da organização;
·Calculada: quando o associado o é, simplesmente, para tirar partido da organização.
A força da cultura
A busca da excelência
Pelo exposto, podemos dizer que uma organização quer ela seja, entre outras, uma escola, um
clube, uma direcção-geral, um instituto, uma faculdade ou uma sociedade desportiva, se quiser pro-
gredir na senda da excelência terá de ter uma cultura, quer dizer, uma cultura de excelência 51 que lhe
possibilite, por um lado, integrar as suas próprias competências internas e, por outro, ajustar-se à
dinâmica (grau de complexidade e velocidade de mudança) do seu contexto envolvente. Por isso,' em
termos da sua cultura, a gestão das organizações deve procurar estabelecer um equilíbrio entre:
·A coesão e a eficácia do sistema interno (integração);
· A adaptação à dinâmica do ambiente.
Dificuldades
Estas duas dimensões (coesão x contexto) são de difícil coordenação se as organizações revela-
rem incapacidade de adaptação ao sistema envolvente, sem que daí advenha uma forte desagrega-
ção interna 52 É o que hoje, em nossa opinião, se passa em várias organizações dos diversos secto-
res do sistema desportivo. Quer dizer, tem existido uma forte incapacidade interna de muitas
organizações desportivas 53 em idealizarem um novo quadro teórico de acção, que acompanhe e
responda à dinâmica do ambiente, caracterizada desde início dos anos sessenta- Jogos Olímpicos
de Roma- por uma forte desagregação dos valores até então prevalecentes. No fundo, a dimensão
51
O espírito de rivalidade estava presente na cultura grega. Em primeiro lugar, através da guerra que era considerada a
prova máxima de confronto físico. Depois, nos embates retóricos que aconteciam nos debates políticos nas assembleias
e nas disputas nas sessões do tribunal JUdiciário Em conformidade, os gregos, para enfrentarem os desafios da vida,
tinham por modelos de excelência os heróis míticos, tal como Aquiles e Ulisses, cujas proezas eram divulgadas em poe-
sias como a Ilíada e a Odisseia de Homero, que os JOVens decoravam na escola.
52
Veja-se o que já referimos em relação ao "blackout".
53
Veja-se o que se passou com o Sporting Clube Campomaiorense, O Desportivo de Chaves, O Sporting Clube Farense, O
Portimonense Sporting Clube, etc.
1
.
Ii
Podem, entre outros, ser os seguintes:
• Conceptualização da dinâmica de futuro (visão, vocação, missão);
. Estilos de liderança; l
. Oportunidades de participação;
l
Observa-se, também, na dinâmica externa que envolve uma dada organização desportiva:
• Surgimento da organização: qual o estímulo social que desencadeou o nascimento da organização;
• Crenças;
·Moda: uma cultura que não gera moda é uma cultura estática (Humberto Eco);
· Sistemas de valores;
· Leis;
· Quadros ideológicos de acção;
· Rituais do quotidiano;
· Objectivos de valor pedagógico, económico e social que o sistema espera que cumpra;
·Atitude (positiva, negativa ou neutra) dos agentes individuais ou colectivos que a envolvem.
Através da coesão interna e da adaptação a uma dinâmica externa a cultura enfatiza o processo de
desenvolvimento da organização ao longo do tempo, pela identificação dos modos de actuar (estru-
tura de coesão interna), no que diz respeito ao processo de identificar e resolver problemas (resposta
às necessidades do contexto). Nesta perspectiva, a cultura de uma organização expressa-se pela capa-
cidade colectiva que uma unidade social tem para resolver os problemas do meio interno e sobreviver
no meio externo (E. Schein, 1985).
A cultura torna-se um factor positivo de sucesso quando é forte, isto é, quando modela e optimiza
os comportamentos e as formas de gestão às dinâmicas do ambiente que circunda a organização. Por
--
Héracles e a Cultura [ 181
isso, não vale a pena falar de uma cultura de Benfica à Benfica, se não estiver perfeitamente estabele-
cido um equilíbrio dinâmico entre a coesão e a eficácia do sistema interno, num dos pratos da balança,
e uma bem estruturada dinâmica de adaptação ao ambiente, no outro. Tal como não vale a pena conti-
nuar a advogar os benefícios da educação física se não existir uma coesão e eficácia no quadro ideoló-
gico de suporte, por um lado, e uma boa adaptação daquele quadro às necessidades do sistema social.
A cultura do industrialismo
Desporto e industrialismo
O desporto, durante o século passado, varreu a face do planeta Terra. Proveniente das práticas
ludicodesportivas da sociedade agrícola, encontrou no paradigma industrial as condições propícias
ao seu desenvolvimento. A cientificidade das regras, a estandardização das tácticas e do treino eo
rigor das medidas, naquilo que diz respeito à organização racional do rendimento da máquina
humana, segundo Luigi Volpicelli (1967), são aspectos fundamentais que identificam o desporto
com o industrialismo. De facto, o desporto moderno desenvolveu-se à imagem e semelhança do
paradigma industrial, quer dizer, da cultura industrial, pelo que está adquirido que foram as condi-
cionantes sociais, mentais e operacionais, provocadas pela revolução industrial, com a conse-
quente divisão do trabalho e a formação do capitalismo industrial, que infiuenciaram fortemente o
quadro cultural e a própria organização e gestão das práticas desportivas modernas, independente-
mente dos diversos sectores de prática desportiva.
54
Quando nos referimos ao termo prática queremos significar, na linha que nos é proposta por Armando de Castro (1985) e
numa inter-sistemacidade relacional, não só a actividade material do sujeito que é condicionada e determinada social-
mente (prática) como também a actividade, em parte, exo-mental mas de raiz física, biológica, neurológica e psicológica
(actividade).
182 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
O poder simbólico
O ténis está para os outros desportos como a ópera está para os concertos rock. No ténis, os
espectadores atrasados esperam pelo intervalo para se sentar. No Roland Carros, os espectadores
assistiram ao Rafael Nada/ (espanhol) contra Sébastien Grosjean (francês) como quem vai ouvir
uma banda de heavy metal: A favor, claro, do da casa.
Nada/ deixou pousar a ira. (... ) E despachou o Grosjean. No ténis, como na ópera, há grandes
tenores e meros chefes de claque.
Ferreira Fernandes, in Rccord, 1/6/2005
Pierre Bourdieu (2001), em diversos momentos da obra Razões Práticas - Sobre a teoria da
Acção, manifesta-se contra as teorias da acção humana "com interesses", o que explica através de
uma acção abusiva das regras de um determinado campo sobre outro. Quer dizer, do campo eco-
' nómico sobre o desportivo, o que pressupõe um certo calculismo na acção desencadeada.
"Red Devils"
Entretanto, em Maio de 2005, Malcolm Glazer, um magnata americano, anunciou a sua partici-
pação nos "Red Devils", que passou a ser de 71,8% do capital social. Deste modo, ficou a 3,2% do
Héracles e a Cultura [ 183
controlo total do clube. Claro que os "supporters" não vêem com bons olhos a aquisição do clube
por parte do norte-americano, pois receiam que o investimento feito em acções limite a margem de
manobra do novo dono aquando da aquisição de novos jogadores. Muito provavelmente enquanto
Glazer está a pensar em estrondosas vitórias financeiras, os clubes de "supporters" estão a pensar
em inolvidáveis vitórias desportivas. Portanto, estamos perante um combate que se vai desenvolver
nos próximos anos em que cada uma das partes utilizará a "violência simbólica" dos seus argu-
mentos. Os argumentos económicos contra os argumentos dos "supporters", que são fundamen-
talmente do âmbito da organização da vitória desportiva.
Missão do Manchester
O problema é saber se os senhores Rupert Murdoch e Malcolm Glazer têm bem consciência da
dimensão qualitativa-simbólica da missão do clube que está para além dos lucros que ele lhes pode
proporcionar no curto prazo.
Missão do Manchester
Manchester United is followed by fans from ali ov~r the world with more than 200 branches of ·
the Supporters' Club stretching round the globe. The club is also worshipped by people of ali ages.
At Manchester United we believe everyone should have the chance to be coached by the best. That
is why the Manchester United Soccer Schools are run by ou r Official Club Coaches, many of whom
are past players. lt is ou r aim to take skills taught by ou r coaches and practiced by ou r players to I
kids of ali ages and abilities, with the main aim being for everyone to enjoy the sport and make
new friends in the process.
ln h!lp:/ fwww.manutd.comfhomcf
Na realidade, é necessário considerar, tal como conclui L. Vallée (1985), no texto Representations
Collectives et Société, que é impossível separar a produção de bens da consequente produção de
símbolos e de representações. Quer dizer, quando se fala de desporto não se trata só de um resul-
tado, de uma classificação no campeonato ou de uma cotação na bolsa. O valor de qualquer clube,
digno desse nome, ultrapassa em muito aqueles três indicadores, na medida em que se organiza
na memória e nos sentimentos de gerações sucessivas de pessoas e ao fazê-lo projecta-se no
futuro. Mas, por outro lado, para que os sentimentos de pertença a um grupo se possam reforçar,
também têm de se sustentar em valores materiais. Nesta perspectiva, os dois maiores clubes da
cidade de Lisboa, quando se encontravam numa situação de falência, construíram, em simultâneo,
contra todas as lógicas de ordem económica, política e social, os seus novos estádios, que podiam,
com todas as vantagens, ser substituídos por um estádio municipal que os servisse a ambos. De
184 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
facto, neste domínio, imperou uma certa cultura de irresponsabilidade e de oportunismo que, infe-
lizmente, envolve muitas decisões em matéria de política desportiva, tanto públicas como privadas,
TI
à conta, claro, dos dinheiros públicos.
I
6.1 Filosofia
A visão convencional serve para nos proteger do dolo-
roso trabalho de pensar.
John Kenneth Galbraith (1908-2oo6)
A cultura das organizações desportivas resulta não só da sua história, da sua acção presente,
como também da perspectiva que os respectivos elementos, independentemente do seu nível hierár-
quico, têm quanto à organização do futuro. É consubstanciada nos seus valores que determinam a
sua filosofia de acção. Claude Sicard (1987) diz-nos que os valores da organização são constituídos
por aquilo a que se denomina de filosofia da organização. Por isso, a filosofia organiza ~m conjunto
de valores partilhados que, traduzidos nas normas de comportamento, determinam a identidade cul-
tural da organização.
Filho do fundador da IBM, considerou que a filosofia de uma organização contribui mais para
os seus resultados do que o fazem os recursos económicos, a estrutura e a inovação.
O Campomaiorense
O que se tem vindo a passar com o clube Campomaiorense é para ser seguido com atenção,
no sentido de se saber quem é que vai ganhar o "braço de ferro" e porquê. João Manuel Na beiro,
presidente do clube, pretende mudar o símbolo do leão pelo símbolo de um galgo. Entretanto, por
dificuldades levantadas pelos associados, continuaram a coexistir os dois símbolos. O presidente do
clube, em entrevista ao diário desportivo Record (23/8/1998), por um lado dizia "... temos dois
símbolos que coexistem", mas por outro, também dizia "... o novo símbolo, uma nova identidade,
um novo querer e um novo desejo". É a luta entre o novo e o velho, o futuro e o passado, a viabili-
dade e a morte, o desenvolvimento e a estagnação, o passado e o futuro, o pensar globalmente e
agir localmente e o não pensar de todo. É a necessidade de encontrar novas simbologias capazes
de enquadrar todos os interessados no clube que representa uma região, à volta de novos valores
para novos desafios e novos projectos. É evidente que o comportamento do Campomaiorense na
Taça de Portugal (futebol) (1998!99) constituiu uma boa ajuda para catapultar o clube e a região
para outros voos. No entanto, os resultados desportivos posteriores colocaram o clube numa posi-
ção dificil, tendo mesmo acabado por desistir de participar no campeonato da 2. a Liga. Na época
de 2002j03, o clube ensaia uma nova estratégia centrada na formação de praticantes e no envolvi-
mento emocional da região no próprio clube.
Héracles e a Cultura [ 185
FILOSOFIA ~~--~~~-~
~····························>' 1 l
M;,;ão
!
Estrutura ~
~'fI
~~- ~ Comportamento I
A cultura de uma organização é determinada pela sua filosofia de acção que se expressa na
identidade cultural que anima e congrega as pessoas que a ela, das mais diversas maneiras, se
ligam. Entretanto, da filosofia de acção à identidade cultural, podemos sistematizar um conjunto de
parâmetros (ver quadro 26).
É evidente que um clube tem uma filosofia de acção diferente da de uma sociedade desportiva e
os elementos de cada uma daquelas organizações distinguem-se entre si por serem possuidores de
diferentes identidades culturais. Quer dizer que a filosofia de cada uma das organizações, ao ser dife-
rente, determina diferentes identidades culturais e, em consequência, diferentes comportamentos que
caracterizam os respectivos recursos humanos. A filosofia (normas de acção), expressa na identidade
cultural (padrão de comportamento das pessoas) de uma organização, distingue-a das outras.
Filosofia
Para o que é que uma organização serve. A filosofia situa-se no domínio da acção das organiza-
ções. Por isso, a filosofia organiza conceitos com um sentido operacional que determinam, de
facto, para o que é que a organização serve. Portanto, na filosofia da organização são geridos os
valores de ordem moral e social que devem operacionalizar a sua acção. Quer dizer, que dão vida e
orientam os projectos.
Por exemplo, podemos dizer que em relação ao desporto escolar a sua filosofia deve, em princí-
pio, ser a de proporcionar a todos os jovens do país, quer eles tenham jeito quer não, quer sejam ricos
ou pobres, vivam no interior ou no litoral, nas aldeias ou nos centros urbanos, o direito de praticarem
desporto em função dos seus próprios desejos e possibilidades intrínsecas. O desporto escolar ou é
inclusivo ou não é. Já a filosofia que deve presidir ao processo de desenvolvimento das organizações
relacionadas com o desporto federado circunscreve-se a ideias que têm a ver com a promoção do
desporto numa perspectiva do rendimento, da medida, do recorde, do espectáculo desportivo e do
186 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
55
A este respeito são sintomáticas as palavras de Maria Helena Matos , e elas claro que, em
nossa opinião, nada têm a ver com Obikwelu: "É sobretudo para si que olha o autodenominado
solidário. Se olhasse para aqueles que são objecto dos recursos materiais e humanos afectados a
essa solidariedade teria necessariamente de se questionar sobre os resultados das políticas que
tem como mais emblemáticas". Magistral.
As variáveis
A cultura, através da filosofia de acção das organizações ejou dos sistemas, consubstancia os
valores que se expressam nas variáveis que se seguem:
·Vocação;
· Missão;
· Comportamento;
· Estrutura;
·Visão.
Identidade cultural
55
ln Revista Atlântico, n. 0 3, Junho de 2005.
-
Héracles e a Cultura [ 187
6.2 Vocação
A única coisa que nos salva da burocracia é a sua ineficiência.
Eugene McCarthy (1916-2005)
A vocação consubstancia a função social que a organização tem por objectivo preencher. Para o
que é que serve a organização é a pergunta que deve desencadear a resposta que traduz a vocação
da organização. Representa, por isso, a escolha da organização em relação à função social que ela
se propõe ou tem de desempenhar.
Assim, a vocação da organização deve ser definida no quadro do espaço social genérico da sua
acção e não, somente, no quadro do espaço social principal e, muito menos, no de segmento ou
subsegmento social (Claude Sicard, 1987). A este respeito, quando se está no domínio da educação
desportiva não restam dúvidas que o espaço social genérico é a educação. O espaço social princi-
pal é a parte curricular ou de complemento curricular do programa e o segmento social os vários
grupos que se podem organizar em função das necessidades e desejos dos jovens.
Já quando se está no mundo do desporto federado podem surgir algumas dúvidas. Qual é o
espaço social genérico) A educação, o entretenimento, a economia, o negócio, o lazer ou a indús-
tria do desporto? Repare-se que, hoje, as próprias escolas de desporto fazem parte das sociedades
desportivas. Segundo José Manuel Chabert, o que se deseja é uma intervenção do Estado que "per-
mita ao futebol português assumir, sem reservas, o estatuto de formador e exportador de talentos"
(in Record, 11/0S/1999). Deste modo, sem as hipocrisias do Modelo Europeu de Desporto, entra-se no
domínio da indústria da prática desportiva que se for bem organizada só pode trazer vantagens
para os jovens praticantes, para o desporto e para o país. A vocação de qualquer organismo des-
portivo tradicional (do desporto federado ou do desporto escolar) é a promoção do desporto. No
entanto, como o vai fazer já é outro problema.
A este propósito é, ainda, conveniente considerar as organizações com fins lucrativos que
desenvolvem a sua actividade no mundo do desporto. É evidente que a vocação da Nike ou qual-
quer outra empresa comercial não é a de promover o desporto. Quando o faz, é numa política de
marketing, no sentido de ganhar notoriedade ou melhorar a cota de mercado. Quer dizer, utiliza o
desporto como meio de promoção dos seus produtos. Note-se que a este respeito não estamos a
fazer qualquer juízo de valor, na medida em que consideramos absolutamente legítimo que a Nike,
ou qualquer outra empresa, dentro dos limites da ética, utilize o desporto como meio ao serviço da
sua estratégia de conquista ou solidificação de mercados.
188 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
6.3 Missão
Pense. (slogan da IBM)
Pense de uma forma diferente. (slogan da Apple)
Missão
A maneira especial como uma organização deve cumprir a sua vocação designa-se por missão.
Na missão, a organização já actua em função dum espaço social principal e de segmentos. Por-
tanto, tem de se dirigir a grupos-alvo específicos que lhe são próprios. É evidente que quando uma
organização não sabe ou não quer definir o seu espaço social principal, dirige-se para o genérico e
entra em conAito com outras organizações. Em conclusão, a missão esclarece a maneira especial
como uma dada organização cumpre a sua vocação.
Boas intenções
Para Colin Marshall, Director Executivo da British Airways, a missão é muito mais do que boas
intenções e ideias bonitas. Representa a estrutura de trabalho de toda a empresa, os valores que a
impulsionam e a fé que esta tem em relação a si mesma e àquilo que poderá concretizar. Por isso,
quando vemos a lógica do programa do desporto escolar "Megasprinter- Escola Em Alta Veloci-
dade", temos de questionar se as pessoas sabem realmente o que andam a fazer num quadro ideo-
lógico de equidade educativa.
Elementos da missão
Finalidade
Indica-nos porque é que uma organização existe. Para o que serve a organização. Quem benefi-
cia da sua acção. Por que razão alguém deverá fazer mais do que o mínimo exigido. O problema
surge quando uma organização ou instituição não sabe para o que é que existe. Qual a natureza da
sua finalidade global.
......
Estratégia
Fornece à organização uma lógica de acção. Indica as áreas em que a organização poderá
adquirir vantagem competitiva naquilo que realiza. A estratégia serve de elo de ligação entre a finali-
dade e o comportamento.
Valores
Representam aquilo em que a organização acredita. É o credo, as convicções morais que estão
por detrás da cultura da organização.
Padrões comportamentais
Os estatutos e os regulamentos
Compromisso emocional
Missão da Nike
Through the adoption of sustainable business practices Nike is committed to securing intergenera-
tional quality of lifo, restoring the environment and increasing value for ou r customers, shareholders
and business partners.
ln http:jfwww.nike.orgjmain.html
Escolar x Federado
Tanto o desporto escolar como o federado podem ter a mesma vocação, tendo contudo mis-
sões diferentes (ver quadro 27). Toda a discussão que não se circunscreva a esta realidade está
190 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
eventualmente contaminada por interesses que nada têm a ver com as realidades em causa. Por
exemplo, interesses de conquista de recursos financeiros (que serão sempre limitados) junto do
Estado. Em nossa opinião, numa política desportiva equilibrada e coerente os dois sectores com-
plementam-se, não se sobrepõem nem se excluem.
y y
Federa~ _l-'~ ---- t -- -- -- -- {_- ~co~ -~I
VOCAÇÃO
VocaçãofMissão- Escolar/Federado
A vocação de uma estrutura como o desporto escolar tem a ver com a necessidade de satisfazer
as necessidades de prática desportiva dos jovens em idade escolar. No entanto, podemos dizer que
uma federação tem a mesma vocação que é também a de satisfazer as necessidades de prática des-
portiva dos jovens em idade escolar ou não. Quer dizer, são duas unidades orgânicas independen-
tes do sistema desportivo que podem cooperar, desde que não exista da parte de nenhuma delas
tentações hegemónicas e totalitárias, na medida em que ambas têm a mesma vocação. Portanto, a
cooperação tem de ser realizada no respeito pela identidade cultural de cada subsistema, na cer-
teza de que se não for possível estabelecer distintamente diferentes identidades culturais, então,
podemos dizer que um dos sistemas está a mais. É uma questão de decisão política em matéria de
modelo de promoção do desporto. Ou o desporto escolar toma conta dos escalões etários em
idade de escolaridade obrigatória ficando o desporto federado dispensado de tal missão, ou se
entrega pura e simplesmente o desporto escolar às federações desportivas. A questão está agora
em verificar as vantagens e os inconvenientes de cada uma destas situações, na certeza de que na
segunda, num país como Portugal, o Estado corre o risco de deixar de cumprir a missão que dele
se espera em termos de políticas públicas. ·
Situação
Vivemos actualmente em Portugal numa situação que podemos considerar de mista. De facto,
estamos a funcionar numa perspectiva que vem desde os anos trinta com a institucionalização da
Héracles e a Cultura [ 191
Mocid ade Portu guesa. Quer dize r, reco nh ece-se qu e ambo s os sistemas, o federado e o esco lar,
tê m a mes ma vocação de promoção do des porto, só qu e cada um deles rea li za es sa vocação duma
ma neira específi ca através das respectivas mi ssões . De facto, julgamos se r esta a so lu ção mais
eq uil ibrada em função do país que temos, dos professo res habilitados, dos dirigentes qu e ex istem,
das in stal ações di sponíve is e, sob retud o, dos inte resses da s crianças e dos jove ns que, aonde qu er
qu e estejam, têm o direito de pratica r desporto em fun ção dos se us desejos, qu er di zer, num a via
recreativa ond e a com petição está prese nte co m uma ca rga específica, ou num a via emin entemente
co mpetitiva onde a com petição ass ume um a va lência acresc id a. Não se pode aceitar nem promi s-
cuid ades nem que aqu eles qu e co nseg uem chegar mais fac il mente aos media arrebanh em os
meios que deviam estar à di spos ição de todos de um a form a equi tat iva . O despo rto enqu anto in s-
trum ento de edu cação é demas iado importante pa ra hipocri sias e opo rtuni smos.
Pelo exempl o da menina que falou pela primeira vez depois de ter ganho uma prova des porti va é
fácil perceber que as finalidades e os va lores que pres id em ao desporto escolar têm de ser consu bs-
ta nciados em políticas públicas aju stadas à generalidade dos diversos grupos sociais. Por exempl o, a
norm a que deve cond icionar o acesso à pa rticipação em competi ções des portivas no sistema escolar
aos jovens qu e já o fazem na mes ma modalidade no des porto fede rado represe nta a ass un ção de
um princípio determ in ado pela missão es pecífica que pres ide à fil osofi a do secto r, em função dos
gran des obj ectivos no âm bito da incl usão que deve cump ri r. Co mo se sa be, estes objectivos são os
de pro porcionar a prática des portiva aos jove ns qu e, pelas mais dive rsas razões, não têm outro loca l
pa ra praticarem desporto se não na esco la. Só des te modo a mi ssão defend e os elementos-chave de
sucesso da acção. De outra maneira, é a anarq uia total, aliás o estado em que, de algum a maneira,
tanto o despo rto escolar como o desporto federado se enco ntram em Portu ga l.
Cooperação
O que é necessário reconhecer é que cada um dos sistemas é válido, cada um deles cumpre a sua
mi ssão, cad a um deles se dirige a segmentos popul acionais diferenciados, cada um deles tem as suas
metodologias e cada um deles cu mpre objectivos próprios que se com pl ementam. Porta nto, haverá
192 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
sempre similitudes e diferenças entre os sistemas que se dirigem a populações específicas. Similitudes,
porque tratam do desporto que pela sua definição é competição. Qualquer sistema para sobreviver tem
de ter processos de superação próprios organizados ou não em quadros competitivos formais, sob
pena de deixar de ter qualquer significado. Diferenças, porque se dirigem a grupos-alvo que, na reali-
dade, não são iguais, na medida em que apresentam diferenças de diversa ordem que é necessário res-
peitar, implementando as situações organizacionais necessárias aos respectivos desenvolvimentos.
Modelo
O problema está em encontrar um modelo em que, no respeito pela missão de cada uma das
entidades, os recursos humanos, materiais e financeiros, sejam de facto rentabilizados, em função
da vocação que envolve as duas entidades. A não ser possível atingir estes desígnios, os sistemas,
a prazo, vão entrar em ruptura, pela simples razão de que as forças do mercado, que comandam a
indústria dos media e do entretenimento, vão tQmar conta de todo o processo desportivo em pre-
juízo daqueles que não têm voz e, por isso, poder reivindicativo. É evidente que é nestes domínios
que compete ao Estado promover as políticas necessárias que corrijam as disparidades sociais.
Entretanto, com o advento dos clubes-empresa e das sociedades desportivas, coloca-se tam-
bém o problema da distinção entre a missão do clube tradicional e a missão da sociedade despor-
tiva. Podemos aceitar que a vocação seja comum a ambas as organizações, na medida em que a
questão central é o desporto. Contudo, a missão é diferente (ver quadro 28).
DESPORTO
VOCAÇÃO
ambiente , isto é, manté m as co ndições da sua própri a so brev ivência. A partir do momento em qu e
as co ndições exte rn as se alteraram, a orga nização tem de procurar uma nova homeostas ia organi -
zacional. Quer dize r, a homeostas ia não é um estado estável é antes uma di nâmica de equ ilíbrios e
desequilíbri os na prossecução do desenvolvimento.
Muito em bora os processos de mu dança cultu ral seja m difíceis de desencadea r e levem tem po a
prod uzir efeitos, so bretudo no mundo do des porto em que o civismo, a cultura e a vivência democrá-
tica já não são o que outrora foram - veja-se, por exem pl o, os estatutos de algumas organ izações des-
portivas qu e são um autêntico atentado aos mais simples valores democráticos - somos de opin ião
que não existe outra solu ção senão a de aceitarmos a necess idade de mudar co mo um im perativo de
orde m soci al e, em co nsequ ência, uma situ ação normal das nossas vid as. No enta nto, qu ando se fa la
de desporto todo e qualquer processo de mudança tem de começar a montante, quer dizer, no sis-
tema ed ucativo, através da discipl ina de Ed ucação Desportiva enq uanto ensino cu rricular do des porto.
Culturas fragmentadas
É evidente que todo e qu alquer processo de mudança neste domínio tem de partir da co nsciencia-
lização dos próp ri os profi ssio nais de educação fís ica, sobretudo daqueles que vão ser os primei ros
prejudicados se não se anteciparem às mudanças que se avizin ham, não nu ma perspectiva corporati-
vista de defesa de interesses tantas vezes mesquin hos âe uma cl asse profi ss ional, mas num a atitu de
de pl anea mento e co ntrol o do se u próprio futu ro, a partir dum a res posta inteli gente às novas rea lid a-
des e necess idades socia is. O prob lema é, também, aq uilo a que Gareth Morgan (1 986) chama de cu l-
turas fragmentadas, quer dizer, culturas em que algumas pessoas prim am po r dizer uma co isa e
depois fazer outra completa mente diferente. Cu ltu ras em que não existe um a co incidência entre o dis-
curso teó ri co e a prática social e profiss ional de todos os dias. É, em nossa opi nião, o que está a acon-
tece r não só em múltipl as situ ações do sistema desporti vo, desde o própri o Co mité Olímpi co de Por-
tuga l até à próp ria organização da disciplina de Educação Fís ica e do Desporto Esco lar.
AGONGD- 13
194 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
6.4 Comportamento
Tentar e falhar é, pelo menos, aprender. Não tentar é
sofrer a inestimável perca do que poderia ter sido.
Chester Barnard (1886-1961)
Segundo Warren Bennis (1997), as organizações só aproveitam 20% do seu capital intelectual.
O sistema desportivo vive a desperdiçar competências, porque de Olimpíada para Olimpíada se
tem vindo a fechar cada vez mai s so bre si próprio, impedindo a renovação de quadros e dirigentes.
No entanto, todos estaremos de acordo com a afirmação de que as organizações e os sistemas
com forte turbulência intern a e com petição externa não podem permitir- se funcionar aquém das
suas capacidades. Ao fazê-lo, origina-se um enorme desperdício de valores e recursos necessários
ao desenvolvimento e ao progresso.
Padrões de comportamento
A cultura não é algo que possa ser imposto, quer interna quer externa mente, sobre uma dad a situa-
ção socia l. A cu ltura anima-se e desenvolve-se através dum processo de interacção sociàl entre todos os
agentes interessados, pelo envolvimento das pessoas e por uma liderança partilhada. Por isso, o com-
portamento das pessoas nas organizações tem a ver com um conjunto de variáveis internas no domí-
nio da liderança e de variávei s externas no domínio do padrão de turbulência do ambiente. É evidente
que o tipo de ambiente determin a pelo seu lado o estilo de liderança das organizações.
Conforme se pode ver no qu ad ro 29, um ambiente com uma turbulência baixa possibilita um com-
portamento de estilo conservador numa cultura de estabilidade, em que a lon gevidade das so luções é
Héracles e a Cultura [ 195
garantida através de simples procedimentos estandardizados. Nestas situações, a resolução dos pro-
blemas está controlada porque os dados, a informação e o conhecimento estão actualizados e antece-
dem as decisões. Uma situação de turbulência 5 exige um com portamento completamente diferente,
em que o estilo das pessoas deve ser dinâmico e criati vo na procura de soluções nem sempre fáceis.
Nestas circunstâncias, os gestores têm de ser capazes de gerir su rpresas, pelo que são obrigados a
esta r atentos aos mais leves indícios relativamente às mais diversas matérias que lhe permitem formu -
lar intuitiva mente opin iões e avançar em tempo real para as necessá ri as decisões.
Turbulência X Liderança
Luís Filipe Vieira reafirmou que não admite pressões na escolha do sucessor de Ronald Koeman
no comando da equipa do Benfica na época 2oo6foJ. Efoi mais longe: "Só o que está na minha
cabeça é que conta. Não vale a pena mandaram-me mensagens, darem conselhos, eu não preciso de
conselhos de ninguém. Sei qual é a decisão que tenho de tomar para o Benfica e qual é a serenidade
que é preciso ter. Sei o que é que o Benfica precisa, sei para onde o Benfica tem de caminhar... "
"As pessoas têm de entender que não fui eleito presidente do Benfica para os momentos fáceis
mas sim para os momentos diftceis. Acho que já dei provas nos momentos diftceis e mais uma vez
vamo~ fazê-lo".
ln Record, 9/5/2006
Construção de valores
Naquilo que tem a ver com a cultura da organização, segundo Garett Morgan (1986), os líderes
formais não têm o monopólio da criação e constru ção de uma cu ltura organ izaciona l. A posição de
poder que têm empresta-lhes es pecial va ntagem para desenvolverem sistemas de valores e códigos
de co mportamento, uma vez que, frequentemente, têm o pod er de recompensar e punir aqueles qu e
seguem ou ignoram a sua liderança. É necessá ri o considerar que ex istem pessoas qu e são capazes de
influencia r e determinar o padrão cu ltural das organ izações agindo simpl esmente como líderes infor-
mais e outras com todo o poder formal que possuem não exercem qualquer infl uência no sistema.
Dinossauros excelentíssimos
Por isso mesmo, não acreditamos que o sistema despo rti vo nac iona l co nsiga sob reviver com
pessoas que de há demasiados anos a esta parte se perpet uam e multiplicam a si própri as nos
lu gares de decisão. De facto, são necessárias mud anças de pessoas e, em consequência, de menta-
lidades, id eia s e de políticas, até porque o actual sistema de fun ciona mento já está a co mprometer
o próprio des porto das gerações futuras.
Implosão
Tal como nos dizia Mari a de Lurdes Pintas il go, "a democracia é um sistema hoje reduzido a
meca ni smos formais que a esgotam e a levam à implosão" (in Visão, 8j1j1998). É o qu e está a
aco ntece r a alguns sistemas e orga ni zações do mu ndo do desporto. Estão a implodir. Estão ades-
moronar- se sobre si próprios, pelas sua s próprias deficiências, con tra di ções internas e in capaci-
dade abso luta de se relacionarem co m o ambi ente socia l que os rodeia e com o próprio futuro. Os
196 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Privilegiar a acção
Obter resultados
Realizar uma boa articulação entre a teoria e a prática
processos eleitorais são meros mecanismos formais que se esgotam em si mesmo e, sa lvo raras
excepções, a comun icação socia l transformou-se num a mera caixa de ressonância das op iniões das
"nomenklaturas" instaladas no -poder. Esta problemática leva -nos a qt:~estionar a liderança.
Sun Tzu e Confucius acreditavam que a liderança, naquilo qu e tem de mai s fundamental, vem de
dentro de nós próprios, já que é uma questão de carácter e não de posição soc ial ou institucional.
Mas, se o poder da lidera nça nasce co m as pessoas, no entanto, tem de ser descoberto, treinado e
desenvolvido.
Liderança
Pode ser definida como a capacidade intrín seca de alguém ser capaz de influenciar, quer vo lun -
tária quer involuntariamente, quer directa quer indirectamente, a vida de terce iros. Ao exercício
desta capacidade encontra-se associado o conceito de poder. Este poder pod e se r exercido através
da autoridade, do conheci mento, da con fi ança, da motivação e do acaso. É aqui lo a que designa-
mos por estrela do poder para uma lideran ça eficaz. É evidente que os padrões de poder, conheci-
mento, confiança, motivação e sorte podem variar de indivíduo para indivíduo e de situ ação para
-- ·~---------------------
situação. A liderança pode mesmo se r exercida utilizando predominantemente uma das variáveis
ou uma combinação de duas delas ou até mesmo de quatro ou das cinco (ver quadro 30).
A autoridade não deve ser gerida, como no passado, num estilo "quero, posso e mando". Há
que delegar competências de forma a liderar líderes e obter resultados pela acção sustentada na
articulação entre a teoria e a prática. O conhecimento obriga a desafiar o "statu quo" pela criativi-
dade do diagnóstico técnico-funcional de valor significante. A confiança supõe ser capaz de gerar
uma visão partilhada, pelo carácter, coerência e envolvimento das pessoas. A motivação requer
coragem para assumir responsabilidades e aceitar desafios de forma a alterar comportamentos
pessoais e organizacionais / Finalmente, é necessário forçar a sorte pela capacidade de compreen-
der o momento de mudal'lça e transformar cada ameaça numa nova oportunidade. A chave do
sucesso passa por "forçar" a sorte através de análises estatísticas e de probabilidades, a fim de
encontrar tendências ou anomalias. Analisar uma dada situação, encontrar novas maneiras de a
compreender, novos cruzamentos, padrões ou irregularidades podem ajudar a melhor compreen-
der uma situação, e deste modo engendrar melhores estratégias de liderança. Quer dizer, aquilo
que muitas vezes parece sorte tem por detrás um trabalho aturado de investigação e de análise.
Como tivemos a oportunidade de referir, os gregos antigos cultivavam a destreza e a força invul-
gares, não só como exercício da estética e do combate leal mas também como o suporte indiscutível
de qualquer posição de liderança. Para eles a ambição existia, só que tinha limites e estava condicio-
nada pela entrega concreta à causa social. Melo de Carvalho (1997) escreveu um livro intitulado O
Dirigente Desporti1.1o Voluntário, onde questiona, nos seus diversos paradoxos e contradições, a pro-
blemática dos dirigentes desportivos, colocando precisamente a tónica na causa social.
O autor avança com uma estimativa de existirem 6o a 8o mil dirigentes desportivos benévolos :
Não nos custa a acreditar que existam . No entanto, para nós, é evidente que este tipo de dirigentes
desportivos benévolos, que ao longo da sua vida têm sido os grandes responsáveis pela verdadeira
prática desportiva no país, não tem nada a ver com os dinossáuricos dirigentes que há dezenas de
anos, com o objectivo de usufruírem das mais diversas mordomias, entre elas a de uma reforma
dourada, se instalaram no vértice estratégico do movimento desportivo com enormes prejuízos,
para a juventude, para o desporto e para o país. Hoje, existem muitos dirigentes desportivos no
vértice estratégico do movimento desportivo que já não se enquadram no padrão do dirigente des-
portivo voluntário. Hoje, dirigentes de;; portivos há que tendo sido eleitos como benévolos, através
de "golpes palacianos" consubstanciados ou não por via estatutária, de um momento para o outro,
passaram a profissionais ou semiprofissionais, usufruindo de chorudos vencimentos à conta do
erário público. Outros, no maior despudor, preparam-se para tal.
A este respeito, Melo de Carvalho alerta para o facto de se estar a matar o dirigente desportivo bené-
volo, na ilusão de se poder construir um novo tipo de dirigente de uma pseudo-capacidade técnico-admi-
nistrativa. Esta visão utilitarista e economicista, que parece estar a vingar no movimento desportivo, é um
dos aspectos que hoje determina a corrosão do carácter que, em muitas circunstâncias, graça na cúpula
do desporto português. Melo de Carvalho vai mesmo ao ponto de alertar para o facto de ser corrente no
movimento desportivo pensar que "só quem é estúpido aceita trabalhar benevolamente".
Para nós é evidente que este tipo de alerta se dirige não à generalidade dos técnicos e dirigentes
que por esse país fora sustentam o desporto e a sua prática, mas a uma cliqu e instalada há dema-
siados anos no poder que já não se satisfaz com as mordomias conseguidas. Como se tem visto
nos últimos anos, salvo raras excepções, eles não sabem o que querem a não ser que querem mais
198 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
dinheiro, mais poder e mais mordomias. Em conformidade, aí está um dirigismo desportivo pago a
peso de ouro pelos contribuintes, exercido por muitas pessoas sem habilitações nem competências
para tal e à margem de sistemas de controlo minimamente credíveis.
E Melo de Carvalho pergunta: "A profissionalização dos dirigentes desportivos é útil, viável e
consequente com o processo de democratização real das actividades físico-desportivas?"
A resposta a esta questão tem de ser analisada no quadro da profunda crise em que o actual
Modelo Europeu de Desporto vive, pelo que a generalização da profissionalização do dirigente des-
portivo através de processos de geração espontânea é de todo inaceitável, em termos práticos por
impossibilidade económica e em termos teóricos por ausência de coerência ideológica. Ao profis-
sionalizar o dirigismo desportivo sem quaisquer princípios, regras e objectivos que, de alguma
maneira, é o que já está a acontecer, está-se a construir uma espécie de "Função Pública" privile-
giada, porque vivendo à custa do erário público vive simultaneamente sem as responsabilidades
que lhe são inerentes. Os exemplos podem ser encontrados nas mais diversas federações, que
devem ser estudados e criticados no sentido de se encontrarem soluções para o futuro.
Aceitar profissionalizar de qualquer maneira dirigentes amadores que através de processos elei-
torais de democraticidade duvidosa estão instalados há dez, quinze, vinte e mais anos no sistema
desportivo é colocar em cheque todo o edifício lógico-conceptual que fundamenta o Modelo Euro-
peu de Desporto, e pôr em causa os seus valores, o seu credo, a sua vocação e a su.a missão de
serviço público. Para nós, há muito que é evidente que o Modelo Europeu de Desporto tem de evo-
luir, contudo tem de o fazer no sentido de proporcionar uma melhor prática desportiva, da generali-
zação à alta competição, que não passa certamente por pagar vencimentos chorudos a detentores
de dois, três e mais empregos e até, cúmulo dos cúmulos, a reformados que mais não fazem do
que usurpar postos de trabalho às novas gerações.
Por isso, como Melo de Carvalho afirma, o que está em causa é a concepção de desenvolvi-
mento. De facto, ao que hoje se assiste é à mais pura promiscuidade entre o benévolo e o profissio-
nal, entre o público e o privado, entre o social e o mercado, entre a economia e o mercantilismo,
que está a deixar o desporto exangue como se pode constatar com o que se passa no mundo do
futebol e, entre outras modalidades desportivas, o atletismo.
Também defendemos que é necessário seguir uma via onde os diferentes processos podem
interagir no sentido de colocar "o ser humano como motor da vida social". Por isso, também esta-
mos contra os tecnocratas desprovidos de ideologia e os pragmáticos alienados dum sentido de
desenvolvimento humano. Entre um radicalismo economicista e uma relação harmónica entre o
desporto e a economia é necessário caminhar para esta última situação sob pena de transformar o
desporto num instrumento de alienação de massas ao serviço de um neo-fascismo global servido
por dirigentes acéfalos, pagos a peso de ouro, sem educação e sem cultura, aliás como já está a
acontecer em muitas organizações desportivas.
Nestas circunstâncias, é necessário que se entenda que não é pelo facto de se começar a pagar
a um dirigente que ele passa a usufruir de determinadas competências no domínio da gestão. Nem
é isso que se espera de um dirigente. Ao fazê-lo, está-se a confundir as competências de um diri-
gente benévolo que devem ser a nível da defesa dos valores do desporto, da modalidade e da orga-
nização a que pertence, com competências profission,ais no âmbito da gestão. Se os dirigentes des-
portivos passarem a profissionais, quem defende o credo da organização, a sua missão e os valores
do desporto? Melo de Carvalho, depois de apontar várias situações paradoxais que decorrem da
profissionalização do dirigente, entre elas a de ele passar a ser na organização em causa um
empregado igual aos outros, com tudo o que daí decorre em termos até jurídicos, afirma que o que
está em causa é a "legitimidade da acção do dirigente", pelo que é necessário saber se a remunera-
ção limita a legitimidade. Para ele, embora a legitimação possa não ser posta em causa o seu reco-
nhecimento enfraquece. Em consequência, passa a existir um potencial ambiente de confiitualidade
entre dirigentes eleitos, profissionais e técnicos.
Melo de Carvalho aponta uma solução que passa por uma boa relação entre o dirigente bené-
volo e o profissional, de maneira a que aquele assuma na plenitude o papel de líder do projecto,
com a presença e a ajuda dos profissionais. Pensamos que esta situação resulta bem nas pequenas
organizações desportivas, em que o modelo corporativo que é o Modelo Europeu de Desporto, que
lhes subjaz, entre o dirigente, o técnico e o praticante existe uma comunhão de interesses, propósi-
tos e desejos inquestionáveis. Por isso, nestes casos, estamos obviamente de acordo com a referida
perspectiva de Melo de Carvalho.
Os verdadeiros problemas e as contradições surgem nas organizações desportivas em que a res-
pectiva dimensão económica começa a ser um dos vectores fundamentais de todo o processo orga-
nizacional, pelo que os interesses dos dirigentes benévolos e dos profissionais começam a ser com-
pletamente distintos. Já referimos anteriormente que os fenómenos e as estruturas socioculturais,
seJam elas quais forem, do desporto à religião, alteram-se completamente a partir do momento em
que se modificam as respectivas estruturas económicas em que elas se envolvem ou se organizam.
Ora, a estrutura económica básica do mundo do desporto actual, sobretudo a nível da sua cúpula,
com todas as consequências financeiras que daí decorrem, já nada tem a ver com aquela que carac-
terizou o seu passado. O que hoje está a acontecer com o chamado Modelo Europeu de Desporto é
uma espécie de corporativismo orgânico, no qual predomina uma visão antiliberal, que promove um
modelo fechado de sociedade e de desporto.
Portanto, quanto a nós, coloca-se o problema fundamental de reconfigurar o próprio modelo de
governação do sistema desportivo europeu. E, assim, há que encontrar alternativas ao actual statu quo
200 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
do dirigismo da cúpula do movimento desportivo, que a partir de uma falsa prática democrática em
grande número de organizações, como se constata pelos processos eleitorais, conduz a um certo
poder tirânico em demasiadas organizações desportivas. É necessário, por conseguinte, encontrar
uma nova configuração do modelo governativo que evite o mau uso e abuso de poder (mesmo
quando em poucos casos excepcionais é exercido através de um "bom tirano" ou "boa tirania"), que é
o que está em demasiadas situações a acontecer com o actual Modelo Europeu de Desporto.
Esta situação, que se tornará cada vez mais insustentável, pode ser resolvida por um novo
modelo configurado em rede, em que não existam monopólios orgânicos de qualquer espécie e em
que a arquitectura estrutural das organizações desportivas passe a ser dual, constituída por um nível
superior onde se encontrem os dirigentes benévolos, responsável pela defesa dos valores, credo,
grandes linhas de orientação estratégica, filosofia de acção e identidade cultural das organizações, e
um segundo nível onde estão os novos dirigentes profissionais, responsáveis pela gestão corrente e
a implementação dos planos e objectivos estratégicos, bem como pela salvaguarda da eficiência e a
eficácia das organizações desportivas, que lhes garantem a afirmação e sobrevivência no futuro.
Como é que isto pode ser conseguido? Em nossa opinião, se nos dermos ao trabalho de escutar
Peter Drucker (1992, 1994), podemos antever nesta solução de governação um modelo que visa
assegurar a manutenção e salvaguarda dos valores essenciais do desporto, garantida naquele pri-
meiro nível de dirigentes benévolos e autênticos "curadores" 56 , para usar uma terminologia habitual
em organizações não lucrativas de matriz anglo-saxónica, em coexistência com um segundo nível
composto por dirigentes desportivos profissionais, a funcionarem num regime perfeitamente sobre-
determinado, e não em regime de roda livre como acontece, ou pode acontecer, actualmente (ver
supra o levantamento da situação das federações desportivas de Portugal).
A concretização de um tal modelo de governação impõe a necessidade de garantir para as orga-
nizações desportivas sem fins lucrativos, com utilidade pública, um regime estatutário que deter-
mine a existência de um órgão, ao nível do respectivo vértice estratégico, constituído por dirigentes
benévolos com as competências referidas e de carácter não executivo e, ao nível da linha hierárquica,
de um órgão constituído por dirigentes profissionais com as competências executivas necessárias à
concretização das grandes directrizes emanadas do órgão superior do vértice estratégico. Quer dizer,
assim, que a profissionalização nas organizações desportivas nesta configuração governativa passa a
estar em estruturas intermédias, subordinadas a uma estrutura superior não executiva benévola de
cariz político-ideológico e cultural do desporto.
O que está a acontecer presentemente é que o vértice estratégico das organizações desportivas,
com competências executivas e um estatuto cada vez mais profissionalizado, em coerência, não tem
capacidade para garantir a defesa dos valores, do credo, da filosofia e da identidade cultural das
organizações, uma vez que acaba por exprimir e pôr em prática os seus interesses próprios no inte-
rior do sistema desportivo. Funciona, assim, como "agente" com interesses específicos diferentes
dos que estariam na substância originária do sistema em que actuam (o que tem correspondência
com a "teoria do agente" das organizações empresariais).
56
Nestas discussões da arquitectura institucional surgem em inúmeras organizaç6es de carácter não lucrativo, como por
exemplo clubes, universidades, órgãos de cúpula que não têm carácter executivo e que são os responsáveis pela orienta-
ção missionária e estratégica dessas organizações. Em certos casos, são denominados "conselhos de curadores" (os
"board of trustees"), no sentido em que o "curador" é aquele que se responsabiliza institucionalmente pelo sentido subs·
lanlivo da organização (filosofia, missão, estratégia, etc.). A outros níveis aparecem os órgãos executivos, profissionais,
que derivam as respectivas competências e atribuiç6es dos curadores e garantem a gestão corrente, a implementação da
estratégia e a afirmação competitiva da organização em causa.
-
Héracles e a Cultura [ 201
6.5 Visão
É verdade que se a visão do futuro não é toda a gestão,
pelo menos é uma parte essencial dela.
Henry Ford ( 1841-1925)
Visão
A vocação e a missão enq uanto elementos centrais da fil osofi a das organ izações devem ser
orientados pela visão que enqu adra a atitud e da organização em relação às sua s perspectivas de
futuro. De facto, existem organizações que no âmb ito da sua cu ltura e identid ade se orientam em
termos do passado, e outras que, sem se esquecere m dos valores do passado, se organizam em
relação ao futuro. Diremos que as primeiras organizações ou instituições são fundamentalistas e as
segund as reform istas. As primeiras organizam o presente a pensar, por vezes de forma acéfa la, nos
valo res do passado, sem qualquer curiosidade ou possibilidade de os questionar. As segund as,
organizam o presente a partir duma id eia de futuro, quer dizer, a partir duma visão prospectiva que
nas palavras de Gaston Berger signifi ca: "Ver lon ge e com amplitude, ana li sar eQ1 profundidade,
arriscar, pensar no Homem" .
Portanto, uma organização (clube, escola, federação, cid ade, etc.), ou uma instituição (desporto
federado, desporto escolar, etc.), só conseguirá subsistir se for capaz de definir a maneira pela qual
lh e é possível ganh ar vantagens competiti vas de longo prazo. Estas vantagens devem ser co nsegu i-
das tendo em atenção os efeitos sociais que cada um daqueles sectores provoca, de maneira a
obterem os recursos necessários ao se u desenvolvimento.
Um provérb io japon ês diz qu e se uma visão sem acção é um devaneio, uma acção sem visão é
um pesadel o. Por isso, a melhor maneira de co nstruir o futuro é ter um a visão acerca do fu turo que
se deseja construir e depois trabalhar para a fazer aco ntecer.
As organizações em termos latos são in stitu ições 57 que são portadoras de um a cultura que as
configura e envo lve as pessoas que nelas, directa ou indirectamente, participam. Como vimos , nas-
cem, cresce m, vivem e mom~m. ou, em alternativa, têm de se reatustar ao novo contexto quando
deixa de existir um equ ilíbrio, entre a sua vocação e missão e as necessidades socia is que devem
sup rir. Nesta perspectiva entramos no domínio da racionalização das esco lh as em matéria de po lí-
tica desportiva em que numa estratégia de mudança devem ser tid as em conta as seguintes ideias:
· Reinventar;
· Reorganizar;
· Revitalizar;
• Renovar.
57
Uma instituição é uma estrutura estabelecida de comportamento homogéneo e coerente que tem por objectivo suprir
uma necessidade social, por um lado, e, por outro, exercer um determinado contro lo socia l. Configura, por isso, um para-
digma de comportamento partilhado, centrado na satisfação de uma necessidade fundamental de um grupo alargado:
instituição familiar, instituição esco lar, instituição desportiva, etc.
Héracles e a Cultura [ 203
Quadro 31 I Visão
Para preencher o qu adro é necessá ri o ter em atenção dois as pectos fund amentais:
1. Conhecer a din âmica do desenvolvim ento do desporto no passado;
2. Agir de harmonia com a natureza do des porto.
Nesta co nformid ade, partind o da ideia de Pi tágoras (580-50 a. C), deve-se olhar para o mundo
do des porto como uma área social de harmoni a de co nflitos. Porqu e a harm onia só é possível na
unid ade das diferenças . De outro modo, está-se perante o maras mo e a medi ocrid ade de pensa-
mento, que é o estado actu al de muito do des porto portugu ês.
58
É pena que algu ns di ri gentes entrem em mala barismos deste tipo pa ra obterem res ultados. Como se viu recentemente na
Taça do Mundo rea li zada em Lisboa (2006), o judo portu guês não tem necess idade. Depois dos sucessos de Pedro Dias
(prata a 66 kg) , João Pina (bronze a 73 kg) e João Ca rdoso (bronze a 6o kg) e João Neto (ouro a 81kg).
204 ] Agôn I Gestão do desporto 1O jogo de Zeus
Harmonia não é sinónimo de paz podre, que hoje, à im agem do que se passa em vários secto-
res socia is, impera em muitas organizações desportivas.
Ainda segundo Pitágoras, a harmonia enquanto unidade das diferenças pode ser postulada
atrávés de uma gestão parcimoniosa de confiitos, que podem ser identificados em dez pares de
oposições, a saber:
1. Finito x Infinito; 6. Mover x Parar;
2. Conhecido x Desconhecido; ]. Recta x Curva;
3· Individual x Colectivo; 8. Luz x Escuridão;
4· Direita x Esquerda; 9· Bom x Mau;
5· Homem x Mulher; 1o. Quadrado x Lin ear.
Como vamos ver posteriormente, o prin cíp io da utilidade, necessário a qualquer processo de
desenvolvimento, tem de jogar com a harmonia, na base da equidade, sob pena da utilidade se
transformar em mero oportunismo.
6.6 Estrutura
A qualidade de uma organização jamais excederá o
espírito daquele que a concebeu.
Harold R. McAiindon
É sab id o que o conceito de estrutura é vulgarmente ap li cado a tudo, embora o seu sentid o não
seja absolutamente id êntico nos vários campos em que é usado. É possível analisar a estrutura das
coisas, das organizações, das re lações humanas, dos acontecimentos. Tudo tem uma estrutura que
pode ser mais ou menos complexa e ter significados muito diferentes. O desporto não foge a esta
situação, pelo que o conceito é utilizado de diversas maneiras.
De entre os significados relativos ao conceito de estrutura que surgem com mais frequência
podemos indicar os segu intes:
· Diferenciação socia l; • Estatutos e papéis;
• Relações de produção; · Instituições;
• Formas de associação; • Infra-estruturas.
• Interdependência funcional;
Conceito em evolução
Trata-se, por isso, de um conce ito em permanente evo lu ção em sistema aberto, e, por isso, em
constante reajustamento à realidade em mutação. Está, deste modo, sujeito a interpretações singu-
lares, geradoras de inúmeras divergências que, por um lado, causam problemas de comunicação e,
por outro, enriquecem a problemática subjacente à ideia inicial.
-
Héracles e a Cultura [ 205
Não há estruturas
Para este autor, estrutura pode ser definida como o desenho da organização através do qual os
seus objectivos são atingidos. Nada de mais prático do que uma boa ideia. Segundo o autor,
devem ser considerados dois aspectos fundamentais:
1. Em primeiro lugar, as linhas de autoridade e comunicação que estabelecem as ligações entre
as diferentes partes da organização;
2. Em segundo lugar, a informação e os dados que Mem através das linhas de autoridade e
comunicação.
Alfred Chandler defende que a estrutura segue a estratégia e que os mais complexos tipos de
estruturas são o resultado da concentração de diversas estratégias fundamentais. Em conformi-
dade, há que estranhar quando se processam transformações na estrutura das organizações sem
que se conheçam os objectivos e as linhas estratégicas de acção.
Strategor (1993)
Nesta obra colectiva organizada no âmbito do Centro HEC-ISA, estrutura é "o conjunto das fun-
ções e das relações que determinam formalmente as missões que cada unidade da organização
deve executar, e os modelos de colaboração entre essas unidades". Ainda segundo os autores, a
estrutura apresenta três características principais:
1. Especialização: Determina o grau e o modo como é realizada a divisão do trabalho;
2. Coordenação: Determina os modos de colaboração, ligação e padrão de centralização entre
as diversas unidades;
3· Formalização: Determina o grau de estandardização das funções e das ligações.
Nas ciências sociais, estrutura é a maneira como um conjunto de coisas, de partes ou de for-
ças, estão ajustadas de modo a constituírem um todo com identidade própria. Deste modo, a
estrutura determina a forma e a coerência específica de um conjunto e a sua singularidade em rela-
ção aos outros. Cada parte ou elemento está em ligação com os outros, sendo a sua identidade
definida através do seu relacionamento com os outros.
No âmbito do presente trabalho, entende-se por estrutura o modo como um edifício é cons-
truído e, neste sentido etimológico, estamos-lhe a atribuir uma dimensão arquitectónica, quer dizer,
a maneira como as diversas partes que compõem um todo (uma organização) estão dispostas umas
em relação às outras. Uma alteração num dos elementos implica reajustamentos em todos os
outros. Nestes termos, podemos ter como exemplo a estrutura de uma organização ou a de uma
equipa de futebol. Vejamos a lógica que deve orientar, à partida, a estrutura das organizações.
206 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Configuração da organização
A estrutura de uma organização define a maneira como a organização dispõe as suas unidades
de trabalho para funcionarem e a maneira como afecta os recursos humanos a essas unidades. É
um modelo mais ou menos estabilizado que configura uma organização ou um sistema num dado
momento. Em conformidade, há que esclarecer quais são as partes segundo as quais uma organi-
zação pode ser estruturada (ver quadro 32).
VÉRTICE
-§~
::::;=---------< LOGÍSTIC
Esta ardização Cooperação
CENTRO OPERACIONAL
Profissionalização
Partes da organização
Duma maneira geral, podemos dizer que uma organização é constituída por cinco partes básicas
(Mintzberg, 1992):
1. Vértice estratégico. Coordena a organização para que ela cumpra a sua vocação e missão e
atinja através duma estratégia apropriada os objectivos estratégicos (necessidade pública);
2. Tecnoestrutura. Nesta parte da organização estão todos os serviços que dão suporte à estru-
tura de produção da organização. Por exemplo, gabinetes de estudos e gabinetes de planea-
mento, gabinetes de controlo, etc.;
3· Logística. Aqui organizam-se todos os serviços de suporte que não intervêm na produção da
organização. Por exemplo, biblioteca, contencioso, cantinas, serviços administrativos, etc.;
4· Linha hierárquica. Estruturas que estabelecem a ligação entre o vértice estratégico e o centro
operacional. A linha hierárquica, ao dividir no sentido horizontal e vertical o organigrama, cria
especialização. Quando se divide o organigrama no seu sentido horizontal está-se a departa-
mentalizar, quer dizer, a criar departamentos. Quando se divide o organigrama no sentido ver-
tical está-se a estabelecer níveis hierárquicos, quer dizer, a estabelecer hierarquia, hierarquizar;
S· Centro operacional. É constituído pelos serviços encarregados do sistema de produção da
organização.
-
Héracles e a Cultura [ 207
Tendências
Em trabalhos posteriores, Henry Mintzberg (1989) 59 acrescentou duas outras dimensões ao seu
modelo. Foram elas (que no nosso modelo ficam reprE;sentadas no ambiente):
· Ideologia. Identifica as forças congregadoras da organização;
· Política. Identifica as forças desagregadoras da organização.
Na linha de pensamento de Manuel Sérgio (1996), ainda a respeito das partes da organização,
diremos que muito embora até metade do século passado a produção do conhecimento se fizesse
pela redução de um conhecimento "do todo" ao conhecimento "das partes", é necessário considerar
que a reorganização de "um todo", que no fundo é o que se pretende com a gestão, produz qualida-
des novas em relação às partes consideradas isoladamente. Por isso, a estrutura das organizações
tem uma dimensão estratégica.
Hoje, compreendemos que o mundo não se encontra subjugado à soberania absoluta da esta-
bilidade e da Adem, porque nele existe dinâmica entre as partes que jogam num diálogo de ordem-
-desordem-organização. Quer dizer que, também no domínio da gestão, é necessário ultrapassar o
pensamento linear do paradigma cartesiano da simplicidade, para se entrar nos domínios da com-
plexidade (Edgar Morin, 1991) e do seu paradigma. Nesta conformidade, qualquer das partes da
organização só pode ser verdadeiramente compreendida se estiver integrada na dinâmica da com-
plexidade do conjunto para a qual contribuem os mecanismos de coordenação do trabalho, os de
conjugação do trabalho e os fiuxos de trabalho.
Portanto, o gestor de desporto, embora possa ser possuidor de todo um conjunto de compe-
tências que lhe facilitarão a análise das situações com que se depara no contexto desportivo, será
tanto mais competente quanto for capaz de lidar com a multiplicidade, a diversidade e a complexi-
dade do real que aquele contexto significa. Entenda-se que as competências são as capacidades
para o desempenho das actividades de um emprego ou trabalho. Nesta conformidade, o conceito
de competência tem duas dimensões (www.mtecbo.gov.brj):
1. Nível de competência. Especifica a complexidade, amplitude e responsabilidade das activida-
des desenvolvidas no emprego ou outro tipo de relação de trabalho.
59
Repare-se que a obra que temos vindo a citar, embora a tradução portuguesa SeJa de 1992, a edição original, como se
indica na bibliografia, é de 1979-
208 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
----
2. Concepção da superstrutura
------------ ---- ·----
3.3. Reunião
--- - ------ --------------
-13.4.-ouadrosin;~gradores
13.5. E,;,;'""'~~''' (bi oo tcidim"''"""'l
13.5.1.
I
Permanente
~--- _]3.5.2. Variável
Os factores de contingência são as variáveis (ver quadro 34) que do ponto de vista externo, 0
que significa que o gestor não as pode controlar, determinam a configuração de uma organização.
Quanto mais velha é uma organização mais pesada é a sua estrutura. Quer dizer, sendo a idade
um factor externo à organização não é por isso que deixa de inf1uenciar a sua estrutura.
Também o sistema técnico, quer dizer, o ambiente tecnológico que envolve a organização, tem
a ver com a maneira como ela se deve estruturar. Um ambiente do ponto de vista tecnológico
muito dinâmico, em que o longo prazo não vai além de três a seis meses, é evidente que obriga a
uma estrutura bem diferente de uma organização em que o ambiente é estável e o longo prazo
pode ser de vários anos, como acontece, por exemplo, na educação ou no desporto.
Mas as organizações também se devem estruturar tendo em atenção a complexidade, a estabili-
dade e a hostilidade do ambiente. Uma organização com um ambiente complexo obriga a uma
estrutura ágil e capaz de encontr~' respostas criativas, enquanto que uma outra com um ambiente
estável pode funcionar fundamentalmente a partir da implementação de rotinas. Pelo seu lado, um
ambiente hostil obriga a que a organização se feche'sobre si própria.
Uma organização que tem um proprietário tem necessariamente uma estrutura diferente, even-
tualmente muito mais centralizada, do que aquela em que não existe um proprietário.
O problema das necessidades dos membros é, também, uma questão fundamental da estru-
tura de uma organização, na medida em que organizações existem como, por exemplo, os clubes
ou as universitárias, em que o seu sucesso passa em grande medida pelo sucesso dos seus mem-
bros, o que significa que elas têm de se estruturar em função do trabalho que tem de ser produzido
pelos seus dirigentes, no caso dos seus técnicos e clubes, e professores e investigadores, no caso
das universidades.
Finalmente, a moda. Como em tudo na vida a moda é um factor determinante na configuração
estrutural das organizações, pois é ela que determina a própria estrutura do pensamento domi-
nante que, necessariamente, se ref1ecte na estrutura da organização.
1. A idade e a dimensão
·----
2. Sistema técnico
· - -
3. Ambiente
'2:1 Comple_x.idade
3.2. Estabilidade
--·- ··-----
3.3. Hostilidade
. ···-----
4. Poder
-
4.1. Propriedade
--- ·--
5. Moda
AGONGD-14
21 O ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
6.6.5 Organigramas
As configurações estruturais assumem um desenho que deve dar origem aos organigramas,
tendo em atenção:
1. A coesão e a eficácia do sistema interno;
2. Hierárquico funcional;
3· Linha staff;
4· Em rede ou matriciais.
A construção de organigramas, no seu desenvolvimento horizontal, rege-se por critérios de
departamentalização. Geralmente, são referidos os seguintes critérios de departamentalização:
• Por objectivos;
• Por método;
• Por clientes;
• Por localização;
• Por duração;
• Etc.
Critérios de departamentalização
Repare-se que o organigrama "linha staff' tem um órgão de staff centralizado (A) e outro des-
centralizado (B) (ver quadro 37).
60
Podem existir outras, como uma denominada configuração em estrela.
212 ) Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Quadro 37 I Organigramas
'
'
' ------- - ~'' -- - - +
' ------ -E!)
----- E!)-
' ' '
'
---- -&- ------ -&' ---- --- -&--
'
-+
Os organi gra ma s ap rese ntados anteri orme nte têm as va ntage ns e os in co nve ni entes qu e se
indica m:
Hierárquico em linha -Aquelas em que os líderes e os subordinados estão ligados por linhas
hierárquicas claras:
• Vantagens: • Desvantagens:
Lid erança definid a; Necess id ade de boas chefi as ;
Evita interferências de terce iros; Demas iada dependência do líd er;
Simp licid ade de estru tura; Ce ntralização exagerada;
Co municação es cl arec id a. Difi culd ades de delegação;
Reduz espírito de in iciati va.
Hierárquico funcional - Flexibiliza a rigidez da estrutura linear maximizando a relação entre a
concepção e a execução:
• Vantagens: • Desvantagens:
Apoio es pec ializado; Dupl a hiera rquia;
Motivação; Possibilidade de confl itos de competências;
Desenvo lvim en to pessoa l. Relat iva lentid ão;
Difi culd ade de entendimento.
Héracles e a Cultura [ 213
Em conclusão, diremos que as configurações dependem, do ponto de vista interno, dos parâme-
tros de concepção e, do ponto de vista externo, dos factores de contin gência, que por sua vez servem
também de modelo para a construção dos organigramas que estabelecem o desenho da estrutura das
organizações.
Contudo, enquanto que no passado as organizações apresentavam estruturas mais estáticas em
virtude do ambiente ser mais estável, hoje, devido ao ambiente voláti l e por vezes até adverso em que
muitas organizações têm de operar, elas são obrigada'"s a ter uma estrutura mais difusa, por vezes de
geometria variável, que responda em tempo útil às situações que tem de enfrentar. Por exemplo, a
estrutura difusa da organização AI-Queda de Bin Laden é eficiente porque é difícil de ser combatida .
Uma estrutura deste tipo funciona porque tem por base uma forte ideologia sustentada numa determi-
nada visão religiosa que congrega e dá um sentido único às acções das mais diversas unidades que,
como se sabe, têm de operar em regime de autogestão em ambientes extraordinariamente difíceis.
Che Guevara dizia que "frente à rigidez dos métodos clássicos de guerrear, o guerrilheiro
inventa a sua própria táctica e surpreende constantemente o inimigo". À enorme superioridade
hard do exército regular, com toda a sua hierarquia pesada e meios supersofisticados, a guerrilh a
opõe recursos soft de simpli cidade, astúc ia, grande mobilidade e pequenos grupos ideologicamente
muito motivados.
As estruturas das organizações, sejam elas uma equipa de futebol, uma organização terrorista,
uma multinacional ou outra qualquer, têm de se adaptar ao seu credo (ideologia, valores em que
acreditam), à sua vocação, à sua missão, ao padrão de comportamento dos seus elementos, bem
_como às suas relações no que diz respeito à gestão do futuro. Quer dizer, também aqui, de novo, a
estrutura segue a estratég ia, como Alfred Chandler observava.
[Dionísio eoDesenvolvimento_
Aos olhos dos cidadãos do mundo ocidental, depois do colapso da União Soviética e dos seus
satélites, o capitalismo parece que triunfou. Como supostamente o capitalismo triunfou, o sector pri-
vado tornou-se bom e o sector público mau. Agora parece que o mercado está transformado no
. novo deus e o marketing numa nova religião, mesmo no domínio do desporto. Neste, sentido, as
preocupações actuais são com a "marketinguisação", provocada pelo processo de globalização que,
no fundo, está a transformar os ricos em cada vez mais ricos e os pobres em cada vez mais pobres.
O movimento desportivo parece que entrou nesta dinâmica frenética que acabará por se virar
contra as pessoas e o próprio desporto.
Temos de chamar às pessoas clientes para as tratar decentemente~ Esta é a pergunta que nos
deixa Henry Mintzberg (1996). Segundo ele, o capitalismo não triunfou. O que triunfou foi o equilíbrio.
O problema é que a lógica do triunfo do capitalismo está a colocar as sociedades ocidentais em
profundo desequilíbrio. Será que também o estrondoso êxito dos jogos Olímpicos está a colocar o
Olimpismo numa situação de profundo desequilíbrio? Entre os valores do humanismo e os valores
do mercantilismo?
216 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Um novo desequilíbrio
Nos últim os anos o mercado tornou-se num a es pécie de palavra mágica que resolve todos os pro-
blemas, muito embora hoje co mece também a se r reconhecido que a pers pecti va neoli bera l da econo-
mi a de mercado, porque cen trada num merca ntili smo feroz, não reso lve os probl emas da generali-
dade das popul ações, so bretud o das mais carenciadas. Por outro lado, o des interesse cada vez maior
por parte do Estado, pa ra além de um dirigismo po lítico e des portivo malform ado, estão a colocar o
61
movim ento des porti vo num a din âmica economicista e, em consequ ência, numa situação de pro-
fund o desequilíbrio, pelo que agora é urgente que se proceda a um reequil íbrio de todo o sistema.
Nes ta co nformid ade, boa s opções políticas dese nvol vid as a nível na cional e intern ac ional
devem se r ace ites do ponto de vista normativo em sa lvaguard a de va lores éticos , suste ntados pela
cooperação internacional entre estad os , a sociedade civil e o secto r privad o (Asbj0rn Eid e, 1998).
Numa estratégia globa l é imperativo ligar o desenvo lvim ento do des porto à ju stiça social, cons id e-
ra nd o qu e num modelo de desenvo lvi mento promíscuo, o negócio dos grandes eventos despo rti-
vos pro mov idos pel os pa íses ri cos aca ba por se r inju stam ente suportado pelos países de ma is
baixo nível de dese nvo lvimento hum ano 62. Na rea lid ade, a violação dos direitos hu rrta nos tem sido
con statada demas iad as vezes, nos mais diversos aspectos da indú stri a li gad a ao desporto.
O poder do dinheiro
Quando Xerxes I (O Grande), que governou o Império Persa de 486 a 465 a. C., dirigia a campanha
contra a Grécia levaram-lhe uns trtJnsjúgas da Arcádia, que precisavam de ter com que viver e queriam
trabalhar. Quando lhes perguntaram o que é que os gregos estavam afazer, eles responderam que os gre-
gos estavam a celebrar os jogos Olímpicos pelo que assistiam aos concursos gírnniros e hípicos. Pergunta-
ram-lhes então qual era o prémio proposto pelo qual os gregos lutavam. Os trtJnsjúgas informaram que
se tratava de urna coroa de oliveira. Então Tritantaicrnes exprimiu urna opinião que lhe valeu o apodo de
cobarde por parte de Xerxes. Ao ser informado que o prémio era urna coroa e não dinheiro não se conteve
e exclamou: "Ai-Mardónio, que homens são esses contra quem nos levas a combater, se eles não lutam
pela riqueza mas só pela superioridade".
Xerxes tinha razão ao não permitir que menosprezassem quem era capaz de lutar sirnpiesrnente pela
conquista de urna coroa de oliveira e pelo prazer de demonstrar a sua superioridade atlética. De facto, em
480 a. C., depois de assistir à deffota da sua armada em Saiam is, Xerxes foi obrigado a retirar deixando a
cobrir a retaguarda um dos seus generais, Mardónio, que acabou deffotado em 479 em Plateia.
ln Hélade, Maria Helena Rocha Pereira
De aco rd o co m as Nações Unid as, a co munidad e intern acional deve formul ar códi gos de co n-
duta no que diz respe ito aos direitos dos traba lh adores do des porto. É um a qu estão moral e ética
61
Ente ndemos pelo neologismo "econom icismo" uma má utilização da economia, porque a economia, enquanto di stri buição
racional e justa dos recursos disponíveis, só pode ser uma coisa boa.
62
Repare-se o que se passou com o Campeonato do Mundo de Futebol (2oo6) rea li zado na Alema nh a. Fora m abertas ao
público , na Alema nha, um se m-núm ero de casas de prostitui ção que fu ncionaram durante o evento. Ora, as ditas não
fu ncionaram certamente com mulheres alemãs, mas com mulheres dos países do Leste que vivem em situações de enor·
mes carências.
-
Dionísio e o Desenvolvimento [ 217
quando vemos jogadores como Ronaldo, Michel Jordan e outros, a serem indirectamente pagos
por países pobres, nos quais as despesas públicas em educação e saúde decaíram de 2,0% do PIB
em 1986-90 para 1,8% em 1991-96.
Desenvolvimento e olimpismo
Vivemos no mesmo planeta, pelo que as pessoas, estejam elas onde estiverem, são, pelo
menos moralmente, afectadas pelos mais diversos acontecimentos que acontecem nos quatro can-
tos do Mundo. O falhanço das políticas neoliberais respeitantes ao mundo do desporto recomen-
dam uma nova direcção para o Olimpismo (aliás de acordo com o n° 12 do Capítulo 1. 0 da Carta
Olímpica), no sentido de haver uma maior responsabilização na promoção do desporto para a
generalidade das pessoas e não exclusivamente a promoção do desporto de alto nível ligado aos
negócios. Assim, o desenvolvimento do desporto passa por um certo regresso às origens, pela pro-
moção do Olimpismo e dos seus verdadeiros valores, através de uma ruptura com o passado
recente corroído pelo doping, mercantilismo, corrupção, exploração do trabalho infantil, etc.
Tal como foi referido no Relatório de 1999 do Banco Mundial, apesar dos avanços significativos
no último quartel do século XX, a pobreza está a avançar significativamente em muitas partes do
mundo, especialmente naquelas afectadas por confiitos. Em nossa opinião, o Olimpismo tem uma
palavra a dizer no restabelecimento de todo um equilíbrio necessário em busca dum desporto
melhor. E o desporto só pode ser melhor se o Olimpismo for assumido como um instrumento de
combate às misérias do desporto e do Mundo.
A cultura formata o modo como vemos o mundo. O Olimpismo, enquanto instrumento de for-
matação cultural, é uma chave fundamental para desenvolver um projecto a nível mundial, no qual
podem ser desenvolvidas novas políticas que modifiquem as atitudes das pessoas e dos governan-
tes no sentido de assegurar um desenvolvimento sustentado, assente numa cultura de paz que não
comprometa a qualidade de vida das gerações vindouras.
Desporto e ideologia
Titanic
Os que viram o filme Titanic verificaram que enquanto o navio ia ao fundo os passageiros da
"primeira classe" se digladiavam para conseguirem um lugar nos salva-vidas que eram em número
reduzido. Só pela intervenção dos marinheiros foi possível dar lugar às mulheres e às crianças nos
botes disponíveis. Contudo, segundo as estatísticas e os relatos dos sobreviventes, a convenção
"mulheres e crianças em primeiro lugar" foi respeitada por todos, praticamente sem excepção. Por
isso, a quase totalidade das mulheres e crianças salvaram-se, enquanto que 8o% a 90% dos
homens pereceram. Na lista dos passageiros da primeira classe constavam 400 nomes dos homens
mais ricos da América. Por exemplo, John Jacob Astor, ao tempo supostamente o mais rico, lutou
para chegar a um bote, embarcou a mulher e depois afastou-se, recusando-se a entrar nele. Se
assim foi, então porque é que o realizador do filme alterou a verdade histórica? Segundo Zakaria
Fareed (2004) a verdade histórica foi modificada porque, hoje, aquele tipo de comportamento
nobre, sério, corajoso e altruísta seria pura e simplesmente ridicularizado!
Será que os valores do desporto estão a ir ao fundo como o Titanic?
7 1 Conceito de desenvolvimento
o
Simões Lopes avisa para a utilização indevida do conceito de desenvolvimento pela sua utiliza-
ção despreocupada e, por vezes, até ilegítima na linguagem corrente. É o que se passa em muitas
federações desportivas, que ao falarem de desenvolvimento do desporto mais não estão do que
envolvidas num processo de promoção do espectáculo desportivo à custa do dinheiro dos contri-
buintes. Além do mais é grande a confusão com o termo crescimento. O crescimento não é um fim
em si mesmo mas antes um meio de se atingir o desenvolvimento.
Direitos humanos
Amartya Sen (1999), prémio Nobel da economia, no que diz respeito ao desenvolvimento
humano, pergunta: "Como é que os direitos humanos podem ter qualquer valor senão através da
responsabilidade do Estado, enquanto autoridade máxima?" No entanto, ele também argumenta
que, muito embora não deva ser descartada a responsabilidade do Estado garantir o pleno cumpri-
mento dos direitos, há que ir mais longe e considerar a perspectiva de que eles podem ser muito
melhor cumpridos se considerados num sistema de valores éticos ao serviço da humanidade.
Assume-se, assim, os direitos humanos como um sistema ético, que se constitui como base funda-
mental da acção política. Nesta perspectiva, promover os direitos humanos não significa trans-
formá-los em "leis de bases" e outras, mas criar as condições para que qualquer projecto de desen-
volvimento esteja ao serviço da qualidade de vida das populações.
Deveres perfeitos
Em conformidade, a dialéctica entre os direitos e os deveres não é uma questão simples, pelo
que não deve ser tratada com a ligeireza com que alguns o têm feito. De facto, qualquer direito, em
princípio, requer que lhe esteja associado um dever que, sob a responsabilidade do Estado, deverá
ser atribuído a alguma entidade pública ou privada. Se não estiver determinado a quem compete o
dever de suprir um determinado direito, esse direito não passa de uma ilusão. Defender os direitos
e deveres, na forma de deveres perfeitos, quer dizer, quando existe, entre ambos, uma relação biu-
nívoca, significa ter de esclarecer inequivocamente os agentes que têm o dever de assegurar o cum-
primento desses direitos, sob pena das políticas públicas não passarem de uma charlatanice e os
próprios direitos humanos, tal como nos diz Sen, ficarem no domínio da conversa fiada ("loose
talk"). O dever perfeito não permite qualquer excepção, sob pena de se transformar num dever
imperfeito. Estes são deveres gerais e não compulsivos, dado que deixam em aberto quer o modo
como podem ser desempenhados quer a sua eficácia. Contudo, o não cumprimento de um dever
63
imperfeito não deixa de significar falhas, morais ou políticas, graves .
Direitos i";lperfeitos
Então, a quem compete suprir os direitos quando não existe um dever perfeito? Consideram-se
duas situações distintas. A primeira caracteriza-se pelos direitos fundamentais que as pessoas têm
63
A ligação entre direitos e deveres corresponde àquilo que o filósofo lmmanuel l<ant chamava de dever perfeito. Kant, na
Crítica da Razão Prática, designa por deveres perfeitos aqueles que estão perfeitamente ligados aos direitos. São deveres
predefinidos, exactos e atribuídos a determinados agentes, pelo que estão próximos dos deveres legais. O dever perfeito
não permite qualquer excepção, sob pena de se transformar num dever· imperfeito. Estes são deveres gerais e não com-
pulsivos, dado que deixam em aberto quer o modo como podem ser desempenhados quer a sua eficácra. Contudo, o não
cumprimento de um dever imperfeito não deixa de significar falhas, morais ou políticas, graves.
220 ] Agôn 1 Gestão do desporto I O jogo de Zeus
mas não são cumpridos. Esta situação tem a ver com os direitos de cidadania, pois o que está em
ca usa é a democraticidade de qualquer regime. A segunda, a relativa aos direitos imperfeitos , quer
dizer aq ueles que embora sejam reconhecidos não são, pelas mais diversas razões, supridos por
um dever, abre, de facto, a possibilidade à intervenção da s mais diversas organizações entre elas as
desportivas, que passam a cumprir uma missão social.
Portanto, não se trata de proclamar que há Estado a mais ou a menos no desporto. Trata-se de
saber quais as acções estratégicas e os esfo rços que o Estado deve emp ree nd er para suprir as
necess id ades dos cidadãos em matéria de desporto. Trata-se, ainda, de permitir o envolvimento
dos diversos actores e instituições sociais, aq ueles que, segund o Amartya Sen, estão em posição de
poderem ajud ar se mpre que os direitos humanos e o desenvolvimento continuam por cumprir. Por
isso, estranh amos que por motivos orçamentais se arvore um discurso de desrespo nsabi li zação do
Estado qu e, em última análise, acaba rá por ju stificar a criação de mais e maiores assimetrias, atra-
vés do apoio àqueles que num a perspectiva profundam ente ego ísta, mesmo num tempo de crise,
mantêm intacta a sua capacidade reivind icativa. '--
Quando se coloca o problema do desenvolvimento do desporto, tem de ser também leva ntada a
questão que procura respond er às razões que levam alguém (técnico, di ri gente, político, praticante,
professor, etc.) a interessa r-se pela problemática. Na realidade, em nossa op inião, existe um conjunto
de razões que conduzem a que o desenvolvimento do desporto seja tido em co nta quando se trata do
próprio desenvolvimento socia l, pelo que é possível alinhar um conjunto de razões qu e obrigam a
considerar o dese nvolvimento do desporto no quadro do processo de desenvolvimento hum ano.
As questões do desenvolvimento têm desde logo a ve r com razões morais e éticas, já que sabe-
mos que as condições de acesso à prática desportiva não são iguais para todas as pessoas. Existem
dificuldades de ord em social, quadro cond icionante, na term inologia de Castejon Paz (1973) (ver qua-
dro 25), ou filtros de probabilidade e decisão individu al, na terminologia de Brien Roger (1977) (ver
· quadro 38), que determinam as oportunidades que as pessoas têm para poderem usufrui r de uma
prática desportiva regular. Por isso, o desenvo lvimento de desporto não se pode abstrair do que é
ju sto ou não, na medida em que o próprio desenvo lvimento não é amoral e toca, ou pelo menos dev ia
tocar, na consciência das pessoas. Em conformid ade, o desenvolvimento do desporto deve equ acio·
nar alternativas, aval iar meios e, consequentemente, atribuir os recursos disponíveis, tendo em aten -
ção as diferentes políticas alternativas.
Dionísio e o Desenvolvimento [ 221
Residual
Não praticantes
O desporto, hoje, é um in st rumento que deve ser utilizad o de uma form a raciona l e coerente
em matéria não só de política interna como no domínio das relações internacionais. A nível interno,
a promoção de as pectos específicos do fen ómeno desportivo é uma questão de interdependências,
ta l co mo os aspectos que se co locam a níve l de relaç,Pes inter-países são elementos fundamenta is
naqu ilo qu e diz respe ito ao desenvolvimento interno das qu estões desportivas. Hoje, as questões
do desenvolvimento do desporto são globais, não podendo esta r dissociadas das dinâm icas não só
internas (nacionais) como externas (internaciona is).
O desenvolvim ento é, também, uma questão ed ucativa. A onda de violência que atinge o desporto
é bem um exem plo de quanto tem fa lhado a dimensão educativa no processo de desenvolvimento do
des porto em Portuga l. Na real idade, o que temos verificado, ao longo dos últimos anos, é serem privile-
giados processos que, de uma maneira geral , ignoram a din âm ica educativa das práticas desportivas.
Na rea lidade, o desporto tem de ser um factor de edu cação e cultura de relativa im portância, que deve
estar integrado no processo de desenvolvimento económico e social dos países.
Nestas circunstâncias, é necessário educar as novas gerações para, no futuro, saberem usufruir
do tempo livre que terão à sua disposição em volumes cada vez maiores, de uma forma pessoal-
mente gratificante e socialmente útil. Assim, a gestão do tempo de lazer através da cultura trans-
forma-se numa questão crucial no quadro das preocupações sociais dos nossos dias. Sendo odes-
porto uma das vertentes mais fortes da cultura popular do nosso tempo, que representa um
conjunto de valores inestimáveis que são um repositório da memória colectiva da Humanidade,
não pode deixar de estar perfeitamente integrado no processo de desenvolvimento económico e
social dos países. Contudo, este des_iderato obriga a uma ideia de desenvolvimento do desporto.
Orgânica
Actividades
Conjunto das acções motoras de raiz física, biológica, neurológica e fisiológica, condicionadas e
determinadas socialmente. As actividades assumem a forma de variadas modalidades desportivas,
podendo cada uma delas ter, segundo o modelo FINde Lamartine DaCosta (1986), uma dinâmica
organizacional formal, não formal e informal (inorganizada) e decorrer sob a responsabilidade insti-
tucional de diversos sectores com objectivos próprios e dirigidos a grupos-alvo específicos, tendo
em atenção as várias etapas do processo de desenvolvimento.
-
Dionísio e o Desenvolvimento [ 223
Marketing
É um conceito global, multidimensional, utilizado por diversas áreas sociais, entre as quais o
desporto, com o objectivo de perspectivarem as suas relações (comunicação externa) com o sis-
tema social que visam atingir. Em desporto pode ser definido como o conjunto das técnicas que
têm como objectivo tornar o desporto conhecido e de prática sistemática, adequando-o, nos diver-
sos factores de desenvolvimento, às características, necessidades e anseios da população, procu-
rando obter um máximo de benefícios, utilizando, para o efeito, um mínimo de recursos. É, por
isso, uma das funções da gestão das práticas desportivas que tem por objectivo conhecer e satisfa-
zer as necessidades das populações desportivas "real, potencial e residual" (Salomé Mariovoet,
1987) em função de políticas previamente estabelecidas. No que diz respeito ao marketing deve-se
ter em atenção o facto de ele poder ser dirigido para organizações desportivas comerciais de fins
lucrativos ou para organizações sem fins lucrativos. A este respeito, hoje, no mundo do desporto
impera a maior das promiscuidades.
Formação
Documentação
Informação
Instalações
Apetrechamento
Quadros humanos
Os quadros humanos são os indivíduos que intervêm, animam e dão sentido ao processo de
desenvolvimento do desporto. São os sujeitos do processo desportivo. São eles os praticantes, os
técnicos, os dirigentes e os espectadores.
Financiamento
O sistema financeiro é constituído pelo conjunto dos mecanismos através dos quais as organi-
zações desportivas (clubes, associações, federações, empresas e outras entidades) satisfazem as
suas necessidades de financiamento, de tal maneira que se adeqúem aos planos de investimento
que devem expressar a sua vocação e gerar fiuxos de caixa com saldo positivo. Por sua vez, o sis-
tema económico determina os critérios e a maneira como aqueles recursos são aplicados nas diver-
sas políticas a implementar. A economia é o estudo de como as pessoas e as sociedades acabam
por escolher, com ou sem utilização da moeda, a aplicação de recursos produtivos escassos que
podem ter usos alternativos, para produzir variados bens e distribuir estes bens para consumo,
actual ou futuro, entre as várias pessoas e grupos sociais. A economia analisa os custos e os bene-
fícios resultantes do aperfeiçoamento dos modelos de repartição dos recursos (Samuelson, 1981).
Normativo
Conjunto das normas mais ou menos formais e das leis que enquadram, regulamentam e confi-
guram o sistema desportivo.
Gestão
Conjunto das funções- planear, organizar, comandar, coordenar e controlar- através das
quais se providenciam os meios para as organizações operarem e cumprirem a sua missão. Ages-
tão integra um conjunto de ciências (sociologia, matemática, história, psicologia, etc.), que quando
se trata do desporto devem ser contextualizadas às diversas áreas e sectores de prática.
-
Dionísio e o Desenvolvimento [ 225
A crise do Estado-Providência
64
Estamos a pensar em Naide Gomes. A atleta, nos Campeonatos do Mundo de Pista Coberta de 2004, realizados em Buda-
peste, realizou uma proeza que só podemos louvar. Não é isso que está em causa. O que está em causa, bem vistas as coisas,
é uma vergonha para o atletismo português e para o próprio país que não pode continuar a viver de uma política neocolonial
porque predadora em relação às suas antigas colónias.
Se alguns houve que, em Portugal, por ingenuidade, hipocrisia, oportuni smo ou ignorância, rejubilaram com os resultados de
Naide, outros, de um pequeno país situado no centro do Mundo (Lat.- o; Long. -o), que convive diariamente com uma
pobreza confrangedora que devia envergonhar o país colonizador, choraram de raiva e desespero pela pouca-vergonha que
graça na política portuguesa, em relação a São Tomé e Príncipe (STP). João Costa Alegre, presidente do Comité Olímpico de
STP (COSTP), não cala a sua mágoa ao ver uma atleta que foi a porta-bandeira de STP nos jogos de Sydney, três anos depois,
ganhar uma medalha ao "serviço" de Portugal, bem como representar o país em tempos colonizador, nos jogos Olímpicos de
Atenas. Uma situação que deveria fazer corar de vergonha os nossos olímpicos dirigentes. O problema do país e do desporto é
que não faz I
AGONGD-15
226 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
'tI
selecções nacionais, principalmente de futebol, produzido por alguns políticos, dirigentes desportivos
e jornalistas, estamos perante uma bomba-relógio que, quando menos se esperar, vai rebentar nas
mãos dos portugueses.
Princípio da equidade
Mas então aonde é que está o equilíbrio que aconselha Mintzberg> Os liberais, na perspectiva de
John Rawls (1997, 2001), acreditam que nem todos somos iguais. As pessoas têm capacidades distin-
tas. Em consequência, assumem, em termos sociais, estatutos e papéis diferentes, pelo que devem,
por isso, ser justamente recompensadas. Não se trata, como no passado, de igualdade mas de equi-
dade e esta deve ser, antes de tudo, reivindicada no tribunal da consciência colectiva, na medida em
que o liberalismo, no plano das ideias, aceita as desigualdades desde que elas sejam funcionais, isto
é, promotoras de desenvolvimento e progresso. Todavia, não aceita que, numa perspectiva selvagem
e desprovida de quaisquer sentimentos sociais, em seu nome, se cometam os maiores dislates.
O problema é que nas mais diversas áreas sociais, entre elas a do desporto, estão a ser promovi-
das desigualdades disfuncionais que estabelecem novos e profundos desequilíbrios sociais que colo-
cam o país cada vez mais longe dos valores económicos e sociais médios da Europa. Quer dizer, as
desigualdades não devem ser aceites sem qualquer espécie de controlo, porque quando isto acon-
tece, acontece em simultâneo um certo liberalismo selvagem promotor de injustiças e de subdesen-
volvimento. Assim sendo, numa perspectiva liberal civilizada, as desigualdades naturais existentes só
podem ser aceites se estiverem perfeitamente justificadas. Mas mais, se alguma entidade, líder ou
governo, as pretender anular para além de um limiar mínimo razoável, acaba por provocar um mal
maior prejudicando sobretudo os mais carentes. Este é o princípio sine qua non que deve presidir ao
livre desenvolvimento de uma sociedade democrática e liberal. É este o princípio que devia orientar
as políticas desportivas em Portugal. Deste modo, a existência de atletas de elite deve ser, antes de
tudo, considerada em função da sua capacidade para promoverem a generalização da prática des-
portiva. Assim, aceita-se a diferença enquanto ela for funcional, quer dizer, for promotora de evolu-
ção e progresso, pelo que a sua extinção significaria estagnação e até retrocesso.
Monopólio desportivo
Contudo, nos últimos anos, o processo de desenvolvimento tem evoluído na maior das contra-
dições. A partir de uma anacrónica desresponsabilização do Estado das suas inalienáveis responsa-
bilidades, num liberalismo perfeitamente selvagem, tem-se vindo a promover a transferência para o
movimento desportivo de todo um conjunto de competências que, para além de estarem a promo-
ver profundas injustiças sociais, estão a criar um monopólio que questiona os princípios da livre
concorrência que devem presidir à organização social da União Europeia. Como diria Raymond
Boudon, não se pode pretender desenvolver políticas liberais e, depois, deixar o sistema funcionar
num modelo profundamente iliberal, como aquele que caracteriza actualmente o movimento des-
portivo português, onde prevalece um pensamento único protagonizado por uma casta de agentes
que, num sistema pseudodemocrático, avocam o monopólio das palavras e das obras.
Uma sociedade desportiva realmente justa, democrática e liberal é aquela que aceita e até pro-
move a diferença baseada nas capacidades individuais, mas que deve funcionar a partir dos melho-
res a favor dos destituídos. Pois bem, isto só é possível através de uma estratégia de equidade a ser
alcançada dentro das normas de uma democracia liberal moderna em que, acima de tudo, funcione
-
Dionísio e o Desenvolvimento [ 227
o primado da liberdade e da livre concorrência em benefício das reais necessidades dum povo que,
caso contrário, continuará a sofrer as agruras do centralismo burocrático promovido por uma casta
que tem vindo a delapidar o país.
"Just do it"
O desporto, ao longo do século XX, foi desenvolvido numa lógica corporativa, a partir do desig-
nado Modelo Europeu de Desporto, consubstanciado no desporto federado e caracterizado por:
1. Uma prática desportiva amadora;
2. Uma filosofia de promoção social;
3· Uma dinâmica económica sem fins lucrativos.
65
O estado calamitoso em que o desporto se encontra na Europa deu, recentemente, origem à nomeação, por parte da
União Europeia, do português José Luís Arnaut para presidir a uma comissão independente para o estudo do desporto
europeu. Ver em www.independentfootballrevrew.com
228 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Contradições
Um processo amigável
Em conformidade, é necessário, antes de tudo, assumir que o desporto, para além dos seus
aspectos educativos e económicos, é uma questão social, quer dizer, um problema de liberdade e
justiça que contribu i, na sua quota-parte, para o próprio desenvolvimento humano. A este respeito,
Amartya Sen (2003) defende que o desenvolvimento humano tem de ser visto como um processo
amigável, friendly process, que deve estar inti mamente relacionado com a expansão da liberdade
para usufruto das pessoas. Parafraseando, em muitas e demasiadas situações neste país, o desen-
vo lvim ento do desporto está longe de ser um "processo amigáve l" a® serviço dos portugueses,
sobretudo dos mais desfavorecidos.
Quer dizer, o desenvolvimento do desporto do futuro obriga, a partir das noções de liberdade e
de justiça e dos vínculos sociais, políticos, psicológicos e económ icos que lhes estão associados, a
avançar para um esclarecimento profundo acerca do lu gar que o desporto deve ocupar na socie-
dade. Assim, as questões que podem animar o debate sobre o desenvolvimento do desporto em
Portugal devem colocar-se nos seguintes termos:
· · Liberdade
Qual a estrutura e a dinâmica de uma concepção política em matéria de desporto que no qua-
dro das cond ições económicas e sociais da sociedade portuguesa permitam uma articulação justa,
coerente e operacional entre as duas grandes categorias de prática desportiva, tendo em atenção
que a promoção da massa de praticantes que assegura a iguald ade só funciona se estiver garantid a
- - - --- - -- ---------· -~---- ~-~-----·-------.,...,,...
Vivemos num Mundo plural em que, como se disse, o desporto se desagrega nas mais diversas
actividades e se distribui pelos mais variados grupos de interesse. Esta situação obriga a um esforço
intelectual (teórico) para, à margem de qualquer egoísmo de classe, encontrar os caminhos que per-
mitam um diálogo entre pessoas que nascem, vivem e morrem em contextos económicos, sociais e
culturais muito diferentes. Ora, isto só é possível a partir do conceito de "posição origin al".
Segundo John Rawls (1997, 2001), a "posição origina l" parte de uma situação hipotética em que
num dado momento os Homens, como seres racionais, acordam em associar-se para realizar fins,
satisfazer necessidades e alcançar a justiça e, em consequência, o desenvolvimento. Segundo o
autor, ex istem dois princípios a respeitar:
1. Iguald ade na repartição dos direitos e deveres básicos;
2. As desigualdades só são justas se forem geradoras de benefícios compensadores para todos,
em especial para os mais desfavorecidos.
Cooperação
Assim, o desenvolvimento do desporto só pode partir de uma ideia de cooperação entre todos,
o que exclui à partida qualquer privilégio monopolista no que diz respeito às mais diversas áreas e
sectores de prática desportiva, sob pena de ficarem prejudicadas as leis do jogo da cooperação. Ora,
este é um dos principais problemas do Modelo Europeu de Desporto que originará, certamente,
muita discussão na União Europeia durante os próximos anos, na medida em que va i ser necessário
responder às seguintes questões:
1. Como é que pode existir cooperação se não está garantida a diversidade?
2. Como é que pode exist ir cooperação na base do pensamento único?
3· Como é que pode existir cooperação se se privilegia um modelo único de prática desportiva?
Massa-elite
Por outro lado, a "posição original" tem de esclarecer a relação massa-elite que deve presidir às
políticas desportivas. Esta é uma ve lh a questão que, no fundo, procura esclarecer o valor da "elite
correspondente" (Paz, Castejon, 1973) na gestão e contro lo das políticas desportivas.
Elites
Tal como defendemos a diversidade em matéria de prática desportiva, assim também defendemos
a promoção e o apoio às elites de praticantes. No desporto, tal como em muitas áreas socia is, nem
todos são iguais. Os praticantes desportivos têm capacid ades e interesses distintos, pelo que, em con-
sequência, as elites desportivas devem assumir em termos desportivos estatutos e papéis diferentes e
serem justamente recompensadas por isso. Contudo, a elite de praticantes não pode aumentar até um
ponto em que, pelos recursos que consome, começa a prejudicar a massa de praticantes desportivos.
230 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus
Assim, tem de ser encontrado um limite, e esse limite é estabelecido pela elite correspondente 66 que é
aquela que deve corresponder aos praticantes de base reais, pelo que em boa política a elite real deve
ser igual à elite correspondente. Nestes termos, a elite assume a sua função de promoção da massa de
praticantes que, aumentando, justifica o posterior aumento da elite.
Desigualdades
66
Segundo Castejon Paz (1973), é necessário distinguir a elite ideal duma elite que se designa por "correspondente". A pri-
meira define-se em relação aos praticantes possíveis. É a elite que corresponde idealmente ao número de prat'lcantes pos-
síveis. Em contrapartida, a elite correspondente define-se em relação ao número de praticantes reais. É a elite que deve
existir de acordo com o número de praticantes reais, quer dizer, aqueles que, de facto, existem. Repare-se que a elite real,
a que verdadeiramente existe, pode ser igual, menor ou maior do que a elite correspondente, tirando-se daí as ilações
necessárias em termos de política desportiva.
-~--~-------------------~
O sistema fechado que hoje caracteriza o Modelo Europeu de Desporto já não apresenta, por isso, as
potencialidades promotoras da justiça e da equidade que de alguma maneira o caracterizaram durante
os seus tempos originais. Na realidade, um modelo de desenvolvimento do desporto bem ordenado
deve garantir a liberdade, a verdade, a probidade, a lealdade e a honradez, numa atmosfera de responsa-
bilidade e autenticidade, o que pressupõe, desde logo, a ausência de monopólios constrangedores.
Decorre do que foi dito que o desenvolvimento do desporto também é um conceito normativo,
que representa uma determinada ideia de mudança social, num dado sistema sociopolítico, refe-
renciado no espaço e no tempo. Em conformidade, deve obedecer a um conjunto de princípios que
passamos a enunciar.
1. Princípio da responsabilização do Estado. Quando se trata de analisar o papel do Estado no
desporto não se trata de uma questão de quantidade mas de qualidade. Não se trata de haver
mais ou menos Estado. Trata-se de ter um Estado com uma focagem certa em relação aos
aspectos económicos e sociais da sociedade desportiva onde está a intervir. Neste domínio, o
Estado não pode ser "amnésico", esquecendo as suas obrigações naquilo que diz respeito à
correcção das assimetrias económicas e sociais, nem pode ser "cego", ao ponto de ter uma
política desportiva indiferenciada para a generalidade da população ou mesmo promovendo e
acentuando as assimetrias do país. O Estado tem de ter uma acção inteligente que se deve
traduzir em benefício das populações. Mas, quando é que se justifica a intervenção do
Estado? Em nossa opinião, os critérios são quatro: (1. 0 ) Quando o interesse de minorias com
capacidade de reivindicação e organizadas em lóbis se esteja a sobrepor ao interesse das
maiorias sem capacidade reivindicativa. Ou quando minorias desprotegidas estejam a ser
ignoradas, no quadro do desenvolvimento do país; (2°) Quando a sociedade civil não res-
ponde, por incapacidade ou desinteresse, às necessidades sociais; (3. 0 ) Quando a boa utiliza-
ção de dinheiros públicos estiver em jogo; (4. 0 ) Quando o prestígio e a dignidade nacional
estiverem em causa. A este respeito, Amartya Sen (1999) pergunta como é que os direitos
podem ter qualquer valor senão através da responsabilidade do Estado, enquanto autoridade
máxima? Muito embora não se descarte a responsabilidade do Estado garantir o pleno cum-
primento dos direitos, há que considerar a perspectiva de que eles podem ser muito melhor
cumpridos }:',nquanto considerados num sistema de valores éticos ao serviço da humanidade
do que ape~as através de normas legais produzidas pelo próprio Estado;
2. Princípio da globalidade. O desenvolvimento aplica-se ao todo humano. O Homem, por um
lado, tem de ser entendido na sua globalidade, por outro, como medida de todas as coisas.
O desenvolvimento é, por isso, uma questão de dignidade da pessoa na salvaguarda dos
seus direitos de cidadania. Representa uma visão de conjunto das dimensões de um todo
humano e a diversidade dos aspectos da vida que devem ser assumidos, como, entre outros,
a educação, a saúde, a cultura ou o desporto. Nesta conformidade, não faz sentido pensar-se
no desenvolvimento do desporto à margem do desenvolvimento do país, sob pena do des-
porto dar origem a uma nova casta que acaba por viver à custa das misérias culturais, econó-
micas e políticas do povo. "Abaixo os privilegiados, artistas e desportistas" eram as palavras
que se liam em alguns cartazes em Berlim, aquando da queda do muro;
3· Princípio da teleologia funcional. Sendo a teleologia a ciência que estuda as finalidades, pro-
cura determinar a acção directa que o fim exerce sobre os meios. É necessário conhecer a
razão da existência do desporto. Temos de saber para que serve o desporto, isto é, utilizando
as palavras de Peter Drucker (1989) 67 , qual é o "negócio" do desporto, quais os seus objectivos
67
Drucker, Peter (1989). Inovação e Gestão - Uma Nova Concepção de Estratégia de Empresa. Lisboa, Biblioteca de Gestão Moderna.
232 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
e as suas metas, quais as concepções de ordem filosófica. É que entre colocar o desporto ao
serviço do cidadão ou o cidadão ao serviço do desporto va i um mundo de possibilidades que
podem configurar as mais diversas ideologias;
4· Princípio da autodeterminação. As decisões fundamentais relativas ao desenvolvimento de um
sistema não lhe podem ser exteriores. O efeito sinérgico só é conseguido se o sistema mantiver
a sua identidade, conseguida através do usufruto de um estatuto de independência. Embora o
princípio da integração seja de fundamental importância, há que evitar a possibilidade de todo o
processo descambar numa total subordinação do desporto aos demai s su bsistemas. Quer isto
dizer que o desenvolvimento do desporto deve ter sempre presente o quadro desportivo, na
medida em que, em quaisquer circunstâncias, ele deve ser prioritário quando se desenvolvem
políticas desportivas. Por isso, o desenvolvimento tem de ser endógeno, isto é, cada sistema
tem de encontrar as forças internas necessárias para a sua evolução e progresso. Tem de estar
sustentado na construção de sinergias internas de forma a poder s?breviver;
5· Princípio da prioridade estrutural. É necessário conseguir estabelecer alterações na estrutura
do sistema. Deste modo, têm de ser previamente identificados os factores de desenvolvimento
estruturantes, estabelecida uma hierarquia de prioridades, no sentido de ultrapassar os estran-
gulamentos e as dificuldades. Não existem sistemas estáveis, no entanto, os limites da sua
mobilidade devem ser determinados pelos princípios de ordem ideológica que Q devem orien-
tar: (1. 0 ) Por finalidades que determinem a razão da sua existência; (2. 0 ) Por um quadro de
metas e objectivos que deve procurar atingir; (3- 0 ) Pelos meios e os processos de actuação;
6. Princípio da transformação graduada. O futuro está em conseguir idealizar uma so lução
que, por um lado, não dê continuidade total ao sistema, mas que, por outro, não crie uma
ruptura total. Em conformidade, é necessário distinguir três realidades distintas. A primeira
diz respeito à necessidade de determinar o que deve ser substituído, a segunda o que deve
ser melhorado e a terceira o que deve ser aproveitado. Ora, isto só pode ser conseguido, de
uma forma participada e integrada, em cada área, sector e etapi 8 do fenómeno desportivo,
de uma forma progressiva e graduada. É necessário partir de um quadro de princípios para
que possam ser definidos objectivos, conçebidas estratégias alternativas, formaliz adas em
políticas e articuladas no tempo;
1· Princípio da continuidade funcional. Q sistema não pode parar. Os cortes processam-se no
domínio das id eias. Devem ser evitados cortes radicais entre o novo e o velho. As transforma-
ções devem ter em conta o sistema existente e em funcionamento . Deve-se procurar uma arti-
cu lação harmoniosa entre a tradição e a modernidade. Uma via de transformações com um
carácter reformista trata de introduzir, em cada local e em cada momento, medidas no sistema
que o conduzam a melhorar as suas performances e não a substituí-lo. O que se deve procurar
é descobrir as razões di sfuncionai s do sistema desportivo, de forma a serem encontradas as
so lu ções ajustadas ao seu desenvolvimento;
8. Princípio do equilíbrio. O desenvolvimento do desporto deve processa r-se de uma forma equili-
brada, tendo em atenção que, no planeamento da di stribuição dos recursos, tem de se ter em
atenção não só a situação dos diversos segmentos socia is do país, a dimensão espacia l do pro-
cesso de desenvolvimento, mas também uma justa e coerente articulação dos vários programas
68
O conceito de "etapa" determina os períodos de tempo entre os diversos momentos da vida de um praticante desportivo,
que vão desde a animação, até à recreação, à manutenção, à alta competição e ao profissionalismo. Do ponto de vista
formal, assume diversas classificações, a depender das modalidades: infantil, iniciado, juvenil, júnior, senior.
Dionisio e o Desenvolvimento [ 233
e projectos entre si . Este princípio estabelece uma íntima relação com o princípio da desconcen-
tração e descentralização;
g. Princípio da garantia dos recursos mínimos. Deve ser conseguida uma boa correspondência
entre os objectivos e os recursos para que, em termos temporais e espaciais, o desenvolvi-
mento se processe de um a maneira uniforme. O desporto constitui um direito cuja satisfa-
ção o Es tado deve procurar assegurar, na medida do que é justo e legítimo;
10. Princípio da interacção. O sistema desportivo para sobreviver e desenvolver-se tem de criar
mecanismos e projectos de interacção e entreajuda com todos os outros sistemas sociais.
Deve m ser estudadas as possibilidades de cooperação com outros sistemas, tais como a
saúde, a juventude, o trabalho, a justiça, o turismo, etc. Aqui levanta-se outra questão de fun-
damental importância. Então quem é que tem o dever de suprir um direito , quando não
existe um dever perfeito> Para Amartya Sen, a resposta a este direito tem de ser encontrada
na sociedade, entre aqueles que estão em posição de poderem aj udar. Desta perspectiva sur-
gem duas situações distintas. A primeira caracteriza-se pelos direitos que as pessoas têm
mas não são cumpridos. Esta situação tem a ver com os direitos de cidadania , pois o que
está em causa é a democraticidade do regime. A segunda, a re lativa aos dire itos im perfeitos,
quer d izer, aqueles que embora sejam reconhecidos não são, pelas mais diversas razões,
supridos, o que abre, de facto, a possibilidade à intervenção das mais diversas organizações;
11. Princípio da integração. Deve existir, a nível da concepção da po lítica global, uma articula-
ção e coordenação entre os vários subsistemas sociais que intervêm directa ou indirecta -
mente no processo desportivo. Enquanto que com o princípio da interacção se procurava
uma inter-ajuda de efeitos benéficos para ambas as partes, com o princípio da integração o
que se visa é a construção de políticas desportivas rea lizadas por diferentes organismos,
mas com objectivos comuns. O que se nota, na maioria das vezes, é que não existe uma
política desportiva, mas a coexistência de várias po líticas desenvolvidas por d iversos organis-
mos do sistema desportivo, sem qualquer articulação entre si;
12. Princípio da descentralização. O desenvolvimento deve ter como objectivo, por um lado,
detectar e corrigir as assimetrias regionais, e, por outro, ter em atenção o quadro cu ltural de
cada região, respeitando as suas normas, os seus valores, as suas tradições e as suas reais
capacidades de participar no desenvolvimento. O princípio em causa diz-nos que é uma
injustiça e, ao mesmo tempo, um sério mal e uma perturbação do desenvolvimento atribuir
a uma unidade orgânica de maiores d imensões e dum nível mais alto aquilo que unidades
subordinadas e menores podem, até com vantagens acrescidas, fazer (princípio da subsida-
riedade). E é assim porque toda a actividade social deve, por sua própria natureza, propor-
cionar uma ajuda aos membros do corpo socia l e nunca acabar com eles ou absorvê-los
69
(Schumacher, 1g8o) ;
13. Princípio da optimização de meios. Sendo o sistema desportivo constituído por vários sub -
sistemas, têm que ser idealizados os mecanismos conducentes a uma rentabilização óptima
dos recursos disponíve is, no respeito por cada uma das partes. Nenhum sistema pode viver
sem as ajudas e sem as contribuições daqueles que, a diversos níveis, podem protagonizar o
desenvolvimento. São eles que vão estabe lecer as pontes necessárias e, consequentemente, a
co municação entre o ambiente burocrático e o poder político. Deste modo, os portadores de
69
Ernest Schumacher (1980). Sma/1 is Beautiful- Um Estudo de Economia em que as Pessoas Também Contam. Lisboa ,
Publicações Dom Quixote, 1' ed. original, 1973-
234 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
conhecimento serão, cada vez mais, os actores que vão funcionar, tanto no ambiente burocrá-
tico como no ambiente político. São eles que vão reduzir as incertezas e preparar e integrar
com sinergia a decisão política. São aquilo que podemos denominar de comissões interacti-
vas, constelações de trabalho de apoio à decisão ou constelações de conhecimento que, ao
integrarem as mais diversificadas e significativas sensibilidades do sistema, garantem o prin-
cípio da participação e, consequentemente, uma melhor decisão;
14. Princípio da participação. O processo de desenvolvimento desportivo tem de proporcionar
um mínimo de condições para conduzir os cidadãos a criarem hábitos desportivos e enten-
derem o seu significado. Consequentemente, a sua participação deve estar sempre garan-
tida, bem como a liberdade fundamental dos indivíduos e grupos participarem ou não no
desporto, escolherem a sua modalidade ou associarem-se livremente nos mais diversos pro-
jectos. A cada Homem devem ser proporcionadas condições e oportunidades para um apro-
veitamento global das suas capacidades segundo as suas próprias aspirações. O desenvolvi-
mento é feito pelas pessoas para as pessoas, e para as comunidades em geral. Deste modo,
a dimensão da participação das populações é, em nossa opinião, uma forte componente
que separa um processo exclusivamente vocacionado para o crescimento de um outro com
objectivos no domínio do desenvolvimento;
15. Princípio da responsabilidade. O sistema desportivo deverá, através da mediaÇão da organi-
zação política, ser responsabilizado perante o sistema social. Entenda-se que o Estado tam-
bém faz parte do sistema desportivo e, como tal, tem a sua quota-parte de responsabilidade,
sobretudo nos domínios do financiamento, da função legislativa e da função de controlo. A
burocracia desportiva configurada pela Administração Pública terá de dar origem a uma
burocracia à qual se deve acrescentar uma visão científica e humanística da problemática
desportiva. É ela que deve estar ao serviço dos cidadãos e não estes ao seu serviço;
16. Princípio da igualdade e do direito à diferença. Este princípio diz-nos que a todos os
Homens em geral e a cada Homem em particular devem ser proporcionadas condições
para o pleno aproveitamento das suas capacidades segundo as suas próprias aspirações
(Perroux, 1981). Deste modo, não devem ser estabelecidas discriminações entre os indiví-
duos. Este princípio conduz-nos ao problema da "igualização de oportunidades", que deter-
mina que, para que as oportunidades sejam iguais para todos, não devem ser estabelecidas
discriminações entre os indivíduos. Desenvolver é homogeneizar, anular disparidades e
desigualdades, isto é, no respeito pelo princípio da equidade, proporcionar às populações
igualdades de direitos no acesso aos equipamentos e práticas desportivas. A partir daqui,
coloca-se a questão das políticas desportivas desenvolvidas para a generalidade da popula-
ção e as direccionadas para as elites. Tem de haver uma justa relação, no pressuposto que
nem as elites desportivas dependem dos praticantes de base nem os atletas de alta compe-
tição podem ser factores únicos de promoção do desporto. O conceito de elite "correspon-
dente"70, em termos de "ciclos de desenvolvimento" do desporto, possibilita a abordagem
desta questão de uma forma séria e justa71 ;
70
Recorda-se que a elite correspondente é aquela que, em termos teóricos, deve corresponder aos praticantes reais (aqueles
que na realidade existem) (ver nota 66).
71 A teoria dos ciclos de desenvolvimento do desporto decorre de um trabalho realizado para o Conselho da Europa por
André Van Lierd. Cruzando as conclusões do trabalho de Van Lierd com a obra de Rostow (1978}, As Etapas do Desenvolvi-
mento Económico, foi possível idealizar um processo idêntico para desporto em que o desenvolvimento se processa
segundo um ciclo de três fases, a saber: a fase de promoção; a fase de formação; a fase de (re)organização. Nenhuma des-
tas fases funciona só por si, já que o seu nome representa exclusivamente uma tendência nos processos organizacionais.
--
Dionísio e o Desenvolvimento [ 235
1]. Princípio do direito de livre escolha. A importância deste princípio relaciona-se com a necessi-
dade do sistema desportivo engendrar soluções que garantam a liberdade de participação e de
escolha a todos os seus intervenientes. Processos de "desenvolvimento" centrados em políti-
cas desportivas de massas, isto é, dirigidas a uma população amálgama e indiferenciada,
devem dar origem a políticas desportivas centradas na satisfação das necessidades singulares
dos diferentes grupos sociais;
18. Princípio da coerência. O sistema desportivo, na sua diversidade, deverá ser organizado
tendo em atenção a sua unidade perante a sociedade, na medida em que as políticas des-
portivas não podem ser geradoras de novas injustiças. Pelo contrário, devem ser dirigidas,
sobretudo quando se trata de apoios substanciais por parte do Estado, àqueles que dela
mais têm necessidade e não àqueles que têm capacidade reivindicativa;
19. Princípio dos deveres perfeitos. Os direitos humanos ligam ao desenvolvimento a ideia de
que todos são responsáveis por facilitar e melhorar o próprio desenvolvimento humano. A
questão está em saber quais as acções estratégicas e os esforços que as diferentes entida-
des devem empreender para a realização de direitos humanos, projectando-as no sentido de
promover o correspondente desenvolvimento. Significa, em suma, uma abertura à respon-
sabilização dos diversos actores e instituições sociais, aqueles que, segundo Amartya Sen,
estão em posição de poderem ajudar, sempre que os direitos humanos e o desenvolvi-
mento estiverem por cumprir.
Como já referimos, qualquer direito, em princípio, requer que lhe esteja associado um dever que
terá de ser atribuído a alguma entidade. Se não estiver determinado a quem compete o dever de
suprir um determinado direito, esse direito não passa de uma ilusão. O Relatório de Desenvolvimento
Humano (2000), aliás na sequência do que Amartya Sen já explicara, afirma que aqueles que defen-
dem os direitos e deveres, na forma de deveres perfeitos, quer dizer, quando existe entre ambos uma
relação biunívoca, tendem a ser, normalmente, bastante intolerantes com o discurso dos "direitos",
independentemente de se indicarem os agentes que têm o dever de assegurar o cumprimento desses
direitos. A não ser assim, os direitos humanos não passam de conversa fiada (!oose talk).
A aplicação do quadro teórico que temos vindo a desenvolver, bem como dos princípios enun-
ciados, leva-nos agora a considerar o conceito de nível desportivo.
Nível desportivo 72
72
Castejon, Paz (1973). Para este autor, o termo nível desportivo pode ser substituído por uma expressão análoga, como,
por exemplo, desenvolvimento desportivo.
236 ] Agôn 1Gestão do desporto I O jogo de Zeus
o objectivo máximo de toda a política desportiva. Nesta conformidade, o nível desportivo é um índice
que nos possibilita ter uma visão global do mundo do desporto, através de uma relação, expressa pela
razão entre o número de praticantes de base e o número de praticantes de elite (Castejon Paz, 1979).
Objectivos
Visão de conjunto
Podemos admitir que o processo de desenvolvimento do desporto acaba por ter expressão final
naquela relação, já que se existem praticantes de elite e de massa é porque existem estruturas de
suporte que possibilitam a existência daqueles praticantes e, em consequência, wm maior ou
menor nível desportivo. Uma política desportiva não pode ser eficaz se não tiver uma visão de con-
junto de todo o sistema. É necessária uma "óptica global" para se poder compreender o sistema e
comparar programas e projectos, fundamentalmente no que diz respeito à relação massa-elite, na
exploração de uma conjugação virtuosa, promotora de sinergias.
Coordenação
Uma ideia de nível desportivo promove uma coordenação eficaz entre as diferentes categorias
iJe objectivos. Se, por um lado, entre a relação massa-elite podem existir aspectos complementares,
por outro, existem, como facilmente se pode verificar, aspectos que são geradores de confiitos. A
gestão destes confiitos só é possível, em primeiro lugar, ultrapassando esta visão bipolar do fenó-
meno desportivo, em que tudo é reduzido ou à massa ou à elite, e, em segundo, promovendo uma
boa articulação dos objectivos, utilizando os diversos elementos que configuram os vários quadros
que organizam o desporto. Tudo isto, em função das necessidades sociais económicas ou educati-
vas que se desejam suprir, tendo em atenção o "agôn" do princípio da equidade. Entra-se, assim,
num domínio da discussão do conceito sob o ponto de vista ideológico·, com a possibilidade conse-
quente de poderem ser avaliadas e aferidas políticas desportivas.
Comparar políticas
Para que o conceito de nível desportivo possa ter um verdadeiro significado, tem de ter a possi-
bilidade de ser referenciado em termos relativos, já que um nível desportivo em termos absolutos
de pouco servirá. Deste modo, é necessário apurar em termos globais o resultado do levantamento
da situação desportiva e, em fase de planeamento, determinar objectivos a médio e longo prazos, a
fim de idealizar, planear e programar políticas de acordo com eles.
Integração
cultural alargado à generalid ade da popul ação através de um a boa, variada e criativa utili zação do
tempo livre. Um bom nível desportivo estabelece o "agôn" do país e a sua propensão para a competi-
ção num quadro de economia globa l.
.....Cll
w
EI ~--------------------------------~ SD I
ER 1---- - - - - -----,-'
SDR
PR PI Base/Massa
Legenda: D- Distância; ER - Elite real; EI - Elite ideal; PR- Praticantes reais; PI - Praticantes ideais.
Valor relativo
Ao contrário do conceito de situ ação desportiva, que é um conceito absoluto, o de nível desportivo
é relativo. Daí o poder cumprir a função de comparação de políticas desportivas, o que em termos de
desenvolvimento é o que mais nos interessa. Em conformidade, o nível desportivo é-nos dado pela
distância entre uma situação rea l e uma ideal (ver quadro 39). A situação ideal é obtida por conven-
ção. Por exemplo, entende-se que a relação ideal entre praticantes de elite e praticantes de base é de
4/10 ooo a 15j1 o ooo, a depender ?as situações (é necessário co nsiderar se estamos a tratar de
modalidades colectivas ou de modalidades individuais), o que significa dizer que para dez mil prati-
cantes de base a elite correspondente é de 4 a 15 atletas de alta competição. Ass im, o nível desportivo
duma região ou dum país será tanto maior quanto menor for a distância entre a sua situação despor-
tiva real e a idea l. Deste modo, podem, como se disse, comparar-se diferentes realidades, na medida
em que se compara em cada uma as distâncias da situação rea l à ideal.
No que diz respeito à massa de praticantes, o valor ideal é também obtido por convenção. Esta
convenção deve respeitar um modelo que relativize o número id ea l de praticantes de base de cada
país relativamente ao número de pratica ntes reais e ao seu índ ice de desenvolvimento humano.
O va lor da distância é obtido pela expressão:
Em que: D- Di stâ ncia; ER- Elite real; EI - Elite ideal; PR- Praticantes reais; PI - Praticantes ideais.
238 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus
Um dos momentos cruciais que todos os anos se vivem no mundo do movimento desportivo é
o da atribuição do subsídio anual por parte da Administração Pública às federações. Bem vistas as
coisas, este processo está transformado num jogo de soma igual a zero, quer dizer, num jogo em
que os benefícios obtidos por qualquer federação desportiva só podem ser conseguidos à custa do
prejuízo das outras. Em conformidade, a pergunta que urge fazer é a de saber se vale a pena conti-
nuar a insistir neste jogo de ilusões? Estamos em crer que não porque já desde os anos sessenta
que se ensaiam modelos, como o do inspector da Direcção-Geral de Educação Física e Desportos,
Salazar Carreira, sem que alguma vez se tenha chegado a uma solução minimamente satisfatória.
Valerá a pena continuar a apostar nas mesmas soluções, à espera de obter outros resultados?
Contudo, a questão em causa obriga a fazer as opções que ninguém quer fazer, na medida em
que, em última análise, se trata de decidir a distribuição de recursos escassos. Contudo, existem
alguns mecanismos que podem ajudar ao processo de tomada de decisão. A lei dos rendimentos
decrescentes é um deles. Esta lei tecnológica, que pode ser aplicada às mais variadas actividades, no
que diz respeito ao desporto, permite ajudar a determinar aquilo que se designa por elite correspon-
dente e, deste modo, estabelecer uma relação lógica entre a massa e a elite, fazendo com que as
decisões nesta matéria deixem de estar eivadas de meros circunstancialismos e interesses mais ou
menos pessoais, para ganharem a objectividade da racionalidade económica. A lei em causa diz-nos
que ao aplicarem-se acréscimos iguais de um factor variável a uma quantidade constante de um fac-
tor fixo se obtém uma produção adicional cada vez menor. Transpondo para o desporto, diremos
que, considerando uma massa de praticantes constante, ao investir-se nos praticantes de elite, a par-
' tir de um dado momento, obtém-se uma produção adicional de atletas de elite cada vez menor.
Quer dizer que a elite real poderá aumentar com redução de custos até um ponto de in~exão (rendi-
mentos crescentes), a partir do qual começará a ter custos cada vez mais elevados (rendimentos
decrescentes), pelo que deixa de ter qualquer interesse continuar a investir recursos no seu aumento
qualitativo e ou quantitativo, porque mais não se está a fazer do que a alimentar a burocracia. Nestas
circunstâncias, deve-se apontar as políticas desportivas para a promoção da massa.
Dionísio e o Desenvolvimento [ 239
Ponto de inflexão
O momento a partir do qual não interessa investir mais na elite é simbolizado por aquilo a que
se designa por elite correspondente, que é a elite que deve corresponder ao número de praticantes
de massa existentes. A partir deste conceito é possível determinar a política desportiva que, na
perspectiva da procura de um justo equilíbrio, deverá ensaiar fazer coincidir a elite real de um país
com a sua elite correspondente. É evidente que quando a elite real é menor do que a elite corres-
pondente as políticas têm de ser dirigidas para a promoção da elite. Mas quando a elite real é
maior do que a elite correspondente é porque as políticas desportivas têm de ser dirigidas para a
promoção da base, de modo a restabelecer o equilíbrio do sistema. Contudo, como estamos no
domínio do social, continua a existir uma margem de manobra no que diz respeito às opções em
matéria de política desportiva.
Para que o nível desportivo possa ter um valor relativo, quer dizer, de modo a poder comparar
diferentes realidades desportivas, há que relativizá-lo (ver quadro 40). Para o efeito, estabelecem-se
dois rácios, considerando os valores ideais e reais (valor real sobre o valor ideal), que serão sempre
menores ou iguais à unidade uma vez que os valores reais serão sempre mais reduzidos do que os
ideais. Considera-se, ainda, que a situação ideal no sistema de eixos cartesianos é igual à unidade.
1----------------------------------~SDI
ER t - - - - - - - T · · ------------------
EI SDR
PR Base/Massa
PI
Legenda: ER- Elite real; EI- Elite ideal; PR- Praticantes reais; PI- Praticantes ideais; D- Distância: SDR- Situação desportiva
real; SDI- Situação desportiva ideal.
Em que: D- Distância; ER- Elite real; EI - Elite ideal; PR- Praticantes reais; PI -Praticantes ideais.
240 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus
A fórmula que expressa o nível desportivo a duas dimensões é a que a seguir se apresenta 73:
Num sistema a três dimensões a expressão é análoga (ver quadro 41). Nesta situação, pode-
mos considerar três elementos desportivos na determinação do nível desportivo. Para além dos
considerados anteriormente, podemos considerar, por exemplo, os técnicos direccionados para a
elite ou os direccionados para a generalização da prática desportiva, as instalações, os dirigentes
etc. Na nossa fórmula vamos considerar o elemento 1 (E1), o elemento 2 (E2) e o elemepto 3 (E3) .
z
~------------------------------~ 501
Legenda: E- Elemento; R- Real; I - Ideal; D- Distância; SDR- Situação desportiva real; SDI -Situação desportiva ideal.
73
Utilizamos a palavra dimensões, podíamos utilizar variáveis.
Dionísio e o Desenvolvimento ( 241
D= J(1 _~)
Ell,
+ (1 _~)\ (1 _Q&
2
El1 El1 2 3
r
Em que: EIR- Elemento real; Ell- Elemento ideal; D- Distân cia.
A fórmula qu e expressa o nível desportivo a três dimensões é a que a seguir se apresenta:
Finalmente, vamos generalizar para uma situação â n dimensões que pode ser utilizada em fun-
ção de cada realidade que se deseja apurar, os dados disponíveis e os prazos a cumprir. A distância
a n dimensões é dada pela expressão:
D =J(_Q&)2
1
Ell
1
~)2
+ ... + Ell 11
Situação portuguesa
AGONGD-16
242 ] . Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Objectivos do capítulo. Apoio é o deus dos profecias. Assim, o presente capítulo, oo versar os
questões do planeamento, só pode ser dedicado oApoio, odeus copoz de prever ofuturo. Por isso,
vamos trotar dos questões do tempo, do mudança e do futuro necessário. Mos Apoio também é o
deus do ordem e dos regras, pelo que os questões do planeamento têm umo importôncio fundo-
mentol no harmonia, no beleza, no cortesia e no domínio de si, aspectos que devem caracterizar o
estilo daqueles que gerem os organizações_ Apolo, no gestão, represento umo cultura de atribuição
de papéis, que se sustento no copocidode de prospectivo necessário o qualquer gestor. Por isso,
vamos considerar no presente capítulo os vários aspectos que caracterizam o ploneomento, bem
como os suas categorias. No planeamento é o projecto que está em couso, pelo que otrabalho do
organização pode ser dividido olé ser encontrado um fluxograma mais lógico que represente o
papel de codo elemento dentro do organização.
~
/ideia de planeamento surgiu certamente da necessidade que os humanos têm de conhecer o
fu o, na presunção de que o podem controlar. Partiu da urgência em compreenderem as grandes
te ências que governam a vida das pessoas e das organizações, de maneira a tornarem possível
u acção em consonância com ela s. Mas os Homens têm consciência de que sendo o futuro
incognoscível é necessário haver uma ideia acerca do futuro que desejam construir, sob pena de
poderem vir a não ter futuro algum. Este é o grande paradoxo do processo de planeamento, na
medida em que sendo o planeamento formado por um conjunto concertado de acções conhecidas
tem por objectivo organizar um futuro que se desconhece.
A necessidade de se ter uma visão clara acerca do futuro obriga à existência de um processo de
planeamento mais ou menos formalizado para que o futuro que se deseja possa vir a acontecer. Em
conformidade, só uma actuação corajosa tendo em conta a necessidade de esclarecer uma estratégia
de desenvolvimento do desporto, que no quadro de cada região, organização ou empresa, considere
as suas potencialidades enquanto agente de educação, de cultura, de lazer e de economia, pode dar
ao planeamento a importância que deve ter e, deste modo, libertar o desporto do estado generali-
zado de confusão em que hoje se encontra nos mais diversos países do mundo. De facto, um dos
principais problemas que se colocam ao planeamento é a falta de uma estratégia de futuro que
oriente a vida das pessoas e das organizações públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos.
244 ] Agôn I Gestão do desporto ro jogo de Zeus
8.1 A ilusão do tempo
O nosso gasto mais dispendioso é o tempo.
Teofrasto (370·287 a. C), filósofo grego
A importância do planeamento tem a ver, antes de tudo, com a própria necessidade intrínseca à
condição humana de desejar conhecer o futuro. Muito embora saibamos que é impossível conhecê-lo,
toda a dinâmica da vida nos obriga a agir como se tivéssemos algum controlo sobre o futuro. De
facto, o Homem é o único animal que sustenta o seu presente na experiência do passado e no futuro
que deseja construir. Existe, pois, uma história do futuro que tem acompanhado a humanidade ao
longo dos tempos porque, através dos mais variados processos, o Homem, a partir da experiência do
passado, sempre foi tentado a adivinhar o futuro, na presunção de que, se for capaz de o desvendar,
passará a exercer sobre a vida alguma espécie de controlo. No entanto, hoje sabemos que enquanto
que o domínio do espaço, nas suas várias acepções, é uma conquista que tem vindo a progredir, por
vezes a uma velocidade vertiginosa, já a conquista do tempo encontra-se envolta num enorme misté-
rio, impossível de desvendar. Por isso, a conquista do tempo é uma eterna ilusão que caminha a par
da história da humanidade. Mas apesar de tudo isto o Homem continua a prever, tend'o mesmo à
partida consciência de que as previsões serão muito provavelmente falsas.
Quando tomamos consciência da volatilidade do conceito de tempo, sem que o saibamos expli-
car, passou,se uma vida. Vivemos um tempo complexo, de grande precariedade, associado a uma
enorme aceleração. E de tal maneira que as pessoas deixaram de se interessar para onde estão a ser
conduzidas, na medida em que a única coisa que as preocupa é saber a que velocidade lá vão che-
gar. Não lhes interessa aonde, nem porquê. Querem chegar o mais depressa possível, muito embora
acabem, na grande maioria das vezes, por não chegar a lado nenhum. Em conformidade, se não per-
cebem o que estão a viver, e, muito menos, o que se está a passar, perderam a noção do tempo.
O desporto tem sido vítima deste tempo precário que corre a velocidade alucinante, e da inca-
pacidade dos seus actores perceberem a dinâmica presente do passado, do presente do presente e
do presente do futuro e, em conformidade, a dialéctica entre importância e urgência. Quer dizer, se
por um lado não chega esperar que as coisas aconteçam, por outro não vale a pena andar depressa
Apoio e o Planeamento [ 245
demais. Como já tivemos a oportunidade de referir, há que destrinçar aquilo que sendo importante
não é urgente, daquilo que sendo urgente não é importante. Vejamos porquê.
Ainda o sistema desportivo não tinha digerido os resultados de Barcelona, já estava a imprimir
uma velocidade louca para chegar a tempo a Atlanta, a Sydney e a Atenas. Entretanto, já há quem
esteja obcecado por Pequim, por Londres, em 2012, e até pelos jogos de 2016 ou 2020, sem que os
problemas básicos do desporto nacional, da formação à alta competição, no âmbito do designado
Modelo Europeu de Desporto, ou outro, tenham alguma vez sido discutidos de uma forma compe-
tente, alargada e organizada. O que é facto é que enquanto o país apresenta as mais baixas taxas de
participação desportiva da Europa, os dirigentes desportivos parece só pensarem na realização dos
jogos Olímpicos em Lisboa.
Os dirigentes da cúpula do sistema não têm sido capazes de criar o tempo e o espaço necessá-
rios no que diz respeito à organização do futuro, isto é, não têm sido competentes para separarem
aquilo que é importante daquilo que é, simplesmente, urgente. A velocidade imprimida pela civiliza-
ção pós-industrial dificulta-lhes a tarefa de compreenderem o espaço organizacional em que vivem,
pelo que estão a ser consumidos pela velocidade do::;. segundos que lhes trituram a vida e, em con-
sequência, são incapazes de organizar as horas, os dias e a vida das próprias modalidades que
dizem servi r. Por isso, o desporto federado, que tradicionalmente tem sido o motor do desenvolvi-
mento do desporto no país, estagnou nos últimos 15 anos, no que diz respeito ao número de prati-
cantes desportivos e aos recursos humanos de suporte.
É "no tempo que se produz algo de novo que não mais tem fim. E por que não dizer o mesmo
acerca do Mundo? E por que não igualmente acerca do Homem criado no Mundo? É que, procedendo
com uma doutrina sã e por um caminho recto, evitamos aqueles falsos circuitos e retornos, inventados
por enganosos pensadores", diz-nos Santo Agostinho. Se atentarmos bem, o desporto em Portugal,
sobretudo o federado, tem vivido em falsos circuitos e retornos, que o estão, mais do que nunca, a con-
duzir para lado nenhum, sem que surjam novas alternativas. Um resultado ou outro brilhante, de um
ou outro atleta ou equipa, só confirmam que "uma andorinha não faz a Primavera ".
Salários em atraso
Oitenta por cento dos clubes profissionais apresentam salários em atraso. E este dado é ainda
mais preocupante no futebol não profissional, onde 90 por cento estão em situação de débito salarial,
realidade que tende a agravar-se à medida que o Sindicato de jogadores vai recebendo novas queixas.
Mesmo sendo o escalão mais profissional de todos, também a Super Liga não escapa ao pano-
rama dos salários em atraso, apesar do cenário não ser tão desolador.
ln Norte Desportivo, 11j6j2oos
Parece que os dirigentes se esqueceram que tal como existe um "elo secreto entre a lentidão e a
memória", existe outro entre "a velocid ade e o esquecimento". Como Kundera, diremos que se o
grau de lentidão é directamente proporcional à intensidade da memória, da mesma maneira o grau
246 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Poder fátuo
Nesta sociedade em que os centros de poder já não estão onde outrora estavam, aqueles que
ainda se agarram a qualquer réstia de poder fátuo seria bom que se apercebessem que a vida lhes
foge por entre os dedos das mãos, pelo que deviam atentar nas palavras de Santo Agostinho,
quando nos diz que:
"O tempo que se vive é vida que se corta, e cada dia que passa é menos vida que nos fica".
Portanto, não tendo tempo a perder, têm, por isso mesmo, de saber dar tempo ao tempo e
geri-lo com a parcimónia necessária, de maneira a que o tempo que lhes foi dado gerir não seja
tido como tempo simplesmente perdido para eles e para os outros. ,
8.2 Mudança
Na vida as pessoas mais perigosas são aquelas que querem
mudar tudo ou nada.
Nancy Astor
À partida é necessário considerar o facto da mudança não ser necessariamente para melhor.
Contudo, num tempo de mudança, as organizações e os sistemas têm de estar preparadas para
---
Apoio e o Planeamento [ 24 7
mudar, sob pena de deixarem de ser capazes de garantir a organização do futuro. Contudo, a
mudança, segundo Edgar Schein (1985), depende de:
1. Flexibilidade da organização;
2. Grau em que cada elemento está disposto a mudar;
3· Intensidade das forças internas que forçam a mudança;
4· Crises induzidas externamente.
A nexibilidade das organizações depende das respectivas tecnologias e dos respectivos ambien-
tes, tanto interno como externo, mas depende também da disponibilidade mental das pessoas que
as constituem para aceitarem o novo.
Cultura de passado
As organizações que vivem uma cultura de passado, centrada numa prática ajustada a um mundo
que já passou, estão condenadas a morrer por não conseguirem acompanhar as novas realidades da
dinâmica social. Quer dizer, não são capazes de mudar de sigmóide de maneira a encontrarem as
novas soluções de sobrevivência. Por isso, se quiserem sobreviver, em vez de continuarem agarradas
a uma visão de passado, devem promover uma vis,ão de futuro. Para o efeito, têm de desenvolver
uma cultura de conhecimento e inovação capaz de as ajustar em tempo real às transformações que
vão ocorrendo no seu ambiente.
É evidente que sendo as organizações compostas por pessoas, a capacidade para mudarem
depende da disponibilidade mental das próprias pessoas. Esta capacidade tem a ver com o conhe-
cimento e a cultura dos seus líderes. Se as lideranças estagnaram e passaram a confundir-se elas
próprias com a organização, qualquer processo de mudança está condenado à partida, porque
implica mudar as próprias pessoas que se tornaram um entrave à necessária mudança. Se olhar-
mos para as lideranças de muitas federações desportivas podemos concluir que o desenvolvimento
da respectiva modalidade está comprometido ou não acontece de acordo com os recursos disponi-
bilizados pelo Estado ou outras entidades devido àqueles que a lideram. É evidente que quando as
pessoas ocupam a liderança das organizações há dez, quinze, vinte e mais anos, geralmente estão
pouco disponíveis para mudar. Elas podem falar em mudar mas mudam o menos possível, na
medida em que correm o risco de ser atingidas pelo processo que desencadearam.
Do ponto de vista interno, a mudança só acontece ou através de lideranças fortes ou quando o
número daqueles que julgam poder vir a beneficiar com a mudança for maior do que o daqueles
que pensam poder vir a ser prejudicados. Na realidade, como já dissemos, de uma maneira geral,
as pessoas desconfiam dos efeitos da mudança, pelo que não gostam de mudar.
Muitas vezes, diremos mesmo que quase sempre, as mudanças acontecem porque são induzi-
das externamente. Do ponto de vista interno ninguém está disponível para mudar, pelo que é a rea-
lidade externa que por si própria ou através de terceiros impõe a mudança.
A mudança se se deseja planeada obriga ao estabelecimento de consensos tanto a nível interno
como externo:
Nível interno
3· Fronteiras grupais;
4· Critérios de inclusão e de exclusão;
5· Poderes e estatutos;
6. Intimidade e amizade;
1· Recompensas e punições.
Nível externo
O que se espera do gestor de desporto é a capacidade para a cada momento determinar, do ponto
de vista interno e do ponto de vista externo, as variáveis significantes que podem promover a mudança.
Premonições
Em conformidade, as mais diversas formas de adivinhação têm sido utilizadas por todos os
povos ao longo dos tempos. Os povos antigos acreditavam que o futuro era determinado pelos deu-
ses e revelado aos Homens através de sinais e premonições. Por isso, a adivinhação tem uma longa
história, tanto nos povos do Oriente como do Ocidente. A astrologia foi praticada no Egipto, Grécia,
Índia, China e no mundo Islâmico. Eram as interpretações dos sonhos ou a interpretação espontâ-
nea de recordações que podiam significar advertências em relação a acontecimentos futuros. Os
povos antigos consideravam-nos como avisos prévios e, ainda hoje, há quem os considere pressenti-
mentos quanto àquilo que poderá vir a acontecer. Por isso, os nossos antepassados premuniam-se,
--------
Apoio e o Planeamento [ 249
precaviam-se, acautelavam-se em relação aos seus pressentimentos acerca do devir que, tal como
hoje, tentavam adivinhar de maneira a implementarem os procedimentos necessários ao seu êxito.
Tecnologias
De uma maneira geral, as interpretações do futuro baseavam-se nas mais diversas tecnologias
que passavam, entre outras, pela observação de objectos sobre os quais não havia intervenção
humana, tal como, por exemplo, as estrelas (astrologia), as linhas da palma da mão (quiromancia),
as proporções e as protuberâncias do crânio (frenologia), as folhas das plantas (botamancia), as
cartas (cartomancia), as bolas de cristal (cristalomancia), a interpretação dos sonhos (oniroman-
cia), a consulta do azeite (lecanomancia), os vaticínios a partir das malformações (teratomancia), a
abertura de diversos livros à sorte, principalmente a Bíblia (bibliomancia), a interpretação das posi-
ções de pedras atiradas para o chão, a introdução de um pau na água, ou, entre outros, o astrágalo,
primeiro osso utilizado pelos humanos há milhares de anos nos jogos de ossos para daí tirarem
conclusões em relação à previsão do futuro. Repare-se que todas estas tecnologias, que misturam
aspectos sobrenaturais e experiências da vida, em que os primeiros, ao legitimarem os segundos,
acabam por revelar em cada momento um avanço científico da humanidade, na medida em que
quem faz uma previsão parte do princípio de que as mesmas circunstâncias produzem sempre os
mesmos resultados.
Profecias
Diz a lenda grega que foi Apoio. quem ensinou aos humanos a arte da profecia. As profecias
diziam respeito tanto à vida comum como à vida política, que tinha até a ver com a própria coloni-
zação grega. Apoio estava associado aos mais famosos videntes que, para o melhor e para o pior,
inspiraram a vida dos gregos antigos, ao fazerem as suas premonições através da observação da
luz dos raios, do barulho dos trovões ou do voo das aves. No entanto, para os gregos antigos, nem
sempre os deuses se manifestavam através de sinais. Nestas circunstâncias, o profeta entrava num
estado de êxtase de forma a passar a mensagem do deus para o suplicante. Esta última forma de
74
profecia era a mais comum no modus operandi dos videntes, das musas e pitonisas que habita-
vam os oráculos gregos. Entre os videntes mais conhecidos encontram-se Cassandra, Melambus,
Anfiáurus, Calchas, Tiresis e Manto.
74
A pitonisa do Oráculo de Delfos era mulher, o que pode ser entendido como algo de extraordinário, se considerarmos a
misoginia da cultura grega.
250 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Cassandra
Quando Apoio se apaixonou por Cassandra, filha do Rei Priam, de Tróia, deu-lhe o dom de
predizer o futuro, com a condição de ela se lhe entregar. No entanto, Cassandra, depois de receber
o dom da previsão, não cumpriu a parte dela do acordo, enganando Apolo. Este, para se vingar,
porque não lhe podia tirar aquilo que lhe tinha dado, isto é, o poder da previsão, em alternativa,
suprimiu-lhe o dom da persuasão. Sem essa virtude, quando no final da guerra de Tróia Cassandra
previu o perigo do Cavalo de Tróia e a consequente tomada da cidade, ninguém lhe deu a devida
importância, pois consideraram-na louca.
Quando hoje se fala de gestão do desporto, marketing do desporto, não chega ter uma solução
tipo "chave na mão" que se ajusta a qualquer ambiente económico, social ou político. É necessário
que exista por parte do gestor uma capacidade persuasiva que só pode ser conseguida através do
conhecimento profundo do contexto onde está a acontecer desporto.
L___ _
Os oráculos
Na mitologia grega Apoio é a divindade mais associada aos oráculos. Os gregos antigos sempre
procuraram conhecer os desejos dos deuses, a fim de determinarem o próprio compor!amento, pelo
que se dirigiam aos oráculos. Entre os mais famosos encontra-se o oráculo de Delfos. Delfos era uma
cidade sagrada da Grécia antiga, consagrada a Apoio, deus das profecias, da filosofia e da arte. Naquele
tempo, Delfos era o centro da Terra. Era o local onde os gregos, pelo pagamento de uma taxa, podiam
consultar os deuses através dos médiuns que eram as sacerdotisas e os sacerdotes. Muito embora o
oráculo de Delfos dedicado a Apoio fosse, provavelmente, o mais famoso, entre os vários oráculos gre-
gos- Trofónios, Dead, etc.-, Dodona, dedicado a Zeus, é considerado o mais antigo.
Prever
Regressando à Terra, quer dizer à nossa era, para Henry Fayol (1884-1925), gerir significava olhar
para o futuro. Por isso, planeamento e gestão eram a mesma coisa. Para que é que nos temos de
preocupar a definir planeamento se o conceito de gestão já o faz, perguntava ele. Por isso, Fayol con-
siderou que as funções da gestão ou administrativas eram as seguintes:
· Prever, de maneira a preparar o futuro;
·Organizar, no sentido de obter todos os recursos humanos, materiais e financeiros necessários;
· Comandar, tendo em atenção a necessidade de melhor tirar partido das características indivi-
duais e colectivas dos elementos e dos grupos da organização;
·Coordenar, com o fim de integrar e harmonizar todas as políticas a desenvolver na organização;
· Controlar, para verificar se tudo se passou conforme estava planeado.
Nesta perspectiva, segundo Daniel, A. Wren (1994), embora Henry Fayol não tenha definido
planeamento, definiu plano de acção, afirmando que é, ao mesmo tempo, o resultado pretendido, a
linha de acção a ser seguida, as etapas a serem cumpridas e os métodos a serem usados. Mas foi
mais longe ao abrir as portas do planeamento contingencial, quando afirmou que os melhores pla-
nos não conseguem antecipar todas as ocorrências imprevisíveis que podem acontecer mas devem
considerar estas ocorrências e preparar as medidas necessárias ao momento das surpresas. Nesta
conformidade, o planeamento é constituído pelas tarefas que traçam as linhas gerais daquilo que
deve ser realizado e dos métodos a empregar, a fim de se atingirem os objectivos desejados.
-
Apoio e o Planeamento [ 251
O Oráculo de Delfos
Delfos foi fundada perto do golfo de Coríntio, a Sul do sopé do monte Parnaso, provavelmente
antes de 1400 a. C. Lá, foi construído um templo dedicado a Apolo, o deus da profecia e patrono
da filosofia e da arte. Veio a ser um dos mais famosos da Grécia antiga, consultado por Sócrates e
outros gregos famosos. Se a princípio o oráculo só entrava em comunicação com os homens uma
vez por ano, a partir de um determinado momento começou a fazê-lo uma vez por mês. Por isso,
ao tempo, a cidade de Delfos foi considerada o centro do Mundo, pela grande influência exercida
pelo seu oráculo.
O oráculo comunicava em estado de delírio, depois de se inspirar nos fumos sagrados. As profe-
cias eram formuladas em verso, de forma ambígua, de tal maneira que dificilmente se poderia pro-
var estarem erradas. O oráculo, segundo alguns investigadores, comunicava directamente com os
peticionários, segundo outros investigadores, fazia-o através da Pítia e de sacerdotes.
Plutarco (64 a. C-25 d. C.) descreveu as relações entre o deus, a mulher e o gás, comparando
Apolo a um músico, a mulher ao seu instrumento e o pneuma75 ao plectro76 com o qual ele a
tocava para fazê-la falar.
Recentemente, um grupo de investigadores provou que as fendas geológicas que passam por
baixo do oráculo dão origem a nascentes, onde foi possível detectar etileno. O etileno, segundo os
toxicólogos, produz uma sensação de euforia, quer dizer, um estado mental alterado e uma
impressão agradável, o que na gíria moderna significa "estar com uma grande pedrada".
Desta maneira ficou explicada a situação de transe em que as pitonisas entravam quando
transmitiam as premonições.
ln Scientiflc Amcrican, Setembro de 2003, "As Fontes do Poder no Oráculo de Delfos". Edição brasileira
POSDCORB
Os trabalhos de Fayol, antes de serem traduzidos para inglês, foram divulgados por Luther
Gulick (1865-1918) e Lyndall Wrwick (1891-1983f 7 A obra mais conhecida destes autores foi Papers
on Science of Administration. Segundo ldalberto Chiavenato (1983), Gulick, um dos autores mais
eruditos da teoria clássica, propõe sete funções da administração. As respectivas palavras formam
o acrónimo POSDCORB que o autor utilizava para melhor fazer passar as suas ideias:
1. Planeamento (planning); 5· Coordenação (coordinating);
2. Organização (organizing); 6. Informação (reporting);
3· Assessoria (staffing); 7· Orçamento (budgeting).
4· Direcção (directing);
Para Luther Gulick o planeamento é constituído pela tarefa de traçar as linhas gerais daquilo que
deve ser realizado, bem como os métodos empregues, a fim de atingir os objectivos da organização.
75
Pneuma: Nome com que os filósofos estóicos designavam um princípio espiritual constitutivo do Universo (do gr.
pneuma, "sopro").
76
Plectro: Ponteiro de marfim com que se feriam as cordas da lira (do gr. pljAktron, "coisa com que se bate").
77
O que Frederick Taylor investigou ao nível do trabalho manual, Lyndall Wrwick investigou a nível das organrzações. Foi o
primeiro a estudar a estrutura e os pr·ocessos de trabalho nas organizações, determinar objectivos, funções, organigramas
e descrição de tarefas Uob description). Também foi ele o primeiro a estabelecer a diferenciação entre gestão de linha e
gestão funcional.
252 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
A verdadeira eficácia deve ser incorporada na estrutura de uma organização, assim como é incorpo-
rada na estrutura de uma máquina (in Papers on Science of Administration). Repare-se que a ideia de
que a estrutura segue a estratégia antecipa um bom número de anos a afirmação de Alfred Chandler.
Podemos de uma forma expedita definir planeamento como o processo através do qual se pre-
tende organizar o futuro, estabe lecendo objectivos e implementando as estratégias necessárias
para os alca nçar, tendo em conta tanto o amb iente interno como externo da organ ização .
Para que este tipo de interrogação não aconteça, o planeamento deve partir sempre da necess i-
dade de haver uma ideia acerca do futuro que se deseja construir. Isto porque o futuro não é inevi-
tável, já que pode ser infiuenciado se soubermos o que queremos fazer com ele (Charles Handy,
1993). É esta a ideia que vamos defender quando discorrermos acerca daqu il o a que designámos
por "dinâmica organizacional de futuro", porque entendemos que va le a pena planear, na convic-
ção de que o futuro será diferente e mais favorável do aque le que aconteceria caso o planeamento
não tivesse sido realizado. Em conformidade, apo ntamos 12 razões que justificam a necessidade de
se realizar planeamento:
1. Detecção antecipada dos problemas;
2. Existência de um diagnóstico da situação;
3· Visão de co njunto;
4· Intervenção na causa dos prob lemas;
5· Controlo sobre o futuro;
6. Evitar actuações iso ladas e desarticuladas;
7· Determinação de prioridades;
8. Obrig~toriedade de estabelecer objectivos;
g. Integração das políticas sectoria is nas políticas gerais;
10. Mobili zação das pessoas pela participação;
n. Coordenação da gestão corrente;
12. Rentabilização de equ ipamentos caros.
É evidente que este conjunto de argumentos justifica a necessidade das organ izações, através
daqueles que as gerem, deixarem de viver num amb iente dominado por uma gestão por impulsos, a
correrem atrás lilos acontecimentos, a apagarem fogos, para passarem a ter uma atitude organizada
quanto à preparação do próprio futuro. Se o não fizerem os resu ltados não vão ter contemplações.
---
Apolo e o Planeamento ( 253
Contudo, tendo em atenção a dinâmica interna da organização, bem como o seu ambiente externo,
a gestão, no seu sentido de acção estratégica, tem de admitir, como decorre da nossa exposição, não
só acções deliberadas perfeitamente esclarecidas nos seus vários aspectos como acções emergentes
que surgem em função dos acontecimentos imprevisíveis, ou que, pelas mais diversas razões, não
foram previstos e para os quais é necessário encontrar resposta.
Contudo, as organizações não podem estar sujeitas constantemente aos poderes discricioná-
rios de alguns dirigentes, sob pena de não haver desenvolvimento que resista a um processo de
planeamento sustentado e dominado numa dinâmica de impulsos, quer dizer, em que tudo pode
ser alterado em qualquer momento. Portanto, há que saber qual o sistema de planeamento, isto é,
a sua orgânica e o seu processo, de maneira a que a vida das organizações não se transforme num
autêntico caos, a funcionar em regime de roda livre, sem compromissos que lhe transmitam estabi-
lidade no que diz respeito à organização do futuro.
Riscos
Planear é correr riscos, muito embora esses riscos sejam menores do que aqueles que necessa-
riamente surgem caso não exista planeamento. Portanto, o planeamento é um processo através do
qual os gestores olham para o futuro, determinam objectivos e metas e assumem os riscos neces-
sários à escolha das diferentes alternativas de acção, ~m função dos recursos que têm disponíveis.
Envolvimento
Por isso, não chega motivar as pessoas para a importância de um dado projecto. É necessário
envolvê-las e dar-lhes a responsabilidade e a autoridade necessárias, sob pena de elas se virarem
contra o projecto em causa. Nesta conformidade, qualquer gestor não pode correr o risco de ter
contra o projecto as próprias pessoas que vão participar ou ser atingidas por ele. Assim, tem de
promover as condições para que as pessoas possam participar, através do seu envolvimento no
projecto em causa. Tem de existir um equilíbrio bem conseguido entre a necessidade do planea-
mento ser ~exível, ao ponto de se ajustar às rápidas mudanças que acontecem no ambiente, sem
contudo levar as pessoas q!Je estão envolvidas em todo o processo a ficarem com a ideia de que
afinal o planeamento não serviu para nada.
Planeamento informal
Planeamento financeiro
A seguir à guerra, com a melhoria das economias mundiais, o acréscimo das linhas de produtos,
vendas, investimentos e os avanços tecnológicos levaram à introdução do planeamento financeiro.
Ainda nos anos cinquenta, criado por Peter Drucker (1909-2005), surgiu o planeamento por objec-
tivos, "management by objectives- MBO", uma das técnicas de gestão mais popularizadas. A gestão
por objectivos, que não passa de uma gestão totalmente integrada no processo de planeamento, pro-
cura envolver os gestores do centro operacional, intermédios e de topo na definição conjunta do
objectivo do trabalho, no que diz respeito ao processo de avaliação. As críticas a este método dizem
que os objectivos, geralmente, não surgem dum processo descentralizado e participado. Os gestores
têm tendência para definirem objectivos desajustados por excesso ou defeito. E, finalmente, os críticos
dizem que o planeamento por objectivos não promove o trabalho em equipa.
Planeamento estratégico
Arrancou nos anos setenta e oitenta. Na realidade, segundo Henry Mintzberg (1994), a maioria
desses planos acabou por falhar. As razões têm a ver com o excesso de análise que cria paralisia e
uma enorme distância entre o pensamento e a acção. Se a estratégia se baseia na criatividade,
intuição e capacidade de síntese, o planeamento parte de um exercício analítico, pelo que a atitude
estratégica está precisamente na capacidade de articular o pensamento e a acção.
Cenários
Os anos oitenta vieram trazer para a ribalta a velocidade de mudança como variável significante
• do processo de planeamento. Prever as ocorrências a longo prazo, num ambiente em que a veloci-
dade de mudança é rápida e o grau de complexidade é alto, tornou-se a maior dor de cabeça dos
gestores. Os cenários são hipóteses alternativas acerca do futuro que permitem às organizações
preparar uma estratégia a longo prazo que responda a cada um dos hipotéticos cenários. Segundo
Pierre Wack (1991), responsável pelo desenvolvimento de cenários da Shell, vivemos um tempo em
que é necessário saber aceitar a incerteza, tentar compreendê-la e integrá-la no nosso raciocínio.
- Apoio e o Planeamento [ 255
Posição competitiva
Segundo Ralph Stacey (1993), nos últimos anos tem havido um claro afastamento dos planos
quantitativos, pormenorizados, preparados por peritos na tecnoestrutura, a favor de uma visão
mais livre do planeamento como função ~exível e qualitativa dos gestores de linha. Em vez de
objectivos fixos e quantitativos de longo prazo, os gestores são incentivados a apresentarem relató-
rios de missão com os seguintes elementos:
1. Dinâmica do ambiente;
2. Estrutura do sistema;
3· Cadeias de valores;
4· Fontes de vantagens competitivas;
5· Capacidade competitiva.
Dinâmica
O planeamento, nesta dimensão estratégica, acaba por se transformar num processo com uma
dinâmica analíticajsintéticajanalítica, com o objectivo de estabelecer posições competitivas susten-
táveis. O que se deseja atingir em termos qualitativos acaba por ser mais importante do que sofisti-
cados métodos quantitativos e procedimentos formais.
A partir dos anos noventa, a vocação, a missão e a visão, numa dinâmica da "gestão da cultura",
surgiram como variáveis orientadoras da acção estratégica das organizações. São os valores da cultura
a entrarem no mundo das organizações e, em consequência, a determinarem a lógica do planeamento.
Hoje
Nos tempos que correm o planeamento é uma função essencial da gestão, porventura a mais
importante já que, como se disse, não se pode dizer que existe verdadeiramente gestão se não exis-
tir planeamento. Quer dizer que um gestor não pode cumprir verdadeiramente a sua função se não
controlar o sistema de planeamento. Contudo, hoje, devido à aleatoriedade e turbulência dos
ambientes económico, social e político, o planeamento é uma actividade de alto risco que requer
cuidados especiais e competência acrescida.
Num mundo em que só a mudança é imutável, é melhor haver um plano, mesmo que pouco
formalizado, a não haver planeamento nenhum. Até porque a necessidade de se viver enquadrado
por alguma espécie de orientação que conduza e organize a vida faz parte da própria condição
humana. Assim, a necessidade de preparar continuamente o futuro é uma indispensabilidade das
organizações e sistemas, num mundo em que tudo gira a uma velocidade vertiginosa.
256] Agôn 1 Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus
Por isso, o processo de planeamento que há-de resultar no plano tem de ser uma actividade de
todos os dias e não uma tarefa que só se realiza uma vez de quatro em quatro anos para cada
Olimpíada, ou uma vez por ano, no planeamento anual. Nesta perspectiva, é importante que se
comece a falar de processo de planeamento e não simp lesmente em plano, já que aquele significa
um processo em construção e reajustamento constantes, e este um produto final acabado, sem
capacidade de adaptação permanente ao meio onde vai ser aplicado. Assim, o planeamento é uma
das funções da gestão, provavelmente até a mais nobre, na medida em que obriga a organizar o
presente a partir de uma ideia do futuro que se deseja.
A função planeamento
Na realidade, não se pode falar efectivamente de gestão se a função planeamento não estiver
considerada, na medida em que o planeamento é um pré-requisito das demais funções. Tal como,
do mesmo modo, dificilmente se poderá falar de planeamento se não estiver também cons id erado
um sistema efectivo de previsão e contro lo. Em consequência, um gestor, ou alguém que tem pre-
tensões a gerir seja o que for, não se pode considerar no efectivo exercício das suas funções se não
controlar a função planeamento. O planeamento do desporto, quer se trate de organismos públicos
ou privados, quer se esteja no domínio do social ou do económico, hoje, requer que sejam conside-
rados um cada vez maior número de aspectos, pelo que não pode ser realizado ao sabor do impro-
viso, em regime de supercompensação (Michel Bouet, 1968), para ser utilizado por uns quantos
políticos que o vêem como uma cortina de fumo aos desaires da ausência de política desportiva,
ou por empresários que o consideram como um meio de obtenção de lu cros rápidos e fáceis.
Externalidades
Há decisões em rnátéria de política desportiva que requerem opções ideológicas, mas, também,
racionais para que os recursos que serão sempre escassos não sejam mal utilizados. A raciona li za-
ção das esco lh as em matéria de política desportiva é, assim, de fundamental importância, sob pena
do desporto ser transformado numa externa lid ade de sina l negativo que acaba por prejudicar a vida
das pessoas e das sociedades. A este respeito, existem várias confusões decorrentes da dialéctica
entre o certo e o bem. Repare-se que se pode estar a fazer bem as opções erradas e a fazer mal as
opções certas. A primeira situação significa incapacidade para tomar boas decisões. A segunda
situação revela incompetência operacional.
Eventos desportivos
Por exemplo, no domínio dos grandes eventos desportivos realizados em muitos países, num
grande número de situações·, até são bem organ izados, no entanto, a opção pelas respectivas reali-
zações pode não ter sido a acertada. Nestas circunstâncias, acaba por se fazer bem as coisas erra-
. das, o que resulta, em termos de desenvolvimento, num enorme desperdício. Como nos diz Manuel
Queiroz, é evidentemente discutível que uma câmara municipal como a da Maia deva incluir entre
os seus grandes objectivos ter uma equipa de ciclismo ganhadora. Em princípio, uma autarquia deve
ter apenas preocupações socia is (Record, 16jo8j2002) . O Euro 2004 até pode ter tido uma excelente
organização, no entanto não é por isso que deixa de ter sido uma decisão profundamente errada,
realizada por pessoas sem capacidade ou a informação necessária para a terem feito.
Existem eventos desportivos regulares e irregulares, sendo que estes últimos só ocorrem cumpri-
dos certos lapsos temporais (ciclos olímpicos ou ciclos europeus ou mundiais no futebol). Os even-
tos desportivos podem ter uma pequena, média ou grande dimen são. Os de pequena dimensão têm
--
Apoio e o Planeamento [ 257
O QUÊ? COMO?
QUANDO?
ONDE?
POR QUEM?
78
A partir de Pinto Correia, Análise Económica de Eventos Desportivos- O Caso dos jogos Olímpicos, Dissertação de Mestrado
em Gestão do Desporto, Fevereiro de 2006, Faculdade de Motricidade Humana.
AGONG[).-17
258 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Estas questões devem ser colocadas nos vários momentos do processo de pl aneamento- desde
logo no momento de an áli se, enqu anto, co mo se di sse, momento crítico de arra nqu e de qualqu er
processo de pensamento estratégico -, tendo em atenção os âmbitos do econó mico /fi nanceiro, da
logísti ca e da produção (da fo rm ação ao espectácu lo).
Das questões in iciais podem decorrer um conju nto de questões com bin adas, duas a duas, que
ajudam a e0 mpree nd er toda a din âmi ca de um a dad a situação e do co nseq uente processo de
desenvolvime nto.
Apoio e o Planeamento [ 259
Avançar para qualquer projecto, desde a fase de concepção à fase de elaboração, é começar por
dar resposta não só à se rpentin a das questões ini ciai s, como aos pares que se especificam no qua-
dro (ver quadro 43). ~
8.7 Acontecimentos
A vida foi o que aconteceu enquanto estávamos a fazer
planos.
John Lennon (1940-1980)
Tipologia de acontecimentos
Muito embo ra o mundo soc ial não seja um siste ma determinista, é possível, se uma linh a
sequenc ial de acontecimentos prosseguir, antever determinado desenlace num dado futuro. Em
conformidade, a nossa percepção sobre o futuro pode ser organizada através da segu inte categoria
de acontecim ento s (ver quadro 44):
1. Conhecidos ce rtos;
2. Conhecidos in certos;
3· Desconhecidos.
São aqueles que são previsíveis e, por isso, estão ao alcance do controlo do planeador. Em con-
formidade, é requerido um planeamento em relação às variáve is que se contro lam. Pode se r, neste
caso, realizado um planeamento de comprom isso que, mesmo ass im , pode estar suje ito à possibi-
lid ade de falha ou de erro. Pod em-se desde logo planear rotinas, por exemp lo, a hora dos treinos
ou dos jogos, o horá rio escolar ou o do fun ciona mento de um clube, o pagamento de venc im entos,
contro lo de fa ltas, etc. Outros compromissos ex istem quando acontece m pelo aco rdo de acções
entre partes que nelas vão estar envo lvid as . Por exemp lo, a rea li zação de um torneio de futebol de
260 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
praia que passa pelo assunção de uma estrutura de compromissos entre as partes interessadas. Se
não existisse este tipo de compromissos -de rotina e de projecto- muito provavelmente as orga-
nizações não conseguiam funcionar. Portanto, estamos no domínio dos acontecimentos considera-
dos certos e, como tal, controláveis, quer dizer planeáveis.
Planeamento Planeamento
de compromisso de contingência de adaptação
Acontecimentos desconhecidos
Em terceiro lugar, existem aspectos que em relação ao futuro são desconhecidos, tais como
entre outros, catástrofes naturais, crises políticas, guerras, etc. Por exemplo, a guerra do Golfo foi
um acontecimento imprevisível que obrigou o movimento desportivo internacional a um grande
esforço de adaptação ao ambiente de guerra que então se vivia, com incidências à escala planetária.
Como se sabe, algumas provas desportivas foram alteradas e outras estiveram em risco de não se
realizar. Os acontecimentos desconhecidos, no que diz respeito ao planeador, limitam-se a aconte-
cer. Requerem da parte do planeador e da organização uma grande capacidade de adaptação a
novas situações, provocadas por imprevistos que obrigam a encontrar uma resposta ajustada e, se
possível, em tempo útil. É da capacidade de improvisação ao mais alto grau que se trata. No
entanto, embora o planeamento deva considerar a capacidade de improvisação das pessoas, não
pode, contudo, sustentar-se exclusivamente ou até a um nível elevado nela, sob pena da organiza-
ção entrar em derrocada, quer dizer, num processo de planeamento em regime de roda livre, em
que cada um faz o que quer.
"Desenrascanço"
Controlo do planeador
No entanto, antes de fazer qualquer predição, o planeador deve estar preparado para argumen-
tar uma razão credível que mostre que o elemento a que a predição diz respeito é previsível (Ernest
Schumacher, 1973). Portanto, aquele que planeia parte do princípio de que vai controlar elementos
susceptíveis de alterarem o futuro, já que é absurdo aplicar o termo planeamento a matérias que
não são controladas pelo planeador, quer dizer, a assuntos que fogem ao seu próprio controlo.
Quer dizer que o planeador tem de adaptar as suas decisões ao tipo de acontecimentos que por
sua vez determina o tipo de planeamento. O critério é simples:
·Aquilo que está na esfera de controlo do planeador é susceptível de ser planeado;
·Aquilo que não está ou foge da esfera de controlo do planeador não pode ser planeado.
262 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus
Exercício de inutilidade
Resultados
6
~Oj,, f----- - - - - - · ,- - - - -
"'o
Certos Incertos
A B
Conhecidas Rotina Contingência
VI Compromisso Compromisso
"'
VI
::l ;--- ---- ----- --- - - --- - - -
u"' c D
Desconhecidas
Intuição Adaptação
Assim, o planeamento deve ser realizado utilizando as variáveis que são conhecidas e certas,
isto é, aquelas que se encontram totalmente dentro da esfera de controlo do planeador. Nesta
situação, podem ser implementadas rotinas e realizado planeamento de compromisso, quer dizer,
quando existe uma relação entre a causa e os resultados. Nesta conformidade, as rotinas ou os
compromissos são as atitudes indicadas para a decisão e o planeamento (A).
Rotina
É uma sequência automatizada de tarefas que surgem como resposta estandardizada a uma
dada situação complexa.
Quando existe uma certeza em relação às causas, mas os efeitos ou resultados não são possí-
' veis de prever, a decisão entra no domínio do contingencial, em que devem ser preparadas várias
respostas que obrigam a decisões de compromisso (B).
Quando as causas são desconhecidas e os resultados certos, a decisão é de grande complexi-
dade e entra no domínio da intuição (C). Quer dizer, sabe-se o que se quer, os objectivos a atingir,
mas desconhecem-se com mais ou menos precisão as causas que os podem provocar. Este tipo de
Apoio e o Planeamento [ 263
decisão parte de um juízo baseado na intuição, na medida em que decorre da capacidade racional
do decisor, cruzada com o seu estado emocional que é consequência do conhecimento do contexto
a que a decisão se refere.
Finalmente, a situação (D), relativa ao planeamento de adaptação que obriga a uma decisão de adap-
tação que se sustenta pura e simplesmente na inspiração do decisor. Quer dizer, não existem dados de
qualquer ordem que permitam outro tipo de decisão que não seja a realizada por mero feeling.
O planeamento deve, ainda, prever um quadro de resposta para as situações que embora possam
ser conhecidas são incertas. É o planeamento de contingência (o chamado plano B, C, D, etc.) que
prepara as respostas necessárias a situações que podem ocorrer, embora não sejam certas. Está neste
caso o planeamento em situação de catástrofe, isto é, se tudo correr mal, quais são as respostas pos-
síveis da organização, para que o projecto não entre em colapso. Se a organização tiver respostas
alternativas o proJecto pode continuar. Se não, deve ser reformulado ou abandonado.
Competên as conceptuais
Competências écnicas
global da equipa como no comportamento dos subgrupos e de cada um dos seus membros. Tam-
bém se espera esta capacidade de um gestor de projectos, quando as condições em que o mesmo
decorre se podem alterar de um momento para o outro.
Contudo, as decisões não se esgotam no seu tipo (rotina, compromisso, contingência) . As deci-
sões podem ser organizadas de acordo com o seu nível hierárquico. Deste modo, as decisões polí-
ticas ou estratégicas decorrem naturalmente do vértice estratégico das organizações, enquanto que
as técnicas dependem da linha hierárquica ou do centro operacional (ver quadro 46).
Pelo quadro pode-se compreender que a gestão de topo, quer dizer, a nível do vértice estratégico
ou de uma posição elevada da linha hierárquica, é sobretudo uma decisão política que tem a ver com
competências conceptuais, já as decisões de um gestor de primeira linh a, ou seja, do centro opera-
cional, têm sobretudo a ver com as suas competências técnicas. O gestor intermédio é aquele cujas
competências são interpessoais, na medida em que ele é um descodificador de discursos provenien-
tes do topo da pirâm ide para a base e vice-versa.
Hoje, um dos mais significativos problemas da gestão no mundo do desporto tem a ver com as
relações que se estabelecem entre a componente dirigente e técnica das organizações desportivas
em geral e das federações desportivas em particular. O Modelo Europeu do Desporto, de configura-
ção corporativa, já não tem capacidade para resolver os problemas que decorrem dos diferentes
interesses dos dirigentes e dos técnicos que começam a ser cada vez mais antagónicos.
Já vimos que aqueles que são responsáveis pelo planeamento, e através deles as organizações
de que fazem parte, podem ter diferentes atitudes em relação à previsão do futuro. Cada uma das
atitudes dá origem a uma diferente forma de o encarar. As pessoas e as organizações podem ter
uma de três atitudes:
1. Esperar que as coisas aconteçam para depois reagirem;
2. Prever aqu il o que eventua lm ente acontecerá, para prepararem a resposta certa antes dos
acontecimentos surgirem;
3· Engendrar as condições para a construção e organização do futuro, segundo os próprios
desejos (Russell Ackoff, 1974) .
Como referimos, só nos resta fazer com que o futuro aconteça. Nesta última situação partimos
da ideia de que hipoteticamente o fut o já está entre nós. Na nossa capacidade de imaginação e
de sonho. Para fazê-lo acontecer só temos de escolher os objectivos certos, utilizar os instrumentos
apropriados, esco lher as estratégias adequadas e desenvolver os projectos ajustados às mudanças
que se pretendem desencadear.
Apoio e o Planeamento [ 265
Visão
Portanto, como se disse, os gestores, e através deles as organizações, têm de ter uma visão em
relação ao futuro que desejam construir. Esta visão, como vim os, sustenta-se, em primeiro lugar,
na capacidade de realizar uma aná lise intern a, o que, por vezes, não é fácil. Por exemplo, a incapa-
cid ade em organizar o futuro está bem patente na organização dos Jogos Olímpicos de Atenas
(2004) pelos gregos e do Europeu de Futebol (2004) pelos portugueses. Ambas as organ izações
deixaram para o futuro a resolução de problemas que deviam estar antecipadamente assegurados.
Muito embora seja reconhecido que tanto o Euro 2004 como os Jogos correram bem, o que é facto
é que, em ambas as situações, ficou muita coisa por resolver, que compromete o futuro de cada
um dos países.
Para fazer o futuro acontecer podem ser utilizadas várias técnicas. Uma delas é o brain storming,
que numa tradução à letra significa tempestade cerebral.
Brain storming
É um método qualitativo não causal baseado num processo de auscu ltação de especialistas.
Cons iste em organizar um grupo de vários indivíduos para que, motivados pela necessidade de
terem de resolver um problema, produzam as ideias nêcessárias à sua resolução.
Criatividade
Este método, que apela à criatividade, parte do princípio de que só utilizamos uma parte do
nosso cérebro. Portanto, é necessário estimular aquelas partes do cérebro que não são geralmente
utilizadas, de forma a encontrarem-se soluções criativas para problemas previamente estabeleci-
dos. O objectivo é, portanto, fazer apelo à mobilização de um maior número possível de recursos
do cérebro, através da criação de situações artificiais, propiciadoras de processos de criatividade,
invenção e previsão. Esta forma de encontrar soluções para a resolução de problemas (planear é
uma forma de resolver problemas) faz apelo à criatividade das pessoas, à sua capacidade de engen-
drarem so lu ções eficientes e originais quanto à organização do futuro.
Fases
Quanto à primeira fase, constituída pelo trabalho de grupo, devem ser tidos em conta os seguin -
tes aspectos:
·Não deve ser constituído por mais de 15 elementos;
·O trabalho não deve ultrapa ssar o tempo de 1 h 30 min;
• O objectivo do grupo é produzir o máximo de ideias possível;
• Os participantes devem ser encorajados a jogar com as id eias;
· Nenhum elemento pode emitir juízos de valor sobre qualquer idei a expressa;
266 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
· Não é permitido manifestar acordo ou desacordo acerca das ideias expressas por outros;
· Nenhum elemento pode ser, naquele momento ou noutro temporalmente posterior, respon-
sabilizado pelas ideias que produziu;
·As ideias produzidas não têm proprietários;
• Pode-se jogar com as ideias, mesmo que tenham sido produzidas por outros;
• Mesmo as ideias mais loucas (extravagantes, chocantes) são úteis e devem ser emitidas;
2. 3 fase
Quanto à segunda fase, a avaliação crítica das ideias, o objectivo é tratar as ideias iniciais, produzi-
das de uma forma anárquica, de maneira a criar uma estrutura lógica para que se possam fazer
opções. O desenvolvimento desta fase pode ir até ao ponto de se organizar um "quadro tecnológico"
das ideias que serão aproveitadas. Neste quadro tecnológico as ideias são colocadas segundo uma
ordem e estrutura lógicas, de maneira a expressarem um corpo organizado.
Aplicações
4· Desenvolver um projecto;
5· Sugerir soluções para resolver uma crise numa associação ou um clube;
Panaceia?
O brain stormíng, embora não seja uma panaceia, pode concorrer para a organização do planea-
mento nas suas diversas fases.
Fazer o futuro acontecer, quer ele seja no domínio de um país, de um sector social ou económico,
de uma organização ou de uma equipa de futebol, é aquilo que qualquer estratega mais deseja.
Identificado o futuro que se deseja construir, é necessário decidir.
8. 9 Estratégia
Estratégia é onde se está e com que força.
l(arl von Clausewitz (1780-1831)
Na antiga Grécia, o stratego era o chefe máximo incumbido de governar e comandar a defesa da
cidade. Hoje, o Age of Mythology é o mais novo JOgo de estratégia em tempo real da Microsoft que
Apoio e o Planeamento [ 267
faz as delícias da juventude e não só. De facto, o conceito de estratégia enquanto ideia mais elabo-
rada do que o conceito de JOgo faz parte do discurso dos mais diversos grupos sociais. Por isso, a
palavra avantaja-se na sua polissemia, podendo assumir vários significados. Contudo, na linha de
Henry Mintzberg (1994), diremos que, para nós, o conceito de estratégia, de pensamento estratégico
ou de formulação estratégica é diferente do conceito de planeamento estratégico. Por agora vamos
tratar simplesmente do conceito de estratégia.
A palavra estratégia faz parte do léxico contemporâneo. Por vezes, é considerada uma palavra
mágica, que pode resolver todos os problemas! Que responde, por si só, às condições criadas pelo
ambiente de turbulência em que hoje a sociedade e o seu tecido organizacional (nele incluindo,
como é evidente, as escolas, os clubes, as associações desportivas, etc.) vivem.
5 Pês
Henry Mintzberg (1994) defende que, muito embora as pessoas tenham necessidade de uma
definição, a palavra estratégia pode ter muitas, o que só pode ajudar aqueles que dela necessitam a
melhor organizarem o seu pensamento. Para o autor, estratégia pode ter os seguintes conceitos:
1. Plan (plano); 4· Position (posição);
2. Ploy (truque, medida); 5· Perspective (perspectiva).
3· Pathern (modelo);
Tal como outras palavras no domínio da gestão, a palavra estratégia é polissémica, pelo que as
suas mais diversas acepções permitem que ela seja aplicada em vários domínios e contextos. Con-
tudo, apesar de se reconhecer que a estratégia pode ser aplicada a diferentes ambientes sociais, é
necessário saber se, de facto, existem condições de elaboração de pensamento estratégico.
Na linha de Vasconcellos e Sá (1998) diremos que na estratégia existem dois momentos distin-
tos. Um é a estratégia actual, o outro a estratégia futura. A estratégia actual está à vista, pelo que não
é susceptível de opinião na medida em que se trata de factos objectivos. Para se perceber a estraté-
gia actual de uma organização desportiva basta fazer o levantamento das opções que ela realiza nos
diversos factores de desenvolvimento. Entretanto, parte-se da estratégia actual para perceber a sua
eficiência e eficácia de maneira a decidir se ela se deve manter ou se se deverá organizar outra mais
apropriada ao futuro que se deseja construir. Esta é a estratégia futura que deve ser consubstanciada
através do planeamento estratégico.
Para Francisco Abreu (2004) 79 , para tratar da problemática da estratégia é necessário demarcar,
à partida, em termos epistemológicos, o terreno em que se vai processar a discussão. E aponta
desde logo duas premissas:
1. As linhas de força essenciais do pensamento estratégico não conhecem fronteiras no que diz
respeito aos contextos de aplicação, contudo, não é por isso que se pode deixar de demarcar
o que separa o "estrategicamente relevante" do "estrategicamente irrelevante". O autor, entre
outros exemplos, com os quais até estamos de acordo (embora se dispensasse o ridículo de
alguns deles), incluiu o jogo de futebol como um dos contextos que do ponto de vista estraté-
gico, para ele, é irrelevante;
79
Francisco Abreu é licenciado em Organização e Gestão de Empresas e Mestre em Estratégia Conferência proferida em
19/2/2004 na Academia Militar, no âmbito do seminário final do curso de pós-graduação em "Guerra de Informação/Competi-
tive lntelligence", subordinada ao tema "A Relevância da Estratégia Militar nas Políticas Empresariais". A posição de Francisco
Abreu é reforçada no texto "Estratégia: Da Confiitualidade à Competição", in Pensar Estratégia: Do Politico-Militar ao Empresa-
rial, Lisboa, Edições Silabo.
268 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
2. Aqueles que são obrigados a decidir e agir num contexto empresarial não podem com
sobranceria ignorar milhares de anos de experiências e reflexões acumu lad as pelos ensina-
mentos de T'ai Kung e Sun Tzu a Clausewitz e Liddell Hart, como de uma maneira geral tem
sido feito pelos autores dos manuais de estratégia empresarial.
Estratégia X Empresa
Se atendermos à história da estratégia no jogo das empresas, de facto, só nos anos sessenta é
que as questões da estratégia começaram a chegar ao mundo da gestão. As primeiras obras que sur-
giram foram: Strategy and Structure, de Alfred Chandler (1962), My Years with General Motors, de
Alfred Sloan (1963). A Company and its Beliefs, de Thomas Watson Jr. (1963) e Corporate Strategy, de
lgor Ansoff (1965).
Estratégia X Desporto
Contudo, se olharmos para o mundo do desporto, Leon Teodoresco vinha, desde 1957, com o tra-
balho Problemas do Treino nos jogos Desportivos Colectivos, a tratar das questões da organização do
jogo e Fridrich Mahlo, em 1969, publicou O Acto Táctico em jogo. Em Portugal, Adriano Peixoto editou,
80
ln A Bola, 17{4{2oo6. •
Apoio e o Planeamento [ 269
;~··.
,._ .·.~·~~e-••1.~ ~:;~-~ ':'<\):.t ·:':' .: .. :;e, .· .~·:t
·' Jogo das empresas
Itens Jogo da vida Jogo militar Jogo desportivo
e do pais
Primeiro-ministro
Mais forte, mais audaz, Treinador,
Chefe General de campanha CEO- "Chief Executive
mais esperto capitão de equipa
Officer"
A caça, roubo, o rapto das Subjugação do inimigo. Conquista do campeonato Conquista duma posição
Vitória
raparigas Conquista de território ou duma boa classificação dominante no mercado
Pelo exposto pode-se concluir que a necess idade de existir uma atitude estratégica ocorre nas
mais d i v~rsas áreas sociais mas não em todas as situações. As organ izações, sejam elas escolas,
clubes, federações, empresas ou outras, têm de ter uma orientação estratégica acerca da organiza-
ção do futuro, sobretudo quando a construção do futuro parte do confiito de vontades que se dese-
jam impor. Por isso, a ideia de estratégia pressupõe um antagonista, quer dizer, um adversário, que
270 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
obriga a que as acções de uns sejam determinadas pelas de outros. Nesta perspectiva, a ideia de
estratégia é diferente da de método, pois este pressupõe um caminho com adversidades mas sem
opositores que procuram conquistar o mesmo objectivo.
Em conformidade, todo o líder deve orientar-se por um pensamento estratégico que o dirige e
lhe organiza a acção do dia-a-dia, bem como lhe permite prospectivar o futuro. Pensamento esse à
volta do qual ele ordena, de uma maneira mais ou menos coerente, as decisões fundamentais.
Essas decisões podem ser sistematizadas em duas grandes categorias:
· Deliberadas;
· Emergentes.
As deliberadas servem para assegurar o sistema básico de vida da organização. Têm a ver
sobretudo com a logística, quer dizer, as operações que suportam o centro operacional, bem como
tudo aquilo que no centro operacional está debaixo do controlo do gestor, ou seja, é susceptível de
ser planeado.
No que diz respeito às emergentes têm a ver com o processo de desenvolvimento que ocorre
ao sabor das circunstâncias e à margem da intervenção directa do gestor. Nestas situações, pode-
mos dizer que se está no domínio da arte, quer dizer, da arte da estratégia. De facto, a estratégia é
muito mais uma arte ou uma intuição do que uma ciência. É, em última análise, a capacidade de
juntar e articular, ou separar e desarticular:
1. A rotina com o desenvolvimento;
2. O antigo com o novo;
3· A repetição com a inovação;
4· O curto prazo com o longo prazo;
5· O micro com o macro;
6. A oportunidade com a inoportunidade;
7· O local com o global.
Nestes termos, a estratégia é uma espécie de oximoro, quer dizer, uma figura de retórica que
consiste em reunir, no mesmo conceito, palavras de sentido oposto ou contraditório.
Atitude estratégica
Em algumas circunstâncias, e com um limite temporal à vista, a tradição e as rotinas têm sido
suficientes para gerir, com algum êxito, as organizações. Quer dizer, os responsáveis não sentem
necessidade de programar a acção para além dos circunstancialismos do dia-a-dia, na medida em
que o dia-a-dia se repete indefinidamente num ambiente estável e pouco ou nada complexo.
------------
Apoio e o Planeamento [ 271
O problema é que nos tempos de aleatoriedade e mudança em que hoje se vive e no ambiente
de forte competição em que as organizações, sejam elas quais forem, têm de operar, elas têm neces-
sidade de ter uma ideia acerca da organização do futuro sob pena de virem a não ter futuro nenhum.
Contudo, temos de admitir que, por vezes, existe alguma descrença em relação à eficácia de uma ati-
tude estratégica. Na realidade, esta descrença fica-se a dever ao facto da emergência estratégica só
surgir depois de um qualquer sistema humano atingir um certo grau crítico de complexidade.
No entanto, aqueles que acreditam e que apostam numa gestão que ultrapasse os circunstan-
cialismos do dia-a-dia acabam por colher os respectivos resultados a partir do momento em que
projectam a sua acção num cenário de interacções dialécticas entre as posições em confronto num
mundo em transformação constante. Em conformidade, em ambientes de forte competição, do
treinador ao director-geral, a questão da estratégica é de importância fundamental em termos de
garantir a sobrevivência futura das organizações que lideram.
Limites
Existem, contudo, domínios onde não faz qualquer sentido falar de estratégia na verdadeira
acepção do termo. Estratégia implica "agôn", oposição, combate, quer dizer, acção em função da
acção do adversário (Carl von Clausewitz, 1997). Nestes termos, se existe domínio nas mais varia-
das actividades humanas onde, para além da guerra, a palavra estratégia ainda tem significado,
esse é o do desporto.
Estratégia e desporto
Os Gregos antigos, nos interregnos das suas guerras, em vez de se entregarem à luxúria e à
indolência da vida, instituíram os jogos e, assim, tornaram a paz violenta e gloriosa. Hoje, o cerne
do desporto está na conjugação de meios num ambiente de incerteza em situação de choque de
forças antagónicas, numa dinâmica de sucessivas decisões inter-relacionadas de acções e reacções,
de paradas e respostas, que terminam com a consumação da vitória.
Segundo Claude Sicard (1987), o conceito de estratégia começou a ser utilizado em 1928, no
domínio da matemática e estatística, para designar um plano de acção completo, estabelecido por
um programador. Com a publicação do livro Theory of Games and Economic Behaviour no ano de
1944, por V. Newmann e O. Morgenstern, o termo estratégia passou também a fazer parte da lin-
guagem da economia. Seguiram-se obras como Strategy and Structure, de Alfred Chandler (1962),
My Years with General Motors, de Alfred Sloan (1963), A Company and its Beliefs, de Thomas Wat-
son Jr. (1963) e Corporate Strategy, de lgor Ansoff (1965), The Concept ofCorporate Strategy, de l<en-
neth R. Andrews (1971), A Concept of Corporate Planning, de Russell L. Ackoff (1976), The Mind of
the Strategist, de l<enichi Ohmae (1975), Competitive Strategy, de Michael E. Porte r (1980) e The
Rise and Fali ofStategic Planning, de Henry Mintzberg (1994).
Mas afinal o que é a estratégia)
A estratégia "é a determinação dos fins e dos objectivos a longo termo, de uma organização. É
a adopção de políticas determinadas e a afectação dos meios para atingir esses fins".
272 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Este modelo conduziu os sistemas e as organizações ao planeamento a longo prazo, que fez
escola nos finais dos anos sessenta e princípios dos anos setenta.
"As decisões estratégicas são aquelas que dizem respeito à escolha de afectação de recursos."
Para Ansoff existem três tipos de decisões:
1. Estratégicas;
2. Administrativas;
3· Operacionais.
Uma estratégia bem articulada leva a empresa a diferenciar-se dos concorrentes e a conseguir
vantagem competitiva. Andrews identifica quatro componentes da estratégia:
1. Oportunidade de mercado;
2. Competências e recursos da organização;
3· Valores e aspirações pessoais;
4· Obrigações sociais.
A estratégia tem em vista idealizar um futuro ideal, sem limitações para aquilo que se deseja pla-
near. Uma vez identificada a situação ideal é possível determinar até que ponto é possível atingi-la a
fim de se iniciar o processo de planeamento. Segundo o autor, do plano estratégico, geralmente,
fazem parte as seguintes peças:
1. Pressupostos condicionantes;
2. Declaração de propósitos;
3· Objectivos;
4· Estratégia escol hida;
5· Sistema de controlo.
A partir de meados dos anos setenta surgiram novas lógicas de organização do futuro, já que os
tempos então vividos justificavam uma abordagem diferente no que diz respeito ao planeamento.
---·----------~~~~~
Kenichi Ohmae (1975), com o livro The Mind ofthe Strategist, desenvolveu uma perspectiva do pen-
samento estratégico basicamente "criativo, intuitivo e racional". Ele não advoga grandes equipas de
planeamento estratégico. As organizações necessitam sobretudo de um único estratega com
talento natural, capaz de um pensamento "idiossincrático" em que a empresa, os clientes e a con-
corrência se fundem numa interacção dinâmica, a partir da qual se organizam os objectivos e os
planos de acção. Para ele, o cliente representava o centro de tudo, pelo que simboliza o fulcro dos
valores da organização. Nesta conformidade, a estratégia deve ter em conta aquilo .que ele designa
por triângulo estratégico:
1. A organização;
2. O cliente;
3· A concorrência.
Para Ohmae, o estrategista tem por obrigação alcançar um desempenho superior em relação à
concorrência, pelo que tem de estar seguro de que a sua estratégia combina adequadamente os
pontos fortes da organização com as necessidades do mercado, tendo em conta a concorrência.
Assim, para o autor, são importantes os seguintes elementos:
1. Tipos de estratégia;
2. Escala de turbulência;
Diz-nos que é "o conjunto das decisões destinadas a adaptar no tempo e no espaço os recursos
da organização às oportunidades e aos riscos do meio e do mercado em mutação constante" .
No livro The Rise and Fali ofStrategic Planning considera que a estratégia visa reduzir, num qua-
dro de planeamento, o desvio entre o prolongamento da tendência e a projecção planeada.
Gap estratégico
Estratégia é toda a decisão que, a consumar-se, visa anular, num quadro de planeamento, o desvio
entre a projecção de referência (se não existir planeamento) e a projecção planeada. Esta diferença é o
gap estratégico. Em termos de planeamento no desporto pode-se também criar uma projecção ideal a
fim de, como veremos posteriormente, poder ser determinado o nível desportivo (ver quadro 48).
AGONGD-18
274 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
o
...... Projecção ideal
s:::
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o
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l Projecção planeada
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Cl "Gap" estratégico
_
---
<;:~~---- ________ '-• "''' fo<_P"-""'"-- ______ - Loj&ção ' ' ruf"''d'
Tempo
Deste modo, a estratégia deve lidar com ideias e decisões de efeitos duradoiros. Não se limita a
ser uma simples afectação de recursos, na medida em que, através dela, se procura provocar
mudanças estruturais no sistema em causa com vista a atingir uma situação ideal. Uma organiza-
ção não pode estar todos os dias, todos os meses ou até todos os anos a alterar a sua vocação, a
sua missão e os seus objectivos, bem como o caminho escolhido (estratégia) para que eles pos-
sam ser atingidos. Nesta conformidade, podemos compreender que quantas mais actividades
forem afectadas pelo processo de planeamento, maior será a sua dimensão estratégica, mais dura-
doiras são os seus efeitos e mais difícil será, também, alterá-los.
Muitas vezes as estratégias são modelos do passado e planos para o futuro, em virtude de se
terem de conciliar as forças da estabilidade (passado) com as da mudança (futuro), o que é um
dos paradoxos da própria estratégia. Esta constatação, na linha de Mintzberg, leva a considerar a
necessidade da estratégia poder ser ou deliberada ou emergente.
Deixar à estratégia unicamente a possibilidade de ter planos deliberados torna-se muito arris-
cado. As estratégias não têm de ser consumadas exclusivamente por planos deliberados, na
medida em que elas podem ser consumadas através de actividades emergentes (artesanar) que vão
acontecendo em função das necessidades. Um gestor tem de ser capaz de compreender que, como
diz Ron Atkinson, "os golos modificam o jogo", quer dizer, a atitude do gestor em termos estratégi-
cos deve sofrer ajustamentos sempre que necessário em função das ocorrências.
Para Henry Mintzberg (1994), a metáfora artesanal que implica a emergência da estratégia é a
que melhor traduz o processo através do qual as estratégias são realizadas.
Caos calculado
Um gestor trabalha num ambiente de caos calculado, em que tem de lidar com um processo
de trabalho colectivo que é o de idealizar uma estratégia. Nesta conformidade, um gestor tem de
"artesanar" a sua estratégia.
Henry Mintzberg (1994)
Apoio e o Planeamento [ 275
Para Henry Mintzberg (1994), todas as estratégias são abstracções que só existem na mente
das partes interessadas. Para o autor, toda a estratégia é uma invenção, ou para conceber intenções
que regulem comportamentos antes das acções decorrerem ou para inferir modelos pela observa-
ção de comportamentos de sucesso. Ele avança com uma perspectiva em que organiza o pensa-
mento estratégico do gestor em quatro categorias:
1. Estratégia intencional: Aquilo que se quer ou simplesmente deseja;
2. Estratégia deliberada: Aquilo que realmente se faz;
3· Estratégia não realizada: Aquilo de que se desiste;
4· Estratégia emergente: Aquilo que se é obrigado a fazer como reacção aos acontecimentos.
Esta preocupação de esclarecer entre aquilo que é ou tem de ser deliberado em função daquilo
que simplesmente se deseja em termos ideais, tendo em atenção que existem projectos que
podem ser abandonados (estratégia não realizada) ou que podem deslizar para o ciclo de planea-
mento seguinte, parece-nos de fundamental importância. Por isso, a estratégia deliberada deve
jogar com a estratégia emergente, de modo a que ambas formem um continuum na procura de
uma coerência que tem de ser projectada no mundo real.
Esta dialéctica entre aquilo que é deliberado e aquilo que é emergente não é fácil. A estratégia
deliberada, ao fundamentar-se num plano de acção, pressupõe ordem, estabilidade, rotina, pelo
que contraria a criatividade e a livre iniciativa. Pelo seu lado, a estratégia emergente, ao fundamen-
tar-se na acção imediata, promove a livre iniciativa e a criatividade mas destabiliza a ordem e a esta-
bilidade. Podemos dizer que se está numa luta entre Apoio e Dionísio, entre Ludus e Paidia, entre
ordem e criatividade.
SWOT
Um bom instrumento para a idealização das estratégias que hão-de suportar o planeamento é a
matriz de decisão estratégica SWOT, divulgada a partir dos anos setenta. Significa Strengths (For-
ças), Weaknesses (Fraquezas), Opportunities (Oportunidades), Threats (Ameaças) (ver quadro 49).
Muito provavelmente, a análise SWOT começou a ser utilizada, simultaneamente, em vários
locais por diferentes pessoas. Mintzberg (1994) refere Philip Selzn1ck e o livro Leadership in Admi-
nistration (1957) como tendo sido, presumivelmente, o primeiro a utilizá-lo.
TOWS
~
Factores internos
Forças internas (F) Fraquezas internas (R)
Factores externos
~ 1.2.3.4.n. 1. 2. 3. 4. n.
Vantagem competitiva
Quando se idealiza uma estratégia o objectivo primeiro é obter vantagem competitiva. A vanta·
. gem competitiva é a consequência da articulação de duas realidades distintas (ver quadro so) :
1. Das competências distintivas que decorrem da análise interna;
2. Das competências comparativas que decorrem da análise externa.
Para Michael Porter (1986) , a vantagem competitiva de uma organização é determinada por
cinco forças fundamentais que actuam sobre uma indústria e as suas implicações estratégicas :
1. O poder de negociação com os fornecedores;
2. O poder de negociação com os utentes;
3· Ameaça de serviços similares a baixo custo;
4· Ameaça de entrada de no~6 concorrente no mercado;
S· Intensidade da rivalidade entre os concorrentes.
Intenção estratégica
Para existir vantagem competitiva é necessário antes de tudo existir intenção estratégica. Esta é
definida pela diferença entre as capacidades e os recursos disponíveis de uma organização num dado
momento e as suas aspirações relativamente à construção do futuro. Segundo Gary Hamel & C K.
Prahalad (1999) essa intenção é um factor fundamental na construção de uma vantagem competitiva.
Apoio e o Planeamento [ 277
Estratégia
- - - -,
Análise interna
- - --
J _l
Fraquezas Ameaças Oportunidades
--~=r--
Competências distintivas Competências comparativas
t ~ ·~ - --------
----------- ------- _ _ _ _ _ _ j
Como tal, deve ser tida em conta e, se possível, explorada em todas as organizações públicas ou priva-
das, com ou sem fins lucrativos. Por exemplo, consideremos duas organizações completamente dife-
rentes. Uma tem um património cultural de enorme significado, recursos humanos, uma tecnologia
superior, uma boa situação económica e financeira. No entanto, apesar destas condições favoráveis,
tem uma estratégia que passa simplesmente por se manter numa situação de liderança em relação
aos concorrentes. Outra organização, muito mais pequena, com poucos meios e recursos, instalações
exíguas e sem verba para 1&0, tem, no entanto, uma enorme capacidade de idealização e de sonho
que contraria a sua fraca situação no sector e estimula-a a superar aquelas que o lideram. A primeira
organização pode ser caracterizada como sendo rica de recursos e pobre em aspirações, a segunda,
pelo contrário, é pobre em recursos e rica em aspirações, quer dizer que ganha vantagem competitiva
através de uma boa intenção estratégica.
• Um sentido de direcção- As pessoas têm de saber para onde vai a organização. Se não, preo-
cupam-se, exclusivamente, com o curto prazo;
• Um sentido de descoberta -As pessoas têm de ter a oportunidade de dar azo à sua curiosi-
dade e capacidade criativa.
General americano
De visita a Hanoi, um general americano perguntou a um dirigente vietnamita como é que o
Vietname tinha conseguido deslocar homens e material para o sul, atravessando rios, apesar da
aviação americana ter bombardeado as pontes. A resposta foi a de que, após o bombardeamento
das primeiras pontes, passaram a construí-las ligeiramente abaixo da linha de água, pelo que
muito embora pudessem ser atravessadas por homens e material, não eram vistas do ar, não
podendo, por isso, ser bombardeadas pela força aérea americana. O general americano deu por si
a pensar se o problema fosse ao contrário como é que o exército mais poderoso do mundo reagiria.
Claro que chegou à conclusão que reagiria à bruta. Construía pontes mais fortes, montava siste-
mas de defesa sofisticados, mobilizava recursos e homens em quantidades indetermináveis e, final-
mente, acabaria por não resolver o problema. Quer isto dizer que não é suficiente ter recursos em
quantidades astronómicas, é necessário mobilizar a capacidade de sonho e criação das pessoas.
ln Competingfor lhe Future, Gary H amei & P. K. Prahalad (1999)
A estratégia falha
Geralmente, entre outras, podem ser apontadas as seguintes razões justificativas quando o pro-
cesso de formulação estratégica falha:
1. Não existem ideias claras acerca do que se pretende;
2. Os políticos (a decisão política, pública ou privada) não estão interessados;
3· Os gestores não estão suficientemente preparados;
4· A informação é insuficiente;
5· Os objectivos são demasiado vagos para serem medidos;
6. As unidades de acção não estão suficientemente esclarecidas;
7· Os diversos aspectos não estão suficientemente integrados;
8. As ligações com o sistema de controlo não são suficientes;
9· Aqueles que vão ser afectados pelo plano não o compreendem.
Tipos de planeamento
A palavra planeamento pode, como já tivemos a oportunidade de ver, significar muitas coisas. Uma
das razões que, de alguma maneira, justifica esta circunstância é o facto de existirem vários tipos de
planeamento. Segundo H. Weihrich & H. l<oontz (1993) existem pelo menos 7 tipos de planeamento:
1. De vocação e missão; 3· De estratégias;
2. De objectivos ou metas; 4· De políticas;
Apoio e o Planeamento [ 279
5· De procedimentos; 7· De orçamentos;
6. De programas; &. Outros.
Universo do planeamento
É o conjunto de todas as situações possíveis que podem ser integradas no plano. É caracteri-
zado por dois aspectos fundamentais:
1. A abrangência;
2. O âmbito.
Abrangência
Determina a dinâmica com que as diversas áreas, sectores e etapas do sistema desportivo se
devem desenvolver, de acordo com uma ideia global- que anima e dá direcção às acções de todo o
sistema. A este respeito recordamos a metáfora de Steve Jobs relativamente à necessidade de toda
e qualquer célula ser portadora do plano global do organismo a fim de poder funcionar na sua ple-
nitude (perspectiva holográfica dos sistemas).
Âmbito
Descentralização
Subsidiariedade
A planificação descentralizada deve pois cumprir esse princípio tão importante do desenvolvi-
mento, denominado princípio da subsidiariedade (Ernest Schumacher, 1980; Charles Handy, 1994),
que encontra a sua expressão prática no processo de planeamento.
Princípio da subsidiariedade
É um enorme erro e uma injustiça atribuir a uma unidade orgânica de maiores dimensões e de
mais alto nível aquilo que organizações subordinadas e menores são capazes de fazer. O princípio da
subsidiariedade implica que o ónus da prova caiba àquele que quer absorver a função da estrutura de
nível inferior. O princípio da função subsidiária diz-nos ainda que o centro ganhará em autoridade e
eficácia se a liberdade e a responsabilidade das funções de nível mais baixo for cuidadosamente pre-
servada, resultando daí uma organização no seu conjunto mais feliz e mais próspera.
Sinergia
Obtém-se um efeito sinérgico quando, através de uma estratégia de alianças, se consegue que
o produto final da acção desencadeada seja maior do que a simples soma das partes. )ignifica que
dois mais dois podem ser igual a cinco (2 + 2 = s). O conceito foi pela primeira vez introduzido por
lgor Ansoff, em 1965, através do livro Corporate Strategy. Se não, à imagem e semelhança do que se
passa na Biologia, é uma sinergia onerosa, quer dizer, a articulação dos diversos órgãos de um sis-
tema processa-se num regime em que um deles se alimenta à custa dos outros acabando por os
destruir. Em nossa opinião é o que está a acontecer no sistema desportivo, ou seja, os órgãos de
cúpula estão a viver à custa das periferias, criando deste modo sinergias onerosas que fazem com
que o sistema desportivo não funcione com todas as suas potencialidades.
-------,
I
3
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I
2 4
-------,
I
1 4
4 4
Horizonte temporal
Mecânica de planeamento
Quanto à sua mecânica, o planeamento pode ter um horizonte temporal fixo ou móvel (ver qua-
dro 51).
1. Horizonte temporal fixo. Circunscreve-se a um período limitado de tempo, para além do qual
se inicia um novo planeamento.
2. Horizonte temporal móvel. Quando os objectivos de determinado plano não são atingidos
numa data prevista, assume-se que passam para o período imediatamente sequente. A este
operação dá-se o nome de deslize. Quer dizer os projectos deslizaram para o ciclo seguinte
de planeamento.
Hierarquia do planeamento
A hierarquia do planeamento tem a ver com o nível organizacional em que o mesmo é realizado.
Quanto mais alto um gestor estiver colocado na hierarquia da organização, maiores são as suas com-
petências e responsabilidades em relação ao planeamento. De facto, um dos maiores garantes de
estarmos na presença de um gestor de sucesso pode ser indicado pela sua habilidade para implemen-
tar processos de planeamento. Um quadro superior de um sistema ou duma organização, em matéria
de planeamento, transmite as grandes linhas que devem enquadrar a acção da organização. Nestas
circunstâncias, está-se no domínio político. É a ele que também lhe compete orientar a realização do
planeamento estratégico. Já no que se refere aos gestores de níveis mais baixos da organização têm
de desenvolver toda a sua acção no sentido de planearem, a fim de cumprirem os objectivos e as
metas81 determinados pelos primeiros. Compete-lhes o planeamento táctico. No que diz respeito aos
elementos que estão junto dos executores compete-lhes o planeamento operacional.
81
Uma meta é um objectivo quantificado. Contudo, esclarecemos que autores existem que têm uma ideia contrária.
282 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Objectivos políticos
Tal como referimos anteriormente, na linha de pensamento de Henry Mintzberg (1994), para
nós os conceitos de estratégia, de pensamento estratégico e de formulação estratégica são diferen-
tes do conceito de planeamento estratégico. Por isso, estabelece-se a categoria de objectivos políti-
cos que determinam as grandes opções que devem orientar as vidas das organizações. O que se
visa é determinar as grandes necessidades sociais. Nesta dimensão, deve ser especificada a filoso-
fia de acção da organização. Esta é constituída pelo credo da organização, quer dizer, os seus prin-
cípios, os seus valores, isto é, aquilo em que a organização acredita e que determina a sua identi-
dade cultural. No plano político, devem, assim, ser consideradas a vocação da organização, a sua
missão, bem como a super-estrutura e os modelos de liderança e as relações interpessoais. Quer
dizer, estamos perante uma estrutura de ideias que visa satisfazer uma necessidade social. Em con-
formidade, os objectivos políticos são aqueles que têm um valor ideológico, pelo que não podem
estar a mudar ao sabor circunstancial das conjunturas (ver quadro 52).
1.1.1.1
1.1
1.1.1
__f12-
1.1.2 j:u -
1 2.2
1.
1.2.1 I~
1.2.1.2
1.2
1.2.2.1
12.2
1.2.2.2
Objectivos estratégicos
São objectivos políticos de longo prazo. Quer dizer, aqueles que têm um valor estruturante. Visam
ser mais do que uma simples formulação de grandes ideias, pois procuram transmitir uma mensa-
gem mobilizadora para todos aqueles que estão envolvidos numa determinada organização ou pro-
jecto, na medida em que é através deles que se realizam as grandes decisões em matéria de atribuição
de responsabilidades, escolha de mercados ou áreas sociais, opções de produção ou de serviços, afec-
tação de recursos. Devem, por isso, estar intimamente ligados às grandes opções políticas da organi-
zação que lhe está a montante e ao planeamento táctico que lhe é sequente e está a jusante.
-
Objectivos tácticos
Apoio e o Planeamento [ 283
Os objectivos tácticos têm por finalidade resolver problemas específicos. Por isso, consubstan-
l
ciam em programas e projectos as decisões realizadas no planeamento estratégico.
Planeamento operacional
Objectivos de suporte
São aqueles que são estabelecidos a nível da logística, a fim de suportarem a vida da organização.
Sistema de planeamento
O planeamento tem um sistema que o caracteriza e determina o protocolo segundo o qual deve
ser realizado. Por definição, um sistema é um conjunto de elementos em interacção dinâmica para
atingirem um determinado fim. Em conformidade, t0mbém o planeamento tem um conjunto de
elementos que devem interagir para atingirem um fim que lhes é comum. Muito embora possa
depois apresentar um nível de formalização mais ou menos complexo, devem ser considerados os
seguintes elementos:
Orgânica;
Processo;
Fronte"1 ras;
lnteifaces;
AI imentação;
Resultados;
Retro-ai imentação.
Orgânica
Processo
Fronteiras e interfaces
Interfaces
São os espaços de cooperação entre os diversos sistemas sociais. São ainda os pontos de con-
tacto e de coincidência dos vários sectores sociais que são objecto do planeamento.
284 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Alimentação
Um sistema de planeamento tem de ser alimentado com recursos humanos, materiais e finan-
ceiros sob pena de ser inoperacional e inconsequente.
Universo
Resultados
Retro-alimentação
O tempo
Actividades existem em que o tempo longo pode ser de seis meses a um ano, na medida em
que as coisas mudam muito rapidamente (por exemplo, as novas tecnologias, a moda, etc.).
Outras actividades mais estáticas, em que o tempo longo pode ser de quatro ou mais anos, por
exemplo, o próprio desporto federado, em que as regras só mudam, eventualmente, de quatro em
quatro anos, de acordo com as Olimpíadas.
No entanto, se olharmos para as novas práticas desportivas, as coisas mudam e evoluem bem
mais depressa. Quando se trata de espaços sociais ou organizacionais com maiores dimensões o
tempo longo geralmente assume períodos que se relacionam com as suas especificidades.
Espírito de corpo
O nível e o padrão de col aboração entre as diversas unid ades da organi zação determin am o
"es pírito de co rpo" necessário à rea li zação da res pectiva mi ssão.
A rea lização da mi ssão obri ga a um esfo rço co njunto dos procedim entos organi zacionais (coor-
denação, co nju gação e fiu xos de trabalho) dese nvo lvidos num determi nado am bi ente de tra balho.
Deve ser considerado que o padrão de in tegração do trabalh o, segundo Beve rl y, Goldberg & G.,
John Sifonis (1 994), acon selh a uma integração do pensam ento por parte das lideranças . Isto signi·
fi ca qu e os pro bl ema s das organi zações, das cid ades, dos países, já não podem ser vistos de um a
forma iso lada, pelo que têm de se r co nsiderados nu ma dinâm ica de in te r-relações . Por isso, só um
lun ático pode and ar por aí em regim e de autogestão a reivindi ca r a rea lização dos Jogos Olímpicos
de Li sbo a à reveli a de tudo e de tod os, num a esquizomania a todos os títul os lamentável porqu e
ridi cul ariza o desporto e o país perante o movim ento olímpico intern acional.
Vantagens e desvantagens
A integração no pl aneamento estratégico pode ser anali sad a do ponto de vi sta horizontal e ve r-
tica l. Do ponto de vista horizontal qu and o se deseja um desenvolvim ento de novas áreas de produ-
ção dentro da orga ni zação. Do ponto de vista verti ca l quand o se deseja obter novas fases do pro -
cesso produtivo . Esta dinâmi ca de integração num a dada organi zação aprese nta va nta gens, mas
também pod e aprese ntar desva ntage ns:
Vantagens:
1. Promove a motivação;
2. Não te m custos di rectos e pode promove r econo mias;
3· Dá um a visão global das organizações aos seus elementos;
4· Favorece relações inform ais;
5· Supera as limitações do forma li smo das regras;
6. Favo rece a efi các ia das rotin as.
Desvantagens:
1. Pode promover inefici ência e aum ento de custos;
2. Pode promover disfun ções ;
Longo prazo
O planeamento a nível estratégico caracteriza-se por suportar as decisões de longo prazo. Deve,
por isso:
1. Partir da iniciativa dos níveis hierárquicos mais elevados;
82
Utilizamos a data da primeira edição da obra referida.
83 Da tradução brasileira: lgor Ansoff (1977). Estratégia Empresarial. Rio de Janeiro, McGraw-Hill, 1.a ed., 1965.
Apoio e o Planeamento [ 287
Na obra A Concept ofCorporate Planning 84 o planeamento estratégico deve obedecer aos seguin-
tes itens:
1. Pressupostos condicionantes;
2. Declaração de propósitos;
3· Objectivos;
4· Estratégia esco lhid a;
5· Sistema de contro lo.
Alan Rowe J. & O. Richard Mason & E. Karl Dickel & H. Neil Snyder (1989)
Na obra Strategic management: Concepts and Cases, desenvolveram um modelo a que designa-
ram "As cinco tarefas da estratégia":
1. Definir a missão;
2. Determinar objectivos:
a. Curto prazo;
b. Lon go prazo.
84
Da tradução brasileira: Russell Ackoff (1979). Planejamento Empresarial. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1• ed.,
1976.
288 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
3· Idealizar a estratégia:
a. Nível da organização;
b. Nível dos negócios;
c. Nível funcional;
d. Nível operacional.
4· Im plementação e execução;
5· Avaliação e revisão.
Tom, Perry Lee & G. Stott, Randall & W. Norman Smallwood (1993)
Na obra Real-Time Strategy: lmprovising Team-Based Planning for a Fast-Changing World argu-
mentam que o planeamento estratégico parte de um "sistema de acompanhamento" que interage
com os segu intes aspectos:
1. Objectivos estratégicos;
2. Oportunidades;
3· Responsabilidades sociais;
4· Capacidades;
5· Recursos humanos;
6. Acção.
Na obra Dynamic Planning- The Art of Managing Beyond Tomorrow apontam a segu inte meto-
dologia:
1. Identificação do problema:
a. Levantamento dos recursos;
b. Análise interna;
c. Análise externa;
d. Retorno à aná li se interna.
2. Procura de so lu ções:
a. Determinação da situação;
b. Desenvolver opções.
3· Análise das soluções:
a. Elaboração de um modelo estratégico;
b. Análise da opção;
c. A abordagem.
4· Implementar as soluções:
a. A grande estratégia;
b. A dinâmica do planeamento;
c. Gestão da mudança;
d. Monitorização;
e. Prospectiva.
Apoio e o Planeamento [ 289
Na obra Strategic Planningfor Public and Nonprofit Organizations: A Cuide to Strengthening and
Sustaining Organizational Achiet~ement são identificados oito momentos que devem ser considerados
na elaboração de um processo de planeamento estratégico:
1. Acordar as condições de arranque do processo de planeamento estratégico;
2. Identificar o enquadramento legal do plano estratégico;
3· Clarificar a missão da organização;
4· Avaliação do ambiente externo: oportunidades e ameaças;
5· Avaliação do ambiente interno: forças e fraquezas;
6. Identificar potenciais confiitos;
7· Formular estratégias para a gestão de cada item;
8. Estabelecer uma visão para o futuro.
Tendo em atenção, por um lado, a formulação estratégica e, por outro, a metodologia do pla-
neamento estratégico podemos desenhar o modelo que apresentamos no quadro (ver quadro 53).
Integração
Área
Objectivos
IQualidade
OK?
"'c
'" 1.Orgânica
"'
o: 2. Actividades
3· Marketing
4· Formação
S· Documentação
6. Informação
~~uê?---- ~~~~L;]?
7· Instalações
8. Apetrechamento -->-
g. Quadros humanos Onde?
___ ____ , 10. Economia e finanças Por quem?
~iagnóstico interno____ l : 11. Normativo
Par quê.
) ~uem?
+
L_~tamento da~i:tJ.a~"'-- L1_2_.G_e_s_tã_o_ _ ~---------"
. ,_ --------E~
AGONGD-19
290 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Pelo mode lo proposto é possíve l identifi ca r os pa râmetros que devem ori entar o pl anea mento
estratégico:
Diagnóstico externo
Ava li ação do ambi ente extern o da orga ni zação (levantamento da situ ação), tend o em atenção a
evo lu ção das tend ênci as sociodespo rtivas , as oportunidad es e as ameaças, a fim de serem determi-
nados os facto res críti cos de sucesso relativa mente à organi zação.
Diagnóstico interno
Ava li ação do ambiente intern o da orga ni zação (l evanta mento da situ ação), so b o ponto de vista
das suas forças e das suas fraquezas, ten do em conta a sua fil osofia de acção e a identid ade cultural,
a fim de serem determin adas as competências di stintivas da organização.
Vantagem competitiva
Determin ação da vantagem competi ti va da orga nização pelo cru za mento das co mpetências distin -
tivas com os factores críticos de sucesso. A determ inação da vantagem competitiva pode desencadear
feedbacks orga nizacionais a fim de afi narem os factores críticos de sucesso, bem como ils com petên-
cias distintivas identificadas . A determ inação das va ntagens competiti vas de uma organização é obtida
pela análi se da situação.
Objectivos estratégicos
Deco rre m da determin ação da va ntage m co mpetitiva e deve m se r determin ado s a partir dos
facto res de dese nvolvim ento signifi cativos , qu er di zer, aqu eles qu e in te ressa m ao pl anea mento
estratégico . A determin ação dos obj ectivos estratégicos (projecção planeada) deve se r rea li za da
tendo em ate nção a projecção de tendência e a projecção ideal.
Determinação da estratégia
Determin ar a estratégia a adoptar é conseguido através de um a de quatro opções fund amenta is:
1. Expa nsão; 3· Qua lidade;
2. Dive rsificação; 4· Mi sta.
Integração
In tegrar os objectivos estratégicos nas diversas áreas, sectores, etapas ou ciclos do processo de
desenvo lvi mento do despo rto é de fu nd amen tal importância a fi m de cri ar sine rgias entre as partes
de qualquer sistema. Não esquecer qu e se po r um lado o processo de es peciali zação do trabalh o
obriga a dividir os organi gramas no se ntid o horizo ntal e verti ca l, o processo de integração obri ga a
fazer a ope ração em se ntido contrário , isto é, no se ntid o da co njugação e coo peração interpartes da
organ ização, estimul and o o surgimento das co rrespo nden tes potenciais sinergias .
Uma vez definido s os objecti vos es tratégicos há qu e passa r para a form alização do pl anea-
mento estra tégico através da determ inação e dos programas e a afectação dos recursos dispon íve is
e passar ao pl ane mane nto tácti co e ope rac ional.
Apoio e o Planeamento [ 291
Sistema de controlo
Elaboração do sistema de controlo conforme quadro 56. Assim, é necessário definir as variáveis que
se pretendem medir, estabelecer os critérios de medição, determinar o sistema de controlo (quem con-
trola, como, quando e onde), avaliar os resultados, proceder a eventuais correcções, fazer relatório.
No planeamento táctico a tomada da decisão é feita com base em factos, conhecimento e razão
(em opos ição à tomada de decisão com base na intuição) . Deve ser explícito, rigoroso e sistemát ico,
baseado em técnicas e processos lógicos.
O planeamento táctico tem por objectivo a afectação de recursos e o estabelecimento de sistemas
de controlo necessários para levar a cabo as decisões realizadas a nível estratégico. Destina-se, por
isso, a determinar os tempos e os momentos e a afectar os recursos através dos quais vão ser atingi-
dos os objectivos inicialmente previstos que devem ser organizados em programas (ver quadro 54).
Deve, ainda, escolher e afectar os meios pelos quais se procurará atingir os objectivos. Tem, por
isso, a finalidade de optimizar determinada área de resultado ou factor de desenvolvimento, para usar-
mos a terminologia desportiva. De uma maneira geral, em matéria de desporto, o planeamento táctico
pode ser realizado através da utilização de factores de desenvolvimento. Na nossa ideia, o planeamento
táctico organiza-se através de diversos programas por factores de desenvolvimento do desporto.
Gestão a, b, c, ...
Orgânica a, b, c, ...
~
Factores Forças
Marketing internos Fraquezas a, b, c, ...
Documentação a, b, c, ...
Informação a, b, c, ...
· Apetrechamento a, b, c, ...
Instalações a, b, c, ...
Adi_vidades a, b, c, ...
O planeamento a nível operaciona l caracteriza-se pelo desenvolvim ento das actividades e tare-
fas que possibilitam a realização do trabalho quotidiano das organizações (rotinas), para que estas
possam cumprir a sua missão e objectivos . Traduz-se ain da nos programas e nos projectos desen-
vo lvidos a nível de cada ano. No planeamento operaciona l não se trata de declarações de intenções
ou proposições. Trata-se de especifi car aqui lo que se vai fazer. Nesta perspectiva, o planeamento
operaciona l pode ser organizado tendo em atenção o conjunto de programas e de projectos que
vão se r desenvolvidos (ver quadro 55).
Em relação a cada projecto ou programa devem ser respondidas as perguntas tradicionais:
1. O que é que se quer fazer?
2. Como é que se quer fazer? Com que tecnologia e com que recursos?
3· Quando é que se va i fazer?
4· Onde é que aqui lo que se quer fazer vai oéorrer?
5· Por quem é que vai ser realizado?
6. Com quem é que va i ser realizado?
7· Para quem é que va i ser rea lizado? Quem são os destinatários?
8. Para o que é que se va i fazer? Quais são os objectivos da acção?
Total
de
n programas
Gestão a, b, c, ...
Recursos humanos
t
Quando?
a, b, c, ...
a, b, c, ...
Marketing
Documentação t
Onde?
a, b, c, .. .
Informação
a, b, c, .. .
Instalações
Formação
t
Com quem?
a, b, c, .. .
a, b, c, ...
Normativo
1 t
Para quem?
a, b, c, ...
Economia e finanças a, b, c, .. .
Actividades a, b, c, ...
Controlo
1
Os resultados
Definir Estabelecer Determinar Medir atingiram
as variáveis critérios e nfveis o sistema os
a medir de aceitação de controlo resultados
L __ _ Re_la_tó_r_io__ ~l~·------,1~------~
Nova fase ~.
L-----------~__d_e_co_n_tr_o_
lo~l+-------,
~ \-------V
294 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus
J. F. Lyotard (1979)
Na obra A Condição Pós-Moderna, este auto r diagnostico u o fim da modern id ade e o co nsequente
advento de um a nova era ca racterizada pelo abandono das narrati vas id eológicas legitim antes que,
desde'o século XVIII , organi zava m o pensamento e a acção dos Homens. Também o des porto foi var-
rid o por esta voragem da hi stóri a, pelo que, hoje, se enco ntra profund amente irreco nhecível no que
diz respeito à sua vocação e sistema de va lores.
Por isso, no des porto actual, não chega determi nar um res ultado ou um a marca ou organiza r
um even to intern aciona l. É necessá ri o sa ber em qu e projecto de desenvo lvimento hum ano é que
aq ueles estão integrados, so b pena de aco ntecer um a co mpleta pe rve rsão dos va lores e dos objecti-
vos do des porto.
Por outro lado, vej a-se o que se passa hoje no mundo do despo rto co m os países e as grandes
marcas a aproveitarem-se e a fin anciarem organizações, eventos e atl etas à custa da exploração de
mão-de-obra barata nos países em vias de dese nvolvimento, tal como a Chin a, a Ín dia, o Paqui stão e
até mesmo em países qu e já pertencem ao clube dos pretensa mente desenvolvidos como, por exem-
plo, Portuga l. Portugal, neste aspecto, até apresenta um a situação singular na med id a ~m que se por
um lado é explorado, por outro não deixa de ser expl orador. Veja-se, entre outros, o caso de Obi kwelu,
Naide Gomes ou até, mais recentemente, Pedro Em anuel e Chainho, que viram a sua inscrição para o
Mundial de 2006, na equi pa de Ango la, recusada pela FIFA, uma vez que os jogadores já tinham
representado Portu gal nas selecções de jovens em competições internacionais85.
Manuel Sérgio
O "desporto pelo desporto", que alguns querem contrapor ao desporto político, pretendendo
ressuscitar o complexo ideológico que presidiu ao nascimento do desporto moderno na Inglaterra
vitoriana, redundará fatalmente em fracasso e não resistirá a um austero esforço de compreensão
global. É que, embora algazarreado por pessoas que se afirmam apolíticas, esse tipo de desporto
está penetrado e imbuído de opções políticas fundamenta is. Não há desporto, na sociedade
moderna, sem um claro suporte institucional e não há instituições sem uma prática política efec-
tiva no contexto sociaL O desporto apolítico é uma doce mentira ou uma tremenda ignorância.
Iri O Desporto Madeira , 29/ll/2002
85
In Público, i 3/S/2oo6.
[Hermes e oGestõo de Projectos
Objectivos do capítulo. Hermes começou por ser invocado como deus dos pastores e protector
dos rebanhos, dos covolos e onimois selvagens. Depois, tornou-se deus dos viajantes. Por isso,
em suo homenagem, foram erguidos estátuas à beiro dos estrados (hermos). Nesta perspectivo,
aqui o associamos à gestão de projectos no medido em que o ideio de projecto tem dentro de si
umo perspectivo de viagem. Posteriormente, Hermes tornou-se deus do comércio, pelo que é
mais umo razão poro enquadrar o espírito do presente capítulo. Infelizmente, Hermes tàmbém
ocobou por ser o deus dos ladrões. Poro proteger os compradores e vendedores, inventou o
bolonço e promoveu o eloquência. Ébem o deus patrono dos gestores de projectos, obrigados oo
rigor e à copocidode de persuasão que deve ser apanágio de quem se espero copocidode de
envolver os pessoas no organização do futuro. Assim, no presente capítulo, vamos desenvolver
os questões relativos oo planeamento e-gestão de projectos, considerando o suo definição, os
questões iniciais, os técnicos de programação, o identificação de um projecto e o seu planea-
mento. Finalmente, apresentamos umo pequeno síntese de conclusão.
Antigamente, os projectos, sa lvo raras excepções, não eram suficientemente grandes e complexos
ou com necessidade de serem co mprimid os no tempo, de forma a exigirem para a sua execução uma
estrutura de ta refas 86 executadas em regime de coordenação, bem como uma série de técnicas e com-
petências de programação. Então, os responsáveis pela gestão de projectos lim itava m-se a realiza r de
memória um conjunto de operações que se sucediam umas atrás das outras. Com o decorrer do
tempo, a evo lução da sociedade industri al obrigou a que os projectos se tornassem não só maiores
como mais comp lexos . Deste modo, a importância e o esfo rço de planeamento têm vindo a aumen-
tar, de forma a dar res posta às exigências provocadas pela compl exidade dos projectos e às li mitações
do tempo em relação à sua execução. Po r isso, quanto maior for a comp lexidade e o níve l de incer-
teza, maiores são os con hecimentos e os recursos técnicos necessários ao processo de planeamento.
Por outro lado, a escassez de recursos veio, ainda, a obrigar a que os projectos se rea lizassem cada
vez com um maior ri gor, de maneira a serem controlados e, se possível, red uzidos os custos e renta-
bilizados os meios disponíveis. A complexidade e o rigor vieram, ass im, originar que as técnicas de
planeamento e programação de projectos evolu íssem para níveis de sofisticação muito elevados. Con-
tudo, há que manter os pés bem assen tes na terra. Um projecto é para dar resposta expedita a proble-
mas. Portanto, a ênfase do gestor de projectos deve ser co locada fundamentalmente na so lu ção.
86
Uti lizamos o conceito de tarefa com duas acepções. No seu sentido lato como uma unidade de trabalho independente,
seja ela uma actividade, uma tarefa ou uma subtarefa. Ou, no seu sen tido estrito, co mo uma subunidade da actividade ou
como um conjunto de subtarefas.
296 ) Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Quando a Nasa iniciou o lançamento de astronautas, descobriu que as canetas não funciona-
riam com gravidade zero. Em conformidade, contrataram a Andersen Consulting, para resolver o
enorme problema. Gastaram dez anos e 12 milhões de dólares. E com êxito, já que conseguiram
desenvolver uma caneta que escreve com gravidade zero, debaixo de água, em praticamente qual-
quer superftcie e a temperaturas que podem ir até 300 graus Celsius.
Os russos usaram simplesmente um lápis ...
É isso precisa mente o qu e se passa com o desporto. Des de o pl anea mento e a programação
dum grand e eve nto des portivo até à simpl es rea lização dum qu adro co mpetiti vo esco lar, cada vez
são mais utilizadas técni cas de pl aneamento e programação que aca bam por melh orar signifi cativa-
mente a efi ciên cia e a eficácia do trabalho rea lizado. Com mais ou menos tec nologia, com mais ou
menos pessoas envo lvidas, co m recu rsos ma is ou menos signifi cativos, com um a lid erança mais
ou menos pa rtilh ada , o co nhecim ento re lativo ao pl anea mento e gestão de projectos é de fund a-
mental importância pa ra o gestor de desporto . De facto, as escolas , os clubes, as federações des-
portivas e outras orga nizações são rea lid ades organi zacionais inte ractivas que co mportam acti vid a-
des que podem ser processadas co mo unid ades de traba lho independ entes, para além de todas as
rotinas de manutenção e suporte qu e devem fun cionar no dia-a-di a. Essas unid ades de trabalho ou
projecto dão form a .a todo um co njunto de se ntim entos, desej os, crenças e motivações qu e os
diversos prota goni stas vi ve m dentro de cada um a daqu elas organizações .
87
Em conformidad e, a gestão dum projecto tem , sim ultanea mente, a ver co m um processo que
se deseja cie ntífico mas, também, tem a ver co m aquilo a que podemos des ignar por arte. De facto,
um projecto utiliza determin adas operações de natureza científica mas, também, muita da sua efi-
cácia e efi ciênci a fica-se a dever ao trabalho de cri ativid ade do s se us mentores e autores. Ass im, um
projecto terá tanto maior êxito qu anto mais os seus autores esti verem integrados na din âmi ca das
orga ni zações e sistemas ond e ele se dese nvolve. Por outro lado, é necessá ri o co nsid erar a qu estão
políti ca. Muitos projectos de dese nvolvim ento estão envolvidos na probl emáti ca da política geral,
na política edu cativa e, no caso do des porto, na política desporti va, eco nómi ca e social, qu e confi -
gura as opções ideológicas esse nciais qu e é necessá ri o co nsid erar. Portanto, os critéri os para a sua
elaboração e execução ultra passa m frequ entemente os aspectos de ordem técni ca e situ am-se num
pl ano de decisão macro de tod'o o sistema de pl anea mento a qu e já ~os refe rimo s.
87
Se mpre que possível, usamos a te rmi no logia mais co rrJnteme nte utili zada pelo software mais div ul gado no me rcado
nacio nal e intern acio nal, concretamen te o programa de planeamento de projectos da Microsoft.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 297
No discurso co mum, e na literatura mais divul gada, o term o projecto, de uma maneira gera l,
em sentid o lato, pode significar um a id eia qu e se deseja desenvolve r, ou uma mera intenção de rea-
li za r qualqu er co isa no futuro. As pessoas e as organ izações têm projectos, enten den do-se estes
projectos como ideias que desejam vir a rea liza r.
Faz uma arca; uma grande barca de boa madeira resinosa, com vários compartimentos e põe-
-lhe betume por dentro e por fora . Deves fazê-la com estas medidas: cento e cinquenta metros de
comprimento, vinte e cinco metros de largura e quinze metros de altura. Faz-lhe uma clarabóia a
meio metro do cimo e uma porta de lado. Deves fazf -la com três andares sobrepostos. f. --1 Vou
fazer cair sobre a terra um dilúvio de água, para destruir todos os seres vivos que existem no
mundo. Tudo o que há na terra vai morrer. Mas contigo farei um pacto de aliança. Deves entrar
na arca, tu e os teus dois filhos, a tua mulher e as dos teus filhos. E de todas as espécies de seres
vivos deves levar para a arca dois exemplares, um macho e uma fêmea, para poderem sobreviver
juntamente contigo. Deves apanhar e armazenar os diferentes tipos de comida que cada espécie
costuma comer, como provisões para ti e para os teus animais. E Noé fez tudo exactamente como
o Senhor lhe tinha mandado fazer.
ln Génesis
No entanto, a id eia de proj ecto pode também ser utilizada num se ntido estrito, send o neste
caso o term o cons id erado co mo um a unid ade do programa. Então, te ríamos a seguinte estrutura:
· Pl ano;
· Programas ;
· Projectos;
· Actividad es;
·Tarefa s;
· Subtarefas.
O planeam ento de proj ectos utiliza uma tecnologia específi ca co nstituíd a por um conjunto de
procedimentos e in strumentos qu e escl arecem, integram, contro lam e facilitam todo o sistema de
pl anea mento. É este último se ntido que agora nos interessa co nsid erar, ind epend entemente do
projecto em ca usa se situ ar no domíni o estratégico, táctico ou operacional.
Um projecto é um a ideia qu e tem de ser pl aneada, como deco rre do qu adro relativo ao pl anea-
mento operacional. Para que o plan ea mento possa se r realizad o, o projecto tem de ser dividido num
conjunto de partes (activid ades, tarefas e subtarefas) que deve m ser executadas segundo um a dada
ordem, ao longo de um período de tem po estabelecido. Esta operação pode ser um a simples li sta de
"coisas" (cábul a, check-líst) a rea li zar, segund o um a prioridade co m um a lógica predetermin ada.
298 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
O conceito de projecto ultrapassa a rotina das organizações. Por não pertencer ao domínio da
rotina, o projecto requer um planeamento próprio e específico, muitas vezes com a utilização de gru-
pos de trabalho constituídos para o efeito, em função dos objectivos a atingir. No âmbito deste tra-
balho, o projecto organiza as actividades inerentes ao planeamento operacional. Um processo de
desenvolvimento consiste, precisamente, em transformar projectos em rotinas, de maneira a que
sobre as novas rotinas se possam realizar novos projectos e assim sucessivamente.
Não chega ter ideias. Estas têm de ser implementadas e como tal têm de ser sujeitas a um con-
junto de operações que as vão transformar em realidades. É aqui que surgem as técnicas de planea-
mento e programação de projectos. O planeamento dum projecto é, por isso, o conjunto das opera-
ções que é necessário realizar num determinado período de tempo que medeia entre o momento
em que é decidido dar corpo a uma ideia e a sua implementação.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 299
A elaboração do projecto vai responder, em termos operacionais, quer dizer, de uma maneira
mais fina, às questões iniciais anteriormente enunciadas. Assim, deve-se ter uma resposta concreta
para as seguintes questões:
O quê? (Objecto) - Qual é o projecto a realizar. Onde é que ele se integra no plano operacio-
nal? O que é necessário fazer (objectivos técnicos)> Quais são as condições em que o projecto
é considerado como realizado?
Como? (Método, estratégia) -Como é que se vai conseguir realizar o objecto do planeamento?
Qual é o ambiente e a complexidade do trabalho a realizar? Qual o caminho a seguir> Com que
recursos humanos, materiais e financeiros> Com que constrangimentos> Quais as actividades e
tarefas a realizar> Qual o sistema de planeamento a utilizar> Quais são as questões que se colo-
cam em relação à utilização do tempo? Quanto, custa e quais são os recursos necessários?
Quais os recursos disponíveis? Qual o balanço entre os recursos disponíveis e os necessários?
Como é que funciona o sistema de controlo?
Quando? (Tempo) -Quando é que a acção "o quê>" vai ser realizada? Quais os problemas
relativos à gestão do tempo> Quais o início e fim da acção? Quais as margens de folga> Tem-
pos mais cedo e mais tarde do início e do fim, etc. Quanto tempo é necessário para que o pro-
jecto produza os efeitos desejados>
Onde? (Lugar) -Onde é que tudo vai acontecer> Onde é que o projecto se vai realizar?
Por quem? (Executores) - Por quem, determina quem são os responsáveis? Pessoas ejou enti-
dades? Quem vai realizar o trabalho> Quem toma as decisões>
Com quem? (Envolvidos) - Esta questão tem por objectivo indicar as entidades individuais e
colectivas, públicas ou privadas (parceiros), a serem envolvidas, quer directamente quer indirec-
tamente, no projecto.
Para quem? (Destinatário) -Quem são os destinatários> Quais os segmentos sociais abrangi-
dos> Estão de acordo com "o quê?", quer dizer, com aquilo que se pretende realizar?
Para quê? (Objectivo) -Quais os objectivos que se pretendem atingir, através de uma acção ou
projecto específico> Os objectivos só ganham sentido se estiverem de acordo com aquilo que
se deseja fazer, "o quê>", e com os destinatários, "para quem>".
Pelo exposto, podemos concluir que um projecto deve ser construído segundo um conjunto de
operações que devem ser realizadas com uma certa lógica com vista à obtenção de determinados
resultados previamente previstos. É evidente que cada projecto será realizado em conformidade
com o contexto das acções e tarefas a desencadear.
Fases
9.3.1 Redes
Uma rede (grafo) é uma representação gráfica da sequência lógica das actividades, das tarefas e
dos acontecimentos, das respectivas interdependências, com o fim de alcançar um determinado
objectivo. A rede, no seu conjunto, representa o desenho do projecto. É composta por actividades,
tarefas, acontecimentos e marcos (milestone).
Como se disse, no planeamento e gestão de projectos utilizam-se as seguintes técnicas: Pert e
CPM. Actualmente, não se realiza uma distinção muito nítida entre as duas técnicas, já que os
modelos ~escritos, geralmente, tentam aproveitar as melhores características de cada uma, em fun-
ção daquilo que se está a planear.
9.3.2 Sub-redes
Quando o número de tarefas ultrapassa a capacidade de análise é necessário criar sub-redes.
Do mesmo modo, quando existem assuntos diversos dentro dum mesmo projecto, para além de
poderem ser organizados em sub-redes, podem também ser realizados por equipas diferentes.
----------
9.3.3 Gantt
Planear, como temos tido a oportunidade de ver, corresponde a dividir o trabalho de forma a
poder posteriormente juntá-lo de novo de maneira a obter-se determinado produto ou efeito espe-
rado. Esta técnica foi inventada por Henry Gantt em 1900. A ideia de Gantt foi dividir um projecto
em actividades que têm de ser realizadas segundo uma determinada ordem. Gantt desagregou o
trabalho necessário à realização dum projecto em diversas actividades e estas em tarefas.
Para a elaboração dum cronograma Gantt devem ser executados os seguintes procedimentos:
• Identificar as actividades, tarefas (quando existem) e subtarefas;
• Ordenar as actividades;
• Apurar a interdependência das actividades;
· Estimativa do tempo de duração das actividades;
· Controlar os recursos;
·Determinar os marcos (milestone).
Basicamente, como se pode verificar pelo respectivo quadro, o modelo Gantt (ver quadro 57) é
constituído por um quadro de dupla entrada em que iJ S diversas actividades a realizar são especifi-
cadas no eixo vertical do gráfico e são colocadas ao longo de uma escala de tempo marcada no eixo
horizontal do mesmo gráfico. Como se depreende, este é um processo bastante simples que pode
ser utilizado nas mais diversas situações.
O método Gantt tem limitações que foram ultrapassadas pelos chamados métodos em rede,
denominados Pert e CPM.
Desenvolvimento
0 .. .
0 ...
o ...
o6
os
04
03
02
01
Tempo
9.3.4 Pert
O método Pert, que significa Program Evaluation and Review Technique, que poderá ser tradu-
zido por "programa técnico de avaliação e revisão", foi inventado para dar resposta ao Projecto
"Polaris", desenvolvido pela marinha dos Estados Unidos da América, a partir do ano de 1957.
302 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Receava-se o caos administrativo. A situação era muito complicada já que existiam 250 empreitei-
ros; 9000 subempreiteiros; 70 ooo tipos de peças diferentes; tempo limitado. Os tempos de fabri-
cação não eram perfeitamente conhecidos tendo de ser estimados, por isso, o tempo final do traba-
lho baseava-se em probabilidades. Este método começou por ser aplicado ao fabrico de produtos
que nunca foram realizados ou produzidos, por isso, joga com incertezas, tempos aleatórios e
modelos probabilísticos. Com o desenvolvimento deste método foi conseguido que o prazo inicial-
mente previsto para a construção do "Polaris" se reduzisse de 5 para 3 anos. Portanto, o diagrama
Pert consubstancia principalmente um grafo onde são representadas as diversas relações entre acti-
vidades no sentido de se conseguir uma melhor economia de recursos através duma melhor renta-
bilização da utilização do tempo.
Por coincidência, também o método CPM, que significa Criticai Path Method, "método do cami-
nho crítico", foi desenvolvido a partir de 1957, pela firma E. I. Dupont. Foi aplicado num projecto de
produtos químicos, em que os tempos podiam ser estimados com precisão. Hoje, geralmente, é
empregue na construção civil. Neste método, a duração duma actividade (conjunto de tarefas) é
linearmente e inversamente relacionada com os custos dos recursos aplicados à actividade: "tempo
é dinheiro". O que interessa é que existindo uma actividade com um grande volume de custos, ela
demore o menor terrpo possível a ser realizada. Portanto, o CPM dirige-se fundamentalmente para a
produção de materiais ejou projectos já conhecidos, em que os problemas de calendári·o podem ser
controlados, com o objectivo de minimizar custos através duma boa gestão do tempo e dos recur-
sos. É, por isso, um modelo determinístico que tem por objectivo final nivelar custos através do cál-
culo da duração total do projecto, a partir da duração e das dependências das diversas tarefas, pela
identificação das denominadas tarefas críticas.
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Hoje existem programas informáticos que procuram integrar e tirar vantagens de cada um dos
sistemas referidos, bem como introduzir novas facilidades em função das solicitações do mercado
e dos utilizadores. Destes programas informáticos o mais conhecido é o MSProject da Microsoft,
do qual já saíram várias versões.
O que se pretende com a elaboração das redes é conseguir visualizar graficamente o conjunto
• das relações estabelecidas entre as diversas actividades do projecto, às quais já foram determina-
dos os respectivos constrangimentos.
As actividades têm uma configuração de rectângulos, nos quais é colocado um conjunto de infor-
mação em função das necessidades. Entre duas actividades consecutivas dá-se um acontecimento
que é representado por uma seta (ver quadro 58). As actividades são numeradas da esquerda para a
direita e de cima para baixo.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 303
Existem duas possibilidades para a elaboração duma rede. Cada uma delas não é utilizada
duma forma pura, já que, geralmente, se usam as duas simultaneamente. Uma rede pode então ser
desenhada das seguintes maneiras:
· Regressão: parte-se do fim para o princípio;
· Progressão: parte-se do princípio para o fim;
·Mista: na prática utilizam-se as duas maneiras anteriores já que as redes são elaboradas do
princípio para o fim e do fim para o princípio.
De facto, é esta última situação a mais comum, já que a utilização do MSProject permite acres-
centar ou anular tarefas em qualquer momento.
Como se pode ver pelo quadro 58, os rectângulos ou nós representam actividades e as setas os
acontecimentos. Este sistema denomina-se AON, que signinca action on nade. Dentro de cada rec-
tângulo podem ser colocadas várias informações.
Quanto à informação a colocar dentro de cada actividade ela pode ser alterada em função do
objectivo da rede. Se estivermos numa rede de recursos, a informação terá de ser acerca dos recur-
sos materiais, financeiros e humanos de cada tarefa, para além do nome e do código da mesma.
Num quadro geral, a sugestão que fazemos é a de, sempre que possível, referir o nome do respon-
sável pela respectiva tarefa.
Num sentido prático, l<nutson & Bitz (1991) indicam sete passos para elaborar um projecto:
1. Definir o projecto;
2. Obter os dados necessários;
3· Determinar as possíveis soluções alternativas;
4· Analisar e avaliar as alternativas;
5· Seleccionar a melhor alternativa;
6. Implementar a decisão;
7· Controlar no sentido de saber se tudo está a decorrer em conformidade.
Definir o projecto
Os projectos podem ser desenvolvidos, entre outros, no âmbito macro do sistema educativo ou
no âmbito do desporto federado, ou a nível micro no domínio dum estabelecimento de educação e
ensino, de um clube ou de uma pequena empresa. Assim, é necessário começar por esclarecer em
que plano o projecto vai ser desenvolvido. Existem projectos que têm um nível micro, outros, um
nível meso e alguns a um nível macro. Por isso, é útil começar por definir o plano de influência a
304 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
que o projecto está circunscrito. É evidente que um projecto no domínio do desporto escolar para o
país não tem o mesmo nível de especi~cidade daquele que se destina, por exemplo, para uma
escola. Nem o de uma federação desportiva tem o mesmo nível de um da administração pública.
Portanto, é necessário definir o projecto, desde logo, quanto aos aspectos que se relacionam com o
seu plano de incidência.
As soluções geralmente não são únicas. É possível alinhar um conjunto de soluções alternati-
vas, acompanhadas dos prós e dos contras de cada uma delas. Por vezes, as diversas alternativas
em presença nem são completamente negativas nem totalmente positivas. Cada uma delas apre-
senta vantagens e desvantagens que é necessário equacionar.
É evidente que existem muitas soluções para se realizar um campeonato interturmas numa
escola, ou organizar a dinâmica de f1uxos numa academia de uma SAD. Escolher a melhor solução é,
pois, uma questão não só técnica, mas, também, como se disse, de criatividade e empenho dos
principais intervenientes envolvidos no projecto. Tal como o sistema de competição duma federação
desportiva, que pode estar organizado de maneira a afastar os praticantes em vez de os fidelizar à
modalidade. Aqui colocam-se problemas de dropout, conforme se pode verificar no trabalho de
Manuel Torres (1997), que caracteriza, infelizmente, a política de muitas federações desportivas.
O que é necessário fazer nesta etapa é um quadro onde sejam contabilizados os diversos
aspectos negativos e positivos das várias alternativas, de maneira a que, duma forma racional, a
melhor possa ser escolhida.
Escolher a melhor alternativa pressupõe a existência dum "processo para a tomada de decisão"
onde, por hipóteses alternativas, estão equacionadas todas as questões que devem suportar a deci-
são superior.
Implementar a decisão
Controlar
O controlo é um sistema normal de gestão que deve ser desenvolvido ao longo de todo o pro-
jecto, para que possam ser introduzidas continuamente as correcções necessárias, em relação aos
, desvios detectados, tomando como referência a "linha base" do projecto 88 . As correcções introduzi-
das devem ser objecto dum sistema de circulação de informação.
88
Baselíne, na terminologia do MSProject.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 305
AGONGD-20
306 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
3· Modelar o projecto;
4· Afectar os recursos;
5· Ajustar as condições;
6. Aprovar e divulgar;
7· Executar;
8. Sistemas de controlo.
Título
Objectivo
Datas
Responsável
Um projecto não funciona se não tiver um responsável ao qual possam ser pedidas responsabi-
lidades. É a ele que compete a responsabilidade de toda a coordenação e controlo das diversas
tarefas em curso. O responsável do projecto pode pertencer a uma organização que o indicou para
essas funções. Neste caso, a organização em causa deve também ser identificada e comprometida
no processo.
Mas, em qualquer caso, a identificação do responsável deve ser feita pelo nome, categoria
(quando for caso disso), morada, telefone, fax e correio electrónico (se existir).
Descritivo
Na maioria dos casos o título do projecto não chega para o identificar. Em conformidade, é
necessário elaborar um pequeno descritivo do projecto que, duma forma clara, o identifique sem
deixar margem para dúvidas. No descritivo podem, também, ser identificadas a negrito ou subli-
nhadas as palavras-chave que melhor identificam o projecto. Este aspecto constitui uma facilidade
para o leitor.
Comentários
Abrir um espaço para comentários é bastante vantajoso, sobretudo quando um projecto tem
alguma complexidade, o que aconselha informações adicionais que podem significar esclarecimen-
tos úteis para a sua execução. Por exemplo, quando o projecto muda de responsável ou quando é
composto por diversas pessoas que trabalham noutros projectos não existindo, por isso, capaci-
dade de registarem em memória todos os aspectos importantes.
Um sistema de registo de comentários pode, também, com grande vantagem, ser implemen-
tado para que a situação do projecto possa ser actualizada ao longo da sua realização. Deste modo,
cria-se também um sistema de participação e controlo.
Um projecto tem de ser subdividido (desagregado) num conjunto de tarefas predizíveis e inde-
pendentes. Uma tarefa tem a representação que se apresenta no quadro 59·
Nome da tarefa
-------- ------~
Código Responsável
Data de início I Data de término
Um conjunto de tarefas pode ser organizado numa tarefa maior, passando a designar-se por
"actividade".
308 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
As tarefas dum proj ecto representam a execução duma operação, num determinado período de
tempo, onde são consumidos tempo e recursos. Cada tarefa consome tempo e recursos .
As tarefas têm a ver especificamente com o projecto em causa. Podem ser, por exemplo, aque-
las que representam as operações necessárias à realização dum quadro com petitivo, as que dizem
respeito à realização do plano anu al para uma eq uipa de futebo l ou, ainda a um nível mais gera l, as
que cons ub sta nciam um plano quadrienal de desenvolvimento do desporto escolar para um a
escola do ensino secun dári o.
Fase de criação
Fase de organização
O resultado fi nal desta operação traduz-se no apuramento dum conjunto de tarefas escolhid as
duma forma aind a um tanto anárq ui ca, que representa aq uil o que é necessário fazer para se atin gi-
rem os objectivos que, entretanto, já tinh am sido definidos.
Fase de filtragem
A fase segu inte é filtrar e dar uma ordenação mai s ou menos coerente ao conjunto de tarefas
que foi decidido aprove itar do brain storm ing inici al. Por exemplo, para realizar um projecto no
domín io do desporto esco lar, num estabelecimento de ensi no secundá ri o, após uma reunião alar-
gada de troca de ideias, chego u-se à concl usão qu e era necessário realizar as seguintes tarefas:
· Quadros competitivos;
• Form ação de treinadores;
·Apoio médico;
• Pontos altos;
• Mobilização da Escola;
• Pl aneamento pelo grupo de disciplin a;
• El aboração e divul gação do plano;
• Sistema de contro lo;
• Pl anea mento anu al e plurianual;
· Projecto ed ucativo da Escola;
• Organizar os espaços;
• Contactos sistema social;
• Actividades regul ares;
· Etc.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 309
É evidente que numa reunião deste tipo surgem imensas ideias que têm de ser consideradas ou
não para a elaboração do projecto. Nesta fase, está-se somente no domínio da criatividade, pelo
que muitas das ideias produzidas serão abandonadas ou integradas noutras de dimensão maior. É
o que se passa a fazer na fase seguinte.
Acontecimentos
Um projecto é composto por actividades, tarefas e subtarefas que quando finalizadas dão ori-
gem a acontecimentos. Entre dois acontecimentos só existe uma tarefa. Os acontecimentos repre-
sentam um dado momento, uma marca de tempo, um determinado instante que separa duas ou
mais tarefas. Representam e identificam um determinado instante que não consome nem tempo
nem recursos (ver quadro 6o).
89
Actividades I
Ao conjunto de tarefas que concorrem para o mesmo fim dá-se o nome de actividade. Assim,
uma actividade é constituída por um conjunto de tarefas. O tempo de duração duma actividade é
representado pelo somatório dos tempos de duração das tarefas críticas que a constituem. De igual
modo, os recursos utilizados por uma actividade rep(esentam o somatório dos recursos utilizados
por cada uma das tarefas que compõem a respectiva actividade. j
Marcos
A realização dum determinado número de actividades ou de tarefas que no seu conjunto se iniciam
num determinado momento e terminam noutro dão origem a um momento distinto denominado
marco (milestone). Quer dizer que um grupo de actividades ou tarefas ao terminar dá origem a um
momento identificado por um marco. Por sua vez, este marco dá origem a outro conjunto de tarefas.
Quadro 60 I Acontecimentos
Tarefa Tarefa
Em função do que se disse compreende-se que um marco consome tempo zero. No MS Project, !
ao atribuir-se um tempo de valor zero a uma tarefa está a transformar-se essa tarefa num marco. Um I
89
Na terminologia do MSProject, as tarefas que congregam outras tarefas são denominadas "tarefas·sumário". Por nós
chamamos-lhe actividade.
""'
31 O ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Série ou paralelo
Em função do projecto que estiver a ser realizado é necessário estabelecer qual a escala de
tempo que vai ser utilizada. No entanto, há que ter alguns cuidados na medida em que tendencial-
mente o trabalho se expande até preencher o tempo disponível (l.a Lei de Parkinson).
Por exemplo, um plano estratégico poderá ter uma escala de tempo plurianual em relação à deter-
minação das tarefas, que se podem especificar (zoam) até ao nível de mês. Embora se possa desenvol-
ver uma escala mais fina, num planeamento estratégico não nos parece muito curial avançar para ela.
• Existem outros projectos que terão de apresentar uma especificação muito mais fina que, por exemplo,
nos domínios do treino ou duma aula de Educação Desportiva poderão ir ao nível do minuto. No
entanto, podemos considerar ainda um esquema de "ginástica rítmica desportiva", ou um programa de
"movimentos livres" de ginástica desportiva em que a escala de tempo terá de ser definida ao nível do
segundo. Outro exemplo que podemos adiantar refere-se ao planeamento anual duma escola que
poderá ser desagregado até ao nível das acções a realizar em cada dia ou cada meio-dia. Quando se
entra no domínio da hora, então passa-se para outra escala de planeamento.
----------------···-........,
Hermes e a Gestão de Projectos [ 311
Uma das vantagens dos programas de computador especificamente preparados para a elabora-
ção de projectos é o facto de, com um simples toque num determinado ícone, através do rato, se
conseguir obter diferentes níveis de especificação do projecto, expandindo ou comprimindo (zoam)
a sua escala de tempo.
Estimativas de tempo
Em relação a cada tarefa é necessário atribuir-lhe um determinado tempo necessário para a sua
execução. Desta forma, é preciso determinar estimativas de tempo para cada uma delas. Para apu-
rar o tempo que cada tarefa leva a ser terminada é conveniente ter alguns cuidados. Quando não,
correm-se também alguns riscos como o que a seguir se descreve.
Para avaliar o tempo necessário para desempenhar uma tarefa, estime-se o tempo que se pensa
que ela deverá levar para ser cumprida, multiplique-se por dois e troca-se a unidade de medida usada
pela unidade seguinte. Assim se destinarão dois dias a uma tarefa duma hora (Lei de Westheimer).
É evidente que estamos no domínio do absurdo. No entanto, por vezes, estas situações levam-
-nos a considerar alguns cuidados, necessários a uma boa elaboração do planeamento naquilo que
diz respeito à gestão do tempo. Na realidade, as estimativas de tempo que cada tarefa deve levar a
realizar é uma das operações mais importantes do processo de planeamento de projectos, já que
uma boa utilização do tempo acaba por poupar, al'ém do próprio tempo, uma boa utilização de
recursos e o volume do próprio trabalho.
Em conformidade é necessário atribuir a cada tarefa um determinado tempo conveniente para a
sua execução. Desta forma, é preciso determinar estimativas de tempo para cada uma delas.
Podem-se avançar para três perspectivas de atribuição de tempo a uma tarefa:
1. Uma optimista; 2. Uma pessimista; 3· Uma realista.
Uma boa utilização do tempo acaba por poupar o próprio tempo, para além de garantir uma boa
utilização dos recursos e o volume do próprio trabalho. Isto obriga a que sejam definidas datas.
Datas
Um projecto na acepção que está a ser utilizada é, por definição, um trabalho com um início e um
fim determinados. Em conformidade, um projecto tem de ter uma data de início e uma data de tér-
mino. O que se passa em relação à globalidade do projecto passa-se, também, em relação às diversas
actividades e tarefas que o compõem. Estas devem ser balizadas por datas que representam os res-
pectivos inícios e términos. São os limites temporais dos acontecimentos ou etapas (ver quadro 57).
Na elaboração dum planeamento podem existir determinadas restrições em relação às datas de
início e fim dos projectos. Por exemplo, podem ser identificadas as restrições que a seguir se indicam:
· Mais cedo possível: uma tarefa deve começar o mais cedo possível em relação à data do projecto;
· Mais tarde possível: esta indicação tem utilidade quando se está a construir o projecto do fim
para o princípio;
· Não terminar mais cedo que: quando uma tarefa não pode terminar antes de uma data específica;
· Não começar mais cedo que: usa-se quando uma tarefa não pode começar antes de uma deter-
minada data;
· Não acabar mais tarde que: quando uma tarefa deve acabar antes de uma data específica;
·Terminar numa determinada data: existem tarefas que devem acabar numa data estabelecida;
·Começar numa determinada data: quando uma tarefa deve começar numa determinada data.
312 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Assim, as datas, tanto em relação ao início duma tarefa como em relação ao seu término,
podem ser especificadas em data mais cedo (do início ou do fim) e data mais tarde (do início ou
do fim). Em princípio, as datas mais cedo especificam-se através duma progressão na rede. As
datas mais tarde especificam-se através da regressão na rede. Assim, podem acontecer as seguin-
tes hipóteses temporais.
· Datas mais cedo do início e do término:
Data mais cedo do início: é a primeira data em que uma tarefa pode começar, sem que
haja uma alteração do tempo total do projecto;
Data mais cedo do término: é a primeira data em que a tarefa pode terminar, sem que haja
uma alteração do tempo total do projecto.
· Data mais tarde do início e do término:
Data mais tarde do início: é a última data em que uma tarefa pode começar, sem que haja
uma alteração do tempo total do projecto;
Data mais tarde do término: é a última data em que a tarefa pode terminar, sem que haja
uma alteração do tempo total do projecto.
Calendário-base
Ordenar as actividades
Das ideias anteriormente apresentadas pode concluir-se que todas elas podiam ser organizadas
em 10 grandes actividades que podem ser subdivididas em tarefas e estas em subtarefas no âmbito
escolar.
· Projecto educativo da Escola; · Mobilização da Escola;
· Planeamento anual e plurianual; · Contactos no sistema social;
· Planeamento grupo de disciplina; · Organizar os espaços;
·Actividades regulares; · Sistema de controlo;
· Pontos altos; · Divulgação do plano.
no qual, para além de serem especificadas as diversas tarefas e subtarefas, pode ser introduzida, tal
como já se disse, alguma informação complementar, tal como, por exemplo, datas, responsável(veis),
custo de cada tarefa, etc.
As diversas actividades e tarefas dum projecto não se realizam duma forma independente. Uma
vez escalonadas numa listagem, deve-se procurar determinar as relações que estabelecem entre si,
quer dizer, as respectivas interdependências. As actividades e tarefas estabelecem relações que
devem ser consideradas na programação do projecto. Uma tarefa predecessora (antecessora) é
aquela que deve começar ou acabar antes duma outra poder começar ou acabar. Uma tarefa que
depende do início ou do fim duma outra que a antecede denomina-se tarefa sucessora. É evidente
que a relação mais comum é aquela em que uma tarefa começa quando a sua predecessora acaba.
De facto, existem actividades que só podem ser realizadas depois de determinadas actividades
terem sido parcial ou totalmente consumadas. Uma actividade pode ter uma ou várias actividades
antecessoras imediatas, quer dizer, que devem realizar-se imediatamente antes da actividade em
causa poder ser realizada. Uma actividade dependente directa é aquela que depende directamente
duma anterior. Qualquer actividade que parte dum nó é uma actividade dependente de todas as que
chegam a esse nó. Actividade dependente indirecta é aquela que depende indirectamente duma
outra que é sua antecessora não imediata.
Nas relações que as actividades podem estabelecer entre si existem casos em que as actividades
têm de acabar ao mesmo tempo e outros em que têm de começar ao mesmo tempo. Também é possí-
vel que algumas actividades possam ter início após a sua antecessora imediata estar parcialmente con-
cluída. Por exemplo, as inscrições para um quadro competitivo podem ser iniciadas depois de so% da
campanha de promoção estar concluída. Muito embora possam existir situações especiais, como são
os casos das actividades poderem estabelecer relações entre si em que os términos não estão consu-
mados, podemos dizer que são possíveis quatro tipos de relações entre actividades (ver quadro 61):
· Relação Fim-Início (FS); · Relação Fim-Fim (FF);
·Relação Início-Início (SS); · Relação Início-Fim (SF).
Relação Fim-Início
Relação Início-Início
Relação Fim-Fim
Relação Início-Fim
EE~l
----··-I
314 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
As diversas actividades que consubstanciam um projecto não têm todas a mesma categoria.
Existem actividades que agregam tarefas e estas por sua vez subtarefas. Por isso, as diversas activi-
dades dum projecto têm de ser organizadas segundo uma estrutura hierárquica.
Marcos (milestones)
Cada conjunto lógico de actividades ou tarefas pode ser separado por um marco ou milestone.
Segundo o MSProject, milestone é uma actividade ou tarefa com a duração de tempo igual a zero. É
usada para medir o progresso dum projecto.
Espera planeada
Aceleração
Caminho crítico
Assim, o caminho crítico é o caminho mais longo. Um projecto rígido é aquele em que todos os
caminhos são críticos, aquele em que não existe qualquer folga, quer dizer, em que nenhuma das
actividades tem qualquer margem de folga.
~- Ô1 . 05
L João
03 I ~----~----~~
José_ _j
O caminho crítico num grafo é a sequência das actividades críticas, isto é, aquelas que, no seu con-
junto, consomem mais tempo no total do projecto. O comprimento do caminho crítico é obtido pelo
somatório dos tempos das actividades críticas (ver quadro 62). Em conformidade, o caminho crítico
determina o tempo total do projecto. Qualquer atraso numa actividade crítica implica um atraso no
tempo total do projecto, já que nenhuma das actividades do caminho crítico apresenta margem de folga.
·.
Duração
N.• código Nome da tarefa ,........ . .....
Responsável
Início Fim Total Situação
.... ········ ....... .... i·· -··--[·-·· ----------
•
-·- -------
------- ---------
-· -------- I
iI
Note-se que o caminho crítico não é aquele que tem mais actividades mas aquele cujas tarefas
ocupam mais tempo. Em conformidade, é necessário ter um quadro tecnológico das actividades
críticas (ver quadro 63).
O conceito de folga (margem livre) pode ser utilizada em relação a uma tarefa ou a um aconteci-
mento. É o atraso máximo que uma tarefa pode ter sem que esse atraso implique o atraso do pro-
jecto. É, portanto, a diferença entre a data mais cedo do término e a data mais tarde do término. Por-
tanto, é a diferença entre o tarde e o cedo desse acontecimento. Quando existe folga positiva, existe,
simultaneamente, uma maior elasticidade do projecto ou da actividade. Se a folga é negativa o pro-
jecto tem de ser reajustado. As margens de folga podem ser positivas ou negativas. É positiva quando
uma actividade tem tempo para se expandir. É negativa quando o tempo disponível não é suficiente
para realizar a actividade. Neste caso, o projecto, a actividade, ou ambos, têm de ser reajustados. A
folga pode ser dependente ou independente. É independente quando não depende de nenhuma outra
actividade. É dependente quando depende de uma outra actividade antecessora ou sucessora.
316 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Projecto Código
Responsável Organização
Objectivos
'
O que é o projecto?
Descritivo
'
Destinatários
Pessoas envolvidas
Org. envolvidas
Custo total
Outras informações
Quest6es e problemas
Quadro tecnológico
Como di ssemos, não chega id entifi ca r du ma forma livre e desco mprometid a as activid ades, tare-
fas e subtarefas necessárias à realização do projecto. É necessário, em pri meiro lu g~ r. dar-lhes uma
ordem, na medida em que um as têm de ser rea lizadas antes das outras. Em segundo lu gar, é neces-
sário atribuir-lhes uma estrutu ra, na medida em que existem ta refas que podem se r agregadas dentro
de outras de dimensão maior. Em terceiro luga r, é necessá rio sa ber quem são os responsáveis de
cada tarefa. Em qu arto luga r, é necessá rio atribui r a cada ta refa um tempo de execução, bem como a
data do seu início e a data do seu término. Em quinto lugar, é necessá rio id entifica r a estrutura de rela-
ções que as ta refas estabelecem entre si.
Hermes e a Gestão de Projectos [ 317
Cada uma destas partes do projecto poderá ser desagregada para uma estrutura mais fina.
Quanto a um plano de desenvolvimento do desporto escolar para um estabelecimento de educação
e ensino podemos considerar as seguintes partes do f0rojecto: promoção, formação, gestão de ins-
talações, elaboração de calendários, nomeação de árbitros, etc. Do mesmo modo, cada uma destas
partes do projecto poderá ainda ser desagregada para uma estrutura mais fina.
Portanto, podem ser organizadas tabelas ou quadros tecnológicos de diversas categorias:
·Apresentação do projecto (ver quadro 64);
• Dados iniciais (inicial) (ver quadro 65);
• De afectação de recursos humanos (ver quadro 66);
• De custos (ver quadro 67);
• De controlo de tempo, de custos;
• De tarefas críticas;
·Outros.
Duração
N. 0 código Nome da tarefa Predecessoras Responsável
Início Fim Total
90
Na terminologia MSProject.
318 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Afectação de recursos
É necessário afectar a cada tarefa os recursos específicos, bem como o tempo em que os recursos,
se forem humanos, vão estar implicados (custojhoras trabalho); se forem recursos materiais é neces-
sário indicar quando vão ser utilizados (custojhora utilização) . O número de pessoas incluídas num
grupo de trabalho tende a crescer independentemente do trabalho a ser feito (4." Lei de Parkinson)
(ver quadro 62) .
Afectar os recursos
Duração
N.• código Nome da tarefa Responsável Equipa
Início Fim Total
Uma vez observada a utilização dos recursos pelas diversas tarefas ao longo do tempo, por vezes
é necessário harmonizar a sua utilização de maneira a que alguns não estejam a ser sobre-utilizados
e outros subutilizados. Esta op,eração permite determinar se algum recurso, num determinado
momento ou período, foi afectado acima das possibilidades da organização.
O ajustamento das condições, no que diz respeito à utilização dos recursos e à própria gestão
do tempo, tem um interesse muito especial, na medida em que o objectivo é verificar se o projecto
Hermes e a Gestão de Projectos [ 319
vai decorrer nas melhores condições possíveis no que diz respeito à sua eficiência e eficácia. O ajus-
tamento das condições é, por assim dizer, uma espécie de retroacção (mecanismo de controlo).
9.5.6 Executar
Nesta fase o projecto é implementado no terreno. Quer dizer, o projecto acontece segundo aquilo
que foi planeado nas fases anteriores (estratégia deliberada) e vai sofrendo as alterações de acordo com
os condicionalismos que forem ocorrendo no desenvolvimento do mesmo (estratégia emergente).
9.5.7 Controlar
A gestão dum projecto envolve também a comunicação de informação. Sendo o planeamento um
"ponto de encontro" entre aqueles que participam num projecto é, em simultâneo, um instrumento pri-
vilegiado para levar equipas a trabalharem em conjunto. Portanto, as técnicas de programação de projec-
tos têm também a ver com a ideia de gerir e fazer circular informação duma forma participada e aberta.
Nesta conformidade, é necessário que os intervenientes sejam colocados na posse de informa-
ções tão rapidamente quanto possível. Este objectivo, em termos práticos, é facilmente conseguido,
por exemplo, através da elaboração de relatórios periódicos, de reuniões em que podem ser apre-
sentados determinados quadros ou projectadas transparências ou ainda pela utilização de um
computador. A ideia fundamental é comunicar informação. A utilização, por exemplo, do MSProject
possibilita duma forma fácil e expedita o conhecimento de determinados aspectos relacionais com
o controlo das diversas actividades e tarefas que, de outra maneira, não seria possível realizar. Por-
tanto, toda a informação disponível pode ser analisada de diversas maneiras e a vários níveis, o que
possibilita uma comunhão de ideias e informação entre aqueles que estão a participar no projecto.
Posteriormente, podem ser divulgadas por todos os participantes através de relatórios.
Os relatórios neste sistema têm duas vantagens. A primeira diz respeito à necessidade de con-
trolo do projecto com vista a apurar a taxa de execução global e as diversas taxas específicas. A
segunda, a vantagem de constituir-se como um instrumento de comunicação muito útil na circulação
320 ) Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
da informação. Portanto, os relatórios devem ser entendidos como peças de fundamental importân-
cia na evolução dos projectos, já que proporcionam a divulgação, duma forma organizada e ala r-
gada, de informação, que de outra maneira seria mais difícil ou até mesmo impossível consegu ir.
Quando não existiam meios informáticos, elaborar relatórios era gera lmente um traba lh o fastidioso
e demorado, hoje, com a utilização de meios informáticos, é um trabalho que se realiza com grande
facilidade e sem grande perda de tempo, desde que se domine o programa.
A necessidade de acompanhar e registar as mudanças que vão ocorrendo ao longo do tempo é
de fundamental importância. Qualquer projecto em fase de execução encontra-se em movimento
constante, pelo que estão a acontecer transformações a todo o momento.
É necessário estabelecer datas de controlo, em que se procura saber em que situ ações se encon-
tram as diversas tarefas em relação àqui lo que estava previsto (baseline). Relativamente ao andamento
e ao controlo dos prazos de execução das tarefas, podem ser construídos quadros tecnológicos de con-
trolo a serem preenchidos em momentos determinados para o controlo e avaliação do projecto.
Custos
N.• código Nome da tarefa Responsável
Planeado Situação Esperado Saldo
Do mesmo modo, é importante ter um controlo dos custos. Para o efeito pode ser co nstruído o
quadro de controlo de custos (ver quadro 67).
O controlo de custos dos projectos deve ser conseguido através do controlo das próprias tarefas,
tendo em atenção a relação do custo planeado e o custo real.
9.6 Conclusão
Muitos actos de gestão só servem para complicar a vida
àqueles que têm de trabalhar.
Peter Drucker (1909-2005)
3· Circul ação: faze r circul ar a li sta das fases, activid ades e tarefas do projecto por aqueles qu e
nele vão participar;
4· Temporização: atribu ir um tempo máxi mo míni mo e méd io a cada tarefa;
5· Afectação de recursos: afectar os recu rsos, hum anos, materi ais e fin ancei ros a cada ta refa;
6. Depend ências: estabelece r as depend ências de cada tarefa. Os antecesso res imediatos.
7· Marcos: determin ar os marcos do projecto qu e represe nta m as dive rsas fases do projecto;
8. Tarefas críticas: determi na r as tarefas críti cas, isto é, aqu elas qu e podem provoca r atrasos em
todo o projecto;
g. El abo rar os necessá rios quadros tecnológicos;
10. Estabelecer sistemas de contro lo.
AGONGD-21
Objectivos do capítulo. Este último capítulo tem de ser dedicado a Prometeu. Uma excepção,
na medida em que Prometeu não é um deus mas um titã. Contudo, não é por isso que ele não
deve merecer esta consideração. De facto, Prometeu, com um pouco de terra e água, fez o
Homem à semelhança dos deuses. Edeu-lhe um porte erecto, que lhe permitia levantar a cabeça
para o céu e olhar as estrelas em busca da "areté". Assim, este é o grande objectivo do presente
capítulo, que fecha as ideias que iniciámos no primeiro, que designámos pura e simplesmente
por "agôn". Tem como principal objectivo fazer com que os gestores percebam que a gestão é
muito mais do que uma simples burocracia porque tem de estar envolvida numa dinâmica de
luta pela superação em busca da excelência. Prometeu, depois de ter feito o Homem, subiu ao
céu e acendeu a sua tocha no carro do Sol, roubando o fogo dos deuses para o dar aos Homens.
Éeste fogo que deve alimentar a cap!!fidade de imaginação e de sonho de qualquer gestor. Por-
que, tal como com a dádiva do fogo o Homem ganhou superioridade sobre todos os outros ani-
mais, também com os instrumentos de desenvolvimento e gestão os gestores de desporto podem
ganhar superioridade sobre os estigmas que ferem de morte o desporto moderno. Porque se o
fogo foi o instrumento de gestão que permitiu ao Homem construir as armas com que subjugou
os animais, as ferramentas com que cultivou a terra, a lareira com que aqueceu a morada, a
cunhagem da moeda com que fez os negócios, também o "agôn e a "areté", que devem presidir
à gestão do desporto moderno, podem fazer com que o desporto se transforme num instrumento
ao serviço do país no quadro da economia global.
Defendemos ao longo deste livro o desenvo lvimento do desporto enqua nto projecto de desen -
volvimento humano. Defendemos mesmo que quando o desporto não tem subjacente um projecto
de desenvolvimento humano se transforma, pura e simp lesmente, num instrumento de ali enação
de massas ao serviço duma classe ou de um grupo dominante. Se no passado o aprove itamento
do desporto, em mu itas circunstâncias, aconteceu no quadro da Guerra Fria e no da confrontação
dos grandes blocos id eo lóg icos, hoje, temos a ocas ião de todos os dias co nstatar atra vés da comu-
nicação social que o desporto, nas mais diversas situações, está ao serviço de grupos económicos
que dele se servem para alienar as popu lações no sentido dos seus interesses. Que melhor exem-
plo do qu e o da equ ipa nacional de futebo l de Portu gal, num país co m um grave prob lema de
alcoo li smo, ser patrocinada por um a marca de cerveja. De acordo com as estatísticas, Portugal é o
prime iro consum id or europeu de bebidas alcoólicas, sendo cada vez maior o número de mulheres
e jovens com problemas dessa dependência.
324 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
Pierre Bourdieu considerava a sociologia como "um desporto de combate". Em 1992, Bourdieu
afirmava ao Le Monde a necessidade imperativa da crítica. E continuava, não há democracia efec-
tiva sem um eficaz contrapoder crítico, pelo que temos de ir mais longe e afirmar que, antes de
tudo, é a democracia que é um desporto de combate. A partir desta perspectiva, há muito que
defendemos que aqueles que não aderiram a um modelo de desporto hiper-mercantilizado pelo
espectáculo e o profissionalismo precoce têm de saber utilizar a sociologia enquanto instrumento
de defesa e de ataque, ao serviço dos valores inalienáveis e eternos do próprio desporto. Nesta
perspectiva, o desporto enquanto fenómeno social de massas de maior magia à escala do planeta
pode transformar-se num instrumento de combate pela promoção da justiça e da equidade social
ao serviço do desenvolvimento humano.
Hoje, no mundo do desporto, a democracia, em muitas e demasiadas situações, é uma farsa. E
é uma farsa porque as condições de uma competição leal e justa deixaram de estar garantidas. E
deixaram de estar garantidas porque a ganância do poder tem matado a competição, na medida
em que, através dos mais diversos expedientes, o princípio do ostracismo, como definimos, deixou
de ser respeitado. Ora, não existe desenvolvimento se este não for sustentado num processo a
todos os títulos democrático, em que a competição, justa e nobre do "agôn" em busca da quali-
dade e da excelência da "areté", esteja assegurada. Só nesta perspectiva o desporto, enquanto fenó-
meno universal de cultura de massas, pode estar ao serviço da promoção da den;ocracia e do
desenvolvimento do Homem sob pena de, se assim não for, se tornar num instrumento de aliena-
ção que corrompe e despreza a democracia, o desenvolvimento e o progresso.
A sociedade industrial centralizada, hierarquizada e massificada organizou-se debaixo de uma
forte infiuência do modelo militar. Hoje, vivemos numa sociedade pós-industrial que tende para a
descentralização, a desagregação e o desmoronar das estruturas verticais e hiper-centralizadas de
poder e de comando. Agora, segundo Abel Cabral Couto (2004), trata-se de gerir interdependências
em sistemas crescentemente abertos com uma grande proliferação de pólos a funcionar numa rede
caótica, onde a mínima perturbação pode originar a perda de controlo e provocar situações perfei-
tamente aberrantes porque geradoras de autocracia e subdesenvolvimento.
Nesta conformidade, o espírito que animou o presente trabalho fundamentou-se nos valores da
competição com vista a atingir a excelência. Entre a competição e a excelência sistematizámos de
forma contextualizada um vasto conjunto de instrumentos de gestão necessários ao desenvolvi-
mento de projectos no âmbito do desporto. Não pelo desporto em si, mas pelo desporto enquanto
instrumento de desenvolvimento humano, promotor do "agôn e da "areté" catalizadores funda-
mentais do desenvolvimento económico e social do país.
10.1 "Areté"
A palavra "areté" aparece nos mais antigos textos da cultura ocidental, a Ilíada e a Odisseia. Signi-
fica mérito ou qualidade pela qual alguém se destaca, pelo que pode ser aplicada às mais diferentes
actividades da vida. Como podemos constatar na Ilíada, significava, entre outras, uma qualidade do
corpo, tal como a força, a agilidade ou a beleza. Na perspectiva de Homero, a "areté" envolvia as com-
petências e as potencialidades humanas em busca da superação, bem como as qualidades através
das quais alguém revela a sua excelência.
Para Platão, traduzia saúde ou, até, uma qualidade da inteligência ou da própria alma. Podia
ainda expressar consideração ou honra, mas também o mérito do artesão ou do homem de Estado.
Prometeu e a "areté" [ 325
No sentido moral, a palavra indicava a capacidade de realizar nobres acções por parte daqueles que
eram seus detentores. Aristóteles definiu "areté" como a condição que nos torna bons e permite aos
Homens concluir tarefas que lhes são próprias. Assim, a "areté" simbolizava o potencial humano,
quer dizer, as capacidades que permitiam ao Homem a superação e a busca da excelência.
Em consequência, para os gregos antigos a "areté" estava especificamente ligada ao conheci-
mento. De facto, era o conhecimento que podia animar a vida, pelo que só através dele era possível
engendrar as soluções que, em cada circunstância, garantiam a organização do futuro. Foi o sen-
tido que pretendemos dar ao presente livro, enquanto estrutura de conhecimentos que possibilita
uma refiexão pessoal, na medida em que, na linha de Mintzberg, assumimos que escrevemos para
aprender. Mas também pretendemos fornecer uma estrutura de análise e acção destinada àqueles
que, dos mais diversos modos e em diferentes contextos organizacionais, têm por missão intervir
no mundo do desporto.
jogo ultrapassa as burocracias in staladas, entre ela s as do próprio futebol. O problema é que hoje
são as grandes emp resas naciona is ou multinacionais a aprove itarem-se, co nscie nte ou inconscien-
91
temente, da condição ontológica do jogo , fazendo-o nem sempre da melhor maneira, sem que o
Estado introduza, so bretud o a montante do sistema, quer dizer, no sistema educativo, as correc-
ções necessárias à anu lação das assimetrias decorrentes de um mercado a funcionar em roda li vre,
estabelecendo co ntinuam ente entre as dialécticas ma ssafe lite e soc ialfeconó mico os eq uilíbri os
dinâmicos necessários ao desenvolvimento equitativo e suste ntado.
Peter Drucker foi muito ju stamente cons id erado o pai da gestão moderna. Contudo, ele foi
muito mais do que um simpl es gestor ou académico. Ele foi um "pintor de conce itos soc iais" 92 , o
que elevou o seu pensamento e os quadros teóricos que id ea li zou muito para além das questões
relativas à gestão.
Drucker, muito certamente an im ado por Atena, a deusa dos guerreiros e dos artesãos, susten-
tou o seu poder na base da serenidade e do co nh ecimento e estabeleceu uma ruptura com o pas-
sado, interessando-se pelo comportamento das pessoas e não pelo capita l ou pelas mercadorias.
Em conform idade, construiu o seu pensamento na procura de padrões qu e exp lica sse m a reali-
dade, identificando no flu xo caótico dos dados as conste lações de problemas geradora s de informa-
ção e conhecim ento, necessário s à evo lu ção e ao progresso. Peter Drucker ajudou a encontrar um
rumo de excelência a muitos daq ueles que ao longo dos últimos cinq uenta anos se i!lteressaram,
das mais diversas maneiras e nos mais variados contextos, entre eles o desportivo, pelas mú ltipl as
problemáticas da gestão. Ele viu mais longe e primeiro do que todos os seus co ntemporâneos. De
facto, ele percebeu os dois grandes movimentos orga nizacionais do século XX:
1. O auge da sociedade industrial, das grandes empresas e da produção de massas;
2. O nascimento da sociedade do con hecim ento.
Estes dois grandes movim entos que anim aram o sécul o passado levaram-no naturalm ente à
"descoberta" da gestão.
Como tivemos a oportunid ade de referir, até aos anos 40 existiam muito poucos livros que real-
mente versavam sobre a problemática da gestão. Os editores interrogavam-se: "Quem é que se
interessa por uma coisa dessas~" Chegaram mesmo a aconselhar Peter Drucker a ded icar o seu
talento a ass untos mais respeitáveis, ta l como hoje muitos fazem relativa mente ao desporto e à sua
gestão, na mais profund a ignorância acerca daquilo que o desporto em si pode significar no êx ito
da sociedade humana.
91
Veja-se, por exemplo, o aproveitamento que grandes empresas fizeram do Campeonato do Mundo de Futebol (2006). Se
ao tempo do Campeonato do Mundo de Futebol de 1938, Benito Mussolini compreendeu que a vitória no desporto podia
motivar as pessoas a andarem pelas ruas a cantarem alegremente, independentemente de viverem num regime democrá-
tico, terem uma econom ia estável ou até uma vida decen te, hoje, as grandes empresas, nesta socieda de de massas, com-
preenderam que a vitória no desporto pode levar ao consumo desenfreado, independentemente das populações terem
uma economia estável e uma vida decente, conduzindo-as, através de campanhas de marketing e publicidade de uma
agress ividade esquizofrénica, a situações de sobrendividamento.
92
Segundo Jack Beatty (1989). no livro The World According to Peter Drucker.
Prometeu e a "areté" [ 327
A gestão existiu desde sempre, muito embora não fosse entendida como tal. Drucker, com o seu
primeiro livro, intitulado The Practice of Management, editado em 1955, desencadeou um processo de
consciencialização ("agôn" & "areté") entre todos aqueles que de uma maneira mais ou menos explí-
cita exerciam as funções de gestor. Quer dizer, formalizou um conjunto de comportamentos decor-
rentes da especialização do posto de trabalho. Pela vasta literatura que produziu enquanto académico
desencadeou a implementação de processos de formação inicial a partir da organização de cursos na
área da gestão. Finalmente, foi indirectamente responsável pela institucionalização de um processo de
socialização à escala do planeta, através do surgimento de múltiplas sociedades e organizações dedi-
cadas às mais diversas funções da gestão. Peter Drucker foi, por assim dizer, uma espécie de Prome-
teu, ao fazer com que a gestão descesse à Terra ofertando-a aos Homens. Tal como na mitologia
grega, o fogo deixou de ser propriedade dos deuses, também na sociedade pós-industrial a gestão dei-
xou de ser uma disciplina de alguns privilegiados, através do contributo exemplar de Drucker.
Em conformidade, se no mundo da gestão durante o século XX existiu alguém a quem a palavra
excelência assenta como um luva foi Peter Drucker. Ele foi a prova de que só através de uma cultura
de luta, de competição, de superação e de nobreza, que se deve expressar na capacidade empreende-
dora de todos e cada um, os países podem organizar ó presente e garantir o seu futuro. Só através de
uma cultura de competição é possível renovar, de geração em geração, as forças vitais que garantem a
"areté", quer dizer, a busca da excelência. Por isso, do desporto à economia, há que promover uma
dinâmica agonística que, em muitas circunstâncias, foi adormecida pelo bem-estar social proporcio-
nado por trinta anos de democracia liberal, bem como por uma dinâmica educativa que desvalorizou
os valores do "agôn" e da "areté", mas que hoje faz uma falta tremenda no quadro do processo de
globalização em que o país está envolvido. Trata-se, assim, de encontrar a "areté" nacional a partir do
"agôn" de uma competição nobre e leal que anime a educação e a cultura portuguesas na busca da
excelência, com vista a garantir a qualidade de vida das gerações vindouras.
Não há tempo a perder. Hoje, parece ser comummente aceite que o processo de globalização
_abriu a caixa de Pandora. Perante as ~ normes dificuldades com que os países ditos desenvolvidos
se deparam, é necessário tomar consciência de que o mundo é um local de enormes dificuldades e
de eterno connito, pelo que o sucesso dos países será cada vez mais medido pela capacidade dos
seus cidadãos superarem, pela iniciativa, pela criatividade e pelo empreendorismo as dificuldades,
através de uma cultura agonística na defesa da "areté" e do bem comum. Porque a "areté" é
medida através da efectividade com que cada ser humano é capaz de, numa perspectiva positiva,
interagir com o mundo.
Isto significa que é de fundamental importância apostar na formação dos cidadãos enquanto futu-
ros agentes de desenvolvimento e progresso num mundo em que o padrão de competitividade, quer
se queira que não, será cada vez maior. Os países e as suas organizações necessitam de novos líde-
res, movidos por uma forte cultura de competição e excelência, capazes de desencadear os processos
necessários ao desenvolvimento no quadro de uma economia global. Em consequência, também o
desporto necessita urgentemente de novos líderes capazes de promoverem a organização do futuro
num ambiente de excelência, profundamente democrático, preocupado com as ideias, sentimentos e
328 ] Agôn I Gestão.do desporto I O jogo de Zeus
expectativas das novas gerações e a funcionar de acordo com as grandes transformações sociais que
estão a acontecer à escala do planeta. Na realidade, necessitamos de um desporto que promova uma
cultura de competição que, no respeito do princípio da equidade, do ensino à alta competição, garanta
as oportunidades de afirmação e sucesso que todo e qualquer cidadão deve poder ambicionar ao
longo da sua vida.
Educação agonística
Ora, os líderes do futuro estão hoje nos bancos das escolas e das universidades, pelo que o espí-
rito de competição e excelência tem de ser desenvolvido através programas dirigidos à população em
idade escolar. Se o país tem necessidade de empreendedores, com espírito competitivo e amantes da
excelência como forma de promoção da qualidade e do bem-estar social, tem de os começar a prepa-
rar precisamente a partir da idade escolar. Por isso, uma educação verdadeiramente desportiva é uma
das condições de sucesso no âmbito da competição económica a uma escala global. A este respeito,
sem negar os valores do desporto enquanto instrumento promotor da saúde, receamos que a actual
dinâmica curricular dos ensinos básico e secundário de uma "educação física para a saúde" venha a
ser mais um factor promotor da mediocridade que hoje caracteriza a generalidade do ensino e a cul-
tura do português médio, o qual está mais disponível para ir para o estádio agarrado à bandeira à
espera que os favores dos deuses lhe garantam a vitória da equipa nacional do que <a envolver-se
numa verdadeira prática desportiva promotora da sua própria qualidade de vida.
Como é que o país pode ambicionar ter bons empreendedores, que numa cultura de competi-
ção busquem a excelência, se as sucessivas gerações não são formadas a partir de programas que
estimulem o gosto e o respeito pela própria competição, bem como a procura insaciável da exce-
lência. Pelo contrário, por exemplo, através de uma educação física sustentada no exercício para a
saúde, o que se está a promover é uma cultura hedonista, acomodada, egoísta, que ignora o gosto
pela superação e recusa a capacidade de iniciativa e a assumpção consciente do risco, tão necessá-
rios não só ao sucesso pessoal como dos próprios países. Para o conseguir haverá melhor espaço
social e educacional do que um currículo de educação desportiva, promotor do "agôn" e da
"areté"? É evidente que a resposta só pode apontar nesse sentido. O problema é que nos últimos
anos houve quem, por motivos ideológicos, se encarregasse de matar a competição do sistema de
ensino. Em consequência, a maioria dos nossos líderes, ao longo dos últimos trinta anos, de vitória
em vitória, também se encarregou de, através dos mais variados processos, destruir a competição.
Transformou um país de empreendedores, que teve a ousadia de partir em busca de novos mun-
dos, numa catrefa de funcionários públicos e burocratas sem garra e 'sem ambição, incapazes de
conduzir o país para além da sua limitada ou até inexistente visão de futuro.
Contudo, se os momentos de crise podem significar ameaças, eles também podem ser consi-
derados como um tempo de oportunidades que devem ser utilizados para mudar o rumo dos
acontecimentos.
No estado de profunda depressão que o país atravessa, o que não teriam os portugueses a
aprender com a maneira dos gregos antigos gerirem a dimensão agónica da vida, através do jogo,
da festa e do sagrado, em busca da superação e da "areté". Porque, hoje, na economia global, a
competição já não passa por uma estratégia de baixos salários, mas por uma política de exigência,
Prometeu e a "areté" [ 329
Engendrar políticas desportivas sem se saber o que é que se deseja para o desporto, para além
de só servir para adormece r o país, prejudicando-o fortemente sob o ponto de vista económico e
social, acaba por comprometer a vida das gerações futuras. Quando isto acontece é a má Éris que é
posta em jogo, na medida em que haverá sempre quem beneficiará com tal situação em prejuízo
da ma ioria e do país. O desporto, hoje, através de um modelo de organização excl usiva, paradoxal-
mente não promove a competição, quer dizer, não cumpre o princípio do ostracismo, a partir da
criação de cond ições de acesso da generalidade da população à prática desportiva e às virtual ida-
des das mais diversas formas de competição. O Modelo Europeu de Desporto, nas suas profundas
contradições, está transformado num agente promotor da mediocridade que se expande para o
país, pelo que é na sua quota-parte responsável pela profunda crise de prin cíp ios, de valores e de
vontade de vencer que hoje caracteriza grande parte da sociedade portuguesa. Temos tido a opor-
tunidade de observar o seu pior nas políticas de realização de grandes eventos desportivos (salvo
raras excepções) com que, nos últimos anos, os diversos governos têm castigado o país.
330 ] Agôn 1 Gestão do desporto I O jogo de Zeus
O que aconteceu nos últimos trinta anos foi uma política desportiva que ao apostar no rendi-
mento, na medida, no recorde, no espectáculo e no profissionalismo precoce, sem cuidar da base do
sistema através da educação desportiva e da criação de condições de acesso general izado à prática
desportiva, foi também responsável pela in stituciona lização de um a cu ltura de mediocridade que não
preza nem os va lores do "agôn" nem asp ira aos estádios superiores de organização pessoal e social
que a "areté" promove. Hoje, perante as dificuldades e os desa~os do futuro, somos uma sociedade
desmobilizada. De facto, através da realização de grandes eventos desportivos sem passado nem
futuro, como se constata pelo Euro 2004, e da construção de instalações desportivas que são autênti-
cos mastodontes brancos que acabam só por homenagear a estupidez humana, afastaram -se sucessi-
vas gerações da prática desportiva e da consequente cu ltura de competição que hoje bem fa lta faz ao
país. Agora, os portugueses, a par de irem berrar para os estádios de futebol agarrados ridiculamente
à bandeira nacional, vivem na maior das depressões colectivas, na medida em que não encontram
dentro de si as forças que os levem a lutar em busca da "areté" e da excelência de modo a superarem
as dificuldades, pela simples razão de que não foram educados nesse sentido por um sistema educa-
tivo cujos objectivos primários sempre foram os de formar funcionários públicos e um sistema des-
portivo que privilegiou a satisfação de clientelas político-partidárias em detrimento de políticas de ver-
dadeira educação desportiva, dirigidas à general id ade das crianças e dos jovens do país. <.
Em conformidade, os grandes responsáveis por esta situação, salvo raras excepções, são os
dirigentes políticos e desportivos que no âmbito do Estado e do movimento desportivo têm tido a
responsabilidade pela tutela da educação e do desporto nos últimos anos. Os primeiros, pela sua
passagem, por vezes breve e quase sempre inútil, irresponsável e incompetente, que fizeram pela
educação e pelo desporto. Os segundos, pelo oportunismo e mediocridade que têm revelado ao
perpetuarem-se e multiplicarem-se anos e anos a fio agarrados a vários lu gares do vértice estraté-
gico do movimento desportivo, impedindo a renovação e o progresso do desporto. Em consequên-
cia, hoje, temos a mais miserável taxa (23%) de participação desportiva da Europa, que traduz um
indi cador de carácte r desportivo resultante da ausê ncia de uma nítida separação entre indigência e
excelência que, de uma maneira geral, caracteriza o país. De facto, o desporto tem sido governado
por uma elite incapaz que o conduz iu para uma enorme crise de identidade.
Como referiu Martina Navratilova, "quem disse que ganhar ou perder é desporto, provavelmente
perdeu". Mas, não se trata de perder, trata-se de aceitar de uma forma conformista a derrota. Em con-
formidade, os objectivos da "areté" e da excelência do "agôn", próprios do desporto, e que se devem
projectar na cultura nacional, não em benefício de uns tantos atletas e alguns diletantes dirigentes, mas
da general id ade da população, a fim de se construir uma sociedade capaz de lutar e de vencer em
busca da excelência, têm de ser conseguidos a partir de uma "posição inicial" de maneira a determ in ar:
1. Qual a fi losofia que se deseja para o desporto?
a. Qual a sua vocação no quadro do desenvolvimento do país?
b. Qual a sua especial missão?
c. Qual a estrutura?
d. Qual a visão quanto à organ ização do futuro?
Prometeu e a "areté" [ 331
2. Quais os objectivos)
a. Estão definidos)
i. Por áreas organizacionais;
ii. Por sectores de prática;
iii. Por etapas de desenvolvimento;
i~. Por áreas geográficas.
b. Estão assumidos pelos diferentes estruturas sociais)
i. Governo)
ii. Ministérios?
iii. Partidos)
i~. Organizações sociais)
3· Quais as estratégias?
a. Estão estabelecidas?
i. Por áreas organizacionais;
ii. Por sectores de prática;
iii. Por etapas de desenvolvimento;
i~. Por áreas geográficas.
b. Qual o padrão de integração)
4· Existe um sistema de planeamento)
a. É antecipativo?
b. A orgânica está definida?
c. O processo está determinado?
5· A estrutura está bem definida?
a. Os subsistemas estão integrados)
b. É fiexível? É necessário comprimi-la)
c. A organização responde como um todo?
6. Está orientada para os processos>
a. O trabalho processa-se em série) Em paralelo?
b. Quais as relações formais e informais?
c. Existe coordenação entre as unidades>
7· Os recursos humanos respondem?
a. Trabalham de acordo com os planos>
b. Por casos>
c. A decisão faz parte do trabalho>
d. Estão motivados?
e. As pessoas aderem à inovação?
f. A mudança acontece de uma forma natural?
g. Qual o sistema de remuneração/gratificação?
332 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
1
8. Existe lid erança?
a. Está bem integrada nos departamentos?
b. A autoridade funciona?
c. Existe delegação de competências?
d. A tomada de decisão é rápida?
e. A decisão é tom ada próximo da fonte de informação?
g. Os recursos estão de aco rdo com os objectivos?
a. Os materiais respondem à situação o rgan i zac i ona l ~
b. Os recursos fin ancei ros são suficientes?
10. A com uni cação funciona?
a. Processa-se no sentid o asce nd ente e descendente?
b. Existe um sistema de informação no interior e para o exterior?
n. Existe um siste ma de contro lo?
a. Existe um sistema de medida da performance (eficácia e eficiência)?
b. Funciona em séri e ou em para lelo?
c. A partir de entid ades independentes?
Quer se queira quer não, o desporto deixou de ser um instrumento exclus iva mente de ordem
pedagógica a funcionar em circuito fechado em escolas e clubes, para passar a ser um a actividade
de significat ivo va lor económico, soc ial e político, com imp actos relevantes nas decisões que
devem presidir às estratégias de desenvolvimento dos países. Por isso, no quadro da compet ição
económ ica globa l em qu e os países se encontram, o desporto tem de ser co nsiderado como uma
activid ade social geradora de educação, de cu ltu ra e de econom ia, no âmb ito da vida nacional. Não
como no passado para superar frustrações de uma população a viver num padrão de qualidade
deficiente. Não como no presente quando se diz que o desporto serve para projectar a im agem do
país no estrangeiro, muito embora não se saiba minimamente qual é a im agem que se deseja pro-
jectar. O desenvolvimento eco nóm ico e social te m a ganhar tanto mais co m o desporto quanto o
desporto seja capaz de ser verdadeiramente um in strum ento promoto r de uma ed ucação ago nís-
tica cujo objectivo é contribuir para um amb iente económico e social no país com uma forte cultura
de excelênc ia. A não ser assim, jamais passará de um in strum ento de a,li enação de massas promo-
tor de mediocridade e de subd esenvo lvim ento em que hoj e, infeli zmente, está transformado.
Bibliografia [ 333
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Cerimónias 53, 68, 96, 151, 153, 176 COP 130, 186, 193 i
Chelsea 27, 33, 59 , 98, 103, 147, 148 Credibilidade 51, 142 , 175, 176, 225
Ciclo olímpico 26, 156, 160 Criatividade 26, 49, 78, 94, 95, 104, 113, 11 9, 129, 140,
Clique 197 148, 152 ,1 53. 194. 196, 197.215,254. 261 , 265 ,
268, 275. 293. 296, 304, 309, 327
Clusters 168, 169
Crises organizacionais 109
Código da civilização industri al 65, 67, 11 7, 181
Delfos 38, 89, 249, 250, 251
Código do desporto 66
Demografi a 59, 6o, 61, 62, 169
Com issões 106, 108, 234
Departamentalização 208, 211
Competências distintivas 276, 277, 287, 290
Desenrascanso 261
Comunicação 23 , 26, 31, 40, 41, 50, 53, 56, 59, 61, 62,
86, 97. 98, 103, 106, 107, 108, 109, 131, 132, 134. Desenvolvimento do desporto 15, 16, 21, 26, 40, 42,
136. 139. 146, 153. 155. 162, 174. 182, 193, 196, 46, ss. s6, 59, 6o, 63, 64, 66, 68, 71, 74, 78, 81,
204, 205, 212, 223, 233. 251, 286, 300, 305, 319, 88, 11 4, 133.1 39. 143.153. 156, 158, 163, 168, 172,
203, 215, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 224,
323,332
225,227,228, 229,230,231, 232,234. 236, 238,
Concentração 65, 67, 71, 72, 73. 11 7, 205 , 227
243.245.290,291,308,317,323
Confederação do Desporto de Portugal165
Desenvolvimento humano 15, 18, 21, 22, 26, 27, 29,
Confederação Portuguesa de Desportos 165 31, 32, 55. 56, 8o, 82, 85, 86, 89, 110,"199. 219,
Configurações estruturais 210, 211 220,228,235.237.246,253.294.323,324
Conflito 18, 39, 45, 6o, 88, 95, 97, 129, 132, 188, 269, Desenvolvimento sustentado 15, 26, 85, 11 0, 182, 217
327 desenvolvimento, princípios do 30, 85, 225
Co nhecimento 25, 27, 33, 40, 41, 46, 52, 55, 82, 93. Desporto escolar 63, 64, 85, 143, 151, 152, 161, 168,
109, 11 0, 111,11 3, 116,129, 130,1 34. 137. 138, 139. 174.1 85 ,1 86,1 87, 188,1 89,190, 191,193, 202,
149. 151 , 152, 153.154.155.1 57.1 58,159.174. 180, 304, 306, 308, 310, 312, 317
181, 182, 194. 195. 196, 197. 207, 208, 234. 247.
Desporto federado 37, 59, 83, 99, 122, 125, 143, 152,
250,258,263,268,291,296,300,319,325,326
161, 167, 168,170,174. 185, 187, 190, 191, 197.
Conjugação 91, 104, 105, 125, 148, 207, 210, 236, 263, 202,227,228,245.285,303,306,312
271' 285, 290
Desporto para todos 53, 69, 143, 157, 168, 312
Conjugação do trabalho 91, 104, 105, 125, 148, 207
desporto, conceito de 66, 11 4, 115
Constrangimentos 31, 97, 180, 258, 287, 299, 302,
Deu ses 13, 14, 20, 31, 36, 45, 89, 91, 93, 173, 248, 249,
310, 312
250,323,327,328
Controlo 30, 49, 52, 71, 74, 82 , 83, 84, 90, 92, 99, 106,
Deveres 136, 219 , 229, i135
107, lll , 117,118,1 29 ,131,1 32, 151 ,"152, 157.1 74.
180, 183,193. 194. 198, 202,206,207, 208, 213, Diagnósti co 157,158,196,197,252,290 !.
215, 226, 229,234.244.252,256,259.260, 261, Direitos 16, 18, 29, 58, 81, 85, 166, 182,216,219, 220,
262, 270, 272, 278, 284, 287, 291, 293. 299. 300, 225,229, 231,233. 234.235.238
304, 306, 307, 308, 310, 312, 317, 319, 320, 321, Direitos humanos 182, 216, 219, 220, 235
324, 332
Diri gente 32, 42, 68, 156, 170, 171, 172, 197, 198, 199,
Cooperação 17, 23, 39, 81, 90, 11 0, m , 131, 157, 178, 201 ' 220, 264, 278
190,191,206,216,229,230,233.283, 290
Distância 27, 115, 163,174,237,239,240,241,254
, Coordenação 50, 73. 91, 92, 100, 101, 102, 103, 104,
Documentação 74, 203, 223, 241, 291, 292
105, 120, 122, 125, 129, 143. 144. 146, 148. 156, 158,
167, 179. 205, 207, 210, 233. 236, 251' 252 , 263, Economia 18, 33 , 38, 39, 40, 44, 52, 53, 56, 6o, 62 , 82 ,
285, 295. 307, 317, 331 84, 87, 11 0, 117, 11 8, 137. 146, 152, 155. 156, 182,
187, 199. 201, 216, 217, 219, 224, 233. 237. 243.
Coordenação do trabalhoso, 91, 92, 100, 101, 102,
271,291,292,302,323,326,327,328,332
103, 104, 125, 144. 146, 207, 210
---------------------------------------------------------------------------- ---------
Índice temático [ 343
Gestor 27, 28, 31, 32, 33, 49, 51, 75, 76, 79, 8o, 91, 101, Instrumento de domínio 93, 99
102, 103, 113, 123, 12], 129, 141, 142, 146. 148, 149. inutilidade, exercício de 262
150, 151, 152, 153. 157. 20], 209, 215, 243. 248, 250, Jogo 13, 14, 16, 17, 18, 20, 22, 26, 28, 30, 32, 34, 36, 37,
253. 255.256,262,264, 2]0, 274. 275.281,295. 38, 40, 41' 42, 43. 44. 45. 46, 47. 48. 49. 50, 51'
296, 323, 326, 327 52, 53, 54. 56, 58, 6o, 61, 62, 64, 66, 68, 70, 71, 72,
capacidade 29, 32, 35. 36, 37. 40, 42, 44. 53. s6 , 74, 75, 76, 78, 8o, 81, 82, 84, 86, 88, 90, 92, 94,
69, 72, n 75, 77, 78, 79, 8o, 81, 88, 96, m, 123, 95. 96, 97. 98, 100, 102, 104, 106, 108, 110, 114,
124, 136, 139. 140, 141, 146, 150, 152, 155. 160, 174. 115, 116, 11], 118, 119, 120, 122, 124, 126, 128, 129,
1]8, 180, 189, 196, 197.200,215,220,225, 226, 130, 132, 134. 136, 138, 140, 142, 144. 145. 146. 147.
231, 235. 242,243.247.248,250, 254.255. 256, 148, 150, 152, 154. 156, 158, 160, 162, 164, 166,
261, 262, 263, 264, 265, 2]0, 2]], 2]8, 293. 295. 168, 1]0, 1]2, 174.175. 1]6, 1]8, 180,182,184,186,
300, 307, 319, 323, 325, 327, 328, 329 188, 190, 192, 194. 196, 198, 200, 202, 204, 206,
funções de gesto r 153, 327 208,210, 212, 216 , 218, 220, 222, 224,226, 228,
229, 230, 231, 232, 234. 236, 238, 240, 242, 244.
tarefas do gestor 49, 150, 151, 152
246, 248, 250, 252, 254
Gestores de projecto 149
Jogos Olímpicos 15, 16, 17, 19, 20, 26, 31, 32, 38, 39,
Globalização 40, 41, 62,215,327 40, 41, 43, 56, 57, 58, 65, 68, n 83, B4, 87, 89, 91,
Governo 16, 19, 6o, J3, 74, 96, 115, 122, 148, 156, 162, 11 0, 130, 158, 164, 173. 175. 179. 186, 193. 215, 216,
165, 166, 171' 201' 226, 230, 269, 331 225, 22], 245. 249. 257. 265, 285
Guerra e paz 17 origem dos jogos 43
Hierarq uia 92, 94, 106, 108, 117, 118, 133, 134, 136, Lazer 31, 38, 42, 54, 55, 61, 67, 69, 70, 71, 85, 115, 11 6,
174. 206, 212, 213, 215, 232, 263, 279. 281, 282 152, 1 5~ 174. 18], 222, 243. 325
Hi storicismo 33 Legis lação 99, 158, 162
Holográfico, princípio 95 Liberalismo 225, 226
Homeostas ia 91,11 0,139, 193.293 Liderançaj4'y(.j-5. 47, so, 89, 96, 102, 127, 129, 134,
Horizonte temporal36, 89, 95, 108, 242, 280, 281, 152, 153. 173. 174. 1]6, 1]8, 180, 194. 195. 196, 197.
284,306 212,247.277.282,296,332
Identidade cultural28, 30, 143, 148, 149, 173, 174, 175, Linguagem 25, 26, 96, 120, 123, 138, 176, 219, 247,
177. 1]8, 184,185, 186, 190,192, 200,282,290 2]1, 305
Impérios, queda de 35 Linha hierárquica 106, 107, 108, 109, 125, 198, 200,
206, 20], 210, 261
Impl osão 109, 195, 225
Logística 93, 106, 107, 120, 145, 206, 207, 210, 258,
Industrialismo 37, 39, 41, 62, 65, 66, 67, 71, 181, 182
2]0, 281' 283
Ineficiência 72, 122, 187, 285
Manchester City 86
Informação 36, 41, 56, 59, 61, 62, J3, 74, 94, 95 , 107,
Manchester United 59, 86, 87, 182, 183
108, 109, 123, 125, 130, 136, 138, 139. 146, 147. 151,
152, 153. 155. 158, 159. 160, 194. 195. 203, 205, 223, Máquina 29, 66, 67, 70, J3, 92, 93. 94, 95, 115, 124,
251,256,257. 26], 2]8, 279.291, 292,300,302, 126, 128, 181,252,277
303, 304, 305, 313, 317, 319, 320, 326, 332 Marcos 70, 85, 300, 301, 309, 310, 314, 321
In stalações 20, 74, 84,105,109, 138,157, 158, 161, Marketing 19, 57, 6o, 73. 74, 86, 106, 108, 155, 187,
162, 1]1, 172,191,203,223,224,240,241,277. 203,215, 223, 250,279. 291, 292,326
291, 292, 306, 317, 330 Maximização 65, 67, 72, 117
Institucionalização 15, 16, 39, 83, 11 7,122, 128, 166, Mercantilismo 38, 69, 73. 88,199,215,216,217
168, 190, 327, 330
mercantilista 19, 230
lndice temático [ 345
Mudança social 32, 33, 34, 37, 42, 52, 63, 64, 65, 75, Parâmetros de concepção 154, 208, 210, 213
218, 231 Pirâmide de Coubertin 21, 22, 63
resistência à mudança 36, 136 Planeamento estratégico 30, 155, 254, 267, 273, 281,
velocidade de mudança 75, 76, 77. 79, 179, 254 282, 283, 284, 285, 286, 287, 288, 289, 290, 310
Mulheres 39, 58, 62, 69,130,148,170,174,216,218, Plr neamento operacional 281, 283, 292, 297, 298
323 Planeamento táctico 108, 281, 282, 291
Negócio 16, 20, 37, 6o, 62, 82, 86, 87,113,120,121, planeamento, categorias de 254
123,146,147.152,154.155.157.162,164,187,216,
planeamento, mecânica de 281
217, 227,231,268, 287,288,323
Planeta 17, 37, 40, 41, 42, so, 52, 55, 59, 63, 65, 68, 77.
N IKE 114, 152, 187, 189
116, 169, 181,217,324,327,328
Nível desportivo 28, 30, 215,235, 236,237,239,240,
Poder absoluto 198
241, 273
Poder de negociação 276
Nível hierárquico 106, 107, 108, 184, 264, 281
Poder do dinheiro 216
Normas 67, 68, 83, 92, 101, 102, 103, 106, 130, 135,
136, 146, 156, 162, 179, 184, 185, 192, 207, 208, Poder fátuo 246
210, 224, 226, 231, 233 Poder político 6o, 88, 233
Objectivos 13, 19, 20, 25, 26, 28, 29, 31, 37, 44, 47, 74, Poder simbólico 182, 333
83, 84, 86, 91, 92, 95, 96, 97, wo, 105, 113, 114, estrela do poder 196
116,119,121,122,123,125,131,132,133.136,137,
Política desportiva 15, 19, 73. 82, 99,110, 155, 156, 162,
139. 143. 146, 148, 152, 153. 157, 159. 166, 173. 174,
168, 169, 170, 184,188,190,202,217, 225,230,
178, 180, 191, 198, 200, 205, 206, 208, 211, 213, .
231, 233.236, 238,239.256,296,330
215, 222, 227, 228, 231, 232, 233. 234. 236, 243.
248, 250, 251, 252, 253. 254. 255. 256, 258, 262, Políticas públicas 19, 22, 58, 6o, 84, 85,133, 190,191,
264,267,271,272, 273,274.278,281,282,283, 219, 227, 228
284, 286, 287, 288, 290, 291, 292, 293. 294. 295. Praticante 42, 90,143,144, 145,161, 163, 170,199,
298, 299.300,305,306,308,316,323,330,331, 220, 229, 232
332 Premonições 248, 249, 251
Objectivos de suporte 283 Previsão 27, 28, 75, 76, 77, 78, 98, 248, 249, 250, 256,
Objectivos estratégicos 200, 206, 282, 288, 290 261, 264, 265, 266
Objectivos tácticos 283 Prisão psíquica 93. 97, 98, 186
nível de objectivos 281 Profetas 53, 146
O Desporto em Portugal163, 167, 172, 225, 245 Programa 19, 40, 44, 52, 63, 74, 84,105,151,155,167,
Olimpíada 26, 130, 194, 256 168,171,179,187,188,292,296,297.301,310,320
346 ] Agôn I Gestão do desporto 1 O jogo de Zeus
Qualidade 15, 16, 19, 56, 57, 64, 65, 72, 8o, 125, 140, Soluções desactualizadas 114
141, 147. 165, 168, 169, 171, 188, 204,213,217,219, Sorte 22, 37, 48, 49, 50, 53, 54, 115, 116, 117, 119, 147,
227, 231, 284,290, 324,327,328,329,332 196, 197, 249
Questões iniciais 257, 258, 295, 299 StajJ140, 211,212,213
Real Associação Naval165 Subsidiariedade, princípio da 280
Real Ginásio Clube 165, 166 Surpresas 49, 75, 79, 88, 141, 194, 195, 250, 263
Record 20, 42,182,184,186,187,195,203,256 SWOT 275, 276
Recursos humanos 73, 92,106,119,127, 135,138,146, Tábua rasa 51
152,153,155, 158, 161,171, 185, 192,201,206,245, Táctica 116,213,269
250, 258, 277,284, 288, 291, 292, 299. 305,317,
Tecnoestrutura 106, 107, 206, 207, 208, 210, 255
318, 331
Tecnologia 28, 29, 33, 49, 55, 56, 6o, 61, 62, 65, 68,
recursos, afectação de 110, 272,274, 282, 291,
106,107,113, 114,115, 117, 119,121, 123, 124,125,
310, 317, 318, 321
127,129,131, 133,135,137, 139,140, 141,143, 145.
Redes 87, 108, 134, 300, 302, 303 147, 148, 149, 151, 152, 153, 155. 157, 159, 161, 163,
Relações internacionais 155, 221 165, 167, 169, 171, 207, 277, 292, 296, 297. 305
Responsabilidade, âmbito e nível de 149 Televisão 17, 31, 51, 87, 162, 227
Resposta 27, 34, 38, 45, 54, 73. 76, 77. 79, 8o, 90, 92, tempo, conceito de 244
129,140,141, 144.176,177,180,187,193, 198, tempo, gestão do 32, 143, 159, 222, 258, 299, 302,
233, 253, 259, 261' 262, 263, 264, 278, 284, 295, 311
299, 300, 301' 328
Tendências 32, 52, 54, 57, 58, 59, 6o, 62, 72, 124, 139,
resposta, capacidade de 79, 8o, 141 153, 197, 207, 243, 290
Risco 46, 47, 54, 61, 82, 87, 88, 115, 144, 190, 242, Terceira vaga 56, 338
247, 253, 255, 261, 325, 328
Terminologia 25, 26, 34, 134, 146, 152, 159, zoo, 220,
Rituais 44, 47, 53, 54, 68, 151, 153, 180 291, 296, 304, 309, 317
Índice temático [ 347
Titanic 218 Vantagem competitiva 169, 189, 272, 276, 277, 287,
Trabalho, mundo do 19, 62, 131 290
TRIZ 142 Velocidade 25, 75, 76, 77. 79. 8o, 81, m, 119, 144, 179,
186, 188, 244, 245, 246, 254, 255
Turbulência 17, 31, 34, 63, 75, 76, 79, 8o, 98, 109, 139,
140, 168, 194, 195, 255. 263, 267, 273 Visão 15, 17, 27, 28, 29, 30, 43, 45, 46, 47, 53, 56, 57,
77, 95. 116, 119, 124, 126, 132, 145, 160, 173, 174,
Urgência 8o, 196, 243, 244, 245, 246, 305
177,180, 184,185,186, 194,195,196,197,199,
Vagas do mundo do desporto 42
202, 203,213, 218, 231, 234. 236, 2LJ3, 244,247,
Vagas de mudança 40, 42, 52 252, 255,265,281,285, 289,306,317,320,328, 331
Valores 14, 15, 20, 21, 25, 26, 37, 39, 44, 45, 48, 54, 58, Vocação 14, 16, 28, 30, 45, 82, 107, 110, 139, 148, 152,
6o, 64, 65, 68, 81, 86, 87, 96, 97, 98, 116, 119, 132, 170,172,173,178,180, 185,186,187,188,189,190,
140, 157, 160,162,170,172,173,175,176, 177,178, 191, 192, 198, 202,203, 206,211, 213, 224,225,
179,180,182, 183,184,185,186,188,189,191, 248, 255. 274, 278, 282, 284, 294, 330
192, 193, 194, 195. 198, 199, 200, 201' 202, 208,
211,213,215,216,217,218,219,222,226,227,
228, 230, 231' 233, 239, 246, 253, 255, 272, 273,
282, 287, 294, 324, 327, 328, 329, 330
[Índice onomástico
A. J. Stri ckland III 287 Charl es Handy 31, 34, 35, 36, 74, 89, 93. 252 , 280
Abra ham Mas low 133 Ch ester Ba rn ard 11 0, 131, 132, 146, 194
Alan Rowe 287 Chri sti en Pociello 42 , 82
Alfred Chandler 205, 213, 252 , 268, 271 Claude Sica rd 184, 187, 271, 273
Alfred Sloa n 11 9, 268, 271 Claude-Louis Ga llien 6o
All an Guttma nn 38 Dani el, A. Wren 250
Álva ro Cunhai 38 David Harvey 40
Alvin Toffi er 37, 39, 52, 56, 62, 65, 66, 67, 70, 73. 11 7, Desmond Morris 50
11 8, 142, 181 Don Calhoun 66, 11 7, 154
Amartya Sen 219, 220, 228, 231, 233 , 235 Donald Guay 114
An dré Decou Aé 52 Douglas MacGregor 133
André Escórcio 7, 156 E. Karl Dickel 287
Andrew Ca mpbell177, 188 Ed gar Schein 180, 247
Andrews Kenneth R. 271, 272 Eduardo Prado Coelho 97
Anth ony Giddens 40, 41 ,70 Eric Hoffer 262
António Damás io 28 Ernest Schum acher 233, 261, 280
António Lencas tre 164 Eva ngelis Za ppas 15, 16, 17
Ari stóteles 63, 235, 325 Faith Popcorn 52, 57
Arth ur A. Th ompson 287 Fani Palli-Petralia 20
Augusto Sabbo 269 Ferreira Fern andes 182
Barry Min kin 52, 6o Francisco Abreu 267, 268, 284
Benito Mu ssolini 83 , 84, 326 Franci sco Fern andes 7, 156
Be rn ard )eu 25 , 47, 51, 11 9, 155,268 , 325 Francisco Varela 98
Bill Gates 52, 87 Frank Gilb reth 124
Bri en Reger 134, 220 Friedrich Nietzsche 13, 14, 15, 16, 21, 25, 31, 45, 46, 47,
Bruce Kidd 84 48, 77, 82, 93, 150, 173 , 215, 268, 323, 325
Bruno Ugolotti 55 G. Stott Rand all 288
C. K. Prahalad 276, 278 Ga rett Morgan 93. 98, 176 ,1 86, 193, 195, 325
Ca rl os Agui ar 100, 193 Ga ry Hamel 276 , 278
Ca rl os Ca rd oso 164 Geert Hofstede 174
Cassa ndra 249, 250 Geo rge Elton Mayo 130, 131, 133
Castejon Paz 68, 74, 11 1,1 34, 139, 156, 157, 158, 160, G~o rge Fried mann 69
220, 222, 229, 230, 235, 236
350 ] Agôn I Gestão do desporto I O jogo de Zeus
I; • l. H1