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Pelli e Goulart (2016 - 2017)

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ISSN 0798 1015

HOME Revista ESPACIOS ! ÍNDICES ! A LOS AUTORES !

Vol. 38 (Nº 16) Año 2017. Pág. 2

Fatores Responsáveis pela Resiliência


de Funcionários de uma Organização
Bancária: Estudo de Caso
Factors responsible for the Resilience of employees of a Bank
Organization: case study
Alexandre Luiz PELLI de Oliveira 1; Iris Barbosa GOULART 2

Recibido: 08/10/16 • Aprobado: 09/11/2016

Conteúdo
1. Introdução
2 . Fundamentação teórica da pesquisa
3. Metodologia de pesquisa
4. Resultados
5 . Considerações
Referências

RESUMO: ABSTRACT:
Esta pesquisa busca identificar os fatores que This research seeks to identify the factors that
contribuem para a resistência ao adoecimento no contribute to resistance to illness in the work of the
trabalho dos profissionais de uma organização bancária. professionals of a banking organization. To achieve this
Para atingir este objetivo, foi desenvolvida uma goal, a qualitative research was developed, descriptive
pesquisa qualitativa, de caráter descritivo, que constitui character, which is a case study. Data collection was
um estudo de casos. A coleta de dados foi feita performed using semi-structured interviews with
utilizando entrevistas semi-estruturadas com employees who have illness and employees who showed
funcionários que tiveram adoecimento e funcionários resistance to illness. The interviews content analysis
que apresentaram resistência ao adoecimento. A análise pointed out the lack of a policy of valuing and
de conteúdo das entrevistas apontou a falta de uma recognition of the work by the organization. Despite the
política de valorização e reconhecimento do trabalho similarity of perception by workers who became ill and
pela organização. Apesar da semelhança da percepção those who showed resilience, stood out among the first,
pelos trabalhadores que adoeceram e pelos que most difficult in relation to the adoption of mechanisms
manifestaram resiliência, destacou-se entre os to deal with the control and limitation and, therefore,
primeiros, maior dificuldade com relação à adoção de more difficult to cope with suffering. It also became
mecanismos para lidarem com o controle e a prescrição evident that there is no recognition policy perceived by
e, com isso, maior dificuldade para enfrentarem o workers who are in a process of reification and
sofrimento. Também ficou evidenciado que não existe precariousness of work in the organization
uma política de reconhecimento percebida pelos Keywords: Work Psychodynamics , Banking Work,
trabalhadores que se sentem em um processo de Psychical Defenses , Illness at Work.
reificação e precarização do trabalho na organização.
Palavras-Chave: Psicodinâmica do Trabalho, Trabalho
Bancário, Defesas Psíquicas, Adoecimento no Trabalho.

1. Introdução
A evolução histórica do trabalho pode ser resumida em três etapas. A primeira delas seria
aquela em que o mesmo trabalhador possuía domínio sobre todo o processo de produção. Até o
final da Idade Média, esta era a forma predominante do trabalho. Santos e Claro (2014)
sugerem que essa sociedade de escambo e pequenos comércios locais foi se transformando
pelas grandes navegações e ampliação do comercio até outros continentes. Essa ampliação da
sociedade provocou transformações sociais e econômicas que fundamentaram o sistema
capitalista alteraram a distribuição e concentração do capital em pequenos grupos de pessoas e
conduziram a emergência da revolução industrial.
A revolução industrial, a partir do século XIX, inaugurou no interior das fábricas uma nova
forma de organização do trabalho. A partir de então, o antigo saber pertencente ao artesão foi
obscurecido pela divisão do trabalho em etapas. Ao perder a capacidade de conhecer todo o
processo de produção e também dos meios de produzir, o trabalhador foi alienado do produto
de seu trabalho, pois ele participava apenas de uma parte da elaboração do que era produzido.
A partir de meados do Século XX, com o avanço tecnológico, o trabalho tomou outra dimensão,
definindo-se a terceira etapa de sua evolução. Nesse processo, o que pode ser destacado é a
intangibilidade do produto do trabalho. Uma parte do trabalho realizado no mundo atualmente
não tem como objetivo produzir algo que possa ser visto ou tocado, não obstante o valor
intrínseco desse trabalho para a organização.
Foi ao longo desta terceira etapa que tiveram início os estudos sobre a importância do capital
humano como um diferencial estratégico das organizações. É preciso, pois, discutir a relação
entre trabalho e saúde mental, uma vez que as mudanças nos sistemas organizacionais alteram
significativamente a vida dos empregados e sua saúde psíquica. O Boletim Quadrimestral de
Benefícios por Incapacidade do Ministério da Previdência Social de 2014 expõe a gravidade do
problema do adoecimento e dos acidentes de trabalho e em sua página 4 cita dados da
Organização Internacional do Trabalho que coloca o Brasil como quarto colocado no ranking
mundial de acidentes fatais de trabalho.
Uma das áreas de destaque dessa nova forma de trabalhar é a do setor financeiro. De acordo
com Weber e Grisci (2011) os bancários foram marcados por essa nova forma de trabalhar.
Para as autoras, esse trabalho imaterial solicita dos trabalhadores dos bancos maior
flexibilidade, agilidade, adaptabilidade, participação e requalificação constante. Exige também
uma disponibilidade total na forma de engajamento subjetivo para atender as demandas
sempre mutáveis. As exigências moldaram não só o trabalho como o modo de viver dos
sujeitos e do grupo social.
De acordo com Mendes (2013), para que os bancos brasileiros pudessem se ajustar ao mercado
cada vez mais competitivo e concentrado, foram necessárias uma série de ações de adequação.
A autora destaca a política de redução de mão de obra, a precarização do trabalho buscando
terceirizar o que é possível e a intensificação do trabalho dos empregados que permanecem nos
seus postos. Essa política de redução de custos financeiros implica em instabilidade no
emprego, desrespeito da jornada de trabalho e aumento das exigências nas rotinas do trabalho.
O ritmo das mudanças e a pressão sofrida pelo trabalhador no ambiente das organizações
bancárias têm determinado adoecimento, manifestado através de estresse e outras alterações
patológicas. Além disso, a violência e/ou outros fatores sociais como o assédio moral, o
isolamento social e o individualismo contribuíram para o aumento das doenças musculo-
esqueléticas e os transtornos mentais.
A prática desta política de gestão tem causado uma visão distorcida, pois se em um primeiro
momento mostra resultados aparentemente positivos, com o passar do tempo, estes resultados
podem ser transformado em um enorme custo financeiro e social conforme demonstra Santos
(2009, p.9).
Em média, entre 1996 a 2005, um bancário cometeu suicídio a cada 20 dias,
estimando-se uma ocorrência diária de tentativa (não consumada) durante todo o
período.
Diante da situação relatada, que remete o trabalho bancário da atualidade ao sofrimento e ao
consequente adoecimento, destaca-se que uma parte dos trabalhadores suporta essas
condições e consegue levar uma vida aparentemente saudável. O conceito adotado nessa
discussão é o de resiliência que segundo Barlach, Limongi-França e Malvezzi (2008, p.101) “é
um conceito que tem sido utilizado para explicar fenômenos psicossociais referidos a indivíduos,
grupos ou organizações que superam ou transcendem situações adversas”. Para Martins (2015,
pag. 583) o conceito de resiliência é “Capacidade dinâmica de adaptação positiva a situações de
adversidade significativa”.

2 . Fundamentação teórica da pesquisa


A pesquisa realizada teve como fundamentos teóricos os seguintes: o conceito de resiliência
como forma de resistência ao adoecimento determinado por fatores relacionados ao trabalho e
a contribuição da Psicodinâmica do trabalho, especialmente a produção de Christophe Dejours.
O conceito de resiliência é muito recente nos estudos das organizações, e o presente trabalho
busca entender como essa dinâmica se dá com os trabalhadores de uma instituição financeira
especifica. Para aprofundamento da discussão, será usada a proposta de Barlach, França e
Malvezzi (2008, pág. 104) em que os autores sugerem uma aproximação entre o conceito de
resiliência e a teoria da Psicodinâmica do Trabalho. “Cabe ainda ressaltar a afinidade entre
Dejours e a literatura predominante sobre resiliência na possível associação entre o fenômeno
da resiliência e o sofrimento criativo”.
Na administração flexível, a proposta é que o indivíduo se constitua e reconstitua a todo o
momento devido às alterações do mundo moderno. Sua identidade é construída em função de
constante adaptação. O trabalhador precisa ser polivalente, pois não vai à organização apenas
para oferecer sua força de trabalho. Nesse modelo, espera-se que o trabalhador pense como o
capitalista, dono da empresa e como o cliente, buscando o máximo de qualidade com o menor
custo. Essa exigência de um indivíduo multifuncional faz com que a subjetividade se entregue
as imposições do trabalho flexibilizado e requer um maior desgaste físico e mental para o
desenvolvimento das atividades laborais.
A resiliência pode ser definida como a resposta emitida pelo sujeito diante da adversidade ou
das situações de pressão. Essas situações que são experimentadas de maneira individual
geram em cada sujeito uma forma diferente de se posicionar. A resiliência não é percebida, mas
traz como resultado uma nova posição da subjetividade diante do jogo de opostos entre
mecanismos de risco e de proteção.
A flexibilidade como característica da resiliência é uma das competências requeridas pela
organização do trabalho, considerando a administração da subjetividade diante de situações de
pressão e ruptura sempre presentes.
No contexto do trabalho, a resiliência é a capacidade da pessoa lidar com o ambiente que passa
por constantes modificações. Barlach, Limongi-França e Malvezzi (2008), destacam uma
pesquisa sobre três características para os indivíduos ou organizações resilientes: a firme
aceitação da realidade, a crença profunda, de que a vida é importante e significativa e uma
misteriosa habilidade de improvisação. A primeira característica sugere que o indivíduo tenha
uma visão realista das vivencias, destituindo a ilusão que no fim tudo acaba bem. Esta visão é
importante para que o problema possa ser assumido e enfrentado. O segundo aspecto sugere a
necessidade de apresentar um comportamento frente à realidade a partir significados internos.
Dessa forma, a adversidade transforma-se elemento desencadeante para o aprendizado e o
atingimento de uma nova posição subjetiva. Para os autores, a terceira característica destaca a
habilidade de improvisação a partir de ferramentas que estão disponíveis para alcançar a
solução do problema.
A teoria da psicodinâmica do trabalho de Dejours (2004; 2012; 2013), busca entender como a
maioria das pessoas apresentam características de normalidade apesar de vivências de
sofrimento no ambiente do trabalho. O termo normalidade configura a distinção entre a sua
teoria e a psicopatologia do trabalho. A saúde é tratada pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) como um bem estar, físico, psíquico e social. Porém, não existe saúde, apenas um ideal
de saúde, já que o ser humano está convivendo com envelhecimento e doenças.
É do sofrimento passivo que surge a resposta de superação. Essa superação do sofrimento
através da capacidade de intuir solução é constituinte do sujeito, uma vez que transforma o
sujeito anterior em um novo sujeito a partir da vivência de superação. Trabalhar implica na
transformação do eu. Porém, a manutenção no estado de sofrimento passivo, pode levar à
depressão e ao adoecimento. Portanto, a experiência de sofrimento no trabalho pode ser
constitutiva ou motivo de adoecimento. Ou seja, o sofrimento pode ser criativo quando a
situação de trabalho remete a uma solução criativa ou patogênica quando na situação de
trabalho, a solução é desfavorável à produção e ao sujeito.
A teoria da psicodinâmica do trabalho criada por Cristophe Dejours tem sido bem aceita do
Brasil e vários pesquisadores estão trabalhando na consolidação dessa teoria. Esses estudos,
além de explorarem as ligações entre sofrimento e trabalho, abordam, também, questões do
campo das responsabilidades humanas e sociais das organizações.
Prata e Honório (2015) fizeram uma pesquisa relativa a percepção do risco de adoecimento dos
gerentes de um banco privado brasileiro. Os sujeitos de pesquisa foram 9 gerentes de três
agencias bancárias de Belo Horizonte. A sobrecarga de trabalho e a cobrança de resultado
foram as categorias que mais se destacaram entre os entrevistados. Percebeu-se também
situação de medo e insegurança dos entrevistados e um clima de competição para o
atingimento das metas. Como fatores positivos foram encontrados boas condições de trabalho,
apoio da família e da área de saúde da organização.
Máximo, Araújo e Souza (2014) fizeram uma pesquisa referente a vivencia de sofrimento e
prazer de gerentes de banco. Foram entrevistados 16 pessoas que exerciam cargos de gerencia
de bancos públicos e privados da cidade de João Pessoa na Paraíba. Para o autores a percepção
das fontes de sofrimento e de prazer estão na relação que cada um estabelece com o seu
trabalho. Isso pode ser explicado pelo relacionamento com o cliente que é fonte de prazer,
quando este reconhece o trabalho do gerente. De maneira oposta, quando o gerente não
consegue atender as expectativas do cliente, isto e percebido como fonte de sofrimento. Nesse
trabalho existe também o destaque com relação à abusividade das metas que são importantes
fontes de sofrimento e que podem ser responsáveis por muitos problemas de saúde.
Linhares e Siqueira (2014) apresentaram uma pesquisa relativa às vivencias depressivas e as
relações de trabalho com uma análise sobre a ótica da Psicodinâmica do Trabalho e da
Sociologia Clínica. Foram entrevistados quinze bancários de bancos públicos e privados vítimas
de depressão decorrente do trabalho, indicados pelo serviço de atendimento psicológico do
sindicato dos bancários de Brasília. Os autores consideram que a lógica do ideário financeiro
subestima o social e consolida-se como uma máquina de vulnerabilizar, excluir e invalidar os
trabalhadores de organizações bancárias com a crescente evolução dos índices de depressão.
Para estes autores existe um cenário dominado pela ética do individualismo, do espírito da
competição, da cultura do narcisismo e exaltação do ego. Diante deste cenário que restringe a
alteridade, promove além do exibicionismo como essência da existência, uma luta pela
conquista de visibilidade e o ostracismo do outro. Como consequência os bancários convivem
com a falta de reconhecimento, tanto dos colegas como da organização do trabalho. Sem esse
reconhecimento do outro os trabalhadores estão fadados a um processo de sofrimento e
consequente depressão no trabalho.
Como foi sugerido por Dejours (1996), o sofrimento no trabalho articula dados relativos à
história singular, herdada da vida psíquica de cada trabalhador (dimensão diacrônica) e dados
relativos à situação atual, surgida no encontro do sujeito com a situação do trabalho (dimensão
sincrônica). Logo, este sofrimento não se restringe ao que ocorre apenas no espaço do
trabalho, mas inclui processos que acontecem no espaço doméstico, no ambiente familiar e nas
outras relações com as quais o sujeito convive. É nessa perspectiva que se orientou a presente
pesquisa.

3. Metodologia de pesquisa
Esta pesquisa foi desenvolvida utilizando-se uma abordagem qualitativa, uma vez que se
pretendeu avaliar o sentimento de prazer e sofrimento no trabalho de um grupo de 8
empregados da instituição bancária objeto da pesquisa.
A abordagem qualitativa se justifica porque, ao analisar percepções dos trabalhadores, o
pesquisador está lidando com aspectos subjetivos, interpretações pessoais de uma realidade,
cuja quantificação é inviável. Na presente pesquisa, a análise qualitativa busca abordar os
fatores que levaram alguns funcionários a adoecerem e outros a resistirem a esses fatores, não
chegando ao adoecimento.
Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2004, p.132) realçam que este tipo de pesquisa apresenta
descrições detalhadas de situações, eventos, pessoas, interações ecomportamentos
observados, citações literais do que as pessoas expõem sobre seus pensamentos, atitudes,
crenças e experiências em geral.
A pesquisa constituiu um estudo de caso e teve caráter descritivo; para facilitar a organização
do projeto e a coleta de dados, foi feito um protocolo de estudo de caso. O projeto foi também
submetido ao CEP (Comite de Ética em Pesquisa) do Centro Universitário UNA/ MG conforme
disposto na Resolução nº 466/2012 e foi aprovado em 09/12/2015 de acordo com o numero do
parecer 1.358.840.
A empresa na qual a presente pesquisa foi feita é uma instituição bancária pública que dispõe
de unidades em todo o país. A pesquisa considerou duas áreas da empresa que têm realidades
diferentes: uma delas é identificada na organização como unidade de ponta e tem como
característica básica atendimento e prestação de serviços ao público externo. Nessa área da
organização a estrutura é constituída por gerentes e assistentes, caixas e atendentes, que têm
a finalidade de atender aos clientes e negociar produtos e serviços bancários. A segunda
unidade caracteriza-se por atender ou não clientes externos, mas tem suas atividades voltadas
substancialmente para serviços internos de suporte às unidades de ponta.
As entrevistas semiestruturadas, que foram os instrumentos de coleta de dados, foram
aplicadas a uma amostra não probabilística, intencional, selecionada pelo autor deste trabalho
que exerce suas atividades profissionais na instituição estudada. Os sujeitos de pesquisa foram
4 pessoas que tiveram afastamento e 4 pessoas que não tiveram afastamento até o momento
da pesquisa. Essas pessoas exercem atividades variadas na organização, ocupando diferentes
cargos, o que possibilita entender a percepção dos entrevistados tanto em cargos de gestão
como em cargos operacionais.
As entrevistas foram feitas individualmente, com pessoas que foram diagnosticadas com
doenças do trabalho e pessoas que, executando as mesmas tarefas, não adoeceram. Nesse
caso, adotou-se uma amostra não probabilística, intencional, composta de um número reduzido
de pessoas que representam as duas situações.
As entrevistas realizadas foram gravadas, transcritas e submetidas à análise de conteúdo
conforme a proposta de Bardin (2011). Os profissionais entrevistados foram caracterizados
como empregados que adoeceram e empregados que não adoeceram até o momento da
pesquisa.

4. Resultados
4.1. O sentido do trabalho
Enquanto o trabalhador manteve o controle dos meios de produzir e a percepção do produto do
seu trabalho existia uma relação direta do trabalhador com o resultado da produção, trabalhar
ou não trabalhar dependia basicamente da vontade do sujeito e ele dominava todas as etapas
do processo. Essa relação muda de sentido quando trabalhador passa a depender da
disponibilidade de um local de trabalho e o não trabalho significa a exclusão do sujeito para
uma vida marginal.
Desse lugar central que o trabalho ocupa, destacam-se duas dimensões; a primeira refere-se à
inserção do sujeito na sociedade, condição para que o trabalhador se reconheça como ser
social. A segunda dimensão evidencia que o trabalho constitui meio para a produção e
reprodução da vida do trabalhador; essa posição do sujeito está associada a uma relação
indireta entre trabalho e produto do trabalho, ou seja, nesse novo lugar do trabalho o sujeito
está afastado do objeto. O trabalho perdeu o fim em si mesmo, fazendo com que o objetivo
final do trabalho seja a troca de uma quantidade de tempo do trabalhador por uma quantidade
de dinheiro.
Com relação ao sentido do trabalho, as respostas ilustram uma percepção unanime entre os
entrevistados. Em todas as entrevistas, o sustento pessoal e da família apareceu em primeiro
lugar. A realização pessoal veio em um segundo momento quando foi colocada a possibilidade
de não depender do dinheiro do trabalho. A exceção ocorreu apenas para o Sujeito 8, que
colocou esta percepção de forma inversa.
“Representa a possibilidade de trabalhar em uma atividade que possa trazer uma
realização profissional e garantir meu sustento e minha família”. (Sujeito 8).

“Ele representa o meu sustento né? Minha possibilidade de crescimento de coisas que
eu possa vir a conquistar, realização. No primeiro momento o mais importante é meu
sustento segundo lugar a realização” (Sujeito 6).
Esse discurso está constituído pela interseção de forças de prazer e sofrimento. A realização da
atividade atende à necessidade de sustento, porém é acompanhada de sofrimento por estar
longe da família.
“Trabalho representa uma forma de sustento um prazer muitas vezes outras vezes
(risos) uma dificuldade um sofrimento em função de tempo longe os meus filhos da
minha esposa, mas de forma geral é uma necessidade”. (Sujeito 2).
A realização do trabalho traz consigo um confronto entre o mundo externo e o interno do
sujeito. A lógica, as regras e valores do mundo objetivo conflitam com a singularidade do
trabalhador. A necessidade de estar inserido em um grupo e de manter o sustento traz à tona o
embate entre a organização do trabalho e o desejo do sujeito que trabalha.

4.2. – Liberdade de expressão


A liberdade do trabalho é fator determinante para que o trabalhador possa usar a sua
criatividade na execução da tarefa. Dejours (2013), usa termos como trabalho vivo, referindo-
se à inteligência que o trabalhador acrescenta ao que é prescrito para que o trabalho possa ser
realizado, e também corpropriação, que é entendido como a inteligência não apenas cognitiva,
mas todo recurso do corpo para encontrar a solução para os problemas do trabalho. Para o
autor, trabalhar é usar a inteligência para ampliar os limites da prescrição, pois quem fica preso
às normas é um mero executor de tarefas.
Existem contradições inclusive no discurso do próprio sujeito durante a sua entrevista.
Aparentemente, o discurso da organização é de liberdade para expor as ideias. Em grande
parte das entrevistas, a resposta inicial é “sim”, seguida da palavra “mas” ou “nem sempre”.
“Até hoje eu tive muita liberdade para dar ideias depois (...) não muita (...) uma
relativa liberdade, E algumas não são aceitas porque o ambiente de banco é um
ambiente muito rígido a empresa é uma empresa pública um pouco mais rígida ainda
(...). Poucas pessoas na verdade que eu conheço nesse tempo todo de trabalho
conseguiram inovar. Pouquíssimas e quem inova paga um preço ainda de lutar contra as
estruturas(...).” (Sujeito 1).

“Pouco (...) pouco porque existe muito padrão dentro do que tem que ser feito, dentro
do que tem que ser apresentado. Então tem muita dificuldade de você mudar a forma
que são feitas as coisas. Muitas vezes você pode até apresentar sua ideia mas na
maioria das vezes elas são simplesmente descartadas.” (Sujeito 2).
Os discursos relatam a dificuldade para que os empregados da organização possam executar
bem as suas tarefas. A percepção destes empregados é que existem formas de tornar o
trabalho melhor, uma vez que eles têm liberdade para expor as suas ideias. O que chama
atenção nas entrevistas é que as ideias são expostas, mas não são colocadas em prática. A
rigidez das estruturas impede que o trabalho seja feito com liberdade, pois existe a
predominância da prescrição e da padronização.
Para Máximo, Araújo e Souza (2014), algumas organizações são favoráveis à negociação,
enquanto outras são mais fechadas. Os autores apontam esse descompasso entre a prescrição
da organização e as demandas e exigências reais que são encontradas pelo trabalhador,
causam o sofrimento no trabalho. Assim, quanto maior o descompasso, maior o risco de
adoecimento do trabalhador. Essa tensão desgasta o psiquismo e prejudica a produtividade e a
qualidade do trabalho. Nesse sentido, a falta de negociação entre o sujeito e a organização do
trabalho impede a ressignificação do sujeito com o trabalho, o que pode acarretar o
adoecimento tanto físico quanto psíquico.

4.3. – Realização Profissional


A realização profissional representa a satisfação do desejo e das necessidades do indivíduo
dentro do contexto da produção. De acordo com Mendes, Nascimento e Duarte (2012),
Linhares e Siqueira (2014), o trabalho bancário vem perdendo o seu reconhecimento social e a
estabilidade financeira que existia até a década de 1990. A partir desse período, houve a
introdução do modelo de trabalho flexibilizado. Nesse modelo, o trabalho bancário foi se
tornando precarizado e os trabalhadores ficaram sujeitos ao gerencialismo, ao desgaste, á
frustração, entre outros fatores negativos. Para os bancários, o trabalho nesse novo modelo
flexibilizado tornou mais difícil a identificação com a atividade e o sentido de uma realização
pessoal.
A análise das respostas baseou-se na identificação negativa ou positiva com relação à
realização das atividades no trabalho. A resposta do entrevistado 1 mostra uma certa
ambivalência no sentimento de realização. Apesar de se declarar não realizado de uma forma
enfática, ele esclarece que o sentimento de cooperação, ajudando aos outros, representou uma
realização no trabalho.
“Não eu acho que é difícil você se realizar no trabalho em banco eu não conheço
ninguém para te falar a verdade o trabalho é uma realização, mas não em um banco.
(...) uma coisa que me trouxe mais satisfação, realização, é poder ter ajudado algumas
pessoas a crescer, desenvolver carreira tudo. Isso me trouxe uma satisfação.”
(Sujeito1).
As entrevistas mostram uma indefinição sobre a relação de realização profissional e realização
pessoal e também de orgulho do trabalho com o orgulho em realizar a atividade. O discurso do
entrevistado 2 mostra, como na maioria dos casos o orgulho ocorre com a realização da tarefa
e não de trabalhar na organização.
“Não me sinto realizado desempenhar o trabalho em hipótese nenhuma. Eu acho que
tenho orgulho do meu trabalho. Eu acho que eu tenho orgulho porque é uma instituição
boa dentro do que ela oferece, dentro das dificuldades que têm tem muita coisa para
mudar, mas eu falar que eu sinto orgulho é complicado falar que eu sinto orgulho.”
(Sujeito 2).
Em muitos discursos encontram-se defesas de adaptação e exploração. De acordo com os
mesmos autores, estas defesas são inconscientes e fazem com que o trabalhador mantenha a
produção requerida pela organização do trabalho.
“Eu gosto muito do que eu faço. Eu tenho orgulho de trabalhar na empresa. Se eu não
tiver orgulho do meu trabalho acho que fica difícil até trabalhar né? Eu tenho orgulho do
que eu faço.” (Sujeito 5).
De novo a ambivalência destaca o caráter alienante do trabalho e a estruturação da
subjetividade. De acordo com Mendes (2007), este tipo de defesa tende a se esgotar mais
rapidamente, pois exige um esforço físico e sócio psíquico do trabalhador que está além da sua
capacidade e de seu desejo. Esse tipo de defesa busca inserir a ideologia de excelência, que é
requerida pela organização do trabalho no inconsciente do trabalhador. Dessa forma, a
organização do trabalho controla o modo de pensar, sentir e agir do trabalhador, com o objetivo
de manter a qualidade da produção. Ocorre, assim, a submissão do desejo do trabalhador à
exigência imposta pela produção.

4.4. – Relacionamento e reconhecimento no trabalho


O que pode ser destacado nesta categoria é a importância do reconhecimento para os
entrevistados e como eles percebem este reconhecimento. Todos os entrevistados responderam
que o reconhecimento é importante.
“O reconhecimento é legal demais” (Sujeito 1).

“Isso é imprescindível, eu diria que é tanto para a autoestima da pessoa quanto para
testar o serviço, para promoção. Te ajuda, te motiva pro dia a dia. Se você não tiver o
reconhecimento você vai baixando a bola vai desmotivando. Você faz, faz, faz e não
tem reconhecimento nenhum acho que é importante demais.” (Sujeito 2).
Para todos os sujeitos considerados resilientes, foi destacada uma percepção positiva do
reconhecimento, mesmo de forma parcial. Assim, três deles tiveram uma percepção parcial de
reconhecimento, sendo que para dois desses, a falta de reconhecimento possui um viés
financeiro. Em todos os casos, a resposta traz uma percepção positiva seguida de uma
argumentação que tende para uma percepção intermediaria.
“Sim. Algumas vezes não. Variou na minha carreira durante 32 anos de trabalho.
Variou.” (Sujeito 1).

“Às vezes, nem sempre. O reconhecimento eu acho que ele poderia vir, ele não vem de
forma financeira. (...). Mas é difícil passar na sua mesa e falar assim poxa legal seu
trabalho, está em dia. Nossa você está fazendo trabalho de duas pessoas e está legal,
está bem feito, não está dando erro. Então falta.” (Sujeito 7)
Para Dejours (1996) e Rosas e Moraes (2011), a partir da ideia de sublimação, o trabalho é
uma forma de canalização da pulsão para uma atividade social. O trabalho realizado pressupõe
uma contribuição e uma retribuição, onde o sujeito entrega seu trabalho para a organização e
espera o reconhecimento pelo seu esforço, uma vez que o trabalho é visto e posto em
julgamento pelo outro. Assim, a sublimação no trabalho seria um importante mecanismo para a
constituição da subjetividade.
Nas entrevistas, o reconhecimento é bem marcado como pode ser visto pelos depoimentos do
Sujeito 3 (resiliente).
“O reconhecimento tanto dos pares quanto da chefia são importantes. Reconhecimento
dos pares é interessante porque você (...) mais pela questão pessoal. O
reconhecimento do superior é mais uma questão de saber que realmente a minha
visão, o meu conhecimento tá sendo valorizado. Reconhecimento é o motivo de você
sentir empolgado, animado para trabalhar” (Sujeito 3).
Outra questão importante nesse contexto é relativa à forma de produção que se consolidou a
partir da década de 1980, que foi caracterizada como sistema de produção flexível. De acordo
com Merlo, Traesel e Baierle (2011), este sistema tem como foco as competências esperadas do
trabalhador, o aumento do seu tempo de trabalho, a superação de seus limites e a conquista do
impossível, ou seja, trabalhar infinitamente, doar-se integralmente. Dessa forma, o trabalhador
sente uma falsa liberdade de poder organizar a sua agenda, dedicando toda sua energia ao
trabalho em detrimento de sua vida pessoal. É nesse discurso da produção flexível que o
entrevistado 2 se coloca, e pode-se notar seu enquadramento no interesse da produção. Sua
atividade e postura atendiam ao interesse da organização e aparentemente tanto a organização
quanto o sujeito estavam se beneficiando disso.
“O que aconteceu comigo. Enquanto eu era conhecido dentro da superintendência,
agência, como um dos melhores vendedores da superintendência, toda vez que
precisava bater uma meta me procuravam. Eles usavam até o termo (usa o
aumentativo do nome próprio, por exemplo, “Pedrão”). Enquanto eu era o “Pedrão” que
batia a meta da superintendência, estava tudo lindo.” (Sujeito 2)
Porém, ao ter um problema que ele chamou de “piripaque” no trabalho, ele foi descartado, pois
não preenchia mais os interesses da organização. Este descarte tem um forte simbolismo, pois
enquanto ele estava de licença médica, seus objetos pessoais “desapareceram” do local de
trabalho.
“Até dia que eu tive problema de saúde. Me afastei e boa parte do problema de saúde
foi causado por problemas no serviço, por estresse. Eu fui descartado, completamente
descartado. Voltei na agência, depois do meu prazo de licença, tive que ficar
perguntando onde estavam as minhas coisas. Eles não sabiam onde estava. Aí uma
pessoa que tinha saído da agência me disse onde estavam. Colocaram minhas coisas
dentro do ar condicionado. Eu fiquei afastado 8 meses. Ninguém lembrava que estava
lá.” (Sujeito 2)
Na lógica da produção flexível, a organização se isenta de qualquer responsabilidade pela
experiência do trabalhador. É ele que deve estar enquadrado no discurso da organização; se
alguma coisa estiver errada, a culpa é transferida para o trabalhador, que não estava adequado.
E é nesse sentido que segue o discurso do Sujeito 2
“Quando assumi a gerência eu era uma criança. Com pouco tempo, eu tive um
“piripaque”. Tive um problema do coração, um infarto no meio da agência por stress,
por cansaço. A medicina do trabalho me afastou. Fiz tratamento psiquiátrico,
psicológico, custei para me readaptar. Perdi minha função; com isso, tinha acabado de
assumir. Então foi um negócio meio confuso. Como assim, como se sentisse quase que
uma injustiça entendeu? Mais um pouco também de talvez, não sei, maturidade
profissional da minha parte. Porque eu nunca tinha trabalhado em empresa.” (Sujeito
2).
O entrevistado não coloca ênfase no sentimento de desvalorização ou injustiça. O seu discurso,
ao contrário, começa e termina transferindo para o próprio trabalhador a responsabilidade pelo
problema ocorrido. Nesse caso, ele se coloca como uma “criança” que não teve maturidade
para perceber que estava trabalhando além de suas forças para atender ao interesse da
organização. De acordo com Enriquez (2000) e Dejours (2004), a organização do trabalho
transforma o desejo da produção no desejo do trabalhador e este se aliena face a este desejo,
e no caso de falha, ele traz para si mesmo um sentimento de vergonha e culpa pelo fracasso.

4.5 – Pressão no trabalho e esgotamento profissional


Para Brant e Minayo-Gomes (2004), é importante ressaltar a diferença entre sofrimento e
adoecimento. Tanto para esses autores quanto para Dejours (2007), o sofrimento é uma
percepção do sujeito e o adoecimento tem um viés cultural muito forte na contemporaneidade.
É através do sofrimento, como o trabalhador lida com ele e como a organização do trabalho
organiza a relação com o trabalhador, que se pode entender as experiências de sofrimento e as
suas vicissitudes.
Nas entrevistas, a angustia e a insegurança são os itens mais percebidos. Como a maior parte
dos entrevistados tem muito tempo de trabalho na organização, as transformações que
ocorreram no ambiente organizacional afetaram a forma de trabalhar destas pessoas. Para
Mendes (2013), o Brasil passa por frequentes ajustes na política econômica, os quais fazem
com que as organizações bancárias busquem maneiras de adaptação às novas políticas. Para
alcançar esse resultado, na maioria das vezes a forma utilizada é a minimização dos custos e a
ampliação dos serviços. Assim, os fenômenos mais frequentes são o desemprego, a
precarização, a terceirização do trabalho e a sobrecarga de trabalho.
Os elementos componentes do sofrimento estão dispostos de forma muito variada nas diversas
entrevistas, mas em geral permeiam todo o discurso. Para o Sujeito 1, a palavra angústia está
presente quando ele relata o medo de perder a função.
“Maior medo de todos os gerentes é perder a função. Todo mundo fica nessa angústia
24 horas por dia. Perder a função. Perder a função. Entendeu? É uma demissão branca
porque você perde 70% do salário. Perder a função é uma demissão branca. Eu convivi
com isso 26 anos. O tempo todo.” (Sujeito 1).
O Sujeito 1 é considerado resiliente, pois não teve nenhum caso de afastamento do trabalho
por adoecimento. No entanto, no seu relato, ele descreve que passou pela experiência de viver
26 anos com medo de perder a função, “o tempo todo”. Ele alia esse sentimento à necessidade
de atingir metas que ele chama de “mal calibradas”. Nesse sentido, percebe-se que o
entrevistado procura intensificar a sua rotina de trabalho para atender às exigências da
produção e, com isso, não perder a sua condição social. A insegurança, a angústia e o aumento
da sobrecarga de trabalho são repetidos em vários discursos.
“Vai ter um aumento muito grande, um incremento de demanda que está me causando
muita angústia. Eu já estou sofrendo por antecipação entendeu? (...) Essa perspectiva
que as coisas vão dar errado e eu não tenho como atuar. Vou ter que lidar com essa
situação nova com a capacidade que eu tenho hoje, para atender 4 vezes mais. Já
estou muito angustiada por conta disso”. (Sujeito 5).
As falas desses entrevistados evoluem para a percepção do adoecimento em colegas que
desempenham a mesma atividade em função da sobrecarga de trabalho. Tanto sujeitos
resilientes como os que adoeceram estão percebendo que a quantidade de trabalho é superior à
sua capacidade para realização dele.
“Olha, eu estou ouvindo as pessoas ao meu redor adoecendo. A minha equipe está com
4 pessoas com problema de saúde reclamando de tendinite e de dor. Isso me incomoda.
Há uma cobrança muito grande. As pessoas estão adoecendo e não se enxerga o ser
humano. (...) É aquela coisa de perceber que daqui a pouco vai chegar em mim porque
não tem jeito. No volume que a gente tá, tá ficando complicado” (Sujeito 7).
Para Linhares e Siqueira (2014), o trabalho bancário vivencia um cenário de transformações
tanto tecnológicas quanto políticas. A ideologia produtiva do setor tem foco exclusivo em
resultados financeiros. Para alcançar esses objetivos, a organização recorre à terceirização das
atividades bancárias, tentativa de legalização do contrato temporário de trabalho e redesenho
do perfil dos bancários. Os autores sugerem que isto traz um sentimento de impotência, de
desvalorização de si; desmonta as redes de solidariedade, conduz à perda dos elementos
constitutivos da identidade profissional. O resultado é um sentimento de culpa, de vergonha e o
isolamento. Nesse cenário de precarização do trabalho, os bancários encontram uma realidade
de sofrimento e desamparo, um sentimento de insignificância e transformação do homem em
máquina, que quando não serve mais pode ser descartada pelas organizações.
“O momento mais difícil para mim foi quando me senti perseguida pelo chefe, em que o
mesmo não demonstrava transparência nas suas atitudes. O que me causa mais
angústia é a perseguição da chefia ou do grupo.” (Sujeito 8).

“Sempre tem alguma coisa, tem que dar um jeitinho para fazer as coisas. É o jeitinho
brasileiro. Isso é muito errado e muito absurdo. Isso estressa a gente e se você não
consegue resolver para o cliente o seu gerente vai te cobrar e te arrebentar entendeu?
Você pode perder a função.” (Sujeito 2).
As falas apresentadas demonstram todo o sofrimento sentido pelos entrevistados diante do
desamparo, do isolamento, da falta de solidariedade do grupo e do abandono da organização. O
Sujeito 8 relata um sentimento de perseguição pela chefia e pelo grupo. O sujeito 2 relata um
sentimento de incompetência por não atender ao desejo da produção, mesmo que este esteja
acima dos seus valores pessoais.

4.6 – Superação/Resiliência
O estudo da resiliência busca entender como as pessoas conseguem superar as situações
difíceis e lidar com elas de uma maneira mais saudável. Nas entrevistas o elemento
persistência foi o mais citado e esteve presente no discurso de todos os sujeitos considerados
resilientes. De acordo com as pesquisas de Sabbag et al. (2010), este fator de resiliência é
mais abrangente e pode ser sintetizado como comprometimento, controle e desafio. Encontra-
se a palavra direta no discurso, ou na abrangência descrita pelo autor.
“Persistência e inovação e às vezes até comprometendo um pouco da vida pessoal, como o
tempo tudo mais (...) porque uma época eu andei ajudando muito minha família. Eu sou mais
velho e tal; então, isso me faz lutar não desistir não. Eu não podia desistir.” (Sujeito 1).
Outros dois elementos de destaque para as pessoas consideradas resilientes são o otimismo e a
criatividade. Conforme realçado por Barlach, Limongi-França e Malvezzi (2008), uma das
características de pessoas resilientes é a habilidade de improvisação ou a capacidade que o
indivíduo possui para encontrar soluções para os problemas, a partir de ferramentas que estão
disponíveis para ele. Esta opinião também está de acordo com o estudo de Sabbag (2010), que
cita a característica de solução de problemas como um dos parâmetros de sua escala para
indicadores de resiliência.
“E dentro da empresa quando você está no trabalho, tenta criar maneiras de resolver o
problema que você está vivendo entendeu?” (Sujeito 5).
Um elemento que entrelaça o conceito de resiliência e defesa psíquica está na busca de
estratégias diversificadas, nas quais se encontram a espiritualidade, o apoio emocional da
família e até exercícios físicos e uma alimentação saudável. Pode-se considerar que os
acontecimentos da vida são instáveis, mas a busca de alternativas positivas é fundamental e
necessária para melhoria da subjetividade dos trabalhadores, bem como para a construção da
resiliência.
Nas falas apresentadas por grande parte dos sujeitos entrevistados, existe referência à
presença da espiritualidade, que aparece como forma de encontrar um equilíbrio em meio a um
ambiente adverso e a busca de um apoio externo, na maioria das vezes, encontrada na família
ou em outras atividades desempenhadas fora do ambiente laboral. Para Rocha e Ciosak (2014),
a espiritualidade pode atuar como uma estratégia para enfrentar as situações críticas da vida
das pessoas. Tanto a espiritualidade quanto a relação com a família demonstram nos discursos
um senso de propósito e significado da vida, que de alguma forma podem ser associados à
maior resistência ao estresse e as dificuldades cotidianas.
“A minha energia vem da minha família, que é um presente que Deus me deu. (...) e
uma coisa que eu faço, que muita gente esqueceu da importância, é ir à igreja. Se você
não tiver Deus na sua vida, no seu dia a dia, você tem mais dificuldade para fazer as
coisas.” (Sujeito 2)
“Eu vou para academia né? Agora eu comecei a fazer inglês também para distrair,
entendeu? Eu estou fazendo para distrair. Então tipo assim, quando estou muito
cansada, eu chego, ligo a televisão, e não penso em nada. Daí eu quero só ver
Simpsons. Alguma coisa que eu não tenho que ficar pensando nada, que não me
consuma potássio entendeu?” (Sujeito 5)
De acordo com o que foi mencionado, esses depoimentos entrelaçam ações de resiliência, mas
podem ser fatores de defesa psíquica. Como fator de resiliência, esses recursos são promotores
de saúde. Porém, como defesa psíquica, eles podem esconder o sofrimento. Como foi dito
anteriormente, Mendes (2007), considera essa defesa como uma fuga, ou uma forma de se
alienar do seu sofrimento e suportar a demanda da organização do trabalho.

5 . Considerações
O modelo de produção capitalista direciona suas ações no sentido de maximizar o lucro e
diminuir os custos, o que demanda trabalhadores aliados a esse ideal de melhoria constante e
competição; mas essa idealização coloca o trabalhador em conflito com o seu desejo e traz
sofrimento no trabalho.
Este trabalho procurou discutir a relação entre trabalho e saúde psíquica dos trabalhadores e
teve como objetivo analisar fatores que contribuíram para que alguns trabalhadores da
organização bancária pudessem lidar com o sofrimento sem adoecer. Para o alcance desse
objetivo, foi desenvolvida a presente pesquisa, cujo contexto foi uma instituição bancária
pública, o que se justifica pelo fato de autores citados no referencial teórico como Linhares e
Siqueira (2014), Mendes (2013), Prata e Honório (2015), realçarem que o trabalho bancário
tem se mostrado como adoecedor.
As entrevistas, que foram gravadas, transcritas e submetidas à análise de conteúdo, utilizando-
se seis categorias de análise permitiram as seguintes inferências:
Com relação ao sentido do trabalho, parece haver um consenso nas entrevistas de que o
trabalho é em primeiro lugar uma forma de manter a sobrevivência para os empregados
entrevistados. Nesse caso, a evolução do sentido do trabalho não se deu na direção da
valorização dos sujeitos que trabalham. A idéia de trabalho como castigo, foi culturalmente
abandonada, porém parece permear o sentimento dos sujeitos entrevistados.
A análise da liberdade para o desempenho das atividades também trouxe importantes
contribuições. O aparente discurso de liberdade de expressão está cerceado pela
impossibilidade da prescrição e das normas. A limitação para o uso da inteligência criativa, a
corpopriação leva ao embotamento do sujeito e direciona o sofrimento para o adoecimento do
trabalhador.
Quanto à realização profissional, evidenciou-se a falta de reconhecimento social e pessoal com
o trabalho exercido. Os entrevistados demonstram orgulho de sua capacidade de desempenhar
a atividade, mas afirmaram não ter um reconhecimento de importância dessa atividade. Apenas
2 sujeitos se consideraram realizados profissionalmente na organização. A falta de realização
profissional pode conduzir a uma auto-avaliação negativa, fazendo com que o sujeito se sinta
insatisfeito com seu desenvolvimento profissional.
Outro fator importante a ser evidenciado é relativo ao reconhecimento e ao relacionamento dos
entrevistados. O reconhecimento, para a Psicodinamica do trabalho, é fundamental para a
saúde do trabalhador e a melhoria da subjetividade. A percepção de reconhecimento é bem
determinante nessa pesquisa, uma vez que todos os entrevistados resilientes têm uma
percepção positiva do reconhecimento; por outro lado, 3 dos 4 entrevistados não resilientes
sentem-se desvalorizados.
A categoria de pressão no trabalho ressaltou o sentimento de angústia dos sujeitos, sendo que
todos os que adoeceram possuem esse sentimento. Como demonstra a teoria, depois da
reestruturação do sistema financeiro o trabalho nos bancos está em constante mudança e exige
de seus empregados disponibilidade integral, adaptabilidade, flexibilização além de sobrecarga
de trabalho, o que fragiliza a estrutura psíquica dos trabalhadores. As entrevistas
demonstraram a angustia dos sujeitos para atender demandas e metas cada vez maiores. A
dificuldade em atender às crescentes demandas leva os empregados a um sentimento de
incapacidade e frustração. Alguns sujeitos resilientes tem a preocupação de que o adoecimento
possa atingi-los.
Com relação à resiliência, destacaram-se os fatores de persistência e criatividade para os
sujeitos que não adoeceram. Conforme estudado, é improvável trabalhar apenas com o que
está prescrito na norma, pois na atualidade, a todo momento, surgem situações novas, que
dependem da inteligência criativa para lidar com elas. A capacidade de alcançar êxito diante
das dificuldades e conseguir superá-las são fatores de fortalecimento do sujeito e de
transformação da subjetividade. É nesse contexto que são encontradas algumas saídas para o
prazer e para a saúde no trabalho.
Como limitações desta pesquisa, podem ser citados: em primeiro lugar, que a organização
estudada é um banco público, com unidades em todo o território nacional e os resultados
obtidos numa capital do país, com um número reduzido de funcionários, pode não representar
a realidade da organização. Em segundo lugar, para evitar a invasão da privacidade dos
sujeitos de pesquisa, o autor preferiu recorrer apenas àqueles que se dispuseram a dar seu
depoimento voluntariamente. Evitou-se fazer o levantamento dos casos de adoecimento nos
protocolos disponíveis no setor de RH. Por último, percebeu-se que alguns profissionais
preferiram não participar deste tipo de pesquisa, com receio de que seu depoimento pudesse
interferir na sua trajetória profissional.
Quanto à sugestão para novas pesquisas, propõem-se as seguintes: um trabalho mais extenso,
realizado pela diretoria de gestão de pessoas da organização ou assessorado por este setor, que
cubra uma porcentagem de casos maior de adoecimento no trabalho, identificando os casos de
adoecimento físico e motor e os casos de adoecimento psíquico. Sugere-se, ainda, que esses
casos sejam estudados quanto aos fatores determinantes do adoecimento e ainda quanto às
medidas que vem sendo desenvolvidas pela organização para buscar uma melhoria para a
saúde do trabalhador. Sugere-se, também, que se estenda este tipo de análise a funcionários
de outras instituições bancárias, nas quais, segundo os autores citados, é frequente o
adoecimento causado pelas condições de trabalho.

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1. Graduação em economia PUC-MG, pós-graduação em Gestão de pessoas e Mestre em Administração UNA-BH. Email:
alpoliv@gmail.com
2. Psicóloga e pedagoga, mestre em Educação (UFMG) e doutora em Psicologia (PUC-SP), professora do Mestrado
Profissional em Administração do Centro Universitário UNA.

Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015


Vol. 38 (Nº 16) Año 2017
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