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Dissertação Inês Costa Neves

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Direito Internacional do Ambiente e


Direitos da Natureza, dos discursos
antropocêntricos a uma abordagem
biocêntrica

Maria Inês Branquinho da Costa Neves

Mestrado em Direitos

Faculdade de Direito | Escola do Porto


2019
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Direito Internacional do Ambiente e


Direitos da Natureza, dos discursos
antropocêntricos a uma abordagem
biocêntrica

Maria Inês Branquinho da Costa Neves

Orientador: José Alberto Azeredo Lopes

Mestrado em Direito

Faculdade de Direito | Escola do Porto


2019
“Tal como em diversas culturas de diferentes
épocas e lugares, nós nomeamos estas coisas
sagradas: ar, fogo, água e terra. (…)
Chamar estas coisas de sagradas é afirmar que
elas têm um valor para além da sua utilidade
para fins humanos, que elas próprias se tornam
os padrões pelos quais os nossos atos, as nossas
economias, as nossas leis e os nossos propósitos
devem ser julgados. Ninguém tem o direito de se
apropriar delas ou de lucrar com elas à custa dos
outros. Qualquer governo que não as proteja
perde a sua legitimidade.
Todas as pessoas, todas as coisas vivas, são
parte da vida terrena e são, portanto, sagradas.
Nenhum de nós está acima ou abaixo do que
qualquer outro. Somente a justiça pode garantir
o equilíbrio: somente o equilíbrio ecológico pode
sustentar a liberdade. Somente em liberdade
poderá aquela quinta coisa sagrada, a que
chamamos espírito, florescer plenamente na sua
diversidade.
Honrar o sagrado é criar condições nas quais a
nutrição, o sustento, o habitat, o conhecimento, a
liberdade e a beleza possam prosperar.
Honrar o sagrado é tornar o amor possível.
A isto, dedicamos a nossa curiosidade, a nossa
vontade, a nossa coragem, os nossos silêncios e
as nossas vozes. A isto, dedicamos as nossas
vidas.”

- Starhawk, The Fifth Sacred Thing


AGRADECIMENTOS

Por este que é, simultaneamente, o fim de um ciclo de muita aprendizagem e o


início de outro, no qual espero aprender mais ainda, a minha profunda gratidão.

Aos meus pais, pelos infinitos esforços dedicados ao meu sucesso e pelo amor, que
me ensina o significado de entrega incondicional e que não me permitiu, em momento
algum, sucumbir nos momentos mais frágeis.

Ao meu irmão Gonçalo, cuja irreverência reflete um diálogo saudável com o seu
forte sentido de determinação e disciplina e que será sempre alvo da minha maior
admiração. E ao Frederico, a minha mais recente fonte de inspiração.

A toda a minha família. Nomeadamente aos meus tios, que de inúmeras formas
apoiaram o meu percurso e me deram a conhecer o significado que as palavras família e
dedicação devem ter.

Aos meus amigos e, que veem em mim o meu melhor e me inspiram a evoluir
todos os dias. Em especial à Sarah, que não me permitiu deixar de acreditar, à Marta,
minha companheira nesta luta e Ser que eu tanto admiro, e à Isabel, cujo apoio e amizade
tanto me acrescentaram.

Ao Jefferson Rodrigues, professor na Universidade Estadual do Amazonas, que


mesmo do outro lado do Atlântico nunca deixou de se mostrar disponível para me apoiar
neste processo.

Por fim, e de forma especial, ao Professor José Alberto Azeredo Lopes, pela sua
orientação e pela tremenda sensibilidade e compreensão. E também por todas as críticas,
que me levaram a querer fazer melhor.

A todos, o meu muito obrigada.


RESUMO

Cientes dos grandes desafios que a situação ambiental global exige à humanidade,
propusemo-nos, com a presente dissertação, a analisar duas abordagens de Direito à
proteção ambiental. Uma - tradicional e dominante - antropocêntrica, e outra - recente e
inovadora - biocêntrica, à qual dedicámos atenção central.

Com o objetivo de demonstrar o maior nível de proteção ambiental que a proposta


biocêntrica, especificamente os Direitos da Natureza, pode oferecer, procurámos, em
primeiro lugar, compreende-la pela sua contraposição face a conceitos e influências com
os quais inevitavelmente comunica.

Com o estudo de casos, nomeadamente do Equador e da Bolívia, onde a proposta


foi de forma pioneira abraçada, e de outros países, onde também se a abraçou, mas de
forma menos integrada, ou, se quisermos, completa, indagámos algumas repercussões
jurídicas de dita proposta.

Finalizámos o estudo problematizando uma possível integração da abordagem


biocêntrica à escala internacional. Porque para um maior aproveitamento das suas
potencialidades face a uma crise que é global, torna-se imprescindível, concluímos, o
debate a esta dimensão.

Palavras chave: antropocentrismo; biocentrismo; Direitos da Natureza; Equador.


ABSTRACT

Aware of the great challenges that the global environmental situation demands of
humanity, we have proposed ourselves, with the present dissertation, to analyze two
approaches of Law to environmental protection. One - traditional and dominant -
anthropocentric, and another - recent and innovative - biocentric, to which we have given
central attention.

In order to demonstrate the highest level of environmental protection that the


biocentric proposal, specifically the Rights of Nature, can offer, we first sought to
understand it by its opposition to concepts and influences with which it inevitably
communicates.

With the cases study, namely from Ecuador and Bolivia, where the proposal was
pioneered, and from other countries, where it was also embraced, but less integrated or,
if we wish, complete, we inquired some legal repercussions of this proposal.

Finally, we questioned a possible integration of the biocentric approach on an


international scale. In order to take full advantage of its potential towards a global crisis,
the debate on this scale is essential.

Keywords: anthropocentrism; biocentrism; Nature Rights; Ecuador.


Índice

INTRODUÇÃO …………………………………………………………………………9

CAPÍTULO I – Pensar os Direitos da Natureza………………………………..………11

1. Breve análise do direito do ambiente no plano internacional e da sua distinção

relativamente aos Direitos da Natureza ……………………………………...11

2. Concorrência com diferentes correntes doutrinárias e influências culturais…13

2.1 O Antropocentrismo………………………………………………………….13

2.2 O Biocentrismo………………………………………………………………17

2.3 A Racionalidade Indígena Ancestral…………………………………………18

CAPÍTULO II - Pensar a Aplicabilidade dos Direitos da Natureza……………………23

1. Passos tendentes ao reconhecimento dos Direitos da Natureza a nível

internacional……………………………………………………………………23

2. O constitucionalismo andino: os casos do Equador e da Bolívia………………27

2.1 Proteção da Natureza face a danos que a afetem……………………………….31

2.2 A Jurisdição…………………………………………………………………….33

3. Reconhecimento de Direitos da Natureza mesmo sem previsão constitucional..36

4. Ultrapassando obstáculos ao reconhecimento de Direitos da Natureza………..39

CAPÍTULO III - Pensar os Direitos da Natureza à escala internacional………………43

CONCLUSÃO………………………………………………………………………….45

BIBLIOGRAFIA……………………………………………………………………….46
INTRODUÇÃO

No âmbito da Cimeira de Ação Climática das Nações Unidas de 2019, os dados


científicos reportados demonstraram a urgência de uma resposta eficaz às necessidades
de proteção da Natureza1. Tais dados apontaram a “maior força e rapidez” com que os
impactos climáticos ocorrem e, com isto, “o risco real de que limiares críticos possam ser
ultrapassados”. O Secretário Geral das Nações Unidas fala-nos de “emergência climática”
e os especialistas apelam à tomada de ações abrangentes com vista ao impedimento da
manifestação dos piores efeitos das alterações climáticas2.

Num artigo3 elaborado por uma equipa de cientistas liderada por Johan Rökstrom,
apresentada infra, afirma-se que, apesar da evidência de uma aceleração das pressões
antropogénicas nos processos biofísicos do sistema terrestre, os atuais paradigmas de
governação e gestão globais carecem de um posicionamento eficaz, que reconheça e atue
sobre estes riscos planetários. A equipa sugere, desde o atual contexto dos limites
planetários por eles exposto, a necessidade de novas e adaptativas abordagens
governativas na escala global, regional e local.

O presente estudo – Direito Internacional do Ambiente e Direitos da Natureza, dos


discursos antropocêntricos às abordagens biocêntricas – visa considerar uma mudança
radical desde um paradigma antropocêntrico para uma abordagem biocêntrica, no âmbito
da proteção ambiental, com a análise de institutos jurídicos inovadores. Para tal,
recorremos ao estudo bibliográfico e à análise de Jurisprudência e Doutrina subjacente ao
tema.

No âmbito dos conteúdos a abordar, e de modo a proporcionar um roteiro para


elucidar o leitor face ao iter que irá percorrer, desenvolvemos o tema, num primeiro
capítulo, pela reflexão dos Direitos da Natureza sob a análise do Direito do Ambiente.
Ainda nesta parte, apresentamos algumas correntes e influências que subjazem o

1
Ver relatório de síntese sobre as últimas informações cientificas sobre o clima, elaborado pelo Grupo
Consultivo de Ciência da Cimeira de Ação Climática das Nações Unidas 2019, disponível em:
https://ane4bf-datap1.s3-eu-west-1.amazonaws.com/wmocms/s3fs-
public/ckeditor/files/United_in_Science_ReportFINAL_0.pdf?XqiG0yszsU_sx2vOehOWpCOkm9RdC_
gN
2
ONU, “Cientistas alertam que mudanças climáticas estão acontecendo ‘antes e pior’ do que o previsto”,
in: https://nacoesunidas.org/cientistas-alertam-que-mudancas-climaticas-estao-acontecendo-antes-e-pior-
do-que-o-previsto/. Consultado a: 10/Out/2019
3
ROCKSTÖRM, 2009.

9
reconhecimento destes direitos. Ordenadamente: o antropocentrismo, o biocentrismo, e a
influência indígena. Num segundo capítulo, abordamos a aplicabilidade dos ditos direitos,
primeiro desde algumas manifestações tendentes ao seu reconhecimento à escala global
e, depois, pelo seu estudo a partir dos casos do Equador e da Bolívia. Apresentamos ainda
nesse segundo capítulo casos onde o seu reconhecimento se deu de forma específica e
isolada, e por fim, refletimos sobre alguns obstáculos a uma integração biocêntrica destes
direitos.

De seguida, num terceiro capítulo, ponderamos brevemente a possível integração


destes direitos a uma escala internacional.

A relevância do desenvolvimento do tema surge pela possibilidade de o trazer onde,


por várias razões - entre as quais a disparidade cultural e geográfica relativamente às
regiões onde este debate assume relevo – ele não é tão discutido. Esperamos contribuir
com uma compreensão geral sobre o tema, bem como, despertar interesse sobre o que
consideramos ser um dos vários caminhos possíveis de resposta à problemática ambiental.

10
CAPÍTULO I - Pensar os Direitos da Natureza

1. Breve análise do Direito do Ambiente no plano internacional e da


sua distinção relativamente aos Direitos da Natureza

No contexto dos Direitos Humanos, desenvolveu-se a proteção do meio ambiente,


nomeadamente na forma do direito a um meio ambiente são. Enquanto direito inerente à
dignidade do Homem, gera um dever dos Estados de garantir o nível de proteção
ambiental necessário ao exercício pleno dos direitos humanos protegidos. Tendo que o
Direito Ambiental concebe a proteção da natureza como meio de garantia dos direitos
humanos, podemos dizer que o modo tradicional de proteção ambiental pode dizer-se
antropocêntrico4.

Existe divergência5 quanto à génese do Direito Ambiental, embora, a maioria das


vezes, se a situe naquela que foi a primeira referência formal a um direito ambiental6, a
Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, de
Estocolmo de 19677. Desde então, desenvolveu-se uma tendência global ao
reconhecimento do meio ambiente nos ordenamentos nacionais, sob diversas vestes
jurídicas, tendo em conta o contexto político, cultural e jurídico de cada país.

Ainda nenhum Acordo Global sobre Direitos Humanos (doravante, DH), até hoje,
inclui explicitamente um direito ao meio ambiente são. Porém, nas últimas duas décadas
muitos organismos de DH interpretaram direitos universalmente reconhecidos, como o
direito à vida ou à saúde, como fonte de obrigação dos Estados de tomar medidas de
proteção ambiental com vista à fruição desses direitos. Isto levou a um acelerado greening
dos DH. Em 1990, na sequência de uma reunião de Associações de Direito Ambiental,

4
BORRAS, 2016, p. 115.
5
Para Crespo o direito ambiental começa a ganhar forma com a Carta Magna do direito ambiental norte
americano, o National Environmental Political Act (NEPA). Já Raúl Brañes, afirma que este ramo é tão
antigo como a humanidade, já que as civilizações antigas já estipulavam normas que regulavam as relações
com o meio ambiente. PLAZA, 2003, p. 13; BRAÑES, 1994, p. 36.
6
BORRAS, 2016, p. 98.
7
Reconhece, no seu princípio 1, que “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao
desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma
vida digna e gozar de bem estar” e que, em contrapartida, tem “a solene obrigação de proteger e melhorar
o meio ambiente para as gerações presentes e futuras.” Esta ideia é também expressa no Preâmbulo da
Declaração.

11
em França, foi adotada uma Declaração que recomendava o reconhecimento claro e
explícito, internacional e nacionalmente, do direito do homem ao ambiente8. A
Constituição portuguesa de 1976 foi a primeira a adotar um direito a um meio ambiente
humano são e ecologicamente equilibrado, no seu artigo 66, ao qual corresponde uma
série de obrigações destinadas à sua proteção9.

Na sequência do crescente reconhecimento de um direito humano ao ambiente, a


Assembleia Geral da ONU veio declarar, em 1990, que todo o homem tem o direito a
viver num meio ambiente adequado a garantir a sua saúde e bem-estar10. Semelhantes
expressões começam a ser utilizadas em variados tratados multilaterais dedicados à
proteção ambiental11.

O facto de não haver ainda nenhum instrumento internacional vinculativo que


reconheça explicitamente um direito ao meio ambiente, a indeterminação do conceito
“ambiente”12 e a falta de mecanismos processuais para invocar a sua proteção dificultam
o exercício de um DH ao ambiente. Impeditiva é também a soberania dos estados, já que
o único limite imposto na gestão de recursos naturais é que o façam de forma a que os
outros estados não fiquem em desvantagem em virtude da sua má gestão13.

Sob o “princípio da precaução” a justiça ambiental rompe com as formas clássicas


da lógica da justiça, porque, considerando o dano ambiental, muitas vezes não se cumpre
com nenhum dos requisitos clássicos do direito de dano, por se proteger dano “incerto,

8
Sobre a Declaração de Limoges, RONCONI, 2012. Ainda neste ano, a Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento fez uma proposta de Princípio Legal “Todos os seres humanos têm o direito
fundamental a um meio ambiente adequado à sua saúde e bem estar”; BORRAS, 2016, p. 117.
9
BORRAS, 2016, p. 124; “Artigo 66º CRP - (Ambiente e qualidade de vida) 1. Todos têm direito a um
ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. (…)”.
10
Ver UN Doc. A/RES/45/94, disponível em: https://undocs.org/en/A/RES/45/94
11
Ex.: Convenção 169 da Organização Internacional de Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais em Países
Independentes, Genebra (Suiça), 27 Junho 1989, em força 5 Set. 1991, disponível em:
https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C169;
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), Nova Iorque (EUA), 9
Maio 1992, em força 21 Mar. 1994, disponível em: https://unfccc.int/resource/docs/convkp/conveng.pdf;
Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), Rio de Janeiro (Brasil), 5 Junho 1992, em força 29 Dez.
1993, disponível: https://treaties.un.org/doc/Treaties/1992/06/19920605%2008-
44%20PM/Ch_XXVII_08p.pdf (Neste documento faz-se referência ao valor intrínseco da biodiversidade);
12
Quanto ao desacordo relativo ao significado que “ambiente” deveria ter no ramo do direito ambiental,
existem pelo menos três posições a respeito: uma posição restritiva, que considera que o ambiente é
composto pelos recursos naturais, a água e o ar; uma posição moderada, com a qual partilhamos a
perspetiva, que engloba no conceito todo o ambiente onde tem lugar o desenvolvimento de seres vivos,
adicionando-lhe a fauna e a flora; e uma posição ampla, patente nas Declarações do Rio de Janeiro de 1992,
que o define como todo o ambiente que rodeia os seres humanos, seja ele natural, artificial ou social.
RODRIGUEZ, 2014, p. 99.
13
BORRAS, 2016, p. 127.

12
impessoal, indiferenciado” e em certas ocasiões “dano futuro incerto”14. A justiça
ecológica, sustentada pelos Direitos da Natureza (doravante DN), discorre em paralelo e
é distinta da justiça ambiental, na medida em que a Natureza passa a ser sujeito de direitos,
e o papel da justiça o de garantir a sua integridade e restauração, quando afetada, ao invés
de se focar na proteção dos DH face a danos ambientais que os afetem. Com este critério,
exige-se a reintegração do ambiente danificado, através de procedimentos de restauração,
remediação ou recuperação, ao invés da típica compensação pela imposição de multas15.

De consenso internacional é que a proteção do meio ambiente se dá para benefício


dos seres humanos, especificamente no caso de danos que os afetem indireta ou
mediatamente, já que quando a afetação é direta ou imediata a proteção se dá
maioritariamente por normas de saúde pública16.

2. Concorrência com diferentes correntes doutrinárias e influências


culturais

2.1 O Antropocentrismo

O antropocentrismo, enquanto forma de pensamento e de perceção da existência,


teve a sua origem no Renascimento Europeu17. Mais tarde, vieram-se a sentir fortes

14
RODRIGUEZ, 2014, p.100 (traduzido pela autora).
15
GUDYNAS,2011a, pp. 273, 274.
16
ABIDIN, LAPENTA, 2007, p. 13. Ainda que outros autores nos digam que o foco primordial do direito
ambiental seja o de prevenir e remediar apenas problemas ambientais que diretamente afetem o ser humano,
ou numa necessidade de demonstrar, para fins de proteção ambiental, uma afetação direta do ser humano
- BRUCKERHOFF, 2008, pp. 618, 628. A este respeito, consideramos que o conceito de afetação poderá
se referir a um nexo causal do dano, ou do eventual dano, claro e visível - que se terá que verificar
igualmente, ainda que de forma reduzida, nos casos de afetação indireta ou mediata. Considera-se que
poderá haver afetação clara e visível, tanto por danos que possam afetar gerações presentes ou aqueles que
cujos efeitos se manifestem em gerações futuras. Quanto a estes últimos, julgamos ser a eles que os
primeiros autores se referem aquando da utilização da terminologia “afetação indireta”, e que, portanto,
estão também abrangidos pela referida “afetação direta” expressa pelo segundo autor de forma mais
extensiva. Na nossa perspetiva, ambos os autores apontam para uma circunscrição da proteção ambiental
aos casos onde se verifique esse tal nexo claro e visível. Seja como for, o enfoque antropocêntrico do direito
ambiental estará no interesse humano que justifica e motiva a proteção ambiental.
17
GUDYNAS, 2011a, p. 259. O processo de mudança cultural europeia, marcado pela eleição do
antropocentrismo como perspetiva dominante no Ocidente desde o séc. XV, afincou a conceção do ser
humano como algo exterior à natureza, definindo-se aquele em contraposição a esta. ACOSTA, 2012, p.
29. Francis Bacon e René Descartes foram dois filósofos e pensadores que abandonaram a perspetiva
predominante organicista da Idade Média. Estes pensadores determinaram fortemente o pensamento
ocidental que passou a conceber uma Natureza separada da sociedade humana, a partir de uma racionalidade

13
influências do pensamento de Kant, que justificaram a construção antropocêntrica do
Direito. Abordando a capacidade de auto legislação do ser humano, liberdade que traduz
em autonomia – aquilo que diferencia seres racionais e lhe garante dignidade intrínseca,
o autor distingue pessoas de coisas. Na primeira categoria encaixa-se aquilo que tem valor
por si mesmo, e tem-no por ser dotado de racionalidade, atributo exclusivo dos seres
humanos. Portanto, coisa será tudo aquilo que não detenha racionalidade e, por isso, deixa
de ser considerado um fim em si, passando a ser um meio. A uma coisa, ao invés de
dignidade, corresponde um preço. Esta lógica teve preponderância na teorização do
Direito Moderno Ocidental18. Para esta aceção jurídica só o Homem, considerado
individualmente ou em conjunto, pode ser sujeito de direitos. Desde a Teoria do Direito
podemos atribuir, então, ao modelo antropocêntrico o conceito Natureza-objeto, em
oposição à Natureza-sujeito associada ao modelo biocêntrico. A Natureza-objeto reflete
uma visão jurídica da natureza na sua forma de coisa, passível de ser apropriada e
economicamente utilizada afim de satisfazer os fins da humanidade19.

Antropocentrismo é um conceito amplo que, atualmente, expressa as relações


dominantes entre seres humanos e a Natureza20. A partir dele, todas as medidas e
valorações partem do Homem e os demais seres e objetos são tidos como meios para
alcançar os seus fins. Enquanto um dos pilares da modernidade, esta corrente serviu de
base à construção das atuais ideias de desenvolvimento, que cultivam o aproveitamento
e dominação intensivos da Natureza, formulada a partir da sua subdivisão em recursos, e
até genes, que podem ser “manipulados, aproveitados, patenteados e vendidos”21, com
vista a alimentar o crescimento económico. A Natureza entendida enquanto tal, apela à
imagem do relógio de Descartes, cujo funcionamento pode ser totalmente compreendido
pela consideração em separado de cada peça, e manuseada com recurso à experiência e

dualista, agora entendida em função da forma como poderia ser útil e manipulada pelo e para o ser humano-
resultando numa perspetiva antropocêntrica. GUDYNAS, Eduardo 2010ª, pp. 268, 269.
18
JÚNIOR, 2014, p.31
19
RODRIGUES, 2013, p. 120. Para Kant, “(n)o reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade.
Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando
uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade”, KANT,
1785, p.78.
20
Lembrar que o conceito dado ao termo “Natureza” deriva de uma construção social, é um produto
cultural, GUDYNAS, 2011a, p. 262, podendo, portanto, ser concebido de diversas formas, que nem sempre
coincidem. Seja como for, para consideração dos Direitos da Natureza, entenderemos o conceito num
sentido amplo, que abarca todas as estruturas capazes de cumprir e integrar uma função ecológica.
21
GUDYNAS, 2011a, pp. 259, 260 (traduzido pela autora).

14
manipulação22. Esta ideia, que coloca o ser humano tanto por fora da Natureza como
acima dela, e de que esta é valiosa, na medida em que for valiosa para o ser humano,
chega à América Latina como uma imposição cultural europeia perante os povos
nativos23.

Não se concebe, no direito ambiental, um sujeito de direitos distinto do ser


humano24. A Natureza é tida mais como objecto, ou “bem jurídico” que merece proteção
na medida em que os danos a ela causados possam afetar o ser humano. O reconhecimento
de direitos à Natureza, em contrapartida, visa a proteção da Vida em si mesma, e da
sobrevivência das espécies e dos seus ecossistemas mais do que uma espécie em
particular25. Ao passo que a justiça ecológica nasce de um entendimento biocêntrico, a
justiça ambiental desenvolve-se dentro da conceção antropocêntrica, orientada para a
garantia do bem-estar, tão só, humano26, ainda que numa lógica intergeracional.

Assim, no antropocentrismo o foco de atenção prevalecente é o ser humano,


manifestado em teorias, programas, projetos, sejam sociais, políticos, económicos ou
culturais, nos quais é expressa a perspetiva utilitarista da Natureza e dos seus recursos.
sublinhando-se o seu valor instrumental27. Note-se que a perspetiva antropocêntrica não
se fica pela ideia já expressa de que toda a valoração parte do ser humano, designada

22
No entanto, é necessário considerar que esta ideia é mais a interpretação que é feita de Descartes que uma
ideia defendida pelo autor. Se Descartes evoca a possibilidade, pelo homem, de se tornar «como mestre e
possessor da natureza», no Discurso do método, a questão está então em compreender o significado do
comparativo «como». Descartes não defende nenhuma “desnaturação”, na medida em que o homem não é
mestre das leis da natureza, nem tem a possibilidade de transformá-las (dado que estas são uma instituição
divina). Trata-se, melhor, de um incentivo para conhecer estas leis, de maneira a puder agir no mundo por
elas regido, sem as ultrapassar. Ser mestre e possessor da natureza é antes de tudo conhecer as suas leis e
agir nos seus limites. Menos que um incentivo para manipular a natureza de maneira a transformá-la, trata-
se mais, no pensamento de Descartes, de um incentivo ao seu conhecimento, o qual define os limites da
ação humana possível. (Interpretação retirada da aula de Jean-François Surrateau, dada no Lycée Henri IV
em Paris, 2016)
23
GUDYNAS, 2010a, p. 269.
24
Ainda que na veste de pessoas coletivas, entidades públicas ou qualquer entidade formada por indivíduos
e reconhecida pelo Estado como detentora de direitos e deveres, sendo que o Estado é, ele próprio, dotado
de personalidade jurídica.
A partir do momento em que se atribui personalidade jurídica independente e diferenciada às entidades
relativamente à(s) pessoa(s) física(s), membro(s) e representante(s) dessa entidade, a personalidade jurídica
deixou de ser uma caraterística inerente às qualidades do ser humano para ser um instrumento de proteção.
Neste sentido, releva considerar a utilização deste instrumento para a atribuição de maior proteção à
Natureza.
25
RODRIGUEZ, 2014., p. 101, 102.
26
Ibidem, p. 100.
27
WALDMÜLLER, 2015, p. 8.

15
antropogenia, mas que há que se lhe acrescentar a componente utilitarista daquilo que é
valorado28.

A própria Igreja Católica veio já, com a Carta Encíclica Laudato Si’ do Papa
29
Francisco “Sobre o Cuidado da Casa Comum” , expor, no seu ponto três, o
antropocentrismo que

“acabou, paradoxalmente, por colocar a razão técnica acima da realidade,


porque este ser humano «já não sente a natureza como norma válida nem como um
refúgio vivente. Sem se pôr qualquer hipótese, vê-a, objetivamente, como espaço e
matéria onde realizar uma obra em que se imerge completamente, sem se importar
com o que possa suceder a ela». Assim debilita-se o valor intrínseco do mundo. Mas,
se o ser humano não redescobre o seu verdadeiro lugar, compreende-se mal a si
mesmo e acaba por contradizer a sua própria realidade.”

Adicionalmente, consideramos que os direitos ambientais concedem poucas


garantias se o seu propósito for o de prevenir que os Estados aprovem degradação
ambiental que diretamente30 afete o ser humano, ou seja, se o meio ambiente for protegido
tão só na extensão necessária para garantir o bem-estar humano31. Até porque, se o foco
de atuação for a saúde humana, uma quantidade substancial de degradação ambiental
pode ocorrer até que hajam seres humanos efetivamente afetados32.

Ainda assim, tendo que a espécie humana é a única que possui a consciência para
reconhecer a moralidade de direitos, e que os interesses e deveres desta são, no nosso
entendimento, inseparáveis33 da proteção da biodiversidade e do meio ambiente, é
imprescindível aceitar que um certo grau de antropocentrismo pode ser indispensável à
proteção ambiental34, e que esta aceitação não contraria os interesses da biodiversidade

28
A valoração é um ato unicamente humano, inerente ao indivíduo cognoscente, volitivo e racional. Por
isto se fala de antropogenia quando nos referimos ao ato de valorar. O que não significa que o valor em si,
embora sempre antropogénico, seja necessariamente antropocêntrico e instrumental. Esse valor pode
transcender o interesse humano egoístico e considerar aquilo que é valorado por si mesmo. GUDYNAS,
2011a, pp. 250, 251; COCKS, SIMPSON, 2015, p. 218.
29
Disponível em: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-
francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
30
Considere-se aqui a afetação expressa num vínculo causal visível e claro, já debatida em ponto anterior.
31
TAYLOR, 1998, pp. 351-352; BORRAS, 2016, p.128.
32
BRUCKERHOFF, 2008, p. 624. Consideramos adequado articular esta ideia com a expressa pelo
princípio de direito, por nós conhecido, periculum in mora. Enquanto princípio impulsionador de uma
atuação urgente do Direito afim de assegurar o seu fim primordial, esta ideia, destacada do âmbito da
proteção cautelar, poderá servir a integração no direito de uma proteção biocêntrica do meio ambiente.
33
Relativo ao nexo entre a proteção da biodiversidade e a proteção de direitos humanos, consultar:
BRUCKERHOFF, 2008, pp. 619-621.
34
BORRAS, 2016, p. 128.

16
ou Natureza, nem ameaça o reconhecimento do valor intrínseco da mesma. Mas
implicaria um desenvolvimento da compreensão e assimilação do que é “interesse
humano” em moldes biocêntricos.

Seja como for, uma postura crítica relativa à atribuição e conceção de direitos, bem
como à teoria e prática dos direitos ambientais, abre portas para um ponto de partida
concetual para a consideração de abordagens jurídicas alternativas de proteção ambiental.

2.2 O Biocentrismo

Os direitos a um meio ambiente são, na sua construção enquanto DH de terceira


geração, não necessariamente implicam DN35. Estes últimos visam assegurar a
sobrevivência e persistência das espécies e dos seus ecossistemas enquanto conjuntos,
redes de vida, afastando-se assim de uma forma antropocêntrica de atuação. O foco de
atuação passa a ser a proteção da biodiversidade e, aproximando-se da ecologia profunda,
os DN vêm reconhecer direitos próprios à Natureza36.

A Ecologia Profunda é um movimento conservacionista, fundado em 1972 pelo


norueguês Arne Naess,37 que retoma a proposta de Aldo Leopold de meados do séc. XX,
a “ética da Terra”. Desenvolvida por alguns autores, como Callicot, é no seio desta
corrente que se escrutina o entendimento de valor intrínseco, no caso aplicado à Natureza.
Embora concebidos de forma independente dos mais conhecidos ecólogos profundos, os
direitos da Natureza encontram estreitos paralelismos com esta corrente38.

O reconhecimento de Direitos da Natureza é, no entendimento de Eduardo


Gudynas, um salto qualitativo renovador que garante uma proteção do meio ambiente
natural, restaurando o velho sonho de um balanço entre essa proteção e a sua utilização
produtiva39. Isto implica o reconhecimento de valores intrínsecos da Natureza, quer ao
seu conjunto, quer aos seus elementos constitutivos, como vegetação, clima ou oceanos,
independentes dos que lhe outorgam os seres humanos, deixando esta de ser tomada como

35
MARTINEZ, 2017, pp. 2942, 2943.
36
RODRIGUEZ, 2014, p. 102.
37
RECASENS, 2014, p.62.
38
GUDYNAS, 2011a, p. 247.
39
Ibidem, p. 245.

17
um objeto ou conjunto de objetos que serve como meio para o alcance de fins humanos,
para ser tomada como um sujeito de direitos40.

O reconhecimento dos DN representam uma visão holística e integrada de toda a


vida e todos os ecossistemas, gerando-se daqui a aceitação de que todas as formas de vida
têm o direito de existir, persistir, manter e regenerar os seus ciclos vitais, bem como o
reconhecimento de que os seres humanos têm a autoridade legal e responsabilidade de
tornar esses direitos eficazes em nome da Natureza41. Admite-se, no biocentrismo, que as
espécies não são iguais entre si, mas a ideia de igualdade é expressa nos seus direitos à
vida, já que toda a forma de vida é importante para o equilíbrio natural.42

O reconhecimento formal de DN, ocorrido no Equador e na Bolívia, têm como base


uma conceção distinta de Natureza, biocêntrica, de filiação andina e ancorada nos saberes
dos seus povos tradicionais. Por isto, muito embora seja esta uma questão essencialmente
ambiental, leva-nos a pensar outras construções sobre Natureza que transcendem as
aproximações clássicas de origem europeia, e a abrir espaço para a incorporação de uma
abertura multicultural na forma de conceber, se relacionar, e proteger a Natureza43.

2.3 A Racionalidade Indígena Ancestral

O sumak kawsay, ou buen vivir44, surge como elemento crucial em propostas


políticas transformadoras e emancipadoras. A utilização da noção de Buen vivir tem vindo
a emergir, desde a primeira década do séc. XXI, e no contexto das transmutações políticas
e sociais vividas, nos países hispano-americanos. Com o seu reconhecimento, nas
Assembleias Constituintes do Equador e da Bolívia45, o conceito ganhou relevância e
gerou reflexão acerca dos elementos societários e axiológicos presentes nos modos de
vida que existiram, e em alguns casos ainda subsistem, nas relações comunitárias dos
povos indígenas andinos e amazónicos, cujos valores e cosmovisões têm raízes

40
Ibidem, p. 246.
41
BORRAS, 2016, p. 129.
42
Ibidem; GUDYNAS, 2011a, p. 270.
43
GUDYNAS, 2011a, pp. 263, 264.
44
Conceitos similares cuja construção histórica se deu pelos povos indígenas da área andina da américa do
sul. Faz referência à consecução de uma vida plena, uma boa vivência regida pelos princípios da harmonia
e do equilíbrio com o todo que é a vida. SIMBAÑA, 2011, p.222.
45
Respetivamente de 2008 e 2009, sumak kawsay em língua quíchua e suma qamaña em língua aymara.
BLANCO, 2017, p. 56.

18
milenares46. No preâmbulo da Constituição da Bolívia de 2009, a recuperação da ordem
pré-colonial estabelecida pelos povos indígenas, nomeadamente no que respeita à relação
do Homem com a Natureza, bem como a abertura para a integração da pluralidade cultural
do país, são asserções claras47. A forma das culturas indígenas andinas conceberem as
relações entre seres humanos e a natureza não pode ser compreendida à margem do Buen
Vivir- cosmovisão milenar que tem procurado se redefinir, afim de se afirmar como
alternativa ao modelo de desenvolvimento atual. É esta noção, a do sumak kawsay para
os povos originários andinos equatorianos e suma qamaña para os povos originários
andinos bolivianos, que nos dá o referencial de reconhecimento de direitos da natureza,
já que este é requisito para o seu alcance48.

Daqui emerge uma conceção distinta de Natureza, a Pachamama, reconhecida na


Constituição equatoriana de Montecristi. Este término carrega uma forma distinta, assente
num vínculo de igualdade, de se relacionar com a Natureza. Uma visão alternativa
relacional do ambiente, onde os seres humanos estão imersos na Natureza e não separados
dela, que rompe com conceções dualistas e oferece uma excelente oportunidade de
reconcetualizar a forma de desenvolvimento. A utilização deste conceito não deve ser tida
como uma imposição de uma visão quíchua ou aymara, mas antes como a abertura para
a incorporação de conceitos com as mais diversas raízes culturais.

Os DN materializam a presença de culturas distintas num só conceito,


nomeadamente da cultura eurocêntrica que determina o Direito, e da cultura andina
original, identificada na Natureza49. Só um enfoque intercultural servirá para transcender

46
Ibidem, pp. 56-57.
47
“En tiempos inmemoriales se erigieron montañas, se desplazaron ríos, se formaron lagos. Nuestra
amazonia, nuestro chaco, nuestro altiplano y nuestros llanos y valles se cubrieron de verdores y flores.
Poblamos esta sagrada Madre Tierra con rostros diferentes, y comprendimos desde entonces la pluralidad
vigente de todas las cosas y nuestra diversidad como seres y culturas. Así conformamos nuestros pueblos,
y jamás comprendimos el racismo hasta que lo sufrimos desde los funestos tiempos de la colonia.”
Constituição Política do Estado da Bolívia, de 2009, disponível in:
https://www.oas.org/dil/esp/Constitucion_Bolivia.pdf
48
MURCIA, 2011, p. 295.
Na Constituição do Equador de 2008, o sumak kawsay concretiza-se numa nova forma de convivência
cidadã, em diversidade e harmonia com a natureza, no respeito, em todas as dimensões sociais, pela
dignidade de todas as pessoas e coletividades. Este princípio é expresso noutros preceitos constitucionais,
“El buen vivir requerirá que las personas, comunidades, pueblos y nacionalidades gocen efectivamente de
sus derechos, y ejerzan responsabilidades en el marco de la interculturalidad, del respeto a sus
diversidades, y de la convivencia armónica con la naturaleza” (art. 275º); “Para la consecución del buen
vivir, serán deberes generales del Estado: 1. Garantizar los derechos de las personas, las colectividades y
la naturaleza” (art. 277º). Daqui se retira a relação entre o reconhecimento biocêntrico dos Direitos da
Natureza e o da cultura dos povos indígenas andinos.
49
SANTOS, 2012, p. 39.

19
o debate autorreferente das perspetivas antropocêntricas e biocêntricas na compreensão
do procedimento. Para o intelectual indígena equatoriano Floresmilo Simbaña,

A vida humana não pode persistir sem a natureza. Por isto dentro do conceito
de sumak kawsay subjaz o conceito de Pachamama, que faz referência ao universo,
como a mãe que dá e organiza a vida. Portanto garantir a boa vivência da sociedade,
implica considerar a Natureza como “sujeito.50

Apesar de entendido por alguns como construção abstrata ou moral individual capaz
de gerar obrigações somente no que diz respeito à redistribuição dos benefícios do
desenvolvimento, o sumak kawsay aspira a bem mais do que isso. A sua integração num
ordenamento jurídico exige uma verdadeira restruturação do modelo socioeconómico
para que funcione na sua plenitude51 e permita o estabelecimento de um sistema que
rompa com o antropocentrismo da cultura moderna e recupere uma cultura construída a
partir de uma visão biocêntrica da Natureza52. Azeredo Lopes fala-nos dos povos
indígenas como tertium genus entre minorias e povos. Ao conceito povo associa-se, de
forma automática, o direito a autodeterminação, não totalmente reconhecido aos povos
desta específica natureza (indígena). Às minorias cabe um estatuto menor, mas o conceito
não parece incorporar aspetos essenciais que caraterizam os primeiros53. A inclusão
íntegra e manifesta da cultura desta categoria específica de povos, tal como a integração
Buen Vivir no Equador e na Bolívia, fortalece e subscreve o crescente reconhecimento
internacional do seu direito à autodeterminação54, aproximando-os, de forma
emancipatória, à categoria mais simplista de “povos”.

Importa referir que muitos intelectuais não indígenas participaram também desta
construção discursiva55. Andreu Viola Recasens aponta para a ausência de referências à
literatura etnográfica sobre comunidades andinas e de dados empíricos sobre a economia
política da agricultura andina em obras que pretendem divulgar e reivindicar a conceção
andina de buen vivir. O que sucede é que o indígena empírico, de carne e osso e atual,
não parece estar representado no conceito, que faz transparecer a imagem de um “índio

50
SIMBAÑA, 2011, p.222.
51
Ibidem, p. 223.
52
RODRIGUEZ, 2014, p. 111.
53
LOPES, 2003, pp. 250-252.
54
Estabelece a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígena, de 2007, no seu artigo
terceiro “Os povos indígenas têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito determinam
livremente sua condição política e buscam livremente seu desenvolvimento económico, social e cultural.”
55
BLANCO, 2017, p.57.

20
hiper-real” abstrato e metafísico. O mundo andino é representado, em boa parte da
literatura sobre buen vivir, como uma entidade “monolítica, homogénea e atemporal, sem
matizes nem contrastes internos”, e certos factos, como a presença massiva de indígenas
nas cidades, não parecem ser expressos56. O autor aponta o risco do conceito se tornar
vazio de significado, pela omnipresença e indefinição do mesmo- que podem funcionar
como permissão ao interlocutor de lhe atribuir a conotação que lhe convenha. Um outro
risco associa-se à apontada idealização essencialista e a-histórica do mundo rural andinos,
que minimiza as sérias ameaças e tensões internas vividas atual e concretamente por estas
populações57.

Ainda assim, o conceito encontra origem no modus vivendi das comunidades


originais andinas, bem como na sua forma de conceber a vida em comunidade, ainda que
a sua resinificação se tenha abstraído, mais ou menos, do modus vivendi e modus pensandi
da generalidade das comunidades indígenas andinas atuais. Esta nova elaboração
intelectual visa a estipulação de um novo corpo de direitos fundamentais plasmados nos
novos textos constitucionais e faz emergir a denúncia de uma crise civilizatória58

da cultura ocidental; da racionalidade da modernidade; da economia do


mundo globalizado. Não é uma catástrofe ecológica nem um simples desequilíbrio
da economia. É a própria desarticulação do mundo ao qual conduz a coisificação
do ser e a superexploração da natureza; é a perda do sentido da existência que gera
o pensamento racional em sua negação da outridade.59

Leff desenvolveu a racionalidade ambiental, como forma de pensamento que


pretende superar a razão anti-natura que traduz a racionalidade moderna60. O conceito de
Buen Vivir, bem como dos DN baseados neste primeiro, quando integrados no sistema,
são uma tentativa muito séria de irromper com esta razão anti-natura, desencadeando o
questionamento acerca daquilo que está na raiz da crise ambiental, e impondo um
(re)pensar de noções cimentadas do jogo económico, como a do “crescimento económico
ilimitado”61.

Além da Natureza formar parte ativa da cosmovisão indígena, note-se que a ideia
de a dotar de direitos tem antecedentes no mundo ocidental. Italo Calvino, já em 1957,

56
RECASENS, 2014, pp. 64, 65 (traduzido pela autora).
57
Ibidem, pp. 68, 69; BLANCO, 2017, p. 60.
58
BLANCO, 2017, p. 61.
59
LEFF, 2004, p.15.
60
Ibidem, p. 16.
61
BLANCO, 2017, p. 62.

21
explorou esta ideia no seu romance “o barão desenfreado”62. No seio da Ecologia
Profunda, autores como James Lovelock e Lynn Margulis, caraterizam a Terra como um
superorganismo vivo, a qual denominaram de Gaia - esta teoria justificaria a atribuição
de direitos à Natureza, na medida da função que todas as espécies têm para o
desenvolvimento sistémico do planeta63. A formulação destas visões implica o
reconhecimento, pelos seus autores, das “inter-retro-conexões transversais entre todos os
seres”, integradas no conceito de Pachamama64.

A economia, cultura e forma de vida dos povos indígenas originais relacionam-se


diretamente65 com as terras66, territórios, ou a Natureza, pelo que proteger a
biodiversidade pelo seu valor intrínseco é também proteger os povos indígenas originais.

62
MARTINEZ, ACOSTA, 2017, pp. 2932, 2933.
63
RODRIGUEZ, 2014, pp. 112, 113.
64
MARTINEZ, ACOSTA, 2017, p. 2933.
65
De tal modo que a noção de terras é elemento fundamental à identificação dos povos indígenas. LOPES,
2003, pp. 265-267.
66
Esta relação é fortemente protegida pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas. Dispõe o seu artigo 25 que “(o)s povos indígenas têm o direito de manter e de fortalecer a sua
própria relação espiritual com as terras, territórios, águas, águas costeiras e outros recursos que
tradicionalmente possuam ou ocupem e utilizem, e de assumir as responsabilidades que a esse respeito lhes
cabem relativamente às gerações futuras.

22
CAPÍTULO II - Pensar a Aplicabilidade dos Direitos da Natureza

1. Passos tendentes ao reconhecimento dos Direitos da Natureza a


nível internacional

Um dos primeiros casos que veio levantar a questão da possibilidade de


reconhecimento de DN foi o caso Sierra Club vs Monton, de 1972, relativo às sequoias
da Califórnia67. Tratou-se de uma oposição ao empreendimento de lucros corporativos
para a transformação de um habitat florestal antigo num parque de diversões. Este caso
trouxe para a doutrina a questão, levantada por Christopher Stone, de saber se as árvores
poderiam ter consideração jurídica. Pela primeira vez desenvolveu-se a teoria que
concebia a hipótese da Natureza como sujeito de direitos, com direito à representação
legal e à reparação no caso de danos68. O Juíz William Douglas69, aponta que se
determinados objetos inanimados podem ser parte num litígio, faria sentido permitir que
certos elementos da Natureza afetados por qualquer atuação humana pudessem
igualmente ser70.

Mais de 100 países membros da ONU adotaram, em 1982, a Carta Mundial da


Natureza, que reconhece o valor intrínseco da Natureza e estabelece que “toda forma de
vida é única, o que lhe garante respeito, independentemente do seu valor para o
homem”71.

67
Sierra Club v. Morton 405 U.S. 727, pp. 741-43 (1972).
68
GARZÒN, 2017, p. 15.
69
Sierra Club v. Morton, 405 EUA 727, pp. 742-3 “The critical question of 'standing' would be simplified
and also put neatly in focus if we fashioned a federal rule that allowed environmental issues to be litigated
before federal agencies or federal courts in the name of the inanimate object about to be despoiled, defaced,
or invaded by roads and bulldozers and where injury is the subject of public outrage. Contemporary public
concern for protecting nature's ecological equilibrium should lead to the conferral of standing upon
environmental objects to sue for their own preservation. This suit would therefore be more properly labeled
as Mineral King v. Morton”
70
Ibidem, p.743. “Inanimate objects are sometimes parties in litigation. A ship has a legal personality, a
fiction found useful for maritime purposes. The corporation sole - a creature of ecclesiastical law - is an
acceptable adversary and large fortunes ride on its cases (...) So it should be as respects valleys, alpine
meadows, rivers, lakes, estuaries, beaches, ridges, groves of trees, swampland, or even air that feels the
destructive pressures of modern technology and modern life.”
71
World Charter for Nature 1982-83, A/RES/37/7, disponível em:
https://www.refworld.org/docid/3b00f22a10.html. (traduzido pela autora)

23
No ano de 2000 foi adotada pela UNESCO a Carta da Terra72, aprovada pela ONU
em 2002, que apela ao entendimento da Vida como uma unidade. Este documento admite
que “o destino comum chama-nos para encontrar um novo começo”, assumindo que
“todos os seres estão interligados e que cada forma de vida tem o seu valor, independente
da sua utilidade para os seres humanos”.

Alguns tratados internacionais reconhecem o valor intrínseco da biodiversidade,


tais como a Convenção Internacional para a Regulação da Atividade Baleeira73, a
Convenção sobre Conservação das Espécies Migratórias Selvagens74, a Convenção sobre
a Diversidade Biológica75, e a Convenção Ramsar76. Estes tratados abrem portas a uma
mudança de paradigma no Direito Internacional do Ambiente.

A campanha de Polly Higgins para levar a ONU a adotar uma lei que altere o
Estatuto de Roma e reconheça a destruição em massa de ecossistemas, como um crime
internacional contra a paz, configura outra tentativa de proteger a Natureza como sujeito
de direitos. Na elaboração do Estatuto de Roma, o crime de ecocídio77 foi incluído na lista
de “crimes internacionais”. Porém, a ideia foi abandonada aquando da adoção do Estatuto
em 1966. Fundado no dever de cuidar do planeta, este crime internacional seria punível
inclusive para Estados que não se vincularam ao Tribunal Internacional Criminal e
verificável quer em período de guerra, quer em período de paz (a destruição em massa do
ecossistema quando em tempo de guerra já é hoje crime), e não seria necessário
demonstrar intenção do agente em produzir o dano78. Dez países já reconhecem
internamente uma forma de crime de ecocídio e, desde janeiro de 2014, 112 000 pessoas
assinaram uma petição da Iniciativa Cidadã Europeia para a elaboração de uma Diretiva

72
Carta da Terra 2000, disponível em: https://www.cm-
seixal.pt/sites/default/files/documents/30cmseixal_320_01_carta_terra_v01_r00.pdf
73
Washington, DC (EUA), 2 Dez. 1946, em força 10 Nov. 1948, disponível em:
http://library.arcticportal.org/1863/1/1946%20IC%20for%20the%20Regulation%20of%20Whaling-
pdf.pdf
74
Bonn (Alemanha), 23 Jun. 1979, em força 1 Nov. 1983, disponível em:
http://ambientecplp.org/documentos/biodiversidade-e-conservacao-da-natureza/convencao-sobre-
conservacao-das-especies-migratorias-selvagens-cms-pdf.aspx
75
Rio de Janeiro (Brasil), 5 jun. 1992, em força 29 Dez. 1993, disponível em:
http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/dec21-1993.pdf
76
Ramsar (Irão), 2 Fev. 1971, em força 21 Dez. 1975, disponível em:
https://www.ramsar.org/sites/default/files/documents/library/scan_certified_e.pdf
77
Definido como "perda ou dano ou destruição do(s) ecossistema(s) de um determinado território(s), de tal
forma que o seu desfrute pacífico pelos habitantes tenha sido, ou será, severamente diminuído”. Arquivo
de informação legal sobre lei para Ecocídio, disponível em: https://ecocidelaw.com/.
78
HIGGINS, et. al., 2013, pp.251-266.

24
da UE para o Ecocídio79. O número foi insuficiente para exigir ação subsequente da
Comissão Europeia, mas a iniciativa angariou apoiantes e vários grupos voluntários têm
feito campanha pela criminalização do ecocídio80. Esta questão voltou a ganhar
protagonismo na Cimeira dos G7 de 26 de agosto, na sequência dos fogos florestais da
Amazónia81.

Participantes da Conferência Internacional dos Povos sobre Alterações Climáticas


e Direitos da Mãe Terra, adotaram, em 2010, a Declaração Universal dos Direitos da Mãe
Terra82, que reconhece o Planeta como um ser vivo com direitos. A Resolução da
Assembleia Geral da ONU “O Futuro que Queremos”, adotada na sequência da
Conferência da ONU Rio+20, sublinha o reconhecimento de Direitos da Natureza em
certos países, no contexto de promoção de um desenvolvimento mais sustentável, bem
como a necessidade de desenvolver uma relação mais harmónica com a Natureza83.

Em 2009 foi publicada uma investigação científica, conduzida por Johan


Rockström, identificando os indicadores que definem os limites dos processos
fundamentais do Sistema Terrestre, que não devem ser ultrapassados para que se
mantenha um “Espaço Operacional Seguro para a Humanidade”. Os designados “Limites
Planetários” foram concretizados em nove processos críticos.84 Com base nestes avanços,
o jurista britânico Peter Roderick propôs o “Projeto de Declaração sobre Limites

79
Ibidem
80
Iniciativa designada “Acabemos com o Ecocídio na Europa: uma iniciativa de cidadãos para dar Direitos
ao Planeta Terra”. Mais informações em: https://ec.europa.eu/citizens-
initiative/public/initiatives/obsolete/details/2013/000002
81
CARVALHO, 2019. ANJOS, Mafalda. Sobre a Cimeira, mais informações em:
consilium.europa.eu/pt/meetings/international-summit/2019/08/24-26/
82
Adotada na Conferência Internacional dos Povos sobre Alterações Climáticas e Direitos da Mãe Terra,
Cochabamba (Bolívia), 22 de Abril de 2010, disponível em: http://therightsofnature.org/universal-
declaration/
83
Resolução adotada pela Assembleia Geral a 27 de Julho de 2014 “The Future We Want”, ONU Doc.
A/RES/66/288, disponível em:
https://www.un.org/en/development/desa/population/migration/generalassembly/docs/globalcompact/A_
RES_66_288.pdf, “We recognize that planet Earth and its ecosystems are our home and that “Mother Earth”
is a common expression in a number of countries and regions, and we note that some countries recognize
the rights of nature in the context of the promotion of sustainable development.”
84
ROCKSTRÖM, 2009. Os processos críticos pelos Limites Planetários são: alterações climáticas, situação
da camada de ozono da estratosfera, acidificação dos oceanos, integridade da biosfera (biodiversidade),
libertação de poluição química, mudança do uso da terra, consumo de água, fluxos biogeoquímicos (de
azoto e fósforo para a biosfera e oceanos) e carga de aerossóis na atmosfera. Em três destes processos
críticos para a manutenção de um espaço seguro para o desenvolvimento humano, os limites já foram
ultrapassados: as alterações climáticas, ciclo de nitrogénio e biodiversidade.

25
Planetários”85 com vista ao seu reconhecimento e respeito, bem como à responsabilização
internacional pela salvaguarda destes processos de danos sérios ou irreversíveis.

Em confirmação da referida investigação, Orfeu Bertalomi, professor catedrático


da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, desenvolveu a chamada “Equação
do Antropoceno”. Esta é capaz de revelar a taxa de mudança, derivada da ação humana
insustentável do sistema terrestre no Antropoceno - período de existência da Terra
fortemente influenciado pela intervenção do ser humano e exploração excessiva por parte
destes de recursos naturais, com efeitos nos equilíbrios do sistema terrestre, por alguns
cientistas considerado uma verdadeira nova época geológica86.

Junta-se o trabalho de Paulo Magalhães, professor da Faculdade de Direito da


Universidade do Porto, fundador da “Casa Comum da Humanidade” - associação
internacional que propõe a consideração pelo Direito Internacional do sistema terrestre,
nos mesmos moldes em que este foi concebido pelos autores que definiram o “Espaço
Operacional Seguro para a Humanidade”. Enquanto Herança Comum da Humanidade,
património imaterial protegido, este sistema é analisado por Paulo Magalhães em
referência ao instrumento jurídico do “condomínio”. O autor propõe uma governação
análoga do sistema terrestre, enquanto “Condomínio da Terra”87, pela ONU, aplicando a
“Equação do Antropoceno” para determinar os impactos nacionais. Numa lógica que
considera o Planeta como um espaço de convivência humana que implica a aceitação de
espaços privados e espaços comuns, tendo repercussões para o conceito de soberania.
Designadamente, operacionalizar-se-ia uma “sobreposição de soberania e de património
comum”, nas palavras do autor, na medida em que seria dada aos Estados e demais
sujeitos de Direito Internacional, a possibilidade de exercer a sua soberania fora do seu
espaço territorial, num espaço comum, em seu benefício próprio88. O raciocínio
subjacente é o de que a ação em benefício dos restantes integrantes do “condomínio”
implicará sempre benefícios próprios.

Este raciocínio permite escapar a uma forma de atuação ambiental limitada pelas
regras do “jogo do prisioneiro”. Estes desenvolvimentos, acolhendo uma lógica

85
Disponível em: http://planetaryboundariesinitiative.org/about-2/declarations/draftonpb/.
86
AZEVEDO, 2018; ISSBERNER, LÉNA, 2018; CRUTZEN, 2006.
87
Ibidem; “Message from “Common Home of Humanity” to Secretary-General of the United Nations Mr.
António Guterres as a contribution to the Report under preparation as per Resolution A/RES/72/277
“Towards a Global Pact for the Environment” adopet by the General Assembly on May 2018”.
88
Ibidem; Ver MAGALHÃES, Paulo, “A Terra o nosso condomínio: Paulo Magalães at TEDxGuimarães”,
TEDx Talks, 01/abr/2013, https://www.youtube.com/watch?v=OrZvsJ1MOJI, consultado a: 08/out/2019

26
antropocêntrica, não deixam de refletir uma consideração ecológica da Terra e uma forma
de a proteger, que se aproximam do propósito dos DN na medida em que consideram a
vida como um todo, apesar de atuarem de forma paralela e fundamentalmente díspar.

De seguida, importa considerar os casos práticos dos países onde, a nível interno,
se deram alterações legislativas que, de forma inovadora, acolhem a abordagem
biocêntrica que acima expusemos.

2. O constitucionalismo andino: os casos do Equador e da Bolívia

Durante os anos 80 e 90 deu-se uma onda de reformas no Direito Ambiental que se


fez sentir em quase toda a América Latina. Isto levou ao reconhecimento de provisões
legais e constitucionais que transcendem o antropocentrismo, consubstanciando a
mudança para um paradigma biocêntrico e ecológico na região89. O novo
constitucionalismo andino propôs-se a enfrentar um grande repto: um contrato social
entre as pessoas e a natureza, o nascimento de uma nova forma de Estado, que tenha em
conta as necessidades do ser humano de um modo holístico, integrando aspetos
emocionais e culturais emergentes das culturas indígenas90.

A já abordada influência da cosmovisão dos povos indígenas no Equador e na


Bolívia fez cair o positivismo jurídico de Kelsen, penetrando o Direito ao ponto de levar
à (re)construção destes Estados como Estados Plurinacionais, e de obrigar a uma reforma
dos seus ordenamentos jurídicos91. Em celebração à Natureza, o Preâmbulo da
Constituição da República do Equador propõe uma nova forma de convivência,
entrelaçando os direitos dos cidadãos com os desta, com vista ao alcance do Buen Vivir92.

Importa referir que ambos os países, pioneiros93 na abertura de um espaço


constitucional ao reconhecimento de DN, sofrem há muito sérios problemas ambientais

89
BORRAS, 2016, pp. 133,134.
90
BALDIN, 2014, p.30.
91
Pertinente lembrar Gustav Radbruch quando nos fala do reconhecimento do “direito como acontecimento
cultural, como obra humana, partícipe da gravidade terrestre, mas também do impulso à ascensão”.
RADBRUCH, 1999, p.4.
92
“CELEBRANDO a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que somos parte y que es vital para nuestra
existência (…) Decidimos construír: Una nueva forma de convivencia ciudadana, en diversidad y armonía
con la naturaleza, para alcanzar el buen vivir, el sumak kawsay (…)” Constituição da República do Equador,
também conhecida por Costituição de Montecristi, disponível em:
https://www.oas.org/juridico/mla/sp/ecu/sp_ecu-int-text-const.pdf
93
Equador em 2008 e Bolívia em 2009.

27
decorrentes da atividade da indústria extrativista94, fator relevante à compreensão da
origem deste salto na proteção ambiental. Os altos preços das matérias primas
desencadeiam enormes pressões sobre os Estados para a expandir os empreendimentos
mineiros, petrolíferos ou as novas monoculturas de exportação que configuram um estilo
de desenvolvimento insustentável, com alto impacto socioambiental, e que perpetuam
contínuos conflitos sociais.

Tal reconhecimento comporta uma perspetiva mais radical relativamente aos


direitos ambientais, limitativa dos usos da Natureza95. Uma mudança de paradigma desde
um foco linear causal e predominantemente individual, para uma compreensão dinâmica
e sistémica da interação entre os humanos e o seu meio ambiente, sobrepõe a importância
das interdependências das espécies às considerações puramente utilitaristas96. Estes
mandatos ecológicos não procurando definir as propriedades intrínsecas da Natureza,
reconhecem que a Natureza tem valores próprios, e através destes fundamentam a
atribuição de direitos que derivam em obrigações às quais o humano está vinculado97.

A Constituição boliviana de 2009, com o Vivir Bien no seu horizonte, distingue-se


do texto equatoriano por assumir a industrialização de recursos naturais como um fim do
Estado. A redação do art.º 355 gera potenciais contradições entre as aspirações à
conservação da Natureza e o propósito, a que se propõe, de industrialização dos recursos
naturais98. Enquanto o Buen Vivir equatoriano se apoia numa vasta listagem de direitos,
a postura boliviana permite a ascensão das perspetivas utilitaristas sobre o meio ambiente,
nomeadamente aquelas que dizem respeito ao extrativismo99.

Ambas as Constituições incorporaram as demandas dos povos indígenas para a


construção de Estados plurinacionais que os representem, sendo isto mais proeminente
no caso boliviano100.

O primeiro ponto chave das ideias introduzidas nas duas Constituições é o


posicionamento dos Direitos da Natureza, que estão em pé de igualdade com os Direitos
Humanos. Em segundo lugar, os juízes serão chamados, casuisticamente, a encontrar o

94
BORRAS, 2016, pp. 134.
95
RODRIGUEZ, 2014, p. 105.
96
WALDMÜLLER, 2015, p.18.
97
GUDYNAS, 2011a, p. 25.
98
GUDYNAS, 2011b, p.88.
99
Ibidem; GUDYNAS, 2010b, p.79.
100
BORRAS, 2016, pp. 135.

28
equilíbrio adequado entre estes direitos e o Buen Vivir, recorrendo a uma ponderação de
interesses101. A tutela dada à Natureza, entendida como sujeito de direitos102, inova as
obrigações dos Estados a respeito da proteção ambiental103.

A consagração dos DN na Constituição de Montecristi consubstancia uma


reivindicação do mundo indígena, expressa sobretudo nos seus artigos 71, 72, 73 e 74104.
Contudo, a compreensão destes direitos não se esgota nestes artigos, que devem antes ser
lidos em conjugação com as demais obrigações constitucionais105.

O seu art.º 275 atribui às pessoas, comunidades e povos, responsabilidades no


âmbito da interculturalidade, de respeito às diversidades entre estes, e à sua convivência
harmoniosa com a Natureza. O art.º 276 contempla a sua recuperação e conservação, bem
como a manutenção de um ambiente são e sustentável capaz de garantir o acesso
equitativo, permanente e de qualidade à água, ar e solo, e ainda aos benefícios dos
recursos do subsolo e do património natural.

Os deveres gerais do Estado equatoriano para prossecução do Buen Vivir estão


previstos no art.º 277. São estes a obrigação de garantir os direitos das pessoas,
comunidades e natureza; de planificar e regular o desenvolvimento, e estimular as
atividades económicas, sempre em respeito à Constituição; deve desenvolver e
implementar políticas públicas adequadas, e sancionar a inobservância destas; e ainda
promover a ciência, tecnologia, artes, o conhecimento tradicional e as iniciativas
comunitárias.

101
PERRA, 2017, p.187.
102
Art.º 10 da Constituição de Montecristi “ (…) La naturaleza será sujeto de aquellos derechos que le
reconozca la Constitución.” O reconhecimento da “Mãe Terra”, na Bolívia, concebe-a enquanto “interesse
público coletivo”. Em vez de diretamente atribuir personalidade jurídica à natureza, a lei boliviana retira às
pessoas o seu domínio sobre todos os outros “pedaços” da natureza. Em vez disso, a toda a natureza -
incluindo aos “pedaços” humanos - são atribuídos os direitos (“humanos”) que a lei enumerar. Essa
construção está ligada à base holística da lei- proteger a natureza como um sistema, em vez de atender
isoladamente aos seus componentes (ver art.º 5 da Ley de Derechos de la Madre Tierra, n. 071) GORDON,
2018, p.55.
103
GORDON, 2018, p.55.
104
A melhor dizer, no seu capítulo sétimo, reservado aos Direitos da Natureza. O art. 71º é claro: “La
naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete integralmente
su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos
evolutivos.
Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad podrá exigir a la autoridad pública el cumplimiento de
los derechos de la naturaleza. Para aplicar e interpretar estos derechos se observaran los principios
establecidos en la Constitución, en lo que proceda.
El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas, y a los colectivos, para que protejan la naturaleza,
y promoverá el respeto a todos los elementos que forman un ecossistema.”
105
MARTINEZ, ACOSTA, 2017, pp. 2934, 2935.

29
Já o art.º 278, direcionado às pessoas singulares e coletivas, consagra as obrigações
de participação ativa nas políticas de gestão pública e de produzir, comercializar e
consumir bens e serviços com responsabilidade social e ambiental.

Outras obrigações consagradas são, por exemplo, as proibições: à aplicação de


biotecnologias de risco ou experimentais (art.º 401); à atividade extrativa de recursos não
renováveis em áreas protegidas (art.º 407); relativas à apropriação de recursos genéticos
que contenham diversidade biológica e agrícola (art.º 322).

Nas obrigações de facere é mais nítida a opção por um modelo de desenvolvimento


inovador106, comprometido com a conservação e recuperação da Natureza (art.º 276); em
harmonia com a Natureza (art.º 283); que conserve a biodiversidade e a capacidade de
regeneração natural dos ecossistemas (art.º 395); dentro dos limites biofísicos da natureza
(art.º 319). Um modelo que obriga o Estado a adotar medidas protetoras, em caso de
dúvida sobre o impacto ambiental (art.º 396); a limitar as emissões de gases de estufa, a
desflorestação e a contaminação atmosférica, bem como a tomar medidas conservadoras
relativas aos bosques e à vegetação e a proteger a população em risco (art.º 414); a
proteger a Natureza face os efeitos negativos de desastres (art.º 389) e à criação,
ratificação e vigência de normas internacionais para a conservação e regeneração dos
ciclos vitais do planeta e da biosfera (art.º416/13)107.

No caso da Bolívia, foi adotado, em 2010, o primeiro pacote legislativo do mundo


assente no antigo conceito indígena de Natureza como um ser vivo108. O art.º 1 da Lei-
quadro nº 300 apresenta como objeto do diploma o estabelecimento da visão e os
fundamentos para o desenvolvimento integral em harmonia e equilíbrio com a Mãe Terra
para Vivir Bien. No seu art.º 5, define Vivir Bien, conotando-o com uma harmonia,
equilíbrio e solidariedade dos seres humanos, consigo mesmos, com o que os rodeia e

106
A maior imposição de obrigações decorrentes do reconhecimento dos DN coincide com a Diretiva
2004/35/CE da UE quando, no seu ponto 13, frisa que a responsabilidade não serve a resolução de todos os
danos ambientais por não ser, por exemplo, “instrumento adequado para tratar a poluição de carácter
disseminado e difuso, em que é impossível relacionar os efeitos ambientais negativos com actos ou
omissões de determinados agentes individuais”. Diretiva disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-
content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32004L0035&from=PT
107
MARTINEZ, ACOSTA, 2017, pp. 2934 – 2937.
108
BORRAS, 2016, pp. 135. São estas: a Ley nº 071 de Derechos de la Madre Tierra seguida, em 2012,
pela Ley Marco nº 300 de la Madre Tierra y Desarrollo Integral para Vivir Bien, disponíveis em :
http://www.madretierra.gob.bo/attachments/article/93/Ley%20N%C2%BA%20071.Pdf e
http://files.harmonywithnatureun.org/uploads/upload655.pdf, respetivamente.

30
entre si. A referida lei, de acordo com o art.º 3, visa estabelecer as diretrizes para um
acesso aos recursos naturais de uma forma equilibrada109.

Mais do que um mero reconhecimento abstrato dos Direitos da Natureza, estas


normas refletem um pragmatismo na sua proteção. A tutela destes direitos une-se à
proclamação constitucional de onde surgem, exigindo especial atenção na elaboração de
instrumentos sancionatórios das violações e danos causados à Natureza.

2.1 Proteção da Natureza face a danos que a afetem

No contexto dos danos causados à Natureza, importa distinguir entre o dano que já
se produziu e o possível dano futuro, ou o dano eventual. Para estes últimos a pergunta
que surge é se tais danos podem ser evitados com políticas e ações de prevenção110.

A Constituição da República do Equador determina, no seu artigo 396 que o Estado


deve adotar políticas e medidas adequadas a evitar e prevenir danos à Natureza. No caso
do dano se verificar, surge a obrigação de restitutio in integrum. Não sendo esta possível,
surge a obrigação de criação na esfera jurídica do sujeito lesado (no caso, um sujeito-
Natureza) de benefícios equivalentes aos que teria no caso de não ter ocorrido o dano111.
Paralelamente, o dever de indemnizar as pessoas e comunidades afetadas. Assim,
estabelece-se um Direito da Natureza à sua restauração quando tenha sido destruída (art.º
72). A restauração da Natureza complementa a reparação dos direitos do ser humano cujas
condições de vida possam ter sido afetadas por um dano ambiental. Esta distinção
fundamenta a diferença entre o Direito do Ambiente, como parte dos direitos humanos, e
os Direitos da Natureza, que funcionam para todos os seres vivos e para o próprio sistema
terrestre112.

109
PERRA, 2017, pp. 187, 188.
110
Ibidem.
111
STUTZIN, 1985, p.113. Sobre a reparação do dano à Natureza, o autor idealiza, para certos casos, o
pagamento de uma indemnização a ser revertida para o que designa como “Fundo da Natureza”.
112
MARTINEZ, ACOSTA, 2017, pp. 2936 – 2937. Isto leva-nos a pensar a construção de Canotilho relativa
à distinção entre danos ambientais enquanto “danos provocados a bens jurídicos concretos através de
emissões particulares ou de um conjunto de emissões emanadas de um conjunto de fontes emissoras” de
danos ecológicos, os quais define como “lesões intensas causadas ao sistema ecológico natural sem que
tenham sido violados direitos individuais.” CANOTILHO, 1994. Atendendo a este último aspeto, da
ausência de uma afetação de direitos privados, consideramos que mais das vezes a um dano ecológico
corresponde a sua impunibilidade. A reparação do dano não se dá por não haver interesses humanos
afetados. Aqui, onde se exige mais que a reparação da situação humana afetada, onde se reconhece Direitos
à Natureza, o alcance da responsabilização por danos ecológicos será maior e mais exequível.

31
Quer no Equador (art.º 396), quer na Bolívia (art.º 347), os sujeitos da obrigação de
prevenir danos à Natureza são o Estado e cada um dos atores dos processos de produção
e comercialização, bem como os utilizadores de bens ou serviços. No Equador a
responsabilidade por danos ambientais é objetiva, i.e., independente de culpa, cabendo ao
Estado uma ação imediata e subsidiária que garanta a saúde e restauração dos
ecossistemas (art.º 397).

Quanto à legitimidade ativa numa ação de responsabilidade por estes danos, esta é
de qualquer pessoa, física ou jurídica, coletividade ou grupo humano, e é sobre o gestor
da atividade, ou o demandado, que recai o ónus da prova da inexistência de dano potencial
ou real. A novidade dos DN não está em que magicamente as árvores ou os rios passem
a aparecer nos tribunais, mas sim em que distintos seres humanos podem agora
comparecer perante os juízes invocando a sua representação. Não terão que demonstrar
uma perda económica ou afetação na sua propriedade privada, mas poderão defendê-los
desde a necessidade de assegurar a sua sobrevivência e permanência como espécie113. A
Natureza-sujeito será representada por pessoas que velem pelos seus direitos114

O art.º 347 da Constituição boliviana estabelece que os delitos ambientais são


imprescritíveis, tal com sucede no Equador (artº396). Na Bolívia incube ao Estado a
obrigação de preservar o estado natural das águas dos rios e das zonas intermediárias,
evitando ações que lhes causem dano (art.º 376). O artigo 4 da sua Lei n.300 obriga
qualquer pessoa, individual ou coletiva, a prevenir e evitar de forma oportuna, eficaz e
eficiente danos as componentes da Mãe Terra, sendo que recai sobre estas pessoas a
obrigação de restauração integral e efetiva no caso de lhe causarem dano. No artº 26 desta
Lei afirma-se a necessidade de evitar o dano ambiental decorrente das atividades de
extração mineira e de hidrocarbonetos. O Estado deve impulsionar de forma progressiva
a criação e fortalecimento de padrões de produção mais sustentáveis, limpos e que
contribuam para uma melhor qualidade ambiental (art.º 15).

Daqui se retira que o reconhecimento de Direitos à Natureza traduz-se numa


ampliação do leque de obrigações do Estado e dos cidadãos perante o meio ambiente.
Além da pronta solução de restauração da Natureza-sujeito lesada, independente da

113
GUDYNAS, 2011a, pp. 276, 277.
114
STUTZIN, 1985, p. 107.

32
reparação ao ser humano, releva a importância que se dá à prevenção da ocorrência de
danos e à obrigação de proporcionar meios de prevenção adequados115.

2.2 A Jurisprudência

A entrada da cosmovisão andina nas Constituições do Equador e da Bolívia - e neste


último caso, também nas suas leis ordinárias - fez ouvir a sua voz na jurisprudência, que
frisa o reconhecimento da vida nos elementos da Natureza e, portanto, um direito à sua
existência e à recuperação nos casos de dano116.

No Equador os Tribunais posicionam-se a favor da mudança entre a tradicional e a


nova forma de pensar a Pachamama117, que o Estado está obrigado a garantir e a
proteger118. Num caso que abordava a província dos Galápagos, já protegida por regime
especial anterior à nova Constituição, a Corte Constitucional pronunciou-se sublinhando
os “maiores standards de proteção ambiental (direitos da natureza) que a nova
Constituição concede”119.

Os DN passam a ter eficácia judicial, e com isto, deu-se a introdução de novos


valores no sistema judicial e a assunção de novas formas de proteção ambiental. Alguns
argumentos da Jurisprudência parecem levar esta reconfiguração demasiado longe,
nomeadamente quando sobrepõem os DN aos direitos económicos individuais120. Os dois
direitos devem ser ponderados, caso a caso, com vista à determinação de uma solução
concreta equilibrada.

Os Direitos da Natureza oferecem, no Equador, uma maior proteção do que o


sistema anterior, mas só o futuro da prática jurídica oferecerá elementos que permita
avaliar a evolução desta nova construção jurídica. Apesar bem recebidos pelos
Tribunais121, aponta-se alguma discriminação judicial entre os casos de DN cujos autores

115
PERRA, 2017, p. 188.
116
Ibidem, pp. 189-192.
117
Veja-se: Corte Constitucional Sentencia N°. 218-15-SEP-CC. Registro Oficial Suplemento N°. 629, 17
de novembro de 2015; Corte Constitucional Sentencia N°. 166-15-SEP-CC. Registro Oficial Suplemento
N°. 575, 28 de agosto de 2015.
118
Corte Constitucional para el período de transición. Sentencia N°. 017-12-SIN-CC. Registro Oficial Su-
plemento N° 743, 11 de julio de 2012.
119
Ibidem. (traduzido pela autora)
120
Corte Constitucional Sentencia N°. 218-15-SEP-CC. Registro Oficial Suplemento N°. 629, 17 de
novembro de 2015. Quando se pronuncia no sentido de que o respeito aos DN deve sobrepor-se a qualquer
interesse económico individual.
121
PERRA, 2017, p. 190.

33
são comunidades ou organizações da sociedade civil e os casos protagonizados por
instituições do Estados. Os primeiros, diz-nos Esperanza Martínez e Alberto Acosta, regra
geral são descartados, e os segundos procedem e terminam em condenações que afetam
partes fragilizadas122. A título de exemplo, apontam os autores, “não se aceita um caso
referente aos Direitos da Natureza para proteger o Yasuni123, um dos últimos espaços,
refúgio do jaguar; mas aceita-se e condena-se um camponês que matou um jaguar”124.

O primeiro caso de sucesso foi suscitado em representação do rio Vilcamba, por um


casal de americanos com propriedade na margem deste rio. Com o argumento de que o
projeto de estrada em causa vinha a depositar grandes quantidades de rocha e material de
escavação no rio, o casal processou o governo provincial de Loja125.

Este projeto estava em andamento há três anos sem qualquer análise relativa ao seu
impacto ambiental, e violava diretamente os DN ao aumentar o fluxo do rio e
consecutivamente o risco de desastres ambientais. O casal recorreu à figura da injunção
constitucional126, a favor da Natureza, e o tribunal pronunciou-se reconhecendo ser este
o meio adequado à remediação imediata do dano ambiental, sublinhando a indiscutível
importância da natureza e considerando as evidências do processo de degradação. Além
disso, invocou o princípio da precaução como fundamento para justificar a devida
inclinação dos juízes constitucionais para proteção imediata dos DN, na ausência de uma
demonstração objetiva de que o projeto não produza contaminação ou leve à danificação
do ambiente.

O Tribunal reconheceu a dimensão intergeracional dos danos à Natureza, bem como


o princípio da inversão do ónus da prova, que passa a estar a cargo do Governo Provincial
de Loja. Considerou que não se verificava colisão de direitos constitucionais. Por fim,
determinou uma rol de medidas a serem tomadas pela entidade demandada, destinadas à
reparação do dano, como a obrigação de apresentar, no prazo de 30 dias, um plano de
remediação e reabilitação das áreas e regiões afetadas127.

122
MARTINEZ, ACOSTA, 2017, pp. 2953- 2955.
123
Sobre o caso ver o Veredito do Tribunal Ético pelos Direitos da Natureza, in:
https://therightsofnature.org/veredicto-del-tribunal-caso-yasuni/ Consultado a 14/Out/2019.
124
MARTINEZ, ACOSTA, 2017, pp. 2953-2954.
125
GREENE, 2016.
126
Gobierno Provincial de Loja, juicio 11121-2011-0010, de 30 Março 2011. Disponível in:
https://elaw.org/system/files/ec.wheeler.loja_.pdf?_ga=2.216170774.1641331849.1572013526-
774285648.1571262573.
127
Ibidem.

34
Um caso128 que levou à consideração dos DN como direitos universais, foi o
demandado contra a BP pelo derrame no Golfo do México, que ocorreu em 2010 e foi
uma das maiores tragédias ambientais da história. Tratava-se de uma empresa que não
operava no Equador e o incidente ocorreu fora da área marítima nacional. Apesar do caso
ser rejeitado, os argumentos levantados foram de extrema pertinência129.

Os autores procuravam criar um precedente para, com base no princípio da Justiça


Universal, permitir a punibilidade de crimes que atentassem aos DN no Equador, até o
estabelecimento de um “Tribunal Internacional” com esse específico propósito.
Consideravam que a condenação ao pagamento de uma indemnização em dinheiro não
seria, por si, meio adequado à reparação do dano130. Visavam a condenação da empresa
à tomada de ações concretas em matérias de informação, restauração, compensação e de
garantia de não repetição. Além disto, exigiam que o Tribunal se dirigisse aos Estados e
à Humanidade recomendando o reconhecimento dos DN131.

Na Bolívia, a ampliação da proteção judicial ao meio ambiente, decorrente da


aplicação direta das disposições constitucionais e das leis ordinárias que reconhecem os
DN, também se tornou evidente. A Jurisprudência demonstrou uma tendência a pesar a
interculturalidade do Estado Plurinacional, que subjaz a abordagem biocêntrica. Isto
refletiu-se no incentivo ao desenvolvimento dos DN desde uma articulação lúcida com o
princípio de Vivir Bien132.

Posto isto, passamos a abordar casos de reconhecimento ad hoc dos DN, que não
consubstanciam, portanto, normas de Direito com caráter geral e abstrato.

128
Accion de Proteccion n 17111-2013-00002. Receção da primeira sala civil do tribunal de justiça
provincial de Pichincha, disponível em: https://www.derechosdelanaturaleza.org.ec/wp-
content/uploads/2018/04/SENTENCIA-APELACI%C3%93N-BP.pdf
129
MARTINEZ, ACOSTA, 2017, pp. 2954-2955.
130
“EQUADOR- Ambientalistas denunciam a petroleira British Petroleum (BP) por derramamento no
Golfo do México”, Amigos da Terra, 20/nov/2010,
https://amigosdaterrabrasil.wordpress.com/2010/11/30/ecuador-ambientalistas-demandan-a-petrolera-
british-petroleum-bp-por-derrame-en-golfo-de-mexico-oilwatch-sudamerica/, consultado a: 14/out/2019.
131
“Se presentó demanda en Ecuador contra la British Petroleum”, America Latina en movimiento,
29/nov/2010, https://www.alainet.org/es/active/42632, consultado a: 14/out/2019.
132
Sentencia Constitucional Plurinacional N° 1422/2012, 24 de setembro de 2012; Sentencia
Constitucional Plurinacional N° 0778/2014, 21 de abril de 2014.

35
3. Reconhecimento de Direitos da Natureza mesmo sem previsão
constitucional.

Mais uma vez marcados pela integração correspondente dos direitos dos povos
indígenas ou pela assimilação flagrante de uma cultura, abordaremos, de forma breve, o
caso de três países onde ocorreu o reconhecimento de direitos a determinados elementos
da Natureza pela atribuição de personalidade jurídica a estes. São eles: Nova Zelândia,
Índia e Colômbia.

Na Ilha do Norte da Nova Zelândia, para a tribo Maori Tuhoe, o Te Urewera- uma
área maioritariamente florestal, e pouco povoada- é tido como uma fortaleza ancestral da
natureza, viva e com história. Representa, para o seu povo, um lugar com enorme valor
espiritual e com identidade própria133. Em 2014 o Te Urewera Act veio substituir o
National Parks Act de 1980 na governação e gestão do Te Urewera, fazendo com que este
deixasse de ser um parque nacional para ser uma entidade jurídica, representada pelo
Conselho estabelecido pela lei para agir em seu nome. O Conselho seria inicialmente
composto por quatro representantes da Coroa e quatro representantes Tuhoe e, após três
anos, por três representantes da Coroa e seis representantes Tuhoe134. Durante séculos
esta região deu casa ao povo Tuhoe, também conhecido como “filhos da névoa”. As
tradições deste povo são fortes e sua conexão com a terra, enquanto território, é muito
antiga. Após muitos anos de disputa e reivindicações, o Te Urewera deixou de estar sob
a alçada da Coroa e passou a ter “todos os direitos, poderes, deveres e responsabilidades
de uma pessoa jurídica”135. De acordo com o Ministro Chris Finlayson o ato, o primeiro
desta índole em todo o mundo, foi positivo para a Coroa, que anteriormente violou de
forma abusiva os direitos deste povo136. Reconheceu-se o significado desta terra para o
seu povo e a necessidade ambiental de restauração e conservação da área,

133
“Te Urewera Act”, Environment Guide, 17/nov/17. http://www.environmentguide.org.nz/regional/te-
urewera-act/. Consultado a: 14/out/19.
134
Ibidem.
135
“Legal personhood for nature has legal ramifications”, Lane neave. https://www.laneneave.co.nz/legal-
personhood/. Consultado a: 14/out/19.
Secção 11 Te Urewera Act 2014, disponível em:
http://www.legislation.govt.nz/act/public/2014/0051/latest/whole.html (traduzido pela autora)
136
“Tūhoe claims settlement and Te Urewera bills passed”, Department of Conservation, 24/Jul/14.
https://www.doc.govt.nz/news/media-releases/2014/tuhoe-claims-settlement-and-te-urewera-bills-
passed/. Consultado a: 14/out/2019.

36
providenciando-se uma espécie de compensação cultural e financeira pelo sofrimento do
povo na mão da Coroa137.

Como o Te Urewera, o rio Whanganul, Te Awa em maori, foi por muito tempo alvo
de reivindicações, no sentido do reconhecimento da condição do rio como sujeito
ancestral da tribo Maori, Iri138. A sua conexão com o rio é muito profunda - há mais de
setecentos anos controlava, cuidava e dependia dele. Em meados do ano 1800, a
autoridade tradicional da tribo acabou por ser extinta por Decreto do governo e, desde
então, os Iri assistiram à forte degradação do rio, apesar de considerado uma maravilha
cénica. O ato mais grave, considerado como uma grave afronta cultural, foi o desvio das
águas superiores do rio para uma diferente bacia hidrográfica, na sequência de um
esquema de instalação de energia hidroelétrica. Para os Maori, isto configurou uma
decapitação da entidade que é o rio. Mas, em março de 2017 o Whanganui River Claims
Settlement ou Te Awa Tupua, veio reconhecer legalmente que o rio é uma entidade viva,
indivisível e, mais uma vez, possuidora de “todos os direitos, poderes, deveres e
responsabilidades de uma pessoa jurídica”139. O rio, efetivo proprietário legal das suas
terras é representado pelo Te Pou Tupua, composto por uma pessoa nomeada Iwi e uma
pessoa nomeada pela Coroa, que dará a cara e agirá em nome do Te Awa Tupua. Estas
mudanças legislativas revolucionárias vêm reavaliar o lugar dos interesses humanos na
sua relação com a natureza (assumindo uma posição biocêntrica), mas também carrega
uma necessidade de reparação dos erros cometidos contra os povos indígenas, as suas
terras e valores culturais140.

Pouco depois deste ato, o Supremo Tribunal Uttarakhand, na Índia veio garantir aos
rios Ganga e Yaumna e seus tributários direitos semelhantes aos de um humano menor.
Estes são dois dos rios mais sagrados do país, que providenciam sustento físico e
espiritual na região e que têm uma importância central para cerca de metade da população
indiana. O seu reconhecimento enquanto entidades vivas configura uma “medida
extraordinária” tomada para dar resposta à “situação extraordinária” do seu alto nível sua

137
“Legal personhood for nature has legal ramifications”, Lane neave. https://www.laneneave.co.nz/legal-
personhood/. Consultado a: 14/out/19.
138
Ibidem.
139
WARNE, 2019.
Parte 2, subparte 2 do Whanganui River Claims Settlement, disponível em:
http://www.legislation.govt.nz/act/public/2017/0007/latest/whole.html (traduzido pela autora).
140
“Legal personhood for nature has legal ramifications”, Lane neave. https://www.laneneave.co.nz/legal-
personhood/. Consultado a: 14/out/19.

37
deterioração141. Três oficiais do governo foram designados para agir legalmente como
“pais” dos rios e para defender e representá-los142.

O reconhecimento legal de DN nestes países desde já se diferencia da conjetura no


Equador e na Bolívia. Aqui, não se assiste à garantia de direitos positivos, expostos
normativamente de forma extensa. Além disto, a nomeação de guardiães específicos dos
elementos naturais sujeitos de direitos também configura uma distinção face aos
reconhecimentos constitucionais analisados.

Ainda em 2017, o Rio Atrato, na Colômbia, tornou-se o terceiro no mundo a ser


reconhecido como sujeito de direitos, nomeadamente à sua conservação, mantimento e
restauração a cargo do Estado e das comunidades étnicas que habitam na sua bacia143. O
reconhecimento deu-se por sentença da Corte Constitucional da Colômbia que se
pronunciou por um caso levantado pelo Centro de Estudos para a Justiça Social “Terra
Digna” em representação de várias comunidades afetadas pelas atividades contaminantes
produzidas pela exploração mineira ilegal, nomeadamente comunidades indígenas e
negras. O tribunal atribuiu então direitos que descreve como “bioculturais” em
reconhecimento do vínculo entre os modos de vida das comunidades indígenas, étnicas e
tribais com os seus territórios e a utilização, conservação e administração dos seus
recursos naturais.144 Esta sentença assumiu uma abordagem biocêntrica da problemática,
na medida em que “a terra não pertence ao homem (…) é o homem quem pertence à terra,
como qualquer outra espécie”145. A decisão determina a providência de uma Comissão de
Guardiães do Rio Atrato, integrada por dois guardiães designados e uma equipa
assessora146.

Na sequência de uma demanda interposta por vinte e cinco jovens colombianos que
demandava vários organismos governamentais à adoção de ações imediatas para reduzir
a zero a desflorestação da Amazónia colombiana, até 2020, com vista à garantia de um

141
DAS, 2017.
142
Ibidem;
143
Sentença T-622/16 da Corte Constitucional da Colômbia, disponível em:
http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2016/t-622-16.htm
144
Ibidem.
145
Ibidem, 5.9 “Consideraciones preliminares sobre la riqueza natural y cultural de la nación”. O Tribunal
expões em sentença que a perspetiva ecocêntrica tem precedentes na prática jurisdicional do país, expressa,
nomeadamente, nas decisões C-595 de 2010 e C-632 de 201. Esta última afirma que atualmente a natureza
não se concebe tão só como meio ambiente dos seres humanos, mas também como um sujeito com direitos
próprios que devem ser protegidos e garantidos.
146
Para mais, quanto aos Guardiães do rio Atrato:
http://tierradigna.org/pdfs/SomosGuardianesDelAtrato.pdf. Consultado a: 14/Out/2019.

38
meio ambiente são para as futuras gerações, a Suprema Corte de Justiça veio se
pronunciar de forma inovadora. Com base na sentença que reconheceu direitos ao Rio
Atrato, a demanda foi recebida e, à luz dos princípios jurídicos ambientais de precaução,
equidade intergeracional e solidariedade. Na decisão147 de 2018, a Amazónia Colombiana
foi reconhecida como sujeito de direitos148. Trata-se de uma decisão histórica, a primeira
tutela contra as alterações climáticas na América Latina149, onde o reconhecimento de
direitos vem acompanhado da ordenação de uma série de medidas com vista ao fim da
desflorestação.

Todas estas decisões revelam uma tendência de superação do paradigma


antropocêntrico. Refletem a Natureza a partir de um sistema de pensamento que concebe
o ser humano como parte de um todo e reconhecem nela direitos antes só atribuídos ao
ser humano. Esta mudança de paradigma surge, em todos os casos, em resposta aos
ataques cometidos à natureza, agora protegida de forma radical. Isto porque a atribuição
de direitos e o reconhecimento jurídico enquanto sujeito de direitos, concede
automaticamente uma ampliação dos meios de proteção, bem como uma afirmação
formal da urgência de ações a favor da natureza. Ainda não está totalmente claro como,
na prática, vão funcionar essas inovações, mas, para já, acreditamos que a concessão de
personalidade jurídica à Natureza é um mecanismo capaz de funcionar a favor de uma
maior proteção ambiental150.

4. Ultrapassando obstáculos ao reconhecimento de Direitos da


Natureza

Alguns argumentos jurídicos, fundados na perspetiva antropocêntrica, objetam ao


reconhecimento de DN151. O primeiro, aponta para a ausência de capacidades cognitivas
e volitivas da natureza que não lhe permitem reconhecer e exigir um direito. A este
respeito, sabemos que atribuir direitos à natureza é reconhecer nela um valor inerente,

147
Sentença STC4360-2018 da Suprema Corte de Justiça, disponível em:
https://elaw.org/system/files/attachments/publicresource/Colombia%202018%20Sentencia%20Amazonas
%20cambio%20climatico.pdf?_ga=2.15149619.484430592.1571262573-774285648.1571262573
148
MAZO, 2018.
149
CALLE, 2018.
150
Para uma leitura científica sobre questões ambientais atuais ver:
sciencedaily.com/news/earth_climate/environmental_issues/.
151
RODRIGUEZ, 2014, pp. 106-108.

39
independente da valoração que dela façam os seres humanos152. E mais, este argumento
olvida considerar os casos dos seres humanos que não podem assumir diretamente os seus
direitos ou exigi-los judicialmente, como os incapacitados por questões de saúde mental,
e nem por isso são privados dos seus direitos153.

Um segundo argumento afirma que a Natureza não tem capacidade de ação


recíproca, de contrair deveres e obrigação, e por isso não se lhe podem reconhecer
direitos154. Quanto a isto, vale lembrar que muito embora os seres humanos tenham essa
capacidade, isto não significa que o façam. Por outro lado, independentemente do estatuto
jurídico da Natureza, o seu bem-estar é necessário à vida. Este carácter necessário pode
ser tomado como o cumprimento desse dever, ou corresponsabilidade, para justificar que
lhe confiram direitos. Além disto, voltamos novamente à questão da representatividade
do sujeito-Natureza, por falta de capacidade de exercício dos seus direitos. O direito civil
resolveu a questão da incapacidade, relativa ou absoluta, com a figura do representante
legal que opera até para pessoas jurídicas que são ficções abstratas (que não seria o caso
com o sujeito-Natureza).

Alguns autores consideram que o reconhecimento de DN pode levar à limitação ou


ao desconhecimento dos DH155. Este argumento desconhece que a Natureza é condição
necessária à espécie humana e que os seres humanos são parte integrante dela, pelo que
não há à partida uma contradição entre DN e DH. A vulneração de DN também vulnera
os DH, e vice-versa156. Além disso, a justiça ecológica funciona em simultâneo à justiça
ambiental, que protege os direitos a um meio ambiente saudável. São justiças estrutural e
estrategicamente vinculadas que não se anulam, mas complementam-se157. Não serão
contrárias aos DN atividades como agricultura ou produção de gado, nem qualquer
atividade que aproveite da Natureza em prol da espécie humana, desde que ajustada aos
ritmos da Natureza, às taxas de reprodução das populações, à capacidade dos
ecossistemas de enfrentar e amortizar os impactos humanos158.

O quarto argumento é pragmático, já que coloca a questão da efetividade dos DN.


Sabendo que estes direitos implicam limitações mais radicais sobre o uso de recursos

152
GUDYNAS, 2011a, p. 259.
153
ZAFFARONI, 2011, p. 54.
154
ÁVILA, 2011, p. 183.
155
ZAFFARONI, 2011, p. 127.
156
ACOSTA, MARTINEZ, 2011, p. 213.
157
MARTINEZ, ACOSTA, 2017, p. 2943.
158
GUDYNAS, 2011a, pp. 260-262.

40
naturais do que o direito ambiental, e que estes últimos já têm muitas dificuldades em se
fazer cumprir, faz sentido avançar com o seu reconhecimento? Para alguns críticos este
reconhecimento não passa de uma construção retórica incapaz de gerar grandes
consequências reais. Em primeiro lugar, a eficácia simbólica destes direitos não pode ser
desconsiderada, já que paulatinamente vai gerando uma mudança relativa às
representações que, no âmbito do direito, se fazem da natureza e, consequentemente a
forma como os humanos se relacionam com ela. A afirmação de um direito ecológico
projeta à sociedade a sua inspiração conservacionista e cumprirá a função educadora que
lhe é inerente e cuja meta se situa além da mera observância dos seus preceitos legais159,
aliás já se está a fazer sentir a manifestação social do cumprimento desta função no
Equador160. Além disto, o reconhecimento constitucional de DN amplia a legitimidade
ativa na reclamação dos seus direitos pelo que é de que se motive a sua defesa161. E o
mesmo sucede com a atribuição isolada de personalidade jurídica a certos elementos
naturais, porque acompanhada de designação de representantes legais especialmente
encarregues de defendê-los.

A cultura pode ser uma barreira para a aceitação de uma conceção biocêntrica da
natureza que lhe reconheça direitos, nomeadamente quando pensamos na cultura
ocidental. A este respeito, urge recorrer a um diálogo intercultural no debate sobre o tema
e, lembramos, a institucionalização dos DN impulsiona abertura a este diálogo162.

Mas consideramos, pelo estudo dos casos do Equador e da Bolívia, que a grande
dificuldade do direito ecológico é a sua compatibilização com a promoção simultânea dos
direitos socioeconómicos. Nestes países, o Buen Vivir ainda não se conseguiu posicionar
como um modelo económico verdadeiramente alternativo, capaz de transformar a
estrutura tradicional de produção e exportação de bens primários163. Os Direitos da
Natureza implicam uma rutura com formas governativas que optam pelo crescimento
económico como forma privilegiada de desenvolvimento e que apelam à minimização ou
flexibilização do que consideram ser obstáculos ambientais164. E isto sucede tanto em
modelos mais conservadores como nos considerados progressistas. Nos países referidos,
o neoextrativismo progressista, ou também chamado extrativismo emancipador, que visa

159
STUTZIN, 1985, p. 109.
160
MARTINEZ, ACOSTA, 2017, pp. 2949, 2950.
161
ZAFFARONI, 2011, p. 133.
162
RODRIGUEZ, 2014, pp. 109-113.
163
BLANCO, 2017, p. 66.
164
GUDYNAS, 2011a, p. 279.

41
captar excedentes a fim de aplicá-los ao desenvolvimento social e humano. Ainda que
não se identifique totalmente com a lógica neoliberal do crescimento económico ilimitado
e que as atividades extrativistas estejam sujeitas a uma maior dose de regulação e controlo
e, por isso, o seu impacto possa ser menor, não deixa de ser extrativismo165. O
reconhecimento dos DN implica uma “desmercantilização” da natureza. Isto exigiria dos
governos, para a sua plena integração, a adoção de uma estratégia a longo prazo que
modificasse a matriz produtiva a fim de superar a dependência da exportação primária e
que caminhasse para uma política do mínimo extrativismo. Uma estratégia de transição
para uma nova forma de organizar a economia, que avance por caminhos “pós-
crescimento” e “pós-extrativismo”. Mas sabemos que os projetos políticos não dispõem
de tempo, ainda mais quando se trata de aplicar transformações emancipadoras em
contextos nacionais definidos pela pobreza e exclusão generalizada. Pelo que o grande
dilema surge quando se trata de pôr em marcha um projeto verdadeiramente ecologista e,
em simultâneo, desenvolver um projeto socioeconómico de justiça social e igualdade,
quando se trata de compatibilizar objetivos estratégicos necessários e irrenunciáveis166.
Este debate é muito necessário e acreditamos que deve ser, cada vez mais empreendido
nos espaços académicos e políticos.

165
BLANCO, 2017, p. 67.
166
Ibidem, pp. 68-70.

42
CAPÍTULO III - Pensar os Direitos da Natureza à escala internacional

A urgente necessidade de propiciar o reencontro do ser humano com a natureza é


uma questão global, pelo que os Direitos da Natureza devem ser pensados a essa escala.
Já em 1981, com o informe Norte-Sul , assistiu-se a uma reivindicação formal por ações
globais concertadas: “(q)uer queiramos quer não, vemo-nos confrontados com problemas
de dia para dia mais numerosos, que afetam a Humanidade no seu conjunto, de modo que
as soluções para esses problemas terão inevitavelmente que ser internacionalizadas”167.

Esta necessidade foi, recentemente, objeto de reflexão global com os grandes


incêndios que avassalaram a floresta da amazónia, no verão de 2019. Esta floresta que,
para além de abrigar um vasto número de humanos (33 milhões), acolhe um elevadíssimo
número de espécies de plantas e animais e é uma defesa natural contra o aquecimento
global pela sua capacidade de mitigar e de se adaptar às mudanças climáticas168. Por isto,
o acontecimento foi considerado “um alerta severo das crises ambientais que o mundo
enfrenta – de clima, de biodiversidade e de poluição”169 e chamou a atenção da
comunidade internacional em geral. Na Cimeira G7 da ONU, que decorreu em agosto do
mesmo ano, o assunto foi tema de foco e a perceção da problemática pela sua implicância
internacional sublinhou a necessidade de uma proteção conjunta do meio ambiente
global170. Isto levou Emmanuel Macron, Presidente francês, a sublinhar, no mesmo
encontro, a necessidade de uma melhor gestão a este nível e a reconhecer no evento um
verdadeiro “ecocídio”171.

Com isto, releva considerar a adequabilidade de um caminhar para o


reconhecimento global dos DN acompanhado do impulsionamento da Declaração
Universal dos Direitos da Natureza, bem como empreender forças para o
desenvolvimento do Tribunal dos Direitos Internacionais da Natureza, já estabelecido em
Quito em 2014, e para a sua cimentação no seio da ONU172.

167
AA. VV., 1981, p. 39.
168
ONU, “Declaração de Inger Anderson sobre os incêndios em andamento na Floresta Amazónica”,
disponível em: https://www.unenvironment.org/pt-br/noticias-e-reportagens/statement/declaracao-de-
inger-andersen-sobre-os-incendios-em-andamento-na. Consultado a: 14/Out/2019.
169
Ibidem.
170
ONU, “Secretário-geral alerta para “dramática emergência climática” em encontro do G7”, disponível
em: https://news.un.org/pt/story/2019/08/1684651. Consultado a: 14/Out/2019.
171
Ver: https://www.independent.ie/world-news/frances-emmanuel-macron-says-real-ecocide-going-on-
in-amazon-rainforest-38431441.html. Consultado a: 14/Out/2019.
172
MARTINEZ, ACOSTA, 2017, p. 2956.

43
Christopher Stone reconhece que a constante transformação de recursos naturais
em capital tem se refletido no tão falado desenvolvimento humano, mas,
independentemente disso, defende o “preservacionismo” como melhor opção quando
pensamos nas trocas entre o bem-estar humano presente e o futuro. Como forma de
preservar a existência do que considera ser os elementos que constituem a identificação
e prospeção da espécie humana173, o autor propõe a implementação de direitos da natureza
específicos acompanhada de uma “Tutela Global”174 sediada, por exemplo, na ONU. E
ainda, a criação de um “Fundo Fiduciário para Bens Globais” 175. Para operar enquanto
representantes legais, seriam selecionados pessoas e organismos treinados a nível
regional, nacional e internacional que configurariam a figura de “guardiãs da Natureza”.
Encarregados de reclamar os seus direitos e dar-lhe corpo na necessária imposição de
restrições às formas de abordagem do desenvolvimento individual e coletivo, para que
este se desse em seu respeito176.

Consideramos que esta construção, apesar de embrionária, tem enorme


potencialidades. Os DN são ainda muito recentes e, portanto, muito debate e estudo tem
que ser feito antes de se perspetivar o seu reconhecimento global. Ainda assim, para já,
partilhamos da perspetiva de Eduardo Gudynas quando conclui que, a serem levados a
sérios, esses direitos deveriam ser aplicados em todas as escalas geográficas, desde as
comunidades locais a todo o planeta177.

173
STONE, 2010, pp. 117-124.
174
Ibidem, p. 106.
175
Ibidem, p. 125.
176
WALDMÜLLER, 2011, p. 20.
177
GUDYNAS, 2011a, p. 278.

44
CONCLUSÃO

A abordagem antropocêntrica que, até agora, constitui a forma dominante de


atuação ocidental, falhou visivelmente às exigências de proteção ambiental, que se foram
intensificando com o desenvolvimento da humanidade nos moldes em que conhecemos.
Isto é manifesto com a atual crise ambiental que já deixou as suas marcas irreversíveis,
na opinião de muitos, no ecossistema, e ameaça a manutenção da vida, nomeadamente da
própria espécie humana, no planeta.

Procurámos demonstrar, com o desenvolver do trabalho, que os Direitos da


Natureza oferecem um enorme potencial para uma mais ampla, e coerente, forma de
atuação na defesa do meio ambiente. Uma abordagem biocêntrica surge como uma via
inovadora de proteção ambiental que poderá funcionar quer como via complementar ao
Direito Ambiental antropocêntrico, quer a título principal.

Sublinhamos, pelo exposto, a necessidade de reflexão destes direitos à escala


global. Uma aplicação a este nível, apesar de promissora, levantaria alguns conflitos,
nomeadamente no que respeita à sua compatibilização com a soberania dos Estados,
assunto que não nos dedicamos a explorar no presente trabalho.

Sabemos que os direitos se constroem por processos políticos em condições e


tempos específicos, e que este processo, mais das vezes, e nomeadamente o direito a ter
direitos, representa uma luta longa e difícil. Se os Direitos Humanos surgiram para libertar
o ser humano de toda a forma de escravatura, os Direitos da Natureza emergem também
como forma de reação às brutalidades cometidas contra a natureza.178

Propusemo-nos a traçar um quadro geral sobre a atual forma de proteção


ambiental, e contrapô-la à abordagem biocêntrica, expressa na construção de Direitos da
Natureza. E ainda, a discorrer sobre algumas implicações da assunção desta última.
Esperamos humildemente ter alcançado esse desiderato.

178
MARTINEZ, ACOSTA, 2017, p. 2930.

45
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