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Novembro: mês da consciência negra

20 de novembro – dia de pautar a dignidade


humana negra
No Brasil o dia 20 de novembro é o dia da consciência negra. Um dia dedicado para celebrar a
vida de lideranças negras e relembrar sua luta, ainda necessária, para que a população negra tenha sua
dignidade respeitada em todos os lugares. No entanto há muitas pessoas que perguntam: isso é
realmente necessário? E como resposta a sua própria questão, não é raro, buscarem exemplos em
personagens “célebres” como a fala do ator Morgan Freeman ou se engajar na argumentação daltônica
de que não veem cor da pele, pois todos fazemos parte de uma única raça, a humana. Devo concordar
que a afirmação de uma afiliação humana compartilhada é verdadeira, mas devo imediatamente
completar que o reconhecimento dela não é real na vida de pessoas negras, ainda. Do ponto de vista da
ciência não temos um marcador biológico que sustente a ideia de raças e do ponto do direito
constitucional temos marcos legais absolutos como a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 1º,
inciso III que confere que a dignidade humana é um direito fundamental. 

Toda pessoa humana, qualquer que seja ela, não deveria ser alvo de discriminação com base na
raça, cor, origem, etnia, tampouco ser alvo de humilhações e ofensas. Esse princípio e direito, também
estão expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em outros acordos multilaterais que o
Estado brasileiro aderiu. E aqui começa a parte do não é real, já que usufruir de tratamento sem
discriminação, equitativo e igualitário, estão entre os desafios seculares a serem superados por grupos
negros e indígenas em diferentes países. Essas populações estão buscando ainda, em 2021, o
reconhecimento de sua humanidade, reivindicando o direito à vida. Não é real porque na prática, as
diferenças e diversidade humanas que são naturais, não só são negadas, mas também generalizadas
para um tipo ideal de humano. Se houver dúvidas quanto a essa idealização, basta olhar com
honestidade intelectual para o que representou e representa na história da humanidade, o colonialismo
europeu, que travou uma campanha violenta de sobre o que é ser humano essencializando nossas
diferenças e diversidades naturais. A partir disso, criou justificativas científicas, sustentadas pela religião
e política para manter uma ideia de hierarquização e desigualdade social natural entre os grupos
humanos, tornando o racismo uma presença sistêmica arraigada nas estruturas de nossa sociedade.
Usar a ideia de humanidade compartilhada para negar as lutas dos movimentos negros no seio de uma
sociedade hostil a identidades sociais, só nos faz saltar aos olhos que na prática, a presença dessa
humanidade compartilhada é percebida pela sua ausência. Os fatos estão aí para corroborar essa
percepção e podemos selecionar, já de antemão, um deles, como é caso mais recente publicitado na
mídia que foi a discriminação racial envolvendo a delegada Ana Paula Barroso, na loja de roupas da
Zara.

Portanto recorrer a esse argumento daltônico, de que não vejo cor da pele, não existe raça e
somos todos humanos, não muda o fato que pode ser comprovado pela literatura, pesquisa, estudos
estatísticos e  notícias veiculadas na mídia de que, na nossa sociedade, as pessoas negras seja homem,
mulher, criança, jovem, adulto, idosa, de modo recorrente, têm a sua humanidade, direito à liberdade e a
vida restringida. São tratados de forma discriminatória e injusta. Há uma urgência em romper com as
estruturas que estão sustentando essa visão e mantendo o sofrimento de grupos sociais por séculos.
Para não ter dúvidas da legitimidade da população negra em apressar o tempo em que sua humanidade
será efetivamente respeitada via luta contra a opressão, talvez a ciência de outros fatos ocorridos,
possam atuar como sensibilização, solidariedade ou apenas respeito mesmo. Por exemplo, é muito
Prof.ª Ana Nascimento
Novembro: mês da consciência negra

comum no campo da saúde os profissionais preconizarem que não tem preconceito racial, que tratam o
indivíduo, mas se olharmos a literatura sociológica, médica e dados estatísticos a população negra tem
os indicadores de saúde mais baixos e recebem um tratamento desigual. Podemos identificar isso até no
tratamento da dor. Este é um direito humano e deveria se basear no princípio da dignidade da pessoa
humana, porém estudos mostram que as disparidades raciais e étnicas persistem nos resultados de
saúde nesse campo. A IASP – Associação Internacional para o Estudo da Dor referência um estudo
realizado na emergência e ambulatórios médicos para avaliar a prescrição de opioides e descobriu que,
embora grupos raciais e étnicos relatassem dor nas costas e níveis de incapacidade graves em função
da dor, a conduta dos profissionais de saúde tendiam a considerar a dor relatada como menos grave,
não solicitar exames de imagem e por consequência, recomendar terapia não opioide. Conduta oposta
aos grupos não “racializados”.

Isso implica, no mínimo, que o direito ao tratamento da dor está intimamente orientado pelos
preconceitos implícito e explícitos presentes na cultura e fomenta sofrimento desnecessário. Saindo do
campo da saúde indo para área de lazer e trabalho temos o caso do menino João Miguel, filho da
empregada doméstica Mirtes Renata que morreu aos 5 anos enquanto estava aos cuidados de Sarí
Corte Real, patroa sua mãe ; o caso  de Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos, que morreu a caminho de
um chá de bebê, após ter tido seu veículo alvejado por 62 tiros em ação do Exército na região da Vila
Militar, na zona oeste do Rio, no carro estavam também sua esposa e filho de 7 anos; o caso  das
religiosas que trabalhavam no Lar das Vovozinhas em Santa Maria/RS e que responderão pelos crimes
de racismo, maus-tratos e tortura;  e tantos outros casos possíveis de serem acessados no site do Portal
Geledes.

O mês da consciência negra serve, então para lembrar que a população negra não tem dúvidas de
sua humanidade compartilhada, porém ainda é preciso fazer com que essa dúvida se dissipe das
atitudes racistas explícita e implícitas presentes em nossas estruturas sociais, econômicas e religiosas
que estão sustentados e recriando relações sociais problemáticas.

Nesses nossos tempos em que racismo, discriminação, preconceito e outras formas de opressão e
violação de direitos fundamentais ganham uma ocorrência diária, cuja expressão máxima da banalização
da vida é possível detectar no indiciamento de um presidente como genocida, vejo como absolutamente
necessário refletir sobre novas possibilidades de existência e de conceber o humano. O dia da
consciência negra é e será um marco legítimo para essa reflexão enquanto a vida e a dignidade humana
de populações “racializadas” não forem consideradas em sua plenitude. É por isso que ainda é
necessário lembrar: Vidas Negras? Sim, importam! 

( ADAPTADO)

Por Evânia Maria Vieira, enviado para o Portal Geledés, em 28/11/2021

Disponível em: https://www.geledes.org.br/20-de-novembro-dia-de-pautar-a-dignidade-humana-negra/

Prof.ª Ana Nascimento

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