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VOLUME 2 Luta Antirracista Final
VOLUME 2 Luta Antirracista Final
VOLUME 2 Luta Antirracista Final
PSICOLOGIA
BRASILEIRA
NA LUTA ANTIRR ACISTA
N A P S I C O L O G I A A N T I R R A C I S TA
PSICOLOGIA BRASILEIRA
N A L U TA A N T I R R A C I S TA
Volume 2
Brasília, 2022
1ª edição
Autoras(es):
Brenna Rodrigues Damasceno Gandía
Rafaela Renero dos Santos
Janaina Cassiano Silva
Liziane Guedes da Silva
Renato Noguera
Paula Sandrine Machado
Tess Rafaella Lobato de Oliveira
Igor Luiz Santos Mello
Claudia Carneiro da Cunha
Luciane Stochero
Etiele Morais Carvalho
Patricia Lucion Roso
Carla Fernanda de Lima
Luana Karina dos Santos
Diana Marisa Dias Freire Malito
Anne Bittencourt Santos e Silva
Vitailma Conceição Santos
Bianca Costa Campos
Marizete Gouveia Damasceno e
João Paulo Siqueira de Araújo
Andréa Máris Campos Guerra
Hugo Monteiro Ferreira
Marcela Fernanda de Souza
Mariana Mollica da Costa Ribeiro
Natalia Soares Dalfior
Tayná Celen Pereira Santos
Organização:
Conselho Federal de Psicologia
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia
280 p. ; 23 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-89369-11-0
Gerência de Comunicação
Marília Mundim da Costa - Gerente
André Martins de Almeida - Analista Técnico - Editoração
Raphael de Oliveira Gomes - Assessor
Diretoria
Ana Sandra Fernandes Arcoverde Nóbrega - Presidente
Anna Carolina Lo Bianco Clementino - Vice-Presidente
Losiley Alves Pinheiro - (a partir de 20 de maio de 2022) - Secretária
Norma Celiane Cosmo - Tesoureira
Conselheiros Efetivos
Robenilson Moura Barreto - Secretário Região Norte
Alessandra Santos de Almeida - Secretária Região Nordeste
Marisa Helena Alves - Secretária Região Centro Oeste
Dalcira Pereira Ferrão (Conselheira até 11 de setembro de 2021) - Secretária Região Sudeste
Neuza Maria de Fátima Guareschi - Secretária Região Sul
Antonio Virgílio Bittencourt Bastos - Conselheiro 1
Maria Juracy Filgueiras Toneli (Conselheira até 11 de setembro de 2021) - Conselheiro 2
Fabián Javier Marin Rueda (Conselheiro e Secretário até 5 de fevereiro de 2021) - Secretário
Conselheiros Suplentes
Katya Luciane de Oliveira - Suplente
Izabel Augusta Hazin Pires (Secretária de 6 de fevereiro de 2021 até 19 de maio de 2022) -
Suplente
Rodrigo Acioli Moura - Suplente
Adinete Souza da Costa Mezzalira - Suplente Região Norte
Maria de Jesus Moura - Suplente Região Nordeste
Tahina Khan Lima Vianey - Suplente Região Centro Oeste
Célia Zenaide da Silva - Suplente Região Sudeste
Marina de Pol Poniwas - Suplente Região Sul
Ana Paula Soares da Silva -Conselheira Suplente 1
Isabela Saraiva de Queiroz - (Conselheira até 11 de setembro de 2021) - Conselheira Suplente 2
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia
Coordenadora
Eliane Silvia Costa – RR
Integrantes:
Maria de Jesus Moura (Conselheira do XVIII Plenário do CFP) – PE
Andréa Ferreira Lima Esmeraldo – CE
Arthur Fernandes Sampaio – RN
Cinthia Cristina da Rosa Vilas Boas – SP
Claudia Andréa Mayorga Borges – MG
Ematuir Teles de Sousa – SC
Filippe de Mello Lopes – MG
Iolete Ribeiro da Silva – AM
Jaqueline Gomes de Jesus – RJ
Jeane Saskya Campos Tavares – BA
Thayanara Sousa Silva – DF
Vitória Bernardes Ferreira – RS
panha pela indígena e psicóloga Thaynara Sipredi. Foram elaborados por ela com
a intenção de representar a força e a resistência dos povos indígenas. Na cor caramelo estão
adinkras dos povos Acãs. Eles ilustram princípios e ideias desses povos originários da África
ocidental (principalmente os asante de Gana). Seguem os significados dos dez escolhidos para
transmitir valores que a CDH/CFP espera reforçar, transmitir e alcançar com a campanha.
São eles: 1
ANANSE NTONTAN – sabedoria e criatividade
ASASE YE DURU – a divindade da mãe terra, a importância da terra
AYÁ – resistência, desafio às dificuldades, força física, perseverança, independência e competência
DWENNIMMEN – força
FUNTUNFUNAFU – democracia
NKONSONKONSON – relações humanas, interdependência e cooperação
NYANSAPOW – sabedoria, engenhosidade, inteligência
PEMPAMSIE – prontidão, persistência, resistência, bravura e coragem
SANKOFA – sabedoria, aprender com o passado para construir o futuro
Asè
1 Discurso proferido por Ana Sandra Fernandes Arcoverde Nóbrega, na Solenidade de Posse do XVIII
Plenário do Conselho Federal de Psicologia, em Brasília, na data de 14 de dezembro de 2019.
2 Lei Nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, que dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regula-
menta a profissão de psicólogo.
3 Lei Nº 5.766, de 20 de dezembro de 1971, que cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de
Psicologia e dá outras providências.
4 Resolução CFP Nº 11, de 22 de novembro de 1998, que institui a Comissão de Direitos Humanos do
Conselho Federal de Psicologia, com efeitos retroativos a 7 de agosto de 1997.
5 Resolução CFP Nº 10, de 21 de julho de 2005, que aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo.
“A/O psicóloga/o trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das
pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (Código de
Ética Profissional do Psicólogo, Princípio Fundamental II)
Posto isso, estes dois volumes se apresentam às psicólogas e aos psicólogos como
um rico acervo de ideias, reflexões, relatos e possibilidades para o necessário cum-
primento da Resolução CFP Nº 18/20026. Em 19 de dezembro de 2022, a publicação
dessa importante Resolução completa 20 anos. A presente obra, pela sua densidade,
atualidade e pertinência, converte-se, de imediato, em anexo quase obrigatório dessas
diretrizes. Um verdadeiro presente que chega para, ao mesmo tempo, dar consequên-
cia e atualizar um normativo histórico que, ao longo de duas décadas, vem balizando
práticas e ações para o enfrentamento ao racismo a partir do exercício profissional.
A publicação é fruto do árduo trabalho da Comissão de Direitos Humanos do
Conselho Federal de Psicologia (CDH/CFP), cujos atuais integrantes foram indicados
pelo XVIII Plenário e empossados, em sessão virtual, em 24 de março de 2020, logo
nos primeiros dias daquele que veio a se revelar um longo e desafiador período de
distanciamento social em decorrência da pandemia de Covid-19.
Entre março de 2020 e novembro de 2022, mais de 688 mil brasileiras e brasilei-
ros tiveram as suas vidas ceifadas não apenas pela ação letal de um novo coronavírus,
mas também pelo caos político, econômico e social, decorrentes principalmente do
negacionismo científico, que vieram a agravar ainda mais as desigualdades históricas,
sociais e raciais de nossa sociedade. Presenciamos a emergência de personalidades
autoritárias e de cunho fascista nos níveis municipal, estadual e federal. Seus projetos
mostraram-se contrários a todo o sistema de garantia de direitos básicos que vínhamos
ajudando a construir desde a redemocratização, balizados pela Constituição Cidadã
de 1988. Nosso respeito e nosso luto por essas vidas perdidas convertem-se em luta
também nestas páginas.
O primeiro volume de “Psicologia Brasileira na Luta Antirracista” é constituído
por um total de 16 textos, entre introdução, entrevista, artigos acadêmicos e ensaios.
A maioria das autoras é constituída por psicólogas e pesquisadoras negras e negros.
Contamos também com a participação de uma indígena do povo guarani. São apre-
sentados e debatidos conceitos fundamentais para o entendimento e para a busca da
superação do racismo no Brasil. O leitor é convidado a transitar por amplo espectro de
questões e lutas sociais, na perspectiva da interseccionalidade, a fim de compreender a
6 Resolução CFP Nº 18, de 19 de dezembro de 2002, que estabelece normas de atuação para os psicólo-
gos em relação a preconceito e discriminação racial.
complexidade da tessitura social brasileira e o enredar de suas hierarquias e opressões.
Branquitude, colonialismo, saúde mental, feminismo, (anti)capacitismo, orientação
sexual, identidade de gênero, racismo estrutural, infância, juventude, envelhecimento,
xenofobia, resistências negras e indígenas são alguns dos assuntos abordados.
O volume 2 consiste na publicação dos textos premiados na primeira edição do
“Prêmio Profissional Virgínia Bicudo”, concluída em maio de 2022. Nove trabalhos
vencedores e outros três que receberam menção honrosa abordam diferentes estu-
dos, reflexões e fazeres ao redor do tema “Práticas para uma Psicologia Antirracista”.
Promovido inicialmente como mais uma ação da Campanha Nacional de Direitos
Humanos 2020-2022, o Prêmio teve como objetivos identificar, valorizar e divulgar
estudos e ações de psicólogas(os) e coletivos que envolvam a Psicologia e as Relações
Étnico-Raciais fundamentadas nos Direitos Humanos e que tenham impacto na saúde
mental, na redução das desigualdades sociais e no posicionamento antirracista. Buscou-se
também celebrar e divulgar a obra e o pioneirismo de Virgínia Leone Bicudo, mulher
negra, pesquisadora pouco conhecida, que, entre outros feitos, integrou o primeiro
plenário do CFP. Por meio de Resolução7, o XVIII Plenário tornou a premiação per-
manente no âmbito do CFP e estipulou a sua realização anual. Um gesto concreto que
visa à reparação histórica e à promoção de práticas antirracistas na Psicologia.
Nossos mais sinceros agradecimentos a todas as/os integrantes da CDH/CFP
2020-2022 pelo zelo, empenho, densidade e sensibilidade com que conduziram todos
os trabalhos da Comissão, em especial a elaboração desta publicação. Nosso reconhe-
cimento também a todas as trabalhadoras e trabalhadores do CFP que assessoram a
realização das ações de forma sempre profissional e competente.
Esta obra é um precioso legado e um marco na celebração dos 60 anos de regu-
lamentação da Psicologia no Brasil. Reafirmamos, por meio de nossa ciência e de nossa
profissão, em ensaios teóricos, entrevistas, artigos acadêmicos e relatos profissionais, o
compromisso social de nossa categoria em prol de uma sociedade antirracista.
Boa leitura, boas reflexões e coragem! Contem sempre com a “Psicologia Brasileira
na Luta Antirracista”!
7 Resolução CFP Nº 9, de 28 de maio de 2022, que institui o Prêmio Profissional “Virgínia Bicudo:
Práticas para uma Psicologia Antirracista”, assinada durante a Solenidade de Premiação da Primeira
Edição do Prêmio, dentro da programação do IX Seminário Nacional de Psicologia e Direitos
Humanos, em Brasília, DF.
Sumário
(O Prêmio) Virgínia Bicudo na construção da Psicologia Brasileira Antirracista........................11
Constituição
da identidade/
subjetividade da Raças e Janaina Rafaela 9ª
criança negra e Coletiva identidade Cassiano Renero dos REGIÃO CO
educação infantil: étnico- racial Silva Santos (GO)
análise em docu-
mentos oficiais
Afrocentricidade
silenciada e os im-
Tess
pactos resultantes Raças e 10ª
Rafaella
à saúde mental da Individual identidade - REGIÃO N
Lobato De
população negra étnico- racial (PA/AP)
Oliveira
na contempora-
neidade
Quilombo Sanko-
fa: uma experi- Anne
Raças e Vitailma 3ª
ência regada pela Bittencourt
Coletiva identidade Conceição REGIÃO NE
ética do cuidado Santos e
étnico- racial Santos (BA)
no acolhimento Silva
de pessoas negras
Pioneirismo na
Brenna
Psicanálise Brasi- Raças e 11ª
Rodrigues
leira: o legado de Individual identidade - REGIÃO NE
Damasceno
Virgínia Leone étnico- racial (CE)
Gandía
Bicudo
Narrativas e es-
tratégias infanto- Renato
-juvenis frente ao Liziane Noguera 7ª
racismo: compre- Coletiva Geracional Guedes da Paula REGIÃO S
ensões a partir Silva Sandrine (RS)
do Sopapinho Machado
Poético
Hugo
Monteiro
Ferreira
Marcela
Fernanda
de Souza
Mariana
Andréa Mollica
Ocupação Psica- Raças e 4ª
Máris da Costa
nalítica: por uma Coletiva identidade REGIÃO SE
Campos Ribeiro
clínica antirracista étnico- racial (MG)
Guerra
Natalia
Soares
Dalfior
Tayná
Celen
Pereira
Santos
Psicologia e prá-
ticas de cuidado Diana
Modos de 5ª
em Saúde Mental: Marisa
Individual resistência - REGIÃO SE
Contranarrativas Dias Freire
antirracista (RJ)
de uma perspecti- Malito
va racializada
Utilização do
modelo de flexi-
Luana
bilidade psicoló- Raças e 3ª
Karina
gica da ACT como Individual identidade - REGIÃO NE
dos Santos
estratégia para étnico- racial (BA)
Pereira
uma psicoterapia
antirracista
Só Quero Matar
a Minha Dor”: Carla 21º
Mulher Negra, Individual Geracional Fernanda - REGIÃO NE
Racismo e Subjeti- De Lima (PI)
vidade
Ou seja, há quase 50 anos, Virgínia Bicudo estava na gestão do CFP. Logo, ela
contribuiu com o delineamento da Psicologia e da Psicanálise brasileiras do ponto
de vista teórico-epistemológico, técnico-metodológico e institucional e ainda nos
inspira e ensina.
Em agradecimento a todo o feito, abrimos este livro celebrando-a, com o artigo
Pioneirismo na psicanálise brasileira: o legado de Virgínia Leone Bicudo, de autoria
de Brenna Rodrigues Damasceno Gandía, que analisa o legado desta pioneira na
psicanálise brasileira e as causas da invisibilidade da autora no contexto acadêmico
e psicanalítico. A trajetória de Virgínia Bicudo tem importância não apenas para a
psicanálise, há necessidade em revisitar e incluir referências acadêmicas mais impli-
cadas socialmente e historicamente, as quais contêm temas ligados às relações raciais,
legitimando essas reflexões em um espaço de saber científico.
Na sequência, e lembrando que Bicudo teve uma produção significativa na área da
infância, escolhemos colocar lado a lado, como segundo e terceiro artigos, aqueles que
se debruçam sobre efeitos do racismo e da luta antirracista para as crianças. São eles:
4 PLENARIO___ATA__1973.pdf (cfp.org.br)
Art. 2º O Prêmio Profissional será realizado anualmente para atender aos se-
guintes objetivos:
IV – Interseccionalidades; ou
É com a força deste marco legal que finalizamos esta introdução. Para que ela seja
uma inspiração para a leitura deste livro e de todos os demais que virão!
Abstract
In face of the lack of interest in the work of black authors in our country and
regarding to psychoanalysis, a black woman, granddaughter of an enslaved woman
and daughter of an Italian immigrant stood out as an important character in the trans-
1. Introdução
A produção de intelectuais negros no meio acadêmico parece ser escassa. O
corpo e a vida da população negra são, sim, objetos das manchetes de jornais, quando
se fala sobre preconceito, racismo e violência. Já são conhecidos na história de nosso
país relatos sobre a servidão da população negra diante da prática escravista dos co-
lonizadores. Ainda nos dias atuais, reflexo dessas formas de opressão e exploração,
está o racismo nas entranhas da nossa sociedade, nas falas, na cultura, de modo visível
e invisível. Entendendo o racismo para além do preconceito contra o negro, pois
“trata-se de uma estratégia de dominação que estrutura a nação e cada um de nós e é
pautada na presunção de que existem raças superiores e inferiores” (CFP, 2017, p. 10).
Não se pode acreditar que o Brasil sustente um discurso de igualdade e aponte
para uma democracia racial. Sobre isso, Milena (2019) cita em seu artigo publicado
pelo Jornal de Todos os Brasis, trechos de um discurso proferido pelo professor
Doutor Kabengele Munanga (2004), antropólogo brasileiro-congolês e um dos
principais estudiosos do tema racismo, o qual recebeu uma homenagem e, durante
a ocasião, afirmou que:
No início do trabalho, foi realizada uma pesquisa bibliográfica que, para Gil
(2008, p. 50), é “desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principal-
mente de livros e artigos científicos. E também indispensável nos estudos históricos.
[…] Em muitas situações, não há outra maneira de conhecer os fatos passados senão
com base em dados secundários”.
A partir daí foram organizadas fontes bibliográficas usadas como base
teórica deste artigo, cujas referências fundamentais foram os seguintes autores:
Sigmund Freud, Janaína Gomes, Djamila Ribeiro, Noemi Moritz Kon, Maria Lúcia
da Silva, Cristiane Curi Abud e Kabengele Munanga. Além do acesso aos canais
disponíveis no YouTube, intitulados: Psicologia e Ladinidades; Observatório do
3º Setor; Alexandria Conta e Cria; Canal da Beatriz Araújo; Acontece no IFCS e
Rede Dandaras – Saúde da Mulher Negra, todos com as referências completas ao
final deste artigo. O período de realização do artigo foi marcado pelo contexto
da pandemia do vírus SARS Covid-19.
3. Resultados e discussão
Para compreender o legado de Virgínia Leone Bicudo, é necessário percorrer
sua trajetória, localizando-a no contexto histórico e sociocultural de seu tempo.
Por isso o conteúdo será divido em seções: a primeira abordará brevemente a
chegada da teoria psicanalítica ao Brasil; a seguinte seção mencionará os prin-
cipais fatos de sua história de vida e sua aproximação com a teoria freudiana e,
por conseguinte, será comentado acerca da invisibilidade da intelectual na cena
acadêmica e psicanalítica.
Sagawa (1989) relata que o nome de Marcondes é tido como um dos fundadores
da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, a primeira a ser reconhecida pela
IPA, inaugurando, assim, uma psicanálise mais institucionalizada com a vinda da
Dra. Adelheid Koch, de Berlim, no ano de 1936. O contexto europeu era ameaçado
pela ascensão do nazismo e isso a trouxe a terras brasileiras, possibilitando como
condição a formação de analistas, seguindo as recomendações da IPA, ensinando a
teoria freudiana, análise pessoal e também supervisão dos casos clínicos.
A menina de nome forte era estudiosa, aplicada e na rua era chamada por
outras crianças de “negrinha, negrinha” (VELOSO, 2020), o que a fazia ficar mais
tempo dentro de casa dedicando-se à leitura. Foi estimulada pelos pais para seguir
Ainda segundo relatos de Mautner (2000), em 1936, iniciou mais uma forma-
ção, esta, como ela mesma disse, buscou por compreender uma angústia e dores
muito profundas. Virgínia disse: “Eu tinha sofrimento, tinha dor e queria saber o
que causava tanto sofrimento. Eu colocava que eram condições exteriores. Então
pensei que, estudando sociologia, iria me esclarecer […]” (TEPERMEN; KNOPF,
2011, p. 67). No curso também conviveu com Durval Marcondes, que à época era
médico e, ao mesmo tempo, aluno, como visto na seção anterior. Ele foi, ainda,
um dos nomes responsáveis pela institucionalização da psicanálise no Brasil e a
pessoa que apresentou as teorias de Freud.
Em sua tese, Gomes (2013) menciona que, no ano de 1938, Virgínia Bicudo
obteve o título de bacharel em Ciências Políticas e Sociais pela Escola Livre de
Sociologia e Política (ELSP). Foi a única mulher de sua turma e a única pessoa
negra, conforme a Foto 2.
Cabe, aqui, destacar que sua presença nesse curso foi essencial, sendo única
diante de uma turma de homens brancos e, mais, poder ouvir a história contada por
ela, uma mulher negra. A foto também significa um registro do seu lado pioneiro,
que a acompanhou no decorrer da sua vida.
Moretzsohn (2013) lembra que, na mesma escola, ela logo ingressou nos estudos
para mestrado e ocupou o cargo de professora assistente de Psicanálise e Higiene
Mental, convidada por Durval Marcondes. O ano de 1945 foi especial para ela, devi-
do à publicação da sua dissertação na revista de Sociologia, com o título de “Estudo
de atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo”, sob a orientação de Donald
Pierson, famoso sociólogo americano da Universidade de Chicago. “É de autoria de
Virgínia a primeira dissertação de mestrado sobre a questão racial no Brasil – mais
uma demonstração do seu pioneirismo” (TEPERMAN; KNOPF, 2011, p. 67).
Com o trabalho, Virgínia Bicudo abriu espaço para pensar as relações raciais
dentro da academia, onde os negros não estão no lugar de objeto, e sim a partir de
um lugar de fala, conforme conceitua Ribeiro (2017), a qual esclarece que não é falar
a partir de vivências, mas a partir de um lugar social. O Brasil vivia um momento
de imaginário em relação a uma harmonia racial.
ABRÃO, Jorge Luís Ferreira. Virgínia Leone Bicudo: pioneira da psicologia e da psi-
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a cor dos seus colegas. In: BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan (org.). Relações
raciais entre negros e brancos em São Paulo. São Paulo: Editora Anhembi: Unesco,
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BICUDO, Virgínia Leone. Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. São Paulo:
Editora Sociologia e Política, 2010. 193 p. Edição organizada por Marcos Chor Maio.
CIAMPA, Antonio da Costa. Qual é a explicação dessa ausência e desse silêncio (de
nossa psicologia social) sobre um tema que toca a vida de mais de 60 milhões de
brasileiros de ascendência africana. Entrevistado: Kabengele Munanga. Psicologia
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GALVÃO, Luiz de Almeida Prado. Notas para a história da psicanálise em São Paulo.
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SILVA, Mário Augusto Medeiros da. Reabilitando Virgínia Leone. Sociedade e Estado,
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TEPERMAN, Maria Helena Indig; KNOPF, Sonia. Virgínia Bicudo: uma história da
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2020. Disponível em: https://centropsicanalise.com.br/2020/06/22/quem-foi-virgi-
nia-bicudo-mulher-negra-e-pioneira-na-psicanalise-mas-invisivel-no-brasil/. Acesso
em: 4 nov. 2020.
3. Metodologia
A metodologia deste projeto se pauta nos fundamentos metodológicos e filo-
sóficos do materialismo histórico-dialético, tendo como base os referenciais teóricos
da Psicologia Histórico-Cultural. Marx (1983, p. 20) destaca que “[…] a pesquisa tem
que captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e
4. Resultados e discussão
Para atingir os objetivos do presente trabalho, debruçamo-nos sobre os referidos
documentos. Todos eles estão disponíveis no site do Ministério da Educação, nas pu-
blicações destinadas à Educação Infantil. Nos documentos normativos, fizemos a busca
por palavras como: diferenças, discriminação diversidade, étnico, igualdade, racial e
racismo e os demais documentos foram lidos na íntegra; pois, além de serem especí-
ficos da temática desse artigo, identificamos pouco material na BNCC e nas DCNEIs.
Estes dados são relevantes; porém, como afirmamos acima, o documento não
se propõe a discuti-los. É preciso pensar o porquê dessas estatísticas, é devido ao
racismo? A população negra não se identifica com esses locais e referências? Por
que para essa parte da população a escola parece “irrelevante”? Essas pessoas têm
condições concretas para poder estudar? As reflexões são as mais diversas, mas
o documento não se preocupa na reflexão destas. Sabemos que historicamente
utilizaram dados pseudocientíficos para diferenciar raças e inferiorizar negros
(NASCIMENTO JUNIOR, 2018).
Sobre isso, Farias (2016) conclui que aparentemente toda pessoa negra e mestiça
carrega o dilema da negação do próprio corpo e, dependendo das referências que
recebe, em especial na infância, pode gerar o processo de aceitação e de politização
de seu próprio corpo. Para ela:
FARIAS, A. C. B. “Loira você fica muito mais bonita”: relações entre crianças de uma
EMEI da cidade de São Paulo e as representações étnico-raciais em seus desenhos.
2016. 157 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de São Paulo, São
Paulo, SP, 2016.
MARX, K. Prefácio da segunda edição. In: MARX, K. O capital: crítica da economia po-
lítica. Trad.: Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Abril, 1983. Os Economistas,
p. 15-21.
SILVA JR., H.; BENTO, M. A.; CARVALHO, S. P. de. (orgs.). Educação infantil e prá-
ticas promotoras de igualdade racial. São Paulo: Centro de Estudos das Relações
de Trabalho e Desigualdades (CEERT); Instituto Avisa lá – Formação Continuada de
Educadores, 2012.
2. Método
Em março de 2019 a pesquisadora iniciou 1a aproximação com o projeto
Sopapinho Poético para fins da pesquisa de mestrado, participando dos saraus nas
terças à noite, piqueniques e festas temáticas planejadas pela coordenação do proje-
to, com a anuência da coordenação do sarau e do Sopapinho. Após a aprovação do
projeto no comitê de ética2, em março de 2020 a pesquisadora enviou os convite
através de um grupo WhatsApp com as mães e pais das crianças, pré-adolescentes e
adolescentes participantes do Sopapinho Poético. Após o convite, era solicitado às
mães e pais que verificassem o interesse dos participantes a conceder a entrevista. Ao
fazer essa ponte, o consentimento das mães e pais estava implícito e era oficializado
no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE assinado digitalmente. Já as
crianças, pré-adolescentes e adolescentes assentiram verbalmente suas participações
em vídeo no início de cada entrevista.
As entrevistas foram agendadas com os participantes do projeto, em abril e
junho de 2020, de modo individual. Foram realizadas seis entrevistas online, devido
1 Antes disso, em 2017-2018, o Sarau Sopapo Poético foi campo de pesquisa do TCC em psicologia da
pesquisadora, o que permitiu uma inserção – ou até mesmo continuidade – na relação com o sarau
e as pessoas que o organizam, em sua grande parte, mães ou pais dos participantes do Sopapinho, as
quais a pesquisadora já conhecia.
3. Resultados
Os/as participantes da pesquisa tinham 8 e 9 anos, duas meninas 9, 10 e 13
anos, quatro meninos. A média de participação dos/as entrevistados/as no projeto,
em anos, era de 6 anos e meio, sendo que havia aquelas que frequentaram há 2 anos
e aqueles que frequentaram há 8 anos – desde 1, 2 e 5 anos de idade.
Três das/os entrevistadas se identificaram como crianças, dois como pré-ado-
lescentes e um como adolescente, como vê-se representado na tabela participantes
(tabela 1). Todas as crianças, pré-adolescentes e adolescentes entrevistados/as se de-
clararam, a partir das categorias do IBGE3, como pretas ou negras.
Tabela 1 – Participantes
PARTICIPANTES
Data da Duração Se
Idade
Pseudônimo entrevista da Gênero Raça/cor identifica
(anos)
(2020) entrevista como?
Pré-
Aristóteles 17/abr 12 min 10 Masculino Preto
adolescente
Pré-
Tomas 24/abr 29 min 13 Masculino Negro
adolescente
Preta/
Sofia 02/jun 60 min 8 Feminino Criança
negra
Significado de infância
Idade Se identifica
Pseudônimo Gênero pré-adolescência e
(anos) como?
adolescência
“(Criança) É quando a
gente ainda é pequeno,
até a gente ter, sei lá, 11,
12 anos… é mais essa parte
que a gente começa a
aprender as coisas, que a
Nego P. 13 Masculino Adolescente gente ainda não sabe das
coisas direto… Não é que
eu saiba das coisas (que é
adolescente), agora eu sei
de mais coisas,
acho que é isso”
3 O IBGE define cinco categorias autodeclaradas de raça/cor: pretas, pardas, brancas, amarelas e
indígenas.
Idade
Pseudônimo O que é Racismo?
(Anos)
Cinco dos/as entrevistadas/os apontaram que há diferenças entre ser uma pes-
soa negra e branca, seja criança, pré-adolescente ou adolescente, sendo o racismo a
principal categoria utilizada para essa diferenciação. Foram citadas, ainda: as violên-
cias físicas que as meninas negras sofrem de crianças brancas no contexto escolar, a
sensação de insegurança que a maioria dos meninos, pré-adolescentes e adolescentes
negros, referem ao andar na rua e em estabelecimentos comerciais, bem como os
estereótipos racista que surgem nas produções audiovisuais (filmes, propagandas,
redes sociais) ou nas interações interpessoais.
As narrativas infanto-juvenis demonstraram que as crianças, pré-adolescentes e
adolescentes reconheciam a necessidade de auxílio para lidar com situações cotidianas
de racismo e de modo unânime os entrevistados/as apontaram que a principal rede
de apoio para dialogar sobre tais experiências eram suas mães e/ou pais. Em segundo,
Por fim, Mallu (8 anos) nos conta a diferença que percebe entre a escola e o
Sopapinho, demonstrando a importância de conviver em espaços com pessoas negras,
que apresentam semelhanças com ela e que lhe ensinam sobre sua ancestralidade
de um modo positivo e lúdico:
“Eu vou, eu acho que até um tempo atrás, tipo, tempo atrás,
não muito tempo, tipo, quando eu tava no sexto ano, eu ainda
ia porque meus pais falavam pra eu ir, mas só que aí também
eu não ficava assistindo a roda grande,… foi ano passado que
eu comecei a achar a roda grande e não ficar todo tempo
lá no Sopapinho,… então tipo, eu ficava, não, agora eu sou
grande (com voz de humor), não posso ficar com essas crian-
ças, rsrs… mas, mas eu acho que eu continuo indo porque eu
gosto de escutar a poesia que eu também acho importante
né, aprender… porque eu, eu reconheço que ainda não sei
tanto as coisas, lá eu aprendo bastante,…… eu também gosto
de escrever também, não que eu escreva bem, mas um dia eu
vou escrever bem, então pra escrever bem tu tem que escutar,
né, tem que aprender…
“Só mais um menino, moleque, guri, jovem, rapaz… Só mais um preto, para alguns marrom,
negro.
Morto.
(…) algumas pessoas dizem por que algumas pessoas são negras
não podem ter dinheiro, não podem ter comida boa, ter casa
boa, não podem ter roupas, não podem ter sapatos e algumas
pessoas dizem que as pessoas brancas podem ter dinheiro,
podem ter apartamentos, podem ter casas boas, podem ter
roupas legais, podem ter sapatos bons, a maioria das pessoas
que são racistas falam que as pessoas negras não podem ter
isso (Mallu, 9 anos).
Não à toa, o Sopapinho Poético é referido por Nego P., 13 anos, como um lugar
para “estar com gente como a gente” e por Sofia, 8 anos, lugar de “poder desabafar”. Ali tem
se constituído um cenário potente de subjetivação afroperspectivista para as crianças,
pré-adolescentes e adolescentes negras e suas famílias. Esse contexto permitiu que
as crianças que frequentaram o projeto pudessem se perceber aconchegadas, apre-
ciadas e representadas, conforme elas expressam em suas narrativas infanto-juvenis
imbuídas de estratégias frente ao racismo.
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1. Método
Esta pesquisa surgiu com o objetivo de desmitificar a ideia colonizadora de
origem dos povos na civilização e, em especial, na sociedade brasileira, cujo apaga-
mento de seus valores e constructos primordiais referem os impactos gerados pelo
epistemicídio e suas consequências na desvalorização em crenças e costumes no
Brasil, culminando em prejuízos à saúde mental da população preta em nosso país.
Procurou-se discutir acerca dessa temática por meio de pesquisa bibliográfica
e qualitativa no que se refere à análise de fatores ligados à correspondência de sua
importância à Psicologia, em especial às contribuições da Psicologia africana e à
discussão dos meandros significativos da afrocentricidade nesse contexto.
Em relação aos dados quantitativos, buscaram-se fontes como o censo demográ-
fico por meio do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cuja finalidade
demarca a precisão em números sobre a importância em conhecer a realidade vivida
pela população autodenominada Preta/Parda, para que a partir desse resultado sejam
viabilizadas políticas afirmativas que venham a legitimar os direitos e melhorias na
qualidade de vida desse grupo étnico-social, bem como problematizar situações de
iniquidades sofridas que venham a estigmatizar e obstaculizar a dignidade e cida-
dania dessas pessoas.
2. Resultado
Por meio da coleta de dados qualitativos e quantitativos, observou-se a necessi-
dade de efetivação de políticas afirmativas em reparação aos impactos gerados pelo
epistemicídio da cultura africana, fato este que gera impacto direto na qualidade de
BENTO, M. A. S.; CARONE, I. (org.). Psicologia Social do racismo: estudos sobre bran-
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-cena-no-rock-in-rio-23897839.html. Acesso em: 19 out. 2021.
2. Método
Utilizamos neste trabalho o método cartográfico, que consiste em uma pes-
quisa sustentada em orientações não prescritivas, e distante das regras ou objetivos
estabelecidos, de forma a reverter o sentido tradicional de método sem abrir mão
1 A palavra “meritocracia” foi cunhada por Michael Young (1958), em The Rise of
the Meritocracy, e neste romance a palavra refere-se a um sistema onde as pes-
soas seriam avaliadas por seus méritos.
4. Considerações finais
Este trabalho partiu de reflexões sobre interseccionalidade e colorismo, alicer-
çando-se nas discussões sobre cor/raça nas ciências humanas, sociais e da saúde, o que
nos permitiu debater as representações dadas ao significante “negro” em uma dimensão
social, cultural, política e científica, considerando o campo de estudos do HIV/AIDS.
Seguindo a proposta metodológica de trabalhar com “pistas”, elencamos a se-
guir algumas “pistas práticas” para subsidiar o desenvolvimento de ações e práticas
antirracistas no campo da saúde, com expectativa de dar identidade aos números e
voz ativa ao que pode significar ser um corpo negro vivendo com HIV/AIDS.
Pistas práticas
Apresenta-se como fundamental a criação de caminhos e reflexões que atuem
frente aos efeitos destas estruturas racistas e coloniais, que não apenas produzem e
marcam pessoas a partir do estigma, mas que afetam a saúde mental e as experiências
subjetivas, a tal ponto de a auto e heteroidentificação e da própria consciência racial
ocuparem um lugar de disputa social, cultural, histórica e política.
Quais estratégias são possíveis em uma realidade onde a identificação racial
ainda perambula em campos inacessíveis e/ou vexatórios de significação? Ponderar
sobre possíveis práticas antirracistas implica também debruçar-se naquilo que ainda
para muitos não possui nome, que habita no normal e nãodito do senso comum que
não se elabora, que habita de forma inconsciente em todos nós.
Para muitos sujeitos, a racialidade se traduz na experiência de não se saber
como negro. E as experiências de discriminação racial ainda habitam em lugares de
5. Referências
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2. Método
A construção desse trabalho foi delineada como uma pesquisa documental de
caráter quantitativo. As fontes documentais podem ser múltiplas, diversificadas e algu-
mas são clássicas como: os arquivos públicos, documentos institucionais, documentos
oficiais e os arquivos privados de órgãos públicos (GIL, 2017). Analisar documentos e
suas implicações em um determinado âmbito social mostra-se imprescindível para
compreendermos características de um fenômeno e as intrínsecas relações atreladas
a estruturas sociais (SILVA; ALEXANDRE, 2019).
No que concerne à investigação quantitativa, pode ser realizada com critérios
de abrangência de possibilidades e, quando bem executada, permite ao pesquisador
compreender de fato a manifestação de um fenômeno em determinados contextos
sociais, áreas e/ou atividades (SILVA; LOPES; JUNIOR, 2014). Para tanto, foram rea-
lizados os procedimentos metodológicos fundamentais, que vislumbram à obtenção
de um estudo com rigor científico.
A coleta de dados foi realizada por meio do site da Secretária de Segurança Pública
– SSP-RS, disponível no endereço www.ssp.rs.gov.br, com livre acesso, de domínio
público. Ressalta-se que foram analisados dados do município de Santa Maria – Rio
Grande do Sul e selecionados indicadores: violência psicológica (representada por
ameaça), violência física (lesão corporal) e violência sexual (estupro), referentes aos
anos de 2018, 2019 e 2020, contra a mulher negra no munícipio. Ressalta-se que os
índices da violência patrimonial não constam nas tabelas de indicadores.
Os dados foram analisados por meio de Estatística Descritiva e Inferencial.
Respectivamente, a primeira tem como objetivo descrever dados de uma amostra
por meio de tabelas, ordenação dos dados, números e a criação de gráficos. A segun-
da trata-se da construção de hipóteses, teses e interpretações, com fundamentação
3. Resultados
Após a consulta aos dados no site da SSP/RS, conforme descrito no método do
presente trabalho, obtiveram-se os seguintes resultados a respeito da incidência da
violência doméstica contra a mulher em negra em Santa Maria/RS, referente aos
anos de 2018, 2019 e 2020, no gráfico a seguir:
250
200 192
177 182
136
150 131
109
100
50
6 15 5
5 2 2 10 4 1
0
AMEAÇA ESTUPRO ESTUPRO LESÃO LESÃO
DE VULNERÁVEL CORPORAL CORPORAL
LEVE
Fonte: autora
4. Discussões
Violência contra a mulher
A violência psicológica foi a mais recorrente nos três anos analisados, esta for-
ma de agressão começou a ganhar visibilidade no âmbito jurídico no ano de 1997,
com a Lei nº 9.455, denominada como a Lei da Tortura (BRASIL, 1997). Contudo, a
referida Legislação não abarcava a violência psicológica em casos atentados contra
a mulher. Tal avanço somente ocorreu no ano de 2006, com a promulgação da Lei
Maria da Penha, que oficializou como uma forma de expressão a violência psicológica
no contexto doméstico e/ou nas relações afetivas (BRASIL, 2006).
Ressalta-se que a agressão psicológica é uma das primeiras a manifestar-se em
casos de violência contra a mulher, porém elas não findam quando as outras formas
iniciam. Portanto, evidencia-se que, com o decorrer do tempo, as diferentes formas
de expressão da violência ocorrem concomitantemente.
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Resumo
Essa narrativa é um ato político que visa a refletir acerca do impacto de uma
sociedade patriarcal, misógina, colonial e racista na subjetividade negra. O método
utilizado foi estudo de um caso clínico e a técnica história de vida de uma jovem
negra de 16 anos, da periferia. A análise dos dados foi realizada por meio da análise
episódica, a fim de promover reflexão acerca de como o racismo cotidiano produz
sofrimento psíquico e modo de existência e de como isso implica a necessidade de
um fazer psicológico emancipado de todos as formas de colonialidade, dominação
e opressão. A partir do estudo, reflete-se acerca da necessidade da descolonização do
conhecimento e das práticas em saúde mental, além da urgência na construção de
micropolíticas de cuidado afrocentrados e afrodiaspóricos, sendo fundamental que
isso aconteça em conjunto com múltiplas ações de pequenos coletivos nas esferas
da educação, cultura, política e economia, assegurando assim, sincronicidade no
movimento de oposição à dimensão macropolítica do racismo.
Palavras-chave: Racismo. Subjetividade negra. Descolonização do saber.
Abstract
This narrative is a political action that aims to ponder the impact of a patriar-
chal, misogynist, colonial and racist society on Black Subjectivity. The method used
is a clinical case study and the life history of a 16-year-old black girl from the ghetto.
Data analysis method used is episodic analysis, to promote ponderation on how
everyday racism causes psychological distress and mode of existence and how this
implies the need for physiological practices that are emancipated from all forms of
Resumen
Esta narrativa es un acto político que tiene como objetivo reflexionar sobre el
impacto de una sociedad patriarcal, misógina, colonial y racista sobre la subjetividad
negra. Utilizamos el método del estudio de caso clínico y la técnica de historia de
vida de una joven negra de 16 años de la periferia. Analizamos los datos mediante el
análisis episódico, con la finalidad de promover la reflexión sobre cómo el racismo
cotidiano produce sufrimiento psicológico y modos de existencia específicos y cómo
eso implica la necesidad de una práctica psicológica emancipada de todas las formas
de colonialidad, dominación y opresión. Con base en ese estudio, reflexionamos
sobre la necesidad de descolonizar los conocimientos y prácticas en salud mental,
así como la urgencia en la construcción de micropolíticas de cuidado afrocéntrica y
afrodiaspórica, y es fundamental que eso suceda junto a múltiples acciones de pe-
queños colectivos en las esferas de la educación, de la cultura, de la política y de la
economía, asegurando la sincronicidad en el movimiento de oposición a la dimensión
macropolítica del racismo.
Palabras claves: Racismo. Subjetividad negra. Descolonización del conocimiento.
Foi do desejo de deixar de ser o outro do outro que emergiu esta escrita. Foi
da necessidade de expor para a branquitude os impactos de transformar a mulher
negra no outro do outro que surgiu esta narrativa. Foi da necessidade de Resistir,
Reexistir, Persistir que surgiu esta narrativa. Esta narrativa é um ato político, uma
forma de oposição ao (e exposição do) sistema patriarcal e colonial em que o capita-
1. Método
Essa escrita será baseada no estudo de um caso clínico que buscou refletir acerca
do impacto de uma sociedade patriarcal, misógina, colonial e racista na subjetivi-
dade de uma jovem negra de 16 anos, da periferia, atendida no Centro Integrado de
Especialidades Médicas – CIEM, fomentado pela Fundação de Amparo à Pesquisa
Eu sei que não morrer, nem sempre é viver. Deve haver outros
caminhos, saídas mais amenas. Meu filho dorme. Lá fora a
sonata seca continua explodindo balas. Neste momento, cor-
pos caídos no chão, devem estar esvaindo em sangue. Eu aqui
escrevo e relembro um verso que li um dia. “Escrever é uma
maneira de sangrar”. Acrescento: e de muito sangrar, muito e
muito… (EVARISTO, 2016, p. 109)
BICUDO, V. L. Atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. São Paulo: Editora
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Luana Karina dos Santos Pereira. CRP: 03/17.165. Psicóloga Clínica em consultório
particular, Coordenadora de Grupo de Trabalho de Questões Raciais e Análise do
Comportamento, Diretora da Associação Baiana de Analistas do Comportamento.
1. Introdução
A população negra, que se constitui a partir do somatório de pessoas que se
autodeclaram pretas e pardas, segundo dados da PNAD, representa cerca de 56% da
população brasileira (IBGE, 2019). Apesar de ser maioria em termos quantitativos,
a população negra sofre um intenso processo de exclusão, violência e invisibili-
zação, o que provoca efeitos deletérios na sua subjetividade. Subjetividade aqui é
compreendida como o conjunto de relações comportamentais estabelecidas pelos
seres humanos com os próprios eventos privados (sentimentos, emoções e pensa-
mentos) (TOURINHO, 2006).
1 Defende-se aqui a utilização desta terminologia para designar aquelas(es) que buscam por
acompanhamento psicológico, uma vez que utilizar o termo “paciente” costuma denotar ideia de
passividade e remete à medicina, e o termo “cliente” remete aos moldes capitalistas de consumo.
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na rede de saúde mental do município de Niterói (RJ). Atuou na capacitação técnica
em saúde mental de equipes da Atenção Básica/RJ (Projeto Caminhos do Cuidado/
Ministério da Saúde). Psicóloga clínica e professora universitária.
2. Referenciais teórico-metodológicos
A perspectiva Micropolítica, definida por Guattari (2007) como uma analítica
da formação do desejo no campo social, é uma abordagem que inclui nos estudos da
subjetividade sua constituição política, econômica, sociocultural, psíquica. Trata-se
de colocar em cena a multiplicidade de forças, em movimento, que compõem um
campo. Em linhas gerais, entende-se a subjetividade como produção, ao contrário
de uma natureza humana; a pesquisa não se trata da aplicação objetiva de métodos,
considera-se a indissociabilidade entre pesquisa-intervenção, na medida em que o
3. Resultados
Uma menina reclamava que não tinha creme pro cabelo dela,
lá a gente dá só sabonete para tomar banho. Ela ia pra rua des-
penteada. O quanto foi importante comprar creme e colocar
no potinho, para todo mundo. Fez muita diferença. Ela faz
penteados e mostra.
Observa que não sabe se os usuários negros têm dimensão da questão racial
ali colocada:
São questões que a gente pensa, não sei se os usuários têm essa
dimensão. Eles têm na medida em que vivem, mas nem to-
dos fazem essa ligação. Muitas vezes acham que passam essas
violências porque estão na rua, e não pela cor. A gente vê que
no Niterói Presente (policiamento nas ruas) nossos usuários
negros são muito mais parados do que os brancos. As pessoas
brancas recebem muito mais doações do que as negras. Não é
um dado de pesquisa, mas nós escutamos deles. Os negros que
vendem doces na rua falam como é difícil abordar as pessoas
para vender. A gente escuta os incômodos, mas não escuta essa
vinculação com a cor.
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1. Introdução
Em fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde (MS) brasileiro confirmou o pri-
meiro caso de infecção pelo Sars-Cov-2 no país, o vírus da Covid-19, popularmente
conhecido como coronavírus. Em março, mês seguinte, o país decretou estado de
calamidade pública, de modo que algumas medidas foram tomadas para prevenir o
contágio da doença, entre elas: o fechamento de serviços considerados não essenciais
e de unidades de ensino; cancelamento de eventos; e instituição de toque de recolher.
A chegada da pandemia foi como uma onda que, de repente, mergulhou a população
em incertezas, inseguranças e imprevisibilidades.
Desse mergulho no inesperado, alguns fatores são percebidos como de risco
para o desenvolvimento de algum sofrimento psicológico: os níveis de exposição
às contaminações e infecções; o afastamento das redes sociais e afetivas devido ao
protocolo de distanciamento social; alterações dos fluxos de locomoção; mudanças
3. Resultados e Discussão
3.1 Algumas epistemologias para pensar a saúde entre/
para pessoas negras
O paradigma de que o processo saúde-doença é multifatorial já é bem consolida-
do nas áreas de saúde em geral. Dessa perspectiva, destacamos as tensões provocadas
pelas dinâmicas das relações raciais brasileiras como fator associado ao adoecimento
3 Segundo Ratts (2006), Beatriz Nascimento se dedicou à investigação sobre o tema “quilombo”
sob vários aspectos: topomínia, memória, relações entre Brasil e continente africano, territorialidade
e espaço.
4 Utilizaremos o pronome feminino para nos referir ao grupo, considerando que só havia um
homem sendo acolhido.
5 “¿Jugar? Nadie jugaba en mil ochocientos noventa y cinco. Sólo porque ahora vives bien, ¿crees que todo fue
siempre tan fácil?” (MORRISON, 1973, p. 68).
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2. Racismo à brasileira
O Brasil é um país histórica e estruturalmente racista. Esta configuração,
articulada a um mito de origem democrática racial (FREYRE, 2019), é o que nos
permite nomear algumas das modalidades de racismo em exercício por aqui e que
fazem parte da experiência universitária racializada. A primeira de que trataremos
é o racismo estrutural. Silvio Almeida (2018) apresenta esta dimensão do racismo
como a que avança nos estudos em relações raciais, na medida em que ressalta a
importância do poder como constituinte das diferenciações raciais por meio das
instituições, compreendidas como uma reprodução concreta da sociedade em seus
valores e conflitos (ALMEIDA, 2018, p. 31). Essa forma do racismo é responsável
por sua própria reprodução a partir do lugar da normalidade, a raça como lugar da
3. Racismo na UnB
A experiência universitária é permeada pelas manifestações do racismo. A pro-
messa de ascensão social por meio da escolarização é embarreirada pelas problemá-
ticas de acesso e permanência que contribuem para o alargamento de uma abismo
sócio-relacional que se apresenta como uma das principais denúncias presentes no
testemunho de estudantes negros, quando escutados individualmente, em grupos
ou em movimentos estudantis (MOREIRA, 2021).
A diferença na experiência universitária de estudantes negros começa a ser per-
cebida logo no início de suas formações, pela constatação de que o conhecimento
produzido na universidade não corresponde às suas realidades vividas, as pessoas com
quem se relacionam habitam mundos muito diversos aos seus e a possibilidade de trocas
relacionais fica condicionada à possibilidade de exercer um poder de consumo que não
lhes é possível (SIQUEIRA; RAMOS, 2021). No caso do REVIRA, muitos dos estudantes
atendidos eram também beneficiários da Assistência Estudantil, política de permanência
na universidade criada em 2010 pelo PNAES – Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010
– responsável por garantir o direito à formação universitária das camadas mais pobres
por meio de fomentos que auxiliem, entre outros, no custeio de moradia e alimentação.
No que tange à experiência do conhecimento, o racismo epistêmico funcio-
na como uma grande barreira para a integração negra no ambiente universitário.
Segundo dados de 2020, os professores negros ocupam 16,14% do total da docência
universitária brasileira (PASCHOAL, 2020). Os números entre servidores públicos
são desconhecidos, uma maioria social branca que se agrava quanto maior for o nível
de escolarização exigido para ocupação dos cargos (SILVA; SILVA, 2014) e também
1 Os nomes dos psicólogos e da professora estão ocultos para preservar a avaliação como pedido
no edital, e serão explicitados caso o artigo seja aprovado.
5. Resultados e discussão
As principais queixas dos estudantes foram relacionadas a situações de racismo
vividas com professores, que iam desde o silenciamento de estudantes negros até a
efetiva perseguição em sala de aula, penalização em notas, oportunidades de pesquisa
e minimização das questões raciais quando estas eram levantadas em sala de aula, o
sofrimento pela ameaça de evasão universitária diante das responsabilidades de estudar
em um ambiente racista, trabalhar e concorrer a bolsas de assistência para ajudar no
sustento familiar, dificuldades em socializar e integrar atividades coletivas – como a
pesquisa e a extensão – por medo da repetição de violência racial e, principalmente,
a vinculação destes sofrimentos cotidianos com toda a história dos participantes, que
já vinha carregada de vivência do racismo institucional desde os primeiros processos
de escolarização, aumentando a intensidade dos novos acontecimentos, a repetição
de um não lugar ou de um lugar maldito na sociedade.
Um dos principais impactos percebidos pelo grupo de estágio na narrativa dos
participantes dos grupos e dos casos individuais foi a mudança na percepção da pró-
pria história. Perceber o próprio corpo sendo atravessado pelos impactos da estrutura
racial da sociedade foi um passo importante para que a narrativa de si mesmo não se
tornasse mais um terreno de reprodução de culpa pelo próprio destino. Muitas saídas
BASTOS, João Luiz et al. Age, class and race discrimination: their interactions and
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1. Introdução
O racismo estrutural grita, humilha e adoece a população negra (ALMEIDA,
2019). Ele conforma o conjunto de políticas e práticas discriminatórias que integram a
organização da sociedade nos campos público e privado e que implicam a segregação
de determinados sujeitos (ALMEIDA, 2019; MBEMBE, 2013), não sendo ainda um
tema recorrente (ou clássico) de trabalho no campo clínico de orientação psicanalí-
tica. Dada a inflexão interseccional do sofrimento psíquico, urge atualizar a teoria e
a práxis de quem sustenta o lugar de escuta, potencializando o acolhimento da voz
que enuncia o mal-estar colonial que recai sobre os corpos de modo discrepante.
O psicanalista cidadão (LAURENT, 1999), que toma partido e participa do debate
democrático, constrói sua posição em interface com outros saberes, considerando o
real da experiência do inconsciente. A prática psicanalítica pode, assim, ser elemento
1 Seminário não publicado de Jacques Lacan. Séminaire XIV: la logique du fantasme (1966-
1967). Disponível em http://gaogoa.free.fr/Seminaires_pdf/14-Logique%20du%20Fantasme/XIV-01-
LF16111966.pdf.
3. Método
Por serem estruturais o racismo e seus efeitos subjetivos, também deve sê-lo
seu combate. O Projeto Ocupação Psicanalítica, assim, se organiza em um tripé
que associa: (1) oferta de lugares de escuta clínica ao sofrimento mental da popu-
lação negra, com espaços de supervisão e estudo com vistas à formação nacional
de profissionais e estudantes; (2) pesquisa-intervenção sobre modos de sofrimento
psíquico do sujeito negro e suas abordagens clínicas, por meio da escuta da vivência
do racismo mediante metodologias narrativas, bem como da troca de experiências
nacionais entre o que cunhamos de “clínicas de borda”, realizadas com moradores
das periferias, quilombolas, ribeirinhos, imigrantes, vítimas da violência do Estado,
militantes de movimentos de luta pela terra, comunicadores populares de favela e
sujeitos que sofrem a opressão interseccional; (3) atividades de formação e capaci-
tação antirracistas, com produção e divulgação de conteúdo antirracista em redes
virtuais, TVs e jornais comunitários, produção de documentários, promoção de
seminários e cursos dentro e fora da universidade, além de publicação de artigos e
livros, participação em debates públicos e políticos, prevalentemente em atividades
on-line no momento atual.
As cicatrizes da escravização na população negra marcam uma trajetória de
subjetivação refratária da colonização que ressoa nos modos de ocupação do corpo
racializado. Trabalhar essas marcas é parte de um projeto internacional compro-
missado com as consequências da diáspora africana (UNESCO, 2010). A população
afrodescendente, dispersa em diferentes continentes, encontra nas Américas um
complexo espaço geopolítico de pertença que conjuga desumanização com resgate da
tradição de seu povo. Fazer corpo ao que ressoa da invisibilização racial, seja em sua
vertente de adoecimento sintomático, seja em sua vertente de luta pela afirmação da
diferença, seja na perpetuação dos saberes tradicionais, é nossa aposta de recuperação
de uma escrita de si, que altera a escrita da própria história. O racismo à brasileira,
em especial, foi constituído por profundas ambiguidades e falsos discursos cientifi-
cistas, que inundam a racionalidade científica, ganhando o tom de cordialidade sob
o manto eugênico das contradições radicadas no mito da democracia racial.
Os principais elementos deste discurso, a que visamos metodicamente rever-
ter, são: (1) a negação inconsciente por projeção defensiva do racismo estrutural e
4. Resultados e Discussão
Com um ano de existência, o Programa Ocupação Psicanalítica alcançou: cerca
de 2.000 pessoas com suas ações; 151 psicólogos em curso de formação clínica; cerca
de 30 alunos de pós-graduação em disciplina interinstitucional sobre escrevivências
como método de pesquisa; cerca de 180 estudantes de graduação, pós e profissionais
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