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Seminário Sobre Os Caminhos Da Formação Dos Sintomas - Miller (Opção Lacaniana 60)

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- ORl~NTAÇÃQ LAtANIANA

SEMINÁRIO SOBRE OS CAMINHOS


DA FORMAÇÃO DOS SINTOMAS*
}ACQUES-ALAIN MILLER (PARIS)
jam@lacanhm.net

Neste seminário sobre o texto freudiano acerca da formação dos sintomas, trata-se
de construir uma placa giratória que, em primeiro lugar, distribua e relacione todas as
partes e.la obra ele Freud; que, em segundo lugar, dislsibua e relacione todas as cons-
truções elaboradas ao longo do ensino de Lacan;-e que, em terceiro lugar, distribua e
relacione a obra de Freud com a obra de Lacan.
Esta placa giratória é indispensável para orientar-se no trabalho sobre o sintoma,
mas também para se desorientar um pouco. Para estar bem orientado em um tema ana-
lítico é preciso também desorientar-se, quer dizer, não pensar no tema de forma dema-
siadamente familiar. O "perder-se um pouco" tem todo seu v:1lor.

As ope~es lacanianas sobre o binário sentido-gozo

Estamos em um lugar fundamental da obra de Freud e do ensino de Lacan. É preci-


so pontuar o valor do binário composto pelas conferências XVI.I e XXIII de Cor1ferênctas
introdutórias à psicanálise, assinalado por Lacan.
O capítulo XVII, tal como seu título O sentido dos sintomas indica, trata do sentido.
Parece simples, dado que Freud .mesmo o diz - Der Sinn der Symptom -, mas percebê-lo
é menos evidente. Há certos efeitos de "carta roubada". Jâ o capítulo XXIII - Os caminhos
· da formação dos sintomas - trata da libido, da Befriedigung, da satisfa~:ão, do gozo. É
este o caminho de Freud em seu segundo ciclo de conferências, que vai do sentido ao
goz? do sintoma. Este caminho, que pode ser seguido nessas conferências populares,
proferidas para um público de não-analistas, é o caminho mes1nrJ da formação do ensino
de Lacan. O binário, que é ordenado, orientado e vetorizado, vai do sentido ao gozo.
Trata-se exatamente disto entre as conferências XVII e XXIII, do sentido ao gozo

Ôpção Lac,miana nº 60 11 Setembro 2011


do sintoma. Para nós, é base de nossas elucubrações, uma base simples, fi.rme e eviden-
te. Apesar de que Lacan o tenha indicado de forma um pouco negligente em Genebra -
em uma conferência que era desconhecida até que, nove anos depois, alguém me trouxe
as fitas para que eu a publicasse-, há algo essencial de I.acan nesse ponto. F.sse binário
ordenado concentra a temática central do seu ensino, que abordei no meu antigo curso
"Do sintoma ao fantasma".
Como se articulam sentido e gozo em psicanálise? Quis falar primeiro de Lacan
porque pensávamos, antes de confirmá-lo de maneira extraordinária, que entre nós se lê
mais I.acan cio que Freud, ou pelo menos com maior seriedade, unia vez que manej,tmos
seus conceitos e maternas devido à força e precisão que nos aportam. Por isso, pensei
que era melhor situar a problemática freudiana a partir ele Lacan, e então preparei um
breve percurso estrutural.
O ponto de partida de Lacan, em "Função e campo da fala e da linguagem em
psicanálise", destaca e constrói o sentido na prática ela psicanálise, o sentido no incons-
ciente e o sentido no siritoma. Destaca: a) que o sentido, se assim posso dizê-lo, só existe
na linguagem e se explica pelo significante; b) que 9 sentido supõe a função da fala
e é a fala plena que proporciona o sentido; quando isto não ocorre, quando o sentido
"verdadeiro" não se dá, trata-se de uma fala vazia, ainda que a diferença entre o vazio .
e o pleno seja dada pelo critério cio sentido; e) que o eixo determinante dos fenômenos
analíticos freudianos é o eixo simbólico; d) que o imaginário está a ele subordinado;
e) que o real é - para utilizar uma paia/ra que se encontra nessas conferências - uma
precondição à inserção do simbólico na vida humana e na realidade psíquica; f) que o
real apresenta furos, poros à ação do símbolo e, por isto mesmo, encontra-se ao mesmo
tempo negativizado pela ação cio símbolo.
Esta pl'imeira elaboração de Lacan desemboca cm um esquema que ele chama de
L, primeira letra de seu nome, mas cuja base é um X, no qual se opõem o simbólico e
o imaginário:

O sentido, se o situamos no lugar elo nascimento, está no eixo simbólico. O sentido


precisa do símbolo, elo significante e, além disso, precisa elo Outro, seja como interlocutor
ou como lugar mesmo da estrutura da linguagem. Nesta perspectiva, a intcrn;:ão de signi-
ficação, o querer dizer, encontra esta estrutura "A" que modifica a mensagem resultante.

Opçã<> l.acaniam1 n" 60 12 Setembro 2011


ORIENTACÃO LACANIANA

A esse eixo opôe-se o par imaginário a-a', que provém do estádio do espelho.
r,acan toma como referência Introdução ao ncercisismo, anterior a essas conferências, e
considera que a libido freudiana circula no eixo imaginário, na medida em que é fun-
damentalmente narcisista, que se situa no narcisismo. Entre a-a' há libido, Befriedtgung,
O que chamamos ele "gozo", de maneira que para Lacan o eixo imaginfüfo é também o
eixo pulsional.
Lacan entrou na psicaniUise com um binarismo de oposição entre sentido e gozo.
A primeira oposição lacaniana que nós mesmos praticamos se caracteriza por separar,
dividir, cortar o imaginá!io do simbólico. Sempre com a orientação de ir do imaginário
ao simbólico, com certo desprezo pelo imaginário e, por isto mesmo, pela pulsão. Na_
primeira orientação de Lacan, há uma desvaloriza~:ão da pulsão, embora não advertida
quando falamos cio imaginário, mas presente. Há o princípio de que, na prática, sempre
é perigoso confundir o simbólico com o imaginãrio.
Essa primeira operação lacaniana na psicanálise é um instrumento maravilhoso.
Lacan toma os casos de Freud e os reordena,como por milagre, separando as águas
corno um Moisés freudiano. Nos casos de Freud, nos casos atuais, nas teorizaçôes etc.,
nada resiste a tal operação.
Nessa perspectiva, o que são os caminhos da formação dos sintomas? Vou colo-
car no singular: é essencialmente o caminho simbólico. No texto inaugural de Lacan,
o sintoma aparece como um sentido, um sentido recalcado. Evidentemente, é preciso
considerar o significante desse sentido recalcado, razão pela qual direi que o sintoma
aparece como um enigma. Manifesta-se suportado por um significante cujo significado
está recalcado, quer dizer, que não foi comunicado ao Outro ou por ele aceito. O sinto-
mático consiste em um significante cujo significado está recalcado. O material significan-
te do sintoma pode ser tomado em uma parte do corpo, ou parasitando pelo significado
recalcado, ou no pensamento.
Nessa perspectiva, o caminho de formação dos sintomas segue o eixo sujeito ~
Outro. É o que se encontra na segunda operação de Lacan, na qual retoma o eixo sim-
bólico de maneira mais complexa, com a inclusão do efeito de retmação. É algo que não
vou desenvolver aqui, pois o grafo de Lacan. é suficientemente conhecido. Mas, o que é
um grafo? É um conjunto ele caminhos. O ~rafo .de Lacan, feito de vetores, é o equiva-
lente dos Wege freudianos:

Opção Lacanlana 11º 60 13 Setembro 2011


Não há dúvida de que, para Lacan, o sintoma se situa no grafo em s(A), como
efeito de significado do Outro. !)iremos que traduz o que Freud chama de Der Sinn der
,~ymptom, ou seja, o sintoma é um efeito especial de significado do Outro. Especial, cm
quê? Aqui é onde as coisas se complicam.
Quando se chega a esta segunda operação, já não basta dividir, cortar e separar.
Trata-se agora de articular sentido e gozo. Lacan o faz graficamente, recorrendo a uma
representação formal, na qual situa o fantasma incidindo na formação do sintoma. O
sintoma não é um sentido normal, não é um efeito de Sinn habitual, na medida em que
se conecta com o fantasma.

$ <>

Neste ponto, não se sabe se Lacan é freudiano ou Freud lacaniano; na conferência


XXIII isto aparece como em um livro aberto. Ademais, <.) fantasma ($ <> a) é o resultado
de um longo circuito libidinal, no qual aparecem a pulsão como cadeia significante e
o d~sejo como significado (!essa cadeia. Lacan também inventa um ponto de basta da
puls?to e do desejo. Situa, a;lém disso, a ''vinculação do gozo ~l castração. Em resumo, o
circuito pulsional fica articufado ao circuito semântico.
Há uma terceira operação lacaniana, depois de dividir e articular, que é deduzir.
O esquema da alienação e separação é a nova forma do eixo simbólico (sujeito ~
Outro), na medida em que estes dois drculos se chamam sujeito e Outro.

s A

Isto leva a deduzir o gozo a partir cio sentido. Mostra como o gozo, sob a forma
do objeto a, necessariamente cotnplcmenta o efeito de sentido. Primeiro há significante
e sentido - o que Lacan chama de alienação - e, em um segundo tempo, há mais-de-
-gozar - o que Lacan chama de separaç'.ão.
A quarta operação é produzir:

Opção Laconiana nº 60 14. Setembro 2011


·~ . O RI E NT AÇ Ã O L A C AN I A N A

!
s
1 Sz

(a)

Neste sistema, a partir do aparelho do sentido, demonstra-se a produção do mais-


-de-gozar.
A quinta operação, enodar, dá o fundamento de toda perspectiva. Nessa zona
nem tão articulada, nem tão diferenciada como as outras, trata-se de identificar sentido
e gozo. É o que Lacan chama de sentido gozado - embora outras vezes oponha radical-
mente sentido e gozo. É uma zona a partir da qual Lacan começou a discutir a relação
entre o sentido e o gozo, experimentando muitas vezes variações a respeito. Este é o
caminho do ensino de Lacan. Voltemos a Freud.
O senhor Whitehead, colaborador de Bertrand Russell na criação do primeiro sim-
bolismo efetivo da lógica matemática e filósofo de pleno direito, dizia, com uma frase
que adoro, que toda filosofia em seu conjunto era apenas comentários da obra de Platão.
Reduzia toda a filosofia a isto. Seguindo sua inspiração, eu diria que todo ensino de
La(.-an é um comentário das conferências XVII e XXIII de Freud. Talvez seja um pouco
exagerado, porém não mais do que a frase de Whitehead.
Pode-se pensar que talvez seja render muita homenagem a tais confer_ências, dirigi-
das a um público de não-iniciados, de não-analistas, um público um pouco naif, confor-
me destacava Freud, "c:heio de boa vontade", mas de modo algum erudito. É um trabalho
de divulgação, de exposição, mas não de investigação, que tem algo de liso, contínuo. É
preciso lembrar as condições em que Freud as redigiu durante a Primeira Guerra Mun-
dial, quando era - é preciso dizer - bastante nacionalista. Depois isso mudou. Anos de-
pois, e1!1 uma carta a Arnold Zweig, diz que convém não se identificar demasiadamente
com a culturn alemã. Posteriormente, um emigrará para Jerusalém e o outro se exilará
em Londres. As conferências contêm poucas referências ao momento histórico, mas há
uma anedota divertida que constitui a única referência explícita à época, que trata de
como se recebe, nas tropas alemãs da Primeira Guerra Mundial, o Complexo de Édipo:

Ouçam este episódio oconido no transcurso da gerra atual. Um dos bravos discípulos da
psicanálise - deve ser Abraham - foi designado oficial médico no front alemão, em algum
lugar da Polônia. Ele chamou a. atenção de seus colegas pelo fato de, ocasionalmente, exer-
cer inesperada influência sobre algum paciente. Indagado a respeito, reconheceu que estava
empregando os métodos ela psicanálise e declarou-se disposto a transmitir seu conhecimento

Opç~o r~,~.iniana nº 60 15 Setembro 20ll


r'~f
r
a seus colegas. Dt~pois disso, todas as noites os oficiais médicos da tropa, seus colegas e
superiores, reuniam-se a fim de aprender as doutrinas secretas da análise. Tudo correu bem,
durante algum tempo; quando, porém, falou ao seu auditório a respeito do complexo de
Édipo, um de seus superiores levantou-se, dedamu que não acreditava nisso, que constituía
um ato vil, por parte do c<>nferencisra, falar-lhes a respeito de tais coisas, a homens honestos
que escav-..im lutando por seu país e que eram pais de família; e qm: proibia a continuação
das conferências. Este foi o final do caso. O analista viu-se transferido para outra parte cio
famt. Parece-me mau, entretanto, se m1ia vitória alemã exige que a ciência se ;organize' dessa
maneira, e a ciência alemã não reagirá bem a uma organização dessa espécie.'

De certa maneira, Freud já prefere a pskanálise ao triunfo alemão, se este precisa


não falar do Édipo. Que sirva para ilustrar o clima dessas conforências - o que poderia
levar-nos a menosprez,í-las. Mas não; refleti a respeito e cheguei à conclusão de que
a simplificação à qual Freud se obriga, a aceleração na exposição teórica - necessári<).
também em um seminário - elucida os fundamentos e o encadeamento da teoria, sctu
esqueleto. Não somente há uma exigência de condçnsação, mas uma obrigação de con-
tinuidade. O fato de dar dez, quinze conferências seguidas faz com que surja o problema
da articulação entre os temas - o que não ocorre no momento de elaborar cada tema em
profundidade, porém separadamente. A simplificaç:ão traz consigo seu próprio benefício:
articular temas que, de outro modo seriam investigados de maneira dispersa .
••
O caminho de Freud

Qual é o caminho de .Freud? Ele mesmo o recorda na conferência anterior às con-


terências que nos ocupam, a XVI, a primeira desse ciclo, que corresponde ao segundo
ano das conferências. Durante o primeiro ano, Freud havia se ocupado dos sonhos e dos
i
. ' atos falhos, na medida cm que são interpretáveis, e os levam ao conhecimento ge um
público que tinha a experiência ele sonhar e cometer atos falhos. A fonte desse primeiro
ciclo eram as obras da descoberta: "A interpretaç:ão dos sonhos", a "Psicopatologia da
vida cotidiana" e, bem menos, "O chiste e sua relação com o inconsciente". O se~odo
ciclo ele conferências, do qual nos ocupamos, trata cios sintomas neuróticos, as neuroses
ele transferência, como ele então as chamava: histeria de angústia, histeria de conversã~>
e neurose obsessiva. Como Freud mesmo diz, já não se trata ele :uma introduç~io à psica-
nálise, mas da psicanálise propriamente dita. O público de não-analistas não havia tido,
supostamente, a experiência destes graves sintomas neuróticos.
A conferência XVH, "O sentido dos sintomas", verdadeira intmdução do novo ci 0

cio, baseia-se no ciclo anterior. É urna aplicação aos sintomas neuróticos do que havia

Opção Lacaniana n• 60 16 Setembro 2011


ORIENTAÇÃO ~ACANIANA

sido dito sobre os sonhos e atos falhos. É possível constatar que os sintomas são como
os sonhos e os atos falhos, ou seja, têm um sentido e podem ser interpretados. Algo tão
conhecido merece ser interrogado. É o que faz Lacan, partindo da conferência XVII e
seguindo em diante até a XXIIl, "Os caminhos da formação dos sintomas".
O que há entre as duas conferências? Os títulos intermediários são: "A fixação ao
trauma". "O inconsciente" (XVIII), "Resistência e repressão" (XIX), "A vicia sexual huma-
na" (XX), "Desenvolvimento libidinal e organizações sexuais" (XXI), "Algumas perspec-
tivas sobre o desenvolvimento e a regressão" (XXIú. Como assinala muito bem Strachey,
a conferência XXI é um resumo dos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade".
De que tratam essas conferências que fazem ponte entre a XVII e a XXIII? Freud
introduz o pulsional, a libido, o sexual e, ademais, o perverso do sexual, dado que o
sexual não se refere tanto a normas como a perversões. Nessa extraordinária parte de
sua obra, que v;,1i da conferência XVII à XXIII, Freud procura vincular as duas vertentes,
a saber: a) a da descoberta do inconsciente, dos fenômenos interpretáveis, ou seja, a
descoberta freudiana ele que os tenõmenos considerados c:omo carentes de sentido po-
dem ser interpretados; em suma, a do inconsciente definido pela interpretação; b) a da
descoberta da sexualidade infantil e do caráter perverso da sexualidade.
Estes são os dois eixos da obra de Freud e aqui se pode ver bem seu esforço em
articulá-los. Temos a impressão de que há mais justaposição do que arriculaçào, dedução
ou produção propriamente dita - apesar de que esta é uma questão discutível.
Todas as operações lacanianas provêm desse furo que subsiste no esforço freudia-
no de vincular as duas vertentes. Não deixa de ser uma interpreta\-'âo minha, mas que
não parece forçada, uma vez que, na conforência XXII, pode-se ler: "Todavia devo ad-
verti-los para não confundirem regressão com repressão"2 - em alemão, repressão [recal-
que] e regressão não são hornofônicas, tal como é assinalado na nota de Strachey. Freud
insiste: ''.Assim, o conceito de repressão não implica nenhuma relação com a sexualidade:
devo pedir-lhes que tomem especial nota disto". 3 Significa que Freud separa claramente a
repressão [recalque], que se refere a um mecanismo semântico - algo que não pode ser
dito por que houve um recalcamento-, e o registro da sexualidade. Talvez minha leitura
pareça forçada, mas me parece milagroso encontrar um.a prova tal no texto freudiano.
A conferência XXII fornece uma conceituaJização do próprio caminho de Freud.
Ele mesmo explica que seu ponto de partida clínico é a histeria, na qual o fator da re-
gressão libidi.nal não é tito evidente. Há na histeda uma regressão aos objetos libidinais
ptimãrios . .Pensemos na libido apegada ao pai, que também aparece no <.-aso da suposta
obsessão que verem.os depois, mas não há nada que se pareça com o que se manifesta
na neurose obsessiva, quer dizer, uma regressão a uma etapa anterior da organização
-sexual, o apego a um gozo anterior, especialmente sádico-anal. O papel princlpal no
mecanismo da histeria recai sobre a depressão, e não sobre a regressão.

.Opção Lacaniana nº 60 17 Setembro 2011


Isto supõe distinguir dois tipos de regressão: a regressão aos objetos primários e a
regressão a etapas anterióres do desenvolvimento. Freud nos diz que, por faltar na histe-
ria a regressão libidinal a etapas anteriores, esta se esclareceu.muito depois da repressão
[recalque). A vantagem da neurose obsessiva é que há regressão e também repressão,
de modo que, como neurose, é mais rica e complexa do que a hisLeria. Um pouco de
homenagem à obsessão de vez em quando!
Freµd põe de lado o sintoma obsessivo. Por quê? A conferência XXIII parece
enquadrar muito bem todos os neuróticos. Ali Freud nos demonstra a agudez de sua
idéia da neurose obsessiva. A resposta, nós a temos em "Inibição, sintoma e angústia".
O sujeito histérico tem um sintoma honesto, que o faz sofrer honestamente. Chega até
nós com o braço paralisado, que não funciona, que lhe dificulta a vida, algo que pode
ter um sentido, uma relação com um fantasma, que permita eventualmente ver uma fi-
xação anterior - c~isa discutível. É um sintoma honesto porque faz sofrer. O obsessivo,
em contrapartida, chega com o braço torcido dizendo "sou o mais lindo do mundo". Tal
como o descreve Freud, não percebe o sofrimento de seu sintoma, incorporou-o tão bem
à sua personalidade que é motivo de prazer. Os sin.tomm, obsessivos são prazerosos. Há
nisso algo desesperado, pois o sujeito tem a vivência d~) seu sintoma como a coisa mais
admirável de sua personalidade.
· É um ponto limite que lhe rouba o sentido à cura. Percebe-se muito claramente no
termo lacaniano varidade do sintoma, IJ5!Sta expressão que se refere, ao mesmo tempo,
à verdade e à variedade. Para Lacan, sempre há um vínculo entre o sintoma e a verdade.
Quando fala do sintoma como o ser mesmo do sujeito, aplica-o mais ao sujeito obsessivo,
a ponto de desaparecer a idéia da própria cura. A única coisa que se pode dizer é que,
se o obsessivo em questão fica com algo que lhe produz sofrimento, há que fazer com
essa parte o mesmo que com o resto, quer dizer, que ele também a reconheça como sua,
que a adote. É o que Lacan chama de identificação ao sintoma, a reabsorç;lo do sintoma
no prazer, que é outra saída. Não se trata somente de que o sintoma seja um modo de
gozar:. é gozar ele seu sintoma, em vez de gozar de seu fantasma. O go:l\o invisível cio
obsessivo é gozar do sintoma.
Na conferência XXII, Freud destaca também o nó entre gozo e defesa. A histeria
consegue dar uma expressão simultânea a duas coisas contraditórias, ao passo que, na
obsessãe>, primeiro ocorre o tempo de situar algo e depois o tempo de enodá-lo. O que
a histeria reúne, no sintoma· obsessivo clássico aparece em dois tempos contrários entre
si. Na histeria, há uma torção especial para expressar ao mesmo tempo o pró e o contra;
na obsessão, mais rigorosamente,.primeiro o pró e, depois, o contra.
A época que nos ocupa é um momento central da obra de Freud. Posteriormente,
nos anos 20, virá a <li.visão da personalidade em três instâncias: o eu, o isso e o supereu.
A que responde esta divisão da segunda tópica? Percebemo-lo muito bem a partir das

Opção La<.;aniana n" 60 18 Scte1nbro 2011


ORIENTAÇÃO tACANIANA ' ,

conferências. A repressão [recalque] é o que se üpõe aü dizer, ou - para formulá-lo de


maneira mais freudiana -, o que se opõe a que as representações cheguem à consciên-
cia. Ao longo das. conferências, a pergunta permanente de Freud é sobre o que se opé'.le
ao sexual: o que se opõe ao desenvolvimento pleno da sexualidade e que obriga a libido
a regressar a estados anteriores de seu desenvolvimento? O que se ergue aí como uma
barreira? Nas conferências hú urna resposta: o obstáculo é uma parte da realidade exter-
na que não se presta ao desenvolvimento libidinal - o que Freud chama de Versagung. A
oposição entre o princípio do prazer e o princípio de realidade - se "realidade" é tomado
i10 sentido de realidade exterior - pode dar conta deste fenômeno.
Mas, nesse texto, a Freud parece que há um obstáculo interno ao pleno desenvol-
vimento sex1:1al paralelo à repressão [recalque]. São as pulsões dó eu que dizem "sim" ou
"não" às plilsões sexuais. Freud apresenta, assim, um eu com leis, Gesetzen. A partir daí,
Freud passará a inventar o supereu.
Nessas conforências, encontramos a cozinha do supereu. O problema de Freud é
o paralelismo. No plano do sentido, temos como barreira a repressão [recalque]. Mas, o
que corresponde ao plano da libido? O problema supõe o dualismo inconsciente-libido:
.o que vale no plano cio inconsciente não vale no da libido. Daí surgirá a segunda tópica.
Neste ponto chega I.acan para assinalar que sim, a repressão [recalque] tem a ver
com a libido. O que se opõe ao dizer tudo é o mesmo qtte se opõe à realização plena
do sexual. Deste modo, I.acan franqueia a barreira estabelecida por Freud e condiciona,
por exemplo, a oposição entre repressão [recalque] e regressão. Nota-se isto no terceiro
momento de sua elaboração: l.acan deduz o carfüer parcial das pulsões da linguagem.
Da captura do ser humano na linguagem, deduz-se o caráter pardal elo pulsional. Em
Freud não encontramos uma articulação desse tipo, pois sempre considerou o pulsional
como um fenômeno autônomo em relação à lógica repressiva do inconsciente.

Sitm e Bedeutung

Voltemos à conferência XVII, Der Sinn der !,_'ymptom, à qual Lac.an se refere e.m
Genebra. Lacan indica que Sínn não é _Bedeutung. As duas palavras são conhecidas, es-
.tão presentes no título do famoso artigo de Frege, Sinn und Bedeutung. Stnn é efeito de
sentido que se determina a partir do significado, enquanto Bedeutung concerne à relação
com o real. A dificuldade de traduzir a segunda palavra para as línguas romanas se dá
pelo fato de indicar, ao mesmo tempo, "significação" e "referência".
Aproveito esta observação para comunicar-lhes minha leitura das diferenças entre
as duas conferências. A primeira intitula-se explicitamente Der Stnn. A segunda, intitu-
lada no volume que a recolhe, "Os caminhos da formação dos sintomas, expõe Die Be-

Opção Lacaniana nº 60 19 Setembro 2011


deutung der Syrnptom. Nela, Freud demonstra que a reforência do sintoma é o fantasma,
que o real em jogo do sintoma passa pelo fantasma. Longe de identificar real e fantasma,
a conferência XXIll diz que o fantasma é mais uma espécie de véu fundamental do que
verdadeiramente o real, ou seja, a fixação.
Aqui é preciso seguir o caminho de Freud através do capítulo XVII com os dois
casos de mulheres, que classifica como obsessão, até o capítulo XXIII, supostamente
dedicado aos sintomas histéricos - ma.is exatamente, à regressão nos sintomas histéricos
-, pois, segundo nos diz, nos neuróticos obsessivos há contsainvestimentos. Na confe-
rência XVII, apresenta dois sintomas obsessivos que, no entanto, concordaremos que
são fragmentos de casos de histeria. O primeiro refere-se a uma mulher com uma ação
compulsiva de proteger o marido impotente. O segundo consiste em um cerimonial de
dormir que indica uma encenação da não-relação sexual, sustentada por um vínculo
libidinal com o pai. Tal como no primeirn caso, o marido é um lugar-tenente do amor
ao pai. Freud caracteriza tais sintomas como obsessivos pelo caráter de Zwang, de obri-
gação cios seus atos. É estranho que tenha escolhido estes casos. Creio que seja porque
se dirige a uma audiência de não praticantes e sejam sintomas muito claros que têm um
sentido evidentemente sexual e, ademais, porque se explicam por uma Bedeutung, pela
referência a uma experiência anterior. A primeira mulher monta sua cena como repetição
e correção de um evento anterior, traumático para ela. Através desses exemplos, Freud
vincula o sentido e o libidinal. A Bedeutung é uma vivência anterior.
A partir daí, introduz a conferência XVIII, que versa sobre o trauma, sobre o in-
consciente. Toma como princípio que, sob cada sintoma neurótico, há sempre um trau-
ma. Toda neurose contém, diz Freud, uma fixação desta índole. Introduz, além disso, o
princípio de que o sentido dos sintomas é sempre desconhecido para o doente, o que
leva Freud a afirmar: "( .. .) é necessãrio que esse sentido seja inconsciente para que o sin-
toma possa surgir'". Ou seja, não se formam sintomas a partir dos processos conscientes.
Nesse texto, fica algo do otimismo interpretativo de Freud. Como ciedução do seu
princípio, diz: "O sintoma desaparece quando se fazem conscientes seus motivos prede-
terminantes inconscientes"'. De certo modo, o fator econômico da libido ainda não se
Impôs a Freud. Seria interessante estudar como ele o introduz, para mais tarde afirmar:
"Oxalá as coisas se passassem desta maneira!"6. O princípio é excelente, mas os sintomas
o desconhecem.
Freud procura o econômico e, ao final, introduz o sintoma através do dinâmico.
Em outras palavras, algo se opõe à chegada do sentido à consciência. Com efeito, no
capítulo XIX, estuda qual é a resistência inconsciente, ou seja, o paradoxo de que os do-
entes sofrem dos seus sintomas, mas não p-arecem 'àesejar tanto assim desfazer-se deles.
Nesta direção, pode assinalar a condição de inconsciente, a Unbewusstbeit, do sintoma,
que somente floresce a partir do inconsciente. Isto é, há um sentido que quer se expres-

Opção l.acaniana o" 60 - 20 Setembro 2011


ORHNTAÇÃO lACANIANA

sar, que não consegue e, então, smge o sintoma. Isto permite a Freud dizer: "A constru-
ção de um sintoma é o substituto de alguma outra coisa diferente que está interceptada"7 •
A palavra "interceptada" é fundamental. Parece inspirar o primeiro esquema de La-
can, onde há a interceptação de um querer dizer de algo distinto. Freud está tão contente
que o repete: "Um substituto do que se intercept,t"8 •
Para ele, isto é o que permite conceber urna semelhança entre a formação do
sonho e a formação do sintoma neurótico. A referência constante de Freud. ao longo
dessa obra é a Traumbildung, ou a 1'raumarbeit, a formação no trabalho do sonho.
Mas, ao mesmo tempo em que Freud destaca esse traço comum entre ambos - base da
inclusão do sintoma na prática analítica -, não cessa de repetir que um sintoma não é
um sonho. A repressão [recalque], motor essencial do sonho,. não é senão a condição
prévia para que se forme um sintoma. Somente o sintoma nos introduz no mais íntimo
da vida sexual. Os sonhos não ficam como uma opacidade subjetiva permanente que,
em (lltima instãncía, modifica o corpo. É deste "a mais" de que é preciso dar conta na
formação do sintoma. A diferença entre sonhos e sintomas, pontua Freud, é que "(... )
os sintomas servem à mesma intenção. Verificàmos que esta intenção é a satisfação de
desejos sexuais" 9 • Freud não se questiona sobre qual poderia ser o uso do sintoma; para
ele é sempre o mesmo: a satisfação sexual ou servir de substituto à satisfação que falta
na vida. É assim que introduz a frustração. Tal como sublinhei, o elemento ''dizer não",
a Versagung, já é um dito.
Em Freud, a definição de sintoma como meio de gozo é patente. Levando-se em
conta, obviamente, seu caráter de formação de compromisso, quer dizer, de conexão en-
tre gozo e defesa. A observação de Freud é que, no sintoma, trata-se de obter satisfação
e de defender-se da mesma. Des~a conexão entre gozo e defesa, Lacan deduzirá que há
algo excessivo no gozo que obriga o sujeito sempre a defender-se do gozo que busca.
Lacan dará conta disso destacando a linguagem (o significante), na medida em que esta
negativiza o gozo. Isto é, o poder de recalque está na própria linguagem; o Nome-do-Pai
é a linguagem. Resta o mais-de-gozar, o ganho de prazer, o Lustgewinn.
Tudo que Freud diz entre as conferências XVII e XXIII prepara a questão de como
adoecem os homens - problema que ele aborda na conferência XXII, onde diz: "a reali-
dade não é a única barreira"111 • Cada ve2. que se produz uma frustração, a libido regressa
e busca uma nova modalidade de satisfação, mas, nesse momento, surge um veto inter-
no, um "não" interno. É o que aparece na pergunta: "quais são os poderes de onde parte
o veto à aspiração libidlnal?" 11 É a porta de entrada aos desenvolvimentos dos anos 20.
Freud diz que fala somente dos sintomas histéricos, pois são os que causam·des-
prazer. O problema dos sintomas obsessivos é que causam prazer. Percebemos a libido
freudiana quando esta encontra um veto no eu, quando encontra na realidade a Vm-sa-
gung. Sempre encontra um significante. Compreende-se, então, a construção lacaniana

Opção J..acanlana n• 60 Zl Setembro 2011


pensada para fazer da libido algo situável no conjunto significante-significado. Freud
mesmo o diz no c;1pítulo. XXflI: o anterior é preliminar. Há a barreira, a Versagung, e
a libido que escapa e se vê obrigada a voltar atrás, mas, neste circuito, fü:a vinculada a
representações que pertencem ao sistema do inconsciente. A libido se dirige a um objeto
do mundo exterior, produz-se então Uma frustração - a senhora diz que não -, a libido
escapa não em direção a outra senhora, mas às fantasias, ao sistema do inconsciente.
Então, segundo Preud, quando a libido retroc:ede a representações do sistema do in-
consciente, adquire as propriedades deste sistema. Ou seja, a libido mostra-se passível
de condensação e deslocamento, metáfora e metonímia. Nota-se que há um destino da
libido que é como o do significado. É o que permitiu a Lacan traduzi-lo em termos de
desejo.
Compreende~se que, ao longo dessas conferências, são muitos os elementos que
permitem pensar a libido como equivalente a um significado. A oposição libidJnal é
equivalente à repressão semântica. Isto se vê, por exemplo, quando Freud fala da plas-
ticidade das pulsões sexuais, que podem substituir-se umas às outras como redes de
vasos comunicantes; ou quando sublinha os rodeios da libido quando encontram um
"não", mostrando que é capaz de substituição e desloc~1mento, quer dizer, de metáfora e
metonímia. Isto inspira o grafo de Lacan, onde logrou apresentar, mediante uma mesma
forma conceituai, o circuito da palavra e o circuito da libido.
Mas Freud não tira proveito disso F,Jesse assunto. Não lhe ocorre que pode deduzir
coisas que ocorrem na sexualidade a partir d.os fenômenos linguísticos do inconsciente.
Creio que, por esta razão, Lacan diz que Freud é um débil. Ser um débil significa flutuar
entre dois. Freud dispõe de todos os elementos para reconhecer que se trata de um só
operador, mas não o faz. Além de ser um "obsessivo sexual", como diz Lacan, Freud é
um débil porque aí flutua entre duas águas. Há que se tomar tudo isto cum grano salis.
E não significa que Lacan seja perfeito. Não devemos pensá-lo e muito menos dizê-lo.
Como me assinalou meu amigo Horácio Etchegoyen, não convém ter um culto à perso-
nalidade - não lhe respondi sobre este ponto, pois nã.o sabia do que falava. Lacan diz
que Freud tem como sintoma a debilidade, mas ele também tem um grave sintoma em
seu ensino.
Todo esse esforço lacaniano de articulação, dedução, produção, funda-se nesse
duplo circuito da palavra e da libido e no canünho que vai do sentido a algo para além
/ dele, A doutrina mesma do passe tem um aspecto de caminho: primeiro está o Sujeito
Sup6sto ao Saber, quer dizer, um efeito de significação - o SsS está do lado do Sinn
- e, a partir daí, o sujeito vai em direção a Bedeufung, ao fantasma e, supostamente,
atravessa-o.
A quinta operação é um esforço para pensar nos caminhos, mas em outros termos.
Faz notar - como diz no Seminário .17 - o parentesco entre a verdade o gozo. Sentido

Opção I.acaniana nº 60 22 Setembro 2011


ORIENiACÃO LACANIANA

e gozo têm urna mesma raiz na impotência. Se ele introduz o sentido-gozc,áo, é por((t,e
ele mesmo põe em questão o objeto a. No Seminário 20, Lacan o faz explicitamente.
o objeto a é somente a parte elaborad~ do goze, a parte fantasmát;ca r;., semântic~, do
gozo, a parte deste já atraída pelo fantasma. O objeto a é um falso real.

A famosa confe:rê11da

O caso do Homem dos lobos e, de modo muito especial, a nota acrescentada por
Freud, são referências muito oportunas para essas conferências. Freud oscila entre o
valor traumático e o valor fantasmático. Em última instância, tal óscilação mantém como
constante que o traumático e o fantasmático podem ser considerados como duas moda-
lidades do mesmo: há algo que não se pode descartar, algo que foi efetivo no passado.
Isto é, entre o traumático e o fantasmático há uma oposição, obviamente, mas também
algo em comrnn. Freud não duvida de que algo aconteceu no passado, no período elas
vivências infantis. Que este x seja traumático ou fantasmático é discutível. Nas notas do
"Homem dos lobos", Freud termina com um non liquet, não está decidido, não está. daro.
Mas há um ltquet; na medida em que algo real aconteceu no real - o real entendido no
sentido psíquico, pelo menos.
Entremos agora no texto da famosa conferência XXIII, intitulada por Freud "Os
caminhos da fonna~:ão dos sintomas". Proponho que a chamemos Die Bedeutung der
Symptom por analogia a Der Sinn der Symptom, que é o título da conferência XVII. Mi'-
nha pmposta se justifica ainda mais quando Freud mesmo indica, na conferência XXIV,
que anteriormente havia empregado indistintamente Der Sinn e Díe Bedeutung (dos
Symptome, no plural). Como o título da conferência XVJ.I apresenta Der Sinn, não parece
excessivo deduzir que a XXIII é a conferência que complementa a XVII. A conferência
XXIII complementa a dimensão semântica ela mensagem sintomática - se aceitamos esta
express~o - com sua dimensão referencial.
Lacan trata da questão da relação da pé1lavra com a realidade ou com o real através
de diversas formulações. É o tema tratado por Freud na conferência XXIII, se a palavra
corresponde ou não à realidade, isto. é? se o que se refere ao aspecto semântico da pa-
lavra, os efeitos de significado, podem organizar-se independentemente da referência à
realidade.
Para avançar passo a passo e, ao mesmo tempo, rapidamente na leitura, quero
comentar o título orig_inal da conferência, assim como mostrar a estrutura e suas partes
articuladas nesse escrito. É importante ser minucioso. Na edição alemã não constam
divisões; na Standard Edition há apenas divisões tipográficas assinaladas com uma
linha em branco - critério que .ignoro se foi introduzido em algum momento por Freud

Opção l.acaniana nº 60 23 Setembro 2011


mesmo em alguma edição alemã, ou se é um aporte de Strachey. A divisão em partes
separndas por uma linha em branco, sem título nem numeração alguma, parece muito
bem feita e não vou propor variações, uma vez que corre!,ponde ao caminho seguido
pelo pensamento de Freud. Proporei, ·cm contrapartida, títulos para cada uma dessas
oito partes. Quando se trata de um autor como Freud ou como Lacan, impõe-se a aten-
ção ao caminho do pensamento e a arquitetura global. A arquitetura é essencial para
dar o valor a cada frase.
Iniciemos comentando o título: estão os Wege e está a Blldung Priineiro, os Wege,
os caminhos. Podemos pensar nos Holzwege, os "caminhos do bosque" de Heidegger,
que são caminhos que não conduzem a lugar algum. São os caminhos dos lenhadores do
bosque que vão fazer seu trabalho e regressam, mas que não vão ele um lugar a outro.
O que é ir de um lugar a outro? É uma ação sobre a qual podemos nos perguntar se
é ou não exitosa, se podemos ganhar tempo, se, uma vez chegado ao destino previs-
to, podemos esquecer-nos do ponto de partida. Em outro contexto, poderíamos ver a
relação do Holzwege com a dimensão do próprio inconsciente. Ir de um ponto a outro
não tem nenhuma afinidade com a dimensão do- inconsciente. Apresentar o caminho
do tratamento como o caminho de um ponto a outro já é forçado, apesar de que seja
nosso código habitual. Talvez, com seus nós, Lac:an mude algo disto. llm pouco mais de
Hotzwege na psicanálise!
Voltemos aos Wege de Freud. O,~que caminha, não há dúvida, é a libido. A libido
caracteriza-se por sua capaciclacle de caminhar e, por isto mesmo, tem o sentido ele fi ..
xação. Adquire seu valor em relação à sua vocação para caminhar, sua vocação de ser
errante, o que dá conta da plasticidade das pulsões parc.iais - tal como já vimos na con-
ferência XXII -, da capacidade de mudar seu objeto para permutá-lo por outro, como diz
Freud, da sua inclina~:ão ao deslocamento, sua predisposição a adotar substituições. Um
caminho possível é a chegada ao sintoma; outro, chegar à obra de arte. A investigação
clínica da formação do sintoma desemboca numa consideração sobre a arte. Resumindo,
a libido pode ser sublimada ou sintomatizada. Nessa conferência, Freud estuda a sin-
tomatização da libido, mas este não é seu único destino. Hã dois destinos possíveis da
libido que, por um lado, são opostos, mas, por outro, podem estar em continuidade ou
articulados.
Esta é a base freudiana do que diz Lacan em seu escrito "De nossos antecedentes":
"Pois a fidelidade ao invólucro formal do sintoma l...] levou-nos ao limite em que ele
se reverte em efeitos de crlação"12 • A própria expressão "envoltura formal do sintoma"
refen~-se ao Sinn do sintoma, aponta o mecanismo ~~ignificante a partir do qual hã efeitos
de sentido. De certo modo, a arte não é diferente do sintoma, onde hã uma inversão ou,
como diz Lacan, rebroussement:

Opção Lacnninna nº 60 24 Setembro 2011


ORIENTACÃO tACANIANA

Chega-se a um limite a partir do qual não há retorno - o que o texto de Freud


ilustra muito bem. Há uma inversão na medida em que o criador toma o querer dizer
do sintoma, que permanece inconsciente, encarregando-se de seu desejo decidido, de
sua vontade. Nesta perspectiva, a produção da obra seria algo como a criação de um
sintoma artificial.
É a perspectiva que Lacan considera no exemplo da sua tese de psiquiatria, o caso
Aimée, que o leva, muitos anos depois, ao caso Joyce, o sinthoma - que finca suas raí-
zes na sua tese de psiquiatria, passando por este comentário de 1966 sobre a envoltura
formal do sintoma.
Os Wege de Freud são, por um lado, caminhos de retorno da libido. A libido, na
concepção freudiana, desenvolve-se no tempo e Freud a aborda a partir de uma dialética
que se dá entre desenvolvimento e regressão. Os caminhos inscrevem-se nesta dialética.
Por outro lado, os Wege de Freud são - ele mesmo o diz na conferência XXII -
Umwege, rodeios: "Os rodeios são os caminhos da formação dos sintoma..<;" 1'. A palavra
Umwege aparece frequentemente na obra de Freud e também está presente no título de
um dos seus escritos.
Em primeiro lugar, há Umwege porque há desfigurações e conciliações da libido
no sintoma. Tive a oportunidade de referir-me a isto, ainda que muito rapidamente, na
primeira parte deste escrito. Os rodeios são as metáforas e as metonímias da libido. Não
podemos esquecer o esquema lacaniano do Seminário 11, do circuito pulsional em torno
do objeto a. No rodeio que acabo de traçar, poderíamos escrever "objeto a·• no centro
deste esquema, que se fundamenta no conceito freudiano ele Umwege, ao menos o tra-
duz. Para Lacan, entre o real e o desenhar existe algum tipo de conexão, a ponto de, no
seminário de 1977, dizer: "o real se desenha".
Os circuitos pulsionais são correlativos à constância da finalidade libidinal. .Ro-
deios, metáforas, metonímias, plasticidade, colocam ainda mais em destaque a constân-
cia da finalidade libidinal. A libido é sempre a mesma e seus rodeios indicam a satisfação.
É preciso tomar cuidado com isto. É uma questão muito simples, mas ao mesmo
tempo essencial. 'Ioda a teol'ia freudiana dos sintomas, tal como está. desenvolvida nas
conferências, supõe que uma satisfação pode ser substituída por outra. Por exemplo, a
satisfação do seio pode dar lug-M à satisfação substitutiva da sucção e, posteriormente, ao
amor à mãe, o que parece estabelecer uma conexão sensacional entre o gozo pulsiona.l

Opção Lacaniana nº 60 25 Setembm 2011


e o amor à mãe. Digamos aquj, entre parênteses, que isto é precisamente o que I.acan
põe em questão na primeira frase do Seminãrio XX, dizendo que não se pode passar do
gozo ao amor, assim como faz Freud.
Tqda a teoria freudiana supõe a possibilidade de substituição de s:1tisfações. Pode-
ríamos escrevê-lo assim:

Uma satisfação inicial, S1, é substituída por uma satisfação segunda, \_ Seria diver-
tido chamar isto de "metáfora libidinal" para comentar a relação entre metãfüra paterna
e metáfora libidinal. Este novo S2 é o que Freud chama de uma satisfação nova ou subs-
titutiva, um Ersatz de satisfação. Mas a palavra Ersatz, ou substituto, faz pensar que o
substituto não vale tanto quando o original - se não podemos comprar pérolas selvagens
verdadeiras, compramos as cultivadas, mas estas não são tão apreciadas, pois as vemos
como um sucedâneo. Mas não ocorre assim com a satisfação substitutiva; é tão boa
quanto a satisfação original. Não importa o objeto, a finalidade libidinal obtém-se custe
o que custar e, como tal, é sempre a mesma. A pulsão não conhece o "semblante de
gozar"; a satisfação pulsional é um real. Os Umwege estão mais no registro do semblante.
O que encontramos em Freud corho .~ym/Jtombildung indica outra expressão de
Lacan: as formações do inconsciente. O termo "formações" procede diretamente do
conceito freudiano de Bildung. Mas Lacan utiliza a pal.avra mais do lado d.o Sinn- que
do lado Bedeutung, a propósito de formações que procedem do inconsciente. Não são
produtos, mas formações que não se separam - como faz um produto - do inconsciente.
Lacan enfatiza o invólucro formal das formações do inconsciente, mas não lhe escapa
que a chave da formação dos sintomas é pulsional. No Seminário 2, faz do supereu a
chave da formação dos sintomas; outras vezes, a chave da formação dos sintomas é a
castração. São duas maneiras de indicar o. pulsional. Freud nos fala das formações que
provêm da libido.
Passamos agora às oito partes do texto, que intitularei:

1. A escapatória da libido. A libido dá o primeiro passo, encontra-se bloqueada pela Ve,,t,-


gung, pelo veto. O caminho sintomático começa por um bloqueio, pois a libido está bloquea-
da em sua busca de satisfa~:âo. Em um primeiro tempo, escapa do momento atual em direção
ao passado, seja um passado fantasmático ou um passado relativo a um estado anterior da
libido.
2. Constituição e 11lvêndas. Mencionamo-las acima. Em relação à formação do sintoma, Freud
avalia o que se deve a fatores constitucionais e o que se deve a vivências atuais.

Opção L~caniana nº 60 26 Setembro 2011


ORIENTAÇÃO LACANIANA

3, As vivênctas sexuais h!fàntis. O caminho regressivo leva às primeiras vivências. Comenta-


rei esta questão mais adiante.
4. A satisfa\'.ào no sintoma. Freud opõe a lenomenologia <lo sintoma à verdade do sintoma,
posto que a primeira impõe a presença do sofrimento, enquanto na segunda reside a satis-
fa~·ão libidinal do sujeito. Nesse capítulo, justifica-se o con<·eito lacaniano de gozo, já que
Freud nos fala de unw satisfação que não se confunde com o prazer. O sintoma histérico
apresenta-se na dimensão do desprazer, ainda que satL~faça ·- o que justifica a introdução de
uma palavra distinta para indicar a conjunçào da satL~fa(ào e do desprazer. É o que Lacan
chama de gozo. Parece um conceito misterioso; ainda me lembro, nas viagens que fiz pelos
Estados Unidos há anos atrás, das perguntas insistentes <lo presidente da AJ>A: ·~'11tster Miller, .
explique-nos o que é o gozo para Lacan". Lembro-me de ter-lhe respondido: "Não, ao senhof
não vou explicar•, pois isto ocorria depois de que já tivessem me cansado de várias manei-
ras. Poderia ter-lhe dit.o: "Podem ler as duas páginas da quart11 seção da conferência XXIIl".

Os três C.'lpítulos seguintes, V, VI e VII ("Fantasma e realidade", "Os fantasmas originá-


rios" e "A Bedeutung do sintoma, a fixação") trata~1 do fantasma. O último capítulo, o XIU,
trata da criação e da arte "A criação, a arte, como uma inversão do caminho sintomático".
Os capítulos V, VI e VII tratam do passado, da libido que volta ao passado no ca-
minho constitutivo do sintoma. O verdadeiro estatuto desse passado é fantasmãtico, o
que leva Freud a propor que há uma realidade psíquica. A quarta parte dessa seção ad-
quire seu alcance na afirmação de Freud: "A satisfação é rea1" 14 • Pode ser que o passado
seja fantasmático, mas a satisfação é real. Vejo desenhar-se aí a oposição entre o real da
sa1.isfação e o fantasrnático do passado.
Na oitava parte, há um retorno à realidade, pois o artista produz obras que to-
mam seu lugar na dita realidade. O último capítulo vai da realidade psíquica à realidade
externa. Ê quase um movimento do sintoma ao fantasma - também um para além do
fantasma - e retorno à realidade externa.

Uma clínica sem o conflito

A conferência XXIII é um estudo cios modos de gozar segundo a definição freudia-


na do sintoma: apesa.r da fenomenologia de sofrimento, é uma modalicl.'lde de satisfação
libidinal. É o mesmo ponto que Lacan. indica em 1elevisâó, quando diz que o sujeito
é sempre feliz. Freud tenta mostrar em que sentido o. sujeito é sempre feliz e que esta
felicidade pode ser no sofrimento, parodiando elo título de Barbey d'.Aurevilly: "A felici-
dade no crime". É a perspectiva inumana na psicanálise: o sujeito apresenta-se com seu
sofrimento e o analista lhe responde "tudo está em ordem".

Opção I,acaniana nº 60 27 Setembro 2011


É claro que a perspe~tiva •você é feliz em seu sofrimento" não é a única possível;
não se trata de glorificar o sofrimento. O único sentido que pode ter o tratamento é o de
diminuir o preço do sofrimento que se deve pagar parn aceder ·à satisfação pulsional, ele
modo que esta seja menos custosa. Assim se restabelece certa humanidade na posição
analítica.
O essencial é que nesse nível não há conflito. Há sofrimento, mas não um conflito
propriamente dito. O conflito, conceito tão importante para freud, é uma elaboração
teórica que implica que a satisfação libidinal entre em conflito com outro elemento, com
outra instância que obriga a libido a mudar ele direção. Freud tenta localizar de várias
maneiras esta outra instância. Em um primeiro sentido, é a realidade externa. Nas con-
ferências diz: "É o eu, suas leis e suas pulsões próprias, pois necessita de um elemento
pulsional para ir contra as pulsões":1 5 . Mais adiante, Freud mudará a teoria - aqui há uma
espécie de varité, uma verdade que varia -. dirá que não é o eu, mas o supereu e a· pul-
são de morte. No entanto, toda essa elaboração parece reduzir-se ao semblante quando
se refere ao real da satisfação. Não se duvida do real da satisfação, mas pode-se duvidar
da construção teórica do conflito.
Aqui é onde adquire todo seu alcance a palavra "modo" ou "modalidade", que
utilizamos quando falamos do modo de gozar ou da modalidade de satisfação ou, ainda,
quando Freud fala de eine neue Art der Libido Befriedigung, uma nova modalidade de
satisfa~:fto libidinal. Introduz-se a ideia de meio, método, arranjo, dispositivo mais ou me-
nos artificial, em comparação com o real da satisfação. A artificialidade do modo aparece
claramente nas perversões, por exemplo, onde há uma exteriorização desta na realidade.
Na perversão há uma espécie de colocação em cena do sintoma e o elemento artificial
é parte do dispositivo mesmo. Lacan indica-o a propósito de Jean Geriet: quando ele
pôe em cena as distintas perversões, assinala que se deve observar o caráter artificial do
dispositivo que funciona para o gozo. Isto se faz patente no dispositivo masoquista, onde
a suposta 'onipotência do Outro sobre o sujeito é, finalmente, um artifício do próprio
sujeito. A relação semblante-gozo é, com efeito, essencial. Este é também o principio da
afinidade entre a perversão e a arte, o caráter artificial ele ambos.
Para Freud o conflito é essencial. a ponto de definir o sintoma como uma forma-
4-'.ão de compromisso entre forças opostas. A oposição que ele estabelece entre prazer é
realidade foi entendida como uma oposição entre prazer e realidade externa, e foi assim
como se chegou à concepção da análise como uma educação ou pedagogia. Se Lacan
teve de passar tanto tempo atacando o conceito de pedagogia i por que a pedagogia
estava dentro do discurso a.na.lítico de vát'las maneiras.
Parece-me que, para Lacan, trata-se, em certo momento de seu ensino, de apren-
der a pensar o sintoma sem o conflito, de subtrair a perspectiva do conflito, apesar do
sofrimento, e privilegiar o real da satisfação. A clínica dos nós é tuna clínica sem conflito.

Opção l.acaniana nº 60 28 Setembro 2011


. ORIENTAÇÃO LACAl'!IANA

O único conflito é que não conseguimos fazer os nós que queremos - o que gera
· sofrimento, indicado às vezes por Lacan. Mas a novidade invisível desta clínica, que
agora procuro evidenciá-la, é que se trata de uma clínica sem conflito. É uma clínica do
enodamento e não ela oposição, dos arranjos que permitem uma satisfaç:ào e conduzem
ao gozo. Há dificuldades, mas não hã conflito. A estrutura mesma dos nós não permite
a dimensão do conflito.
É claro que Lacan teve várias clínicas com conflitos. Começou opondo o simbóli-
co e o imaginário, o que já era uma clínica do conflito. Depois privilegiou uma clínica
da oposição do simbólico e do real. Pensem no conceito mesmo de objeto a, objeto
que resiste ao simbólico, aquilo que nâo se encaixa bem no simbólico. Há uma tensão
entre o simbólico e o objeto a, o que também é uma clínica do conflito. Com os nós,
não há oposição, ao contrário, há solidariedade entre as dimensões. Há um mitsein, um
"ir juntos" dos círculos. Por isso, há uma satisfação estética no nó borromeano, já que
Lacan não o encontrou nas matemáticas, mas num emblema da família dos Borrorneo.
11 uma bela figura que às vezes é utilizada com o._prazer estético, como uma decoração
característica da arte islâmica, sem a representação da figura humana. Gozamos disso.
Tais desenhos feitos para cernir o sintoma, transformam-se facilmente numa espécie de
obra de arte.
Então, nesta dínica não se trata, como em Freud, de resolver o conflito, n'l.as de
obter um novo arranjo, um funcionamento menos custoso para o sujeito. Não digo que
seja a única perspectiva clínica válida, mas é um esforço de Bildung por parte de Lacan,
de Bildung do analista, de formar-se nesta perspectiva do sintoma.

Uma nova maneira de satisfação pulsional

Voltemos a Freud, que fala de Neue Art, de uma nova modalidade.


A palavra "nova" é discutível, Freud mesmo diz "nova ou substitutiva", porque o
sintoma não é algo novo, não é uma invenção, mas um retorno. fü1 sempre algo de velho
no sintoma freudiano, pois é feito de repetição. Nesse texto, Freud estuda as transferên-
cias da libido.
A análise mesma pode surgir como uma nova modalidade de saUsfação libidinal,
eine neue Art der Ltbtdobefriedigung. Para lacan, a problemática cio final de análise
implica pensar, precisamente, a análise como uma nova modalidade de satisfação != a
maneira de ir além desta dimensão. Hã algo na análise de um sintoma artificial que cor-
responde à invenção freudiana. Neste ponto, a pergunta pelo desejo de Lacan cobra sua
autêntica dimensão: por que a psicanálise não pôde inventar uma nova perversão? Esta
pergunta, famosa e divertida, testemunha a perspectiva da análise mesma como uma

OpçãfJ l.acaniam, n• 60 29 Setembro 2011


modalidade de satisfação artificial, que tem parentesco com e .sintoma tal como descrito
por Freud.
Nesta nova perspectiva, encontramús a dimensão temp:)ral do sintoma. Freud ela-
bora-o em termos de desenvolvimento e regressf.o. Para e'::, a !ih::::, ten: u;-.1 .,:;ass<:do
e, inclusive, quase uma memóril:l. Mas, r.essa mes,,.a conferêac:a, ;)ode-se v,:r e:~:<=, fY.r1:
Freud, não é possível permar:i.eéer. apenas na dimen.são temporal e é necessário passar
pelo histórico. Freud é levado aos paradoxos da dimensão histórica, para além da tem-
poral. Lacan o delineou em Função e campo, mediante os efeitos de apres-coup desco-
bertos graças ao Homem dos Lobos.
Assim é como se coloca, na terceira parte, a questão se as vivências infantis têm
importância ou se esta foi outorgada regressivamente num:1 espécie de apres-cou/1.
Sua solução é dara: as experiências infantis tiveram importância no momento mesmo
de produzir-se. A prova é que há. neurose infantil e que, às vezes, pode-se ver uma
continuidade entre a neurose infantil e a neurose adulta. Ao mesmo tempo, estabelece.
uma graduação: "existem casos em que todo o peso da causação recai nas experiências
sexuais da infância (. ..) existem outms nos quais todo o acento recai nos confütos pos-
teriores( ...)16" . Corroborando esta tese, podemos cit!1r a continuidade nas perversões,

il} onde há uma experiência infantil, uma vivência acidental, que parece ser a mola da
perversão adulta numa total continuidade. Mas, fundamentalmente, Freud diz que, se
a libido regressa, é por que há ~lgo qy_e exerce uma atração sobre ela. É o que chama
de fixação.
Nesse ponto, Freud não vacila. Se há uma regressão da· libido, deve-se supor que
há algo que a atrai. Aqui se esconde um mais-de-gozar. Isto abre, em um segundo tem-
po, a questão se o que exerce uma atração é traumático ou fantasmático, mas, seja como
for, Freud não põe em questão este ponto.
J: Na quarta parte - é um tema ao qual já me referi - apresenta o gozo do sintoma,
li
•li
esse gozo oculto como algo estranho, que tem Befremdutig, que não é familiar nem
reconhecível. Aqui Freud fala do auto-emtismo ampliado do sintoma, que constitui uma
J
_;:,
modificação do ser mesmo do sujeito e, eventualmente, do seu próprio corpo. Vou
deixar esta questão pa~a depois, uma vez que foi um dos motivos da escolha do tema
para este seminário. Ao final ela quarta parte, Freud assinafa que se pode observar uma
compreensão particular da libido e destaca a função de um pequeno detalhe, tão impor-
tante como para despertar a libido. Pode-se comprovar que, nesta parte do texto, há um
esboço do objeto a.
Consideremos agora o fantasma, a propósito ,do qual se coloca a questão ela ver-
dade. Freud mantém o .que havia dito: algo ocorreu no passado, seja sob a forma de
acontecimentos ou do fantasma. Por isto, não me parece que haja uma contradição entre
a terceira e a quinta parte. Para Freud, o infantil é levado em conta; as vivências ou os

Op~,ão T.acaniana nº 60 30 St,tembro 2011


,O R 1.[ N TA O l AC A N IA NA

fantasmas tiveram impo,tf:~1da no ::no:ne:-.:::. <::::·_ :;... e se produz::~::r!. C -:;·.:e cc.:.::h,, :esu-
mida~ente, é o se~tido da realidacie. }L :-~~·üidaC.::::. ~~m ·1f~t;as ·a1odaHC:;r:t~~:e3 ê ~:-~·e·~1cl I~:.~.::i··
<luz a reaiidade psíq:.Jict: ao i~do da rca1ld2-S.c externa. i-Aocliflca o serÁti.:..J c:e ~'zealidade'\
ele modo que a diferenç~ ·e,-:.,:e aconted:u:,-~c'.) ,': fontasrna perde sc:a '.:,,;::.c:ti;·.:::ia.
.·/·é
,:-:' e ;,-, . o lév;l
~. .......... . . ' _•.....,;, ,.,.. -, .:~~ .....
_._.._.::.,._À ..::,. •. ,,.,~ .. e,-~ dos fantaSl'II''<" :c.-s-, .,.,: /,z (]UC o fun-
-·"izer-:,: • "o-oza-se
~,'>C'
--.i· -. ..... .. . .:..~. • .. .............. ···- . -...

ctàmenml é à realidade psíquica, mas Lacan. dá um passo .além, privilcglar,d:."> a realidade


p_síqui_ça em relação à realidade,externa, ~a medida el!l que esta conta como realidade
fa.rttasmâtié:a no discurso analftiéo ..
·i ·Esta pe.rspectiva exige co~siderar a diferença entre o princípio do prazer e o prin-
cípio' de realidade. Para o sentido rnmum, o conflito estâ entre o interno e o externo: o
prazer autônomo, automático; c!6 aparelho psíquico versus as exigências da realidade ex- ·
terna:·M~s. em contrapartida, ao ptivilegiar a realidade psíquica, a diferença entre os dois
princípio; é interna. Na segunda' inetade dos anos sessenta, Lacan dirá que o discurso
analítico tóma a ~ealidade de maneira unívoca - coisa incrível dado que, segundo Preud,
devia-se pelo menos opor a realidade externa à interna -, enquanto os outros discursos
fazem flutuar a realidade em difere_ntes modalidades. Na medida em que a realidade "in-
terna" é não somente decisiva como única, goza-se mais dos fantasmas do que dos seres
externos. Aqui há uma debilidade ele Freud, pois ele se interroga de modo apaixonado
sobre a exatidão. Sua debilidade é flutuar entre a realidade externa e realidade psíquica;
este é seu sintoma.

O realmente

Anunciei que Lacan tinha seu pr6prio sintoma que ele mesmo identificou. Isto está
relacionado com o ponto anterior. O acento sobre o unívoco da realidade leva-o ao real
sem-sentido. I.acan anunciou ao mundo a instância de um real sem-sentido, que consiste
em uma separação radical entre o real e o sentido. É uma idéia tão estranha, produz tal
Befremdung, que ele mesmo diz: "talvez essa idéia do real seja meu sintoma". De certo
modo, nada sobre ele pode ser dito ele verdadeiro. A palavra "real" já é um paradoxo: é
difícil dizer "o real", porque esta frase jã tem um sentido. Talvez o sintoma de Lacan leja
muito interessante, pois implica que, quando se diz algo sobre isso, necessariamente se
mente - o que elucida o elemento de falsidade que há em qualquer história.
É preciso não se esquecer que se trata dos caminhos da formação dos sintomas
histéricos. Nos sintoÍ11as obsessivos, o elemento de falsidade da história está mais velado
pela fenomenologia de satisfação do sintoma. Pode-se dizer que o real faz o sujeito men-
tir e, definitivamente, que o real mente. Assim, para Lacan, o estatuto do sintoma é final-
mente problemâtico. I.acan diz que o sintoma é da ordem do real, o que é um paradoxo,

Opç-lo I.acaniana n• 60 31 Setembro 2011


porque se o sintoma tem Sínn, tem sentido, como diz Freud, como se pode dizer que
é também real, se o re:il não tem sentido? Seria o único pedaço de real com um Sinn.
Aqui há uma vacilação de Lacan, ou melhor, um girar. em círculos, como ele mes-
mo assinala. Não somente traça círculos e nós, como ele mesmo dá voltas. Por um lado,
propõe a equação: gozo = verdade ou sentido. É o gozo do sentido ou sentido-gozado.
No entanto, às vezes Lacan separa totalmente o gozo (como real) do sentido e fala do
gozo opaco do sintoma fora de todo sentido. Aqui não há uma solução lacaniana, mas
uma varidade do sintoma. Verdades variáveis de Lacan ao entrar nesse terreno. Não nos
deixa uma doutrina dogmática e acabada, senão um campo problemático de investiga-
ção, onde há lugares para discutir e elaborar:

1. A partir do simbólico, a anâlise opera sobre o real. do sintoma, na medida cm que o sin-
toma é sentido;
2. Se o real e o si,ntido estão totalmente separados e se excluem, a psicanálise não é nada
mais do que um engodo;
3. Como incidir, a partir dos eleitos de Stnn, sobre um gozo sem-sentido?
4. Talvez exista um efeito real de sentido.

Com seus nós, Lacan experimenta todo tipo de arranjos para resolver o tema. Não
creio que tenha esgotado a questão. 'i)lvez a solução esteja nessas variações mesmas,
em uma demonstração que Lacan fazia na lousa com os nós, uma manipulação cada vez
mais silenciosa de um real sem-sentido, a tal ponto que, a cada vez que Lacan nomeava
um círculo ou outro, indicava que era forçado.
Voltando a Freud, na terceira parte nos fornece um esquema. Assinalarei apenas que
é preciso substituir, na sexta parte e nas seguintes, "as vivências infantis" por "os fantas-
mas originários". Freud reduz o número de fantasmas a três essenciais: a observação do
coito, a sedução por um adulto e a castração. Também o faz nas notas sobre o Homem dos
Lobos. E, finalmente, na nota de 1920, nos ,vl'rês ensaios sobre a teoria da sexualidade",
assinala que toda a fantasmago1ia pode ser incluída no Complexo de Édipo e aponta o
caráter necessário de taL5 fantasmas - diz notwendig, termo que prefiro a das Beclürfnis, a
necessidade no sentido de besotn. Sua solução filogenética da existência desses fantasmas
correspcmde ao pré-histórico. Cito-o: "(...) as crianç.as, em suas fantasias, simplesmente
preenchem os claros ela verdade individual com a verdade pré-hi5tórica" 17• Ele mesmo
experimenta a necessidade ele sair da dimensão l1istórica, tal como faz em 1btem e tabu.
A solução lacaniana para o. pré-histórico em Ft'eud é a solução estrutural. Quando
Freud indica a pré-história, a cristalização de vivências que, diz ele, não podemos co-
nhecer diretamente, Lacan oferece a soluçiio maravilhosa da referência estrutural: são
fatos de estrutura.

op.;;o I.acaniana n• 60 32 Setembro 201 l


ORIENTAÇAO ~ACANIANA ,

1\.tdo isto se articula apesar da diferença que Lacan estabelece entre o Complexo
ele Édipo e o Complexo de Castração: o primeiro é o envoltório imaginário do segundo.
Freud mesmo diz que a fonte disso é o pulsional, o que justifica que se vincule a castra-
ção ao pulsional. É o que Lacan escreve na linha superior do grafo do desejo, a vincu-
lação do gozo à castração. Faz com que a castração, o -<p, retorne sobre o próprio gozo.
Isto implica, finalmente, pensar a relaç:ão entre a linguagem e o corpo que, para
J.acan, se traduz como a captura do corpo pela estrutura com seu duplo efeito: de um
Jado, -<p, a estrutura leva a castração ao gozo, o deserto de gozo; do outro, o suplemento,
o objeto a.
É o único ponto em que Lacan indica seu desacordo com Freud - o que é muito in- ·
teressante, porque implica que todo o resto, as elabora~:ões que pude localizar - com certo
forçamento - na conferência XXIII, estã alinhado com Freud. Passar do pré-lústórico ao
estrutural está alinhado com Freud, bem como ir do papel decisivo da rea.lidade psíquica
ao seu imperialismo. O desacordo situa-se em relação à questão cio auto-erotismo.
Freud refere-se ao auto-erotismo ao indicar que a libido busca e encontra seus
objetos no corpo próprio ao afirmar que as pulsôes sexuais se satisfazem de maneira
auto-erótica e quando propõe uma história da pulsão oral:

Sugar o seio materno é de longe o ato mais importante de sua vida. (. ..) Sugar o seio é o
ponto de partida de toda a vicia sexual, o protótipo de toda satisfação sexual ulterior (. .. ). A
princípio, contudo, o bebê, em sua atividade de sucção, abandona esse objeto e o substitui
por uma parte do seu prôprio corp(). (. .. ) A pulsão oral se toma assim auto-erótica, tal como
o são, desde o h1ício, a pulsão anal e as demais pulsões erógenas [...] O resto do desenvolvi-
mento tem duas metas: em primeiro lugar, abandonar o auto-erotismo e, em segundo, unifi-
car os distintos objetos das pulsões singulares, substituí-lo por um único objeto.'"

Depois passa à mãe como primeiro objeto de amor. Já assinalei que, para Freud, a
passagem da libido pulsional ao amor se dá, nesse texto, de um só golpe.
No entanto, em .Freud estão todos os elementos para concluir que a unificação não
é alcançada e que o pardal perdura. Ele mesmo .indica e sublinha o caráter perverso
fundamental da sexualidade. Lacan chegou a dizer, no Seminário 20, que o gozo em si
mesmo não é sexual, pois o sexual se refere ao Outro sexo. Poder-se-ia dizer, neste sen-
tido, que Lacan se refere a um gozo auto-erótico, apesar de que ele prefira chamá-lo de
autista, por não se referir ao Outro sexo. Lac:an começa o Seminário dizendo: "O gozo do
corpo do Outro não é signo de amor". O que isto significa, senão que o gozo do corpo
do Outro é sempre perverso, parcial, é sempre gozar de pedaços? O gozo do corpo do
Outro não faz aceder ao Outro, somente o amor permite isto. É o oposto de l'reud, pois,
para Lacan, há uma barreira entre gozo e amor, e não uma continuidade.

Opção Lacaniana nº 60 33 Setembro 2011


Por que Lacan rejeita o termo "auto-erótico"? Precisamente, apoiando-se em Freud,
porque a libido se concentra no objeto perdido. Cada vez que há presença de gow, há
uma posição que chamamos de êxtima, como o objeto a. O gozo tem sempre algo de
unheim/ich. Nota-se a Unbeimlichkeit fundamental cio gozo no caso do Pequeno Hans.
A relação masturbatória com o objeto genital pareceria auto-erótica, mas não o é; pelo
<.'ontrário, o pênis, como suporte do gozo, é estranho, fora do corpo.
Com a palavra extimidade temos as duas faces. A emergência do gozo é sempre
traumática. Assim se resolve, em parte, o mistério desta permanência traumática que
assinalei no texto ele Freud.

A referência do sintoma

Em resumo, a sétima parte, Die Bedeutung der Symptom, indica o gozo no sintoma
parn além dos relatos de sedução, castra\:ão e coito. Para Freud, há um núcleo de real no
fantasma. Através de uma referência ao principio do prazer e ao princípio de realidade,
ele indica o fato de que sempre sobra um resto de goz~ - o que chama de fixação - que
não obedece às exigências da realidade, tampouco ao princípio de prazer, cujas exigên-
cias são de redução das tensões. Assim Freud distingue, finalmente, um real dentro do
psíquico mesmo, que se esconde dentro.,ç:lo fantasma.
Diz que há algo reservado que perdura e que não corresponde, nem à exigência
da realidade externa, nem à. interna, pois não responde à anulação das tensões que o
princípio do prazer implica. Seria como a memória do trauma do gozo. Freud compara-o
de maneira muito chamativa aos parques naturais:

A criação do reino mental da fantasia encontra um paralelo perfeito no estabelecimento das


'reservas' ou 'reservas naturais', em locais onde os requisitos apresentados pela agrkult:ura,
pelas comunícaçôes e pela indústria ameaçam acarretar modificações do aspecto original da
cerra que em breve o tornarão irreconhecível. ,,

O parque natural conserva este antigo estado que foi sacrificado em todos os
outros lugares, a duras penas, em função da necessidade objetiva. Pode-se dizer que
nesta descrição tão chamativa do "encrave" já temos o lugar mesmo onde Lac:an uma vez
mencionou a palavra extimiclade.
Freud evidencia o Lustgewinri, o ganho de prazer, distinguindo duas regressões:
a regressão ao fantasma e, para além desta, a regressão à fixação. Pode-se traçar isto no
seguinte esquema:

Opção l..acaniana nº 60 34 Setembro 2011


O~IUHAÇÃO LACANIANA

fantasma fixação

Primeiro V2 Vi?rdrangung, e veto. A partir daí, regressão e fantasma e, mais adiante,


a regressão à fixação. Quando Lacan falava do fantasma como a tela fundamental do
real, referia-se a esse caminho. A noção ele uma travessia do fantasma traduz a idéia de
que se pode percorrer analiticamente esse caminho para extrair do fantasma o seu real.
Além disso, assinalei que Freud chama a primeira regressão de introversão e somente a
segunda, propriamente, de neurose. Destaquei que, nesse texto, Freud falava da fixação
reprimida [recalcada], utilizando a palavra Verdrãngt; ou seja, neste ponto vincula in-
consciente e pul5:lo, mas sem desenvolvê-lo.
Na última parte, insiste na capacidade do a1tista de regressar aqs fantasmas. É um
introvertido que consegue a extroversão, dando forma - não utiliza a palavra Bilden,
mas Formen - a seus fantasmas. Freud dirá que o artista dá uma cópia fiel à represen-
tação de seus fantasmas, consegue vincular um Lu:~tgewinn tão grande que, durante um
tempo, as repressões [recalques] são suprimidas.
Sem comentar tudo isto em maiores detalhes, farei o uma espécie de pequena con-
clusão problemática acerca da questão da varidade, o neologismo inventado por .Lacan
em seu seminário de 1977.

1. O sintoma como oaridade. Não se trata do que se diz sobre o sintoma, mas do sintoma mes-
mo. Podemos cli7.er, melhor, que se trata, ao mesmo tempo, do sintoma e do que se diz dele,
na medida em que em psicanálise essa diferença se esvaece. Assim, o sint~)1n;1 podt~ aparecer
como um enunciado repetitivo sobre o real e, como tal, o pr6prio sintoma é uma mentira. Nào
somente falar disso é uma mentira, mas o sintoma é uma mentira. É dam que se trata de um
mentir tentando dizer a ·verdade, um mentir estrutural. O sujeito não pode responder ao real a
não s~r sintomati7.ando-o. O sintoma é a resposta do sujeito ao trautllático cio real. É diferente
do mentir verdadeiro do escritor Ar.igon, que se refere à obra de arte. Enquanto o sujeito pacle-
c:e no sintoma, o artista é capaz de fazer um jogo com a resposta sintomática ao real.
2. A mriedade da o,wdade. Entende-se isto muito bem atrnvés do esquema S1-S2 e seus efeitos
de sentido. É o próprio esquema do apres-coup. Mas o caráter val'iável da verdade implica um
estatuto simbólico elo sintoma. Situar o sintoma como real implica que a palavra ''sintoma"
indique, ao mesmo tempo, fantasma e fixação. Pode-se dizer que a palavra "sinthoma" refere-
-se à c:one,cão do fan;asma com a fixação.
3. O sintoma como real. Quando Lacan cunhou esta fórmula, o fez cm um contexto em que
já distinguiu, de modo muito prec:iso, duas incidências do real: o simbolicamente real e o
realmente simbólico.

Opção Laniniana nº 60 35 Setembro 2011


O simbolicamente real é a presença do real dentro do simbólico. Quando Lacan
diz "isto é a angústia", é o real como aparece no simbólico. O realmente simbólico, pelo
contrãrio, é o simbólico presente no interior do real. "Isto é mentira", entende-se que é
mentira se o real está totalmente separado do sentido.

s R

8 Angústia
8 Mentira

Quando Lacan nos diz que o sintoma é real, de que esquema se trata exatamente,
da angústia ou da mentira? De certo modo, há algo do sintoma que se localiza entre a
angústia e a mentira, quer dizer, entre algo que mente e algo que nâo pode enganar -
velha definiçâo que Lacan dava da angústia. Algo circula entre o que engana sempre e
o que nfü) engana jamais. Mas Lacan, ao propor que o sintoma seja a única coisa verda-
deiramente real, quer dizer, que conserve um sentido no real, localiza-o melhor do lad<J
da mentira.
O sintoma mente; a angústia não. ,'!!

Notas

• Seminário sobre lJie \Vege der Symptombildung, realizado em Bam,lona no dia 30 <ie.novemhro de 1996, com as pattid-
pa~'f.ies de Roser c,,salprim, l.ucia IYAngelo, Vicente Palnmera e Joan Salinas. lí:xtc> estabc,lecido por Vicente l'alomera,
Rosalba Zaidel, 'l.uis Miguel Carrión e Eugenio Díaz e traduzido para o português por .Maria Josefina Sola Fue111'es. Revi-
são: 1eresinha N. M. Prado.
Freud, S. 098011915-171). "Conferência XXI: O desenvolvimento da libido e as organizações sexuais". ln Edi;:fiostandard
l:>msileira das obras psicológicas comp/elas de Slgmund Freud, vol.XVI. Rio de Janeiro: Imago, p.385-386.
2 l'reud, S. (1980[1915-17]). 'Gonforênda XXII: Algumas idéias sobre dese11volvimento e regressão - etiologia". Ibidem,
p.400.
3 idem, Ibidem.
4 l'reud, S. (1980U915-l7J). "Conferência XVIJI: fixação em traumas - o inconsciente•. /bidom, p.330.
5 Idem, lbid,.,ri, 1>.331.
6 Idem, ibid,'111, p.332.
7 Idem, Ibidem, p.330. N:r. Hfl uma dift~·en1<1 significativa entre a edição em esp11nbol e " bm~ilcim, que tornaria a ob-
serva~,t1o seguinte ele J.-A. Miller incompree11sível. Neste L'llSO, permane<c.eu a tradução livre. Segue. :1 cita~'ào na edição
brasileira: "A construç,lo de um sintoma é o substituto de alguma outra coisa que não ;iconteceu"

Opção Lacaniana nº 60 36 Setembro 2011


ORIENTACAO LACANIANA

g Idem, ibidem, p.330. N.T. Citação exata na edição brnsileit'a: "Isto não se realizou, e, em seu lugar, - a partir dos proce.'lsos
interrompidos. que tle alguma forma foram perturbados e obrigados a permanecer inl,mscientes - o sinmma emergiu.
9 freud, S. (1980[1915-17]). "Conlerência XIX: resistência e repressão". ibidem, p.351.
10 Traduzido livremente.
li TrAduzido livrcmmte.
12 Lacan,]. (1998). "De no.~sos antecedentes". ln Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ediror, p.70.
13 Freud, S. (1980!!915-171). "Conferência XXlll: os caminhos da formação do.~ simomas", op.cll., p.420.
14 Idem, ibidem, p.421.
15 l'reud, S. (198011915-17]). 'Conferência XXII: Algumas idéias sobre desenvolvimento e rcgr<,:;são - etiologia'. lllidem,
p.411.
16 Freud, s. (1980[1915-171). "Conferê11da XXlll: os caminhps da formação dos sintomas', op.cü., p.426.
17 Idem, ibidem, p.433.
18 Preud, S. (l9801l915-J7l). "Coruerência XX: a vida seKunl dos seres humanos", op.cit., J>.367-373.
19 Idem, ibidem, p. 434.

Opção lacaniana nº 60 37 Setembro 2011

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