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Maio/Agosto de 2020 - ISSN 1983-2850
/ Pentecostais na Política Brasileira na era da Constituinte de 1988 e alguns de seus
desdobramentos, p. 25-41 /
DOI: https://doi.org/10.4025/rbhranpuh.v13i37.51524
1Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professor e Diretor
da Faculdade Unida de Vitória, Espírito Santo. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4566-599X.
Email: wanderley@fuv.edu.br
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to the society, that would be capable of provoking a reform in the Brazilian religion,
made that period become extremely fertile. Over the following few years, however,
Protestantism has fragmented into a myriad of denominations, most of which are
concerned with their own institutional consolidation projects, and marked by an
individualistic, moralistic and internalized spirituality. Moving away from that initial
utopia, the Evangelical movements, fruit of this fragmentation, have been increasingly
concerned with their participation in politics, but in the way of a cronyism and nepotism,
as well as with disregard for ethics and republican interests. This article focuses especially
on the relationship of Pentecostal leaders and denominations and politics in Brazil in the
above period. The history of this relationship reveals to us that the main expressions of
Christianity – all indelibly affected by a certain, especially moral, conservatism – are
neither better nor worse than the society within which construct, but only a reflection of
it.
Keywords: Religion and Society; Evangelicals; Politics in Brazil; Pentecostals.
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Introdução
No período que compreende a primeira metade do século XX até início da
década de 1960, o protestantismo brasileiro embalava em seus seios uma corrente
progressista, ainda que não majoritária, bastante significativa e cuja atuação visava uma
inserção ativa e contributiva na sociedade brasileira. Quando se pensa num
protestantismo cioso do abrasileiramento e preocupado com a formulação de uma ética
política e social cristã para o país, considera-se esse é um período bastante fecundo,
marcado pela atuação de jovens pastores e líderes, sobretudo presbiterianos,
presbiterianos independentes e metodistas, inquietos intelectualmente, muitos dos quais
abrigados sob o manto da Confederação Evangélica do Brasil, fundada em 1934.
Boanerges Ribeiro refere-se a esse grupo que já vinha atuando em conjunto desde a
Revista de Cultura Religiosa (década de 1920) como aqueles que “representam uma Reforma
na Religião Brasileira, sem pernosticismo e sem complexo de superioridade:
naturalmente. Uma Reforma necessária, mas até sem polêmica. Não reagem contra
ninguém: expõem superiormente e agradavelmente suas idéias [sic]” (RIBEIRO, 1991, p.
225).
Destacam-se nesse período figuras como a do pastor presbiteriano Erasmo
Braga, o reverendo metodista Guaracy Silveira, único deputado protestante eleito para a
2
Constituinte de 1933/34 pelo Partido Social Brasileiro (Cf. ALMEIDA, 2002, p. 28). Os
fundadores, em 1921, da Revista de Cultura Religiosa (RCR), Epaminondas Melo do Amaral
(Igreja Presbiteriana Independente do Brasil), Othoniel Motta (Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil) e o rev. Miguel Rizzo Junior (Igreja Presbiteriana do Brasil).
Eber Ferreira Silveira Lima, em sua tese de doutoramento, descreve o conteúdo da RCR
como um “abrir de janelas”, e ainda, como “o compromisso de uma geração que veio
romper com o hermetismo cultural e social”. Para ele:
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3 CAVALCANTI, Robinson. Cristianismo e Política: teoria bíblica e prática histórica. Viçosa: Editora
Ultimato, 2002. p. 240. Os boatos seriam usados também contra o candidato Lula da Silva, na
disputa contra Color de Mello em 1989. Lula seria um ateu que perseguiria as igrejas. Essa estratégia
seria usada recorrentemente nas eleições presidenciais seguintes.
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chegada dos anglicanos no início do século XIX, para uma prevalência de pentecostais a
partir do decênio de 1960.
Freston ainda destaca que o predomínio numérico de parlamentares
pentecostais a partir da Constituinte deu-se como fruto de uma articulação política por
parte das principais denominações pentecostais brasileiras, a saber: Assembleia de Deus,
Igreja do Evangelho Quadrangular e Igreja Universal do Reino de Deus. Dos 27
congressistas pentecostais, pelo menos 21 eram candidatos oficiais de suas denominações,
cujo caráter centralizador e estilo feudal possibilitava às suas lideranças o controle político
das respectivas comunidades, determinando até mesmo em quem os membros deveriam
votar4.
Essa mudança de atitude dos evangélicos em relação à participação política —
sobretudo de pentecostais — fica bem ilustrada por um livro escrito pelo assembleiano
Josué Sylvestre, intitulado Irmão Vota em Irmão, lançado em 1986. Sylvestre, que também
era assessor no Senado Federal, escreve em tom pietista e ufanista, defendendo os
evangélicos como os melhores parlamentares, considerando serem tementes a Deus.
Apelando ao amor fraterno, conclama:
4Cf. FRESTON, 1994, p. 46. O autor ainda destaca que, desses 21 candidatos oficiais, 12 eram da
Assembleia de Deus, quatro da Universal, dois da Quadrangular e três de outras denominações
pentecostais ou carismáticas, mas com o apoio da Assembleia.
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7 Foi o deputado da Assembleia de Deus do Paraná Matheus Iensen o autor da emenda que
concedeu cinco anos a Sarney.
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1994, p. 80). Um dos contemplados com uma rádio foi o deputado pernambucano
Salatiel Carvalho. Sobre a prorrogação do mandato de Sarney, Salatiel afirmou que “se o
presidente quisesse cem anos para trocar cem rádios, eu trocava mesmo. Se fosse para
divulgar o evangelho, eu trocava”. Salatiel seria o futuro coordenador de campanha de
Fernando Color de Mello entre os evangélicos (Cf. BAPTISTA, 2009, p. 151).
A já citada reportagem d’O Jornal do Brasil de 7 de agosto de 1988 denunciava:
8 Foi o caso, por exemplo, dos deputados José Felinto e Orlando Pacheco, ambos da Assembleia de
Deus.
9 Estiveram envolvidos, por exemplo, Manoel Moreira, João de Deus e Matheus Iensen, todos da
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Previdência, da troca de partidos por dinheiro e da Lista do Bicho (Cf. FRESTON, 1994,
p. 103).
Uma importante reação aos escândalos oriundos do fisiologismo e
corporativismo observados na bancada evangélica desde a Constituinte foi a fundação da
Associação Evangélica Brasileira (AEVB), em 1991, por líderes protestantes identificados
com a Teologia da Missão Integral, portanto, preocupados com as questões sociais e
políticas do país. Capitaneados pelo pastor presbiteriano Caio Fábio D`Araújo Filho,
esses protestantes evangelicais formularam o “Decálogo do Voto Ético”, o que
desagradou em cheio os setores identificados com as práticas da bancada evangélica, tal
como aqui estão sendo descritas. A reação partiu de Edir Macedo que, após ter recusada a
filiação de sua denominação na AEVB, e com o apoio do pastor batista Nilson Fanini e
da Assembleia de Deus de Madureira, fundou em 1993 o Conselho Nacional de Pastores
do Brasil (CNPB), para concorrer com a AEVB (Cf. FONSECA, 2011, p. 103).
Excessivamente dependente do carisma pessoal do seu presidente, a AEVB desarticulou-
se junto com a crise de cunho pessoal pela qual passou Caio Fábio em 1998.
Muitos outros casos desonrosos ocorreram. Devemos lembrar que, no
escândalo do Mensalão, o bispo Rodrigues, da Igreja Universal do Reino de Deus, foi um
dos condenados. Em 2009, diversos parlamentares evangélicos estiveram envolvidos e
foram flagrados por câmeras recebendo propina no escândalo conhecido como
“Mensalão do DEM”. Entre eles estava Júnior Brunelli, pastor e filho de Doriel de
Oliveira, fundador da Catedral da Bênção10. Também Leonardo Prudente, então
presidente da Câmara do Distrito Federal, membro da denominação Sara a Nossa Terra,
foi filmado escondendo dinheiro de propina nas meias. Da mesma denominação é Paulo
Octávio, então vice-governador do DF, preso nessa operação. Também a deputada
Eurides Brito, então líder do governo na Câmara, da Igreja Adventista, foi flagrada
colocando maços de dinheiro na bolsa, entregues por Durval Barbosa, o delator do
esquema. O deputado e pastor da Assembleia de Deus Benedito Domingos foi mais um
apanhado e condenado na mesma operação. Além disso, em 2013, o deputado evangélico
Natan Donadon tornou-se o primeiro político no exercício do cargo preso por ordem do
Supremo Tribunal Federal, desde a Constituição de 1988. Ficou conhecido como o
Assembleia de Deus. Eraldo Tinoco, batista da Bahia. Levy Dias, da Presbiteriana Independente do
Piauí. E o pastor da IPB Izaías Maciel, do Rio de Janeiro, por meio de suas obras assistenciais (Cf.
FRESTON, 1994, p. 101-102).
10 Tornou-se exemplo da falta de compromisso ético de muitos políticos evangélicos a cena do
pastor Rubens César Brunelli Jr. orando abraçado com Durval Barbosa, o futuro delator do
esquema, e com Leonardo Prudente, então presidente da Câmara do DF, também evangélico, em
agradecimento pela propina que acabara de receber. A mídia apelidou o ocorrido de “a oração da
propina”. Ver, por exemplo, AGÊNCIA ESTADO, 2019.
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“deputado presidiário”, uma vez que foi poupado pelos seus pares da cassação. A mídia
noticiou na época que a bancada evangélica se articulou para impedir que fosse cassado11.
Esses são tristes exemplos, infelizmente não os únicos, da participação pública de
parlamentares evangélicos, especialmente pentecostais, em escândalos nos últimos anos.
Conclusão
A fragmentação do protestantismo brasileiro no pós-64 decorreu por via de
vários fatores: a reação conservadora da sociedade brasileira às reformas de base do
governo Goulart, sendo essa reação acompanhada por boa parte dos evangélicos; o
recrudescimento do conservadorismo intrínseco ao próprio ethos protestante de origem
norte-americana; a crescente influência das denominações pentecostais, notoriamente
proselitistas; o desembarque no país da controvérsia fundamentalista que agitava as
igrejas estadunidenses desde o início do século XX. Concomitantemente a esses
movimentos, ou em consequência deles, aportaram no país organizações paraeclesiásticas
vindas dos Estados Unidos, focadas principalmente na educação cristã, no ensino
teológico e na produção de literatura de viés conservador/fundamentalista, que
exerceriam profunda influência sobre as igrejas nas décadas seguintes. Paralelamente a
essas organizações, chega também ao Brasil o fenômeno da Igreja Eletrônica americana,
outro canal de influência fundamentalista que inspira, especialmente, mas não somente,
líderes pentecostais brasileiros a erguerem seus próprios impérios midiáticos. Ainda na
década de 1960, uma das primeiras consequências dessas influências foi o cisma
observado em todas as denominações históricas do protestantismo brasileiro, no influxo
do movimento de renovação carismática.
Esse cenário abortou, em certo sentido, a construção do protestantismo
nacional comprometido com uma visão integral da fé cristã. A elaboração de uma
teologia social e política estava em curso desde que Erasmo Braga retornara do
Congresso do Panamá, em 1916, unindo esforços com outros pastores e missionários,
sobretudo presbiterianos e metodistas. Como pudemos observar, a década de 1950 foi
especialmente prolífica na elaboração de um pensamento político protestante,
notadamente em função da influência exercida por Richard Shaull e pela atuação de
líderes protestantes ligados à Confederação Evangélica do Brasil. O desmonte dessa
teologia política que estava em curso coincide, portanto, com o golpe civil-militar e com a
atuação do governo norte-americano nos bastidores do mundo social-político do país.
Seguiram-se os expurgos, as perseguições, as prisões, as torturas, a morte e o exílio desses
11O deputado foi cassado posteriormente, em 12 de fevereiro de 2014, por ampla maioria. Dessa
vez a votação foi por voto aberto.
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Referências
AGÊNCIA ESTADO. Secretário da CNBB se revolta com "oração da propina". Gazeta
do Povo, 30-11-2009 [16:49]. Disponível em: <bi.ly/ 2KDZgQW>. Acesso em: 26-06-
2019.
ALENCAR, Gedeon Freire de. Matriz Pentecostal Brasileira: Assembleias de Deus - 1911 a
2011. São Paulo: Recriar; Vitória: Editora Unida, 2019.
ALMEIDA, Vasni de. Ensino Religioso ou Educação Moral e Cívica? A participação de
12Ver, por exemplo, as seguintes obras: SOUZA, 1969; CAMARGO, 1973; ROLIM, 1985;
ALENCAR, 2019.
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