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Aula Atividade 1-1
Aula Atividade 1-1
Aula Atividade 1-1
BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Azevedo, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 6ª
Edição (Brasília/DF:CNJ), 2016. Pp. 54-57. Disponível em: https://bit.ly/3vA4m4U . Acesso em: 17 mar 2021.
Conflitos e disputas
Há autores que sustentam que uma disputa existe quando uma pretensão é rejeitada integral ou parcialmente,
tornando-se parte de uma lide quando se envolvem direitos e recursos que poderiam ser deferidos ou negados
em juízo25. De definições como essa, sugere-se que há uma distinção técnica entre uma disputa e um conflito
na medida em que alguns autores sustentam que uma disputa somente existe depois de uma demanda ser
proposta. “Um conflito se mostra necessário para a articulação de uma demanda. Um conflito, todavia, pode
existir sem que uma demanda seja proposta. Assim, apesar de uma disputa não poder existir sem um conflito,
um conflito pode existir sem uma disputa”
Espirais de conflito
Para alguns autores como Rubin e Kriesberg, há uma progressiva escalada, em relações conflituosas, resultante
de um círculo vicioso de ação e reação. Cada reação torna-se mais severa do que a ação que a precedeu e cria
uma nova questão ou ponto de disputa.
Esse modelo, denominado de espirais de conflito, sugere que com esse crescimento (ou escalada) do conflito, as
suas causas originárias progressivamente tornam-se secundárias a partir do momento em que os envolvidos
mostram-se mais preocupados em responder a uma ação que imediatamente antecedeu sua reação.
Por exemplo, se em um dia de congestionamento, determinado motorista sente-se ofendido ao ser cortado por
outro motorista, sua resposta inicial consiste em pressionar intensamente a buzina do seu veículo. O outro
motorista responde também buzinando e com algum gesto descortês.
O primeiro motorista continua a buzinar e responde ao gesto com um ainda mais agressivo.
O segundo, por sua vez, abaixa a janela e insulta o primeiro. Este, gritando, responde que o outro
motorista deveria parar o carro e “agir como um homem”. Este, por sua vez, joga uma garrafa de água
no outro veículo. Ao pararem os carros em um semáforo, o motorista cujo veículo foi atingido pela
garrafa de água sai de seu carro e chuta a carroceria do outro automóvel. Nota-se que o conflito
desenvolveu-se em uma espiral de agravamento progressivo das condutas conflituosas. No exemplo citado, se
houvesse um policial militar perto do último ato, este poderia ensejar um procedimento de juizado especial
criminal.
Em audiência, possivelmente o autor do fato indicaria que seria, de fato, a vítima; e, de certa forma, estaria
falando a verdade uma vez que nesse modelo de espiral de conflitos ambos são, ao mesmo tempo, vítima e
ofensor ou autor do fato.
O processualista mexicano Zamorra Y Castillo sustentava que o processo rende, com frequência, muito menos
do que deveria – em “função dos defeitos procedimentais, resulta muitas vezes lento e custoso, fazendo com
que as partes quando possível, o abandonem”
Cabe acrescentar a esses “defeitos procedimentais” o fato de que, em muitos casos, o processo judicial aborda o
conflito como se fosse um fenômeno jurídico e, ao tratar exclusivamente daqueles interesses juridicamente
tutelados, exclui aspectos do conflito que são possivelmente tão importantes quanto ou até mais relevantes do
que aquele juridicamente tutelados.
Quanto a esses relevantes aspectos do conflito, Morton Deutsch, em sua obra The Resolution of Conflict:
Constructive and Destructive Processes, apresentou importante classificação de processos de resolução de
disputas ao indicar que esses podem ser construtivos ou destrutivos. Para Deutsch, um processo destrutivo se
caracteriza pelo enfraquecimento ou rompimento da relação social preexistente à disputa em razão da forma
pela qual esta é conduzida. Em processos destrutivos há a tendência de o conflito se expandir ou tornar -se mais
acentuado no desenvolvimento da relação processual. Como resultado, tal conflito frequentemente torna-se
“independente de suas causas iniciais29”, assumindo feições competitivas nas quais cada parte busca “vencer” a
disputa e decorre da percepção, muitas vezes errônea, de que os interesses das partes não podem coexistir. Em
outras palavras, as partes quando em processos destrutivos de resolução de disputas concluem tal relação
processual com esmaecimento da relação social preexistente à disputa e acentuação da animosidade decorrente
da ineficiente forma de endereçar o conflito.
Por sua vez, processos construtivos, segundo Deutsch, seriam aqueles em razão dos quais as partes concluiriam
a relação processual com um fortalecimento da relação social preexistente à disputa. Para esse professor,
processos construtivos caracterizam-se:
i) pela capacidade de estimular as partes a desenvolverem soluções criativas que permitam a compatibilização
dos interesses aparentemente contrapostos;
ii) pela capacidade de as partes ou do condutor do processo (e.g. magistrado ou mediador) motivarem todos os
envolvidos para que prospectivamente resolvam as questões sem atribuição de culpa;
iii) pelo desenvolvimento de condições que permitam a reformulação das questões diante de eventuais impasses
e
iv) pela disposição de as partes ou do condutor do processo a abordar, além das questões
juridicamente tuteladas, todas e quaisquer questões que estejam influenciando a relação (social) das
partes. Em outros termos, partes quando em processos construtivos de resolução de disputas concluem
tal relação processual com fortalecimento da relação social preexistente à disputa e, em regra, robustecimento
do conhecimento mútuo e empatia.
Assim, retornando ao conceito de Zamora Y Castillo, processualista mexicano do início do século XX, o processo
[judicial], de fato, rende com frequência menos do que poderia. Em parte porque se direciona, sob seu escopo
social à pacificação, fazendo uso, na maioria as vezes, de mecanismos destrutivos de resolução de disputas a que
tal autor denominou “defeitos procedimentais”. Diante disso, pode-se afirmar que há patente necessidade de
novos modelos que permitam que as partes possam, por intermédio de um procedimento participativo, resolver
suas disputas construtivamente ao fortalecer relações sociais, identificar interesses subjacentes ao conflito,
promover relacionamentos cooperativos, explorar estratégias que venham a prevenir ou resolver futuras
controvérsias, e educar as partes para uma melhor compreensão recíproca.
A discussão acerca da introdução de mecanismos que permitam que os processos de resolução de disputas
tornem-se progressivamente construtivos necessariamente deve ultrapassar a simplificada e equivocada
conclusão de que, abstratamente, um processo de resolução de disputas é melhor do que outro. Devem ser
desconsideradas também soluções generalistas como se a mediação ou a conciliação fossem panaceias para um
sistema em crise. Dos resultados obtidos no Brasil, conclui-se que não há como impor um único procedimento
autocompositivo em todo território nacional ante relevantes diferenças nas realidades fáticas (fattispecie35) em
razão das quais foram elaboradas.
Diante da significativa contribuição de Morton Deutsch ao apresentar o conceito de processos construtivos de
resolução de disputas, pode-se afirmar que ocorreu alguma recontextualização acerca do conceito de conflito ao
se registrar que este é um elemento da vida que inevitavelmente permeia todas as relações humanas e contém
potencial de contribuir positivamente nessas relações. Nesse espírito, se conduzido construtivamente, o conflito
pode proporcionar crescimento pessoal, profissional e organizacional. A abordagem do conflito – no sentido de
que este pode, se conduzido com técnica adequada, ser um importante meio de conhecimento,
amadurecimento e aproximação de seres humanos – impulsiona também relevantes alterações quanto à
responsabilidade e à ética profissional.
Constata-se que, atualmente, em grande parte, o ordenamento jurídico processual, que se dirige
predominantemente à pacificação social, organiza-se, segundo a ótica de Morton Deutsch, em torno de
processos destrutivos lastreados, em regra, somente no direito positivo. As partes, quando buscam auxílio do
Estado para solução de seus conflitos, frequentemente têm o conflito acentuado ante procedimentos que
abstratamente se apresentam como brilhantes modelos de lógica jurídica-processual – contudo, no cotidiano,
acabam por muitas vezes se mostrar ineficientes na medida em que enfraquecem os relacionamentos sociais
preexistentes entre as partes em conflito. Exemplificativamente, quando um juiz de direito sentencia
determinando com quem ficará a guarda de um filho ou os valores a serem pagos a título de alimentos, põe fim,
para fins do direito positivado, a um determinado litígio; todavia, além de não resolver a relação conflituosa,
muitas vezes acirra o próprio conflito, criando novas dificuldades para os pais e para os filhos. Torna -se claro que
o conflito, em muitos casos, não pode ser resolvido por abstrata aplicação da técnica de subsunção. Ao examinar
quais fatos encontram-se presentes para em seguida indicar o direito aplicável à espécie (subsunção) o operador
do direito não pode mais deixar de fora o componente fundamental ao conflito e sua resolução: o ser humano.