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ENSINO DE GEOGRAFIA E CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO:


por uma geografia mundana.

Prof. Dr. Christian Dennys Monteiro de Oliveira


Centro de Estudo Latino-Americano de Comunicação e Cultura (CELACC-USP)
cd49@uol.com.br

RESUMO ABSTRACT

O artigo discute as possibilidades de relacionar o ensino The article argues the possibilities to relate geography
de geografia e aos desafios da cultura da mídia e suas education and to the challenges of the culture of the
práticas de formação externa ao ambiente escolar. Faz uma practical media and its of external formation to the
crítica aprofundada das restrições disciplinares do conhe- pertaining to school environment. It makes a critical one
cimento geográfico, propondo uma postura mais aberta ao gone deep of the restrictions to discipline of the geographic
intercâmbio com saberes do senso comum, jornalismo e knowledge, considering an opened position more to the
turismo. Apresenta também um conjunto de exemplos que interchange with knowing of the common sense, journalism
contribuem para reverter os discursos e comportamentos and tourism. It also presents an educational set of examples
educacionais que tendem a manter a barreira entre a escola that contribute to revert the speeches and behaviors that
e seu entorno; Convida o leitor ao reconhecimento de que tend to keep the barrier between the school and it’s the
as ciências da comunicação educam e formam cidadãos de outskirts; The reader to the recognition invites of that the
forma mais eficientes que os trabalhos pedagógicos muito communications sciences educate and form citizens of form
fechados. more efficient than very closed the pedagogical works.

Palavras chave: Ensino, geografia, disciplina, mídia, co- Key Words: Education, geography, discipline, media,
municação, diálogo, cultura. communication, dialogue, culture.

Introdução

A educação é assim interiormente dividida, dilacerada. De um lado, sempre significou que o homem não
se torna sozinho, que não existe homem fora da comunidade humana. E a educação permanente, à sua
maneira, inscreve-se nessa linha, retomando por sua conta o humanismo de ontem. A Educação
Permanente significa que não terminamos jamais de nos tornar homens e que não terminamos de ser, de
nos tornar juntos, a caminho, ao longo das relações com o outro. De outro lado, contudo, o outro do qual
tenho necessidade, para quem, face a face, em me torno, me aparece cada vez mais como a pior das
ameaças.
Eis porque num tempo em que tanto se fala em educação, onde se investe tanto nela, onde ela torna-se
permanente, a educação se esvazia, se esgota, e a questão a seu respeito cai no esquecimento.
(GADOTTI, 1985, p.168)

O presente ensaio retoma o curso da dissertação de mestrado do autor, pautando-se no embate


autocrítico dos sentidos externos do conhecimento geográficos.
Via de regra, é possível reconhecer o esforço retórico dos grandes mestre na justificação sobre a
importância do saber espacial. Pautados pela meta de formação da plena cidadania, diriam eles (e nós a
repeti-los): uma escola básica que não ensina a geografia da cidade, do poder, do ambiente natural, da
produção, distribuição e consumo, não educa, só aliena, só reproduz condições perversas de
subordinação social e ignorância.

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Não há como discordar desse princípio formal. Quem de sã consciência vai por em dúvida a
tendência de promoção do desenvolvimento social por intermédio de um ostensivo processo educacional
da sociedade (alvo desse desenvolvimento)? As divergências ficam concentradas no campo dos
procedimentos pedagógicos e políticos; jamais no plano ontológico. A premissa é toda Educação educa
para melhor. Logo... todo ensino de Geografia qualificado e efetivo é uma contribuição sócio-educativa.
Daí a necessidade de fazer uma “apelação acadêmica” ao convidar o pensamento de um educador
do porte de Moacir Gadotti (1985) para introduzir essa árida discussão. Como nos lembra o autor, o
enfrentamento da Educação de consenso – que há três décadas se estigmatiza como educação
permanente – tende a ser um profundo exercício de negação. Ou a educação contra a Educação,
conforme o título da obra citada. Exercício que não teme o reconhecimento epistemológico de que o
saber acumulado na estrutura educacional brasileira é substancialmente um lixo; carente de tecnologia e
política capaz de reciclá-lo em luxo, em algo especial, em efetivo valor. Não será a ação “profissional”
dos pedagogos e educadores, como afirma Gadotti, que garantirá esse valor. Mesmo porque a Educação
permanente é uma tendência histórica real a depender muito pouco desses profissionais. Eis o nó que
precisa ser reconhecido e desatado neste ensaio.
Para iniciá-lo, a primeira parte do texto cuidará da prática setorial do delimita, em um movimento
imediato, as relações entre a Ciência Geográfica e seu Ensino Escolar; e por extensão dificulta a mudança
dos estereótipos (prós e contras) a permanência desta disciplina no interior da Escola básica. Esse exer-
cício inicial visa atacar um dos ranços mais subordinadores da educação do ser pelo ter: a idéia da
correspondência do conhecimento científico a uma disciplina.
Por continuação a esse enfrentamento inicial, se pretende chamar o leitor aos exemplos dos
processos geográfico-educativos, de caráter não formal (extra-escolar), costumeiramente ignorado da
perspectiva de formação do cidadão contemporâneo. Com certeza não há nem haverá indicadores
aritméticos – a não ser nos delírios matemáticos dos que vêem os números como signos da Verdade –
capazes de mensurar a espacialidade do sujeito pelo grau de envolvimento com os conhecimentos
geográficos. Isso permite a discussão de uma instigante na formação dos “professores” de geografia. Em
que medida sua caracterização de educadores lhes permite uma atuação qualificada em espaços não
escolares? Tradicionalmente essa resposta sempre veio com a alternância da idéia de que se não for um
docente, o geógrafo formado atuaria como técnico empregado de uma empresa pública ou particular.
Portanto não haveria espaço para essa atuação externa. Será mesmo?
Já no encerramento desse breve exercício de provocação é apontado um direcionamento para a
recomposição do diálogo pertinente – ou significativo na perspectiva ausubeliana1 - entre o Ensino de
Geografia e o Mundo Cotidiano. Tal recomposição dependeria, acima de tudo, da crescente interlocução
entre a Ciência Geográfica e as Ciências e Tecnologia da Comunicação. Trabalha-se aqui, neste tão
pouco amadurecido, dois grandes eixos de modificação da postura interdisciplinar da Geografia. Um no
interior da relação entre os conhecimentos geofísicos e o noticiário sobre o tempo climático. A intenção é
verificar os limites de uma comunicação midiática devastando os conhecimentos científicos.
O outro eixo escolhido transparece na demarcação específica de paisagens geográficas como
paisagens turísticas. Ao contrário do primeiro eixo que visa esclarecer e termina por tumultuar, a
perspectiva turística é geralmente reconhecida como mania de maquiar (negativamente falando)
localidades, suplantando seus contextos regionais. Mas podem promover (no sentido de sensibilizar
para) esses mesmos ambientes geográficos aos seus citadinos.
Independentemente do caminho que essas interfaces externas da Geografia para-escolar opere no
Mundo Cotidiano, é preciso propor um fórum discussões mais diretas com as Ciências Aplicadas da
Comunicação. Algo que durante mais de um século praticamente se estagnou nos limites da compreensão
das técnicas da linguagem cartográfica. Agora já poderia ousar as seguintes construções: um filme, uma
canção, uma escultura podem não sr mais geográficos do que um mapa; mas podem comunicar muito
mais espacialidade aos sujeitos sociais. De que maneira?
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A Geografia e as Amarras de Uma Mera Disciplina

A perspectiva de interpretação das mudanças contemporâneas no Ensino da Geografia passa pela


discussão – muitas vezes ingenuamente evitada de suas permanências. E há duas maneiras comuns de
evitar tais permanências, dentro de uma postura de “dispensa de questões menores”. A primeira toma
como óbvio a idéia de que um bom ensino de geografia trata sempre da identificação de lugares (em
diversas escalas) e fatores ambientais referendados em nível cartográfico. Já a segunda maneira, ao
contrário, aponta como problemático (portanto, um mau ensino) aquele discurso geográfico que fala do
mundo, mas não cria autonomia diante dos demais discursos das ciências humanas ou naturais.
Essas duas maneiras podem ser tomadas como um tributo do Senso Comum ao Conhecimento
Científico. Sua representatividade é tanta e tão arraigada que a permanente adaptação do professor de
geografia à Escola básica – em constante distanciamento acadêmico – proporciona-lhe um porto mais
seguro para a sobrevivência profissional. A idéia da existência de uma disciplina, um conjunto de saberes
articulados em uma ordem subordinada, garante a estabilidade de sua atuação. Assim como enquanto
houver sapato haverá lugar para o sapateiro, a permanência da Geografia como disciplina perpetua a
necessidade de alguém a responder por ela. Responda bem, a medida que sua resposta seja inconfundível
diante das demais disciplinas e atenda, de forma consensual, as diferentes demandas que justificam sua
execução.
Entretanto, raramente se considera que a dita contribuição senso comum => conhecimento
científico mantém-se como um processo linear ou natural. Fosse mais e melhor percebida, poderia causar
o incômodo manifesto nesse texto. Entendendo que a Geografia Brasileira vem, há mais de duas décadas,
imprimindo reflexões críticas sobre diversas áreas e posturas do conhecimento territorial, era de se
esperar que o tributo tivesse uma direção predominantemente invertida. E coerentemente à
predominância das metodologias advindas da Geografia Crítica, a maioria dos professores de Geografia
estaria pautando seu trabalho pelo vínculo aos projetos temáticos, com abertura para os estudos
espaciais. A quantidade de aulas, específicas de Geografia, deveria ser uma parte bem menor de seu
cotidiano profissional.
Mas a realidade que organiza o cotidiano escolar dos conhecimentos geográficos permanece
pautada pela lógica disciplinar de controle do tempo, dos conteúdos e suas técnicas padronizadas. Segue,
portanto, a caracterização feita por Michel Foucalt em Vigiar e Punir: história da violência nas prisões
para a idéia de disciplina: aquele elemento instrumental cuja primeira função é responder pela
distribuição dos indivíduos no espaço de forma dócil, controlada e eficiente. Diz o pensador francês, na
terceira parte de seu estudo

As disciplinas, organizando as “celas”, os “lugares”, e as “fileiras” criam espaços complexos: ao mesmo


tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos. São espaços que realizam a fixação e permitem a
circulação; recortam segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e indicam
valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos
gestos...A primeira das grandes operações da disciplina é então a constituição de “quadros vivos” que
transformam as multidões, confusas inúteis ou perigosas em multiplicidades organizadas. A constituição
de “quadros” foi um dos grandes problemas de da tecnologia científica, política e econômica do século
XVIII. (FOUCAULT, 1987, p. 137)

Não se trata de condenar como ultrapassada a operacionalização do conhecimento geográfico na


forma de “saber disciplinar”. Essa construção industrial do controle dos corpos e das condutas está, na
visão foucaultiana, instalada na raiz da modernidade. O século XIX, seguinte ao período analisado por
Foucault, recebeu a sistematização de várias ciências como a própria Geografia, em uma lógica disciplinar
hegemonicamente insubstituível. Mas os anos seguintes – e a complexidade da relação escola-mundo –
criaram um latente desafio a esse empobrecimento funcional dos saberes como disciplinar. A geografia é
(e continuará sendo) muito interessante, mas enquanto “matéria”, “unidade curricular”, “disciplina

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escolar”, Deus me livre! Diria uma maioria em coro.


Teria esse sentimento de repulsa algo a ver com a expectativa de que os saberes de localização
espacial, por tão óbvios e naturais, não deveriam fazer parte de um ordenamento disciplinar fixo? Seriam
as informações veiculadas e cobradas pelas aulas de Geografia um conjunto de dados amarrado demais
ao mundo acadêmico e desconectado das realidades externas?
O fato é que não se alterou substancialmente o estado da Arte: a geografia ensinada continua sendo,
no final das contas, um discurso “estranho” às geografias vivenciadas. Como fazer para desamarrar esse
estranhamento?
Estudos, que se multiplicaram nos anos noventa do século XX e possibilitaram o desdobramento de
mestrados e doutorados em significativa quantidade2 , aparecem como uma forte referência das
possibilidades de diálogo entre a geografia escolar e o espaço cotidiano dos educandos. Contudo, a
operacionalidade efetiva desse diálogo, com muita freqüência, demanda fatores extracurriculares da ação
docente, além de um salto qualitativo na quebra de protocolo sobre a representatividade política da
escola no espaço social e comunitário.
Qualquer trabalho docente de visitação às áreas e equipamentos públicos (ou particulares), no
entorno escolar, desdobra um esforço de mobilização todo especial. As saídas programadas pelo
professor de geografia, mesmo com ampla anuência das coordenações pedagógicas e administrativas,
vão requerer uma gestão de projetos, cuja elaboração, realização e avaliação, não serão remunerados
profissionalmente na absoluta maioria das vezes.
Da mesma forma que as lutas, reivindicações, protestos, mutirões e trabalhos voluntários (de cunho
assistencialista ou transformador) não acrescentam uma gota de renda no patrimônio pessoal do cidadão
que deles participam. Entretanto, ambas as iniciativas (mesmo reconhecidas como “trabalho extra”), advindas
do professor e/ou do cidadão que vivenciam a geografia além das amarras disciplinares, podem constituir
único movimento efetivo de diálogo-ação pela qualificação social do espaço geográfico.
Entende-se aqui que somente em um diálogo-ação, pautado telas teorias críticas dos estudos
culturais – na linha político-metodológica que Douglas Kellner chama de multiperspectívica3 -
conduziria a uma libertação do conhecimento geográfico daqueles vícios disciplinares construídos há
duzentos anos atrás: ordenamento rigoroso das informações, temas encaixados no espaço-tempo da
hora-aula, conhecimento veiculado em séries padronizadas. Em fim, tudo que molecagem de quaisquer
idades reconhecerá sabidamente como chato e ultrapassado.
O processo disciplinar dos conhecimentos deveria sim freqüentar a escolarização; porém nos níveis
posteriores de ensino (final do médio e cursos de nível superior). Mas a massificação das forças de
“modernidade”, de uma revolução industrial quase eterna anuncia em auto e bom som: lugar de criança
é na escola (da pré-escola à pós-graduação), isto é, a escola das disciplinas, da reprodução social, da
construção de consumidores desempregados.
Neste sentido, um conhecimento geográfico passando a ver sua roupagem disciplinar como um
momento apenas do processo ensino-aprendizagem, ajuda a por em evidência (dentro e fora da escola)
que o lugar da escola é no mundo. A Escola não é e nem pode ser o centro do sistema social de
Educação. Seu papel é fundamental enquanto espaço de mediação cultural. E sua crise, na escala global,
dá-se justamente pela ampliação das falhas dessa mediação. Seja pela manutenção de um formato con-
servador (leia-se, disciplinador) e demonstração de provas imediatas da eficiência nos resultados; seja
pela opção discursiva por processos liberais (tidos como inter-multi-trans disciplinares). Em qualquer
um desses extremos o diálogo-ação no mundo não se sustenta. Pela simples razão de se inferiorizar o
papel midiático da escola frente a sua função pedagógica.
Uma geografia que opere às margens desse moto contínuo de técnicas em prol da eficiência e não
se restrinja ao cumprir deveres, poderá constituir-se em uma Geografia Mundana: profana, rebelde,
inovadora, dialógica. Uma geografia quase indisciplinada. Capaz de manter-se na Escola, freqüentar o
Mundo e abrir-se para sistematização de seus conhecimentos científicos com a agilidade similar aos
grandes veículos de comunicação. Até mesmo para a geografia estritamente disciplinada (e superior na
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hierarquia escolar) continuar tendo voz e vez entre na constelação das Ciências.

Exemplos da Geografia Mundana ou Quase Indisciplinada

Enquanto ensaio, o presente texto pode ser incluído dentro de uma zona de risco. Risco da ousadia
de construção de um novo espírito científico; risco também de fornecer argumentos preciosos aos que
se opõe ao trabalho crítico e construtivo da Geografia em sala de aula. O que representaria
posteriormente a fala de um educador de plantão dizendo: li um artigo de geógrafo que defendeu por A
mais B o desaparecimento da disciplina Geografia propondo sua substituição por um projeto de estudos
mundanos. Não entendi mais gostei!
Esse exercício de brincar de advogado do diabo, para demonstrar que a construção pode ser aos
olhos dos outros vista como ruínas, é essencial. Ainda mais quando a pretensão é justamente jogar lenha
na fogueira das ideologias que se fantasiam de conhecimento científico acumulado.
Saber que a geografia ensinada na escola e fundamental para o desenvolvimento da plena cidadania
é tão fundamental quanto saber que muitos cidadãos plenos atuam com desenvoltura política e social sem
qualquer contribuição pedagógica da geografia ensinada. Isso não tem de ser absorvido como frase de
efeito; mas como uma contradição latente da relação escola-mundo que justifica a observação atenta do
que aqui é chamado de Geografia Mundana. Essa quase indisciplinada atividade de construção e difu-
são dos conhecimentos espaciais, que não entende o plano de ensino, a hora-aula e a repartição estrutural
das responsabilidades disciplinares como os elementos mais definidores do ensino de qualidade.
A geografia mundana é uma postura política (contra-hegemônica, em termos de Antonio Gramsci)
tanto do professor de Geografia que ensina além da disciplina quanto do cidadão que ensina além da
prática cotidiana. Tais ensinos de geografia, dentro e fora da escola, são forjados de maneira quase
indisciplinar porque tendem a explicitar seus fins e não se limitar às suas condicionantes técnicas.
Começa-se aqui a trabalhar com as ações que serviriam de exemplificação dessa geografia mundana.
Os condicionantes são fatores de limitação e empobrecimento da ação política, pedagógica e
comunicacional. Reparem os exemplos:
· Discurso após o sinal de uma troca de aula: “eu não tenho nada a ver com o que se passa, com os
alunos, fora da minha aula”.
· Fala do líder comunitário em reunião fora do horário letivo: “ninguém precisa sentar em fileiras para
os trabalhos; a sala agora já não é de professor e alunos, gente!”
·Resposta da Coordenação a um pedido de visita: “estamos em período de avaliação , professo-
res; não dá para ficar perdendo tempo com palestras, exposições e blablablá com a turma do bairro,
nessa altura do semestre.”
· Uma mãe de aluno, na mercearia, comentando com o balconista: “toda vez que a escola quer
prendas para festa junina, nos chamam de Comunidade; mas quando precisamos da direção para
encaminhar os abaixo-assinados por luz, asfalto e segurança, sempre tem uma fulana para esclarecer
que ali não é a prefeitura para atender reclamações.”
· Um senhor aposentado atendendo um grupo de estudantes: “já não basta a algazarra de vocês, a
semana inteira, na saída do colégio e agora ainda querem fazer pesquisa com meus livros. Ora, ora,
tenho mais o que fazer!”
A multiplicação de situações, que mantém a barreira entre a Escola e o Mundo ao redor, não inviabilizam
exercícios experimentais de inversão dessa dicotomia. Para tanto, exemplos de dialogicidade costumam
superar essas “conversas parciais” desqualificadoras de ambos os ambiente (a Escola e o Mundo). Que
exercícios são estes?
Em primeiro lugar uma prática constante de externalização da aula de geografia. Assim como as

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disciplinas de Educação Física e Educação Artística acabam condenadas por ocuparam o limbo entre um
maior envolvimento discente e um menor reconhecimento acadêmico, a Geografia Escolar, para se tornar
mundana, precisa importar esses mecanismos de contágio público fora dos limites escolares. Um
expediente de ampliação radical das saídas, visitas e atividades externa é cada vez mais fundamental.E
vários são os motivos para essa urgência premente. O mito da segurança em lugares fechados e monitorados;
a ostensiva presença da informação global “dispensando” os fatos locais; a mudança acelerada dos luga-
res tornando as referências urbanas (principalmente) algo muito transitório; entre outros. Além disso, por
que um professor de geografia ainda acha que vai contar uma novidade sobre o Brasil e o Planeta, de
forma mais cativante do que os meios eletrônicos e digitais de comunicação. Cativante seria sua postura,
quando levasse o aluno, direta ou indiretamente, a ver no cotidiano espacial, elementos que confrontam ou
enriquece tais saberes.
Por outro lado, há um mundo de demandas sócio-ambientais e políticas, também externas a escola
– nas ruas, nos bares, no comércio local, nas moradias populares, nas práticas de lazer – que reivindicam
justamente a escola como espaço de sistematização e encaminhamento de tais demandas. Como e onde
se denuncia que o poder público está sendo omisso na conservação de uma área verde ou no atendimento
à saúde e seguridade? A visão de democracia passiva responderia: na escola pública (ou mesmo
privada) pode-se ter um espaço concedido de discussão das reivindicações. Mas o problema não é
o onde-palco; mas o onde-teatro. Ou seja, que agente escolar tem condições reais de canalizar as
questões espaciais dos agentes comunitários, de maneira estratégica? O professor de geografia, afinado
com esta postura quase indisciplinada. E por que indisciplinada? Porque não há plano de ensino que
possa cercar o movimento dessa interação geográfica dentro e fora da sala de aula.
Os elementos exemplares, portanto, pautam-se pelo envolvimento interior no compromisso exterior.
É por isso, acima de tudo que as condições de formação e remuneração do profissional de ensino devem
melhorar sempre. Mas nunca a altura, nem de forma suficiente a importância de seu trabalho. Pois o
trabalho político de diálogo-ação ultrapassa toda teoria econômica do valor. Não haverá quem pague.

O Geográfico no Ensino Jornalístico e Turístico.

A perspectiva de enquadramento do ensino como processo comunicacional renova os horizontes


de análise da própria Geografia. Permite também uma aceleração do intercâmbio entre os centro de
pesquisa universitários e a imensa rede de ensino básico constantemente distanciada dos espaços de
produção científica. Ensinar e aprender são, portanto, dois fluxos interdependentes de uma mesma dinâ-
mica comunicativa. Tal reconhecimento aponta para a capacidade de aprendizagem interativa como o
principal indicador de qualificação do trabalho docente. Quanto mais o professor de Geografia opera a
relação dos conhecimentos locais com o conteúdo disciplinar, melhor seria sua desenvoltura profissional,
no parâmetro do diálogo-ação.
Acontece que esse movimento interativo não é originário da sala de aula. Muito menos dos
procedimentos acadêmicos de difusão do conhecimento acumulado. Sua raiz deve ser investigada na
complexidade de transformações culturais do pós-guerra que dinamizaram a cultura de massa e preparou
terreno para as fases mais avançadas da comunicação virtual e digital. Alguns estudiosos da interação
cultura e comunicação vão denominar como ciberespaço e/ ou cibercultura.

Hoje, “ciberespaço” sedimentou-se como um nome genérico para se referir a um conjunto de tecnologias,
algumas familiares, outras só recentemente disponíveis, algumas sendo desenvolvidas e outras ainda
ficcionais. Todas têm em comum a habilidade para simular ambientes, dentro dos quais os humanos
podem interagir. Alguns usam ‘comunicação mediada por computador’ para designar o mesmo conjunto
de fenômenos[...] O telefone celular , o fax portátil, o computador notepad e várias outras formas
eletrônicas de extensão humanas se tornam essenciais às vida social e se constituem nas condições
para a criação da cibercultura. Esta vai se estabelecendo firmemente na medida em que usamos formas
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mediadas de comunicação digital (SANTAELA, 2004, p.99 e 105)

Esse processo de expansão da cultura virtual se faz com inovações das estruturas midiáticas, que
não dispensa, segundo a própria Lucia Santaella, as inserções na lógica de desenvolvimento do
capitalismo contemporâneo. O que descarta, por princípio, uma leitura extremista das possíveis direções
dessa aceleração da cultura tecnológica. Tanto a visão otimista de um novo mundo democratizado pela
informação total quanto o pessimismo da desvalorização absoluta do homem frente à máquina devem
ser descartadas.
Santaella trabalha o aperfeiçoamento de uma cultura da mídia como a era de transição entre a
cultura de massa e a cibercultura. Enquanto a cultura de massa e essencialmente produzida por poucos
e consumida por um amplo universo de espectadores sem poder de interferência nos produtos
simbólicos, “a cultura das mídias inaugura uma dinâmica que, tecendo-se e se alastrando nas relações das
mídias entre si, começava a possibilitar aos seus consumidores a escolha entre produtos simbólicos
alternativos” (SANTAELLA, 2004, p.53)4 .
Fez-se essa incursão às distinções na dinâmica das mídias para introduzir a idéia de que o discurso/
conteúdo geográfico encontra-se latente em duas áreas mundanas (não escolares). Existe uma geografia
popularizada pelo jornalismo (impresso e televisivo), desenvolvida como ambientação cotidiana de mais
variados lugares do espaço mundial, dentro de uma hierarquia de fatores, reconhecidos como atualidades.
Dos nomes de grandes veículos e programas de imprensa – Le Monde, O Globo, O Estado de São
Paulo, Jornal Nacional, etc. – até as editorias (política, economia, cidades) tem-se um apelo constante a
noção de lugar. O “onde” acontece o fato noticiado ou o contexto regional de uma ampla cobertura
jornalística, formam uma idéia geográfica de mundo, mais permanente do que a geografia escolar.
Mais recentemente uma geografia proporcionada pelas paisagens (e estereótipos) turísticas vem
gerenciando a construção de uma imagem mais “positiva” (no sentido de atraente) desse de lugares
jornalisticamente “ensinados”
Jornalismo e Turismo, portanto, são práticas comunicativas na cultura das mídias. Ambas vêm
forjando um universo de reconhecimento e valores espaciais que, na sala de aula têm sido considerados
apenas como um ponto de partida para o recolhimento de impressões, no plano informativo. Parte
significativa do trabalho docente é encaminhada a partir do recolhimento do que os alunos sabem sobre tal
coisa ou lugar; sobre a imagem que fazem de seus contextos. Contudo, atingido o propósito da sensibilização
pelo conhecimento prévio, perpetua-se numa programação curricular (disciplinar) de vôo autônomo.
Termina assim a interação.
Em programas mais completos, é feita uma retomada dessas práticas a partir de estratégias de
modelação dos instrumentos de avaliação. A elaboração de trabalhos finais para verificação dos
conteúdos (cognitivos, procedimentais e atitudinais) podem ser feitos com a criação de jornais, revistas,
folhetos e roteiros de visita. Nessa perspectiva que a pesquisa de mestrado (OLIVEIRA, 1993) realizada
no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (em 1993), sob orientação do Professor
Dr José Willian Vesentini, sistematizou o projeto REDAÇÃO DO CONTEXTO. Travava-se de uma es-
tratégia de objetivação da convergência ensino/meios de comunicação, no momento em que o processo
de aprendizagem se torna um produto didático concretamente acessível.
O que se percebe, uma década depois dessa pesquisa, é que o envolvimento da Geografia escolar
com o geográfico das mídias, apenas nas extremidades do processo educativo, banaliza a potencialidade
as interações e não efetiva o pretendido diálogo-ação. Mas por que razão? Fundamentalmente por que se
ignora o peso formativo (verdadeiramente permanente, conforme Gadotti) proporcionado ao cidadão
pela cultura midiática. Ainda se acredita que os agentes de mídia (e seus veículos massivos) informam e
deformam os consumidores. Para essa vertente majoritária de intelectuais e educadores: a mídia vive de
mito e preconceitos. Só a educação intra-escolar tem legitimidade para romper com esse ciclo de defor-
mação! Na geografia, esse e o caminho para efetivar uma política educacional insana; bem distante da
proposta mundana feita acima. Considerando que no início do século XIX, um jovem dedica muito mais

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tempo, em média, à televisão, ao rádio e aos jogos eletrônicos do que a escola (e leitura de impressos),
parece que essa ruptura não passa de uma utopia de tempos de outrora.
Propõem-se aqui, duas maneiras de se observar o peso dessa formação midiática extra-escolar.
Caminhos opostos para tornar evidente a fragilidade de muitos dos esforços de nossos educadores
geógrafos.
De um lado o geográfico jornalístico dos mapas climáticos veiculados pelos telejornais, em rede
nacional. Reparem aquela estratégia permanente de apresenta o mapa do território brasileiro, geralmente
agrupado pelas cinco macro-regiões e representado em três temáticas principais: dinâmica das massas de
ar, tempo climático predominante para o restante das 24 horas e médias termais (de mínimas e máximas)
válidas para a capital dos estados.
Embora toda essa dinâmica climática esteja associada a escala continental (Antártida, América do
Sul e Costa Atlântica), raramente é veiculada qualquer informação sobre a previsão do tempo nos países
vizinhos. Se não houvesse qualquer capacidade de crítica ã visibilidade do noticiário meteorológico,
ter-se-ia certeza de que: a) as massas de ar seguem as fronteiras interestaduais; b) os climas podem ser
generalizados na escala oficial das regiões do IBGE, c) Toda Amazônia é igual, o ano inteiro e só tem uma
repetitiva lógica de calor e chuvas torrenciais ao fim da tarde; d) As temperaturas de um estado
federativo podem seguir, hierarquicamente, as mínimas e máximas da capital!
Sendo assim o geográfico (climático) no jornalismo acaba formando a hilariante certeza de que há
um clima para cada lugar e duas possibilidades: confirmar esse vínculo, certificando-se que as coisas
estão normais ou perceber que a previsão (tão generalizada quanto mística) se transformou num jogo de
azar. Para grande maioria das pessoas, não há qualquer distinção científica entre o serviço meteorológico
e o horóscopo de seu dia a dia.
Um trabalho sistemático de programação da geografia escolar dialogando, confrontando,
reproduzindo e re-trabalhando formas de apresentação de serviços meteorológicos modificaria o
conjunto de preconceitos que o ensino convencional (e as técnicas não midiáticas) simplesmente não
subvertem.
No lado oposto tem-se o exercício midiático do turismo. Que também pode ser feito em cima de
uma série de preconceitos desabonadores dos ambientes naturais e culturais.
Contudo, na escala local, o turismo se torna um processo sistemático de visitação. E essa
capacidade de observar detalhes da vizinhança, aspectos desapercebidos ou repulsivos inclusos como
atrativos e uma predominante valorização da diversidade como fator que submete a identidade,
alimenta a dimensão positiva do turismo como mídia do lugar.
Um exemplo bastante significativo dessa promoção do turismo local, no enriquecimento da
visibilidade geográfica, dá-se nos programas de visitas de entrecruzadas: No estado de São Paulo,
colégios do interior visitam as praias de municípios litorâneos enquanto estudantes do litoral visitam
cidades e fazendas interioranas. A perspectiva de troca – em fluxo de ida e volta – corrobora com a
ruptura da visão limitada de que um atrativo turístico é atrativo para todos! Os atrativos são variáveis
geográficas submetidas a condições históricas; podem se reduzir ou multiplicar conforme os interesses
que se reinventam. O olhar mais detalhado de quem faz turismo em estratégias não convencionais (não
economicistas) auxilia a viabilidade da geografia mundana; principalmente nas parcerias com outros
agentes educacionais não escolares.

Riscos Pela Ousadia.

Para não prolongar mais esse movimento inicial de diálogo-ação – correndo riscos desnecessários
de re-disciplinar o que precisa se manter mundano – o encerramento do texto deve apenas fornecer
lembranças...
A educação permanente, com a maior competência, já é feita pelos processos comunicacionais
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massivos ou interacionistas.
Enquanto o modelo disciplinar der as cartas na condução do “mínimo múltiplo comum” da escolarização
geográfica, ter-se-á a reprodução do “máximo divisor comum”: a matéria continuará tendo muito pouco a
ver com materialidade do mundo.
As maneiras sistemáticas e não-sistemáticas de formação do geográfico pela cultura da mídia preci-
sa tornar-se pauta central de investigações escolares e acadêmicas. A construção de estratégias dialógicas
na escola e de metodológicas nos centro de pesquisa (sobre as práticas e teorias do ensino da Geografia)
corresponde, está sim, a uma reeducação permanente das posturas docentes.
Para terminar outra lembrança. Dessa vez de uma geógrafa – Maria Lúcia de Amorim Soares (201)
- que ousou registrar, em sua tese de doutoramento, o trinta anos de tentativas de renovação da geografia
por dentro da escola. Aberta para a interação constante com a arte e a filosofia, outra postura mundana,
a pesquisadora diz:

O essencial é que a escola/aula/professor/aluno permaneça sempre em estado de apetite. A atitude


científica resulta de uma conquista ao longo de experiências e para tanto faz-se necessária uma
metodologia de ensino que propicie oportunidades para serem desenvolvidas as qualidades de curiosidade,
objetividade, dúvida metódica e análise crítica. Fazer da oração do filósofo/educador Gaston Bachelard
uma proposta diária: Fome nossa de cada dia nos daí hoje e transformar carteira mesa, cadeira, lousa,
apagador, caneta, caderno, lápis, borracha em transatlântico... (SOARES, 2001, p.147/48)

As ciências da Comunicação podem e deve servir como as principais interlocutoras para a transfor-
mação inversa. Afinal, os transatlânticos de nossas geografias mundanas também contem semelhante ape-
tite por sistematização.

Notas

(1) Para uma compreensão introdutória da teoria da Aprendizagem (4) SANTAELA, Lucia – Cultura e Artes do Pós-humano: da
significativa do psicólogo David Ausubel, ver trabalho de Wilson cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus, 2004 (2ª
Faria Aprendizagem e Planejamento de Ensino, publicado pela edição). Diferentemente da interpretação de Douglas Kellner
Editora Ática (1989). que dá uma abrangência mais ampla ao campo cultural
(2) O trabalho do Professor Antonio Carlos Pinheiro da concernente à mídia, Santaella demarca uma faz, precisamente
Universidade Federal de Goiás – Antônio Carlos Pinheiro. dinamizada, nos anos 80 e 90 do século XX quando um produto
Trajetória da pesquisa acadêmica sobre o Ensino de Geografia cultural determinado (livro, vídeo, música, conto), passou a
no Brasil - 1972 – 2000 (Unicamp-2003). – registra o mais transitar em outras mídias com maior agilidade e capacidade de
completo levantamento das tendências de pesquisa sobre intercâmbios interativos. Um filme gerava marcas, romances,
Ensino de Geografia e suas áreas de interface. lugares, promovia livros e musicais e retroalimentava novas
versões a partir de então.
(3) KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Bauru(SP): Edusc,
2005. Obra em que o autor norte-americano sistematiza uma
série de estratégia para a análise dos contextos político e cultural
que faz interagir as grandes produções artísticas
contemporâneas e os movimentos sociais locais e internacionais.

Bibliografia

GADOTTI, Moacir. A Educação contra a Educação. São Paulo: Paz e Terra, 1985
FARIA, Wilson. Aprendizagem e Planejamento de Ensino. São Paulo: Editora Ática, 1989.
PINHEIRO, Antônio Carlos. Trajetória da pesquisa acadêmica sobre o Ensino de Geografia no Bra-
sil - 1972 – 2000. Unicamp: 2003.
KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Bauru(SP): Edusc, 2005.

Mercator - Revista de Geografia da UFC, ano 03, número 06, 2004


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SANTAELA, Lucia. Cultura e Artes do Pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura. São
Paulo: Paulus, 2004 (2ª edição).
OLIVEIRA, Christian D. M. de. Qual o sentido de Ensinar Geografia: um estudo do fenômeno gráfico
na formação da espacialidade. Dissertação de Mestradro em Ciências – Geografia Humana. São Paulo:
DG-FFLCH/USP, 1993.
SOARES, Maria Lúcia de A. Girassóis e Heliantos, maneiras criadoras para conhecer o geográfico.
Sorocaba (SP): PM-Linc, 2001.

Trabalho enviado em agosto de 2004

Trabalho aceito em dezembro de 2004

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