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Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier
Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier
Parnaso de Além-Túmulo - Francisco Cândido Xavier
A.G.
Morte
Albérico Lobo
Do meu porto
Alberto de Oliveira
Jesus
Ajuda e passa
Do último dia
Alfredo Nora
Carta ligeira
Alphonsus de Guimaraens
Aos crentes
Redivivo
Sinos
Santa Virgo Virginum
Alma Eros
O cálice
O irmão
Álvaro Teixeira De Macedo
Depois da festa
Amadeu (?)
O mistério da morte
Amaral Ornellas
Ave Maria
O tempo
Antero de Quental
Ciência ínfima
Rainha do Céu
À morte
Depois da morte
Soneto
O remorso
Soneto
Deus
Consolai
Crença
Não choreis
Mão divina
Almas sofredoras
Supremo engano
Incognoscível
Fatalidade
Estranho concerto
Antônio Nobre
Quadras de um poeta morto
Do Além
Soneto
Ao mundo
À mocidade
Antônio Torres
Esquife do sonho
Nada...
Artur Azevedo
Miniaturas da sociedade elegante
Augusto de Lima
O doce missionário
O santo de Assis
Auta de Souza
Almas dilaceradas
Contrastes
Mágoa
Hora extrema
Em paz
Em êxtase
Mãe
Prece
Adeus
Almas
Almas de virgens
Carta íntima
Maria
Mensagem fraterna
Vinde!
O Senhor vem...
B. Lopes
Miragens celestes
Cromos
Batista Cepelos
Sonetos
Belmiro Braga
Rimas de outro mundo
Bilhetes
Quadras
Bittencourt Sampaio
À Virgem
À Maria
Às filhas da Terra
À Virgem
Cármen Cinira
Minha luz
Aos Espíritos consoladores
Cigarra morta
Era uma vez...
À Juventude
O viajor e a Fé
O sinal
Na noite de Natal
Casimiro Cunha
Na eterna luz
Anjinhos
Ascensão
Quadras
Supremacia da caridade
Versos
Símbolo
Pensamentos espíritas
Sombra e luz
O beijo da morte
O engano
Flores silvestres
Ao meu caro Quintão
Espiritismo
Aos companheiros da Doutrina
Casimiro de Abreu
À minha terra
A Terra
Lembranças
Recordando
Castro Alves
Marchemos!
A morte
6
Cornélio Bastos
Não temas
Cruz e Souza
Ansiedade
Heróis
Aos torturados
A sepultura
Anjos da Paz
Alma livre
Gloria victis
Nossa mensagem
Oração aos libertos
Céu
Aos tristes
Beleza da morte
Mensageiro
Se queres
À dor
Noutras eras
Sofre
Exaltação
Vozes
Soneto
Glória da Dor
Quanta vez
Ide e pregai
Caridade
Renúncia
Tudo vaidade
Ouvi-me
Felizes os que têm Deus
Glória aos humildes
Aos trabalhadores do Evangelho
Emílio de Menezes
Eu mesmo
Aos meus amigos da Terra
Fagundes Varela
Imortalidade
Guerra Junqueiro
O padre João
Caridade
Romaria
Eterna vítima
A um padre
Um quadro da Quaresma
Gustavo Teixeira
A São Pedro de Piracicaba
Hermes Fontes
Soneto
Minha vida
Poema da amargura e da esperança
Jésus Gonçalves
Anjo de redenção
João de Deus
As lágrimas
O Céu
Morrer
O mau discípulo
Na estrada de Damasco
Parnaso de Além-túmulo
Angústia materna
Lamentos do órfão
O leproso
Bondade
Oração
A Fortuna
Oração
Além
Soneto
A prece
Fraternidade
Lembrai a chama
Eterna mensagem
No templo da Educação
Na noite de Natal
José do Patrocínio
Nova Abolição
José Duro
Aos homens
Soneto
Júlio Diniz
O esposo da pobreza
Poesia
Aves e anjos
Juvenal Galeno
Pobres
Sextilhas
De cá
Leôncio Correia
Saudade
Lucindo Filho
Sem sombras
Luís Murat
Além ainda...
Luiz Pistarini
No estranho portal
Marta
Nunca te isoles
Unidade
No templo da morte
Jesus
Lembra-te do Céu
Ao pé do altar
Mãe das mães
Múcio Teixeira
Honra ao trabalho
Olavo Bilac
Jesus ou Barrabás?
Soneto
No Horto
O beijo de Judas
A crucificação
Aos descrentes
Ideal
Ressurreição
O Livro
Brasil
Pedro de Alcântara
Meu Brasil
No exílio
Rogativa
Soneto
Página de gratidão
Oração ao Cruzeiro
Bandeira do Brasil
Brasil do Bem
Brasil
Raimundo Correia
Sonetos
Raul de Leoni
Luta
Na Terra
Soneto
Nós...
Post mortem
Soneto
Rodrigues de Abreu
Vi-te, Senhor!
No castelo encantado
Souza Caldas
Ato de contrição
Versão do Salmo 12
Versão do Salmo 18
Um Desconhecido
Meditando
O nobre castelão
Nesga de Céu
Valado Rosas
Aos meus irmãos
Na paz do Além
Edição comemorativa do
centenário de nascimento de
Francisco Cândido Xavier
Parnaso de além-túmulo, primeiro livro psicografado por
Francisco Cândido Xavier, editado pela Federação Espírita
Brasileira, teve a sua primeira edição publicada em 1932. Nas
edições seguintes houve o acréscimo de novos textos e novos
poetas, até a sua oitava edição — que passou a ser a edição
definitiva —, não ocorrendo, posteriormente, qualquer inclusão de
textos psicografados.
A nona edição, ocorrida em 1972, contou com a colaboração do
culto e estimado companheiro de ideal Dr. Elias Barbosa, cujos
dados pessoais estão em Nota (6), ao final do texto de sua autoria,
“Perenidade do Parnaso de além-túmulo”, neste livro. O estudo
realizado pelo Dr. Elias Barbosa, como o leitor poderá constatar,
representa uma enorme contribuição no sentido de demonstrar a
profunda harmonia de estilo existente entre a obra do autor
espiritual e a obra do mesmo autor quando encarnado. Este fato,
por si só, prova, para muitas pessoas, e para outras oferece sólidos
indícios de que somos, realmente, espíritos imortais e que
carregamos para o mundo espiritual — para onde seguimos depois
da morte do corpo físico —, os valores intrínsecos do conhecimento
e da moral que acumulamos através de múltiplas encarnações e
que constituem a nossa personalidade.
Destaque-se, inclusive, que, na época, o médium Francisco
Cândido Xavier era um jovem de 22 anos, tendo completado apenas
o curso primário, e que, desde criança, trabalhava arduamente para
ajudar no sustento da sua família, sem tempo e sem condições,
portanto, para pesquisas culturais.
Ao publicar esta edição do Parnaso de além-túmulo,
comemorativa do Centenário de Nascimento de Chico Xavier,
enriquecida com os valiosos comentários do Dr. Elias Barbosa, a
Federação Espírita Brasileira não apenas manifesta o seu
reconhecimento pelo extraordinário trabalho e mediunidade de
Francisco Cândido Xavier, mas também coloca à disposição de
todos uma robusta contribuição aos interessados em estudar, com
seriedade, o assunto de magna importância para todos,
indistintamente, que diz respeito à nossa própria imortalidade.
AE
Brasília (DF), abril de 2010.
Perenidade do Parnaso de além-
túmulo
No Ano Internacional do Livro,1 em que se comemora, além do
Sesquicentenário da Independência e o Cinquentenário da Semana
de Arte Moderna, o quarto Centenário de Os Lusíadas, de Camões,
e o Centenário de nascimento do poeta Manuel Batista Cepelos,
completa o Parnaso de além-túmulo quarenta anos de lançamento.
Oito lustros de impacto, de assombro para os críticos literários de
nossa pátria. Tratando-se de uma obra eterna, a-histórica, no
conceito de Dámaso Alonso,2 justifica-se a intenção da diretoria da
Federação Espírita Brasileira em assinalar condignamente os quatro
decênios de publicação do primeiro livro psicografado pelo médium
Francisco Cândido Xavier com uma edição, a nona, relacionando
estudos estilísticos dos 56 poetas, autores espirituais, e, para fazer
isso, reconhecemos as nossas próprias limitações, aceitando a
tarefa que demandaria muito esforço conjugado de equipes.
Justificam-se, ainda, os seguintes esclarecimentos:
1. Empenhamo-nos, ao máximo, por realizar trabalho tanto
quanto possível sucinto, mas o assunto em si, perante o futuro,
exigiu estudos mais alentados, alguns deles com vinculação a
processos estruturais de pesquisa literária, no setor da poética
mediúnica;3 isso se fez mais claramente necessário, com relação
aos poetas de mais renome, principalmente, no que se refere a
transcrições de páginas e observações de críticos abalizados,
visando à comprovação de nossa análise pessoal, desapaixonada,
conquanto modesta;
2. Tentamos conduzir-nos de modo a que o próprio leitor
participe da pesquisa literária mencionada, atendendo a dois
objetivos: primeiro, motivação para que o estudioso não se enfastie
no terreno às vezes sáfaro do bloco estrófico; segundo, para
aproveitar espaço, reduzindo as citações dos próprios elementos
estruturais existentes no contexto poético;
3. Todas as citações trazem a informação relativa à fonte de
publicação e, para algumas delas, tomamos a liberdade de adotar
siglas especiais;4
4. A numeração à esquerda, ao longo das peças poéticas,
guarda a finalidade de orientar o leitor quanto à localização de um
morfema, de um lexema, de um verso ou linossigno, a que se refere
especificamente cada nota de pé de página;
5. Não alteramos qualquer palavra constante das edições
anteriores, quer nas anotações de M. Quintão ou da editora,
trasladando apenas as chamadas “Notas da Editora” (p. 421 da 8a
edição), cada uma delas para o corpo do poema a que se reporta,
em apontamento infrapaginal;
6. Corrigimos tão somente um senão tipográfico — a palavra
crença — que vinha sendo grafada criança (verso 285, de Cármen
Cinira, p. 173 da 8a edição).
Finalmente, congratulamo-nos com a alta direção da FEB pela
ideia feliz de organizar a presente edição comemorativa, e nos
rejubilamos com o médium Chico Xavier pelo continuísmo
ininterrupto da tarefa que abraçou, guardando a convicção de que o
nosso amigo se alegrará, verificando conosco uma ocorrência
singular: à medida que os métodos de pesquisa literária se
aperfeiçoam, tornando-se cada vez mais sofisticados, mais a
autenticidade de sua produção medianímica se evidencia, e que
valeu a pena sofrer todos os percalços na trajetória imensa de
quase meio século de lutas abençoadas dentro da mediunidade com
Jesus e Allan Kardec.
Temos pessoalmente a certeza de que o médium Xavier, ao
perlustrar as páginas desta edição, há de se identificar com os
poetas desencarnados. E, conquanto médium, mas veículo
enriquecido pelas aquisições culturais de existências já
transcorridas, hoje conscientemente entregue ao privilégio de servir
aos gênios da poesia luso-brasileira, atualmente desencarnados,
repetirá com o nosso admirável poeta Cassiano Ricardo, o genial
autor de Os Sobreviventes:
um homem
que trabalha o poema
com o suor do seu rosto.
Um homem
que tem fome
como qualquer outro
homem.
Teria valido a pena?5
E B 6
Há mistérios peregrinos
No mistério dos destinos
Que nos mandam renascer;
Da luz do Criador nascemos,
Múltiplas vidas vivemos,
Para à mesma luz volver.
É Castro Alves...
Pairava na amplidão estranho resplendor.
A Natureza inteira em lúcida poesia
Repousava, feliz, nas preces da harmonia!...
Era o festim do amor,
No firmamento em luz,
Que celebrava
A grandeza de uma alma que voltava
Ao redil de Jesus.
É Junqueiro...
Descansa, agora, vibrião das ruínas,
Esquece o verme, as carnes, os estrumes.
Retempera-te em meio dos perfumes
Cantando a luz das amplidões divinas.
É Augusto dos Anjos.
M. Q 7
8 N.E. à 16. ed., 2002: Com esta edição comemorativa dos seus 70
anos de existência, Parnaso de além-túmulo alcançou 88.000
exemplares editados. Neste mesmo período, Francisco Cândido
Xavier produziu 412 livros psicografados, publicados por várias
editoras, em diversos idiomas.
Palavras minhas
Nasci em Pedro Leopoldo, Minas, em 1910. E até aqui, julgo
que os meus atos perante a sociedade da minha terra são
expressões do pensamento de uma alma sincera e leal, que acima
de tudo ama a verdade; e creio mesmo que todos os que me
conhecem podem dar testemunho da minha vida repleta de árduas
dificuldades, e mesmo de sofrimentos.
Filho de um lar muito pobre, órfão de mãe aos cinco anos,
tenho experimentado toda a classe de aborrecimentos na vida e não
venho ao campo da publicidade para fazer um nome, porque a dor
há muito já me convenceu da inutilidade das bagatelas que são
ainda tão estimadas neste mundo.
E, se decidi escrever estas modestas palavras no limiar deste
livro, é apenas com o intuito de elucidar o leitor quanto à sua
formação.
Começarei por dizer-lhe que sempre tive o mais pronunciado
pendor para a literatura; constantemente, a melhor boa vontade
animou-me para o estudo. Mas estudar como? Matriculando-me,
quando contava oito anos, num grupo escolar, pude chegar até o fim
do curso primário, estudando apenas uma pequena parte do dia e
trabalhando numa fábrica de tecidos, das quinze horas às duas da
manhã; cheguei quase a adoecer com um regime tão rigoroso;
porém, essa situação modificou-se em 1923, quando então
consegui um emprego no comércio, com um salário diminuto, no
qual o serviço dura das sete às vinte horas, mas o trabalho é menos
rude, prolongando-se esta minha situação até os dias da atualidade.
Nunca pude aprender senão alguns rudimentos de aritmética,
história e vernáculo, como o são as lições das escolas primárias. É
verdade que, em casa, sempre estudei o que pude, mas meu pai
era completamente avesso à minha vocação para as letras, e muitas
vezes tive o desprazer de ver os meus livros e revistas queimados.
Jamais tive autores prediletos; aprazem-me todas as leituras e
mesmo nunca pude estudar estilos dos outros, por diferençar muito
pouco essas questões. Também o meio em que tenho vivido foi
sempre árido, para mim, neste ponto. Os meus familiares não
estimulavam, como verdadeiramente não podem, os meus desejos
de estudar, sempre a braços, como eu, com uma vida de múltiplos
trabalhos e obrigações e nunca se me ofereceu ocasião de conviver
com os intelectuais da minha terra.
O meu ambiente, pois, foi sempre alheio à literatura; ambiente
de pobreza, de desconforto, de penosos deveres, sobrecarregado
de trabalhos para angariar o pão cotidiano, onde se não pode
pensar em letras.
Assim têm-se passado os dias sem que eu tenha podido, até
hoje, realizar as minhas esperanças.
Prosseguindo nas minhas explicações, devo esclarecer que
minha família era católica e eu não podia escapar aos sentimentos
dos meus. Fui, pois, criado com as teorias da Igreja, frequentando-a
mesmo com amor, desde os tempos de criança; quando ia às aulas
de catecismo era para mim um prazer.
Até 1927, todos nós não admitíamos outras verdades além das
proclamadas pelo Catolicismo; mas eis que uma das minhas irmãs,
em maio do ano referido, foi acometida de terrível obsessão; a
medicina foi impotente para conceder-lhe qualquer pequenina
melhora. Vários dias consecutivos foram, para nossa casa, horas de
amargos padecimentos morais. Foi quando decidimos solicitar o
auxílio de um distinto amigo, espírita convicto, o Sr. José Hermínio
Perácio, que caridosamente se prontificou a ajudar-nos com a sua
boa vontade e o seu esforço. Verdadeiro discípulo do Evangelho,
ofereceu-nos até a sua residência, bem distante da nossa, junto à
sua família, onde então, num ambiente totalmente modificado,
poderia ela estudar as bases da Doutrina Espírita, orientando-se
quanto aos seus deveres, desenvolvendo, simultaneamente, as
suas faculdades mediúnicas. Aí, sob os seus caridosos cuidados e
da sua Exma. esposa D. Cármen Pena Perácio, médium dotada de
raras faculdades, minha irmã hauria, para nosso benefício, os
ensinamentos sublimes da formosa doutrina dos mensageiros
divinos; foi nesse ambiente, onde imperavam os sentimentos
cristãos de dois corações profundamente generosos, como o são os
daqueles confrades a que me referi, que minha mãe, que regressara
ao Além em 1915, deixando-nos mergulhados em imorredoura
saudade, começou a ditar-nos os seus conselhos salutares, por
intermédio da esposa do nosso amigo, entrando em pormenores da
nossa vida íntima, que essa senhora desconhecia. Até a grafia era
absolutamente igual a que a nossa genitora usava quando na Terra.
Sobre esses fatos e essas provas irrefutáveis solidificamos a
nossa fé, que se tornou inabalável. Em breve minha irmã regressava
ao nosso lar cheia de saúde e feliz, integrada no conhecimento da
luz que deveria daí por diante nortear os nossos passos na vida.
Resolvemos, então, com ingentes sacrifícios, reunir um núcleo
de crentes para estudo e difusão da Doutrina, e foi nessas reuniões
que me desenvolvi como médium escrevente, semimecânico,
sentindo-me muito feliz por se me apresentar essa oportunidade de
progredir, datando daí o ingresso do meu humilde nome nos jornais
espíritas, para onde comecei a escrever sob a inspiração dos
bondosos mentores espirituais que nos assistiam.9
Daí a pouco, a nossa alegria aumentava, pois o nosso confrade
José Hermínio Perácio, em companhia de sua esposa, deliberou
fixar residência junto a nós, e as nossas reuniões tiveram resultados
melhores, controladas pela sua senhora, alma nobilíssima, ornada
das mais superiores qualidades morais e que, entre as suas
mediunidades, conta com mais desenvolvimento a clariaudiência.
Nossas reuniões contavam, assim, grande número de assistentes,
porém, a moral profunda que era ensinada, baseada nas páginas
esplendorosas do Evangelho de Jesus, parece que pesava muito,
como acontece na opinião de grande maioria de almas da nossa
época, quase sempre inclinadas para as futilidades mundanas, e,
decorridos dois anos, os assistentes de nossas sessões de estudos
escassearam, chegando ao número de quatro ou cinco pessoas, o
que perdura até hoje.
Não desanimamos, contudo, prosseguindo em nossas reuniões,
constituindo para nós uma fonte de consolações isolarmo-nos das
coisas terrenas em nosso recanto de prece, para a comunhão com
os nossos desvelados amigos do Além. Continuei recebendo as
ideias dos mesmos amigos de sempre, nas reuniões, psicografando-
as, e que eram continuamente fragmentos de prosa sobre os
Evangelhos. Somente duas vezes recebi comunicações em versos
simples.
Em agosto, porém, do corrente ano, apesar de muito a
contragosto de minha parte, porque jamais nutri a pretensão de
entrar em contato com essas entidades elevadas, por conhecer as
minhas imperfeições, comecei a receber a série de poesias que aqui
vão publicadas, assinadas por nomes respeitáveis.
Serão [as poesias] das personalidades que as assinam? — é o
que não posso afiançar. O que posso afirmar, categoricamente, é
que, em consciência, não posso dizer que são minhas, porque não
despendi nenhum esforço intelectual ao grafá-las no papel. A
sensação que sempre senti ao escrevê-las era a de que vigorosa
mão impulsionava a minha. Doutras vezes, parecia-me ter em frente
um volume imaterial, do qual eu as lia e copiava; e, doutras, que
alguém mas ditava aos ouvidos, experimentando sempre no braço,
ao psicografá-las, a sensação de fluidos elétricos que o
envolvessem, acontecendo o mesmo com o cérebro, que se me
afigurava invadido por incalculável número de vibrações indefiníveis.
Certas vezes, esse estado atingia o auge, e o interessante é que
parecia-me haver ficado sem o meu corpo, não sentindo, por
momentos, as menores impressões físicas. É o que experimento,
fisicamente, quanto ao fenômeno que se produz frequentemente
comigo.
Julgo do meu dever declarar que nunca evoquei quem quer que
fosse; essas produções chegaram-me sempre espontaneamente,
sem que eu ou meus companheiros de trabalhos as
provocássemos, e jamais se pronunciou, em particular, o nome de
qualquer dos comunicantes, em nossas preces. Passavam-se às
vezes mais de dez dias sem que se produzisse escrito algum, e dia
houve em que se receberam mais de três produções literárias de
uma só vez. Grande parte delas foi escrita fora das reuniões e tenho
tido ocasiões de observar que, quanto menor o número de
assistentes, melhor o resultado obtido.
Muitas vezes, ao recebermos uma destas páginas, era
necessário recorrermos a dicionários para sabermos os respectivos
sinônimos das palavras nela empregadas, porque tanto eu como os
meus companheiros as desconhecíamos em nossa ignorância,
julgando minha obrigação frisar aqui também que, apesar de todo o
meu bom desejo, jamais obtive outra coisa, na fenomenologia
espírita, a não ser esses escritos.10
Devo salientar o precioso concurso da bondosa médium Sra.-
Cármen P. Perácio, que por meio da sua maravilhosa clariaudiência
me auxiliou muitíssimo, transmitindo-me as advertências e opiniões
dos nossos caros mentores espirituais, e ainda o carinhoso
interesse do distinto confrade Sr. M. Quintão, que tem sido de uma
boa vontade admirável para comigo, não poupando esforços para
que este despretensioso volume viesse à luz da publicidade.
E aqui termino.
Terei feito compreender, a quem me lê, a verdade como de fato
ela é? Creio que não. Em alguns despertarei sentimentos de
piedade e, noutros, risinhos ridiculizadores. Há de haver, porém,
alguém que encontre consolação nestas páginas humildes. Um
desses que haja, entre mil dos primeiros, e dou-me por compensado
do meu trabalho.
A todos eles, todavia, os meus saudares, com os meus
agradecimentos intraduzíveis aos boníssimos mentores do Além,
que inspiraram esta obra, e que generosamente se dignaram não
reparar as minhas incontáveis imperfeições, transmitindo, por
intermédio de instrumento tão mesquinho, os seus salutares
ensinamentos.
F C X
Pedro Leopoldo (MG), dezembro de 1931.
H C 13
(Espírito)
I
Lasneau amigo, esta choça,
Onde a carne, breve, passa,
Cheia de lama e fumaça,
É minúscula palhoça.
II
Oh! meu caro, se eu pudesse
Dizer tudo o que não disse,
Sem a velha esquisitice
Que inda agora me entontece!
Esperai a sepultura,
Ó crentes de uma outra vida!...
O
Por que ajuízas com ironia,
Sobre as obscuridades do irmão que sobe dificilmente a
montanha?
Quando atravessava a floresta
O pobrezinho julgou que o Amado lhe falava à mente pela voz
do trovão
E lhe erigiu altares
Enfeitados de flechas.
Depois,
Quando penetrou noutros círculos,
Acreditou que o Senhor pertencia somente ao seu grupo
E que as outras comunidades humanas eram condenadas...
Lutou, sofreu, feriu-se em dolorosas experiências.
O Amado, porém, jamais o deserdou por isso.
Deu-lhe novas forças,
Concedeu-lhe oportunidades diferentes.
Por vezes,
Buscou-o no fundo dos abismos,
Como pai carinhoso,
Em busca da criancinha abandonada.
De tempos a tempos,
Fê-lo dormir no regaço,
Ao influxo do bendito esquecimento,
Para que o sol do trabalho lhe sorrisse outra vez.
Não observas em seu caminho áspero a tua própria história?
Não atormentes com palavras amargas o irmão que se eleva
Laboriosamente,
Dando ao mundo o que possui de melhor.
Ama-o, faze-lhe o bem que possas.
52 Se já atingiste
Algum topo de colina,
Contempla as culminâncias que te aguardam
Entre as nuvens,
E estende as mãos fraternas
Àquele que ainda não pode ver o que já vês.
Comentários de Elias Barbosa
O
O tempo é o campo eterno em que a vida enxameia
Sabedoria e amor na estrada meritória.
Nele o bem cedo atinge a colheita da glória
E o mal desce ao paul de lama, cinza e areia.
Esquece a mágoa hostil que te oprime e alanceia.
Toda amargura é sombra enfermiça e ilusória...
Trabalha, espera e crê... O serviço é vitória
E cada coração recolhe o que semeia.
II
Misantropo da Ciência enganadora,
Trazia em mim o anseio irresistível
De conhecer o Deus indefinível,
Que era na dor, visão consoladora.
III
Depois de extravagâncias de teoria,
No seio dessa ciência tão volúvel,
Sobre o problema trágico, insolúvel,
De ver o Deus de Amor, de quem descria,
5 Ó figuras de velhinhos
Que andais dormitando ao léu!
Como são belos os linhos
Que vos esperam no Céu!
Se eu pudesse, estenderia
Minhas capas de luar,
Sobre os filhos da agonia
Que andam no mundo a penar.
A caridade é a beleza
De um divino plenilúnio,
Luz que se estende à pobreza,
Na escuridão do infortúnio.
Acompanha-me a tristeza
Das saudades, por meu mal;
Minha terra portuguesa!...
Meu querido Portugal!...
D A
Pudesse o nosso olhar, vagueando os ermos,
Ver através da própria soledade
A expressão luminosa da Verdade,
E da luz da Verdade não descrermos...
Ó Fogueiras, ó cantigas,
Saudades! recordações!
Bailai, bailai, raparigas!
Batei, batei, corações!
A Mãe de Anto
Aqui, espero-te, há que tempo enorme!
Tens o lugar quentinho...
As algas negro-cerrado
Que eu trouxe da beira-mar,
Guardo-as num missal doirado,
Onde costumo cismar.
14
Martins de Oliveira, História da literatura mineira: Esquema de
interpretação e notícias bibliográficas. Belo Horizonte: Editora
Itatiaia Ltda., 1958, p. 180 e 181.
15
Brito Broca, Horas de leitura. Rio de Janeiro: MEC/INL, 1957, p.
245 a 250.
16
Waltensir Dutra e Fausto Cunha, Biografia crítica das letras
mineiras: esboço de uma história da literatura em Minas Gerais. Rio
de Janeiro: MEC/INL, 1956, p. 93 e 94.
A A
Nascido em São Luís (MA), em 7 de julho de 1855 e falecido na
cidade do Rio de Janeiro em 22 de outubro de 1908. Diretor-geral de
Contabilidade do Ministério da Viação. Poeta, comediógrafo,
jornalista e crítico. Membro e fundador da Academia Brasileira de
Letras, onde ocupou a cadeira de Martins Pena.
M
I
Adriano Gonçalves de Macedo,
Homem de cabedais e alma sem siso,
Penetrou no seu quarto com um sorriso
Às dez horas da noite, muito a medo.
II
No belo palacete do Furtado,
Palestrava a galante Mariquita
Com um pelintra afetado, assaz catita,
Bacharel delambido e enamorado.
III
Dom Castilho, notável latinista,
Realizara alentada conferência,
Sobre rígido assunto moralista,
Protegido dos membros da regência.
Foi um sucesso. E a esposa Ana Fulgência,
Nele via uma grande alma de artista,
Louvando-lhe a utilíssima existência
De homem probo e notável publicista.
Naquele dia,
Era intenso o calor.
Ninguém! Nem uma sombra se movia,
Tudo era languidez, desânimo e torpor.
Há solidão na estrada,
Ferem-lhe os pés as pontas dos espinhos.
Que penosa jornada,
Em tão rudes e aspérrimos caminhos!...
Pairam no ar excessos de calor,
Nem árvores umbrosas e nem fontes,
Somente o Sol ferino e destruidor,
Que calcina, inflamando os horizontes.
Pelos caminhos,
Foi-se aumentando
O alado bando
80 Dos bondosos e ternos passarinhos,
Aureolando com amor o Discípulo Amado,
Modesto, casto, humilde e isento de pecado,
Que ia seguindo,
Lábios sorrindo,
Em meiga mansuetude.
O A
No suave mistério dos espaços,
Santa Maria dos Anjos inda existe,
Com a mesma luz divina dos seus traços,
Glorificando as dores da alma triste,
Repartindo a Virtude, a Graça e os Dons
Que a palavra divina do Cordeiro
Prometeu aos pacíficos e aos bons
Do mundo inteiro...
II
45 — Louco, que emerges de apodrecimentos,
Alma pobre, esquelético fantasma
Que gastaste a energia do teu plasma
Em combates estéreis, famulentos...
III
Calou-se a voz. E sufocando gritos,
Filhos do pranto que me espedaçava,
75 Reconheci que a vida continuava
Infinita, em eternos infinitos!
V
Donde venho? Das eras remotíssimas,
Das substâncias elementaríssimas,
Emergindo das cósmicas matérias.
80 Venho dos invisíveis protozoários,
Da confusão dos seres embrionários,
Das células primevas, das bactérias.
A psíquico-análise freudiana
Tentando aprofundar a alma humana
Com a mais requintadíssima vaidade,
140 E as teorias do Espiritualismo
Enchendo os homens todos de otimismo,
Mostrando as luzes da imortalidade.
As epidermes e as aponevroses,
150 As grandes atonias e as nevroses,
As atrações e as grandes repulsões,
Que reunindo os átomos no solo
Tecem a evolução de polo a polo,
Em prodigiosas manifestações;
II
Após a introspecção do Além da Morte,
300 Vendo a terra que os próprios ossos come,
Horrente a devorar com sede e fome
Minhas carnes em lúbrico transporte,
Decassílabos — 4-10:
Decassílabos — 6-10:
Continua Proença:
Decassílabos sáficos:
Da página 103 a 110 de seu admirável ensaio, Proença alinha
uma infinidade de exemplos de sáficos, dos quais destacaremos
apenas alguns, todos eles precedidos da letra S, principalmente em
que há intercalação de dois sáficos emparelhados, entre dois
heroicos ou vice-versa:
Subesdrúxulos:
Estrofação:
Rima:
Aliteração:
Sibilação:
Densidade:
Enjambements:
ou em “Mistérios de um fósforo”:
Pego de um fósforo. Olho-o. Qlho-o ainda. Risco-o
Depois. E o que depois fica e depois
Resta é um ou, por outra é mais de um, são dois
Túmulos dentro de um carvão promíscuo.
Justaposição de tônicas:
Aposição:
22
M. Cavalcanti Proença, Augusto dos Anjos e outros ensaios. Rio
de Janeiro: J. Olympio, 1959, p. 83 a 149.
23
M. Cavalcanti Proença, Ritmo e poesia. Rio de Janeiro: Edição da
Organização Simões, 1955, p. 80 e 81.
A S
Nascida em 12 de setembro de 1876, em Macaíba (RN),
desencarnou em 7 de fevereiro de 1901, aos 24 anos, em Natal.
Deixou um único livro, Horto, cuja primeira edição, prefaciada por
Olavo Bilac, em outubro de 1899, apareceu em 1900 e se esgotou
em três meses. A segunda edição, feita em Paris, em 1910, traz uma
biografia da autora por H. Castriano. Finalmente, teve uma terceira
edição no Rio de Janeiro, em 1936, prefaciada por Alceu de
Amoroso Lima. Espírito melancólico, sofredor, muito místico. Seu
estilo simples e triste se reproduz perfeitamente nestes versos
mediúnicos.
A
Quando, em dores, na Terra inda vivia
Caminhando em aspérrimas estradas,
Via presas do pranto e da agonia,
Almas feridas e dilaceradas.
Ao descansardes, meditando,
À sombra de árvores em flor,
Sabei que às vezes sois seguidos
Pelas angústias dos gemidos,
De almas chagadas no amargor.
Extinto
Não me perguntes se te amei nem quanto
Meus pobres olhos hão por ti chorado.
Ai! não queiras saber se foste amado
Entre sorrisos, se da dor no pranto.
II
Uma campina de flores
Em pleno espaço infinito,
Onde desperta um precito
De um pesadelo de dores.
Envergara o sambenito
Dos pedintes sofredores,
Vivera entre os amargores
De um sofrimento bendito.
II
O mendigo desprezado
Olha as estrelas e chora,
Pois sente que se enamora
Do firmamento estrelado.
O casebre esburacado
É pobre como senzala;
Tem mesmo o fogo na sala
E a picumã no telhado.
Habita-o o casal de pretos...
Vê-se no canto metido
Um oratório encardido
E atrás da porta uns gravetos.
26
Andrade Muricy. B. Lopes — Poesia — N. Cl., no 63. Rio de
Janeiro: Agir, 1962, p. 10.
27
Mello Nóbrega, Revista do Livro, no 12, ano III — dezembro —
1958 — “Evocação de B. Lopes”, p. 116.
B C
Poeta paulista, desencarnou no Rio de Janeiro, em 1915,
atribuindo-se a suicídio o encontro do seu corpo entre pedras de uma
rocha, na rua Pedro Américo. Esta versão parece confirmar-se agora
nestes sonetos. Olavo Bilac, ao prefaciar-lhe Os bandeirantes,
exalta-lhe o estro espontâneo, original e simples.
S
I
Eu fui pedir à Natureza, um dia,
Que me desse um consolo a tantas dores;
Desalentado e triste, pressenti-a
Cansada e triste como os sofredores.
II
Ninguém ouve na Terra esse lamento
Da minha dor imensa, incompreendida,
Nas pavorosas trevas desta vida
Em que eu julgava achar o Esquecimento.
III
Sirva-vos de escarmento a dor que trago
Na minh’alma infeliz e sofredora,
Este padecimento com que pago
O desvio da estrada salvadora.
— e em “A Revolta do Homem”
Os ídolos, no chão, voavam como estilhaços;
II
Com a ignorância proterva,
Que a morte é o fim, o homem pensa,
Julgando no talo de erva
A paisagem linda e imensa.
Ah! feliz o que conserva
As luzes doces da crença.
III
Quanta gente corre, corre,
Ansiosa atrás do prazer,
Sonha e chora, luta e morre
Sem jamais o conhecer.
Não há ninguém que se forre,
Sobre a Terra, ao padecer.
IV
Fecha a bolsa da ambição,
Não corras atrás da sorte,
Venera a mão que te exorte
Nos dias de provação.
Tem coragem, meu irmão,
Ninguém se acaba com a morte.
V
No mundo vale quem tem
Um cifrão de prata ou de ouro;
Mas, da morte ao sorvedouro,
Jamais escapa ninguém!
No Céu só vale o tesouro
Daquele que fez o bem.
VI
Que tua alma em preces arda
No fogo da devoção.
Deus é Pai que nunca tarda
No caminho da aflição.
Nas mágoas do mundo, guarda
A fé do teu coração.
VII
Entre a fé e o fanatismo,
Muito espírito se engana:
A primeira ampara e irmana,
O segundo é o dogmatismo,
Goela aberta de um abismo
Na estrada da vida humana.
VIII
A Terra, para quem sente,
Inda é torre de Babel,
Onde a prática desmente
As ilusões do papel:
Muita boca sorridente,
Corações de lodo e fel.
IX
Suporta a dor que te cobre
Na estrada espinhosa e má,
Quem é rico, quem é nobre,
A essa estrada voltará.
É uma ventura ser pobre,
Com a bênção que Deus nos dá.
X
Na vida sempre supus,
Sem muita filosofia,
Que, em prol do Reino da Luz,
Basta, na Terra sombria,
Que o homem siga a Jesus,
Que a mulher siga a Maria.
B
Se tens o leve agasalho
Do santo calor da crença,
Exemplifica o trabalho
Sem cuidar da recompensa.
Acalma-te na aflição,
Modera-te na alegria,
Não prendas o coração
Nos laços da fantasia.
No curso de aquisições,
Não vivas correndo a esmo;
Esquece as inquietações,
Toma posse de ti mesmo.
É ditosa no caminho,
Alegre como ninguém,
A mão terna do carinho
Que vive espalhando o bem.
E eu te enxerguei, despreocupada,
Em meu engano, em minha fantasia:
Primeiramente,
Foste, austera e inclemente,
A um dos belos tesouros que eu possuía
E mo roubaste para sempre...
Em fúria iconoclasta,
Como o simum que arrasta
As cidades repletas de tesouros
Confundindo-as no pó,
Foste aos meus ídolos mais caros,
Destruindo-os sem dó.
Prosseguiste, ó divina estatuária,
Na tua obra silente e solitária,
E quebraste
Minhas cítaras de ouro,
Meus mármores de Paros,
Meus cofres de alabastros,
Minhas bonecas de biscuí,
Minhas estatuetas singulares...
E humilhaste
Meus sonhos de mulher e de menina,
Que eu pusera nos astros
Em meio às melodias estelares!
Tudo sofri,
Ó Dor, por te querer,
Porque depois que vieste
Qual pássaro celeste
Para abrir rosas de sangue no meu peito,
Encheste a minha vida
De um estupendo prazer, quase perfeito!
Aos poucos me ensinaste a abandonar
Meus prazeres fictícios,
Trocando-os pela luz dos sacrifícios!
Por tudo eu te bendigo, ó Dor depuradora,
Porque representaste em meu destino,
De alma sofredora,
O fanal peregrino
Que me guiou constantemente
Através das estradas espinhosas
Para as manhãs radiosas
Da Luz Resplandecente...
A fagulha de crença
Que eu possuía,
Devia transformar numa fornalha imensa
De fé consoladora,
E incendiar-me para ser luzeiro.
Os tesouros peregrinos,
Formados de amor e luz
Do Mestre Amado — Jesus,
Arauto do Onipotente;
Os reflexos divinos
Quais lírios iluminados,
Alvos, belos, deificados,
Penetrarão sua mente.
Sacudi o pó da estrada
Que trilhastes na amargura,
Pois agora na ventura
Fruireis consolações;
Nesta esfera iluminada,
Que aportais neste momento,
Não vereis o sofrimento
Retalhando os corações.
Venturoso, abençoei
A dor que amaldiçoara,
Que renegar eu tentara
Como os míseros ateus,
E feliz então busquei
As bênçãos, flores brilhantes,
Alvoradas fulgurantes
Do amor imenso de Deus.
A
Ó mães que chorais na vida
Os vossos ternos anjinhos,
Que quais meigos passarinhos
100 Cindiram o espaço azul,
Deixando-vos sem conforto,
O peito dilacerado,
O coração desolado,
104 A alma tristonha e exul,
Reconhecei que na Terra
Só se conhecem as dores,
Os prantos, os amargores,
As frias noites sem luz;
E os vossos filhinhos ternos,
Quais centelhas luminosas,
São as flores mais formosas
Das moradas de Jesus.
Só assim caminharemos
Nessa eterna evolução,
E no Bem conquistaremos
A suprema perfeição.
Q
Ser cego e nada ver
Na triste noite escura,
175 E ver depois a luz
Da aurora de ventura;
Chorar na escuridão
Em dores mergulhado,
E após o sofrimento
Ter gozo ilimitado;
É possuir tesouros
De paz, de vida e luz,
No sacrossanto abrigo
Do afeto de Jesus.
S
A fé é a força potente
Que desponta na alma crente,
Elevando-a aos altos Céus:
Ela é chama abrasadora,
Reluzente, redentora,
194 Que nos eleva até Deus.
A esperança é flor virente,
Alva estrela resplendente,
Que ilumina os corações,
Que conduz as criaturas
Às almejadas venturas
Entre célicos clarões.
A caridade é o amor,
É o sol que Nosso Senhor
Fez raiar claro e fecundo;
Alegrando nesta vida
A existência dolorida
Dos que sofrem neste mundo!
A fé é um clarão divino,
Refulgente, peregrino,
Que irrompe, trazendo a luz;
A caridade é a expressão
Da personificação
Do Mestre Amado — Jesus!
P
Dobram sinos a finados,
Com mágoa e desolação...
Porque não sabem que a morte
É a nossa libertação.
Detalhes cariciosos
Da vida singela e calma,
Vida de encantos divinos
Que eu via com os olhos dalma.
Os artigos do Bezerra
De outros tempos, no O País,
O mestre da Velha Guarda,
Unida, forte e feliz.
É o templo da Caridade
Em que a Virtude oficia,
E onde a bênção da Bondade
É flor de eterna alegria.
É a claridade bendita
Do bem que aniquila o mal,
O chamamento sublime
Da Vida Espiritual.
Se buscas o Espiritismo,
Norteia-te em sua luz:
Espiritismo é uma escola,
440 E o Mestre Amado é Jesus.
A
D
Examinada de perto,
A luz da nossa Doutrina
É sempre a lição que ensina
A paz do caminho certo.
Necessário é discernir
A mistura, a ganga, o véu;
Muita vez a água do céu
Torna-se em lama, ao cair.
Verso 416. Sem dúvida, esta última quadra pode ser incluída
entre as mais belas trovas de todos os tempos, ao lado das
produções de um Adelmar Tavares, de um Antônio Sales ou de um
Djalma Andrade.
Os sonhos da mocidade,
As galas da Natureza,
Livro de excelsa beleza
Com páginas de esplendor,
Onde as histórias são cantos
De gárrulos passarinhos,
Onde as gravuras são ninhos
Estampados no verdor;
E prossegue:
— Nota 12:
Mãe. Em rima com tem. Para aqueles dos portugueses que
pronunciam tãi, essa rima é perfeita. Para Casimiro seria uma
rima puramente literária, sem nenhum significado fonético,
resultante apenas de vê-la o poeta em autores portugueses.
Pode ser também que ele tivesse adquirido a pronúncia tãi,
visto que, quando escreveu a poesia, já estava em Portugal
havia três anos ou mais (p. 76).
Moreninha, Moreninha,
Tu és do campo a rainha,
Tu és senhora de mim;
Tu matas todos d’amores,
Faceira, vendendo as flores
Que colhes no teu jardim.
....................................................
Depois segui-te calado
Como pássaro esfaimado
Vai seguindo a juriti;
Mas tão pura ias brincando,
Pelas pedrinhas saltando,
Que eu tive pena de ti!
28
Sousa da Silveira, Casimiro de Abreu — Poesia — N. Cl., no 23.
Rio de Janeiro: Agir, 1958, p. 7.
29
Nilo Bruzzi, Casimiro de Abreu. Rio de Janeiro: Editora Aurora,
1949, p. 159 a 161.
30
Obras de Casimiro de Abreu, apuração e revisão do texto, escorço
biográfico, notas e índices por Sousa da Silveira. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1940.
C A
Poeta baiano, desencarnou em 6 de julho de 1871, com 24
anos. Mocidade radiosa, o autor consagrado de Espumas Flutuantes
exerceu nas rodas literárias do seu tempo a mais justa e calorosa
das projeções. Nesta poesia sente-se o crepitar da lira que modulou
— O livro e a América.
M !
Há mistérios peregrinos
No mistério dos destinos
Que nos mandam renascer:
Da luz do Criador nascemos,
Múltiplas vidas vivemos,
Para à mesma luz volver.
Buscamos na Humanidade
As verdades da Verdade,
Sedentos de paz e amor;
E em meio dos mortos-vivos
Somos míseros cativos
Da iniquidade e da dor.
É o sofrimento do Cristo,
Portentoso, jamais visto,
No sacrifício da cruz,
Sintetizando a piedade,
E cujo amor à Verdade
Nenhuma pena traduz.
É Sócrates e a cicuta,
É César trazendo a luta,
Tirânico e lutador;
É Cellini com sua arte,
Ou o sabre de Bonaparte,
O grande conquistador.
É Anchieta dominando,
A ensinar catequizando
O selvagem infeliz;
É a lição da humildade,
De extremosa caridade
Do pobrezinho de Assis.
Sepultura do presente,
Do porvir sou plenitude,
Da alegria sou saúde
E do remorso o amargor.
Sou águia libertadora
Que abre, sobre as descrenças,
O manto das trevas densas,
E sobre a crença o esplendor.
Então, implacavelmente,
Fiz a Europa ensanguentada
Ajoelhar-se humilhada,
Diante de tanto horror.
Das cidades fiz ossuários,
Dos campos Saaras ardentes,
Trucidei réus inocentes,
Apaguei a luz do amor,
Se às vezes se te afigura
Que sou a foice impiedosa,
Horrenda, fria, orgulhosa,
Que espedaça os teus heróis,
Verás que sou a mão terna
Que rasga abismos profundos,
E mostra biliões de mundos,
E mostra biliões de sóis.
A Morte é transformação,
Tudo em seu seio revive:
Esparta, Tebas, Nínive,
Em queda descomunal,
Revivem na velha Europa;
E como faz às cidades,
Remodela humanidades
No progresso universal.
Comentários de Elias Barbosa
1 2 3 4 5 6
céu ↔ sol ↔ lua ↔ raio ↔ ar ↔ voo
↕ ↕ ↕ ↕ ↕ ↕
chão
↔ flor
↔ mar ↔ pó ↔ grão ↔ rio
↕ ↕ ↕ ↕ ↕ ↕
cruz ↔ fé ↔ dor ↔ paz ↔ mão ↔ pé
↕ ↕ ↕ ↕ ↕ ↕
Deus ↔ luz ↔ véu ↔ voz ↔ rei ↔ som
↕ ↕ ↕ ↕ ↕ ↕
lar ↔ mãe ↔ pai ↔ pão ↔ seio ↔ cão
núcleo → conjunto
sêmico → metáfora → imagético
↓
metábole
││
linguagem
1 2 3 4 5 6
céu ↔ sol ↔ 31
lua ↔ ... ↔ ar
31
↔ ...
↕ ↕ ↕ ↕ ↕ ↕
chão↔ flor ↔ ... ↔ pó34 ↔ ... ↔ ...
↕ ↕ ↕ ↕ ↕ ↕
cruz ↔ fé ↔ dor ↔ paz ↔ mão ↔ pé33
↕ ↕ ↕ ↕ ↕ ↕
Deus ↔ luz ↔ ... ↔ voz ↔ rei 32 ↔ ...
↕ ↕ ↕ ↕ ↕ ↕
... ↔ ... ↔ pai31 ↔ pão ↔ seio ↔ ...
Ora, se dos quatro livros estudados por Chamie, apenas o
primeiro — Espumas Flutuantes — contém: 54 poemas; 522
estrofes e 2.703 versos — e em dois poemas (um deles apontado
pelo autor) não aparece qualquer dos monossílabos estruturantes, e
somente uma vez surge o núcleo sêmico grão, é natural que na
produção de Castro Alves por intermédio de Chico Xavier faltem
aqueles lexemas apontados acima, justamente porque, até agora, o
médium de Emmanuel psicografou: sete poemas, 74 estrofes e 528
versos de Castro Alves; mas, como poderá o próprio leitor observar,
em todos os poemas mediúnicos existem pelo menos quatro dos
trinta monossílabos que provam, de modo categórico, tratar-se do
Espírito do vate condoreiro.
Numa série de três artigos, intitulados “Chico Xavier e Castro-
Alves”, publicados em O Liberal, de Americana, estado de São
Paulo, respectivamente de 30-12-71, 8-1 e 15-1-72, Walter José Faé
faz excelente análise da produção mediúnica de Chico Xavier em
relação à poética de Castro Alves. No segundo desses estudos,
chamamos a atenção para algumas palavras-temas verificadas pelo
estudioso paulista, dentre outras: a expressão metafórica sombra
(encontrada quarenta vezes nas poesias completas de Castro
Alves); lodo; porvir; augusto; os verbos rugir e brilhar, além dos
monossílabos apontados por Mário Chamie.
É a caravana de batalhadores
Que, no esforço do amor puro e bendito,
Rompe algemas de trevas e granito,
Aliviando os seres sofredores.
Vós que sois, sobre a Terra, os companheiros
Dessa falange lúcida de obreiros,
Guardai-lhe a sacrossanta claridade;
Eu me recordo de imaginativos
Luares liriais, contemplativos
Por onde eu já vivi na Eternidade!
(Idem, p. 199.)
35
Tasso da Silveira, Cruz e Souza — Poesia —, N. Cl., no 4, 2. ed.
Rio de Janeiro: Agir, 1960, p. 11.
36 Rio de Janeiro: Livraria Editora Zélio Valverde, 1944.
Andrade Muricy, Movimento Simbolista Brasileiro. Rio de Janeiro:
37
Em março de 17, no dia 14, Emílio, tendo vindo, mais uma vez,
a São Paulo, foi homenageado por um grupo de intelectuais,
que lhe ofereceu um almoço alegre na Rotisserie Sportman,
por iniciativa do Sr. Osvald de Andrade.
Ao final do ágape, o boêmio, de improviso, recitou um soneto,
agradecendo a comedoria:
38
Coleção Saraiva, no 13, 2. ed. refundida. São Paulo: Edição
Saraiva, s/d.
39 Agrippino Grieco, Evolução da poesia brasileira, 3. ed., revista.
Rio de Janeiro: J. Olympio, 1947, p. 80.
40 M. Cavalcanti Proença, Ritmo e poesia, p. 87 e 88.
F V
Este é o sempre laureado cantor de “O Evangelho nas Selvas”,
a voz sonora e doce do “Cântico do Calvário”. Fluminense,
desencarnou com 34 anos, em 1875 — depois de uma existência
tormentosa.
I
Senhor! Senhor! que os verbos luminosos
Do amor, da perfeição, da liberdade,
Inflamem minhas vozes neste instante!
Que o meu grito bem alto se levante,
Conduzindo a mensagem benfazeja
Das esperanças para a Humanidade!
Senhor! Senhor! que paire sobre o mundo
A luz do teu poder inigualável,
Que os lírios te saúdem perfumando
Os arrebóis, as noites, as auroras;
O sacerdote, então,
Comparou, meditando, a fúlgida visão
Com aquele Cristo nu, de pau, inerte e frio,
Imóvel dominando o âmbito vazio;
Notando a diferença enorme, extraordinária,
Daquela igreja fria, a ermida solitária,
Da igreja de Jesus,
Feita de amor e luz,
De paz e de perdão,
O farol da verdade ao humano coração.
C
Caía a noite em paz. Crepúsculo. Horas quedas.
Horas de solidão. Pelas planícies ledas,
A asa ruflando inquieta, os meigos passarinhos
Recolhiam-se à pressa, em busca dos seus ninhos!
Repousavam, tremendo, os colibris doirados;
Pipilavam febris no beiral dos telhados,
Reunidas no lar caricioso e terno,
Andorinhas gentis, tardígradas do inverno.
As árvores senhoris, despidas dos seus galhos,
Como braços em cruz, sangrentos nos trabalhos,
Elevavam-se ao céu silenciosas, mudas,
Sentinelas da dor nas regiões desnudas;
Chegavam aos ovis as ovelhinhas mansas;
Os risos dos aldeões e as orações das crianças
Casavam-se formando, em rimas soberanas,
Os poemas de luz, que nascem das choupanas,
Canções de oiro e de sol das almas virginais,
Exalando, a sorrir, o aroma dos trigais;
Almas puras, em flor, relicários da essência
Da verdade e do amor, do amor e da inocência,
Almas feitas de luar, de cândida frescura,
Vivendo a vida doce, imaculada e pura,
De quem ama a existência plácida da aldeia,
Cujo sonho é candura e a vida uma epopeia
De louvores à dor, de exaltações, de prantos!...
Caía a noite em paz, por entre os negros mantos
De espessa escuridão. Sinistramente, a Lua
Rolava na amplidão como cabeça nua,
Como poça de sangue, horrendamente informe...
O silêncio pesava impressionante e enorme!
Nevava quase e a treva espessa e fria,
Era bem a visão da mágoa e da invernia;
Enchia-se o ar de gelo igual a açoite de aço,
Que vibrasse, cortando, a imensidão do espaço.
R
(Passeio matinal)
E
Na silenciosa paz do cimo do Calvário
Ainda se vê na cruz o Cristo solitário.
A
(Versos a um agressor do Espiritismo)
Ó padre lutador, procurai santamente
Apregoar ao mundo herético e descrente
Os dogmas ancestrais da vossa velha Igreja!
Teologicamente, anatematizai
Todo aquele que em Deus sentir o amor de um Pai,
Ponde em cada recanto um novo Torquemada,
E um trapo de batina ao pé de cada estrada;
Fazei autos de fé, pregai probabilismos
Dentro das ilações e dos anacronismos,
Endeusai sobre o trono a fortuna dos Cresos,
Esquecei sobre a lama os pobres indefesos.
Transformai todo templo em balcão de bentinhos,
Com representações em todos os caminhos;
Interpretai Jesus no prisma do interesse,
Traficai com o altar, vendei o ensino e a prece,
Anatematizai todas as heresias;
Aprovai, aplaudi as grandes simonias,
Porque, em verdade, são como crimes sagrados
E a estola de um sacrista é isenta de pecados.
U Q
Entre lamentações e estrídulas matracas,
Num cenário infantil, feito de gesso e lacas,
Representa-se a peça antiga da quaresma...
O pobre Senhor Morto, um pálido abantesma,
Talhado de encomenda, em tinta espessa e forte,
Dorme grotescamente o sono dessa morte
De teatro burlesco, anual, que se repete,
Como as grandes funções do entrudo e do confete.
“Caríssimos irmãos!
Nós somos sobre a Terra os únicos cristãos.
Fora das concepções altíssimas da Igreja,
Existe tão somente o Inferno que despeja
O mal e as tentações no espírito perdido;
Rezai! que atualmente o mundo pervertido
Pretende esfacelar os dogmas romanos,
Sentinelas da fé, há quase dois mil anos!
Não se quer dizer com isto que houvesse sido Gustavo Teixeira
um “poeta municipal” em relação ao “federal”, segundo
malicioso poema de Drummond. Antes, não lhe faltou aquele
“barro do município” a que alude Ribeiro Couto, condição pra
ser “federal” no legítimo sentido de “brasileiro”.
Não lhe faltou sequer ser “grego”, isto é, universalizar-se pelo
espírito.
Afinal, o verdadeiro poeta tem que ser tudo isso, a um só
tempo; ser grego e ser municipal; regressar ao antigo e a ser
criança à hora em que bem o entenda...
Casa paterna
Da velha casa em que a manhã da vida
Passei — conservo uma lembrança exata:
Antes de eu vir ao mundo foi erguida
Perto da serra, quase ao pé da mata.
Misericordiosíssimo Senhor!
De tortura em tortura amargurado,
O meu frágil espírito inferior
Viu-se presa de trevas, no passado,
E a desgraça suprema o amortalhou.
Volta, de novo
Ao grande povo
Que não me canso
De estremecer;
Revela, ainda,
A Pátria linda
Que faz vibrar
Todo o meu ser.
Exalça agora
A nova aurora
Que brilha cheia
De amor cristão.
O mundo em prova
Que se renova
Espera o dia
De redenção.
Une-te ao canto
Formoso e santo
Que flui soberbo,
Sepulcro além...
Lira divina,
Louva a doutrina
Da liberdade
No eterno bem.
Dize a grandeza
Da glória acesa
Na vida excelsa
Que a dor produz,
Proclama à Terra
Que além da guerra
E além da noite
Floresce a luz.
Inicialmente:
I — O amor do poeta ao Brasil — Poema 28, publicado pela
primeira vez no Parn., cad. 1o (1829), p. 5 e 6. Vem no
manuscrito I (séc. XVIII) com o título “Sonho poético”:
Marília bela,
vou retratar-te,
se a tanto a arte
puder chegar.
Trazei-me, Amores,
quanto vos peço:
tudo careço
para pintar.
(Nota 18: “Publicado pela primeira vez, sem nome do autor, na
Miscelânea curiosa e proveitosa, Lisboa, tomo VII (1785), p. 328
a 332, com o título ‘Retrato’, dedicado não a uma Anarda, mas a
uma Marília. O precioso e delicado sensualismo das tintas
lembra o melhor de Gonzaga, que deu aos seus pincéis o
mesmo jeito no louvor de Marília de Dirceu.”)
Bárbara bela,
do Norte estrela,
que o meu destino
sabes guiar,
de ti ausente,
triste, somente
as horas passo
a suspirar.
Isto é castigo
que Amor me dá.
E vi, então,
No coração
Da criatura,
Só a ilusão
Duma ventura.
E vi senhores
Que dominavam
E se orgulhavam
Do seu poder,
Sempre a abater
Os desgraçados.
Os potentados
25 Com seus valores
Bem se julgavam
Onipotentes,
Heróis valentes
Cá nesta vida...
30 Depois, porém,
Reconheceram
E viram bem
Nesta existência
Toda a impotência
35 Do deus-milhão,
Perante a mão
Da fria dor,
Que lhes domava
E lhes dobrava
O torpe egoísmo.
Busquei os lares,
Ricos solares
Dos protegidos,
Onde o conforto
45 Para a matéria
Anda em contraste
Com atroz miséria
Dos desvalidos.
E ainda aí
Não pude achar
O que eu ali
Fui procurar.
Eu vi mulheres
Nos seus prazeres,
55 Jovens e belas,
Alvas estrelas
De formosura,
Rindo e cantando
Dentro da noite
60 Da desventura.
Pobres donzelas,
Fanadas flores...
Luz sem fulgores,
Que, miseráveis
Párias da vida,
Deixam o teto
Do seu afeto
Maior, supremo,
Insuperável.
Somente encontram
Dores que afrontam,
Mágoa insanável,
Incompreendida!
E penetrei
Pelos castelos
Dourados, belos,
Das diversões,
Onde se aninha
E se amesquinha
A multidão
Que busca rir,
Gozar, sorrir,
A ver se esquece
O que padece,
Julgando crer
Que está a ver
O paraíso.
Mas este riso,
Ao som da festa,
À meia-luz,
É o que produz
Todo o amargor,
A maior dor,
Pois eu ali
Tristonho vi
O que em verdade
É a sociedade;
Só pensamentos
Das impurezas,
Só sentimentos
Que trazem presas,
Aniquiladas,
E esmagadas,
Ensandecidas
105 As criaturas
Outrora puras,
Belas outrora,
No entanto agora
Flores perdidas,
Almas impuras,
Desiludidas!
Nesse recinto
Eu vi, então,
A traição,
115 A iniquidade,
A grosseria,
Toda a maldade
Da hipocrisia;
E tudo, enfim,
Tristonho assim,
Dissimulado,
Falsificado
No fingimento
Que aparecia
125 No barulhento
Rumor de vozes,
Notas atrozes,
De uma alegria
Jamais sentida,
Desconhecida
Naquele meio.
Eu contemplei-o
Cheio de horror
E vi que as flores,
135 As pedrarias
Tão luminosas,
Eram sombrias,
Eram trevosas,
Pois só cobriam
140 Míseros trapos,
Pobres farrapos
De almas perjuras
Ao seu Criador,
Fracas criaturas
145 Baldas de amor.
E, condoído,
Desiludido,
Desanimado,
Num forte brado
Disse ao Senhor:
“Onipotente
Pai de Bondade,
Oh! tem piedade
Dos filhos teus
155 Que choram, gemem,
Pálidos tremem
Ó Senhor Deus!
Faze que a luz
Do bom Jesus
160 Penetre a alma
Na Terra aflita,
Dando-lhe a calma
Que necessita.
Só conheci
165 E encontrei,
Só contemplei
O mal que vi”.
“Filho bendito
Do meu amor,
Sou teu Senhor,
175 E no Infinito
Tudo o que fiz,
Nada se perde,
Assim tornando
O ser feliz.
Contempla, ainda,
A Terra linda
E então verás,
Donde provém
A grande paz,
185 O sumo bem.
O grão tesouro,
Mais fino ouro
Dos filhos meus,
Está na luta,
Nos prantos seus,
Que lhes transforma
A alma poluta
Num ser radioso,
Astro formoso
195 De pura luz!”.
Eu ajoelhei
E contemplei
As multidões
Atropeladas,
Desenganadas
Nas perdições.
Vi transformadas
Todas as cenas;
Em todos os seres,
205 Homens, mulheres,
Jovens, crianças,
Nas grandes penas,
Nas esperanças,
Por entre a luz,
Por entre flores,
Brotar a flux
No coração
De cada ser,
Em profusão,
Gotas pequenas
Como as brilhantes
Luzes serenas
Das madrugadas
Primaveris.
Reconheci
Que por aí
Na escura Terra
Onde eu amei,
Sorri, chorei,
Onde sofri
E onde eu vi
A dura guerra,
A amarga dor,
Lágrimas belas,
Gotas singelas,
Meigas, serenas,
Eram açucenas
De fino olor
Do espaço azul!
Depois, eu vi
Que os que as vertiam
Por este mundo,
Vale profundo
De mágoa e dor,
Quando voltavam
Do seu exílio,
Eram saudados
Por mensageiros
De amor e luz
Do bom Jesus,
Que os coroavam
Com gemas finas,
Joias divinas
Do escrínio santo,
Primor de encanto
Do amor de Deus.
Fui então vendo,
Reconhecendo
Que aqui nos Céus,
255 Lágrimas lindas
São transformadas,
Remodeladas
Para formarem
Belo diadema
260 E aureolarem
Os que as verteram
Aí na Terra.
E vi, então,
Em profusão,
265 Gemas brilhantes,
Alvinitentes,
Ricas, fulgentes
E deslumbrantes,
Que nem Ofir
270 Pôde possuir.
Sejam benditas,
As pequenitas
Gotas de pranto,
Orvalho santo
275 Do amor divino
Que dá ventura,
Tranquilidade,
Felicidade
Ao peregrino.
280 Bendito o Pai,
O Nosso Deus
Que abranda o ai
Dos filhos seus;
Que a alegria
285 E a paz envia
À Humanidade
Tão sofredora,
Com a lágrima bela,
Luzente estrela
290 Consoladora!
OC
Pátria ditosa e linda, e onde o mal
Desaparece ao meigo olhar do Amor,
Que entre os seres do Além é sempre igual,
No mesmo anseio santo e superior!
M
305 Não mais a dor intensa e desmedida
No momento angustioso de morrer,
Nem o pranto pungente por se ver
Um ser amado em horas da partida!...
O
Era uma alma
Formosa e bela:
Fúlgida estrela
De puro alvor,
Que habitava
Qual uma flor
325 O espaço infindo,
Imenso e lindo,
Nessas regiões
Onde há mansões
Purificadas,
Iluminadas
Do Criador.
Porém, um dia,
Disse Jesus
A quem vivia
335 Em meio à luz:
“Filho querido,
Estremecido,
Dos meus afetos!
Tu necessitas
Buscar a Vida
Em meio às vagas
Das provações!
Dentro das lutas,
Tredas disputas
Do Bem, do Mal,
É que verei
Se o que ensinei
Ao teu valor,
Aproveitaste
E assimilaste
Em benefício
Da lei do amor,
Do sacrifício!...
Tens a fraqueza
Da imperfeição;
Aqui, porém,
Já te mostrei
A lei do amor,
Luz do Senhor —
O sumo bem.
Tu lutarás,
Mas vencerás
Se bem souberes
Te conduzir
365 Nesses caminhos
Entre prazeres,
Risos e flores,
Por entre espinhos,
Mágoas e dores...
370 E se aprenderes
Saber viver,
Sorrir, sofrer,
Conquistarás
A grande paz,
375 A grande luz
Que eu, teu Jesus,
Reservarei
E hei de guardar
Para a tua alma,
380 Ao regressar.
A dor, somente
A luta amara
Lá nos prepara
Para vivermos,
385 Tranquilamente,
Nessas moradas
Iluminadas
Do nosso Pai!
Luta e trabalha
390 Singelamente
Nessa batalha
Que te ofereço,
P’ra conquistares
A luz, o amor
395 Do teu Senhor.
Tu viverás
Entre os brasões
Das ilusões
Da Terra impura;
400 Conhecerás
Lindas riquezas
Iluminando
E te ensinando
O bom caminho,
405 A boa estrada
E com carinho
Sempre a mostrar-te
A caridade
Com toda a luz
410 Que ministrei
Ao teu pensar,
E ora conduz
Teus sentimentos,
Teus pensamentos,
415 À perfeição
Do coração.
Caminha avante,
Na deslumbrante
Rota do amor!
420 Espalha o olor
Que já plantei
E fiz brotar,
Que cultivei
Dentro em teu ser.
425 Sê sempre amigo
Dos sofredores,
Dos que padecem
Sem conhecer
Sequer abrigo
430 Onde isolar-se,
Onde guardar-se
Das fortes dores
Que acometem
Os sofredores.
435 Sê a Bondade
Entre a maldade
Dos homens feros,
Ambiciosos,
Frios, austeros,
Pecaminosos.
Se assim fizeres
E procederes,
Sempre cumprindo
Os teus deveres,
445 Tornar-te-ás
Em verdadeiro
Anjo da paz,
Em mensageiro
Do Deus de amor.
Assim darás
À Humanidade
O testemunho
Da caridade
Do teu Senhor!”.
O que aprendera
No Infinito
E prometera
Ao bom Jesus,
Tudo esquecera
Em detrimento
Do sentimento
Que então trouxera,
515 Cheio de luz.
Refugiou-se
Na vã Ciência,
Despreocupou-se
Com a consciência.
520 Na Academia
Dos homens sábios,
Ele esplendeu
No vão saber;
O infeliz ser
525 Viveu dos lábios,
Seu coração
Jamais viveu!
Foi uma flor,
Mas sem olor;
530 Fulgiu, brilhou,
Mas renegou
A lei do amor.
E da existência
Da própria alma
535 Por fim descreu,
A relegar,
Como um ateu,
Filho do Mal,
A imensa luz
540 Espiritual.
Foi refratário
Ao próprio afeto
Dos pais que o amavam
E idolatravam
545 Com mór ternura,
Dele esperando
Sua ventura.
Os próprios filhos,
Suaves brilhos
550 Da nossa vida,
Nossa esperança
Encantadora,
Os desprezou,
Somente amando
555 Sua ciência
Enganadora.
Só procurou
Brilhar, fulgir;
Nunca buscou,
560 Assim, cumprir
Sua missão.
Sempre espalhou,
Em profusão,
Suas ideias
565 Tristonhas, feias,
Do ateísmo
Desventurado.
Nunca estancou
Uma só lágrima;
570 Nunca pensou
Uma ferida,
Que brota nalma
Desiludida;
Não consolou
575 O que sofria,
De quem fugia
Sem compaixão!
Enfim, viveu
Só na Ciência,
580 Nessa existência
Que passa breve!...
O ingrato teve
Mil ocasiões
De praticar
585 Boas ações
E espalhar
O amor e a luz
Que o bom Jesus
Lhe concedera:
Mas, infeliz,
Jamais o quis.
Porém, um dia,
A Parca fria,
A morte amara,
Cruel, avara
E dolorosa,
O arrebatara
Nessa escabrosa
Escura via,
E o conduziu
Para o Infinito,
Onde, num grito,
Ele acordou
Do seu letargo,
Do sono amargo
Em que viveu.
Ao descerrar
O negro véu
Do esquecimento,
Sentiu seus olhos
Enevoados,
Tristes abrolhos
No pensamento!
Olhou o abismo
Do pessimismo
Em que vivera,
Por onde sempre
Se comprazera.
Sentiu-se, então,
Abandonado,
Amargurado
Na aflição!
Somente, assim,
Dentro da dor,
Lembrou de Deus,
Do seu amor,
A implorar
Da luz dos Céus
Consolação!
Das profundezas
Do coração,
Íntima voz
Disse-lhe então:
“Ó mau discípulo,
Em quem eu pus
Todo o esplendor
Da minha luz,
Do meu amor!
Tu te perdeste
Por teu querer,
Pelo viver
Que demandaste.
Jamais soubeste
Te conduzir,
E assim cumprir
O teu dever.
Por isso, agora,
Minh’alma chora
Ao ver que és
Mísero ser.
Tu renegaste
E desprezaste
A inspiração
Do Deus de Amor!
Tua missão
Que era amar
E assim curar
A alheia dor,
Em luz perdida,
Foi convertida
Em fero braço
Esmagador.
O grande amor
— Fraternidade,
665 Que então devias,
Entre alegrias,
Oferecer
À Humanidade,
O abafaste
670 Como se fosse
Assaz mesquinho,
Quando só ele
É o caminho
Que nos conduz
675 À salvação,
À perfeição,
À região
Da pura luz!
Sempre esqueceste
680 Os teus deveres.
Dos próprios seres
Que te adoravam,
Que mais te amavam,
Foste inimigo,
685 E até negaste
A existência
Da própria alma,
A consciência!
Constantemente,
690 Continuamente,
Foste um ingrato
E eu te julgara
Um lutador
Intimorato!...”
“Ó Mestre Amado,
Sei que hei pecado
E transgredido
As tuas leis,
Tendo comigo
A tua luz,
Ó bom Jesus!
E mesmo assim,
Eu me perdi
Por meu querer,
Pois não cumpri
O meu dever!...
Fui a grilheta
Da impiedade,
Pobre calceta
Da iniquidade.
Mas tu que és bom,
Tão justo e santo,
Sabes do pranto
Das minhas dores,
No meu viver
Sem luz, sem flores,
E hás de acolher
Minha oração
Cheia de fé!...
Dá-me o acúleo
Da expiação,
Para que seja
Exterminado
O meu orgulho.
Oh! dá-me agora
A nova aurora
De uma existência
De provação.
Quero sofrer
Dura pobreza,
Sempre viver
Na singeleza.
O meu desejo
É só voltar
À Terra impura
Onde eu pequei,
Para ofertar
À criatura
O grande amor
Que lhe neguei.
Não quero ter
Nem um só dia
Dessa alegria
Que desfrutei,
Mas só trazer
No coração
Todo o amargor
Da privação.
825 Não quero ver
O dealbar
De uma esperança;
O próprio lar,
Onde se encontra
830 Maior ventura,
Não quero ter;
Nunca, jamais,
Hei conhecer
O que é sorrir!
835 Quero existir
Desconhecido,
Incompreendido
Em minha dor;
Então serei
840 Ramo perdido,
Árido e seco
Pelo vergel
Enflorescido.
Conhecerei
845 A dor cruel
Que nos retalha
O coração.
Nessa batalha
Que empreenderei,
850 Quero ganhar
E conquistar
A luz, o pão,
O agasalho,
Com meu trabalho.
855 Eu só almejo
Compreensão
Para mostrar
O teu perdão,
Claro e sublime
860 Para o meu crime,
Ó bom Jesus,
Ó Mestre Amado!
— Eu lutarei
E chorarei
865 Nas rijas dores
Mais inclementes,
Nos turbilhões
Incandescentes
Das amarguras,
870 Cruéis e duras
Das aflições.
Agora eu vejo
Que na existência
A grã ciência
875 Só é grandiosa,
Só é formosa,
Quando aliada
Da caridade,
O puro amor.
880 Quero com ardor
Bem conquistar
A perfeição!
Serei, portanto,
Neste planeta,
885 Como a violeta
Sob a folhagem...
Viver somente
Pela voragem
Das desventuras.
890 Quero sofrer
Com humildade,
E sempre ter
Em mim bondade,
Feliz dulçor
895 Da caridade!...”.
E o Mestre Amado,
Compadecido
Do pobre Espírito
Dilacerado,
900 Enfim, perdido,
Deu-lhe o perdão,
A permissão
Para voltar
À antiga arena
905 — Luta terrena,
Oferecendo-lhe
Ocasião
Para tornar-se
Mais venturoso
910 E sempre digno
Do seu perdão.
Seja bendito,
Pelo infinito
Desenrolar
915 E perpassar
De toda a idade,
O bom Jesus,
Que, com sua luz
E terno amor,
920 Escuta a prece
De quem padece,
Fazendo assim
Desabrochar
O dealbar
925 Das alvoradas
Iluminadas
De muitas vidas,
Belas, queridas,
Para lutarmos
930 E nos tornarmos
Dignos do amor
Inigualável,
Incomparável,
Do Criador!
N D
Num certo dia
A Ambição,
De parceria
Com o Orgulho,
Chamou o homem
Jatancioso,
Rude e cioso
Do seu poder
E vão saber,
E assim lhe disse:
“Homem, tu és
Senhor potente,
Grande e valente
Aqui no mundo;
E se quiseres
Tornar-te um rei
Da imensa grei
Da Criação,
É só viveres
A procurar
Mais dominar
Os elementos
A transudar
Nos sentimentos.
Maior coragem
960 Para ganhares
Sempre vantagem
No teu viver,
E conquistares
Sempre o poder
965 Dos triunfantes.
Aos semelhantes
Em vez de amá-los
Tais como irmãos,
Faze-os vassalos
970 No teu reinado,
Glorificado
De grão-senhor!”.
E o pecador,
Ser imperfeito
975 Se achasse embora,
A seu agrado,
Bem satisfeito,
Foi sem demora
Então chamado
980 Por um juiz
De retidão,
Que é a Consciência,
Nesta existência
De provação,
985 Que então lhe diz:
“Mas, e o bom Deus
Que está nos Céus,
Que tudo vê,
Sabendo assim
990 Quanto a tua alma
Dele descrê?
Ele é o teu Pai,
O Criador,
O Deus de amor.
E o bom Jesus,
Nosso Senhor,
Mestre da luz,
O Filho amado
Que à Terra veio,
A este mundo
Ingrato e feio
A redimir,
E assim banir
O teu pecado?
Ele te amou
E te ensinou
Que ao teu irmão
Tu deves dar,
Nunca negar
A tua mão;
E espalhar
Somente amor,
A relegar
Toda a maldade,
Para que um dia
Te fosse dado
Reconhecer,
Com alegria,
O solo amado
Do eldorado
Dos belos sonhos,
Lindos, risonhos,
Do teu viver.
Assim, procura
Melhor ventura
Em só buscar,
Acompanhar,
Seguir Jesus
Em sua dor,
Em seu amor,
Em sua cruz!”.
Eles, então,
Lhe responderam
No mais profundo
1055 Do coração:
“Esse conselho
É muito velho!
Deus é irrisão.
E o tal Jesus,
1060 Com sua cruz
E seu calvário,
Somente foi
Um visionário.
Enquanto Ele
1065 Só te oferece
Amargas dores.
Desolações,
Tristes agruras,
Cruéis espinhos,
Nós concedemos
Ao teu valor
De grão-senhor
Sublimes flores,
Lindos brasões,
Grandes venturas
Nesses caminhos.
E assim, quando
O homem fraco
E miserando
Mais se exaltou
E se jatou,
Onipotente,
Chegou a Dor
Humildemente,
1110 A lapidária,
A eterna obreira,
A mensageira
Da perfeição,
Nessa oficina
1115 Grande e divina
Da Criação;
Fê-lo abatido
E desolado,
Até enojado
1120 Do corpo seu:
Apodreceu
O seu tesouro.
E o homem-rei
Reconheceu
1125 Que o paraíso
Dos sãos prazeres
Vive nas luzes
Só da virtude,
No cumprimento
1130 Dos seus deveres,
Na humildade,
Na caridade,
Na mansuetude,
Na submissão
1135 Do coração
Ao sofrimento,
Quando aprouver
Ao Deus de Amor
Oferecer
1140 Rude amargor
Ao nosso ser.
Depois, então,
De mui sofrer
E padecer
1145 Na expiação,
Reconheceu
A nulidade,
A fatuidade
Da vil matéria!
Na atroz miséria
Dessa agonia,
Só procurou
Buscar se via
Os seus mentores
Enganadores,
Altivos filhos
Da veleidade.
Só encontrou
O juiz reto,
O Magistrado
Incorrutível
Da consciência,
E que, num brado
Indescritível,
Em consequência,
Lhe fez com ardor
Ao coração
Ermo de afeto,
Ermo de amor,
A mais tremenda
Acusação!
É o que acontece
Em toda a idade,
Com a maioria
Da Humanidade;
Pois sempre esquece
Os seus deveres
E se submerge
Nos vãos prazeres.
Para a alegria
Fatal converge
O seu viver,
Para o enganoso,
Efêmero gozo
1185 Do material,
A esquecer
Tudo o que seja
Espiritual.
Feliz de quem
1190 Aí procura
Maior ventura
No sumo bem;
Porque verá,
Contemplará
P A -
Além do túmulo o Espírito inda canta
Seus ideais de paz, de amor e luz,
No ditoso país onde Jesus
Impera com bondade sacrossanta.
A
“Ó Lua branca, suave e triste,
— A mãe pedia, fitando o céu —
1215 Dize-me, Lua, se acaso viste
Nos firmamentos o filho meu.
A Morte ingrata, fria e impiedosa,
Deixou vazio meu doce lar,
Deixou minh’alma triste e chorosa,
1220 Roubou-me o sonho — deu-me o penar.
Se tu soubesses, Lua serena,
Como era grácil, que encantador
Meu anjo belo como a açucena,
Cheio de vida, cheio de amor!...”
— Se tu me odeias, se me detestas,
Contudo eu te amo e pergunto: quem
Não tem saudades das minhas festas?
O teu anjinho teve-as também.
L
Minha mãezinha, alguém me disse,
Que tu te foste, triste sem mim;
Já não me embala tua meiguice,
E não podias partir assim.
O
Dizia o pobre leproso:
— Senhor! Não tenho mais vida.
Sou uma pútrida ferida
Sobre o mundo desditoso!
B
Vê-se a miséria desditosa
Perambulando numa praça;
Sob o seu manto de desgraça
1380 Clama o infortúnio abrasador.
Eis que a Fortuna se lhe esconde;
E passa o gozo, muito ao largo;
E ela chora, ao gosto amargo,
O seu destino, a sua dor.
O
A Ti, Senhor,
Meu coração
Imerso em dor
Aflito vem,
Pedindo a luz,
Pedindo o bem
E a salvação.
Pedir a quem,
Senão a Ti,
Cuja bondade
Me sorri
E me conduz
À imensidade
Da perfeição?
És a piedade
Divina e pura
Que à criatura
Dá luz e pão.
Sou eu, somente,
O impenitente
Na expiação.
Em Ti, portanto,
Confio e espero,
De Ti eu quero
1415 Me aproximar!
Consolo santo,
Para o meu pranto
Venho implorar.
AF
Anda a Fortuna por uma praça,
Fala à Ventura com riso irmão,
E mais adiante topa a Desgraça,
E altiva e rude lhe esconde a mão.
O
Vós que sois a mãe bondosa
De todos os desvalidos
Deste vale de gemidos.
Mãe piedosa!...
Maria! — consolação
1465 Dos pobres, dos desgraçados,
Dos corações desolados
Na aflição,
Compadecei-vos, Senhora,
De tão grandes sofrimentos,
1470 Deste mundo de tormentos,
Que apavora.
[O :]
Pai de amor e caridade,
Que sois a terna clemência
E de todas as criaturas
Carinhosa Providência!
Que os homens todos vos amem,
Que vos possam compreender,
Pois tendo ouvidos não ouvem,
E vendo não querem ver.
A
Além da sepultura, a nova aurora
Luminosa e divina se levanta;
Lá palpita a beleza onde a alma canta,
À luz do amor que vibra e revigora.
S
Como outrora, entre ovelhas desgarradas,
O coração tocado de agonias,
O Mestre chora como Jeremias,
Vendo o mundo nas lutas condenadas.
A
O Senhor da Verdade e da Clemência
1525 Concedeu-nos a fonte cristalina
Da prece, água do amor, pura e divina,
Que suaviza os rigores da existência.
F
Fraternidade é árvore bendita,
Cujas flores e ramos de esperança
Buscam a luz eterna que se agita,
Rumo ao país ditoso da bonança.
L
Vós que buscais além da sepultura
A resposta de luz da Eternidade,
Nunca olvideis a Excelsa Claridade,
1555 Que reside convosco em noite escura.
Somos todos a Grande Humanidade,
Em direção à Fonte Eterna e Pura,
Somos em toda parte a criatura
Buscando os dons supremos da Verdade.
E
Ainda e sempre o Evangelho do Senhor
É a mensagem eterna da Verdade,
Senda de paz e de felicidade,
Na luz das luzes do Consolador.
N N
— Minha mãe, por que Jesus,
1595 Cheio de amor e grandeza,
Preferiu nascer no mundo
Nos caminhos da pobreza?
Por que não veio até nós,
Entre flores e alegrias,
1600 Num berço todo enfeitado
De sedas e pedrarias?
Di-lo:
O Sol já da montanha
Nos disse adeus! Adeus!
E a cúpula dos céus
Ficou pálida e estranha
(Id. — Odes e canções, “Heresta”, tomo I, estrofe XIII, p. 105) —, assim
começa Heresta a responder ao pedido de inspiração do poeta. A imagem
impressionista que fica daquela “cúpula dos céus” que “ficou pálida e
estranha”, não é só imagem — embora de singular riqueza —, é juízo de valor,
é a afirmação da pobreza das coisas ausentes de luz, porque a maior ambição
humana do poeta está na busca das coisas iluminadas.
A Lua desce,
E, ao seu clarão,
A mágoa cresce
No coração.
(Id. — Cançonetas, “Letra”, tomo I, estrofe I, p. 16. São os quatro
primeiros versos de cinco das seis sextilhas do poema.) [...] Não sendo a
poesia do Campo de flores manifestação de plena convicção no ato criador
poético, estando ela preocupada em extrair das coisas a poesia natural (e, por
extensão, divina), é no sentido fragmentário do mundo-que-fala que o poeta
vai buscar os elementos poéticos de suas composições. Esses elementos
constituem-se nas correspondências que procura, para a expressão, à
exceção da luz — e de seus componentes —, que não é propriamente
correspondência, mas essência, ou melhor, incidência: “Há uma luz mais
clara/ Que a luz do pensamento: /A dessa imagem cara.../ A deste
sentimento!”. (Campo de flores — Elegias, “Último adeus”, tomo I, estrofe II-IV,
p. 258.) Daí, o deslumbramento pela imaterialidade da luz, a que se somam
consequências de ordem material as mais variadas, é uma das constantes
também:
Surge, acende
Em minha alma vida e luz,
Vida e luz que em tempo ainda,
Viva e linda,
Me juraste por Jesus!
(Id., Odes e canções, “No túmulo”, tomo I, estrofe III, p. 121), uma forma
de integração de seu próprio ser na essência daquela qualquer--coisa que
busca incessantemente: “Me banha a mim, também, na luz amiga” (id., ib., “A
um retrato”, tomo I, estrofe III, p. 111), porque “[...] tudo se reduz/ Para mim,
neste mundo, a essa luz!” (id., ib., “Olhar”, tomo I, estrofe XIV, p. 163), luz de
valores múltiplos, escalonados de maneira ampla e incomensurável. Ora, se a
luz encarna o essencial da expressão poética, devido a essa escola ampla de
valores, explica-se por que ela é o recurso fundamental de dizer: porque,
representando ela a essência de tudo, especificamente não afirma nada de
particular. É, portanto, um recurso impressionista e subexpressivo na medida
em que, enquanto amplidão, pode traduzir a gama das impressões líricas que
o artista recebe do mundo e das coisas, sem referir-se, em particular, a nada.
A vida
Foi-se-me pouco a pouco amortecendo
A luz que nesta vida me guiava,
Olhos fitos na qual até contava
Ir os degraus do túmulo descendo.
Santificado, Senhor,
Seja o teu nome sublime,
Que em todo o Universo exprime
Concórdia, ternura e amor.
Auxilia-nos, também,
Nos sentimentos cristãos,
A amar nossos irmãos
Que vivem longe do bem.
P
Poesia da Natureza
Embalsamada de olores,
Ornamentada de flores
Que os meus encantos resume;
Poema de singeleza
Esplendente e delicada,
Como raios de alvorada
Cheia de luz e perfume!
Suavidade e doçura
Das rosas, das margaridas,
Das lindas sebes floridas
Nos dias primaveris:
Radiosidade e frescura,
Fragrâncias, amenidade,
Aromas, alacridade
Dos cenários pastoris!
As cotovias cantando,
As ovelhinhas balindo,
As criancinhas sorrindo
Na alegria das manhãs;
Jovens felizes amando
Entre arroubos de ternura,
Cariciosa ventura
No abril das almas irmãs.
Belezas de canto agreste
Nas urzes da Terra escura,
Tão cheia de desventura;
Entretanto, imaginai
A Natureza celeste
Longe da Terra sombria,
Na glória do Eterno Dia
Do reino de Nosso Pai.
A
Passarinhos... passarinhos...
Aconchegados nos ninhos,
Lares de amor doce e brando,
Pequeninos trovadores
Entre as árvores e as flores,
Cantando...
Cantando...
Crianças, anjos suaves,
Mimosas quais bandos de aves
Cortando um céu claro e lindo,
Açucenas perfumadas,
Com as pétalas orvalhadas,
Sorrindo...
Sorrindo...
Hino terno de esperanças
Das aves e das crianças,
Vai-se com a luz misturando,
Tecendo as horas serenas
Das alegrias terrenas,
Sorrindo...
Cantando..
Comentários de Elias Barbosa
S
Quando a morte chega em casa,
A casa faz alarido,
Parece até que se arrasa
Sob as chamas de um incêndio;
O povo está reunido
Quando a morte chega em casa.
O cristão ou o pecador
Ela conduz sem ruído,
Não perde tempo em clamor,
Em atenções e conversas,
Leva sem tempo perdido
O cristão ou o pecador.
D
Que amargo era o meu destino!...
Tristezas no coração,
Tateando dificilmente
No meio da escuridão...
Patetice é ensinar
Verdade aos homens sem fé.
Jogar pérolas a tolos,
Nem tão boa coisa é.
Comentários de Elias Barbosa
E no cochicho o motejo
Passa à amiga enredadeira...
Desta passa à cozinheira...
Tudo cochicha entre os seus!
E ouvindo sempre cochichos...
O homem desesperado
Pra rua corre, aterrado,
A morte pedindo a Deus!
(p. 80 a 83)
59
Raimundo Correia, Poesia completa e prosa, Texto, cronologia,
notas e estudo biográfico por Waldir Ribeiro do Val; Introdução Geral
— Manuel Bandeira e Waldir Ribeiro do Val. Rio de Janeiro: José
Aguilar Ltda., 1961, p. 482.
L G J
Poeta brasileiro, nascido no Rio de Janeiro, em 17 de fevereiro
de 1845, e desencarnado em Lisboa com 53 anos. Foi jornalista,
comediógrafo e diplomata. Entre suas obras, Corimbos, Noturnos,
Lírica etc., sobressai Sonetos e rimas, que ainda hoje se lê com
encanto. Foi membro da Academia Brasileira de Letras.
S
Na escuridão dos anos procelosos,
Da velhice nos dias mal vividos,
Eu quisera voltar aos tempos idos
Da juventude, aos tempos bonançosos.
Em “Hora de amor”:
Em “O beijo da morta”:
Em “A sertaneja”:
Em “Triste volta”:
Em “A morte de Gabriel”:
Multiplicar a vida
É amar sem restrições
A flor, a ave, os corações,
Tudo o que nos rodeia.
Atenuar a dor alheia,
Sorrir aos infelizes,
Bendizer o caminho que nos leva
Da treva para luz;
Agradecer a Deus, que é Pai bondoso,
O firmamento, o luar, as alvoradas,
U
Todos nós somos irmãos,
Porque os nossos espíritos
São unos na essência...
Todos nós somos fragmentos
Da mesma luz gloriosa e eterna
Da sabedoria inescrutável
Do Criador,
Cujas mãos magnânimas e misericordiosas
Espalharam com abundância
Nas vastidões imensuráveis do éter,
Infinitas e esplendorosas,
Terras e almas,
As quais no divino equilíbrio do Amor
Buscam a perfeição indefinida.
Todos nós somos irmãos,
Porque nutrimos indistintamente
A mesma aspiração do Belo e do Perfeito,
O mesmo sonho,
A mesma dor na luta
A prol da redenção.
Espiritualmente,
Somos filhos de um só Pai,
Somos as frondes que se interpenetram
De uma só árvore genealógica,
Cuja raiz insondável
Está no coração augusto de Deus,
O qual, por uma disposição inexplicável,
Encerra em si
Todos os mundos,
Todas as almas,
Todos os seres da Criação!
N
O templo da morte tem portas incontáveis,
Como incontáveis são as almas humanas,
E infinitos seus estados de consciência.
E a pobre regressou...
Conduzida pela Dor,
Banhou-se na água lustral dos tormentos,
Submergiu-se no regato encantado, de cuja fonte límpida
promana a
[Salvação.
E depois de haver percorrido
Tão tortuosos caminhos,
Inçados de perigos
E de dores amargas,
Reconheceu o luminoso Anjo da Dor...
E nos seus braços magnânimos e compassivos,
Penetrou no templo misterioso da morte
Pela porta maravilhosa da Redenção.
J
Jesus foi na Terra
A mais perfeita encarnação do Amor Divino.
E ainda hoje,
Nos dias amargurados que transcorrem,
É para a Humanidade
A promessa da Paz,
O manto protetor
Que abriga os aflitos e os infelizes,
O pão que sacia os esfomeados das verdades eternas,
A fonte que desaltera todos os sofredores.
L - C
148 És uma estrela caída
Sobre os pauis da Terra...
Acima de todas as coisas transitórias,
Que se desfazem como as neblinas aos beijos leves do Sol,
Quando sofreres,
Busca aspirar esse aroma divino
E tua alma sofredora
Sentir-se-á envolta na beleza,
No eflúvio peregrino
Que mana fartamente
Dos espaços imensos!...
Na amargura e na dor,
Lembra esse dia que te espera
Na indefinível primavera
Gloriosa de amor.
A
Eu vivia no Claustro,
Na sombra silenciosa dos mosteiros.
Mas um dia,
Quando as penitências mortificavam
O meu corpo alquebrado e dolorido
E a oração
Era o conforto do meu coração,
Disse-me alguém:
“Minha filha,
Juraste fidelidade só a Deus,
Mas se entrevês os Céus
E as suas maravilhas,
Se tens a Fé mais pura,
A Esperança mais linda,
Não te esqueças que a Caridade,
O anjo que nos abre as portas da Ventura,
Não permanece
No recanto das sombras, do repouso;
Se ama a prece e a pureza,
Não faz longas e inúteis orações:
Ela é a serva de Deus
E as suas preces fervorosas
São feitas com as suas mãos carinhosas,
Que pensam no coração da Humanidade
Todas as chagas abertas
Pelo egoísmo...
Está sempre em meio às tentações
Para vencê-las,
Esmagá-las com o Bem,
Destruí-las com Amor.
A solidão da cela é um crime;
Não te retires, pois, do mundo.
Darás a Deus, sem reserva, a tua alma
Amando o próximo,
Que contigo é seu filho dileto.
Será um hino constante subindo aos Céus;
Sê a mãe desvelada,
A irmã consoladora,
A companheira terna
De todos aqueles que te rodeiam
Na estrada longa dos destinos comuns;
Sê a abnegação e a bondade serena,
E a tua Fé
Será um hino constante subindo aos Céus;
A tua esperança em Deus
Será dilatada,
Para que vislumbres as felicidades celestes
Que esperam os justos na Mansão da Alegria...”.
Meu corpo não resistiu
Aos cilícios que o martirizavam
E minh’alma tomada de emoção
Abandonou-o, brandamente,
Atraída pela Verdade,
Desprezando o repouso e a soledade,
Sonhando com a luz do trabalho
Em outras vidas benfazejas;
Porque a verdadeira paz de espírito
É conquistada
No seio das lutas mais acerbas,
Dos mais rudes pesares.
E só a dor que nos crucia
Ou a dor que consolamos,
— Somente a Dor em sua essência pura
Nos desvia da amarga desventura,
Purificando os nossos corações
Na conquista das altas perfeições.
M
Maria
É a Mãe piedosa
De todas as mães resignadas e sofredoras.
É a consolação
Que se derrama puríssima
Sobre os prantos maternos,
250 Vertidos na corola imensa das dores;
É o manto resplandecente
Que agasalha os corações das mães piedosas,
Amarguradas e infelizes,
Que orvalham com lágrimas benditas
As flores do seu amor desvelado,
Espezinhadas pelo sofrimento,
Fustigadas pelo furacão da desgraça, atropeladas pelo mal,
Perseguidas pelo infortúnio
No sombrio orbe das lágrimas e das provações.
Avatara
II
Ah!... se a Terra tivesse o amor, se cada
Homem pensasse no tormento alheio,
Se tudo fosse amor, se cada seio
De mãe nutrisse os órfãos... Se na estrada
O poema “Ao menos uma vez em toda a vida” (p. 116 e 117) é a
exaltação da Verdade que, no dizer do poeta, “Como os fantasmas,
que mal chegam, somem”:
Entretanto,
Eu era também cego no meio dos vermes vibráteis que são os
homens,
E não Te encontrava pelos caminhos ásperos...
Chamaste-me, porém,
Com a mansidão de Tua misericórdia infinita.
Não disseste o meu nome para não me ofender;
Chamaste-me sem exclamações lamentosas,
Com o verbo silencioso do Teu amor,
E antes que a morte coroasse a Tua magnanimidade para
comigo,
Vi que chegavas devagarinho,
Iluminando o santuário do meu pensamento
Com a Tua luz de todos os séculos!
E entendi-Te, Senhor,
Nas Tuas maravilhas de beleza,
Quando Te vi na paz da Natureza,
Curando-me com a Dor.
N
Eu ainda não era um homem,
Quando subi aos elevados promontórios da esperança,
Divisando os países da beleza.
Meu coração pulou com um ritmo descompassado
E desejei a luz das cidades distantes,
O perfume das florestas prodigiosas
Onde cantavam as aves da mocidade e da glória.
De “Tarde de revelação”:
Meu Pai,
Bem sei
Que mal
Andei,
Buscando
O erro
E a imperfeição;
Assim
Pequei,
Na treva
Errei,
E jus
Eu fiz
À expiação.
Vós sois,
Porém,
Farol
Do Bem!
Ouvi
Dos Céus
Minha oração.
Sois vós
A luz,
E junto
À cruz
Do meu
Sofrer,
Quero o perdão;
Perdão
Que traz
Sossego
E paz
Ao meu
Viver
Na provação.
Suplico-o
A vós,
Na dor
Atroz,
Amara
E rude
Da contrição!
Dai ao
Meu ser,
Aflito
Ao ver
O seu
Pecado,
A redenção;
E hei de
Poder
Feliz
Vencer
Do mal
Cruel
O atroz dragão!
V S 12
Senhor dos Mundos, na Terra inteira,
Os maus somente é que dominam,
Rudes tiranos e os impiedosos
De coração.
Ganham favores, buscam louvores,
Espezinhando seus semelhantes,
Tripudiando nas vossas leis,
Ímpios que são.
Causam a ruína da vossa casa,
Lançam injúrias ao vosso nome,
Adoradores da iniquidade,
Da imperfeição.
Vossas ovelhas são confundidas,
E sufocadas pelo amargor,
Fracas e pobres andam saudosas,
Do vosso amor.
V S 18
Por toda a parte
Veja a criatura,
Na noite escura
Da sua dor,
A eterna força
De um Deus clemente,
Onipotente,
Cheio de amor.
Astros e mundos
No céu girando,
Aves cantando,
O mar e a flor,
Todos os seres
Hinos entoem,
Cantos ressoem
Ao Criador!
Eterno Artífice
Que os sóis modela,
Lustres da auréola
Da Criação,
Sois a bondade
A mais perfeita,
A Luz Eleita,
A salvação.
Doce refúgio
Dos desgraçados,
Aos meus pecados,
Muitos que são,
Imploro e clamo,
Com o meu esp’rito
Turbado e aflito,
Vosso perdão.
Que desprezei
O ouro brilhante,
Lindo e faiscante,
Bem sei, Senhor!
Como fugi
Da hora fugace
Que me afastasse
Do vosso amor!
Mas bem sabeis
Que a carne impura
Leva a criatura
A mais pecar;
Fazendo assim
P’ra meu tormento,
Meu pensamento
Prevaricar.
Porém, o vosso
Amor profundo
Redime o mundo
Do padecer;
Dando-lhe o tempo
E áspera lida
Para na vida
Tudo vencer.
Vós que acendestes
Faróis brilhantes,
Sóis rutilantes
D’almo esplendor,
Cantando a vida,
A onipotência
E a pura essência
Do vosso amor!
Que sois o sol
Dos universos,
Mundos dispersos
Na imensidão.
Além da força
Vós sois, também,
O sumo bem
E a perfeição
Que vence o mal,
O orgulho e a dor,
Que o pecador
No coração
Guarda com zelo,
Cruéis imigos,
Que são amigos
Da perdição.
Misericórdia,
Assim espero,
Almejo e quero
Para que eu
E os meus irmãos
O mal deixemos
E abandonemos
Buscando o Céu.
Por vossa causa
O maior gozo,
Esplendoroso,
Desprezarei,
Para que eu viva
Na luz fulgente,
Eternamente,
Da vossa lei.
Assim, Senhor,
Minh’alma aguarda
A luz que tarda
Ao mundo vão,
Que há de esplender
Nos homens todos,
Limpando os lodos
Da imperfeição.
Dominareis
Toda a impiedade
Pela verdade
Que em vós transluz!
E, servo, aguardo
Do vosso amor
Consolo à dor,
Amparo e luz!
Comentários de Elias Barbosa
Estrofe 1a
Ó homem, que fizeste? tudo brada;
Tua antiga grandeza
De todo se eclipsou; a paz dourada,
A liberdade com ferros se vê presa,
E a pálida tristeza
Em teu rosto esparzida desfigura
Do Deus, que te criou, a imagem pura.
.....................................................................
Antístrofe 6a
Negros vapores pelo ar se viram
Longo tempo cruzando,
Té que bramando mil trovões se ouviram
As nuvens entre raios decepando,
Do seio seu lançando
Os cruéis Erros e a torrente impia
Dos vícios, que combatem, noite e dia.
Epodo 6o
Cobriram-se as Virtudes
Com as vestes da Noite; e o lindo canto
Das Musas se trocou em triste pranto.
E desde então só rudes
Engenhos cantam o feliz melavado,
Que nos roubou o primitivo estado.
O
No interior
Do esplêndido alcáçar,
Agonizava o senhor
Dos domínios extensos.
O dono do solar
Nos espasmos intensos
Da agonia,
Em torno dirigia
Um último olhar,
E viu então
O seu brasão
Invicto e glorioso,
Insculpido nas fúlgidas realezas
Do castelo formoso,
Transbordante de glórias e riquezas!
N C
A alma extasiada
Sobe... sobe...
Há toda uma amplidão iluminada
À sua vista...
A estrada
É uma etérea alfombra
Sem resquícios de sombra!
É o domínio da luz que ela conquista!
Vibra no ar
Dulcíssima harmonia,
Como se fora feita
De luar,
De alegria...
De alegria perfeita.
Embaixo as vastidões,
Em cima, as emoções
Do Ilimitado.
Agora
É um raio de aurora,
Que um a um
Vão formando uma auréola
De brilhos santos,
Que a engrinalda de luz.
Em suavíssima unção,
A pobre alma orando,
Chorando,
Nessa prece
Reconhece
A alvorada de sua redenção!
Comentários de Elias Barbosa
É a imortalidade
Anelada, querida,
De pureza, de beleza,
De perfeição e de felicidade!
Dando-nos a ideia perfeita da difícil conquista da felicidade para
quantos perlustram os carreiros humanos.
Agora
É um raio de aurora,
Que um a um
Vão formando uma auréola
De brilhos santos,
Que a engrinalda de luz.
N A
Dentro da noite grandiosa e calma,
Deixo a minh’alma falar aqui,
Aos companheiros de luta e crença,
Da graça imensa que recebi.
Produção Editorial:
Rosiane Dias Rodrigues
Revisão:
Elizabete de Jesus Moreira
Jorge Leite de Oliveira
Capa:
Luisa Jannuzzi Fonseca
Thiago Pereira Campos
Projeto Gráfico:
Bruno Reis
Diagramação:
Bruno Reis
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Foto de Capa:
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Normalização Técnica:
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Diego Henrique Oliveira Santos