O poema descreve Hermelinda, uma menina de 10 anos, tomando banho nua em um ribeiro. Ela começa a sentir prazer ao se tocar e percebe que está sendo observada por um sapo. A menina fica envergonhada e sai correndo da água. O sapo sai de seu esconderijo também nu e corre atrás dela.
O poema descreve Hermelinda, uma menina de 10 anos, tomando banho nua em um ribeiro. Ela começa a sentir prazer ao se tocar e percebe que está sendo observada por um sapo. A menina fica envergonhada e sai correndo da água. O sapo sai de seu esconderijo também nu e corre atrás dela.
O poema descreve Hermelinda, uma menina de 10 anos, tomando banho nua em um ribeiro. Ela começa a sentir prazer ao se tocar e percebe que está sendo observada por um sapo. A menina fica envergonhada e sai correndo da água. O sapo sai de seu esconderijo também nu e corre atrás dela.
O poema descreve Hermelinda, uma menina de 10 anos, tomando banho nua em um ribeiro. Ela começa a sentir prazer ao se tocar e percebe que está sendo observada por um sapo. A menina fica envergonhada e sai correndo da água. O sapo sai de seu esconderijo também nu e corre atrás dela.
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ADORAÇÃO
Eu adoro o prazer, a carne nua,
A pele acetinada, Uns olhos onde amor vaga e flutua, A pálpebra roxeada; Uns vestígios de insônia transparente Num rosto virginal, A vida consumida ardentemente Num gozo sem rival! Eu adoro a mulher conforme a viram Os nossos mareantes, Quando às margens dos rios distinguiram A passos não distantes A cabocla que impávida mostrava O seio descoberto, Sem receios do olhar que a devorava Da gente ali tão perto! Eu adoro a mulher qual 'inda existe Nas selvas indianas A pensar no prazer, de rosto triste, À porta das cabanas... Porque sabe que custa-lhe na vida Amar com tanto ardor! E em troca de um sonhar ver estorquida A pudibunda flor!... Eu adoro a mulher como a gozara O deus mais sensual A banhar-se na veia d’água clara Em fios de cristal... E, qual cisne osculando o níveo seio, Ouvi-la suspirar! Eu adoro morrer de devaneio Contente por amar! AO RELENTO Amar! amar! eu sinto, com efeito, Que nasci para amar e nos teus braços Fartar-me de desejos... Que agradável prazer não tem meu peito, Quando sonho contigo a dar-te abraços E beijos sobre beijos! Oh! vem adormecer com teu amante Quando as brisas no val' forem plangentes Os ecos acordar; A lua que se erguer então distante Verá nossas cabeças 'inda quentes De gosto repousar! Nossos lábios dirão falas de amores, Alegrias de noites que passaram Ao sussurrar do vento; Ali, de teu viver sonhadas flores Ao fogo de meus beijos se abrasaram No gozo de um momento! E... te foste visão dos sonhos belos, Como a nuvem formada nas alturas Em rápido voar! Ó virgens que eu amei, louras Consuelos, O que vale sonhar tantas venturas Se a vida há de findar? LAIVOS DE DESCRENÇA [Ilegível]que je suis! A. DE MUSSET. Eu não creio, meu Deus, que além do mundo Exista outro viver, mansão de graça Diferente do báratro profundo! É tudo uma ilusão da humana raça, Baqueia inerme o corpo miserando Sobre a terra impelido da desgraça! A mente vos criou, sonho nefando, Como estorvo aos prazeres desta vida Gozados uma vez de quando em quando Mas eu é que não creio! parricida Serei de minhas crenças muito embora Embotando no lodo alma descrida! A ânsia do saber que o ser devora É quanto existe em nós de verdadeiro Tanto dentro da vida como fora!... Se Deus é nosso pai, seja o primeiro A chamar-nos a si, em boa hora, E dê-nos o gozar por derradeiro! VARIAÇÕES Eu era uma criança e duvidava Que existisse alguém mais, além das serras Onde o curvo horizonte terminava, Terminando também do mundo as terras; Ensinaram-me a ler, mal eu sabia Que a ciência não passa de utopia! Depois, fui me tomando de cuidado Desvendei outro mundo, céu e lua; Perguntei a meu ser quando agitado Se acaso imaginava a essência sua! Aos astros inqueri de noite e a medo Se se amava deveras em segredo. Amei por intuição: foi um delírio Meu primeiro, ideal e único amor! Sonhei a não poder sonhos do empíreo Um corpo demi-nu... um ai de dor! Sonhei como o andaluz em noite amena Sobre el seno anelante da morena. Uns dizem que o amor é dom celeste E provém da pureza de costumes, Da boa educação de um gênio agreste; Outros querem que o amor seja ciúmes! Tolice consumada! amor é chama, Apetite voraz para quem ama! A volúpia bebida em seios mornos Ou lábios coralinos de donzela Ardente de paixão sem os adornos Que tornam a criatura menos bela; Viver e alimentar-se em seu perfume É gozar-se o amor, eterno nume! E... caluda! me brada a musa em cheio Receando ofender a certa gente Que difere de nós, leitor, no seio... No modo de sorrir casto e inocente!. Fique embora incompleto o meu esboço A tratar de outras cousas me alvoroço! E que chorem as ninfas de desejos Por não lerem de amor fiel retrato; Eu descanto esses tipos sertanejos De suave candor e ameno trato: Um vate como eu consagra ao berço Ou na vida um poema, em morte um terço. Ó mágicas visões da infância bela Quantas vezes de noite no meu leito Não gemi de saudade! ou da janela De minha habitação, opresso o peito Nao mandei um adeus terno e queixoso Sobre as asas do vento suspiroso! Transporte-me o destino a outras terras Porventura aos países da Alemanha Inda há pouco exalçada pelas guerras... Visito muito embora ltália, Espanha, A pátria das morenas formosuras, Eu sempre amar-vos-ei crianças puras! LAMENTOS Só tu não vens à noite do espectáculo, Ó minha cara amante, Dançar à luz do gaz a valsa louca No baile delirante! Só tu não vens à noite do espectáculo Pular como a bacante! Num céu de amor os anjos se reclinam Em flácido dormir; Beijam-se nulas as huris formosas Sonhando no porvir! Num céu de amor os anjos se reclinam Que lânguido sorrir! Só tu longe de mim pensas — quem sabe? No ouro dos bordéis, E deixas de gozar ternas delícias Em meio aos ouropéis! Só tu longe de mim pensas — quem sabe? Nos falsos menestréis! VARIANTES Vem, musa do sertão! meu ser delira Reclina-te em meu peito brandamente E faz-me dedilhar na minha lira Mais um canto de amor em voz dolente! Minha amante serás peut-être esposa Se não fores visão mas outra cousa! Eu sempre fui um bardo esquisitório, Desejei ter amores com ciganas E viver escanchado a um refeitório Entre gregas, francesas, e romanas; Percorrer o Oriente e ser o guia Do moço D. Juan n’alguma orgia. O — banho — foi meu sonho, desejei-o A todos os momentos desta vida Mas nas ondas febris de um alvo seio, No mármore de uma alma apetecida, Com músicas sonoras de gemidos De soluços com ais interrompidos! Agora venha langue e pudibunda A virgem dos meus sonhos de estudante Dormir no meu regaço! à noite abunda Em prazeros ao peito de um amante! E o perfume que exalam seus cabelos Fará que os sonhos meus sejam mais belos! Adeus! vou repousar na pobre cama E, em vez de prosseguir que já me cansa, Sonhar com minha noiva que me ama E nutre lá por mim certa esperança… Se um dia me casar, (felicidade!) Verei quanto sonhei em realidade! CE PAYS – LA C’EST L’ITALIE Há no país das flores tênues névoas Que se levantam nas manhãs divinas, Sombras que passam de invisíveis anjos E são Leonora, a Beatriz do Dante, As doces Fornarinas! Oh! nessas ondas do saudoso influxo Vagam lembranças de inditoso amor E a voz de Tasso as solidões povoa E o eco espanta as alcions que gemem Aos lamentos da dor! Aí, as notas de uma lira aérea Também um dia repetiram santas Uma saudade à Graziela morta, Idílio casto copiado à noite Das harpas sacrossantas. Aonde, Itália, os teus poetas jazem? Aonde as crenças, a passada glória? Ai! se no leito se asfixia o gênio! Morre com ele a salvação da pátria, Os louros da vitória! Do céu azul as peregrinas nuvens Fogem medrosas n'amplidão sem fim! E à noite a lua não produz mais sonhos Nem Julieta, nem Romeu se beijam No ermo camarim… Roma foi sempre a meretriz dos vícios Mulher de todos que o prazer namora! O amor é vinho, as serenatas fumo, E à luz dos nichos das Madonas santas A crápula se adora! Bardos veneram teu passado, Itália, Como lembrança de um viver de mel E é a esta pátria que existiu outrora Que vem humilde consagrar um canto O estranho menestrel! FASCINAÇÃO (POEMA) Tardes frias de inverno, nuvenzinhas, Que passais ambulantes pelas serras, Não vos lembram o vir das noites minhas No remanso do lar em minha terra; Quando a lua surgia merencória, Assentado, a ouvir alguma história? Contavam os anciãos que os bons guerreiros Desses tempos heroicos que passaram Eram homens de gênio e os primeiros Das armas no valor que exercitaram E que as damas irmãs de tais soldados Eram fadas de reinos encantados. Às vezes assumindo um ar profundo Imprimiam à voz mais negras cores E falavam das almas do outro mundo Ensinando orações contra os pavores! A turba dos ouvintes se ausentava E um silêncio de túmulos reinava! Não é minha intenção tratar de cousas Que o passado envolveu no espesso manto; Pesem sobre os heróis marmóreas lousas... Leve o dia a rezar quem já for santo! Novas cenas direi e os meus louvores Serão à musa incauta dos amores! I Hermelinda era o nome que puseram Na pia batismal à heroína Do meu canto sem par; também disseram Que o padre crismador para o de Hermina Mudou lá por motivos de implicança Com parentes chegados da criança. Mas não seja esta a dúvida, eu desejo É que fiquem sabendo do ocorrido... Os padres têm poder pelo que vejo De em tudo se envolver, como é sabido! Voltarei ao começo do poema, Resolvendo-o à maneira de problema. O enredo se passa em um banheiro — Espécie de mansão — que cercam flores À margem caprichosa de um ribeiro… Cantam aves ali ternos amores De tarde, de manhã, ao vir da sesta, Transformando este sítio em viva festa. Habitava um dos cantos da casinha Um sapo-cururú muito falado; Saía a passear de tardezinha Disfarçando-se todo requebrado: Andava lá por fora e recolhia Ao primeiro bater de Ave-Maria. Ia ali se banhar da casa a gente Que teme expor-se às vistas dos humanos E o patusco bispava impertinente Com olhos cobiçosos e profanos As cenas do banheiro licenciosas Das pessoas despidas mais formosas! Tinha apenas dez anos Hermelinda E diziam « ser moça » nessa idade; Um sapo que a enxergasse nua e linda Não perdia seu tempo na verdade! E se o bruto sentia agros anseios Talvez fosse por ver-lhe os níveos seios! II Acontece que um dia estava nua Firmado o débil corpo num joelho Deleitando-se em ver a imagem sua Refletida nas águas como a lua E rindo à exactidão do argênteo espelho! Excitada depois entra no banho, Mergulha as leves mãos de fina alvura… Corre os dedos aos seios com amanho... Acende-se em sua alma um fogo estranho... E estremece de amor e de ventura! As carnes se dilatam brandamente Um suspiro arrebenta-lhe do peito! Ela olha-se toda languescente... Não sabe o que se passa em sua mente, Como veio a sentir tão doce efeito! III Presa assim de volúpia num assomo Repara então no sapo que fitava Um por um os seus modos, gestos, como Nas águas da corrente se mirava... Intenta resistir, súbito cora!... Dá um salto ligeira e pula fora!... Vendo-a agora a fugir o cururú Arrancou-se do amado esconderijo, (Escusado é lembrar que vinha nu) E prostrou-se na porta de olho rijo! Coberta de vergonha, raiva e nojo A mocinha lhe assenta o pé no bojo! O espião namorado e sem ventura Desprezado desta arte, toma brio E vinga-se em ferrar-lhe a dentadura!.. Sente febre Hermelinda, dor e frio, Volve à casa medrosa e alvoroçada Morrendo um mês depois envenenada! O herói do poema existe ainda Bem saudoso das formas sedutoras E do fogo ateado de Hermelinda Tornada de lascívia aquelas horas: Conservando a lembrança da pisada E a contacto da planta delicada! Moral não tem meu canto, mas verdade Afirmo-vos que encerra, meus leitores, Demais, onde se viu com pouca idade Fazer versos tão bons, zombar da amores? Admira ‘inda mais ver tal progresso! Quando tudo entre nós vai em regresso! E, sem ser absurdo, eu hei provado Que o bruto é como a gente quando ama. Sabe o homem falar mais namorado Enquanto ele mais sofre sobre a lama. Mas, ambos sentem amor com igual ânsia E eis o que parece extravagância! PARALELO Eu não posso te amar! dei os meus votos A outra que tu não. O sentimento puro de amizade É quanto inda me resta e posso dar-te-o E ser o teu irmão. Aquela que eu amei, que adoro ainda Foi meu primeiro amor! É bela como tu; não é morena Mas seus cabelos são também castanhos, Os olhos mesma cor! Tu te fazes mais bem recomendada À minha gratidão; Ela nunca me deu um só abraço E esses beijos que lágrimas orvalham Na febre da paixão! Ela via-me, ó certo, cismabundo, À margem do caminho: E sentia-me ao ver bater-lhe o seio, Como a onda que busca a praia langue Mas treme de um carinho! Sabia que me amava; que em seus sonhos De amor e adoração O meu nome escapava-lhe dos lábios, E de alguém era ouvido, que afirmava Ser meu seu coração. Mas sempre persistia em ocultar-me Os pensamentos seus... E o que pode dizer aos treze anos A criança que iguala as nuvens louras Dos azulados céus? Nessa idade feliz a virgem sonha A vida uma ilusão! Nos arroubos suaves da poesia A alma a Deus se eleva « como incenso Nas asas da oração! » Inda assim te direi tens sobre ela Não raros predicados, Não de essência morais porém riqueza. Abundância de carne e de contornos E gestos mais ousados! Amizade ou amor, o sentimento Que ao serrar tua mão Eu vejo des’brochar dentro em minh'alma É contrário ao que nutro ‘inda por ela, Dir-se-ia uma paixão! És em tudo a rival mais perigosa Do meu primeiro amor! E eu desejo viver tanto a teu lado Como outrora cismar no que ela era Em relação à flor! Parece que ao me ver um fogo estranho Anima-te a expressão! Se me abraças ou beijas com ternura Não podes sufocar tamanha chama Que lavra o coração! EU AMO Eu amo essas cabeças dissolutas Que vendem no balcão seu corpo imundo... O amor das mulheres prostitutas Tem não sei quê de grande e de profundo! Que fora de nós outros sem aquela Doce consolação e paz da vida Que em vez de procurar numa donzela Encontramos no seio da perdida! Não desamo o pudor, fruto divino, Um sorriso de Deus humanizado; Ahasverus do amor cantando um hino De donzela em donzela enamorado! Mas hoje só se encontra a hipocrisia Na fronte da mulher não pervertida, O pudor é talvez uma ironia A face da razão sempre iludida! E por isso eu adoro uma loucura Que é filha do prazer-necessidade, A mulher que se vende é talvez pura Mas renega este Deus-sociedade. Qual delas é melhor? uma perdida Que se apoia ao luar no peitoril E trata de ganhar lícito a vida C’um sorriso de amor quase infantil Ou aquela que volve delirante De um baile onde gozou horas inteiras E, em vez de adormecer, sonha um amante E timbra em se mostrar no lar de olheiras? É tão belo dormir num seio impuro Como em sonho acordar num virgem seio! A sede do prazer é o crânio escuro... O amor nada mais que um devaneio! MORTAL OU DEUSA Quem era esta mulher? quem senão deusa Me fazia sonhar tão largas noites Um gozo celestial! Mas, a crença de Deus repele os mitos... O que um vate adorara em forma d'anjo Era simples mortal? Na dúvida me tens, doudo Hamleto! É filha de Satan que veio ao mundo Trazer-me o desvario? Ou pensamento humano que se gera Num cérebro que oscila como lampa As refregas do frio? ____ Assim fizeste o ser, Deus de piedade, Amassaste a cansar a podre argila E deste-lhe a razão, Para ver-se ludíbrio de si mesma, Entregue das puixões ao desespero Imbele e sem ação! Eu fui uma das vítimas expostas A execração dos mais, a turba infame Escarneceu de mim! Os homens de razão que eu conhocia Atiravam-me ao rosto estes motejos: Só pensa em serafim! Era um louco, meu Deus, mais do que louco, Destinado a morrer como mendigo No chão dos hospitais! E tudo, meu Senhor, porque eu amava E sentia meu peito arder constante No fogo das vestais! Se é vedado subir assim tão alto, Por que deste, meu Deus, as asas de ouro Do ardente fantasia? Pra que plantaste em nós esta faísca Imitação do céu, da divindade, O amor da poesia? A carne é como um freio que impuseste A razão, ao saber para vingá-los, No mundo do prazer! Assim quem tem amor padece febre De gozo e de mais gozo insaciável De beijos de mulher! E chamam de loucura uma miséria, Uma herança do céu que teve o homem Das mãos do Criador? E riem-se de dó quando ele passa, Mau grado o seu semblante moribundo De desbotada cor! Há também dentro em nós orgulho tanto., Desprezo esmagador, soberba e ódio, Quanto neles de ruim! Fitamos outro sol, à luz que emana Do direito e da lei nós caminhamos Pra onde não tem fim! ____ Por ela é que eu sofri um tal martírio Fui poeta cantei por entre as turbas Nos desvarios meus! Às vezes era um anjo que me ouvia, Outras vezes mortal, algumas, deusa Nos atrativos seus! A meu lado inspirava-me cantigas, Me fazia beber néctar suave Nos beijos que me dava? Longo tempo viveu, gozou comigo Esfolhamos a flor aos quatro ventos Da vida que passava! LINA Porque coras tanto, Lina? Eu dizer que tens as pernas Muito mais grossas que as minhas É razão para corares?... Benza-te Deus! que menina! Querias tê-las fininhas? Que farias se eu ousasse Beijar-te as mãos delicadas Quando as encerro nas minhas? Não compreendo essas moças, Coram de súbito as faces Por cousas inocentinhas! Agora, cautela! Lina. Não falarei nem por sonhos De certas tolices minhas! Por exemplo aquela tarde, Que eu te vesti de menino E fui mostrar-te às vizinhas! Bom tempo, Lina, faz pena Que se findasse depressa! Doíam-me as pernas minhas De correr atrás de ti... Eras galante pequena! E teu seio? era uns nadinhas! NOITE DE SETEMBRO Minh'alma, é o que tu vês! passam as horas Ricaços mocetões em saturnais, As auras que soluçam mugidoras Denunciam-lhe as vozes infernais... O deleite brutal enche as medidas, Agitam-se os bonecos nos salões, Chovem flores, risadas desabridas... Os seios se intumescem do paixões! Só tu cismas, minh'alma, em teu destino, Pobre filha de um lânguido sonhar! Tivesse eu muito amor e muito tino Para dar-te-os em paga de um cismar! Saiamos a brincar por essas ruas É saudoso o luar, a noite bela; Os remeiros descantam nas faluas De amores lá do mar canção singela: « Ó crianças namoradas, « Não me fujam sem motivos!... « Querem vocês ser casadas « Ou gozar prazeres vivos... « Saiam fora das janlas, « Venham comigo donzelas?! « Iremos ver outras plagas « Novos céus mais azulados « E ao carpir das mansas vagas « Sobre a popa reclinados « Gozarernos tantas cousas... « Et caetera, tal e lousas! « Valha-as Deus, ó preguiçosas! « O que fazem recostadas « A olhar tão cobiçosas « Para gente nas calçadas? « São homens efeminados... « Todos eles namorados! » Em terra é o que além vês, por esses mares Sobrenada a loucura na canção. Deveremos calar nossos pesares E a dúvida que morde o coração? METADE DE UM RECITATIVO (IMITAÇÃO) As rosas da face e em breve as do seio Não foi sem receio que as vi desmaiar... A lua passava nos céus distraída E ela adormida sorria ao luar! . . . . . . . . . . . Que luz! que ambiente! cercava a donzela! Que noite tão bela! que grato frescor! Nem branca neblina nos ares flutua Nem sombras à lua demandam-lhe a cor! . . . . . . . . . . . Eu tive-a em meus braços, beijei-a de leve Seu corpo era neve, gelou-me ao tocar... Depois mais despertos unimos o peito Gozamos num leito do mesmo sonhar! . . . . . . . . . . . O sangue referve nas veias ardentes Os lábios trementes semelham vulcão! A febre do gozo roqueima os sentidos Num só confundidos — amor e paixão! MÉLANGE O século é de mélange! os homens d’hoje Procuram destruir o anacronismo Dos tempos sem iguais em que vivemos! Entretanto decretam o ostracismo Das letras que é pior! raça invejosa, Só deseja é gozar, comer gulosa! Escarnecem das crenças mais sagradas E riem-se dos maus, dos bons, de tudo! Aparentam querer muito as famílias E uns filósofos são, mas sem estudo! Vós podeis vos gabar, ricos senhores, Que tendes coração para os amores! E tu, que eu distinguia, ó mocidade, Em que pensas à noite porventura No leito perfumoso da perdida Que te abraça e te beija com ternura, Depois de bem cear nos lupanares Onde dizes que vais matar pesares?... Responde-me, devassa peregrina, Que percorres o mundo em liberdade; Acaso o seio nu onde repousas Não lembra tua irmã, casta deidade, Que soluça talvez entre as cortinas Nesses dias que o sol cobrem neblinas? Nã te lembra também a mão que chora Adulterino amor... ó sacrilégio! De insensatos maridos conselheiros D’um monarca, doutor por um colégio? Se me falas que o século é de misturas Por que deixas penar tais criaturas? Mui fazem me cismar umas olheiras Que me dizem que a noite foi passada Em vigílias inúteis, perigosas, À força de avivar paizão asada!... E a donzela que assim é tão pudica Só deixa de casar se não é rica! Ó tempora, meu Deus, ó mores, Cícero! A pátria dos amores bandoleiros Acaso não foi Roma, a pátria tua Que os prazeres vendia a seus guerreiros? Engano, meu pagão! aos teus patrícios Excederam os meus nos torpes vícios! Exemplos do Catão nunca os tivemos, Nem de Bruto o punhal nos causa medo! Só diviso ameaças no futuro Onde os netos do rei surgirão cedo!... Lucrécias morressem quem faria A seus golpes tombar a monarquia? Do que serve falar de heróis defesos, Que vivem de comer público emprego À custa da pobreza desvalida, Do povo, este mendigo quase cego? Melhor fora o tratar de serenata Nas noites de luar alvo de prata! Se há na vida paixões que elevam entes Não me digam que amor não seja delas! Eu desculpo as Laís que os beijos vendem E amaria-as até se fossem belas!... Perdoa-me, visão, que a ti somente Eu jurei de adorar eternamente! INCOMPREENSÍVEL I (AO POR DO SOL) Encontrei-a a cismar à tardezinha No largo do Rocio: Passeava, mas só. Atrás dous metros Uma turba de moços desfilava Aclamando-a rainha do deserto Além algum velhinho mandriola Debalde lhe atirava uma graçola Evitando mostrar-se a descoberto. [Faltam as páginas 54 e 55 no PDF] « És tu quem meus olhares aqui buscam « Discípulo de Azevedo? « Eu li os versos teus que falam nele... « Não sabes? fui a amante de seus sonhos « Enquanto não morreu!... « Procurava um poeta que o igualasse « E falaram-me em ti, que eu procurasse « Que havia de te achar e aqui vim eu! » Que glória o ser poeta nesta vida! Voar n'asa da fama! E vir sobre a poeira das cidades Causar aos reis da moda tanta inveja Na rua ou nos salões!... Que vale o ter-se engenho! a vós patetas Compete hoje elevar a nós poetas Ao nível dos heróis nos panteões! « Vês? chega a noite a mesma noite ainda « Que viram nossos pais! « Noite de estrelas que os poetas amam « Mais quando a lua se apresenta cheia « E versos lhes inspira. « Com ela iremos consumir as horas « Aonde não tem fim... dize: onde moras? « Não vês o peito meu como suspira? » II (AO ANOITECER) Saímos do jardim, o sino ecoara Bradando Ave-Maria. Ninguém o seu chapeo ali tirara E nem se interrompia A música a tocar: só eu cismava E o pensamento meu além pairando, Contemplava a visão do meu passado Na tela do sertão, onde rezando Via um povo contrito e ajoelhado! O anjo do Senhor seja contigo Ó pátria do meu ser! « Por que choras assim, meu doce amigo? » Inquire-me a mulher... Ah! tu não sabes, no meu peito existe Uma saudade eterna, indefinida, De quando alegre fui, hoje sou triste Não sei como olvidar possa esta vida!... É rico o meu país! à sombra escura Dos verdes palmeirais É tanta a gentileza e formosura, As graças naturais; Que não se pode meditar um instante Nesses lugares sem chorar de dor! Ali criei-me, percorri infante Montes e vales, descampado em flor! Queres? partamos; esta vida é sonho Gozada lá no lar... E ao dizer me senti menos tristonho Em voo pelo ar! Onde me levas do Satã modelo? Eu prefiro abordar contigo o inferno E ver o que lá tem de grande e belo Entre aqueles que abrasa o fogo eterno. « Descansemos aqui, me disse a bela, « Eu amo a solidão! « Em torno de nós dous natura vela « Desde os dias de Adão... « No paraíso entrei, fui a serpente « Cuja voz escutou Eva medrosa! « Como era bela a flor do Onipotente « O homem nunca a teve mais formosa! » « Que mais era mister? vaga harmonia « Soara molemente, « Como o sonho de amor que preludia « O gozo ao inocente! « Um como que arrular de dous pombinhos « Beijando-se na relva onde pousaram « Começou de se ouvir, eram carinhos... « Que os mais felizes seres inventaram! « Imitemos os dous, assim as palmas « Do triunfo terás « O que sentiram lá aquelas almas « Aqui tu sentirás!... » E antes que eu dissesse uma só frase Ela tomou-me nos marmóreos braços.. E a natureza um longo véu de gaze Estendeu sobre a terra e nos espaços! III (AO LUAR) Mulher que cismas ao luar da noite Que fazes sem dormir a tais desoras? O teu amante esperas ansiosa Ou apelas p'ra a sorte « Assim auroras « Têm-me visto suspirar sozinha « À porta de meu lar. » Quem pois esperas? « Quem? ele não virá, era bem moço « E morrera na flor das primaveras! » Oh! fazes-me lembrar um rosto amigo Cabelos como os teus, cintura fina... Um amor infeliz nem vale a pena Recordar-me a te ver dessa menina... Se soubesses ainda como adoro-a! Como fez-me sofrer esta criança! Chorarias de dó, como hoje choro-a, Sem recursos no céu, nem esperança! Quando à noite as estrelas cintilavam Entre nuvens pejadas de tormenta E o trovão retumbava altissonante Derramando terror que o raio aumenta, Era certo de a ver entre os folhedos, Dos rápidos fuzis aos esplendores, Agitar-se de manso e ao dar comigo Atirar-se p'ra mim louca de amores! Outras vezes à luz da branca lua Mais tarde do que agora ela esperava À porta que eu viesse, ó nessas noites Não era mais feliz! Ela me amava Repetia-me quanta vez quisesse Mas era amor de irmã, como dizia! Mulher! se inda és capaz d'amar na vida Não busques deste amor que é poesia! Eu sigo! « Onde já vais? » venho do Fausto O teatro roubou-me a noite inteira! Enquanto eu por lá ia a minha amante Tinha outros mortais à cabeceira... Mulher, quanto me custa ver chorando Uns olhos como os teus! abre-me a porta Porventura o luar te inspira n’alma A esperança amar que viras morta . IV (À LUZ DA CLAREIRA) Vês? sou bem moço no florir da idade Fui um mendigo que implorei amor! Hoje só peço o esquecimento em vida Desse passado consumido em flor! Não me suponhas um mancebo louco Sem fé nem crenças no porvir que é seu! Seria iníquo renegar dos deuses Quando os meus males não provêm dos céus. Tu que és formosa que já foste amada Dize já viste solidão maior Do que ser moço o ter a morte n'alma Do que ser vivo e não gozar amor! É por esmola que eu recebo os beijos Que me dispensas sobre o seio teu Embora eu pague, te agradeço e muito Tu és um anjo para mim do céu! Não!... se tu choras calarei as mágoas Verás cerrada no meu peito a dor! Ah! fui um louco em te falar de sonhos Quando na vida já não tens amor! Amemos hoje ao despertar das aves Ergamos alma ao criador do céu! Assim com ela eu concebi mil noites Passar de gozo sobre o leito seu! V (À PRESENÇA DE DEUS) Era a mesma mulher que à tarde eu vira Nos devaneios meus! A pálida visão dos meus sonhares Na juventude em flor! Quantas vezes segui-a merencório Pela noite dos céus A escutar-lhe dos lábios num sorriso Que eu era seu amor! Quem sabe se era a amante dos poetas A fada misteriosa Que seus sonhos povoa de quimeras Mais belas e risonhas Que as pinturas das lúbricas bacantes Da Grécia fabulosa? Ou quem sabe se a musa dos antigos De ideias tão tristonhas? O que é certo é que a vi gemer com ânsia Da febre nos delírios... E sumir-se ao tocar da meia-noite Nas torres da cidade! Onde foras visão dos loucos sonhos Tão alva como os lírios? Eu a vi se sumir pálida e meiga Qual astro da saudade! Os seus beijos à morte conduziam Era em vida morrer! Nos seus olhos azuis um céu de amores Brilhava à meia luz! Era bela mais bela do que « as fadas Que dançam ao anoitecer! » Sobre o colo indolente lhe pendia O Cristo numa cruz! * * * Ó Deus da santa paz da caridade. Já basta de dormir! Ouve as queixas do mísero que sofre Devido ao teu amor!... Eu só tinha uma lei era a justiça E foi-se sem me ouvir. Ai! Jesus as visões te seduziram Não és delas Senhor! Quando andavas por cá peregrinando Amaram-te as mulheres, Os meninos buscaram-te contentes Deixando seus brinquedos, Que farias Senhor? fora a ciência Não tinhas mais prazeres... E inda morto persegues os amantes Ouvindo os seus segredos! Ah! graças meu bom Deus és tão calado Nem ouves-me falar! Eu te vi uma vez entre meu peito E um seio quase nu... Entretanto sustive-me com medo Sem querer te magoar!.. E hoje ‘inda me vens com tuas chagas Lembrar quem eras tu?! VI (ÚLTIMO ADEUS) Mulher quando eu morrer, no meu sepulcro Pendura o teu Jesus E vai por alta noite prantear-me Ao pé da minha cruz! Eu virei donde estou na noite escura Do triste passamento Ter contigo na terra de meu berço Num rápido momento! Não me importa morrer, a morte ao menos Sabe calar as dores! O que dói é te ver vendida a outrem Gozar novos amores. A vida para mim foi um tormento Que a morte porá fim. Tive sonhos que amei, mas foram sonhos... Amar não é p’ra mim! No céu do meu viver tu representas O astro mais brilhante! Agora onde me levas no teu colo Sombrio e palpitante? Ignoro se és mulher, o teu mistério Me causa algum terror, Um véu de palidez te cobre a face E vela-te o pudor. Adeus! sombria imagem da volúpia Em horas de prazer, Boa noite, mulher, gela-me a fronte Receio não morrer! MEDITAÇÃO A LINS DE ALBUQUERQUE Ó meus sonhos de amor, ó meigas virgens Meninas que ao tocarem-lhes nos seios Sentem dor!... logo após delíquios d’alma! Visões sobre visões de minhas noites. Eu todos vos amei meus loucos sonhos! Meu desejo era ver passar meus dias Entre as flores brilhantes do noivado, Aspirar o perfume inebriante Das rosas mais cheirosas da existência! Foi quando te encontrei, flor das campinas, No retiro do amor nas ermas tardes, Mimo da solidão, éden de encantos. Recatada, no seio alvo dos lírios! Amei-te mais que a vida; teu semblante Refletia o arrebol da mocidade, Inspirava-me n'alma um canto novo De sagrada e recôndita harmonia! * * * Era morena e bela esta criança, Tinha-me muito amor e consentia Que a beijasse nas faces incendidas, Apertasse nos meus seus róseos dedos E... fizesse ainda mais nos meus delírios!.. . Insonte, ela brincava no meu colo, E dormia sonhando nos meus braços E, sorrindo, beijava-me nos sonhos! Quantas vezes senti-a palpitante Parecendo mover seus lábios finos Proferir uma voz, dizer: amemos! Era sonho talvez que à minha mente Fantástica nublava nesse instante E fazia-me andar o pensamento Pela esfera das cousas indizíveis! Vivemos como os pássaros da selva De cânticos de amor na soledade, Os ecos das montanhas respondiam Aos soluços e ais mais ressentidos De nossos corações apaixonados. E todo aquele céu se povoava De sonhos e ilusões de nossas almas! * * * Arcanjo tutelar foi no teu peito, Que abriguei minha fronte cismadora E minha alma aqueci à luz da tua! Foi aí que ao clarão das noites alvas Sonhei muita ventura nos amores Nos delírios da vida e nos prazeres. Fora belo gozar sempre a teu lado, Amar-te como à lua as claras águas. Como as aves do céu à luz d’aurora! Sentir-me esmorecer sobre teu seio Sem forças para amar, desfalecido, Saciado a corrente de teus beijo! O sol da felicidade além sumiu-se E a noite do infortúnio arrebatou-te! Ó minha noiva! eu te perdi chorando Definhaste de dor sobre o meu peito E, já morta, apertei-te nos meus braços, Beijei-te nessa fronte descorada E pedi a meu Deus que me levasse Abraçado contigo à Eternidade! A LOUCA Eu me lembro de a ver ‘inda na infância. Brincar com seu irmão; Depois crescer, sorrir, arfar com ânsia O tenro coração! Amor é esta voz que então palpita No seio das donzelas; O sonho que seu sono à noite agita À face das estrelas! Me recordo de a ver assim amando Repleta de prazer! E, entre os braços da mãe aflita orando, Mais tarde enlouquecer! A voz do amante arrependido e crente Despertou-a num beijo... Ela abraçou-o, palpitante, ardente, Corando de desejo! PÁGINAS DA VIDA Amar! amar e sempre! eternamente A. DE AZEVEDO. Sonhou honras, talvez, meu peito ardente Noites longas de amor ao céu de Espanha, Glórias, fama e renome eternamente, Junto ao garbo que sempre me acompanha. Com tantas regalias vive a gente Esquecida da mágoa ou dor estranha; Comendo e engordando como um frade Até que se transforma em obesidade! Mas, cedo desses sonhos arrancado, Protestei sempre amar à poesia. Meu canto soará, horrendo brado, Como o raio que torna a noite em dia. E meu estro singrando em mar dourado Alaga-se em torrentes de harmonia! E façanhas contando e maravilhas Aportarei de amor às frescas ilhas! Quem me dera encontrar nesta abordagem As deusas que Velloso descobrira Seminuas, ocultas na folhagem, Banhando-se nas águas de safira; Ou na relva brincando à fresca aragem Com as formas... que vê-las só, delira!... Quando outrora nos mares do Oriente Viu-se o Gama abarbado e sua gente. É do mundo o melhor – a bebedeira – Disse um sábio, um filósofo, um poeta, Um homem que levou a vida inteira A pensar numa cousa de pateta! — Ter dinheiro constante n'algibeira Amar e do prazer tocar à meta — É tudo o que há de bom nesta existência Passado um certo tempo de inocência! Esse tempo passou: foi n’outra idade. Ensinaram-me a crer na Virgem santa, Nas pessoas mais sacras da Trindade Como obra dos céus que o mundo encanta! Disseram-me que o Papa em castidade Vencia uma donzela!... (isso me espanta!) E que as onze mil virgens ursulinas Se amaram foi no tempo de meninas… Quem é que não amou? conta a Escritura Que Sara teve a um rei no seu regaço Devido a sua graça e formosura E aos conselhos que Abraão, d’asno um pedaço, Lhe deu logo que ao Nilo a desventura Levara-os quase mortos de cansaço… Esse rei sabem já — foi do Egito Um grande Faraó talvez bonito! Sodoma foi queimada e justamente; Deus bem soube o que fez matando um povo Que passava os seus dias mais contente Do que o pinto deixando a casca do ovo. O pecado de amar é certamente Menos mal de tragar por isso o louvo! E viva o Senhor Deus lá nas alturas E no mundo do amor as formosuras! Ah! vivam essas donzelas que perderam A honra no triclínio e que gozaram Largas noites de amor e pereceram Entre os braços daquele a quem amaram Vivam! vivam no céu se já morreram! E roguem lá por nós que cá deixaram! Bebamos à saúde dos prazeres, Do vinho e da beleza das mulheres! Só eu não tive um seio onde encostasse A cabeça febril nas tardas horas Do tédio; e um que à noite repousasse Das fadigas da vida assustadoras; E, esquecido de mim, então sonhasse Com as delícias do céu encantadoras! Só eu não tive um rosto de criança Que infundisse-me amor, torna esperança! Considere-se bem meu pensamento Correndo em revisão cenas passadas E casando ao presente sentimento Aquelas que lhe são mais adequadas. Maldizendo o viver por um momento Pronuncio verdades condenadas... O meu canto, em resumo, é a ironia O riso da inocência e a hipocrisia! MICROSCÓPICOS (AMOR SINGELO) Amor é a luz de teus olhos Quando se abismam nos meus É qual vertigem dos céus... Amor é a luz de teus olhos. Amor são risos e flores, Segredos do coração; Suspiros dados em vão... Amor são risos e flores. Amor, amor são encantos Da natureza louçã: A vida em sua manhã... Amor, amor, são encantos! (AMOR COM SOFRIMENTO) Eu amei estes vagos murmurios Da brisa pelo val’, As cantigas à noite dos campônios Em roda do casal... Os soturnos rumores da floresta Da tarde ao desmaiar, O nordeste a correr pelos vargedos Em risco de cansar... O fumo que subia das choupanas Ali ao pôr do sol; E a serrania de douradas grimpas Imersa no arrebol... Mas entre tanto amor que me abalava Não soube o que é sofrer: A dor só é real no sentimento Do amor da mulher! (AMOR EFÊMERO) Ialia! a vida dos sonhos Não dura mais que momentos. Vão-se os prazeres risonhos Vêm os dias lutulentos... E após fadigas e dores A flor mimosa dos céus Diz adeus a outras flores Colhida da mão de Deus! (AMOR SINCERO) Para falar a verdade Já não me lembro esse dia Em que primeiro nos vimos... O que eu nunca esqueceria E que fiquei te adorando Como um anjo do Senhor. E quem eras tu, criança? O gérmen de um grande amor! Ai, não me peças a história Desse tempo afortunado! Acaso não tens meus versos Que falam desse passado? Como as tormentas marinhas, As tempestades do amor Nos levam com segurança A algum porto salvador! A confiança tardonha Que nos assiste afinal Afasta as lutas sombrias, Arreda a ideia do mal! « Ser feliz é ser amada... » (*) É ver no céu mesma cor. O que val’ dizer: eu te amo! Tu retribuis-me este amor. [1] RECORDAÇÃO E SAUDADE Brisas da tarde que embalais as rosas, Doces amigas, acolhei meus cantos; Ouvi-me as queixas, transportai nas asas Uma saudade a quem me move os prantos. No pensamento retratada tenho A sua imagem tito gentil, tão bela; No cofre d’ouro de minh’alma as juras Que protestou-me ao separar-me dela... Foi à tardinha, quando as nuvens róseas Pairavam em torno do formoso ocaso E a ventania desfolhava as pétalas Das flores murchas por um plaino raso; Ao pé da linfa que fugia ansiosa Ambos sentamos merencórios, tristes, Com a voz tremente me abraçou corando, Beijou-me e disse... o que só vós ouvistes! Como foi longo aquele abraço e beijo! Senti bater-lhe estremecido o seio... Abandonou-me quando a lua pálida Surgiu dos montes e espreitar nos veio! TENTAÇÃO Eu vivia tranquilo em meu retiro Sossegado e sozinho meditando Nos casos deste mundo e no seu giro, Erguendo-me na prece a Deus e orando! Lá me foste tentar, Eva risonha, Com teus pomos de ouro não colhidos.. Qual visão impalpável que se sonha Em êxtases de amor embevecidos! Teu rosto era velado por um manto De inocência e beleza inexprimíveis, O talhe sedutor, a voz um canto De harmonias do céu irresistíveis. Qual se fosse outro Adão no paraíso Segui louco teus passos na planura... Gostosa transição! o teu sorriso Fez-me os dias lembrar da infância pura. Viu-nos Deus escondidos na folhagem, Sustendo o respirar fraco, anelante... E nem sequer falou na voz d’aragem Que a face te ameigava nesse instante! — Que havia eu de fazer? eras criança Só querias brincar sobre o meu peito E coravas à mínima lembrança De ser eu no porvir o teu eleito! UM QUADRO Vês aquela mulher que ali repousa? Quem julgas que ela é? viúva? esposa? Oculta o nome seu! Era mãe de dous anjos de candura, Crianças ideais na formosura... Duas virgens do céu! Ela sonha talvez, e busca em sonhos O homem que a perdeu, porém, tristonhos, Só pesadelos tem. E nas trevas do sonho em que se agita Ela tenta acordar, a voz em grita, Não logra ver ninguém. E as filhas onde estão? prostituídas, Foram longe buscar entre as perdidas O óbolo hospitaleiro... Uma noite dormiam descansadas E acordaram nos braços, desonradas, Dos homens de dinheiro! Nem ao menos lhe fora permitido Gozar esse prazer de dor ungido... Que a mãe nunca sentiu! Miseráveis! tiveram 'inda por paga Um rir de insensatez, horrível chaga, Que ao peito lhes abriu!... E foram-se a zombar das desgraçadas E a mãe que'stava ali vendo-as banhadas Em lágrimas gritar... Consolou-as por modos diferentes E as pobres criancinhas mais contentes Beijaram-na a chorar! À MOCIDADE Um dia em meu viver foram contar-me Que zombavas de mim sem compaixão Tu podes muito bem acreditar-me Que o mesmo eu lá te fiz na ocasião! Malgrado o teu querer, ó mocidade, Eu represento em parto as crenças tuas; Se fujo do prazer, amo em verdade Ver em sonhos de amor mulheres nuas! Eu divirjo de ti unicamente No ódio que votei às estrangeiras... As filhas de Paris, da Itália ardente Não valem um só olhar das brasileiras! Que importa que não sejas tu poeta Se te engolfas à noite nas orgias E a pobre da vovó que esconde a neta Mal sabe que a vais ver todos os dias! E falam que de ti nascera outrora O gosto no Brasil pela ciência, Que vemos definhar de hora em hora Como prova da nossa decadência! Eu não quero intervir em tal respeito, Mas duvido demais do teu bom senso! Mocidade venal, só tens no peito O vício corruptor! o podre incenso!... Eu posso assim falar, ó mocidade, Porque conheço a fundo o teu viver. Eu tive como tu a veleidade De ouvir se me gabar pelo saber. E sabes qual meu fim? o pessimismo. Só vira de real no mundo a morte; Viver é suportar sempre em cinismo O fardo oprimidor da negra sorte. Na luta desigual da inteligência A matéria é quem sai vitoriosa, A alma que se diz de eterna essência Sucumbe à voz da carne imperiosa! Ah! mísero poeta que sonhara Na dor do coração ser mais ditoso Do único ideal, que acariciara, As esperanças viu manchar no gozo! A PROSTITUTA D’ALMA I Meu quarto solitário representa A gruta de Camões! aqui as horas Se passam na vigília, Recordo-me do tempo em que brincava Por entre os laranjais colhendo flores, No seio da família. Dou, contudo, expansão aos meus pesares, Lembrando-me que fui feliz ao menos Na infância de meus dias. No meio do silêncio que me cerca Não vem me aborrecer pançudo frade Com vis hipocrisias! Perdoem-me os poetas do meu tempo A pobreza da rima, o verso tronxo Que às vezes soa mal... E valha-me a intenção que é pura e santa E o desejo de ser — alguma cousa — No meu país natal. Quem estuda o seu ser à luz dos factos Em frente à natureza que o circunda É por força um ateu! Se é filosofo crê no Deus-matéria E, poeta, descanta as divindades Que habitam o gineceu! Os homens como eu passam no mundo, Como austeros catões da humanidade, Em prol dos seus iguais Onde há chagas de vícios incuráveis Fazem uso do verso, aplicam doses Em sátiras mortais! II Penetremos, leitor, em qualquer sala, Onde se dance uma quadrilha ou valsas Verás muito mentir, lisonja e gala; Mas a honra, o dever... moedas falsas! Alegre entre o festim e a bebedeira Impera de rainha uma loureira. Ela é virgem de corpo e peregrina No gesto que seduz, nas formas raras; Tem os dons de reinar, alma ferina, Mãozinhas de cetim, rosadas, claras Calça a luva com graça e faceirice E ostenta namorar por garradice! É louca por dançar; comprime ao peito Um jovem que se diz ter doutorado Em França de Paris! belo sujeito Que fala o português, porém errado… Porque lhe não pareça ser da roça Vite! vite! em francês lhe brada a moça. E volvem por ali corça e veado Imitando veloz nessa corrida Da valsa delirante! o corpo arqueado, Ela entrega-se ao par estremecida! Mais trêmula que o mar, mais palpitante, Sonha agora um prazer, longe, distante!... Reparem-lhe as feições! o lábio ardente Convulsa de paixão, o seio arqueja... E o que há pouco era zéfiro silente, É rígido tufão que se espaneja! No rápido girar febrenta corre, Gemendo em convulsões como quem morre! Se a formos encontrar n'algum teatro Veremos que entretém uma plateia. E conversa com dous e três e quatro De com todos casar na firme ideia! Faz-se às vezes de sonsa e ingenuamente Confessa que ainda é muito inocente! III Do baile ou do espetáculo ela saíra Acorda-se de tarde, aborrecida. De haver-se despertado! Tem saudades do leito onde dormira, Dos destroços da luta enfebrecida Do espírito alquebrado! As sensações do amor foram, donzela, No enleio das paixões por ti gozadas Em sonhos pueris! A vida social te doura a tela... E as noites de sarais serão sagradas Aos dotes senhoris! E vives do prazer dos loucos sonhos. De passeios a sós pelos pomares Do ermo torreão. E nem sequer tu pensas nos tristonhos Dias de luto, de aflições, pesares Que pungem o coração! E gostas de imitar o gesto ousado, A livre posição de uma bacante Que viras uma vez... E cinges — um corpinho decotado — Contra o seio que salta provocante Em toda a rigidez! E deixas-te cegar por falsas chamas A alma de emoções presa, cativa, Num ósculo de amor... Não amas a ninguém e a todos amas... E tremes de paixão qual sensitiva Ao norte queimador! IV Sigamo-la no lar em frente ao rico espelho Ensaia um rir fingido e ao pai que é moço ou velho Pergunta se é formosa; lhe beija a fronte alva, E pede que lhe chame brilhante estrela d’alva! Vaidosa! este responde, és muito e muito feia E o mais que alcançarás é vir ser papaceia! A mãe que a viu nascer não sonda o mar profundo Que existe de volúpia no coração imundo Da filha que passeia de insônia apoderada, Cismando em algum prazer ou festa azafamada. Tem a cabeça cheia de insípidas leituras De versos e romances que são meras loucuras! E há quem afiance que ler sensaborias Ilustra o pensamento que nutre-se de orgias... Os únicos tratados que as virgens podem ler, Como obra de valor intrínseco e saber, São aqueles que falam d’astro e nebulosas E fazem da leitora — mulheres preciosas! Convém nunca esquecer, a prostituta d’alma É aquela que afeta imensa paz e calma E sente-se abrasar por gozos incendida A todos os instantes mais breves desta vida. V Muitas vezes a moça que se casa E há passado essa vida de loureira Não sabe dirigir a própria casa Onde o pobre marido é cozinheira, Faz papel de criada e o leito arranja Enquanto a borboleta tudo esbanja! É missão do poeta ou romancista Cortar pela raiz essas mazelas; Algum colega meu — idealista — Não descia a cantar tais bagatelas. Mas eu que sou devoto da preguiça Em vez de imaginar, fiz-lhes justiça. Eu vivi como a flor que oculta cheira Entre as ervas macias do caminho, Colhera-me do pé mão traiçoeira E finei-me na ausência de um caminho; Um dia me inquiriu se era constante E zombou, de me ouvir, com seu amante! E julgue-me feliz por ter na vida Suscitando afeições que não gozara! Quem me diz que a perjura, arrependida, Não virá ser de mim — a esposa cara? Ah! virgens sem pudor! tanta beleza Em almas de metal, dele, vil preza! Me despeço tristonho desse canto Onde mais uma vez provar queria O que penso do amor mais casto e santo Como aquele que há pouco eu descrevia; Obscuro cantor das meretrizes Fiz mal em me lançar noutros países! PERDÃO A N. SENHORA Numa hora de humor falei de Cristo, Ri-me do pobre que morreu na cruz! Vão agora saber a causa disto; Eu direi que Musset, nunca Jesus! Contra o filho de Deus que pode o louco, O mísero poeta sem miolos Com razão blasfemar? nada ou tão pouco Que não vale excitar a raiva aos tolos! Eu te peço perdão, Virgem Maria, Não me leves a mal essa quimera! Meu coração é bom, minh'alma é pia... E arrependido estou do que fizera! Eu sei que tens razão; ele é teu filho, ‘Inda mais, o é também do próprio Deus! Mas estranho farol de falso brilho Desviou-me da fé, como aos ateus! Enquanto; acho-me bom; creio nos santos Como espelhos fiéis da sã virtude... Doravante verá se nos meus cantos Entra o nome Deus – o povo rude! À ATRIZ ISMÊNIA E quem era eu então? opaca estrela Entre véus de nevoeiro pardacentos Ai! mísera plantinha que brotara À sombra dos abetos corpulentos. E, lá, donde arrancou-me a desventura, Eu vivia feliz e acarinhada Pelos beijos dos zéfiros noturnos Ou perdida no céu da madrugada... E quem julgam que eu sou? etérea nuvem Impelida a correr de serro em serro, Com a crença a estalar nos seios d’alma Pobre filha de Deus exposta ao erro!... E, ludíbrio da sorte, o meu destino Foi amar o « impossível » com desvelo, Consagrar minhas noites de vigílias Pra ver realizado um sonho belo! Era assim entre nós a irmã das musas Que a tragédia preside e o drama ensina... Era assim entre nós o amor das artes Num país destinado a melhor sina! Quantas noites pendi desfalecida Sem menor esperança no futuro Ou sequer as promessas do presente Que deixassem antever um céu mais puro!... Estudava as paixões dentro em mim mesma No exercício da dor e dos prazeres... Promovendo uma luta de extermínio Entre o amor e o ciúme das mulheres! E ouso me queixar? ai pobre louca Já nem conservo do que fui memória... Faleça o canto da desdita aos lábios Ria-se a turba à aspiração inglória! * * * Salve filha do sul! na tua fronte Existe um quê de grande e majestoso Distintivo do gênio! ó, salve, salve! — Diamantino arrebol esperançoso! Só tu podes brilhar no firmamento Meteoro de luz, estrela ou sol, Só tu podes à arte dar encantos Como à noite os empresta o rouxinol. Possuis a chama que eletriza as almas E gera aplausos mais veloz que o raio... És a princesa dos brasílios palcos, Flor que des'brocha nas manhãs de maio! Ah! só tu podes com teu vasto engenho Doar à terra o que pertence aos céus, Erguer o drama a regiões imensas Como um hosana que se envia a Deus! A inteligência que languesce e morre Na luta insana do sofrer atroz, Redobre as crenças — um teatro novo — Surge aos acentos de inspirada voz! Os que são mortos deixarão as campas Mais pressurosos correrão à lida... — Estátuas belas — do proscênio em meio O amor que as move lhes dá força e vida! Ah! virão dias de um porvir não longe Em que teu nome memorar se veja Como da pátria a mais subida glória Neste cenário onde teu gênio adeja: Tu viverás nos cantos dos poetas Que o panteon das artes maravilham! Tu viverás nos séculos do futuro Como à noite nos céus estrelas brilham! AMOR PLATÔNICO A JOSÉ LEÃO Quinquina tem o chique da andaluza E certa languidez só das sultanas À tarde, quando passo-lhe na porta Entreabre, para ver-me, as persianas... Olhamo-nos... que enlevo! nossos olhos Encontram-se nublados de vertigem! Ela enrubesce... eu louco de desejos Devoro-lhe (com a vista) o seio virgem... Não ando — cambaleio como um ébrio — Olhando para trás qual um cigano; Digo-lhe adeus de longe e volto à casa Mais triste do que um frade Franciscano. À noite, no silêncio do meu quarto Em tudo julgo ver a imagem dela : ‘Té mesmo na garrafa sem cerveja Onde se ostenta constipada vela. — Oh! meu cigarro, daniel cheiroso, — Só tu me podes adoçar as mágoas! — Procura-me livrar de tal naufrágio... — No oceano do amor há tantas fráguas! No entanto abro as janelas do meu quarto, Contemplo a noite e o lampião da esquina: Ao longe um trovador tempera a goela... Enquanto que eu suspiro... por Quinquina! ____ No sono há sempre horríveis pesadelos Para quem, como eu, dorme sem ceia; Ao passo que ela sonha agora mesmo: — Ondas azuis e cantos de sereia… Atiro-me no leito — oh se ela visse-me — Nos primitivos véus do desalinho! — Se ela pudesse vir num voo icário — Ou transformada em lindo passarinho... — Se ela me visse assim! se aqueles olhos — Pudessem perlustrar quadro tão fresco, — Toda a ilusão se desfaria em pulha — Desse amor tão gentil, tão romanesco! E nesse imaginar fantasmagórico Pejado de miragens pra quem ama; Vem Morfeu visitar-me, traiçoeiro, Entre os poucos lençóis de minha cama. ____ Quando rompe a manhã com seus perfumes, Canções e trinos — de blandícias cheia; Do meu estômago um discurso escuto, Chorando a falta da passada ceia! Sonhos de meu amor, fantasmas róseos Perante mim desfilam um por um... — Oh! Quinquina! meu anjo! minha vida! — Tu me inspiras paixão mesmo em jejum! A inspiração transporta-me, fogosa, Ao próprio céu em que meu anjo mora: Alinhavo-lhe um verso bocejando Que ri, que geme, que suspira e chora! Assim passa-se o dia, ‘té que a noite Derrama pelas ruas seus vapores; É hora em que m'espera às persianas A cândida visão dos meus amores. A cena reproduz-se: o mesmo riso Trocamos com receio que alguém veja; Depois, para esquecê-la, vou correndo À casa do Maurin tomar cerveja.