Revista de Estudos Saramaguianos Portuguc38as 4
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DE ESTUDOS SARAMAGUIANOS
n. 4 julho 2016
1
REVISTA DE ESTUDOS SARAMAGUIANOS
n.4. julho, 2016 • ISSN 2359 3679
2
REVIStA
DE ESTUDOS SARAMAGUIANOS
CONTATOS
E-mail: estudossaramaguianos@yahoo.com;
Facebook: facebook.com/saramaguianos
Twitter: @saramaguianos
COMISSÃO EDITORIAL
Ana Paula Arnaut; Carlos Reis; Conceição Flores; Eula Carvalho Pinheiro; Gerson Roani;
Graciela Perrén; Helena Bonito Couto Pereira; Horacio Costa; Maria Alzira Seixo; Marisa
Piehl; Miguel Alberto Koleff; Pedro Fernandes de O. Neto; Salma Ferraz; Teresa Cristina
Cerdeira; Nuno Júdice; José Joaquín Parra Bañón; Jerónimo Pizarro; Fernando Gómez
Aguilera.
EDITORES
Miguel Alberto Koleff e Pedro Fernandes de O. Neto
TRADUÇÃO (ESPANHOL/PORTUGUÊS)
Regiane Santos Cabral de Paiva; Pedro Fernandes de Oliveira Neto
TRADUÇÃO (PORTUGUÊS/ESPANHOL)
Ana Belén Vera; Laura Gabriela Crespo; Cintia Ordoñez; Cintia Malakkian; Ana Valeria
Bertola; Laura V. Ruiz; Lucía Inés Sobral Gomez
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Pedro Fernandes de O. Neto
As opiniões expressas nos textos desta revista são de responsabilidade exclusiva dos
autores. Por decisão da equipe editorial, os textos vindos de Portugal mantêm a grafia
original.
13
“Vem de que o poema?” Considerações sobre a poesia de José Saramago
SANDRA FERREIRA
26
1936, o ano da morte de Ricardo Reis
IZABEL MARGATO
50
Vozes femininas no teatro de José Saramago
CLÁUDIO SÁ CAPUANO
65
O sujeito e a contradição em O evangelho segundo Jesus Cristo de José
Saramago
KARINA LUIZA DE FREITAS ASSUNÇÃO
79
A remissão do Diabo: de vilão a mocinho em O evangelho segundo Jesus Cristo
JESSICA VALDATI
JOSIELE KAMINSKI CORSO OZELAME
99
Da alegoria em José Saramago: considerações acerca da obra O conto da ilha
desconhecida
JULIANE DE SOUSA ELESBÃO
111
Alegoria das sombras ou a luz da criação
IRLANDA VILLEGAS
120
O proselitismo em questão: o processo de reconhecimento em A jangada de
pedra
LÍLIAN LOPONDO
133
Humilhados e ofendidos: novo percurso temático em Todos os nomes
AURORA GEDRA RUIZ ALVAREZ
146
O poder da individualidade em Ensaio sobre a lucidez de José Saramago
IVANNIA BARBOZA LEITÓN
Equipe editorial
Arte poética
Vem de quê o poema? De quanto serve
A traçar a esquadria da semente:
Flor ou erva, floresta e fruto.
Mas avançar um pé não é fazer jornada,
Nem pintura será a cor que não se inscreve
Em acerto rigoroso e harmonia.
Amor, se o há, com pouco se conforma
Se, por lazeres de alma acompanhada,
Do corpo lhe bastar a presciência.
Dia não
De paisagens mentirosas
De luar e alvoradas
De perfumes e de rosas
De vertigens simuladas
Que o poema se desnude
De tais roupas emprestadas
Seja seco, seja rude
Como pedras calcinadas
Que não fale em coração
Nem de coisas delicadas
Que diga não quando não
Que não finja mascaradas
De vergonha se recolha
Se as faces sentir molhadas
Para seus gritos escolha
As orelhas mais tapadas
E quando falar de mim
Em palavras amargadas
Questão de Palavras
Ponho palavras mortas no papel,
Tal os selos lambidos doutras línguas
Ou insectos varados de surpresa
Pelo rigor impessoal dos alfinetes.
De palavras assim arrematadas
Encho palcos de pasmo e de bocejo:
Entre as portas me mostro, agaloado,
A passar flores secas por bilhetes.
Eloquência
Um verso que não diga por palavras,
Ou se palavras tem, que nada exprimam:
Uma linha no ar, um gesto breve
Que, num silêncio fundo, me resuma
A vontade que quer, a mão que escreve
(SARAMAGO, 1985, p. 172)
Forja
Quero branco o poema, e ruivo ardente
O metal duro da rima fragorosa,
Quero o corpo suado, incandescente,
Na bigorna sonora e corajosa,
E que a obra saída desta forja
Seja simples e fresca como a rosa.
(SARAMAGO, 1999, p. 20)
Notas
Pessoa-Ricardo Reis, constitui uma das três propostas interpretativas efetuadas por
Horácio Costa em José Saramago: o período formativo (p. 52-63).
2A proporção áurea ou número áureo, apreciada por artistas e cientistas, está presente na
natureza, no corpo humano e no universo. O número áureo, derivado da Sequência de
Fibonacci, evidencia a ordenação matemática que rege a natureza. A proporção, segundo os
matemáticos, orienta a estrutura do DNA, o comportamento da luz, os átomos, as vibrações
sonoras, o crescimento das plantas, as ondas do mar, as espirais das galáxias etc.
3Esse esboço de uma arte mínima de amar não se filia àquela da sedução mundana na linha
de Ovídio, antes remete ao amor como traço de maturidade, conforme entendido por Erich
Fromm em A arte de amar.
Referências
O ano da morte de Ricardo Reis é um texto que se tece com mil fios. Como os
demais livros de José Saramago, a tecedura deste livro é construída de forma a fazer
lembrar o detalhado desenho de uma tapeçaria, a composição minuciosa de um
mosaico, a particular luminosidade de uma constelação. Como mosaico, tapeçaria,
ou constelação, esse texto se constrói a partir da multiplicidade e da variedade de
ínfimos pontos. Cada ponto com sua cor, luz e forma autônomas – com seu sentido
independente. Mas cada sentido fazendo parte de um conjunto, de um espaço maior
e mais definido que, por sua vez, existe pela própria aproximação dos diferentes
pontos-sentido e pelo processo de interação estabelecido entre eles. A partir daí, o
processo de construção se desdobra e cada conjunto de pontos passa a formar o
desenho maior de uma totalidade e a possuir a definição de seu lugar funcional. É
esse iluminar recíproco, esse "processo de lusco-fusco que estabelece uma dinâmica
de conexões sempre renovadas entre todas as partes" (KOTHE, 1976. p.27-28), que
vai garantir o brilho maior e mais denso de uma constelação. É esse procedimento
que, parece-nos, tem sido escolhido pelo escritor para a tecedura múltipla de seus
textos. É essa a forma com que o Ricardo Reis foi construído.
O ano da morte de Ricardo Reis, em seu percurso de quase um ano, também
encena a multiplicidade de uma paisagem. O ano é o de 1936. A paisagem é Lisboa.
Há pois uma paisagem, situada em um tempo passado específico, a ser recuperada,
reexaminada e recriada. Mas essa reconstrução não aposta na recuperação do que
existiu nesse tempo. Nem isso seria possível. O perscrutador desse tempo sabe que
só poderá contar com rastos, "pegadas" e com o pouco que se registrou de uma
multiplicidade informe.
Sabe também que o pouco que encontrar desse passado deverá ser examinado
e passado em revista por um olhar contemporâneo. Assim, não se trata de trabalhar
Vai Ricardo Reis aos jornais, vai aonde sempre terá de ir quem
das coisas do mundo quiser saber, aqui no Bairro Alto onde o
mundo passou, aqui onde deixou rasto do seu pé, pegadas,
ramos partidos, folhas pisadas, letras, notícias, é o que do
mundo resta, o outro resto é a parte da invenção necessária
para que do dito mundo possa também ficar um rosto, um
olhar, um sorriso, uma agonia. (SARAMAGO, 1985, p. 35)
Ricardo Reis, num de seus primeiros passeios pela Lisboa de 1936, depara-se
com o que restou da clínica do curador de olhos. Lê a inscrição, interessa-se por ela,
... mas a ideia com que nós ficámos, na nossa cabeça, é que o
senhor doutor era uma pessoa educada, entrava dava as boas-
tardes ou as boas noites, dizia logo o que queria comer, e
depois não se dava mais por ele, era como se aí não estivesse,
Comia sempre sozinho, Sempre, o que tinha era um costume,
Qual, Quando nós íamos a tirar o outro talher da mesa, o que
estava defronte dele, pedia que o deixássemos ficar, que
assim parecia a mesa mais composta, e uma vez, comigo, até
se deu um caso, Que caso, Quando lhe servi o vinho, enganei-
me e enchi os dois copos, o dele e o da outra pessoa que lá não
estava, não sei se está a perceber, Estou a perceber, estou, e
depois, Então ele disse que estava bem assim, e a partir daí
tinha sempre o outro copo cheio, no fim da refeição bebia-o
de uma só vez, fechava os olhos para beber, Caso estranho,
Saiba vossa excelência que nós, criados, vimos muitas coisas
estranhas, ... Ricardo Reis acabou de beber o café que deixara
arrefecer, depois pediu a conta. Enquanto esperava segurou
com as duas mãos o segundo copo, ainda quase cheio,
levantou-o como se saudasse alguém na sua frente, depois,
devagar, semicerrando os olhos, bebeu o vinho. Sem conferir,
pagou, deixou gorjeta, ... deu as boas-noites e saiu, Vossa
Por estas palavras o narrador constrói uma dobra na narrativa. Põe em cena
uma conversa que imprime um outro movimento à narrativa. E, ao mesmo tempo
que acrescenta mais um traço à fisionomia ambígua de seu personagem, aquele que
é apresentado e comentado a partir da conversa, revela o modo de pensar, ou de
encarar as "estranhezas" do mundo, dos outros personagens. Essa forma de
caracterização que se depreende nas dobras da linguagem fica mais evidente nos
episódios vividos pelas vizinhas do Alto de Santa Catarina:
... parece este homem [Ricardo Reis] que não tem mais que
fazer, dorme, come, passeia, faz um verso por outro, com
grande esforço, penando sobre o pé e a medida, nada que se
possa comparar ao contínuo duelo do mosqueteiro
D'Artagnan, só os Lusíadas comportam para cima de oito mil
versos, e no entanto este também é poeta, não que do título se
gabe... mas um dia não será como médico que pensarão nele,
nem em Álvaro como engenheiro naval, nem em Fernando
como correspondente de línguas estrangeiras, dá-nos o ofício
o pão, é verdade, porém não virá daí a fama, sim de ter alguma
vez escrito, “Nel mezzo del camin di nostra vita”, ou “Menina
e moça me levaram da casa de meus pais”, ou, “En um lugar
de la Mancha, de cuyo nombre no quiero acordarme”, para
não cair uma vez mais na tentação de repetir, ainda que muito
a propósito, “As armas e os barões assinalados”, perdoadas
nos sejam as repetições, “Arma virumque cano”. Há de o
homem esforçar-se sempre, para que esse seu nome de
homem mereça, mas é menos senhor da sua pessoa e destino
do que julga..., “Que serás quando fores de noite e ao fim da
estrada” (SARAMAGO, 1985, p.70-71)
O ano da morte de Ricardo Reis tem como primeiro traço significativo o resgate
de um tempo passado num espaço determinado, ou seja, o livro se constrói
reconstruindo Lisboa em 1936. Mas esse espaço vai ser reconstruído em função de
um modo de olhar. Um olhar que vê ruas e casas, um olhar que passeia e revisita
lugares de um passado e de outros passados que, por serem de todos, também lhe
pertencem. Este é o olhar do narrador. Mas este também abriga outros olhares e, em
relação a Lisboa, abriga principalmente o olhar de Ricardo Reis. Assim, Lisboa é
também reconstruída a partir do olhar de Ricardo Reis. Saído de um texto de que
sempre será um rumor "(um texto)" (SEIXO, 1986. p. 23), esse personagem
"reinventado" caminha por Lisboa em busca de reconhecimento. Em busca de
reconhecimentos:
Notas
1 Para recuperarmos o conceito de “ruína” tal como foi estabelecido por Walter Benjamin,
“...não se trata tanto de uma reminiscência antiga, como de uma sensibilidade estilística
contemporânea. O que jaz em ruínas, o fragmento significativo, o estilhaço: essa é a
matéria mais nobre da criação barroca.” (BENJAMIN, 1984. p. 200);
“A ruína, resto de um mundo que já foi, aproxima-se do documento pelo fato dela a priori
também não indiciar o passado de modo proposital, exceto quando transformada
intencionalmente em monumento histórico. De qualquer maneira, a ruína, o documento
e o monumento aproximam-se por indiciarem o passado, por trazerem-no, como o resto
do que foi, a presentes posteriores”. (KOTHE, 1976, p. 44.)
“O mundo se dissolve numa acumulação de ruínas, mas cada estilhaço do mosaico e cada
fragmento do conjunto ascende a uma nova vida, no momento em que recebe uma
significação. O torso passa a significar ao mesmo tempo o corpo e a verdade última do corpo,
que é sua decomposição, o fragmento significa o palácio desmoronado e o próprio
desmoronamento, como destino último de toda construção humana. ‘A imagem que surge
no campo visual da intuição alegórica é o fragmento, a ruína. Sua beleza simbólica se
evapora, quando o clarão do saber divino o ilumina. O falso brilho da totalidade se extingue.
O eidos se apaga, o símile se instala, o cosmos que o habita se esgota. Nos rebus áridos, que
restam, jaz uma intuição, acessível a quem rumina ...”. (ROUANET, 1990, p.18.)
3 Mais uma vez recorremos às palavras de Eduardo Lourenço: “Os Lusíadas não está tanto
no meio de nós pela contradição fecunda que o habita e é o sinal supremo da sua grandeza,
como pelo reflexo de outras contradições, bem pouco poéticas, suscitadas pela paixão, pelos
interesses, pelos fantasmas, individuais ou coletivos, que cada época deseja ver confirmados
pelo Texto nacional por excelência”. (LOURENÇO, 1983, p. 90.)
Referências
BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984.
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Porto: Porto Edit., 1977. p. 132. III, 20, v.v. 1-4
KOTHE, Flávio R. Para ler Benjamin. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976.
LOURENÇO, Eduardo. O labirinto da saudade. Lisboa: Dom Quixote, 1988.
LOURENÇO, Eduardo. Camões ou a nossa alma. In: Poesia e metafísica - Camões, Antero,
Pessoa. Lisboa: Sá da Costa, 1983.
PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Aguilar, 1974.
ROUANET, Sergio Paulo. Apresentação. In: BENJAMIN, Origem do drama barroco alemão.
São Paulo: Brasiliense, 1984.
ROUANET, Sérgio Paulo. Édipo e o anjo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.
SARAMAGO, J. O ano da morte de Ricardo Reis. Lisboa: Caminho, 1985.
SEIXO, Maria Alzira. A palavra do romance. Lisboa: Horizonte Universitário, 1986.
SERGIO, António. A revolução de 1383-1385. Predomínio da actividade do transporte e da
burguesia comercial marítima. In: Breve interpretação da história de Portugal. Lisboa: Sá
da Costa, 1977.
Eu sei que existe uma história que não foi contada. Não tenho
nenhuma dúvida de que teríamos uma outra história se ela
fosse escrita pelas mulheres que ficaram enquanto seus
maridos iam à guerra.
José Saramago
Introdução
Contudo, não nos ateremos a isso, por ser do nosso interesse, no presente
trabalho, uma personagem feminina, de presença secundária na ação, mas que
possui importante função na leitura que fazemos do texto.
Jovem estagiária na Redação, Cláudia é uma personagem ficcional (entenda-
se aqui a ideia de que ela nem é uma figura histórica, nem foi inspirada em alguém
da vida real). Com poucas, mas contundentes falas, suas intervenções sempre
apresentam algo a mais ao espectador.
O texto teatral pressupõe, na sua própria estrutura de construção discursiva,
uma eventual encenação. Diferentemente de uma narrativa, em que caberá ao
narrador as devidas contextualizações, no teatro juntam-se ao texto elementos
outros, tais como a interpretação da fala, a caracterização do ambiente, a presença
viva do interlocutor, que muito contribuem para a significação que uma
Tendo isso em mente, uma fala a princípio banal, por exemplo, pode ter sua
significação bastante amplificada. É o que vemos na frase aparentemente solta da
estagiária, pela qual registra-se a crítica à censura imposta aos meios de
comunicação, e à passividade dos que compõem a redação daquele jornal:
JOSEFINA:
/.../ Uma Redacção decente não é esta algazarra, quer-se
silêncio.
CLÁUDIA:
E quanto mais silêncio melhor. (O tom é de quem pensa noutra
coisa)
(AN, p. 117)1
CLÁUDIA:
(Desanimada.) A gente sonha, e depois a realidade é o que se
vê, não é o que sonhamos. Vim tão contente para o jornalismo!
Às vezes, até me punha a rir sozinha. Pensar que ia escrever
nos jornais, e que as pessoas iriam ler-me, iriam pensar no
que eu tinha pensado...
TORRES:
Pensar o que tu tinhas pensado?...
CLÁUDIA:
Não, não é isso, não está a perceber. Eu disse: pensar no que
eu tinha pensado. Faz muita diferença. Eu não queria que o
leitor fosse pensar como eu, mas sim que ficasse a pensar
naquilo que eu tinha pensado. Depois ele lá resolveria como
havia de pensar. (Sorri de si própria.) Ingenuidades! (Com
desalento.) Agora já sei como as coisas são. Passei para o lado
de dentro e não gostei do que vi, não gosto do que vejo. Mas o
mais certo é que não quererei outra vida que não seja esta.
Pode ser que o mundo dê uma volta.
(AN, p. 130)
CLÁUDIA:
Manuel Torres, queres a minha opinião? Queres a opinião de
quem acaba de viver um ano nestes últimos cinco minutos?
Deves ir para a rua, saber o que se passa. Esta gente vai
enganar-nos. Percebi o que me querias dizer. Sim, a questão é
o jornal. Vai para a rua, não irás ganhar a revolução, mas vai
para a rua. Sai enquanto ele está ao telefone.
TORRES:
ANA DE SÁ:
É a rainha quem vos manda? Trazeis um recado do paço? Meu
filho foi lá há dois dias...
FRANCISCA DE ARAGÃO:
Não trago recado do paço. Sou eu o meu recado. (QFL, p. 41)
FRANCISCA DE ARAGÃO:
ANA DE SÁ:
Que nome dissestes?
FRANCISCA DE ARAGÃO:
Francisca de Aragão. Conheci o vosso filho há muitos anos.
ANA DE SÁ:
Lembro-me do vosso nome...
FRANCISCA DE ARAGÃO:
Há filhos que amam tanto suas mães que não podem calar a
elas os amores que têm por outras mulheres. Ama-vos assim
Luís Vaz?
ANA DE SÁ:
Se o que dissestes é realmente medida de muito amor, vim
agora a saber o amor de meu filho.
Mas, vós, que lhe quereis, depois de tantos anos? Luís Vaz não
é aquele moço formoso que partiu para a índia...
ELIAS:
/.../ Pedro ainda está no gabinete?
PICA:
Ainda.
ELIAS:
E tu estás nos teus dias de secura. Custar-te-ia muito ser um
pouco mais explícita?
PICA:
É possível ser ainda mais explícita? Fizeste-me uma pergunta,
respondi, que mais querias?
(SVFA, p. 170)
ELIAS:
/.../ O que quero saber é se Pedro ainda está no gabinete.
PICA:
Eu, Pica, chefe das secretárias desta companhia, informo
Elias, presidente dela e delas, que
Pedro, seu director-geral e homem de confiança, se encontra
no gabinete, onde, como de costume, espera ordens.
ELIAS:
Se tu não fosses quem és...
PICA:
Se eu não fosse quem sou, tu não serias o que chegaste a ser.
Já pensaste que, por esta maneira, também sou tua mãe? E
que, portanto, é o teu próprio irmão que te olha por cima do
meu ombro?
ELIAS:
Daria muito para ver-me livre de ti, ou dominada.
PICA:
Serias capaz de expulsar-me? Serias capaz de matar a tua mãe,
irmão do meu filho?
(SVFA, p. 171)
FRANCISCO:
/.../ Mas voltemos às mulheres. Conheces a história do
homem que comprou um cão para ter em quem mandar? Até
hoje as mulheres têm sido o cão do homem, sem ofensa.
Minha mãe, por exemplo, aquela que me gerou e pariu, foi o
cão de meu pai.
(SVFA, p. 219)
PEDRO:
/.../ ao louvares a pobreza, afirmaste a bondade do
sofrimento dos pobres. Este é o pecado de que nenhuma
absolvição te lavará.
(SVFA, p. 221)
Por fim, cabe a ela tão somente rejeitar o sedutor convite de ocupar na
empresa a cadeira que antes cabia o marido, para seguir o filho (que volta a adotar
o nome primeiro: João), na sua nova cruzada: a luta contra a pobreza. É dela a última
fala na peça:
ELIAS:
/.../ Aonde vais?
PICA:
Vou ajudar João a escrever a sua primeira página.
(SVFA, p. 223)
Notas
1A partir daqui, passarei a me referir às peças pelas siglas NA (A noite), QFL (Que farei com
este livro?) e SVFA (A segunda vida de Francisco de Assis).
No início...
Foucault (2006) afirma que ao invés de fazer uso da palavra gostaria de ser
entrelaçado por ela e ser levado além do início do seu discurso. Não entrar na ordem
arriscada do discurso seria algo muito bom, pois ele é regido por leis que o
controlam a muito tempo e cuida da sua aparição. O discurso causa no estudioso
inquietação, pois ele é da ordem do transitório, apresenta uma curta duração e foge
ao nosso controle. Essa atividade do cotidiano de todos os sujeitos não nos pertence,
esconde poderes, perigos, lutas, vitórias e ferimentos. Através dos enunciados que
emergem da materialidade linguística uma rede de dominação e servidão é
constituída na teia discursiva.
Qual é o perigo que ronda o discurso? O que o faz tão ameaçador? Foucault
(2006, p.9) parte da hipótese que em toda a sociedade a produção discursiva pode
ser “controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de
procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu
acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade”.
Na nossa sociedade, nas palavras de Foucault (2006), temos alguns
procedimentos de exclusão, o mais famoso é a interdição. Os sujeitos não têm o
direito de dizer tudo, não temos a “liberdade” para enunciarmos o que quisermos a
qualquer momento. Esse jogo presente no discurso está fundamentado em três tipos
de interdição, são elas: o tabu do objeto, ritual da circunstância e direito exclusivo
do sujeito que fala. Observamos que esses três tipos de interdição se cruzam e
Observamos que a arte não é uma produção neutra, mas que obedece a
determinadas regras, no caso, históricas. Além disso, discutem a forma como
significamos o mundo e, consequentemente, para o caráter transitório da verdade.
No passado a história foi utilizada como mecanismo de crítica aos romances
produzidos que tinham como fundamento uma visão realista da representação. Já “a
ficção pós-moderna problematiza esse modelo com o objetivo de questionar tanto a
relação entre a história e a “realidade” quanto a relação entre “realidade” e a
linguagem.” Assim, a produção contemporânea rejeita a representação como um
ideal a ser atingido, estabelece laços que buscam novos sentidos e não apenas
significados a serem revelados. A autora afirma que uma leitura do passado deve ser
feita, mas com um olhar do presente, ou seja, “o pós-modernismo não nega a
existência do passado, mas de fato questiona se jamais poderemos conhecer o
passado a não ser por meio de seus restos textualizados” (HUTCHEON, 1988, p.39).
Dessa forma, para a autora, a “metaficção historiográfica” é constituída por
uma trama discursiva que engendra a cultura produzida pela elite, pela massa e pelo
popular. Assim, teríamos um romance híbrido que, nas palavras de Hutcheon (1988,
p.40), “atua no sentido de abordar e subverter essa fragmentação com seu recurso
pluralizante aos discursos da história, da sociologia, da teologia, da ciência política,
da economia, da filosofia, da semiótica, da literatura, da crítica literária, etc.”
[...] por viver Jesus com Maria de Magdala sem com ela estar
casado, prostituta que havia sido, ainda por cima, por isso não
se devia estranhar que estando uma mulher adúltera a ser
apedrejada, conforme a lei de Moisés, e disso devendo
morrer, aparecesse Jesus a interpor-se e a perguntar, Alto lá,
quem de vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lançar-lhe
uma pedra, como se dissesse, Até eu, se não vivesse, como
vivo, em concubinato, se estivesse limpo da lacra dos actos e
pensamentos sujos, estaria convosco na execução dessa
justiça. Arriscou muito o nosso Jesus porque podia ter
acontecido que um ou mais dos apedrejadores, por serem de
coração endurecido e estarem empedernidos nas práticas do
pecado em geral, desses ouvidos de marcar à moestação e
prosseguissem no apedrejamento, sem medo, eles próprios, à
lei que estavam aplicando, por ser destinada às mulheres
(SARAMAGO, 1991, p.353).
Nesse fragmento chama a atenção o enunciado “como tudo o mais que fez à
minha imagem e semelhança”, pois observamos que se os homens foram criados
semelhantes a Deus ele também é insatisfeito e apresenta os mesmos defeitos dos
E no fim...
Notas
Referências
Introdução
Por ser o mais querido e adorado por Deus foi que Lúcifer se rebelou contra
ele. Com o advento do cristianismo, segundo Nogueira (2000), Satã passa a ser o
grande adversário de Deus e o principal inimigo de Jesus, sendo responsável por
todos os obstáculos e empecilhos na tentativa de aumentar o reino de Deus na terra.
O mundo passa a ser dividido entre o Bem e o Mal, sendo aqueles que o seguiam
pertencentes ao Mal, e, os adoradores de Deus pertencentes ao Bem.
A principal aparição do Diabo nos textos do Antigo Testamento é observada
no Livro de Jó. Nogueira (2000) relata que Deus estava muito satisfeito com o seu
servo Jó e o exalta, porém Satan, que era um de seus filhos, um anjo, levanta suspeita
sobre o servo, colocando-o a prova, uma vez que, se ele é tão fiel, logo age por
interesse. Assim, Jó se torna o alvo de todos os males. Satan passa de acusador para
tentador, sendo o Diabo por excelência, que do grego Diábolos, significava aquele
que leva juízo, transformando-se no Novo Testamento o símbolo de todo o Mal.
No Cristianismo, todo aquele que não acreditava em Deus, ou que seguia
qualquer outra religião, segundo Nogueira (2000), tinha como pai o Demônio. O
Diabo era seguido por outros espíritos inferiores, que tinham como tarefa tentar os
homens contra as palavras de Jesus. A ele era atribuída a responsabilidade por
problemas como epilepsia, paralisias e entorpecimento dos corpos que afetavam
alguns indivíduos. A cada milagre de Jesus, que consistia na cura de doenças como
estas, o poder do Satã era enfraquecido.
Em relação à sua aparência física, segundo Cousté (1997), muitas foram as
descrições feitas, principalmente entre os séculos XV e XVII, sendo essas muitas
vezes elaboradas por feiticeiras que na época teriam recebido a visita do Diabo.
Muitos detalhes apresentados por elas trazem certas semelhanças.
Para algumas, ele aparece em forma de cão, bode, abutre, e, quando se
transformava em homem, geralmente trazia um ar melancólico e sedutor, porém
sempre com uma deformação física. Durante a Idade Média, o Diabo passou por um
processo de degradação principalmente aos olhos do povo, que o descrevia como
sendo “corrupto, mentiroso, inimigo de Deus e dos homens, [...] violador, maligno no
mais alto grau, deverá necessariamente ser horrendo, disforme e repulsivo como
nenhuma outra criatura” (COUSTÉ, 1997, p. 32, grifos do original).
A descrição feita pelo narrador sobre o Diabo está à altura da que foi feita
sobre Deus. Neste momento percebe-se que, segundo as ideias de Ferraz (2012), as
características atribuídas a ele fogem completamente daquelas que, como foram
citadas anteriormente, eram conferidas ao Diabo na Idade Média, um ser horrendo
que se assemelhava à um bode e que tinha deformações físicas.
Mais uma vez é possível observar a relação entre Deus e o Diabo quando o
narrador diz “as mãos de um corpo como o de Deus”, comparando as aparências dos
dois. E como o próprio Jesus constata “tirando as barbas de Deus, eram como
gémeos, é certo que o Diabo parecia mais novo [...] mas seria uma ilusão dos olhos
ou um engano por ele induzido” (SARAMAGO, 1991, p. 368). Ao entrar na barca, o
Diabo senta-se em meio a Jesus e Deus, ocupando, segundo Ferraz (2012), a posição
de mediador e intercessor, configurando assim uma nova trindade. A relação entre
as duas personagens começa a aparecer com mais força a cada fala. Deus reconhece
que sabia dos anos que Jesus passara com o Pastor/Diabo, e ainda diz: “Meu filho,
não esqueças o que vou dizer, tudo quanto interessa a Deus, interessa ao Diabo”
(SARAMAGO, 1991, p.369). E Jesus, após ouvir e constatar que ambos só existem em
função do outro exclama:
A essa altura, conforme escrito por Ferraz (2012), tanto Jesus quanto os
leitores do romance já puderam perceber que Deus e o Diabo são, na realidade,
Mais a diante, expressa: “Digo que ninguém que esteja em seu perfeito juízo
poderá vir a afirmar que o Diabo foi, é, ou será culpado de tal morticínio e tais
cemitérios” (SARAMAGO, 1991, p. 389). Assim, com o que disse antes e a partir desta
fala, esta personagem atribui a Deus a responsabilidade de todos esses
acontecimentos, exonerando-se desta crueldade e, como explana Ferraz (2012),
com medo de que toda essa carnificina seja atribuída a ele defende-se de tudo o que
foi dito pelo Pai, falando ainda que “É preciso ser Deus para gostar tanto de sangue”
(SARAMAGO, 1991, p. 391).
Com o intuito de salvar Jesus e extremamente perplexo com o futuro que
Deus planejou para este, o Diabo faz sua última e única proposta a Deus:
Nesta última tentativa, o Diabo profere um discurso que, como afirma Ferraz
“é o mais cristão de todos os discursos bíblicos” (2012, p. 191), pois está recheado
de piedade e humildade, na tentativa fracassada do mesmo de salvar Jesus e por
consequência toda a humanidade. Acontece aqui a completa inversão de valores. O
Diabo anunciado se difere por completo daquele visto no Antigo e no Novo
Testamento, aparece generoso, arrependido, bondoso e humilde, atributos esses
que, conforme Ferraz (2012), são considerados divinos nos Evangelhos bíblicos.
O seu papel neste momento fora de defensor e libertador de Jesus, tornando-
se, segundo Ferraz (2012), o grande herói desse evangelho profano, reconhece que
foi ambicioso e tenta redimir-se com Deus. Como a Deus cabe o papel de “um ser
cruel, arrogante e autoritário” (COELHO, 2011, p.100), não aceita o perdão do Diabo.
Confirmando mais uma vez em sua fala que a existência de um só é possível com a
existência do outro:
Conclusão
Referências
JOSÉ SARAMAGO
De mim se há-de dizer que depois da morte de Jesus me arrependi do que chamavam
os meus infames pecados de prostituta e me converti em penitente até ao fim da
vida, e isso não é verdade. Subiram-me despida aos altares, coberta unicamente pela
cabeleira que me desce até aos joelhos, com os seios murchos e a boca desdentada,
e se é certo que os anos acabaram por ressequir a lisa tersura da minha pele, isso só
sucedeu porque neste mundo nada pode prevalecer contra o tempo, não porque eu
tivesse desprezado e ofendido o mesmo corpo que Jesus desejou e possuiu. Quem
aquelas falsidades vier a dizer de mim nada sabe de amor. Deixei de ser prostituta
no dia em que Jesus entrou na minha casa trazendo-me a ferida do seu pé para que
eu a curasse, mas dessas obras humanas a que chamam pecados de luxúria não teria
eu que me arrepender se foi como prostituta que o meu amado me conheceu e, tendo
provado o meu corpo e sabido de que vivia, não me virou as costas. Quando diante
de todos os discípulos Jesus me beijava uma e muitas vezes, eles perguntaram-lhe
Da alegoria
(...) é preciso frisar que o livro em nosso país nem sempre foi
algo cotidiano e trivial. Por conta da política colonial
portuguesa, que proibia qualquer tipo de impressão, e de um
limitado acesso à instrução e à educação, o volume impresso
no Brasil, por um longo período percorreu circuitos bastante
restritos. Não foram poucos os viajantes europeus que
escreveram em seus diários seu espanto com a ausência de
algum texto impresso nas casas dos brasileiros. (EL FAR,
2006, p. 9-10).
Não se deve achar, com efeito, que a leitura seja uma operação
mecânica, que o leitor seja impressionado pelos signos com a
Considerações finais
Notas
3 Citado por Rouanet (2008), Benjamin afirma: “As alegorias são no reino do pensamento o
que as ruínas são no reino das coisas. (...) O que jaz em ruínas, o fragmento significativo, o
estilhaço: essa é a matéria mais nobre da criação barroca... A criação completa do novo era
a ruína.”.
Referências
AUERBACH, Erich. Figura. Trad. Duda Machado. São Paulo: Ática, 1997.
BENJAMIN, Walter. Origem do drama trágico alemão. Trad. João Barrento. Lisboa: Assírio
& Alvim, 2004.
BLOOM, Harold. Gênio – Os 100 autores mais criativos da História da Literatura. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2003.
BÜRGUER, Peter. “A obra de arte de vanguard”. In: Teoria da Vanguarda. Trad: José Pedro
Antunes. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
IRLANDA VILLEGAS
Y también sabes que lo que está ahí, siendo lo que es, tiene
realidad, no puede ser real, Lo sé, Y con todo yo he tocado con
esta mano la frente de una de esas mujeres, no ha sido una
ilusión, no há sido un sueño, si volviese ahora encontraría los
mismos tres hombres y las mismas tres mujeres, las mismas
cuerdas atándolos, el mismo banco de piedra, la misma pared
ante ellos, Si no son los otros, puesto que no existieron,
quiénes son estos, preguntó Marcial, No sé, pero después de
verlos pienso que tal vez lo que no exista sea eso a lo que
damos el nombre de no existencia (p.434).
Quem sabe as sombras são apenas uma ilusão da realidade não pode ficar
parado. Incapaz de permanecer inerte, Algor foge, e mais tarde farão o mesmo sua
filha e seu genro. Saramago constrói assim, a partir do mito platônico, sua própria
mitologia interna4.
Caillois afirma que “la plurivocidad de la proyección mítica de un conflicto
permite una multiplicidade de resonancias que, haciéndolo perturbardor en
diversos puntos a la vez, hace de él lo que parece ser antes que nada: una fuerza de
investidura de la sensibilidad".
Ante a perturbação dos Algor sobressaem algumas respostas: Algor renuncia
sua intenção de viver num mundo em aparente construção e decide reinventar-se.
Neste ciclo que se inicia há lugar para a afetividade e a espiritualidade: se reencontra
com Encontrado (em várias ocasiões o narrador jogará com a pergunta: “quién es
encontrado, el perro o Cipriano?”) e volta com a mulher que saciara sua sede. Sede
Como o escravo livre da caverna, Algor regressa para seus bonecos de barro,
inclusive pelos que são deformados por não haver visto antes a luz. O resgate
filosófico da caverna platônica se concretiza neste ritual familiar improvisado que é,
simultaneamente, um rito de passagem. O maquinal e perverso mundo artificial não
tem, contudo, a mesma claridade. O último ato do Centro, empenhado em converter
tudo em negócio, é inaugura um parque: “EN BREVE, APERTURA AL PÚBLICO DE LA
CAVERNA DE PLATÓN, ATRACCIÓN EXCLUSIVA, ÚNICA EN EL MUNDO, COMPRE YA
SU ENTRADA (p.453).
Notas
* Tradução de Pedro Fernandes de Oliveira Neto. Este texto foi publicado originalmente em
La Palabra y el Hombre. Tercera época, n.22 (outono), p.23-29, Universidade Veracruzana,
Xalapa, México, 2012 e reproduzido nesta edição com aval da autora.
2A tradução utilizada para esta citação é da edição brasileira: SARAMAGO, José. A caverna.
São Paulo, Companhia das Letras, 2000. As outras citações no corpo do texto referentes ao
mito da caverna estão cf. o original deste ensaio.
3“El relato de la creación que figura en el primer capítulo procede de lo que se conoce como
el Códice Sacerdotal, compuesto por membros de la casta sacerdotal durante su cautividad
en Babilonia o después. El relato de la creación del hombre y de los animales del segundo
capítulo se deriva del llamado Documento Jahvista, escrito durante varios cientos de años
antes que el otro, probablemente durante los siglos VIII o IX antes de nuestra era” (FRAZER,
1986, p.10).
4 Segundo Roger Caillois (1988, p.32), toda mitologia interna precisa de uma sintaxe
determinada, isto é, de uma organização perspectívica através de diversos níveis de
afetividade.
Referências
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1993.
BRELICH, Angelo. “Que és la religión?”. In: PUECH, Henri-Charles (dir.). Historia de las
religiones: las religiones antiguas. México: Siglo XXI, 1977. Vol. 1.
CAILLOIS, Roger. El mito y el hombre. Trad. Jorge Ferreiro. México: FCE, 1998. Col. Breviários
444.
COHEN, Esther. “La tristeza del Golem”. In: El silencio del nombre. Interpretación y
pensamiento judío. México: Anthropos, 1999.
FRAZER, George. El folklore en el Antiguo Testamento. Trad. Gerardo Novas. México: FCE,
1986.
Notas
* Este texto foi publicado pela primeira vez no livro Saramago por terceiros e é reproduzido
nesta edição em homenagem à memória da Professora Lílian Lopondo.
1 A Atlântida “seria uma ilha que começava além das Colunas de Hércules quando se saía do
Mediterrâneo e penetrava oceano adentro. Quando os deuses repartiram a terra, a Atlântida
se tornou o domínio de Posídon. Ali vivia Clito, filha de Evenor e Leucipe. Posídon tomou-a
para si, cercou a terra de muralhas e fossos cheios de água, e viveu longamente com ela.
Tiveram cinco vezes gêmeos. A Atlântica foi, pois, dividida em dez lotes. A parte central foi
entregue a Atlas, o filho mais velho, e de lá ele exercia o seu poder sobre os outros irmãos.
A Atlântida era de uma riqueza extrema, tinha florestas imensas, ouro, cobre, ferro, cidades
magníficas, canais, um intenso comércio. Os atlântidas tentaram subjugar o mundo, nove
mil anos antes do tempo de Platão, que nos dá notícias deles e conta que um cataclismo
engoliu para sempre a ilha e entregou o reino a Tieste. Eram filhos de Atreu Agamênon e
tinham sido atacados pelas Amazonas.” (GUIMARÃES, 1972, p.81)
2 O termo “utopia”, aqui, é tomado de empréstimo a Karl Mannheim (apud Bobbio, 1986,
p.1285), para quem opõe-se a ideologia. É um “conjunto de ideias, crenças etc., mais ou
menos sinceramente professadas por um grupo de indivíduos, mas que não se encarnam
nos fatos”. Para ele, “a mentalidade utópica pressupõe não somente estar em contradição
com a realidade presente, mas também romper os liames da ordem existe [...] Transcende a
situação histórica enquanto orienta a conduta para elementos que a realidade presente não
contém; portanto, não é ideologia na medida em que consegue transformar a ordem
existente numa forma mais de acordo com as próprias concepções”.
3Entende-se por racionalização o “processo pelo qual o indivíduo procura apresentar uma
explicação coerente do ponto de vista lógico, ou aceitável do ponto de vista moral, para uma
atitude, uma ação, uma ideia, um sentimento etc., de cujos motivos verdadeiros não se
4 Outro estudo por mim realizado a respeito dos romances de Saramago a partir do
Memorial do convento revela que as suas personagens são, de acordo com as formulações
de Mikhail Bakhtin em Problemas da Poética de Dostoiévski, uma concepção de mundo a que
se soma uma concepção de ser (BAKHTIN, 1997, p.19). Efetuam, pois, a busca da
autoconsciência, que pode ou não coincidir com a visão que o Autor e/ou o narrador têm a
seu respeito.
Referências
E é por isso que o oleiro [...] cria o vaso em torno desse vazio
com sua mão, o cria assim como ato mítico, ex-nihilo, a partir
do furo. (LACAN, 1998, p. 114)
Mesmo que essa voz seja negada, como ocorre em Humilhados e ofendidos
(1861) de Fiódor Dostoiévski, em “Bola de Sebo” (1880) de Guy de Maupassant, em
A hora da estrela (1977) de Clarice Lispector, só para citarmos alguns poucos
Referências
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SARAMAGO, José. Todos os nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
Introdução
A pátria os contempla
Conclusões
1 A tradução utilizada para esta citação é da edição brasileira: SARAMAGO, José. Ensaio sobre
a lucidez. São Paulo, Companhia das Letras, 2004. As outras citações no corpo do texto
referentes ao mito da caverna estão cf. o original deste ensaio.
Referências
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