A Crianca Como Individuo Michael Fordham
A Crianca Como Individuo Michael Fordham
A Crianca Como Individuo Michael Fordham
"
Michael Fordham
ISBN 85-316-0701-9
EDITORA CULTRIX
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G/\ZETA DO POVO
Título do original: Chilqren as Individuais. Sumário ~ibloteca
Publicado pela primeira vez pela Free Association Books, ltd., representada por
Cathy Miller Foreign Rights Agency, Londres, Inglaterra.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou usa- Prefácio 7
da de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive foto-
cópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão Agradecimentos.......................,......................,.................. ~ ...,................. 9
por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos
de revistas. Antecedentes II
2 Brincar............................_............................................................................. 24
3 Sonhos 41
4 Desenhos 64
<f
"
5 o Modelo Conceitual ............................................................................ 81
6 O Amadurecimento 98
o primeiro número à esquerda indica a edição, ou reedição, desta obra. A primeira dezena 8 O Contexto Social ..........................................................................,........ 131
à direita indica o ano em que esta edição, ou reedição, foi publicada.
Ano
Edição
1-2·3-4-5-6-7-8-9-10
01-02-03-04-05-06 9 A Psicoterapia Analítica ......................................................................... 141
Direitos de tradução para a língua portuguesa
adquiridos com exclusividade pela 10 A Formação Simbólica 170
EDITORA PENSAMENTOCULTRIX LTDA.
Rua Df. Mário Vicente, 368 04270000 São Paulo, SP Apêndice ..................................................................................................... 179
Fone: 2721399 Fax: 2724770
Email: pensamento@cultrix.com.br
http://www.pensamentocultrix.com.br Notas 189
que se reserva a propriedade literária desta tradução.
Bibliografia 193
Impresso em nossas oficinas gráficas.
"
1 Anteceden.tes
Ao longo de toda a sua vida, Jung baseou-se na distinção geral entre es-
truturas conscientes e inconscientes. Ao enumerá-las, definiu ,uma ünic4
entidade, o ego, para representar o centro da consciência. Já os mai~
~ !
obscuros e complexos elementos do inconsciente revlam-~ inúmeros.,
Seu fascínio por eles era tanto que o fez devotar a se1u es~udo a maior
parte de sua vida científica. Jung começou por distinguir gois níveis.,; o pes-
,>
soal e o coletivo. O primeiro compunha-se de experiências reprimidas
, I
por serem incompatíveis com as convenções sociais o~ morais: elas são
essencialmente parte do ego e, assim, podem voltar a ser conscientes se
a barreira da repressão for removida. O conteúdo do segundo diferia da~
quele do primeiro no fato de ser essencialmente inconsciente; ele só po-
de tornar-se parcialmente consciente por meio das imagens do son~ ~
da fantasia, que se desenvolvem à medida que o amadurecimento pros-
segue. Estudando-as, Jung criou a teoria do "inconsciente coletivo", que
objetivava explicar a generalidade dos temas que acabou por demonstrar.
Além disso, Jung cunhou uma expressão explicativa, "psique objetiva",
para sublinhar não só uma característica da natureza desses temas, como
também a sua própria idéia de que o "mundo interior" do homem, que
eles representam, é um objeto de estudo tanto quanto o mundo exterior
das coisas materiais e das pessoas.
No decorrer desse estudo, Jung descobriu que os dados provenien-
tes do inconsciente coletivo poderiam ser agrupados e classificados, infe-
rindo que havia diversos centros ou núcleos que se expressavam repeti-
damente de modo semelhante e demonstravam objetivos e funções
similares. Esses centros foram chamados de arquétipos do inconsciente
coletivo, que é, portanto, um termo usado para designar a soma total dos
arquétipos. Os arquétipos foram por ele descritos como a sombra, o ani-
mus e a anima, o velho sábio, a criança etc. Todos eles foram concebidos
como "não-ego", sendo-lhes essencialmente impossível tornar-se comple-
tamente conscientes.
como Indivíduo • • Antecedentes • 13
Aqui costuma surgir um problema terminológico devido à tendên- ocorre, deve-se, segundo Jung, incentivar as tendências presentes no pa-
cia a confundir o arquétipo inconsciente com sua representação no cons- ciente a deixar a imaginação trabalhar por conta própria, com interferên-
ciente, isto é, sua imagem. Apesar das diferentes posturas adotadas nes- cia mínima do ego. Se o momento escolhido for o correto, segue-se uma
sa questão, neste livro tratarei o arquétipo como uma entidade teórica fantasia organizada que assume a forma de um sonho, no qual o pacien-
dita inconscier),te e me referirei às imagens que podem ser agrupadas te então aprende a participar como uma das figuras; dessa forma pode
usando-se a teoria dos arquétipos como "arquetÍpicas", isto é, como ten- desenvolver-se uma dialética entre o ego e as imagens arquetípicas deno-
do as características que a teoria delas requer: assim, o arquétipo da mãe minada imaginação ativa. O processo é facilitado pela dança, pela pintu-
é postulado ,como dando ensejo, quando colocado em relação com uma ra e pela escultura em madeira ou argila,
mãe real, a imagens que contêm características arquetípicas da.mãe. Em Do material produzido individualmente durante a imaginação ativa,
resumo, usaremos o adjetivo "arquetípico" para distinguir a imagem do )ung extraiu dados estreitamente associados a temas míticos, rituais e prá-
arquétipo em si.. ' ticas mágicas e religiosas. Ali se encontrava uma mina de informações que
A teoria suscitou críticas porque se supunha implicar a herança de lançavam luz sobre as fantasias dos pacientes. Portanto, Jung começou a
idéias e imagens, e é verdade que na literatura apresentam-se formula- comparar as duas coisas.
ções vulneráveis a esse ataque. O próprio Jung, em resposta, reformulou Às vezes o método comparativo da amplificação que )ung criou pa-
suas idéias de modo a definir o arquétipo como o substrato que usava, rece uma espécie de tour de force intelectual e, de fato, assim pode ser,
por assim dizer, a experiência sensorial de maneiras predeterminadas pa- embora essa não tenha sido a utilização que ele previa. Em vez disso, Jung
ra produzir imagens típicas. A meu ver, é uma pena que ele nunca tenha concebia esse método como uma extensão do processo natural cuja
esclarecido devidamente suas conclusões em escritos sobre a infância. ocorrência observava nos pacientes.
Suas primeiras idéias sobre o tema permaneceram as mesmas no que se Estudando-se uma série de sonhos ou fantasias, vê-se que os temas
refere ao amadurecimento na infância e à natureza dos processos incons- se interligam e esclarecem-se - isto é, amplificam-se - uns aos outros até
cientes nesse período da vida do indivíduo. chegar ao núcleo central do significado. Um bom exemplo pode ser en-
contrado na série de sonhos publicada em Psicologia e alquimia (OC XID:
A amplificação intelectual, que se baseia na teoria dos arquétipos, está
o MÉTODO DA PSICOLOGIA ANALÍTICA contida na segunda parte do livro, embora ele também tenha feito para,-
Após definir seu campo de estudo, Jung dedicou-se a descrever detalha- lelos mais breves aos próprios sonhos.
damente o comportamento das imagens arquetípicas. Para tanto, empre- Durante a terapia analítica, a coleta de paralelismos sempre foi con-
gou quatro técnicas destinadas a trazer à consciência o conteúdo do in- siderada secundária (na minha opinião, ela é desnecessária) em relação
consciente coletivo: associação livre - mas, mais freqüentemente, ao procedimento analítico em si. Contudo, o conhecimento do material
associação controlada -, análise de sonhos, imaginação ativa e amplifica- simbólico cresceu muito com o estudo comparativo dos mitos, ~ as con:
ção. Dessas, a primeira é bem entendida, e a segunda será abordada mais
detidamente no Capítulo 7. Apenas as duas últimas precisam de apresen- * Obras completas, Vol. XII, As referências às obras de lung serão feitas por meio da
tação aqui, principalmente levando-se em conta o fato de serem caracte- abreviatura OC seguida do número do volume, com as seguintes exceções: l- Quan-
do o autor cita obras que foram modificadas por Jung e não se encontram em sua
rísticas da abordagem de )ung.
forma original nas OC, ou quando a obra não faz parte das OC, casos em que indi-
Em algum momento do tratamento, o paciente pode tomar-se cons- caremos a obra da maneira convencíonal. 2- Quando a obra aindà não foi traduzida
ciente de processos que talvez perceba apenas vagamente e que tenha para o português, caso em que indicamos a obra por CW (Co//ected Works) seguido
dificuldade de expressar por meio da linguagem comum. Quando isso do número do volume.
14 • A Criança como Indivíduo • • Antecedentes • t 5
.................................................................,., ........................ , ......... , ............................................, ..
clusões atingidas são usadas pelos analistas em sua interpretação do ma- -o com a sexualidade na vida do bebê, em especial por parte de KJein.
terial dos pacientes. çaS
ua afirmação de que a situação edipiana é um mito , . - não no sentido. de
Qual é então o valor do método intelectual da amplificação? Ele é ser irreal , mas sim no de possuir natureza arquetlplca
, e, . portanto,. ser me-
um método de ensino e pesquisa e, ysando-o dessa forma, Jung formu- rente ao desenvolvimento sadio da criança - so depoIs de mUIto repu-
lou diversas teorias sobre os processos evolutivos da civilização. A mais diada foi aceita pelos psicanalistas.
importante dentre elas foi a tese de que a alquimia foi não só ,uma evo- Vale a pena lembrar, também, que no livro Psychology ofthe Uncons-
lução compensatória da religião cristã, mas também a precursora da psi- dous (Jung 1991) ele frisou a inevitabilidade da fantasia da mãe dual, tão
cologia do inconsciente e da química. importante na obra de Klein, e situou os conflitos edipianos em relação
à díade mãe-filho que, além de anteceder, está por trás das situações trian-
gulares às quais Freud deu importância capital. Nessa obra ele desenvol-
A INFÂNCIA ve ainda uma teoria de grande alcance, apesar de muito negligenciada,
sobre a importância do ritmo na transformação das pulsões instintivas pri-
Se voltarmos às primeiras obras de Jung, as do período em que foi in- mitivas em atividades culturais.
fluenciado por Freud e aquelas do período do rompimento entre ambos, Não pode ser essa parte inicial de sua obra - que ele jamais repu-
encontraremos muita coisa sobre a psicologia da infância. De fato, há diou o que o distanciou da análise infantil. Tampouco, penso eu, terá
aqui uma literatura considerável que foi em grande parte desconsidera- sido a sua demonstração experimental dos processos de identificação
da. As publicações de maior peso foram os estudos de testes de associa- (OC IV). Antes, foi a conclusão de que se tanto do que anteriormente se
ção, que mostraram pela primeira vez o amplo alcance dos efeitos das imaginava ser ambiental era realmente inato, se o tema da mãe dual e o
identificações entre pais e filhos e o quanto a vida de uma criança pode- conflito edipiano eram parte do desenvolvimento sadio, por que desen-
ria ser, aparentemente, quase que completamente determinada pela na- cavá-los? Não são acaso as contínuas "tarefas da vida" que a criança tem
tureza de seus pais. Mas, ao lado deles, resumidas nas palestras feitas na diante de si o que merece mais atenção? Seu raciocínio foi o de que se-
C1ark University (1916), Jung apresentou também as investigações sexuais ria melhor propiciar um bom ambiente para a criança, evitando o estí-
de uma garota, Anna (publicadas em OC XVI\). É um texto complemen- mulo de processos regressivos. Levada a extremos, essa teoria da conti-
tar ao "Little Hans" I"Pequeno Hans", de Freud. Entretanto, Jung deu aten- nuidade, apesar de útil, não proce'de quando aplicada à psicopatologia
ção muito maior às investigações simbólicas que formam a base do de- infantil, pois não são apenas os pais que contribuem para ela.
senvolvimento dos processos do pensamento cognitivo. Além disso, Apesar de não excluírem a análise de crianças, suas palestras poste-
houve também uma consideração maior do mundo interior da garota. riores sobre a educação (OC XVI\) restringem o escopo da psicopatolo-
Sua obra Tentativa de Apresentação da Teoria Psicanalítica (publicada gia infantil e colocam muito mais ênfase na influência dos' pais. Quase
em OC IV) resume as divergências que ele tinha com Freud, mas tam- ~ão há nada de novo sobre a psicologia infantil na obra publicada poste7
bém contém muita coisa ainda hoje interessante para o estudo do desen- normente, embora ele tenha apresentado uma· contribuição interessante
volvimento infantil. Porém ele estava sendo tão atacado pelos psicanalis- sobre as crianças dotadas (em OC XVII). No entanto, a importância da
tas da época (1913) que o valor dessa obra ficou obscurecido. Ela contém fix~ção no desenvolvimento das neuroses e psicoses de fato não pode ser
idéias então novas que hoje, se não estabelecidas, já não são objeto de delx~a. de lado: Jung não a ignorou completamente, mas sua teoria da
polêmica tão acirrada (Cf. Abraham 1914l. Sua ênfase na importância de contInUIdade era inspirada em seu trabalho sobre a individuação huma-
separar a sexualidade infantil de sua forma adulta e o instinto da nutri- na em adultos, e isso desviou-lhe a atenção da análise infantil. .
ção do instinto sexual já não causam muito alvoroço, principalmente de- . Porém, tomando-se a obra de Jung como um todo, há pouca justi-
pois da ênfase dada à à voracidade e à agressividade em conjun- ficatIva para a idéia de que a psicopatologia seja apenas o resultado da in-
t 6 • A Criança como Indivíduo •
• Antecedentes • t 7
trojeção ou idl;ntificação da criança com os processos inconscientes me- uianos que desconsideram que, apesar de não querer aplicar teorias à
nos desejáveis dos pais. Ao mesmo tempo, quando inicialmente desen- ~nfâcia, Wickes estava dominada por crenças teóricas já sem validade
volvida - e Jung não foi o único a adotar esta posição-, a tese sobre a acerca das visões especulativas de Jung sobre a natureza das estruturas
geralmente decisiva importância dos pais foi relevante e necessária. Após herdadas em crianças, como as seguintes: "No ['estado infantil germinaI']
cair, com razão, em um certo ostracismo porque erroneamente se tomou estão escondidos não só os inícios da vida adulta, como também toda a
um dogma que nega às crianças a possibilidade de individualidade, ela herança que nos vem da série dos ancestrais, e é de extensão ilimitada"
vem sendo ultimamente recuperada: a importância da patologia dos pais (OC 8, parág. 97).
na interferência, perversãoolJ obstrução dos processos contínuos de ama- Por mais fascinantes que sejam tais idéias- e aqui deve ficar cla-
durecimento" dos filhos vem obtendo um reconhecimento cada vez ro que Jung posteriormente as modificou -, são escassas as provas em
maior e mais equilibrado. seu favor, e as que existem prestam-se a outra interpretação, mais acei~
A meu ver, Jung certamente acreditou, sem deixar que suas idéias táveI. Seja como for, Wickes era dotada de uma fina intuição, o que tor-
sobre esses problemas se cristalizassem, que não valia a pena investigar a na permanente o interesse dos dados que ela coletou, por mais que sua
infância antes que seu trabalho sobre a vida adulta obtivesse o progresso atenção aos detalhes possa ter sido pouca. Graças a esse dom, elà aca-
e o reconhecimento que merecia. Entretanto, sempre foi óbvio que, a ba omitindo dados, aparentemente tão ínfimos, que são essenciais pa-
menos que o conceito'de arquétipo pudesse ser aplicado à infância, sua ra suas observações serem corretamente avaliadas à luz do conhei~
teoria era vulnerável a críticas prejudiciais. Portanto, não é de surpreen- mento atual. Sua recorrente referência a "a criança", particularmente,
der que anos depois ele resolvesse enfrentar o desafio - que a primeira tomou-se genérica demais para ter grande utilidade. Além disso, as ida-
edição da presente obra também visava -, aplicando a técnica da ampli- des das crianças às quais ela se refere, embora extremamente necessá-
ficação aos sonhos infantis. Os resultados que obteve foram coligidos em rias, são muitas vezes omitidas, e as partes relevantes de seus históricos
vários relatórios de seminários, mas suas idéias jamais chegaram a ser for- não estão disponíveis.
malmente publicadas.
Entre os analistas junguianos pioneiros, só Frances Wickes trabalhou
de modo mais sistemático com crianças. Seu livro, The lnner Warld af o OBJETIVO DO DESENVOLVIMENTO
Chíldhaad (1966), é um desdobramento fiel e esclarecedor do que Jung
havia sugerido. A ela deve-se o crédito por haver feito a primeira aplica- Um elemento essencial no trabalho de Jung era a importância do desen-
ção da teoria dos tipos às crianças e por haver concebido alguns méto- volvimento. Assim, ele frisa que o objetivo do desenvolvimento de uma
dos engenhosos de lidar com seus processos afetivos primitivos. Talvez criança é atingir a maturidade. Para isso, ela precisa fortalecer seu ego de
ainda mais importante seja seu sucesso na divulgação da idéia de que é modo a poder controlar seu mundo interior e exterior: Além disso, ela
por meio de identificações inconscientes que as influências dos pais pro- deve aceitar padrões coletivos; às vezes, ao que parece, independen-
duzem anormalidades no desenvolvimento infantil. Apesar de necessária temente das conseqüências que possa sofrer. Na verdade, resta saber se
na época em que foi escrita, a conclusão de que os pais deveriam preo- isso resulta num verdadeiro desenvolvimento e - já que estarei conside-
cupar-se com sua própria saúde mental se quisessem proporcionar um rando o amadurecimento infantil sob luz diferente e relacionando-o a
bom ambiente para seus filhos hoje parece banal. Porém Wickes, seguin- processos favorecedores da individuação que usam concepções prove-
do Jung. contribuiu signfcatvme~ para refinar um conceito que cos- nientes de Jung - talvez seja necessário considerar brevemente como ele
tuma aproveitar-se muito do preconceito. concebia a relação entre a individuação e a adaptação coletiva. '
Em seu trabalho, Wickes opõe-se à investigação de processos in- Jung (OC VD comparava os objetivos coletivos à individuação da
seguinte forma:
conscientes em crianças, e essa tese ainda influencia muitos analistas
• Antecedentes • 19
A individuação, em geral, é o processo de formação e particulariza- . a individuação é concebida como abarcando uma meta
ASSlm, . d 'd'
, da infância, quando o fortaleCImento o ego e e Importancla
A'
-L
20 • A Criança como Indivíduo • • Antecedentes • 2 t
quando escrevi o texto da primeira edição deste livro, A grandiosidade e rtes e é sobreordenado ou transcendente em relação a· elas
' ,
o a Icance, oeIemento re IIgloso ,
e a Importancla
A '
socla I .da tn
• 'd'IVI'd uação todas as 'd pa d a' parte As duas concepçoes ~ ~ d e d'f'
sao I ICI'I concl'I'laça0.
~
. uma entl a e · , ~.
eram de tnteresse central. OI nto às manifestações do self, Jung e coerente: elas.sao essenclal-
A definição de individuação em Tipos psicológicos dá margem, po- ~bólicas e representam opostos. Assim, torna-se difícil desenvol-
rém, a uma visão diferente. Jung diz que "a individuação coincide com o ment~ teoria satisfatória do self porque qualquer afirmação a respeito
desenvolvimento da consciência que sai de um estado primitivo de identi- ~e u ode ser contradita - ao menos, essa é a noção de sua natureza sim-
~a.dé: :'1,
(OC ?~rág. ~56) e, alhures, como explic~ Jacobi, ele dá margem b~IC conforme comumente interpretada. Daí_ de~or ~ afirmação d~,
a Idela de tndlvlduaçao como um processo contmuo ao longo de toda ue o self é um supremo mistério e, por isso, nao e. precIso tentar elucl-'
uma vida, Diversos junguianos tentaram dar conta dessa brecha, que ja- dá-lO. Ao relacionar o self tanto empírica quanto teoricamente à expe-'
mais foi detalhadamente explicada até lacobi empreender essa tarefa no riência religiosa - e, em particular, ao conhecimento de Deus -, lung cer-
livro The Way of Individuation (1967>. A ela, portanto, deve-se dar o cré- tamente colocou o selfem relação com a especulação teológica acerca.da
dito pela fundação dessa linha de pensamento. realidade suprema, Não tentarei de forma alguma considerar esse áspec-
Seja como for, lastimo não poder aceitar nem a sua formulação nem to de seu trabalho: ele é quase completamente irrelevante aos processos
outras menos completas, Todas recorrem a concepções como a de que a de amadurecimento na infância, além do que é algo que pertence à sea-
individuação é um "instinto" ou implicam uma teleologia de longo alcan- ra da filosofia e da teologia, de qualquer forma. Há muitos aspectos do
ce que foi há muito abolida pela biologia, a meu ver, com justa razão. self que conhecemos pouco ou nada e sua natureza já é obscura o sufi-
Além disso, Jacobi especialmente afirma,se é que a compreendi bem, ciente sem hipostasiar a aura de mistério - que deve, a meu ver, funcio-
que os objetivos biológicos e adaptativos da juventude e que o desenvol- nar mais como estímulo à investigação do que como um fim em si.
vimento do ego são partes de - embora apenas preliminares a um de- Não se pode negar que a concepção de self como mistério supre-
senvolvimento necessário aos processos, geralmente chamados de indi- mo não está de acordo com a idéia de que sua percepção seja o objeti-
viduação, de amadurecimento na segunda metade da vida. vo da individuação, pois, para ser percebido, ele deve ser cognoscível;
Essa concepção tem à seguinte dificuldade: o aumento da adapta- mas muitas vezes se afirma que sua percepção requer a intuição de seu
ção a exigências sociais não pode ser parte da individuação se o distan- mistério.
ciamento de exigências sociais é uma característica central da individua-
ção. Não sou avesso nem ao paradoxo nem à contradição quando eles
recobrem dados simbólicos que não podem ser abstraídos sem perda. To-
rente: o self era um organizador, o arquétipo central. °
Foi num momento posterior que Jung desenvolveu uma idéia dife"
davia, a individuação é, a meu ver, um conceito capital relacionado a pro- ou mesmo abolia o conceito de totalidade, já que o self é cpncebido co-
cessos definíveis e não um símbolo; portanto, o paradoxo não é nem jus- mo uma de suas partes. Do meu ponto de vista, a contradição pode ser
tificáveJ nem, creio eu, necessário. Neste livro demonstrarei - espero que resolvida reconhecendo-se que dois níveis de abstração estão envolvidos:
definitivamente - que os processos de individuação estão em ação na pri- <? conceito de totalidade do selfse baseia numa abstração dos.dados que
meira infância e na infância e que são uma característica essencial do ~ao agrupados como símbolos ou representações suas: cada um.deles é
amadurecimento. mcompleto, mas, somados, levam à teoria da totalidade. O self como or~
Ao propor-me mostrar isso, farei uso dos conceitos de Jung, apesar ganizador dos arquétipos é menos abstrato, mais próximo dos dados e,.
de suas formulações não serem coerentes (Cf. Fordham 1985b). Por um POde-se dizer, menos teórico. .
lado, ele definiu o self como a totalidade da psique, abarcando o ego e os .Os capítulos seguintes mostrarão até que ponto usei, ampliei ou des-
arquétipos, concepção que significa que essas estruturas são as partes do cartel os conceitos desenvolvidos por lung e outros. Pode-se, porém, pre-
todo. Por outro lado, ele pensou o self como uma entidade que organiza ver desde já que o modelo do ego, os arquétipos e' o self permanecerão,
• Antecedentes • 23
22 • A Crianço como Indivíduo •
como também a importância dos pais diante do desenvolvimento e psi- característica do amadurecimento (Cf. Mahler et aI. 1977) não poderia
copatologia infantis. As imagens simbólicas e o mundo interior a que Jung deixar de ter muito interesse para mim. Contudo, talvez seja muito váli-
deu tanta ênfase (embora em parte para compen~ar sua freqüente nega- da uma observação sobre o frutífero diálogo entre as escolas da psicolo-
ção) também encontrarão lugar de destaque. gia analítica e da psicanálise que vem ocorrendo ao longo dos anos em
Dei muita importância ao self definido como a totalidade organiza- Londres. Ele contribuiu muito para o meu trabalho e o de outros mem-
bros da London Society of Analytical Psychology. Esse diálogo, porém,
da dos sistemas consciente e inconsciente. Aconcepção aplicada à crian-
não poderia haver ocorrido sem o contínuo estudo da obra de Jung nem
ça trata-a. como uma entidade em si mesma, da qual se podem derivar
a correspondência e a discussão com ele e com a Sra. Jung até omomen-
os. processos maturativos. Ela não inclui mãe nem família. A significação
to da morte deles. Isso propiciou-me uma base segura de onde partir pa-
do postulado de uma unidade primária ficará evidente, mas talvez se pos-
sa dizer desde já que ela é concebida como a base sobre a qual repousa ra novos campos de investigação.
a noção de identidade pessoal e da qual procede a individuação.
A partir daí, o objetivo ideal dos pais pode ser definido como o de
fomentar o amadurecimento do self e, assim, facilitar a sensação de auto-
confiança da criariçá em relação a eles, a seus irmãos e ao ambiente ex-
trafamiliar, no qual ela progressivamente se irá engajando com o passar
do tempo.
Até agora, nada falei a respeito dos vários psicanalistas a quem fa-
rei referência nos capítulos subseqüentes. À exceção, naturalmente,
Freud, eles não antecederam meus próprios esforços no mesmo sentido
que o trabalho de Jung e Wickes, pois eu não estava trabalhando com
teorias psicanalíticas, antes de mais nada, nem tivera nenhum treinamen-
to formal em psicanálise:
Entretanto, nos primeiros anos o pioneirismo de Klein na psicanáli-
se infantil foi para mim um estímulo especial; suas técnicas lúdicas, que
revolucionaram a psicoterapia infantil na Grã-Bretanha, foram particular-
mente importantes. Além disso, muitas de suas formulações teóricas pa-
receram-me, já em 1935,compatíveis.com.asidéias de Jung. Seu concei-
to de fantasia inconsciente e de objetos bons e maus, por exemplo,
parecia destinado a ser incorporado na teoria dos arquétipos e dos opos-
tos. Além disso, algumas das situações conflituosas iniciais - como a vio-
lência dos ataques agressivos do bebê ao corpo da mãe - eram, a meu
ver, análogas ao tema mitológico do herói em luta contra. os monstros,
conforme observei em 1944 na primeira edição deste livro. Também pas-
sei a aceitar a importância da posição depressiva.
O fato de outros psicanalistas. - ao que tudo indica, independente-
mente - terem adotado conceitos do seI{ e suas representações em seu
raciocínio conceptual e de.a individuação haver sido aceita como uma
LlIIIIII
• Brincor • 25
2
. . e exterior do bebê em crescimento. À medida que o desenvolvi-
tnteno r egue o ob,'eto adquire do ponto d e vIsta
. d o b e b~'d e, VI a e VI-.
Brincar men to pross ' , '
talidade próprias, mas seu conteudo ~radulment
. '
se vaI torn~d dIfu
SO até tomarse "CJ não tanto esquecIdo quanto relegado ao hmbo , .." .
Ele perde a energia que contém pois, como afirma Winnicott, os fenô-
menos transicionais tomamse difusos, espalhados ao longo de todo o ter-
ritório intermediário que existe entre a "realidade psíquica interior" e o
Embora não seja a primeira, o brincar constitui uma das atividades "mundo exterior conforme percebido por duas pessoas" (2000 p. 33\).
ciais dos bebês. Assim que o seio se toma um objeto e o levar algo à bo- Assim, ele é o precursor do elemento significativo na brincadeira com
ca se toma um prazer além do simples sugar, começa o ato de brincar muitos objetos, mas também pode tomarse uma fantasia, uma imagem
com o mamilo e outras partes do corpo da mãe. Ele continua quando o ou um pensamento (p. 157 abaixol, e estes, se Winnicott estiver certo,
seio não está disponível e quando a fome e a sede estão satisfeitas, no estão na origem da vida cultural. Essa opinião tem seus próprios percur-
exercício dos músculos, no gorgolejar, na emissão de sons etc. sores, pois Harrison afirma (1927, p. 17, nota 4) que "originalmente os
Dada a segurança fornecida, em primeiro lugar, pelo acolhimento brinquedos infantis prestavamse a muito mais que meras brincadeiras.
da mãe e outras formas menos diretas de cuidado (por exemplo, um ber- Eles eram amuletos indutores do bem, profiláticos contra as influências
ço ou cercado), outros objetos podem ser explorados, assim como o ma- maléficas". Porém, por mais atraente que seja, a idéia carece de suficien-
milo e o seio. Gradualmente, o rosto, a boca, o cabelo da mãe bem co- te comprovação.
mo partes do corpo da própria criança, seus dedos, excrementos e órgãos Quando se amplia o conceito, é comum observar que as crianças tra-
genitais são incluídos na brincadeira exploratória. Posteriormente, esse tam certos objetos como essenciais ao seu bemestar: eles passam a ser do-
processo tomase parte de um método no qual o bebê desenvolve sua tados de significado e não são retirados sem objeções veementes. São eles
relação consigo mesmo e com o mundo exterior, também participando os brinquedos em geral as bonecas com enchimento, ursinhos de pelú-
da organização da atividade imaginativa acarretada por processos que cia e similares que as crianças levam para toda parte, com os quais que-
têm lugar no self rem donnir ou consideram especiais e preferem acima de todos os outros.
Relacionado com o corpo, o brincar constitui uma das atividades Além de especiais, outra característica desses objetos é a sua"objetivida-
ciais do ego que acontece pela primeira vez quando o bebê está num es- de". A criança pode referirse a eventos de seu mundo exterior ou inte-
tado próximo à integração. Supondo que no ato de brincar o ego do bebê rior, às vezes de modo muito claro mas mesmo assim a brincadeira é em
esteja perto do sei!, podese esperar que o brincar forme representações si considerada como resuitante da 'difusão, uma atividade "objetiva".
do self Dito de outra maneira, no brincar precoce o bebê está dando um Não é meu objetivo, nem no que foi exposto anteriormente nem
primeiro passo no sentido de deixar de ser um sei! para encontrar a si no.qu~ direi a seguir, desenvolver uma teoria geral do brincar. Antes, que-
mesmo. ro mdlcar as características que podem ser úteis a um clínico oua alguém
De especial interesse são os fenômenos transicionais, cuja investiga- que trabalhe com crianças. Vale a pena considerar os seguintes traços du-
ção devemos a Winnicott (1967 e 2000). Eles serão discutidos em maior rante a psicoterapia:
detalhe posteriormente. Por enquanto, digase apenas que, logo no início
da vida, o bebê se ocupa de partes de objetos concretos ou outros obje- I. Graças às reduzidas dimensões dos brinquedos, a criança tem -
tos primitivos que não vêm a representar nem seu mundo "interior" nem dentro dos limites impostos pela natureza do brinquedo con-
uma parte da mãe, que representa o mundo "exterior". Considerase, as- trole total sobre o brincar. Por isso há ampla margem para ex-
sim, que os fenômenos transicionais ocupam um lugar entre os mundos pressar e gozar valiosas sensações de onipotência, especialmen-
26 • A Criança como Indivíduo • Brincar' 27
............ ,.......
te quando se trata do brincar criativo com os materiais primários CASO t - A INVEJA E O CiÚME INFANTIS
(água, areia, argila), da pintura e do desenho.
2. O brincar onipotente pode ser auto-erótico e, nesse caso, é leva- loyce, de 6 anos, tinha medo do escuro e fobia da escola.
da a cabo na solidão: ele tem suas próprias recompensas, e a
criança não precisa de. mais ninguém para apreciar o que está Primeira entrevista.: .' .
sendo feito. Esse brincar também pode ser criativo: é onde mui- Ela arecia ser uma garotinha ativa, cheia de VivaCidade e de uma ener-
tas vezes se encontram símbolos. gia ~ue ela às vezes achava di~cl ou impossível controlar. Quando
isso acontecia, Joyce ficava ansiosa. .
3. Porém a brincadeira criativa normalmente requer que outras Brincadeira: Ela começou a brincar com duas bonecas, uma preta
pessoas em especial os pais a apreciem. Se isso não aconte- e uma branca. A boneca preta era "má", levou muita palmada no "tra-
cer, a criança pode ficar triste ou até deprimida, zangada ou de- seiro" e depois foi mandada para a cama. Posteriormente, essa boneca
sesperada. ganhou boas roupas e, no fim, Joyce a aceitou um pouco melhor. A ou-
tra boneca, chamada de "nenê", era boa e muito querida. Certa vez,
4. Daí decorre que a brincadeira é um veículo para a comunicação quando ambas as crianças estavam deitadas na cama, Joyce descobriu
significativa, um elemento que se revela especialmente útil ao que os olhos do bebê bom não fechavam. A princípio, ele" não podia
analista. Em vez de falar, a criança irá brincar, exprimindo seus dormir". Depois, ele aparentemente não queria dormir, dando ensejo a
amores e ódios, medos e esperanças, às vezes de forma transpa- uma discussão não muito grave em que o "bebê bom" foi chamado de
rente, mas, .em geral, de modo indireto. "malcriado".
Nesse jogo, Joyce brincava de ser mãe, pondo e tirando roupas, ba-
5. Como parte desse elemento comunicativo, outras pessoas po- tendo numa filha, agradando a outra e pondo ambas para dormir: esse é
dem entrar no jogo por meio da representação de papéis. No iní- o brincar normal. Aos 6 anos, esperase que a menina tenha identifica-
cio essa atividade é autocentrada, isto é, a criança quer que o ou- ção com a mãe, uma identificação que geralmente faz parte de seu con-
tro desempenhe um papel que representa uma parte do self flito edipiano. O fato de cada boneca desenvolver como parte de si um
Depois, é possível um intercâmbio de papéis e o estabelecimen- germe da qualidade oposta mostra que a criança está perto da brincadei-
to de concessões. Num momento posterior, podem ter início os ra do objeto total: a "filha má" ganha boas roupas provavelmente uma
jogos organizados que se tornarão aqueles de incrível complexi- recompensa por haver sido boa , apesar de não se verificar nenhuma
dade da vida adulta: então a brincadeira se terá tornado social. verdadeira mudança em sua natureza conforme demonstrouse na con-
tinuação da brincadeira; a filha "boa" ~em em si um pouéo de "maldade",
Os exemplos seguintes ilustram essas características do brincar embo- na forma da intenção deliberada de não fechar os olhos e dormir.
ra sua criatividade só venha a ser abordada no Capítulo 4 e foram se- No conjunto, no brincar de loyce predominavam atos punitivos im-
lecionados com o intuito de mostrar diferentes graus de organização em p!acáveis, todos destinados a controlar o "mau" comportamento. A vio-
duas faixas etárias. lencia é evidentemente uma tentativa de controlar seus desejos infantis
maus, que ela teme. Devido à sua tendência à crueldade há indício de
que sua identificação com a mãe seja parte de uma defs~ maníaca resi-
dual (Cf. p. III abaixo). O comportamento da mãe fantasiada não cor
responde ao de sua propna , . mae
em relaçao
- a ela, pois loyce era a
28 . A Criança como Indivíduo • • Brincar • 29
., .............. , ......................... " ..... , .... , ... , ............... , ........................................ , ........ " ..................
preferida. Isso sugere que as identificações projetiva e introjetiva contri- que ela fez _ "Ela é uma peste" - são os que sua mãe de fato faz. O te-
buem para o quadro que ela apresenta (Cf. p. 90 abaixo). ma da brincadeira também mudou no sentido de o bebê se haver torná;
do menoS bom. Sua maldade, sugerida em sessão anterior quando se re:-
Segunda entrevista: cusava a fechar os olhos, agora estendeu-se a atividades anais. Em relação
Houve muita brincadeira com água numa pequena banheira de f1andre a estas, loyce é menos impiedosa, provavelmente porque se havia livra-
ligada a um tanque; abrindo-se uma torneira, a água jorrava na banheira. do da boneca "má". Ela passa o tempo no início limpando tudo~ls.e
A certa altura, a torneira entupiu, deixando Joyce chateada. Depois, ela va à descoberta da sujeira: "porcaria". Referindo-se à realidade, isto é, des-
colocou alguns barcos numa bandeja grande, que encheu com água de cobrindo que a "porcaria" é areia, ela controla a raiva; outras atividades
um balde; empurrou os barcos de um lado para o outro. Além disso, co- são tratadas com severidade, mas não com punição.
locou bastante areia dentro d'água e, ao molhar as mãos, queixou-se de
que acabariam ásperas e rachadas. Então quis trocar a água para separar Quarta entrevista:
a areia e, juntos, carregamos um balde escada acima e abaixo, derraman- Joyce achou a mamadeira do bebê e divertiu-se sugando e mascando o
do muita ágúa nessa atividade. bico. No início da sessão, comentou: "Meu nenê pode cuspir". Isso que-
Nesse brincar há uma tendência a agrupar objetos em pares: dois ria dizer que o bebê havia cuspido o leite. Por isso, levou uma surra.
barcos, areia e água, a torneira que deixa cair a água e a banheira que a Logo depois, ela encontrou uns bastões de giz, quebrou-os e colo-
contém. Porém, ao lidar com materiais e objetos impessoais, há mais rea- cou-os dentro de uma caixinha presa a um quadro-negro. Quando aca-
lidade no que ela faz e deixa de haver necessidade de distinguir entre bou, perguntou: "Ela está chorando? Minha filhinha está chorandoT Foi
bem e mal. alimentar a boneca. "Ela cuspiu?", disse e sugou ela mesma a mamadei-
ra. Caiu um pouco de água pela parte inferior da mamadeira, fazendo-a
Terceira entrevista: exclamar: "Oh, pipi!" Em seguida, mordeu e mascou o bico. "Fui ver o
A boneca má foi, mais uma vez, bem surrada e colocada num canto no nenê do Tio AIf", disse. Derramou mais água no chão. Nesse ponto, fiz
início da entrevista. Depois, muita brincadeira com água; Joyce era a mãe o seguinte comentário: "Quando você era nenê, talvez quisesse fazer pi-
lavando as roupas e lençóis da boneca. Ao lavàr com sabão as fraldas, su- pi na mamãe do mesmo jeito que está derramando água no chão agora".
jou-as de areia. Então cheirou-as, pensando que era "porcaria" (fezes), Ela respondeu: "Não queria, não, mas eu fazia porcaria nela inteira - não
mas ficou alegre ao descobrir que a "porcaria" era areia. Além disso, la- se pode dar surra num nenê". Então, guardou a mamadeira. 'Vou guar-
vou cuidadosamente o chão, fazen'do-me mudar minha cadeira de lugar dar para a noite", disse e, enojada, achou uma banheira de brinquedo que
para continuar seu trabalho. Em certo momento da limpeza, encontrou estava suja. Colocou-a na água, lavou alguns soldadinhos, fazendo co;
alguns pingos de água no chão. "Isso aí é 'pipi' (urina) de nenê. Ela se le- mentários sobre seus revólveres, e colocou-os numa cesta de papel. Aí
vantou da cama e veio pra cá fazer 'pipi'; que menina mais malcriada, ela achou outra banheira com "lama" dentro. Disse: "Um menino pôs a la-
é uma chata", disse. . ma aí ontem à noite" e, em seguida, acrescentou: "Preciso correr pra fa-
Brincadeira com areia: Joyce fez um "bolinho" e cozeu-o. zer o jantar do papai; depois eu coloco a banheira na pia". Ela estava per-
Chá: Ela era a mãe fazendo o chá e eu, o papai. De repente disse: to de um interruptor aparafusado à parede; "Eu quero isso", disse tirando
"Minha filhinha está chorando"; pegou a boneca e tirou-lhe as fraldas. Ao o ~rafuso que estava solto. Em seguida, tentou abrir a porta de um ar-
sentir fedor de ;'porcaria", disse: "Ela é uma peste. Sujando a fralda". n: ano, mas a chave estava com defeito. Vendo-a lutar para abri-Ia, ofere-
A identificação com a mãe é, mais uma vez, clara, mas agora os atoS cl-n:,e pa:a ajudá-Ia, mas ela recusou. "Oh não, oh não, oh não. Por que
de Joyce estão mais ligados à realidade e refletem o comportamento de voce esta chorando, nenê? Sua malcriada!", disse.
sua própria mãe: lavar e cozinhar. Além disso, muitos dos comentários
• Brincar • 1 t
lO • A Criança como Indivíduo •
............................. ,.", ............................ , ............................ , .. .... ...... ......... , ...... ,., ................
" " "
Depois encontrou tinta e pincel e fingiu ficar enjoada. Tirou areia considerando o brincar como um todo, o modo como joyce reage
da caixa, derramando-a pelO chão todo. Encontrou o bebê, pegou-o no às frustrações mais graves é muito evidente. Em primeiro lugar, ela é cruel
colo e deu-lhe a mamadeira. Ao fazer isso, derramou água no chão. Ime- e tenta superar isso com a força, recusando qualquer ajuda. Mas há tam-
diatamente, bateu no bebê, depois descobriu que ele estava com a calÇa bém outros métodos menoS impetuosos, representados sob a forma de
molhada e voltou a bater nele: "Ela é uma peste". Em seguida, foi a ma- urna pergunta: "Por que você está chorando, nenê?"
madeira que virou "uma peste". Joyce a sugou e mordeu. Em sessões posteriores, à medida que o brincar prosseguia, a violên-
Há muitas novas características nesse brincar. Em primeiro lugar, a cia aumentou até que Joyce acabou por jogar o bebê no fogo e, depois
identificação com a mãe já não é tão forte - du'rante boa parte da ses- desse clímax, moderou-se e mostrou maior preocupação. Agora já não é
são, ela desenvolve os s~ntimeo de ser um bebê, fazendo coisas que difícil entender por que ela não consegue ir à escola. Ao longo do brin-
um bebê faria, sugando e mastigando o bico da mamadeira. Mas nem to- car, a brutalidade da "mãe" é vista claramente. Como sua mãe na verda-
das essas coisas são de atuação segura, pois são puníveis. Então ela pro- de não é assim, o arquétipo da mãe brutal é projetado na professora, a
jeta seus sentimentos na boneca e a pune. Pela primeira vez, não há re- quem não consegue vencer e em cuja presença é vítima de sentimentos
jeição da boneca preta e, apesar das palavras duras e das fortes palmadas de impotência e medo que a levam às lágrimas.
no "nenê", em geral o comportamento está menos obsessivo, mais vio-
lento, mas tende a tomar-se mais inquieto. Conclusão:
Tomando o brincar como um todo, a seqüência sugere que as coi- Esses episódios do brincar representam uma característica comum do de-
senvolvimento: a inveja e o ciúme de uma garotinha diante da chegada
sas "más" na boneca preta representavam o comportamento cindido do
de um irmãozinho. Isso ocorreu no período em que seu conflito edipia-
bebê bom: à medida que ele piora, a boneca preta fica menos "má". Em-
no estava em evidência e a identificação com a mãe provinha em boa
bora a "mãe" tente forçar o bebê a desistir de seus maus modos castigan-
parte desse período. Todavia, ao mesmo tempo houve uma regressão, ex-
do-o, o castigo não se aplica a ela como bebê, pois quando revela seu de-
pressa por meio de sua violência maníaca e tão defensiva. As tentativas
sejo de fazer "porcaria" na mãe inteira, imediatamente se protege
de resolver as ansiedades pela regressão e pela identificação com o bebê
opinando que "não se pode dar surra num nenê". Porém, quando quer,
não surtiram efeito, pois a crueldade de seu brincar e a tendência a tra-
logo ataca o "bebê" qlJe ela já não é.
tar os bebês como bons ou maus e não ambas as coisas - a coloca nu-
A interrupção no desenvolvimento - que deve ser considerada in-
ma posição que não pode ser mantida, pois ela se desenvolveu ó bastan-
flexível devido aos seus medos - giraem tomo da persistência de dese-
jos próprios ao bebê e de seu cruel desejo de punição para manter esses te para reconhecer que uma pessoa pode ser boa e má.
Alguns trechos do brincar apontam para outras características da fa-
desejos sob controle. Criando uma situação de tolerância na qual podia
se edipiana. Estão presentes ansiedades de castração bastante claras. Há
haver o brincar, Joyce pôde trabalhar seus conflitos. Os objetos mais usa-
uma sugestão da inveja do pênis, ao passo que o interesse e as ansiedades
dos foram: as bonecas preta e branca; a mamadeira, significando ora o
em relação à cena primaI são objeto de alusão remota (Cf. p. 116 abaixo).
seio, que ela morde, ora o corpo, do qual sai "pipi"; areia e água, que re-
Há nessa brincadeira ainda uma característica de algum interesse
presentam "porcaria" e "pipi".
cultural. Os objetos bons e maus (bebês) parecem confundir-se e há em
Ao ventilar seus conflitos pré-edipianos, el<;l apresenta seus senti-
c~da um uma tendência a transformar-se no outro. Porém, embora o be-
mentos diante das diferenças sexuais. Por exemplo, todos os objetos fáli-
be ~om tenha características más e o mau, características boas, eles ja~
cos são ou atacados ou jogados fora, ao passo que os meninos são decla-
mais se referem a uma única e mesma pessoa'. Que 'os opostos se com'
rados sujos. Os bastões de giz são quebrados,. os soldados e seus
portem dessa maneira é típico: Jung chamou a isso de "enantiodromia".
revólveres são postos na cesta de papel e ela sente nojo e fica enjoada ao
Sua entremistura é característica não apenas da brincadeira de joyce, más
ver um pincel.
32 • A Criança como Indivíduo • • Brincar· 33
." ........... ,', ................... , ......................................................... , ...................
à tona. . emmmos. rortanto, mterpretei para ela seus próprios atos e sen-
timentos . Joa' n Ime d'latamente esgUichou
. a, .
agua mais uma' vez sobre a te-
I' rapeuta demonstrando . 'b' - .
menos ml Iça0 menos excltaçao e mais- . contro-
I. Jogo britânico que deu origem ao beisebol. (NTl e em sua ativid d E '
I a e. ssas mudanças sugerem que minha intervenção
2. O substantivo rounder deriva do adjetivo round: redondo, circular. (NTl va eu para reduzir sua ansiedade. '
I
• Brincar • 37
A sombra
Um dia Joan começou a brincar com um quebra-cabeça e resolveu com'
pletá-Io. Era um quebra-cabeça fácil que ela certamente teria terminado
de montar se quisesse, mas cansou-se dele e referiu-se a "mim e à pessoa
que pode resolver este quebra-cabeça" - cindiu-se em duas.
Então foi até um quadro-negro e fez um desenho (Desenho D. Pri,
meiro ela fez um contorno pontilhado e me perguntou o que eu achava
que era. Sugeri que era a sombra de uma pessoa, um fantasma. Ela ime-
diatamente começou a elaborar as partes da figura com mais detalhes.
Enquanto o fazia, eu lhe fiz perguntas sobre o desenho. Por que as ore-
lhas grandes? Respondeu que elas ficavam assim quando a mãe gritava
com ela. E os dois rostos? "Ah, isso é porque eu falo comigo mesma." Lo-
go em seguida, escreveu no quadro: "fantasma do Dr. Fordham" e daí se-
guiu-se um jogo descontrolado - às vezes fugindo do "fantasma do Dr.
Fordham", às vezes atacando-o violentamente com ameaças, "surras", ti-
rania e tentativas coibidas de morder. Por fim; ela me ordenou que ficas-
se parado, sem me mexer. • >,
Quando, depois, eu lhe 'perguntei' sobre os fantasmas, ela me diss:
que havia fantasmas bons e maus. Os bons eram gentis com ela, isto e, Desenho I - "A sombra" (cópia dooriginaD
eram como as recordações que tinha do pai.
18 • A Criança como Indivíduo •
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vando-os à escola,'cozinhando, mandando filhós imaginários levarem re- te doméstica e mais pela escola. Ela, de fato, possui uma visão mais ,amj
cados, deixando a casa "arrumadinha" e mantendo longe a "gente ruim" pIa e, apesar da presença de afetos infantis primitivos, eles só são.expres-
Isso comprova.que Joan havia elaborado Sl!a identificação com a image~ sos após a elaboração de defesas mais bem estabelecidas. Em resumo,
negativa do pai e ~establ.cido suas identificações edipianas com a mãe. seu ego é o mais forte dos dois porque ela é mais velha.
3
derrotado estão profundamente arraigadas em nossa sociedade. o
Se há uma coisa que contribui para a saúde mental é a percepÇão Sonhos
de que fazemos parte de um todo, não apenas psíquica como também
socialmente, e de que sempre há, ao mesmo tempo, um lado que, em-
bora seja inferior, precisa ter o seu lugar. A maior parte do trabalho ana-
lítico orienta-se no sentido de conseguir trazer o lado inferior ou sombra
(isto é, o "deles") à consciência - e as dificuldades disso decorrem do fa- A amplificação é, sem dúvida, o mais sofisticado método que Jung,des~
to de ele haver sido expulso da consciência por causa do desenvolvimen_ volveu para elucidar o significado dos sonhos. Já que eles podem revelar
to excessivo de um lado da personalidade. Nos jogos, isso equivaleria a imagens míticas e, em alguns casos, têm características de uma história, a
subjugar o outro lado mediante métodos injustos, trapaças e faltas Con- amplificação pode ser e tem sido aplicada aos sonhos. Com ela, é fácil
tra um ou mais de seus membros. Assim, os jogos fornecem uma ilustra- mostrar que as formas arquetípicas estão em ação na primeira infância:
ção do modo como a vida coletiva afeta processos psiCOlógicos profun- As figuras parentais são freqüentes, a sombra, o animus, a anima e as re-
damente arraigados e representa-os na consciência, atenuando assim as presentações do self (Cf. p. 84 abaixo) podem ser encontradas bem an-
atitudes irrealistas.
tes do início da adolescência.
O estabelecimento de analogias entre um sonho infantil e comple-
xas formas mitológicas foi um grande feito, numa época em que se co-
meçava a compreender que o comportamento e o brincar das crianças
pequenas indicavam a influência de fantasias inconscientes muito primi-
tivas nos primeiros meses de vida. Ele promoveu maior segurança na apli-
cação da teoria dos arquétipos ao estudo não apenas da infância, mas
também da primeira infância.
Jung, contudo, com ousadia característica, levou sua teoria dos ar-
quétipos e do inconsciente coletivo a conclusões que, como já sugeri an-
teriormente, poucos podem segui-lo.
Os sonhos infantis causavam-lhe claramente forte impressão: "Mui-
tos deles são sonhos de caráter 'infantil', muito simples e imedat~n
~. J
compreensíveis, ao passo que outros contêm possibilidades de sentido,
quase a ponto de nos provocar vertigem, e coisas que só revelam seu sig-
nificado profundo à luz de paralelos primitivos CJ. A infância (J é o tem-
po em que surgem, t..> diante da alma da criança, aqueles sonhos e ima-
gens de ampla visão, a condicionar-lhe o destinQ concomitantemente
Com aquelas intuições retrospectivas que se estnd~m, para além da esfe-
r~ da experiência, até à própria vida de nossos ancestrais" (OC VIII/I, pa-
rag.98)'
~mbora Jung tenha modificado seu posicionamento em publicações
postenores, esse trecho sugere que os sonhos arquetípicos da infância res-
~
42 • A Criança como Indivíduo •
• Sonhos' 43
, ...."
.. ."..........
paldam a idéia da existência de uma herança cultural que, não sendo
,.~ ;"
transmitida pelos pais ou professores, é acessível a priori a uma CrianÇa. , . 'ntes tentarei elucidar essas formulações; .no intuito de
IN s pagmas seguI , .
Ele prossegue dizendo que a carga hereditária da criança é "altamente di- 1 a, Ih ma resposta. Inicialmente estudareI o que se conhece
encontrar es u . ' . .'
ferenciada" e "CJ é constituída pelos sedimentos mnêmicos de todas as ..i,>
aG.er.ca dos son
hos dos bebês e de seu desenvolvimento na pnmelra 10-
. .' d d d '
experiências legadas pelos ancestrais" <ibid., parág. 99). ·tl . 'da interpretarei um sonho Impressionante, ota o .e ca-
fraDcla; em seguI , .. . ,. , ."
Esses e outros trechos semelhantes tiveram grande int1uência e ten- 'f';'I' , . ml'ticas patentes' finalmente, utilIzarei a tecmca da sene de
racteflstlcas ' " . " ,
deram a desviar a atenção da análise dos sonhos em termos da própria ':',' 'h',," d Jung para verificar se e posslvel adUZIr outras provas que lan-
S.0n os e _ "
criança. É aqui que o emprego da amplificação pode levar e levou a es- c~:'maior compreensão sobre a questao. " '
peculações adi.dtomórficas, expressão qUe significa a atribuição errônea l')~
·iH!·
de características adultas às crianças. Em decorrência disso, o meio para
a compréensão das crianças é bloqueado. A tendência a aferrarse a fan- SONHOS
:l"
NA PRIMEIRA INfÂNCIA
tasias e sonhos interessantes para relacionálos.a formas sociais e míticas
Sem dúvida, os processos oníricos começam muito cedo. Sabese, inclu-
pode ser irresistível, mas leva a esquecer que as imagens são desenvolvi-
das pela criança. Neste livro já foi proposta a idéia de que a criança não sive, que se podem registrar ritmos REM3 no cérebro já na vida intraute-
herda de nascença uma cultura revelável em sonhos, como implica a for- rina. Como eles estão estreitamente relacionados com o sonhar, devese
mulação de lung. Após a rejeição da posição extrema adotada pelo mes- supor que haja alguma espécie de processo onírico em atividade, embo-
tre que ele próprio rechaçou posteriormente _, ainda nos resta eluci- ra seja difícil imaginar como possa ser esse sonho. A observação de be-
dar toda a questão. Sem dúvida, há um elemento cultural cujos sinais bês dormindo indica também perturbações que podem muito bem ser
podem ser observados no comportamento, nas, idéias, nas fantasias e nos causadas por sonhos.
sonhos infantis. A controvérsia gira em tomo do modo como explicar es- Abaixo, um exemplo da atividade onírica de um bebê:
sa situação. Há três maneiras de abordar o assunto: Por algum tempo, verificouse que um garoto de nove meses vinha
despertando durante a noite, ocasião em que era encontrado sempre
I. POdese sustentar que toda a herança cultural seja transmitida agarrandose agitadamente ao berço. A mãe habilmente descobriu que,
nos genes. Não há nada ,~ favor dessa Proposição. Apenas os se retirasse a lateral do berço e levantasse o bebê na direção para a qual
arquétipos são herdados e,' mesmo assim, isso não foi provado, ele olhava, o menino acabava sempre indo esconderse debaixo do ber-
embora esse tenha sipo o último posicionamento de lung e aque- ço. Depois disso, ele voltava a dormir. Ela concluiu então que ele via um
le de, 'que eu também compartilho.
" , , " I I , objeto em movimento indo em sua direção e que as atividades eram a
continuação de um sonho. '1
2: .A herança cultUral é transmitida pelos pais e professores, que ~a
época, a criança havia começado a comer sólidos e, dentre OU"
progressiva mente' induzem a criança a adotar os valores tradicio- tros ahmentos, comera peixe. Ao peixe ele associara um som quemit~
nais da sociedade em que ela vive.
;;:, ,,;'. ':';, ." ra durante a agitação manifestada à noite. Mais ou menos nesse mesmo
período,. ~cordu chorando durante um passeio aojardirrí e, entre.lágri j
3. A própria criança desenvolve padrões de comportamento, pen-
~as, emitiu o mesmo som. A partir desse e de outros sinais, a mãe infe"
samento efantasia'como parte do Çlmadurecimento. Ela utiliza
n~ que ele provavelmente havia sonhado com algo como haver sido mor~
inicialmente processos primitivos de pensamento que se vão tor- dldo por um peixe.
nando cada vez mais refinados para descobrir o que é válido:
adaptandoos então às exigências da sociedade à medida que vaI
descobrindo sua estrutura. 3. REM, acrônimo do inglês Rapid Eye Movement, ou seja, movimento ocular rápido,
usado para designar a etapa do sono em que ocorrem sonhos. (N.T.l
• Sonhos' 45
e deixei de pressionar as crianças a contálos, os sonhos aparecem menoS, nou segregaçao ~ u, e' geral e devese à supressão deliberada ou esqueci-
Quando são relatados, são comunicados como parte de uma situação to- ~ento. E~e pode ser associado a uma característica comum da infância,
tal e, assim, associados ao brincar, à fantasia e a outras comunicações ver- neceSSIdade de man ter a vlsao . dos pais .'
. - e pnnclpalmente da mae - -
bais. Esse procedimento facilita a análise do sonho com a criança, mas, por como
a _ bons ~ é cIaramente observada no fato de " as crianças se recusarem
outro lado, faz com que muitos sonhos deixem de ser contados. . soasouI nao conseguirem to Ierar as CrIticas '. ' . por outras pes-
feitas aos pais
É útil coletar sonhos por meio de um método que explore os senti- , sso pode ser observado ainda mais durante a análise infantil. Para
mentos da criança em relação ao terapeuta porque a compreensão do 50- j, ·:,:;, '. i:,". , _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
ei,.t,g·
48 • A Criança como Indivíduo •
............ " ............... , ........................................................................................................ ., ...... • Sonhos' 49
~ue uma criança re~onhça e ?ssimi.le a sensação. de que algum dos País · hos isolados ecos do passado, que jamais chegaram
e, em qualquer sentido, mau, e preCIso que ela saiba que o analista rec . oU dOIS son '. '
.,~ I d erfeiça-o. Por consegumte, o grupo so pode representar
nhece que ele é predominantemente bom~ o 't:; mve ep d d .
l- '.
mlnaçaO _ de mudanças críticas que estavam ocorren o no mun o lO,
Essa situação provavelmente decorre da dependência que a crianÇa
tem dos pais e da necessidade original de que a mãe seja boa o bastan- ~te:ri'0 de )ane. . _ '
lM-..... :~ .': lieça mos primeiro algumas conslderaçoes _ . sobre o sonho como .. _ um .
te. Na infância isso queria dizer que a mãe era boa e não má e, se na rea-
.~{:l.dO Sua estrutura e. seu ~adrão ~inamlco representam um~ sequencI?
lidade ela não fosse boa o bastante, teria de ser "alucinada" como boa. É.
. t . atl'vo-deintegrattvo-relOtegratlva (Cf. pp. 101-102_e Capitulo
I,megr. . 6 abal-
esse estado anterior de coisas que persiste nesses fatos irracionais do Com-
~). A união mãe-bebê começa e termina nele; o draga0 demtegra-se em
portamento e do sonhar infantis.
.i.rnwmeras figuras: a ilha triangular com árvores, crianças negras e uma ami-
Antes de partir para a consideração da seleção de sonhos com ma- ~g.,O bebê inicialmente é muito idealz~; depois ele se toma "meu be-
nifestação de temas arquetípicos, é necessário declarar que eles não são ,l;iê" e assim representa um acesso ao sentimento pessoal, que parece ter
comuns. Da série de duzentos, Jane relatou 91, a maioria sobre questões ,."' . I I
ças'. Nós conseguimos passar. Então eu fui até o rio. Mergulhei e peguei Logo depois ( d' h 9 . - ."
tou quan o tm a anos e tres meses de Ida~), ~Ia voI.-
o meu bebê." a "sonha~ Com ouro e prata. ' ,
. Esse sonho é único dentro da série. Ele possui uma beleza e uma si- Mamae t . "
COm Ch . es ava em casa e John e eu estávamos brincando na rua
metria não encontradas em ,nenhum outro. Apesar de Jane haver nstopher [filho de . . h ] A; D :
do - uma V1ZlO a I eus mandou papal descer
do outros sonhos de características míticas nessa mesma época, eles aca- ceu, carregado de Ouro e t EI ' . . d' -
chucou pra (I. e caiu no Jar 1m, mas nao se ma-
bavam descambando em fatos do dia-a-dia. Nos anos seguintes, ela teve porque estava com os espíritos bons. Então mamãe gritou: ')élne,
• Sonhos' 51
Além de mostrar que ouro e prata são importantes, esses sonhos su- , o
!S()' IdO t e r e s s . .
a estudar exaustIvamente o assunto e a colocar seu conheclmen-
gerem o desenvolvimento da preocupação pelo pai e uma considerável o
leva d'o posiça-o dos filhos por meio
•
. ' Imente
. d e contos d e fad as, pnnclpa
capacidade de atividade feminina decisiva, dando a entender que, no to- to a IS ' ' '
os Contos e lendas dos irmãos Gnmm - que Jane ha com grande voracIda-
do, sua agressividade estava bem integrada e sua identidade feminina, es:
tabelecida e reforçada por identificações positivas. de - eComo a Bíblia.
judia, a Estrela de David lhe era familiar e, por meio da leitu-
O fato de deixar cair o bebê no primeiro sonho provavelmente se ~a da Bíblia, conhecia a história do milagroso Jesus-menino. Entretanto,
refere ao trauma em sua vida - com efeito, quando Jane tinha 3 anos de "uma criança dourada é referência incomum nos contos de fadas. Talvez
idade, o pai morreu de um ataque cardíaco enquanto fazia um passeio 'ela tivesse lido algum, mas eu só consegui lembrar de "The Colden Chil-
com ela e enquanto a mãe ainda estava no hospital, após o parto de John. dren"rAs crianças douradas" depois que folheei os Contos e lendas dos ir-
O último sonho introduz a morte (papai está no céu e é acompanhado mãos Grimm. Outras referências mais remotas estão no Hiranyagarbha da
de "espíritos bons") e também o seu desejo de tê-lo no seio da familia. filosofia oriental, traduzido por Muller como "Colden Child" rCriança
Essas características sugerem a culminação de seu luto por ele e o pesar dourada" e por Hume e Zimmer como "Colden Cerm" rCerme doura-
não apenas pela sua própria perda, mas também pela perda sofrida pela do". Outras analogias não acessíveis a Jane ocorrem-me do estudo de "A
mãe e pelo irmão, Sob essa luz, o primeiro sonho representa uma parte psicologia do arquétipo da criança" (jung OC IX/D, no quallung registra
do luto que naquele instante estava sendo elaborado. O dragão então re- os mitos dos homenzinhos de metal, observando que a criança é repre-
presentaria o componente negativo, possessivo, voraz - e também o pai sentada como "esfera de ouro", Todo esse grupo de imagens refere-se ao
e a influência regressiva em seu pesar, que a vinha ocupando e que pa- self e ajuda a entender a criança dourada como uma representação narci-
recera,de fora, 'um defeito em sua personalidade. sista do se/f. Outras analogias podem ser buscadas na alquimia, que asso-
Seguindo a idéia de que a ilha, as árvores e as crianças são deinte- ciava o ouro ao leão, ao sol e às fezes, expressando assim bem diretamen-
grados do dragão, a ilha triangular e as árvores seriam partes do pai apa- te o sentimento infantil de que as fezes são parte preciosa do self e a
recendo sob uma luz mais positiva, ao passo que as "crianças negras" são equação fezes-bebê-nascimento (deixar cair), que Jane e o irmão haviam
o quanto de obscuros sentimentos infantis (anteriormente fundidos com elaborado juntos explicitamente num momento anterior de sua vida.
o pai e agora dele separados) que existem no' caminho do domínio e da
elaboração de seu pesar negativo, autodestrutivo, regressivo e voraz. A As representações do self
amiga, de modo geral, mostra a boa integração da sombra por parte de lá se insinuou que a criança dourada é uma representação do self - um
Jane e provavelmente representa sua relação com a realidade, já que o símbolo do self no verdadeiro sentido da união de opostos. Isso não nos
ego onírico é introvertido. No segundo sonho; sua relação com a realida" deve levar a esquecer que todo o sonho é em si uma representação do
de é mostrada pela forma como ela passa da identificação narcisista com self Isso se tomará mais claro se aplicarmos o método integrativo-deinte-
o leão ao reconhecimento realista: "Ah, que pena que agora eu só tenha g;~tivo. Muitos anos antes, Jung havia construído o modelo de um sonho
dez centavos. Não vai dar".
Todavia, resta considerar o bebê dourado, cuja abordagem medi-
tlplCO. . '
I
Para a mente sofisticada, acostumada a lidar com esses temas, nao gUInte:
haverá dificuldade em perceber que o bebê contém opostos - o ouro e
.·ir:"
O
---
52 . A Criança como Indivíduo •
1. A situação: "Eu tinha um bebê dourado com uma estrela de pra. respeito e chegou a dizer em certa ocasião: "Eu sou um pouqui-
ta,na testa. Um dia eu estava na margem de um rio..." bebê, um pouquinho uma bonequinha e muito uma mamãe".
" _ .reonseguinte, aos 9 anos ela estaria em condições de compreender a
2., A exposição: "... ea(aconteceu uma coisa horrível. Meu bebê caiu :"::,;wr.hplexidade de seu mundo interior e sua capacidade de representar
,ori~ , fs<processos primitivos de seu pesar, aqui idealizado e,em boa parte,'
, ~t'abord. Se houvesse necessidade de análise e não foi o caso , Ja"
. 3.• As peripécias: para maior conveniência, esta parte pode ser sub. á~ era o tipo de criança que poderia haver entendido o sonho e seu sig-
dividida em duas: (a) "Então eu perguntei ao dragão onde esta. rffficado, A despeito de sua beleza e das várias analogias que poderiam
va rt;linha filha e ele respondeu: ',Eu vou ficar com ela'. (b) Aí eu sg;. muito mais exploradas do que eu o fiz, esse sonho está relacionado
':, fiqu~ numa ilha em forma de triângulo, cheia de árvores em vol. á"vida dela, e seus afetos são expressos em imagens acessíveis à sua com-
',ta, com uma amiga. Ent,ão chegaram umas crianças negras e se
deram,qs fl1ãos, cercando a ilha, Então eu disse ~ minha amiga: breensão.
, 'Vamos dar um jeito de 'passar por essas crianças' - tinha um es-
paço entre algumas delas., Nós cpO,seguimos passar".
o TRANSITUS DE MÃE A PAI
4. A solução: "Então eu fui até o rio. Mergulhei e peguei o meu be- Os sonhos a seguir registrados, selecionados de uma longa série, mos-
b e.
~" tram um avanço ocorrido num momento crítico da vida de Christopher.
Ele era um garoto muito vivo e sensível de 5 anos de idade, em terapia
Essa seqüência que posteriormente será estudada em maiores detalhes por fazer pipi na cama, sofrer de "ataques gástricos" e constranger os pais
pode ser abstraída da seguinte forma: com a expressão de comentários pouco elogiosos feitos diretamente às
pessoas.
(a) Ela começa com um integrado: a "situação",
(b) Então há um desenvolvimento que implica a divisão (deintegra-
Sonho 1
ção) do integrado na '!exposição" e no "desenvolvimento", ';Papai sentiu um cheiro de queimado e foi l~ dentro e tinha um fósforo
(c) 'Finalmente, um novo integrado é expresso na "solução" do so- queimando que ele tinha jogado lá. O foguinho dançava como as fadas.
nho. Mamãe ficou muito preocupada porque a casa podia incendiar e você
perde tudo quando a casa pega fogo."
Todavia, a representação é incompleta, como devem ser todas as re- O fato central misse sonho é o fogo visto por Christopher como
presentações do self Dentro do self estão o ego, a sombra, o pai (dragão) uma fada, O fogo é comum enquanto objeto de projeção de fantasias de
e a mãe (na identificação da própria criança [o ego] com o arquétipo ma-
crianças pequenas; não percebendo suas propriedáde? objetiva,s, elas po-
terno). Além disso, o dragão também pode,'como a criança dourada, re-
dem até colocar o dedo nele, concebendoo como alg!? cor;n que. ~rinca.
presentar opostos. Ele é não só o pai, mas também o aspecto sinistro da
Mesmo quando conhecem o perigo, elas continuam a brincar com ele e
mãe que lhe rouba o bebê mágico, bem como sua própria possessivida-
podem deixarse excitar por seu calor e vitalidade, dançando ou gritan-
de infantil voraz. Nesse caso, "ele", representa uma condensação que, em
d,o quando ele sobe; Christopher o vê como dança, portanto; como algo
outras circunstâncias, é diferenciada em bruxas, rainhas, princesas e ou- ot mICO.
. O ritmo pode ser a base para uma ampla gama de mudanças
tras representações. ,
transformadoras (Cf. Jung OC V, parág. 204 e ss.). '", '
Em pósescrito a essas reflexões, talvez seja interessante recordar
que, aos 4 anos de idade, Jane já pensava em termos muito claros a seU
j,ai"
54 • A Criança como Indivíduo •
........... , ........... ......... , ....
" " .......................................... , .............................
são os grandes óeuses e demônios. Delas diz um mito etiológico: '.r~ !beregOU re outro, ~bjeto em .,:;ua" boca ~, en; fase posten(~r, " cospem a s~hva
r
para aliar afeiçaO a agressao. Fazer agua sugere tambem o. ato de un.nar.
É também crença amplamente difundida na Irlanda a de que as fa-
Depois do primeiro sonho e antes do segundo, Chnstopher VIU o
das sejam anjos caídos que, sendo menos culpáveis que os demais,
,filme Branca de Neve e os sere anões, que lhe causou considerável impres-
não foram mandados para o inferno e sim obrigados a viver na ter-
são. Branca de Neve é uma princesa virtuosa, que é mantida em cativei-
ra. Considera-se que elas se sintam muito preocupadas com sua
ro e obrigada a executar as mais aviltantes e servis tarefas pela perversa
condição após o dia do juízo final. (Keightley 1982, p. 363)
rainha, sua madrasta, que é uma bruxa. Volta e meia a rainha consulta
A importância coletiva do fogo está ainda mais registrada no fa- um espelho mágico, invocando um espírito ao qual pergunta repetitiva-
lar comum; sua universalidade como símbolo revela-se na dissemina- mente: "Quem é a mais bela de todas?" Ao fazer a invocação, surgem
ção mundial de mitos relativos à sua origem e nos inúmeros outros em chamas no espelho, das quais sai o espírito para responder-lhe. Na pri-
que ele é característica central. Pode-se conceber o fogo como repre- meira vez, a rainha-bruxa ouve a resposta que quer: é ela a mulher mais
sentando a paixão que o garoto exprime no comportamento e na enu- bonita do mundo, mas na segunda vez o espírito responde que já não é
rese - há uma associação comum entre os sonhos com o fogo e a enu- ela, e sim Branca de Neve. Ao ouvir isso, cega de inveja, tenta em vão
rese noturna. O fatô de o incêndio haver sido provocado pelo pai de matar a enteada, que foge para o bosque e passa a viver em companhia
Christopher é de interesse porque ele, como o filho, é vivaz, mas im- dos anões. Ao descobrir onde Branca de Neve estava, a rainha - recor-
previsível; assim o sonho sugere uma identificação entre o filho e o rendo à magia negra para transformar-se numa velha feia e acabada - sai
pai. A mãe de Christopher, ao contrário, demonstra ansiedade diante em busca da enteada e a induz a comer a maçã envenenada., Por causa
de uma possibilidade real. Como no sonho, na verdade é ela quem faz disso, Branca de Neve cai num transe do qual finalmente é despertada
o instável par "manter os pés no chão", proporcionando assim uma ne- por um príncipe e, assim, a virtude é recompensada e o bem triunfa so-
cessária compensação, breo mal.
Esse sonho retrata as reações individúáis da criança e dos pais ao , .0 conflito entre o bem e o mal perpassa toda a história, na qual o
que se poderia chamar, no sentido figurado, de fia chama da vida", Que espmto da inveja propicia o ponto de partida para o drama subseqüen-
o conhecimento dos pais verdadeiros possa ser facilmente utilizado para t~. C~ristophe ficara impressionado com ele e a idéia da bruxa te~ iní-
aprofundar a compreensão súgere que Christopher chegou a um b~m CIO aI.
nível de apreciação das partes essenciais de suas naturezas por meio pnn- . A pintura da bruxa vermelha em chamas (Cf. Figura J) feita por
cipalmente da introjeção. - I
Cbhr~stoPe é impressionante, apesar de muito distante de lima rainha
onlta-_praticamente
. desprovida de tronco ela" é dotada de uma imensa .
Sonho 2 cabeça, na qual sobressaem os olhos e um ~hapéu fático' Christopher fn,'-
"Tinha uma bruxa e ela me mandava fazer água na boca e Mamãe disse: sou particularmente
. o seu caráter Hpontiagudo A ausência
H
_
' de um cor-
'Não, agora não', A~ bruxas foram atrás de Mamãe, de mim e de um bO- po .parece negar sua Importancla. S '
e a ptntura . como a 'fan-
for entendida
A;
o A '
cado de ge~t, N~s sentamos em cima do muro ~o jardim da casa. ta Sla da ma- e ('1'
a lca, o chapéu em forma de pênis sugere um deslocamento
bruxas comam atras das bruxas - as [da frente] fugiram dando a volta. l.jk:~,
58 • A Criança como Indivíduo •
........ , .. " .. " ............................ ,.............. " .. , ........................ , ...... , ...... ., ..... ., ......... , ..... ", ...
4
como pontO de partida - técnica recomendada por lung. A última
de um adolescente, mostra como o garoto adota um procedimen-
Desenhos eXtremamente afim à imaginaçãO ativa, conforme descrita por lung.
, Já que para Jung a criança estaya, por assim dizer, imersa no incons- pode ser uma declaração de que a criança não queria rabiscar quanto um
ciente, eu achei que, adaptando suas técnicas para uso em terapia infan- resultadO da inibição ou até de uma doença.
til, seria possível 9bter provas para sua tese. Foi essa investigação que aca- Os rabiscos abaixo (V. Rabiscos I, H, lB, IV e V) foram feitos por uma
bou por exigir um? revisão de minhas próprias idéias sobre a relação da garotinha de 2 anos e meio de idade, muito esperta, sociável e encanta-
criança com o aspectQ numinoso do inconsciente. Claro que é verdade '~
.... ;
,~
. . '.o'
tos conhecidos: casas, árvores, barcos e pessoas, que são mais comuns do i-..
...
' '
tiva mais ampla dos desenhos mais usuais das crianças, sua arte e suas re- .t
, !
',f" <
·f
estudo das obras mais exaustivas atualmente disponíveis. Entretanto, as
que são apresentadas aqui representam características comuns dos dese- .'
Rabisco I - "Protesto"
trava sob stress interno ou externo e, nesse sentido, elas diferem das qu~
são feitas todos os dias em casa ou na escola. Às vezes seu assunto foi dl-
66 • A
• Desenhos' 67
~I\
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~
I
~
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Rabisco 11 - "O crescimento do sentimento"
dora. Eles foram colhidos da seguinte maneira: ela subiu e veio à minha
sala com o irmão, de 7 anos, e ficou muito assustada quando eu a colo-
quei no colo. Mas, quando lhe dei um pedaço de papel e alguns lápis de
cera, começou a divertir-se. O irmão ficou conosco todo o tempo e, quan-
do eu lhe falava sobre a irmã, ele confirmava ou ampliava o que eu dizia
sobre ela. Os dois pareciam dar-se bem; embora me tivessem dito que
dominava o irmão, enquanto esteve comigo ela não tomou muito conhe-
cimento da existência dele.
A força e a energia do primeiro rabisco completo que ela fez são
impressionantes. O efeito do desenho corresponde à impressão que ela
me provocou enquanto o fazia, pois cada traço foi feito com firmeza e
precisão. Primeiro ela fez uma linha solta (I), depois um grupo à esquer-
da (2), depois uma linha curva (3) e, por último, concentrou-se na gran-
de mancha negra que caracteriza o desenho. Prova da energia que ela
Rabis.co 111 - "Diminuição da energia"
68 • A como Indivíduo •
• Desenhos • 69
Rabisco V NA solução"
e abaixo da marca fálica e, à direita, formas como laçadas. Ele está mais
espalhado sobre a área do papel que os outros rabiscos e, no todo, dá
mais a impressão de um desenho.
O último rabisco N) compõese predominantemente de movimen!
tos rítmicos circulares antihorários, alguns a princípio retos seguidos dé
traços curvos amarelos. Já foi por mim sugerido (fordham 1957) que os
rabiscos e desenhos circulares representam magia protetora, completude
e, portanto, representam um integrado do se/f. Aplicandose essa idéia,
po~er's-ia prever que ela se sentiria segura para ir embora; de fato ela
entao desceu do meu colo e foi cuidar de suas coisas.
Essa criança, como demonstram a riqueza e a originalidade de sua
expressão, era sem dúvida talentosa, mas provavelmente estava enfren-
Jã.
tando dificuldades para estabelecer sua feminilidade devido a ansiedades,
i. ao que tudo indica, ligadas a diferenças sexuais especialmente se a mar-
ca fl '
Rabisco IV "Ritmo e forma" a 'ca representasse meu pênis.
70 • A como Indivíduo •
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qualquer problema físico). Ele pegou o papel, as tintas e o lápis que ha- J""::...
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via na minha mesa e começou a desenhar; eu permaneci em silêncio até f' " ", .. ._\. .~fo ':r
ele terminar (Y. Figura IID. Então fizlhe algumas perguntas sobre o dese- 'J: , ,,;;,.; .' L,':,; '.\: t'~;1
nho, mas ele não conseguiu falar muita coisa, e logo ficou muito nervo- '.0',' t~ ;0 : ; \ ' ~J'}<
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so, manifestando vontade de ir ao banheiro. Entretanto, disseme que as
• 1 , '1 '
por um lado, os dois navios e os imponentes "rei e rainha" e, por outro, 'ê
o diminuto jogo de futebol no qual a criança está em posição defensiva, o ~
talvez indicando algo de sua relação com os outros garotos. O corpo prin-
cipal do desenho, de qualquer maneira, está atrás dele.
l:!
Só com dificuldade se pode distinguir o "rei e rainha:'. Juntos, eles
!, 't, 'f" ,"
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parecem formar uma figura única, forte, excessiva e até monstruosa. A u..
t,: :;. ", ".\ :.
coroa, em forma de Lua, tem uma cruz, o rosto é forte e o olhÇ>, espe- l: ., ,";'~. ;:) "{, ,
cialmente, dá a impressão de poder latente. A interrogação qué s~rge no
,.
lugar da orelha provavelmente está
associada à surdez do garoto..' '
As rou-
'
"
"
~ ~
pas das imagens reais têm escamas pontiagudas como as dos répteis na •h . ~ "
frente e atrás, os braços são embrlonários, e os quatro pés apesar de,r~
presentarem indubitavelmente os de duas pessoas dão a impresãot~
pertencer a uma única criatura. I~ .~ ..
Uma rápida olhada revela a natureza simbólica, quase mitológica,
das figuras. O garoto disse que só a rainha podia ser vista, e a çlesenhoü -"
no céu, tendo a Lua como coroa. O desenho parece representar uma fan-
tasia da mãelua que percorre o céu como o astro. Essas refl~õs !e-
vam facilmente à mitologia segundo a qual a L!la é ambivlent~:J pro- L ,
move a fertilidade e provoca a insanidade (a loucura doh,mátiço):
72 • A Criança como Indivíduo •
• Desenhos· 73
nóide era improcedente e pode associarse aos braços "sem função" das pa pelo próprio comportamento. E interessante que, na mesma época,
ela tenha sonhado que seu próprio pai, um psicótico que já havia morri-
• Desenhos· 15
Figura IV "O fantasma e a criança" ,_O 3, .Durante os cinco primeiros dias de confinamento na casa de ini-
ciação, os noviços não param de temer em nenhum instante q\.Je
se faÇfl
:;
com eles algum tipo de trote CJcuja tônica em geral L)
se baseia em aterrorizar os noviços e, especialmente, amedron-
tálos com os supostos apetites homossexuais dos fantasmas.
4. Um tema recorrente é a divisão dos iniciados em dois grupos
: (J:=;,'~" .,~-
'''B' '.~- (....: .. '.
':.~ 7,:l
:;.~"\
.,·'."If .,:!:··· ',~
"._~) ",,!!,,_,', • ..... " f
N .m-~
:~({"
car de todas as formas as suspeitas dos cansados noviços, quan-
do, de repente, surgem os outros, disfarçados com pil}turas que
representam os fantasmas dos velhos <ta-mat mor). Às vezes as
coisas são arranjadas para que os tutores ganhem, e os fantasmas
l ,;?J~"I
~~ .. :
lohn era um garoto alto, um tanto sem modos, de 14 anos de idade, que \
escondia sua ansiedade sob um manto de bom senso e a afirmação de- .. '
'., ",'"
fensiva de que "estava tudo bem". Na verdade, ele havia sido ameaçado
,
de expulsão da escola na quat apesar de sua inteligência, seu trabalho í.~
não era bom. Os critérios da escola para considerálo um aluno insatisfa- i,_"
tl ••
tório, contudo, não estavam muito claros. No tratamento, logo ficou evi-
dente que ele estava oferecendo resistência passiva aos que detinham a .~I
autoridade.
Seu medo e desamparo foram revelados no seguinte sonho que, se-
gundo ele próprio, se repetia sempre com pequenas variações.
78 • A Criança como IndivlíJuo •
• Desenhos • 79
nês". O demônio está aso~id ao fazer algo mau, mas o chinês é distin-
uma linha curva para representar a associação entre o touro e o avião.
to. garoto fez seus desenhos em 1938, quando os chineses ainda
Em seguida, recorreu aos seus próprios sonhos para encontrar um
eram considerados misteriosos membros de sociedades secretas. A figu-
tema e continuar desenhando. Alguns dos desenhos seguintes foram fei-
ra 5 é mais espontânea q\Je a 4, cujo esboço é nítido e definido: suas li-
tos rápida e espontaneamente, como se ele não soubesse como iam ficar
nhas são cheias, ao contrário das interrupções e indefinições da figura que
no final. Outros foram feitos deliberadamente no sentido de ele estar
representa o demônio.
sabendo o que queria desenhar. Mais uma vez, foram feitos acréscimos.
Todavia, John sentia seu demônio como real e perigoso, pois sua pin-
em decorrência de reflexão ou reação a meus comentários. Assim, o re-
tura seguinte, um "demônio totêmico", foi feita no intuito de "afugentar
sultado cresceu pela interação entre seu ego e as fantasias mais espontâ-
neas, assim como ocorre na imaginação ativa. os demônios". Além disso, segundo ele próprio, era também "algo den-
tro do qual diamantes podiam ser guardados de modo seguro".
A série de desenhos à esquerda foi deliberadamente iniciada. A fi-
Nessa impressionante pintura simbólica (V. orelha) predomina uma
gura I representa o espírito da árvore, mas as cabeças seguintes cresce-
engenhosa combinação de três faces, duas das quais olham em direções
ram por si mesmas. Após termináIas, ele deu nome a duas delas: a da
opostas. A terceira olha para a frente e tem traços do chinês, mas sua
esquerda foi chamada "o demônio" e a figura 5, à direita, "o chinês". As
cipal característica é a im~sa boca. O garoto ficou tão surpreso com o
figuras 2 e 3 não ganharam nome, mas seus chapéus e características dei-
resultado quanto eu; a pintura evoluiu rápida e espontaneamente na
verdade, custou-lhe apenas uns dez minutQs no total. Ela foi criada da se-
5
guinte maneira: começou com uma figura fálica bem simples, com uma
forma oblonga no topo (que foi coberta por outras camadas de tinta e,
portanto, não é visível no produto final); em seguida, ele acrescentou
o Modelo Conceitual
uma estrela, depois um diamante e, sob este, um quadr(ldo. O contorno
extemo foi demarcâdo em preto, e o diamante e o quadrado ganharam
contornos amarelqs preenchidos com azul.
O garoto, evidentemente, com a cor negra queria expressar sua sen-
sação de poder maligno real, mas na figura há também -principalmen-
o arcabouço conceitual utilizado neste livro baseia-se em três entidades
teóricas: o ego, os arquétipos e o se/f.
te na parte inferior do tronco - bastante colorido, o que a toma muito
positiva. John desenhou primeiro a parte inferior fálica e, acima dela, a
parte negra. A princípio os demônios estavam ausentes; só quando o con-
ceito se desenvolveu é que a idéia deles imiscuiu-se. o EGO
Mais uma vez, como no caso 3, as ansiedades da primeira infância Na maior parte de sua obra, [ung definiu o ego como o centro da cons-
são elaboradas numa pintura sofisticada. A boca é simbolizada e estrutu- ciência, embora reconhecesse a existência de partes inconscientes dele
rada de uma maneira que seria impossível a uma criança pequena. Ela na sombra. Essa formulação compacta pode ser ampliada da seguinte ma-
sugere a presença de dentes ferozes, afastados e dispostos num círculo neira: o ego é soma dos atos da percepção e das descargas motoras que
de feição mágica. Pode ser que aqui haja outra faceta da passividade de são ou podem tornar-se conscientes.
10hn, baseada em sentimentos cruéis relacionados ao morder (sadismo A partir de quando tem· início alguma espécie de consciência é al-
oral) originados na primeira infância. Ao que parece, os dois se fundiram go que só pode ser inferido, pois o estudo da vida intra-uterina é mani-
numa imagem simbólica de numinosa e impressionante intensidade. A festamente difícil. Mas sabe-se hoje em dia o suficiente acerca do feto pa-
referência a suas raízes infantis parece quase ,insultuosa -:- e assim seria, ra afirmar com segurança que ele experimenta algum tipo rudimentar de
se o feito de atingi-Ias e se as defesas contra elas não fossem organizados consciência. Por mais rápido que possa ser o desenvolvimento após o nas-
de modo tão eficaz. Em resumo, eis aqui a resposta da criança aos que cimento, o ego não pode representar senão um pequeno papel na exis-
poderiam depreciar suas defesas e ignorar o elemento de Continuidadé tência do bebê, que é melhor entendida em termos de pulsões arquetí-
que elas rep~sntam quando combinadas a um 'símbolo vivo, herdeiro picas padronizadas. Entretanto, logo se podem notar fragmentos do ego;
de um objeto transicional.
eles estão intimamente relacionados desde o início às representações de
fantasias inconscientes. À medida que se torna mais forte; o ego se utili-
za de métodos de organização e controle da vida mental e começam a
formar-se defesas. Como muitas destas não podem ser conscientemente
I
controladas, a identificação do ego com estados acessíveis de consciência
torna-se duvidosa.
Entretanto, o conceito de ego foi ampliado para a inclusão de par-
~! f
I tes da psique que não são nem podem atingir fÇlcilmente a cpnsciência,
I
de forma que é necessário definir quais as qualidades que lhe podem ser
atribuídas. A,lista abaixo contém características enContráveis num ego re-
".' . lativamente amadurecido, além de notas explanatqrias conforme a ne-
I cessidade.
82 • A Criança como Indivíduo •
OS ARQUÉTIPOS.
comportamento e imagens não podem ser separados uns dos outros: as
Embora mais estudados em suas complexas formas simbólicas - ou seja, imagens são corporais, A despeito dessas diferenças, os padrões de com-
em sonhos, fantasias, mitologia, folclore e religião -, o núcleo essencial portamento estão relacionados a formas arquetípicas inconscientes e po-
que emerge dá obra de tung é o de que u~ àrquétipo é uma entidade dem ser remontados em seqüências de desnvo~imt e, assim, ligar-
psicossomática que possui dois aspectos: Um está estreitamente ligado a se às complexas imagens simbólicas da vidà adulta.
órgãos físicos; o outro,'a estruturas psíquicas inconscientes. O componen-
te físico é fonte de "pulsões" libidinais e agressivas; o psíquico é a origem
das formas de fantasia por meio das quais o arquétipo atinge representa- OSELF
ção incompleta na consciêncià. O organismo visa ao objeto e é capaz de
relativamente poucas aplicações (que podem, porém desenvolver-se), ao A introdução do conceito de self na psicologia infantil exigiu praticamen-
passo que a fantasia consegue expandir-se de várias maneiras, de usar vá- te uma revolução no pensamento dos analistas junguianos porque o con-
rios objetos e, às vezes, princalm~te em casos pa~6Iógicos, de demons- ceito, conforme desenvolvido por Juns. era aplicado na maioria das ve-
trar uma variedade relativamente ilimitada. . zes à religião e à parte final' da vida das pessoas. I
Não é fácil começar a
É talvez interessante observar aqui que inúmero; conceitos que têm atribuir as origens desses prócessos à in~cía nem, muito menos, à
objetivo similar ao dos arquétipos foram introduzidos na psicoíogia infan- primeira infância sem um certo choque OÓ indignação. Pelo menos essa
til por membros de outras escolas de pensamento:.Spitz usou a idéia de a minha experiência quando descobri(símbolos do self nos sonhos e
organizadores em seu estudo dos bebês ao longo de seu primeiro ano de fantasias de crianças pequenas. Isso ocortf!u durante a Segunda Guerra
vida, enquanto o conceito de que a fantasia inconsciente op~ra_ n~ crian- Mundial, e só depois que os canais de coA,unicação com !ung foram res-
ça desde o nas~imeto foi desenvolvido por psicanalistas k,leinianos; Pia- tabelecidos foi que eu descobri que ele próprio havia chegado à mesma
get também pode ser mencionado pelo fato de haver usado em seus es. conclusão a partir de seu estudo dos' sonhos ihfantis.
~ ,
tudos uma teoria de esquemas ,inatos. lodos. el~, Esses dados demandavam avaliação. Para que serviam as experiên
- ,
seg':liram linhas de
pens~mto semelhantes àquelas ,~"..introduzidas por tung já em 1919, das? Era claro que elas estavam ligadas à sensação qu~ a criança tinha de
. '.
seu self, à' sua noção de auto-estima e identidade, ambos sentimentos que
quando ele usou pela p~meira
- . '
início da vida do bebê. O conceito de arquétipo, conforme é desenvol- tre o ego e o self
vido aqui, é uma delas. Na época em que minhas idéa~ começaram a desen,volver-se, ha-
São várias as !ll1agens mediante as quais os arquétipos se ~xpresam. via uma forte tendência entre os analistas junguianos a conceber o self co-
primeira iQfância ~Iªs são qJ,.!ªse sempre, ,embora não invariayelmen- mo um sistema estabilizador, centralizador e até mesmo fechado, apesar
te, distintas das encontradas na infância, na adolescência e na meia-ida- de a obra po~teri d~ !ung muitas vezes sugerir o contrá.rio, Meu
de, período do. qual tung recolheu a maior parte de se1,ls.dagos clínicos resse pelas crianças, porém, deu margem a dúvidas ~obre essa concepção
e no qual baseou sua teoria ..Is.so levou-me a percebera importância de do self Por mais relevante que seja em outros contextos a ênfase na es-
tabilidade e na organização, ela não é adequada quando se aplica ao pe-
J
I
cas de "objetos do sel{", a fim de incluir o anterior à formação de da, isto é, totais, e vêm a ser representadas por meio d.a seguinte espécie
imagens de fantasia definíveis.
de sentimentos de onipotência: ele tem a sensação de. ser o todo de seu
Ao estudar esses estados muito primitivos, é importante não es- "cosmo"; que abarca objetos dotados de poder "mágico", que ele exerce
quecer o grande volume de trabalho realizado sobre o desenvolvimen_ ou do qual seu frágil ego é a vítima. Aqui jazem sentimentos de domi-
to cognitivo na primeira e segunda infâncias. Na observação de bebês nância recorrente na vida do bebê até que as fronteiras entre ele próprio
bJUiWII'L'_ _ __
e o mundo exterior sejam reconhecidas. São esses sentimentos que o be-
91 • A Criança como Indivíduo •
.. , ..... , ...... , .............. , .. , ........ , ......
. o Modelo Conceitual' 95
te dentre as eso-atégias analiticas no estudo da criança. Ao método a
litico,acres~ntm'S observações dketas de bebês e crianças. na. . da validade de uma reconstrução. Em última análise, sua signi-
Reconstrução . W'~haO ara o paciente é o que mais importa. Porém isso não significa
.f,(ca nc1a P . d . .
'.~ ariamente que sua aceltaçao e uma tnterpretaçao reconstrutlva
Muito do 'rabalho analitico consiste em determinar COm precisão as rai. necesS , . f d ' d
. mpre confiável' ao contran o, em unçao a sltuaçao e transleren-t:"
I
!
I
'Os infa.ntis de sintomas, sonhos, fantasias e compo,,"mento; de fato, pa. sela se ' . .
. todas as afirmativas do analista podem ser aceItas ou recusadas por
ra o analista o ideal seria formar um quadro completo do desenvolvimen. cla~s simplesmente de distorções decorrentes da transferência de afetos
to do paciente. Todavia, isso não Pode ser feito devido à intervenção de ~ra o analista. Só com análise sistemática é que a importância e a con-
consideraçÕes terapêuticas, o investimento libidinal do paciente em situa. ~abilde das reações do paciente podem ser estimadas.
ÇÕes inlàntis começa a desvanecer-se à medida que ele se recupera Ou A validação de uma reconstrução é, por conseguinte, um exercício
quando isso não acontece, o· analista toma prOvidências para descobri; complexo e difícil. Antes que alguma mereça crédito e se consiga chegar
por quecientífico.
teresse e, assim, para beneficio
. de seu paciente, lerá de frustrar seu in- a um bom ajuste entre o presente e o passado, pode ser preciso fazer vá-
rias diferentes tentativas. Mesmo assim, será bastante útil procurar uma
A análise da infância c a princípio, em adultos, e depOis, em crian. confirmação por meio da observação direta de crianças antes de se gene-
ças pequenas foi propiCiada pelo uso de reconstruções Ou POstulados ralizar a reconstrução. Boa parte da teoria da sexualidade infantil foi as-
J
sobre a infãncia e a primeira infància do, pacientes com base "" mate. sim facilmente corroborada, pril1cipalmente aquelas partes que se apli-
rial analítico cuja fonte não é de fácil feconhecimento. Freud foi o pri- cam a crianças relativamente maduras, isto é, entre 4 e 6 anos de idade.
meiro a utilizar o método, que faciHtou a descoberta da sexualidade in- Porém, pelo fato de um bebê não dispor dos meios de comunicação de
fantil e do COmplexo de Édipo. Desde então, as reconstruções foram que dispõe uma criança de 5 anos, é bem mais difícil extrair conclusões
estendidas às primeiras semanas de vida e a experiências intrauterinas. da observação de bebês. Conhecer seus sentimentos e a natureza de seus
A técnica requer a elaboração de postulados que podem ser confir-
~I
processos afetivos requer inferência e e~primntação, além da simples
mados, negados ou modificados pelo paciente. Chegase a um desses re- observação.
sultados de dois modo" primeiro, a reconstrução feita pelo analista po-
de levar à emergência de uma lembrança que confirme a inferência;
Todavia, a correlação da interpretação reconstrutiva com as obser-
vações durante os primeiros meses de vida gerou certezas cada vez maio- t~ )i
~I
segundo, o acúmulo de dados que apontam para um determinada situa- res, a partir das quais surgiram boas hipóteses de trabalho para investiga- 6
ção que, porém, não POde ser lembrada. Com o uso Conjunto de reCOm- ção do comportamento dos bebês.
truçães e lembranças, porJese formar um quadro de um dado período i
da Primeira infância Ou infância que se encaixe tão bem na pSiCOlogia do A observação de bebês e crianças
I
paciente que traga à convicção. Apenas em algumas ocasiões essas re- Já não basta fazer ingênuos registros do que as crianças fazem ou çlizem.
construções podem ser confirmadas por fontes exteriores à análise. Estes podem provocar um choque de surpresa ou prazer; ser comparti-
Os registros de reconstruções podem parecer escassos, pouco con- lhados como diversão ou incorporados como tradição no que se refere à
vincentes ou vulneráveis a críticas intelectuais _ isso se deve em pane à natureza infantil. Atualmente as observações são planejadas e levadas a
dificuldade de apresentar o grande volume de trabalho que precede a cabo com auxílio de métodos rigorosos. .
chegada a uma r"construçãó e seu subseqüente teste diante de todos os Já que aos psicanalistas se deve a mais significativa teoria genética
I
novos dados que emergirem. Além disso, a situação afetiva na qual o tra- do desenvolvimento, as observações mais úteis foram feitas por eles. Até
balho é feito toma secundárias as considerações intelectuais. Elas preci- certo ponto, isso ainda é assim hoje em dia, mas há tampém várias ou-
I
sam estar presentes Cama arcabouço, mas não são a única base para a tras contribuições. A lista abaixo cobre as mais relevantes à minha tese:
:1'
I:
96 • A Criança como Indivíduo •
'\!
mente na Cambridge University.
2. Observações em clínicas pediátricas. Entre elas, as promovidas por D.
W. Winnicott foram importantes e pioneiras. 7. Finalmente, o método da brincadeira com areia, usado extensivamen-
\ te pela primeira vez por MargaretLowenfeld e explorado extensiva-
J. Estudos longitudinais de bebês e crianças pequenas. Entre eles, os rea- mente por Dora Kalff e numerosos analistas junguianos como méto-
lizados nas "wellbabyclinics"4 dos Estados Unidos foram os primei- \
,i
do terapêutico. . li
ros, cobrindo a faixa entre os três meses e .os 2 ou 3 anos de idade.
Outros começaram na primeira infância é prosseguiram por cinco ou
\ ti
t
4. Observações em várias épocas e de muitos grupos etários, das quais \ "
'1
as pioneiras são as de Spitz sobre a depressão anaclíticá (1946) e o de-
\
senvolvimento de "sim" e "não" ()988). \ J ,
I
5. Nas duas últimas décadas houve uma explosão de estudos sobre a re- \
lação mãebebê tanto na GrãBretanha quanto nos Estados Unidos.
Dentre eles, assinalo os que foram iniciados na Tavistock Clinic de \
Londres. Seu método fQi amplamente adotado e aceito como parte
do treinamento em análise infantii pela Society of Analytical Psycho- \
logy. Um observador faz uma visita ao lar da criança e registra em de-
talhe tudo que observar, sem tirar conclusões. Cada obserVação dura \
uma hora e se repete semanalmente ao longo dos dois primeiros anos
de vida extrauterina. As descobertas são então discutidas cada sem a- \
4, Locais onde se oferecem serviços de assistência e Qrientação aos pais sobre ama-
mentação, alimentação com mamadeira, introdução de sólidos 'na alimentação,
desmame, problemas de sono, treinamento pára uso do vaso sanitário etc. Em al-
guns, oferecemse também serviços de acompanhamento pediátrico, vacinação
etc, (N.T.)
• O Amadurecimento • 99
6 o Amadurecimento
terminada e, assim, possibilita a percepção sensorial e a atividade moto-
ra; de fato, a mãe pode perceber facilmente os movimentos dos braços
e das pernas do bebê. Além disso, podem-se observar o chupar do pole-
gar, o engolir dó fluido amniótico, alguns" exercícios" respiratórios restri-
toS e belos movimentos corporais em forma de espiral. O bebê pode,
além disso, ouyir sons exteriores à parede corporal, o que vem a confir-
o que significa dizer que um i:>ebê é, antes d~ mais nada, uma unidade mar os surpendtl~o de mães que afirmam que seus bebês rea-
psicossomática - um self? Quando se verifica, essa situação e quando se gem à música: Mozart é considerado caJmante, ao passo que Beethoven
iniciam as seqüências deintegrativo-integrativas que dão origem ao pro- provoca um aumento do número de movimentos do bebê. Por conse-
cesso de amadurecimento? Tentarei apresentar o -que há de relevante no guinte, a audição já se. encontra bas.tante desenvolvida antes do nasci-
conhecimento sobre essas questões. mento. Não é tão fácil compreender como a visão esteja tão bem desen-
volvid(i após o I)asçimento, já que há pouquíssima luz no útero e
normalmente s~ crê que sejam necessários estímulos para o desenvolvi-
VIDA INTRA-UTERINA mento da percepção.
Esses exemplos bastam para indicar que a vida intra-uterina de um
Devido às crenças e fantasias que cercam a vida intra-uterina, é [~1Uito fá-
bebê é, nãQ apenas rica como variada. Ela constitui um período de cres-
,cil e~qucr que o óvulo fertilizado e o feto estão, desde o início, sépara-
cimento, durante o qual ele se prepara para Q l1asci mellto, desenvolven-
dos do corpo da mãe. À medida que o crescimento prossegue, a parede
do os s5rgãos (principalmente a boca e os músculos) de qu~ precisará pa-
abdominal da mãe e o fluido amniótico contêm e protegem o bebê em
ra sobreviver após nascer. Algumas evidências indicam qu~ ele dá início
crescimento do' mundo exterior. Ele vive numa placenta aquática e no
ao nascimento pela emissão de mensagens químicas para a mãe. Se real-
fluido amniótico, alimentando-se de ambos. A principal função da mãe
mente for assim, estará aumentado o mérito de considerar o nascimento
é, portanto, contê-lo e protegê-Io, ao mesmo tempo que lhe fornece-a
como um exemplo de deintegração no qual se expressa o violento po-
matéria-prima para o crescimento. Assim, a herança genética pode atuar
tencial do self Essa informação insinua uma possível resposta a uma ques-
na promoção da forma e da estrutura do corpo do bebê.
tão: quando têm início as seqüências deintegrativo-reintegrativas? É pro-
A vida dentro do útero não é um mar de rosas: o útero é, por exem-
vável que já durante a vida intra-uterina: a atividade seria indicativa de
plo, um local barulhento - a pulsação da aorta abdominal é múito alta e
deintegração; os períodos de inatividade, de reintegração.
soa como o,bufar de um antigo motor a vapor, para não citar o borbo-
O nascimento interrompe violentamente a protegida vida aquática
rigmo, que sem dúvida perturba a suposta tranqüilidade do interior do
do bebê. Muito se afirma que o evento dê origem a ansiedade prototípi-
útero. Naturalmente, esses ruídos não são perceptíveis a princípio e, se
ca, refletida nos temas de nascimento e renascimento da fantasia arque-
exercem algum efeito sobre o feto, não será muito. Porém isso ocorrerá
típica. Ele 'é considerado, além disso, uma experiência traumática. Não
posteriormente, quando o sistema nervoso se formar. Acresce-se um in-
posso concordar com isso, a não ser no caso de partos excessivamente
cômodo extra à medida que o feto cresce em tamanho: o espaço de que
Icingos ou senão patológicos. É verdade que, após o nascimento, os be-
ele dispõe para viver se reduz e restringe, de modo que alguns de seus
bês dão um grito - que provavelmente lhes facilita a primeira inspiração
movimentos parecem destinar-se a dar-lhe mais conforto. Finalmente, ca-
da vez mais se crê na probabilidade de os estados emocionais da mãe afe-
_e exibem um grau variável de aflição. Porém, se logo em seguida fo-
rem colocados noS braços das mães e puderem permanecer aninhados a
tarem o feto para melhor ou para pior, embora só possamos especular
sobre a forma como isso ocorre. seu lado, geralmente o choro cessa. Além disso, quando o bebê perma-
• O Amadurecimento • 101
• A Criança como Indivíduo •
...100
" ....................... , ......... ......................................................................... " ...................
,
nece com ela pelos primeiros quarenta e cinco minutos, facilita-se enor- ser individual. A meu ver, ela assim apreende e respeita a integridade
memente o apego subseqüente e forma-se mais facilmente uma boa re- e a verdadeira natureza de seu filho, que ambos gradualmente conhe-
cerão à medida que o crescimento prosseguir. Ao mesmo tempo, a
lação com a mãe.
mãe reconhece a independência que o bebê tem dela, algo enfatiza-
Caso se possa rejeitar a idéia do trauma.do nascimento, como en-
do pelo nascimento. Isso representa para ela uma perda, que é repos-
tender a ansiedade demonstrada pelo recém-nascido? Minha especula-
ta pelo cumprimento de seu papel como elemento do par afetuoso. A
ção segue ó seguinte curso: a ansiedade acaso se deve à dor de atraves-
perda muitas vezes acarreta uma depressão transitória, que provavel-
sar o canal vaginal - onde, ao lado da estimulação maciça da pele e da
mente ajuda a preencher a lacuna deixada pela ausência do bebê den-
pressão sobre o crânio, há pouca condição de protestar de alguma forma
contra tudo isso -, além do choque de encontrar-se num ambiente intei- tro de si,
Superficialmente, tem-se·a impressão de que a primeira mamada é
ramente novo? Ou há alguma contribuição interna por parte do bebê?
uma iniciativa exclusiva da mãe, embora esteja claro que o bebê logo par-
Minha proposição é que tal contribuição possa existir, já que o se/f, no in-
ticipa de sua promoção. Isso é relatado já nas pioneiras observações rea-
tuito de adaptar-se a essas mudanças externas; se é1eintegra, produzindo
lizadas por Cal! (964), que demonstraram que, após as primeiras ma-
formas maciças, não específicas, de ansiedade que atacam o ambiente. O
madas, se a mãe puser o bebê em posição vertical, ele entra numa
ataque contribui para a formação de experiências tais como o terror in-
seqüência comportamental - comportamento de aproximação - que,
descritível, o caos catastrófico e o pavor de um buraco negro, especial-
com a cooperação materna, o leva ao seio, Assim, podemos considerar
mente quando não reintegrados. Mas o recém-nascido aparentemente in-
o comportamento da mãe como facilitador de uma deintegração que le-
tegra sua experiência de nascimento bem rápido, e isso não é explicado
vará o bebê a dar início a ações que culminam em tomar o mamilo na
pela teoria do trauma do nascimento. Para facilitar a reintegração, é im- boca e começar a sugar, Várias evidências fomecidas por outras pesqui-
portante que o bebê encontre algo tangível e confiável após o nascimen-
sas acadêmicas e observações de recém-nascidos demonstram até que
to, especialmente por meio do contato epidérmico com a mãe. ponto o bebê contribui para a formação do par afetuoso. Já há muitos
anos, MereU Middlemore mostrou que o bebê não suga um mamilo de-
formado, e há outros exemplos em que a iniciação à amamentação é di-
o PAR AFETUOSO fícil ou até impossível para alguns bebês e mães.
O importante evento que é o nascimento faz-se acompanhar de outras - A9 estabelecer a situação da amamentação, a unidade do bebê é
mudanças, decorrentes da necessidade que tem o recém-nascido de ser perturbada por atos deintegrativos, os primeiros'do se/f A teoria dos dein-
alimentado, tomaqo nos braços e afagado pa.ra sobreviver no novo am- tegrados, porém, pressupõe um padrão dirigido que emerge do se/f total
biente, necessiqade que também.i L!m pré-requisito para a ocorrência das e carrega em si características do potencial psíquico do se/f total. Daí, ca-
seqüências deintegrativo-integrativas. A receptividade da mãe a essa ne- da reaçãol(ato deintegrativo) seria para o bebê uma experiência de seu
cessidade leva ao estabelecimento de um relacionamento entre,ambos mundo total. Essa situação evolui após algum tempo para a onipotência
conhecido como "o par afetuoso", para o qu.al cada lIm contribui com infantil, uma característica bastante bem definida do comportamento in-
sua parte. fantil. Dentro desse estado de espírito, não pode haver seio "lá fora" (o
Têm sido muito estuda.dos os impulsos, reflexos e sistemas quí- seio tomu~se um objeto do se/f) e o bebê só pode vivenciá-Io por meio
micos que influem sobre o bebê durante suas primeiras semanas e me- dessa representação do se/f Entretanto, isso SÓ pode ser verdade em par-
ses de vida extra-uterina. Porém, embora a mãe saudável possa saber te, conforme indica o experimento de Cal\. A ,observação de bebês e
mães também confirma que a onipotência não é mantida todo o tempo.
alguma coisa a respeito, ela não se relaciona com o_filho como se ele
Além disso, sabe-se há muito que a forma do mamilo pode facilitar ou
fosse um feixe de sistemas fisiológicos, mas sim como uma pessoa, um
. o Amadurecimento • .01
desestimular o apego ,do ,bebê ao seio; por:tanto, ele tem capacidade de à experiência afetiva. Além .disso, a experiência sensorial é organizada I.
discriminação. de forma particUlar: .ás sistemas perceptivos não estão separados como
Estando a amamentação es.tabelecida pOr atos deintegrativos e faci- na vida adulta, de modo que as mensagens visuais e auditivas podem
litada pela mãe, parte do leite previpmente ingerido pode ser regurgita- operar como seJossem a mesma coisa. A esse fenômeno ele chama de
da, mas isso será acompanhado finalmente de sono (reintegração). São "transferência de informação .em modo cruzado" (Stern, p. 48 e ss.}. Po-
esses atos deintegrativos que colocam em ação os sistemas, sensórios e dese aqui tec~[ uma consideração à luz' de meu postulado do selfpri-
motores (ver, sorrir, tocar>. e, assim, fornecese material para o crescimen- mordial: iso_~gnfcarque. as percepções sensoriais resultam de um
to do ego na primeira mamada, .como Jambém em 'todas as rpamadas deintegradodo self total, no qual todas as modalidades de sensação se-
subseqüentes. riam apenas parcialmente distinguidas.
Não pretendo analisar detalhadamente que tipo de consciência o Não importa como os objetos sejam percebidos pelo bebê, não res-
bebê possui nas suas diferentes fases .de desenvolvimento. Entretanto, ta dúvida de que ele visa ao objetQ desde o início da vida extrauterina.
mencionei em edição anterior deste livro o trabalho preliminarmenterea- Por isso, é impossível que ele exista apenas num estado narcísico, que es-
lizado por Spitz. Ele afirma (Spitz 1993) que, a princípio, as percepções teja fundido:ouidentificado com o inconsciente da mãe, que seja apenas
são vagas e globais e que só com cerca de três meses o bebê pode reco- parte dele ou que seja essencialmente não integrado (Cf. Winnicott). Es-
nhecer "préobjetos". Segundo o estudioso, o.sorriso do bebê depende sas opiniões, a meu ver, são impressões por demais generalizadas daqui-
de ele ser apresentado a um esquema composto de testa, olhos e nariz. lo que um bebê pode às vezes parecer ou de estados em que ele talvez
Só com sete meses, conforme afirmou, é que ocorre o reconhecimento esteja de \fez em quando. Quando afirmo que o bebê se relaciona com
pessoal; só então é que se estabelecem relações objetais libidinais. Ape~ o objeto, quero dizer que ele pode distinguir entre o que é ele mesmo e
sar da importância que tiveram na época, seus estudos hoje parecem mui~ as partes.da mãe comas quais.temcontato,.apesar de não estar conscien-
to datados, Além disso, dependem do estudo do tipo de consciência que te deJazêlo. ;)sso vem depois. A teoria do .selfsugere que ele esteja boa
um bebê pode ter num determinado estágio de seu desenvolvimento. Is- parte do tempá principalmente num estado que não é nem consciente
so é interessante, mas a distinção entre sistema consciente e mente in- nem incoqsciente. Essa dicotomia estruturada descritiva e dinamica-
consciente no sentido que conhecemos em crianças e adultos pode mente tão útil no futuro não é útil na descrição do, comportamento ini-
impedir o estudo do bebê como um todo em relação à mãe. ciai dos bebês.
Desde a publicação do trabalho pioneiro de. Spitz, intensa pesqui- . O tipo de objeto que o bebê encontra está ainda. mais claramente
sa vem sendo empreendida, dando lugar a uma atitude diferente dian- proposto. na minha teoria ..A observação indica que ele tem alguma per~
te da primeirainfânci;:l, a qual coloca o selfno centro dos,estudos. Stern cepção nítida da realidadé, mas.que também forma objetos a partir. do
(1985) compilou o trpbalho e~istn sobre o desenvolvimento da "no- self em relação ao,ámbiente. Esses objet~ são considerados arquetípicos,
ção de self e de outros" no bebê. Apesar de não postular um selfprimor- de uma forma análoga ao esquema e modelos. de outros pesquisadores,
dial no sentido que eu lhe. doy, ele quase o faz: seu estudo é de repre- mas se representam de modo muito distinto do materiaL etnológico por
sentações do self. que se desenvolvem a partir do self primordial meio do qual os,arquétipos são normalmente identificados. Eles. podem
conforme eu O vejo, concluindo que, aotes de mais nada, podese dis- ser observados na amamentação, quando um seio é tratado de modo di-
tinguir uma noção de self emergente, ,seguida.; da formação em seqüên- ferente do outro e nos ataques periódicos à mãe ou nas tentativas de en-
cia de um "SelfNucJear", um "Self$ubjetivo" e um "SelfVerbal". Há ain- trar em seu corpo: tudo isso tem características padronizadas. Julgo a no-
da outras conclusões qlJe são relevantes para as mi.nhas proposições, Ele tação de Bion útil' com .referência à formação inicial ,de objetos <Bion
nos diz que a aprendizagem do que é variável e, invariável no ambiente 1991>.: ele cOIlsidera que os primeiros objetos são elementos beta; estes
não é um processo apenas_abstrato, mas.está inclissociavelme.nte ligado são transformàdos em.elementos alfa pela função alfa. Os elementos be-
t 04 . A Criança como Indivíduo •
....................
• O Amadurecimento • tOS
f
106 • A Criança como Indivíduo •
o Amadurecimento.· .07
I
Contudo, a visão de uma "mãe boa o bastante" pode ser facilmen- oportunidade ,de ter dentro de si mé:liS objetos bons, aumentando a vivên-
te idealizada e, por isso, finalizarei com bcomentário de uma mãe sobre cia de si .rn~smo como bom, pela identificação com 9 obj~t bom,
uma palestra de que havia participado, na qual se promovia essa visão. TudQ, isso implica que a.s experiências deobj~ts parciais bons e
( maus se tornaram representações, Quando isso acontece, estabeleceuse
(
. o Amadurecimento • 109
seu desenvolvimento, o objeto. transicional adquire características arcai- mente frustrantes; podem ser agora reconhecidos como um só objeto.
cas e guarda em si toda sorte de representação de objetos parciais (isto é, por conseguinte, o bebê preocupa-se em não destruir ou danificar, em
orais, anais e fáticos). Essas répresentações, contudo, são estendidas ao seuS ataques de raiva ou gula, o seio bom da mãe quando sentir que es-
se'seio é também mau. E agora ele pode sentir que isso ocorreu e reco-
objeto numa tentativa de ampliar a representação do self pelo ego, bem
como a ação integradora do self durante os períodos de segurança e tran- nhecer sua necessidade de que a mãe continue a existir.
Nesse ponto ele poderá mobilizar alguns dos antigos sentimentos e,
que medeiam entre os de atividade deintegrativa. Aqui se tor-
negando que o seio seja bom e mau,criar uma ilusão de que ele é ape-
na claro que os estágios iniciais de objetificação psíquica ainda estão por
nas mau e, assim, tornar aparentemente seguro o triunfo sobre ele. Mas
vir e que o pólo liespiritual" do arquétipo está sendo usado e desenvolvi- .
essa ilusão não' funciona totalmente e assim seu triunfo não traz confor-
do; com efeito, Winnicott situa aqui a fonte dos procéssos éulturais (pa-
ra maiores detalhes acerca desse tema, cf. 'p. 136 e ssJ. to, mas sim. exaltação, excitação e inquietude.
A defesa do bebê em seu triunfo (defesa maníaca) é feita contra ou-
tra seqüência derivada do sofrimento e da preocupação um protOtlpO
da culpa -, que o leva a cair numa espécie de depressão que não deve
OBJETOS TOTAIS ser confundida com seu equivalente adulto, Se ele de fato sentir isso, te-
Em torno dos sete meses, as observações e eXp'~riêncas indicam que rá ainda de dar o passo seguinte na descoberta: ele pode reparar o dano.
ocorre uma mudança radical: o bebê reconhece ar:nãe c()mo objeto libi- Ele pode sentir a presença de um buraco ou cavidade na mãe, feito du-
dinal (Spitz 1993) e fornece evidências mais explícitas de que a separa- rante seu ataque de voracidade, e imaginar que esse buraco pode ser
ção o aflige. Até esse momento é aparentel1)ente mais fácil substituí-Ia preenchido, restabelecendo a integridade da mãe. Quando ele o faz, dá
por outra mul)~r, mas nesse ponto o tJebê pode .dar mostras de depres- início a .todos os sentimentos que depois se tornarão o "lamentar" e o
são anaclítica (Spitz 1946) se a mãe ficar ausente P9f períodos prolonga- "querer melhorar" o dano causado por um ato acidental ou deliberado
dos, especialmente em momentos de crise. Vários psicanalistas indepen- do qual ele foi a causa. As sensações de culpa e tristeza e a capacidade
dentemente situaram mudanças por volta desse momento: K.lein de empreender uma reparação originam-se nesse período.
formulou a teoria da posição depressiva, com início por 'v'plta dos quatro Esse esboço que tracei da evolução na infância baseia-se em sua
meses e culmiQância aos Winnicott o denominou estágiQ da preo- maior parte na obra de Melanie Klein. Ao longo dos anos, em decorrên-
cupação, mas prudentemente deixou de determinar quando ocorria. cia da realização de mais pesquisas clínicas e dos dados da observação de
A mudan.ça asemlh~ à passagem da liloucura" e não integração bebês, cheguei à conclusão de que nem o período, em que predominam
para a sanidade e integração; ela constitui um passo da vivência dos ob- os objetos parciais (posição esquizo-paranóide, segundo Klein), nem a po-
jetos parciais à convivência com objetos totais, .isto é, pessoas. Enquanto sição depressiva podem ser encontradas na sua forma pura e simples. O
ela se processa, a noção de realidade aumenta até tornar mais nítida pa- que geralmente predomina são padrões muito menos organizados.
ra o bebê a sua- situação de dependência. Ao .mesmo tempo, o mundo Às vezes se pensa que a posição esquizo-paranóide é seguida pela
interior - já possibilitado em parte pelas evoluções perceptivas, mas tam- posição depressiva, como se elas fossem dois estágios. Conforme
bém pela introjeção prévia de objetos bons onipotentes em número su- experiência, elas não,são estágios no sentido que pressupõe uma seqüên-
ficiente, garantindo assim que os maus objetos não os sobrepujassem - cia, mas sim empreendimentos que persistem por toda a vida e possuem
é alvo de crescente definição. grande conteúdo arquetípico. Creio que Bion nos prestou um grande ser-
A mudança das relações objetais parciais para as totais é espécial- viço quando definiu a fórmula Ps<->Dp (esquizo-paranóide <-> posição
mente significativa porque implica que os objetos que.antes eram senti- depressiva) para indicar que qualquer das posições pode ser encontrada
na sua forma pura e simples, mas que há vários exemplos - na verdade,
dos como bons ou maus, extasiantemente satisfatórios ou catastrofica-
. o Amadurecimento • tt3
A fASE DE "SEPARAÇÃO-INDIVIDUAÇÃO"
Os elementos essenciais de uma representação do seI{ no ego estão
muito bem fornecidos nesse paradigma simples da imagem corporal. Pa- QuandO a criança adquire a capacidade de mover-se - primeiro engati~
rá completar o significativo dinamismo des~a ~!da, outras atividades de- nhando e depois andando - a~inge o estágio em que deixa de ser um be-
vem seraé~cntd: chàra,g~iúl; c~:spir"l)ament.vd de li- bê, por assim dizer. A partir daí, ela se torna fisicamente muito mais in-
beração,~ tornam-se coriunât~as; as 'atividades incorporativas, como dependente da mãe: pode brincar com brinquedos de sua escolha, pode
segurar e agarrar-se, são hoje cadá vez mais" rec~nhç;i9as C9n1Çl essen- pegar os que quiser sem precisar esperar que eles lhe sejam trazidos e po-
ciais ao bem-estar do bebê e, portanto, como sentimentos do seI[ de manipular uma grande variedade de objetos com uma habilidade que
A visão ocupa lugar especial ~a percepção e, n,Ç> ,~stabelcimno ' aumenta rapidam,ente.
da constância objetaI, surge a sensáção de ser uma e m~slTa a pessoa no Normalmente, uma criança nessa fase brinca sozinha por tempo res-
espáço e no t~mpo: Como o perceptp da' distância come:ça a funcionar trito e não consegue tolerar a ausência prolongada da mãe sem demons-
na primeira mamada, o bebê é levado a eXplorar o mundo exterior
" '. • F '1.. • 11,
ea trar aflição. Se brincar sozinha, tende a voltar à mãe periodicamente, su-
formar a base para reconhecimento de que os objetos,continl/,élm a exis- bir-lhe no colo e depois descer para continuar a brincar. Em pouco
tir em sua ausência física. Mas a constância objetai não é apenas visual, tempo, a ausência materna pode ser tolerada e substituída pela presença
ela se aplica tanto aos objetos fora da superfície da pele qU1ulto à pró- de outras pessoas até que, ao atingir a idade pré-escolar, a criança pode
pria pessoa do bebê que, no contexto do cuidado ,e empatia maternos, participar com sucesso de um grupo.
descobre sua própria continuidade como ser; antes de mais nada, ela já Essas manifestações de independência progressiva devem-se tam-
estava lá, como o self no seu sentido transcendente, mas nãq possuía bém ao uso que ela faz dos brinquedos como representações simbólicas
representação e precisava ser descoberta p~lo ego gradualmente, parte 'de idéias e fantasias que facilitam a independência e desenvolvem as re-
por parte. .~ , : lações sociais por' intermédio 'de um meio' objetivo de comunicação, Es-
Os passos seguintes no autodomínio são dados por meio da explo- se período de tantas evoluções na vida da criança foi chamado por Mah-
ração do mundo exterior. O bebê até esse momento depelldia de que ler et ai. (1977) de fase de separação-individuação devido ao fato de põr
sua mãe lhe apresentasse partes de si mesmo direta ou indiretamente, ex- fim à "fase simbiótica" de identidade entre mãe e Qebê. Suas formulações
ceto no que tange ao ver e ao ouvir.Se~ dúvida, ele pode começar a co- chamam a atenção para a crescente capacidade de mobilidade como ex-
locar comida na boca quando esta é colocada perto dele o bastante e já pressão contundente da individuação em ação. Além disso, há claros in-
aprendeu que a expressão da raiva e do sofrimento resulta na obtenção dícios de que a criança esteja desenvolvendo suas funções egóicas nessas
de objetos, além de poder fantasiar um controle mágico e onipotente so- atividades independentes, que em breve prescindirão da presença da
bre eles. Mas só quando consegue começar a engatinhqr, é que ele pode mãe. Certamente, há muitos sinais de identificação além dos processos
realmente aumentar a precisão e a variedade de sua capacidade de des- de individuação. A necessidade que a criança tem de reunir-se à mãe ain-
coberta, na qual até então só os olhos e ouvidos tinham maior utilidade. da se evidencia entre as atividades exploratórias, mas nesse peno do não
Ainda lhe resta uma outra atividade motora a dominar: a fala. Uma resta dúvida de que a identidade primária ou, conforme a chamou Jung,
vez atingido seu controle, o bebê se, viabiliza com relação a todos os re- partidpation mystique, esteja entrando em progressiva dissolução. A vida
quisitos essenciais: torna-se uma pessoa basicamente independente e do- simbólica da criança pequena também se vai estabelecendo melhor à me-
tada de plena capacidade de comunicação. dida que ela adquire maior domínio da realidade. Esse é um período de
integração cada 'vez mais estável. Inicialmente, os processos deintegrati-
vos predominavam no crescimento; gradualmente, isso passou a ocorrer
com menor freqüência e então, com o desenvolvimento de um mundo
. o Amaduredmento • t t7
interior, teve início a verda,deirasimboliiação e a noção de realidade tor- do pênis na garotinha e o orgulho do pênis no garotinho, aliados à ansie-
dades de castração em 'ambos, já se terão tornado conscientes se a atitu-
nou-se maior; os processos de separação-individuação já se encontram
de dos pais for perceptiva e tolerante. Caso esta seja inadequada, as des-
bem encaminhados. Por volta dos 2 anos, pode-se dizer que o crescimen-
atingido um ponto suficiente para que a estabilização dos cobertas serão guardadas ou feitas indireta e furtivamente. No período
to do ego t~nha
n- edipiano, o estabelecimento da primazia genital e as rivalidades e ciúmes
processos integrativos prepon dere sobre as seqüências integrativo-dei
uação iniciados quando do doia genitorla do mesmo sexo tornam-se cruciais. As fantasias, sentimen-
tegrativas primitivas. Os processos de individ
vi- tos e impulsos ligados ao relacionamento físico entre os pais ganham pe-
desenvolvimento das relações de objeto totais são agora nitidamente
so e emoçã o maiores. A cena primai, que antes se acreditava representar
síveis. A definição de Jung de que a individuação é "o processo de forma- r-
da o testemunho da relação sexual entre os pais pela criança, foi posterio
ção e particularização do ser individual CJ" e "o desenvolvimento
de' é clara- mente admitida como representação não só do evento real, mas também
consciência [o ego] a partir de um estado primitivo de identida
mente aplicável. das fantasias da criança sobre a união sexual. Essa descoberta significa que
a situação é uma situação arquetípica. Ela corresponde à conjunção, mui-
O uso do termo "individuação" em relação à primeira infância oca-
to estudada por Jung (OC XIV) como característica central da individua-
sionou protestos de que 'esse não seria o emprego pretendido por Jung. !:
ção. De acordei com o mestre, a união de opostos à qual ela conduz tem
Para não gerar confusão, Henderson (1967) propôs referência aos "pro-
representaçõe's abstratas, arcaicas e sexuais quase infinitas. Para uma
,)
O aspect odessê período para o qual quero chamar atenção é sua pender, em boa parte, do fato de os pais ,perceberem o que está aconte-
importância para a crescente noção que a criança tem de sua identidade. cendo e serem compreensivos.
O desfecho satisfatório dessa situação freqüen tement e complexa é
Os primeiros conflitos de identidade têm início no período pré-edipiano; de
eles se tomam cada vez mais evidentes durante·a fase em que a criança ocasionado por um realinhamento das identificações. Se os processos
te-
aí amadu recime nto anteriores tiverem transcorrido de maneira suficien
começa a engatinhar e caminhar e culminam na fase edipiana porque genitor /a do mesmo sexo esta-
a seu próprio res- mente tranqüila, a identificação com ola
há uma liberação dos sentimentos que a criança tem
peito como pertencente ao sexo masculino ou feminino. belece-se firmemente. A ansiedade e a culpa da masturbação aumen tam
Se o menino 01,l menina tiver pais tolerantes em quem confie, terá e levam ao domínio repressor das pulsões Iibidinais.
.,
percebido a existência de diferenças sexuais antes dessa época; a inveja
. o ..................
Amadurecimento • t t9
1 18 • A Criança como Indivíduo •
LATÊNCIA E ADOLESCÊNCIA
A importância desse período é crucial para a formação da identi- li':
Com a passagem do conflito edipiano, todas as estruturas essenciais ao
dade. Por meio da identificação, ps afetos sexuais da criança organizam-
se em padrões de compo.rtamento e respectiva? fantasias, os quais estão desenvolvimento posterior estão lançadas; cada uma se desenvolverá ain-
de acordo com sua ill)agem corporal e sua herança física. Além disso, da mais em extensão, riqueza e complexidade; cada uma entrará em no-
esses padrões alim-~e por intermédio dos pais à matriz coletiva, cons- vas combinações e será aplicada em diferentes campos.
ciente e incose~, na qual a famnia vive. Nesse proc.es~, as identf~ A partir daqui, o alcance da consciência cresce e se consolida no de-
cações anteriores com o sexo oposto permanecem, mas são incorpora- senvolvimento"de 'atividades ~xterios à famni?,. a maioria das quais na
das ao mundo interior .da criança. O conflito edipiano reforça escola. Durante esse período, a l?ersona,~ diferel1cia ,e a criança descobre
extremamente o estabelecimento de figuras de an~m e anin:us que fi- como participar mais ,da sociedade, e encontrar, nela seu lugar.
cam prontas, por assim dizer, para serem projetadas nos relacionamen- Na adolescência, essa rela~iv estabilidade é perturbada pela matu-
tos amorosos da adolescê~éi. É aqui que as principais tendências dora- ração da sexualidade da criança. Seus efeitos,serão considerados adiante,
vante serão dirigidas para a adaptação social, na qual Jung colo.cou tanta no Capítulo 8, pois um significativo impacto da turbulência da adolescên-
ênfase quando frisou os objetivos sexuais e adaptativos dos jovens. Ele cia _ que, a' bem dizer, não cabe na infância - se exerce sobre os aspec-
tinha razão em fazer isso por causa da intensidade dé seu estudo dos tos sociais da vida, familiar e sobr~ a sociedade em si. ,
processos introversivos da vida adulta. Mas, na verdade, n~ó há razões
para acreditar que as implicações sociais nas identificações que resqlvem
os conflitos edipianos sejam tudo. O aumento no sentido qUe a criança
tem de sua própria identidade é, com efeito, testemunho da ação de pro-
cessos favorecedores da individuação ou, dizendo em outras palavras, o /.
r
alinhamento de suas fantasias e comportamento sexuais coin seus im- ~"
(. .! , '.
tos bons diante dos maus. O conflito evolui para a ansiedade de castra-
ção quando a fase edipiana se instala. Portanto, a repressão é uma
maneira de lidar com os conflitos interiores. Ela não se aplica quando a
maturidade sexual é atingida. Porém, se for· preciso invocar uma defesa
em apoio a uma teoria questionável, que dizer de todas as outras? Se toe
das entrassem em jogo, então a individuação significaria, a abolição de
funções essenciais do ego, e não é assim que ela é concebida. '
• A Faml1ia • tZ 1
7 A Fam,1ia
,"~ ;>.
Esse exemplo ilustra a tese de Jung de que a vida não vivida dos pais
se torna a carga dos filhos ou, em termos mais técnicos, a psicopatologia
dos pais é introjetada pelos filhos. A fórmula tem várias facetas, pois faz
grande. diferença o estágio de desenvolvimento em que a influência dos
pais mais se faz sentir. Os exemplos na literatura da psicologia analítica
derivam na maior parte das identificações pós-edipianas, quando a solu-
o amadurecimento só pode dar-se em toda a sua plenitude num ambien- ção da situação conflituosa dos pais traz alívio para a criança cujo ego se
te bom o bastante, e isso implica-uma vida familiar baseada num casa- tiver desenvolvido suficientemente para resolver o trauma após a elimi-
mento bom o bastante. Aqui não há lugar para perfeccionismos, e a ine- nação de sua causa. Mas o dano começa antes, na prime~a
vitabilidade do conflito no casamento -é bem expressa na fórmula quando um bebê não é carregado, alimentado ou cuidado adequada-
mente, o resultado é muito mais grave e, às vezes, catastrófico. _
simbólica de que o masculino e o feminino são opostos. Quando há
A fórmula negativa sobre pais e filhos pode com proveito ser rela-
opostos, há conflitos; um casamento sem eles é suspeito. Todos enten-
cionada a outra proposição: a de que, cuidando de um bebê e criando
dem que é inevitável o conflito entre pais e filhos, mas os conflitos entre
um filho, os pais recapitulam sua própria infância. Ao fazê-lo, surge a
os pais, se resolvidos, são igualmente uma expressão de vitalidade na re-
lação conjugal. oportunidade de reviver e resolver com o filho os fracassos ou desvios de
desenvolvimento resultantes de seu próprio passado. Só quando esse re-
Seria errôneo alegar que todo conflito é desejável; antes é a sua na- desenvolvimento fracassa é que ocasiona injunções ou danos à criança,
tureza que é importante, tanto quantitativa quanto qualitativamente. O pela impossibilidade de modificar a vida afetiva d~s pais e pela persistên-
conflito destrutivo e ostensivo entre os pais é nocivo aos filhos, mas a au- "-
cia de uma situação traumática por meio do reforço contínuo.
sência de conflito nos assim chamados casamentos "felizes" também po- Pode haver vários motivos para que um casamento ocorra, mas os
de ser prejudicial, especialmente quando a felicidade é irreal, idealizada que têm especial interesse para os analistas junguianos são aqueles que
e mantida à custa da vida dos instintos. derivam das identificações que o casal estabelece no curso de seu pró-
O quanto esses casamentos "felizes" podem prejudicar uma crian'ça prio amadurecimento. Eles decorrem de vários níveis, mas o modo co-
pode ser visto em seus resultados a longo prazo: tome-se o caso de uma mo se resolveu a situação edipiana dos pais em perspectiva é o mais im-
jovem que, exatamente como suas três irmãs, jamais se casou. Todas se portante. Para resumir, é necessário que marido e mulher reflitam
apaixonaram por homens que não lhes correspondiam ou eram casados. suficientemente as características dos avós do' sexo oposto. A semelhan-
A princípio, a vida conjugal dos pais parecia boa; não havia conflitos os- ça demasiada cria reações infantis, da mesma forma que a diferença de-
tensivos, mas sim harmonia, e a filha adorava o pai, que correspondia à masiada torna a adaptáção mútua excessivamente difícil. A razão espe-
sua afeição, fazendo-a crer que era a filha predileta, como também acre- -cial para adotar essa idéia decorre das formulações de Jung acerca do
ditavam as outras irmãs. Entretanto, para manter essa estabilidade, o pai significado dos costumes matrimoniais em tribos primitivas. Ele alega (Cf.
havia pago caro em termos de si mesmo e de sua vida instintiva, confor- Jung OC XVI, parág. 431 e ss.>, seguindo Layard, que estes se estruturam
me contou à filha em breves linhas antes de morrer. A mulher fora coni- com vistas à garantia de uma troca compensatória adequada; são um
vente com ele, e o resultado é que o estágio no qual a filha idealiza o pai acordo' entre as tendências endogâmicas e exogâmicas. As_ primeiras con-
não pôde se desenvolver ou mudar para uma base mais realista e, assim, solidam os laços da famOia; as segundas levam à solidariedade grupal e à
sua sexualidade permanecera infantil. Em decorrência disso, toda a sua continuidade da vida espiritual. O excesso de uma ou de outra das ten:
experiência erótica adulta era frustrada pela interposição da imagem do dências acarreta conseqüências indesejáveis, pois a família ou se tornará
pai nos relacionamentos dela com os homens. uma unidade anti-social (por ser satisfatória em si mesma) ou não rece-
berá libido suficiente para estabilizar-se.
111 • A como Indivíduo • • A Fam.1ia • 123
A tese de Jung <ibid., parág., 433 e ss.) traz consigo a idéia de que o Quando a mulher entrava em trabalho de parto, era costume afas-
casamento depende em boa parte da projeção mútua de formas arque- tar o marido até que,.o nascimento tivesse ocorrido. A equipe médica, vi-
típicas inconscientes, o animus e a anima. Além das identificações COm sando tornar o nascimento seguro para mãe e be~, reforçava esse cos-
o/a genitor/a do mesmo sexo que ocorrem durante o amadurecimento, tume e, assim, o pai, considerado um fator de complicação, era excluído
Jung afirmava que elas representam o substrato arqúetípico no qual as para que se pudesse fornecer o máximo de cuidados médicos. Hoje em
identificações são construídas, O arquétipo se.expressa em fantasias típi- dia, porém, o acompanhamento prénatal tornou o parto algo bastante
cas acerca de como os homens '. no caso da mulher ou as mulheres _ seguro e, se os pais quiserem ficar juntos, não há razão para impedilos,
no caso do homem devem ser idealmente e pressupõe que os seres preservando assim a cbntinuidade da experiência entre ambos. Existem
manos são funcionalmente bissexuais. O casamento se consolida quan· técnicas de I{parto natural" que exigem a presença do pai e mostram que,
do cada parceiro carrega em si um volume suficiente de tais projeções ar- num bom casamento, o parto pode tornarse mais fácil.
quetípicas, 'que só gradualmente são retiradas, à medida que cada um
precisa criar uma apreciação cada vez mais realista do outro. Essas afir-
mações simples sobre o casamento nos bastam para os fins que preten-
PRIMEIRA INFÂNCIA
demos. Na verdade, ele é uma combinação relativamente simples em ter-
mos biológicos que se torna extremamente complexa devido à gama de Quando o bebê nasce, a mãe já está instintivamente preparada para aten- :~
i ~,
fatores pessoais e sociais que influem sobre ela e nela se mesclam. De der, com o apoio do marido, às suas necessidades. Ela se relaciona com o : ~
momento, sua eficácia será considerada irrefutávei e, assim, a discussão a bebê por meio da preocupação materna primária. Winnicott cunhou a ex- :, ~
seguir pressupõe que os filhos sejam criados dentro de casamentos bons pressão no intuito de descrever a capacidade da mãe de deixarse absor-
o bastante. Seu objetivo é indicar os efeitos que os filhos ex~rcm
os pais e os benefícios que deles recebem.
sobre ver pelo bebê durante as últimas semanas da gravidez e as primeiras de
vida extrauterina do bebê. Dessa forma, ela se mostra sensibilizada às ne- :\· J
A vida familiar iniciase quando a esp~a engravida. Então ela co- cessidades absolutas do filho e, com efeito, imediatamente começa não
·U
meça a redirigir parte da libido que antes s~ volta~ para (, exterior para apenas a satisfazêIas, mas a adivinháIas. Nesse período, o bebê tem pou-
as mudanças qllé seu corpo está s'ofrendo e,para o Bebê que cresce den- cos recursos para orientáIa e, por isso, uma necessidade não satisfeita po- ·~
""
,a
tro delél.' A prirCípio, ela cuidi3 das atividades cotidianas como' antes, mas, de facilmente tomarse catastrófica. O número de evidências que
a medida que se torna cada vez mais dependente e necessitada de de- que durante esse penodo se cria a base para o bebê formar a primeira re-
pender, á! estabiÍd~ de sua relação com o marido é testáda. presentação do seI{ é cada vez maior. Winnicott, de quem provém essa for-
. O ~umento das exigências que ela faz a~ m'arido ,decorrem çe sua mulação, usa uma notação diferente porque não utiliza o conceito do sei!
necessidage'de que ele 'p:3rticipe da gravi'd,ez faz~n.do o que pode para como eu. Ele argumenta que, se a mãe não propiciar um ambiente bom
aliviáIa de sua carga.física. Mas, assim como se to~na fisjcamente depen- o bastante, não se formará um seI{ um falso sei! o substituirá. Recente-
dente, ela também. se torna emocionalmente vulnerável e car~nte do ca- mente, Meltzer frisou a importâncip da mãe bela com seu belo bebê e as
rinho e da pro,teção dele. Tudo issQ será suficientemepte bem eQtendido complexas implicações daí decorrentes (Meltzer e Harris Wjlliams, 1995L
por Un:'l casal flue confie um no outrp~l f?to de hav~r vindo de famí- As últimas semanas da gravidez e ,as primeiras semanas de vida são,
lias boas o bastan te"e' de ?e leITlprar.comQ seus próprios pais se .compor- portanto, cruciais para o.futuro desenvolvimento do bebê. Há aqui uma
tavam e como des mesmos reagirélm à gr~lVidez de suas mã~s e ao nas- seqüência natural: a crescente concentração da mãe no bebê que carre-
cimento de outro bebê. Nessas condições, ,os instintos que incorporaram ga dentro de si, levando ao nascimento, seguido da preoéupação mater-
serão confiáveis. na primária. Sem dúvida, a mãe, tendo carregado o filho dentro de si, é
a pessoa que melhor pode administrar o período após o nascimento e,
.11'
.'L
:
• A Famllia • 115
"
1-
o beb ê a sujeitará: ela terá de par-
pond pela miscelânea de afetos a que
a formação de representações do ver- e até ficar seca, mordida, devorada
assim, a mais indicada para garantir ticipar de sentimentos de ser sugada
to se possa fazer para compensar a, violentamente agredida, com o
dadeiro self pelo bebê. Embora mui "canibalisticamente", rejeitada, insultad
"mimar", na verdade não há uma so- e cativada. Toda essa riqueza de ex-
aquilo que normalmente se chama também da de 'ser amada, adorada
lução definitiva. r quant;> o ódio e, assim, seus pró-
periência deve evocarlhe tanto o amo
materna primária é privar ain- ocados. E provável também que se-
Uma conseqüência da preocupação - prios sentimentos infantis serão prov
investida nele. É com um não se Con ão pelas quais ela tenha passado na
da mais o pai da libido previamente jam evocadas outras crises de adaptaç
ente importante, mas ela o é e, por
siderar a sua reação a isso particularm .
para ele ganhos primários e secun- ~. ina:se a introduzir um aspec-
isso, a incluo aqui. Naturalmente,. há Esse quadro da atuação materna dest
r edo beb ê e novos motivos para que, apesar de instintivo, não racio-
dários: satisf<!ção e orgulho damulhe s. to da natureza da mãe; um aspecto
gurar a sobrevivência material dele ase de um aspecto daquilo que
investir no trabalho, a fim de asse nal e semiconsciente, é confiável. Trat
tificações maternais e assumir uma ou em termos tão elogiosos, prin-
Além disso, ele pod e recorrer a iden lung chamou eros, cujos louvores ento
postura maternal ao dar segurança
à mulher e ao beb ê e deixálos entre- xões (1975, p. 305 e ss). Porém seu
cipalmente em Memórias, sonhos e refle
rferências. Talvez o que ele faz te- ista e não mitológico que vive urna ~
gues às descobertas mútuas sem inte louvor tende a obscurecer o eros real
que parece tão óbvio e seu feito, tão ida tornam compreensível que ela
~I
nha merecido tão pouca atenção por
i
com o filho, sua importância é imensamente aumentada quando os con- e daí decorre o ciúme infantil muitas vezes aflitivo, que pode ser ne- ;~
flitos edipianos triangulares se intensificam. As pulsões que se mobili- ,~
I'lgc11ciado e, assim, levar à recriminações entre os pais.
zam na criança com particular intensidade são ambivalentes, fortemen- A situação edipiana é a culminância do desenvolvimento de uma .~
te sexuais e agressivas e podem provocar reações comparavelmente j ~
e, portanto, não pode ser considerada isoladamente. A forma que
intensas nos pais. Saber que a criança sente ciúme e rivalidade diante ~,!.asume depende de vicissitudes prévias na relação genitor/afilho e .p.
doia genitor/a do mesmo sexo, além de culpa pela excitação genital e :J .
!iíl.ucesso em sua resolução depende, mais uma vez, da saúde instintual
concorrentes ansiedades de castração, pode ajudar um tanto, mas em pais. Esse é o elemento importante da exagerada afirmação de Jung. tl
ses afetivas infelizmente não se pode confiar no saber intelectual.
Aposição de Jung diante da sexualidade infantil sempre foi com
Ao lado da evolução libidinal, nesse período a agressividade contra ., '~ .
genitor/a do mesmo sexo expressa por meio de rivalidade e dese- ~ J
alguma razão muito criticada, pois suas idéias acerca de como com- de morte assume posição central, aliada à manifestação de traços
preender os fatos oSf:ilavam entre extremos muito distantes. Em certas e masoquistas relacionados a esses desejos. A isso aplicase o mes-
ocasiões, ele chegou ao ponto de dizer que encarava a questão do pon- princípio. A administração dos desejos de morte é talvez mais impor-
to de vista dos pais, como se a sexualidade infantil fosse um fenômeno ~orque é essencial que o pai ou mãe se comporte de forma a apoiar
Como jamais burilou esse posicionamento, não se sabe o que e a confiança que o filho concomitantemente expressa e, as-
ele realmente queria dizer. Contudo, sua exagerada afirmação tem seu fomente as identificações que conduzirão à repressão e ao prosse-
valor por incluir a vida afetiva dos pais na situação edipiana. Ela prova- do desenvolvimento da criança.
velmente se refere à observação de que os conflitos entre os pais podem
levar, por um lado, à manifestação sexual compulsiva nos filhos o~, p~
outro, ' quase total dos sentimentos,
a supressao ' .Impu Isos o u "antaslas
), di ADOLESCÊNCIA E DEPOIS
retamente sexuais na criança. or-
E' comum haver ansiedade entre os pais. porque, com seu comp.•0 afrouxamento das identificações e a crescente independência do ado-
.
tamento, a criança pode provocarlhes sentimentos . Se a pOSIÇ3
sexuais. colocam pressões sobre os pais e, mais uma vez, é posta à pro-
a durabilidade do casamento.
• A Fam,1ia • 117
116 • A Criança como Indivíduo •
......... , ............. , ................. , ............................................................. ,' ...... , .... ,.,., .. , .... , ................. ,
mamente um número cada vez: maior de pais passou a participar das ins-
I de Jung não pode ser defendida, também é verdade que o papel dos pais
truções prénatais e do parto em si. nOS conflitoS edipianos recebeu pouquíssima atenção e é curioso que te"
\
Quando isso acontece, põe em relevo a intensidade que pode apre- nharll suscitado tão poucos registros. Sem dúvida, ele não é discutido
sentar o impacto do bebê, levando ao que Greenberg (1985) bem deno: \ abertamente devido ao tabu do incesto, que pressupõe que os pais farão
minou "monopolização do pai!'.. O fenômeno por vezes atinge intensida- valer seuS desejos sexuais se não fore!11 impedidos por sanções sociais.
de quase delirante:.o pai pode sentir que foi ,ele, e não a mãe, quem \ Mas se o amadurecimento. sexual significa alguma coisa é o fato de po-
produziu o bebê! Naturalmente, isso constitui uma exceção, mas ilustra der ser tomado como sinal de maturidade quando a criança consegue ex-
o tipo de sentimento menos exagerado que o nascimento pode provo- \ citar os pais. Longe de levar a perYersões, .isso seria um sinal de saúde,
contanto que fosse. reconheçido como parte. do padrãodQ conflito edi-
car. Em termos ideais, sua experiência leva a uma relação mais estreita
com a mulher e a um maior senso de responsabilidade pelo cuidado tan- I piano, no qual as pulsões libidinais são intrinseçamente contidas pela qJl-
pa e ansiedade de çastração. É preciso um eg9 forte para admi!)s.tr~ es-
to da mãe quanto do bebê.
\ sas pulsões, e isso só pode ser feito se a vida sexual entre os. pais for
À medida que o desenvolvimento prossegue, principalmente duran-
saudável e eles tiverem parte na vida libidinal do filho, reconhecendo que
te as gestações posteriores e o conseqüente. nascimento de novos filhos, \
sua frustração tem.papelessencial no amdur~ciento. Qual,quer ansie- .~
os mais velhos .se voltarão para o pai,já que a libido da mãe lhes é par-
dade infantil por p~rte dos pais será implacavelmente percebida pelos fi- i:i
cialmente retirada. Embora desde o início o pai possa ter íntima relação
lhos, e daí decorre o ciúme infantil muitas vezes aflitivo, ql!e p.ode ser ne-
com o filho, sua importância é imensamente aumentada quando os con-
flitos edipianos triangulares se intensificam. As pulsões que se mobili- gligenciado e, assim, levar à recriminações entre os pais. .'
A situação edipiana é a culminância do desenvolvimento de uma
zam na criança com particular intensidade são ambivalentes, fortemen-
criançà e, portanto, não pode ser considerada isoladamente. A forma que
te sexuais e agressivas e podem provocar reações comparavelmente
ela assume depende de vicissitudes prévias na relação genitor/a'::'fiIho e
intensas nos pais. Saber que a criança sente ciúme e rivalidade diante
o sucesso em sua resolução depende, mais uma vez, da saúde instintual
doia genitorla do mesmo sexo, além de culpa pela excitação genital e U
dos pais. Esse é o elemento importante da exagerada afirmação de lung. ::1,
concorrentes ansiedades de castração, po,de ajudar um tanto, mas em cri- Ào lado da evolüção libidinal, nesse período a agressividade contra , "
ses afetivas infelizmente não se pode confiar no saber intelectu;:tL .. ola genitorla do mesmo sexo expressa por meio de rivalidade e dese- ~, J
A posição de.Jung diante da sexualidade infantil s~mpre foi com jos de morte _ assume posição central, aliada à manifestação de traços
alguma razão muito criticada, pois suas idéias (!cerca de como com- sádicos e masoquistas relacionados a esses desejos. A isso aplicase o mes-
preender os fatos os~ilavm entre extremos muito distantes. Em certas mo princípío. A administração dos desejos de morte é talvez mais impor-
ocasiões, ele chegou ao ponto de dizer que encarava a questão do pon- tante porque é essencial que o pai ou mãe se comporte de forma a apoiar
to de vista dos pais, como se a sexualidade infantil fosse um fenômeno a admiração e a confiança que o filho concomitantemente expressa e, as-
intro;etivo. Como jamais burilou esse posicionamento, não se sabe o ql!e sim, fomente as identificações que conduzirão à repressão e ao prosse-
ele realmente queria dizer. Contudo, sua exagerada afirmação tem seu
guimento do desenvolvimento da criança.
valor por incluir a vida afetiva dos país na situação edipiana. Ela prova-
velmente se refere à observação de que os conflitos entre os pais podem
levar, por um lado, à manifestação sexual compulsiva nos filho~ ou, por
outro, à supressão quase total dos sentimentos, impulsos ou fantasias di-
A ADOLESCÊNCIA E DEPOIS
retamente sexuais na criança. O afrouxamento das identificações e a crescente independência do ado-
É comum haver ansiedade entre os pais porque, com seu compor- lescente colocam pressões sobre os pais e, mais uma vez, é posta à pro-
tamento, a criança pode provocarlhes sentimentos sexuais. Se a posição va a durabilidade do casamento.
_._ _._-
• A Foml1ía • 129
128 • A Criança como Indivíduo •
......... , ............... , .. ,., ....... , ............... , ........... , ................ " .... ,,, ............ , ..
personaliza-
,
agressivas é especialmente significativa. Os objetos agressivos tendem a comportamento é derivado disso. De especial significação aqui é a proli-
ser excluídos do corpo principal do selfdevido à necessidade do bebê de feração de representações nãopessoais do selfque podem facilmente dar
forma~ representações do self sentidas como boas. Os objetos maus são lugar à idéia de que o inconsciente coletivo na infância é insondável ou
não apenas expulsos mas também isolados do integrado do self Esses ilimitado.
objetos maus projetados, a princípio sentidos como partes do próprio Cor- Alan, um garoto esquizofrênico de 6 anos de idade, conhecia o sig-
po ou do da mãe, são progressivamente deslocados para um objeto não- nificado e o emprego dado pelos.adultos à água, ou seja, ele sabia que
humano. A observação de bebês, as reconstruções e os primeiros sonhos ela é usada para beber, lavar etc. Mas'a água também representava a uri-
infantis confirmam que 'esse modo de administrar objetos maus é co- na dos bebês, que eles percebem como inundações; isso era como a chu-
mum. Provavelmente é a estreita relação entre as formas prépessoais e, va, que era Deus urinando. A urina poderia ser boa, ser bebida e fazer
posteriormente, impessoais e as pulsões agressivas e destrutivas o que deu bem, ou ser má e cheia de germes venenosos que matam. Assim, Deus
origem à crença de que os conteúdos arquetípicos são perniciosos às poderia ser bom ou mau. Na medida em que a água e a urina poderiam
crianças. Como se viu no Capítulo 3, são comuns entre as crianças pe- causar uma inundação, poderiam afogar e matar a ele e a seus pais. Por
quenas os sonhos de ansiedade com animais que mordem e atacam. outro lado, graças a essa propriedade, dentro dele a água tornavase pe-
Além disso, no princípio, registramse representações nãopessoais em so- rigosa e, nas crises emocionais, era liberada por meio da incontinência
nhos, especialmente com fogo e água.
urinária. Deus inundava o mundo, como os bebês imaginam que podem
Todavia, segundo a concepção de Jung, o inconsciente coletivo con- inundar a mãe e, assim, como ele podia sentirse como um bebê, Deus
tém não apenas componentes perigosos e destrutivos, mas também ele- estava tanto dentro quanto fora dele.
mentos bons e potencialmente criativos. Conhecese então algum meca- Ele usava a água para fazer o maior mar do mundo "maior que o
nismo pelo qual os objetos bons possam ser expulsos e mantidos isolados Tâmisa e que o oceano Atlântico"; inúmeras fantasias a respeito foram
do processo individuativo na infância? A resposta é fácil: os objetos bons encenadas. A água era suave e plástica, portanto era a mãe que ele aca-
são idealizados e mantidos isolados' da representação pessoal do selfquan- riciava e afagava; era o leite materno que ele bebia e se tornava um ocea-
do o mundo interior é percebido como avassaladoramente perigoso e no dentro dele; ele sugava no seio da água para ter dentro de si o que
quando os processos destrutivos parecem ameaçar os objetos bons do chamava um "peitínho de mãezinha", que podia alimentar bebês semfim
bebê. A fim' de protegêlos, ele 05 projeta na mãe, idealizados, tornados e restabelecer pais danificados. Mas era também o leite do pai que esta-
onipotentes e, assim, preservados. Como se verá posteriormente, os so- va em seus genitais, que criava bebês e era sugado ou expelido para den-
nhos das crianças pequenas refletem essa situação, pois neles as mães, "tro da mãe e dele mesmo para alimentar e dar prazer. Quando sentia que
com pouquíssimas exceções, assumem papel exclusivamente bom e pro- sua destrutividade havia criado um deserto dentro da mãe, do pai ou de-
videncial; às vezes em completa dissidência da realidade. le mesmo, a água redimia a situação sob a forma de chuva ou rio' (de lá-
Pelo estudo de crianças esquizofrênicas podemse coletar as mais in- grimas). A água numa bacia representava as entranhas das pessoas. Teria
teressantes informações acerca dá persistência de processos prépessoais que haver objetos flutuando; poderiam pular para dentro e para fora e,
de idealização, projeção e introjeção. Quando essas crianças vêm à aná- acima de tudo, ser vistos.
lise; os estados iniciais já estão consideravelmente modificados por pro- Todos esses significados atribuídos à água foram expressos verbal-
cessos de amadurecimento e distorcidos por situações traumáticas muito mente por ele e se faziam acompanhar de atividades conformes, com pis-
precoces. Por conseguinte, as fantasias dessas crianças não fornecem in- tolas de água, brinquedos, uma bacia e uma bandeja cheias de água. Se-
formações diretas sobre a primeira infância em si. Mas, estudadas em co- ria difícil, praticamente impossível, de qualquer forma, transmitir em
nexão
---- com o histórico do desenvolvimentuda_crianca._ela'Ldão rb",~ ni<_ ooucas linhas a mi.stura de engenho c.ri;üivo e simnlic.idade ingênua e di-
140 • A
Na terapia infantil a atitude analítica é a mais adequa da porque Os TÉCNICAS ESPECIAIS DA TERAPIA INFANTIL
processos sintéticos estão em, intensa atividade. São eles: primeiro, a
sa-
tisfação em desenvolver nova's habilidades físicas e emocionais; segund O esboço introdutório acima apresentado sugere queo núcleo da análi-
o,
a premência absoluta do crescimento, com base na reduzida estatura se junguiana aplica-se tanto a adultos quanto a crianças. Porélll há técni-
fí-
sica e nos prazeres reais e imaginários gozados pelos adultos em razão cas específicas da terapia infantil que exigem consideração. Elas derivam
de
seu tamanho; terceiro, os próprios processos inconscientes de amadu das dimensões da criança, de sua incapacidade de produzir associações
re-
cimento. Por tudo isso, no que tange à criança, é melhor visar à análise verbais e de sua dependência dos pais.
elucidativa e propiciar condições para a entrada espont ânea em opera-
ção dos processos sintéticos. I. A criança é levada a urna clínica ou consultório psicológico pelos pais
e, assim, talvez não esteja participando de bom grado da iniciativa.
Transferência Com efeito, isso pode apresentar sérias dificuldades, principalmente
O evento mais importante e valioso do ponto de vista terapêutico é o de- se a hostilidade da criança pelo analista for mobil~da. Todavia, salvo
senvolvimento da transferência, na qual o pa~íent faz projeções no ana- situações especiais, o fato de a criança ser levada é uma expressão d'e
lista. As projeções criam uma situação dinâmica que garante que a análi- sua incapacidade de transportar-se.
se se torne um procedimento tanto afetivo .quanto intelectual.
Devido à transferência, é necessário que o analista tenha sido trei- 2. Em segundo lugar, os sintomas de que os pais se queixam não são ne-
nado, submetendo-se ele mesmo a uma análise, de forma que possa cessariamente os mesmos para os quais a criança sente precisar ajuda.
es-
tabelecer mais facilmente a empatia com o paciente. Mas há ainda outra A criança que está em conflito intenso com os pais pode, inclusive, re-
razão para a inclusão da análise no treinamento dos analistas il;lnguianos: cusar qualquer tipo de ajuda - em gerat isso se aplica quando se trata
a projeção transferencial do paciente tende a provocar ~ma contraproje- de transtornos de compo rtamen to e delinqüência. Por outro lado, as
ção, apropriadamente chamada de contratransferêTlcia, que a princíp crianças desenvolvem ansiedade exatamente corno os adultos e, corno
io
foi vista sob uma luz negativa. Com efeito, foi uma freqüente fonte eles, também podem querer livrar-se dela - isso se aplica à dor física,
de
representação e administração errôneas dos pacientes nos primórdios à depressão e aos sintomas físicos aflitivos. Assim, há urna ampla gama
da
prática psicoterapêutica. A análise de treinamento é o melhor método de sin'tomas de sofrimento que podem levar uma criança a desejar cla-
pa-
ra tornar a contratransferência administrável e convertê-Ia num indicad ramente ser ajudada no mesmo sentido que usariam seus pais.
or
confiável da transferência do paciente, que, como demonstram recente
s
pesquisas, é o que ela pode .se tornar nas mãos de um profissional hábil. 3. O sofrimento infantil está intimamente ligada às ansiedades dos pais
Muito já se discutiu a relação entre a contratransferência t: a empa- e, com efeito: sua causa pode muitas vezes estar mais neles que na
tia, que .às vezes são de dificil distinção, principalmente no caso de pa_ própria criança. Essa situação é essencialmente urna questão de diag-
cientes regressivos, que podem ser absolutamente incapazes de análise nóstico e de disponibilização de ajuda para os pais que precisarem.
e
precisar do analista Sllgq mais próximo da preocupação materna primá- Por isso, o terapeuta infantil pode precisar trabalhar em conjunto com
ria, Numa situação assim, a análise pode ocupar lugar secundário em
re~ um terapeuta de adultos a quem os pais possam ser encaminhados,
lação ao cuidado da criança. A entrada nessa difícil questão - que ~inda se suas ansiedades forem demasiadas e eles demonstrarem querer tra-
está à espera de esclarecimento - está fora da alçada deste capítulo.
Po- tament o para si.
rém o caso de Bil/y, adiante descrito, ilustra corno o cuidado fisiç;o pode
ser necessário durant e a regressão, mesmo que os método s interpretati- 4. Um problema mais importante surge da reduzid a capacidade de
vos continuem a manter sua .u.tilidade. as-
sociações verbais da criança. Contud o o brincar pode substituí-Ias, de
• A Psicoterapia Analítica • t 4 S
t 44 • A Criança como Indivíduo
•
ticos e cercas suficientes para criar um espaço onde pudessem ser colo'- técnicos.
cados; alguns carrinhos ou veículos semelhantes e uma pistola de .; ,;
ma outra massa de modelar que não se fIXe excessivamente à mobília ou, <I .}}:..'
ao piso; papel, giz de cera colorido, lápis e borracha (pode~s usar tinta,
• SO • A ....................
Criança como Indivíduo •
• A Psicoterapia Analítica • 1SI
ESTUDOS DE CASOS
(querendo dizer ela mesma), Quase que de imediato seus modos muda-
OS três estudos de casos que se seguem foram selecionados porque ram inteiramente: ela desceu da cadeira e brincou alguns minutos com
tram aspectos complementares da análise junguiana. O primeiro mostra vários brinquedos. Depois dirigiuse para o lugar onde estava a mãe, que
o quanto uma criança pequena pode transformar-se se puder contar Com confirmando a boa impressão que me causara agiu com naturalida-
entrevistas facilitadoras.O segundo, Billy, é analiticamente simples, e as de, de forma que a criança logo voltou sozinha à minha sala.
entrevistas detalhadas destinam-se a mostrar como a análise prossegue e Um dia, quando ela já estava mais à vontade, deixou um objeto cair
onde e por que as intervenções são feitas ou não. O terceiro exemplo, no chão e quebrarse. Isso provocoulhe grave ansiedade, fazendoa cor-
Alan, é uma criança bem mais comprometida, é bem mais anômalo e rer para a mãe como antes. Mas logo voltou e, depois que retomou à
a necessidade tanto de interpretação quanto de afeto, tolerância e brincadeira, eu dei ao objeto quebrado um nome, dizendo "mãe quebra-
administração proporcionados pelo ambiente. Após o fim da análise des- da". Isso produziu um aumento na comunicação, já que eu demonstrara
sa criança, seus professores receberam auxilio para viabilizar os benefí- haver entendido seu medo.
Então comecei a fazer mães de argila, que ela quebrava. Após algum
cios de seu tratamento. A terapia ambiental só pôde ser realizada devido
ao modo como, se deu o fim da . análise. . tempo, ela quis que fizéssemos um bebê. Quebrouo em pedacinhos, co-
mo havia feito com a mãe. Fiz também um pai, mas este foi poupado; em
nenhum momento houve algum ataque destrutivo à figura do pai.
CASO I Nessa altura, acrescentei mais um comentário, que ia no sentido de
estigmatizar a mãe e o bebê como "malcriados". O efeito foi um aumen-
Uma garotinha de pouco mais de 2 anos de idade me foi trazida em fun- to da atividadé. Fiz o comentário com o intuito de reforçar a sua parte
ção de ataques que vinha sofrendo havia um ano. Nesses ataques, ela fi- "boa" e porque aquílo era, por assim dizer, seu contraataque ao lado
cava completamente inconsciente. Após a ocorrência, ela entrava em es- "mau" (escuro) das imagens em questão.
tado de letargia e precisava ficar na cama por várias horas. Afora isso, a Sua mãe fez um interessante comentário nesse ponto: disseme que
criança agarravase à mãe praticamente o tempo todo e não~ conseguia sempre que encontravam algum carrinho de bebê, a filha não se confor-
fazer nada do que se espera que uma criança de 2 anos faça sozinha; não mava enquanto não fosse até lá para ver de perto a criancinha.
conseguia alimentarse nem·vestirse sem ajuda. Sua irmã mais velha _ Gradualmente, a garota passou a querer juntar os pedaços das figu-
que era bem mais robusta a maltratava constantemente. ras de argila, Ficava aborrecida quando as partes não colavam e recrutou
meu apoio em suas tentativas. A essa altura, tolerava que a mãe' ficasse
A administração de luminal conseguiu reduzir os ataques a mais ou
na sala de espera. Julguei que o principal processo em razão do qual a
menos um por semana, mas não houve alteração na regressão.
criança fora. t~azid já havia sido suficientemente resolvido e, por isso,
Na primeira entrevista, logo ficou claro quea·garotinha estava an-
aconselhei que suspendêssemos o luminal; não ocorreu mais, nenhum
siosa demais para deixara sala de espera sozinha. Por isso, pedi 'à mãe
ataque. Além disso, a mãe relatou um progressivo amadurecimento, de
que ~ acompanhasse à minha sala. Pouco foi possível fazer com ela; dei-
forma que a criança, de aparentemente retardada e apática, tomarase in-
xeia ficarao.ladoda mãe enquaritodiscutíamos o problema. Na sessão
dependente, viva e extremamente competente para a idade no trato de
seguinte, mãe e filha vieram juntas novamente, mas desta vez fiz a mãe
seus problemas, dando a impressão inclusive de precocidade. Algo que
sentarse numa cadeira colocada do lado de fora da sala. Com muita ti-
agradou particularmente àmãe foi o fato de a criança não mais permitir
midez, a criança acercouse; a porta para o recinto contíguo permaneceu
que a irmã a maltratasse e conseguir participar de jogos agradáveis com
aberta. Deilhe lápis de cor e uma folha de papel. A princípio, ela não fez
esta. Cinco anos depois, tive notícias da menina por meio da mãe. Seu
nada. Mas então um leve rabisco e, para minha surpresa, desenhou
desenvolvimento fora mais que satisfatório e sua vida escolar se iniciara
um círculo, olhou em minha direção e disse de modo bem claro: "eu"
com prazer e sucesso,
• A Psicoterapia Analítica • t 51
• A Psicoterapia Analíi:ica • t 55
ela, surge uma maior espontaneidade sob a forma do brincar. Isso se en-
caixa na teoria da deintegração, pois a espontaneidade do brincar Pode No brincar dessa criança, podese deduzir o processo de deintegra-
ser concebida como decorrente do processo de deintegração. Para mim ção por trás da desintegração. Com base nessa hipótese, o processo pa-
está claro que a consideração mais importante é a de que a intenção de tológico deriva de o ego ser quebrado em pedaços pelo se/fã medida que
separarse venha da própria criança. I este se deintegra e assim, em vez de uma progressão em que a consciên-
O passo seguinte da garotinha foi pedir que se fizesse um bebê, que
ela quebrou em pedaços; é o mesmo processo de desmembramento que
I cia aumente, resulta uma regressão. Essa regressão conduz a um nível no
qual se encontra um integrado anterior, baseado na unidade da criança.
ocorreu antes, mas num plano diferente. É irrelevante ao brincar da crian- r
Os ataques podem agora ser entendidos como a descarga da energia que
ça que os Í"Ítos de desmembramento sejam associados à fertilidade? Ou poderia ter sido aplicada numa progressiva deintegração.
podemos supor que essa criança tenha em si um conhecimento arquetí-
pico da relação entre' nascimento e morte? Mas éla destrói o bebê _ é o
I Na brincadeira, a criança elaborou o desastre sob uma forma dife-
rente e restabeleceu a posição do ego, expressa no crescimento de uma
passo seguinte na consciência, mais próximo dos mitos mais avançados I relação mais independente e positiva diante da mãe e na brincadeira coo-
de Átis e Osíris. Os mitos contêm muito mais consciência do que o brin- perativa com a irmã.
car e a fantasia infantis. Não havia uma criança mais nova na famllia, a r
garota era a caçula portanto, sabia que o bebê da família era ela _ e
agora estava expressando aquilo que lhe acontecera. Ao fazêlo, ganha I CASO 2:
um certo distanciamento, o bebê já não é ela mesma, mas outro bebê,
como os que via nos carrinhos. Mais uma vez, é necessário perceber a I [Nota: No rel;:lto seguinte, os comentários feitos após as entrevistas são
apresentados entre colchetes para distinguilos claramente dos trechos
natureza de todo o processo representado em sua brincadeira. Os vários
processos postulados quando a fantasia de uma mãe em desintegração descritivos.J
estavam no auge se aplicam quando se trata do bebê. i Aparentemente, Billy, de 6 anos e onze meses, foi encaminhado para tratamento de-
ela teria que ir verificar para assegurarse de que o bebê inteiro não ha- vido a dificuldades na relação com a mãe: exigialhe excessiva tolerância
via sido de fato destruído, para reviver a memória do bebê inteiro ou en- por ca\lsa de seu comportamento agressivo. AI~m disso, apresentava in-
tão para descobrir que ele havia sido reconstruído. continência fecal e dificuldades de aprendizagem na escola, que a mãe
provavelmente com razão atribuía a freqüentesml..!danças de pessoal.
(d) A reconstituição dos objetos Portanto, ela estava pensando em transferilo para uma escola melhor,
Quais as fontes do brincar construtivo iniciado pelá garotinha? A mãe lhe
teria mostrado que·os objetos quebrados devem ser consertados? Nesse I onde seu irmão mais velho se havia adaptado bem. ,
BilIy, além do mais, demonstrava comportamento patentemente in:
.
Como eu não abordei esse assunto, houve uma mudança no rumo da in- vaca do uma mudança de sentimentoJ Em seguida, ele pintou o símbo-
teração, que se afastou da fonte de sua ansiedade.] lo norte-americano. Aquele avião, disse ele, representava ele próprio.
Quase imediatamente houve uma mudança em sua atitude, e ele tUma reação e aperfeiçoamento de minha interpretação de que os aviões
começou a desenhar um avião voando no ar "Sou bom em desenhar representavam pessoas. ~l assimilou esse insight e o usou ele próprioJ
aviões", disse ele. Um facho de luz amarela saía da cauda para a frente. Nesse momento, fiz nqvas interpretações, dizendo que achava que ele
Ele comentou: "A luz é invenção do meu irmão". , devia estar zangado com a mãe naquele dia - queria fazer explosões den-
Durante tudo isso, eu estive fumando um cachimbo. De repente, tro dela (o rabisco vermelho) e voar para junto do pai bom, a quem ele
ele passou a demonstrar interesse pelo objeto, particularmente pela fu- havia começado a pensar (We eu poderia substituir. [Essa interpretação se
maça. Desenhou a fumaça que escapava da. cauda do avião na mesma vale da transferência positiva e pode ser pensada como uma forma de
cor que a fumaça do .cachimbo. evitar o espírito negativo em que ele es~va quando chegou. Entretanto,
Nesse momento, sugeri que o avião poderia estar indo para a Fran- não julguei desejável reverter o sentimento positivo a meu respeito que
ça e representar seu desejo de ver (o refletor sugeriu essa palavra) o pai. claramente se desenvolvia. Existe este perigo. em interpretar a hostilida-
Ele imediatamente respondeu: "Meu pai não vem aqui nem vai mandar de contra a mãe: ele poderia voltar para casa achando que eu era um alia-
dinheiro que dê para a gente ir para lá -por que ele não manda? Estou do contra ela, que se tornaria objeto de ainda mais ressentimento e rai-
guardando dinheiro - dinheiro francês, mas só consigo arranjar mais di- va do que se eu não o fizesse.
nheiro inglês". tMinha interpretação produziu uma comunicação mais O fato de a mãe haver estado em análise possibilitou esse procedi-
direta e pessoal. Há uma sugestão de que ela tenha modificado sua de- mento interpretativo, já que eu sabia que ela poderia lidar habilmente
fensividade no fornecimento de mais informações sobre a família. Absti- com a agressividade do filho. Se não fosse assim e se eu não estivesse cer-
ve-me de julgar o quanto havia de verdade no que ele disse.1· to da capaci_dade de avaliar realidades que tinha a mãe de Billy, bem co-
Então eu lhe disse que o avião representava as partes de uma pes- mo de sua transferência em relação a mim, eu teria sido mais cauteloso.1
soa, principalmente a fumaça - que tinha a mesma cor e cheiro do meu Minha intervenção liberou uma torrente de perguntas sobre minha
cachimbo - que saía .do tubo de escape, acrescentando que essa fumaça nacionalidade, então eu lhe disse que nascera em Londres [coisa que ele
expelida do fundo do. avião era como os cheiros que saíam dos "fundos" já sabia, mas que talvez ele quisesse que eu tivesse nascido em outro lu-
dele quando ele defecava. (Falei-lhe tudo isso empregando as palavras gar para parecer-me mais a seu paU
que ele usava com a mãe. Eu havia deixado bem claro para ele numa en- . Então ele usou tinta preta para preencher e quase que borrar a ter-
trevista anterior que a mãe havia me contado a respeito de sua encopre- ra, fazendo riscos a golpe sobre a caverna. Por conseguinte, eu lhe disse
se.) tEssa interpretação toca nos sentimentos transferenciais manifestados qUe i'l mãe o deixara zangado por causa da caverna de dentro da qual ele
pela criança, que se haviam torriado tão evidentes que teria sido um er- surgira e para a qual ela não deixaria que ele subisse (a escac:\a) e, assim,
ro não dizer,nada a respeito. A interpretação era incompleta: n~o me va- ele e~tav se sentindo péssimo em relação a ela. Ele fez uma marca na
li de seu interesse em meu corpo e seus. odores fecais (flatos). Aqui, mais cavem~ e rapidamente desenhou uma linha que saía dela, passava por ci-
uma vez,.. havia. demasiados significados possíveis: além de representar ma do avião e ia na mesma direção: "Eu vou para a França", disse ele.
pessoas inteiras, os aviões são, por caráter, fálico?eanais. Além disso, há [Há um aumento do saçlismo diretamente expresso, a sensação de estar
um elemento d.efensivo na brincadeira que é evidente no "vôo" para lon- péssimo constituindo prova da ansiedade que ele despertavaJ
ge do tema da agressividadeJ , Nesse momento, ele terminou o desenho com um terceiro avião,
Ele então começou a desenhar um segundo avião; este estav.a no que representava o irmão, e em seguida começou a chutar uma bola pe-
chão, e a fumaça que expelia era marrom e parecia muito mais com um la sala de modo agressivo e arrogante.
monte de fezes. [A interpretação incompleta havia, aparentemente, pro-
• A psicoterapia Analítica • 161
... , ................
pensava: além do prazer em ver-me, ele sentia tristeza; talvez, para vir, ti-
Estava perto do fim da sessão, então eu comecei a guardar os lápis vesse que deixar de fazer alguma outra coisa em casa e, além disso, fica-
de cor em seu estojo. [Uma boa maneira de finalizar a entrevista é come- ra decepcionado quando eu fora ao sanitário. Ele respondeu que o irmão
çar a guardar os brinquedos. Isso introduz o fim e dá à criança tempo de havia ido nadar, mas acrescentou que ele próprio estava resfriado e não
indicar como se sente diante do fatoJ Ele não havia brincado até o mo- era bom [nadar] para quem estava assim. [Essas observações foram cru-
mento com nenhum dos brinquedos, mas então pegou um carro branco ciais à condução que dei ao caso. Na entrevista anterior, houvera indício
e um caminhão e tentou prender um ao outro.' Em seguida, tirou uma de cisão de uma forma pré-ambivalente. Ele demonstrara uma tendência
das orelhas destacáveis de um elefante e, por isso, disse-lhe que ele esta- a idealizar-me, como também ao pai, e a tratar a mãe como má. No fim
va de novo zangado comigo porque eu estava terminando a sessão e que, da entrevista houvera indício de ambivalência - raiva por ir e desejo de
além disso, ele estava expressando seu desejo de ficar comigo. [Uma boa ficar, aliados à capacidade de separar-se sem ansiedade. Havia traumas
oportunidade de abordar ·sua ambivalente transferênciaJ muito precoces, provavelmente o mais importante dos quais era a per-
Ele acabou cooperando e guardando os brinquedos nó armário, per- turbação em sua relação com a mãe devido ao rompimento do pai com
guntando onde estava a chave e para que servia. Eu expliquei, e ele trancou a famma; o menos importante era' a fissura anal, graças à qual tivera de
a porta e foi embora, aparentemente satisfeito. [Esta entrevista mostra que ser hospitalizado. Mas a combinação nesse caso implica muita cisão no
o que lhe causava mais ansiedade eram as fantasias agressivas. Diante da de- ego e um ponto de fixação num nível pré-pessoal. Porém sua demons-
pressão que ele sentia quando estava em "A Arca", pode-se pressupor com tração de tristeza era uma indicação muito forte de que esses traumas não
certeza que a ausência da mãe era sentida como estando relacionada a ela.1 haviam impedido o desenvolvimento nem de representações pessoais do
self nem da capacidade de simbolizar. Além disso, indicava que seus sin-
Quarta entrevista: Billy e a mãe estavam sentados na sala de espera, que tomas poderiam dever-se a conversão histérica e que sua "depressão" po-
era um espaço aberto. Num dos lados estavam as portas para ás:salas de deria não ser uma verdadeira depressão, mas sim a aflição e o sofrimen-
consulta e os sanitários. Eu saí da minha sala, a que tinha acesso por um to de unia criança relativamente sadia que tivesse atingido a posição
corredor. Eu precisava passar diante dele para ir até o sanitário antes de depressiva.1 Ele então voltou à pintura e começou a fazer o céu. A mis-
atendê-lo. Assim que eu apareci, ele deu um pulo é·veio na minha dire- tura de cores o tomou escuro. Ele o olhou, limpou a tinta azul que havia
ção, já imaginando que eu o levaria comigo para minha sala. Eu o repe- na caixa e continuou a pintar. Fez' o céu azul, comentando que iria fazer
li, dizendo: "Não demoro um minuto", e ele voltou decepcionado para também um arco-íris. Também tomou as nuvens mais claras usando tin-
sua cadeira. Quando voltei, ele ainda estava disposto a acompanhar-me, ta branca. Enquanto fazia isso, disse que Deus havia feito o arco-íris que
mas o entusiasmo inicial se fora. Estava vestido com' um casaco verme- ele iria fazer, numa referência à história bíblica de Noé.
lho quetinha uns emblemas chineses. Comentei que parecia chinês,e·ele
respondeu que aquele era seu "casaco alegre", seu "casaco mágico". [Há [Os vários fatores que tomavam a história bíblica atraeflte para eles são
um nítido aumento na transferência positiva. Adisposição dos sanitários particularmente claros. Podem ser resumidos conforme se segue:
era infeliz, mas diante da encoprese da criança, pareceu-me relevante
considerar se eu não ·estava demonstrando uma contratransferência que I. O nome do lar infantil para o qual fora enviado era "A Arca".
requeria atenção. Por que não seria eu capaz de controlar minhas fezes?]
Ele começou.a pintar nuvens escuras, cinzentas, da cor da fumaça 2. A fúria destrutiva de DeJs correspondia à sua própria fúria diante da
de meu cachimbo, conforme havia comentado antes. A cor já havia apa- ausência da mãe e da maneira como o pai o "negligenciava" (Cf. tam-
recido, ligada a sua agressividade; ela sugeria também, já que ele havia bém, abaixo, sua fantasia transferencialonipotente de afogar-me)
olhado desconcertadamente para meu cachimbo, inveja e tristeza; o pai
fumava cigarro, respondera ele quando lhe perguntei. Eu lhe disse o que
• A psicoterapia Analítica • t 61.
........... " ...............
.................... ...................... ,............ , .............
I
procurou na caixa o lápis que havia usado na vez anterior. A princípio, o Sr. X e não o Dr. X. Não preciso de doutor, não estou doente. " E vol
pensou que não estivesse lá, mas, aliviado, encontrouo e usouo para fa-
zer as paredes verticais çia casa. Pintou janelas, porta e paredes de ama-
tou, pe~sativo,
para a mãe lA minha identificação com o pai é re;eitada.!
relo e verde.
i Quinta; entrevista: Quando voltou, dois dias depois, ele não estava bem e
Interpretei então que o negro eram os negros sentimentos que nu-
tria pela mãe e que a casa agora era alegre, depois,de sua raiva haverse
\ havi~o:tmnA mãeexplicouque não o levara de volta
• A Psicoterapia Analítica • t 65
t 64 • A CrianÇll como Indivíduo • ................ .
para casa porque havia pensado que poderia ser "doença de mentirinha". esquizóides, esquizofrênicas ou autistas, que tendem a fascinar, repelir ou
Eu o levei à minha sala; a pele dele estava fria e o pulso, fraco; então co- horrorizar aS pessoas que entram em contato com elas. Alan era uma des-
loqueio deitado no divã com uma manta por cima, peguei um copo de sas crianças.
leite, que ele disse que queria, e o pus a seu lado. [O vômito era, como Ele tinha 7 anos de idade quando o vi pela primeira vez. Seu rela-
depois demonstraram os fatos, provavelmente um sintoma de conversão. cionamento com as pessoas estava seriamente perturbado. Com efeito,
Mas, supondo que houvesse uma regressão, por caUsa de sua história até a mãe o julgava muito inacessível e ninguém conseguia chegar mui-
cial, seria justificável tratálo como se fosse um bebê. Além disso, havia to perto dele. .
Alguns anos antes, ele havia sido encaminhado a mim. Os paiS ha-
claras indicações de choquefísicoJ
Fiz interpretações de como ele vinha no carro, com raiva e maus viam sido aconselhados a mandálo a uma escola especial porque sua ca-
pacidade de se deixar educar parecia ser praticamente zero. Eles se recu-
sentimentos em relação a mim, que eram como comida estragada. Ele
saram a fazêlo e resolveram tentar curar Alan sozinhos. Ele melhorou um
começou logo a mexersé e a fazer movimentos regressivos, assumindo
pouco, e a família teve a sorte de encontrar uma escola com uma profes-
posição fetal, como se estivesse dentro da mãe, chupando o polegar etc.
sora especialmente tolerante mais detalhes a respeito em seguida.
Gradualmente a cor voltoulhe às faces e, antes dei término da entrevis-
Estava claro, desde a primeira vez em que Alan veio me ver com os
ta ele havia se recuperado, diiendo qúe era bom o leite estar ali, mesmo
pais, que ele estava consciente de sua doença e queria o tipo de ajuda
que ele não o quisesse [beber].
que imaginava que eu poderia darlhe. Na primeira entrevista, iniciouse
Durante essa entrevista, eu comentei que dessa vez ele queria que
eu fosse médico, pois. assim podia sentirse como um paciente, e que ele o trabalho analítico, que foi realizado até o fim.
Durante a análise, Alan desenvolveu um controle cada vez maior
realmente achava que queria tratamento para suas "tripas ruins" [uma re-
sobre suas fantasias e seus impulsos sexuais e destrutivos. Ficou mais afe-
ferência à sua incontinência fecal e ao enjôo.
tuoso com a mãe, mais tolerante e compreensivo com os dois irmãos me-
Essa entrevista mostra como a necessidade de carinho durante uma
nores e passou a aceitar melhor a necessária disciplina dos pais. As mu-
regressão pode ter precedência sobre as revelações interpretativas que,
danças exteriores correspondiam a mudanças dentro da transferência,
não obstante, foram usadas e forneceram' um complemento valioso à ca-
onde ele elaborou detidamente suas aterrorizantes fantasias e impulsos
rência que a criança demonstravaJ
onipotentes. O decréscimo da onipotência refletiase na forma de sua
brincadeira: o que inicialmente eram deuses e demônios transformouse
~,
em cowboys e índios.
CASO 3 Como ele demonstrava tanta melhora, achei que poderia conside-
Para a maioria das crianças, e BilIy era uma delas, o impacto de seus con- rar o fim da análise, já que os pais estavam cada vez mais seguros de que-
flitos está na família. Mas eles podem atingiL também a escola, e então rer e poder assumir a responsabilidade pelo filho. Antes de uma interrup-
tendem a atingir a sombra coletiva. Embora os professores possam pre- ção no período de férias, Alan regressou um tanto às fantasias mais
cisar e muito de ajuda, não é fácil fornecêIa porque eles não costu- violentas. Mas quando viajou, envioume um postal, sem sugestão dos
mam pediIa para si, mas geralmente para lidar com uma criança muito pais, dizendo que estava se divertindo muito e contando suas ativid_ades.
difícil. O caso seguinte ilustra como se pode chegar à colaboração duran- Quando voltou, eu lhe disse que achava, já que ele agora podia sentirse
te a análise e contribuir significativamente para o sucesso do resultéldo. feliz com a família quando eu não estava, que poderíamos pensar em pa-
O tipo de problemas sociais que surgem é mais evidenciado pelas rar com as entrevistas. Não houve resposta direta; em vez disso, ele co-
crianças mais anormais, principalmente aquelas que excitam·o incons- meçou um jogo que havia jogado antes das férias, no qual havia animais
ciente coletivo com a implacabilidade de seus afetos: São elas as crianças ameaçados por homens ou demônios que viravam fumaça. Os animais
t 66 • A Criança como Indivíduo • • A Psicoterapia Analítica • t 67
eram mortos misteriosamente de onze, passaram a quatro - e então Foi após o término da parte analítica de seu tratamento que ocor-
ele começou a _perguntar quanto tempo havia ainda. Interpretei sua an- reram os episódios mais significativos para o tema em questão. Eles de-
siedade diante do tempo como um desejo de se certificar de que eu con- penderam, mais uma vez, da recusa dos pais em tratar Alan como um ca-
trolaria os demônios se ele não o conseguisse. O jogo continuou: os ani- SO perdido. Para tanto, estes recorreram a padrões de
defesa maníaca, o
mais acabaram reduzidos a apenas um, mas este venceu os demônios pai mais que a mãe, de forma que seria difícil para Alan manter um de-
e
devolveu a vida aos animais mortos. Quand o isso aconteceu, Alan afir- senvolvimento maior do que aquele que eles haviam atingido em rela-
mou: "Então os poderes do bem venceram o mal". ção à patologia do pai. Parecia justificável esperar que Alan desse sinais
A brincadeira apresentava características regressivas 'se comparada de um padrão de defesa que fosse não apenas socialmente aceitável, mas
com seus conteú dos antes do intervalo das férias. Evidentemente, a também amplam ente aprovado.
re-
gressão havia sido precipitada pela minha abordagem da questão do fim Quand o a análise parou, eu afirmei categoricamente que Alan não
de nossas entrevistas. Isso era de esperar, devido à ansiedade provocada precisava ser tratado como um caso especial nem em casa nem na esco-
pelo final da análise. Na entrevista seguinte, a destruição foi bem menor la. Fói fácil para os pais implementar essa idéia muito bem, mas o resul-
e, quando eu lhe disse que não achava minha intervenção necessária tado foi especialmente eficaz devido a dois fatores. ',
a
seu controle dos sentimentos, ele pareceu satisfeito e orgulhoso de O primeiro é que a mãe de Alan havia pensado muito no filho e
si
mesmo. Então eu lhe disse que a próxima seria a última vez. tentado compreendê-lo de todas as maneiras. Refletindo sobre as lem-
Na última entrevista, ele estava mais amigável e aberto que antes e branças de sua própria infância e comparando-as ao compo rtamen to
de
havia ainda menos destruição. Essa entrevista terminou da seguinte ma- AJan, descobriu que sempre que achava o filho intolerável havia algo
re-
neira: quando eu anunciei o final, ele foi para trás de uma cadeira.
O lacionado a ela mesma.
olhar excitado que antes acompanhava a derrubada violenta da mobilia O segund o é que o marido, um homem inteligentíssimo, e o sogro
surgiu. Após uma luta interior, ele pulou em cima da mesa, e a entrevis eram, em muitos aspectos, como Alan. Ambos tendiam a isolar-se das
-
ta acabou quando eu o levei nos ombros até onde estava a mãe, com pessoas e a tomar decisões arbitrárias com relação à família. Ambos eram
quem ele desceu as escadas. O fim foi emocionante; havia pouco sinal temperamentais e sofriam de mau humor. O avô, inclusive, havia se
re-
de arrependimento, mas basicamente fúria e raiva, que ele controlou cupera do de um "colapso nervoso". O pai de Alan lamentava as própria
de s
uma forma que só posso descrever como heróicc:: foi uma saída triun, faltas, mas não era totalmente intolerante diante das que se manifesta-
fante, onipotente. O ponto a destacar é que antes, embora ele houves
se vam no filho.
regredido, havia controlado a regressão com o mínimo de ajuda e o triun- Essa combinação de características criou no lar um ambiente que não
fo também fora mínimo_ era tão normal e, ao mesmo tempo, era saudável o bastante para Alan
vi-
Nesse breve relato, tentei transmitir o porquê estava certo de que ver. Além disso, graças ao tratamento, houve uma mudança significativa
ele conseguiria adaptar-se bastante bem se tivesse a oportunidade. A cer- na forma de lidar com ele. Quand o se tentava forçá-lo a comportar-se bem
teza decorria não só do episódio final; mas também de numerosas oca- de um modo que estivesse acima de sua capacidade, ele dava sinais
de
siões anteriores, nas quais o seu self "bom" havia conseguido não tanto aflição que ambos os pais passaram a entender. Por conseguinte, sabiam
triunfar quanto resistir ao impacto dos impulsos destrutivos e seus equi- muito bem o que estava além da capacidade do filho. r
valentes na fantasia. Tinha havido sinais de preocupação. diante de sua Porém, os professores de Alan, representados pelo diretor, não gos-
destrutividade e alguns desejos de reparação, .embora não muito proemi taram de saber que o tratamento havia chegado ao fim. Eles não tinham
-
nentes. A partir de relatórios subseqüentes, ele aparen tement e tinha mais condições de apreciar a capacidade de adaptação que Alan havia atingi-
capacidade de sentir tristeza por ir emborél' do que havia demon strado do. Para saber por que, será necessário considerar como essa situação
abertamente. se
." . desenvolveu. Quand o Alan começ ou a freqüentar a escola, aos 5 anos,
t 68 • A Criança como Ind
ivíduo •
• A psicoterapia Analític
......................a • t 69
sentava-se no fundo da sal
a e parecia não prestar mu verbalizar muito as minhas.
tanto, a professora logo tev ita atenção. Entre- Quando, por exemplo, a
e uma feliz idéia: deulhe dade de Alan à disciplina suposta inacessibi\i-
da sala e ir para a bibliotec permissão para sair era muito discutida, podía
a durante as aulas. Alan suficientes na mente do dir mos incutir dúvidas
vros da biblioteca e, assim via e depois lia os li- etor pedindo ao pai de Al
, apreendeu muita inform nião e aí começando uma an que desse sua opi-
abordagem contribuiu pa ação aleatória. Essa discussão sobre as versões
ra o estabelecimento de rentes das reações de Alan. absolutamente dife-
entre AlaO. e essa professor uma relação singular Outra fonte de ansiedade
a, o que dificultou as co retardamento intelectual da girava em torno do
professores. Alan presum isas para os demais criança. Era possível menc
ia que era seu direito comp realizações de Alan que pro ionar determinadas
tros como se comportava ortarse com os ou- metiam, mas isso não basta \
com ela e, assim, veio a que ainda não conseguia va para o diretor, ,
}' !
gerida por suas intensas ansiedades. Ele não podia, por exemplo, entrar
na minha sala sem a mãe, que tinha de permanecer ao seu lado durante
, • f~· a entrevista.
Neste capítulo final, quero apresentare discutir um caso que ilustra al- Logo sua ,agressividade começou a revelarse e teve início um dra-
guns argumentos essenciais deste livro. Ele fornecerá, além disso, uma ma repetitivo, De, repente, yinhaIhe aos olhos um medo patético que o
Oportunidade para aprofundarmos a questão da formação simbólica, deixava paralisado diante de um objeto aparentemente inocente, como
uma característica relevante da pSicologia analítica, à qual demos até aqui se estivesse alucinado que é o que; de fato, creio que ele estava. Então
pOuca atenção.
, •
ele se aproximava furtivamente do objeto e entregavase maniacamente 1
à sua destruição.
John um garoto italiano de 5 anos de idade ao vir à clínica _ ha-
via começado a àpresentar estados de excitação violentá e muitas vezes I Para impedir que sua destrutividade fosse excessiva, eu tive de in-
tervir fisicamenJe, o que o lev,ou a dirigir a agressividade contra meu cor-
I
A mãe de }ohn, uma mulher carinnÇlsa, tendia a ser permissiva de- r na parte inferi,or do corpo no qual ele poderia entrar, e queria testáIa pa- I'
·'
mais no trato com ele oevido à culpa por haver criado um filho assim: O
I
ra saber se era verdadeira ou falsa. Essa idéia refletiase também em suas
pai, por °lltro lado, ressentiase, do comportamento do filho. e, sendo um brincadeiras e estava ligada à sua agressividade anal, que ele demonstra-
I
misto de sentimentalismo e grandiloqüência, não conseguia controlá"lo. va curvandose para a frente e fazendo gestos com as mãos que indica-
quando tentava; seus castigos na· maioria das vezes deixavam a criança vam que do ânus estavam saindo fezes. Ao mesmo tempo, dizia que es-
violentamente ressentida: Apesar desses problemas, o lar.era bom, pois
ambos os pais amavam o filho e queriam mantêIo em casa. Eles demons- I tava explodindo "bombas". Essas atividades eraw. elab9radas a cada
entrevista e variavam dentro de limites muito arhplàs.'Um do~ impulsos
traram ser dignos de confiança ao querer ajudar o filho trazendoo para mais freqüentes era o de morder várias partes de meu corpo; logo ficou
r evidente que meu órgão genital era·o alvo supremo de sua agressivida c
o tratamento, e a avaliação preliminar foi amplamente confirmada pelo
conhecimento que tinham da criança ... de oral. J.
r
Durante a primeira parte do tratamento, o comprtae~ de John
caracterizouse por uma dissociação absoluta, podendo ser subdividido
em três tópicos: agressividade, audição e fala.
[ Audição
Quando ele começou a fazer pinturas, eu notei que orelhas eram um de-
talhe importante. Ele sempr(ô! as desenhava da mesma forma, que será
melhor descrita .assim: elas ,pareciam os dois cotilédonesde uma muda;
• A Criança
17Z .......... " ..... .,
Como Indivtduo •
• A formação Simbólica • 171
......... " ........................................................... ., ...... , •••••• ,. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . " . . . . . . . . . . . . 0·0
s
água, pois a persistência de estruturas muito infantis em crianças maiore
cavava, retirando o material do interior e buscando encontrar ali um ob- se verifica especificamente nos estados clínicos em que a deinteg ração
jeto perigo so,em geral um animal, até que a superestrutura de areia POr
fim ruía. aparece como desintegração.
Na brincadeira de John está ausente um objeto - é o seio, cuja pre-
O desenho marcou um 'estágio claramente definido em seu desen- sença seria de esperar, a menos que ele tivesse alucinado sua destruição
volvimento e, a partir daí, inúmeras mudanças ocorreram em seu Com- pela boca violenta. Nesse caso, só quando sua capacidade de reparação
portamento. Ele começou a vir sozinho à minha sála; escutava o que era fosse descoberta, o objeto original seria atingido e representado. Só en-
dito e podia ser desviado COm mais facilidade dos objetivos destrutivos tão sua evolução poderia ser considerada estável. Como era de esperar
,
que pudesse terem mente. Além disso, pela primeira vez desenvolveu de fato houve posteriormente uma outra crise, a qual foi pressagiada 'por
jogos reconhecíveis como "fazer de conta": ele fazia, de conta que me as- sua fuga de casa. No tratamento de John, o sadismo oral se foi tomand
o
sustava e me punha para fora da sala ou então induzia-me a afirmar que cada vez mais ostensivo até que ele atacou e mordeu implacavelmente
a
estava com medo demais para deixá-lo entrar na sala e a fechar-lhe a por- roupa sobre meu peito. Nisso ele estava imagin ando - e não alucina ndo,
ta para tornar o jogo mais real; então eleirro mpia na sala e tomava pos- creio eu - um seio mau. Mais uma vez, a energia instintiva concreta pré-
o,
se dela, afirmando que eu era a "Bruxa-diabo" má e que devia, portant simbólica apareceu; seu objeto - o seio - era específico, e a elaboração
ser removido para o corredor pelo qual John havia entrado . Ele desco-
- da situação levou à consolidação das conquistas anteriores.
briu que eu e, ao mesmo tempo, a temível figura arquetípica, podeóa Para concluir este capítulo, a natureza simbólica da imagem precisa
mos ser influenciados ou até control ados por ele.
ser relacion~d ao modelo teórico, principalmente quando tanta impor-
Outro sinal de desenvolvimento revelou-se posteriormente. Ele tância se deu às imagens simbólicas por sua capacidade de expressar pro-
o
trouxe para a sala uma "bomba:' - um tubo de chumbo onde enfiara cessos sintéticos favorecedores de individuação.
r
bolo que a mãe lhe havia dado - e a jogou com ar de experimentado O conteú do arquetípico do desenho de lohn era evidente, e o no-
no chão, colocando as mãos sobre as orelhas "por causa da explosão".
me que ele lhe deu, "Bruxa-diabo", indicava sua natureza hermafrodita,
Evidentemente, queria que o ruído parasse de pertubá~lo dentro da' ca-
da qual havia mais indícios na.boca e noS chifres. Só por essa combin
a-
al-
beça; essa foi a primeira indicação direta de que o barulho significava ção, a figura expressava o processo de união característico do símbolo ,
guma coisa para ele. Em seguida, prosseguiu com seu experim ento da se-
que sem dúvida contribuía para manter unidos e transmutar parcialmen-
guinte maneira: começou a gritar e berrarl.ora:colocando as mãos sobre te os impulsos instintivos provenientes da vida anterior bem como da vi-
as orelhas; ora, não. Assim, descobriu a djferença entre os barulhos den- da atual da criança, contribuindo ao mesmo tempo para promover maior
tro de sua próp6a cabeça .e QS de fora, pois se as orelhas estiverem co- controle sobre eles, isto é, para o crescimento do ego.
bertas, os gritos e berros se tornam muito mais intedores. A definição de sfmbolo que lung propõe implica que ele não é em
Há muitas características interessantes no desenvolvimento de jOhn si representável, mas sim a entidade cujas manifestações podem ser vis-
que dependiam não apenas dele próprio, mas do cqmportarnento dos tas na união de elementos psíquicos. O símbolo, nesse sentido bastant
e
pais, da professora e meu, que era facilitador das mucranças. No presen- específico, está essencialmente relacionado ao self Desse ponto de vista,
te contexto, porém, é o desenvolvimento da representação simbólica, o episódio na escola e o conteú do relevante da análise de John podem
juntamente com seu maior controle e integração de afetos, bem como ser incluídos em qualquer explicação dos conteúdos do símbolo. lá que
sua capacidade de express<;lr gratidão e interesse de maneira simples e di- o self está por trás do desenvolvimento do ego na primeira infância e
na
reta, o que possui mais interesse. É a partir de:matri~1 desse tipo, rela- , seu desenv olvime nto d.evete r si-
infância e já que o ego de John cresceu
cionado a uma situação coletiva primor dial, que as idéias deste capítulo ida não apenas
do a conseqüência da' atividade sintética do self, promov
foram desenvolvidas .. Nada mais e~právl que a criança demoostrasse
pelo própriO lohn, mas também pelas condições,especiais.que lhe foram
características psicóticas; como'a outra .cujas idéias giravam em torno da
• A Formação Simbólica • 177
..................... , ........................................ "" .................. ", ........... " ........ , ........................... " ....... .
propiciadas no tratamento e na tolerância perceptiva da professora.
Conforme se poderá lembrar, John me havia atacado Com violên- cínações a partes de meu corpo de tal maneira que eu me sentia obriga-
cia muitas vezes antes da ocasião em que estreou seu ataque autorefrea- do a frustrálo.
do à professora. Nada do que aconteceu comigo fora tão transformador Devese presumir que, a princípio, a imagem' alucinatória tenha si-
quanto os eventos que transcorreram na escola;,sua terapia de fato se ha- do projetada de vez em quando no corpo da professora e isso o tenha
via caracterizado apenas por mudanças graduais. Por conseguinte, vale a amedrontado demais para permitir uma explosão de raiva com ela. Mas
pena comparar as ,duas experiências.
meu trabalho terapêutico diminuiu gradualmente o medo que ele sentia,
e veio um momento em que pôde testar a eficácia de sua defesa agres-
/. Na escola, a raiva era inibida espontaneamente pela criança antes que siva contra a imagem amedrontadora.
qualquer con~ cOrporal fosse estabelecido. O mesmo não ocorria Outro fator que contribuiu para a mudança foi o sexo e a atitude
comigo; eu tinÍla de recorrer ao controle físico. passiva da professora, possibilitando à criança separarse pela primeira vez
da imagem aterrorizante alucinada. Isso ocorreu não só por causa das di-
2. O objeto do seu ataque era uma mulher, ao passo que eu sou um ho- ferenças sexuais, mas também porque John foi capaz de comparar o con-
mem e isso deve ter sido importante, embora seu comportamento às teúdo alucinatório da imagem à realidade, processo que havia iniciado na
vezes desse mostras de que ele nem sempre distinguia claramente o análise e a que pôde dar continuidade na escola devido à união das di-
sexo masculino do feminino.
ferenças sexuais na imagem.
O próximo passo foi objetivar a figura atemorizante desenhandoa,
3. O desenho fazia parte do currículo da escola. Na análise, ele era per- e nisso o seu ego foi colocado numa relação mais próxima sem precisar
mitido e havia disponibilidade de material para a sua execução, mas identificarse defensivamente com ela. A natureza da figura, que ele tam-
John não o utilizava muito nessa época. bém usava magiça'mente, evitando assim o perigo que meu corpo havia
representado antes, é bastante interessante, porém mais ainda é o fato de
Essas considerações mostram que a principal semelhança está na que ele a tenha construído. Isso demonstrou o quanto seu ego havia ga-
agressividade da criança e na atitude nãoagressiva do adulto. Já que ele nho em força e poderia agora não só controlar suas emoções, como tam-
fora violento primeiro comigo e depois com a professora, pode ser que bém permitir a expressão dos processos de reparação já descritos em seu
a falta de retaliação violenta de minha parte, ao contrário do que o pai segundo desenho, feito no verso do primeiro.
fazia com ele em casa, fosse um requisito preliminar nece?sário à sua ex- Foi a mudança de atitude do ego o mais instrumental na transfor-
plosão Com a professora na escola e que ele não a tenha agredido fisica- mação da alucinação e da violência físicar em atividade imaginativa, um
àmente
mãe. porque essa violência estivesse para ele mais associada ao pai que sinal de que os fragmentos préconscientes do ego, provenientes dos
deintegrados do se/f, haviam se tornado mais intimamente relacionados
O fato de a professora, como eu, haver controlado muitas vezes suas e parcialmente incorporados ao núcleo de seu ego. Outra confirmação
atividades, embora, ao contrário de mim, ela não tivesse sido atacada, tal- dessa hipótese está na maior capacidade de distinção consciente entre o
vez pudesse ser explicado em termos de fatores pessoais. Em apoio a is- que é interior e o que é exterior a si e a maior diferenciação do mundo
so, vem a observação de que a violência de JOhn era muito mais difícil de ' interior. Essa diferenciação se evidencia no fato de que antes do desenho
controlar na análise quando o pai o surrava antes.
John apenas sabia que tinha "bombas" dentro de si; depois ele viu que lá
Como já foi dito/em seus acessos de fúria durante a análise,a crian- havia não só os ruídos feitos pelas bombas, mas também os gritos e ber-
ça se tornava quase ou, como acredito, inteiramente alucinada. En, ros que ele poderia guardar dentro de si ou liberar no mundo exterior.
tão, em decorrência de minha intervenção restritiva, ele àssociava as alUe Caso fosse necessário, outra prova do crescimento do ego estaria na
maior gama de atividades lúdicas e na compreensão do "fazer de contal/.
t 78 • A Criança como Indivíduo •
Dessas, indicações, p.Ode-se inferir a passagem p.Or quatr.O estági.Os Ap ênd ice
que se s.Obrepõem na c.Onsciência, t.Od.Os relaci.Onad.Os à mesma imagem.
Primeir.O: alucinações estreitamente vinculadas às relações .Objetais instin-
tuais físicas, que devem ser classificadas c.Om.O pré-simbólicas. Segund.O: só I'
nh.O para que .Os recurs.OS pudessem ser utilizad.Os e, assim, surtir efeit.O. das para a regiã.O central da Inglaterra. Iss.O c.Onstituiu para mim uma ex-
periência vali.Osa, que aument.Ou minha c.Ompreensã.O d.O self na infância
e da ansiedade depressiva c.Om.O um pass.O n.O caminh.O da individuaçã.O.
O esquema de evacuaçã.O de guerra d.O G.Ovem.O Britânic.O era V.O-J
luntári.O e, e'mb.Ora a mai.Oria das crianças fizesse us.O das instalações' dis
p.Oníveis, um número raz.Oável permaneceu nas cidades b.Ombardeadas:
vivend.O a.O lad.O d.Os pais a experiência d.Os ataques em série. C.Om.O a gra":
vidade d.Os b.Ombardei.Os variava, a p.Opulaçã.O ia e vinha. Algumas crian-
ças v.Oltavam para casa n.Os perí.Od.Os em que nã.O havia b.Ombardei.Os e
v.Oltavam dep.Ois, quand.O .Os ataques eram ret.Omad.Os. Desse m.Od.O, a f.Or-
ça e a fraqueza d.Os laç.Os familiares muitas vezes se revelavam.
, Havia inúmeras provas da afliçã.O das crianças diante da rem.Oçã.O d.O
lar, muitas delas m.Ostrand.O indíci.Os diret.Os e indiret.Os de ansiedade acer-
ca d.O destin.O d.Os pais durante .Os b.Ombardei.Os. C.Ontud.O, de f.Orma ge-
rai elas sup.Ortavam a tensã.O e c.Onseguiam adaptar-se suficientemente
',11.
bem, apesar de desC.Onhecerm.Os quais .Os efeit.Os mais rem.Ot.Os. Sem dú-
vida,. a, V.Olta a.O lar apresent.Ou dificuldades, mas estas f.Oram aparente-
iJ: .
mente superadas c.Om surpreendente sucess.O. "
t
cípio, não se definiu nenhuma medida especial para ,as crianças proble-
discutir mais detalhadamente eram encaminhadas a uma clínica, mas ne-
máticas, mas logo ficou claro que um bom número delas não se adapta-
nhuma era analisada.
va a nenhum alojamento a que se pudesse enviáIas. Portanto, criaram-
As crianças só iam à clínica se estivessem dispostas e se a equipe do
se albergues especiais para aquelas crianças que não conseguiam darse
bem em nenhum dos alojamentos. albergue concordasse. Inicialmente não havia essa regra e eu fiz várias en-
trevistas improdutivas devido à tendência que aquelas crianças tinham de
1'.;. Em algumas áreas, d~signou-e um psiquiatra para consultoria, que
desenvolver (mais facilmente que as crianças que vivem em lares de ver-
deveria aconselhar quanto ao encaminhamento a determinados aloja-
dade) uma atitude de perseguição diante dos funcionários ou médicos de
mentos e supervisionar as equipes dos albergues. A minha função era
fora de seu círculo mais imediato. Porém, quando a criança percebia a ra-
exatamente essa. O trabalho revelouse interessante e produtivo; além zão da visita e via pesspalmente como eu era, a .atitude de perseguição
disso, a experiência corroborou em diversos aspectos a tese contida nes- era mais facilmente .contornada.
te livro. Por isso, julguei que valia a pena acrescentar as breves reflexões A discussão sóbre as crianças com a equipe do albergue tinha três
a respeito dela que virão ~m seguida.
funções. Em primeiro lugar, ela revelava quando a criança havia ultrapas-
É fácil deduzir que a evacuação colocava diante de nós muitas crian- sado o limite de tolerância do pessoal tais crianças eram então removi-
ças desacompanhadas. Como não poderíamos contar com. o valioso au- das para outro albergue. Em segundo lugar, ela mantinha vivo o interes-
xílio dos pais, os problemas destes teriam de ser desconsiderados no tra- se da equipe por cada uma das crianças e, finalmente, prestavase à
tamento, exceto no que deles transparecesse por meio dos filho~. Porém, definição de novos meios para administrar o grupo.
segundo o que sabíamos, a maior parte das crianças que sofriam de algu- Como analista junguiano, eu estava particularmente interessado em
ma espécie de anormalidade vinha de lares em que dificilmente se pode- ver se era possível fornecer um ambiente ao qual a criança pudesse não
ria imaginar a possibilidade de uma crianÇÇl sobreviver emocionalmente. apenas adaptarse, mas recuperar a estabilidade destruída por sua expe-
Além disso, Um bom número era de filhos ilegítimos ou órfãos cuíos.Pi3is riência pregressa. Esta era de três tipos: primeiro, o trauma da evacuação;
haviam morri do quando eram muito pequenosrporconseguinte, sua segundo, o trauma de alojamentos sucessivos em inúmeras ocasiões; fi-
fância havia sido desbaratada a um, ponto além. de qualquer possibilida- nalmente, a experiência de sua vida familiar, que era em quase todos os
de de reparação., '.', . casos extremamente inadequada.
Isso não quer dizer que a importância dos pais fosse desconsidera. Mas que tipo de ambiente poderia ser fornecido? Na época em que
da; pelo contrário,empreenderam_se todos os esforços' para que eles vi.- eu fui nomeado, a maioria dos albergues já estava estabelecida e eu de-
sitassem os filhos. Se .eles não tivessem dinheiro para isso, o Governo o parei com o problema de situar as crianças com o tipo de pessoal ade-
fomecia. A equipe do albergue era orientada a permitir e até incentivar quado dentro das possibilidades. (Com uma exceção, os membros das
a permanência dos pais nas instalações. Faziase de tudo, por intermédio equipes não tinham treinamento na convivência com crianças difíceis,)
dos serviços de assistência sOcial,parapersuadir os pais a escrever regu: Qualquer que fosse seu conhecimento, havia sido acumulado de manei-
larmente e, quando o contato era interrompido, buscavase sempre que ra pouco. sistemática no curso de seu trabalho.
possível restabelecêlo. A equipe constituía o principal fator no meio em que a criança se
Adotei em meu trabalho o método de visitar.alguns albergues regu- inseria; portanto, o ambiente em geral não era especializado. Essa apa-
larmente e, sempre que podia, pernoitava para poder sentir mais de'per- rente desvantagem mostrou mais claramente do que teria sido possível
to a vida íntima do albergue. Eu brincava e conversava Com as crianças e em outras circunstâncias como a personalidade de cada membro cons-
comparava as anotações de cada uma com a equipe. Algumas crianças tituía a consideração primordial. E, como eles vieram a aprender algo de
que apresentavam determinadas dificuldades qUe. o pessoal gostaria de psicologia, era mais que evidente que não se poderia empregar método
algum sem levar esse fator em consideração.
• Apêndice • 183
albergue livre. O que aconteceu? Suas explosões de violência foram to- Q..uando 8 chegou ao albergue porque seu lar em londres não con-
seguia tolerálo, era um garoto de 6 anosexti'emamente vivo muito ati li
J
181 • A CridnçP como Indivíduo'
.. ,.............................. , ..... , ...... " ....... , ...... , ........................... " ................. " ................... ,........ .......................................................................................... ~ .. ~i'.e 183
Um dos principais problemas era a disciplina, sobre o qual logo se leradas o máximo possível nas circunstâncias e muitas crises foram supe-
evidenciaram diferentes pontos de vista. Nos albergues em .que havia radas. Ele desenvolveu um excelente senso de responsabilidade, tornan-
mais disciplina, havia menos problemas ostensivos com as crianças: Algu- dose um trunfo do albergue ,em diversos aspectos. Por exemplo, enca-
mas delas sem dúvida precisavam do que se costuma:chamar de "mão beçou um "comitê de danos"; que anotava todos os estragos feitos ao
firme" para que se pudessem manter. a distância seus conflitos interiores, albergue e tentava reparálos. Porém, à medida que crescia, tornavase
Por outro lado, embora essas 'crianças atingissem um estado de estabili- mais difícil contrlá~ ele não apenas causava danos materiais, mas
dade, seu relàcionamento com os adultos e seu desenvolvimento como aterrorizava os outros· garotos do grupo. Quando a destrutividade cres-
um todo eram menos satisfatqrios que nos assim chamados "albergues li+ ceu, a culpà veio cada vez mais à tona até ele dizer ·que acreditava que
vres", nos quais a disciplina e o castigo eram reduzidos ao mínimo neces_ era maldito e que, sem dúvida, iria para o inferno.
sário e fenômenos como a destrutividade, o absenteísmo escolar, o ,furto Nesse momento foi necessário removêIo, já que a vida de todo o
eos atos sexuais eram vistos como sintomas e tratados como tais. albergue estava em jogo. Ele foi levado para um grande albergue admi-
Era muito mais difícil administrar um albergue sem punição. A enor- nistrado por um exsuboficial da marinha que tinha um dom todo espe-
me energia das crianças exigia muito mais recursos da equipe para.cana; cial para lidar com os garotos de modo gentil porém firme. A tornouse
lizáIa de modo a evitar em sua esteira um desastre. ' \ bemcomportado, abandonou as explosões de violência, deuse muito
Logo ficou claro que determinadas crianças que não toleravam a bem organizando jogos e "aquietouse". A rotina ea justa disciplina do
"mão firme" nem a disciplina precisavam de liberdade. Mas também fi- albergue ajudaramno a organizar a vida oabase que havia iniciado no
cou claro que algumas crianças não poderiam ser tratadas com um sim- albergue livre, mas que não conseguira manter lá.
ples relaxamento da disciplina. Para ilustrar essa questão, considerese o Um caso assim revela quão ilusório é o critério do comportamento
exemplo de um garoto que não deu certo num albergue livre, cuja equi- no julgamento da normalidade ou anormalidade de uma criança, preci-
pe sem dúvida era extremamente hábil em manter a vitalidade dascrian- se ela ou não de ajuda psicológica. Era impossível lidar com seu proble-
I'
ças dentro de limites. ma até o fim e, assim, restabelecer a coerência de sua psique num regi-
Esse garoto,' A, de 12 anos, se havia tornado líder de um grupo que me de liberdade. Quando as forças repressivas se relaxaram, o problema
quase havia posto para fora a equipe de um dos albergues. 'Àsuperviso" veio à luz inteiro, de uma maneira que o tornou um problema social crí-
ra, que até então havia conseguido lidar com, as crianças, só restará, a rai- tico. Em decorrência da mudança de ambiente, o garoto pôde encobrir
va ea impotência, pois sua disciplina não surtiu efeito algum.contra as seu problema de forma a parecer que ele havia sido resolvido, mas esse
atividades extremamente antisociais do grupo. Esse garoto era forte, ro- processo rudimentar não tem nada que ver com sua reabilitação num
busto e saudável, mas na verdade estava aterrorizado com as conseqüên- sentido mais profundo.
cias de sua. capacidade de violência. No passado, ele havia tido febre reu- Porém, de modo geral; restava pouca dúvida de que os albergues li-
mática, ido à clínica de convalescença e ainda tinha medo de que <> vres tinham os melhores resultados. 'As crianças saíram de lá com a lem-
coração parasse porque era "mau" e doente e pudesse acabar causando brança de um tempo feliz que dificilmente esquecerão e quase todas real-
sua morte. Em outras palavras/ele tinha uma grande sensação de culpa mente se desenvolveram Os outros albergues tiveram um papel útil no
pelo comportamento, que era reprimida e reaparecia sob a forma. de an- atendimento às crianças que não poderiam suportara liberdade ou não
siedades hipocondríacas. precisavam dela. '.
O problema que se apresentava poderia ser assim descrito: a culpa Para fins de comparação com A, tomemos o exemplo de uma crian-
daquela criança poderia ser trazida à consciência e,então modificada pa- ça qúe pôde desenvolverse imensamente num albergue livre. "
ra restabelecer sua coerência psíquica? Uma longa tentativa, foi feita num . Q.üando B chegou ao albergue porque seu lar em Londres não con-
albergue livre. O que aconteceu? Suas explosões de violência foram to- seguia tolerálo, era um garoto de 6 anosexttemamente vivo muito ati P, I
184 • A Criança COmo Indivíduo •
..... , ..... ,."" ....... , ....................... " .......... , .........................
........... , .......... , ..... , ... " t 8S
.... , .......... • Apêndice •
lecer uma relação muito boa com a supervisora, queestavá sempre pron- /:'_.;-~
ta a entender e' aplicar com grande habilidade as idéias da ·psicologia. O ~/-
~_./
garoto tinha 5 anos de idade ·quando sua análise começou. Ele já estava .....~ ..........
em análise havia um ano, com duas visitas semanais, quando chegou ao
'\
albergue, de forma que se sabia muita coisa a seu respeito. Uma das ca- L;
racterísticas mais marcantes era o medo 'das conseqüências de seus sen-
timentos violentos, que o dominavam completamente durante as entr~
vistas analíticas. Entretanto, ele não ousava darlhes vazão em outra parte.
C estava abrigado no albergue havia cinco meses e, nesse tempo, não re"
cebera mais nenhum tratamento.Conseguira socialmente algumdesen-
volvimento, mas regredita ~m outros aspeCtos. Então eu o aceitei para
dar continuidade à sua análise. \
A princípio; parecia ter havido uma considerável'mudança; ele es-
tava mais amigável e cooperativo, 'mas isso eraapenas superficial. Certa- \
mente, era uma mudançà,para melhor,' mas não tocava nos conflitos fun-
damentais, que logo vierani'àtona no mesmo 'estado que antes. \
Notas
CAPÍTULO J: ANTECEDENTES
Uma boa introdução à obra de Jung está em Fordham, F., 1966.
O ego e os arqllétipos
Fordham, M. "Biological theory and the concept of archetypes".ln: Ford-
ham, M., 1957. Hobson, 196) .lung, OC VII; "O conceito de inconscien-
te coletivo". In: OC IX, parté I; além disso, há outros ensaios relevantes
nesse volume.
Método
Fordham, M. "Problems of active imagination". In: Fordham, M., 1958.
Jung, "A função transcendente". In: OC VIII; "A técnica da diferenciação
entre o eu e as figuras do inconsciente". In: OC VIII2; "Introdução" a OC
XII; "A aplicação prática da análise dos sonhos". In: OC XVI.
CAPÍTULO 2: BRINCAR the self and theego in childhood", ambos em Fordham, M., 1957; 1963,
Gardner, 1937. Greenacre, 1959. Klein, 1955. Lewis, 1962.I "Por que 1965; 1966.
as
crianças brincam". In: Winnicott, 1982.
Recanstituiçãa
CAPÍTULO 3: SONHOS Fordham, F., 1964. Fordham, M., 1965b. Rubinfine, 1967.
CAPÍTULO 6: O AMADURECIMENTO
CAPÍTULO 4: DESENHOS Vida intra-uteriria e nasdmenta
Greenacre, 1945. Spitz, 1993. Vemey e KeIly, 1982.
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