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Sustentabilidade, Sobre o Quê Estamos Falando?
Sustentabilidade, Sobre o Quê Estamos Falando?
Sustentabilidade, Sobre o Quê Estamos Falando?
Abstract
In Portuguese, different things are contemplated in the concept of sustainable development. The discussion about development raised
critical questions about its impossibility, given the inherent structure of capitalism and the inequalities that sustain it. With the
sustainable qualifier, which should be the solution to problems caused by the search for development at any cost, becomes an immense
contradiction. Advertising, governments, companies appropriate this term with the intention of disseminating a public image of actors
committed to such development. However, often, their spokespersons speak, for example, in sustainable exploration of nature,
something expressly impossible. If there is exploitation, it cannot be sustainable. These actors are aware of this. Writing an article to
clarify the subject is timely. And I think, mainly, of students, researchers, social actors who are truly unaware of the nuances and
criticisms existing in the current debate. Who find themselves confused, as one day I was when I started studying on the subject. After
bibliographical research, I gathered six models of sustainable development based on economic-theoretical-instrumental-technological
rationality, neoliberal environmental economy and development geopolitics, critically analysing them: rhetorical sustainability; to the
previous one, another model with the addition of cultural and neuroplastic 'improvements'; the neocapitalist; of natural capitalism; the
green economy; and ecosocialism. All of them are contradictory, though quite widespread. In opposition, under the so-called
environmental rationality, I compiled the contributions of six cosmologies and two models of sustainability, long practiced, although
they are not contemplated from this perspective: Zen Buddhism; Taoism; Confucianism; African philosophies (highlight for ontological
category of ubuntu); Sufism; the philosophies of well-being; bioeconomy and ecodevelopment; and the solidarity economy. Following
Enrique Leff, I use only the noun sustainability to differentiate it from sustainable development, evidencing the commitment to other
values that are not contemplated by the economic concept. And breaking through, whenever possible, with the negative connotations
that the name development brings with it. In the end, I believe I have elucidated and demystified what such sustainability is.
Keywords: sustainability; sustainable development; economic and instrumental rationality; environmental rationality.
Resumen
En portugués, se contemplan cosas diferentes en el concepto de desarrollo sostenible. La discusión sobre el desarrollo, en sí mismo, ha
planteado durante mucho tiempo críticas sobre su imposibilidad, dada la estructura inherente del capitalismo y las desigualdades que
lo sustentan. Con el calificativo sostenible, que debe ser la solución a los problemas causados por la búsqueda del desarrollo a toda
costa, se convierte en una inmensa contradicción. Publicidad, gobiernos, empresas se apropian de este término con la intención de
difundir una imagen pública de actores comprometidos con dicho desarrollo. Sin embargo, a menudo, sus portavoces hablan, por
ejemplo, de la exploración sostenible de la naturaleza, algo expresamente imposible. Si hay explotación, no puede ser sostenible. Estos
¹ Mestra em Desenvolvimento regional sustentável (Universidade Federal do Ceará), especialista em Administração financeira e
bacharela em Ciências Econômicas (Universidade Regional do Cariri). Pesquisadora do Observatório das Migrações no Estado do Ceará
(OMEC-URCA) e do Laboratório de Estudos Urbanos, Sustentabilidade e Políticas Públicas (LAURBS-UFCA).
investigadores, actores sociales que realmente desconocen los matices y las críticas existentes en el debate actual. Que se encuentran
confundidos, como un día lo estaba yo cuando empecé a estudiar sobre el tema. Después de la investigación bibliográfica, reuní seis
modelos de desarrollo sostenible basados en la racionalidad económico-teórico-instrumental-tecnológica, la economía ambiental
neoliberal y la geopolítica del desarrollo, analizándolos críticamente: sostenibilidad retórica; al anterior, otro modelo con la adición de
'mejoras' culturales y neuroplásticas; el neocapitalista; del capitalismo natural; la economía verde; y el eco socialismo. Todas ellas son
contradictorias, aunque bastante extendidas. En oposición, bajo la llamada racionalidad ambiental, compilé las contribuciones de seis
cosmologías y dos modelos de sostenibilidad, largamente practicados, aunque no se contemplan desde esta perspectiva: budismo zen;
taoísmo; confucianismo; Filosofías africanas (atención para la categoría ontológica de ubuntu); Sufismo; las filosofías del buen vivir;
bioeconomía y ecodesarrollo; y la economía solidaria. Siguiendo a Enrique Leff, utilizo sólo el sustantivo sostenibilidad para
diferenciarla del desarrollo sostenible, evidenciando el compromiso con otros valores que no están contemplados por el concepto
económico. Y abriendo paso, siempre que sea posible, con las connotaciones negativas que trae consigo el desarrollo del nombre. Al
final, creo que he dilucidado y desmitificado lo que es esa sostenibilidad.
Palabras clave: sostenibilidad; el desarrollo sostenible; racionalidad económica e instrumental; racionalidad ambiental.
NOTAS INTRODUTÓRIAS
Atualmente, um grupo de palavras aparece nos discursos oficiais de governos, nas
campanhas publicitárias de empresas, nas conversas de rua, nos livros e congressos científicos e na
mídia, tratados indiscriminadamente, sem qualquer criticismo. Sustentabilidade é um destes
vocábulos ambíguos. Para os ‘negacionistas’, é coisa de ambientalista, que abraça árvore e se preocupa
apenas com a natureza, ignorando as condições de vida humana e a economia. Houve um tempo, já
longínquo, em que eu, embora compreendendo sua importância e jamais tendo sido negacionista,
nutria certo desdém sobre o assunto. Isto porque tive, primeiramente, contato com o conceito de
desenvolvimento sustentável economicista, para o qual, há necessidade de as gerações atuais
preservarem recursos para as futuras gerações.
Como eu não acreditava na empatia humana, indagava por qual motivo quem vive agora
sem se importar com o meio ambiente, já sofrendo consequências de catástrofes não tão naturais
assim, se importaria com o futuro, quando sequer estariam vivas para sentir os danos? Foi, apenas, ao
ser educada dentro de paradigma não positivista durante a pós-graduação, que vislumbrei os ‘outros
modos’ de perceber, de fazer ciências, de compreender a importância mental e prática de outros
saberes não científicos para a vida. Nos termos de Boaventura de Sousa Santos (2010), quando entendi
como e por que o pensamento moderno é abissal em sua capacidade de produzir inexistências e
Sustentabilidade: sobre o quê estamos falando?
RACIONALIDADE ECONÔMICA–TEÓRICA–INSTRUMENTAL–TECNOLÓGICA E
SEUS MODELOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Esta racionalidade é demasiado estreita, admitindo ser racional uma ação objetivamente
adequada, referente aos meios (instrumentos, tecnologias) escolhidos, para atingir determinados fins
(estratégias), orientados por razões econômicas. Nesta forma de pensar e agir, importa o controle e
domínio da natureza, de seres humanos e adquirir e manter poder sobre todas as formas de vida e
conhecimentos, modos de vida, economias, direitos, hábitos e crenças que se opõem aos seus fins.
Emergiu a partir da era Moderna, juntamente com o capitalismo e a ciência ocidental; com a crença
ilimitada no progresso técnico, se mantendo até os dias atuais (BOUDON et al., 1990; LOPES e MACEDO,
2011; SANTOS, 2010; SACHS, 2009).
É a causadora da crise ambiental contemporânea e dos problemas sociais a ela conexos.
Abrange diversos conceitos e modelos inscritos no discurso do chamado desenvolvimento
sustentável/desarrollo sostenible, emanada da economia ambiental neoliberal. Dominante nos
discursos da globalização econômico-ecológica presente em relatórios como o Nosso futuro comum,
nos acordos da Rio-92, na Agenda 21 e na geopolítica do desenvolvimento.
Esta economia ambiental questionável pode ser ilustrada pela figura 1, que mostra a
relação entre crescimento econômico e meio ambiente, a partir do fluxo circular das atividades entre
produtores e consumidores. Os ingressos nos fluxos são iguais às saídas e seguem uma lei química de
conservação da matéria, a qual não pode ser criada nem destruída. Para manter o fluxo em equilíbrio,
tudo o mais mantido constante, é preciso reduzir as quantidades ou de matéria-prima e energia
consumidas, ou de produtos produzidos (hipóteses que levariam aos limites do crescimento), ou das
descargas de produtores e de consumidores no meio ambiente (prevenção da poluição ou redução das
fontes poluidoras), ou amentando a quantidade de resíduos reciclados (MORAES, 2009).
FIGURA 1- ECONOMIA, FLUXO CIRCULAR E MEIO AMBIENTE
Sustentabilidade: sobre o quê estamos falando?
outra. O cálculo da diferencial parcial da função em relação a cada variável mostrará a produtividade
marginal de cada recurso. Em termos da teoria econômica neoclássica, (A, N) indica a taxa que a
produção aumentará devido elevações dos recursos artificiais, mantendo os naturais fixos.
Igualmente, (A, N) mostra o quanto a produção aumentará se mais recursos naturais forem
utilizados, enquanto os artificiais são mantidos constantes (MORAES, 2009).
Uma função de produção bastante usada na análise econômica é a de Cobb-Douglas: Q =
kAα N1 – α, com k sendo uma constante positiva medindo a produtividade da variável em questão e α
função igual ou não a 1 – α, diz-se que esta função é homogênea de grau (α + β ). Tal afirmação fica
perceptível quando, trocando A e N por dA e dN, o resultado da função de produção mudará para
k(dA)α (dN)β = dα + β (kAα Nβ) = dα+β Q. Isto é, Q é função homogênea de grau (α+β ) (CHIANG e
WAINWRIGHT, 2006). Se (α+β ) = 1, haverá retornos constantes de escala. Se (α+β ) > 1, a empresa terá
rendimentos crescentes. Se (α+β ) < 1, os retornos serão decrescentes (PINDYCK e RUBINFELD, 2002).
O expoente de cada variável indica a participação relativa deste insumo no produto total.
Pode-se, também, interpretá-lo como a elasticidade parcial do produto em relação ao insumo em
questão. Isto porque a participação dos recursos naturais equivale a expressão ≡εQA e,
analogamente, a expressão de participação de N é εQN (CHIANG e WAINWRIGHT, 2006). Elasticidade ou
sensibilidade (εQ) é a variação percentual numa variável em decorrência de 1% de aumento na outra
(PINDYCK e RUBINFELD, 2002). Para valores dados de recursos naturais, N, e artificiais, A, a grandeza
da constante k afetará proporcionalmente o nível da produção Q e pode ser considerado parâmetro de
eficiência indicativo do estado da tecnologia (CHIANG e WAINWRIGHT, 2006). A eficiência implica
equilíbrio entre o custo marginal produtivo e o que se deseja pagar por ele. Logo, é conceito relativo e
ainda mais problemático em se tratando de valores ambientais (MORAIS, 2009).
A orientação é que a escolha do quanto investir em cada recurso seja aquela na qual a taxa
de retorno do investimento, r, é igual ao produto marginal do recurso. “Se a redução na utilização do
recurso N aumentar seu preço, como pressupõem os economistas neoclássicos, haverá uma tendência
da sua maior utilização até que as produtividades marginais dos dois recursos igualem as taxas de
retorno r” (MORAIS, 2009, p.26). Isto é, = = r, o que, teoricamente, aconteceria nos mercados
em livre concorrência. No retorno destes investimentos, não são consideradas as falhas de mercado,
as quais comportam externalidades negativas imensuráveis, tais como derramamento de petróleo no
mar, poluição de rios pelo esgotamento sanitário ou pelo rompimento de barragens de mineração,
queimadas, mortes e extinção de animais, poluição, guerras etc. Faz-se, então, necessário a
interferência estatal mediante políticas ambientais (MORAIS, 2009).
Expostas as formalizações matemáticas, seguem seis modelos de desenvolvimento
Sustentabilidade: sobre o quê estamos falando?
redirecionaram seus negócios para a agricultura. As plantas se tornaram viciadas nestes venenos a
fim de eliminarem pragas e aumentarem suas produtividades. São os agrotóxicos, com o
envenenamento dos lençóis freáticos, empobrecimento da biodiversidade e danos causados aos seres
humanos (BOFF, 2012). A generalização da economia de uso intensivo de carbono impactou e impacta
a elevação da temperatura global por causa da alta concentração de dióxido de carbono na atmosfera.
É este tipo de economia que possibilitou e possibilita a elevação das rendas per capita e a expansão do
não haveria punições ao grande poluidor porque ele comprou o direito de outrem que não pode mais
fazê-lo (não obstante, ele já se desfez de sua cota porque o fazia em pequenas quantidades). Mas os
níveis de poluição e depredação não deixam de existir. E qualquer pessoa com o mínimo de
conhecimento em ecologia sabe que todos os seres vivos pertencem a uma grande teia cósmica.
Qualquer dano provocado em um lugar específico do Planeta terá consequências em todos os distintos
ecossistemas.
6º) Modelo do ecossocialismo: visa produzir respeitando os ritmos da natureza e favorece
uma economia mais humanística, fundada em valores não monetários (a justiça social, a equidade, o
resgate da dignidade do trabalho, mudanças de critérios econômicos quantitativos para os
qualitativos).
[...] ar puro, a água, o solo fértil, bem como o acesso universal a alimentos sem agrotóxicos e às
fontes de energias renováveis, não poluidoras, pertencem aos direitos naturais e básicos de
todo ser humano, no quadro de uma real democracia social na qual o povo conscientizado e
organizado participa na tomada de decisões que interessam a todos (BOFF, 2012, p. 57).
Embora com viés mais respeitoso à natureza, e mais preocupado com o bem-estar social,
Uma compreensão, ainda que breve, da filosofia oriental se faz necessária. Esta é 100%
antropocêntrica (gravita em torno do sujeito, ao ponto de se esquecer dos objetos), é puramente
espiritual, subjetiva. Falha por ignorar a parte objetiva, externa, material da vida humana. A filosofia
ocidental assume atitude exatamente contrária e igualmente falha. Para que exista harmonia
orgânica, é preciso equilíbrio entre as partes espiritual e material. Ambas estão com uma parte da
verdade; são complementares. E devem acrescentar o que lhes falta ao que têm (ROHDEN, 2008).
oriental os fatos são simples reflexos fortuitos e secundários da Realidade, assim como os
reflexos de um objeto não são esse objeto e este existiria sem aqueles. O ocidental considera o
Universo pelo lado de fora, por suas manifestações externas, concretas, palpáveis, visíveis, ao
passo que o oriental já nasce, por assim dizer, com a intuição interiorista, [...]. Para o ocidental,
o mundo externo [...] é a própria Realidade [...]. Para admitir uma realidade além dos
fenômenos objetivos, necessita o ocidental de um grande esforço de vontade que o leve às
alturas da fé. Para o oriental, porém, nenhum ato de fé é necessário para admitir uma realidade
invisível, que é, para ele, o objeto da intuição espiritual, e lhe dá plena certeza. [...] o visível é
derivado do invisível, ao passo que para o ocidental o invisível (caso seja real) é efeito do
visível. (ROHDEN, 2008, p. 21, grifos do autor).
(OTSU, 2006). Em fazer o melhor possível, procurar a perfeição em si mesmo (isto é, em estar de
acordo com a natureza e as estações e saber que cada um é especial e único) para conseguir a
excelência, respeitando todas as formas de vida e buscando a inclusão (COEN, 2015). O Zen opta pela
cultura de paz.
A cultura de paz é uma atitude presente em distintas tradições religiosas e filosóficas que,
apesar das diferenças, pregam uma espiritualidade favorável às formas alternativas de entendimento
do que seja qualidade de vida, com adoção de um estilo mais contemplativo, no qual haja alegria
profunda sem a obsessão pelo consumo. A acumulação constante distrai e impede o devido apreço
pelas coisas e pelo momento atual. Estar serenamente presente, em cada realidade, possibilita novas
formas de compreensão e de realização pessoal. Com o regresso à simplicidade, saboreia-se as
pequenas coisas oferecidas pela vida, sem apegos e tristezas pelo que não possui. Sobriedade é
libertação. Com isto, reduz-se as necessidades insatisfeitas, diminui-se os cansaços e as ansiedades
(FRANCISCO, 2015).
Ninguém pode amadurecer numa sobriedade feliz, se não estiver em paz consigo mesmo. E
Muitas pessoas experimentam um desequilíbrio profundo, que as impele a fazer as coisas a toda
a velocidade para se sentirem ocupadas, numa pressa constante que, por sua vez, as leva a
atropelar tudo o que têm ao seu redor. Isso tem incidência no modo como se trata o ambiente.
[...]. Falamos aqui duma atitude do coração, que vive tudo com serena atenção, que sabe
manter-se plenamente presente diante de uma pessoa sem estar pensando no que virá depois
[...] (FRANCISCO, 2015, pp. 129 e 130).
Quando um grupo de pessoas se intoxica com as próprias ideias e se recusa a ouvir outras
opiniões, definitivamente não haverá bom resultado. Que saibamos encontrar o caminho do
diálogo, dos acordos da reconciliação. Que saibamos ouvir para entender e não matar, cortar,
dilacerar pessoas, relacionamentos, países, nem destruir as condições de vida humana na Terra
(COEN, 2015, p. 132).
uma religião organizada, mas sim uma religiosidade orgânica que respeita o indivíduo (e não a
sociedade abstrata), o único (e não a multidão), a liberdade (e não a conformidade); é uma rebelião
(Id., 2014).
Não se trata de viver sem se importar com outros seres vivos. E sim de respeitar a
individualidade, de confiar em si, ser receptivo, amoroso e de se perceber extensão da natureza. De
2 Literalmente, proclamações públicas. Durante as práticas espirituais, são usados como facilitadores do rompimento de ideias da
realidade e a própria realidade, ajudando os processos de libertação dos seres de suas próprias amarras (COEN, 2015).
si, e tem uma estrutura baseada na criação de autômatos que seguem suas próprias regras. Na
sociedade, há potencial de tirania e dependência. Ela diz que amor-próprio é narcisismo (OSHO, 2016).
Mas como amar o próximo se não aprender primeiro a se amar e respeitar? A dimensão da afetividade
começa com este auto respeito, que não é sinônimo de egoísmo, fundamental para uma cultura de
paz.
Assim, o Taoísmo acredita na existência de um princípio ordenador da natureza
incorporado pelos indivíduos, caso desejem existir harmoniosamente com o mundo. Politicamente,
não impõe padrões comportamentais e nem uma moral convencional. Há quem diga que é uma
espécie de anarquismo por não precisar de controle centralizado. E difere radicalmente das
orientações em prol do desenvolvimento sustentável por não ser normativo, linear e previsível
(SOUZA, 2014). Tudo que se faz começa com uma intenção e dá resultados. E por estarmos inseridos
num ciclo virtuoso, neutro ou vicioso, haverá a seguinte dinâmica: “a intenção leva a uma ação, a ação
cria um hábito, o hábito determina um modo de vida e o modo de vida gera um carma” (OTSU, 2006, p.
155, grifos do autor). Carma é conceito neutro, é consequência ou efeito e será bom ou ruim de acordo
as intenções, ações, hábitos e modos de vida que o geraram.
Para o Taoísmo e o Zen Budismo, ser flexível significa não resistir às coisas naturais que
nos acontecem, para evitar danos, a fim de aproveitar o movimento, sem resistências. Não-ação é
postura ativa e consciente no sentido de voluntariamente tomar o fluxo dos acontecimentos e das
forças em ação, quando estes estão além das capacidades efetivas de interferir. “A não-resistência [...]
implica consciência, maturidade psicológica, entendimento lúcido da situação, percepção do
momento adequado, segurança interior, flexibilidade, confiança e coragem” (OTSU, 2006, p. 87),
atitudes desejáveis diante da vida cotidiana, inclusive em planejadores e tomadores de decisão que
afetam o coletivo.
3ª) O Confucionismo (doutrina baseada no sistema filosófico de Confúcio), mesmo
determinando qual seja a conduta adequada, tem preocupações éticas, políticas e afetivas por todas as
coisas vivas. Como o Taoísmo, utiliza-se dos conceitos de Yin (princípio da feminilidade, sutileza,
Sustentabilidade: sobre o quê estamos falando?
sofisticação, síntese de tese superior, a psique, a introspecção, a alma, o religioso, a noite) e Yang (o
masculino, a exterioridade e extroversão, o corpo físico, a ambição, a agressão, o desejo, a projeção, o
político, o dia). Representam duas forças opostas, complementares e relativas, permanentemente em
conflito, levando à contradição perpétua e à mudança (MATTAR, 2010 apud SOUZA, 2014).
A ciência vem da energia masculina do Sol, ativa, conquistadora e dominadora, tão
desenvolvida no Ocidente. As filosofias orientais se pautaram mais em energia feminina da Lua,
passiva, silenciosa, fluida, que não tenta conquistar. Desta energia, nasceu a poesia, a arte, a pintura, a
dança, a música. Yin e yang estão contidos um no outro, e, quando em equilíbrio, formam o Tao (cujo
símbolo é ). “Até agora, nenhuma sociedade evoluiu a ponto de poder ser chamada de [...] Tao, [...] O
Tao é o objetivo, ou seja, criar um ser humano que seja inteiramente integrado, totalmente integrado,
e também criar uma sociedade humana que seja totalmente integrada” (OSHO, 2014, p. 21). O Tao é
complementaridade, é substituição do ‘ou isto, ou aquilo’ pelo ‘isto e aquilo’, pois tudo é relativo
(OTSU, 2006).
4ª) As filosofias africanas têm como temas as concepções cosmológicas superadoras de
O sufismo buscou uma conciliação, na Índia, entre o islã e o hinduísmo através de uma
linguagem mística comum. O diálogo estabelecido revela tolerância e abertura entre as tradições,
opondo-se ao fundamentalismo (isto é, a ideias sectárias e inflexíveis sobre algum tema). As tradições
não perderam suas identidades e diferenças; ao contrário, enriqueceram seus repertórios de forma
autêntica e coexistiram na pluralidade. Daí, emergem questões importantes: a ação de um sujeito é
mais importante do que a sua crença; a realização de desejos físicos e biológicos deve estar de acordo
com princípios éticos e com a ordem cósmica; a unidade do ser e a não violência proporcionam
nos convida a uma competição permanente entre os seres humanos” (ACOSTA, 2012, p. 201).
Por isto, começa-se recuperando a cosmovisão das comunidades autóctones, sem negar
uma modernização própria da sociedade e incorporando avanços tecnológicos condizentes com esta
filosofia, sem prejudicar os direitos da natureza (e, por consequência, dos demais seres vivos). Daí a
importância do diálogo permanente e construtivo entre saberes e conhecimentos ancestrais com as
melhorias do pensamento científico, descolonizando a sociedade. Supõe visão holística e integradora
da humanidade e comunhão com a Pachamama, e as energias do universo (ACOSTA, 2012).
7º) Modelo da Bioeconomia (Nicholas Georgescu Roegen) e do Ecodesenvolvimento (Ignacy
Sachs).
Roegen (1906-1994) chamava atenção para a insustentabilidade do desenvolvimento
devido aos limites dos recursos terrestres e falava em decrescimento econômico para a
sustentabilidade ambiental e a equidade social. Ou seja, em reduzir o crescimento quantitativo e
priorizar o qualitativo, preservando recursos para as futuras gerações (BOFF, 2012). O decrescimento
tem como principal meta abandonar o crescimento ilimitado, movido pela busca de lucros, cujas
biocombustíveis.
A biodiversidade envolve os ecossistemas com todas as suas espécies, paisagens e
diversidade cultural, entrelaçados no processo histórico de co-evolução. Por isto, Sachs menciona
aspectos de sustentabilidade que não são considerados separadamente. Esta divisão é apenas um
critério teórico-metodológico. São eles, os de sustentabilidade social; cultural; ecológica; ambiental;
territorial; econômica; política.
A sustentabilidade social refere o alcance de distribuição mais justa de rendimentos, oferta
serviços sociais. O critério cultural diz respeito à tradição e a inovação e autonomia na elaboração de
projetos nacionais, regionais e/ou locais, em clara oposição aos modelos exógenos. Os critérios de
sustentabilidade ecológica e ambiental gravitam em torno da preservação da natureza e do respeito
ao seu tempo de regeneração, limitando uso de recursos não renováveis e respeitando a capacidade de
autodepuração dos ecossistemas (SACHS, 2009).
O aspecto territorial tem objetivo de eliminar inclinações urbanas, em detrimento de áreas
rurais, na alocação de investimentos públicos; a melhoria do ambiente urbano; a superação de
disparidades inter-regionais; a adoção de estratégias de desenvolvimento seguras para áreas frágeis.
Enquanto o aspecto econômico almeja desenvolvimento intersetorial equilibrado; segurança
alimentar; modernização produtiva; autonomia nas pesquisas científicas; e inserção soberana na
economia internacional. A sustentabilidade política implica democracia, Estado com projeto nacional;
coesão social; garantia de paz e cooperação internacional; controle institucional do sistema financeiro
e de negócios; gestão ambiental e de recursos naturais responsável; proteção da diversidade biológica,
do patrimônio (SACHS, 2009).
8º) Economia solidária: é uma economia movida pelos ideais éticos de preservação de todo
tipo de vida e de criação das condições para o bem-viver.
Neste tipo de economia, o centro fulcral é ocupado pelo ser humano e não pelo capital, pelo
trabalho como ação criadora e não como mercadoria paga pelo salário, pela solidariedade e não
pela competição, pela autogestão democrática e não pela centralização de poder dos patrões,
pela melhoria da qualidade de vida e do trabalho e não pela maximização do lucro, pelo
desenvolvimento local em primeiro lugar e, em seguida, o global (BOFF, 2012, p. 60).
solidariedade e a igualdade, cuja reprodução [...] exige mecanismos estatais de redistribuição solidária
da renda” (SINGER, 2002, p. 10). A consideração dos potenciais locais é importante; todavia, não se
pode superestimar seu poder em razão de existir, simultaneamente, forças e interesses hegemônicos
condicionadores das atitudes responsivas da economia popular.
NOTAS FINAIS
Em 2015, o Papa Francisco publicou uma Carta Encíclica intitulada Laudato Si’/Louvado
sejas. Sobre o cuidado da casa comum. Citou a preocupação de São Francisco de Assis com os pobres e
com os animais; escreveu sobre o evangelho da criação e esmiuçou a complexa crise planetária atual.
Destacou a participação humana na crise ecológica (a globalização do paradigma tecnocrático, o
antropocentrismo moderno). E clamou por uma ecologia integral: ambiental, econômica e social;
cultural; da vida cotidiana; do bem-comum; de justiça inter geracional. Assim como sobre a
importância do diálogo em prol do meio ambiente na política internacional, nacional e local; da
transparência nos processos decisórios; de diálogo entre política e economia para a plenitude
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