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Saindo Da Trincheira Do Desenvolvimento Sustentável: Uma Nova Perspectiva para A Análise e A Decisão em Sustentabilidade
Saindo Da Trincheira Do Desenvolvimento Sustentável: Uma Nova Perspectiva para A Análise e A Decisão em Sustentabilidade
Saindo Da Trincheira Do Desenvolvimento Sustentável: Uma Nova Perspectiva para A Análise e A Decisão em Sustentabilidade
Resumo
A teoria e a prática do desenvolvimento sustentável estão entrincheiradas. Ambas são
marcadas por visões e interesses conflitantes que retroalimentam a fragmentação da temática
em dois principais grupos ideológicos que se opõem. Em uma trincheira estão os
biocentrados, que advogam pela priorização da preservação dos recursos naturais sobre os
sistemas sócio-econômicos; a outra trincheira é ocupada pelos antropocentrados, movidos
pelas crenças de que a Natureza existe para servir ao homem e de que o crescimento dos
mercados e o incremento tecnológico são suficientes para gerar sustentabilidade. Esta
contraposição dificulta a construção de uma visão conjunta para o desenvolvimento
sustentável, o que resulta no avanço lento, quando não no retrocesso na busca por um maior
equilíbrio entre economia, sociedade e meio-ambiente ao redor do mundo. Há então a
necessidade de diminuir a distância entre estas duas visões, de forma que haja espaço para a
construção de ações e políticas de desenvolvimento sustentável viável. Este é o objetivo deste
ensaio teórico: propor uma nova perspectiva conceitual, de análise e decisão que permita uma
maior aproximação destas duas visões. As perspectivas biocentrada e antropocentrada de
desenvolvimento sustentável são detalhadas a partir da literatura existente e apresentadas em
um mapa que explica como ambas operam e se organizam em relação a si mesmas e em
relação à sua visão oposta. A partir deste “mapa geral”, inicia-se a construção da proposição
de um modelo conceitual de análise e decisão sustentável. O seu primeiro elemento é formado
pela ecologia industrial, que permite uma maior aproximação inicial dos objetivos até então
contrapostos dos vários stakeholders. A esta construção foi incorporado o modelo de
sustentabilidade 3-D de Mauerhofer (2008), que inclui as interdependências dinâmicas e
hierarquizadas existentes entre os aspectos social, econômico e ambiental. Esta ferramenta
funciona como marco referencial e regulatório para a análise e tomada de decisão sustentável,
permitindo ao decisor arbitrar com maior segurança sobre a legitimidade e viabilidade dos
interesses de biocentrados e antropocentrados. A soma de todos estes elementos resulta no
modelo conceitual de análise e decisão proposto neste ensaio teórico, concebido de forma a
refletir características intrínsecas do desenvolvimento sustentável e funciona na forma de um
circuito fechado, retroalimentado. Este modelo atende ao objetivo deste ensaio teórico e é sua
principal contribuição. Sugere-se como estudos futuros: (a) desenvolvimento operacional e a
posterior aplicação deste modelo analítico-decisório sobre os principais argumentos de
biocentrados e antropocentrados presentes nos diversos foros de discussão; (b)
desenvolvimento e a adaptação do mesmo a indústrias específicas; e (c) aprimoramento do
modelo conceitual de modo a torná-lo operacional, para a posterior realização de testes
empíricos deste modelo em diferentes indústrias, de forma a aumentar o grau de validação
externa do mesmo, detectar eventuais fragilidades e incorporar a ele novos elementos que
porventura se façam necessários.
1. Introdução
A teoria e a prática do desenvolvimento sustentável estão entrincheiradas. A
emergência do assunto, que pode ser largamente verificada no âmbito acadêmico, no
cotidiano empresarial e nas pautas governamentais, assim como nas diversas mídias, de modo
algum sugere que há substancial consenso a respeito do assunto. Ao contrário, o
desenvolvimento sustentável caracteriza-se fortemente pelas pluralidades de perspectivas e é
marcado por inúmeros conflitos de opinião, visão e interesse (HOPWOOD, MELLOR e
O'BRIEN, 2005) dadas suas características complexas (DETOMBE, 2008), que parecem
retroalimentar a fragmentação da temática em grupos ideológicos e de pressão organizados de
diferentes modos e por vezes ocupando cada qual uma trincheira. Esta configuração dificulta
a construção de uma visão conjunta e a busca por soluções viáveis.
Por exemplo, em 1992, os conceitos de desenvolvimento sustentável eram contados
em mais de uma centena (HOLMBERG e SANDBROOK, 1992), que reafirmam, corroboram,
enfraquecem ou contrapõem o famoso conceito de Brundtland1, de 1987. Alguns autores
acusaram-no de representar interesses puramente econômicos – à custa das dimensões social e
ambiental – especialmente aqueles dos países mais ricos (BANERJEE, 2003; KORTEN,
1996); outros o entenderam como sendo excessivamente antropocentrista, calcado
exclusivamente sobre a crença na tecnologia e no livre mercado como via de solução absoluta
para as várias problemáticas envolvidas na busca pelo desenvolvimento sustentável
(ROBINSON, 2004). Estas divergências acumulam-se umas sobre as outras, e podem ser
citadas as dezenas. Produto disto é a polarização de grupos de ação e opinião em campos
opostos, atuando uns contra os outros, entrincheirados em crenças contrárias, e propostas de
solução que não raro se ignoram ou mesmo se excluem mutuamente. Neste caldeirão
encontram-se governos, corporações, academias, ONGs, movimentos civis, órgãos
supranacionais, movimentos religiosos, entre outros (MEBRATU, 1998). Como resultado
tem-se o avanço lento, quando não o retrocesso, do desenvolvimento sustentável ao redor do
mundo: embora haja regiões globais que atingiram patamares interessantes em termos de
sustentabilidade, o quadro geral que persiste é o de forte desequilíbrio (IPCC, 2007).
Portanto, para permitir e incentivar um corpo de ações mais coeso e eficaz é necessário
um aprofundamento no debate sobre o desenvolvimento sustentável, acompanhado de um
esforço conciliatório, no sentido não de eliminar de uma vez por todas as contradições
existentes a respeito daquele, mas de oferecer aos objetivos, até então contrários, uma maior
possibilidade de coexistência e convergência. É este o objetivo central deste ensaio teórico:
propor um modelo conceitual de suporte para a decisão gerencial, de modo a permitir uma
maior aproximação de visões profundamente diferentes em relação ao desenvolvimento
sustentável.
Para tal, no tópico que se segue será mostrado por meio da revisão de literatura
referente ao desenvolvimento sustentável, como o seu debate está organizado em duas
trincheiras principais, fundadas sobre lógicas e objetivos claramente diferentes: o biocêntrico
e o antropocêntrico. No terceiro tópico, será iniciada a construção do novo modelo conceitual
de suporte às decisões que potencialmente trazem influências sobre a sustentabilidade, se
utilizando para tal, das teorias da ecologia industrial (EI), dos stakeholders e do modelo 3-D
de sustentabilidade de Mauerhofer (2008). O quarto tópico apresenta o modelo conceitual
finalizado e seu funcionamento para então serem apresentadas as considerações finais do
trabalho.
3.1. A ecologia industrial como fundação para um novo modelo de gestão sustentável
Segundo vários autores (JELINSKI et. al., 1992; ERKMAN, 1997; COHEN-
ROSENTHAL, 2000; EHRENFELD, 2000; HOFFMAN, 2003; ISENMANN, 2003;
KORHONEN, 2004) a ecologia industrial parte da metáfora da natureza para analisar e
aperfeiçoar os complexos industriais, logísticos e de consumo, e seus fluxos de energia e
materiais. De acordo com Isenmann (2003), a ecologia industrial nasce da aspiração humana
de integrar seus próprios sistemas artificiais com os sistemas presentes nos habitats naturais.
Dentro desta perspectiva, a ecologia industrial oferece uma visão holística que considera de
modo mais amplo as necessidades de Gaia e dos homens (não só os econômicos, mas também
os sociais), concomitantemente. Ela se utiliza de elementos diretamente observados nos
sistemas naturais como, por exemplo, a coopetição, a conectividade, a comunidade e os
circuitos fechados (loop closing), além de enfatizar a importância dos recicladores,
normalmente posicionados no final dos ciclos produtivos, e dos sistemas steady state, em que
a produção de entropia é mínima, ao contrário do equilíbrio dinâmico neoclássico
(EHRENFELD, 2000). Assim, a ecologia industrial não foi desenhada para compactuar com a
insustentabilidade, nem para atenuá-la (EHRENFELD, 2000) – sua força está exatamente no
seu caráter normativo.
De acordo com Isenmann (2003), a ecologia industrial pode ser compreendida em
termos gerais através de suas cinco características mais marcantes: (1) sua perspectiva
fundamental: ver a natureza como modelo; (2) seu objetivo primordial: equilibrar sistemas
industriais e ecossistemas naturais; (3) sua definição de trabalho: uma ciência da
sustentabilidade; (4) seus objetos principais de trabalho: produtos, processos, serviços e
resíduos e; (5) sua idéia central, seu cerne: a busca pela simbiose industrial, definida como o
entrelaçamento de sistemas industriais e naturais, em que sistema industrial é um tipo
específico de ecossistema com distribuição particular de materiais, energia e fluxo de
informações (ERKMAN, 1997).
Já Jelinski et. al. (1992) reforçam a necessidade de considerar a perspectiva transversal
e abrangente da ecologia industrial: sua aplicação envolve processos de engenharia, sistema
econômico, tributação, regulamentação governamental, padrão de vida do consumidor, análise
do ciclo de vida dos produtos, evolução tecnológica, entre outros fatores culturais e sociais5
que se estendem para muito além das fronteiras de apenas uma organização, demandando uma
visão compartilhada dos grupos de interesse envolvidos (COHEN-ROSENTHAL, 2000). As
múltiplas e concomitantes visões presentes na ecologia industrial constituem um dos seus
pontos mais fortes: filosofia, ética, economia, ecologia, biofísica e gestão, entre outros
campos do conhecimento, são unidas em um corpo só para gerar soluções sustentáveis viáveis
para os sistemas humanos (ISENMANN, 2003).
8
Para Isenmann (2003), a viabilidade de tais visões pressupõe três atributos: (1)
perspectiva sistêmica e integrada de todos os materiais e componentes energéticos da
economia industrial e relações com a biosfera; (2) substrato biofísico das atividades
industriais, representando todos os fluxos de material e energia do sistema produtivo; (3)
progresso tecnológico em consonância com mudança social e cultural, representando o trifólio
do desenvolvimento sustentável: a interdependência entre (a) progresso tecnológico, (b)
crescimento econômico e (c) mudança social como pré-condições para haver
desenvolvimento sócio-econômico.
Mas qual o impacto da ecologia industrial sobre as visões contrapostas apresentadas na
figura 01? Essencialmente, pode-se esperar que as características inerentes à ecologia
industrial (interdependência, comunidade, coopetição e sistemas em circuito fechado)
pressionem por uma reconfiguração na distribuição dos seus elementos e permitam a
atenuação dos eventuais radicalismos existentes, de forma a gerar uma acomodação maior
entre os vários interesses de biocentrados e antropocentrados. Não há a ilusão de que a
ecologia industrial promova a unificação total de interesses tão distintos. No entanto, embora
a ecologia industrial não tenha a plena capacidade de gerar total unanimidade, ela permite
uma convivência mais “orgânica” – refletindo sua própria natureza – entre vários elementos
presentes na figura 01. Principalmente, ela aumenta a viabilidade de coexistência das lógicas
“natural” e de “mercado” em um mesmo sistema produtivo (considerados certos limites,
certamente). Erkman (1997), por exemplo, menciona que a aplicação dos princípios da
ecologia industrial pode resultar em vantagem competitiva, dada a necessidade de aumento de
eficiência na utilização de energia e materiais e de eliminação de perdas, enquanto ao mesmo
tempo é uma ferramenta com características claramente ambientais e sociais.
Entretanto, dada a multiplicidade de condições e atores envolvidos nos sistemas
produtivos e comerciais, é provável que a convivência de seus interesses continue em certo
grau marcada por pressões, conflitos, desajustes e contradições, embora possivelmente
atenuados pela lógica integrativa da ecologia industrial. A ecologia industrial representa então
um avanço integrativo importante em relação, por exemplo, a uma lógica “pura” das cadeias
de suprimentos, baseada na otimização de recursos, ou quando comparado aos ecologistas
mais radicais, desejosos de uma natureza utopicamente intocada (HOPWOOD, MELLOR e
O'BRIEN, 2005).
A figura 02 representa esta aproximação entre diversos interesses, mostrando uma
maior possibilidade de coexistência entre os objetivos de vários stakeholders presentes no
contexto decisório. Estes stakeholders são representados pelas setas da figura 02. As
diferentes espessuras das setas representam diferentes níveis de pressão que os stakeholders
exercem sobre os vários sistemas produtivos organizados.
9
Entretanto, a ecologia industrial por si só ainda não é suficiente como mecanismo de
aproximação entre os “dois mundos contrários”, anteriormente apresentados: se faz necessário
entender os principais aspectos que fundamentam a localização dos seus marcos decisórios, os
quais, por sua vez, impactam os movimentos de adaptação mútua das duas perspectivas
mencionadas. Sem um conjunto normativo mínimo para direcionar as tomadas de decisão, os
desacordos entre opostos tendem a perdurar, protelando cada vez mais a criação de uma visão
conjunta e a ação efetiva sobre as lacunas existentes em termos de sustentabilidade
(EHRENFELD, 2000; KARK-HENRIK, 2000).
Se, por exemplo, for perguntando a um ecologista radical o que é um dano ao meio-
ambiente, é provável que mesmo intervenções humanas menores sobre o habitat natural sejam
consideradas uma ofensa à Gaia. Em sentido inverso, fazer o mesmo questionamento ao
proprietário de uma grande madeireira, por exemplo, pode trazer uma resposta bastante
diversa. Portanto, faz-se importante entender o papel destes grupos de interesse (stakeholders)
envolvidos neste contexto. É este o foco da próxima seção.
Fundos..., Sindicatos de
acionistas trabalhadores
Grupos de
interesse Sociedade Sociedade
Comunidades especial Gestão Civil Civil
ONGs
Consumidores
Concorrentes
Organizações
de
consumidores
Outros Não- Mídia
stakeholders
Por fim, para Kerkhof e Wieczorek (2005), os stakeholders podem ser considerados
como elementos-chave nos processos decisórios organizacionais. Assim, quando analisada a
participação dos mesmos em processos de transição para a sustentabilidade, observa-se que
normalmente a mesma não pode ser obtida apenas por inovações tecnológicas (em sua
maioria antropocêntricas): ela também demanda transformações socioculturais e
institucionais, como exemplo, aquelas integrantes do corpo teórico da ecologia industrial.
12
Figura 05 – Hierarquia de Prioridades para o Desenvolvimento Sustentável
Fonte: adaptado de Mauerhofer (2008).
Esta hierarquia informa quais aspectos da sustentabilidade devem ser priorizados para
assegurar a sobrevivência de todo o sistema (representado no triângulo 3-D). Assim, a
suficiência e a eco-efetividade têm influência direta na capacidade de carga ambiental,
enquanto a equidade ecológica e a sócio-efetividade lembram que a manutenção do capital
social é pré-condição ao capital econômico. O próprio Mauerhofer (2008) salienta que a eco-
eficiência e a sócio-eficiência não precisariam estar nesta lista se as condições hierárquicas
superiores fossem sempre atendidas.
Entretanto, esta hierarquização não é fixa: está sujeita a mudanças na ordenação dos
seus elementos, o que pode ocorrer desde que o proponente à mudança ofereça o que
Mauerhofer (2008, p. 501) denomina “ônus da prova”. Como a hierarquia foi construída de
modo a garantir a perenidade de todo o sistema é importante que a priorização de um nível
inferior da figura 05 só ocorra mediante a apresentação de evidências de que todos os níveis
superiores não serão comprometidos pela mudança. O ônus da prova faz com que as
demandas de stakeholders e de organizações que proponham esta inversão de parâmetros não
possam ser levadas a cabo em detrimento do equilíbrio do sistema como um todo.
Esta hierarquia decisória, portanto, cumpre papel-chave na busca pela equidade
dinâmica entre os três pilares da sustentabilidade e os interesses de biocentrados e
antropocentrados. Em conjunto com a sustentabilidade 3-D, a ecologia industrial e os
stakeholders, ela preenche um modelo conceitual analítico-decisório integrado para o
desenvolvimento sustentável (figura 06).
Como se pode observar, este modelo conceitual mostra (a) a configuração temporal de
interesses biocentrados e antropocentrados dentro da lógica da ecologia industrial; (b) a
relação interdependente e dinâmica entre os sistemas ambientais, sociais e econômicos
(recursos e capacidade de utilização); (c) o estado em que encontram todos os três recursos
(no sentido de grau de utilização e risco de exaustão), dentro do triângulo 3-D; (d) a
hierarquia de prioridades a serem consideradas; e, portanto, (e) os efeitos do conjunto de
ações dos vários grupos de interesse (stakeholders, stakewatchers e stakekeepers) organizados
por meio da lógica da ecologia industrial, sobre os três elementos-chave da sustentabilidade
(economia, sociedade e meio-ambiente) e o resultado destes efeitos sobre o equilíbrio do
modelo como um todo.
13
Figura 06 – Modelo Conceitual Analítico-Decisório Integrado para o Desenvolvimento Sustentável
5. Considerações Finais
Entende-se que o presente ensaio teórico traz duas contribuições principais ao corpo
de conhecimentos do desenvolvimento sustentável. Primeiramente, por meio da
14
sistematização do trabalho de vários autores sobre a temática, foi apresentado como a maior
parte dos estudos sobre o desenvolvimento sustentável posiciona-se no campo do debate
teórico. Mostrou-se como as perspectivas presentes em governos, ONGs, academia, sociedade
civil e outros grupos de interesse tendem a acomodar-se em dois grupos de opinião e ação
profundamente diferentes, quando não completamente incompatíveis entre si. Foi mostrado
como estas contraposições operam entre si e como muitas vezes atravancam o avanço na
construção de uma teoria e um corpo de ações coerentes para o desenvolvimento sustentável.
O “mapa geral” (figura 01) derivado desta discussão oferece ao leitor uma ferramenta
útil para analisar os vários argumentos que se fazem presentes no debate sobre o
desenvolvimento sustentável, possibilitando-o melhor entender as lógicas que movem os
discursos bio e antropocentrados. Ressalta-se que, embora este “mapa geral” não abarque
todos os posicionamentos possíveis a respeito dos vários aspectos do desenvolvimento
sustentável, ele abrange os principais corroborados pela literatura.
A segunda e maior contribuição deste ensaio teórico concentra-se na construção de um
modelo conceitual analítico-decisório (figura 06). Consideradas as suas características e o seu
funcionamento, este modelo pode oferecer maiores possibilidades de convergência entre os
interesses, antes fortemente antagônicos, de biocentrados e antropocentrados em direção a
visões e ações conjuntas e, portanto, com maior chance de sucesso. Concebido em forma de
circuito fechado, este modelo fundamenta-se sobre uma heurística conceitual que reflete a
própria natureza recursiva, interdependente e dinâmica do desenvolvimento sustentável,
considerando também seus aspectos normativos como, por exemplo, a escassez dos recursos
naturais e sua relação com a capacidade de resiliência da biosfera.
Dado o ineditismo deste modelo conceitual, sugerem-se alguns estudos futuros: (a) o
desenvolvimento operacional e a posterior aplicação de uma ferramenta analítica-decisória
sobre os principais argumentos de biocentrados e antropocentrados presentes nos mais
diversos foros de discussão, de modo a verificar qual o grau de aproximação possível de ser
atingido por meio da sua utilização; (b) desenvolvimento e adaptação do referido modelo a
indústrias específicas, entretanto mantendo as suas mesmas premissas fundamentais; e (c)
aprimorar o modelo conceitual de modo a torná-lo operacional, para a posterior realização de
testes empíricos em diferentes indústrias, considerando as suas demandas e características
peculiares, de forma a aumentar o grau de validação externa do mesmo, detectar eventuais
fragilidades e incorporar a ele novos elementos que porventura sejam necessários.
Estas duas principais contribuições são produtos de um esforço teórico que visa
agregar à literatura existente perspectivas e ferramentas as quais auxiliem na convergência das
visões existentes de desenvolvimento sustentável para a geração de ações mais efetivas, visto
que a sustentabilidade é cada vez mais importante e urgente, tanto localmente, quanto
globalmente. E, embora existam várias divergências entre os “verdes” e aqueles ditos do
“mercado”, ambos parecem compartilhar de um mesmo desejo: a sobrevivência da raça
humana.
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1
A humanidade deve ter a habilidade de trilhar o desenvolvimento sustentável – garantir que as necessidades do
presente sejam atendidas sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender suas próprias
necessidades. (WCED, 1987, p.43).
2
David Foreman, fundador do grupo radical escocês Earth First!, chegou a dizer, a respeito da fome na Etiópia:
“a melhor coisa que poderia acontecer era deixar que a natureza encontrasse seu próprio equilíbrio, e deixar as
pessoas lá morrerem de fome”. (apud MAUERHOFER, 2008, p. 45).
3
Exatamente quais destes elementos serão correlacionados e em que intensidade dependerá de vários fatores, que
são contingenciais aos diferentes contextos e que fogem do escopo deste artigo.
4
Vide, por exemplo, o escândalo ocorrido antes da realização da COP15, realizada em 2009, em Copenhagen, na
Dinamarca, motivado por supostas alterações indevidas de dados por cientistas responsáveis por pesquisar,
monitorar e reportar as evoluções do clima global.
5
O autor complementa afirmando que as soluções para os problemas ambientais de hoje residem, principalmente,
fora do setor ambiental.
6
Propostas semelhantes podem ser vistas em Mebratu (1998) e Karl-Henrik (2000).
17