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Contribuição Da Fenomenologia Hermenêutica para A Psicologia Social
Contribuição Da Fenomenologia Hermenêutica para A Psicologia Social
Contribuição Da Fenomenologia Hermenêutica para A Psicologia Social
Olga Sodré 1
Pontifícia Universidade Católica - RJ
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zado por Jacó-Vilela (1999), representa outra nova vertente de cunho sócio-
histórico, interdisciplinar e articulada com a antropologia, a história, a filo-
sofia e a sociologia. Outros psicólogos e equipes de pesquisadores brasile i-
ros atuais vêm contribuindo de forma inovadora para o estudo psicossocial
da subjetividade, valorizando o processo histórico-social e o contexto cultu-
ral, entre eles os pesquisadores da pós-graduação em psicologia clínica da
PUC-Rio. A psicologia social abre-se, desse modo, para campos novos de
pesquisa, em particular o campo religioso, cujo estudo é apresentado por
Paiva (1990), do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Insti-
tuto de Psicologia da USP.
Ricoeur não menciona diretamente a psicologia social, mas existem
psicólogos brasileiros trabalhando numa vertente social e fenomenológica,
em relação com a história e a cultura, como Augras (1995, 2002). O fecha-
mento da psicologia social no âmbito cognitivo e experimental levou alguns
pesquisadores a se distanciarem dela, aproximando-se preferencialmente de
outras ciências sociais, como a sociologia e a antropologia. Todavia, o cam-
po de estudo da psicologia social tem tudo a ver com o enfoque da fenome-
nologia hermenêutica, que procuro aplicar às minhas pesquisas em psicolo-
gia social. A teoria da ação, por ele aprofundada, permite um distanciamento
em relação à fenomenologia mais voltada para os fenômenos perceptivos e
cognitivos, relacionando as representações com as práticas sociais. Esse
movimento ocorreu, igualmente, no campo da psicologia social, como de-
monstra Jodelet (2001). O conceito de representação social se tornou, inclu-
sive, o foco de estudo de uma importante escola de psicologia social: a da
representação social, criada por Moscovici (1984,1979).
A revisão crítica da psicologia social está, portanto, conduzindo a no-
vas propostas e novos paradigmas, como se pode constatar pela leitura do
livro Paradigmas em Psicologia Social, organizado por Freitas Campos e
Guareschi (1996). Procura-se, nele, ultrapassar tanto o behaviorismo como o
cognitivismo, abrindo a pesquisa dos processos de pensamento e aprendiza-
gem para as relações e dinâmicas sociais e ligando as estruturas individ uais
às estruturas sociais. Denuncia-se a fragmentação das ciências humanas e
sociais e da própria psicologia, ao separar a pesquisa acadêmica e a prática
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uma falsa consciência, concluindo ser necessário passar por uma exegese
contínua das significações do mundo e da cultura para que a existência possa
ter sentido e chegar à reflexão.
Greisch (2000) traça o quadro histórico da evolução da hermenêutica,
inserindo a renovação da fenomenologia francesa numa longa cadeia de
progressos sucessivos da filosofia, que não cabe aqui aprofundar, até atingir
esse momento de renovação hermenêutica. Basta mencionar que, no século
XIX, a reflexão se desloca dos aspectos técnicos da interpretação para os
aspectos mais filosóficos da compreensão, provocando a emergência de uma
hermenêutica filosófica. Friedrich Schleiermacher (1768-1834), considerado
o pai da filosofia hermenêutica moderna, tenta dar um fundamento universal
à análise do ato de compreender, ultrapassando o texto em direção às trocas
verbais mais comuns. Só a partir do início do século XX, entretanto, desen-
volve-se a filosofia hermenêutica propriamente dita, cujo desenvolvimento
torna possível enfatizar a compreensão em relação à explicação, deixando,
assim, de lado, a análise objetiva dos fatos e pondo em relevo a interpretação
das significações. A compreensão passa a ser relacionada com o ser e não
mais com o conhecer. Greisch (2000) sublinha que a publicação de Verdade
e Método por Georg Gadamer, em 1960, na Alemanha, estabelece a filosofia
hermenêutica em termos universais, em função de uma reflexão ampla sobre
a linguagem e as ciências do espírito.
Na mesma época, Ricoeur desenvolve, na França, sua concepção ori-
ginal da hermenêutica, baseada num diálogo fecundo com as ciências da lin-
guagem e do texto e com as ciências humanas e sociais, colocando o acento
na questão do símbolo e integrando, num só campo do conhecimento, as con-
tribuições da fenomenologia e da hermenêutica. A abordagem ontológica
mais indireta de Ricoeur, pondo em evidência a mediação da linguagem e do
texto, não reduz a questão do ser e da alteridade à dimensão meramente so-
cial da linguagem. A fenomenologia hermenêutica de Ricoeur permite uma
nova visão da dinâmica da consciência, da linguagem e das significações
intencionais, da relação do si-mesmo e da alteridade, levando em conta a
perspectiva das comunidades históricas.
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Não seremos jamais suficientemente reconhecidos a Nabert por ter repatriado uma
fenomenologia do sentimento na esfera reflexiva, como não mais se fez desde os
Tratados das paixões da idade clássica. Pode-se dizer que o existencial em Nabert
se reconquista sobre a estreiteza do cognitivo, na esteira de uma reflexão sobre o
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sentimento. (2003, p. 145)
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Retenhamos aqui a palavra experiência, que está longe de pertencer apenas às ci-
ências empíricas ou experimentais. Ela é eminentemente fenomenológica. Sob o
regime da redução transcendental, à qual nós fazíamos alusão, as análises fenome-
nológicas são, antes de tudo, análises da experiência. É a experiência, com efeito,
que, em suas diferentes maneiras, é constitutiva de tudo que tem sentido e validade
de ser para nós.” (2003, p. 21)*
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de mudança, que integra o agente, a ação e o desenrolar dos fatos, que Rico-
eur lhe confere um papel central em sua reflexão sobre a identidade pessoal.
Não tendo reduzido a identidade pessoal a um substrato imutável, ele se
propõe a fundamentar sua concepção da pessoa humana numa perspectiva
histórica do ser no processo de mudança, abordando a identidade sob o ân-
gulo da dimensão temporal e da relação ao outro. Ricoeur observa que na
manutenção de si, através da palavra dada, ocorre uma forma de capacidade
reflexiva, permitindo reconhecer-se como um agente idêntico ao longo do
tempo. Esse processo ocorre na relação com um outro, pois a pessoa se
comporta de tal forma que o outro possa contar com ela. Esse contar com
torna-se, desse modo, a base da constituição do si-mesmo, de sua relação
com o outro e da própria vida social.
A constituição do si-mesmo é, portanto, intimamente associada à rela-
ção ao outro e ao reconhecimento da alteridade. É no contexto da lingua-
gem, da interlocução e da troca de pronomes pessoais, que ocorre o processo
de constituição do si-mesmo e da alteridade. É a interpelação do outro que
permite à pessoa tornar-se um si- mesmo e contrabalançar a tendência de
fechamento do eu, numa dinâmica de reciprocidade a reversibilidade entre o
si-mesmo e o outro. Ricoeur conclui que se não houvesse a capacidade de
reflexividade e de iniciativa do si-mesmo, ele não poderia responder ao ape-
lo do outro e deixaria de ter consistência. Admite ele haver uma anterioridade
do outro, que nos desperta à responsabilidade. O outro nos interpela, solicita
uma resposta e convida-nos ao diálogo. Todavia, a dialética do si-mesmo e do
outro, assim como o diálogo, supõe a autonomia e reciprocidade dos dois pó-
los, que se manifesta, em particular, na troca dos pronomes pessoais entre
duas pessoas, capazes de serem simultaneamente consideradas o eu e o ou-
tro. Ele vai mesmo mais adiante e observa que se o outro não pudesse ser
também um si- mesmo, ele não poderia nem ser considerado um outro.
A ação e a linguagem contribuem para a constituição do si-mesmo,
mas não são suficientes para explicar o processo de seu desenvolvimento e
de suas mudanças. Para isso, é necessário considerá-lo não apenas como um
sujeito que age e fala, mas também como o ator de uma história. O enfoque
narrativo de sua história permite captar, ao mesmo tempo, a permanência e a
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que pode ser extremamente enriquecedora para a psicologia social. Sua me-
todologia distingue-se das tendências de descrição externa e objetiva dos
fatos históricos, voltando-se para o testemunho do agir, da experiência e das
descobertas humanas. Abre ele, assim, a história para uma dimensão subje-
tiva também estudada pela psicologia social. Nessa perspectiva aberta por
Ricoeur, as subjetividades, as relações e ações humanas inserem-se num
processo mais amplo de criação e transformação do mundo, de si-mesmo e
da relação ao outro. Seu enfoque dinâmico e histórico da identidade narrati-
va das pessoas concretas se diferencia de uma visão a-histórica e meramente
cognitiva do ser humano, indo ao encontro das críticas atuais levantadas a
esse respeito pelos psicólogos sociais. Ricoeur oferece uma perspectiva his-
tórico-cultural mais abrangente e integrada dos diferentes aspectos do psi-
quismo (identidade, alteridade, capacidade de ação e narração, representa-
ção, cognição, afetividade, relações sociais etc.), imprescindível para a
articulação dos fenômenos psicossociais e para uma visão mais ampla dessa
área da psicologia. Sua concepção permite um aprofundamento da subjetivi-
dade e do processo de sua formação, inseridas tanto na história pessoal, co-
mo nas relações sociais, na cultura, no processo de elaboração simbólica e
de busca de sentido, assim como na experiência social concreta e na história
social mais ampla dos grupos, instituições e sociedades.
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and interpretation, but also to the rising of a new paradigm of Reason, the
hermeneutical paradigm, and to the creation of a method capable of
exploring new aspects of the psychosocial dynamics, besides being a key to
the interpretation of the plurality of languages and identities of the present
globalized society.
Referências
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Rey, F. G. (2003). Sujeito e subjetividade. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.
Rodrigues, A., Assmar, E. M. L., & Jablonski, B. (2002). Psicologia social (21a ed.).
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Villela -Petit, M. (1993). Identidade narrativa e ipseidade em Paul Ricoeur. Rio de
Janeiro: UERG. (Trabalho não publicado)
Villela-Petit, M. (2003). Comment la conscience de soi s´assure-t-elle de lídée du divin? In
P.Capelle (Ed.), Jean Nabert et la question du divin. Paris: Cerf.
Recebido em 1.03.2004
Aceito em 10.05.2004
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