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Neurociência Das Emoções Parte 2

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AULA 2

NEUROCIÊNCIA DAS EMOÇÕES

Profª Debora Berger Schmidt


INTRODUÇÃO

Nesta etapa, vamos dar continuidade nas discussões sobre as emoções e


sua relação com a cognição, avançando à aprendizagem. Uma vez superados os
pensamentos dicotômicos que colocam as cognições e as emoções em polos
opostos e de que a razão tem preponderância sobre as emoções, convém agora
discorrer sobre a função das emoções. Nesse sentido, no primeiro e segundo
capítulo, vamos refletir sobre a função fundamental das emoções e suas
expressões, sendo necessário para o nosso convívio social. Abordaremos
também as emoções numa perspectiva ontogenética e filogenética.
No terceiro capítulo, vamos discorrer sobre as principais estruturas do
sistema límbico, em um olhar neurofisiológico, afinal, trata-se do sistema cerebral
mais articulado com as emoções.
Por fim, nos últimos 2 capítulos, vamos refletir sobre como os métodos de
aprendizagem sofreram transformações ao longo da nossa história,
especialmente porque fomos nos organizando de formas diferentes, em contato
com demandas distintas, especialmente tecnológicas. A forma com que
compreendemos o nosso cérebro também evoluiu. Hoje entendemos que o
processo de aprendizagem não é algo unilateral, pois os processos neurais, o
ambiente, as emoções e a memória estão intimamente relacionados na
aprendizagem.

TEMA 1 – O PAPEL COMUNICATIVO DAS EMOÇÕES

O ser humano é, em essência, um ser de linguagem. E a complexidade da


nossa linguagem é o que nos diferencia de outras espécies. Afinal, a linguagem
tem papel importante sob as nossas interações sociais e na forma como nos
organizamos enquanto sociedade. Sob o ponto de vista evolutivo, ao observar
outras espécies, sabemos que a comunicação não verbal (vocalizações diversas,
contato corporal, imitação de movimentos e expressões faciais) precede a
linguagem verbal.
Dentre as diferentes formas de expressões não verbais, é compreensível
que as expressões faciais ganham um destaque especial na comunicação
humana, afinal, a face está localizada na porção mais evidente do corpo, mais
acessível aos olhos do interlocutor. Além disso, possui-se diversos músculos

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capazes de promover sensíveis e diferentes movimentos faciais e reações
(Caramaschi; Joaquim, 2021).
No quadro a seguir, diferenciamos os sinais faciais que, em conjunto,
expressam um complexo sistema de informações dos indivíduos. Quando
identificados por outras pessoas em um processo de interação, esses sinais são
base para que façamos julgamentos ou as chamadas primeiras impressões: “tais
avaliações normalmente são processos complexos de centenas de informações
verbais e não verbais que nos proporcionam um resultado intuitivo, a cujos
meandros não temos acesso racional” (Caramaschi; Joaquim, 2021, p. 19).

Quadro 1 – Classificação dos sinais faciais

Sinais Fixos Referem-se a traços estruturais da face, que mudam muito


pouco, ou não mudam ao longo da vida, por exemplo, o
formato do rosto e o tamanho relativo dos seus componentes
como olhos, queixo e nariz.
Sinais Lentos São os chamados sinais da idade, ou seja, eles se modificam
ao longo do tempo lentamente e indicam a história de vida da
pessoa. São caracterizados por rugas, manchas na pele,
alterações na sua textura, e cabelos grisalhos. O tônus
muscular da face e as consequentes “marcas de
expressões”, por exemplo, pode dar informações sobre
humores passados, depressão ou felicidade.
Sinais Rápidos Caracterizam-se pelas chamadas expressões faciais, ou
seja, contrações musculares reversíveis que resultam em
incontáveis expressões, sendo muitas delas culturalmente
classificadas.
Sinais Artificiais São intervenções ou adornos que alteram os sinais faciais
devido a padrões culturais ou por intervenções reparadoras.
Como exemplo podemos listar os piercings, óculos, cílios
postiços, maquiagens etc.
Fonte: Caramaschi; Joaquim, 2021.

Não raramente ouvimos de outras pessoas, ou até mesmo vivenciamos


experiências de um vínculo tão forte com parceiros, filhos e/ou outros, em que
conseguimos “ler no olhar o que ela estava sentindo”. Isso porque os sinais faciais

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conseguem expressar elementos internos de uma pessoa, ou seja, eles
externalizam sensações pessoais e individuais.
As sensações internas incluem tanto estados subjetivos, como os estados
de ânimo ou humor, quanto os estados fisiológico e orgânico. Por exemplo,
podemos perceber a expressão de sono de aluno entediados na sala de aula
(estado orgânico) como podemos perceber, por expressões faciais de sinais de
tristeza, uma condição emocional que pode variar da tristeza até um quadro
melancólico e/ou patológico, como a depressão. Tais considerações são
importantes porque conseguimos compreender que as emoções não se limitam a
um sistema interno de sensações e sentimentos, mas que são uma experiência
subjetiva que pode ser expressa na face. Ou seja, as emoções não são,
necessariamente, guardadas e exclusivas às pessoas que as sentem
(Caramaschi; Joaquim, 2021).
Crianças são bastante sensíveis às expressões de seus pais. Elas
conseguem perceber informações de riscos, sensações desagradáveis ou
prazerosas a partir da expressão dos seus pais e tendem a imitá-los, evitando
estímulos desagradáveis já nos primeiros dias de vida. Ou seja, as crianças
tendem a incrementar o seu repertório de expressões inatas das emoções com
aquilo que aprendem ao longo do seu desenvolvimento. Isso não significa, porém,
que as crianças são livres para se manifestar, pois o componente cultural em que
estão inseridas exerce papel importante para que elas deixem de expressar suas
emoções livremente para que aprendam o que é adequado para as convenções
da cultura e da sociedade em que está inserida. Exemplo claro disso é a máxima
muito comum em nossa sociedade de que “homens não choram” (Caramaschi;
Joaquim, 2021).
Chegamos a um ponto importante para reflexão: como aprendemos a
expressar nossas emoções? Caramaschi e Joaquim (2021) explicam que as
pessoas tendem a aprender por: a) imitação, como as crianças que imitam seus
cuidadores; b) observação, como as pessoas que se inserem em diferentes
países e culturas; c) instrução, quando adultos explicam às crianças que, embora
aborrecidas, elas não devem fazer cara feia as pessoas ao seu entorno. Tais
afirmações nos permitem compreender o papel importante que o social,
especialmente um adulto (seja ele professor, cuidador, pais etc.), possuem na
regulação emocional de uma criança, dissolvendo a ideia, por vezes prevalente,

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de que as dificuldades emocionais de uma criança são consequência exclusiva
de limitações pessoais ou de patologias.
Obviamente que a interação humana é complexa e que a construção de
um repertório de expressividade pode ser vivenciada com especial dificuldade
para algumas pessoas, resultado, em casos mais graves, em timidez excessiva,
fobia social etc. Treinos de habilidade sociais e a construção progressiva de novas
estratégias tendem a ser eficazes nesses casos. Abaixo, listamos 3 situações
apontadas por Ekman (2003), citado por Caramaschi e Joaquim (2021), em que a
expressividade pode falhar.

• Expressão correta da emoção, mas com intensidade incompatível. Comum


em relacionamentos conjugais, quando um descontentamento é expresso
com sinais de raiva.
• Expressão inadequada para o contexto. Sorrir em situações sérias, como
em um velório ou em uma reunião importante.
• Forma inadequada da expressão. Um exemplo clássico é o “rindo de
nervoso”, ou seja, quando um sentimento é apresentado com a expressão
convencional de outra emoção.

Podemos concluir sobre quão complexa é a comunicação não verbal e o


seu papel no desenvolvimento ontogenético e filogenético de nossa espécie. Uma
boa comunicação interpessoal pode ser aprimorada e tem reflexos na vida
pessoal, social e familiar de uma pessoa.

TEMA 2 – COMO EXPRESSAMOS AS NOSSAS EMOÇÕES

Ao longo do seu desenvolvimento, as crianças desenvolvem gradualmente


a competência de identificar emoções, de reconhecer o significado das
expressões faciais. Tal competência se articula diretamente com a capacidade
verbal, de modo que na medida que a sua capacidade verbal cresce, mais capaz
ela se torna de aprender os sinais emocionais e de comunicá-los verbalmente,
facilitando as interações sociais positivas e sua competência acadêmica
(Machado et al., 2008).
Aqui vale a reflexão: existe um padrão universal de expressão das
emoções? Será que pessoas, de diferentes culturas, em diferentes contextos e
em diferentes períodos históricos, expressam suas emoções da mesma forma?
Por meio de um estudo das expressões faciais de indivíduos das mais diferentes

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culturas, Paul Ekman e colaboradores propuseram que as emoções básicas
podem ser anatomicamente definidas, implicando em uma base biológica inata e
universal da experiência emocional (Freitas-Magalhaes, 2013).
Antes disso, o próprio Charles Darwin já havia feito menção sobre um
possível controle genético das emoções, pois havia observado que expressões
faciais, atitudes corporais, reações autonômicas e comportamentos instintivos
eram semelhantes em diversas espécies. Na espécie humana, por sua vez, a
experiência emocional humana também parece muito homogênea mesmo quando
comparamos povos racial e geograficamente isolados. Isso não somente na
expressão da emoção, mas também parece haver uma tendência comum das
situações que normalmente evocam o medo e a ansiedade em nossa espécie
(Ramos, 2015).
Embora já tenhamos abordado ao longo dessa etapa o conceito da palavra
emoção, é importante ressaltar que a definição de emoção no campo da
Psicologia é complexo e possui diferentes posicionamentos e linhas de
explicação. Aqui, vamos compreender as emoções a partir de um modelo
integrativo para em seguida discorrer sobre um dos seus componentes, que é a
expressão. O modelo integrativo pressupõe que as emoções não são mais
compreendidas como uma reação única, mas como um processo que envolve
múltiplas variáveis. “Nesse sentido, a emoção poderia ser definida como uma
condição complexa e momentânea que surge em experiências de caráter afetivo,
provocando alterações em várias áreas do funcionamento psicológico e
fisiológico, preparando o indivíduo para a ação” (Miguel, 2015 p. 153).
Embora seja comum encontrar o termo emoções básicas, não existe um
consenso quanto à definição em relação a quantas e quais são as emoções
básicas. Porém, a maioria dos autores costuma citar as seguintes ou alguma
variação delas: alegria, medo, surpresa, tristeza, nojo e raiva. E, assim como a
delimitação das emoções difere entre os autores, atualmente existem diferentes
modelos teóricos os principais componentes da emoção. De forma geral, sabemos
que ela inclui reação muscular interna, comportamento expresso, impressão
afetiva subjetiva e cognições (Miguel, 2015).
Sabe-se que as emoções apresentam certa variedade em sua forma de
expressão nos seus aspectos comportamentais e no conjunto de estruturas
cerebrais envolvidos em sua expressão. Atualmente, o avanço de técnicas de
neuroimagem funcional, especialmente da Ressonância Nuclear Magnética

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Funcional, tem permitido uma série de estudos que sugerem a existência de
alguns substratos cerebrais mais bem definidos para as emoções (Ramos, 2015).
A seguir, apresentamos os mecanismos envolvidos na expressão das
emoções alegria, medo, surpresa, tristeza e nojo a partir da perspectiva de
Joaquim (2021).

2.1 Alegria

Afeto positivo que surge de muitas regiões cerebrais e neurotransmissores


eliciados por eventos e estados agradáveis é a alegria, uma categoria geral de
diferentes estados de afeto positivo. Ela está associada diretamente à atividade
dopaminérgica, que modula áreas específicas, como o Núcleo Accumbens, área
tegumentar ventral e outros. A alegria está associada ao sistema de recompensa
cerebral, ou seja, um conjunto de estrutura cerebrais que funcionam articuladas e
sistemicamente para processar qualitativamente as recompensas (Joaquim; Silva;
Galan 2021).
Embora o sorriso esteja associado à expressão de vergonha e/ou
desprezo, a expressão facial da alegria é fortemente caracterizada por ele, em
diferentes intensidades expressivas. Sabe-se que as expressões de alegria
tendem a mobilizar diferentes áreas do corpo além do cérebro. Quando rimos, o
padrão de contrações musculares do tórax para manter a nossa respiração é
alterado, o que muitas vezes nos leva à perda de ar (Joaquim; Silva; Galan, 2021).
É importante ressaltar que a alegria pode ser um lado negativo. Quando
em demasia, ela pode afetar o sistema de recompensas imediatas e aumenta o
automatismo e a impulsividade. Ainda, em situações fora de contexto, a alegria
demasiada pode trazer prejuízos sociais e representa o risco de uma condição
patológica de mania, intensa euforia, podendo, em alguns casos, ser a expressão
de delírios e comportamentos compulsivos (Joaquim; Silva; Galan, 2021).

2.2 Medo

Podemos definir o medo como um conjunto de manifestações universais,


uma vez que diferentes indivíduos com medo tendem a apresentar respostas
fisiológicas de sudorese, elevação da pressão arterial e aceleração dos
batimentos cardíacos. Porém, algumas pessoas podem apresentar diferentes
reações a depender de significados e interpretações de cada cultura. Por
exemplo, o medo da morte e de fantasmas pode estar associado ao medo em

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alguns contextos, mas em determinadas culturas ela pode representar um
recomeço, uma nova oportunidade, e, portanto, não é algo a se temer (Pereira;
Joaquim, 2021a).
Se formos analisar o papel do medo na preservação da espécie humana, é
possível reconhecermos que ele é importante para sobrevivência, pois é ele que
nos protege de situações perigosas (Pereira, Joaquim, 2021a).
A neurobiologia do medo abrange impreterivelmente a amígdala, pois ela

codifica e armazena e recupera associações diretas entre contextos ou


as pistas relacionados aos estímulos aversivos; no entanto, o
condicionamento só é possível a partir da associação com o hipocampo.
Portanto, qualquer intervenção relacionada à extinção do medo deve
abarcar essas estruturas cerebrais. (Pereira; Joaquim, 2021a, p. 83)

2.3 Surpresa

Define-se a surpresa como uma emoção rápida, que dura poucos


segundos, e neutra, já que não possui valência positiva nem negativa. A surpresa
também é chamada de susto, embora esse termo seja associado mais a situações
não esperadas, se relacionando ao medo (Joaquim, 2021).
Neurobiologicamente falando, a surpresa se constitui como uma adaptação
do cérebro humano, apresentando-se como uma função cerebral capaz de
perceber o ambiente, permitindo o organismo a se ajustar e reagir
adequadamente. Nesse processo, o núcleo Accumbens e o córtex orbitofrontal
medial são preponderantemente ativados em situações inesperadas (Joaquim,
2021).

2.4 Tristeza

A tristeza se caracteriza por sentimentos associados à solidão, angústia e


pesar. Muitas vezes, ela está associada à resposta de vivências de perda ou
potencial de perda de algum objetivo não alcançado (Oliveira; Joaquim, 2021).
Mais de setenta estruturas cerebrais são ativadas a essa emoção, mas ela
é mediada por estruturas particulares do sistema límbico e da ativação do
hipocampo. Fisiologicamente, a tristeza se expressa pelo aumento dos batimentos
cardíacos, mudança no ritmo respiratório, tensão muscular e sudorese (Oliveira;
Joaquim, 2021).

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2.5 Nojo

Podemos compreender o nojo como uma reação quando o cérebro tem a


percepção de algo de natureza patogênica, e, portanto, é fundamental para a
evolução da espécie humana. Universalmente, ele é manifesto diante de produtos
do corpo, como urina, fezes, sangue etc. (Joaquim; Pereira, 2021b).
Atualmente, o nojo tem sido estudado a partir da sua associação com a
moralidade, destacando o papel dessa emoção no julgamento moral e na tomada
de decisões, buscando compreender inclusive a relação entre o nojo e ideologias
políticas. Nesse sentido, estudos sugerem que o córtex pré-frontal ventromedial
estaria associado ao nojo e à moralidade (Joaquim; Pereira, 2021b).

2.6 Raiva

A raiva pode ser entendida como um fenômeno complexo e


multideterminado, “[...] a emoção é uma resposta automática, intensa, rápida
inconsciente e/ou consciente dependente do contexto e um impulso neural que
leva o organismo a produzir uma ação” (Radis; Joaquim, 2021, p.129).
As respostas fisiológicas incluem a tensão muscular, ranger os dentes,
punhos cerrados, sentir o rosto quente, sudorese, aumento na frequência
cardíaca, impulso de golpear e impulso de chorar. A neurobiologia da raiva
abrange especialmente os circuitos neurais do sistema límbico (Radis; Joaquim,
2021).

TEMA 3 – PRINCIPAIS ESTRUTURAS DO SISTEMA LÍMBICO

O sistema límbico está associado à regulação de comportamentos


instintivos, dos comportamentos emocionais e da memória. Recebe esse nome
por compreender algumas estruturas que, em forma de anel, margeiam o núcleo
central e tem conexões com o córtex. Lesões nessa área da região (seja por
trauma, tumor, em decorrência de uma hemorragia ou isquemia ou outra etiologia)
tendem a resultar em alterações importantes de comportamento. Animais dóceis,
por exemplo, quando apresentam alguma lesão na amígdala, podem se
transformar em animais agressivos e selvagens.
Dizemos que o sistema límbico representa uma região primitiva do cérebro
humano, com isso queremos dizer que os componentes do sistema límbico
existiam em outras espécies precedentes aos humanos, como lagartos e

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pássaros. Alguns autores defendem a análise do cérebro a partir de 3
diferenciações. O primeiro é o chamado cérebro reptiliano, ou seja, uma região
mais central do cérebro, presente nos animais mais primitivos, ou, por assim dizer,
menos complexos. Ele está associado a comportamentos instintivos, como fome,
reprodução, fuga e defesa. A segunda “camada” do cérebro faz referência ao
sistema límbico, que compreende uma série de estrutura que veremos adiante, e
está associado a comportamentos mais complexos. O nível final do cérebro é
chamado de “neocortex”, que alcançou seu pico nos primatas, e se relaciona
diretamente com a inteligência, consciência e subsidia o comportamento social
complexo em que estamos inseridos (Amthor, 2017).
Embora não haja um acordo entre as estruturas cerebrais que compõem o
sistema límbico, consideramos que “fazem parte do lobo límbico a região do septo
(área subcalosa), o giro do cíngulo, o giro para-hipocampal, o hipocampo, parte
da ínsula e da amígdala, o pólo temporal e, ainda, as porções medial e orbital da
área pré-frontal" (Cosenza, 2014, p. 38). Algumas estruturas, não citadas acima,
funcionam como uma mudança gradativa entre as regiões mais profundas do
cérebro, como partes da ínsula e do córtex pré-frontal medial e orbital. Na tabela
abaixo, abordaremos as estruturas mais relevantes:

Tabela 1 – Estruturas cerebrais mais relevantes

Estrutura Principais características


Ínsula Recebe e processa informações visceroperceptivas que se
tornam conscientes (sensações intestinais, respiratórias e
cardiovasculares). Sensações térmicas, estimulação sexual e
cócegas também são percebidos na ínsula.
Polo temporal Recebe informações sensoriais olfatórias, gustativas e
relacionadas à visão e audição, e, portanto, tem papel
importante na interação entre as emoções e as sensações,
participando do processamento emocional das interações
sociais.
Giro do Relaciona-se diretamente com o processamento da dor, da
cíngulo atenção e em ações motoras relacionadas à motivação.
Hipocampo Está envolvido com processos cognitivos de aprendizagem e
memória, bem como com a emoção e comportamento
motivado.

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Amígdala Está bastante associada com a coordenação de respostas
emocionais, especialmente com o medo, e na regulação do
comportamento agressivo. Também participa de processos
cognitivos, como atenção, percepção e memória. Está
associada ao processo de atribuir significado emocional a
estímulos externos.
Créditos: Cosenza, 2014.

TEMA 4 – APRENDIZAGEM TRADICIONAL

Até aqui, pudemos conhecer sobre como os processos do nosso cérebro


são complexos e interdependentes, de modo que algumas de suas funções,
especialmente as funções cognitivas, não estão distantes ou “desligadas” daquilo
que chamamos de nosso emocional. No passado, quando pensadores,
pesquisadores e cientistas reforçaram a compreensão dicotômica entre cognição
e emoção, era esperado que alguns métodos educacionais sofressem influência
desse pensamento, e subsidiam metodologias de ensino que contemplassem a
aprendizagem a partir de uma perspectiva unilateral, que a resume na
“transmissão” de conhecimentos.
Ensinar, então, era uma atividade de passagem de um saber de alguém
que sabe mais (o professor) para alguém que sabe menos (o aluno, ou o
aprendiz), desconsiderando fatores emocionais e relacionais envolvidos nessa
díade. A superação de tais pensamentos nos permitiu compreender formas de
ensinar e de aprender que valorizam que o conteúdo e a metodologia sejam
interessantes e façam sentido para o aluno, ou seja, que ele possa perceber a sua
relevância no seu dia a dia, bem como consideram o papel da relação construída
de reciprocidade entre o professor e o aluno. Hoje sabemos que a aprendizagem
requer dos alunos e dos professores uma integração e relativização de
conhecimentos que vai além da tradicional e simplista ideia de reprodução dos
mesmos.
Pozo (2016) faz um apanhado histórico-cultural do processo de
aprendizagem e apresenta que os primeiros modos de aprendizagem eram
pautados na aprendizagem reprodutiva, ou seja, em uma aprendizagem
“memorística” em que o que se pretendia era o armazenamento do conteúdo para
sua reprodução. Por exemplo, na Grécia e na Roma clássica, os achados
históricos revelam que a aprendizagem era a busca de uma verdade absoluta. Na

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perspectiva laboral, os grêmios ensinavam principalmente por meio da imitação.
Cabia ao aprendiz imitar ou fazer a réplica do modelo que o mestre ensinava.
No Renascimento, por sua vez, havia um único conhecimento verdadeiro
que deveria ser aprendido e esse conhecimento era religioso ou aquele aprovado
pela igreja, em que regras mnemônicas eram virtudes a ser cultivadas. Na
sociedade moderna atual, por sua vez, a educação parece generalizada em
diferentes locais e pessoas, em uma formação permanente e massiva. Pozo
(2016) ressalta que as demandas de aprendizagem atuais não se limitam ao
contexto educacional, afinal cada vez mais temos que aprender novas exigências,
como por exemplo, o manejo com as tecnologias do nosso cotidiano (celular, caixa
eletrônico, transporte, televisão etc.). Ou seja, em nossa cultura, estamos
inseridos a distintas comunidades de aprendizagem às quais pertencemos ao
mesmo tempo.
Atualmente sabemos que o conhecimento não está restrito à figura de uma
pessoa (um líder religioso, como no passado, por exemplo) nem mesmo na figura
do professor. A informação não só está mais acessível (haja vista os canais de
internet, cada vez mais acessíveis), como ela nos procura a depender dos
diferentes canais de comunicação social (aplicativos de celular, propagandas e
programas de televisão). Isso muda drasticamente o que esperamos da
aprendizagem e vale o questionamento: afinal, o que é aprendizagem? É
transmitir conhecimento ou refletir sobre ele?
A aprendizagem repetitiva tem se mostrado cada vez mais ineficaz e
insuficiente nos dias atuais. O foco da aprendizagem deixou de ser o
armazenamento ou a reprodução de um conhecimento ou de uma informação,
tampouco o nosso acesso a ela, mas, sobretudo o que fazemos com essas
informações, ou seja, como usá-las de forma relevante. A seguir, vamos
compreender como as perspectivas atuais, pautadas nas neurociências, vêm
contribuindo para compreender como o nosso cérebro responde às demandas
contemporâneas de aprendizagem, e, especialmente, como as emoções auxiliam
na aprendizagem eficaz.

TEMA 5 – COMO NOSSO CÉREBRO APRENDE?

Nos capítulos anteriores, pudemos ter uma ideia sobre a complexidade do


funcionamento do cérebro humano, com a apresentação de algumas de suas
estruturas e funcionamento. Agora, vamos abordar sobre alguns mecanismos

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envolvidos nos processos de aprendizagem a partir de uma perspectiva mais atual
das neurociências, que integram como o nosso aparato orgânico, e aqui se
referindo especialmente ao cérebro, responde às demandas contemporâneas da
nossa forma de viver em sociedade e na nossa cultura.
Sabemos que o bebê humano nasce imaturo se compararmos com bebês
de outras espécies. Isso quer dizer que ele nasce, além de dependente de outro
humano, com características que ainda precisam ser desenvolvidas para que
garantam a sua sobrevivência, e com o cérebro isso não é diferente. Porém,
quando atinge sua maturação, somos capazes de realizar muitas funções que
outras espécies não possuem.

Durante muito tempo acreditou-se que não se formavam novos


neurônios após o nascimento e que havia uma perda progressiva na
população neuronal à medida que envelhecemos. Hoje sabemos que
algumas regiões do cérebro mantém a capacidade de produzir novas
células pela vida inteira, ainda que esse fenômeno seja muito limitado.
Por outro lado, descobriu-se que as perdas que ocorrem ao longo da
vida são menos intensas do que se imaginava inicialmente. (Cosenza;
Guerra, 2011, p. 32)

Hoje sabemos que quando um bebê nasce, parte do sistema nervoso já foi
construído no período embrionário e fetal. Nas primeiras semanas embrionárias,
o sistema nervoso inicia o seu desenvolvimento a partir de um minúsculo tubo
com paredes formadas por células-tronco, que mais tarde formarão os neurônios.
A contínua divisão celular permite que o embrião vá aumentando de tamanho, e
o pequeno tubo vai ganhando paredes mais espessas. As células-tronco se
deslocam para os lugares que estão pré-determinadas geneticamente e começam
a se diferenciar, ou seja, começam a desenvolver seus prolongamentos, dendritos
e axônios. Vale ressaltar que os neurônios podem ter diferentes formatos e
tamanhos, a depender de cada região do sistema nervoso. A fase seguinte tem
como foco a formação das conexões entre os neurônios, criando circuitos,
ocorrendo o que chamamos de sinaptogênese, ou seja, a formação das sinapses
que irão completar efetivamente os circuitos nervosos (Cosenza; Guerra, 2011).
Conhecer o processo de formação do cérebro é relevante porque nos
permite compreender que as primeiras fases do desenvolvimento do sistema
nervoso são fundamentais para que as estruturas cerebrais possam desempenhar
suas funções, de modo que erros em alguma dessas fases podem ter
consequências patológicas ou incapacidades importantes. Após o nascimento, o
bebê possui um exponencial desenvolvimento motor que permitirá sua interação
com o ambiente, e essas interações é que estimularão a formação de novas
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sinapses em todo sistema nervoso, reforçando a mielinização das células e
tornando as vias mais eficientes. É por essa razão que o cérebro da criança dobra
de peso no primeiro ano de vida, tão importante são as novas ligações.
Temos aqui um ponto importante sobre a aprendizagem: a interação com
o ambiente é fundamental, porque permitirá a formação de conexões nervosas e
consequentemente a aprendizagem e o aparecimento de novos comportamentos.
Tal constatação é especialmente importante nos primeiros anos de vida, em que
o cérebro é mais plástico, ou mais permeável, favorecendo a aprendizagem, já
que está favorável para o aparecimento de novas ligações sinápticas. Obviamente
que isso não significa que o cérebro adulto não seja capaz de aprender. Ao
contrário disso, pesquisadores vêm reforçando a ideia da permanente plasticidade
do cérebro, ou seja, a sua capacidade de fazer e desfazer ligações entre os
neurônios a partir das experiências vividas. Ao longo da vida, é preciso reconhecer
que, embora a plasticidade persista, ela tende a diminuir, exigindo mais tempo e
esforço para a aprendizagem (Cosenza; Guerra, 2011).
Até aqui compreendemos a aprendizagem a partir de uma perspectiva
bioquímica, por meio dos sistemas de conexões e sinapses: “do ponto de vista
neurobiológico a aprendizagem se traduz pela formação e consolidação das
ligações entre células nervosas. É fruto de modificações químicas e estruturais no
sistema nervoso de cada um, que exigem energia e tempo para se manifestar”
(Cosenza, Guerra, 2011, p. 38).

5.1 Aprendizagem e memória

Se pensarmos que a aprendizagem está associada à aquisição de novas


informações, podemos compreender por qual motivo ela está intimamente
relacionada com a memória. Memória está relacionada à aquisição,
armazenamento e evocação de informações. Primeiramente, temos uma
experiência que é originada pela percepção sensorial. Essa informação da
experiência é então retida, guardada em nosso sistema de mnemônico, e depois
é recordada, ou lembrada (Quevedo; Izquierdo, 2020). Nesse sentido, o
“aprendizado é a aquisição, e memória, a retenção, a manutenção e a evocação
de informação pelo sistema nervoso central (SNC)” (Quevedo; Izquierdo, 2020, p.
219). Dessa forma, podemos fazer uma articulação com o tópico anterior,
podemos compreender que o aprendizado e a memória são materializados nos
neurônios.

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A informação a ser aprendida e memorizada origina-se habitualmente na
periferia e é levada ao SNC por sinais elétricos (potenciais de ação) por
vias aferentes. Muitas vezes, porém, a informação que será ou não
memorizada é endógena (pensamentos, ideias, ordens). No SNC, é
transformada em sinais bioquímicos que se armazenam e se
autorreproduzem por diversos períodos de tempo (memória imediata:
segundos; memórias de curta duração: minutos, horas; memórias de
longa duração: mais de seis horas, dias, anos). No momento da
evocação, esses sinais são reconvertidos em sinais elétricos que se
dirigem aos órgãos efetores (conjuntos musculares, glândulas),
produzindo a evocação específica de cada informação. (Quevedo;
Izquierdo, 2020, p. 220)

É importante reforçar que aquilo que é percebido pelo nosso sistema


sensorial pode ser neutro, ou pode vir acompanhado de alguma valência
emocional, seja ela negativa ou positiva. Essa valência emocional é dada quando
a informação atinge regiões do cérebro, como a amígdala. Dessa forma, os
processos neurais, o ambiente, as emoções e a memória estão intimamente
relacionados (Cosenza; Guerra, 2011).

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REFERÊNCIAS

AMTHOR, F. Neurociência para leigos. Alta Books Editora, 2017.

COCENSA, R. M. Neuroanatomia funcional básica para o neuropsicólogo. In:


FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: Teoria e Prática. Artmed Editora, 2014. p.
29-46.

CARAMASCHI, S.; JOAQUIM, R. M. A função comunicativa das emoções. In:


JOAQUIM, R. M. (Org.). Neuropsicologia das emoções: caracterização,
expressão fácil e aspectos psicopatológicos. Belo Horizonte: Editora Ampla,
2021.

COSENZA, R.; GUERRA, L. Neurociência e educação. Artmed Editora, 2009.

COSTA, C. H. F. da; JOAQUIM, R. M. Surpresa. In: JOAQUIM, R. M. (Org.).


Neuropsicologia das emoções: caracterização, expressão fácil e aspectos
psicopatológicos. Belo Horizonte: Editora Ampla, 2021.

FREITAS-MAGALHÃES, A. A Neurociência da Face Humana - O Cérebro e a


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