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Constituicao Estado de Emergencia e Administracao Sanitaria Alguns Problemas
Constituicao Estado de Emergencia e Administracao Sanitaria Alguns Problemas
Constituicao Estado de Emergencia e Administracao Sanitaria Alguns Problemas
PEDRO LOMBA
WWW.E-PUBLICA.PT
ISSN 2183-184x
e-Pública Vol. 7 No. 1, Abril 2020 (027-043)
PEDRO LOMBA
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Alameda da Universidade - Cidade Universitária
1649-014 Lisboa - Portugal
pedrolomba@fd.ulisboa.pt
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1. Introdução
Não há dúvida de que a crise sanitária causada pela pandemia da Covid-19 fez
surgir, no decurso dos últimos meses, um direito de emergência assente em
intervenções fortemente restritivas nos direitos dos cidadãos. A forma como esse
conjunto amplo de intervenções se alargou rapidamente a quase todos os aspetos
da vida social e económica, impondo o isolamento generalizado de pessoas e
o encerramento de empresas, estabelecimentos e atividades, deve muito a um
circuito complexo de decisões, órgãos e estruturas, os quais têm vindo a atuar a
coberto de diferentes regimes excecionais e extraordinários, ao longo das várias
fases em curso de travagem da epidemia.
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it, 1, 2020, p. 83 (criticando a ausência do Parlamento (“a Constituição parece ter sido colocada
em quarentena”).
7. Cf. Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de
novembro, e pela Lei Orgânica n.º 1/2012, de 11 de maio.
8. C. Schmitt, Political Theology, The University of Chicago Press, 1985, p. 5
9. Sobre um sentido amplo do conceito de “normas de produção jurídica”, entendidas como
normas que não se limitam a habilitar os órgãos competentes para a emanação de normas mas
também “predeterminam o conteúdo das normas futuras”, ver R. Guastini, Estudios de Teoría
Constitucional, México, DR, 2001, p. 88. Sob um ponto de vista da teoria das normas, a emer-
gência pode ser entendida como uma norma jurídica excecional que regula a adoção de outras
normas jurídicas excecional.
10. C. Schmitt, Political, p. 12. Precisamente, Schmitt entendia que o modelo definido
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21. Este modelo consistiria em, modernizando a ditadura romana, atribuir poderes de
emergência ao executivo, com a diferença de que o executor dos poderes de emergência dispõe
de um mandato democrático e popular, como sublinham J. Ferejohn e G. Pasquino, Internatio-
nal Journal of Constitutional, p. 213.
22. O modelo legislativo não dispensa, todavia, várias condições. Desde logo, é necessário
que o legislador pretenda, de facto, assumir o seu papel “legislativo”. Note-se que a doutrina
portuguesa tem sido muito crítica do que chama de “abdicação parlamentar” na gestão nacional
da crise pandémica. P. Costa Gonçalves, Observatório Almedina, cit.
23. Também sobre a adoção de legislação especial de emergência, O. Gross e F. Ní Aol’Ain,
Law in Times of Crisis - Emergency Powers in Theory and Practice, Cambridge, Cambridge
University Press, 2006, pp. 67-68.
24. Isto apesar de algumas exceções marginais, em particular a Lei n.º 1-A/2020, de 19 mar-
ço, que, entre outras medidas, veio suspender os prazos e as diligências procedimentais atendendo
à situação de pandemia, mas que no seu conjunto constituem intervenções destinadas a minimizar
os efeitos da pandemia e não a travar a pandemia em si.
25. Agradeço o comentário de Joaquim Cardoso da Costa sobre este aspeto, que merecia
mais desenvolvimentos.
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Ou seja, é desde logo inequívoco que, quanto mais alargada for a estrutura de
objetivos a prosseguir com o estado de emergência, maior será a liberdade de
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escolha e conformação dos meios adotados para a sua aplicação. Esta afirmação
não se verifica apenas num plano quantitativo - mais fins, mais meios -, mas
sobretudo no que respeita à forma como as medidas de emergência ficam
“autorizadas” a expandir-se no tecido social, regulando um número considerável
de situações da vida. Tendo em conta que o teste de aptidão não exige que o meio
escolhido realize cabalmente o fim visado32, e que só em situações excecionais
se poderá concluir que certo meio é arbitrário33, tal significa que poderão ser
adotadas inúmeras medidas restritivas tidas como apropriadas, apesar de não ser
imediatamente comprovável o conhecimento da sua aptidão para alcançarem os
fins propostos34. Por outro lado ainda, uma vez que não é possível prever ex ante
os respetivos resultados na aproximação aos fins, poderão ser adotados vários
meios alternativos, alguns deles experimentais, cuja eficácia vai sendo testada e
comprovada pelo decurso do tempo35.
A este respeito, já foi referida a diferença que separa um fim “difuso”, como
o “combate ao vírus”, de outro relativo à “capacidade de resposta ao processo
pandémico36”, que compreende (sem se esgotar aí) a capacidade de resposta do
Serviço Nacional de Saúde (v.g, o número de camas de cuidados intensivos, de
ventiladores ou médicos). Em princípio, a abolição generalizada de qualquer
esfera de contacto ou relação entre pessoas cumprirá sempre a finalidade relativa
ao combate ao vírus, ainda que consubstancie uma intervenção particularmente
agressiva para os direitos fundamentais. Porém, se a formulação do fim for
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37. Idem.
38. Com referências fundamentais sobre o “direito de emergência”, enquanto figura distinta
do estado de necessidade administrativa, veja-se P. Costa Gonçalves, Manual de Direito Admi-
nistrativo, Vol. 1, Almedina, 2019, p. 1064.
39. Cfr. Lei n.º 81/2009, de 21 de Agosto, que “institui um sistema de vigilância em saúde
pública”.
40. Justamente, lê-se no n.º 3 do artigo 17.º da Lei n.º 81/2009 que “as medidas previstas
devem ser aplicadas com critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e
garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei.”
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Devemos agora assinalar um outro efeito deste poder reforçado. Não há dúvida
de que, num contexto pandémico, como vimos, caracterizado pela incerteza
factual e temporal dos meios utilizados para o combate à evolução da doença,
mas também pela necessidade permanente de avaliação, revisão e adaptação
dos seus instrumentos, a intervenção da Administração de emergência não é
somente necessária; ela é, de várias maneiras, necessariamente reforçada41.
Na medida em que o controlo do ciclo de desenvolvimento da epidemia – das
fases de “contenção” à “mitigação” – requer a intervenção especializada das
41. Mesmo no estado de emergência constitucional, é o que resulta, a nosso ver, do n.º 2
do artigo 9.º da Lei n.º 44/88: “o estado de emergência apenas pode determinar a suspensão
parcial do exercício de direitos, liberdades e garantias, prevendo-se, se necessário, o reforço dos
poderes das autoridades administrativas civis”. Isto é, o reforço dos poderes das autoridades
administrativas civis surge como consequência necessária de uma suspensão de direitos parcial
e de menor impacto.
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Neste aspeto, é importante deixar a nota – e aqui, apenas a nota - de que a forma
de gestão administrativa da atual crise epidémica parece ter secundarizado a rede
de entidades e estruturas que constituem, de acordo com a lei, o referido sistema
42. Levando este ponto até às últimas consequências, por referência ao pós-11 de setembro
de 2001 e pós-crise financeira de 2008, veja-se E. A. Posner e A. Vermeule, The Executive
Unbound after the Madisonian Republic, Oxford University Press, 2010, pp. 103 ss., e afirman-
do que em cenário de emergência “um direito administrativo schmittiano é inevitável”. Entre
nós, G. Almeida Ribeiro, “O estado de exceção constitucional”, in Observador, disponível em:
https://observador.pt/especiais/o-estado-de-excepcao-constitucional/ (“a excepção justifica um
reforço do poder executivo porque reclama ação expedita e adaptável”).
43. Cfr. Artigo 17.º da Lei n.º 81/2009.
44. Nos Estados Unidos, mencionando a este respeito a “distributed dictatorship”,
caracterizada pela delegação de poder em diferentes órgãos e agências administrativas, S. Le-
vinson e J. M. Balkin, “Constitutional Dictatorship: Its Dangers and Its Design”, in Minnesota
Law Review, n.º 1789, 2009-2010, pp. 1840-1841.
45. Apesar de o artigo 21.º da Lei n.º 44/86 prever a possibilidade de o Governo escolher e
nomear comissários, com vista a “assegurar o funcionamento de institutos públicos, empresas
públicas e nacionalizadas e outras empresas de vital importância nessas circunstâncias”.
46. Cfr. Artigo 1.º da n.º 81/2009.
47. Cfr. Artigo 12.º da Lei n.º 81/2009.
48. Cfr. Artigos 4.º, 5.º e 7.º da Lei n.º 81/2009.
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atividades económicas.
5. Conclusão
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