Business">
Contrato de Mútuo Conversível - Artigo
Contrato de Mútuo Conversível - Artigo
Contrato de Mútuo Conversível - Artigo
SÃO PAULO
2022
2
SÃO PAULO
2022
3
BANCA EXAMINADORA
________________________________
PROF. DR. MARCELO GUEDES NUNES
________________________________
PROF. DR. IVO WAISBERG
________________________________
PROF. DR. ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS
4
AGRADECIMENTOS
Período difícil durante o qual cursei o Mestrado em Direito Comercial, sem me furtar,
entretanto e em nenhuma medida, de meu dever de dedicação ao desafio acadêmico para o qual
me propus. Pandemia. Enfermidade de Juliana, meu porto seguro, que, inclusive, impôs-me,
durante o meu estágio docente, a dar aula, remotamente, dentro de um hospital, no crédito de
Sociedades Anônimas, sob a tutela, a admiração, o carinho e o esmero da Profa. Maria Eugênia
Finkelstein, a quem tanto agradeço.
Para a pandemia, perdi um amigo, Gustavo de Freitas Cavalcanti Costa, que muito me
incentivou a fazer o mestrado para “pensar diferente”. Agradeço-lhe, saudosamente, onde
estiveres. Teu apoio sempre ecoará em minha mente e em meu coração.
Ao meu orientador e professor de Direito Societário, Prof. Marcelo Guedes Nunes, que
tanto me apoiou, orientou e contribuiu para o meu “pensar diferente”. Minha trajetória
acadêmica se divide em antes e depois de suas lições.
Aos meus sócios e irmãos da vida, Marcelo Pupe Braga e Gustavo Vieira de Melo
Monteiro, profissionais que tanto me inspiram e que tanto me apoiaram e me respeitaram
durante essa jornada, sobretudo pelas contingências de minha ausência, meus genuínos
agradecimentos.
Aos advogados, assistentes, estagiários e colaboradores do Pupe Braga Monteiro Zirpoli
Advogados, que tanto assumiram meus desafios profissionais enquanto me dedicava à
academia.
Aos meus pais, Miguel e Rosemary, pelo apoio incondicional e pela defesa intransigente
dos estudos – como fonte constante de engrandecimento humano.
Aos meus irmãos, Vicente e Sophia, pelo preenchimento das lacunas durante minhas
renúncias familiares.
Aos amados amigos, Gustavo Moreira Maia e Consuelo Maia, que, nas idas semanais a
São Paulo, sempre me acolheram de braços abertos, com um sorriso no rosto, e jamais sob
qualquer condição.
Aos que me ajudaram, direta e indiretamente, desde o começo – ainda no processo
seletivo – até aqui, André Luiz Santa Cruz Ramos, Bruno Caraciolo, Sophia Domingos Zirpoli,
minha amada irmã, Marcelo Barbosa Sacramone, Marcus Elidius Michelli de Almeida, Ivo
Waisberg, Maria Celeste Cordeiro Leite Santos, Nathaly Campitelli Roque, Leonardo Carneiro
da Cunha, Gustavo Henrique Trajano de Azevedo, Urbano Vitalino de Melo Neto, Hermes de
Assis, Luis Ribeiro, Fábio Cury, Diogo Lopes de Oliveira, Renato Saeger Magalhães Costa e,
6
sem dúvida, aos amigos que construí na universidade. Como já diz o ditado: “a gratidão é a
memória do coração”.
Por fim e em especial, às mulheres que preenchem minh’alma, Juliana, minha esposa,
Maria Luiza e Maria Fernanda, minhas filhas, agradeço-lhes por tanto apoio e compreensão por
minhas viagens semanais e ausências para a dedicação aos estudos durante os créditos cursados
e a elaboração do presente trabalho. Vocês sempre estiveram presentes e beijadas em meu
(in)consciente.
7
RESUMO
ABSTRACT
The purpose of this work is to scrutinize the Brazilian convertible note agreement into equity,
created from the convertible notes of the United States of America, which represents a complex,
hybrid and secure legal business that allows the capitalization of the most diverse corporate
structures, which can use this alternative to avoid abusive bank interest rate in Brazil and the
difficulty of accessing the capital market. The Brazilian convertible note agreement into equity,
at the end of its term, has a triple option of a unilateral, subjective right and acceptance of will
of the investor/lender: a) convert the credit by offsetting (Brazilian Civil Code: art. 368) with
the payment of the subscribed share capital; b) be refunded the credit, if the conditions
precedent (Brazilian Civil Code: art. 125) are not met by the investee/borrower and its partners;
or c) debt forgiveness, which, in practice, will have occurred as a donation (Brazilian Civil
Code: art. 538). Such structuring clearly contributes to the economic context of capitalization
of business companies, especially due to the speed that funding can be provided to business
companies, without depending on bureaucratic and regulatory acts. Such atypical, hybrid, real,
bilateral, onerous, commutative, solemn, principal, continuous execution contract (successive
agreement) and, above all, very personal, little studied in the country, represents a safe and
effective means of capitalization of companies, contributing to the promotion of the economy,
its economic agents, and its stakeholders.
KEYWORDS: Convertible note agreement into equity. Debt convertible into equity. Atypical
capitalization of corporate structures. Limited liability company and business corporation.
9
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11
2. NOTAS HISTÓRICAS SOBRE O CONTRATO DE MÚTUO CONVERSÍVEL ...... 15
2.1. A convertible note na experiência internacional ........................................................... 15
3. IMPORTÂNCIA ECONÔMICA DO MÚTUO CONVERSÍVEL ................................ 21
3.1. Do desenvolvimento econômico nacional provocado pela capitalização das sociedades
de tipos maiores através de instrumentos de dívida conversível .......................................... 21
3.2. A simplificação do processo de captação de dívida conversível em equity. O paradigma
brasileiro das debêntures conversíveis. A dificuldade de acesso ao mercado de capitais ... 23
3.3. O mútuo conversível como mecanismo de proteção ao investidor ............................... 28
4. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO MÚTUO CONVERSÍVEL ................... 34
4.1. Os planos da existência, validade e eficácia do Contrato de Mútuo Conversível em
Participação Societária ......................................................................................................... 40
4.2. A distinção jurídica entre mútuo conversível e debêntures conversíveis. A
(im)possibilidade de emissão de debêntures por sociedades limitadas ................................ 43
5. CLASSIFICAÇÃO DO CONTRATO DE MÚTUO CONVERSÍVEL ........................ 51
5.1. Classificação sob a perspectiva da conversão do crédito em equity ............................. 52
6. PARTES .............................................................................................................................. 58
6.1. O investidor ................................................................................................................... 59
6.2. A sociedade limitada como mutuária ............................................................................ 63
6.3. A sociedade anônima como mutuária ........................................................................... 67
7. CLÁUSULAS ESSENCIAIS E FACULTATIVAS......................................................... 70
7.1. Cláusulas essenciais ...................................................................................................... 70
7.1.1. A cláusula de conversão do crédito em participação societária ........................... 70
7.1.1.1. A conversão do crédito em equity na sociedade limitada ............................... 73
7.1.1.2. A conversão do crédito em equity na sociedade anônima .............................. 75
7.1.2. As condições precedentes à conversão do crédito em participação societária: a
transformação de tipo societário, o acordo de sócios para estabilização de relações e atas
de assembleia e/ou de reunião de conselho de administração ou alteração contratual . 79
7.1.3. O use of proceeds do objeto do contrato de mútuo ................................................ 82
7.1.4. A delimitação temporal (vencimento contratual)................................................... 83
7.1.4.1. O vencimento do prazo de restituição ............................................................. 83
7.1.4.2. O vencimento antecipado ................................................................................ 84
10
7.1.5. Cláusula Compromissória obrigatória por questão regulatória. Regra própria dos
Fundos de Investimento em Participação – FIPs ............................................................ 86
7.2. Cláusulas facultativas de proteção ao investidor........................................................... 87
7.2.1. Declarações e garantias (representations and warranties) ................................... 89
7.2.2. As cláusulas futuras em acordo de sócios .............................................................. 93
8. OBRIGAÇÕES DAS PARTES E EXTINÇÃO DO CONTRATO DE MÚTUO ....... 103
8.1. Obrigações das Partes.................................................................................................. 103
8.2. A extinção do mútuo em razão da conversão do crédito em equity ............................ 103
9. CONTABILIZAÇÃO DO MÚTUO CONVERSÍVEL PARA AS PARTES .............. 105
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÃO .......................................................... 109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 112
11
1. INTRODUÇÃO
Não parece mais oportuno para o Direito Societário, especificamente diante do contexto
de crises de solvabilidade da empresa – enquanto atividade econômica organizada para
produção ou circulação de bens e serviços (CC, art. 966), sobretudo em decorrência da ainda
atual, infelizmente, pandemia provocada pela Covid-19 –, bem como da efervescência das
atividades de investimento em sociedades de capital nascente (as chamadas startups1), que se
incentive (ou se busque incentivar) o uso de instrumentos atípicos e dinâmicos de capitalização
de sociedades, com vistas a viabilizar, no ambiente do empreendedorismo, o fomento ágil de
atividades econômicas, dos mais variados espectros, o recolhimento de tributos e a circulação
de riquezas, bem como, para as empresas em colapso, a superação da situação de crise
econômico-financeira, de modo a permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos
trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua
função social e o estímulo à atividade econômica (LREF, art. 47).
O uso de estruturas atípicas de capitalização de sociedades merece incentivo e deve
superar barreiras, ainda que ideológicas, decorrentes desses modelos predeterminados de
investimento para portes e naturezas das sociedades, o que ocorre, no campo empírico, com os
modelos de funding em sociedades de estágios iniciais e de crescimento (como dito, as
startups), na medida em que as capitalizações atípicas permitem rápido e eficiente
financiamento por terceiros, viabilizando aporte de recursos para consecução do objeto social
de determinado negócio.
É nesse contexto que se propõe o estudo do que se importou para o Brasil do chamado
Contrato de Mútuo Conversível em Participação Societária, figura contratual que parte de uma
tipicidade prevista no Código Civil, mas que, em caso de exercício por parte do investidor do
direito de conversão da dívida em capital, ostenta evidente carga atípica, desnaturando o
contrato típico.
O uso de estrutura de empréstimo conversível em participação já se observava nas
convertible notes utilizadas nos negócios de venture capital e de private equity dos Estados
1
O termo startup, que, em tradução livre, significa começar algo, foi importado da realidade empresarial anglo-
saxã, precisamente no Vale do Silício, com as milhares de empresas .com que lá surgiram, tendo como objeto
desempenhar, por meio de uma tecnologia inovadora, uma atividade (empresária) escalável e com controle
significativo dos gastos, podendo atuar em qualquer contexto econômico, como, por exemplo, em saúde
(healthtechs), no mercado jurídico (legaltechs ou lawtechs), no mercado financeiro (fintechs), ante o governo
(govtechs) e no âmbito educacional (edtechs). Na ordem jurídica nacional, as startups tiveram seu marco legal
instituído por meio da Lei Complementar 182/2021, que conceitua em seu art. 4º que “são enquadradas como
startups as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-
se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”.
12
2
Havia certa discussão acadêmica acerca da efetiva extinção das EIRELIs não empresárias, que tinham seus atos
submetidos ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas – RCPJ (CC, art. 1.150), já que – em uma síntese muito
apertada – a Lei 14.195/2021 submetia ao Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI
a regulamentação para transformação das EIRELIs em sociedades limitadas unipessoais, escapando, assim, do
campo de incidência da norma contida no art. 41 da referida lei (e do próprio DREI) as EIRELIs com seus atos de
registro submetidos ao RCPJ. O fato é que a Lei 14.195/2021 revogou tacitamente a EIRELI (pelo regime
incompatível); o inciso VI do art. 44 e o Título I-A do Livro II da Parte Especial (art. 980-A), ambos do Código
Civil, foram, agora, expressamente revogados por meio da Medida Provisória 1.085/2021.
13
ser previsto no art. 5º, §1º, IV, do Marco Legal das Startups, Lei Complementar 182/20213.
Essa é a base para entender o fenômeno jurídico da atualidade.
Partiremos, dessa forma, da importação do Direito norte-americano para o Brasil da
chamada convertible note ou nota conversível, que representa, basicamente, uma nota
promissória (como título representativo de uma promessa de pagamento) que pode ser
convertida em participação, a exemplo de uma debênture conversível (de mesma natureza
jurídica), a depender de certos gatilhos exercício do direito de conversão pelo investidor, os
quais, no Brasil, são condições suspensivas (CC, arts. 125 e 126).
Neste particular, a cláusula de conversão é direito subjetivo do investidor, que, ao querer
exercê-lo, tem o condão de alterar a natureza jurídica do Contrato de Mútuo Conversível,
instrumentalizando, assim, negócio jurídico unilateral aperfeiçoado de forma receptícia da
vontade do investidor/mutuante, tornando-o atípico.
Trataremos, ainda, da importância econômica do uso de uma estrutura atípica de
capitalização de empresas que pode ser convertida em participação societária, que acaba por
ser mais célere e menos onerosa para as tomadoras de valores mutuados do que as estruturas
típicas previstas em lei, como a subscrição e integralização de capital social e a própria
debênture conversível, possuindo, ainda, a mesma segurança jurídica das outras estruturas
típicas de capitalização aqui mencionadas, com as ressalvas, entretanto, que abordaremos no
desenvolvimento do presente estudo, especialmente a possibilidade de caracterização de uma
sociedade em comum.
Em sequência, trataremos do conceito e da natureza jurídica do Contrato de Mútuo
Conversível em Participação Societária, partindo de uma interpretação própria do mútuo típico
previsto na legislação civil, ou seja, aquele negócio jurídico que visa o empréstimo de bens
fungíveis, por meio do qual o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu
em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Abordaremos a classificação do Contrato de Mútuo Conversível em Participação
Societária; as partes que celebram tal negócio jurídico; as cláusulas essenciais e facultativas,
levando-se em consideração, inclusive, a prática nacional e internacional, baseando-se na note
purchase agreement, contrato que regulamenta a convertible note.
Por fim, trataremos das obrigações das partes e modalidades de extinção do contrato de
mútuo conversível, abordando, ainda, aspectos contábeis do referido negócio jurídico
complexo.
3
Já havia o § 1º do art. 65-A da Lei Complementar 167/2019, devidamente revogado pela Lei Complementar
182/2021, que tratava da caracterização de uma atividade como startup.
14
Spencer Williams, professor da Stanford Law School, registra que essas estruturas de
dívida conversível, notadamente as convertible notes, representam um investimento de quase-
capital4, apresentando cláusulas típicas (de um instrumento de dívida), como taxas de juros
(interest rate), quantia arrecadada (amount raised) – quando ocorre uma sindicalização do
funding –, prazo de vencimento (maturity date), conversão (conversion), mandato para
exercício de opção de compra (warrants), garantia (collateral), subordinação dos interesses do
credor em detrimento da companhia (subordination), reembolso múltiplo em caso de restituição
do mútuo por parte da companhia (repayment multiple) e financiamento em etapas (staged
4
“Debt in the venture financing context is typically convertible to equity and therefore debt venture financings
can be thought of as quasi-equity investing”. Numa tradução livre, a “dívida no contexto de financiamento de risco
é normalmente conversível em capital e, portanto, os financiamentos de risco de dívida podem ser considerados
como investimento de quase-capital” (WILLIAMS, Spencer. Venture Capital Contract Design: An Empirical
Analysis of the Connection Between Bargaining Power and Venture Financing Contract Terms. Fordham Journal
of Corporate & Financial Law, v. 23, n. 1, 2017. Disponível em: https://law.stanford.edu/wp-
content/uploads/2018/01/Venture-Capital-Contract-Design_-An-Empirical-Analysis-of-the-Co.pdf. Acesso em:
29 set. 2021.
16
financing), alertando, ainda, o referido professor que as estruturas de dívida são bem menos
estudadas em corporate finance do que as estruturas de equity, mas que possuem papel
importante no cenário de financiamento de risco.
Concordamos integralmente com o referido autor. De fato, é muito mais complexo e
interessante o estudo, dentro dos princípios do corporate finance, das estruturas de equity
(capital social) do que as estruturas de dívida conversível (ou como Spencer William as
qualifica: quasi-equity), como um verdadeiro mecanismo (ponte) de capitalização de
sociedades – que, em manifestação unilateral do investidor e a depender de certos mecanismos
contratados, converte-se uma dívida em capital social (equity), com todo o elã que o tema
provoca – e que aqui abordaremos.
Sobre a convertible note, utilizada fundamentalmente em investimentos de venture
capital nos Estados Unidos da América, John F. Coyle e Joseph M. Green, professores da
University of North Carolina School of Law e da Central Michigan University – College of
Business Administration, assim ensinam:
Historically, the primary purpose of the convertible note in venture finance was to
serve as a “bridge” between one round of venture financing and the next. A
convertible note, as the name suggests, is a debt instrument that may be converted
into equity. The convertible note pays interest, has a formal maturity date, gives the
holder priority over equity holders, and puts the holder on an equal footing with other
unsecured debt holders and trade creditors in liquidation. In contrast to straight debt,
however, convertible notes may be converted into common stock or preferred stock,
thereby giving the holder a chance to participate in the upside if a company ultimately
achieves a successful exit5.
5
COYLE, John F.; GREEN, Joseph M. Contractual Innovation in Venture Capital. Hastings Law Journal, v. 66,
2014. p. 151. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2417431&download=yes.
Acesso em: 15 out. 2021.
Em tradução livre: “Historicamente, o objetivo principal da nota conversível no financiamento de risco era servir
como uma ‘ponte’ entre uma rodada de financiamento de risco e a seguinte. Uma nota conversível, como o nome
sugere, é um instrumento de dívida que pode ser convertido em ações. A nota conversível paga juros, tem uma
data de vencimento formal, dá ao detentor prioridade sobre os acionistas e coloca o detentor em pé de igualdade
com outros detentores de dívida não garantida e credores comerciais em liquidação. Em contraste com a dívida
direta, no entanto, as notas conversíveis podem ser convertidas em ações ordinárias ou preferenciais, dando, assim,
ao detentor a chance de participar do lado positivo se a empresa finalmente conseguir uma saída bem-sucedida”.
17
6
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The End of Bankruptcy. Stanford Law Review, v. 55, 2002-2003,
p. 758. Disponível em:
https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2045&context=journal_articles. Acesso em: 7
dez. 2021.
18
7
MAYNARD, Therese H; WARREN, Dana M. Business Planning: Financing the Start-Up Business and Venture
Capital Financing. Wolters Kluwer Law & Business: 2010. p. 431.
Em tradução livre: “Uma possível alternativa às ações ordinárias é um título híbrido de dívida e patrimônio líquido.
Um exemplo de tal instrumento é a dívida conversível, que é um empréstimo cujo saldo em aberto pode ser
convertido em ações ordinárias ou preferenciais, em vez de ser reembolsado em dinheiro, a critério do investidor.
Um título de dívida conversível dá ao investidor a maior prioridade de um detentor de dívida (no caso de falência
da empresa) e a capacidade de cobrar uma taxa de juros, dando-lhe o direito de trocar o título por um número
definido de ações para tirar proveito do lado positivo do patrimônio líquido.
A dívida conversível, no entanto, não evita o problema da empresa de ter que fazer os pagamentos do empréstimo
e, de fato, esse problema é agravado para o investidor pelo fato de que, à medida que é reembolsado, a oportunidade
de patrimônio líquido desaparece com a diminuição da dívida pendente. A dívida conversível apresenta ao
investidor o dilema contínuo de decidir se aceita o dinheiro de reembolso e mantém a prioridade mais alta de
manter um instrumento de dívida, ou declina os pagamentos e converte o saldo devido em ações de maior risco.
Além disso, ter um título que combina a prioridade da dívida (ou seja, menor risco) com o lado positivo do
patrimônio líquido (ou seja, um retorno potencialmente maior) sugere que o preço deve ser relativamente alto. Em
geral, a dívida conversível é desfavorecida para startups porque algum fluxo de pagamento é geralmente
necessário, enquanto os investidores estão cautelosos porque não evita a limitação estrutural fundamental da dívida
observada anteriormente nesta discussão e o tamanho do componente de capital nunca parece suficiente para
superar essa limitação”.
19
desistem dos seus títulos em troca de ações”8. No Brasil, particularmente, não se desiste dos
seus títulos. Há uma verdadeira “novação” da relação jurídica anterior.
Ainda sobre as convertible notes, porém agora na Austrália, vejamos o que ensinam
Darren Magennis, professor da University of Western Sidney, e Edward Watts e Sue Wright,
professores da Macquarie University:
Convertible notes are found to have an amalgam of debt and equity characteristics
rather than being simply a substitute for equity (as suggested by Stein (1992)) or a
substitute for debt (Brigham (1966)).
(...)
In this way, convertibles could be viewed as a “ready-made” capital structure. A
single convertible note issue may be a simpler and cheaper alternative to separate
debt and equity issues to achieve a desired mix of debt and equity in the issuer’s
balance sheet9.
8
BREALEY, Richard A.; MYERS, Stewart C.; ALLEN, Franklin. Principles of Corporate Finance. 11th ed. New
York: The McGraw Hill, 2014. p. 617.
9
MAGENNIS, Darren; WATTS, Edward; WRIGHT, Sue. Convertible Notes: the debt versus equity classification
problem. p. 15. Disponível em:
https://www.academia.edu/27147635/Convertible_notes_the_debt_versus_equity_classification_problem.
Acesso em: 29 set. 2021.
Em tradução própria: “As notas conversíveis apresentam um amálgama de características de dívida e capital social,
em vez de serem simplesmente um substituto para o capital social (sugerido por Stein (1992)) ou um substituto
para a dívida (Brigham (1966)).
(...)
Dessa forma, os conversíveis podem ser vistos como uma estrutura de capital ‘pronta’. Uma única emissão de nota
conversível pode ser uma alternativa mais simples e mais barata para separar as emissões de dívida e patrimônio
para obter uma combinação desejada de dívida e patrimônio no balanço do emissor”.
20
Debt obligations are issued against the corporation’s actual or prospective earning
power even more than against its assets. The power to issue bons and other debt
obligations is not dependent, as stock issues are, on express authorization by the
corporate charter. Debt financing thus provides more flexibility because there
generally is no need for prior shareholder approval13.
10
Súmula 596: “As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos
cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro
nacional”.
11
Diz-se em tese em razão de o ato constitutivo de determinada sociedade investida poder prever a necessidade
de deliberação prévia de seus sócios para tomada de dívida – inclusive, acima de um determinado valor, em
complemento, assim, às matérias deliberativas previstas no art. 1.071 do Código Civil, além dos arts. 136 e 142
da Lei das Sociedades por Ações.
12
Não estamos contemplando aqui a hipótese de exercício da conversão. Caso exercido o direito subjetivo à
conversão, deliberação social precisará ocorrer para formalizar a emissão de novas frações de capital, subscritas
pelo investidor e integralizadas por compensação do direito de crédito com a obrigação de integralização das
frações de capital subscritas, conforme será visto nos itens 7.1.1.1 e 7.1.1.2, infra.
13
COX, James D.; HAZEN, Thomas Lee. Business Organizations Law. Third Edition. Thomson Reuters, 2011.
p. 532.
22
Pelo fato de ser um instrumento possível de ser celebrado fora do contexto das entidades
integrantes do sistema financeiro, contribui-se para a desconcentração da atividade financeira
e a desmonopolizacão da atividade bancária, o que acarreta a contratação de mútuos
conversíveis em respeito aos juros legais.
Neste particular, merece esclarecer que, para o caso de Mútuo Bancário, não há a
limitação do art. 406 do Código Civil, o que será visto mais adiante.
Portanto, através do Contrato de Mútuo Conversível em Participação, pode-se celebrar
um negócio jurídico de dívida conversível (i) célere; (ii) com taxas de juros, nominais e reais,
Em tradução livre: “As obrigações de dívida são emitidas contra o poder aquisitivo real ou potencial da empresa,
ainda mais do que contra seus ativos. O poder de emitir bons e outras obrigações de dívida não depende, como as
emissões de ações, de autorização expressa do contrato social. O financiamento de dívidas, portanto, oferece mais
flexibilidade porque geralmente não há necessidade de aprovação prévia dos acionistas”.
14
YAZBEK, Otávio. A modernização do regime das debêntures e a criação de um mercado de dívida de longo
prazo no Brasil. In: CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de; WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge; GUERREIRO,
Carolina Dias Tavares (coord.). Direito empresarial e outros estudos em homenagem ao Professor José Alexandre
Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 565.
23
mais vantajosas (portanto, mais barato); (iii) de curto, médio ou longo prazo; (iv) mais simples;
e (v) sem as burocracias costumeiramente exigidas pelas instituições financeiras em relação,
por exemplo, às garantias reais.
15
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 281-282.
24
Bonds or debentures are essentially promissory notes with more elaborate provisions
the ordinary commercial loans. They are generally long-term, but in times of
fluctuating interest rates shorter-term instruments are not uncommon. Despite its
existence as a corporate debt, the longer-term instrument has led to the view of
bondholders as “joint heirs in the corporate fortunes-participants in the success or
failure who have been given preferential rights in the common hazard”17.
Para que as debêntures sejam emitidas, deve-se, nos exatos termos do que restou
deliberado em Assembleia Geral Extraordinária – órgão societário competente para autorização
de sua emissão (LSA, arts. 59 e 122, IV) –, firmar uma escritura de emissão, na qual constarão
os direitos conferidos pelas debêntures, suas garantias e demais cláusulas ou condições (LSA,
art. 61), incluindo se elas são conversíveis em ações ou não.
Emitidas as debêntures e subscritas pelos debenturistas, passarão estes a deter um direito
de crédito, recebendo, assim, os juros remuneratórios, a participação nos lucros e o prêmio de
reembolso, com a faculdade de ter seus títulos convertidos em ações da Companhia emitente
(investida), tudo de acordo com o que restou autorizado em Assembleia Geral Extraordinária
(LSA, art. 59, VII).
Nesse sentido, vejamos o que nos ensinam Nelson Eizirik, Ariádna Gaal, Flávia Parente
e Marcus de Freitas Henriques:
16
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: contratos e obrigações comerciais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2019. p. 258.
17
COX, James D.; HAZEN, Thomas Lee. Business Organizations Law. Third Edition. Thomson Reuters, 2011.
p. 534.
Em tradução livre: “Títulos de crédito ou debêntures são essencialmente notas promissórias com disposições mais
elaboradas do que empréstimos comerciais comuns. Geralmente são de longo prazo, mas em tempos de taxas de
juros flutuantes, os instrumentos de curto prazo não são incomuns. Apesar de sua existência como uma dívida
corporativa, o instrumento de longo prazo levou à visão dos detentores de títulos como ‘herdeiros conjuntos nas
fortunas corporativas – participantes no sucesso ou fracasso que receberam direitos preferenciais no risco comum”.
25
As bases de conversão, a espécie e a classe das ações em que poderá ser convertida,
o prazo ou a época para o exercício do direito à conversão e as demais condições a
que a conversão fique sujeita deverão estar estipuladas na escritura de emissão (artigo
57 da Lei das S.A.).
(...)
Em síntese, vislumbram-se nas debêntures conversíveis dois direitos: o de crédito e o
de subscrição de ações da companhia emissora18.
Aqui cabe um parêntese. O direito previsto no art. 174, § 3º, da LSA, conforme ensinado
anteriormente por João Vitor Ordones da Costa Cruz, o qual confere aos debenturistas, reunidos
em assembleia especial, o direito de vetar a redução de capital da companhia, quando contrária
a seus interesses, pode igualmente ser contratado no Contrato de Mútuo Conversível, em
respeito à autonomia plena da vontade das partes, conferindo tal prerrogativa igualmente ao
mutuante/investidor.
Entretanto, a cada elemento que aproxima uma relação de crédito (própria de mútuo) de
uma efetiva relação societária acarreta riscos de caracterização de uma sociedade em comum
18
EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcos de Freitas, apud REIS, Edgar
Vidigal de Andrade. Startups: análise de estruturas societárias e de investimento no Brasil. São Paulo: Almedina,
2018. p. 101.
19
CRUZ, João Vitor Ordones da Costa. Emissão privada de debêntures conversíveis como mecanismo de
mitigação de risco. In: GONTIJO, Bruno Miranda; VERSIANI, Fernanda Valle (coord.); CRUZ, João Vitor O. da
Costa; PENNA, Thomaz Murta (org.). Direito societário e mercado de capitais. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018.
p. 69-72.
26
Por poder ser firmado pelas Sociedades Limitadas, permite que as mutuárias/investidas
continuem sendo regidas pelo Simples Nacional, o que não é possível para as sociedades
anônimas, conforme previsão do art. 3º, § 4º, X, da Lei Complementar 123/2006.
Nesse sentido, vejamos o que entende Edgar Vidigal de Andrade Reis:
Há algumas razões bem relevantes para optar pela realização do investimento por
meio do mútuo conversível em participação societária.
A primeira a ser mencionada é tributária. Uma parte relevante das startups é
constituída na forma de sociedade limitada e beneficiam-se do regime tributário do
Simples Nacional. Como já dito anteriormente (ao tratar dos pontos de atenção do
investimento por obtenção de participação societária, na subseção 4.1.1.), as
sociedades que têm sócias pessoas jurídicas são vedadas de usufruir desse regime.
Dessa forma, nesse ponto o investimento por meio de instrumento de mútuo
conversível aparece como uma excelente alternativa em relação à obtenção de
participação societária, visto não haver limitações para as startups, ao utilizarem desse
instrumento, continuarem valendo-se do regime tributário do Simples Nacional20.
Note-se que, por mercado de capitais não se entende somente as ofertas públicas de
valores mobiliários ou o as (sic) negociações no mercado secundário: as ofertas privadas
também são operações de mercado de capitais, já que, nelas, as instituições
intermediárias não praticam atividade privativa de instituição financeira, mas agem
como facilitadores nas distribuições de valores mobiliários21.
20
REIS, Edgar Vidigal de Andrade. Startups: análise de estruturas societárias e de investimento no Brasil. São
Paulo: Almedina, 2018. p. 99.
21
VEIGA, Marcelo Godke; OIOLI, Erik Frederico. As sociedades limitadas e os mercados de capitais. In:
AZEVEDO, Luís André N. de Moura; CASTRO, Rodrigo R. Monteiro. Sociedade limitada contemporânea. São
Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 643.
28
22
“Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo
no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-
se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.”
23
“Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei,
dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).”
29
personalidade distinta da pessoa dos seus sócios e com patrimônio também autônomo,
que não se confunde com o patrimônio dos sócios.24
Nesse mesmo sentido, vejamos o que nos ensina Marcelo Barbosa Sacramone:
24
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. O direito de empresa no Código Civil – comentários ao livro 2: arts. 966 a
1.195. Rio de Janeiro: Método, 2011. p. 49.
25
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. vol. 2, p. 33.
26
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Manual de direito empresarial. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 148.
27
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Manual de direito empresarial. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 155.
30
Conclui-se que a sociedade em comum se configura em três hipóteses (arts. 986 e 987
do Código Civil): a) quando for constituída e exercer sua atividade sem prova escrita;
ou b) com prova escrita, mas sem inscrição no registro próprio, ou antes dele; ou c) seu
registro for cancelado, mas continuar o exercício de sua atividade. Abrange, portanto,
tanto a antiga sociedade de fato (como tal entendida aquela formada sem prova escrita),
como a antiga sociedade irregular (como tal entendida aquela com prova escrita, mas
cujo contrato não tivesse sido inscrito no registro próprio)28.
28
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. A sociedade em comum. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 122-
123.
31
André Luiz Santa Cruz Ramos assim nos ensina sobre o tema:
Com efeito, a doutrina sempre fez uma distinção entre a sociedade de fato e a
sociedade irregular, seguindo a proposta de Waldemar Ferreira. Essa distinção
preconiza que a sociedade de fato é aquela que não possui instrumento escrito de
constituição, ou seja, não possui um contrato social escrito. Por outro lado, a sociedade
irregular é aquela que possui um contrato escrito, mas que não está registrado na Junta
Comercial, o que enseja a sua irregularidade. Essa distinção, a rigor, nunca teve muita
relevância prática, uma vez que o regime jurídico aplicável a ambas era o mesmo.
Diante dessa classificação doutrinária, muitos autores, como afirmamos acima,
entendem que a sociedade em comum disciplinada pelo atual Código Civil é, na
verdade, apenas uma nova expressão trazida pelo legislador para se referir às
sociedades de fato e às sociedades irregulares, expressões antigas consagradas pela
doutrina.29
29
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. O direito de empresa no Código Civil – comentários ao livro 2: arts. 966 a
1.195. Rio de Janeiro: Método, 2011. p. 51-52.
30
Pesquisa disponível em: https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/sp/bis/entenda-o-motivo-do-
sucesso-e-do-fracasso-das-
empresas,b1d31ebfe6f5f510VgnVCM1000004c00210aRCRD?codUf=26&origem=estadual. Acesso em: 03 set.
2021.
31
OIOLI, Erik Frederico; RIBEIRO JR., José Alves; LISBOA, Henrique. Financiamento da startup. In: OIOLI,
Erik Frederico. Manual de direito para startups. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 138.
32
E complementa:
32
CAMINHA, Lucas; COELHO, Gustavo Flausino. Captação de recursos por startups. São Paulo: Almedina,
2020. p. 121.
33
REIS, Edgar Vidigal de Andrade. Startups: análise de estruturas societárias e de investimento no Brasil. São
Paulo: Almedina, 2018. p. 95.
33
Portanto, é por sua própria natureza jurídica de dívida que o contrato de mútuo
conversível traz mais proteção para o investidor/mutuante, na medida em que não lhe acarreta
riscos por responsabilização (limitada e) subsidiária pelas obrigações sociais da mutuária,
salvo, entretanto, as hipóteses em que se caracterizar uma sociedade em comum, em razão de
um poder de controle do investidor que pode ostentar/contratar em uma sociedade investida de
fato – isto é, aquela que exerce sua atividade sem prova escrita, como vimos anteriormente, por
meio das citações doutrinárias de Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França e André Luiz
Santa Cruz Ramos.
34
REIS, Edgar Vidigal de Andrade. Startups: análise de estruturas societárias e de investimento no Brasil. São
Paulo: Almedina, 2018. p. 99.
34
35
CORDEIRO, António Menezes. Direito bancário. 6. ed. Lisboa: Almedina, 2018. p. 672.
36
“Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando
provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento
de impostos devidos à Fazenda Nacional.”
37
WALD, Arnoldo. Direito civil: contratos em espécie. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. vol. 3, p. 222.
35
Imperioso ressaltar que coisa fungível pode ser dinheiro, possuindo vencimento
presumido em 30 dias, pelo menos, nos termos do art. 592, II, do Código Civil, ou produtos
agrícolas (safra), possuindo vencimento até a próxima colheita, tanto para o consumo como
para a semeadura, conforme expressa previsão do inciso I do já citado art. 592.
O mútuo típico pode ainda ter, como vencimento, o “espaço de tempo que declarar o
mutuante, se for de qualquer outra coisa fungível”, conforme inciso III do dispositivo legal ora
em comento.
A exemplo do que ocorre no Código Civil brasileiro, vejamos a definição do Código
Civil peruano do que, lá, é o contrato de mútuo:
Dentro de esta definición se encuentran todos sus elementos. Es una definición que
encierra las dos clases de mutuo: En dinero y en espécie consumible.
En dinero. – Es el más conocido, el básico, que preside la vida de la colectividad y de
las naciones;
En especie. – Es el préstamo de cosas para devolver, no tiene ya aplicación y
generalmente está identificada con la permuta39.
Aqui o autor peruano traz um excelente ponto. Quando o mútuo é de coisa fungível
diferente de dinheiro (uma safra, por exemplo) e sua restituição ocorre com coisa de diferente
gênero, qualidade e quantidade, na prática, celebrar-se-ia um contrato de permuta, o que
tendemos a concordar.
Sendo o empréstimo em dinheiro e ocorrendo, portanto, a sua restituição mediante dação
em pagamento (através de outros bens), celebrar-se-ia um contrato de compra e venda – o que
não acontece – a rigor40 – no caso do contrato de mútuo conversível, já que a restituição ocorre
com emissão de novas quotas ou ações, emitidas pela sociedade mutuária e subscritas pelo
38
Em tradução livre: “Art. 1648. Pelo mútuo, o mutuante obriga-se a entregar à mutuária certa quantia em dinheiro
ou bens de consumo em troca da devolução de outros da mesma espécie, qualidade ou quantidade”.
39
CANALES, Manuel Miranda. Derecho de los contratos: teoría-práctica. Lima: Ediciones Jurídicas, 2014. p.
203.
Em tradução livre: “Dentro desta definição estão todos os seus elementos. É uma definição que engloba os dois
tipos de mútuo: em dinheiro e em bens de consumo.
Em dinheiro. – É o mais conhecido, o básico, que preside a vida da comunidade e das nações;
Em espécie. – É o empréstimo de coisas a devolver, já não tem aplicação e geralmente se identifica com a troca”.
40
A rigor, já que – por exercício retórico – se poderia admitir que a Companhia com ações em tesouraria poderia
dá-las em pagamento ao crédito decorrente de um mútuo. Entretanto, nesta situação, a conversibilidade não levaria
à compensação (CC, art. 356 e seguintes), mas sim por dação em pagamento (outra modalidade de extinção de
obrigação) (CC, art. 368 e seguintes).
36
mutuante/investidor (as ações ou quotas ainda não existem, afinal41), que as integraliza
mediante compensação com o direito de crédito decorrente do mútuo.
Sendo em outra coisa fungível (como uma safra, por exemplo) e ocorrendo a restituição
com bens de outra natureza, como orientado pelo autor peruano, estaríamos diante de um
negócio jurídico de permuta, através do qual “impõe a obrigação que assumem os contratantes
de dar uma coisa em contraposição à entrega de outra, que não seja dinheiro”42; nas lições de
Manoel Ignácio de Carvalho Mendonça, permuta é “o contrato em que as partes se obrigam a
prestar uma coisa por outra, excluindo o dinheiro”43; ou, ainda, nas lições de Arnoldo Wald, “a
troca ou permuta é a transferência da propriedade do bem de um permutante ao outro e a
simultânea transferência de outro bem do segundo ao primeiro”44.
O mútuo bancário, por outro lado, é aquele por meio do qual uma instituição bancária
(mutuante) empresta quantia (dinheiro) à parte mutuária, que se obriga à restituição, com os
consectários remuneratórios, no prazo convencionado. É, portanto, contrato evidentemente
oneroso.
É o que vaticina Fábio Ulhoa Coelho:
41
Entendemos, entretanto, que poderá haver um negócio jurídico de compra e venda de ações se, no caso particular,
a companhia possuir ações em tesouraria (LSA, art. 30) que serão dadas em pagamento ao mutuante/investidor
como restituição do valor do mútuo.
42
RUFINO DA SILVA, Isabella. Troca ou permuta. In: CAMPOS, Alyson Rodrigo Correia; CASTRO, Torquato
da Silva. Dos contratos. Recife: Nossa Livraria, 2012. p. 177.
43
MENDONÇA, Manoel. Apud RUFINO DA SILVA, Isabella. Troca ou permuta. In: CAMPOS, Alyson Rodrigo
Correia; CASTRO, Torquato da Silva. Dos contratos. Recife: Nossa Livraria, 2012. p. 177.
44
WALD, Arnoldo. Direito civil: contratos em espécie. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. vol. 3. p. 75.
45
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. vol. 3, p. 148.
37
Nesse particular, é de esclarecer que anuência de todos os sócios, na verdade, nada mais
é do que uma manifestação prévia da vontade (futura) de cessão do direito de preferência em
46
CORDEIRO, António Menezes. Direito bancário. 6. ed. Lisboa: Almedina, 2018. p. 689.
47
“Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar,
não se terá adquirido o direito, a que ele visa.”
48
JÚDICE, Lucas Pimenta (coord.). Direito das startups. Curitiba: Juruá, 2017. vol. II, p. 94.
38
favor do mutuante/investidor por parte dos sócios, que detêm tal direito para a subscrição do
aumento de capital social, na proporção do número de frações (quotas ou ações) de capital
social que possuem, nos termos do art. 171 da Lei das Sociedades por Ações, para as sociedades
anônimas, e do art. 1.081, § 2º, do Código Civil, para as sociedades limitadas, tipos de
sociedades maiores, como assim divide Fábio Ulhoa Coelho.
Esse é o mesmo entendimento de Edgar Vidigal de Andrade Reis:
49
REIS, Edgar Vidigal de Andrade. Startups: análise de estruturas societárias e de investimento no Brasil. São
Paulo: Almedina, 2018. p. 93.
50
SILVA FILHO, Emanoel Lima da. Contratos de investimento em startups: os riscos do investidor-anjo. São
Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 68.
51
No Brasil, EBITDA é o mesmo que LAJIDA – Lucros Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização.
39
doação (CC, art. 538), no caso de a mutuária/investida não ter “performado” e ido, assim, à
bancarrota.
Essa complexidade, que será mais bem tratada quando abordarmos o item próprio de
classificação do contrato atípico, bem como a tríplice opção do aporte em favor do investidor,
pode, assim, ter o condão de travestir o negócio jurídico em outro: pode se tornar a
integralização clássica de capital, pode se caracterizar como doação ou pode se materializar no
mútuo típico civil (CC, art. 586), o que o torna um contrato híbrido pela perspectiva unilateral
de vontade do investidor/mutuante.
Por fim, de se ressalvar que a atipicidade do mútuo convertido em participação decorre
do fato de que o art. 586 do Código Civil prevê que “o mutuário é obrigado a restituir ao
mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”, já que não
há direitos e obrigações suficientemente regulamentados em Lei. Parte-se, assim, da própria
experiência do contrato típico.
O que há, em razão da autonomia da vontade das partes, é uma ampla liberdade de
contratar e estabelecer, por conseguinte, o conteúdo do negócio jurídico pretendido.
Nesse mesmo sentido, vejamos o que entendem Frederico Augusto Cavalheiro e
Carmelo Nunes e Marcelo Barbosa Sacramone:
As regras para confecção dos contratos de mútuo, na forma pura, estão esculpidas no
Código Civil, artigos 586 a 592, as quais orientam os princípios básicos dos contratos
conversíveis. Esses contratos são utilizados pelos mais diversos tipos de investidores,
em todos os estágios das Startups. No caso de uma Sociedade Anônima, a lei que
regulamente suas atividades permite a emissão de debêntures conversíveis, porém,
são pouco verificadas devido ao custo operacional, e depende que a Startup esteja
constituída sob esse tipo societário (art. 52, Lei 6.404/76).
A conversão do contrato de mútuo conversível poderá ocorrer de forma obrigatória e
automática ou de forma facultativa e condicionada, a depender dos termos e condições
que livremente são contratualmente pactuados para esse fim.52
52
NUNES, Frederico Augusto Cavalheiro e Carmelo; SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Panorama Jurídico dos
Investimentos em Startups no Brasil. In: ROVAI, Armando Luiz; FINKELSTEIN, Maria Eugênia; NORONHA,
Ilene Patrícia de (coord.). Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
v. 90, out-dez. 2020. p. 176.
40
53
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 138 a 205. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015. vol. III, p.
395.
41
54
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Contratos nominados II: contrato estimatório, doação, locação de
coisas, empréstimo (comodato – mútuo). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 306.
42
O mutuante, para celebrar o contrato de mútuo, deve ser o proprietário da coisa fungível
e deter poder de disposição sobre ela. Como o mútuo é um contrato real, que exige a
imediata tradição como seu elemento formativo, somente o titular do domínio pode
celebrá-lo validamente56.
55
GOMES, Orlando. Contratos. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 318-319.
56
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Contratos nominados II: contrato estimatório, doação, locação de
coisas, empréstimo (comodato – mútuo). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 308.
57
“Art. 1.081. Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital aumentado, com
a correspondente modificação do contrato.”
58
“Art. 170. Depois de realizados 3/4 (três quartos), no mínimo, do capital social, a companhia pode aumentá-lo
mediante subscrição pública ou particular de ações.”
43
transitórios do mutuante até a conversão ocorrer, o que será mais bem tratado no capítulo
próprio de cláusulas essenciais e facultativas do contrato. É aqui, entretanto, que se deve ter
cautela no que deve e pode ser contratado, no campo da autonomia da vontade, para evitar a
caracterização de uma sociedade em comum.
59
PITTA, André Grünspun. A possibilidade de emissão de debêntures por sociedade limitada regida
supletivamente pela lei das sociedades por ações. In: AZEVEDO, Luís André N. de Moura; CASTRO, Rodrigo
R. Monteiro. Sociedade limitada contemporânea. São Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 521.
60
Apesar da discussão doutrinária existente sobre a imperfeição do título de crédito (CARVALHOSA, Modesto.
Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. vol. 1, p. 582) e da
ausência de características próprias do título de crédito (a exemplo da literalidade) (BORBA, José Edwaldo
Tavares. Direito societário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 281-282).
44
61
REIS, Edgar Vidigal de Andrade. Startups: análise de estruturas societárias e de investimento no Brasil. São
Paulo: Almedina, 2018. p. 102.
62
“Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da
sociedade anônima.”
45
Para além, em que pese o respeito por quem defenda o ponto de forma diversa,
entendendo Pedro Flach e Layon Lopes da Silva64 que a emissão de debêntures em sociedades
limitadas é possível em razão: a) da inexistência de vedação legal para sociedades limitadas
emitirem debêntures; e b) da possibilidade de regência supletiva das limitadas pelas normas das
sociedades por ações (CC, art. 1.053, parágrafo único), enquanto que André Grünspun Pitta
defende que não há vedação legal para emissão de debêntures por sociedades limitadas, mas
sim gargalos regulatórios, ao nosso sentir, somos da opinião de que a emissão de um valor
mobiliário estranho ao capital social é regime incompatível com o das sociedades limitadas,
aplicando-se, assim, tal incompatibilidade normativa às emissões públicas e, outrossim,
privadas – ainda que os sócios das sociedades limitadas, ao elegerem regência supletiva pelas
normas das sociedades por ações, tenham adotado uma feição capitalista de seu funcionamento
(e não personalíssima, própria da affectio societatis), o que encontra respaldo na doutrina, que
63
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: contratos e obrigações comerciais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2019. p. 258-259.
64
FLACH, Pedro; LOPES DA SILVA, Layon. Debêntures: o que são, sua regulamentação e utilização por
sociedades limitadas. In: JÚDICE, Lucas Pimenta; NYBO, Erik Fontenele (coord.). Direito das startups. Curitiba:
Juruá, 2016. p. 152-154.
46
entende que “as demais sociedades encontram-se impedidas de fazê-lo, inclusive a sociedade
limitada”65.
José Romeu Garcia do Amaral, em excelente obra, defende a possibilidade de emissão
de debêntures por sociedades limitadas nas seguintes hipóteses (restritas):
Conclui, ao final, José Romeu Garcia do Amaral no sentido de que é possível a emissão
de debêntures por sociedades limitadas, em ofertas privadas e em ofertas públicas de esforços
restritos, em razão de (i) inexistir vedação legal; (ii) ser possível a adoção da regência supletiva
das sociedades limitadas pelas normas das sociedades anônimas – tipo societário próprio
emitente das debêntures; (iii) ser reconhecida, em certa medida, pela CVM a compatibilidade
65
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 284
66
AMARAL, José Romeu Garcia. Regime jurídico das debêntures. 2. ed. São Paulo: Almedina, 2016. p. 183-186.
47
da emissão das debêntures pelas limitadas, em razão das ICVMs 422, 480 e 476, esta última
que permite a oferta pública com esforços restritos.
De se salientar ainda que a tomada de um crédito por meio de debênture conversível
pode trazer maior proteção para os investidores, uma vez que podem exercer direitos próprios
de debenturistas sem o risco de caracterização de uma sociedade em comum (art. 986 e
seguintes do Código Civil), em razão da contratação de algum direito (político) próprio de
sócio.
É o que ocorre, por exemplo, com o direito de voto previsto no art. 174, § 3º67 da Lei
das Sociedades por Ações, exercido por debenturista em assembleia especial, que pode
representar, assim, obstáculo à aprovação da redução do capital social da Companhia, nos casos
previstos no referido artigo.
Entretanto, fato é que a emissão de debêntures conversíveis por sociedades limitadas
não é caminho compatível com um funding sem burocracias – além dos gargalos burocráticos
já verificados nas Juntas Comerciais do Brasil68.
Poder-se-ia, inclusive, pensar em funding das sociedades limitadas por meio das notas
comerciais (as commercial papers) e do (equity) crowdfunding.
As notas comerciais69 já encontravam previsão na Lei nº. 6.385/76, que dispõe sobre o
mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, tendo
recebido regime regulatório próprio por meio da Lei 14.195/2021. Entretanto, nos termos do
art. 45 da referida Lei - merecendo esclarecer que as notas comerciais podem ser emitidas pelas
sociedades anônimas, pelas sociedades limitadas e pelas sociedades cooperativas:
A nota comercial, valor mobiliário de que trata o inciso VI do caput do art. 2º da Lei
nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, é título de crédito não conversível em ações, de
livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro, emitido
exclusivamente sob a forma escritural por meio de instituições autorizadas a prestar o
serviço de escrituração pela Comissão de Valores Mobiliários.
67
“Art. 174. Ressalvado o disposto nos artigos 45 e 107, a redução do capital social com restituição aos acionistas
de parte do valor das ações, ou pela diminuição do valor destas, quando não integralizadas, à importância das
entradas, só se tornará efetiva 60 (sessenta) dias após a publicação da ata da assembleia geral que a tiver deliberado.
§ 1º Durante o prazo previsto neste artigo, os credores quirografários por títulos anteriores à data da publicação da
ata poderão, mediante notificação, de que se dará ciência ao registro do comércio da sede da companhia, opor-se
à redução do capital; decairão desse direito os credores que o não exercerem dentro do prazo.
§ 2º Findo o prazo, a ata da assembleia geral que houver deliberado à redução poderá ser arquivada se não tiver
havido oposição ou, se tiver havido oposição de algum credor, desde que feita a prova do pagamento do seu crédito
ou do depósito judicial da importância respectiva.
§ 3º Se houver em circulação debêntures emitidas pela companhia, a redução do capital, nos casos previstos neste
artigo, não poderá ser efetivada sem prévia aprovação pela maioria dos debenturistas, reunidos em assembleia
especial.”
68
A exemplo do julgamento do tema pela sessão plenária da Junta Comercial do Estado de São Paulo 47/2012.
69
As Notas Comerciais podem também receber o nome de notas promissórias comerciais, já que ostentam a mesma
natureza da nota promissória, promessa de pagamento que representa.
48
Portanto, ainda que possam ser emitidas notas comerciais como instrumentos de dívida
de curto prazo e tomada de crédito por limitadas, não são títulos conversíveis em participação
societária, ao menos em regra70 – não atendendo ao maior propósito do mutuante/investidor,
que é o de converter seu direito de crédito em participação societária.
Ainda, seria possível estruturar o equity crowdfunding das sociedades que necessitem
de capitalização. A instrução CVM 588/2017, que dispõe sobre a oferta pública de distribuição
de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte realizada com
dispensa de registro por meio de plataforma eletrônica de investimento participativo, previu
que as sociedades empresárias de pequeno porte71 poderiam estruturar o crowdfunding de
investimento, que é a:
Maria Eugênia Finkelstein registra que “a Instrução CVM 588/2017 foi bem recebida
pelo mercado, pois trouxe segurança jurídica para um modelo de negócios que vinha crescendo
à margem da lei”72. De fato, as operações de equity crowdfunding vinham crescendo no País,
mas sem qualquer tipo de regulamentação, causando verdadeira inquietação na CVM, autarquia
federal que é, que possui em seu rol de competências o de “fiscalizar permanentemente as
atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, de que trata o Art. 1º, bem como a
veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas que dele participem, e aos valores
nele negociados”, nos termos do inciso III do art. 8º da já citada Lei 6.385/1976, uma vez que
não se sabia se tal estrutura seria alcançada por seu mister.
70
Em regra, uma vez que, excepcionalmente, na oferta privada de nota comercial poderá conter previsão de
cláusula de conversibilidade em participação societária, exceto em relação às sociedades anônimas, portanto, a
conversibilidade (excepcional) das notas comerciais só se aplicaria às sociedades limitadas. Nas ofertas privadas
as instituições autorizadas a prestar o serviço de escrituração não poderão escriturar títulos em que sejam
participantes, direta ou indiretamente.
71
Sociedade empresária de pequeno porte, para os fins da ICVM 588/2017, conforme alterada, é aquela que tenha
tido receita bruta anual de até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) apurada no exercício social encerrado no
ano anterior à oferta e que não seja registrada como emissor de valores mobiliários na CVM.
72
FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Crowdfunding de participação e financeiro. Revista de Direito Bancário
e do Mercado de Capitais. São Paulo: RT, v. 79, ano 21, p. 37-52, jan.-mar, 2018. p. 44.
49
73
Em tradução livre: “caixa de areia”.
50
da vontade, desde que – por óbvio – se respeitem os requisitos de validade previstos no art.
10474 do Código Civil.
Trataremos, doravante, das demais classificações do contrato de mútuo sob a
perspectiva de única possibilidade de restituição por meio da conversão em participação
societária.
Por outro lado, existem certos contratos que, para nascerem, além do consentimento
exigem que uma coisa seja entregue por uma parte à outra; a esses contratos damos o
nome de reais, já que, afora o consentimento, para a sua formação se exige a entrega
de uma coisa.
(...)
Por outro lado, o contrato de depósito diz-se real porque só se aperfeiçoa se, além do
consentimento, o depositante entregar a coisa ao depositário. A entrega da coisa é,
aí, da essência do contrato do contrato, e este não se forma, mesmo que as duas partes
tenham trocado o consentimento, se a coisa não for entregue pelo depositante ao
depositário77.
74
“Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.”
75
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: teoria geral do contrato. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014. p. 122.
76
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Contratos nominados II: contrato estimatório, doação, locação de
coisas, empréstimo (comodato – mútuo). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 305.
77
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: contratos e obrigações comerciais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2019. p. 75.
53
No que diz respeito aos seus efeitos, o contrato de mútuo conversível é bilateral,
havendo, portanto, obrigações mútuas e recíprocas entre mutuante e mutuário, incluindo, ainda,
os próprios sócios da sociedade mutuária, que integram o polo obrigacional da
investida/mutuária, “lembrando que isso não significa que apenas duas pessoas podem
contratar. Pode haver pluralidade em ambos os lados”79.
Assim, ainda que os sócios da sociedade mutuária participem do negócio jurídico, não
haverá plurilateralidade do negócio jurídico do mútuo conversível em participação societária.
A interveniência deles serve apenas como manifestação antecipada de sua anuência em,
futuramente, quando da conversão do débito em crédito por parte do investidor, ceder o direito
de preferência no aumento de capital social que será subscrito pelo novo sócio capitalista
(mutuante inicial).
O Contrato de Mútuo Conversível em Participação Societária é, evidentemente,
oneroso, já que se pretende a conversão em participação societária, quase que como uma regra,
com base em valuation praticado no mercado para determinada atividade, seja múltiplo de
EBITDA, Fluxo de Caixa Descontado (FCD), múltiplo de receita ou qualquer outro critério
mais bem indicado para aquele contexto econômico em que há atuação de empresa por parte de
uma sociedade investida.
Aqui, não há diminuição de patrimônio do investidor/mutuante, mas sim verdadeira
possibilidade de ganho (como axioma no universo de venture capitalists – VCs e fundos de
private equity). É, assim, um contrato interessado.
Segundo Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa:
78
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 20. ed. São Paulo: Saraiva,
2003. vol. 1, p. 384.
79
WAISBERG, Ivo. Franquia. In: CARVALHOSA, Modesto (coord.). Contratos mercantis. 2. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 216.
54
cada uma das partes em tais contratos. Sob outro aspecto, os contratos gratuitos
oneram apenas uma das partes, enquanto a outra não tem qualquer ônus ou prestação
a cumprir, tal como acontece na doação, por parte do donatário, conforme visto
acima80.
80
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: teoria geral do contrato. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014. p. 128.
81
“Art. 8º A avaliação dos bens será feita por 3 (três) peritos ou por empresa especializada, nomeados em
assembleia-geral dos subscritores, convocada pela imprensa e presidida por um dos fundadores, instalando-se em
primeira convocação com a presença de subscritores que representem metade, pelo menos, do capital social, e em
segunda convocação com qualquer número.
§ 1º Os peritos ou a empresa avaliadora deverão apresentar laudo fundamentado, com a indicação dos critérios de
avaliação e dos elementos de comparação adotados e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados, e
estarão presentes à assembleia que conhecer do laudo, a fim de prestarem as informações que lhes forem
solicitadas.
§ 2º Se o subscritor aceitar o valor aprovado pela assembleia, os bens incorporar-se-ão ao patrimônio da
companhia, competindo aos primeiros diretores cumprir as formalidades necessárias à respectiva transmissão.
§ 3º Se a assembleia não aprovar a avaliação, ou o subscritor não aceitar a avaliação aprovada, ficará sem efeito o
projeto de constituição da companhia.
§ 4º Os bens não poderão ser incorporados ao patrimônio da companhia por valor acima do que lhes tiver dado o
subscritor.
§ 5º Aplica-se à assembleia referida neste artigo o disposto nos §§ 1º e 2º do artigo 115.
§ 6º Os avaliadores e o subscritor responderão perante a companhia, os acionistas e terceiros, pelos danos que lhes
causarem por culpa ou dolo na avaliação dos bens, sem prejuízo da responsabilidade penal em que tenham
incorrido; no caso de bens em condomínio, a responsabilidade dos subscritores é solidária”.
82
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2013. vol. 1, p. 199.
55
83
“Art. 1.005. O sócio que, a título de quota social, transmitir domínio, posse ou uso, responde pela evicção; e
pela solvência do devedor, aquele que transferir crédito.”
84
“Art. 10. A responsabilidade civil dos subscritores ou acionistas que contribuírem com bens para a formação
do capital social será idêntica à do vendedor.
Parágrafo único. Quando a entrada consistir em crédito, o subscritor ou acionista responderá pela solvência do
devedor.”
85
LAMY FILHO, Alfredo. Título II. Capital Social e Ações. Capítulo I. Capital Social. In: LAMY FILHO,
Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das Companhias. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 154.
56
Em alguns contratos, as partes dão o consentimento tendo em vista a pessoa com quem
contratam; em outros, é indiferente quem seja essa pessoa.
Aos primeiros se dá o nome de contratos intuitu personae ou pessoais, sendo os outros
contratos impessoais. Em regra, os contratos em que há obrigação de fazer são
contratos intuitu personae, o que significa que a obrigação deve ser cumprida por
pessoa determinada; também em alguns tipos de sociedades os acordos são intuitu
personae (sociedades contratuais ou de pessoas).
Nos contratos impessoais não importa a pessoa que cumpra a obrigação87.
86
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: teoria geral do contrato. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014. p. 133.
87
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: contratos e obrigações comerciais. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2019. p. 78.
57
6. PARTES
88
Estrutura criada de forma recente por meio da Lei 14.130, de 29 de março de 2021.
89
Merece esclarecer que os demais principais fundos de investimento no país prestam-se a investir em ativos
imobiliários (FIIs), em direitos creditórios (FIDCs) e em ativos diversos da atividade agroindustrial (incluindo
imóveis rurais, participações societárias em atividades agroindustriais, direitos creditórios do agronegócio e
demais ativos de mesma natureza).
90
Os FIPs, de acordo com o art. 14 da ICVM 578/2016, conforme alterada, dividem-se em: (i) capital semente;
(ii) empresas emergentes; (iii) infraestrutura (FIP-IE); (iv) produção econômica intensiva em pesquisa,
desenvolvimento e inovação (FIP-PD&I); e (v) multiestratégia.
59
6.1. O investidor
91
Importa registrar que Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França e Marcelo Vieira von Adamek criticam a
“aplicação acrítica e abusada da noção de affectio societatis, ainda em voga no direito societário brasileiro”, e que
acaba sendo “incompatível com a evolução da ciência jurídica universal” (FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo
e Novaes; ADAMEK, Marcelo Vieira von. Affectio societatis: um conceito jurídico superado no moderno direito
societário pelo conceito de fim social. In: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes (coord.). Direito
societário contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 133).
92
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. vol. 2, p. 513.
93
MONTEIRO DE CASTRO, Rodrigo R. Sociedade em conta de participação. Conceito, características, regime
jurídico. Evolução histórica. Natureza jurídica. Legalidade e utilidade. Distinção de consórcio. In: PITTA, Andre
Grunspun; PEREIRA, Guilherme Setoguti J. (coords.). Direito societário e outros temas de direito empresarial
aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2021. p. 802.
60
94
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de direito empresarial. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2008. p. 299.
95
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 74.
96
MELLO FRANCO, Vera Helena apud FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes; ADAMEK, Marcelo
Vieira von. Affectio societatis: um conceito jurídico superado no moderno direito societário pelo conceito de fim
social. In: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes (coord.). Direito societário contemporâneo I. São
Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 156.
61
por referência a qualidade pessoal do sócio. Fica ela, nesse contexto, subordinada à
figura do sócio (conhecimento e confiança recíproca, capacitação para o negócio etc.).
Nas segundas, o ponto de gravidade da sociedade não reside na qualificação subjetiva
do sócio, mas sim na sua capacidade de investimento. A importância está na
contribuição do sócio para a formação do capital social, sendo relegada a um plano
secundário a sua qualidade pessoal. Para tais sociedades é desinfluente quem é o
titular da condição de sócio, mas sim a contribuição material que ele é capaz de verter
para os fundos sociais97.
97
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do Código Civil. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 62.
98
Como assim nos ensina Fábio Ulhoa Coelho, ao afirmar que as pessoas naturais na administração não
representam a sociedade, mas sim presentam – tornam a pessoa jurídica presente.
62
conversível, eventual exercício do direito de conversão pela mutuante (com conversão da dívida
em participação societária), na sequência, provocaria o desfazimento da relação societária
exatamente pela ausência de affectio societatis em uma sociedade de pessoas99,
independentemente do tipo societário, admitindo-se a efervescência empírica atual das
sociedade heterotípicas100 no Brasil.
O desfazimento do vínculo societário por ausência superveniente da affectio seria causa,
portanto, para exercício de direito de retirada, como espécie de dissolução parcial de sociedade,
sendo certo que a quebra da affectio societatis, de per si, não justificaria a exclusão de sócios,
como têm se inclinado os nossos tribunais – a exclusão só se justifica nas hipóteses dos arts.
1.030101 e 1.085102 do Código Civil, quando houver, portanto, configuração de justa causa
ensejadora da exclusão, já que é medida extrema e excepcional.
É o que nos ensinam Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França e Marcelo Vieira von
Adamek:
99
Sobretudo diante do caso das sociedades anônimas heterotípicas, tendo em vista que a jurisprudência do STJ
vem reconhecendo, na presente data, a possibilidade jurídica de dissolução parcial de sociedade anônima,
classificada como de capital fechado, em que se evidencie o laço subjetivo entre os sócios, ao fundamento de
quebra da affectio societatis.
100
Heterotipia é conceito criado por Marcelo Guedes Nunes, em sua tese de doutorado, para tratar das sociedades
de tipos maiores com características de outra, quando disputas são submetidas ao judiciário, que, em vez de aplicar
normas próprias de um tipo, aplica normas do outro.
101
“Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente,
mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda,
por incapacidade superveniente.”
102
“Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade
do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de
atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que
prevista neste a exclusão por justa causa.”
103
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes; ADAMEK, Marcelo Vieira von. Affectio societatis: um
conceito jurídico superado no moderno direito societário pelo conceito de fim social. In: FRANÇA, Erasmo
Valladão Azevedo e Novaes (coord.). Direito societário contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 155.
63
Claramente, então, a regra do art. 520 do Código Civil não se aplica. Como já dito,
não é viável alegar que a intransmissibilidade seja característica da preferência como
104
“Art. 1.081. Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital aumentado, com
a correspondente modificação do contrato.
§ 1º Até trinta dias após a deliberação, terão os sócios preferência para participar do aumento, na proporção das
quotas de que sejam titulares.
§ 2º À cessão do direito de preferência, aplica-se o disposto no caput do art. 1.057.
§ 3º Decorrido o prazo da preferência, e assumida pelos sócios, ou por terceiros, a totalidade do aumento, haverá
reunião ou assembleia dos sócios, para que seja aprovada a modificação do contrato.”
105
Há quem defenda (Otávio Vieira Barbi e Sérgio Botrel) que esse quórum seria o de maioria simples (CC, art.
1.076, III), já que não há previsão específica no Código Civil. Entretanto, tal deliberação só será materializada
mediante alteração do contrato social, que impõe o quórum de três quartos previsto no art. 1.076, I.
64
106
WAISBERG, Ivo. Direito de preferência para aquisição de ações: conceito, natureza jurídica e interpretação.
São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 148.
107
A prática comum é que a alteração contratual já materialize o aumento de capital social; a deliberação de
aprovação de aumento já é formalizada na alteração contratual correspondente.
65
Importante registrar que a emissão de quotas com base em critério econômico, com
valor distinto do nominal, acarretará ágio ou deságio, ocorrendo a primeira hipótese se o critério
econômico for superior ao do nominal e a segunda hipótese se o critério econômico for inferior
ao do nominal.
Para a segunda hipótese – deságio – não há maiores repercussões.
Para a primeira hipótese, entretanto, a emissão de quotas com ágio, nas sociedades
limitadas, acarreta tributação como receita não operacional, podendo totalizar, atualmente, em
34% de tributação sobre o valor do ágio (ganho de capital da pessoa jurídica, tributando-se em
15% de IRPJ, 9% de CSLL e 10% de adicional de IR).
O ágio é contabilizado em conta de reserva de capital, já que, de acordo com o § 1º do
art. 182 da LSA:
108
BOTREL, Sérgio. Fusões e aquisições. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 213.
66
À primeira vista, essa evolução legislativa poderia sugerir que, com a superveniência
do Código Civil de 2002, a possibilidade de registro de ágio na subscrição de quotas
teria ficado prejudicada, na medida em que o referido diploma legal passou a admitir
a existência de quotas com valores nominais desiguais. Essa não é, porém, a conclusão
mais adequada. Isso porque a alteração promovida pelo Código Civil, no sentido de
permitir a atribuição de valores diferentes para as quotas, não oferece uma solução
conveniente, por assim dizer, para os casos em que os sócios desejam pactuar
contribuições com valores distintos, mas com equilíbrio em relação aos direitos
sociais, econômicos e políticos decorrentes da participação societária109.
Ainda nesse sentido, vejamos o que nos ensina André Luiz Santa Cruz Ramos:
O fato é que o Código Civil não endereça a questão das quotas com valores desiguais
com vistas a harmonizar e equalizar os direitos sociais, econômicos e políticos dos sócios, de
sorte que, ao nosso sentir, a contabilização do ágio na conta de reserva de capital é medida
única para compatibilização dos interesses dos sócios. E, nesse sentido, contabilizando o ágio
109
FAJERSTAJN, Bruno; SANTOS, Ramon Tomazela. O ágio na subscrição de quotas de sociedade limitada. In:
AZEVEDO, Luís André N. de Moura; CASTRO, Rodrigo R. Monteiro. Sociedade limitada contemporânea. São
Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 465.
110
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. O direito de empresa no Código Civil – comentários ao livro 2: arts. 966 a
1.195. Rio de Janeiro: Método, 2011. p. 79.
67
em reserva de capital, ainda que deixando o valor nominal da quota em R$ 1,00, por exemplo,
haverá a tributação já mencionada.
Assim, com vistas a (i) evitar tributação desnecessária e (ii) compatibilizar os direitos
sociais (políticos e econômicos) da sociedade investida, é costumeira a transformação da
sociedade limitada em sociedade anônima, o que será visto no próximo item do presente
trabalho.
A sociedade de capitais, por seu turno, identifica os tipos societários em que é mais
relevante a contribuição dos sócios que suas qualidades pessoais. Nesta, o ingresso e
a transferência de ações são livres entre os sócios, os quais não precisam submeter a
eficácia do negócio perante a companhia à prévia autorização dos demais. Na hipótese
de falecimento, é possível o ingresso dos herdeiros como acionistas, sem a
necessidade de dissolução parcial, como nas sociedades de pessoas, assim como a
penhora das ações também é livremente admitida111.
Pois bem. O aumento de capital social nas sociedades anônimas ocorre mediante
subscrição de novas ações, aprovada em Assembleia Geral Extraordinária, salvo se a
Companhia tiver o regime de capital autorizado (LSA, art. 168112) – cujo aumento de capital
social seria aprovado, dentro do limite da autorização, em reunião do conselho de
administração, órgão obrigatório nessas companhias (LSA, art. 138, § 2º113).
Merece esclarecer que nas companhias, nos termos do art. 170 da LSA, depois de
realizados 3/4, no mínimo, do capital social, pode ocorrer aumento mediante subscrição pública
111
SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Manual de direito empresarial. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 157.
112
“Art. 168. O estatuto pode conter autorização para aumento do capital social independentemente de reforma
estatutária.”
113
“Art. 138. A administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de
administração e à diretoria, ou somente à diretoria.
§ 1º O conselho de administração é órgão de deliberação colegiada, sendo a representação da companhia privativa
dos diretores.
§ 2º As companhias abertas e as de capital autorizado terão, obrigatoriamente, conselho de administração.”
68
114
BOTREL, Sérgio. Fusões e aquisições. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 216.
115
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. vol. 2, p. 104.
69
A parte do preço de emissão das ações sem valor nominal que ultrapassar a importância
destinada à formação do capital social, igualmente, será contabilizada na conta de reserva de
capital (LSA, art. 14, parágrafo único).
Entretanto, nas ações com valor nominal, será classificada como reserva de capital a
contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor nominal (LSA, art. 182, § 1º, a).
Essa é uma repercussão contábil que trataremos, sem o devido aprofundamento próprio das
ciências contábeis, em capítulo próprio.
Importa lembrar que as ações emitidas com ágio nas companhias – tendo o ágio o
objetivo de buscar a emissão de novas ações pelo valor real da Companhia – não acarretarão
incidência fiscal para a companhia em razão do que dispõe a norma prevista no art. 520 do
Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 9.580/2018), o qual consigna que o excesso não
será computado para fins de determinação do lucro real.
Ou seja, o ágio na emissão das ações não sofrerá tributação como uma receita não
operacional (com repercussões do ganho de capital de pessoa jurídica), o que será melhor
tratado no item 7.1.1.2 do presente trabalho.
Assim, quando da conversão do crédito por parte do investidor/mutuante em
participação societária na companhia/mutuária, tendo sido contratados um valuation e uma base
para conversão em participação societária, o que será visto no capítulo seguinte,
especificamente no item 7.1.1, haverá o conclave em Assembleia Geral Extraordinária (órgão
competente para reforma de estatuto social, nos termos do art. 135 da LSA) ou uma Reunião
de Conselho de Administração (quando a Companhia possuir o regime de capital autorizado),
que deliberará pelo aumento de capital social, mediante emissão de novas ações, que serão
subscritas pelo mutuante/investidor, integralizando-as mediante compensação, já que o
investidor/mutuante detém crédito líquido e exigível contra a companhia e o mesmo investidor
possui o débito da integralização.
Caso isso ocorra, o boletim de subscrição decorrente do aumento de capital social será
firmado pelo investidor, materializando a compensação do dever de integralização com o direito
de crédito decorrente do mútuo, que passará, após preenchimento do livro de registro de ações
nominativas (LSA, art. 100, I), a ostentar a condição de acionista da companhia investida, já
que tal lançamento é constitutivo de direito (e não apenas declaratório).
70
116
CAMINHA, Lucas; COELHO, Gustavo Flausino. Captação de recursos por startups. São Paulo: Almedina,
2020. p. 189-190.
72
Importa esclarecer que, na dinâmica de captação de recursos por sociedades dos mais
diversos estágios (seed stage, early stage, expansion stage e later stage), em que pese ser uma
estrutura contratual vista usualmente na realidade de startups – apesar de entendermos que tal
modelo pode beneficiar todas as estruturas societárias maiores no Brasil –, costuma-se precisar
a perspectiva de rentabilidade de uma empresa (enquanto atividade) com base em duas figuras
de avaliação, chamadas de valuation pre-money e valuation post-money.
117
COELHO, Giuilliano Tozzi; GARRIDO, Luiz Gustavo. Dissecando o contrato entre startups e investidores
anjo. In: JÚDICE, Lucas Pimenta; NYBO, Erik Fontenele (coord.). Direito das startups. Curitiba: Juruá, 2016. p.
138-139.
118
COX, James D.; HAZEN, Thomas Lee. Business Organizations Law. Third Edition. Thomson Reuters, 2011.
p. 537.
Em tradução livre: “Privilégio de conversão. A fim de tornar um título atraente, as empresas frequentemente
conferem aos titulares de títulos ou debenturistas o privilégio de trocar seus títulos por um número predeterminado
de ações. Isso é conhecido como um direito ou privilégio de conversão”.
73
O valuation pre-money é aquele que não leva em consideração o aporte feito pelo
mutuante/investidor, ou seja, determina-se um critério atual que levou em consideração a
captação de recursos (geralmente, utilizando uma métrica usual de mercado, como múltiplo de
EBITDA – Earnings Before Interest Tax Depreciation and Amortization ou DCF – Discounted
Cash Flow).
O valuation post-money, em contrapartida, leva em consideração os níveis atingidos
pela mutuária/investida com o aporte feito por mutuante.
Vejamos o que vaticinam Bruno Feigelson, Erik Fontenele Nybo e Victor Cabral
Fonseca:
Como visto anteriormente, o Código Civil disciplina que o capital social das sociedades
limitadas se divide em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio (art.
1.055).
Sobre a definição e a natureza jurídica das quotas, vejamos o que nos ensina Modesto
Carvalhosa:
119
FEIGELSON, Bruno; NYBO, Erik Fontenele; FONSECA, Victor Cabral. Direito das startups. São Paulo:
Saraiva, 2018. p. 226.
120
“Art. 252. Nas obrigações alternativas, a escolha cabe ao devedor, se outra coisa não se estipulou.”
74
Essas duas noções de quota social convergem para a classificação atualmente adotada
pela doutrina, que entende a quota como um direito que possui duas perspectivas: uma
perspectiva patrimonial e outra pessoal. Na primeira perspectiva é entendida como
crédito relativo à percepção de lucros da sociedade e na eventual partilha de massa
falida. Na segunda é entendida como uma série de direitos à qualidade de sócio (status
socii)121.
Como previsto no art. 1.055 do Código Civil, as quotas podem ter valores diferentes, de
acordo com cada emissão, regime esse que se denomina de pluralidade de quotas – em
detrimento de outros dois regimes, o de quota única inicial e o de quota única permanente –,
que acaba por trazer facilidades “(i) na realização do capital social, (ii) na distribuição dos
lucros, (iii) no cômputo de votos, (iv) na cessão e transferência de quotas, bem como (v) na
minimização dos problemas da quota indivisa e do condomínio de quotas”122.
Sobre os valores diferentes das quotas, vejamos o que nos diz Tavares Borba sobre o
assunto:
De acordo com a lei (art. 1.055), as cotas serão de valor igual ou diferente. Essa
alternativa já existia no regime da legislação anterior, sendo função do contrato dividir
o capital em cotas de valores desiguais, cabendo a cada sócio parcelas distintas e
identificadas no capital social, ou distribuir todo o capital por contas de idêntico valor
unitário, hipótese em que cada sócio subscreverá e possuirá um determinado número
de cotas de igual expressão. Se as cotas forem de valores desiguais, o cômputo das
maiorias levará em consideração, não o número de cotas, mas sim o montante de
capital detido por cada sócio.
Na prática, sempre se adotou o sistema de cotas de igual valor, graças à simplificação
que oferece123.
121
CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial – do direito de empresa. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2005. vol. 13, p. 68.
122
CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial – do direito de empresa. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2005. vol. 13, p. 69
123
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 131-132.
75
seu capital social, emitindo novas frações do capital social, subscritas e integralizadas por parte
do mutuante/investidor.
Acontece que, quando as partes celebram o Contrato de Mútuo Conversível em
Participação (e uma de suas cláusulas obrigatórias), é essencial a definição do preço de emissão
de novas frações de capital social quando da conversão do debt em equity, o que ocorre com
base no valuation, que leva em consideração, geralmente, a sua perspectiva de rentabilidade
(critério econômico de precificação de determinada sociedade).
Nesse particular, a emissão de novas quotas ocorreria com preço distinto de outras
emitidas, sem guardar correspondência com o valor nominal (ou até mesmo patrimonial – em
sociedades seed, early, expansion stage), caracterizando, assim, um “ágio” em relação ao valor
nominal das quotas já emitidas, o que, na sociedade limitada, é fato gerador de tributação como
receita para determinação do lucro real, o que não ocorre nas sociedades anônimas – conforme
veremos no item seguinte.
Vejamos, assim, o que vaticinam Lucas Caminha e Gustavo Flausino Coelho:
Quando o mútuo é convertido, a participação que cabe ao anjo é definida com base
no valuation atribuído à startup, o qual leva em conta expectativa de sucesso com
base em intangíveis e projeções futuras, conforme capítulo 4.4. Dessa forma, o valor
subscrito pelo investidor no aumento de capital da startup será sempre superior ao
valor patrimonial que a participação adquirida representa. Tal diferença entre o valor
patrimonial da participação e o valor efetivamente pago para adquirir a participação
chama-se ágio.
(...)
Essa vantagem fiscal quer dizer, na prática, que o ágio recebido pela sociedade
anônima pelas ações de seu aumento de capital não é tributado, conforme
expressamente ratificado no art. 38 do Decreto-Lei nº 1.598/1997. No entanto, essa
eficiência fiscal não é prevista em lei para sociedades limitadas, ainda que o contrato
social reflita aplicação supletiva da Lei das Sociedades por Ações (art. 1.053 do
Código Civil)124.
Tal repercussão fiscal acaba por representar um grande ônus para a instrumentalização
da conversão do crédito em participação societária dentro de estruturas de sociedades limitadas,
tipo usual no cotidiano, menos custoso, e que representa um número de 76 vezes a quantidade
de sociedades anônimas, em recente levantamento feito na Junta Comercial do Estado de São
Paulo – Jucesp.
124
CAMINHA, Lucas; COELHO, Gustavo Flausino. Captação de recursos por startups. São Paulo: Almedina,
2020. p. 193-194.
76
Por outro lado, a emissão de frações de capital social com valores diferentes é uma
dinâmica usual nas Sociedades Anônimas, merecendo registrar que ação é a “fração negociável
em que se divide o capital social, representativa dos direitos e obrigações do acionista”125,
importando sempre o valor justo na emissão das novas ações, como reflexo do princípio da
realidade do capital social.
A Lei das Sociedades por Ações possibilita que as ações possam ter ou não valor
nominal126 – o que não ocorre nas sociedades limitadas, em que não se permite a “emissão de
quotas sem valor nominal”127 –, significando dizer que, não possuindo valor nominal, as ações
poderão ter o preço de emissão fixado com parte destinada à formação de reserva de capital –
isso com maior liberdade por parte dos acionistas que aprovam a emissão de novas ações por,
especificamente, aumento de capital social.
Nesse sentido, o art. 182 da LSA128 prevê que serão classificadas como reservas de
capital as contas que registrarem a contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor
nominal e a parte do preço de emissão das ações sem valor nominal que ultrapassar a
importância destinada à formação do capital social, inclusive nos casos de conversão em ações
de debêntures.
Essa contribuição que ultrapassa o valor nominal e a parte que ultrapassa a importância
destinada à formação do capital social são chamadas, usualmente, de ágio – que se reverte em
proveito da companhia. “No sistema da Lei das S.A., a emissão de ação por preço superior ao
valor nominal, isto é, com ágio, deverá ser a regra e não a exceção”129.
Nesse sentido, vejamos igualmente o que vaticina Modesto Carvalhosa:
125
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2013. vol. 1. p. 208.
126
“Art. 11. O estatuto fixará o número das ações em que se divide o capital social e estabelecerá se as ações terão,
ou não, valor nominal.”
127
PITTA, André Grünspun. A possibilidade de emissão de debêntures por sociedade limitada regida
supletivamente pela Lei das Sociedades por Ações. In: AZEVEDO, Luís André N. de Moura; CASTRO, Rodrigo
R. Monteiro. Sociedade limitada contemporânea. São Paulo: Quartier Latin, 2013. p. 520.
128
“Art. 182. A conta do capital social discriminará o montante subscrito e, por dedução, a parcela ainda não
realizada.
§ 1º Serão classificadas como reservas de capital as contas que registrarem: a) a contribuição do subscritor de
ações que ultrapassar o valor nominal e a parte do preço de emissão das ações sem valor nominal que ultrapassar
a importância destinada à formação do capital social, inclusive nos casos de conversão em ações de debêntures ou
partes beneficiárias;”.
129
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 138 a 205. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015. vol. III. p.
397.
77
A propósito da emissão de novas ações com ágio – que tem como objetivo buscar a
emissão de novas ações pelo valor real da Companhia –, o art. 520 do Regulamento do Imposto
de Renda (Decreto 9.580/2018) prevê que tal excesso não será computado para fins de
determinação do lucro real – ou seja, o ágio não sofrerá tributação como uma receita não
operacional:
Art. 520. Não serão computadas, para fins de determinação do lucro real, as
importâncias creditadas a reservas de capital que o contribuinte, com a forma de
companhia, receber dos subscritores de valores mobiliários de sua emissão a título de:
I – ágio na emissão de ações por preço superior ao valor nominal ou a parte do preço
de emissão de ações sem valor nominal destinadas à formação de reservas de capital;
II – valor da alienação de partes beneficiárias e bônus de subscrição; e
III – lucro na venda de ações em tesouraria.
Parágrafo único. O prejuízo na venda de ações em tesouraria não será dedutível para
fins de determinação do lucro real.
130
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2014. vol. 3, p. 745.
131
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
2014. vol. 3, p. 755.
78
em dinheiro e, com isso, aperfeiçoou a compensação entre o seu direito de crédito (decorrente
do mútuo) com a dívida de integralização das ações subscritas, ocorrendo, assim, a conversão
do crédito em equity, o investidor passará a ostentar tal condição no livro de registro de ações
nominativas (art. 100, I, da Lei 6.404/1976132), que é – como sabido e ressabido – obrigatório
e constitutivo de direito.
Também os acionistas celebrarão um acordo de acionistas, que, nos termos do art. 118,
regulamentará as regras sobre a compra e venda de ações, preferência para adquiri-las, exercício
do direito a voto, ou do poder de controle, regras essas que deverão ser observadas pela
companhia (investida), quando tal pacto parassocial estiver arquivado em sua sede.
É comum, para além das matérias previstas no referido art. 118, que os acionistas
contratualizem regras complementares (obrigacionais) fundamentais para estabilização do
investimento e para permitir um evento de liquidez para o investidor, como as de lock-up
(restrição à alienação e saída dos sócios fundadores/empreendedores), direito de tag along
(direito de venda conjunta dos minoritários), obrigação de drag along (obrigação de venda
conjunta dos minoritários), put-option para exercício do stop-loss (direito de opção de venda
de ações por R$ 1,00, caso a companhia investida passe a ter prejuízos sucessivos em seus
respectivos exercícios sociais), non-compete (regras de não competição dos sócios
empreendedores com a companhia investida, durante e após a saída eventual da sociedade),
vedação a um down-round (que veda à companhia participar de uma nova rodada de
investimento por um valuation menor do que aquele que serviu de base para um primeiro
investidor, evitando, diretamente, a diluição de seu capital investido), direito a voto afirmativo
do investidor em matérias administrativas e financeiras da sociedade (dependendo de aprovação
daquela ordem do dia na deliberação em assembleia do voto afirmativo do acionista investidor)
e formas alternativas de resolução de disputas societárias, cláusulas estas que serão vistas a
seguir.
Instrumentalizados os atos acima, o mutuante-investidor deixa de possuir sua relação de
crédito com a sociedade investida e deixa de possuir o débito decorrente do dever de
132
“Art. 100. A companhia deve ter, além dos livros obrigatórios para qualquer comerciante, os seguintes,
revestidos das mesmas formalidades legais:
I – o livro de Registro de Ações Nominativas, para inscrição, anotação ou averbação:
a) do nome do acionista e do número das suas ações;
b) das entradas ou prestações de capital realizado;
c) das conversões de ações, de uma em outra espécie ou classe;
d) do resgate, reembolso e amortização das ações, ou de sua aquisição pela companhia;
e) das mutações operadas pela alienação ou transferência de ações;
f) do penhor, usufruto, fideicomisso, da alienação fiduciária em garantia ou de qualquer ônus que grave as ações
ou obste sua negociação.”
79
133
“Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia geral poderão privar o acionista dos direitos de:
I – participar dos lucros sociais;
II – participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;
III – fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios sociais;
IV – preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis
em ações e bônus de subscrição, observado o disposto nos artigos 171 e 172;
V – retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei.
§ 1º As ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares.
§ 2º Os meios, processos ou ações que a lei confere ao acionista para assegurar os seus direitos não podem ser
elididos pelo estatuto ou pela assembleia geral.
§ 3º O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os
acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos
em que especificar.”
80
Há, porém, diversas outras circunstâncias que podem ser também previstas pelas
partes como geradoras do direito de o credor optar pela conversão do mútuo em
participação societária, como, por exemplo, em caso de descumprimentos contratuais
por parte da sociedade investida, na hipótese de ocorrência de uma reorganização
societária da startup, caso haja uma alteração substancial de seu objeto social, dentre
outros134.
Assim, como visto, a transformação do tipo societário para uma sociedade anônima
permitirá a capitalização do mútuo, provocando um aumento de capital social na sociedade
investida, que emitirá novas ações com base na perspectiva de rentabilidade da companhia
(LSA: art. 170, §1º, I), o que acarretará a emissão com ágio de novas frações de capital, ágio
esse que, nos termos do art. 520 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 9.580/2018),
não será computado para fins de determinação do lucro real da companhia, como já visto
anteriormente.
Com a transformação da investida em sociedade anônima, os acionistas deverão realizar
uma Assembleia Geral Extraordinária ou uma Reunião de Conselho de Administração, caso a
134
REIS, Edgar Vidigal de Andrade. Startups: análise de estruturas societárias e de investimento no Brasil. São
Paulo: Almedina, 2018. p. 94.
135
NUNES, Marcelo Guedes. Assembleia de Sócios. Tomo Direito Comercial, edição 1, jul. 2018. Disponível em:
https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/251/edicao-1/assembleia-de-socios. Acesso em: 3 nov. 2021.
81
Companhia tenha regime de capital autorizado, que, no caso do art. 168 da LSA, é uma
autorização para aumento do capital social independentemente de reforma estatutária.
Sobre o regime de capital autorizado, vejamos o que nos ensina Tavares Borba:
Lembrando que o preço de emissão das ações será com base na perspectiva de
rentabilidade da companhia, já que os valuations contratados no Contrato de Mútuo
Conversível em Participação não levam em consideração valores nominais ou patrimoniais da
Companhia, possuindo os acionistas direito de preferência para participar do aumento de capital
social; entretanto, em razão da contratação do mútuo conversível e com vistas a garantir o
percentual contratado – o que impõe uma subscrição isolada de todo o aumento de capital social
pelo investidor ou com outros terceiros não acionistas –, os acionistas já manifestaram a vontade
em ceder, futuramente, o direito de preferência para o investidor subscritor do aumento de
capital social, conforme autorização normativa prevista no § 6º do art. 171 da Lei das
Sociedades por Ações.
Realizada a Assembleia Geral Extraordinária ou a Reunião do Conselho de
Administração, aprovando o aumento de capital social após exercício do direito (subjetivo) de
conversão do crédito do investidor/mutuante, o investidor firmará o boletim de subscrição e
dará por aperfeiçoado (e, portanto, extinto) o contrato de mútuo conversível, compensando o
seu direito de crédito (líquido e certo) com a sua obrigação de integralizar as novas ações
subscritas.
Simultaneamente (para evitar extinção dos efeitos do Contrato de Mútuo Conversível),
os acionistas (incluindo aqui o investidor/mutuante agora acionista) firmarão um (novo) acordo
de acionistas, disciplinando as matérias previstas no art. 118 da Lei das Sociedades por Ações
e todas as outras matérias já indicadas no Contrato de Mútuo Conversível, o que será mais
detalhado em item próprio.
Compete, aqui, esclarecer que o Acordo de Sócios terá como condão estabelecer direitos
e obrigações previstos no próprio dispositivo legal e também diversos outros direitos ao
investidor para mitigação dos riscos decorrentes da evidente assimetria informacional que
136
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 439.
82
O use of proceeds, sem dúvida, representa mecanismo que estrutura segurança para o
investidor.
É por meio da cláusula de vinculação do “uso das receitas”, que o mutuante, em acordo
de vontades com a mutuária/investida, contrata a destinação do aporte para determinado(s)
fim(ns) do planejamento estratégico da sociedade.
É o que Luiz Gustavo Garrido e Giulliano Tozzi Coelho esclarecem:
Neste particular, o mútuo conversível não tem nem o propósito de ser um mútuo
financeiro (simples). A contratação do mútuo conversível tem em vista o desenvolvimento das
atividades da sociedade investida, ou melhor, a consecução do seu objeto social, preenchendo
o seu fim.
O uso dos recursos de forma correta, como sói ocorrer pelo business judgment rule,
premia a investida (mutuária) com bons resultados financeiros, com o crescimento das
atividades próprias de empresa e, com isso, o aumento do valuation da investida, o que acaba
por favorecer o investidor/mutuante com maximização/geração do valor do seu investimento e,
por óbvio, com o prêmio do lucro distribuído.
Por outro lado, o emprego em fins sociais equivocados gerará prejuízo para a sociedade
investida/mutuária, com o uso dos recursos aportados (via mútuo), sem aumento da valorização
do negócio e da participação do mutuante/investidor.
137
COELHO, Giuilliano Tozzi; GARRIDO, Luiz Gustavo. Dissecando o contrato entre startups e investidores
anjo. In: JÚDICE, Lucas Pimenta; NYBO, Erik Fontenele (coord.). Direito das startups. Curitiba: Juruá, 2016. p.
136.
83
138
“Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores
monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”
139
“Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à
inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora.”
84
Ao final do prazo contratado (ou das hipóteses do art. 592 do diploma civilista, se
contratadas), terá o mutuante/investidor que escolher entre uma das três opções, já ditas, mas
que merecem, novamente, menção: a) converter o crédito líquido e exigível do mútuo mediante
compensação (CC, art. 368) com a dívida de integralização do capital social subscrito; b) ser
restituído do crédito; ou c) remir a dívida, o que, na prática, transmutará o contrato de mútuo
conversível em contrato de doação (CC, art. 538).
Percebe-se, com efeito, que o vencimento do contrato de mútuo pode ser convencional,
quando as partes disciplinarem o termo para restituição da coisa fungível, ou legal, quando não
houver estipulação das partes sobre o prazo de restituição da coisa.
Nesse sentido, cabe-nos mais uma vez trazer a lição de Paulo de Tarso Vieira
Sanseverino:
140
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Contratos nominados II: contrato estimatório, doação, locação de
coisas, empréstimo (comodato – mútuo). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 342-343.
85
141
CAMINHA, Lucas; COELHO, Gustavo Flausino. Captação de recursos por startups. São Paulo: Almedina,
2020. p. 188.
86
7.1.5. Cláusula Compromissória obrigatória por questão regulatória. Regra própria dos
Fundos de Investimento em Participação – FIPs
Por fim, importa esclarecer que quando o funding é contratado tendo como investidor a
figura de um Fundo de Investimento em Participação – FIP, que, como visto no capítulo 6 do
presente trabalho, é uma comunhão de recursos destinada à aquisição de ações, bônus de
subscrição, debêntures simples, outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis
em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas, bem como títulos e valores
mobiliários representativos de participação em sociedades limitadas, que deve participar do
processo decisório da sociedade investida, com efetiva influência na definição de sua política
estratégica e na sua gestão, como prevê o art. 5º da já citada Instrução CVM 578/2016, conforme
alterada, é obrigatória a previsão de submissão de qualquer tipo de disputa, controvérsia ou
conflito (envolvendo direito político ou econômico) entre as partes, bem como a liquidação ou
a partilha de acervo patrimonial, à jurisdição arbitral, ao invés de submetê-la à jurisdição estatal.
Isso decorre de prática de governança imposta pelo art. 8º da ICVM 578/2016, que
impõe que as sociedades investidas por FIPs contenham, contratual ou estatuariamente, a
depender do tipo societário, a “adesão a câmara de arbitragem para resolução de conflitos
societários”, nos termos do inciso IV do referido dispositivo normativo.
142
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,
desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de
lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente
insignificante; e
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de
administradores à pessoa jurídica.
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não
autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade
econômica específica da pessoa jurídica.”
87
Para além, como visto, das previsões próprias do referido contrato atípico, híbrido e
complexo, ao nosso sentir, verdadeiras cláusulas essenciais – em conjunto, por óbvio, com o
objeto contratado –, citando, como exemplo, a cláusula de conversão do crédito em
participação, as condições precedentes/suspensivas à conversão, o use of proceeds e o
vencimento, há a possibilidade de as partes contratantes do Contrato de Mútuo Conversível, no
âmbito da autonomia da vontade, disporem sobre outros direitos e obrigações não contrários à
lei, a exemplo dos covenants e das declarações e garantias (as representations and warranties
próprias do Direito anglo-saxão).
Uma das previsões facultativas, mas de expressiva relevância, diz respeito à disposição
sobre determinadas obrigações de fazer (positivas) e de não fazer (negativas), usualmente
denominadas de covenants.
Por meio dos covenants, a parte investida assume o dever de realizar determinadas
obrigações de prestação de informações, de exibição de papéis e documentos da sociedade e de
seus negócios, de contratar conforme o use of proceeds, bem como de não contratar senão de
acordo com as autorizações dadas pela sociedade investidora/mutuante.
Vejamos, nesse sentido, o que orientam Bruno Feigelson, Erik Fontenele Nybo e Victor
Cabral Fonseca:
Covenant
Esta cláusula visa criar um compromisso de atuação entre as partes negociantes. Por
meio dela, a parte se obriga a atuar de determinada forma ou evitar de efetuar alguma
ação indesejada pela outra parte. A previsão de tal cláusula está geralmente atrelada à
88
conduta das partes, de forma que a natureza da obrigação nela exposta representa uma
obrigação de fazer ou não fazer143.
143
FEIGELSON, Bruno; NYBO, Erik Fontenele; FONSECA, Victor Cabral. Direito das startups. São Paulo:
Saraiva, 2018. p. 138.
144
“Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, do total de votos
conferidos pelas ações com direito a voto, se maior quórum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações
não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para deliberação sobre:
I – criação de ações preferenciais ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar proporção
com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto;
II – alteração nas preferências, vantagens e condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações
preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida;
89
É com base nas declarações e garantias que as partes declaram ser verdadeiros, precisos,
completos e corretos temas e aspectos da investida (e de seus ativos) que são vitais para a
formação da vontade das partes contratantes do negócio jurídico em questão, já que, nessas
situações, há evidente assimetria informacional – notadamente, pelos investidores do mútuo
conversível serem apenas credores (e não sócios com direitos políticos próprios previstos em
lei).
Importa relembrar que, desde o funding do Contrato de Mútuo Conversível em
Participação Societária até a efetiva conversão em equity, não raras vezes, impõe-se lapso de
tempo expressivo que possibilitaria, inclusive, uma (nova) due diligence por parte do investidor
– com vistas a ter visibilidade de todos os passivos e contingências eventualmente surgidos no
período.
Arnoldo Wald, Luiza Rangel de Moraes e Ivo Waisberg assim conceituam o
procedimento de due diligence:
Mesmo que inexista previsão legal em nosso ordenamento jurídico, é usual, na prática
comercial, principalmente em operações de fusão, incorporação e aquisição (“mergers
& acquisitions”), a realização de um procedimento de coleta de informações e de
145
GAUDÊNCIO, Samuel Carvalho; MCNAUGHTON, Charles William. Fusões e Aquisições: prática jurídica
no M&A. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 96.
91
146
WALD, Arnoldo; RANGEL DE MORAES, Luiza; WAISBERG, Ivo. Fusões, incorporações e aquisições –
aspectos societários, contratuais e regulatórios. In: WARDE JR., Walfrido Jorge. Fusão, cisão, incorporação e
temas correlatos. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 53.
147
PIRES, Catarina Monteiro. Aquisição de empresas e de participações acionistas – problemas e litígios.
Coimbra: Almedina, 2018. p. 63-64.
92
148
BOTREL, Sérgio. Fusões e aquisições. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 298.
149
BUSCHINELLI, Gabriel Saad Kik. Compra e venda de participações societárias de controle. São Paulo:
Quartier Latin, 2018. p. 396.
150
MENDES-MEDEIROS, Mariana. Cláusula de declarações e garantias nos contratos internacionais de
aquisição de empresas ou ativos. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2006. p. 149.
93
151
GREZZANA, Giacomo. A cláusula de declarações e garantias em alienação de participação societária. São
Paulo: Quartier Latin, 2019. p. 69-70.
94
Ainda sobre o tema e em razão da sua importância, vejamos o que ensinam Bruno
Feigelson, Erik Fontenele Nybo e Victor Cabral Fonseca:
Antidiluição (full ratchet ou weighted average): é uma cláusula que pode prevenir a
diluição da participação dos acionistas existentes, caso haja emissão de novas ações
em uma rodada de investimento posterior a um preço menor do que aquele pago pelos
investidores anteriores. A antidiluição pode ser operacionalizada por meio de dois
mecanismos diferentes: full ratchet ou weighted average. O mecanismo do full ratchet
consiste em reajustar o valor das ações existentes em virtude da emissão de novas
ações decorrentes de um novo investimento. Tal reajuste ocorre para que o investidor
que pagou mais pelas ações na rodada anterior tenha as mesmas condições dos novos
investidores que pagaram um valor menor por suas ações (Lobo; Potenza, 2016). Por
outro lado, pelo mecanismo de weighted average as participações são recalibradas
com base no tamanho e preço da rodada que implicou a diluição. Essa recalibragem é
possibilitada por meio de uma fórmula estipulada contratualmente. Em ambos os
casos, o reajuste de valores ocorre pela conversão das ações preferenciais em ações
ordinárias a preços favoráveis ao antigo investidor153.
152
BOTREL, Sérgio. Fusões e aquisições. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 341-342.
153
FEIGELSON, Bruno; NYBO, Erik Fontenele; FONSECA, Victor Cabral. Direito das startups. São Paulo:
Saraiva, 2018. p. 141.
96
Assim, percebe-se que tal disposição contratual de antidiluição pode variar, existindo
subtipos de proteção ao investidor, o chamado full ratchet, quando há o reajuste do preço das
ações já emitidas e detidas pelo investidor (e por quem contratou em favor de si tal mecanismo)
em razão da emissão de novas ações com preço menor.
Ou seja, é como se o preço de emissão posterior das novas ações, em razão de uma nova
rodada, igualmente valesse para o investidor anterior, que, assim, acabará se valendo de uma
condição mais vantajosa – e, portanto, permanecerá com a mesma participação detida na
sociedade investida, independentemente de não ter acompanhado o aumento por exercício do
direito de preferência.
Há também o weighted average (média ponderada) entre preços de emissão variados.
Nessa hipótese, a sociedade investida pode levantar uma nova rodada de investimento, com
preço menor de emissão das novas ações, devendo, entretanto e eventualmente, utilizar a média
ponderada das ações emitidas do primeiro e do segundo investimento aproveitar/beneficiar o
investidor prejudicado, “recalibrando” a participação do investidor.
Outra regra facultativa para contratação dos sócios de uma sociedade investida, tanto
pelos sócios fundadores como pelo sócio investidor, refere-se às dinâmicas de alienação das
quotas ou ações pelos sócios em favor de terceiro, podendo ocorrer os chamados tag-along e
drag-along.
Tag-along é o direito de venda conjunta, que acaba beneficiando o sócio minoritário.
Por meio da cláusula de tag-along os sócios minoritários têm o direito de venda de suas quotas
ou ações em conjunto com a venda de um determinado sócio (controlador ou não).
Essencialmente, a cláusula foi importada para o Brasil do direito norte-americano e foi
pensada para proteção do investidor em detrimento do acionista controlador.
Para as companhias abertas, já há a proteção prevista no art. 254-A da Lei das
Sociedades por Ações. Entretanto, para sociedades limitadas e anônimas de capital fechado, a
regra deve ser contratada por meio de acordo (de bloqueio), levando-se em conta que o acordo
de bloqueio “visa impor restrições à cessão e transferência das quotas sociais, com o objetivo
de proteger e manter o poder de determinado grupo de sócios”154.
Por ocasião da oferta de aquisição de participação de controle, os minoritários detêm o
direito de participarem, proporcionalmente, com suas quotas ou ações detidas no evento de
liquidez pretendido por terceiro.
154
KNABBEN, Bruno; BARBOSA DE OLIVEIRA, Marcos. Acordo de quotistas nas sociedades limitadas. In:
RAMUNNO, Pedro A. L. (coord.). Sociedade limitada: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin,
2019. p. 215.
97
O tag along também deriva do direito norte-americano. Esse direito assegura que a
alienação, direta ou indireta, do controle de uma empresa somente poderá ocorrer sob
a condição de que o sócio adquirente realize a oferta de aquisição das ações ou quotas
detidas pelos demais sócios, de forma proporcional à sua participação no capital
social. Portanto, essa cláusula tem o intuito de proteger os interesses do sócio
minoritário, uma vez que ele pode não desejar se associar ao novo comprador que ele
não conhece. Trata-se de proteger um investidor que deseja sair da startup caso o
fundador resolva vender sua participação, por exemplo, garantindo a referido
investidor o direito de liquidar sua participação também155.
155
FEIGELSON, Bruno; NYBO, Erik Fontenele; FONSECA, Victor Cabral. Direito das startups. São Paulo:
Saraiva, 2018. p. 141.
156
KNABBEN, Bruno; BARBOSA DE OLIVEIRA, Marcos. Acordo de quotistas nas sociedades limitadas. In:
RAMUNNO, Pedro A. L. (coord.). Sociedade limitada: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin,
2019. p. 218.
98
ou ações nas mesmas condições ofertadas pelo terceiro, em prazo factível ao levantamento do
capital necessário (próprio ou de terceiro), evitando-se um suposto deságio imposto pelo sócio
controlador.
Outra cláusula facultativa em acordo de sócios é a de lock-up de (determinados) sócios.
Por meio da cláusula de lock-up, determinados sócios, que contribuem pessoalmente
para o exercício da empresa, ficam por um período restrito (determinado) impedidos de alienar,
total ou parcialmente, suas quotas ou ações, até que um investimento feito por um terceiro
consiga ser performado – o que é contratado em acordo de sócios por meio do prazo do lock-
up indicado pelo investidor na referida cláusula.
Vejamos, nesse sentido, o que orientam Bruno Knabben e Marcos Barbosa de Oliveira:
Importa esclarecer que tal disposição em nada contraria o princípio da livre associação
(ou desassociação) previsto no art. 5º, XX, da Constituição Federal, na medida em que o que se
impede por meio do lock-up é a alienação de quotas ou ações e não a vedação ao exercício do
direito de retirada (simples) ou recesso (motivado).
Em contrapartida, qualquer vedação ao direito potestativo de retirada (simples) ou
recesso (motivado) por meio de cláusula de lock-up em pacto parassocial deve ser tratada como
mecanismo – ao nosso sentir – flagrantemente inconstitucional, sobretudo em razão da regra
cogente prevista no art. 109, V, da Lei das Sociedades por Ações, que consagra como essencial
o direito do acionista de se retirar da sociedade, nos casos previstos na referida legislação.
O impedimento aqui é para o negócio jurídico de compra e venda de participação
societária, isso durante um período restrito; o recesso (motivado) e a retirada (imotivada) são
espécies de resolução da sociedade (contratual) em relação a um sócio ou do exercício de um
direito potestativo pelo minoritário em decorrência de verdadeira garantia de “proteção à
maioria acionária e à sociedade, na medida em que constitui um expediente mediante o qual os
conflitos entre os sócios podem ser canalizados e resolvidos no âmbito da própria
companhia”158.
157
KNABBEN, Bruno; BARBOSA DE OLIVEIRA, Marcos. Acordo de quotistas nas sociedades limitadas. In:
RAMUNNO, Pedro A. L. (coord.). Sociedade limitada: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin,
2019. p. 219.
158
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 138 a 205. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015. vol. III, p.
507.
99
Essa cláusula é, de forma recorrente, exigida pelo sócio investidor. Isto porque ela
obriga os sócios fundadores da Startup não alienarem suas quotas, no todo ou em
parte, para terceiros por um certo período de tempo exigido pelo sócio investidor no
acordo de quotistas.
Ora, a previsão é absolutamente justificável, considerando que a força e “a alma” do
negócio concentram-se na inteligência dos sócios fundadores da Startup. Portanto, o
sócio investidor deverá resguardar essa espécie de patrimônio “intangível” da Startup,
preservando assim seu investimento159.
Outra cláusula facultativa em acordo de sócios, mas que é bastante usual ser indicada
nos Contratos de Mútuo Conversível em Participação Societária, é a de não concorrência,
igualmente chamada de non-compete (não competição).
Por meio da cláusula de não concorrência, os sócios ficam impedidos de exercer
atividade concorrente à da empresa durante a vigência da relação societária estabilizada em
acordo de sócios e, ainda assim, durante um período posterior, de sorte a proteger a empresa
(seus negócios, clientes e ativos), evitando que uma desinteligência societária permita, por meio
de exercício do direito de retirada ou do recesso, que um sócio retirante leve a clientela da
sociedade, prejudicando o exercício da empresa pela sociedade.
Há a necessidade de preenchimento de alguns requisitos para que a cláusula de não
concorrência tenha validade.
Nesse sentido, de acordo com a jurisprudência dos nossos tribunais, a validade da
cláusula depende que tenha havido (i) estipulação de limitação territorial; (ii) vigência por prazo
certo; (iii) vantagem que assegure o sustento financeiro pelo período pactuado; (iv) bem como
garantia de que a pessoa possa desenvolver outra atividade160.
Tais requisitos respeitam, notadamente, os princípios da livre-iniciativa e da valorização
do trabalho humano (CF, art. 170).
Outra cláusula facultativa que é contratada em acordo de sócios é a da definição de uma
política de distribuição de dividendos. Caso não contratada tal política de distribuição de lucros,
aplicar-se-á o que está previsto em Lei para cada tipo societário.
Nas Sociedades Limitadas, segue-se o previsto no art. 1.007 do Código Civil. Nas
Sociedades Anônimas, segue-se o previsto no art. 189 e seguintes da Lei 6.404/1976.
159
SILVA, Marcus Alexandre da. Acordo de quotistas: ferramenta para a estabilidade e gestão de conflitos em
startups. In: JÚDICE, Lucas Pimenta (coord.). Direito das startups. Curitiba: Juruá, 2017. vol. II, p. 170.
160
TST, RR 10660320145120022, 2ª Turma, Rela. Delaíde Miranda Arantes, j. 30.08.2017, DEJT 08.09.2017.
100
Por fim, cabe esclarecer que as partes podem ainda dispor sobre a criação de opções de
compra e de venda de participações societárias.
As opções (de compra e venda) podem ter como causa de sua contratação diversas
motivações, como uma shot-gun, buy or sell ou cláusula texana (a chamada Texas Shootout),
com vistas a resolver um impasse163 decorrente de uma desinteligência societária, por meio da
qual um dos sócios pode exercer a opção de compra de um outro sócio, que outorgou a opção
161
SILVA, Marcus Alexandre da. Acordo de quotistas: ferramenta para a estabilidade e gestão de conflitos em
startups. In: JÚDICE, Lucas Pimenta (coord.). Direito das startups. Curitiba: Juruá, 2017. vol. II, p. 172.
162
BOTREL, Sérgio. Fusões e aquisições. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 329-330.
163
Segundo Judith Martins-Costa, “impasse, palavra criada por Voltaire, significa o que não tem passagem, isto
é, está sem saída” (A cláusula de buy or sell na perspectiva do direito das obrigações. In: VENANCIO FILHO,
Alberto; LOBO, Carlos Augusto da Silveira; ROSMAN, Luiz Alberto Colonna (coord.). Lei das S.A. em seus 40
anos. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 539).
101
de venda, mas que igualmente recebeu a opção de compra, o qual, após ter perdido um sorteio,
por exemplo, obriga-se a cumprir a opção de venda, enquanto o outro exerceu uma opção de
compra. Costuma-se, assim, utilizar tal estruturação como um mecanismo de resolução de
impasse (deadlock provision).
Vejamos o que ensina André Estevez sobre o referido negócio jurídico:
Pode também ser outorgada, tal opção, como mecanismo de stop-loss, em que o
investidor tem um put-option contra os fundadores para sair da sociedade investida, transferindo
todas as suas quotas ou ações por R$ 1,00 como forma de “parar o prejuízo” que a sociedade
experimenta/apura.
A cláusula buy or sell se reveste como pacto atípico e misto, na estrutura de acordo de
sócios, evidentemente bilateral em pacto parassocial, oneroso, dependente do exercício pelo
titular do direito de opção de compra em desfavor da parte outorgante, acabando por
instrumentalizar um negócio jurídico unilateral aperfeiçoado de forma receptícia.
Vejamos, assim, o que nos ensina Judith Martins-Costa:
Esse mecanismo, inclusive, pode ser visto durante a fase de dívida (ainda não convertida
em equity), quando ocorre um impasse entre as partes ou tenha havido a resolução contratual
por inadimplemento de uma obrigação por parte da sociedade investida, obrigando-se a
mutuada a restituir o investidor/mutuante com os consectários reparatórios do inadimplemento
absoluto.
164
ESTEVEZ, André. Contrato de opção de compra e de venda de participação societária: função, autonomia
privada e controle de validade na sociedade anônima fechada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021. p. 30.
165
MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula de buy or sell na perspectiva do direito das obrigações. In: VENANCIO
FILHO, Alberto; LOBO, Carlos Augusto da Silveira; ROSMAN, Luiz Alberto Colonna (coord.). Lei das S.A. em
seus 40 anos. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 549.
102
Essa alternativa é, como bem cita Judith Martins-Costa quando trata do Texas Shootout,
inclusive, um “resultado ótimo” sob a perspectiva econômica, preservando a sociedade
investida/mutuada, e, por outro lado, o funding realizado pelo investidor/mutuante, que
receberá de volta seu capital investido com remuneração.
Ainda sobre os mecanismos de call e put option, vejamos o que ensina Marcus
Alexandre da Silva:
Também como forma de resolver eventuais conflitos entre sócios, pode se prever, no
acordo de quotistas, as chamadas opções de compra (Call Option) e as opções de
venda (Put Option).
Na opção de venda será permitido que um determinado sócio (o “Sócio Put”) possa
obrigar um ou mais sócios a comprar as quotas do Sócio Put, por um preço
preestabelecido, seja de modo objetivo ou por meio de uma fórmula de apuração, e
desde que atendidas certas condições. É uma cláusula usualmente negociada pelo
sócio investidor, como alternativa de saída do negócio investido, o que, no entanto,
pode gerar sérios riscos à Startup ou ao sócio empreendedor. Portanto, ajustar
prudentemente as condições que permitem o exercício da Put Option é
fundamental166.
O direito de call permite, basicamente, que continue existindo uma cláusula de hard
monitoring e penalidade mesmo após a cláusula de vencimento antecipado (pelo fato
de o mútuo haver sido convertido em investimento). Ao invés de acelerar a
exigibilidade do crédito, o investidor pode, mediante ocorrência de certo evento,
exigir que lhe sejam vendidas todas as quotas ou ações da startup (às vezes até por
um valor simbólico de R$ 1).
Já o direto de put não é uma penalidade, mas uma saída. Trata-se da opção que o
investidor pode exercer para vender sua participação na startup para os sócios usando
uma metodologia de cálculo predeterminada167.
Essas são disposições facultativas em acordo de sócios, mas que podem, claramente, no
campo da autonomia da vontade das partes, contratar outras regras, criando, modificando e
extinguindo direitos patrimoniais disponíveis, desde que não contrários à lei e ao contrato ou
estatuto social, a exemplo da cláusula compromissória para resolução de disputas
eventualmente existente entre os sócios, merecendo esclarecer que, como visto nas cláusulas
essenciais do presente trabalho, é obrigatório aos FIPs – por expressa previsão da Instrução
CVM 578/2011 – submeter disputas societárias à jurisdição arbitral.
166
SILVA, Marcus Alexandre da. Acordo de quotistas: ferramenta para a estabilidade e gestão de conflitos em
startups. In: JÚDICE, Lucas Pimenta (coord.). Direito das startups. Curitiba: Juruá, 2017. vol. II, p. 170-171.
167
CAMINHA, Lucas; COELHO, Gustavo Flausino. Captação de recursos por startups. São Paulo: Almedina,
2020. p. 189.
103
contrato de mútuo com essa restituição”168, que deixa, portanto, de produzir seus respectivos
efeitos.
Em substituição, em razão da celebração da alteração do contrato social – quando a
investida/mutuária for uma sociedade limitada –, formalizando-se o aumento de capital social
subscrito pelo investidor, ou da ata de Assembleia Geral Extraordinária (AGE) – quando a
investida for uma sociedade anônima, sendo a AGE o órgão competente para reforma de
estatuto social –, ou da reunião do Conselho de Administração para as companhias de capital
autorizado, emitindo-se novas ações que venham a ser subscritas pelo investidor/mutuante,
utilizando-se do crédito do mútuo para integralização das ações, em Boletim de Subscrição,
deverá ser firmado acordo de acionistas, disciplinando as matérias próprias do art. 118 da LSA,
além das outras previsões tratadas em item anterior do presente trabalho, de sorte que ocorrerá
a contratação pelas partes das cláusulas já obrigadas anteriormente a contratar (no contrato de
mútuo conversível).
Aqui, restará aperfeiçoado o Contrato de Mútuo Conversível em Participação Societária,
deixando de existir uma relação entre credor e devedor para existir relação societária plurilateral
entre investidor de capital de risco e sociedade investida. O mútuo, assim, extingue-se para os
fins jurídicos e, igualmente, contábeis, conforme será visto adiante.
Os direitos que eventualmente tiverem sido contratados pelas partes no Contrato de
Mútuo Conversível em Participação Societária deverão ser, igualmente, contratados em pacto
parassocial – já que, com a extinção daquela relação jurídica, o negócio jurídico de empréstimo
conversível alcançará seu término.
168
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Contratos nominados II: contrato estimatório, doação, locação de
coisas, empréstimo (comodato – mútuo). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 341.
105
O contrato de mútuo, ainda que conversível (mas até o exercício do direito subjetivo de
conversão por parte do investidor), é negócio jurídico de empréstimo de coisa fungível, que
representa, em um primeiro momento, um direito de crédito para o mutuante e um dever de
restituição para a mutuária.
Nesse contexto, abordaremos a questão contábil envolvendo partes exclusivamente
domiciliadas no território nacional, não sendo objeto da presente avaliação a contabilização do
Contrato de Mútuo Conversível por parte de um investidor estrangeiro.
Pois bem. Pelo princípio da oportunidade contábil – que diz respeito à integridade e à
tempestividade do registro do patrimônio e suas mutações respectivas, de forma consecutiva e
correta, nos termos da Resolução CFC 1.374/2011, que desdobrou o princípio da oportunidade
contábil169 nas Características Qualitativas 12 e 19, sendo a primeira característica a de
representação fidedigna170 e a segunda a de características qualitativas de melhoria171,
disposição normativa essa já revogada, mas que distribuiu a essência dos princípios para os
Comitês de Pronunciamento Contábeis –, o contrato de mútuo conversível deve ser
devidamente contabilizado nos balanços patrimoniais da sociedade mutuária e da sociedade
investidora – ou, até mesmo, na declaração de imposto de renda da pessoa física mutuante, na
parte de bens e direitos.
169
O princípio da oportunidade contábil foi trazido para a realidade contábil por meio da Resolução CFC 750/1993,
hoje revogada, em seu art. 6º, que assim prescrevia:
“Art. 6º O Princípio da Oportunidade refere-se, simultaneamente, à tempestividade e à integridade do registro do
patrimônio e das suas mutações, determinando que este seja feito de imediato e com a extensão correta,
independentemente das causas que as originaram.
Parágrafo único. Como resultado da observância do Princípio da Oportunidade:
I – desde que devidamente estimável, o registro das variações patrimoniais deve ser feito mesmo na hipótese de
somente existir razoável certeza de sua ocorrência;
II – o registro compreende os elementos quantitativos e qualitativos, contemplando os aspectos físicos e
monetários;
III – o registro deve ensejar o reconhecimento universal das variações ocorridas no patrimônio da Entidade em um
período de tempo determinado, base necessária para gerar informações úteis ao processo decisório da gestão.”
170
Representação fidedigna. QC12. “Os relatórios contábil-financeiros representam um fenômeno econômico
em palavras e números. Para ser útil, a informação contábil-financeira não tem só que representar um fenômeno
relevante, mas tem também que representar com fidedignidade o fenômeno que se propõe representar. Para ser
representação perfeitamente fidedigna, a realidade retratada precisa ter três atributos. Ela tem que ser completa,
neutra e livre de erro. É claro, a perfeição é rara, se de fato alcançável. O objetivo é maximizar referidos atributos
na extensão que seja possível.”
171
Características qualitativas de melhoria. QC19. “Comparabilidade, verificabilidade, tempestividade e
compreensibilidade são características qualitativas que melhoram a utilidade da informação que é relevante e que
é representada com fidedignidade. As características qualitativas de melhoria podem também auxiliar a determinar
qual de duas alternativas que sejam consideradas equivalentes em termos de relevância e fidedignidade de
representação deve ser usada para retratar um fenômeno.”
106
Como já abordamos anteriormente, não pode a mutuária ser pessoa física (empresário
individual), já que não há autonomia patrimonial, capital social limitador de responsabilidade
e, com efeito, quotas ou ações a serem subscritas pelo investidor mutuante.
Caso o prazo contratado de restituição seja após o término do exercício social seguinte
e nos exatos termos do art. 180 da LSA172, o mútuo deverá ser registrado no passivo não
circulante do balanço patrimonial da sociedade investida, isto é, aquela que tomou o crédito
(mutuária), bem como no ativo não circulante do balanço patrimonial da sociedade investidora
(mutuante).
Na data do balanço “deverá ser feita a classificação, considerando-se a exigibilidade ou
não no exercício seguinte”173. Isto é, caso o prazo contratado de restituição seja até o exercício
social seguinte, o mútuo deverá ser contabilizado no ativo circulante, no caso da mutuante, e
no passivo circulante, no caso da mutuária.
Todas as despesas e os custos do mútuo conversível, incluindo eventuais juros e
correções, deverão ser reconhecidos como despesas operacionais para fins da apuração do
resultado no exercício social em que ocorreram, incluindo tal obrigatoriedade para as
microempresas e empresas de pequeno porte.
Com o exercício da conversão do crédito em capital social (equity), deixando a dívida
de existir e devendo a empresa “fazer nota explicativa às demonstrações contábeis”174 para
tratar dos encargos financeiros, garantias eventuais e condições de conversibilidade do mútuo,
necessariamente ocorrerão reclassificações contábeis pela novação da relação jurídica,
utilizando as regras de emissão de quotas e ações que foram apresentadas nos itens 7.1.1.1. e
7.1.1.2 do presente trabalho.
Mais uma vez, por princípio da oportunidade contábil e por primazia da realidade da
novação da relação jurídica, a sociedade investidora reclassificará o crédito contabilizado no
ativo circulante ou não circulante, a depender do prazo de restituição, em ativo não circulante,
mais precisamente na subconta de investimentos, que contemplará “as participações
permanentes em outras sociedades e os direitos de qualquer natureza, não classificáveis no ativo
circulante, e que não se destinem à manutenção da atividade da companhia ou da empresa”, nos
termos do inciso III do art. 179 da Lei das Sociedades por Ações.
172
“Art. 180. As obrigações da companhia, inclusive financiamentos para aquisição de direitos do ativo não
circulante, serão classificadas no passivo circulante, quando se vencerem no exercício seguinte, e no passivo não
circulante, se tiverem vencimento em prazo maior, observado o disposto no parágrafo único do art. 179 desta Lei.”
173
IUDÍCIBUS, Sérgio de. Manual de contabilidade societária. São Paulo: Atlas, 2010. p. 311.
174
IUDÍCIBUS, Sérgio de. Manual de contabilidade societária. São Paulo: Atlas, 2010. p. 313.
107
Por outro lado, a sociedade investida deverá baixar o mútuo existente na conta do
passivo (circulante ou não circulante) para a conta de patrimônio líquido, especificamente na
subconta contábil de capital social, que “discriminará o montante subscrito e, por dedução, a
parcela ainda não realizada”, nos termos do art. 182 da Lei das Sociedades por Ações.
Se houver sido contratado um valuation como base da conversão que represente uma
perspectiva de rentabilidade da sociedade investida (valor econômico da mutuária), como já
visto no presente trabalho, quando da conversão da dívida em equity, a precificação da emissão
de novas quotas (no caso das sociedades limitadas) será a do valuation previsto no Contrato de
Mútuo Conversível, que, comumente, estabelece os critérios econômicos de Fluxo de Caixa
Descontado – FCD ou múltiplo de EBITDA, conforme tratamos no item 5, supra, ou qualquer
outro critério que leve em consideração “a perspectiva de rentabilidade da companhia” (LSA,
art. 170, § 1º, I), ainda mais subjetivo quando se trata de startups.
Entretanto, repise-se que a emissão de quotas com base em critério econômico, com
valor distinto do nominal, acarretará ágio se o critério econômico for superior ao valor nominal
do capital social da LTDA.
Nesse particular, a emissão de quotas com ágio, nas sociedades limitadas, acarreta
tributação como receita não operacional, podendo totalizar em 34% de tributação sobre o valor
do ágio (ganho de capital da pessoa jurídica, tributando-se em 15% de IRPJ, 9% de CSLL e
10% de adicional de IR). O ágio, nesse contexto, será, necessariamente, contabilizado em
reserva de capital no Balanço Patrimonial da Sociedade Limitada investida.
No caso de a investida/mutuária ser uma sociedade anônima, o mesmo ágio na emissão
das novas ações será, igualmente, contabilizado em conta de reserva de capital, tendo em vista
que, como já previsto anteriormente, de acordo com o § 1º do art. 182 da LSA:
Imperioso revisitar que as ações emitidas com ágio nas companhias – tendo o ágio o
objetivo de buscar a emissão de novas ações pelo valor real da Companhia – não acarretarão
incidência fiscal para a companhia em razão do que prevê a norma prevista no art. 520 do
Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 9.580/2018), o qual consigna que o excesso não
será computado para fins de determinação do lucro real – ou seja, não sofrerá tributação como
receita não operacional, conforme tratamos no item 7.1.1.2 do presente trabalho.
108
É ainda de se rememorar que a Lei das Sociedades por Ações possibilita que as ações
podem ter ou não valor nominal, o que não ocorre nas sociedades limitadas, que não permite a
emissão de quotas sem valor nominal, o que significa dizer que, não possuindo valor nominal,
as ações poderão ter o preço de emissão fixado com parte destinada à formação de reserva de
capital – isso com maior liberdade por parte dos acionistas que aprovam a emissão de novas
ações por, especificamente, aumento de capital social, classificando como reservas de capital
as contas que registrarem a contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor nominal
e a parte do preço de emissão das ações sem valor nominal que ultrapassar a importância
destinada à formação do capital social, sendo estas, portanto, as contabilizações adequadas a
serem registradas nas demonstrações financeiras da mutuante e da mutuária, anterior e
posteriormente à conversão do debt em equity.
109
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, José Romeu Garcia. Regime jurídico das debêntures. 2. ed. São Paulo: Almedina,
2016.
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The End of Bankruptcy. Stanford Law Review,
v. 55, 2002-2003, p. 758. Disponível em:
https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2045&context=journal_arti
cles. Acesso em: 7 dez. 2021.
BARBOSA, Henrique; BOTREL, Sérgio. Novos temas de direito e corporate finance. São
Paulo: Quartier Latin, 2019.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.
BREALEY, Richard A.; MYERS, Stewart C.; ALLEN, Franklin. Principles of Corporate
Finance. 11th ed. New York: The McGraw Hill, 2014.
CAMINHA, Lucas; COELHO, Gustavo Flausino. Captação de recursos por startups. São
Paulo: Almedina, 2020.
CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do Código Civil. 15. ed. São Paulo: Saraiva,
2018.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 7. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2013. vol. 1.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 6. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 2014. vol. 3.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. vol. 2.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. vol. 3.
113
COELHO, Giuilliano Tozzi; GARRIDO, Luiz Gustavo. Dissecando o contrato entre startups e
investidores anjo. In: JÚDICE, Lucas Pimenta; NYBO, Erik Fontenele (coord.). Direito das
startups. Curitiba: Juruá, 2016.
COX, James D.; HAZEN, Thomas Lee. Business Organizations Law. Third Edition. Thomson
Reuters, 2011.
COYLE, John F.; GREEN, Joseph M. Contractual Innovation in Venture Capital. Hastings Law
Journal, v. 66, 2014. Disponível em:
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2417431&download=yes. Acesso em: 15
out. 2021.
CRAVEIRO, Mariana Conti. Contratos entre sócios – interpretação e direito societário. São
Paulo: Quartier Latin, 2013.
CRUZ, João Vitor Ordones da Costa. Emissão privada de debêntures conversíveis como
mecanismo de mitigação de risco. In: GONTIJO, Bruno Miranda; VERSIANI, Fernanda Valle
(coord.); CRUZ, João Vitor O. da Costa; PENNA, Thomaz Murta (org.). Direito societário e
mercado de capitais. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 20. ed. São
Paulo, Saraiva, 2003. vol. 1.
EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada: arts. 138 a 205. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin,
2015. vol. III.
FEIGELSON, Bruno; NYBO, Erik Fontenele; FONSECA, Victor Cabral. Direito das startups.
São Paulo: Saraiva, 2018.
FLACH, Pedro; LOPES DA SILVA, Layon. Debêntures: o que são, sua regulamentação e
utilização por sociedades limitadas. In: JÚDICE, Lucas Pimenta; NYBO, Erik Fontenele
(coord.). Direito das startups. Curitiba: Juruá, 2016.
FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 4. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2019.
114
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. A sociedade em comum. São Paulo: Malheiros,
2013.
FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes; ADAMEK, Marcelo Vieira von. Affectio
societatis: um conceito jurídico superado no moderno direito societário pelo conceito de fim
social. In: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes (coord.). Direito societário
contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
IUDÍCIBUS, Sérgio de. Manual de contabilidade societária. São Paulo: Atlas, 2010.
JÚDICE, Lucas Pimenta (coord.). Direito das startups. Curitiba: Juruá, 2017. vol. II.
JÚDICE, Lucas Pimenta; NYBO, Erik Fontenele (coord.). Direito das startups. Curitiba: Juruá,
2016.
LAMY FILHO, Alfredo. Título II. Capital Social e Ações. Capítulo I. Capital Social. In:
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das Companhias. 2. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2017. p.154.
MAGENNIS, Darren; WATTS, Edward; WRIGHT, Sue. Convertible Notes: the debt versus
equity classification problem. Disponível em:
https://www.academia.edu/27147635/Convertible_notes_the_debt_versus_equity_classificati
on_problem. Acesso em: 29 set. 2021.
MARTINS, Fran. Curso de direito comercial: contratos e obrigações comerciais. 19. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2019.
MAYNARD, Therese H.; WARREN, Dana M. Business Planning: Financing the Start-Up
Business and Venture Capital Financing. Wolters Kluwer Law & Business: 2010.
NUNES, Marcelo Guedes. Assembleia de Sócios. Tomo Direito Comercial, edição 1, jul. 2018.
Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/251/edicao-1/assembleia-de-
socios. Acesso em: 3 nov. 2021.
OIOLI, Erik Frederico. Manual de direito para startups. São Paulo: Thomson Reuters Brasil,
2019.
OIOLI, Erik Frederico; RIBEIRO JR., José Alves; LISBOA, Henrique. Financiamento da
startup. In: OIOLI, Erik Frederico. Manual de direito para startups. São Paulo: Thomson
Reuters Brasil, 2019.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de direito empresarial. 2. ed. Salvador: JusPodivm,
2008.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. O direito de empresa no Código Civil – comentários ao livro
2: arts. 966 a 1.195. Rio de Janeiro: Método, 2011.
RUFINO DA SILVA, Isabella. Troca ou permuta. In: CAMPOS, Alyson Rodrigo Correia;
CASTRO, Torquato da Silva. Dos contratos. Recife: Nossa Livraria, 2012.
116
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Contratos nominados II: contrato estimatório, doação,
locação de coisas, empréstimo (comodato – mútuo). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
SILVA, Marcus Alexandre da. Acordo de quotistas: ferramenta para a estabilidade e gestão de
conflitos em startups. In: JÚDICE, Lucas Pimenta (coord.). Direito das startups. Curitiba:
Juruá, 2017. vol. II.
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Direito comercial: teoria geral do contrato. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
WALD, Arnoldo. Direito civil: contratos em espécie. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. vol. 3.
WAISBERG, Ivo. Direito de preferência para aquisição de ações: conceito, natureza jurídica
e interpretação. São Paulo: Quartier Latin, 2016.