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Silveira Fa DR Bauru PDF
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OS LIMITES DO JORNALISMO:
A ÚLTIMA BATALHA DO JORNAL DE LONDRINA
Bauru
2020
FÁBIO ALVES SILVEIRA
OS LIMITES DO JORNALISMO:
A ÚLTIMA BATALHA DO JORNAL DE LONDRINA
Bauru
2020
Silveira, Fábio Alves.
Os limites do jornalismo: a última batalha do JL
/ Fábio Alves Silveira, 2020
234 f.: il.
Concluir um doutorado num país como o Brasil e num momento histórico em que as
universidades são atacadas, a cultura é ameaçada de censura, o jornalismo é enxovalhado, a
ignorância é recompensada e os delírios totalitários se tornam cada vez mais concretos, não é
tarefa fácil. Pesquisar jornalismo nesse cenário é um desafio ainda mais pesado. Mais do que
“um amontoado de um monte de coisas” com poucas figuras (exceto nos anexos), esta tese é
resultado de uma década de dedicação, começando com a decisão de cursar uma nova
Especialização para recolocar as ideias em ordem e começar a pensar um projeto. Fora isso
foram três semestres de viagens para cursar disciplinas como aluno especial, em Assis e em
Bauru, mais uma disciplina cursada no programa de pós-graduação de Filosofia da UEL, e
mais um ano na elaboração do projeto, fora os quatro anos do curso de Doutorado em si. E
apesar do individualismo hegemônico no nosso tempo, não é possível imaginar que o êxito
em um projeto como esse seja individual. Como diria Tom Jobim, “fundamental é mesmo o
amor, é impossível ser feliz sozinho”. É por isso que sou devedor de muitas pessoas, sem as
quais não teria chegado até aqui.
Começo pelos meus colegas de redação do Jornal de Londrina, que navegaram comigo
por mais de uma década na loucura, satisfação e porque não dizer, na viciante tarefa de fazer
um jornal diário. Dali saíram amizades para a vida inteira e o meu objeto de estudo. Agradeço
também aos atuais colegas de redação da RPC, pela compreensão com eventuais desatenções
de quem está com um pé na academia e outro na redação. E, também porque me ajudaram a
(re)aprender a continuar fazendo jornalismo diário, só que de forma diferente, ainda que
notícias continuem sendo notícias, independentemente de plataforma.
Agradeço ao meu orientador, professor Mauro Ventura, que acreditou junto comigo na
ideia de que jornalistas de redação podem (e devem) teorizar sobre Jornalismo e que têm
muito a contribuir para a disciplina.
Ciente do risco de cometer injustiças, finalizo este tributo aos que me acompanharam,
agradecendo a família, que sempre esteve ao meu lado nas trincheiras da vida. Minha mãe,
Sirlei, a quem devo as conquistas que tive ao longo da vida. Pela inteligência de sempre
apostar na educação como forma de existir e de resistir. Aos meus irmãos, pela ordem
cronológica, Rogério, Roberto, Márcio e Renato, sempre ali, incentivando. Laços eternos com
vocês. Aos sobrinhos, também em ordem cronológica, Victor Hugo, Guilherme (esses dois
companheiros de “papos-cabeça” no RU da UEL), Renato, João Vitor, Victor Gabriel e Luiza.
Meu cunhado Elton, meio sobrinho, pela idade, meio irmão, pela cumplicidade e sintonia de
sentimentos e pensamentos.
E por fim, mas não menos importante, à Elaine, mulher da minha vida, companheira
de viagem, com quem divido a vida, mas o copo de cerveja jamais (ela adora tomar cerveja no
meu copo, acabando com a espuma).
A todos vocês, sou grato e devedor por este trabalho ter chegado até o fim.
Quando querem transformar
Dignidade em doença
Quando querem transformar
Inteligência em traição
Quando querem transformar
Estupidez em recompensa
Quando querem transformar
Esperança em maldição
(Renato Russo)
SILVEIRA, FA Os limites do jornalismo: a última batalha do Jornal de Lonrina. 2020.
(190 fls). Tese de Doutorado – Universidade Estadual Paulista, Bauru.
RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi investigar os valores-notícia adotados pelo Jornal de Londrina
para lidar com questões urbanas da cidade de Londrina, como o uso e ocupação do solo, a
questão ambiental e suas relações com a indústria da construção civil e o setor imobiliarista.
O recorte usado foram os últimos três anos de funcionamento do jornal, que circulou entre
julho de 1989 e dezembro de 2015. Esse recorte permitiu a seleção de 121 reportagens,
divididas em oito temas que têm relação com essa agenda do jornal. Desses, dois temas foram
escolhidos para serem analisados à luz dos valores-notícia, por se tratarem de situações mais
conflituosas e que tratam de desvios legais e relevância, remetendo a dois dos valores-notícia
mais importantes que aparecem desde os primeiros estudos acadêmicos sobre o jornalismo. O
debate sobre os valores-notícia foi feito a partir da discussão proposta por cinco autores:
Gisele Silva, Marcos Paulo da Silva, Pamela Shoemaker, Mauro Wolf e Nelson Traquina.
Esses autores foram escolhidos porque suas reflexões apontam para um modelo de valores-
notícia operacional e de fácil aplicação à prática cotidiana das redações.
ABSTRACT
The objective of this research is to investigate the news values adopted by Jornal de Londrina
to deal with urban issues in the city of Londrina, such as land use and occupation, the
environmental issue and its relations with the construction industry and the real estate sector.
The clipping used was the last three years of operation of the newspaper, which circulated
between July 1989 and December 2015. This clipping allowed the selection of 121 reports,
divided into eight themes that are related to this newspaper's agenda. Of these, two themes
were chosen to be analyzed in the light of the news values, as they are more conflicting
situations and deal with legal deviations and relevance, referring to two of the most important
news values that appear since the first academic studies on the subject. journalism. The debate
on news values was made based on a discussion proposed by five authors: Gisele Silva,
Marcos Paulo da Silva, Pamela Shoemaker, Mauro Wolf and Nelson Traquina. These authors
were chosen because their reflections point to a model of operational news values and easy to
apply to the daily practice of newsrooms.
Keywords: Journalism; News criteria; News values; News selection; Jornal de Londrina
LISTA DE FIGURAS
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 17
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho foi pensado, executado e concluído a partir do chão da fábrica. E isso diz
muito sobre ele. Na época em que o projeto foi concebido eu atuava como repórter, colunista
e editorialista no Jornal de Londrina. No momento em que os créditos foram cumpridos, o
jornal já tinha parado de circular. Em julho de 2017, quando a pesquisa já estava em
andamento há alguns meses, debutei como repórter na RPC Londrina, iniciando uma trajetória
no telejornalismo, depois de duas décadas no jornalismo impresso diário. Uma coincidência
que se explica pelo fato de JL e a RPC pertencerem ao mesmo grupo, o Grupo Paranaense de
Comunicação (GRPCOM): a sala de redação onde hoje trabalha a equipe da RPC em
Londrina, foi a mesma onde funcionou o JL nos últimos nove anos de sua trajetória. Logo,
concepção e execução da pesquisa bem como a redação da tese aconteceram num período em
que trabalhei no mesmo prédio, na mesma sala, mas em redações e veículos diferentes.
Expor o ponto a partir do qual esta tese foi produzida vai muito além de uma
exposição de memórias pessoais. O que se quer discutir aqui é a importância de o campo
jornalístico teorizar sobre a sua própria prática. No prefácio feito para a edição brasileira do
livro de Otto Groth, “O poder cultural desconhecido – Fundamentos da ciência dos jornais”, o
jornalista e professor Eduardo Medistch afirma que a ideia de que a prática e a teoria são
estanques, não se comunicam, quando se trata de jornalismo, não é mais aceitável, sob pena
de as duas afundarem. A defasagem entre a teoria e a prática, segundo ele, é reflexo de uma
profissão que terceirizou a sua própria teorização. Para Meditsch, essa defasagem entre o que
se estuda na academia e o que se faz nas redações é uma das explicações para a derrota teórica
sofrida pelo jornalismo brasileiro em 2009, na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF),
tomada a partir do relatório do ministro Gilmar Mendes, que extinguiu a obrigatoriedade do
diploma universitário para o exercício da profissão. Derrota aprofundada por uma Medida
Provisória editada em 2019, já sob o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, que acaba
com a necessidade de registro profissional para o exercício do jornalismo1.
Este trabalho tem a intenção de dar uma contribuição nesse sentido. Pensar o
jornalismo teoricamente é fundamental e aproximar essa teorização do dia a dia das redações
19
é igualmente importante. Para tanto, fazemos aqui um estudo de caso sobre o Jornal de
Londrina, diário que circulou entre 1989 e 2015 na cidade paranaense que emprestou o nome
ao veículo. O JL, como era chamado, começou com um grupo de jornalistas influenciados por
experiências de cooperativas de jornalistas que surgiram em alguns lugares do Brasil na
década de 80, incluindo Londrina. Eles se associaram a um grupo de empresários,
principalmente da construção civil, que se alinhavam ao grupo político do ex-prefeito Wilson
Moreira, também ele empresário. O jornal nasceu com uma linha editorial combativa, com
tom oposicionista e críticas à gestão de outro ex-prefeito, Antonio Belinati, que se elegeu um
ano antes do jornal circular. Morreu também com uma linha editorial crítica, que é o que
vamos discutir durante este trabalho, a partir da leitura dos valores-notícia usados pelo jornal
na cobertura de questões urbanas, como Plano Diretor, lei de zoneamento e questões
ambientais, todas elas envolvendo o setor imobiliário e de construção civil.
perpassem todo o processo da discussão jornalística, alguns são mais valorizados dentro da
redação, de onde se tem uma visão privilegiada sobre o produto jornalístico e outros são mais
valorizados “na rua”, onde as equipes dos veículos de comunicação coletam as informações
que passarão pelo processo de edição mais tarde. Daí a denominação de “valores da rua” e
“valores da redação”.
A terceira parte foi dividida em três capítulos, nos quais é feito o estudo de caso do JL.
O primeiro desses três capítulos descreve as reportagens que encampam seis dos oito temas
relativos à construção civil e ao setor imobiliário identificados no noticiário do JL. Este
capítulo é descritivo. As reportagens são expostas, uma a uma, explicando a sequência e o
tratamento dado pelo jornal a cada um desses temas. Para o segundo capítulo desta parte,
separamos os dois temas considerados mais conflituosos, tratados pelo jornal como “Caso
Havan/City” e “Caso Marco Zero/Alvarás”. Esses dois temas foram escolhidos, primeiro
porque eles receberam maior atenção do jornal. Juntos, eles são responsáveis por 48 das 121
reportagens publicadas no período. E em segundo lugar, porque prevalece neles uma
cobertura baseada nas ideias de quebra de normalidade e de conflito. Das 48 reportagens, 17
foram manchetes e essas foram analisadas de forma mais aprofundada, com a aplicação de
uma tabela de valores-notícia.
No terceiro capítulo desta parte, fazemos uma avaliação geral do noticiário, cotejando
as informações levantadas na pesquisa com as entrevistas. Aqui entram entrevistas dos chefes
de redação da fase final do jornal e também, de profissionais que atuaram na área comercial e
que tinham uma outra visão do processo e da relação com empresas, empresários e
anunciantes.
2 UM POUCO DE HISTÓRIA
2.1 – Epílogo
A última edição do Jornal de Londrina foi produzida a 391 quilômetros da cidade que
deu nome ao jornal que no dia seguinte encerraria sua circulação, 26 anos depois de ser
fundado. Quase todo material que circulou nessa edição foi produzido num prédio que fica a
poucos quarteirões de uma das ruas mais famosas de Curitiba, a Rua XV de Novembro. Mais
exatamente, no local onde então ficava a redação da Gazeta do Povo, jornal do Grupo
Paranaense de Comunicação (GRPCOM), proprietário do JL desde 1999. Ironicamente a
própria Gazeta do Povo trocara, duas semanas antes, o formato standard pelo berliner – o
mesmo usado pelo JL na fase final da sua existência – e em abril de 2017 passaria a circular
exclusivamente na internet.
“demissão em massa”, ou seja, de quase a metade da redação – que já era reduzida. Essa
cláusula impedia a empresa de formar a equipe que desejava.
Na outra ponta, o Sindicato dos Jornalistas construiu um acordo que permitiria essa
construção. Era um Plano de Demissão Voluntária, acrescentando ao valor da rescisão, 10% a
mais por ano trabalhado e extensão do plano de saúde por algum período. A proposta foi
rejeitada por um voto de diferença, na assembleia da redação, realizada na sede do sindicato,
no dia 14 de dezembro. A expectativa da redação era de melhorar os valores do PDV. A
resposta veio na quinta-feira, dia 17, com a decisão irrevogável de fechar o jornal, os acertos
trabalhistas já prontos para serem assinados e a transferência do fechamento da última edição
para Curitiba.
2.2 A Gestação
A primeira edição do jornal de Londrina foi para a rua no dia 31 de julho de 1989,
com a manchete “Três debates aguardam Covas hoje em Londrina”. Tratava da visita do
candidato do PSDB na primeira eleição direta para a presidência da República depois do fim
da ditadura militar. A data foi uma forma de “driblar” o começo em agosto, uma superstição
da jornalista Ana Marta, responsável pela coluna social do JL do primeiro ao último número.
Ela foi a única que permaneceu na redação durante os 26 anos de circulação. “Ia circular em
agosto, porque tinha coisa da Ana Marta: „que não, agosto é um mês não sei o que. Délio, não
faz‟. Então vai no último dia de julho”, relata Luiz Carlos Lorencetti, um dos fundadores do
jornal1.
“JL número 1 saiu dia 31 de julho com aquela manchete horrorosa: „Covas hoje em
Londrina‟. É horrorosa e é inevitável, quando eu vejo aquilo eu falo. É uma espécie
de salvação do editor aquela manchete. Olha, é como se não tivesse nada importante
para dizer e por outro lado, candidato a presidente da república na cidade e era o
Covas, não era qualquer um.
Pergunta – Manchete que salva o dia.
CA – Eu acho, é obvio. O cara chega na véspera, já pensando na manchete. Ele já
escreve e deixa ali do lado. Covas hoje em Londrina. Que horror! A manchete tinha
que ser, sei lá: „a cidade ganha um novo canal para se expressar‟ ou sei lá o que” 2.
1
Entrevista concedida ao autor em 18 de setembro de 2018, em Londrina.
2
Entrevista concedida ao autor em 18 de outubro de 2018, pelo jornalista Joaquim Francisco Gonçalves de Brito
Amaro, o Chico Amaro, como prefere ser chamado. Entrevista realizada em Londrina.
23
Para contar a história de como essa edição inaugural chegou às bancas, naquele último
dia de julho de 1989, é preciso recuar à década de 1970. Desde esse período, jornalistas e
empresários se envolveram em tentativas de criar e consolidar um “segundo jornal” na cidade,
em contraposição à Folha de Londrina, fundada em 1948, e que circula até hoje com edição
impressa. O jornalista Délio César3 é personagem fundamental na história do JL. Mas ele
participou de várias tentativas, desde a década de 1960. Ele foi redator da sucursal
londrinense do jornal Última Hora, até ela ser fechada, no dia seguinte ao golpe militar de
1964 (CÉSAR, 2016, p. 191).
A segunda tentativa aconteceu em 1968, com o Diário de Londrina, que circulou por
três meses (FILHO e NETO, 1991, p. 93-94).
Apesar dos pesados investimentos e de ter um forte grupo de comunicação por trás, o
jornal deixou de circular pouco mais de um ano e meio depois, em outubro de 1976. Lélio
César avalia assim as dificuldades do jornal para se firmar em Londrina:
3
Délio Nunes César, falecido em fevereiro de 2015, foi um jornalista e político. Foi vereador no fim da década
de 1960 e vice-prefeito de Londrina no período de 1983 a 1988. Ele assumiu a prefeitura em substituição a
Wilson Moreira, que deixou o cargo para disputar uma cadeira na Câmara dos Deputados.
24
“Eu diria para você que a gestação do JL começou logo depois do fechamento do
Panorama”. A frase de Luiz Carlos Lorencetti, que seria um dos fundadores do Jornal de
Londrina, deixa claro que a ideia do “segundo jornal” permaneceria viva, para vingar na
década seguinte.
“Tinha um grupo de jornalistas no qual eu me inseri aí, muito preocupado com uma
versão só. Londrina tinha uma agitação política muito grande, era uma espécie de
capital política do Estado, principalmente porque o berço da oposição no Estado era
Londrina. Curitiba tinha lá seus prefeitos indicados, governador indicado no Estado.
E Londrina não, Londrina vivia uma efervescência oposicionista, comandada pelo
MDB. Claro só tinha dois partidos, Arena e MDB. E a gente imaginava: não pode
ficar à mercê de um único jornal de uma única opinião, enfim. Era uma coisa que se
discutia bastante”4.
Outras iniciativas surgiram dali em diante. Uma delas foi a criação da Coojornal, em
1977, uma cooperativa de jornalistas com mais de 100 sócios, a maioria formada pelos
demitidos do Panorama. Dessa cooperativa nasceu o “Paraná Repórter”, que durou poucas
edições (FILHO e NETO, 1991, p. 106, 107).
No começo dos anos 80, a dupla de jornalistas que estaria à frente do Jornal de
Londrina, Délio César e Lorencetti, faria uma incursão pela política. Primeiro, Délio – que
também era advogado – foi procurador jurídico da Câmara de Vereadores de Londrina (ele foi
vereador, eleito em 1968 pelo MDB) e Lorencetti, assessor de imprensa do Legislativo.
Depois, na eleição de 1982, Délio César se tornaria vice-prefeito, na chapa encabeçada por
Wilson Moreira5 e Lorencetti assumiria a assessoria de imprensa da prefeitura. Foi durante a
gestão Moreira/Délio na prefeitura que se reuniu o grupo que fundaria o Jornal de Londrina.
Ainda na prefeitura, Lorencetti pensava na criação do jornal.
4
Entrevista concedida ao autor em 18 de setembro de 2018.
5
Wilson Moreira foi prefeito de Londrina na gestão 1983-1988, pelo PMDB e depois se filiaria ao PSDB. Foi
eleito nas eleições de 1982 com 48.713 votos, de um total de 169.732 eleitores (fonte: Tribunal Regional
Eleitoral). Também foi deputado federal.
25
A Editora Jornal de Londrina foi fundada em 1986, quando o grupo ainda estava na
prefeitura. Lorencetti conta que já nessa época fez visitas a jornais do interior de São Paulo,
em cidades como Assis e Presidente Prudente. “A gente ia em comitiva, principalmente eu, o
Coutinho e o Délio”, relata o jornalista. Na época, o projeto não foi adiante por dois motivos:
a crise econômica que emergiu depois da segunda fase do Plano Cruzado7 e o lançamento pela
Folha de Londrina do jornal Paraná Repórter. Esses dois pontos fizeram com que o projeto do
Jornal de Londrina fosse arquivado por mais algum tempo (CÉSAR, 2016, p. 201).”
6
Entrevista concedida ao autor em 18 de setembro de 2018.
7
Plano econômico lançado durante o mandato do presidente José Sarney (1984/1990), que contou com um
congelamento de preços que durou até as eleições de novembro de 1986, garantindo uma vitória maciça do
PMDB – partido do então presidente – nas eleições estaduais daquele ano. Passadas as eleições, o
congelamento acabou e a inflação ressurgiu com força.
8
Em entrevista ao autor, no começo dos anos 2000, para uma reportagem publicada no JL sobre a história do
jornal, Délio César confirma que um dos fatores que reforçaram a ideia de criação do jornal foi “defender
Londrina do Belinati”, trecho que não foi usado na reportagem, mas que deixa claro que a questão política-
eleitoral também foi importante. O jornalista nunca escondeu a sua posição na política municipal.
26
Ricardo da Guia Rosa, outro jornalista que participou da fase inicial do JL, como
repórter na primeira equipe, em 1989, mas posteriormente chegando a chefe e depois diretor
de redação10, confirma a relevância do componente político para a fundação do jornal. E
acrescenta também que o descontentamento desse grupo com a Folha de Londrina também foi
importante.
“O jornal a gente sabe da história dele, teve uma motivação de um grupo político era
um grupo de empresários que tinha o viés político, obviamente. Tinham perdido a
eleição para o Belinati. O Zé Tavares, que era o candidato deles que era para ser o
sucessor do Wilson Moreira, perdeu a eleição para o Belinati. Tinha a situação da
Folha que era o único jornal da cidade. Esse grupo de empresários não concordava,
discordava de métodos da Folha, que a Folha tinha. [...] Tinha o viés político e
também tinha aquela coisa de ser um segundo jornal da cidade”11.
9
Entrevista concedida ao autor em 18 de setembro de 2018.
10
Ele teve três passagens pelo jornal ocupando diversos cargos. A última acabou no final de 1999, quando da
compra do JL pelo GRPCOM.
11
Entrevista concedida ao autor em 26 de setembro de 2018.
12
Em meados dos anos 1990 ele também foi pauteiro e no começo dos anos 2000, já sob o comando do
GRPCOM, ele foi editor de Economia, cargo que ocupou até 2004, quando houve um dos grandes cortes na
redação do jornal, com a demissão da metade da equipe.
13
Moreira cultivava a imagem pública de um gestor controlado nos gastos. Ovelhas para comer o mato e água no
telhado para refrescar o prédio da prefeitura e não gastar com ar condicionado eram apresentados como
medidas para economizar o dinheiro público.
14
Entrevista concedida ao autor em Ibiporã, em 19 de setembro de 2018.
27
2.4 O Parto
Foram 66 acionistas que se cotizaram para viabilizar o jornal (CÉSAR, 2016, p. 201,
202). A maioria era formada por empresários, principalmente da construção civil. Jornalistas
como o próprio Délio César e Lorencetti também investiram em cotas16. Nenhum deles
poderia ter mais que 8% das ações do jornal.
Com o dinheiro foram compradas máquinas, as duas impressoras planas nas quais o
jornal foi impresso até 1995 (CÉSAR, 2016, p. 202) e foi montada a equipe que colocou o
jornal na rua. Segundo Lorencetti, foi um processo rápido entre a formalização da sociedade e
a primeira edição. A primeira redação do jornal foi contratada em julho de 1989 e trabalhou
um mês no planejamento do jornal, até que a primeira edição fosse lançada. A estrutura
sempre foi limitada: nos 26 anos de funcionamento do jornal, foram poucos em que a redação
contava com mais de um carro para cobrir os fatos da cidade. Quem trabalha ou trabalhou em
redação sabe da importância do transporte para o deslocamento de equipes e
consequentemente, o funcionamento de um veículo de comunicação. Chico Amaro relata os
problemas de estrutura com bom humor:
15
Atualmente ele é presidente da Associação Comercial e Industrial de Londrina (Acil).
16
Lorencetti contou, tanto na entrevista ao autor, quanto no livro de Lélio César, que o cheque que ele deu para
ser acionista do jornal estava sem fundos no momento em que foi assinado. Ele foi coberto em seguida, com a
venda do carro do jornalista, um Del Rey ano 1987.
28
A esse respeito, Devaldo Gilini, também relata que “sempre foi um carro. Teve época
que o Samuka [Lopes] ia de ônibus fazer cobertura do Tubarão [apelido do Londrina Esporte
Clube]. Que era mais rápido que esperar o carro vir”. A estrutura limitada do jornal foi uma
marca ao longo das duas décadas e meia de existência17 do JL. Apenas num curto período o
jornal chegou a ter mais de um carro para atender a redação, isso nos primeiros anos em que o
GRPCOM assumiu o seu comando e investiu forte no jornal. Nos últimos anos, a redação
enxuta recebeu o apelido de “redacinha”, numa ironia, uma piada interna dos jornalistas que
ali trabalhavam. Nos últimos 10 anos, o JL contava com dois repórteres fotográficos, um em
cada turno.
Em 1989, quando o JL foi para as ruas, trazia alguns diferenciais: circulava nas
segundas-feiras, o que poucos jornais brasileiros faziam na época. A exemplo do que
aconteceu na sua última fase, o jornal não circulava aos sábados. A diferença é que na década
de 1980 a redação deixava de funcionar na sexta-feira e trabalhava no sábado para fechar a
edição de domingo. Já no período de 2006 a 2015, quando voltou a não ter edição de sábado,
a redação trabalhava até sexta-feira, quando era fechada a edição de domingo – tratada como
uma edição de sábado e domingo. Outro diferencial era a cor única – azul – na logomarca,
num período em que os jornais ainda estavam começando a engatinhar nas cores. A
inspiração, segundo Lorencetti, era no jornal norte-americano USA Today, que também usa o
azul na logomarca.
O slogan na fase inicial, “tudo em poucas palavras”, sintetizava a ideia de um jornal
standard com 12 páginas que tentava veicular o máximo de notícias possível por edição.
“Notícias curtas, mas bem feitas”, reforça Chico Amaro. Lorencetti resume o espírito do
jornal com “poucas palavras”:
“Era um jornal de noticiário meio abreviado, até porque tinha poucas páginas e a
gente queria dar bastante notícia, principalmente o noticiário local. Então criamos
aquelas colunas nas páginas locais, principalmente. E você ter bastante notinhas,
então a gente tinha numa página, 10, 12 notícias, até mais. Era uma coisa que a
gente pra não perder de dar a notícia, fazia aquelas pequenas notas nas colunas de
fora”.
17
O autor trabalhou no JL em dois períodos: de julho de 1995 a abril de 1997 e de maio de 1998 a dezembro de
2015, quando do seu fechamento. A partir de 2000 se tornou colunista de política, primeiro com uma coluna
semanal e a partir de 2004, como responsável pela principal coluna de política do JL. Mesmo colunista, nunca
deixou a função de repórter. A partir de 2009, assumiu também a função de editorialista, sempre acumulando
com as outras duas funções.
29
O JL dos primeiros tempos também tinha por característica fechar suas edições mais
tarde, para dar notícias com exclusividade, os chamados furos jornalísticos, que conquistam
credibilidade e leitores. Outra marca do jornal, pelo menos nos períodos inicial e final, foi a
combatividade.
Nessa primeira fase, o jornal tinha uma postura combativa e não só pelo contraponto
feito por Délio César à gestão Belinati. Por ter sido criado por um grupo que se opunha ao
poder, o JL tinha uma liberdade editorial que lhe permitia fazer denúncias importantes.
Segundo Ricardo da Guia Rosa, a primeira reportagem de grande repercussão foi sobre um
18
Além do JL, ele foi fundador, por exemplo, do festival de teatro criado em 1968 e que hoje se chama Filo
(Festival Internacional de Londrina).
30
Por outro lado, para tentar desqualificar o jornal e sua cobertura, os críticos atribuíam
a postura editorial do JL ao posicionamento político do seu principal colunista. “Todo
[mundo] falava assim: ah, o jornal fez essa matéria porque o Délio está lá. O Belinati gostava
de falar muito isso. O pessoal dos „patetas‟19 também falava muito isso”, lembra Devaldo
Gilini. Apesar das críticas, Gilini, que também trabalhou na Folha de Londrina, nos anos
1980, diz que não via “tanta influência assim do Délio na área política, quanto eu via na Folha
de Londrina”.
Sobre a influência do veterano jornalista, Ricardo da Guia Rosa admite que ela existia,
mas não era da forma que os detratores tratavam.
“A própria coluna, às vezes, ela pautava o jornal. Como é que o colunista fala
alguma coisa e o jornal não vai nem checar para ver se é noticia? Então acabava
tendo uma influência e a coluna tinha uma influência sobre o jornal e a coluna era a
diversão. Quem estava envolvido com política, ler a coluna do Délio era diversão e
por outro lado era motivação também para quem estava na oposição. O Délio era
feroz. Às vezes você discordava, claro, de algumas coisas dele, mas ele tinha muita
informação e ele tinha uma análise política boa”.
Com o tempo, Délio César se afastou da redação, mantendo apenas a coluna e fazendo
o editorial do jornal. Além de cuidar da parte política, cabia a ele, como fiador jornalístico do
19
A referência é a um telejornal que era veiculado pela TV Tropical, que faz parte da rede CNT, entre as décadas
de 1980 e 1990 em Londrina. O telejornal tinha três colunistas que comentavam as notícias e eram tratados
por seus críticos como “Os 3 patetas”. São o advogado, ex-vereador e ex-deputado estadual Moysés Leônidas,
o jornalista Osvaldo Militão, até hoje colunista social da Folha de Londrina e o jornalista Roberto Coutinho,
que presidiu a Sercomtel, empresa municipal de telefonia em parte da gestão do ex-prefeito Barbosa Neto
(2009-2012).
31
projeto, fazer o diálogo entre a redação e os sócios. De acordo com Chico Amaro, Délio
“absorvia tudo o que dizia respeito à redação”, impedindo que as pressões chegassem até ela.
Mas esse sonho nunca esteve perto de se concretizar. O jornal passou nos primeiros
anos por dificuldades financeiras. Lorencetti lembra que a independência da redação “não
ajudava muito a área comercial”. Como as receitas não conseguiam sustentar o
empreendimento, foram feitas várias chamadas de capital. Alguns atendiam à chamada e
mantinham a sua participação na empresa. Outros desistiam, deixavam de investir e perdiam
participação. Não é possível dizer quais ou quantos deixaram de participar das chamadas de
capital por contrariedade com a linha editorial pois essa não era uma questão que chegava
claramente à redação. Mas há, entre os jornalistas que participaram dessa fase inicial, a visão
de que a independência editorial do JL e a combatividade dos primeiros tempos incomodava
até acionistas, como relata Lorencetti:
20
Entrevista concedida ao autor em Londrina, em 3 de dezembro de 2018.
32
“E o JL por um bom tempo ele foi um jornal alternativo e apesar do caráter local
dele, bem local, ele realmente era. Para desespero da maioria dos cotistas, que
queriam isso, queriam aquilo. „Não, faz um acordo‟. Não, não faz acordo não com a
administração. Aquela coisa de pegar publicação, editais, essa coisa, não sei o que.
Ele foi, eu acredito nisso, vi isso, com todas as limitações possíveis e imagináveis. A
gente fazia um trabalho honesto, um jornalismo eu diria honesto. Não é uma coisa
de vanguarda, mas pelo menos isso, o possível. Um jornalismo honesto, mais puro”.
Ainda sobre as dificuldades financeiras dos primeiros tempos do JL, Lélio César, que
foi gerente comercial no começo do Jornal de Londrina, relata na biografia que fez do seu
irmão, Délio César, as dificuldades da concorrência comercial com a Folha de Londrina, que
ele classifica como “desigual”, “desleal” e “terrorismo comercial”. “A Folha aviltou sua
tabela de preços, especialmente na parte de classificados”, lembra. (CÉSAR, 2016, p. 204).
Com esse tipo de concorrência e as dificuldades financeiras que ela trazia, o jornal
teve dificuldades para se firmar financeiramente. O jeito de manter o jornal em
funcionamento eram as chamadas de capital, que não eram atendidas por todos. Por
desistência de vários cotistas, o jornal passou a ter um sócio majoritário: Ézaro Medina
Fabian, dono e fundador da Plaenge, uma grande construtora de Londrina. Em entrevista ao
autor, Fabian, que era presidente do conselho administrativo do jornal, conta que muitos
cotistas perceberam que o jornal “era uma fonte de prejuízo”. “Eu, como eu era presidente do
33
conselho, eu tinha uma responsabilidade sobre as dívidas do jornal. Então a minha empresa
teve que pôr dinheiro para poder, digamos, não deixar o jornal falir21”, relatou o empresário.
2.7 Modernização
Ricardo da Guia Rosa afirma que assim que passou a controlar o jornal, a Plaenge
também implantou mudanças que modernizaram a sua gestão. Já era por volta de 1995. “A
Plaenge organizou a parte administrativa do jornal, organizou a parte tecnológica, fez a
evolução tecnológica do jornal, foi quando desmobilizou o parque gráfico, que não tinha
necessidade de manter toda a estrutura”, conta o jornalista. O jornal passou a ser impresso em
Apucarana, na gráfica do jornal Tribuna do Norte, o que aconteceu até a venda para o
GRPCOM, em 1999.
21
Entrevista concedida ao autor em 3 de dezembro de 2018, em Londrina.
22
Hoje a emissora local da rede chama-se RPC e o nome TV Coroados não é mais usado.
34
Pelo contrário, até atrapalhou. As pessoas ligavam: „não quero essa merda desse jornal,
quero...‟”, recorda Lorencetti, sobre os problemas causados na entrega aos assinantes.
Com todos esses esforços, o jornal chegou a ter 12 mil assinaturas por volta de 1997 e
1998 e batia a Folha de Londrina nos classificados em alguns dias da semana. O jornal estava
às vésperas de ser vendido e a tiragem pode ter atraído os compradores. A Gazeta do Povo,
depois da tentativa de entrar em Londrina encartada no JL e assim ganhar assinantes, mudou
de estratégia e resolveu comprar o jornal. Para Ricardo da Guia Rosa, o motivo da entrada da
Gazeta do Povo em Londrina era um “embate empresarial”, retaliando a tentativa da Folha de
Londrina de transferir a sua redação para Curitiba, se transformando em Folha do Paraná (a
Folha recuou desse projeto, se restringindo a Londrina). Para Ézaro Fabian, vender o jornal
para a Gazeta do Povo era questão de deixar uma empresa da área de comunicação tocar o
negócio.
Com a compra, o grupo começou a formar o que hoje é conhecido como GRPCOM
(Grupo Paranaense de Comunicação), que conta com a rede de televisão RPC, que retransmite
a Rede Globo no Paraná, detém a Gazeta do Povo, um jornal que se tornou on line, com uma
edição impressa de fim de semana, a Tribuna, de Curitiba e as emissoras de rádio 98 FM e
Mundo Livre FM, também na capital do Estado. Trata-se do maior grupo de comunicação do
Paraná, que ampliava a sua presença em Londrina na virada do século. Além da TV
Coroados, que passou a se chamar Rede Paranaense e hoje é RPC, o grupo agora tinha um
jornal impresso em Londrina, o JL, experiência que durou 16 anos.
Com a compra pelo GRPCOM o JL mudou, entrando naquilo que seria a sua terceira
fase23. Mudou nomes da sua equipe e mudou no tom da linha editorial, que já não tinha a
mesma combatividade dos primeiros anos. A bem da verdade, o tom do jornal já vinha
baixando anos antes. Já na gestão de Luiz Eduardo Cheida (eleito pelo PT em 1992, governou
entre 1993 e 1996) houve a separação entre a postura de Délio César e o noticiário. Délio
mantinha o seu tom habitual na coluna e influenciava o jornal. Mas na redação, o tom já era
23
Consideramos a primeira fase o período da fundação, de 1989 até 1994 ou 1995. A segunda fase o período em
que a Plaenge se torna majoritária, de 1995 até a venda para a Gazeta do Povo, em 1999.
35
outro. “Ele [o jornal] conseguiu se manter com uma posição crítica, mas já não tinha uma
posição política de oposição ferrenha como teve no começo”, relata Ricardo da Guia Rosa.
Antônio Belinati foi eleito prefeito pela terceira vez em 1996, para o mandato de 1997
a 2000. No final desse período o JL foi vendido para a Gazeta do Povo. Mesmo diante de uma
gestão Belinati, a terceira na história da cidade, o jornal não era mais combativo como antes.
Eram tempos do escândalo de corrupção conhecido como caso Ama/Comurb, um esquema de
licitações fraudulentas investigadas pelo Ministério Público entre 1999 e 200024. A crise
política que surgiu a partir das investigações sobre as licitações teve como resultado a
cassação do mandato de Belinati25. Com o manuseio de verbas publicitárias, principalmente
da Sercomtel, a gestão Belinati conseguiu silenciar parte da imprensa paranaense no
período26. Com o JL não foi diferente.
A mudança que se percebia nas páginas do jornal, também era visível na coluna de
Délio César, como lembra Chico Amaro: “De repente o Délio para. Ele passou a falar das
flores do jardim, e falou das flores do jardim até o jornal ser vendido. Eu acho até que ele
interrompeu a coluna dele antes do jornal ser vendido”. Lélio César também fala sobre o
assunto:
“O que ele não dizia – e não disse nem a mim, seu irmão, pois eu não era de lhe
fazer perguntas sobre assuntos profissionais – é que manteve uma atitude prudente
em sua coluna para não levantar a ira de políticos poderosos contra o jornal,
atrapalhando as negociações para a venda. O fato muito simples é este: ele queria
assegurar que o Jornal de Londrina continuasse existindo, ele queria garantir que o
sonho que realizaram em 1989 continuasse vivo em benefício da cidade” (CÉSAR,
2016, p. 208).
Como lembra a jornalista Carla Nascimento, que trabalhou no jornal entre 1996 e 2012
e foi chefe de redação durante oito anos, um dos motivos da compra do JL pelo grupo que
edita a Gazeta do Povo foi a dificuldade do jornal em entrar no Norte do Paraná. “Eu lembro
que a ideia deles era expandir, a Gazeta não tinha uma boa penetração no Norte do Paraná,
24
Foram cerca de 200 licitações fraudulentas investigadas pelo Ministério Público no período. Nas ações, o MP
pede a devolução de R$ 32 milhões supostamente desviados dos cofres públicos, em valores da época.
(SILVEIRA, 2004).
25
Embora as licitações tenham sido a causa da crise política, não foram elas o motivo da cassação. Belinati foi
cassado em junho de 2000 por abusos de publicidade cometidos na inauguração do Pronto Atendimento
Infantil (PAI). (SILVEIRA, 2004)
26
Sobre o caso Ama/Comurb, recomenda-se a leitura de “Imprensa e política – o caso Belinati” (SILVEIRA.
2004).
36
não tinha circulação quase nenhuma aqui, era muito caro manter a distribuição para
poucos”27. Existia também a disputa comercial com a Folha de Londrina, que vivia um
período de expansão e chegou a montar uma redação em Curitiba e a circular na capital do
Estado com o nome de Folha do Paraná. O JL fazia, então, parte de uma estratégia para lidar
com um concorrente que estava em fase de crescimento. “[...] Eles queriam ter um jornal de
Londrina aqui ancorando também que era uma forma... enquanto o JL brigava com a Folha, a
Folha não ameaçaria”, lembra a jornalista.
Por isso os novos donos do jornal chegaram dispostos a investir. Ampliaram a equipe
e o número de páginas do jornal. Criaram editorias de Economia, Regional e Cultura, além de
colocar mais duas colunas sociais, além da de Ana Marta – colunas que tiveram vida curta.
Foram criados cadernos suplementares, como o Viver Bem (Comportamento) e o Meu Jardim
(este último, terceirizado). Investiram numa nova sede e num parque gráfico moderno,
trazendo a impressão do jornal de volta para Londrina. Com a nova gráfica, a tiragem da
Gazeta do Povo para o interior também passou a ser impressa em Londrina. Pela primeira vez
a redação foi atendida por mais de um carro com motorista. A palavra de ordem era investir
para fazer frente à Folha de Londrina.
Os investimentos, porém, não deram o resultado esperado. A equipe foi reduzindo, até
que, em 2004, houve um episódio que ficou conhecido internamente como “sala A e sala B”,
que marcou o começo do declínio dessa terceira fase. Num começo de tarde, os jornalistas
foram separados em duas salas. Em cada uma estava uma lista de nomes. Apesar do
estranhamento inicial, ninguém suspeitou o que estava por acontecer, já que dinâmicas de
grupo eram comuns naquele período. Ao final da reunião, metade da redação do jornal estava
demitida. Uma sala era para os que continuariam a trabalhar e a outra, para os que seriam
demitidos.
“Foi o começo ali: „não porque nós vamos investir pra caramba, vamos derrubar a
Folha de Londrina‟. E depois a gente percebeu que não era essa a intenção. A
intenção era segurar a Folha de Londrina aqui no Norte, em Londrina, para ela não
ficar invadindo o espaço deles com a Folha Paraná, lá em Curitiba. Era só isso que
27
Entrevista concedida ao autor em Londrina, em 13 de junho de 2019.
37
eles queriam. Não tinham interesse no JL como produto. No começo eu senti que era
muito legal, muito bacana a ideia deles, a conversa”,
relata o jornalista sobre o primeiro momento. Mas em seguida viria a decepção: “Sim,
aí a sala A, sala B. Ficou claro que ia dividir, que ia ser o jornal, ia ser pequeno. Que não ia
ser aquele sonho lá do Délio e do Chuveirão, do pessoal lá do começo, de ser um jornal
grande, de ser um jornal que batesse de frente com a Folha em Londrina”.
A metade que sobrou da redação mudou de sede. Foram abrigados numa sala da sede
da RPC, onde antes havia funcionado (e voltou a funcionar depois) a redação da emissora. De
2004 a 2006, o jornal entrou em declínio e a quantidade de assinantes se reduziu28. Os boatos
sobre a venda do jornal eram constantes e ele chegou a ser oferecido, mas a venda não
ocorreu por falta de interessados.
2.10 O “Novo” JL
A nova guinada veio em maio de 2006, com um novo projeto, que garantiu mais nove
anos de vida a um jornal que estava perto de fechar as portas. Sob a coordenação da jornalista
Cláudia Belfort, que fazia parte da cúpula da Gazeta do Povo, o projeto consistia em
profundas mudanças editoriais e num novo modelo de negócios. Carla Nascimento tocou o
projeto como chefe de redação, cargo que assumira com a saída de Wilson Gasino, logo
depois do corte da metade da equipe, em 2004. Graficamente, o jornal mudou do tamanho
standart para o berliner, formato com o qual chegou à sua última edição. O modelo de
negócios consistia na distribuição gratuita e dirigida. As assinaturas eram gratuitas, mas
precisavam ser renovadas todos os anos e eram auditadas pelo IVC. Os assinantes recebiam o
jornal em casa, mesmo não pagando pela assinatura. O JL passou de menos de 5 mil
assinantes para um número que girava entre 20 mil e 25 mil assinantes – em 2015, quando
fechou, eram 19 mil – o que o tornou líder de circulação em Londrina. A Folha de Londrina
tinha uma tiragem superior à do JL, mas na cidade de Londrina era inferior. A circulação do
JL se restringia a Londrina.
Carla Nascimento afirma que o novo projeto surgiu numa reunião, em Curitiba, na
qual estava sendo tomada a decisão de fechar o JL, no final de 2005. Segundo ela. Cláudia
28
Em entrevista ao autor, a jornalista Carla Nascimento, que foi chefe de redação de 2004 a 2012 fala que eram
entre 5 mil e 6 mil assinantes.
38
Belfort apresentou a proposta à direção do GRPCOM e foi atendida. Carla Nascimento relata
o episódio assim:
“Diz ela (Cláudia Belfort) que numa reunião da Gazeta ela falou: „vocês vão fechar
o JL? Olha a tendência hoje é fazer jornais gratuitos, distribuição gratuita. Por que
vocês não tentam um novo projeto?‟ Eles estavam já com um projeto pronto para um
jornal mais ou menos assim lá em Curitiba, eles iam comprar um fazer alguma coisa
nesse sentido. „Por que a gente não aproveita esse projeto que a gente já está
desenvolvendo aqui e faz lá em Londrina? É uma forma de manter ainda o jornal e
fazer o teste pra ver se vai dar certo ou não, etc‟”.
O jornal ganhou mais liberdade editorial e voltou a adotar um tom crítico. Alguns
postos de trabalho fechados depois da demissão de metade da redação, em 2004, foram
lentamente sendo recuperados. Na visão de Carla Nascimento, o jornal se tornou mais
combativo e ganhou em repercussão na cidade, nessa que consideramos a quarta fase de sua
história. Apesar de o JL não ter se tornado um jornal lucrativo para os seus acionistas, ele
ganhou fôlego com o novo projeto.
29
Entrevista de Júlio Sampaio concedida ao autor por Skype – Londrina/Curitiba, em 12 de julho de 2019.
39
Antes de completar três anos de gestão, Schenkel deixou o cargo e assumiu a chefia da
redação da RPC em Londrina. No ano seguinte ele retornou para a Gazeta do Povo, em
Curitiba. Sua gestão foi marcada pela cobertura do processo de revisão do Plano Diretor, uma
agenda herdada da sua antecessora no cargo. O processo deveria ter sido concluído em 2008,
mas a última das leis complementares só foi aprovada pela Câmara de Vereadores em 2014.
Questões ambientais, como a proteção dos fundos de vale na zona urbana e o debate sobre o
uso e ocupação do solo da cidade (zoneamento) ganharam peso na agenda do jornal. Essas
questões serão discutidas adiante.
Schenkel foi substituído no cargo por Fábio Luporini, jornalista contratado pelo JL em
2008 para trabalhar na versão digital do jornal e que depois passou a repórter da editoria de
Cultura. Luporini assumiu o posto em setembro e coube a ele assinar o editorial derradeiro do
jornal, em 17 de dezembro de 2015. Uma das ideias dele era estabelecer um diálogo com
alguns setores da sociedade. Ele conta que saiu da redação
30
Marcus Ayres veio como repórter e passou a editor de esportes e depois editor do próprio online; Tatiane
Salvático veio e permaneceu como repórter; e Thiago Ramari, que era editor em Maringá chegou como editor
de Cidades.
31
Entrevista concedida por Fábio Luporini ao autor em Londrina, em 10 de julho de 2019.
40
anunciar. “A gente acabou conseguindo resgatar aí não todos os segmentos e todas as marcas
que a gente queria, mas conseguiu fazer um trabalho bastante consistente e abrindo outras
ideias, outros projetos e outras categorias”32.
Dez anos depois das reuniões de acionistas do final de 2005, que discutiam o
fechamento do JL e resultaram no novo projeto, as dificuldades financeiras trouxeram o
debate de volta, dessa vez com um desfecho diferente. O diretor executivo do jornal, Júlio
Sampaio, foi o portador dessa informação. “O JL era financiado por um grupo de
comunicação que também passava pelos mesmos problemas estruturais e conjunturais e o
principal jornal do grupo passava por dificuldades. Em determinado momento entre os cortes
de custos e investimentos que o grupo precisou fazer, um deles foi o JL”33. Mas segundo ele,
“nesse momento o jogo não estava perdido, havia uma chance da gente salvar o jornal naquele
momento”. Ele conseguiu um prazo para elaborar e apresentar uma proposta aos acionistas, o
que daria uma nova sobrevida ao jornal. Pelas palavras do então chefe de redação, a proposta
seria “cortar o jornal no meio” em todos os setores. No caso da redação, o JL tinha 17
jornalistas e passaria a trabalhar com “oito ou nove”, reduzindo os dias de circulação impressa
e focando na plataforma digital.
Para Júlio Sampaio, a redação e o Sindicato achavam que a decisão de fechar era um
“blefe”, o que não se confirmou.
“Não quer dizer que implantado aquele plano nós teríamos sucesso e não
precisássemos fechar mais à frente. Pode ser que um ano depois, até porque a crise
se agravou no ano seguinte: 2015 nós já tínhamos crise, mas 2016 foi pior que 2015.
Então era possível que no final de 2016 nós precisássemos tomar a mesma decisão.
Mas naquele momento, 2015, nós ainda tínhamos chance de continuar”.
O diretor executivo do JL acredita que o que tornou a situação do jornal mais frágil
naquele momento de crise foi o modelo de negócio, que era financiado exclusivamente na
publicidade, já que a sua distribuição era gratuita e dirigida. Mesmo assim, ele acredita que
esse modelo ainda é viável e que o jornal poderia ter sobrevivido ao processo.
32
Entrevista concedida por Christian Fabiano Tabaka ao autor, por Skype, Londrina/Curitiba, em 19 de julho de
2019.
33
Entrevista concedida por Júlio Sampaio ao autor, por Skype, Londrina/Curitiba, em 12 de julho de 2019.
41
3 PENSANDO AS NOTÍCIAS
As duas produtoras que trabalham pela manhã chegam à redação às 7h30 e ali
começam a fazer a “ronda”, que são os contatos diários com polícia, bombeiros, polícia
rodoviária, delegacias. Elas fazem contatos com as fontes, acompanham o noticiário nas
rádios. As histórias até então desconhecidas começam a chegar: uma rebelião na cadeia da
cidade vizinha, que tem capacidade para 60 presos, mas abriga 180; dois homens mortos
durante a madrugada numa situação que o poder público costuma tratar como “confronto”
com policiais; a polícia cumpre um mandado de prisão contra um suspeito de pedofilia; a
Justiça decide sobre uma ação em que vereadores são suspeitos de “vender” mudanças de
zoneamento. Quando a editora executiva do telejornal do meio dia chega para trabalhar, por
volta das 8h, todos esses fatos são levados a ela, que começa a tomar decisões.
34
O título remente à primeira frase da música “A day in the life”, de John Lennon e Paul Mc Cartney, gravada
pelos Beatles no álbum “Sargent Pepper‟s Lonely Hearts Club Band”, lançado em 1967.
35
As pautas e decisões editoriais descritas aqui são fictícias e não se referem a nenhuma veículo de comunicação
existente atualmente, embora se inspire na rotina de um dia de trabalho numa redação.
42
A matéria sobre coleta seletiva de lixo, que já começara a ser produzida vai para a
“gaveta”, para ser usada em alguma edição num futuro próximo e a equipe que a produzia é
deslocada para cobrir a rebelião na cidade vizinha; os problemas de infraestrutura no bairro
periférico viram uma nota coberta e a equipe vai acompanhar a prisão do suspeito de
pedofilia. E mais tarde, às 10h30, quando o repórter do turno intermediário – que atende tanto
o jornal do meio dia quanto o da noite, chega à redação e pega a sua pauta, vê que os assuntos
que ele deveria cobrir já “caíram”, como se diz nas redações. Ele vai assumir a reunião da
CPI, que de reportagem virou uma entrada ao vivo e vai repercutir o preço da passagem, no
terminal de ônibus, com entrevistas também ao vivo com os passageiros. Quando o jornal vai
ao ar, ao meio dia, o telespectador não faz a menor ideia, mas ele está bem diferente do que
fora planejado na véspera.
No jornal impresso da mesma cidade, o mesmo dia nasceu com a perspectiva de que o
depoimento na CPI seria uma das apostas de manchete para a edição seguinte. Mas o jornal
amanheceu o dia seguinte com a rebelião – que se estendeu até a noite – como principal
notícia. Nesse dia noticioso imaginário, produtores, pauteiros, repórteres e editores tomaram
diversas decisões. Escolheram alguns assuntos em detrimento de outros. Consideraram
algumas notícias mais importantes que outras. Deram mais atenção a determinadas pautas e
menos a outras. Um dia na vida de redações reais é composto por uma rotina que faz com que
as organizações noticiosas consigam chegar ao final do mesmo dia colocando ordem num
cotidiano caótico, usando os recursos que estão à mão. Alguns dos atores envolvidos nesse
processo podem não perceber, mas as decisões que são tomadas ao longo do dia e
naturalizadas por eles, fazem parte dessa rotina que tem inúmeros elementos. Vários deles
passam despercebidos. É disso que tratam as teorias do jornalismo: da tentativa de identificar
esses elementos que interferem no processo, procurando explicar por que essas notícias são
como são.
O telejornal que vai ao ar ao meio dia, é fruto de um processo que teve início na
véspera. O jornal impresso que chega à casa do assinante pela manhã é o produto final de um
ciclo iniciado 24 horas antes, na redação. Nos dois casos e em outros tantos, trata-se de um
ciclo que, em que pesem as transformações impostas pelas mudanças tecnológicas, mantém
algumas características fundamentais pelo menos desde a segunda metade do Século XIX e
43
que se consolidaram ao longo do Século XX. Como ressaltam Shoemaker e Reese (2014, p.
167), “a produção de notícias é organizada, em muitos aspectos, como uma fábrica” e é por
isso que as organizações noticiosas estabelecem rotinas de trabalho que buscam melhorar a
sua eficiência.
Podemos citar como parte dessas rotinas que perduraram ao longo do tempo, o contato
diário com as fontes, a tomada de decisões editoriais que interferem no produto final que
chega às mãos do público. Desde que os primeiros jornais começaram a circular diariamente,
a tecnologia evoluiu, modificando não só a forma e a capacidade de impressão, mas
permitindo também o surgimento de novas plataformas para a veiculação de notícias. O rádio,
a televisão e a internet ampliaram as possibilidades de veiculação e acesso à informação e
levaram o jornalismo a se adaptar, criar novos formatos e linguagens, que alteraram até certo
ponto a forma de produzir e consumir notícias, características da modernidade36. Apesar de
todas essas mudanças, algumas características do jornalismo permaneceram ao longo do
tempo, mesmo com a evolução tecnológica.
36
Sobre a relação entre imprensa e modernidade, recomenda-se a leitura de “Comunidades imaginadas”, do
historiador Benedict Anderson. Na obra, o autor demonstra que o “capitalismo tipográfico” que publicava
livros e jornais em línguas vernáculas a partir do Século XVI, foi fundamental para a modernidade e para a
criação da “ideia subjetiva de nação” (ANDERSON 2008, p.80).
44
Quem habita as redações no dia a dia, muitas vezes pode não perceber que está
inserido num processo industrial de produção de notícias, organizado com base numa
hierarquia rígida, que limita consideravelmente a sua capacidade de tomar decisões, em que
pese o jornalismo ter características de atividade intelectual. A agilidade na apuração e
veiculação de notícias, que caracteriza o trabalho diário nas redações, dificulta uma reflexão
dos profissionais envolvidos no dia a dia sobre o seu trabalho cotidiano, da pauta à edição,
passando pela reportagem. Isso faz com que as redações não sejam um espaço privilegiado
para o debate teórico sobre a atividade jornalística. Mas, por outro lado, garante que as
decisões sobre as notícias sejam tomadas de forma rápida, sem muita reflexão, permitindo a
produção do noticiário dentro dos prazos apertados em que ele é construído. Em uma palavra,
garante a eficiência da máquina das organizações noticiosas.
Neste capítulo vamos problematizar e pensar os mecanismos que são decisivos nesse
ciclo de produção, no qual as possibilidades infinitas de assuntos a serem veiculados, são
selecionados, tratados, hierarquizados e entregues na hora marcada ao consumidor final das
notícias. O esforço aqui é para tentar compreender esse produto final: a notícia. Compreender
e teorizar sobre o jornalismo é condição fundamental para melhorar a qualidade dessa
atividade tão importante para as sociedades modernas.
Mas afinal, o que é notícia? Essa pergunta aparece diariamente nas redações, que é o
local onde essa busca é feita diariamente. E é muito provável que ela também seja feita pelo
público. Tentar compreender o que é notícia é o primeiro passo para compreender como elas
são definidas. Não nos propomos, no âmbito desta tese a entrar em debates, por exemplo,
sobre a notícia enquanto construção da realidade. O objetivo aqui é compreender os critérios
usados por jornalistas para definir quais fatos chegarão ao fim do processo e às mãos do leitor,
ouvinte ou telespectador. Mas para entrar nessa questão, precisamos compreender minimante
o conceito de notícia, que é o que faremos a partir daqui.
Ter acesso a notícias é antes de tudo uma necessidade. Tobias Peucer (2000) atribui o
surgimento dos jornais à curiosidade de público. Eduardo Medtitsch, citando Shoemaker e
Cohen (2006), afirma que o interesse dos homens por notícia e o funcionamento delas como
forma de conhecimento é tão antiga quanto a humanidade e que desde os primórdios o homem
45
monitora o mundo à sua volta, para localizar perigos (IN: BENETTI e FONSECA, 2010, p.
38). As notícias se reportam à realidade. Sobre essa relação, Virgínia Pradelina Fonseca
sustenta que os acontecimentos que servem de base para a notícia precisam ter características
como veracidade, atualidade e interesse público. Isso porque “as notícias são uma das formas
possíveis de reprodução, de representação ou de relato dos acontecimentos do mundo”:
(BENETTI, e FONSECA, 2010, p. 169).
Marcos Paulo da Silva, por sua vez, classifica a notícia como um “artefato social
complexo”. Sobre ela incidem influências tanto internas das organizações jornalísticas, como
as rotinas estabelecidas dentro das redações, as características da própria organização
jornalística, quanto externas, como as fontes, e as outras instituições inseridas na sociedade.
Também entram nesse jogo de influências, variáveis mais amplas como a cultura e a ideologia
(SILVA, DA SILVA E FERNANDES, 2014, p. 75).
Jorge Pedro Sousa defende que uma teoria do jornalismo deve ser fundamentalmente
uma teoria da notícia, sendo esse o ponto de partida para entender o que as define e os efeitos
que ela gera. Para ele, qualquer teoria do jornalismo deve se esforçar “por delimitar o conceito
de notícia”. Ele a classifica como um “artefato linguístico que representa determinados
aspectos da realidade”. Sousa afirma que a notícia nasce da interação entre diversos fatores,
como “a realidade perceptível, os sentidos que permitem ao ser humano „apropriar-se‟ da
realidade, a mente que se esforça por apreender e compreender essa realidade e as linguagens
que alicerçam e traduzem esse esforço cognoscitivo” (SOUSA 2005, p.75).
Sousa (2005) diz ainda que as notícias se ocupam com “as aparências dos fenômenos
que ocorrem na realidade social” e as relações que esses fenômenos estabelecem entre si.
Nesse sentido, o autor considera que a notícia não pode simplesmente espelhar a realidade,
porque depende da linguagem, que com suas limitações e insuficiências impossibilita a
transmissão dessa realidade exatamente como ela é. Vem daí a segunda questão posta por
Sousa em sua definição: a notícia é uma representação de determinados aspectos da realidade
mediados pela linguagem. Nesse sentido, o autor entende que “a notícia se contenta em
representar parcelas da realidade, independentemente da vontade do jornalista, da sua
intenção de verdade e de factualidade”
Seguindo o mesmo raciocínio, Marcos Paulo da Silva afirma que as notícias fazem
referência a dados da realidade. Esses fatos são mediados pela linguagem para que possam ser
transmitidos. Os fatos, em si, são “objetos mudos”, com os quais não é possível nenhuma
46
comunicação linguística ou interação (SILVA, 2013, p. 131, 170). Os fatos usados como
matéria prima para o jornalismo são consequência de uma ação e estão no passado, tendo em
vista que há um hiato entre o acontecimento e a divulgação dele por meio da imprensa. Logo,
eles estão fora do alcance do jornalismo, já não podem mais ser mudados. A divulgação
desses fatos pode gerar novas consequências, novos fatos, novos fenômenos
Marcos Paulo Silva recorre a Herbert Gans (1979), que compilou o que ele considera
os principais grupos dos estudos sobre as notícias. São quatro grupos, cada um com um foco
diferente. O primeiro tem o foco nos jornalistas. Parte da premissa de que as definições sobre
as notícias a serem divulgadas são resultado da subjetividade dos profissionais que trabalham
nas organizações noticiosas. O mesmo acontece no que diz respeito às pautas e às decisões
tomadas ao longo do processo de produção do noticiário. A Teoria do Gatekeeper é uma das
principais nesse grupo de pesquisas. O segundo grupo apresentado por Gans e citado por
Silva enfatiza as rotinas produtivas e as questões organizacionais das empresas. Esses estudos,
que são influenciados pela sociologia e por estudos sociológicos sobre o jornalismo, analisam
influências dos imperativos econômicos das empresas. O terceiro grupo de pesquisas foca na
natureza dos fatos que são noticiados. Se encaixam em teorias como a do Espelho, que
defende que os jornalistas apenas espelham ou reproduzem os fatos. Por fim, o quarto grupo
47
Gans defende que cada uma dessas correntes teóricas têm certo grau de validade para
explicar o jornalismo. Esses grupos chegam a três noções teóricas, que perpassam suas
explicações para a notícia: seleção noticiosa, critérios de noticiabilidade e valores-notícia.
Veremos adiante que, embora sejam tratadas como sinônimos por alguns, essas três categorias
têm natureza conceitual própria.
A matéria prima para as notícias são os eventos, os fatos que são infinitos, conforme é
lembrado desde Tobias Peucer. Por outro lado, os recursos das organizações noticiosas para
lidar com toda essa matéria prima, são limitados. Entre esses recursos estão a quantidade de
equipes para cobrir esses fatos, o tempo de trabalho que essas esquipes têm para cumprir suas
tarefas e o prazo de fechamento de cada edição. Nem todos os eventos podem ser cobertos
porque não existem recursos nem humanos, nem tecnológicos em quantidade suficiente para
isso. E mesmo que os recursos conseguissem dar conta dessa fartura de matéria prima, não
haveria nas páginas de uma edição impressa e nem no tempo de um telejornal, espaço
suficiente para dar conta de tanto material. É por isso que as redações são obrigadas a fazer
escolhas. Escolher alguns fatos para cobrir no lugar de outros. Definir o destaque que será
dado a cada um desses eventos e até mesmo as pessoas, as fontes que serão ouvidas para falar
daquele assunto. O que pretendemos fazer aqui é a discussão sobre os critérios usados pelos
jornalistas para tomar essas decisões.
jornalistas para identificar e selecionar esses eventos e os modos de padronização das notícias
a serem veiculadas.
Gislene Silva (2014) também encaminha a sua reflexão no sentido de separar os três
termos e tratá-los como categorias diferentes. Silva propõe uma sistematização pensando os
critérios de noticiabilidade como um conceito mais amplo, encampando todo o processo de
produção das notícias, incluindo interferências internas e externas às organizações
jornalísticas. Para tanto, esses critérios são pensados em três instâncias: na origem, no
tratamento e na visão sobre dos fatos. Nesse sentido, os critérios de noticiabilidade estão
presentes em todas as fases, da apuração à veiculação das notícias. Por outras palavras,
podemos dizer que valores-notícia e seleção de notícia são componentes dos critérios de
noticiabilidade.
edição, o relacionamento com as fontes e as pressões internas e externas ao veículo. Por fim,
são colocados aqui nesse processo também os critérios de noticiabilidade no que diz respeito à
visão sobre os fatos, o que inclui a cultura profissional, os fundamentos éticos, filosóficos e
teóricos do jornalismo, entre outros, o que passa também pela ideia de objetividade e de
imparcialidade, o conceito de verdade e o interesse público, entre outros marcos da atividade
jornalística (IN: SILVA, DA SILVA E FERNANDES, 2014, p. 51-53).
Enfim, os critérios de noticiabilidade são vistos pela autora como todo fator que pode
agir sobre o processo de produção de notícias. Na instância da origem dos fatos se encontram
os valores-notícia, que estão relacionados diretamente aos atributos inerentes ao fato em si.
Aqui se pensa se há novidade, se o fato é de interesse público, se ele impacta sobre a vida dos
leitores, se há algo no fato que quebre a normalidade. Por outras palavras, os valores-notícia
tratam dos atributos do fato. No primeiro contato com os fatos, esses atributos são usados para
embasar a tomada de decisões sobre o que merece e o que não merece ser noticiado. Mais
adiante, nos aprofundaremos na discussão sobre os valores-notícia, mas cabe dizer aqui que
eles são um instrumento operacional que garante decisões rápidas dentro do processo de
seleção de notícias – sem os quais seria impossível fechar e entregar edições de jornais e
noticiários ao público –, ainda nessa primeira fase do tratamento dos fatos em sua origem.
Pode-se dizer que aqui são tomadas as primeiras decisões, é o momento em que repórteres,
pauteiros ou produtores, editores e a chefia da redação definem o que merece ser apurado e o
que já está descartado. Importante afirmar que embora repórteres e pauteiros tenham o
primeiro contato com essas informações, essa decisão é tomada levando em conta a hierarquia
da redação.
Passando para a segunda instância, entramos na esfera do tratamento dos fatos. Nesse
momento, os fatos já passaram pelo primeiro crivo da equipe e já passaram pela apuração
feita por repórteres e pauteiros. Aqui eles vão passar pelo processo de edição, o que define o
destaque que será dado a eles, quais aspectos serão realçados (imagens, trechos de entrevistas
a serem usados e outros elementos que ajudem a informar os fatos escolhidos), quais serão
omitidos – inclusive por questão de espaço. Os valores-notícia e a seleção das notícias
continuam operando nessa instância. Silva cita alguns fatores que agem nessa fase, como o
formato do produto, a qualidade do material produzido, o prazo de fechamento, a
infraestrutura da organização noticiosa, a tecnologia usada. Entram em cena nessa fase
também fatores externos à organização, como a relação com as fontes e com o público, a
hierarquia, as rotinas de produção, entre outros. (SILVA, DA SILVA E FERNANDES, 2014)
50
3.6 Influências
Em que pese jornalistas e empresas avocarem para si o controle sobre a decisão acerca
do que é ou não é noticiável, o que garante uma autonomia relativa para o campo jornalístico,
todo esse processo sofre influências. E os critérios de noticiabilidade, em si, refletem também
a sociedade em que jornais e jornalistas estão inseridos. É importante que se diga que o
caráter operacional dos critérios de noticiabilidade, sua fácil assimilação por quem está no
chão da fábrica, a sua aplicabilidade rápida e sem a necessidade de grandes discussões37, a
ponto de garantir agilidade no processo de produção, traz embutida a ideia de objetividade,
um dos principais pontos da cultura profissional dos jornalistas. Sem entrar no debate sobre a
objetividade, que não é o ponto central do presente trabalho, recorremos a Michael Schudson
para tratar do tema. O autor entende a ideia de objetividade como uma “crença precária”, um
“ritual estratégico” usado pelos jornalistas para se defenderem de erros e críticas. Por outras
palavras, a objetividade é entendida por Schudson como “um conjunto de convenções
concretas que persistem porque reduzem o grau em que os próprios repórteres podem ser
responsabilizados pelas palavras que escrevem” (SCHUDSON, 2010, p. 216).
37
Exceto, é claro, quando o assunto a ser coberto é mais complexo e árido, o que entra no que se trata, no
cotidiano das redações como temas mais sensíveis ou delicados.
51
No caso das influências organizacionais, o peso delas no conteúdo das notícias se deve
ao fato de que são as organizações que mobilizam os recursos para lidar com os fatos;
estabelecem a hierarquia que vai organizar o funcionamento da redação; têm o poder de
definir salários, demissões e contratações – o que afeta diretamente o trabalho e as lealdades
dos jornalistas. Por fim, essas influências garantem o controle simbólico da redação. Já as
influências externas passam pelas relações com fontes, anunciantes, governos e empresários,
o ambiente tecnológico e o ambiente econômico. Esse nível de influência é exercido por meio
de pressões diretas e indiretas, sanções políticas e econômicas aos jornais38. Por fim, mas não
menos importante, há a influência do sistema social sobre o conteúdo das notícias. Aqui se
enquadram a ideologia hegemônica na sociedade e a cultura, a determinar os critérios de
noticiabilidade.
38
No Brasil de 2019, sob o governo de Jair Bolsonaro, esse tipo de pressão aconteceu de forma aberta, como
raramente acontece. Desde que venceu as eleições, o presidente deixou claro que veículos de comunicação
alinhados receberiam verbas publicitárias (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/globo-perde-
participacao-em-verba-oficial-de-publicidade-sob-bolsonaro.shtml) e tratamento privilegiado com entrevistas
exclusivas, acabou com a obrigatoriedade de publicação de editais em jornais, como forma de retaliação
econômica (https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-acaba-com-obrigatoriedade-de-
publicacao-de-editais-de-concursos-e-licitacoes-em-jornais,70003002747) e chegou a excluir a Folha de S.
Paulo de um edital de licitação (https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-revoga-edital-que-excluiu-folha-
de-paulo-de-licitacao-da-presidencia-24121914).
52
Se os valores-notícia se reportam aos atributos que os fatos precisam ter para serem
noticiados, a seleção de notícias caracteriza a ação humana nesse processo de produção, o
manuseio que os jornalistas fazem da matéria prima do jornalismo que são as informações,
com o objetivo de transformá-las em notícias. Não por acaso, podemos incluir no debate sobre
a seleção de notícias, a figura do Gatekeeper, o editor, o profissional que faz as escolhas, que
aceita ou derruba notícias.
fatos, os profissionais aplicam os valores-notícia, para avaliar se eles podem ou não avançar
no processo de produção. Como afirma Gislene Silva, os valores-notícia são um instrumento,
uma ferramenta usada no trabalho de seleção de notícias.
Marcos Paulo da Silva (2013) afirma que o debate sobre a seleção noticiosa enfatiza o
papel dos profissionais e das rotinas de produção do jornalismo. São os profissionais que
lidam com as várias pressões que são exercidas no processo de produção de notícias. E elas
vêm de todos os lados: seja da própria organização jornalística – os constrangimentos
organizacionais –, por meio da área comercial do veículo de comunicação, seja pelos
anunciantes ou pelas fontes. Todas essas pressões afetam o conteúdo das notícias. Aliás, é
importante ressaltar que a subjetividade dos jornalistas que trabalham no processo de
produção também influencia as notícias.
Citando Herbert Gans (1979), Silva afirma que a seleção de notícias compreende duas
etapas que são independentes, mas não são estanques, ou seja, dialogam entre si: a
disponibilidade das informações e a adequação delas como notícia. Os jornalistas precisam
tomar decisões a cada momento e elas precisam ser rápidas. O autor ironiza que se os
jornalistas explicassem cada uma dessas decisões, as edições não seriam fechadas a tempo e
se fossem, isso não ocorreria com a qualidade desejável (SILVA, 2013, p. 122).
Mauro Wolf, (2005, p 204) reforça essa visão. Ele ressalta que os valores-notícia
permitem que o processo de seleção de notícias seja feito de forma rápida e fácil. E que por
isso as escolhas precisam ser feitas sem muita reflexão. Segundo ele, considerações simples
permitem que os jornalistas evitem incertezas sobre se a escolha é adequada ou não. Mas o
autor ressalva que, por outro lado, os critérios para a escolha das notícias devem ser flexíveis,
para que possam se adaptar ao volume e variedade de fatos e eventos. Embora a subjetividade
dos jornalistas seja um fator que afeta a seleção de notícias, Wolf defende que esse processo
54
não se explica apenas como uma escolha pessoal e subjetiva dos profissionais envolvidos na
produção das notícias. O autor vê esse trabalho como um processo complexo que se
desenvolve durante todo o trabalho da redação e é realizado por instâncias diferentes.
O trabalho de seleção nos remete às rotinas profissionais, que são um dos fatores que
interferem no conteúdo das notícias. Shoemaker e Reese (2014) afirmam que os jornalistas
desenvolvem estilos de pensamento a partir de padrões de normas de atuação para selecionar
as notícias. Os autores chamam esses padrões de normas de rotinas. Por outras palavras, as
rotinas são regras, formulários e práticas repetidas e padronizadas que são usadas pelos
jornalistas para lidar com o trabalho de produção de notícias. As rotinas são processos
profissionais com base nos quais as organizações noticiosas tentam se organizar.
Citando Tuchman, Mauro Wolf diz que “sem uma certa rotina de que se possa valer
para fazer frente aos acontecimentos imprevistos, as organizações jornalísticas, como
empreendimentos racionais, faliriam (TUCHMAN APUD WOLF, 2005, p. 196). E é sobre
essas rotinas que trataremos aqui.
As organizações são fontes de rotina porque elas tentam tornar o trabalho mais
eficiente e aumentar os lucros. Essas organizações definem as rotinas porque elas ajudam a
garantir condições gerenciáveis do fluxo de informações, garantindo a cobertura
SHOEMAKER E REESE 2014, p. 182).
Decisões sobre viagens de equipes para cobrir eventos em localidades mais distantes
geram custos e normalmente as empresas jornalísticas, quando tomam esse tipo de decisão,
avaliam se o evento a ser coberto vale os custos que a sua cobertura impõe. Mesmo que o
evento não esteja tão longe geograficamente, decidir por coberturas em horários diferenciados
– noite, feriados, fins de semana, por exemplo – também requer esse tipo de avaliação. É
nesse sentido que as rotinas impostas pelas organizações afetam o conteúdo das notícias. Por
outras palavras, pode-se dizer que as rotinas são um dos fatores que definem o que é notícia
ou não. Nesse sentido, as rotinas ajudam a construir a realidade que é mostrada pela imprensa.
E por fim as fontes, que conseguem controlar o fluxo das informações que são
fornecidas à mídia. Shoemaker e Reese (2014) ressaltam que como a maioria das informações
veiculadas pela imprensa vem em canais de rotina, como o poder público, a forma como as
empresas organizam as suas equipes se adequa aos horários de funcionamento das estruturas
burocráticas do Estado. Assessores de imprensa e relações públicas conseguem ter poder
sobre os jornalistas, ao criar eventos para que a imprensa os cubra. Os autores afirmam que os
jornalistas podem ser facilmente manipulados por “pseudo-eventos”, tendo em vista que eles
dependem do fluxo de informações geradas por relações públicas, tanto de órgãos públicos,
quanto dos privados
Por outro lado, os vazamentos que chegam à imprensa, passando por fora do controle
oficial das organizações, representam uma ameaça para o controle do fluxo da informação.
Ainda sobre a relação com as fontes, Shoemaker e Reese (2014, p. 199) ressaltam que
fontes percebidas pelos jornalistas como mais legítimas são mais acionadas e têm uma
cobertura mais sistematizada. Elas são procuradas pela imprensa com regularidade e são
chamadas mais vezes a se posicionar. Já as fontes que são vistas como menos legítimas,
recebem cobertura menos extensa e são acionadas pelos jornalistas com menos frequência.
Cabe ressaltar que, além de tudo que expusemos até aqui, as rotinas têm importância
porque elas reduzem o risco das organizações jornalísticas se envolverem em disputas
judiciais e também para proteger os jornalistas de críticas. Citando Tuchman, Shoemaker e
56
Vos (2011, p. 83) apresentam quatro procedimentos que os jornalistas seguem para
reivindicar legitimidade: reportar evidências conflitantes em suas matérias (conhecido no
senso comum das redações como “ouvir o outro lado”), apresentar fatos de “sustentação”
(informações aceitas como verdadeiras), usar aspas para marcar as falas dos entrevistados e
usar a pirâmide invertida, organizando hierarquicamente as informações dentro do texto.
3.9 Gatekeeper
Em fevereiro de 1949, David Manning White aplicou a teoria dos canais elaborada por
Lewin à comunicação. Ele acompanhou por uma semana as decisões de “Mr. Gates”, como
ele batizou o responsável por editar material enviado pelas agências de notícias. Mr. Gates
anotou em todos os despachos das agências os motivos pelos quais publicava algumas
reportagens e rejeitava outros.
Como a pesquisa de White foi feita a partir do trabalho de um editor, é natural que a
figura do Gatekeeper esteja relacionada ao processo de edição. Mas Shoemaker e Vos (2011),
57
Os canais de rotina, que correspondem às fontes oficiais, têm grande importância, pois
são bastante acionados pelos jornalistas. Boa parte das informações coletadas por repórteres
vêm de materiais oficiais do governo, de releases ou de cerimônias oficiais. No caso das
fontes que passam informações de bastidores, a sua atuação garante a divulgação de notícias
que podem não interessar oficialmente às organizações. Nesse sentido, elas ajudam a quebrar
o controle que essas organizações, sejam governamentais ou empresariais, tenta exercer sobre
as informações. O caminho percorrido pelas informações dentro dos canais é marcado por um
jogo de pressões, tanto internas quanto externas às organizações jornalísticas. Por outras
palavras, pode-se dizer que nesses portões por onde transitam as notícias existem forças nos
dois sentidos: tanto para que os assuntos tenham entrada, quanto para que eles saiam.
As escolhas dos Gatekeepers podem variar conforme o veículo em que eles trabalham.
Numa emissora de televisão, por exemplo, um dos elementos fundamentais são as imagens.
Se as imagens não são boas, a notícia pode ser descartada. Mesmo assim, em dias com pautas
mais “fracas”, notícias que normalmente não entrariam na edição poderiam ser usadas.
58
No mundo em que as redes sociais ganham cada vez mais espaço, permitindo que a
emissão de informações e conteúdos já não seja mais um monopólio da imprensa, é legítimo
discutir se os “portões” foram derrubados, ou mesmo se esse processo de seleção de notícias
está com os dias contados39.
Os autores trabalham com a ideia de que existem dois canais de gatekeeping dentro do
processo de produção das notícias – são canais por onde as notícias fluem. Um desses canais
são as fontes, por meio das quais os jornalistas têm contato com fatos que não presenciaram
diretamente – e que são noticiados com base nos relatos feitos por essas fontes. O outro canal
é a própria mídia de massa. Sobre o funcionamento desses dois canais, eles descrevem que as
atividades no interior deles começam depois que o evento acontece e depois que a informação
começa a fluir para diversas fontes. Quando um evento chega ao conhecimento dos
jornalistas, ele pode ser ignorado ou melhor apurado, com a busca de novas informações.
Nesse caso, são acionadas fontes e organizações para aprofundar a apuração.
O que Shoemaker e Vos (2011, p.172) propõem é que além desses dois canais, caberia
no processo de gatekeeping mais um canal, que seria a própria audiência, que tem aumentado
cada vez mais a sua influência nas notícias. A internet tem possibilitado essa sondagem aos
interesses da audiência, por meio de dados como as notícias mais acessadas ou
compartilhadas nas redes sociais. A possiblidade de feedback por parte do público, que era
limitada nos jornais impressos, tornou-se mais rápida e eficaz na era da internet. Nos
impressos, os jornalistas faziam a sua hierarquização das notícias. Agora a audiência
39
Em que pese o presidente brasileiro Jair Bolsonaro não ser uma referência em termos intelectuais, ele afirmou
em janeiro de 2020, durante um ataque aos jornalistas que esses profissionais seriam uma “raça em extinção”
(https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2020/01/07/bolsonaro-ataca-jornalistas-e-diz-que-sao-raca-
em-extincao.htm). Sem entrar no mérito das histrionices do líder de extrema-direita que governa o Brasil, não
há como negar que a declaração, embora tenha sido dada com o intuito de criticar a imprensa, é compartilhada
por setores da sociedade.
59
consegue fazer a sua própria hierarquia. Segundo os autores, pesquisadores constataram que a
ideia de valores-notícia da audiência, medida pelo compartilhamento de reportagens é
diferente daquela usada pelos jornalistas.
Importante notar que numa discussão sobre valores-notícia, Shoemaker e Reese (2014,
p. 175), lembram que os estudos desse conceito são feitos depois de publicadas as notícias. O
que significa que os valores usados pelos jornalistas para definir o noticiário, pressupõem que
eles estejam oferecendo ao público aquilo que interessa ao público. Nesse sentido, jornalistas
e audiência podem ter valores-notícia diferentes. As mídias sociais, cujo surgimento foi
possível devido à internet, permitiu a criação de um modelo no qual o receptor das mensagens
consegue dialogar com maior facilidade com o emissor. O formato, segundo eles, é circular,
ao contrário do anterior, que era linear.
Esse novo formato pode ser observado no cotidiano dos jornalistas. Como citamos
anteriormente, a divulgação de números de Whatsapp das redações tem se tornado rotina. No
caso das emissoras de televisão, as mensagens enviadas pelos aplicativos têm sido usadas
tanto para veiculação durante os telejornais locais, quanto para o aproveitamento de sugestões
de pauta enviadas pela audiência. O acompanhamento desses telejornais locais tem
demonstrado que o “buraco de rua”, tratado como metáfora de pautas menores e menos
importantes nas redações, e que outrora eram desprezadas por repórteres e editores, tem
ganhado força nas decisões editoriais, tendo em vista que essa agenda vem diretamente da
audiência. A estratégia tem sido usada com frequência na disputa pela atenção dos
telespectadores, mas também tem força em outras plataformas. São as mudanças propiciadas
pela internet afetando diretamente o trabalho da imprensa.
Até aqui procuramos cercar teoricamente por todos os lados o processo de produção
de notícias. Alguns pontos foram discutidos de forma básica, apenas para que os conceitos
fossem colocados. Em outros, houve um aprofundamento, como no debate sobre os critérios
60
A ideia de valor-notícia é debatida desde que Tobias Peucer defendeu a primeira tese
acadêmica sobre jornalismo, na universidade de Leipzig, em 1690. Entre os valores-notícia
que segundo Peucer justificariam a seleção dos fatos para publicação, ele cita basicamente
três modalidades. A primeira: “os prodígios, as monstruosidades, as obras ou os feitos
maravilhosos e insólitos da natureza ou da arte, as inundações ou as tempestades horrendas,
os terremotos, os fenômenos descobertos ou detectados ultimamente” (PEUCER, 2000, p.20).
A segunda categoria de fatos citadas pelo autor são
E por fim,
“os temas eclesiásticos e literários: como a origem desta ou daquela religião, seus
autores, seus progressos, as novas seitas, os preceitos doutrinais, os ritos, os cismas,
a perseguição que sofrem, os sínodos celebrados por motivos religiosos, os decretos,
os escritos mais notáveis dos sábios e doutos, as disputas literárias, as obras novas
dos homens eruditos, as instituições, as desgraças, as mortes e centenas de coisas
mais que façam referência à história natural, à história da sociedade, da Igreja ou da
literatura”
Os valores-notícia elencados por Peucer (2000) ,ainda que o autor não tenha usado
essa expressão, que surgiu nos estudos do jornalismo no século XX, se resumem em três
categorias: quebra da normalidade (ou desvio), significância social e a soma de quebra da
normalidade e significância social. Pode-se dizer que essas três categorias estão entre as mais
perenes dos valores-notícia, sendo usadas até hoje. Interessante notar que já no século XVII,
61
Peucer fala sobre a importância dos jornais não noticiarem fatos de pouca relevância e
também da vida privada.
Mauro Wolf (2005, p. 202) diz que os valores-notícia “representam uma resposta à
seguinte pergunta: quais acontecimentos são considerados suficientemente interessantes,
significativos, relevantes para serem transformados em notícias?” Embora sejam apresentados
em forma de “lista”, os valores-notícia são usados em “maços” e de forma complementar. O
uso deles é feito em todas as fases da produção de notícias, da seleção primária, à
apresentação do produto. Esses valores são regras práticas que compreendem o corpus do
conhecimento profissional, que explicam e guiam os procedimentos adotados no trabalho da
redação.
Marcos Paulo da Silva (2013) divide o conceito de desvio em três instâncias teóricas:
o desvio estatístico, que enquadra eventos que não são comuns, ou que chamam atenção por
se tratar de realizações ou acidentes acima ou abaixo da média; o desvio normativo trata da
violação ou elaboração de leis e regras; e por fim, o desvio de mudança social, que são os
elementos que podem romper com a estabilidade de um sistema social (IN: SILVA, DA
SILVA E FERNANDES, 2014, p. 115). Ele recorre a Shoemaker para justificar o interesse
62
humano por notícias desviantes com a “capacidade instintiva de focar atenção em eventos
capazes de mudar/romper determinada ordem consolidada” (Ibid, p. 119).
Nesse caso, a vigilância aos aspectos desviantes é considerada um traço natural das
pessoas. Já a significância social é subdividida em quatro subdimensões: política, econômica,
cultural e pública. Shoemaker (IN: SILVA, DA SILVA E FERNANDES, 2014, p. 16) fornece
uma descrição sobre as categorias de significância social. A significância política trata ações
legislativas, por exemplo. A econômica, de lucros das corporações ou mesmo prejuízos. A
cultural trata, por exemplo, de um teatro local em decadência. No texto, a autora cita o bem-
estar social como a quarta categoria, enquanto Silva usa o termo significância pública.
Silva afirma que tanto a categoria de desvio quanto a de significância social perduram
historicamente entre os valores-notícia que permitem a operacionalização do processo de
produção jornalística. Essas duas categorias, reforça o autor, podem dar conta de explicar
quase todas as notícias veiculadas por órgãos de imprensa ao longo do tempo – além, é claro,
de guiar o trabalho cotidiano nas redações. Por mais que essas categorias tenham
características operacionais e pragmáticas, viabilizando as decisões tomadas dentro das
redações, Silva lembra que esses critérios são carregados de padrões culturais. Ou seja: as
categorias de desvio e de significância social, ao dizerem o que foge da normalidade ou o que
é relevante, estão dizendo o que é a normalidade e o que é importante para a sociedade.
É nesse sentido que Silva (2013, p. 127). pensa as notícias dentro do território do
senso comum, considerado aqui como um “espaço privilegiado de apreensão da realidade” e
que é “concretizado pela regularidade”. O senso comum é o espaço ocupado pelo que é
consensual dentro da sociedade. Ele tece o cotidiano, ao qual o jornalismo se remete, e se
63
Citando Stuart Hall (1978), Silva (2013, p. 160) afirma que uma interpretação dos
valores-notícia para além da funcionalidade operacional do jornalismo, tem sentido somente
quando a sua base está em um conhecimento consensual do mundo
Por isso aquilo que rompe com o senso comum, ou seja, o acontecimento que quebra a
ideia do que seja a normalidade, tem um forte apelo enquanto valor-notícia. Podemos afirmar
que esses fatos paradoxais – na acepção adotada por Silva, são os desvios do senso comum –
são a principal matéria prima do jornalismo. Eles mobilizam as redações, chamam atenção
dos jornalistas – e, presume-se, da audiência também – e ocupam um espaço privilegiado nos
noticiários. O jornalismo se ocupa dos rompimentos da regularidade do cotidiano. Por
exemplo: o funcionamento de prédios comerciais em janeiro de 2013, sem que eles tivessem o
alvará de funcionamento concedido pela Prefeitura de Londrina, é um paradoxo40. A
regularidade aqui rompida é aquela na qual se espera que regras de construção e liberação de
prédios sejam cumpridas.
40
Esse é um dos casos polêmicos colhidos numa primeira análise feita neste trabalho, em que a pauta do Jornal
de Londrina e os interesses do mercado imobiliário se colocaram em lados opostos. Esse episódio foi tratado
pelo JL como “caso Havan” e foi objeto de 17 reportagens publicadas pelo jornal entre janeiro de 2013 e
fevereiro de 2015. Dessas reportagens, sete foram manchete no jornal e três receberam chamada de capa, o
que demonstra a importância dada pelo jornal ao caso.
64
No “Caso Havan41”, citado aqui como exemplo, as primeiras quatro reportagens foram
manchetes e entre as quatro últimas, três não tiveram chamada de capa, ou seja, ganharam
menos destaque. Com base na interpretação proposta por Silva, podemos afirmar que nesse
momento o paradoxo já tinha sido dissolvido. O autor propõe a metáfora de um pêndulo que
varia entre a doxa e o paradoxo, para explicar como a imprensa trata os temas desviantes. O
pêndulo oscila para o paradoxo quando o tema aparece na imprensa pela primeira vez, muitas
vezes na forma de denúncia. Ali o valor-notícia usado pela imprensa ganha força. Com o
trabalho jornalístico para explicar esse paradoxo, o pêndulo volta para a doxa, o senso
comum, com o assunto retornando aos “sentidos sociais hegemônicos”. A posição de
equilíbrio, ou seja, o momento em que o pêndulo está no centro, sem oscilação, representa a
ausência de noticiabilidade (SILVA, 2013, p. 212).
É nesse sentido que Shoemaker e Vos, apontam que ao noticiar os eventos desviantes,
a imprensa colabora para a manutenção dos valores hegemônicos:
“Da mesma forma que eventos desviantes representam ameaças ao status quo, os
veículos de comunicação podem funcionar como agentes do controle social quando
dão notoriedade a esses eventos. Dar notoriedade ao desvio é um ato que pode pôr
em ação um mecanismo de correção que pune ou elimina as ações desviantes”.
(SHOEMAKER E VOS, 2011, p. 70).
Para Mauro Wolf (2005, p. 199)., os fatores que determinam a noticiabilidade dos
acontecimentos são um instrumento que permite a realização cotidiana da cobertura
informativa, pela identificação rápida e fácil dos fatos que podem ser transformados em
notícia. Mas por outro lado dificultam o aprofundamento e a compreensão de muitos aspectos
significativos dos fatos que são noticiados. Por isso, ele considera a noticiabilidade um
elemento de distorção involuntária dos fatos.
41
Trataremos desse caso com maior profundidade nos próximos capítulos.
65
Por fim, o que se quer dizer aqui é que os valores-notícia, embora tenham caráter
operacional e pragmático, por estarem ancorados no senso comum, dizem o que é e o que não
é a normalidade. Por outras palavras, eles refletem a hegemonia de uma sociedade. Algumas
categorias são perenes, como as de desvio e significância social, como demonstramos até
aqui. Mas outas são mutáveis porque, sendo os valores-notícia a expressão de uma cultura,
eles mudam conforme a sociedade vai mudando. Passamos agora ao debate sobre os valores-
notícia em sua característica meramente operacional.
Descritas aqui as duas categorias principais dentro das quais enquadramos todos os
valores-notícia, o momento agora é de destrinchá-los. As pesquisas sobre os valores-notícia
empreendidas a partir da segunda metade do século XX identificaram dezenas de critérios
para avaliar os fatos passiveis de serem noticiados pela imprensa. Alguns se dividem em
categorias maiores, que tentam identificar inclusive em que momento da produção jornalística
eles podem ser usados. Trabalharemos aqui com cinco autores: Gisele Silva, Marcos Paulo da
Silva, Pamela Shoemaker, Mauro Wolf e Nelson Traquina. Escolhemos esses autores porque
a reflexão deles sobre os valores-notícia é facilmente aplicável à prática cotidiana. Feita essa
compilação, o passo seguinte é elaborar uma lista de valores-notícia que serão usados para
analisar o objeto de estudo da presente tese, que é o último triênio de funcionamento do Jornal
de Londrina.
seriam pré-requisitos para a identificação de um fato como noticiável. Os fatos que não
passassem por essa primeira análise, nem chegariam a passar pelos micro-valores-notícia, que
seriam mais específicos. Os macro-valores-notícia citados pela autora são
novidade/atualidade; importância; interesse; negativismo; imprevisibilidade; coletividade; e
repercussão. A autora propõe ainda entre os macro-valores-notícia as dualidades negativismo
x otimismo; coletividade x individualidade; previsão x imprevisão (imprevisto); e por fim,
importante x interessante, no qual entrariam interesse público e interesse do público. Feito
esse filtro inicial, a tabela elaborada pela autora aponta os valores impacto, proeminência,
conflito, tragédia/drama, proximidade, raridade, surpresa, governo, polêmica, justiça,
entretenimento/curiosidade e conhecimento/cultura.
Marcos Paulo da Silva (IN: SILVA, DA SILVA E FERNANDES, 2014) trabalha com
dois sustentáculos: os valores-notícia de seleção e os valores-notícia de construção (Quadro2)
O primeiro são os critérios que os jornalistas usam para selecionar os fatos que merecem ser
transformados em notícia. Estão basicamente na fase da apuração jornalística. O segundo,
trata das qualidades estruturais da notícia que funcionam como linha guia para a apresentação
das notícias, indicando quais aspectos devem ser ressaltados, quais devem ser omitidos. Estes,
por sua vez, estão no processo de edição. Os valores-notícia de seleção se dividem em dois
grupos: os critérios substantivos, que são usados na avaliação direta do acontecimento que
está sendo apurado. Aqui são apresentados valores como morte, notoriedade, proximidade,
relevância, novidade, tempo, notabilidade, inesperado, conflito (controvérsia) e escândalo.
concorrência e o dia noticioso – em dias com menos notícia os editores “baixam” seu nível de
exigência, usando matérias que normalmente não entrariam no noticiário, como no caso de
plantões em feriados e fins de semana, por exemplo.
Valores-notícia de seleção
Substantivos Contextuais
Morte Disponibilidade
Notoriedade Equilíbrio
Proximidade Visibilidade
Relevância Concorrência
Novidade Dia noticioso
Tempo
Notabilidade
Inesperado
Conflito/Controvérsia
Escândalo
Valores-notícia de construção
Simplificação
Amplificação
Relevância
Personalização
Dramatização
Consonância
A autora cita outros autores para indicar critérios de importância e interesse usados por
jornalistas (Stephens, 1980; Baskette, Sissors, & Brooks, 1982; Dennis & Ismach, 1981
APUD SHOEMAKER E REESE, 2014). (SHOEMAKER E REESE, 2014, p. 171) Na lista
aparecem destaque e importância, sendo que a importância é medida pelo impacto do evento,
68
quantas pessoas ele afeta. Aqui entrariam fatalidades, ações dos poderosos; conflito e
controvérsia, considerando que como valor-notícia o conflito é mais importante que a
harmonia e alerta para questões importantes; o incomum, porque a estranheza atrai o interesse
das pessoas; o interesse humano, porque as pessoas se interessam pela vida alheia, como no
caso da vida de celebridades, fofocas políticas e dramas; a oportunidade, porque as pessoas
querem saber o que está acontecendo no momento; e a proximidade, porque os eventos locais
podem ser mais interessantes do que os distantes.
42
Caso de Abraham Weintraub, ministro da Educação do governo do presidente Jair Bolsonaro, que em diversas
oportunidades cometeu erros primários de português. Um deles aconteceu em janeiro de 2020, quando
Weintraub escreveu a palavra “impressionante” com a letra “c”, nas redes sociais, apagando a postagem em
seguida (https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,apos-paralisacao-com-z-ministro-da-educacao-
escreve-impressionante-com-c,70003149749).
71
43
Como exemplo citamos aqui o caso do Bosque localizado no centro de Londrina, que é objeto de queixas dos
moradores das imediações. Em outubro de 2019 um homem foi assassinado no local e o homicídio, tratado
primeiro como um fato novo, desencadeou reportagens que recolocaram o problema do bosque na agenda da
imprensa local (https://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2019/10/14/homem-e-encontrado-morto-no-
bosque-central-de-londrina.ghtml). Podemos dizer que paralelo à cobertura das investigações sobre o
assassinato, a imprensa usou o “gancho” para voltar ao tema.
72
personagens, para chamar a atenção para o assunto. Dados estatísticos, como a pobreza ou o
desemprego, por exemplo, se tratados só como números podem dificultar a compreensão. Mas
a ilustração de tais temas com personagens humaniza o relato e torna o problema mais
compreensível para o público; a dramatização, que segundo o autor reforça o lado emocional,
a natureza conflitual e os aspectos mais críticos. Depoimentos emocionados para relatar
determinadas situações, podem se enquadrar nesses critérios; e por fim, a consonância, que é a
inserção das notícias em uma narrativa já estabelecida. Histórias já conhecidas mobilizam a
atenção dos leitores (suítes). História que confirmem a linha editorial, as teses dos veículos.
Como exemplo de consonância podemos citar o caso da divulgação de uma pesquisa sobre o
aumento das vendas do comércio no Natal de 201944.
Para analisar o objeto de estudo dessa tese, que é o noticiário do Jornal de Londrina a
respeito do setor imobiliário nos últimos três anos de sua existência, passamos, a partir deste
momento, a propor uma lista operacional de valores-notícia, a fim de aplicá-la sobre as
reportagens escolhidas em nosso recorte. Essa lista parte de todos os conceitos e elaborações
44
A grande imprensa divulgou com destaque a pesquisa feita por uma associação de lojistas de shoppings e que
apontava um forte crescimento (9,5%) nas vendas de fim de ano. Os dados dessa pesquisa estão em
consonância com a postura dos maiores e principais órgãos de imprensa brasileiros, em seu alinhamento com
a política econômica de corte liberal do governo do presidente Jair Bolsonaro. Sua divulgação confirmaria o
acerto do receituário econômico do governo, que passa pela desregulamentação do mercado de trabalho.
Porém, a pesquisa foi contestada por outra associação de lojistas, que apontavam que para 70%, as vendas
foram piores ou iguais às de 2018 e que apenas 30% melhoraram as vendas, mas com índices mais modestos
(https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2019/12/28/pequenos-lojistas-refutam-alta-em-
vendas-dos-shoppings-no-natal.htm).
74
teóricas feitas pelos diversos pesquisadores que estudamos ao longo desse capítulo e tenta
respeitar também os quatro fundamentos do jornalismo apontados por Otto Groth, que são a
periodicidade, a universalidade, a atualidade e a publicidade (GROTH, 2011).
Dito isso, a lista de valores-notícia que apresentamos (Quadros 6 e 7), tenta levar em
conta também a tensão rua/redação, existente em todos os órgãos de imprensa, ou seja, o
trabalho dos repórteres, sua tensão com a pauta e a edição (pautas que, reclamam os
repórteres, parecem inexequíveis, por exemplo). Para tanto, cotejamos a discussão teórica
feita até aqui com a vivência de mais de duas décadas do autor no jornalismo diário como
repórter em redações de rádio, impresso e televisão. O objetivo aqui não é “criar” novos
valores-notícia, mas reagrupá-los dentro de uma lógica que, no nosso entendimento, os torne
mais fácil de ser operacionalizados.
45
Citamos como exemplo o caso do prefeito de Santa Cecília do Pavão, cidade com pouco mais de 3 mil
habitantes, no Norte do Paraná, que usou um carro oficial para ir a um motel em Londrina, levando uma
assessora que ocupava um cargo comissionado na sua gestão. E para completar, foi seguido pela esposa, que
foi até Londrina flagrar o adultério, também usando um carro da prefeitura. A RPC (Rede Paranaense de
Comunicação, afiliada à Rede Globo), por exemplo, ressaltou o uso irregular dos veículos oficiais
(https://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2019/12/31/prefeito-de-santa-cecilia-do-pavao-e-suspeito-de-
usar-carro-oficial-para-levar-servidora-comissionada-para-motel-diz-mp.ghtml). A RIC (Rede Independência
de Comunicação, afiliada à Rede Record), ressaltou a infidelidade conjugal do prefeito em sua cobertura.
46
Consideramos aqui que não existe um formato único para o primeiro contato com as informações. Elas podem
chegar tanto pela redação, por meio de telefonemas, releases, acompanhamento de outros veículos, quanto
pela rua, com a observação das equipes, diante de fatos inesperados, como por exemplo em casos de
75
É claro que sobre esses dois conjuntos de valores-notícia está a linha editorial do órgão
de imprensa, traduzida em questões organizacionais internas. Também levamos em
consideração na elaboração dessa lista fatores como as rotinas de produção, o trabalho do
Gatekeeper, a estrutura dos veículos de comunicação em termos de recursos humanos, como a
quantidade de equipes e a jornada de trabalho e estruturais, que diz respeito aos equipamentos
e carros à disposição da redação, por exemplo.
3.15.1 Tempo
acidentes. Estes levam a informação para a redação que dá o aval para a apuração ou não, diante de um sinal
positivo do editor responsável pelo produto.
76
noticiado, seja no sentido de ineditismo, tratando de um fato que ainda não foi noticiado pela
imprensa. Cabem aqui o fato contemporâneo para lidar com um fato do passado (como a
declaração do deputado e filho do presidente e do ministro da Economia a favor do AI-5) ou
uma efeméride, até o resultado de uma reunião, uma decisão da Justiça ou do parlamento.
3.15.2 – Relevância
Procuramos enquadrar aqui aspectos que têm impacto na vida das pessoas, a
quantidade que podem ser afetadas pelo acontecimento – uma greve nos transportes, por
exemplo, afeta muita gente e tem um grande apelo –, a importância das pessoas envolvidas e
o impacto que aquele fato provoca na vida das pessoas.
3.15.3 – Conflito
3.15.5 Proximidade
por aqui, assim como a definição da hierarquia nas notícias. Estão em consonância com o que
Nelson Traquina chama de valores-notícia de construção.
3.16.1 Disponibilidade
3.16.2 Material
3.16.3 Equilíbrio
3.16.4 Clareza
Fatos complexos, difíceis de serem explicados podem ter espaço em jornais impressos
e veículos de internet, desde que tenham espaço suficiente para tanto. Já na televisão e no
rádio fica mais difícil usar esse tipo de material. A apresentação da notícia deve simplificar o
assunto, torna-lo claro para a audiência.
O recorte escolhido para analisar o fim do Jornal de Londrina (JL) foram os anos de
2013, 2014 e 2015. A hipótese inicial deste trabalho é de que o jornal enfrentou em seu
noticiário uma agenda que afetava e incomodava setores importantes na economia da cidade –
e consequentemente grandes anunciantes –, como loteadoras, construtoras e imobiliárias.
Fazem parte dessa agenda temas como a política de uso e ocupação do solo (zoneamento) e
questões ambientais vistas pelo setor como entraves ao seu desenvolvimento, como a
preocupação com os fundos de vale e a preservação das águas urbanas. Londrina é uma
cidade com altos índices de verticalização, o que reforça o peso e a importância desse setor na
economia local. Também por isso questões como essas fazem parte da agenda da imprensa na
cidade.
casa nova. A reportagem editada em página inteira, na página 9, é assinada pela jornalista
Juliana Gonçalves, da redação do JL. Importante notar que uma parte dessas matérias foram
produzidas por jornalistas freelancers. A reportagem informa que a Caixa Econômica Federal
bateu recorde de financiamento de imóveis na regional de Londrina, que encampa 75
municípios, chegando a R$ 1,07 bilhão em 2012, um volume de financiamento 25% maior
que o de 2011. A matéria traz ainda personagens, falando sobre as opções de compra, o
gerente regional do banco estatal, Carlos Roberto de Souza, dizendo que o resultado positivo
é fruto “da própria demanda e do cenário econômico”.
47
A página 4 mais frequentemente e eventualmente num “espelho” com a 5, são as mais nobres, dentro do
projeto gráfico do JL. Normalmente elas aparecem com a vinheta “Geral – tema do dia”, o que demonstra a
importância dada pelo jornal a essa reportagem, publicada numa edição de terça-feira.
82
“Os últimos anos têm registrado forte crescimento imobiliário em Londrina. Um dos
maiores aumentos foi constatado no metro quadrado comercial construído, com uma
expansão de 200% em apenas cinco anos. A região sul, principalmente a Gleba
Palhano, é o principal alvo das construtoras. „Está em franco desenvolvimento‟,
avalia Gerson Guariente Júnior, presidente do Sinduscon”.
Na sexta-feira, 19 de abril de 2013 (anexo A7), mais uma manchete: “Usados – Preço
de imóveis atinge teto com estoque recorde”, diz o texto da capa. A reportagem assinada por
Telma Elorza, publicada em três colunas, na página 9, diz que a oferta de imóveis usados
aumentou 180% em cinco anos, reflexo também do grande número de lançamentos de
projetos imobiliários na cidade. Outro fator apontado para justificar o fenômeno é a facilidade
de acesso ao financiamento de imóveis nesse período. A fonte das informações é o Instituto
Paranaense de Pesquisa e Desenvolvimento do Mercado Imobiliário e Condominial
48
A região Norte do Paraná, na qual segundo historiadores existiam posseiros e índios, ainda que em pequena
quantidade até então, foi ocupada a partir da década de 1930 com base num grande empreendimento feito pela
Companhia de Terras do Norte do Paraná, uma empresa de capital britânico. A empresa vendeu lotes a
trabalhadores interessados em se instalar na região e trabalhar na lavoura. A venda foi impulsionada por um
novo ciclo do café, depois da crise econômica mundial, que tem como marco a quebra da Bolsa de Nova
Iorque, em 1929 e que prejudicou os cafeicultores do Vale do Paraíba. O nome Londrina, referência a
Londres, é considerado herança dos britânicos que venderam as primeiras áreas da cidade. A “colonização
inglesa”, sobre a qual há controvérsias, tendo em vista que o grupo de cidadãos britânicos que esteve na
cidade era reduzido e atuou na venda dos terrenos, faz parte do discurso e do imaginário da elite da cidade.
83
(Inpespar), órgão do Secovi-PR, que informa que junto com a oferta, cresceram também os
preços dos imóveis usados.
Em 28 de abril (anexo A8), edição de domingo, uma das reportagens sobre o setor que
não é manchete e nem tem chamada na capa. “Imóveis – Serviço da Acil reduz burocracia nas
transações imobiliárias”, é o título da matéria publicada na página 10 e assinada pela
jornalista Gisele Rech, que fazia reportagens sobre o mercado imobiliário como freelancer.
Fala sobre a criação do “Fácil Imobiliário”, pela Associação Comercial e Industrial de
Londrina (Acil).
Em 5 de maio (anexo A9), numa edição de domingo e sem chamada na capa, o JL traz
na página 8 a reportagem “Centro de Compras – Com investimento de R$ 320 mi, Boulevard
Shopping é inaugurado”. O texto da jornalista Telma Elorza fala sobre a inauguração do
empreendimento na Zona Leste de Londrina, com 216 lojas.
Em 13 de outubro (Fig. 1), uma edição de domingo, matéria com chamada de capa:
“Novo mercado: imóvel pequeno e luxuoso”. A reportagem é de Giovana Chiquim, que
cobria férias na redação do jornal. A chamada interna diz que os “compactos são tendência” e
a linha fina afirma que “a procura por imóveis de baixa metragem está crescendo, mas
construtoras precisam ficar atentas ao perfil do consumidor”.
“O prêmio Nobel de Economia deste ano alerta: o Brasil pode estar vivendo uma
bolha imobiliária. Os dados mostram um descompasso entre renda e valor dos
imóveis. Em Londrina, o preço do metro quadrado residencial praticamente dobrou
nos últimos cinco anos. Já o crescimento do rendimento do trabalhador foi de apenas
37% no mesmo período. Economistas consultados pelo JL já enxergam indícios de
bolha. „Vai fazer um bom negócio quem tiver dinheiro quando o preço começar a
cair‟, dispara a professora Clévia França. Corretores, no entanto, consideram
previsão prematura”.
A reportagem assinada pela jornalista Nara Chiquetti, que cobria férias na redação do
JL, parte de uma declaração feita pelo economista Robert Shiller, ganhador do prêmio Nobel
da Economia, de que “o Brasil pode estar vivendo uma bolha imobiliária parecida com a que
se formou nos Estados Unidos em 2008 e que deu origem à crise econômica”.
85
outras regiões da cidade que poderiam ter uma valorização imobiliária como a desse bairro. A
reportagem assinada por Telma Elorza e publicada na página 10, projeta, a partir da visão de
especialistas do mercado imobiliário e de uma leitura da revisão do Plano Diretor, que estava
em discussão na época, uma nova área da cidade que poderia sofrer uma valorização
imobiliária no espaço de 10 anos. Daí a referência à Gleba Palhano, que em pouco tempo
passou de um espaço da cidade sem ocupação até então, para um dos metros quadrados mais
caros de Londrina.
Em 3 de agosto (anexo A17), numa edição de domingo, mais uma manchete: “Imóveis
– Jovens mudam o perfil do mercado imobiliário”, diz a reportagem assinada por Nara
Chiquetti. A reportagem publicada nas páginas 4 e 5, como “tema do dia”, diz que
“compradores têm entre 28 e 35 anos, são exigentes, fazem pesquisa e influenciam mudanças
no perfil dos empreendimentos”.
No ano de 2015 o JL não deu nenhuma manchete sobre o mercado imobiliário. Apenas
uma reportagem, a que foi publicada na edição de 28 de julho (anexo A19), teve chamada de
capa: “Oferta de imóveis para alugar cresce 20% em meio à crise”, diz o texto que remete à
página 8. No lide, a reportagem de Tatiane Salvático mostra que o otimismo ficara para trás:
“as inúmeras placas de „aluga-se‟ espalhadas pelas ruas denunciam: sobram imóveis vazios
em Londrina. Em cinco anos, a oferta de pontos residenciais e comerciais para aluguel
cresceu 110%. Nos últimos 12 meses o número saltou de 3.967 para 4.763 – alta de 20%”.
Essa polêmica é objeto de quatro reportagens publicadas pelo JL entre maio de 2013 e
outubro de 2014. Nenhuma delas foi manchete da edição e apenas uma teve chamada de capa.
A primeira reportagem foi publicada na página 6 da edição de 30 de maio de 2013 (anexo
B1), uma quinta-feira e é assinada pelo jornalista Marcelo Frazão. “Planejamento –
Conferência da Cidade expõe choque entre conselhos”, é o título da reportagem, que é aberta
com uma foto em quatro colunas. A matéria fala sobre a 5ª Conferência da Cidade, que seria
aberta no sábado seguinte.
49
O Estatuto da Cidade foi instituído pela Lei Federal 10.257, de 10 de julho de 2001. Ele prevê controle social
sobre as políticas urbanas. Para exercer esse controle foram criados conselhos, regulamentados
posteriormente. Esses conselhos contam com a participação do poder público, de entidades empresariais e de
movimentos sociais.
50
Segundo parecer do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina (Ippul) ao projeto de lei
encaminhado à Câmara de Vereadores em 2017, a composição do CMC não corresponde ao que é
estabelecido pela legislação federal.
90
O JL volta ao assunto no dia 4 de junho (anexo B2), dessa vez numa reportagem
assinada pela jornalista Érika Pelegrino. “Planejamento – População participa em „massa‟ de
Conferência”, diz o título da matéria, na página 7, e para a qual não houve chamada de capa.
A reportagem, editada em duas colunas, traz um relato do resultado da Conferência que
aconteceu no final de semana.
A Mata dos Godoy é uma das últimas reservas naturais de mata nativa do norte do
Paraná, segundo informa o site da Prefeitura de Londrina51. Ela tem 675,7 hectares de floresta
subtropical, inserida no bioma Mata Atlântica, diz a descrição. São cerca de 200 espécies de
árvores e 180 espécies de aves silvestres. Fica no distrito do Espírito Santo, na Zona Sul da
cidade, a 15 quilômetros do centro. Até 1989 pertencia à família Godoy. Desde então tornou-
se um Parque Estadual. A construção de um aeroporto de cargas próximo à Mata dos Godoy,
dentro de um projeto de logística criado por entidades empresariais da cidade, chamado Arco
Norte, foi um fator de tensão. A cobertura do JL sobre o episódio rendeu 11 reportagens, entre
fevereiro de 2013 e julho de 2015.
Em 1° de março (anexo C2), nova manchete do JL, dessa vez dando voz a
ambientalistas: “Desenvolvimento – Ameaça ambiental põe Arco Norte em xeque”, diz a
chamada da capa, remetendo para a reportagem publicada na página 8, da jornalista Bruna
Komarchesqui. Na página interna, o jornal diz que o aeroporto de cargas “está sob protesto”.
A reportagem relata a visita dos norte-americanos e um protesto dos ambientalistas.
51
http://www.londrina.pr.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=247&Itemid=194
(consultada em 16 de agosto de 2018)
92
O projeto Arco Norte estava oficialmente sepultado. Ainda assim, cinco reportagens
foram publicadas no JL, todas no ano de 2015, noticiando a tensão entre a preservação
ambiental e a instalação de indústrias na zona de amortecimento. Em 14 de abril de 2015
(anexo C7), uma reportagem com chamada de capa, ainda que não tenha sido a manchete da
edição: “Mata dos Godoy – Liminar suspende instalação de indústrias”, diz o texto assinado
pelo jornalista Marcos César Gouvêa e publicado na página 4, numa matéria de página inteira.
Em 20 de julho (anexo C11), a última reportagem do JL sobre a Mata dos Godoy, com
a chamada de capa “Legislação – projeto corrige a expansão sobre a Mata dos Godoy”. A
reportagem assinada pela jornalista Juliana Gonçalves e publicada na página 6, diz que o
então prefeito Alexandre Kireeff quer corrigir a “invasão urbana na Mata dos Godoy”. A
ideia, que seria discutida numa audiência pública convocada pela prefeitura, seria enviar para
a Câmara um projeto de lei revertendo as leis municipais que avançaram sobre a zona de
amortecimento.
52
O artigo “Estudos de Impacto de Vizinhança: alguns apontamentos a partir do caso de Londrina-PR” foi
publicado no Caderno Prudentino de Geografia (número 33, volume 2, páginas de 146 a 169), da Associação
dos Geógrafos Brasileiros, Seção Local de Presidente Prudente (SP).
95
Segundo a professora Eliane Tomiasi Paulino (2011, p. 149, 150), o EIV leva em
conta dados como o “adensamento populacional, equipamentos urbanos e comunitários, uso e
ocupação do solo, valorização imobiliária, geração de tráfego e demanda por transporte
público, ventilação e iluminação, paisagem urbana e patrimônio natural e cultural”. A partir
da análise do EIV são definidas medidas que o empreendedor deve adotar para compensar ou
mitigar os efeitos dessas obras.
No JL foram sete reportagens retratando essa tensão, sendo seis em 2014 e uma em
2015. As matérias tratam principalmente da contrapartida que deve ser cobrada dos donos de
empreendimentos para ter suas obras liberadas.
Em 21 de março (anexo D2), uma nova manchete: “EIV – Contrapartida terá que ser
entregue junto com a obra”, diz a chamada. A reportagem publicada na página 4 é de Fábio
Silveira. Note-se que nesse período já estava em curso uma intensa discussão sobre a
liberação de empreendimentos sem a execução das contrapartidas previstas em lei. A
reportagem fala sobre um projeto de lei de autoria do vereador Roberto Fu (PDT), que a
Câmara Municipal acabara de aprovar. O projeto regulamenta a entrega das medidas que se
destinam a compensar e amenizar o impacto criado pelas obras de empreendimentos.
proposta estava sendo analisada pela Procuradoria Geral do Município há dois meses. A
reportagem cita o caso do Centro Comercial City, que foi objeto de outra polêmica que será
discutida neste trabalho. O empreendimento foi multado pela prefeitura em R$ 2,9 milhões
“por ter sido aberto ao público sem o Certificado de Vistoria de Conclusão de Obra”, como
informa a reportagem.
No dia 19 de junho de 2014 (anexo D4), a manchete do JL fala sobre uma polêmica
entre a Câmara e o Poder Executivo: “Veto derrubado – Obras só podem ser liberadas após
fim de contrapartida”, diz o texto da chamada. A reportagem assinada por Fábio Silveira e
publicada na página 10, conta que o veto do prefeito Alexandre Kireeff foi derrubado por 18
votos a 1 (a Câmara de Londrina é composta por 19 vereadores).
“Aplaudida pelo setor construtivo e comercial local, a liberação para novas empresas
abrirem as portas sem apresentar o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) é
avaliada com restrições por segmentos ligados à analise do ambiente urbano e ao
planejamento de Londrina. Diante dos aspectos negativos que a instalação sem
controle de empresas tem causado para a cidade, a crítica é de que, em vez de
aumentar o monitoramento sobre a malha urbana, a exigência de que menos
negócios elaborem o EIV potencialize problemas no trânsito, no meio ambiente e na
vizinhança”.
Mais de um ano depois, em 27 de agosto de 2015 (anexo D7), o JL traz uma chamada
de capa sobre o tema: “Projeto quer livrar do EIV 85% dos empreendimentos”, diz o texto. A
97
reportagem de Érika Pelegrino, publicada na página 4, fala sobre um projeto de lei que a
prefeitura enviou para a Câmara, definindo quais empresas não precisariam fazer os Estudos
de Impacto de Vizinhança. A proposta vai além da do decreto editado um ano antes pela
prefeitura. Usando informações do Sindicato das Empresas de Assessoramento, Perícias,
Informações, Pesquisas e de Serviços Contábeis de Londrina e Região (Sescap), o texto diz
que dos 121 projetos em análise pelo Ippul, sobrariam 19 na fila. Os demais seriam liberados
dentro da lógica do projeto proposto pelo Poder Executivo.
O caso Angeloni aparece pela primeira vez na edição de 3 de abril de 2013 (anexo E1),
numa reportagem publicada na página 6, sem chamada de capa. O título do texto de autoria de
Fábio Silveira é: “Zoneamento – Construção de mercado gera protesto na Câmara”. A matéria
fala sobre a retirada de pauta de um projeto de lei proposto pelo vereador Rony Alves (PTB),
“adequando o zoneamento de um terreno no qual o supermercado Angeloni pretende construir
sua segunda loja em Londrina”. A polêmica aconteceu porque a rede de supermercados de
Santa Catarina tinha comprado um terreno na avenida Madre Leônia Milito, na Gleba
Palhano.
Na página 6 da edição de 9 de abril (anexo E2), sem chamada de capa, o título chama:
“Gleba Palhano – Discussão ignora obras com impactos maiores”. O texto fala sobre uma
reunião entre moradores da Gleba Palhano e vereadores para discutir a mudança de
zoneamento do terreno comprado pela rede Angeloni. A reportagem fala que a reunião durou
mais de quatro horas, mas os moradores continuam batendo na tecla de que é preciso realizar
uma audiência pública. O texto é do jornalista Fábio Silveira.
“enquanto a Lei de Uso e Ocupação do Solo, uma das duas leis complementares ao
Plano Diretor ainda não aprovadas, demora em chegar ao Legislativo – o atraso já é
de 5 anos –, vereadores e o próprio Poder Executivo têm se dedicado a retalhar o
zoneamento da cidade. Levantamento feito pelo JL mostra que no intervalo de 2009
a 2013 foram apresentados 51 projetos de mudanças pontuais de zoneamento.
Desses, 22 se transformaram em leis e 7 ainda estão tramitando. Outros 21 foram
arquivados pela própria Câmara. A Lei de Zoneamento deveria ter sido atualizada
até 2008, já que o atual Plano Diretor está em vigor desde 1998 e precisa ser
renovado a cada 10 anos”.
53
O órgão chamava-se anteriormente Companhia de Desenvolvimento de Londrina, com a sigla Codel. Mudou
para Instituto, mas a sigla foi mantida.
101
“Na disputa entre o meio ambiente e as escolas, venceram as escolas. Após duas
horas e meia de debate, os vereadores decidiram pela retirada de pauta da emenda à
Lei Orgânica proposta por Mário Takahashi (PV), proibindo a construção de escolas
em áreas de praça, e aprovaram, em primeira discussão, um projeto de lei
autorizando a Prefeitura a construir dez unidades escolares em áreas de praça de
bairros”.
Na edição de domingo, 25 de agosto (anexo F11), o jornal traz duas reportagens sobre
o assunto. Uma das matérias, tem o título “Planejamento – „Temos que diminuir as
irregularidades‟”, de Marcelo Frazão, o Ippul defende “a flexibilização das zonas residenciais
no novo Plano Diretor como forma de „regularizar‟ a cidade”.
Em 4 de abril (anexo F15), a manchete do JL é sobre o novo Plano Diretor que estava
em discussão na Câmara, contextualizado com os problemas do Centro Comercial City:
“Recuo de 5 metros – Plano Diretor manterá 32 áreas de exceção”. Na chamada interna, na
103
página 4, a matéria de Marcelo Frazão diz que a proposta em discussão mantém “recuo
facultativo”. A foto é da fachada do City, que avançou sobre o recuo e se tornou objeto de
polêmica à época.
Na manchete de 7 de dezembro de 2014 (anexo F20), o JL fala mais uma vez das
tentativas de avanços sobre os fundos de vale: “Câmara – Projetos miram fundos de vale”, diz
a chamada. O título da reportagem de Fábio Silveira, publicada na página 4, chama atenção
para “Gaúcho Tamarrado, o vereador que quer ocupar fundos de vale”.
O texto diz que os vereadores votariam naquele dia, em primeiro turno, os dois projetos de lei
complementares ao Plano Diretor que ainda não tinham sido aprovados: a Lei de Uso e
Ocupação do Solo e o Sistema Viário.
“Com a entrada em vigor do novo Plano Diretor – quer permite que novas áreas
comportem edifícios – é possível que Londrina veja seu perfil imobiliário mudar
radicalmente nos próximos anos. As construtoras e incorporadoras já se preparam
para desenvolver projetos nas novas áreas liberadas. Mas em curto prazo, há
perspectivas de que a grande movimentação seja vista, principalmente, na zona norte
da cidade. A previsão do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Norte do
Paraná (Sinduscon) é que, em breve, uma grande área residencial surja no extremo
oeste da Avenida Saul Elkind para atender a demanda do novo polo industrial que
deve ser criado na região”.
105
Neste capítulo vamos analisar os valores-notícia usados pelo JL para definir o seu
noticiário em questões relativas ao mercado imobiliário. Para tanto escolhemos os dois temas
que consideramos mais polêmicos, dentre os oito que identificamos na cobertura do jornal
sobre o setor no período pesquisado. São eles o caso do shopping City, onde foi instalada uma
loja da Havan, no centro da cidade e que foi objeto de 17 reportagens; e o caso do Complexo
Marco Zero e a crise dos Habite-se, que foram alvos de uma Comissão de Inquérito na
Câmara de Vereadores e objeto de 31 reportagens do JL. Para fazer a análise, aplicaremos os
valores-notícia apenas sobre as reportagens que foram manchete. As demais serão expostas de
forma sucinta, para ajudar na compreensão do contexto, assim como fizemos no capítulo
anterior. A definição dessas matérias como manchete indica que elas foram consideradas as
principais na edição em que foram veiculadas. No caso City/Havan, das 17 reportagens, 7
foram manchete. No caso do Complexo Marco Zero/Habite-se, das 31 reportagens publicadas,
10 foram manchete.
O caso do Centro Comercial City, que no começo foi tratado pelo jornal como “caso
Havan” e depois como “caso City” foi rumoroso. A mudança de nome se deve ao fato de que
embora no prédio funcionasse uma loja da rede Havan, o imóvel não pertencia a essa
empresa. O dono do imóvel e responsável pela construção do prédio é o empresário Rachid
Zabian, que batizou o edifício como Centro Comercial City. A polêmica se deve ao
descumprimento pelo empresário que construiu o prédio, de leis municipais. As reportagens
foram publicadas entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2015.
A reportagem diz que a lista das empresas foi publicada no Jornal Oficial do
Município no dia 9 de janeiro. Em entrevista, a gerente de Cadastro Imobiliário da Secretaria
Municipal da Fazenda, Elza Araki Nagayama, diz que “a modalidade alvará fácil tem um
prazo de 60 dias para que a empresa entregue toda a documentação exigida para a
continuidade do processo”. Podemos dizer que no lide foram usados os mesmos valores-
109
notícia que elencamos na manchete. A menção às três lojas, todas de grande porte e com
grande circulação de pessoas demonstra o uso do valor-notícia relevância.
Três meses depois, em 30 de abril, nova manchete, informando que as empresas não se
regularizaram, mas também não fecharam: “Alvará fácil – Empresas com alvará cassado
continuam abertas”, diz o texto da chamada. A exemplo da manchete anterior, a quebra da
normalidade, que é o não cumprimento da lei, continua como o valor-notícia mais forte. O
texto de apoio da manchete demonstra o uso de outro critério, que é o de relevância. O
número de empresas irregulares sobe quatro vezes: das 256 anunciadas em janeiro, para
1.000. O conflito, que é a disputa da prefeitura com as empresas pelo cumprimento da lei
também aparece entre os valores usados. A prefeitura continua com dificuldades para fazer
cumprir a lei, mas dessa vez fica clara a sua impotência para fiscalizar: apenas 20 das 1.000
empresas irregulares foram fechadas.
não posso ser considerado assim por erros internos do município”. A quebra da normalidade,
na forma de desvio, aparece nessa manchete. A ineficiência da prefeitura para fiscalizar é o
inverso do que se espera da atuação do poder público. O descumprimento das normas, como
fez o empreendedor também é um desvio. O conflito é outro valor-notícia presente na capa do
jornal, que fica exposto quando o empresário reage dizendo que não pode ser considerado
“bandido” devido a “erros do município”.
Reportagem menor, assinada por Fábio Silveira, na parte inferior da página, fala sobre
outra obra com problemas legais: o Hotel Íbis, no Complexo Marco Zero. Logo os dois casos
se descolariam e virariam “novelas” diferentes nas páginas do JL. Esse texto diz que “mesmo
depois de ser embargado e de receber multa de R$ 150 mil” devido a problemas no Estudo de
Impacto de Vizinhança (EIV) que impediram a emissão do alvará de construção, o hotel “está
contratando funcionários, pensando na inauguração”. A matéria diz que apesar das sanções
administrativas, “a Prefeitura não recorreu à Justiça para paralisar o empreendimento”. Sem
alvará de construção, consequentemente, a empresa não conseguiria receber o Habite-se,
quando as obras fossem concluídas.
Na manchete do dia 8 de abril (Fig. 5), o nome da loja volta a aparecer na chamada,
demonstrando a força do valor-notícia proximidade: “Zoneamento – Câmara Municipal
pretende legalizar prédio da Havan”. O desvio, que caracteriza o valor-notícia quebra da
normalidade, aparece no texto de apoio: o jornal diz que uma comissão da Câmara de
Vereadores “pretende criar uma lei para ajudar a contornar as irregularidades do edifício”. O
verbo “contornar” insinua a ideia de uma composição para que a lei não seja cumprida. Na
página 4, reportagem de Fábio Calsavara, começa com um lide sem insinuações:
“Uma lei para beneficiar o centro comercial City, onde está a loja da Havan, em
Londrina. Isto é o que quer a Comissão criada pela Câmara Municipal para discutir
irregularidades na construção, na rua Benjamin Constant, região central, depois de
reunião realizada ontem. A intenção é apresentar um projeto de lei que regularize o
empreendimento por completo, cujo principal problema é o desrespeito à exigência
de recuo de 5 metros”
No dia 15 de abril (anexo G2), chamada de capa no JL: “Novo secretário liberou obra
irregular de prédio da Havan, diz empresário”. A reportagem de página inteira na página 4 é
de Fábio Calsavara. Duas crises se cruzam nessa matéria: Sandro Nóbrega deixara a
Secretaria de Obras em decorrência de outra crise, essa envolvendo a concessão de alvarás e
que será discutida adiante. Segundo o empresário Rachid Zabian, responsável pela construção
do prédio do Centro Comercial City, onde foi instalada uma loja da Havan, o servidor de
114
54
Originalmente o perímetro pegava uma área da cidade que ia da avenida Brasília (trecho urbano da Rodovia
BR-369, que corta o Norte do Paraná até Ourinhos, no Estado de São Paulo) até as imediações da prefeitura.
Durante a tramitação na Câmara o perímetro foi ampliado ao Norte, até a avenida Henrique Mansano, onde
fica o Estádio do Café e o Autódromo Ayrton Senna, e ao sul, até a rodovia PR-445, que liga a região a
Curitiba.
115
caso é o impasse para definir a situação do City). A reportagem diz que a prefeitura ganhou
um prazo de mais 20 dias para responder à recomendação do Ministério Público sobre o que
seria feito com relação às irregularidades na obra do Centro Comercial City.
Em 8 de maio (Fig. 6), a manchete da edição diz: “Obras – Sem recuo, Habite-se e
EIV, Prefeitura considera City regular”. O tom da reportagem assinada por Marcelo Frazão,
na página 4, é de crítica à prefeitura, que volta atrás e passa a considerar o prédio como
regular, apesar de todos os problemas legais.
“fizemos uma reanálise do caso e detalhamos os conflitos nas leis. Tivemos dúvidas
obre a interpretação anterior, que não era errada, mas também não excluía a
existência de outra. Como há dupla interpretação e a dúvida veio à tona, a
responsabilidade do Ippul foi definir”.
Valle diz que “as leis são realmente dúbias e permitem interpretação dupla” e que “não
há „interpretação certa ou errada‟ porque ambas não são excludentes para o caso”. A
reportagem cita uma entrevista da então presidente do Ippul, Ignês Dequech à rádio Paiquerê
AM. Ela diz que o recuo de 5 metros na rua Benjamin Constant é “facultativo” e que o uso do
espaço pelo prédio “não traz prejuízos à cidade porque não há previsão de alargamento da rua
Benjamin Constant”. Ela diz também que o EIV (que deveria ser o ponto de partida para a
aprovação da obra) antes rejeitado deveria ser reavaliado e que como a prefeitura passou a
considerar a obra regular, o Habite-se deveria ser concedido.
Em 9 de maio (Fig. 7), nova manchete: “Crise dos alvarás – „Não é possível uma
afronta desse porte‟, reage Kireeff”. Na página 6, a reportagem de Marcelo Frazão diz, na
linha fina, que o “prefeito reage à decisão da Procuradoria do Município, que considerou
regular o prédio do Centro Comercial City e deve multar hoje dono do imóvel”. O texto diz
que o prefeito passou o dia conversando com a Secretaria de Obras e o Ippul e estima que as
multas ao empreendimento, que não cumpriu as regras, deve chegar a R$ 3 milhões. A
decisão deveria ser anunciada pelo prefeito naquele dia (ela só apareceria na edição do dia 11
de maio, ou seja, ela saiu no dia seguinte à reportagem, em 10 de maio). “As multas, no
entendimento de Kireeff, não se chocam com decisões anunciadas por Ippul e Obras de que,
agora, o empreendimento é regular, mesmo ante a construção de parte do imóvel sobre o
recuo e reprovação do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) – situações „reinterpretadas‟”.
117
A multa não encerra o assunto – o que mostra que para o JL, o pêndulo ainda estava
longe de voltar para a doxa. “No MP – Presidente do Ippul muda versão sobre recuo do City”,
diz a manchete da edição do dia 13 de maio (Fig.8). A reportagem de Marcelo Frazão ocupa a
página 4 do jornal. O título na página interna não deixa dúvidas quanto ao tom crítico: “Ao
MP, presidente do Ippul dá 3ª versão sobre prédio da Havan”. A reportagem trata de um
depoimento prestado na véspera por Ignês Dequech. A matéria diz que ela negou que o órgão
tenha decidido pela ilegalidade do empreendimento. As outras duas versões citadas no texto
são a declaração de ilegalidade do prédio e depois a revisão do processo e a declaração de que
o prédio não estava irregular – isso depois de considerar as avaliações anteriores
“equivocadas”. “A resposta do Ippul não constitui qualquer decisão sobre o deferimento
(aprovação) do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) e o documento ainda será reanalisado
pelo Ippul, Secretaria de Obras e Conselho Municipal das Cidades”, diz Ignês Dequech numa
119
fala citada na reportagem. A presidente do Ippul saiu sem dar entrevistas, o que significa que
essas aspas foram retiradas do depoimento dela ao Ministério Público.
Na edição de 10 de agosto de 2014 (anexo G6), sem chamada na capa, o jornal publica
na página 10 uma reportagem de Fábio Calsavara. “Obra irregular – Donos do City querem
audiência para promover a „paz social‟”, diz o título do texto, editado em duas colunas. O
texto diz que os donos do empreendimento propuseram “uma audiência de conciliação para
regularizar a situação do empreendimento junto à administração municipal”. Essa audiência
foi marcada para o dia 18 e nela seria assinado um Termo de Ajustamento de Conduta.
Segundo o advogado dos responsáveis pelo empreendimento, esse acordo impediria “ações
mais extremas, como o embargo e a demolição do prédio”. Com isso, segundo o advogado
Ivan Pegoraro, entrevistado pelo jornal, esse acordo promoveria a “paz social”. Ele diz que os
termos do acordo seriam indicados pela prefeitura. O procurador Geral do Município, Paulo
120
Valle, diz na reportagem que a audiência poderia não ser realizada, explicando que se o Ippul
estabelecesse os termos antes do dia 18 o acordo poderia ser firmado sem que fosse necessária
a realização da audiência. O promotor Renato Lima Castro diz na reportagem que o TAC não
serviria para amenizar tanto os efeitos de uma ação judicial proposta pelo Ministério Púbico,
quanto a multa de R$ 2,9 milhões imposta pela prefeitura, administrativamente.
Em 19 de agosto (anexo G7) o JL volta ao assunto com uma chamada de capa: “Caso
City – Divergência de valores impede acordo”. A reportagem publicada na página 8, assinada
por Tatiane Salvático, mostra os valores da divergência. O empresário Rachid Zabian propôs
a construção de cinco de salas de aula, a um custo de R$ 400 mil, mas o Ippul estipulou a
multa em R$ 3 milhões “para adequações e reformas de bens municipais”. O texto diz que
devido à falta de acordo, prefeitura e empresário têm mais 20 dias para apresentar novas
propostas. O Ministério Público também descartou a proposta de construção de cinco salas de
aula, que segundo o texto, foi sugerida pelo Conselho Municipal da Cidade (CMC). Note-se
que aqui prevalece o valor-notícia conflito, tendo em vista que as posições da empresa e do
poder público – no caso o MP – estão em conflito. Mas esse valor-notícia não foi suficiente
para levar o assunto para a manchete do jornal.
Analisando a tabela acima, nota-se que o caso começou a ser tratado num “pacote”
junto com irregularidades de outros empreendimentos em 2013, com duas reportagens. Mas
ele ganha força a partir de março de 2014, quando o Centro Comercial City se torna o centro
das atenções. Das sete manchetes que o JL publicou sobre o assunto, cinco foram entre 25 de
março e 13 de maio. Esse é o ponto mais agudo da crise e o momento em que o paradoxo
tinha mais força – o que significa que o assunto tinha maior atração sobre o JL. Das 17
reportagens sobre o caso, 10 são concentradas nesse espaço de tempo. Na semana de 8 a 13 de
maio foram dadas três manchetes. Em todas as sete manchetes sobre o caso prevalecem os
valores-notícia quebra da normalidade e conflito. O paradoxo foi sendo diluído depois de
maio, notadamente nos meses de agosto e setembro, período em que se noticiou os passos até
chegar ao acordo. Em fevereiro de 2015 o JL volta ao caso para dizer que a empresa
responsável pelas irregularidades acabaria de cumprir as medidas que negociou para evitar
uma punição mais forte em março daquele ano, bem antes de o prazo final, quer seria em
outubro. O assunto já estava na fase de ausência total de noticiabilidade.
O tema desse tópico são duas crises que correm paralelas, mas acabam se encontrando
porque ambas foram objeto de uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) aberta pela Câmara
Municipal. O problema do Complexo Marco Zero era o motivo original da crise, novamente
pelo não cumprimento de medidas previstas em lei para enfrentar o impacto provocado pelo
empreendimento. Houve pressão de entidades empresariais para evitar a abertura de uma CEI
pelo Legislativo. Os vereadores aceitaram a tese de tais entidades e num primeiro momento
recuaram. Mas a comissão se tornou inevitável com o fato novo, que foi o escândalo do caso
dos alvarás do Jardim Colúmbia. A crise aparece nas páginas do jornal entre julho de 2013 e
julho de 2015. Sua gestação começa no segundo semestre do 2013, mas ela ganha corpo entre
março e maio de 2014, período em que boa parte das reportagens aqui analisadas foi
publicada. No fim, uma reportagem isolada no em julho de 2015 é um registro isolado do
desfecho dessa crise.
124
5.3.1 – Gestação
Passados alguns meses, o tema Marco Zero volta às páginas do JL, na condição de
manchete. “Patrimônio histórico – Quem vai ficar com o Marco Zero?”, pergunta o jornal, na
edição de 13 de novembro de 2013 (Fig. 10). O texto da capa explica a dúvida levantada na
manchete:
“Ninguém quer ser dono do Marco Zero, um pedaço de mata remanescente que
abriga o ponto de chegada da caravana inglesa responsável pela criação do
município de Londrina. O suposto proprietário, o empresário Raul Fulgêncio, alega
ter documentos provando que fez, há anos, a doação da área para a Prefeitura. A
administração municipal, porém, nega ser a responsável pelo espaço que guarda a
história da fundação da cidade. O local, praticamente abandonado, hoje se mantém
pela dedicação exclusiva de um homem: Pedro Dias Barbosa, conhecido como
Pedro da Mata. Uma lei de 1999 prevê desapropriação e tombamento”.
O ano de 2014 começa com a temperatura da crise do Marco Zero subindo e com um
novo personagem em cena. Na edição de domingo, 19 de janeiro (Fig. 11), a manchete é:
“Inquérito civil – Complexo Marco Zero entra na mira do MP”. A reportagem da página 4 é
assinada por Fábio Silveira. A foto em cinco colunas mostra o Hotel Íbis à frente e o shopping
Boulevard atrás. O texto da linha fina da página interna diz que a Promotoria de Defesa do
Patrimônio Público vai investigar se ocorreram irregularidades nas concessões de alvará para
o hotel, o shopping e também para a loja Leroy Merlin, instalada no Complexo Marco Zero. A
reportagem diz que “a situação mais complicada é a do hotel, que teve a obra embargada pela
Secretaria Municipal de Obras, mas não a paralisou, recebendo uma multa de R$ 206 mil”. A
promotora responsável pela investigação é Sandra Koch. A promotora disse ao jornal que
pediu à Corregedoria do Município que investigasse eventuais irregularidades.
127
Ouvido pelo jornal, o empresário Raul Fulgêncio, citado como responsável pelo
complexo, diz que “tudo foi feito dentro da legalidade” e ironiza: “a conclusão a que chego é
de que quanto mais bem feito você faz mais suspeição você cria”. Ele diz também que no caso
da Leroy Merlin, a contrapartida cobrada pela prefeitura foi de R$ 1 milhão e que “nunca teve
tanta contrapartida nesse valor em Londrina”.
vereadores. O texto mostra o roteiro: depois de apresentado ele é despachado pela Mesa da
Câmara para análise da Procuradoria Jurídica da Casa.
No dia 13 de fevereiro (anexo H2), chamada de capa para a reportagem: “Marco Zero
– Câmara vota hoje pedido de abertura de CEI”. Na página 6, reportagem de Fábio Silveira
diz que a CEI do Marco Zero seria votada na sessão daquela quinta-feira pelo plenário. O
texto diz que são necessários 10 votos para a abertura da Comissão (a Câmara de Londrina
tem 19 vereadores). Jamil Janene, o autor do pedido de CEI diz ter os votos necessários para a
abertura da Comissão. O presidente da Câmara, Rony Alves (PTB), defende que o Legislativo
analise a situação “de forma madura e cautelosa”. “O petebista disse que pretende tomar
cuidado para que a Câmara „não seja usada por grupos que têm interesse‟ em desgastar o
empreendimento que pode ser objeto de investigação”, diz o texto. Rony Alves evita citar
quais grupos teriam interesse em desgastar o Complexo Marco Zero.
Em 14 de fevereiro (anexo H3), dessa vez sem chamada na capa, o jornal anuncia que
a “CEI do Marco Zero” foi retirada de pauta. O motivo está no título: “Proposta – Emenda
quer ampliar CEI do Marco Zero para cidade inteira”. A reportagem publicada na página 6 é
assinada por Fábio Silveira. O texto diz que a emenda que pretende ampliar as investigações é
de autoria do vereador Roberto Fu (PDT). A matéria informa que Fu quer que as
investigações tratem também de “supermercados e de grandes lojas de departamento em todas
as regiões do Município”. Com a emenda, o requerimento volta para a Procuradoria da
Câmara.
“um dia depois de a Prefeitura abrir uma sindicância para apurar a responsabilidade
de servidores na liberação de alvarás para obras irregulares do Complexo Marco
Zero, a Câmara arquivou o requerimento que pedia a abertura de uma Comissão
Especial de Inquérito (CEI) para investigar o mesmo caso”.
O texto informa que a sindicância foi aberta na véspera pela Prefeitura a pedido do
Ministério Público. Interessante notar que essa sindicância aberta no final de março, foi
pedida pelo MP em 3 de dezembro de 2013, como mostra reportagem publicada pelo JL em
janeiro, quando informa que o órgão abriu uma investigação sobre o caso. O texto diz que o
autor do requerimento acusa a Prefeitura de fazer pressão pelo arquivamento.
A sindicância que ajudou a arquivar a CEI é tratada num intertítulo da matéria. Sobre a
demora de quatro meses para atender o pedido do MP de abertura da sindicância, o
procurador Geral do Município, Paulo Valle, diz que “o pedido da promotora estava na fila,
mas, diante da proporção que o assunto ganhou, pedi prioridade para este caso”.
130
Quando o caso parecia se encaminhar para o fim, um fato novo e com força para
mudar o rumo dos acontecimentos, aparece na manchete do JL em 7 de abril de 2014. (Fig.
13) “Habite-se – Prefeitura acha falha em alvarás, mas oculta autoria”. O texto da chamada de
capa explica o episódio:
“entregue pela associação às autoridades aponta que dez obras do bairro receberam o
Habite-se mesmo com erros de engenharia; com calçadas fora do padrão, sem
árvores e sem piso tátil; e com destinação de resíduos das obras sem comprovação –
requisitos obrigatórios para a emissão de Habite-se”.
enviadas para a Corregedoria”. Ele diz que não aceita “coisa errada” e que “ficaria assustado
se constatasse que as denúncias não seguiram para investigação”. “Informado, depois, de que
a Corregedoria nunca recebeu os papéis, o secretário mudou o discurso. Respondeu que o
caso „está no Ministério Público‟. No entanto, a Promotoria de Patrimônio Público negou ter
informações sobre as denúncias”.
No dia 8 de abril de 2014, (anexo H5) sem chamada de capa, reportagem assinada por
Marcelo Frazão e publicada na página 6, mostra a primeira queda em decorrência da crise dos
alvarás. “Zona Oeste – Após denúncia de alvarás ilegais, Kireeff pede exoneração”. Apesar
do título confuso, não é o prefeito que está deixando o cargo. A diretora da Secretaria de
Obras, Celina Ota, é que foi exonerada pelo prefeito. O secretário de Obras ainda não tinha
sido atingido pela crise: “a ex-diretora, uma funcionária de carreira, foi a única
responsabilizada até agora por deixar de enviar à Corregedoria Geral pelo menos 12 casos
comprovados de Habite-se emitidos irregularmente – e não sete, como informado ontem”. O
jornal lembra que nenhum fiscal foi afastado. A reportagem segue rondando o secretário de
Obras: “mais de uma vez, os papéis foram entregues ao secretário municipal de Obras, Sandro
Nóbrega, desde janeiro de 2013. Somente em 20 de março deste ano, o dossiê chegou à
Corregedoria, após o JL descobrir as denúncias guardadas em uma gaveta da prefeitura”.
secretário enviou uma carta ao JL, na qual ele insiste que “tem procurado o Gaeco” e nega
que tenha atuado para barrar as investigações. Um servidor ouvido pelo jornal (em conversas
gravadas, ressalta o texto), diz que “as fotos (com as denúncias) estavam paradas aqui. Avisei
ao Sandro (Nóbrega) que não estava entendendo nada. Comecei a ver os documentos e ele
mandou parar”. Apesar do impacto da reportagem, o prefeito não comentou a conduta do
secretário no episódio.
Essa reportagem foi chamada de capa, numa edição em que a manchete foi
“Zoneamento – Câmara Municipal pretende legalizar prédio da Havan”. As duas notícias se
enquadram no critério de quebra da normalidade. A diferença é que no caso o Marco
Zero/Alvarás, quem perdeu o cargo foi uma servidora de carreira e não o secretário. No caso
Havan/City, quem tentava legalizar a situação do empreendimento irregular eram os
vereadores. No critério de relevância, a Câmara ganhou da servidora de carreira.
Sandro Nóbrega só durou mais uma edição como secretário de Obras: em 9 de abril
(Fig. 14) a manchete é sobre ele: “Crise dos alvarás – Secretário abre mão de cargo e MP
inicia investigação”. Na página 4, a reportagem de Fábio Silveira informa que Nóbrega
anunciou no plenário da Câmara que estava colocando o cargo à disposição.
O texto diz que Nóbrega deixou o cargo à disposição porque acreditava no governo e
“para manter a própria integridade moral intacta”. Ele negou que tenha cometido negligência
e atribuiu o erro à Secretaria. Ele foi defendido por alguns vereadores, como Fábio Testa (que
assumira há pouco a liderança do prefeito na Câmara), o autor do convite para que Nóbrega
fosse à Casa, além de Gérson Araújo (PSDB) e Elza Correia (PMDB). Na outra retranca da
página, reportagem de Marcelo Frazão informa que o Ministério Público abriu investigações
sobre os alvarás irregulares.
134
No dia 10 de abril (Fig. 15), a manchete “Crise dos alvarás – Propina para Habite-se
custou R$ 300, diz testemunha”, informa o desenrolar da crise. O texto da chamada de capa
afirma que “em menos de 24 horas” a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público conseguiu
indícios de irregularidades. Segundo testemunha, a propina para liberar a documentação teria
sido de R$ 300. A reportagem na página 5 é de Marcelo Frazão. Uma das testemunhas
conversou com o JL, sob a condição de ter o anonimato mantido. O texto informa também
que o prefeito aceitou o pedido de Sandro Nóbrega e exonerou o agora ex-secretário de Obras.
O engenheiro Fernando Bergamasco, servidor de carreira, assumiu interinamente o cargo. Na
outra retranca da página, o presidente da Associação de Moradores do Jardim Colúmbia,
Juliano Dalto, diz ao jornal que ao detalhar as irregularidades na liberação dos documentos,
ouviu de um servidor público a frase que dá título à matéria: “Não pega pesado, pois vai ferrar
os fiscais”.
135
Pode-se dizer que o valor-notícia quebra da normalidade aparece de forma aguda nessa
reportagem. A informação de que “em menos de 24 horas” o MP conseguiu indícios depois de
a denúncia ter ficado um ano na gaveta reforça o viés de desvio. Passa a ideia de que a
omissão tinha como objetivo poupar alguém.
Em 11 de abril (anexo H6), sem chamada de capa, uma reportagem assinada por
Marcelo Frazão e publicada na página 9, mostra que a possibilidade de abertura de uma
Comissão Especial de Inquérito (CEI) na Câmara volta a ganhar força. “Crise dos alvarás –
CEI do Habite-se ganha força na Câmara”. A linha fina diz que 14 dos 19 vereadores
assinaram um requerimento pedindo a abertura da comissão. O requerimento agora seria
analisado pela Procuradoria da Casa. “A adesão da maioria se deu depois que o prefeito
Alexandre Kireeff (PSD) liberou a própria base no Legislativo para votar a favor”, informa a
matéria. O autor do novo pedido, vereador Jamil Janene (PP), disse que o requerimento, em
vez de mirar “apenas as irregularidades do Complexo Marco Zero”, era mais amplo.
No dia 15 de abril de 2014 (anexo H7), o jornal chama na capa uma reportagem que
informa que Fernando Bergamasco, que acabara de assumir interinamente a Secretaria de
Obras em substituição a Sandro Nóbrega, tinha liberado a obra do Centro Comercial City,
136
objeto de outra polêmica retratada nas páginas do JL no período estudado e que é tratada neste
trabalho. Numa retranca publicada na página 4 dessa mesma edição, há uma referência à crise
dos alvarás. O texto diz que o corregedor geral da Prefeitura, Alexandre Tranin, abriu uma
sindicância para investigar “como dados falsos foram inseridos no sistema para a concessão
de pelo menos 12 documentos ilegais de Habite-se para residências no Jardim Colúmbia, na
zona oeste”.
Em 16 de abril (anexo H8), mais uma rápida menção à Crise dos Alvarás. O foco
principal da reportagem é uma entrevista com o prefeito Alexandre Kireeff (PSD), no qual ele
fala dos problemas na liberação das obras do Centro Comercial City, que é tratado em outro
tópico desse trabalho. A retranca na página 4 apenas lembra que a CEI poderia ser votada no
dia seguinte.
Em 17 de abril (Fig. 16), dia da votação, a manchete trata do assunto: “Crise dos
alvarás – Investigação será votada hoje; fiscal é afastado”. A reportagem na página 4,
assinada por Fábio Silveira, informa que além do caso dos Habite-se no Jardim Colúmbia, se
aprovada, a comissão também investigaria os problemas do Complexo Marco Zero e do
Centro Comercial City. O texto mostra que o ambiente tinha mudado no Legislativo: os
vereadores Rony Alves (PTB) e Lenir de Assis (PT), que votaram contra a abertura da
Comissão no fim de março, afirmam que mudaram o posicionamento. Além disso, vereadores
que tinham votado contra assinaram o requerimento. Flávio Balan, então presidente da
Associação Comercial e Industrial de Londrina (Acil), que em fevereiro reagiu contra a
possibilidade de abertura de CEI, inclusive com uma visita ao plenário, também mudou o
discurso. Ele diz no texto que “apesar do custo moral (de uma CEI) para a cidade”, era preciso
investigar o caso. Uma retranca no canto da página traz um cronograma do caso, desde a
primeira reportagem, em 17 de janeiro de 2013, que revela problemas com os alvarás de 256
empreendimentos em Londrina.
137
A manchete desta edição trata de dois assuntos em uma frase, embora os dois estejam
relacionados. No caso da votação da abertura da CEI, prevalece o valor-notícia conflito,
marcado pela decisão sobre a Câmara abrir ou não uma comissão para investigar supostas
irregularidades. A quebra normalidade, caracterizada pela possível abertura da comissão
também aparece aqui, mas em segundo plano. Na segunda informação da manchete, que é o
afastamento do servidor, prevalece a ideia de quebra da normalidade, que é a decisão contra o
funcionário, que não tem o nome citado.
A edição de 18 de abril (anexo H9) traz chamada de capa sobre a abertura da CEI:
“Por unanimidade – Câmara aprova CEI dos Alvarás”. A reportagem na página 4 é de Fabio
Silveira. O texto informa que 18 dos 19 vereadores aprovaram a abertura da comissão. Foi
138
uma unanimidade porque o 19º vereador, Roberto Kanashiro (PSDB) não participou da sessão
por estar em viagem oficial. A matéria confirma que além do caso dos alvarás do Jardim
Colúmbia, serão investigadas as situações do Complexo Marco Zero e do Centro Comercial
City. A reportagem questionou os vereadores que em março votaram contra a abertura da
Comissão e que agora tinham mudado o voto. No geral, os “ex-contrários” negaram se tratar
de um recuo, disseram que dessa vez o requerimento tinha um “fato determinado” que
justificaria a abertura das investigações. A Comissão teria 45 dias para concluir os trabalhos,
prazo que poderia ser prorrogado por mais 45 dias.
A matéria diz que tanto Celina Ota, quanto outros três servidores da Secretaria de
Obras foram ouvidos na CEI como testemunhas, nenhum na condição de investigado. Todos
eles disseram que não “ouviram falar em cobrança de propina”. Todos saíram sem dar
entrevistas. Celina Ota também disse aos vereadores que tinha sido incumbida por Nóbrega de
investigar as supostas irregularidades no dia 2 de maio de 2013 e entregou as conclusões em 2
de julho. O caso só teve andamento em março de 2014, quando o JL começou a investigar a
situação. O texto traz ainda um intertítulo tratando da situação do Marco Zero, que era objeto
da CEI, mas também de um grupo de trabalho da Câmara que buscava solução para o caso.
Note-se que essa reportagem, embora tenha dois valores-notícia fortes, no caso a
quebra da normalidade e o conflito, não ocupou a manchete porque no mesmo dia teve a
139
concorrência de outro caso, que era objeto de crise no mesmo período: o caso “City/Havan”.
A manchete da edição diz que a prefeitura considerou a obra irregular.
Na edição de terça-feira, 13 de maio (anexo H11), com uma foto em quatro colunas na
capa do jornal, a chamada para a mata: “Empresário reconhece propriedade sobre o Marco
Zero”. Na página 5, reportagem de Fábio Silveira diz que o empresário Raul Fulgêncio
declarou, numa reunião com a Comissão da Câmara que investigava problemas em
empreendimentos da cidade “que a mata do Marco Zero pertence ao grupo que ele
representa”. O texto diz ainda que “a fala do empresário revela uma mudança de discurso: no
ano passado, ao ser convidado pelo Legislativo para falar sobre a falta de cuidados com a
mata, que está degradada, Fulgêncio afirmou que tinha doado a área ao Município e que não
caberia a ele fazer a manutenção”. Na reunião registrada nessa matéria ele entregou o PRAD
para a área. O estudo constatou que a mata em questão tem seis nascentes de água, o que a
torna uma Área de Proteção Permanente (APP). O estudo contratado junto à CMB
Consultoria, que pertence ao geólogo e professor da Universidade Estadual de Londrina
(UEL) Cleuber Moraes (que foi secretário Municipal do Ambiente), diz que “dos 40 mil
metros quadrados da área onde fica a mata do Marco Zero, metade é de APP. A outra metade
poderia ter „qualquer destinação‟”.
Em 18 de maio (anexo H12), chamada de capa para o caso: “Marco Zero – Hotel
espera aprovação de EIV para abrir”. Na página 6, reportagem de Fábio Silveira diz que a
regularização do Hotel Íbis, que faz parte do Complexo Marco Zero, está “perto do fim”.
Quem dá entrevista é o novo secretário de Obras, Walmir Matos, que assumiu o cargo depois
da queda de Sandro Nóbrega e de um período com Fernando Bergamasco como secretário
interino. Ele diz na reportagem que “as irregularidades „não são insanáveis‟” e que “são
passíveis de regularização”. O texto diz ainda que o hotel teve a obra embargada e que foi
multado em R$ 150 mil por não cumprir o embargo. O Procurador-geral do Município, Paulo
Valle diz que a aprovação do EIV desse empreendimento já tinha parecer favorável. O
próximo passo seria firmar o termo de compromisso, com as medidas que o hotel teria que
tomar para compensar o impacto que provocaria na região em que foi instalado.
versão à Comissão Especial de Inquérito (CEI) na sexta-feira, sobre os motivos que levaram
uma série de denúncias comprovadas pela pasta à gaveta, sem aprofundamento das
investigações pela Corregedoria”. O texto informa que “em tom ríspido”, o ex-secretário disse
ter dado os esclarecimentos para a Comissão e que saiu sem responder as perguntas dos
jornalistas. Sobre as duas versões a que o lide se refere, a matéria afirma que quando deixou o
cargo, ele atribuiu a responsabilidade do engavetamento da denúncia à ex-diretora da
Secretaria, Celina Ota – que ao depor disse aos vereadores que entregou um relatório a
Nóbrega com o resultado de uma primeira apuração. Em entrevista, o presidente da CEI,
Jamil Janene, disse que Nóbrega “não assumiu que estava engavetado e afirmou que buscava
mais informações para só então enviar à Corregedoria”. No restante da matéria o jornal
relembra os episódios anteriores do caso dos Habite-se irregulares concedidos a casas no
Jardim Colúmbia.
Nessa matéria o paradoxo parece estar perdendo força, com a possiblidade de acordo
dos empresários com o poder público. Conflito e quebra da normalidade aparecem como
55
O conceito do Complexo é a construção do shopping junto com prédios residenciais, o hotel e até o Teatro
Municipal de Londrina, tudo na mesma área. O formato de “boulevard”, um calçadão com 12 mil metros
quadrados, permitiria que os moradores do prédio frequentassem o shopping a pé. O empreendimento doou
terreno para a construção do Teatro Municipal na mesma área. Em 2018, os prédios residenciais não tinham
começado a ser erguidos e o Teatro Municipal era um esqueleto. A primeira fase da obra tinha sido concluída
há alguns anos, mas seguia dessa forma.
141
valor-notícia, mas aqui também perdendo força. O valor-notícia relevância também está
presente, na possibilidade de que o acordo restabeleça a normalidade na relação entre poder
público e empresário. A pacificação afeta a vida principalmente de quem trabalha e mora na
região.
Em 9 de setembro (anexo H15), a CEI dos Alvarás volta a ganhar espaço no JL, mas
sem chamada de capa. “Alvarás – CEI vai apresentar projeto para agilizar liberação de obras”,
diz a chamada na página 9. A reportagem de Fábio Silveira diz que o prazo para o relatório
final da CEI é 22 de setembro, mas adianta que uma das medidas deve ser a apresentação de
“um projeto de lei para agilizar a liberação de empreendimentos”. A outra medida seria
“cobrar melhorias na estrutura da Secretaria de Obras” para garantir a agilidade prometida no
título da reportagem. A matéria trata apenas das propostas que deveriam surgir da Comissão
de Inquérito. Os vereadores, porém, não adiantam nada sobre indicar eventuais
responsabilidades pelos problemas que levaram à abertura da comissão.
denúncia dos moradores. No caso do Marco Zero, além da doação das áreas institucionais, o
relatório aponta outras duas irregularidades: primeiro são problemas na anexação dos lotes
parcelados. Os vereadores afirmam que “os empresários anexaram dois lotes, o A1, que é a
área na qual foi construído o Boulevard Shopping e outros empreendimentos, com 172 mil
metros quadrados, e o A2, que é a mata do Marco Zero, com 39 mil metros quadrados”. A
Câmara discute o fato de os dois lotes estarem separados por uma avenida, o que tornaria
“impossível” a anexação. “Os vereadores alegam que essa medida só foi permitida para que
os 39 mil metros quadrados da mata do Marco Zero compusessem „parte substancial‟ dos
35% de doação obrigatória ao Município”. Além disso, os vereadores veem irregularidade no
que diz respeito ao zoneamento que deveria ser adotado depois da anexação. O lote maior,
onde foram construídos os empreendimentos é Zona Comercial 3 (ZC3). O outro lote, o da
mata, é Zona Residencial 3 (ZR3). A comissão afirma que na anexação, deveria prevalecer o
zoneamento de menor impacto, o que permitiria um coeficiente menor de construção. O
entendimento do Ippul foi pelo prevalecimento do zoneamento de maior impacto, o ZC3.
A manchete trata de dois assuntos, que são os temas principais das investigações: de
um lado o suposto pagamento de propina a um funcionário público, no caso do Jardim
Colúmbia, hipótese que foi descartada pela Câmara. Aqui a quebra da normalidade é o
assunto, em que pese a negativa sobre o pagamento de propina. No outro tema, que é a
situação do Complexo Marco Zero, prevalece o valor-notícia conflito, que é a disputa entre o
que a Câmara entende como o cumprimento da lei e a posição dos empresários.
conclusões da Câmara. A matéria começa dizendo que os dois lotes – o da mata do Marco
Zero e o que foi usado para a construção do complexo – foram anexados antes da área ser
vendida aos empreendedores.
O empresário disse ainda que embora a CEI tenha sido aberta para investigar alvarás,
no caso do Marco Zero ela tratou “apenas de parcelamento do solo”. Com relação à acusação
da Câmara de que os empreendedores usaram “18.442 metros quadrados municipalizados por
leis de 1967 e 1970, como teria feito Fulgêncio”, ele disse que esse repasse “configura
antecipação de doação”.
Na edição de 19 de setembro (anexo H17), chamada de capa: “CEI dos Alvarás –
Vereadores aprovam relatório com 14 votos”. A reportagem assinada por Fábio Silveira é
publicada na página 6. No título adotado na página interna, o jornal faz uma ironia, falando
em aprovação por unanimidade e usa aspas para essa expressão. Isso porque dos 19
vereadores, cinco não estavam no plenário no momento da votação. Os 14 que ficaram
votaram a favor do relatório. A matéria lembra as três irregulares citadas em textos anteriores.
O texto informa ainda que o relatório da comissão seria encaminhado para a Corregedoria do
Município, pedindo que seja apurada a conduta dos servidores municipais.
56
Uma das denunciadas nessa ação a que a reportagem se refere foi Ignês Dequech, então presidente do Ippul.
Em fevereiro de 2018 ela também seria denunciada em outra ação, dessa vez resultante de uma investigação
do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Três membros da família Dequech
já presidiram a Associação Comercial e Industrial de Londrina (Acil). Um dos auditórios da sede da entidade
tem o nome de Auditório David Dequech.
57
Em 2016 ele disputaria a prefeitura pelo PSDB, chegando a 35,33% dos votos válidos (93 mil), perdendo para
Marcelo Belinati (PP), vencedor no primeiro turno, com 51,57% dos votos válidos (136 mil votos). Em 2018
ele se candidatou a deputado federal pelo Podemos.
146
fizeram uma revolução naquela área58 e ofereceram muito mais que a lei exigia”. “O
investidor pode decidir por Londrina ou por outra cidade. Se aqui dificultarmos tanto porque
ele vai querer ficar aqui?”, questiona o empresário em entrevista ao JL. No texto, Orsi diz que
“as entidades são contra os que não cumprem a legislação” e defende que eles sejam
“multados”. E critica o poder público: “Eles também necessitam da agilidade do poder
público para dar andamento na documentação em prazo hábil”.
A reportagem que dá o desfecho das crises que levaram à abertura da CEI do Marco
Zero/Alvarás, é publicada na edição de 4 de junho de 2015 (anexo H21). Reportagem
publicada na página 7 e sem chamada de capa, informa um desdobramento do caso dos
alvarás: “Obras – Prefeitura pune servidores por liberação irregular de Habite-se”. O lide diz
que a Corregedoria impôs suspensão de sete a trinta dias para “três dos quatro servidores
implicados na emissão irregular do documento Habite-se para obras”. Pela primeira vez os
nomes dos servidores são citados. O fiscal Vítor Menon e o técnico-administrativo João Paulo
Nascimento Dias foram suspensos por 30 dias. O fiscal Sérgio Florêncio Expósito foi
suspenso por sete dias e o quarto fiscal, José Carlos Bahia, foi absolvido.
58
Na edição de 8 de abril de 2013 o JL deu uma manchete fazendo da valorização imobiliária na região do
empreendimento.
147
(manchete)
Fontes: Sandro Nóbrega, secretário de Obras
Alexandre Kireeff, prefeito
Fábio Testa, vereador, líder do prefeito na Câmara
Elza Correia, vereadora
Gérson Araújo, vereador
Juliano Dalto, presidente da Associação dos Moradores do Jardim Colúmbia
Renato de Lima Castro, promotor
12 Crise dos alvarás – Propina para Habite-se custou R$ 300, diz testemunha 10/04/2014
(manchete)
Fontes: Testemunha na investigação do MP, ouvida em off
Juliano Dalto, presidente da Associação de Moradores do Jardim Colúmbia
13 Crise dos alvarás – CEI do Habite-se ganha força na Câmara (sem chamada de 11/04/2014
capa)
Fontes: Jamil Janene, vereador
Leila Voltarelli, promotora
Vilson Bittencourt, vereador
14 Novo secretário liberou obra irregular e prédio da Havan, diz empresário 15/04/2014
(chamada de capa)
Fontes: Alexandre Tranin, corregedor Geral do Município
15 Crise dos Alvarás – CEI deve ser votada amanhã (sem chamada de capa) 16/04/2014
Fontes: Jamil Janene, vereador
Rony Alves, vereador, presidente da Câmara
16 Crise dos alvarás – Investigação será votada hoje; fiscal é afastado (manchete) 17/04/2014
Fontes: Alexandre Kireeff, prefeito
Jamil Janene, vereador
Flávio Balan, presidente da Acil
Rony Alves, verador
Lenir de Assis, vereadora
Morador não identificado
17 Por unanimidade – Câmara aprova CEI dos Alvarás (chamada de capa) 18/04/2014
Fontes: Jamil Janene, vereador
José Roque Neto, vereador
Vilson Bittencourt, vereador
Elza Correia, vereadora
Lenir de Assis, vereadora
18 CEI dos Alvarás – Ex-secretário segurou investigação por 8 meses (chamada de 08/05/2014
capa)
Fontes: Sandra Graça, vereadora
Jamil Janene, vereador
19 Empresário reconhece propriedade sobre o Marco Zero (chamada de capa) 13/05/2014
Fontes: Raul Fulgêncio, representante do Complexo Marco Zero
Maria Sílvia Cebulski, secretária Municipal do Ambiente
Sandra Graça, vereadora
20 Marco Zero – Hotel espera aprovação de EIV para abrir (chamada de capa) 18/05/2014
Fontes: Walmir Matos, secretário de Obras
Paulo Valle, procurador Geral do Município
Raul Fulgêncio, representante do Complexo Marco Zero
21 CEI – Ex-secretário nega ter engavetado denúncias (sem chamada de capa) 25/05/2014
Fontes: Sandro Nóbrega, ex-secretário de Obras
Jamil Janene, vereador
22 Acordo – Complexo propõe doação e Marco Zero e Boulevard (manchete) 10/06/2014
Fontes: Raul Fulgêncio, representante do Complexo Marco Zero
Solange Vicentin, promotora
Sandra Graça, vereadora
23 Marco Zero – Sem pendências, Íbis será inaugurado no final do mês (chamada 02/09/2014
de capa)
Fontes: Walmir Matos, secretário de Obras
Paulo Roberto Caputo, o diretor de operações da Átrio Hotéis, responsável pela
marca Íbis
149
24 Alvarás – CEI vai apresentar projeto para agilizar liberação de obras (sem 09/09/2014
chamada de capa)
Fontes: Jamil Janene, vereador
Gustavo Richa, vereador
25 Crise dos alvarás – CEI descarta propina, mas encontra irregularidades 17/09/2014
(manchete)
Fontes: Jamil Janene, vereador
Raul Fulgêncio, representante do Complexo Marco Zero (não deu entrevista por
não conhecer o teor do relatório)
26 Marco Zero – Empresário contesta relatório da CEI (chamada de capa) 18/09/2014
Fontes: Raul Fulgêncio, representante do Complexo Marco Zero
27 CEI dos Alvarás – Vereadores aprovam relatório com 14 votos (chamada de 19/09/2014
capa)
Fontes: Jamil Janene, vereador
Raul Fulgêncio, representante do Complexo Marco Zero
28 Jardim Colúmbia – Confirmadas irregularidades em concessão de Habite-se 12/10/2014
(sem chamada de capa)
Fontes: Alexandre Tranin, corregedor Geral do Município
29 Embate – Entidades publicam manifesto contra CEI do Marco Zero (sem 19/12/2014
chamada de capa)
Fontes: Entidades empresariais de Londrina, por nota
Valter Orsi, presidente do Sindimetal
Associação Paranaense do Ministério Público, por nota
Câmara Municipal, por nota
Alexandre Kireeff, prefeito
30 Acordo derruba TAC de regularização do Marco Zero (chamada de capa) 20/05/2015
Fontes: Ignês Dequech, presidente do Ippul
Solange Vicentin, promotora do Meio Ambiente
31 Obras – Prefeitura pune servidores por liberação irregular de Habite-se (sem 04/06/2015
chamada de capa)
Fontes: Alexandre Tranin, corregedor Geral
Foram quase dois anos de cobertura sobre a crise dos alvarás e do Complexo Marco
Zero. E uma cobertura enfática: foram 31 reportagens, das quais 10 foram manchete do jornal
e 12 receberam chamadas de capa. Os números que surgem da análise da Tabela 8 mostram
que esse foi o principal caso coberto pelo jornal no período, com o maior número de
reportagens e com mais de dois terços dessas matérias tendo passado pela capa do jornal. Foi
um dos que provocou tensão política, com atuação forte das entidades empresariais, que
fizeram críticas à Câmara, à prefeitura e à imprensa. Os valores-notícia que prevalecem nessa
cobertura são a quebra da normalidade, representada pelos desvios caracterizados pelo
descumprimento de leis e o conflito, que são os interesses econômicos em primeiro lugar e
políticos, em segundo.
jornal como City/Havan. Na sequência, em maio, foram mais quatro reportagens, das quais
três tiveram chamada de capa. Podemos dizer que esse foi o momento em que o pêndulo
perdia mais forte para o lado do paradoxo.
151
Manchete - 39,66%
O ano de 2014 foi o ponto crítico dessa cobertura. Ele concentra um total de 67 das
121 reportagens estudadas, o que equivale a 55,37% do total. Em 2013 foram 41 reportagens
(33,88%) e em 2015 foram 12 reportagens (9,91%). Sobre 2015 é preciso considerar que neste
ano houve o caso que ficou conhecido como “Operação Publicano”, uma investigação do
Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), que sacudiu a
Delegacia da Receita Estadual de Londrina e afetou o então governador Beto Richa (PSDB), o
que concentrou as energias da imprensa paranaense e teve repercussão nacional, o que
justifica, em parte, a menor atenção dada ao jornal para o tema.
Se 2014 foi o ponto mais crítico no período analisado, o epicentro estava localizado
entre fevereiro e junho, quando foram publicadas 41 reportagens sobre o tema (número igual
ao de todo o ano de 2013). Foi nesse período em que se concentraram as duas principais crises
envolvendo o setor e que foram separadas das demais para que analisássemos os valores-
notícia usados pelo JL na cobertura ao tema. Levando em conta a metáfora proposta por
Marcos Paulo da Silva e exposta neste trabalho, esses foram os meses em que o pêndulo
esteve no lado do paradoxo.
O tema que recebeu maior atenção do jornal foi a crise envolvendo o Complexo Marco
Zero e a Comissão de Inquérito feita pela Câmara para investigar esse caso e os problemas na
emissão de alvarás. Foi também o mais noticiado entre os oito temas analisados, com 31
reportagens, sendo 10 delas manchete nas edições (32,35%) e 12 receberam chamadas de capa
(38,70%). Esse foi um dos temas escolhidos para a análise dos valores-notícia por ser o de
maior atrito entre o poder público e o setor privado, devido à abertura de uma Comissão
Especial de Inquérito (CEI) pela Câmara.
O segundo tema escolhido para a análise dos valores-notícia, o caso City/Havan, foi o
quarto mais noticiado, com 17 reportagens, sendo 7 manchetes (41,17%) e 3 chamadas de
capa (17,64%). À frente dele estão o Plano Diretor, com 25 reportagens, sendo 9 manchetes
(36%) e 4 chamadas de capa (16%); e as matérias sobre o Mercado Imobiliário, com 22
reportagens, sendo 13 manchetes (59,09%) e 4 chamadas de capa (18,18%). O caso
City/Havan foi escolhido por se tratar de um episódio também polêmico, em que houve
153
choque entre o poder público e o poder econômico, tendo em vista o não cumprimento da lei
por parte do empreendedor. Enquanto o problema não se tornou público, o empreendimento
foi construído e aberto para o público, apesar de não ter sido aprovado pelos órgãos públicos.
Assim como o caso Marco Zero, este também mobilizou entidades empresariais, que saíram
em defesa do empreendedor.
Nos dois temas que escolhemos para analisar mais de perto, predominam os valores-
notícia relacionados à quebra de normalidade, caracterizada pelo desvio, o descumprimento
de leis. Em segundo lugar vem o conflito, caracterizado pelos interesses em disputa. De um
lado, o que seria o interesse da sociedade, representado pela legislação estabelecida dentro de
um processo político, passando pelo debate técnico-político, referendado pelo Poder
Legislativo e do qual o Poder Executivo seria o guardião, a cuidar que as leis sejam
cumpridas. Do outro, o interesse econômico dos empreendedores, que em vários momentos
pedem menos regulamentação por parte do poder público e reclamam da demora do mesmo
em analisar os pedidos de alvará para as construções. A relevância é o terceiro valor-notícia
que aparece nas reportagens analisadas, devido à quantidade de pessoas envolvidas – a
frequência a prédios sem a devida avaliação técnica de segurança pode ser um risco à
população e não faltam exemplos no Brasil de episódios em que as falhas na fiscalização
geraram tragédias.
6.1 Os Valores-notícia...
avanço além do permitido para aquela região da cidade é uma das questões centrais. Todos
esses desvios justificam a presença do valor-notícia quebra da normalidade nessa cobertura.
O valor-notícia conflito aparece em quase todas as manchetes: seis das sete que foram
publicadas. Isso se justifica pela disputa entre empresário, entidades empresariais e poder
público em torno de uma compreensão da lei. O empresário, alegando que cumpriu o
regramento. A prefeitura e a Câmara de Vereadores, apesar da postura errática, ora alegando
irregularidades, ora tentando regularizar o projeto sem que nenhum fato novo tenha sido
criado, alegaram o não cumprimento da lei e cobravam contrapartidas. Uma das manchetes
em que o valor-notícia conflito esteve mais forte foi a de 9 de maio de 2014, na qual aparece o
então prefeito Alexandre Kireeff, classificando a postura da empresa responsável pelo imóvel
como “afronta”.
O valor-notícia relevância aparece com força nas duas primeiras manchetes sobre o
caso, ainda em 2013, num período que consideramos ser a “gestação” da crise. As reportagens
falam de centenas de empresas sem alvará na cidade, o que poderia provocar transtornos para
milhares de cidadãos que poderiam frequentar esses estabelecimentos.
O valor-notícia conflito aparece em sete reportagens. Há nesse caso uma disputa entre
poder público e o responsável pelo empreendimento. Entidades empresariais também
apareceram em público para defender o Complexo Marco Zero. Um exemplo é a manchete do
dia 28 de março de 2014, que fala sobre o resultado da votação da Comissão de Inquérito, que
naquele momento fora arquivada pela Câmara: “Obras irregulares – Sindicância investigará
Marco Zero; Câmara derruba CEI”. Nesse momento prevaleceu o interesse das entidades
empresariais, contra a abertura das investigações, que seriam feitas pela prefeitura e estariam
dentro de uma certa margem de controle. Numa comissão aberta na Câmara e acompanhada
de perto pela imprensa o controle seria teoricamente mais difícil.
Com base no que foi exposto até aqui, pode-se dizer que os valores-notícia priorizados
e adotados majoritariamente pelo Jornal de Londrina na cobertura sobre as questões relativas
ao mercado imobiliário, mostram que o veículo se comportou dentro de uma ideia que a
comunidade jornalística usa para legitimar a sua atuação: a de que a imprensa funciona como
o “quarto poder”.
Dito isto é preciso fazer um rápido resgate da visão liberal sobre a imprensa, que é a
que prevalece nas democracias liberais, como no caso brasileiro 59. Primeiro é preciso dizer
que a promessa da imprensa, desde o seu surgimento, por volta do século XVII em muito se
confunde com a promessa da modernidade. É nesse sentido que o trabalho jornalístico se
contrapõe ao segredo nos negócios públicos, erguendo-se contra aquilo que prevaleceu na Era
Medieval, período no qual os soberanos não precisavam buscar a legitimidade para governar,
na aprovação dos seus governados. O jornalismo se propõe a ser o inverso disso. Entende-se
ser papel da imprensa, por exemplo, tentar desvendar esses segredos, levá-los ao
conhecimento público, expor todas as informações necessárias para que o cidadão livre possa
se autogovernar60.
“Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que
por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta,
etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar,
quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos
negócios desagradáveis.” (KANT, 1974, pp. 100 e, 102).
59
Resgatamos aqui de forma resumida a discussão que fizemos no artigo “Possibilidades de ampliação do
domínio público: jornalismo frente à internet”. Este trabalho foi apresentada pelo autor em 2012 na conclusão
do curso de Especialização em Filosofia Política e Jurídica da Universidade Estadual de Londrina.
60
Bill Kovach e Tom Rosentiel comparam a função da imprensa à cartografia, no seu livro “Os elementos do
jornalismo”. Eles usam a ideia de que a imprensa precisa trazer informações confiáveis e fidedignas para que
os cidadãos livres tomem as suas decisões, o que os insere na visão liberal sobre o jornalismo.
157
No século XX, a doutrina liberal da imprensa, que no seu berço reivindica liberdades
individuais e a defesa do cidadão contra o Estado, sofre uma alteração, para assumir a
característica de direito à informação. Nesse caso, o Estado passa a ser um fiador das
liberdades, assegurando o direito à informação, sem, no entanto, deter o controle dos canais
de difusão da informação. Os liberais entendem que a liberdade de expressão, sozinha, não
garante mais o direito dos cidadãos à informação. O direito será assegurado pela livre
expressão, mas também pela liberdade de acesso às fontes, o dever do poder público de
158
prestar informações à sociedade, entre outras normas que pretendem proteger o exercício
profissional do jornalismo (BULIK, 1990, 76-77).
Eugênio Bucci (2000) defende que essa independência editorial61 seria capaz de
conquistar a credibilidade necessária para a sobrevivência dos veículos de comunicação. Os
veículos de comunicação precisam ter credibilidade para conseguir manter altos índices de
circulação e, por consequência, ter melhores condições de negociar no mercado publicitário
(BUCCI, 2000, p. 56-60). Isso acontece porque as empresas jornalísticas atuam
simultaneamente em dois mercados: o de leitores62 e o publicitário (SILVEIRA, 2004, p. 70).
61
Independência editorial significa a capacidade de um jornal de veicular informações sem que interesses
políticos ou econômicos interfiram no conteúdo do material jornalístico, ainda que tais informações
contrariem os interesses políticos e econômicos de governantes e/ou anunciantes. Bucci afirma que “a
independência editorial é o que materializa, no cotidiano, o instituto da liberdade de imprensa. Isto é: a
democracia garante a liberdade de imprensa, e a independência editorial é o requisito básico para que a
liberdade de imprensa ganhe corpo e vida própria.” (BUCCI, 2000, p. 58)
62
Ou na luta pela audiência, como acontece no caso de meios eletrônicos, como a televisão, o rádio e a internet.
63
É importante lembrar também o outro lado da luta pela audiência, no contexto da qual alguns veículos apelam
para temas polêmicos, violentos ou de entretenimento fácil e banal, como em programas policiais e os
chamados reality shows.
159
que maneja grandes volumes de verbas publicitárias, como pelos grandes anunciantes, com
seu poder econômico e sua grande capacidade de pressão sobre as empresas jornalísticas.
Os temas analisados neste trabalho demonstram que o JL atuou como fiscal do poder
político, dentro dos parâmetros preconizados pelo liberalismo. Pela agenda adotada, a postura
de fiscalização se estendeu também sobre o poder econômico. As agendas adotadas pelo
jornal entraram em choque também com interesses do setor imobiliário, o que gerou atritos
com anunciantes. É desses atritos que trataremos a seguir.
A agenda adotada pelo JL provocava atritos. Alguns aconteciam nos bastidores, mas
outros apareciam nas páginas do próprio jornal. Um desses foi publicado na edição de 20 de
setembro de 2013, num artigo assinado pelo presidente da Associação Comercial e Industrial
de Londrina (Acil), Flávio Balan. O artigo intitulado “A turma do fogo na floresta” 64 retoma
algumas questões, retomando algumas polêmicas daquele ano, como o caso da Mata dos
Godoy, tratado anteriormente neste trabalho. O artigo tem um tom entre pueril e autoritário.
Pueril porque cria siglas como “Vica”, que seria “vaidade, inveja, ciúme e arrogância” e faz
brincadeira com a expressão “fogo na floresta65”.
64
O texto pode ser encontrado no clipping de imprensa, disponível no site da própria Acil. O endereço é
http://acil.com.br/noticias/turma-do-fogo-na-floresta (consultado em 21 de janeiro de 2020).
65
Quem viveu no Brasil de 2019 pode não ver a expressão “fogo na floresta” como algo divertido.
160
O trecho que destacamos do artigo mostra uma reação pública, às claras, com relação a
algumas agendas adotadas pelo jornal, embora o texto não ataque frontalmente a postura
editorial do JL. Outras reações aconteciam nos bastidores. A área comercial era uma das
primeiras a sentir. Christian Fabiano Tabaka66 assumiu o cargo de gerente comercial do JL em
dezembro de 2014, um ano antes do fechamento do jornal. Vindo de Curitiba, onde trabalhava
na área comercial da Gazeta do Povo, Tabaka encontrou um desafio em Londrina: “tinha uma
necessidade de reverter mercado, os números vinham caindo nos dois anos anteriores e tinha
essa proposta de resgatar faturamento e subir patamar”.
O empresário Ézaro Fabian Medina, fundador e sócio da construtora Plaenge, uma das
maiores de Londrina, confirma o descontentamento com a postura do jornal com relação a
questões ambientais. “A gente achou (sic), depois que nós saímos, [o jornal] um pouco para
66
Entrevista concedida ao autor por Skype em 19 de julho de 2019. Londrina/Curitiba.
161
uma linha muito do meio ambiente. Nós achamos que foi um pouco crítico demais nessa área
aí. De resto, não”, disse o empresário, a respeito da linha editorial do JL67. Medina reclama de
tentativas de ampliar a faixa de terras inedificáveis em fundos de vale, o que na visão dele
seria prejudicial à construção civil: “Se é ambiente então vamos parar os carros, vamos parar
a agricultura. Porque a agricultura também polui. Agora a gente tem que saber procurar o
equilíbrio do convívio da agricultura com o meio ambiente. Agora não pode exagerar”,
argumenta o empresário.
Sobre se a linha editorial provocou indisposição com anunciantes, Medina diz que não
sabe se houve interferência, mas que ouviu do setor de marketing de sua empresa afirmações
como a de que “o jornal está um pouquinho exagerado nessa linha”. O empresário disse que a
Plaenge “não cortou [anúncios]”, nem “boicotou” o JL, mas “mas não estava se gostando
muito de certos exageros [do jornal]”.
Júlio Sampaio é jornalista por formação e foi diretor executivo do JL nos últimos anos
de funcionamento do jornal. Ele era consultor externo da Gazeta do Povo, o principal jornal
do Grupo Paranaense de Comunicação (GRPCOM) e assumiu a frente do jornal no que era
conhecido como o “Novo JL”, a partir da mudança de formato de standard para berliner.
Com o tempo ele se tornou a ligação entre o JL e a direção do GRPCOM. Em sua gestão o
jornal teve períodos com bons resultados, revertendo o prestígio editorial em receita
financeira. “[O jornal] chegou a ultrapassar o ponto de equilíbrio da operação, tivemos
bastante resultados positivos em termos de receita, de formato de jornais, de negócio, mas
depois enfrentamos aí uma crise que eu acho até que seria superável do ponto de vista do
negócio em si em algum tempo”, conta Sampaio, referindo-se a uma boa fase no começo dos
anos 2010 e o fim do jornal, já na metade da década.
Sobre a relação entre linha editorial e anunciantes, Sampaio68 avalia que não havia de
forma geral um atrito. Os problemas, segundo ele, eram pontuais.
“Nós tivemos alguns episódios que acabaram criando uma fuga do setor
[imobiliário] que é muito comum no Brasil. No Brasil, tanto político quanto
empresários, todo mundo defende a democracia, todo mundo defende a liberdade de
imprensa o direito da imprensa criticar, mas quando se é criticado ou quando os
interesses são contrariados, tanto político quanto empresas costumam no Brasil
reagir muito mal e quem investe em publicidade é muito comum no Brasil, o que
você faz? Corta a publicidade daquele determinado veículo. [Governos] Federais
fazem isso, estaduais fazem isso, municipais fazem isso” (SAMPAIO, 2019).
67
Entrevista concedida ao autor em Londrina, 3 de dezembro de 2018.
68
Entrevista concedida ao autor em 12 de julho de 2019, por Skype, Londrina/Curitiba.
162
Ele afirma que “a construção civil reagiu mal a algumas matérias pontuais do JL”. Um
desses pontos de atrito citados por ele foi a reportagem sobre a “bolha imobiliária”, publicada
em 21 de outubro de 2013, sobre a qual nos referimos neste trabalho. Sobre a reportagem,
Sampaio afirma que havia o debate, com economistas defendendo que haveria “bolha” e
outros defendendo que não haveria. Mas na avaliação dele, o JL “assumiu uma posição muito
mais que sim, havia uma bolha, sem apresentar o outro lado”. Esse é um dos episódios que
simboliza os atritos provocados pela linha editorial na área comercial o jornal, com a saída de
anunciantes. “O discurso era de que [a saída] era pela linha editorial, mas não era pela linha
editorial, era por uma questão pontual, por uma divergência”, argumenta Sampaio.
Ele também cita reportagens sobre questões de zoneamento e ambientais como pontos
de atrito. “Havia um grupo muito interessado em que fosse flexibilizada a legislação, e o JL se
colocou, aí eu não sei dizer se certo ou errado, assumiu uma posição que contrariou os
interesses do segmento, claramente”, recorda. Na opinião de Sampaio, “em economias mais
maduras isso não deveria ser motivo de cancelamento de publicações publicitárias”. O
argumento dele é que a compra se restringe ao espaço publicitário e não à linha editorial do
jornal. O ex-diretor executivo do JL afirma que em economias “mais frágeis”, como a
brasileira, a reação foi a retirada de anúncios para punir o jornal. “Ele [anunciante] sempre
acha que o investimento dele deve ser feito num veículo que tenha a adesão ou que obedeça o
que ele pensa. Então de fato aconteceu isso naquele momento foi um movimento do setor,
pontual, eu não digo que foi por causa disso que o jornal acabou, não”.
Sampaio classifica o JL como um jornal que “tinha uma posição editorial muito
corajosa, muito independente, muito coerente”, que cometeu erros, mas que não eram “erros
mal intencionados”. “São erros que quem está fazendo um jornal todo dia pode cometer”,
concluiu.
“Eu fui o único que saiu da redação pra conversar com as instituições digamos
assim, com a sociedade. Então eu marquei reunião com o bispo, com a Câmara, com
o prefeito, com empresas e o meu discurso era sempre o mesmo: nós somos um
jornal independente, nós temos uma linha editorial independente. Nós vamos te
acusar quando precisar te acusar, mas nós vamos divulgar aquilo que for necessário
divulgar desde que seja de interesse público, então eu transmiti pras pessoas, eu
verbalizei aquilo que a gente já fazia há muitos anos” 69.
Ele avalia que a resposta desses setores foi positiva num primeiro momento. Como o
jornal fechou poucos meses depois de Luporini assumir a redação, não houve tempo
suficiente para saber se as pontes que ele tentava construir com esses setores ficariam firmes
ou não e se essa resposta iria além do discurso. Pelo curto tempo em que ficou no cargo,
Luporini também não chegou a sentir a pressão na relação com os anunciantes: “Eu não ouvi,
mas eu não sei se eu não ouvi porque não existia ou se eu não ouvi porque não tive tempo.
Mas assim eu realmente não ouvi, não tive tempo disso”.
Ewandro Schenkel, que esteve à frente da redação entre 2013 e 2015, deixou o cargo
para assumir a redação da RPC, emissora de televisão do GRPCOM em Londrina e
retransmissora da Rede Globo no Paraná. Ele diz que em 20 anos trabalhando em veículos do
GRPCOM (depois da RPC ele voltou para a Gazeta do Povo, de onde tinha vindo para
trabalhar no JL), nunca sentiu “pressão comercial a ponto de ceder algo que eu não cederia em
questões éticas70”. Ele explica:
“depende do que você considera pressão. É normal no jornalismo você ter diversos
fatores e pessoas tentando colocar [inaudível] a sua opinião a sua visão de mundo.
Eu não chamaria isso de pressão. Para mim pressão tem que ser algo muito forte e
até hoje eu nunca sofri esse tipo de pressão. Eu não consigo me lembrar muito bem
na época do digital, eu não consigo lembrar de nenhum momento em que a gente
realmente tenha algum tipo de pressão do comercial. Eu lembro que o comercial do
JL, ele não era muito atuante na redação”.
69
Entrevista concedida ao autor em Londrina, em 10 de julho de 2019.
70
Entrevista concedida ao autor por Skype em 11 de julho de 2019, Londrina/Curitiba.
71
A repórter Telma Elorza questionou o governador Beto Richa (PSDB), durante uma entrevista coletiva, sobre
a duplicação da rodovia PR-445, principal ligação de Londrina com Curitiba. Foi na inauguração do Shopping
Boulevard, em 2013. O então governador reclamou de reportagens do JL sobre um cancelamento da obra
164
A jornalista Carla Nascimento foi chefe de redação durante a maior parte da fase final
do JL. Ela assumiu a redação em 2004, logo depois de o jornal ter quase fechado e estava no
cargo em 2006, quando houve a guinada para o “Novo JL”. Ela se lembra da relação com o
setor imobiliário com ironia: “eles eram tão sensiveizinhos: ah, o JL fez uma matéria”. Ela
lembra sobre como as construtoras reagiam a questões editoriais:
“Eles não gostavam que a gente dizia, nem as construtoras nem as imobiliárias, não
gostavam quando a gente dizia que o mercado estava desaquecido, que não estava
vendendo [...]. A economia tinha que estar sempre maravilhosa para esses caras, não
importa se você está mentindo ou não, a economia sempre tem que estar bem.
Porque senão desanima mercado, o mercado não compra, aquele papinho de
anunciante de Londrina” 72.
Ela recorda que, de forma geral, os anunciantes faziam pressão via área comercial,
dificilmente exerciam essa pressão diretamente na redação. Segundo Carla Nascimento, havia
uma espécie de cordão sanitário para isolar essas pressões e não permitir que elas chegassem
até a redação. “Por princípio o comercial já era avisado o tempo todo de que o comercial não
se mete na redação. E o Júlio [Sampaio] defendia isso muito mais do que o Nelson (Souza
Filho, ex-diretor de redação da Gazeta do Povo)”. A ex-chefe de redação do JL conta que as
reclamações da área comercial “chegavam às vezes chegavam muito veladas, assim, ah, vocês
vão mesmo fazer essa matéria? Ah. A gente vai ter que fazer. Mas a gente acaba fazendo”.
Algumas vezes a pressão chegava até em tom bem humorado. A ex-chefe de redação
lembra de um gerente comercial que “já chegava dando risada” e dizia que iria reclamar
embora soubesse que “não vai adiantar”. “Ele chegava lá reclamava, falava alguma coisa,
tentava ganhar no argumento, mas nunca foi: ó tem que pôr, vocês fizeram isso e emperrou”.
Outra lembrança de Carla Nascimento é de uma orientação que era dada aos repórteres,
quando as pautas não eram polêmicas: “se tem que fazer uma matéria de venda no comércio e
tem a loja A e a loja B e a loja A é nossa anunciante, fala com o cara da loja A, não custa
(essas reportagens não entraram no recorte deste estudo) e a reportagem disse a ele que o jornal tinha
documentos que comprovavam. A assessoria do governador ligou direto na redação para reclamar da repórter,
o que no dia a dia das redações é entendido como um “pedido de cabeça” (pedido de demissão). Em janeiro
de 2020, o governo do Estado ainda não concluiu a duplicação de um trecho de 15 quilômetros (de um total
de 80), ainda no município de Londrina.
72
Entrevista concedida ao autor em Londrina, no dia 13 de junho de 2019.
165
nada. Nós não estamos sendo desonestos. Porque nós estamos ouvindo, de qualquer forma a
gente já ia fazer isso”. Carla Nascimento ressalva que essa era uma recomendação e não uma
exigência. Com relação à pressão, ela disse não lembrar “especificamente de algum caso em
que a gente tenha sido obrigado a fazer uma matéria porque o anunciante quis”.
73
No formato berliner do JL, com cinco colunas de largura e 40 centímetros de altura, cada página tinha 200
centímetros. Um anúncio com 20 centímetros de altura, que ocupa cinco colunas, tem 100 centímetros. Nesse
caso, a taxa de ocupação publicitária dessa página é de 50%. Para apurar a taxa de ocupação publicitária é
preciso multiplicar o número de páginas da edição por 200. Depois é apurada a soma em centímetros de todos
os anúncios da edição, chegando ao percentual de ocupação publicitária por edição e posteriormente por mês.
As páginas de classificados não entram nesse cálculo.
74
No verbete “Calhau”, do Manual de Redação da Folha de S. Paulo, a descrição é de que se trata de “anúncios
referentes ao próprio jornal preparados com antecedência para preencher, sempre que necessário, espaços em
branco de uma página criados pela falta de material previsto (jornalístico ou de publicidade)”.
166
Com relação a 2013, é importante notar que em cinco dos doze meses do ano a média
de ocupação publicitária foi inferior a 20%. São eles os meses de janeiro, maio, julho, agosto
e setembro. Os percentuais mais altos de ocupação publicitária aparecem nos meses de
novembro e dezembro, com 24,59% e 24,13%, respectivamente. Quando retirados os
anúncios institucionais, apenas os meses de novembro e dezembro superam a faixa dos 20%,
com 22,87% e 22,42%, respectivamente. São dois meses em que o comércio investe e reforça
campanhas publicitárias para atrair clientes em decorrência do pagamento do 13° salário, que
aquece o setor nesse período. Os percentuais já mostram um jornal com dificuldades
comerciais, pois esse nível de taxa de ocupação publicitária é insuficiente para garantir a
saúde financeira do negócio.
No que diz respeito à média da taxa de ocupação publicitária, 2014 é um ano com
números melhores que o anterior. Apenas janeiro e fevereiro, com 14,82% e 19,2% ficaram
com menos de 20% de taxa de ocupação publicitária. A partir de março a média ultrapassa
essa marca. Os meses de agosto e setembro ultrapassam, ainda que timidamente, a marca de
25%, que ainda é insuficiente para manter o jornal (a taxa de ocupação publicitária
considerada ideal para garantir a sustentabilidade do negócio é de 30%). Outro problema é
que quando retirados os anúncios institucionais, que não geravam receitas para o jornal, o
número de meses abaixo de 20% de taxa de ocupação publicitária sobe para cinco, como
mostra a tabela abaixo.
Á primeira vista, a média das taxas de ocupação publicitária de 2015 não mostram um
jornal em crise e às vésperas do seu fechamento. Janeiro, que é historicamente o mês com
percentuais baixos, tem uma média jamais atingida nos 24 meses anteriores: bate em 28,33%,
o dobro de janeiro de 2014. De fevereiro a dezembro a média passa dos 30%, o que,
teoricamente garantiria a saúde financeira do jornal. Mesmo quando retirados os anúncios
institucionais, a aparência demonstrada pelos números não decepciona.
A questão então é compreender como o jornal atingiu taxas tão altas de ocupação –
superiores aos exercícios anteriores – no ano em que foi à falência. A resposta é de que o
Jornal de Londrina estava vendendo publicidade com preços abaixo dos estabelecidos em sua
tabela, numa última tentativa de evitar o fechamento. Isso significa que em 2015 o JL foi um
jornal com muitos anúncios e pouco dinheiro em caixa.
169
Importante notar que em 2013 e 2014 a média mensal da taxa de ocupação publicitária
nunca se aproximou da marca de 30 por cento, que era considerado o valor no qual o jornal
alcançaria o equilíbrio financeiro75. O que significa que mesmo antes da recessão que
começaria em 2014 o jornal já tinha dificuldades para vender espaço publicitário. Júlio
Sampaio explica que “a taxa de ocupação do jornal vinha baixa, desde 2013. A gente vinha
passando, acho que coincide com esse episódio que eu estou te falando do segmento da
construção civil76”. Já em 2015 a taxa foi superior a 30 por cento em nove dos 12 meses. Mas
isso não representou mais dinheiro no caixa da empresa. Júlio Sampaio explica a estratégia:
“Na realidade em 2015 nós tivemos um plano comercial que objetivava ter maior
presença de anunciantes que não estavam presentes regularmente, então foi um
plano, foi muito bem calculada tudo [...] Ali era uma tentativa já de tentar salvar o
jornal aumentando a taxa de ocupação. Os anúncios nunca são vendidos a preço de
tabela, nem no JL e em nenhum veículo de comunicação. Nem na Globo, nem na
TV Globo era, e especialmente nos jornais sempre os descontos foram bem
elevados. No caso do JL em 2015 a gente teve uma ação comercial muito
diferenciada, muito agressiva e eu diria muito bem sucedida onde nós tínhamos
alguns âncoras, onde naquele momento sustentavam o jornal através de estímulos de
parceria, preços diferenciados, formatos diferenciados. Tinha um conceito de venda
de audiência, que juntava internet com impresso enfim. Em 2015 nós tivemos uma
taxa de ocupação muito boa. Vínhamos num crescente de receita o que não
significava que as questões econômicas estavam resolvidas, não significava, não foi
um ano em que o JL teve rentabilidade, teve lucro. Então ele ainda era uma operação
que exigia investimento”.
O esforço não teve o resultado esperado e o jornal acabou fechando, no ano em que as
taxas de ocupação publicitária estavam mais altas, mas eram vendidas abaixo do valor da
tabela.
75
Em entrevista concedida ao autor, a ex-chefe de redação, Carla Nascimento, confirma esse percentual.
76
Referência aos atritos com o setor em decorrência de reportagens críticas com relação a questões urbanas
que foram publicadas pelo jornal.
170
Durante toda a sua trajetória, de 26 anos, entre 1989 e 2015, o JL foi um jornal local. É
assim que ele aparece na memória dos jornalistas que trabalharam na sua redação. Seu foco
era principalmente a cidade de Londrina, noticiando também, acontecimentos relevantes de
cidades da região e do governo do Estado. A definição feita pelos jornalistas que trabalharam
no JL coincide com os recortes espaciais feitos no estudo de Sonia Aguiar (2016) sobre o
jornalismo local e regional no Brasil. A autora identifica cinco recortes espaciais e divide eles
em escalas. Os recortes espaciais identificados por Aguiar são local, regional, nacional,
internacional e global. O local é dividido nas seguintes escalas: hiperlocal, que corresponde a
“nanoterritórios, prédio público, unidade habitacional, rua, quadra” e são atendidos por mídias
como “jornal mural, rádio-poste, newsletter, intranet, fanpage” e outros; o Microlocal
corresponde a quarteirão, sub-bairro, bairro, setor geográfico e comunidades rurais, atendidos
por mídias como jornal de bairro, rádio comunitária, site zonal e blog. A escala seguinte é o
Mesolocal, que são municípios, cidade e centro urbano, atendidos pela pequena mídia
impressa, TV comunitária, agregador de sites e blogs microlocais. E por fim, o Macrolocal,
que são metrópoles e região metropolitana, atendidos por jornal, rádio, televisão e webportais
locais.
Citando o pesquisador português Carlos Camponez, Sonia Aguiar (2016) lembra que a
proximidade não é uma questão exclusiva do jornalismo local ou regional. Todos os veículos,
mesmos os nacionais, desenvolvem suas estratégias para se aproximar do seu público, mesmo
que suas escalas de atuação sejam mais amplas. O exemplo citado por Aguiar é o dos
77
A Região Metropolitana de Londrina foi criada pela Lei Complementar 81/98 e conta atualmente com 25
municípios, que, segundo o Ipardes (Instituto Paraense de Desenvolvimento Econômico e Social), somam
uma população de mais de 1 milhão de habitantes ( encontrado em
http://www.ipardes.gov.br/perfil_municipal/MontaPerfil.php?codlocal=922&btOk=ok – consultado em
27/02/2019)
171
cadernos regionais e de bairros, usados por grandes jornais para segmentar leitores e se
aproximar deles. O Globo, do Rio de Janeiro, trabalha com cadernos de bairros. A Folha de S.
Paulo, já lançou mão dos cadernos regionais, em alguns dos principais polos do estado, como
Vale do Paraíba, Campinas, Rio Preto e Ribeirão Preto (projeto abandonado em algumas
regiões).
Camponez (2012) ressalta que no caso dos veículos regionais e locais, o conceito de
proximidade assume um significado que vai além de geografia. O autor diz que a imprensa
regional se articula em torno de território, comunicação e comunidade.
O lugar de onde o veículo narra os fatos para o seu público, interfere na forma como
ele vai contar essas histórias. A proximidade geográfica da imprensa local, faz com que ela
cubra os fatos que ocorrem no seu território de abrangência de forma mais detalhada, dando
maior importância a eles, ao contrário do que acontece quando esses mesmos fatos são
cobertos, por exemplo, pela mídia nacional. Isso torna esses veículos porta-vozes de uma
opinião pública local, mas também faz com que eles vivam as tensões existentes em torno
desses fatos, fruto dos interesses envolvidos nos mesmos.
Para Aguiar, (2016, p. 35). a proximidade da mídia local e regional com o poder
político é um problema, já que a capacidade que prefeituras ou mesmo deputados têm de fazer
gastos com publicidade pode afetar a credibilidade dos veículos, “em especial quando se trata
do relacionamento com as fontes e com o poder político”
O exemplo citado por Aguiar é relevante para esta pesquisa, porque lembra a situação
do JL, que era um jornal local de um grande grupo de comunicação, cuja sede fica em
Curitiba, longe do alcance e da pressão dos empresários locais, em Londrina, onde o jornal
circulava. E isso fez muita diferença na linha editorial, que fica caracterizada a partir dos
valores-notícia mais usados pelo jornal. As reportagens pesquisadas neste trabalho mostram
que o distanciamento do centro do poder do GRPCOM com relação a Londrina e a força do
173
grupo permitiram ao JL levantar agendas importantes para a cidade, sem que a pressão do
poder econômico tenha interferido de forma direta no conteúdo do jornal. Essa equação
garantiu uma independência editorial difícil de ser vista no interior do Brasil.
174
Também não há como negar nessa crise final, a influência de fatores como a crise dos
jornais impressos, que derruba tiragens pelo mundo afora e a crise econômica vivida pelo
Brasil, tendo início em 2014 e 2015.
interior, mesmo em cidades de médio porte78, mas periféricas com relação ao eixo econômico
do país. Ainda mais que a proximidade aumenta o potencial do poder político e econômico
para pressionar jornais e jornalistas. O ponto central nessas duas questões é: quais são os
limites do jornalismo produzido sob o financiamento da publicidade e o formato de empresa
capitalista?
Essas duas questões partem, obviamente, do pressuposto que aqui defendemos, de que
o jornalismo tem, sim, um papel ainda fundamental, algo de relevante a dizer para a
sociedade, mesmo em tempo de redes sociais e em que as mentiras repetidas à exaustão
ganham o status de verdade. A palavra da moda para designar tal situação é “fake news”,
embora a veiculação de mentiras travestidas de notícias seja muito anterior à invenção da
internet. Que o diga o magnata da imprensa dos EUA, Willian Randolph Hearst, personagem
real que inspirou Charles Foster Kane, no clássico Cidadão Kane, de Orson Welles.
A luz no fim desse túnel pode vir dos novos formatos de financiamento que têm
surgido naquilo que Renato Rovai (2018) trata como “novo ecossistema midiático”. Vários
veículos, ainda longe de rivalizar com os grandes grupos, mas que ocupam espaços têm
surgido e se mantido dentro desse formato. São veículos que vivem de assinaturas e que
entregam o conteúdo tanto pela internet (tanto por meio de sites convencionais, como por
78
Para os padrões da Região Sul, Londrina poderia ser considerada uma cidade de grande porte. Ela é a terceira
maior da região, ficando apenas atrás de Porto Alegre e Curitiba.
176
convencional quanto por mídias sociais, como o Youtube). Eles partem do pressuposto de que
sendo financiados pelo seu próprio público, têm maior independência do que se o
financiamento viesse pelo mercado publicitário. Existem várias experiências a partir de
formatos que mesclam o financiamento dos leitores com outras fontes de recursos em todo o
Brasil. No Paraná, o Plural.Jor, surgido em Curitiba em 2019 e tocado por jornalistas que
saíram da Gazeta do Povo, é um exemplo desse tipo de formato.
O formato parece interessante. A questão é se esses veículos terão fôlego para escrever
longas trajetórias na imprensa brasileira. Mas é possível dizer que veículos nesses formatos
têm crescido em relevância. Não por acaso, um dos principais furos de reportagem de 2019, a
Vaza-Jato, que expôs as vísceras da Operação Lava Jato79, foi dado por um desses novos
veículos, o The Intercept Brasil. É verdade também que o Intercept fez parcerias com veículos
de grandes conglomerados, como a Folha de S. Paulo e a revista Veja, para ampliar a
repercussão do material.
79
A Operação Lava Jato teve grande impacto nos destinos políticos do Brasil, colaborando para a fragilização do
sistema político e a eleição de um populista de extrema-direita, o ex-capitão do Exército, deputado federal por
quase três décadas, Jair Bolsonaro. Sérgio Moro, responsável pela condenação e retirada do processo eleitoral
de 2018 do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal concorrente de Bolsonaro, trocou o cargo de
juiz federal pelo de ministro da Justiça do próprio Bolsonaro, num episódio controvertido.
177
dos trabalhadores. Tais avanços só são possíveis com a redução do espaço para o debate e a
pluralidade, já que em um quadro de normalidade institucional é difícil implantar tal tipo de
agenda. Que o diga o Chile do período da ditadura do general Augusto Pinochet, que garantiu
pelo autoritarismo a implantação de um liberalismo econômico sem limites, com alto custo
social. O jornalismo praticado pelos grandes conglomerados vive na corda bamba com relação
ao governo Jair Bolsonaro: endossa a política no âmbito econômico e critica pontualmente no
âmbito político, ainda que o autoritarismo na política e na economia sejam as duas faces da
mesma moeda. Com isso, a imprensa brasileira tem aberto mão pluralismo no debate público.
Esse jornalismo tem atuado dentro de limites estreitos e faz as vezes do velho, que
tenta sobreviver ao novo, representado pelos formatos dos novos veículos. A fraca reação dos
grandes conglomerados à perseguição contra o jornalista Glenn Greenwald pelo Ministério
Público Federal, em janeiro de 2020, exatamente por conta da Vaza Jato, mostra que é preciso
ampliar esses limites. Se no jornalismo dos EUA se discute frequentemente até que ponto a
imprensa tem perdido a Primeira Emenda, que é a guardiã da liberdade de imprensa, pode-se
dizer que no Brasil, a grande imprensa tem cada vez mais se distanciado da Aeropagítica, o
manifesto de Milton em nome da liberdade de imprimir. E quem tem tentado alargar os
limites do jornalismo são exatamente as mídias construídas em cima dos novos formatos.
Alargar esses limites é fundamental para a continuidade do uso de valores-notícia que
representam os valores do jornalismo, como a defesa dos cidadãos contra a tirania do poder
político e econômico.
178
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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conceituais e aplicações. Florianópolis: Insular, 2014. cap. 3.
WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. Tradução: Karina Jannini. 2ª Edição.
São Paulo, Martins Fontes, 2005.
182
ANEXOS
ANEXO A – Reportagens do JL sobre o Mercado Imobiliário