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"Pidgins" e Línguas Crioulas

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José Luiz Marques Delgado

47) Jacques Maritain, Le Docteur Angélique, Atlântica Editora, Rio, 1945, p. 138.
48) Ibid., p. 105.

49) Olivier Lacombe, cm carta transcrita no Diário de Roissa, p. 280. "Pidgins" e línguas crioulas
50) Jacques Maritain, Diário de Raisso, Agir, 1966, p. 22.
IvANisE Pessoa Bechara
51) Esta e as seguintes são citações da última entrevista. Jornal do Brasil de
11 de novembro de 1972.
INTRODUÇÃO

O atual panorama dos estudos lingüísticos referentes aos


"pidgins" e línguas crioulas tem-se revelado sui^reendente e
promissor, não somente em razão das pesquisas intensificadas
e de formulações em pleno processo de elaboração como por
conterem, estes estudos, uma represntação crítica dos conheci
mentos já adquiridos.
Quase todos os trabalhos aparecidos na década de cinquen
ta e, especialmente, aqueles surgidos após a Ia. Conferência In
ternacional de Estudos das Línguas Crioulas, realizada em Mo
na, Jamaica, em 1959, mostram que se está formando uma no
va corrente de pensamento que pode trazer uma revisão de po
siçÕes teóricas com diferentes rumos de investigação e de abor
// dagem para o fenômeno lingüístico das chamadas línguas de
// contacto.
u

n
n Por outro lado, a unificação do campo de estudos, a apli
cação de postulados sociolingüísticos à consideração de sua ge-
nese e desenvolvimento, o reconhecimento de que os crioulos sao
línguas genuínas e não apenas deturpação das línguas europeia
têm provocado interesse e estimulado esforços em setores esp ■
cializados da Lingüística Geral e Aplicada.
Evidentemente não cabe, nas dimensões deste
uma completa apreciação destas renovações. E"t'fanto tenta-
rei colocar, na medida do possivel as Schnchardt
vèra sendo discutidas a partir da obra pioneira de Schuchar^^
(1), em 1882, mostrando a evolução das concepções
I) SCHUCHARDT, Wílliam. Kmlische SludUn. WieD, 1882-1891. 9 v.

í «ft.
70 IvANisE Pessoa Bechara "Pidgins" e Línguas Crioulas 71

respeito destes idiomas, seu conceito, características, bem como entre os indivíduos aloglotas adquiriu certo caráter de continui
y I '
sua importância para o esclarecimento dos problemas gerais da dade, é possível que o pidgin atinja, também certo grau de fi
linguagem. xação, chegando a possuir um inventário léxico e gramatical
constante, embora esse inventário continue pobre em razão mes
OS "PIDGINS" E AS LÍNGUAS CRIOULAS ma de sua aplicação a um círculo restrito de fórmulas lingüís
ticas (avisos, ordens, informações, reclamações etc.) quase sem
1. Conceito de "plâgin". A teoria do "life cycle' pre invariáveis e rotineiras.

Classificam-se, mais ou menos indiscriminadamente, sob as Muitos pidgins, nascidos de circunstâncias especiais, ten
denominações de pidgins, línguas mistas, línguas de recurso, dem a extinguir-se quando cessam ou se transformam essas cir
línguas de necessidade, línguas francas, línguas comerciais, etc., cunstâncias. Mas os recursos limitados de um pidgin podem sei
os tipos de linguagem que nascem do contacto e do desejo de a verdadeira causa de sua sobrevivência, se a necessidade deste
/■ intercompreensão de grupos de indivíduos que falam idiomas pidgin mínimo persiste na comunidade. É exemplificativo, neste
diferentes e mutuamente ininteligíveis. particular, o caso do pidgin-English que sendo, na verdade,
muito limitado, resistiu, ativamente, por muitas centúiias.
Originários de situações de emergência (nos portos marí
timos ou nas fases iniciais de colonização), os pidgins são ins Assim, podemos concluir que, se a situação interlingual, que
trumentos lingüísticos improvisados que desempenham suas fi provocou o aparecimento do pidgin, permanece inalterável, este
nalidades comunicativas nas relações entre pessoas que usam,
também permanecerá, mas, se não persiste, ele desaparecerá ou
concomitantemente, sua língua própria. terá um desenvolvimento subsequente que vai depender, intiinse-
camente, das condições sociais (como a constituição das socie
A palavra pidgin foi empregada, primeiro, para designai dades mistas) transformando-se em língua crioula.
o pidgin-English, nos mares da China e depois aplicada a qual Afirma-se, geralmente, que foi Bloomfield (2) o primeiro
quer língua do tipo similar. O termo talvez derive do inglês a declarar o parentesco histórico entre o pidgin e o crioulo mas
"business" e revela, de modo explícito, sua condição limitada, foi Robert Hall (3) quem destacou esta filiação, considerando
circunstancial. a fase pidginzante como essencial na sua definição de língua
São suas principais características o fato de serem bilate crioula e chegando a postular uma espécie de "life cycle" lin
rais, conscientemente empregadas como línguas restritas de re güístico, começando com a geração espontânea de um pi gin,
lação e nunca constituírem o único ou principal meio de expres seguida de uma gradual evolução para o crioulo. Deste modo,
o pidgin, desenvolvendo a sintaxe e o vocabulário, ampliando
são de uma comunidade. Por sua funcionalidade reduzida a cer sua esfera comunicativa para atender a relações constantes na
tas situações, constituem os pidgins uma "praxis" simpliLcada vida social, torna-se a língua nativa de uma comunidade e, de
e mais ou menos assistemática de um instrumento lingüístico pois desta metamorfose, sobrevive, além do período de simples
normal, tomado por base, cujo vocabulário e esquemas giama- contacto interlingual, como instrumento lingüístico com estatuto
Írílti ticais são alterados em grande parte.

De certo modo, as exigências momentâneas de intercâmbio 2) BLOOMFIELD, Leonard. Langiiage. New York. Holt, 1933.
fazem com que,, em cada ato comunicativo, criem os falantes 3) HALL Jr., Robert A. Pidgin and creole languages. New York. Ithaca,
formas improvisadas ou analógicas para expressarem suas ur 1966.
gentes e transitórias necessidades. Entretanto, se a comunicação
"rrü

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próprio e sistemático. Pidgin e crioulo seriam, pois, etapas di- Assim, Meyer Lübke o considera como:
fezentes de um mesmo fenômeno lingüístico.
Embora a teoria do "life cycle" seja mais ou menos admiti
66
chapurreo de una lengua extranjera,
da entie os especialistas, variam, no entanto, os modos de en- aprendida en el trato diário por gente en
caiar os pormenores do processo e o próprio conceito de lín su mayor parte inculta, en vista de Ias
gua crioula, dependente, em grande parte, dos preconceitos só- necessidades más elementares y usando los
cio-culturais e de diversas orientações lingüísticas. médios de expressión más sencillos". (5)

2. Primeiras concepções sobre os crioulos Também Meillet (6) vê o crioulo francês de Mauricia e
Reunião apenas como um imperfeito francês que os negros
■ t: f / aprendiam de seus senhores e muitos outros autores conside
Por serem considerados, durante muito tempo, como sim ram os crioulos como toscas línguas mistas, termo certamente
ples deturpação das línguas européias, os crioulos merecem
impróprio por implicar não somente uma mistura heteróclita de
atenção tardia dos estudiosos. Seu tratamento cientifico data do
século XIX, quando Schuchardt publica seus Kreolische Studien
elementos ou um confuso inventário de corrupções interlinguais,
como por lhe negar, implicitamente, uma estrutura capaz de lhe
sobre as várias modalidades crioulas, estabelecendo, pela pri garantir individualização lingüística.
meira vez, as questões relativas a estas línguas.
É de notar-se que, no âmbito da língua portuguesa, o inte Temos, mais ou menos neste sentido, a declaração de Leo
E. Rens:
resse pelas línguas crioulas manifestou-se um pouco mais cedo,
em 1880, com Francisco Adolfo Coelho e o seu primeiro arti "The mixed nature of creole language
go sobre Os dialetos românicos ou neoplatinos na África, Ãsia e is to be found in lheir grammatical
América (4), estudo que, apesar das modestas dimensões, apre and phonetical structures rather thaii
senta critérios rigorosamente científicos e concepções avançadas in a mixed vocabulary". (7)
para o espirito da época.
Serafim Silva Neto (que teve o inegável mérito de iniciar
De qualquer modo, nesta fase inicial, ainda eram os criou estes estudos entre nós), embora considere os crioulos como
los considerados, geralmente, como uma espécie de língua de falares que têm vida própria e caracteres definidos, classifica-
generada, "pot-pourri" lingüístico de elementos heterogêneos, os como transitórios e inferiores, mera deturpação de línguas
adotado por indivíduos carentes de qualquer cultura e em ín européias e irremissivelmente identificados com a mísera situa
• I fimo estado social. ção de seus falantes. Diz o saudoso filólogo brasileiro:

Reflexo desta concepção são as definições propostas por


i! I 5) LUBKE, W. Meyer. Introdiición a Ia lingüística românica. trad. esp.
vários estudiosos, muitos deles de inquestionável valor intelec
Madrid. s.d.
' ; ' ''li f tual e formação lingüística sólida, que revelam uma atitude des-
denhosa em relação ao crioulo. 6) MEILLET, Antoine. Linguistique historique et lingidstique génerale.
Paris, 1931, 1.° vol.

4) COELHO, Francisco Adolfo. Os dialetos românicos ou neolalinos na Áfri 7) RENS, Leo E. The historical and social background of Surinam negro-
ca, Ásia € América. Lisboa. Boletim da Sociedade de Geografia, 1880. english. Amsterdão 1953.
74
IvANisE Pessoa Bechara
'PiDGiNs" E Línguas Crioulas 75
a
rioulos sao falares de emergência, com caracteres
delmidos e vida própria que consistem na deturpa Para isto, cumpre afastar, "in limine", os parâmetros de
ção e simplificação extrema de uma língua européia normalidade e superioridade subjacentes à ideologia colonizado-
la do homem branco civilizado, investigando, sem preconceitos,
imperfeitamente transmitida e aprendida por gente a estrutura característica das línguas crioulas e sua eficácia co-
de civilização inferior".
municativa.
^ Apresenta, a seguir, os elementos essenciais de sua defi
nição: Sabemos que uma tosca língua tribal é inerentemente ca
paz de, expandindo seu vocabulário e desenvolvendo suas for
"a) o crioulo é um falar transitório (*); mas internas, chegar a língua nacional, quando as condições
sociais são favoráveis.
b) o Ciioulo apresenta caracteres definidos que se
deixam prender por um fio condutor; Assim, não se pode, "a priori", negar ao crioulo a possibi
lidade de ascender a um "status" natural que lhe permita, em
c) o ciioulo tem vida própria: ele é o meio de ex futuro próximo ou remoto, atingir a condição de língua de ci
pressão de que dispõe o grupo; vilização, como também, não é de se considerar, em razoável
d) o crioulo é a deturpação e a simplificação de sentido antropológico, seus utentes como inferiores e subalternos.
uma língua européia (português, francês, espa
nhol, inglês, holandês etc.); Dentro da moderna orientação lingüística, temos a judicio-
sa afirmação de Martinet de que;
e) essa língua básica foi transmitida deficiente
mente; "Em princípio, nada na estrutura lingüística do cri
oulo o desclassifica como língua de cultura, mas, en
f) o ciioulo serve de instrumento de comunicação quanto o crioulo for sentido como forma bastarda
entre seres inferiores e subalternos ". (8) de alguma grande língua de civilização, o seu "status"
Emhora esta definição contenha elementos pertinentes que pouco diferirá do "patois". (9)
caracterizam a natureza lingüística do crioulo, peca, no entanto,
por revelar uma atitude depreciativa e superior em relação a No mesmo sentido, opina Herculano de Carvalho:
essas línguas, afastando-se da indispensável isenção de uma
abordagem científica, porque, para o entendimento de sua rea "O crioulo pode-se comparar a qualquer língua na
lidade idiomática, não importa estabelecer confronto com a tural, distingue-se, apenas, pelo prestígio social e não
língua "standard" básica, nem determinar o "status" inferior serem utilizados como instrumento de expressão de
do crioulo — solução mais cômoda e aparentemente mais ób uma atividade mental superior, filosofia, ciência, li
- ; :!i
via — porém colocar os problemas concretos que suscitem in teratura". (10)
dagação lingüística objetiva.
'! ■ i 9) MARTINET, André. Elementos de lingüística geral. trad. port. Lisboa
Livraria Sá da Costa, 1964.
* Os grifos são nossos.
10) CARVALHO, J. Herculano de. Sobre a natureza dos crioulos e sua
8) SILVA NETO, Serafim da. História da língua portuguesa. Rio de Ja significação para a lingüística geral. Coimbra, V Colóquio Internacional de Es
neiro. Livros de Portugal, 2 ed. 1970. tudos Luso-Brasileiros, Actas, vol. 3 1966.

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Entre os que defendem a autonomia do crioulo, enxergan- Em conclusão, podemos afirmar que está completamente
do-o numa perspectiva inteiramente favorável, está Rodolfo afastada, por não científica, a concepção que via, nos crioulos,
Eenz, estudioso do crioulo de Curaçau e grande entusiasta do línguas bastardas e desprezíveis, desprovidas de estatuto lin
seu piogresso. Já em 1928 ele declarava que: güístico. A esta atitude descriminativa, Marius Valkboff cba-
El Papiamento de Curazao es, según mi opinión, el niou, significativamente, de "albocentrism", acrescentando:
mejoi ejemplo de una lengua criolla que se ha levan
tado hasta el nivel de una lengua de alta cultu "We annot belp branding tbis as an unscientific
ra". (11) attitude because in science every object of investi-
gation ougbt to be approacbed witb an open mind.
Mesmo descontando-se a ênfase manifesta do eminente lin Tbe botanist wbo studies certain types of moulds
güístico, pode-se reconhecer que este crioulo tem língua escrita will not complain of tbeir alleged ugliness and will
e conta, em seu ativo, uma pequena mas florescente literatura, not prefer flowers to tbem, nor will tbe patbologist
sohiepondo-se, galhardamente, ao holandês oficial. declare tbat tbe is disgusted by some new desease
Também o Bahasa, hoje língua nacional da Indonésia, ex- wbicb be is observing. Moreover, tbe Creole varieties
peiimentou, nos últimos anos, um notável desenvolvimento e ele do not ali deserve tbis contempt and can boast of fine
vação social. qualities of picturesqueness as well resourcefulness".
(14).
Admite-se, atualmente, que, embora os ciáoulos represen
tem uma simplificação às vezes extrema da língua originária, a 3. Modernos estudos sobre os crioulos
reinterpretação que realizam com os significantes adotados cria
um novo sistema diverso do inicial e, de certo modo, bastante Os crioulos vêm sendo estudados sob duas perspectivas
complexo. principais: a genética e-a estiutui'al.
Além disso, por mais pobre que seja a sua forma idiomá-
tica, ele constitui o instrumento lingüístico principal e até mes A primeira procura descobrir a origem destas línguas e
mo único de uma comunidade, bastando para satisfazer todas as analisar-lbe o progressivo desenvolvimento a partir de fases ini
suas exigências de comunicação. ciais. A segunda investiga, sincronicamente, suas características
estruturais. Ambos os critérios poderiam ser, entretanto, com-
l i II
Hir
Deste modo, os crioulos não são apenas deturpação das plementares e caberia indagar, de maneira ampla, se os idio-
línguas européias, mas uma verdadeira reestruturação dos ele nias geneticamente considerados crioulos constituem, também,
1 11
mentos fornecidos pela língua base, em razão da influência dos Um grupo lingüístico tipologicamente definido.
substratos e de específicas condições psico-sociais.
Este ponto de vista é defendido por notáveis lingüistas em Cada uma destas investigações pode trazer contribuições
todo o mundo. No domínio português, citaremos, particularmen importantes não só para a exata caracterização destes falares,
te, Herculano de Carvalho (12) e Jorge Morais Barbosa (13)- Como para uma melhor interpretação de seus sistemas e pei-
formances" lingüísticos.
11) LENZ, Rodolfo. £/ Papiamento, Ia Icngua criolla de Curazao, Ia gramo-
tica más sencilla. Santiago do Chile, 1928.
12) CARVALHO, J. Herculano de. Op. cit. pp. 257-273.
13) BARBOSA, Jorge de Morais. Crioulos. Lisboa, Academia Internacional
14) VALKHOFF, Marius F. Studies in portuguese and creole. Johannes-
liurg, Witwatersrand University Press, 1966.
de Cultura Portuguesa, 1967.

1
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As teorias genéticas sobre a origem dos pidgins e crioulos oulo é, sem dúvida, uma excessiva simplificação da realidade.
estão distribuídas em dois grupos principais: as teorias mono- Porque a transmissão imperfeita de uma língua a indivíduos
genéticas e as teorias poligenéticas. Segundo estas, cada pidgin- adultos aloglotas, já possuidares de um idioma de estrutura
crioulo, ou cada crioulo de diferente comunidade, é o resulta completamente diversa, vai provocar o aparecimento de um sis
do de um ato separado e espontâneo de criação e desenvolvi tema novo, bastante afastado do original. E, possivelmente, este
mento a partir da correspondente língua "standard" da qual ele sistema novo (o crioulo), nascido da conjugação de elementos
divergiu sob a influência de situações sócio-lingüísticas desi vários e elaborado dentro dos esquemas de interpretação dos
guais. De acordo com as teorias monogenéticas, todos os pidgins nativos, é que foi aprendido pelos senliores e comerciantes e não
e crioulos tiveram um ancestral comum que se desenvolveu em vice-versa.
linhas divergentes, no tradicional sentido genealógico, sob o in
fluxo da língua "standard" predominante, resultando em dis Além disso, se cada europeu tinha improvisado sua pró
tintas e ininteligíveis variedades idiomáticas. pria variedade de "baby talk", para comunicar-se com seus ser
I. vos, como explicar o fato de apresentarem os crioulos similari-
'-^^9 ^

Até recentemente, as teorias preponderantes eram as poli dades notáveis e muitos deles serem mutuamente inteligíveis?
genéticas que apresentavam diversas explicações para os proble
mas da origem dos crioulos. Outra teoria poligenética explica a origem e similaridade
dos crioulos pelo substrato comum das línguas nativas, defen
Uma teoria que teve alguma fortuna entre os estudiosos, dendo, ao mesmo tempo, a geração espontânea dos pidgins on
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1 1 '
apesar de sua abordagem simplista, foi a teoria do "baby talk". de quer que houvesse contactos entre grupos de indivíduos de
'I
Segundo ela, cada pidgin e crioulo começava como uma espé línguas distintas e se fizesse necessária uma forma de comuni
cie de linguagem infantil, usada pelos proprietários de fazen cação.
das e comerciantes para comunicarem-se com seus escravos, em
Assim, Le Page diz que o francês haitiano é semelhante ao
pregados e fregueses.
inglês de Jamaica porque os escravos, a quem os colonizado
No intuito de facilitar o intercâmbio, cada falante europeu res ensinavam a língua "standard" simplificada, eram todos
mutilava, deliberadamente, a própria língua, eliminando as fle- africanos. Havia um intercâmbio de formas entre eles, dando
xÕes gramaticais, restringindo o número de traços fonológicos em conseqüência uma mistura de línguas européias com ele
e esquemas sintáticos e limitando o vocabulário a poucas cen mentos das línguas nativas da África. (15)
tenas de palavras. Um defensor notável da tese poligenética é Robert Hall.
O resultado desta súmula lingüística era descrito, por mui Ele fornece duas explicações para o aparecimento de um pidgin
tos especialistas, como uma corrução da língua "standard", des ou crioulo em uma dada comunidade: ou a espontânea geração
tinada a mentes pueris e de baixo nível intelectual, sem "status de um novo pidgin, por efeito do contacto lingüístico, ou a ex
de verdadeiro idioma. tensão à dita comunidade de um pidgin ou crioulo já estabele
cido alhures (por exemplo a divulgação do pidgin-English atra
Esta teoria apresenta inúmeros pontos vulneráveis que po vés da Melanésia). Segundo Hall, a existência de crioulos se
dem ser facilmente refutados. melhantes, em duas comunidades geograficamente afastadas, po-
Se é crível que os colonizadores brancos reduzissem as for
mas de sua linguagem para fazerem-se entender pelos nativos, 15) LE PAGE, Robert B. General outlines of creole English dialects. Orbis,
6. 1957.
considerar tal circunstância como básica para a origem do cri-

ill
fí2 IvANisE Pessoa Bechara 'PiDGiNs" E Línguas Crioulas 83

I ,' ,ií I Ainda sobre o Papiamento, H. L. A. van Wijk declara Esta língua intermediária, que admitia várias gradaçÕes mais
que este é um desenvolvimento do jargão dos escravos do oeste ou menos corretas, teria sido obtida por uma espécie de "lusi-
da África. Este jargão^ influenciado pelo substrato africano, pa tanização" do primitivo crioulo e distingue-se deste em muitos
rece haver sido o padrão para todos os crioulos das índias aspectos. Chama-lhe Walkhoff de "crioulo primário" e o define
Ocidentais. Salienta, ainda, o orgulho que o Papiamento des como uma nova língua saída do original português e conside
perta em seus falantes que o preferem, absolutamente, ao ho rada pelos falantes como um pouco diferente da língua mãe
landês oficial. (20) (corresponde ao que Serafim da Silva Neto chama de semi-cri-
oulo), um estágio mais aperfeiçoado da primitiva aprendiza
William Stewart, estudando o parentesco lingüístico, a es gem.
trutura e o léxico dos crioulos conclui que a evolução divergen
te de um simples proto-pidgin é muito mais sustentável que a Ao crioulo vulgar chama Valkhoff de "crioulo secundá
reestruturação convergente de todo um grupo de línguas sepa rio". Corresponde ao verdadeiro crioulo, ou seja, ao português
radas. (21) alterado sob a influência dos substratos africanos e falado em
David de Camp endossa a teoria declarando que os estu
quase todos os domínios do Império Português. Esta língua tem
uma unidade básica que permite seja entendida dos portos do
dos modernos se orientam por esta diretriz e que há uma ten
Brasil a Macau ou Nagasaki, desde o século XVII a fins do
dência crescente em falar não de crioulos mas de o crioulo. (22)
século XVIII.
Marins Valkhoff dedica um estudo especial ao crioulo pof'
tuguês, demonstrando, largamente, a validade desta tese mono- Com este falar os portugueses dirigem o comércio de es
genética no seu livro "Studies in Portuguese and Creole". R^' peciarias e o tráfico de escravos, no Oriente e costas da Áfri
è. ca, sendo depois adotado por povos de todas as nacionalidades
fere-se, com detalhes, a um pidgin português, língua internacio*
nal de emergência, criada especialmente com propósitos comei"' que se ocupavam do mesmo comércio.

tf;
ciais, mas subseqüentemente empregada em relações mais estrei'
tas e cotidianas. Esta língua serviu de padrão para todos Quanto aos escravos africanos, destinados às colônias, só
!'i excepcionalmente eram levados, de imediato, do interior da
crioulos espalhados em regiões da Ásia, África e América.
África às terras americanas. Normalmente tinham sempre opor
Em suas considerações Valkhoff distingue três variedades tunidade de aprender rudimentos da língua franca, seja no de
de português: o português culto, língua literária, usada, às ve' pósito de escravos, onde eram despejados por longos períodos
zes, no ultramar, por representantes da administração portugne' antes de serem transportados, seja durante a morosa viagem a
sa; o puro crioulo, língua adotada pelos nativos em geral e um® bordo dos navios negreiros. Estes escravos, mais ou menos cri-
espécie de língua intermediária entre este e o português culto- oulizados eram chamados de "ladinos" em oposição aos "bo
çais" que só falavam línguas africanas.

i;
20) WIJK, H. L. A. Spanish contact vernaculars in the Philipinne M. Valkhoff demonstra a marcante influência do crioulo
Hong-Kong Univ. Press. 1956. português nos diversos crioulos (franceses, ingleses, espanhóis
21) STEWART, William. Creole Languages in the Caribbean. Washingt"® etc.) e até no "Afrikaans", da ex-colônia holandesa do Cabo:
Frank Rice, 1960.
"... hroken Portuguese which was then the universal
22) DE CAMP, David. The field of creole language studies. Latim A®*® language from the east to the west, this was the lan-
rican Research Review. 1968. vol. 3 n. 5.
84 IvANisE Pessoa Bechara "PiDGiNS" E Línguas Crioulas 85

guage which to a certain degree influencied Cape fundamento progressivo que visa a estabelecer os seus traços
Dutch". (23) tipologicamente comuns e característicos.
Sem dúvida, a tese do proto-crioulo português, como base Haja vista os estudos de caráter estrutural apresentados
genética para os crioulos em geral, tem fortes fundamentos e por Robert Hall (25), Douglas Taylor (26), David de Camp
explica a similaridade destas línguas faladas em tão diferentes (27) e, inclusive, uma tentativa de aplicação dos princípios da
e remotos lugares. gramática transformacional ao estudo do crioulo por Beryl Lof-
tam Bayley.
Nos séculos XVI e XVII, como bem diz Fernando Pessoa,
"o mar sem fim é português". (24) É de notar-se que, desde 1957, o "Linguistic Bibliogra-
phy", publicado com a assistência da UNESCO, tem uma divi
Os portugueses foram os primeiros a freqüentar as costas são reservada às línguas crioulas.
da África e entrar em contacto com as tribos negras, assim
como foram os primeiros a estabelecer núcleos de colonização Este interesse particular pelo crioulo resulta não somente
na Ásia. de sua importância intrínseca, como da relevante contribuição
que pode prestar aos estudos de lingüística geral e teoria da
Daí a preponderância do crioulo português que serviu de linguagem.
modelo a todas as línguas deste tipo e a incrível vitalidade des
ta língua que sobrevive, em várias regiões, até os dias atuais. Assim, muitos problemas lingüísticos genéricos podem ser
esclarecidos através de pesquisas e investigações referentes aos
Seria a presença e o eco daquela glória memorável dos crioulos.
que, segundo o Poeta Maior lusitano:
Poderíamos citar, por exemplo, o problema da transmis
"Entre gente remota edificaram são lingüística em geral e, em particular, o da aquisição de uma
Novo Reino que tanto sublimaram". língua nova por indivíduos adultos aloglotas de toda uma co
(Lusíadas, Cantò I, 1) munidade; a formação de novos sistemas lingüísticos pela mu
tilação e reinterpretação de sistemas já existentes, sob o influ
CONCLUSÃO xo de diferentes substratos; a co-variância sistemática entre a
estrutura lingüística e a estrutura social; a importância dos fa
tores culturais na aprendizagem de uma língua, o bilinguismo,
Os estudos dos idiomas crioulos apresentam, inegavelmen etc.
te perspectivas de grande alcance, mormente nas últimas déca
das, quando se orientaram para a adoção dos princípios e méto Além disso, sendo os crioulos línguas de formação recen
dos da moderna lingüística. te e em processo, por assim dizer, de desenvolvimento inicial.
Foram feitas muitas descrições sincrônicas destas línguas
e está em vias de concretização um trabalho comparativo de apro- 25) HALL Jr. Robert. Haitian Creole: grammar, texts, vocabulary. American
Anthropological Association, Memoir 74. 1953.
26) TAYLOR, Douglas. Structural outline of Caribbean creole. Word 7. 1951.
23) VALKHOFF, Marius F. Op. cit.
27) DE CAMP, David. Op. cit.
24) PESSOA, Fernando. Mensagem ed. bras. José Aguilar. 1960.

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