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Cultura Como Tradição - Alfredo Bossi

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Fichamento: BOSI, Alfredo. Cultura como tradição. In: BORNHEIM, G. et al. Cultura
brasileira: tradição/contradição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor: Funarte,
1987, p. 31 – 58.

O autor começa o artigo descrevendo que o tema cultura como tradição, à


primeira vista parece ser um tema óbvio. Destaca que quando se pensa em cultura,
pensa-se em um processo que vem sendo trabalhado há muitos anos e que se
recebe e se transmite.

Alfredo Bosi descreve uma viagem que fez a Florença, destacando o


problema de tomar banho em uma cidade que as pessoas não têm o hábito em
banhar-se. Diante disso, descreve toda a sua árdua trajetória em manter o seu
hábito. O que mais chama sua atenção foi a compra da bacia no qual a dona da
casa achou que o autor por ser uma pessoa estudada (culta) deveria pertencer a um
grupo humano que não carregava bacias na rua. Assim, Bosi descreve a
permanência mantida por séculos de uma ideologia conservadora das classes
dominantes no qual se refere que quem tem estudo “cultura” não pode exercer
alguns trabalhos braçais considerados “democráticos”. Nisso, é destacado a
espontaneidade da senhora ao fazer a pergunta exprimindo a lógica de classe
bastante forte, mostrando que quem possuía alguma posse dava direito a certos
privilégios “cultura” e os trabalhos mais penosos eram destinados a pessoas que
não tinham “cultura”. A cultura aparece como uma divisão social.

O autor argumenta que esse conceito está inserido no subconsciente


linguístico e social dos povos que vieram de uma estratificação colonial ou de uma
estratificação pré-capitalista (com nobreza e povo muito diferenciado), assim deve
estar no subconsciente dessas formações a ideia que cultura tem que ser vista de
forma isolada. Destaca os “espaços físicos” que a cultura deve ser vista, a exemplo
do ministério da cultura, secretaria da cultura, palácio da cultura. A ideia de palácio é
a ideia que a cultura deve ser vista, sem que tenha uma relação direta com o
indivíduo comum, pois este não tem “cultura”. Assim, é destacado que para construir
uma sociedade democrática deve-se repensar o conceito de cultura e destruir o
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conceito que cultura como soma de objetos que podem ser objetos de arte ou obras
da tecnologia tendo como significado o fruto de uma cultura refinada.

O autor segue dando exemplos de objetos tecnológicos ilustrando, a partir


disso, a ideia de que ter cultura é possuir uma alta soma de objetos da civilização. O
projeto de cultura visto como ideal em uma sociedade democrática seria aquele que
desloca o conceito de cultura e mesmo o conceito de tradição, afirma também que o
ideal era pensar a cultura como o fruto de um trabalho em uma concepção que
resgatasse o caráter mercantil, exibindo como que a cultura assumiu e vem
assumindo as sociedades de classes.

A palavra cultura vem do significado “cultivar a terra”. Em Roma ela foi


metaforizada ao imaginário da terra. Os gregos associam a palavra à paideia
(ensino), a cultura está voltada para a criança, para a alma da criança seja
trabalhada até se tornar um adulto. No espírito romano a cultura está ligada ao
trabalho duro, um trabalho de vitória sobre a natureza (domínio da terra) que deve
ser domada e domesticada assim como a educação, ou seja, fazer um esforço de
arrancar dos instintos uma força que produza algo muito mais alto. O autor
argumenta que qualquer consideração que se faça implica a ideia de cultura
relacionada com o resultado de uma conquista sobre o trabalho. Desse modo é
argumentado que cultura não seria acumulo de objetos ou o simples fato de ter, mas
como fruto de ação e trabalho, descartando assim o conceito de cultura da senhora
de Florença, onde prevalecia de quem tem cultura são as pessoas ricas. Assim, a
ideia que associa cultura e trabalho abrange todos os homens sem distinção social,
expondo que a partir do trabalho é que se forma a cultura. É o processo e não a
aquisição do objeto final que interessa.

No ponto de vista ideológico é interessante ressaltar que é a produção


(enquanto arte) que torna o homem culto e não o consumo de símbolos e no ponto
de vista educacional mais universal, em vez de pensarmos em vender mercadorias
culturais, pensamos em estudar e realizar obras (processo e resultado de um
trabalho). Desse modo destaca que com essas definições são rompidas as
concepções estática e burguesa da cultura. A partir dessas concepções, o autor vai
expor exemplos sobre a aquisição de conhecimento na educação.
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O autor define a cultura como o trabalho feito por pessoas que querem
conhecer por dentro os mecanismos que pode ser da natureza ou do Estado
(burocracia).

Sobre a cultura popular ele expõe que a palavra está muito veiculada com o
folclore, define que como o conhecimento que o povo tem. São as cerimônias,
cultos, festas, músicas. Mesmo corrompida pelas comunicações de massa, a cultura
popular não morre, não necessita das intervenções do Estado. Cultura popular é a
cultura que o povo faz no seu cotidiano e nas condições em que ele a pode fazer. O
interessante é a conservação dos agentes culturais, dando ao povo condições de
sobrevivência, ele próprio saberá gerir condições para que sua cultura seja
preservada (expressão de comunidade e de grupos).

Alfredo Bossi também traz conceitos sobre a cultura como tradição. Expõe as
festividades do São João como fenômeno do catolicismo rustico derivado das
aldeias jesuíticas, onde a comunidade expõe sua cultura através de significados.
São as rezas, ladainhas, danças, ou seja, uma festa cheia de sentidos. A cultura
popular, rente ao cotidiano, existe uma sabedoria que, muitas vezes, se traduz em
forma canônicas, histórias ou em provérbios que são muitas vezes contraditórias.

Com vários exemplos, narrando algumas festas populares, o autor afasta a


concepção de cultura como mercadoria finita e descartável, expondo a cultura como
resultado de um processo, de um trabalho e de um ato no tempo.

No último momento ele relata sobre a realidade da memória, expondo que


para falar de cultura como tradição sem falar em memória é não tocar no nervo do
assunto. Assim, a memória é o centro vivo da tradição, é o pressuposto de cultura
no sentido de trabalho produzido, acumulado e refeito através da História. O
esquecimento nos prende ao peso de um presente sem dimensões. As sociedades
que se esquecem do seu passado, mesmo do seu passado recente, vagarão e
errarão estupidamente sem encontrar a porta de saída que é a reflexão sobre o
passado. Segundo Platão, a República perfeita é constituída de homens que têm
memória e por homens que procuram a verdade lembrando. Desse modo conclui
que devemos estudar história para desmascarar o presente e prevenir-se, se
possível, no futuro.
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O autor finaliza o estudo refletindo sobre as concessões de bolsas de estudos


para o ensino privado abrindo caminho para uma possível privatização do ensino,
contradizendo o Estado que este deveria oferecer a toda população uma educação
gratuita. Desse modo, o Estado não é democrático. Por fim, volta a reflexão da
senhora de Florença na qual dizia “o senhor tem cultura, mas é muito democrático”
argumentando o desejo para que a frase fosse: “o senhor tem cultura, por isso é
muito democrático.

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