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Antropologia Da Viagem: Do Outro Ao Eu e Mais Além.
Antropologia Da Viagem: Do Outro Ao Eu e Mais Além.
Antropologia Da Viagem: Do Outro Ao Eu e Mais Além.
Fronteiras e Nomadismo
Esse texto se origina de uma longa reflexão ….uma viagem...um caminhar que relacionou de
forma coerente conceitos, pessoas, ideias e meu próprio modo de vida. Lembro-me que aos 15 anos
anos quando refletia sobre o futuro com perguntas como o que estarei fazendo aos 40, por exemplo,
tem extrema verosimilhança com a atual realidade na qual vivo, hoje, aos 45. Percebo que esse
destino ou essa minha trajetória não teve intencionalidade lúcida e racional em boa parte do tempo...
talvez os campos do inconsciente podem explicar, mas não é esse o objetivo aqui.
Lembro dessa índole da andarilhagem desde muito cedo, assim como uma experiência,
única e topológica, em um acampamento onde meu avô conseguiu arrastar os 4 filhos com esposas
e os 13 netos para uma beira de rio cristalino. Um acampamento selvagem que teve sua finalização
com uma brincadeira de caça ao tesouro com toda a piazada (crianças, no linguajar coloquial das
terras curitibanas). O avô era chefe escoteiro e realizava atividades paralelas de pesca com amigos
lá pros lados do Mato Grosso. Preparavam um caminhão, levavam freezer, gerador, barco,
combustível e durante períodos de até 30 dias, as vezes, acampavam nas margens de rios como o
Kuluene, o Cristalino.
Talvez devido a esse mistério, que vinha junto com as histórias que ele contava quando
retornava, e os Dourados, Bagres, imensos. Escamas de pirarucu, jacarés e piranhas taxidermizadas,
peles e arte indígena, eu tenha seguido uma trajetória nômade, do caminhar, da viagem, da
andarilhagem. Com formação em História na UFPR e ávido participante de projetos relacionados a
arqueologia participei de muitos trabalhos de campo mas os fazia também em solitário, de bicicleta,
com a qual, em diversas expedições conheci de Cananeia a Florianópolis. Depois, arqueólogo,
conheci diversos lugares do país até aproximadamente a latitude de Ilhéus-Rondônia.
Formado a cerca de 20 anos, as andarilhagens ocorreram em primazia pelo litoral do Paraná,
a Serra do Mar e a Mata Atlântica, as Ilhas da Baía de Paranaguá e os manguezais. Fiz amigos,
passei a morar no mangue e não saí mais. As pessoas, as lógicas, a simplicidade e as angustias. O
nativo do litoral, o caiçara (termo construído como identidade recente), os moradores se
autoidentificam como nativos num movimento ao avesso das teorias antropológicas que percorrem
um movimento tendendo a não generalizar os grupos humanos, considerar a autoidentificação e se
preocupando com os problemas nativos, não os problemas e perguntas da academia, feitas por
pesquisadores que idealizaram e exotizaram esses Outros.
Esse Outro se constitui a partir de uma perspectiva de um Eu.... e nos damos conta que trata-
se apenas de uma questão de controle e fabricação da verdade, do oficial, uma primazia hegemônica
do saber, do viver, das classificações e dos padrões de Ordem/Desordem, de Cosmo/Caos,
Certo/Errado, Verdade/Mentira....
Ao realizar um Mestrado em Antropologia Social (UFSC, 2006) trabalhei com o caminhar,
com o Caminho do Peabiru, sua história Oficial e sua história Subterrânea, como os povos sem
história constroem suas relações com esse caminho. Os originários não caminham como os
ocidentais, através de padrões modelo estrada, ruas retilíneas. Outras lógicas operam nesse jogo do
caminhar, do organizar, do classificar, inclusive dos motivos e significados desses deslocamentos.
Observando as traduções, as traições, práticas e preconceitos inerentes a mim que comecei a
perceber com uma espécie de calejar, um amadurecimento como viajante, como nômade,
observador, explorador, caçador de tesouros ou o simples desejo de habitar o mundo, não um lugar
mas todos. Por certo que essas liberdades ou libertinagens acadêmicas não seriam uma prática
muito bem integrada ao sistema. Durante essa trajetória, muitos autores ajudaram a abrir janelas nas
nossas torres de marfim, muitos, pasmem, nem habitam essas torres imaginárias. E apesar de
sempre tomar essas liberdades e pular os muros do sistema, já estava aterrado, sedento, sedentário.
O deslocamento da viagem, da palmilhagem, do nomadismo coletor pescador colecionador
explorador e caçador de tesouros passou a ser feita como uma elaboração mental.
Hans-Staden, Paumier de Gonevile, Magalhães, André Thevét, Jean de Lery, Cabeça de
Vaca, Kohk Grumberg, Spix e Martius, Thomas Big Whiter, Auguste de Saint Hillaire, Julius
Platzman, Dr. Livingstone, eu presumo. Mas faltava o Outro. Os Outros ou nossotros, nós e outros
em uma mesma simetria, no mesmo plano topológico. A perspectiva de uma história dos vencidos
como trouxe Bartolomé de Las Casas, o Inca Garcilaso de La Vega, o Pele Vermelha Gerônimo,
guerreiro Cochise.... ademais eram relatos orais de rituais relacionados a uma cosmogonia sempre
exótica, estranha, no sense as vezes. Filtros, formas de olhar e construir uma leitura mundo e lógicas
implícitas bastante específicas.
A experiência de imersão nesses outros mundos é fascinante mas nos desloca das lógicas do
sistema ocidental capitalista de base judaico-cristã. A nossa própria existência nos induz a ver, ouvir
certas histórias, estruturas, sentidos. Selecionamos então, retalhamos a história de vida contada
durante quatro horas em vinte minutos. A questão fica sendo a escolha. Quem escolhe e como se
escolhe o que vai ser lembrado e o que vai ser esquecido. A história deveria ser contada de forma
polifônica, varias vozes, são muitos os usos que faz do passado para justificar ações no presente.
Nos diversos presentes, hoje passado mas que nos deixaram um conjunto de falhas, fissuras,
injustiça e instabilidade.... as inumeráveis inadequações lógicas e conclusões apressadas deixadas a
nós como herança. A origem de uma ordem sobrevinda de uma desordem parece ser a origem dos
nossos pseudoproblemas.
Escolhi assumir que a essa simetria topológica estaria nos trabalhos autobiográficos e isso
me fez ser um pesquisador de longo prazo... um habitante, um nativo as vezes. Nessa perspectiva,
desenvolvi minha leitura mundo da região da Planície Costeira aprendendo com estudantes e
crianças para as quais dava aula. As escutava, acreditava. Como um professor, ou alguém, escolhe o
que temos que aprender. As histórias de vida, os sonhos, a brincadeira e o imaginário constrói e
valida uma escolha mais leve, orgânica e sincronizada com as realidades locais. Da mesma forma
não deixa de ser uma escolha e vai operar esse processo com filtros, leituras mundo especificas.
Uma escolha com minha idade e minha geografia.
Leituras do espaço foram se ampliando e passei a habitar em um Camping.... inicialmente
uma barraca, depois uma tenda... cozinha, mezanino e rede, biblioteca e bancadas. O material que
construí a cabana foi coletado de descartes frequentes e sazonais nos balneários de veraneio no
litoral do Paraná. Mesmo neste ambiente nômade, auto-organizativo sazonal observava um padrão,
muitas vezes em conformidade com hábitos sedentários. Padrões de ocupação sempre me
chamaram a atenção, a casa, a rua, móveis, sítios arqueológicos de tradições indígenas diferentes. O
que é toda essa gente da viagem pergunto.... o que é toda essa gente de tropismos imperiosos que as
paralisam ou as impelem ao desconhecido... As histórias estão na pele e no corpo, na adoção de
padrões... As histórias de vida, a fala do outro enquadrada nela mesma, também como qualquer
leitura mundo geográfica e cronologicamente contextualizadas.
Davi Kopenawa Yanomami, Ailton Krenak, Jaider Esbel entre tantos tornaram-se acessíveis
e as diferenças de narrativas e de tantos detalhes do ver, olhar, escrever desses densos outros, já não
exóticos mas epistêmicos, enriquecedor para o pensar do Eu, da academia, da minha epistemologia,
idade e geografia.
Padrões de ocupação
Padrões de ocupação sempre me moveram o pensar. Pra que pensar sobre isso pergunto...
porque é legal respondo. O padrão de longa duração dos blocos de barro cozido, as trancas das
portas, as casas de folhas, etéreas e abertas. Os ninhos das aves, as trilhas indígenas e as Rodovias
Federais. A sazonalidade dos grupos Inuit e a materialidade da cultura Kabile. As aldeias Bororo e o
Tratado da Ruação do Marques de Pombal, que inventa no século XVII a cidade retilínea e arruada,
os lotes e as quadras. Qual a diferença entre uma casa e uma barraca pergunto então.... para mim
algumas, para o senso comum muitas....mais estéticas e de hábitos não refletidos do que questões
sérias.... uma visão apoiada em sua visão de mundo concreta e delimitada.