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Folhas Da Arvore Bodhi

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Folhas da Árvore Bodhi

Publicações Sumedhārāma
www.sumedharama.pt

Para distribuição gratuita


Sabbadānaṃ dhammadānaṃ jinati
‘A oferta de Dhamma é superior a qualquer outra oferta.’

Este livro encontra-se disponível para distribuição gratuita em


www.fsbooks.org

ISBN 978-989-8691-37-8

Copyright © Publicações Sumedhārāma 2017

Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons


Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

Veja página 133 para mais detalhes sobre direitos e restrições desta licença.

Primeira edição, 2000 cópias, impressas na Malásia, 2017

Editor: Appamādo Bhikkhu


Formatação: Venerável Gambhīro

Produzido com o sistema tipográfico LATEX.


Fonte utilizada: Gentium, Glacial Indifference, Crimson Roman,
Alegreya Sans e Fira Sans.
ÍNDICE

Nota de Edição v

Sammā Samādhi 1
Ajahn Chah

Nibbāna, Aqui e Agora 17


Ajahn Sumedho

A Perspectiva da Floresta 23
Ajahn Amaro

Reparar no Espaço 43
Ajahn Sumedho

Plasticidade Cerebral 53
Ajahn Vajiro

O Incondicionado 63
Ajahn Sumedho

Liberdade na Restrição 83
Ajahn Sundara

A Prática da Minhoca 93
Ajahn Ñāṇarato

Ser Ninguém 99
Ajahn Sumedho

Emoções Maduras 107


Ajahn Vajiro

Silenciosa Atenção e Mente-Espelho 113


Ajahn Vimalo

Para Além do Sentido de Si 117


Ajahn Sumedho

Porquê Ir a um Mosteiro 125


Ajahn Candasiri

iii
NOTA DE EDIÇÃO

No decorrer do processo do estabelecimento do Budismo Theravada


da Floresta em Portugal, foram traduzidos para Português várias
palestras e artigos, de monges e monjas desta Tradição,
Este livro é uma compilação desses textos que foram escolhidos e
traduzidos com o intuito de levar o Dhamma, versado pelos monás-
ticos Theravada, aos países lusófonos, de forma a que estes possam
beneficiar e melhor compreender o ensinamento do Buddha. A
maior parte destes textos são transcrições de palestras, à excepção
de: ‘A Perspectiva da Floresta’, extraído do livro ‘Small Boat, Great
Mountain’, de Ajahn Amaro, e ‘Emoções Maduras’, artigo escrito por
Ajahn Vajiro para a Newsletter do Mosteiro Bodhinyanarama.
Todos os autores destes textos são monásticos seniores da tradição
de Ajahn Chah.
Que o ensinamento aqui expresso possa contribuir para a conscien-
cialização e libertação de todos os seres.

v
FOLHAS DA ÁRVORE BODHI

Ensinamentos de Ajahn Chah e seus discípulos


SAMMĀ SAMĀDHI
ajahn chah

Desapego dentro da prática

Observemos o exemplo do Buddha. Ele era exemplar quer, na sua


própria prática quer, nos métodos que usou para ensinar os discípu-
los. O Buddha ensinou as bases da prática como métodos para que
nos livremos do orgulho. Ele não podia praticar por nós, e tendo
ouvido tais ensinamentos, devemos agora, continuar a praticar e a
ensinar a nós mesmos. Só desta forma teremos resultados, e não
somente por o ouvirmos.
O ensinamento do Buddha pode apenas dar-nos uma compreensão
inicial do Dhamma, mas não pode fazer com que o Dhamma fique
nos nossos corações. E porque não? Porque ainda não praticámos,
ainda não ensinámos a nós mesmos. O Dhamma emerge com a
prática. Conhecem-no através da prática. Se duvidarem do Dhamma,
duvidam da prática. Os ensinamentos dos mestres podem ser ver-
dade, mas somente ouvir o Dhamma não é, por si só, suficiente para
sermos capazes de o realizar. O ensinamento apenas indica qual o
caminho. Para realizar o Dhamma temos de agarrar no ensinamento
e trazê-lo para os nossos corações. A parte que é para o corpo,
aplicamos ao corpo, a parte que é para a fala aplicamos à fala e a
parte que é para a mente, aplicamos à mente. Isto significa que

1
2 Folhas da Árvore Bodhi

depois de ouvirmos o ensinamento devemos ensinar a nós mesmos


a reconhecer o Dhamma como tal.
O Buddha disse que aqueles que simplesmente acreditam nos outros
não são verdadeiramente sábios. Uma pessoa sábia pratica até se
tornar um com o Dhamma, até ter confiança em si próprio, indepen-
dentemente dos outros.
Numa dada ocasião, quando o Venerável Sariputta se encontrava
sentado aos pés do Buddha, escutando-o respeitosamente enquanto
este proclamava o Dhamma, o Buddha virou-se para ele e perguntou-
-lhe “Sariputta, acreditas neste ensinamento?” ao que o Venerável
Sariputta respondeu “Não (eu) não acredito neste ensinamento”.
Ora, esta é uma boa ilustração: o Venerável Sariputta ouviu e registou
e quando disse que ainda não acreditava não estava a ser insolente,
disse a verdade. Ele apenas considerou aquele ensinamento, mas
porque ainda não tinha desenvolvido a sua própria compreensão,
disse ao Buddha que ainda não acreditava no ensinamento, pois essa
era a verdade. Estas palavras quase ressoam como se o Venerável
Sariputta estivesse a ser rude, mas na verdade não estava. Ele disse
a verdade e o Buddha elogiou-o por isso: “Muito bem, muito bem,
Sariputta. Uma pessoa sábia não acredita de imediato, ela primeiro
investiga para depois acreditar”.
A convicção numa crença pode tomar várias formas. Uma dessas
formas está de acordo com o Dhamma, enquanto as restantes não,
tais como; a crença cega dos tolos, o entendimento incorrecto,
micchādiṭṭhi e compreensão incorrecta. Aqui não damos ouvidos a
mais ninguém.
Tomemos o exemplo do Brahmin Dighanakkha. Ele acreditava apenas
nele próprio e em mais ninguém. A dada altura, quando o Buddha
estava a descansar em Rajagaha, Dighanakkha foi ouvir os seus ensi-
namentos, ou podemos dizer que Dighanakkha foi ensinar o Buddha
pois ele tencionava expor os seus próprios pontos de vista… “Eu sou
da opinião de que nada me apraz, nada me preenche”. Isto era a sua
opinião. O Buddha ouviu e depois respondeu: “Brahmin, esta sua
opinião também não o preenche”.
Quando o Buddha respondeu desta forma Dighanakkha ficou estupe-
facto, não sabia o que dizer. O Buddha explicou de muitas maneira
até o Brahmin compreender. Ele parou para reflectir e percebeu…
“Uhmm, esta minha percepção não está certa”.
Ao ouvir a resposta do Buddha o Brahmin abandonou as suas opiniões
presunçosas e de imediato realizou a verdade. Ele transformou-se
naquele exacto momento, dando meia volta, tal como alguém com a
palma da mão virada para baixo, a vira para cima. Louvou o ensina-
mento do Buddha da seguinte forma: “Ao ouvir os ensinamentos do
Abençoado, a minha mente foi iluminada; como quando alguém que
vive na escuridão se apercebe da luz. É como se a minha mente fosse
um cálice invertido que foi virado para cima, tal como quando um
homem que, tendo estado perdido, encontra o seu caminho”. Nessa
altura um certo conhecimento surgiu da sua mente, de dentro dessa
mente, que foi correctamente colocada na sua posição vertical. A
percepção incorrecta desvaneceu-se e a correcta tomou o seu lugar.
A escuridão desapareceu e surgiu a luz.
O Buddha declarou que o Brahmin Dighanakkha foi alguém que abriu
o “Olho do Dhamma”. No princípio Dighanakkha estava agarrado
às suas próprias opiniões e não tinha intenção de as mudar. Mas
quando ouviu o ensinamento do Buddha a sua mente viu a verdade,
viu que agarrar-se àquelas percepções era incorrecto. Quando sur-
giu o correcto entendimento, foi capaz de discernir o seu entendi-
mento anterior como erróneo, daí comparar a sua experiência com
uma pessoa que vivia no escuro e que encontrou a luz. Naquele
momento o Brahmin Dighanakkha transcendeu a sua compreensão
incorrecta.

Sammā Samādhi 3
4 Folhas da Árvore Bodhi

Devemos transformar-nos desta maneira. Antes de abandonarmos


os nossos defeitos, mudamos a nossa perspectiva e começamos a
praticar correctamente e bem. Mesmo que em determinada altura
não tenhamos praticado nem correctamente nem bem, ainda assim
pensávamos que estávamos certos e que éramos bons. Quando
realmente vamos ao fundo desta questão, “endireitamo-nos”, tal
qual como virar uma mão para cima. Isto significa que “Aquele que
sabe”, ou a sabedoria, desponta na mente, capacitando então, a ver
as coisas de uma nova forma. Surge um novo tipo de consciência.
Assim, os praticantes devem treinar para desenvolver este conhe-
cimento (ao qual chamamos Buddho, “Aquele Que Sabe”) nas suas
mentes. Originalmente “Aquele Que Sabe” não está lá, o nosso
conhecimento não é claro, verdadeiro ou completo. Esse conheci-
mento é, portanto, demasiado fraco para que possamos treinar a
mente. Então a mente muda, ou inverte-se, como resultado desta
consciência, chamada de sabedoria ou realização, a qual excede o
estado consciente antecedente. O anterior, “aquele que sabe” ainda
não sabia realmente, sendo incapaz de nos levar ao nosso objectivo.
Assim, o Buddha ensinou-nos a observar interiormente, opanayiko.
Olhar para o interior, não para o exterior. Ou, se olharmos para o
exterior devemos também olhar para o interior, para aí observarmos
a causa e o efeito. Busquem a verdade em tudo, porque os objec-
tos exteriores e interiores influenciam-se sempre, mutuamente. A
nossa tarefa é desenvolver um determinado tipo de consciência até
que esta se torne mais forte que o estado de consciência anterior.
Isto faz com que sabedoria e realização aconteçam dentro da mente,
tornando-nos aptos a reconhecer claramente o seu funcionamento,
a sua linguagem e, detectar as formas e os meios de todos os nossos
defeitos.
Quando pela primeira vez deixou o seu lar para procurar a libertação,
o Buddha provavelmente não estava muito seguro do que fazer, tal
como nós. Ele tentou, através de muitas práticas desenvolver a sua
sabedoria. Ele procurou professores, tais como Udaka Ramaputta,
para praticar meditação, … sentado com a perna direita em cima
da esquerda, a mão direita na esquerda… o corpo alinhado … olhos
fechados… abrindo mão de tudo, até ser capaz de alcançar um ele-
vado nível de absorção, ou samādhi1 . Mas quando ele saiu desse
samādhi voltou à sua antiga forma de pensar e percebeu que iria
apegar-se de novo a ela, tal como anteriormente. Ao ver isto ele per-
cebeu que ainda não tinha realizado a sabedoria. A sua compreensão
ainda não tinha atingido a verdade, ainda estava incompleta, ainda
faltava algo. De alguma maneira, ao ver isto ele adquiriu alguma
compreensão – a de que isto ainda não era o cume da prática – mas
deixou aquele lugar para ir procurar um novo professor. Quando o
Buddha deixou o seu antigo professor, não o condenou; fez tal como
a abelha que tira néctar de uma flor sem danificar as pétalas.
O Buddha então prosseguiu e foi estudar com Alara Kalama e atingiu
um estado de samādhi ainda mais elevado, mas quando saiu desse
estado, Bimba e Rahula2 vieram de novo aos seus pensamentos, assim
como antigas memórias e sentimentos. Ainda tinha luxúria e desejo.
Reflectindo interiormente ele viu que não tinha conseguido ainda o
seu objectivo e, portanto, ele também deixou este professor. Ouviu
os seus professores e fez o seu melhor para seguir os seus ensina-
mentos. Ele investigou continuamente os resultados da sua prática;
não foi uma questão de fazer coisas, para de seguida as descartar e
fazer outras.
Mesmo no que diz respeito a práticas ascéticas, após as ter experi-
mentado, ele percebeu que passar fome até sermos só pele e osso é
algo que diz somente respeito ao corpo. O corpo não sabe nada. Pra-
ticar daquela forma era quase como executar uma pessoa inocente,
ignorando o verdadeiro ladrão.

1
O nível de nada, uma das “absorções sem forma”, por vezes chamada de sétimo
jhāna ou absorção.
2
Bimba, ou Princesa Yasodhara, a ex-mulher do Buddha; Rahula, o seu filho.

Sammā Samādhi 5
6 Folhas da Árvore Bodhi

Quando o Buddha viu isto percebeu que realmente a prática não diz
respeito ao corpo mas sim à mente. Attakilamathanuyogo auto-mor-
tificação – o Buddha tinha-a experimentado e percebeu que esta
limitava-se ao corpo. Na verdade, a iluminação de todos os Buddhas
acontece na mente.
Quando consideramos o corpo ou a mente, podemos colocar ambos
no mesmo “saco”, no “saco” do Transitório, Imperfeito e Não-eu
– aniccam, dukkham, anatta. Eles são simples condições da Natu-
reza, surgem, dependendo de factores de suporte, existem por um
período de tempo e depois acabam. Quando existem condições
apropriadas, elas voltam, existem por um período de tempo e depois
acabam outra vez. Estas coisas não são um “eu”, um “ser”, um “nós”
ou um “eles”. Não existe ninguém nessas coisas, apenas sensações.
A felicidade não tem um “eu” intrínseco, o sofrimento não tem um
“eu” intrínseco. Nenhum “eu” pode ser encontrado, pois são simples
elementos da natureza que começam, existem e acabam, passando
por este constante ciclo de mudança.
Todos os seres humanos tendem a identificar-se com o que surge,
com o que existe e com o que cessa. Agarram-se a tudo. Não querem
que as coisas sejam da forma como estão e também não querem que
seja deferente. Por exemplo, tendo começado, (eles) não querem
que as coisas terminem; tendo experienciado felicidade, (eles) não
querem sofrimento. Se surge o sofrimento, querem que este acabe
o mais rapidamente possível e seria ainda melhor que não voltasse
de todo. Isto é assim porque eles vêm o corpo e a mente como
sendo eles próprios, ou como pertencendo-lhes e portanto exigem
que estas coisas sigam as suas vontades.
Este tipo de raciocínio é como construir uma barragem ou um dique
sem construir uma passagem para deixar fluir a água. O resultado
é que a barragem rebenta. E o mesmo acontece com este tipo de
raciocínio. O Buddha viu que pensar desta forma é a causa para o
sofrimento. Vendo a causa, o Buddha abandonou-a.
Esta é a Nobre Verdade da Origem do Sofrimento. As Verdades do
Sofrimento, da sua Origem, da sua Cessação e do Caminho que leva a
essa Cessação…as pessoas ficam presas justamente aí. Se as pessoas
tiverem que ultrapassar as suas dúvidas é precisamente aqui que
o farão. Ao ver que as coisas são simplesmente rūpa e nāma, ou
corporalidade e mentalidade, torna-se óbvio que elas não são um
ser, uma pessoa, um “nós” ou um “eles”. Elas seguem simplesmente
as leis da Natureza.
A nossa prática é conhecer as coisas desta forma. Não temos real-
mente o poder de as controlar, não somos os seus donos. Tentar
controlar traz sofrimento, pois na verdade elas não são nossas para
que as possamos controlar. O corpo e a mente não somos nós, nem
os outros. Se soubermos esta realidade podemos ver claramente.
Vemos a verdade, somos um com ela. É como ver um pedaço de ferro
quente, vermelho, aquecido na fornalha. Todo ele está quente. Quer,
lhe toquemos em cima, quer, em baixo ou dos lados, está sempre
quente. Não importa onde lhe tocamos, está quente. É desta forma
que deveríamos compreender as coisas.
Quando começamos a praticar, basicamente queremos obter ou atin-
gir algo - saber e ver - mas ainda não sabemos o que é que vamos
atingir ou saber. Havia um discípulo meu cuja prática estava repleta
de dúvidas e confusão. Mas ele continuou a praticar e eu continuei
a instruí-lo até ele começar a encontrar alguma paz. Mas quando
ele, eventualmente, ficava um pouco mais calmo, levantava-se e
perguntava “O que faço a seguir?” Pronto! Surgia novamente a
confusão. Ele dizia que queria paz, mas quando a alcançava não a
queria e perguntava o que fazer a seguir.
Nesta prática devemos fazer tudo com desapego. Como nos desa-
pegamos? Desapegamo-nos quando vemos as coisas claramente.
Conhecer as características do corpo e da mente tal como são. Medi-
tamos para encontrarmos paz, mas ao fazê-lo vimos aquilo que não
é pacífico. Isto acontece porque a natureza da mente é movimento.

Sammā Samādhi 7
8 Folhas da Árvore Bodhi

Quando praticamos samādhi colocamos a nossa atenção nas inspira-


ções e nas expirações na ponta do nariz ou no lábio superior. Este
elevar da mente para a concentração é chamado vitakka ou “elevar”.
Quando temos então a mente elevada e fixa num objecto, a isto
chama-se vicāra, a contemplação da respiração na ponta do nariz.
Esta qualidade de vicāra irá naturalmente misturar-se com outras
sensações mentais e podemos pensar que a nossa mente não está
calma e que não vai acalmar, mas na verdade são os resultados de
vicāra enquanto se entrelaçam com essas sensações. É claro que se
isto for demasiado longe na direcção errada, a mente irá perder a
sua concentração e aí deveremos redireccioná-la, refrescá-la, elevá-
-la para o objecto de concentração através do vitakka. Assim que
tivermos estabelecido a nossa atenção o vicāra predomina, mistu-
rando-se com as várias sensações mentais.
Quando vemos isto acontecer, a nossa falta de compreensão pode
levar-nos a questionar: “porque é que a minha mente divagou? Eu
quero que ela fique calma, porque é que ela não fica calma?” Isto é
praticar com apego.
Na verdade, a mente está apenas a seguir a sua natureza, mas nós
acrescentamos algo a essa actividade por querermos que a mente
fique calma. Para além de tudo isto, surge a aversão, aumentando
as nossas dúvidas, o nosso sofrimento ou a nossa confusão. Portanto,
se houver vicāra, reflectindo nos vários acontecimentos que se dão
dentro da mente, deveríamos sabiamente reflectir… “Ah, a mente
é naturalmente assim”. Ora aí está, esse é “Aquele Que Sabe” a
falar, dizendo-nos para vermos as coisas tal como são. A mente é
simplesmente assim. Entregamo-nos a isso e então a mente fica
pacífica. Quando já não estiver centrada trazemos de novo vitakka e
em breve haverá calma outra vez. Vitakka e vicāra trabalham desta
forma juntos. Usamos vicāra para contemplar as várias sensações
que surgem. Quando vicāra se torna gradualmente mais disperso
trazemos de novo a nossa atenção através do vitakka.
Aqui o ponto importante é que a esta altura a nossa prática deverá
ser levada a cabo com desapego. Ao ver o processo do vicāra a
interagir com as sensações mentais podemos julgar que a mente está
confusa e tornarmo-nos avessos a este processo. Aqui está a causa.
Não estamos contentes, pois queremos que a mente esteja calma.
Esta é a causa – perspectiva errada. Se corrigirmos apenas um boca-
dinho a nossa perspectiva, observando esta actividade como apenas
a natureza da mente, torna-se por si só suficiente para descartar a
confusão. A isto chama-se desapego.
Se não nos apegarmos, se praticarmos com desapego… desapego
dentro da prática e prática dentro do desapego, se aprendermos a
praticar desta forma, então vicāra naturalmente terá menos com que
se ocupar. Se a nossa mente deixar de estar perturbada, então vicāra
tenderá a contemplar o Dhamma, pois se não o fizer a mente ficará
de novo distraída.
Portanto existe vitakka seguida de vicāra, vitakka seguida de vicāra,
vitakka seguida de vicāra, continuamente até vicāra tornar-se gra-
dualmente mais subtil. No princípio vicāra abrange toda a nossa
percepção mental. Quando percebermos que é apenas a actividade
natural da mente, não nos incomodará a menos que nos apeguemos.
É como a corrente de água num rio. Se nos tornarmos obcecados,
perguntando “porque corre?” então iremos naturalmente sofrer. Se
compreendermos que a água corre porque assim é a natureza, então
não haverá sofrimento. Vicāra é assim. Existe vitakka seguida de
vicāra, interagindo com as sensações mentais. Podemos usar estas
sensações como objecto de meditação, acalmando a mente através
da observação dessas sensações.
Se desta forma conhecermos a natureza da mente então desape-
gamo-nos, da mesma forma que deixamos a água correr. Vicāra
torna-se cada vez mais subtil. Talvez a mente passe a ter a tendência
para contemplar o corpo, ou a morte, por exemplo, ou algum outro
tema do Dhamma. Quando o tema de contemplação está presente,

Sammā Samādhi 9
10 Folhas da Árvore Bodhi

surge um sentimento de bem-estar. O que é esse bem-estar? É pīti


(êxtase). Pīti, surge bem-estar. Pode manifestar-se como arrepios
(“pele de galinha”), uma sensação de frescura ou de leveza. A mente
está extasiada. A isto chama-se pīti. Existe também prazer (sukha), o
ir e vir de várias sensações, e o estado de ekaggatārammana (a mente
focada numa só direcção ou num só ponto; o oposto de dispersa).
Se falarmos em termos do primeiro estágio de concentração, temos:
vitakka, vicāra, pīti, sukha, ekaggatā. Então como é o segundo estágio?
Enquanto a mente se torna progressivamente mais subtil, vitakka
e vicāra tornam-se, comparativamente, mais densos, sendo assim
descartados deixando apenas pīti, sukha e ekaggatā. Isto é algo que
a mente faz por si própria, não temos de conjecturar acerca disto,
apenas conhecer a natureza das coisas tal como são.
Quando a mente se torna mais refinada, pīti será eventualmente des-
cartada, deixando apenas sukha e ekaggatā, e iremos aperceber-nos
disso. Para onde é que pīti foi? Não foi a lado algum, o que acontece
é que a mente vai-se tornando, gradualmente, mais subtil e, por
isso, descarta aquelas qualidades que são demasiado densas para ela.
Tudo o que é demasiado denso é descartado até alcançar o ponto de
subtileza conhecido nos livros como Quarto Jhāna, o mais elevado
nível de absorção. Nesse ponto a mente retirou, progressivamente,
tudo o que se tornou demasiado denso, até permanecerem somente
ekaggatā e upekkhā, equanimidade. Não há nada mais além disto, este
é o limite.
Quando a mente está a desenvolver os estágios de samādhi deve pro-
ceder desta forma, mas compreendam, por favor, o básico da prática.
Queremos acalmar a mente mas ela não ficará calma. Isto é praticar
por desejo, contudo, não nos apercebemos disso. Desejamos calma.
A mente está sempre perturbada e nós ainda perturbamos mais
por querermos que fique calma. Este mesmo querer é a causa.
Não vemos que o desejo de que a mente acalme é tanha (anseio).
Apenas aumentamos o fardo. Quanto mais desejamos calma, mais
perturbada fica a mente, até que desistimos. Acabamos por estar
sempre a lutar, sentados às “turras” connosco próprios. Porquê?
Porque não reflectimos na maneira como predispomos a mente.
Conheçam as condições da mente por aquilo que elas são. Seja o que
for que apareça, apenas observem. Trata-se puramente da natureza
da mente, não é danosa a menos que não a compreendamos. Não
é perigosa se virmos a sua actividade pelo aquilo que é. Então
praticamos com vitakka e vicāra até a mente começar a acalmar e
a tornar-se mais dócil. Quando surgem sensações, observamo-las e
começaremos então, a conhecê-las.
Contudo, normalmente temos a tendência para lutar com elas por-
que desde o princípio estamos determinados a acalmar a mente.
Assim que nos sentamos os pensamentos vêm angustiar-nos. Assim
que designamos o nosso objecto de meditação a nossa atenção
vagueia por todos os pensamentos, achando que esses pensamentos
vieram para nos perturbar. Mas, na verdade, o problema começa
imediatamente ali, desse mesmo querer.
Se virem que a mente está somente a comportar-se de acordo com a
sua natureza, onde os pensamentos vão e vêm naturalmente, não
se foquem nisso demasiado. Podemos compreender os caminhos
da mente, assim como compreendemos as crianças. As crianças
dizem todo o tipo de coisas, não sabem fazer melhor. Se as com-
preendermos, então deixamo-las falar, pois elas o fazem natural-
mente. Quando abrimos mão, não existe nenhuma obsessão com
a criança. Podemos falar com os nossos convidados imperturba-
velmente, enquanto a criança tagarela e brinca à nossa volta. A
mente é assim. Não é danosa a menos que nos agarremos a ela e
nos tornemos obcecados. Isso é a verdadeira causa dos enredos.
Quando surge pīti, sentimos um prazer indescritível que apenas
quem experiencia consegue apreciar. Sukha (prazer) surge, e tam-
bém a qualidade de focar num só ponto. Ocorrem vitakka, vicāra,
pīti, sukha e ekaggatā. Todas estas cinco qualidades convergem para

Sammā Samādhi 11
12 Folhas da Árvore Bodhi

um ponto. Apesar se serem qualidades diferentes, elas estão todas


reunidas num mesmo sítio, e podemos observá-las, como quando
vemos diferentes tipos de fruta na mesma tigela. Vitakka, vicāra,
pīti, sukha e ekaggatā, são as cinco qualidades que podemos ver na
mente. Se alguém perguntasse “Como é que vitakka está lá, como
é que vicāra está lá, como é que estão lá pīti e sukha?”, seria difícil
responder. Mas quando elas convergem na mente, podemos ver
como é, por nós próprios.
A esta altura a nossa prática torna-se de certa forma especial. Deve-
mos ter interiorização e auto consciência e não nos dispersarmos.
Saibam definir as coisas. Estes são estágios de meditação, o poten-
cial da mente. Não tenham dúvidas de nada no que respeita à
prática. Mesmo que se afundem na terra ou voem pelo ar, ou mesmo
que “morram” enquanto estão sentados, não duvidem disso. Quais-
quer que sejam as qualidades da mente, fiquem pelo conhecimento
destas. Não dispersem
Esta é a nossa base: ter sati, interiorização e sampajanna, auto-cons-
ciência, quer estejamos em pé, quer a andar, sentados ou deitados.
O que quer que surja, deixem-no “ser”, não se agarrem a isso. Seja
agradável ou desagradável, felicidade ou sofrimento, dúvida ou cer-
teza, contemplem com vicāra e verifiquem os resultados dessas qua-
lidades. Não tentem rotular tudo, apenas reconheçam. Percebam
que todas as coisas que surgem na mente são simples sensações. São
transitórias; começam, existem e acabam. Isso é tudo o que elas são,
não têm um “eu” ou um ser, não são “nós” ou “eles”. Não vale a pena
agarrarmo-nos a nenhuma delas.
Quando vemos toda a rūpa e nāma1 desta forma, com sabedoria,
então vemos os arquétipos. Apercebemo-nos da transitoriedade da
mente e do corpo, da transitoriedade da felicidade, do sofrimento,
do amor e do ódio: tudo é impermanente. Ao observar isto a mente

1
Rūpa: objectos materiais ou físicos; nāma: objectos imateriais ou mentais. Os
constituintes físicos e mentais do ser.
fica cansada; cansada do corpo e dela própria, cansada de coisas
que surgem e cessam e que são transitórias. Quando a mente se
“desencanta” procura uma forma de largar todas estas coisas. Já não
quer ficar presa a coisas, apercebe-se da falta de nexo deste mundo
e da falta de nexo do nascimento.
Quando a mente vê assim, onde quer que estejamos vemos aniccam
(Transitoriedade), dukkham (Imperfeição) e anatta (Não-eu). Não
resta nada ao qual nos agarrarmos. Quer nos sentemos debaixo de
uma árvore, quer no topo de uma montanha ou num vale, consegui-
mos ouvir o ensinamento do Buddha. Todas as árvores parecerão
uma, todos os seres serão Um, não haverá nada de especial acerca de
nenhum deles em particular. Todos eles começam, existem durante
um período, envelhecem e morrem.
Vemos então o corpo e a mente com mais clareza e o mundo de
forma mais nítida. Eles tornam-se mais claros à luz da Transito-
riedade, à luz da Imperfeição e à luz do “Não-eu”. Se as pessoas
se agarrarem seguramente às coisas, sofrem. É assim que começa
o sofrimento. Se virmos que o corpo e a mente são simplesmente
como são, não surge sofrimento algum, porque não nos agarramos
de imediato a eles. Em qualquer lugar temos sabedoria. Até mesmo
ao observar uma árvore podemos observá-la à luz da sabedoria.
Olhar para a relva e para os vários insectos torna-se alimento para
reflexão. Quando chega a este ponto vai tudo para o mesmo “saco”.
É tudo Dhamma. Tudo é invariavelmente transitório. Esta é a ver-
dade, este é o verdadeiro Dhamma, isto é uma certeza. Como pode
ser uma certeza? É uma certeza no sentido de que o mundo é assim e
nunca poderá ser de outra forma. Não existe nada mais nele do que
isto. Se conseguirmos ver isto, então terminamos a nossa jornada.
No Budismo, no que respeita a pontos de vista, diz-se que achar
que somos mais tolos que os outros, está errado; achar que somos
iguais aos outros, está errado; e achar que somos melhores que os
outros, está errado… porque não existe nenhum “nós”. Precisamos

Sammā Samādhi 13
14 Folhas da Árvore Bodhi

de desenraizar os conceitos. A isto chama-se lokavidū – conhecer


claramente o mundo como ele é. Se virmos então a verdade, a mente
vai indubitavelmente reconhecê-la e ceifará a causa do sofrimento.
Quando já não existe causa, não poderá haver consequência. É desta
forma que a nossa prática deverá prosseguir.
As bases que precisamos desenvolver são: primeiro, ser honesto e
sincero; segundo, estar consciente de que erramos; terceiro, ter o
atributo de humildade dentro do nosso coração, ser frugal e conten-
tar-se com pouco. Se vivermos contentes falando pouco e atentos
em todas as outras coisas, ver-nos-emos a nós próprios, não seremos
levados por distracções. A mente ficará assente em sila, samādhi e
paññā.
Portanto, aqueles que cultivam o caminho não devem ser descuida-
dos. Mesmo que estejam correctos, não sejam descuidados. E se
estiverem errados, não sejam descuidados. Se as coisas estiverem
a correr bem e se sentirem felizes, não sejam descuidados. Porque
digo “não sejam descuidados?” Porque todas as coisas são incertas.
Tenham-nas como tal. Se estiverem a sentir paz, deixem a paz
acontecer. Podereis realmente desejar continuar a desfrutar da paz,
mas deveis saber a sua natureza; e o mesmo se aplica às qualidades
desagradáveis.
O cultivo da prática mental pertence a cada indivíduo. O professor
só explica como treinar a mente, pois esta é única em cada indivíduo.
Sabemos o que está lá, ninguém pode conhecer a nossa mente tão
bem quanto nós. A prática requer este tipo de honestidade. Façam-
-no diligentemente, não a meio gás. Quando digo “diligentemente”
quer isso dizer que se devem exaurir? Não, não têm que se exaurir
porque a prática é feita na mente. Se souberem isto, então saberão
o que é a prática. Não precisam de muito. Usem apenas as bases da
prática para reflectirem interiormente sobre vós próprios.
Neste momento estamos a meio do Retiro das Chuvas. Para a
maior parte das pessoas é normal deixar a prática “descarrilar”
depois de algum tempo. Não são consistentes do princípio ao fim.
Isto demonstra que a sua prática ainda não está madura. Tendo
determinado uma dada prática no início do retiro, qualquer que
esta seja, devemos levar essa resolução até ao fim. Durante estes
três meses pratiquem consistentemente. Devem tentar. Seja o que
for que determinaram como prática, levem isso em consideração e
observem se a prática está a enfraquecer. Se for o caso façam um
esforço para restabelecê-la. Continuem a refrescar a prática, tal
como quando praticamos concentração na respiração. Enquanto
a respiração se dá, fora e dentro, a mente distrai-se. Então resta-
beleçam a atenção na respiração. Quando a vossa atenção vagueia
de novo tragam-na de volta mais uma vez. Isto é o mesmo, no que
diz respeito, quer ao corpo, quer à mente a prática continua desta
forma. Por favor façam um esforço nesse sentido.

Tradução de Appamādo Bhikkhu

Sammā Samādhi 15
NIBBĀNA, AQUI E AGORA
ajahn sumedho

A dificuldade com a palavra Nibbāna é que o seu significado está para


além das palavras. É, essencialmente, indefinível.
Outra dificuldade é que vários budistas vêm o Nibbāna (Sânscrito:
Nirvāna) como algo inatingível - como algo tão elevado e tão remoto
que não somos suficientemente merecedores de o realizar. Ou então
vemos o Nibbāna como um objectivo, algo desconhecido e indefinido,
que devemos de alguma maneira tentar atingir.
A maior parte de nós está condicionada desta maneira. Queremos
alcançar ou atingir algo que não temos. Desta forma, o Nibbāna é
visto como algo que, se trabalharmos arduamente, mantivermos os
preceitos morais (sīla), meditarmos diligentemente, tornarmo-nos
monásticos e devotarmos a nossa vida à prática, talvez possamos
alcançar – ainda que não estejamos certos do que é.
Ajahn Chah usaria as palavras “a realidade do não-apego” como
definição do Nibbāna: realizar a realidade do “não-apego”. Isto
ajuda a colocá-la num contexto, porque aqui o ênfase é em despertar
para a maneira como nos apegamos e agarramos inclusivamente a
palavras como “nibbāna”, “Budismo”, “prática”, “sīla” ou seja o que
for.

17
18 Folhas da Árvore Bodhi

Diz-se frequentemente que o caminho budista é o do desapego,


porém isso pode tornar-se apenas noutra afirmação à qual nos
apegamos e agarramos. É um Catch 221 : não importa o quanto
queremos que faça sentido, termina-se em confusão total devido à
limitação da linguagem e da percepção. Temos de ir além da lingua-
gem e da percepção, e o único modo de ir além dos pensamentos
e hábitos emocionais é através da tomada de consciência - sermos
conscientes dos pensamentos e das emoções. “A ilha para além da
qual não se pode ir” é a metáfora para este estado de ser desperto
e consciente, em oposição ao conceito de nos tornarmos despertos e
conscientes.
Nas aulas de meditação, as pessoas começam frequentemente com
uma ilusão básica, a qual nunca chegam a pôr à prova: a ideia de
que “eu sou alguém com muitos apegos e muitos desejos e tenho de
praticar de modo a livrar-me destes apegos e desejos. Não me devo
agarrar a nada”. Este é geralmente o ponto de partida. Portanto,
começamos a nossa prática a partir desta base e, muitas vezes, o
resultado é a desilusão e o desapontamento, pois a nossa prática está
baseada no apego a uma ideia.
Eventualmente, apercebemo-nos que independentemente do
esforço que façamos para nos libertarmos do apego e do desejo,
ou de qualquer outra coisa - tornarmo-nos monges ou ascetas,
sentarmo-nos por horas e horas, irmos a retiros vezes sem conta,
fazer todas as coisas que acreditamos que livrarão dessas tendências
– acabamos por nos sentir desapontados, porque a ilusão básica
nunca foi reconhecida.
É por isso que a metáfora de “a ilha para além da qual não se pode ir”
é tão poderosa, pois aponta para o princípio duma consciência além

1
Catch 22 é um livro de Joseph Heller, onde predomina uma lógica auto-contra-
ditória, repleta de paradoxos e contra-sensos, sendo circular e repetitiva; a irraci-
onalidade lógica prevalece em todo o livro. Daí a analogia, por não conseguirmos
chegar a um consenso devido à limitação das palavras e percepções.
da qual não se pode ir. É muito simples, muito directo e impossível
de ser concebido. Temos de confiar nisso, temos de confiar nesta
simples capacidade que todos possuímos de estarmos totalmente
presentes e totalmente despertos, e começar a reconhecer o apego
e as ideias que temos sobre nós mesmos, sobre o mundo à nossa
volta, sobre os nossos pensamentos, percepções e sentimentos. O
caminho da plena atenção é o caminho do reconhecimento das
condições tal como elas são. Reconhecemos simplesmente a sua
presença, sem as julgar, criticar ou louvar. Aceitamos a sua presença,
quer sejam condições positivas quer negativas. E, à medida que
vamos confiando cada vez mais nesta consciência ou plena atenção,
começamos a experienciar a realidade de “a ilha para além da qual
não podemos ir”.
Quando comecei a praticar meditação, a ideia que tinha de mim era
a de alguém que estava muito confuso. Queria sair desta confusão
e livrar-me dos meus problemas, e tornar-me alguém com um pen-
samento lúcido, que poderia um dia tornar-se iluminado. Foi isso
que me levou à meditação budista e à vida monástica. Mas depois,
reflectindo nesta posição de que “sou alguém que precisa de fazer
algo”, comecei a ver isso como uma condição criada - uma ideia que
eu tinha criado. E se eu actuasse a partir desse pressuposto, ainda
que pudesse vir a desenvolver todo o tipo de aptidões e viver uma
vida louvável, boa e benéfica para mim e para os outros, no fim
da história, poder-me-ia sentir bastante desapontado por não ter
atingido o objectivo do Nibbāna.
Felizmente que na vida monástica tudo é direccionado para o
momento presente. Estamos sempre a aprender a pôr à prova as
nossas ideias sobre de nós mesmos e a vermos para além das mesmas.
Um dos maiores desafios é enfrentar a ideia de que “sou alguém que
precisa de fazer algo para se tornar iluminado no futuro”, através
do simples reconhecimento disso, como uma assunção criada por
nós. Aquilo que é consciente em nós, sabe que essa ideia é algo

Nibbāna, Aqui e Agora 19


20 Folhas da Árvore Bodhi

criada a partir da ignorância, ou da falta de compreensão. Quando


vemos e reconhecemos isto totalmente, então paramos de criar
essas suposições.
Estar consciente não é fazer juízos de valor acerca dos nossos pen-
samentos, emoções, acções ou palavras. Ser consciente é compreen-
der essas coisas integralmente - elas são o que são, neste momento.
Desta forma, descobri que é muito útil aprender a estar consciente
das condições sem as julgar. Assim, o karma resultante das pala-
vras e acções passadas, tal como surge no presente, é inteiramente
reconhecido sem ser deturpado, sem se tornar num problema. É
o que é. Aquilo que surge cessa. Quando reconhecemos isto e
permitimos que as coisas cessem de acordo com a sua natureza,
essa realização da cessação dá-nos uma fé crescente na prática do
desapego. Os apegos que temos, ainda que às coisas boas, como
por exemplo, ao Budismo, também podem ser vistos como apegos
que nos cegam. Isso não quer dizer que tenhamos de nos livrar
do Budismo; simplesmente reconhecemos o apego como apego e
constatamos que nós mesmos o criamos devido à nossa ignorância.
À medida que vamos reflectindo sobre isto, a tendência para nos
apegarmos às coisas vai diminuindo, e a realidade do não-apego
revela-se naquilo que podemos chamar de Nibbāna. Se virmos a
partir deste prisma, o Nibbāna existe aqui e agora. Não é algo
para alcançarmos no futuro. A realidade está aqui e agora. É
mesmo muito simples, mas está para além das palavras, da descrição.
Não pode ser outorgado nem mesmo transmitido, apenas pode ser
conhecido por cada pessoa, por si própria.
Quando começamos a realizar ou a reconhecer o desapego como
o Caminho, podemos sentir-nos bastante amedrontados com isso.
Pode parecer que está a ocorrer uma espécie de aniquilação: tudo
aquilo que penso que sou no mundo, tudo aquilo que assumo como
estável e real começa a desvanecer-se e isso pode ser assustador.
Mas se tivermos fé para continuar a aguentar essas reacções emo-
cionais e se deixarmos que aquilo que surge, acabe, de acordo com
a sua natureza, então encontraremos a nossa estabilidade, não em
alcançar ou atingir algo, mas em ser – ser desperto, ser consciente.
Há muitos anos, no livro de William James “The Varieties of Religious
Experience” (“As Variedades da Experiência Religiosa”), encontrei
um poema de A. Charles Swinburne. Apesar de ter aquilo que alguns
descreveram como uma mente degenerada, Swinburne produziu
algumas reflexões bem poderosas:

Aqui começa o mar que não termina senão no fim do mundo.


Onde nos encontramos,
pudéssemos nós ver o próximo farol de alto mar,
para além destas ondas que brilham,
Saberíamos o que homem algum soube
ou que olhar humano algum perscrutou…
Ah, mas aqui o coração do homem palpita, ansioso pelo
desconhecido com venturosa alegria,
A partir da margem que não tem margem para além dela,
presente em todo o mar.

(Extracto de “On the Verge”, em “A Midsummer Holiday”)

O poema é um eco da resposta do Buddha à pergunta de Kappa, que


se encontra no Sutta Nipata:

A seguir vem Kappa, o estudante brahmin.

“Senhor, disse ele, há pessoas presas no meio da corrente, no


terror e no medo do ímpeto do rio do ser, onde a morte e a
decrepitude os afogam. Para o bem deles, Senhor, dizei-me
onde encontrar uma ilha, dizei-me onde existe terra firme,
fora do alcance de toda esta dor”.

Nibbāna, Aqui e Agora 21


22 Folhas da Árvore Bodhi

“Kappa, disse o Mestre, para o bem dessas pessoas presas no


meio do rio do ser, oprimidas pela morte e pela decrepitude,
Eu dir-te-ei onde encontrar terra firme”.
“Existe uma ilha, uma ilha para além da qual não podes ir.
É um lugar de ‘não-existência’, um lugar de “não-possessi-
vidade” e de “não-apego”. É o fim definitivo da morte e
da decrepitude, e é por isso que eu o chamo de Nibbāna (o
extinguido, o sereno)”.
“Há pessoas que, em plena consciência, o realizaram e estão
completamente serenas, aqui e agora. Elas não se tornam
escravos a trabalhar para Mara, para a Morte; elas não são
subjugadas pelo seu poder”.
SN 1092-5 (traduzido por Ven. Saddhatissa)

Em Inglês, “nada” (nothingness) pode soar como aniquilação, como


niilismo. Mas também se pode colocar a ênfase na palavra “exis-
tência” (thingness), e aí tem-se algo como “não-existência” (no-thing-
ness). Portanto, o Nibbāna não é uma coisa que se possa encontrar. É
o lugar da “não existência”, da “não possessividade” e do desapego.
É um lugar, como disse Ajahn Chah, onde se experiencia “a realidade
do não-apego”. Nibbāna é uma realidade que cada um de nós pode
conhecer por si mesmo - assim que reconhecermos e realizarmos o
não-apego.

Tradução de Anagārika Filipe


A PERSPECTIVA DA FLORESTA
ajahn amaro

Quando estou em contacto com os ensinamentos Dzogchen, tenho


frequentemente a estranha sensação de ouvir os ecos e ver as ima-
gens dos meus próprios mestres, Ajahn Chah e Ajahn Sumedho, quer,
pela maneira como esses ensinamentos descrevem princípios com
os quais estou familiarizado, quer, pelo uso de algumas das mesmas
analogias e frases. Quando me apercebi desta semelhança, dei-me
conta que tinha estado a praticar de um modo parecido ao Dzogchen
durante pelo menos a última metade da minha vida monástica,
desde aproximadamente 1987. Se eu tivesse sobrancelhas, acho que
as teria erguido um pouco!
Mas talvez a convergência não seja tão surpreendente. Afinal, todos
temos o mesmo mestre: o Dhamma provém do Buddha e está enrai-
zado na nossa própria natureza. Pode haver 84.000 distintas portas
para o Dhamma, mas em essência há um só Dhamma.
Existem vários ensinamentos Tibetanos que com o passar do tempo
passei a apreciar, em especial aqueles que descrevem a excelsa ana-
tomia e nuances de rigpa1 , também traduzido como conhecimento
ou perspectiva. A tradição da Floresta da Tailândia, a linhagem na

1
Rigpa: é o conhecimento proveniente da realização da nossa própria natureza,
quando realizamos e sabemos que existe uma liberdade primordial, anterior à nossa
identificação com a mente.

23
24 Folhas da Árvore Bodhi

qual predominantemente treinei, depende mais da eloquência e ins-


piração de alguns mestres que improvisam temas do Dhamma que
lhes ocorrem no momento. Isto mantém os ensinamentos vivos e
frescos, mas também significa que pode haver muita inconsistência
na maneira como os conteúdos são expressos. Por isso, aprendi
muito com a natureza bem estruturada e sistematizada dos ensina-
mentos Dzogchen.
Os ensinamentos de Ajahn Chah cobriam temáticas de âmbito bas-
tante alargado, mas ele era particularmente notável pela maneira
aberta, hábil e livre com que falava sobre a esfera da derradeira
realidade. E ele era capaz de o fazer com qualquer pessoa que ele sen-
tisse ser capaz de compreender, fossem leigos ou monásticos. A sua
maneira de falar sobre esse tema e sobre a “consciência que sabe” – a
sua compreensão do conhecimento – reflecte muitas similaridades
com o Dzogchen. Por conseguinte, pensei que descrever algumas
dessas similaridades poderia ajudar, bem como descrever alguns dos
métodos ensinados por Ajahn Sumedho, o discípulo sénior ocidental
de Ajahn Chah. Tentarei também proporcionar outros ângulos ou
pontos de vista da tradição Theravada, que têm alguma relevância
na nossa compreensão e prática nesta área.

Quanto mais nos apressamos, mais devagar avançamos

É fácil ficar muito ocupado com a vida espiritual, até mesmo com-
pelido e obcecado. Durante os primeiros 10 anos da minha vida
monástica tornei-me um monge, até certo ponto fanático. Isto pode
parecer um paradoxo, mas não é de forma nenhuma impossível. Eu
tentava fazer tudo a 120 por cento.
Levantava-me de manhã muito cedo e fazia todo o tipo de práticas
ascéticas, todos os tipos de pujas especiais e coisas do género. Nem
sequer me deitava; não me deitei para dormir durante cerca de três
anos. Por fim dei-me conta que estava a fazer coisas a mais e não
havia nenhuma noção de espaço interno ao longo do dia.
Estava desesperadamente ocupado com a meditação. Durante
aquela época, a minha vida estava completamente preenchida.
Estava sempre um pouco empertigado e agitado. Não conseguia
sequer comer ou atravessar o pátio sem que isso fosse um problema.
Por fim questionei-me: “Porque estou a fazer isto? É suposto viver
esta vida em paz, para a realização, para a libertação, e no entanto
os meus dias estão todos atafulhados.”
Eu já devia ter percebido a mensagem há muito tempo. Costumava
sentar-me no chão duro, sendo o uso de um zafu (almofada para
meditação) um sinal de fraqueza para mim. Uma das monjas ficou
tão farta de me ver adormecer durante todas as sessões que aproxi-
mou-se e perguntou, “Posso lhe oferecer uma almofada, Ajahn?”
“Não muito obrigado, não preciso.”
Ela respondeu, “Eu acho que o Ajahn precisa.”
Finalmente, fui ter com o Ajahn Sumedho e disse, “Decidi abrir
mão das minhas práticas ascéticas. Vou simplesmente seguir a
rotina habitual e fazer tudo de modo absolutamente normal.” Foi a
primeira vez que o vi ficar empolgado. “Finalmente!” foi a resposta
dele. Pensei que ele fosse dizer, “Bem, se achas que sim….”
Ele estava à espera que eu percebesse que o importante não era a
quantidade de coisas que eu fazia, as horas que passava sentado
em meditação, a quantidade de mantras que recitava ou o quão
estritamente eu seguia as regras. O que importava era incorporar o
espírito do não-devir e do não-lutar em tudo o que fazia. De repente
percebi que a importância do não-lutar era algo que Ajahn Sumedho
havia ensinado por muitos anos; eu simplesmente tinha estado a
ouvir.

A Perspectiva da Floresta 25
26 Folhas da Árvore Bodhi

Ajahn Sumedho encorajava o estar consciente daquilo a que chama-


mos a “tendência para o devir”. Em pāli a palavra é “bhava”; na
tradição Tibetana a palavra é usada da mesma forma. Ela descreve o
desejo de nos tornarmos algo. Fazemos isto para obter aquilo. Trata-
-se de estarmos sempre ocupados, sempre a “fazer algo” sempre a
controlar o método, as práticas, as regras e a mecânica de modo a
chegar a algum lugar. Este hábito é a causa de muitos dos nossos
problemas.
Para que as sementes cresçam precisamos de solo, estrume, água e
luz solar. Mas se o saco de sementes ficar no armazém, continua
a faltar-nos o elemento essencial. Enquanto arrastamos o estrume
e a água de um lado para o outro, sentimos que estamos a fazer
algo. “Estou mesmo a trabalhar arduamente na minha prática!”
Enquanto isso, o mestre está ali em pé ao lado do saco de sementes
relembrando-nos (gesticula como se estivesse a apontar para um
saco no canto).
Ajahn Sumedho fala repetidamente sobre ser iluminado em vez de
tornar-se iluminado no futuro. “Estejam despertos agora; sejam
iluminados no momento presente. Não se trata de fazer algo agora
para se iluminarem depois. Esse tipo de pensamento está coligado
com o eu e o tempo e não produz frutos”. Os ensinamentos Dzog-
chen são iguais. Não se trata de encontrar rigpa como um objecto
ou de fazer algo agora para obter rigpa no futuro; trata-se de na
verdade ser rigpa agora. Assim que começamos a fazer algo com
isso ou a dizer, “Eh, olha, consegui” ou “Como posso mantê-lo?” a
mente agarra-se a esse pensamento e abandona rigpa – a menos que
o pensamento seja visto como apenas mais uma formação dentro do
espaço de rigpa.
O próprio Ajahn Sumedho nem sempre tinha tido a maior clareza
em relação a este ponto. Muitas vezes ele contava a história sobre
as suas próprias obsessões em ser “um meditador”. O método
de ensino de Ajahn Chah colocava bastante ênfase na prática de
meditação formal. Mas ele também era extremamente dedicado em
não fazer da meditação formal algo distinto do resto da vida. Falava
sobre manter a continuidade da prática quer fosse a caminhar, em
pé, sentados ou deitados. O mesmo se aplicava a comer, usar a casa
de banho e trabalhar. O ponto era manter uma contínua atenção
consciente. Ele costumava dizer, “Se a tua paz jaz no assento de
meditação, quando te levantas do assento deixas a tua paz para
trás.”
Certa vez foi oferecido a Ajahn Chah um pedaço de terra com flo-
resta, no topo de uma montanha na sua província natal. O generoso
doador disse: “Se você conseguir encontrar uma forma de construir
uma estrada até ao topo da montanha, construirei lá um mosteiro
para si.” Sempre disposto a enfrentar este tipo de desafio, Ajahn
Chah passou uma ou duas semanas na montanha e encontrou um
caminho até ao topo. De seguida, trouxe a comunidade monástica
inteira para construir a estrada.
Ajahn Sumedho era um monge recém-chegado. Ele tinha chegado
há um ou dois anos e era um meditador muito sério. Não tinha
mostrado muito interesse em deixar a vida estabelecida no mos-
teiro principal, Wat Nong Pah Pong, mas juntou-se ao grupo e ali
estava ele, a partir pedra debaixo de sol, a empurrar carrinhos de
mão cheios de entulho e a trabalhar arduamente com o resto da
comunidade. Depois de dois ou três dias, Sumedho estava cheio de
calor, suado e carrancudo. Ao final do dia, depois de um turno de
12 horas de trabalho, todos se sentavam para meditar e ficavam a
cabecear devido ao cansaço. Ajahn Sumedho pensou, “Isto é inútil.
Estou a perder o meu tempo. A minha meditação desmoronou-se
por completo. Isto não ajuda a vida santa de modo nenhum.”
Ele explicou cuidadosamente a sua preocupação a Ajahn Chah:
“Sinto que todo o trabalho que estamos a fazer é prejudicial para a
minha meditação. Acho que seria muito melhor para mim se eu não
fizesse parte deste trabalho. Preciso fazer mais meditação, sentado

A Perspectiva da Floresta 27
28 Folhas da Árvore Bodhi

e a andar, preciso de mais prática formal. Isto ajudar-me-ia bastante


e acho que seria muito melhor.”
Ajahn Chah disse: “Ok., Sumedho. Sim, podes fazer isso. Mas é
melhor eu informar o Sangha para que todos saibam o que está a
acontecer.” Ele era capaz de ser assim maroto!
Na reunião do Sangha, Ajahn Chah disse: “Gostaria de fazer um
comunicado para todos. Eu sei que viemos todos até aqui para
construir esta estrada. Também sei que todos estamos a trabalhar
arduamente a partir pedra e a carregar entulho. Sei que é impor-
tante que este trabalho seja feito, mas a tarefa da meditação também
é muito importante. Tan Sumedho perguntou-me se podia praticar
meditação enquanto nós construímos a estrada e eu disse-lhe que
não há problema absolutamente nenhum com isso. Não quero que
tenham pensamentos de crítica em relação a ele. Por mim está
tudo bem. Ele pode ficar sozinho e meditar e nós continuaremos
a construir a estrada.”
Ajahn Chah trabalhava de sol a sol. Quando não estava a trabalhar na
estrada, estava a receber visitantes e a ensinar Dhamma. Ele estava
mesmo a “dar o litro”. Enquanto isso, Ajahn Sumedho permanecia
só e meditava. Sentiu-se muito mal no primeiro dia e ainda pior no
segundo. No terceiro dia, não aguentou mais. Sentiu-se torturado e
por fim abandonou a sua solidão. Juntou-se novamente aos outros
monges, partiu pedra, carregou entulho, entregando-se totalmente
ao trabalho.
Ajahn Chah olhou para o jovem monge entusiasmado e com um
largo sorriso nos lábios, perguntou: “Estás a gostar do trabalho,
Sumedho?”
“Sim, Luang Por.”
“Não é estranho que a tua mente esteja mais contente agora no calor
e na poeira do que quando estavas a meditar sozinho?”
“Sim, Luang Por.”
A lição? Ajahn Sumedho tinha criado uma falsa divisão entre o que
é e o que não é meditação, quando na verdade não existe nenhuma
diferença. Quando nos entregamos de coração a qualquer coisa que
fazemos, a qualquer coisa que experienciamos ou ao que estiver a
acontecer à nossa volta, sem agendas ou preferências pessoais a
assumir o controle, o espaço de rigpa, o espaço da plena consciência,
é exactamente o mesmo.

O Buddha é Consciência

Os ensinamentos de Ajahn Chah também são similares ao Dzogchen


no que diz respeito à natureza do Buddha. Quando vamos ao fundo
da questão, a consciência da mente não é “algo”. No entanto, ela
é um atributo da natureza fundamental da mente. Ajahn Chah
referia-se a essa plena consciência, essa natureza conhecedora da
mente, como o Buddha: “Este é o verdadeiro Buddha, aquele que
sabe (poo roo).” A maneira habitual de falar sobre a consciência,
tanto no caso de Ajahn Chah, como no de outros mestres da Tradição
da Floresta, era empregando o termo “Buddha” desta forma – a
consciência plena, a qualidade desperta da nossa mente. Isto é o
Buddha.
Ele dizia coisas como, “O Buddha que realizou o parinibbāna há 2.500
anos, não é o Buddha no qual tomamos refúgio.” Por vezes ele
gostava de chocar as pessoas, quando sentia a necessidade de lhes
chamar a atenção para os ensinamentos. Quando ele dizia algo deste
género elas pensavam estar diante de um herético. Ele diria: “Como
pode aquele Buddha ser um refúgio? Ele foi-se. Foi-se, completa-
mente. Isto não é um refúgio. Um refúgio é um lugar seguro. Então,
como pode esse grande ser que viveu à 2.500 anos proporcionar
segurança? Pensar nele pode fazer com que nos sintamos bem, mas

A Perspectiva da Floresta 29
30 Folhas da Árvore Bodhi

essa sensação também é instável. É uma sensação inspiradora, mas


pode ser facilmente perturbada.”
Quando nos rendemos ao saber, então nada pode magoar o coração.
Este repouso naquilo que sabe é o que faz do Buddha um refúgio.
Esta “natureza que sabe” da mente é invulnerável, inviolável. O
que acontece com o corpo, emoções e percepções é secundário, pois
“aquilo que sabe” está para além do mundo dos fenómenos. Por-
tanto, esse é o verdadeiro refúgio. Quer, experienciemos prazer ou
dor, êxito ou fracasso, elogio ou crítica, essa natureza conhecedora
da mente é absolutamente serena. Ela é imperturbável e incorrup-
tível. Tal como um espelho que não é embelezado ou maculado
pelas imagens nele reflectidas, a natureza conhecedora da mente
não pode ser tocada por nenhuma percepção dos sentidos, nenhum
pensamento, nenhuma emoção, nenhum estado de ânimo, nenhum
sentimento. É de uma grandeza transcendente. Os ensinamentos
Dzogchen transmitem o mesmo: “Não existe sequer uma ponta
de fio de cabelo de envolvimento dos objectos mentais na plena
consciência, na natureza da mente em si.” É por isso que a plena
consciência é um refúgio; a plena consciência é o próprio centro da
nossa natureza.

Alguém viu os meus olhos?

Outro paralelo entre os ensinamentos do Dzogchen e de Ajahn Chah


vem sob a forma de um aviso: não procurem o incondicionado, ou
rigpa, com a mente condicionada. Nos versos do Terceiro Patriarca
do Zen pode-se ler: “Procurar a Mente com a mente discriminatória
é o maior de todos os erros.” Ajahn Chah expressava a futilidade
e o absurdo dessa tendência dando como exemplo andar a cavalo
e procurar o cavalo ao mesmo tempo. Estamos a montar o cavalo
e a perguntar, “Alguém viu o meu cavalo? Alguém sabe do meu
cavalo?” Todos olhariam para nós como se estivéssemos loucos.
Então, cavalgamos até à próxima aldeia e perguntamos a mesma
coisa: “Alguém viu meu cavalo?”
Ajahn Sumedho emprega um exemplo semelhante. Ao invés de pro-
curar um cavalo, ele usa a imagem de procurar os próprios olhos. O
próprio órgão com o qual vemos está a realizar a procura, no entanto
prosseguimos na busca exterior: “Alguém viu os meus olhos? Não
consigo ver os meus olhos em nenhum lugar. Eles devem estar por
aqui algures mas não consigo encontrá-los.”
Não podemos ver os nossos olhos, mas conseguimos ver. Isso sig-
nifica que a consciência não pode ser um objecto. Mas pode haver
consciência! Ajahn Chah e outros mestres da Tradição da Floresta
empregavam a expressão, “ser o saber.” É como ser rigpa. Nesse
estado, a mente conhece a sua própria natureza, o Dhamma é ciente
da sua própria natureza. E é tudo. Assim que tentamos fazer disso
um objecto, cria-se uma estrutura dualista, um sujeito aqui olhando
para um objecto ali. E só existe solução quando abrimos mão dessa
dualidade e abandonamos essa “busca”. Então o coração permanece
somente no saber. Mas o hábito é pensar, “Não estou a procurar o
suficiente. Ainda não os encontrei. Os meus olhos devem estar aqui
em algum lugar. Afinal de contas consigo ver. Tenho de esforçar-me
mais para os encontrar.”
Já alguma vez estiveram numa entrevista num retiro, na qual depois
de descreverem a vossa prática de meditação o professor olha para
vocês e diz, “É necessário mais esforço!”? Vocês pensam, “Mas
estou a esforçar-me o mais possível!” Necessitamos do esforço, mas
precisamos de o fazer de forma inteligente. O tipo de esforço que
precisamos desenvolver é aquele que envolve ser mais claro mas
“forçar” menos. Esta qualidade de saber descontrair é vista como
crucial, não somente nos ensinamentos Dzogchen, mas também na
prática monástica Theravada.

A Perspectiva da Floresta 31
32 Folhas da Árvore Bodhi

É irónico que essa descontracção seja justamente construída sobre


uma ampla gama de práticas preparatórias. No treino ngondro Tibe-
tano o praticante realiza 100.000 prostrações, 100.000 visualizações,
100.000 mantras, seguindo-se anos de estudos, mantendo as virtudes
(sīla), e assim por diante. Na tradição Theravada também temos sīla:
as práticas de virtude para os leigos e para as comunidades monásti-
cas, bem como o refinamento do treino na disciplina do Vinaya. Rea-
lizamos muitas práticas devocionais e cânticos, e uma quantidade
enorme de treino nas técnicas de meditação, como a atenção plena
na respiração, a consciência focada no corpo e assim por diante.
Temos também a prática de viver em comunidade. (Um dos monges
seniores do meu Sangha certa vez referiu-se ao treino comunitário
monástico como sendo a prática das 100.000 frustrações – não somos
qualificados até que tenhamos alcançado a centésima milésima!)
Portanto, há um trabalho preparatório enorme, que é necessário
realizar para que esse descontrair seja efectivo.
Gosto de pensar nessa descontracção como usar uma mudança
acima. Usamos a “quinta” mantendo a mesma velocidade, mas
com menos rotações. Até eu contar a Ajahn Sumedho que havia
desistido das minhas práticas ascéticas, eu estava em quarta e a
correr. Havia sempre uma pressão, uma atitude de ir até ao limite.
Quando reduzi um grau e já não estava tão fanático em relação
às regras e a fazer sempre tudo perfeito, esse pequeno elemento
de descontracção permitiu que tudo isso acabasse; simplesmente
porque larguei o stress, parei de forçar. A ironia é que continuava a
realizar 99.9 por cento das minhas tarefas e práticas espirituais, mas
realizava-as sem estar obcecado. Podemos descontrair sem indul-
gência e consequentemente desfrutar dos frutos do nosso trabalho.
Isto é o que queremos dizer com libertar-se do sentido de devir e
aprender a ser. Se estivermos demasiado tensos e ávidos por querer
chegar ao outro lado, estaremos destinados a cair do arame.
Realização da Cessação

Outro importante aspecto do conhecimento é a sua ressonância com


a experiência da cessação, nirodha. A experiência de rigpa é sinó-
nimo da experiência de dukkha-nirodha, a cessação do sofrimento.
Parece bom, não é? Praticamos para nos libertarmos do sofrimento
porém ficamos tão apegados ao trabalho com as coisas da mente que
quando dukkha cessa e o coração torna-se espaçoso e vazio, podemos
sentir-nos perdidos. Não sabemos como não interferir com essa
experiência: “Ah! – Uau! – tudo está aberto, claro, espaçoso … e
agora, o que é que eu faço?” O nosso condicionamento diz-nos, “É
suposto, eu estar a fazer algo. Isto não é progredir no caminho.” Não
sabemos como estar despertos sem interferir com o espaço dessa
experiência.
Quando esse espaço mental surge, podemos ficar baralhados ou nem
repararmos nele. É como se cada um de nós fosse um ladrão que
após arrombar uma casa, olha em volta e decide, “Bem, não há
muito coisa para levar, vou continuar a procurar noutro lugar.” Não
compreendemos que quando há desapego o dukkha cessa. Em vez
disso ignoramos aquela qualidade serena, aberta, clara e continua-
mos em busca da próxima coisa e depois da seguinte e assim por
diante. Como diz a expressão, não “saboreamos o néctar,” o néctar
do sumo de rigpa. Simplesmente atravessamos o balcão dos sumos
a correr. “Parece que aqui não há nada. Tudo parece demasiado
entediante: nenhuma luxúria ou medo, ou outros assuntos para
tratar”. Assim mantemo-nos ocupados com atitudes do tipo: “Eu
estou a ser irresponsável; deveria ter um objecto no qual me con-
centrar ou pelo menos deveria estar a contemplar a impermanência;
não estou a lidar com os meus problemas. Rápido, deixa-me ir
para encontrar algo desafiante para resolver.” Apesar das nossas
melhores intenções, deixamos de saborear o néctar que se encontra
exactamente ali.

A Perspectiva da Floresta 33
34 Folhas da Árvore Bodhi

Quando deixamos de agarrar algo, surge a verdade última. É tão


simples quanto isto.
Ananda e outro monge estavam a discutir sobre a natureza do estado
imortal e decidiram consultar o Buddha. Eles queriam saber: “Qual
é a natureza da imortalidade?” Eles prepararam-se para uma longa
e extensa explanação. Mas a resposta do Buddha foi breve e sucinta.
Ele respondeu, “A cessação do apego é a imortalidade.” E pronto.
Relativamente a este ponto, os ensinamentos Dzogchen e Theravada
são idênticos. Quando o apego cessa, há rigpa, há imortalidade, o fim
do sofrimento, dukkha-nirodha.
O primeiro ensinamento do Buddha sobre as Quatro Nobres Ver-
dades trata disso directamente. Existe uma maneira diferente de
tratar cada uma das quatro verdades. A Primeira Nobre Verdade
– dukkha, insatisfação – “deve ser completamente compreendida.”
Precisamos reconhecer: “Isto é dukkha. Isto não é rigpa. Isto é
marigpa, falta de plena consciência, ignorância, e é insatisfatório.”
A Segunda Nobre Verdade, a causa de dukkha, é o desejo egoísta, a
cobiça, a qual deve ser abandonada.”
A Quarta Nobre Verdade, o Nobre Caminho Óctuplo, “deve ser culti-
vado e desenvolvido.”
Mas o que é interessante, especialmente neste contexto, é que a
Terceira Nobre Verdade, dukkha-nirodha, o fim de dukkha, “deve ser
realizado.” Isto significa: estejam atentos, quando o dukkha cessa e,
reparem no que acontece. Observem: “Ah! Tudo está bem.” Aqui
é quando pomos uma mudança acima – quando podemos simples-
mente ser, sem devir.
“Ah ah” – o sabor do néctar de rigpa – “Ah, isto é perfeito.”
A realização consciente do fim de dukkha, do vazio e do espaço
na mente são considerados elementos cruciais da prática correcta
dentro da tradição Theravada. Realizar nirodha é de certo modo o
aspecto mais importante ao trabalharmos com as Quatro Nobres
Verdades. Parece secundária, é a menos tangível de todas, mas é
aquela que contém a jóia, a semente da iluminação.
Embora a experiência de dukkha-nirodha não seja algo, isso não quer
dizer que não haja nada ou nenhuma qualidade. Na verdade é
a experiência da verdade última. Se não estivermos apressados
em busca do próximo feito e tomarmos atenção ao fim de dukkha,
abrimo-nos para a pureza, luminosidade e paz. Ao permitirmos que
o nosso coração desfrute plenamente daquilo que está a acontecer
(as chamadas “experiências normais”) ele floresce e abre-se, linda-
mente adornado, tal orquídea dourada, tornando-se cada vez mais
claro e luminoso.

Não feito disto

Todos os praticantes budistas, independentemente da sua tradição,


estão familiarizados com as três características da existência - anicca,
dukkha, anattā (impermanência, insatisfação e não-eu). Elas são o
“primeiro capítulo, primeira página” do Budismo. Mas no Thera-
vada também se fala das outras três características da existência, a
um nível mais subtil: suññatā, tathatā, atammayatā. Suññatā é vacui-
dade. O termo deriva de dizer “não” ao mundo fenomenológico:
“Não vou acreditar nisto. Isto não é completamente real.” Tathatā
significa “assim, característica de presença”. É uma qualidade muito
semelhante a suññatā, mas deriva de dizer “sim” ao universo. Não
há nada, no entanto há algo. A qualidade de “característica de ser”
é igual à textura da realidade última. Suññatā e tathatā - vacuidade
e particularidade – os ensinamentos expressam-se nestes termos.
A terceira qualidade, atammayatā, não é muito bem conhecida.
No Theravada, atammayatā tem sido mencionada como o conceito
último. Literalmente significa, “não é feito disto.” Mas atam-
mayatā pode ser interpretado de várias e diferentes maneiras, pro-

A Perspectiva da Floresta 35
36 Folhas da Árvore Bodhi

porcionando uma variedade de subtis gradientes do seu significado.


Bhikkhu Bodhi e Bhikkhu Ñanamoli (na sua tradução do Majjhima
Nikāya) interpretam atammayatā como “não identificação” – adop-
tando o lado do “sujeito” da equação. Outros tradutores interpretam
como “não fabricar” ou “não conceber”, dessa forma apontando
mais para o elemento “objecto” da equação. De qualquer modo,
a referência é feita em primeiro lugar à qualidade da consciência
anterior à dualidade sujeito-objecto (ou sem esta).
As origens ancestrais Indianas deste termo parecem basear-se numa
teoria de percepção sensorial na qual “a mão que agarra” propor-
ciona a analogia principal: a mão assume a forma daquilo que ela
apreende. O processo da visão, por exemplo, é explicado como o
olho enviando uma espécie de onda, que depois assume a forma
daquilo que vemos e trá-la de volta. De modo semelhante para com
o pensamento: a energia mental molda-se ao seu objecto, (isto é,
um pensamento), e depois retorna para o sujeito. Essa ideia está
implícita no termo “tan-mayatā,” “consistindo disso.” A energia
mental daquele que experiencia (sujeito) assume a mesma natureza
do objecto detectado.
A qualidade oposta, atammayatā, refere-se a um estado no qual a
energia da mente não “sai” em direcção ao objecto e o ocupa. Ela não
perfaz nem “algo” objectivo, nem um “observador” subjectivo que
conhece. Por conseguinte, a não identificação refere-se ao aspecto
subjectivo e a não fabricação refere-se ao aspecto objectivo.
A maneira como em geral a vacuidade é discutida nos círculos Dzog-
chen deixa bem claro que esta é uma característica da realidade
última. Mas em outros usos da vacuidade e da “característica de
presença” (tathatā), ainda pode haver a noção de um agente (um
sujeito), que é um “este” a olhar para aquilo e esse aquilo é vazio. Ou,
se esse aquilo é assim, desta forma. Atammayatā é a compreensão de
que, na verdade, não pode haver nada além da realidade última. Não
há o aquilo. Com o largar, com o completo abandono de “aquilo”,
todo o universo relativo do sujeito-objecto, até mesmo no seu nível
mais subtil, dissolve-se.
Eu gosto particularmente da palavra “atammayatā” devido à men-
sagem que ela transmite. Entre as suas várias qualidades, este
conceito lida profundamente com a noção persistente da especula-
ção incessante, “O que é aquilo ali?” Existe aquele indício de que
algo ali pode ser um pouco mais interessante do que o que está
aqui. Até mesmo a noção mais subtil de ignorar isto para obter
aquilo, não estar satisfeito com isto e querer tornar-se aquilo, é um
erro. Atammayatā é aquela qualidade em nós que sabe, “Não existe
aquilo. Só existe isto.” Daí, até mesmo o aspecto “isto” torna-se
irrelevante. Atammayatā ajuda o coração a romper os hábitos mais
subtis de inquietação, bem como acalmar as repercussões da raiz
dualista, sujeito e objecto. Este abandono leva o coração a uma
compreensão: há apenas a completude do Dhamma, o espaço pleno
e preenchimento. As aparentes dualidades disto e daquilo, sujeito e
objecto são vistas como essencialmente desprovidas de sentido.
Uma das maneiras que podemos empregar isto num nível prático
é com uma técnica frequentemente sugerida por Ajahn Sumedho.
Pensando que a mente está no corpo, dizemos, “a minha mente”
(aponta para a cabeça) ou “a minha mente” (aponta para o peito). Não
é verdade? “Está tudo na minha mente.” Na verdade entendemos
tudo mal. O corpo está na nossa mente ao invés da mente no corpo,
certo?
O que sabemos sobre o nosso corpo? Podemos vê-lo, Podemos
ouvi-lo. Podemos cheirá-lo. Podemos tocá-lo. Onde ocorre a visão?
Na mente. Onde experimentamos o toque? Na mente. Onde experi-
mentamos o olfacto? Na mente.
Tudo o que sabemos do corpo, agora e no passado, foi conhecido
através da intervenção da nossa mente. Nunca aprendemos nada
sobre o nosso corpo, a não ser através da mente. Portanto, durante

A Perspectiva da Floresta 37
38 Folhas da Árvore Bodhi

toda a nossa vida, desde a infância, tudo o que sempre aprendemos


sobre o nosso corpo e o mundo ocorreu na nossa mente. Então, onde
se encontra o nosso corpo? Não quer dizer que não exista um mundo
físico, mas o que podemos dizer é que a experiência do corpo e a
experiência do mundo ocorrem dentro da nossa mente. Não ocorre
em nenhum outro lugar. Tudo acontece aqui. E neste “aqui”, a
externalidade do mundo e o seu sentido de separação terminam.
A palavra “cessação,” (nirodha), também pode ser aqui empregue.
Paralelamente a esta interpretação mais familiar, a palavra tam-
bém significa “refrear, restringir, parar”, portanto, significa que a
separação findou. Quando compreendemos que contemos o mundo
inteiro dentro de nós, a sua peculiaridade, a sua diferenciação, é
questionada. Somos então capazes de melhor reconhecer a sua
verdadeira natureza.
Esta mudança de visão é uma pequena ferramenta de meditação
bastante interessante que podemos usar a qualquer momento, como
por exemplo, na meditação a andar. É um mecanismo muito útil
pois conduz-nos à verdade da questão. Sempre que o empregamos
viramos o mundo do avesso, pois somos então capazes de ver que
este corpo é de facto apenas um conjunto de percepções. Isto
não nega o nosso livre funcionamento, mas coloca tudo num novo
contexto. “Tudo acontece dentro do espaço de rigpa, dentro do
espaço da mente que sabe.” Ao vermos as coisas desta forma, de
repente vemos o nosso corpo, a mente e o mundo a chegar a um
acordo, a uma peculiar realização da perfeição. Tudo acontece aqui.
Este método pode parecer um pouco obscuro, mas algumas vezes as
ferramentas mais abstrusas e subtis podem produzir as mudanças
mais radicais no coração.

Investigação Reflectiva

Investigação Reflectiva era outro dos métodos que Ajahn Chah cos-
tumava empregar para manter o conhecimento, ou devemos dizer,
manter o Conhecimento Correcto. Ela envolve o uso deliberado do
pensamento para investigar os ensinamentos, bem como certos ape-
gos, medos e esperanças e especialmente o próprio sentimento de
identificação. Ele falava sobre isto quase como se tivesse a dialogar
consigo próprio.
O pensamento é frequentemente retratado como o grande vilão nos
círculos de meditação: “Pois é, a minha mente… Se pelo menos
conseguisse deixar de pensar, então seria feliz.” Mas na verdade, a
mente pensante pode ser o mais maravilhoso dos auxiliares quando
usada da forma correcta, particularmente quando se investiga o sen-
timento de individualidade. Quando desprezamos desta forma o uso
do pensamento conceptual, perdemos uma oportunidade. Quando
estiverem a experimentar, a ver ou a fazer algo, coloquem uma
questão do tipo: “O que é que está consciente dessa sensação? Quem
é o detentor deste momento? O que é que sabe rigpa?”
O uso deliberado do pensamento (investigação reflectiva) pode reve-
lar um conjunto de assumpções inconscientes, hábitos e compor-
tamentos compulsivos que realizamos. Isto pode ser muito útil e
pode produzir grandes realizações interiores (insights). Podemos
estabelecer a nossa atenção de forma plena, estável e aberta e depois
perguntar: “O que é que percebe isso? O que está consciente deste
momento? Quem é que está a sentir a dor? Quem está a ter esta
fantasia? Quem está a pensar acerca do jantar?” Nesse momento
abre-se uma fissura. Milarepa certa vez disse algo nesse sentido:
“Quando o fluxo do pensamento discursivo é interrompido, abre-se
o portal para a libertação.” Exactamente da mesma forma, quando
colocamos este tipo de perguntas, é como aplicar uma punção ao
emaranhado nó da identificação, afrouxando os seus fios. Isto que-
bra o hábito, quebra o padrão do pensamento discursivo. Quando
perguntamos “quem” ou “o quê”, por um instante a mente pensante
tropeça, fica baralhada. Nesse espaço, antes que ela possa formular
uma resposta ou uma identidade, existe paz e liberdade intemporais.

A Perspectiva da Floresta 39
40 Folhas da Árvore Bodhi

Através desse espaço pacífico surge a qualidade inata da mente, a


essência da mente. É só através de frustrar os nossos julgamentos
habituais, as realidades parciais a partir das quais inconsciente-
mente determinamos a existência, que somos forçados a afrouxar
o nosso apego e a abandonar a nossa maneira equivocada de pensar.

Medo da Liberdade

O Buddha disse que o desapego da noção do “eu” é a felicidade


suprema (por exemplo no Udana II.1 e IV.1). Mas ao longo dos anos
tornamo-nos fãs deste personagem (do “eu” da personalidade), não
é? Ajahn Chah certa vez disse, “É como ter um amigo querido que
conhecemos durante toda a nossa vida. Companheiros inseparáveis.
De súbito vem o Buddha e diz que vós e o vosso amigo tendes
de se separar.” Isto parte o coração. O ego fica destroçado. Há
um sentimento de perda e diminuição. Depois vem o sentimento
angustiante do desespero.
Para a noção do “eu”, “ser” é sempre definido como “ser algo”. Mas
a prática e os ensinamentos claramente enfatizam o ser “não-defi-
nido”, uma consciência sem limites, incolor, infinita, omnipresente
– dêem o nome que quiserem. Quando “ser” fica desta forma indefi-
nido, parece uma morte aos olhos do ego. E a morte é a pior coisa. Os
hábitos baseados no ego esperneiam com fúria e procuram algo para
preencher o espaço vazio. Qualquer coisa serve: “Rápido, dêem-me
um problema, uma prática de meditação (isso é apropriado!). Ou que
tal algum tipo de memória, um sonho, uma responsabilidade que
não realizei; alguma coisa em relação à qual possa sentir angústia
ou culpa, qualquer coisa!”
Experienciei isso várias vezes. Nesse espaço, é como se houvesse
um cão faminto na porta a tentar desesperadamente entrar: “Por
favor, deixem-me entrar, deixem-me entrar.” O cão faminto quer
saber: “Quando é que este sujeito vai dar-me atenção? Ele já está
ali sentado há horas como se fosse um raio de um Buddha. Será que
ele não percebe que estou faminto, aqui fora? Não percebe que está
frio e húmido? Não se importa comigo?”

“Todos os saṅkhāras são impermanentes.


Todos os Dhammas são presentes e vazios.
Não há nada mais…”
(faz ruídos como um cão faminto abandonado)

Estas experiências proporcionaram alguns dos momentos mais reve-


ladores na minha própria prática e exploração espiritual. Elas
contêm uma fome tão avassaladora de “ser”. Qualquer coisa serve,
qualquer coisa, só para ser algo: um fracassado, alguém bem suce-
dido, um messias, uma praga para o mundo, um assassino de massas.
“Permita que eu seja algo, por favor, Deus, Buddha ou quem quer que
seja.”
Ao que a sabedoria do Buddha responde, “Não.”
É preciso termos enormes recursos e força interior para sermos
capazes de dizer “não” desta maneira. As súplicas patéticas do
ego tornam-se fenomenalmente intensas e viscerais. O corpo pode
abanar e as nossas pernas começarem a contorcer-se para correr.
“Tirem-me daqui!” Pode até acontecer que os pés comecem a mexer-
-se em direcção à porta, tão forte é o anseio.
Neste ponto, estaremos a focar a luz da sabedoria exactamente na
raiz da existência dualista. Esta raiz é uma das fortes. É necessário
muito trabalho para chegar até ela e cortá-la. Podemos, portanto,
contar com bastante fricção e dificuldades quando nos envolvermos
neste tipo de trabalho.
A ansiedade intensa surge. Não se deixem intimidar. Ponham o
impulso de lado. É normal experienciar perda e fortes sentimentos
de pesar. Há um pequeno ser que acaba de morrer. O coração

A Perspectiva da Floresta 41
42 Folhas da Árvore Bodhi

sente uma sensação de perda. Fiquem com isso presente e deixem


que passe. A sensação de que “algo será perdido se eu não seguir
esta ansiedade” é a mensagem enganosa do desejo. Quer, seja um
pequeno momento subtil de inquietação quer, uma grande decla-
ração – “Vou morrer de desgosto se não seguir este anseio!” –
compreendam que tudo isso não passa de uma enganosa sedução
do desejo.
Há um verso maravilhoso num poema de Rumi que diz, “Quando é
que ficaste remotamente diminuído por teres morrido?” Permitam
que o borbulhar do ego nasça e permitam que morra. Depois, espan-
tem-se(!), não só o coração não foi diminuído, como na verdade está
maior, mais radiante e jubiloso que nunca. Há espaço, contenta-
mento e uma tranquilidade que não podem ser alcançadas através
da cobiça ou da identificação com qualquer atributo da vida.
Não importa quão genuínos os problemas, as responsabilidades, as
paixões ou as experiências aparentem ser. Não temos de ser nada
disso. Não há nenhuma identidade que precisemos ser. Não nos
devemos apegar a nada.

Tradução de Appamādo Bhikkhu


REPARAR NO ESPAÇO
ajahn sumedho

A maior parte do nosso sofrimento vem da actividade pensante habi-


tual. Se tentamos pará-la por termos aversão ao pensar, não conse-
guimos, e continuaremos a pensar e a pensar. Então o importante
não é vermo-nos livres dos pensamentos, mas compreendê-los. E
nós fazemos isto através da concentração nos espaços existentes na
mente em vez de nos concentrarmos nos pensamentos.
Em meditação podemos estar alerta e com atenção; é como ouvir-
-estar com o momento tal como ele é – simplesmente ouvir. O
que estamos a fazer é trazer à consciência as coisas tal como são,
reparando no espaço e na forma – o Incondicional e o Condicional.
Por exemplo, podemos prestar atenção ao espaço numa sala. A
maioria das pessoas provavelmente não iria reparar no espaço; elas
olhariam para as coisas – as pessoas, as paredes, o chão, a mobília.
Mas, para observar o espaço, o que fazemos? Retiramos a nossa
atenção das coisas direccionando-a para o espaço. Isto não significa
livrarmo-nos das coisas, ou negar-lhes o direito que elas têm de
estarem ali. Significa apenas, que não nos devemos concentrar
nelas, nem dispersar continuamente a nossa atenção de uma coisa
para a outra.
O espaço numa sala é pacífico. Os objectos de uma sala podem
excitar, repelir ou atrair, mas o espaço não tem qualidades que

43
44 Folhas da Árvore Bodhi

excitem, repelem ou atraem. Mas mesmo que o espaço não atraia


a nossa atenção, podemos ser completamente conscientes dele, e
tornamo-nos conscientes quando já não estamos absortos nos objec-
tos da sala. Quando reflectimos no espaço da sala sentimos uma
sensação de calma pois todo o espaço é o mesmo: o espaço à tua volta
e o espaço à minha volta não são diferentes. Não é meu, não posso
dizer “este espaço pertence-me” ou “aquele espaço pertence-te”.
O espaço está sempre presente. Ele torna possível que estejamos
juntos, contidos dentro de uma sala, num espaço que é limitado por
paredes mas que também existe fora da sala. O espaço contém o
edifício inteiro, o mundo inteiro. Então o espaço não é limitado por
objectos de qualquer espécie; não é limitado por nada. Se quisermos
podemos ver o espaço como limitado dentro de uma sala, mas na
realidade o espaço é ilimitado.

Mente “espacial”

Reparar no espaço que envolve pessoas e coisas, proporciona uma


maneira diferente de olhar para elas e ao desenvolver esta visão
espacial é uma maneira de nos abrirmos a nós próprios. Quando se
tem uma mente “espaçosa” existe espaço para tudo. Quando temos
estreiteza de mente, então só existe espaço para algumas coisas.
Tudo, então tem de ser manipulado e controlado, para somente ter
aquilo que achamos que é certo – aquilo que queremos lá – tudo o
resto tem de ser empurrado para fora.
A vida com uma visão estreita torna-se reprimida e restrita: é
sempre uma luta. Existe sempre tensão envolvida, uma vez que é
necessária uma enorme quantidade de energia para manter tudo
em ordem, durante todo o tempo. Se tivermos uma visão estreita
da vida, a desordem tem de ser ordenada por nós e então vamos
estar sempre ocupados, manipulando a mente e rejeitando coisas
ou tentando agarrar aquelas que não queremos largar. Isto é dukkha
(sofrimento) proveniente da ignorância, sob a qual não compreen-
dermos as coisas tal como são. Na verdade nós dizemos “o espaço
nesta sala”, contudo, a sala está no espaço – todo o edifício está no
espaço. Olhando de uma forma, as paredes limitam o espaço na sala,
mas olhando de outra forma, vemos que o espaço é ilimitado.
O espaço é algo em que não reparamos, pois ele por si só, não apela
nem capta a nossa atenção. Não é como uma flor muito bonita ou
como um desastre terrível; não é algo maravilhoso ou terrível que
capte directamente a nossa atenção. Podemos ficar hipnotizados
num instante por algo excitante, fascinante ou terrível; mas não
podemos fazer isso com o espaço, ou podemos?! Para notar o espaço
temos de nos acalmar, temos que o contemplar. Isto é assim porque
o espaço não tem nenhuma qualidade extrema; é simplesmente
espaço. Flores podem ser extremamente belas, com pétalas brilhan-
tes vermelhas, cor-de-laranja ou violetas, com maravilhosas formas
que deslumbram as nossas mentes. Alguma outra coisa, como o
lixo, pode ser feio e repelente. Apesar de não ser muito notório,
sem o espaço não haveria nada mais. Não seríamos capazes de ver
nada. Se enchermos um quarto com coisas de tal forma que pareça
sólido, ou mesmo enchendo-o de cimento, não sobrará mais espaço
no quarto. Então, claro, não podemos ter maravilhosas flores ou
qualquer outra coisa; seria apenas um grande bloco. Seria inútil,
não é? Então precisamos de ambos, precisamos de apreciar a forma
e o espaço. Eles são o perfeito casal, o verdadeiro casamento, a
perfeita harmonia – espaço e forma. Podemos contemplar espaço
e forma e, da perspectiva alargada que então desenvolvemos, surge
a sabedoria.

O som do silêncio

Podemos aplicar esta perspectiva à mente utilizando a palavra “Eu”


de uma forma consciente para ver o espaço como um objecto. Na

Reparar no Espaço 45
46 Folhas da Árvore Bodhi

mente podemos ver que existem pensamentos e emoções – as con-


dições mentais – que surgem e que desaparecem. Normalmente
somos deslumbrados, repelidos ou cercados por esses pensamentos
e emoções. Passamos de uma coisa para outra, reagindo, contro-
lando, manipulando ou tentando livrarmo-nos delas. Então nunca
temos qualquer perspectiva em nossas vidas. Tornamo-nos obceca-
dos, quer com a repressão, quer com a indulgência dessas condições
mentais – somos apanhados nesses dois extremos. Com a meditação
temos a oportunidade de contemplar a mente. O silêncio da mente
é como o espaço de uma sala. Está lá sempre, mas é subtil – não se
mostra. Como não tem qualquer qualidade extrema que estimule ou
prenda a nossa atenção, temos de estar atentos para o notar. Uma
forma de focar a atenção no silêncio da mente é reconhecendo o
som do silêncio. Podemos usar o som do silêncio (o som primordial,
o som da mente ou qualquer outra coisa que lhe queiramos chamar)
com grande destreza, trazendo-o à tona e prestando-lhe atenção.
Ele tem um tom muito elevado que é bastante difícil de descrever.
Mesmo que tapemos os ouvidos ou se estivermos até debaixo de
água podemos ouvi-lo. É o som de fundo que é independente do
aparelho auditivo. Sabemos que é independente, pois podemos
ouvi-lo mesmo que tenhamos os ouvidos tapados.
Ao concentrarmos a nossa atenção no som do silêncio por um
período, começamos realmente a conhecê-lo. Desenvolvemos um
modo de conhecimento com o qual podemos reflectir. Não é um
estado concentrado onde nos absorvemos; não é um tipo supressivo
de concentração. A mente está concentrada num estado de equilí-
brio e abertura, mais do que absorvida num objecto. Podemos usar
essa concentração aberta e equilibrada como uma forma de ver as
coisas em perspectiva, uma forma de deixar as coisas seguirem o seu
rumo em vez de as agarrarmos.
Agora, quero realmente que investiguem este modo de conheci-
mento para que percebam como devem deixar as coisas fluir, em
vez de apenas ter a ideia de que assim deve ser. Vocês podem sair
dos ensinamentos budistas com a ideia de que devem soltar as coisas
(tensões mentais), de que devem deixá-las ir. Então quando desco-
brirem que não o conseguem fazer, facilmente, podem pensar: “Oh
não, eu não consegui abrir mão das coisas!”. Este tipo de julgamento
é outro problema do ego em que se pode cair: “apenas os outros
conseguem abrir mão mas eu não consigo. Eu deveria abrir mão das
coisas porque o Venerável Sumedho disse que toda a gente deveria
largar as coisas”. Este julgamento é outra manifestação do nosso
“pequeno eu”, não é? E é apenas um pensamento, uma condição
mental que existe temporariamente dentro da capacidade espacial
da mente.

Espaço à volta dos pensamentos

Tomemos a simples frase “Eu Sou”, e reparem, contemplem, e


comecem a reflectir no espaço que envolve estas duas palavras e,
sustenham a vossa atenção. Olhem para o próprio pensamento,
examinando e investigando realmente. Agora já não se podem
observar a vós próprios a pensar como habitualmente, pois assim
que notarem que estão a pensar, o pensamento pára. Vocês podem
continuar preocupados, “Pergunto-me se isto irá acontecer. Então
se isso acontece… murmurando, murmurando: Oh, estou a pensar!
- e então o pensamento pára”.
Para observar o processo dos pensamentos, pensem deliberada-
mente em algo: escolham um pensamento como “Eu sou um ser
humano”, e simplesmente olhem para ele. Se olharmos para o seu
princípio, podemos reparar que antes de dizer, “Eu”, existe uma
espécie de espaço vazio. Então se pensarem na vossa mente, “Eu -
sou - um - ser - humano”, verão o espaço entre as palavras. Não
olhamos para o pensamento para sabermos se temos pensamentos
inteligentes ou estúpidos. Em vez disso, estamos a pensar delibe-
radamente de forma a notar o espaço à volta de cada pensamento.

Reparar no Espaço 47
48 Folhas da Árvore Bodhi

Desta forma começamos a ter uma perspectiva da natureza imper-


manente dos pensamentos.
Isto é apenas uma maneira de investigar para então podermos repa-
rar no vazio quando não existem pensamentos na mente. Tentem
focar-se nesse espaço, vejam se conseguem realmente concentrar-
-se nele antes e depois do pensamento. Por quanto tempo o con-
seguem fazer? Pensem “Eu sou um ser humano”, e mesmo antes de
formular tal pensamento fiquem nesse espaço imediatamente antes
de o dizerem. Então isso é atenção plena, não é? A vossa mente está
vazia mas existe também a intenção de pensar um determinado pen-
samento. Então pensem, e no fim do pensamento, tentem percorrer
o espaço que lhe sucede. A vossa mente continua vazia?
A maior parte do nosso sofrimento vem da actividade pensante
habitual. Se tentamos pará-la pela aversão que temos a pensar, não
conseguimos; simplesmente continuamos a pensar, a pensar, a pen-
sar… Então o importante não é libertarmo-nos do pensamento, mas
compreendê-lo. E fazemos isto através da concentração no espaço
existente na mente, em vez de nos concentrarmos nos pensamentos.
As nossas mentes podem ser apanhadas por pensamentos de atrac-
ção ou de aversão a determinados objectos, mas o espaço circun-
dante desses pensamentos não é atractivo ou repulsivo. O espaço
à volta de um pensamento atractivo e o espaço à volta de um
pensamento repulsivo não é diferente, ou é? Concentrando-nos no
espaço entre os pensamentos, passamos a ser menos apanhados nas
nossas preferências no que diz respeito aos pensamentos. Assim, se
notarem que um pensamento de culpa, auto-compaixão ou paixão
continua a surgir, podem trabalhar com isso desta forma – pen-
sando nisso deliberadamente, trazendo-o realmente a um estado
consciente e reparando no espaço à sua volta. É como olhar para
o espaço numa sala: nós não vamos a uma sala para olhar para
o espaço, pois não? Estamos simplesmente atentos a ele, porque
está lá sempre. Não é nada para encontrar dentro do armário ou
na próxima sala, ou debaixo do chão – está mesmo aqui e agora.
Apenas temos que nos abrir à sua presença: e então reparamos
que ele está lá. Mas, se estivermos concentrados nas cortinas ou
nas janelas ou nas pessoas, não vamos reparar no espaço. Mas não
temos de nos livrar de todas as coisas para notarmos o espaço. Em
vez disso podemos simplesmente abrir-nos à sua presença. Em vez
de concentrarmos a nossa atenção apenas numa coisa, abrimos a
nossa mente completamente. Não estamos a escolher um objecto
condicionado, mas em vez disso estamos conscientes do espaço no
qual esse objecto condicionado existe.

A posição de Budha – conhecedor

Com a mente podemos apelar interiormente para a nossa “abertura


de atenção”. Quando temos os olhos fechados podemos ouvir as
vozes internas que sussurram na mente. Elas dizem, “Eu sou isto…eu
não deveria ser assim”. Podemos usar essas vozes para irmos para
o espaço entre os pensamentos. Escusamos de fazer um grande
problema das obsessões e medos que percorrem a nossa mente;
podemos abrir a nossa atenção e ver essas obsessões e medos como
condições mentais que vêm e que vão no espaço. Desta forma,
mesmo um mau pensamento pode levar-nos para o vazio. Esta
forma de conhecimento é muito útil uma vez que põe fim à luta men-
tal na qual tentamos livrar-nos dos “maus” pensamentos. Podemos
ser justos com o “diabo”. Sabemos que ele é algo impermanente.
Ele surge e desaparece na mente. Então não teremos de fazer nada
dele. Diabos ou anjos – é tudo o mesmo no que se refere à nossa
atitude. Antes, ao ter um mau pensamento começávamos logo a
criar um problema: “O diabo anda atrás de mim. Tenho de me livrar
dele”. Agora, quer, seja tentar livrar-nos do diabo, quer, seja tentar
agarrarmos os anjos, tudo é sofrimento (dukkha). Se adquirirmos
esta postura do Buddha – conhecedor, conhecendo as coisas tal
como são, então tudo se torna Dhamma (verdade, ensinamento).

Reparar no Espaço 49
50 Folhas da Árvore Bodhi

Tudo se torna na verdade do caminho que É. Vemos que todas as


condições mentais surgem e cessam – o bom juntamente com o
mau, o útil com o inútil. Isto é o que entendemos por reflexão –
começamos a ver as coisas como elas são, em vez de assumirmos que
estas deveriam ser de qualquer forma específica, e passamos então,
a contemplar, a reparar. O meu propósito não é dizer-vos como é,
mas encorajar que descubram pessoalmente. Não se ponham por aí
a dizer: “O Venerável Sumedho disse-nos como é”. Eu não estou
a tentar convencer-vos de um qualquer ponto de vista, eu estou
apenas a apresentar um caminho para ser considerado por cada um,
um caminho de reflexão na vossa própria experiência, uma maneira
de conhecerem a vossa própria mente.

Pergunta: Algumas pessoas falam há cerca dos janas, estados de


absorção na meditação, no Budismo. O que são esses estados e como
é que eles se enquadram nos conceitos de plena atenção, insight e
reflexão?
Resposta: Os janas ajudam a desenvolver a mente. Cada jana é um
refinamento da consciência e, como um conjunto, eles ensinam-nos
a concentrar a nossa atenção em objectos cada vez mais subtis. Atra-
vés da plena atenção e da reflexão, não pela força de vontade, tor-
namo-nos bastante conscientes da qualidade e do resultado daquilo
que estamos a fazer. Desenvolvemos grande habilidade nesta prá-
tica e experimentamos a graça que vem da absorção em estados cada
vez mais refinados de consciência. O Buddha recomendou a prática
dos janas como um meio, mas não como um fim em si mesmo. Se dei-
xarmos que se torne um fim em si mesmo, tornamo-nos apegados
ao refinamento e sofremos, visto uma grande parte da nossa vida
humana não ser refinada e sim bastante grosseira. Em contraste
com a prática dos janas, a meditação vipassanā (meditação de insight)
foca-se na realidade das coisas, a impermanência das condições
e o sofrimento que vem com os apegos. A meditação vipassanā
ensina-nos que o caminho para sair do sofrimento não é através do
aumento do refinamento da consciência, mas sim através de não nos
agarrarmos a nada – nem mesmo ao desejo de nos absorvermos em
qualquer nível de consciência.

Pergunta: Então insight é reflectir na avareza da mente?


Resposta: Sim, o insight leva a que reparemos sempre no resultado
da avareza e desenvolve a Correcta Compreensão. Por exemplo a
contemplação das Quatro Nobres Verdades permite obter a Correcta
Compreensão e então essa visão-pessoal e esse conceito-pessoal são
penetrados com sabedoria. Quando existe Correcta Compreensão
não estamos a praticar os janas a partir de uma atenção egoísta; eles
representam um meio hábil de cultivar a mente, mais do que uma
tentativa de alcançar um resultado pessoal. As pessoas enganam-se
quando abordam a meditação com a ideia de alcançar ou realizar
algo. Isso vem sempre do problema básico da ignorância e da visão
pessoal, combinados com o desejo e a tentativa de agarrar-se a algo.
E isso cria sempre sofrimento.

Tradução de Appamādo Bhikkhu

Reparar no Espaço 51
PLASTICIDADE CEREBRAL
ajahn vajiro

Foi-me recomendado um livro sobre plasticidade cerebral: como


funciona o cérebro, como se organiza, como acontece o processo
de aprendizagem nos seres humanos, como ocorrem as sinapses
neuronais, como é possível mudar…. Como sabem, durante muito
tempo pensava-se que o cérebro era uma espécie de mapa fixo e, que
as ligações neuronais uma vez estabelecidas, nunca se alteravam.
Recentemente têm sido realizados estudos que demonstram como
cérebro é flexível, sendo inclusive possível evitar doenças como
Alzheimer e outros problemas relacionados com o envelhecimento,
através de dedicação e aprendizagem persistentes e consistentes.
Uma das recomendações é, por exemplo, aprender uma nova Lín-
gua.
Acho isto maravilhoso, pois parte do ensinamento do Buddha con-
siste em treinarmos (Dhamma) e poder mudar o curso da nossa
vida. Esse treino e essa vontade de treinar é o que tem apoiado
a buddhasassana (desapensação do Buddha) ao longo destes 2600
anos. O Buddha ensinou o Dhamma-Vinaya. Ele revelou o Dhamma
e ensinou o Vinaya. Quando o Buddha estava próximo da hora da
sua morte Ananda perguntou: “Quem irá liderar a comunidade,
quem nos ensinará depois do teu paranibbāna?”, ao que o Buddha
respondeu: “Deixem o Dhamma-Vinaya ser o vosso professor”.

53
54 Folhas da Árvore Bodhi

Para mim, o Dhamma tem sido definitivamente inspirador. Lembro-


-me de alguns livros que li quando andava na Universidade: “Está
no aqui, agora” – de Ram Das, o “Dhammapada” e outros livros de
Dhamma; mas foi quando vi o Vinaya que a fé surgiu nas suas dife-
rentes possibilidades da vida. Foi quando vi os monges da floresta,
quando vi como seres humanos praticavam o Vinaya, que a fé brotou
verdadeiramente em mim. Vi como uma forma, uma estrutura, na
qual as pessoas persistentemente treinaram durante anos, que as
havia transformado e, como estas por sua vez, no decorrer do tempo,
contribuíram para transportar essa estrutura para as gerações vin-
douras.
No tempo do Senhor Buddha havia Arahants, seres iluminados, que
achavam que não era necessário seguirem o Vinaya (até mesmo os
seres iluminados cometem erros!). Porém o Buddha criticou-os
dizendo: “É em benefício das gerações vindouras que devem susten-
tar o Vinaya, o treino, para que algo possa continuar no futuro”. O
Vinaya leva-nos ao colo quando somos “pequenos”; quando come-
çamos o treino somos encorajados a seguir estritamente todas as
regras, mesmo as menores, da forma mais perfeita possível. Isso
irá apoiar-nos e proteger-nos. Depois, conforme vamos ficando
mais fluentes e confiantes no Vinaya, o encorajamento não é para
colocarmos o Vinaya de lado mas sim para passá-lo às gerações
vindouras para que o treino possa continuar. O Vinaya implica um
comportamento exemplar, quer, da expressão física quer, da verbal.
É, extremamente útil e importante estar conscientes das nossas
intenções, conjuntamente com o treino do Vinaya. O Vinaya não é só
o conjunto de todas as regras básicas, mas também a maneira como
realizamos as nossas acções.
Lembro-me claramente de pensar que nunca iria fazer vénias – “Eu
não faço vénias a imagens douradas! Definitivamente vamos parar
ao inferno se o fizermos!” – e mais tarde ter vontade de aprender
a fazê-las. Lembro-me muito bem dessa mudança ocorrer em mim,
no momento em que me apercebi de que, o que mais me interessava
era o que estava a acontecer internamente: o que significava o acto
de baixar a cabeça perante alguém ou alguma coisa, e de que forma
isso me afectava. Estava interessado em investigar a resistência que
surgia e, mais tarde, a alegria e a vontade de o fazer. Existe algo de
agradável quando nos entregamos e dizemos “Não depende de mim!
Simplesmente quero aprender com isto”. Particularmente quando
faço vénias ao senhor Buddha, existe em mim uma forte noção de
querer aprender com isso, através desta forma na qual pratico neste
preciso momento.
Uma das coisas que fazemos aqui no mosteiro é cantar em conjunto.
Para alguns de vós os cânticos talvez pareçam bastante caricatos. O
formato dos cânticos da manhã e da noite não existia na altura do
Buddha. Ele foi na verdade compilado recentemente (em termos da
história do Budismo) por Ajahn Buddhadhassa (o primeiro professor
do Ajahn Sukkhacitto), no sul da Tailândia. Ele compilou-os de
forma bastante elaborada e também os traduziu para tailandês. Até
essa altura não existiam cânticos em tailandês. Quando ouvi dizer
que os cânticos tinham sido traduzidos para tailandês (na altura
ainda não me tinha ordenado) lembro-me de pensar: espero muito
seriamente que os cânticos nunca sejam traduzidos para inglês! Pois
acho que vai soar muito estranho! Eventualmente os cânticos foram
também traduzidos para inglês e, na realidade, ainda soa bastante
estranho!
Quando pensamos sobre o significado das palavras dos cânticos,
também isso pode parecer um pouco peculiar. Apesar de existirem
partes que são bastante bonitas, há outras onde existem aparentes
incoerências, como dizermos que cada uma das jóias da Jóia Tripla
é o nosso único refúgio. No entanto isto dá-nos uma indicação
da possibilidade de nos entregarmos completamente a um refúgio.
De cada vez que dizemos, “Este é o meu único refúgio” podemos
dizê-lo com todo o coração. Na verdade isto é necessário. Se

Plasticidade Cerebral 55
56 Folhas da Árvore Bodhi

queremos confiar neste processo então ele tem de ser levado a cabo
com todo o coração. Tem de haver a noção de que isto é o mais
importante. Se realmente quisermos voltar atrás e programar e
alterar as conexões neuronais da mente, temos de ter em atenção
que uma das coisas que os cientistas dizem é que se fizermos algo
sem muita atenção, sem nos entregarmos por inteiro ao que estamos
a fazer, então as conexões neuronais não se alteram, os neurónios
não se reorganizarão; o processo não ocorre por completo. Deve
haver uma total entrega para o cérebro realmente mudar. Para
aprendermos algo de novo temos de ter completa atenção, temos
de estar totalmente presentes. Tarefas múltiplas não resultam para
este tipo de alterações cerebrais. Temos de estar focados e ser
persistentes. É realmente interessante quando estamos a fazer algo
estarmos completamente entregues a isso. Muitos dos famosos
professores dir-vos-ão que esta transformação não ocorre se não
estiverem inteiros no que estão a fazer. Tem na verdade de ser uma
“questão de vida ou de morte”. Para que isto realmente funcione
tem de haver “suor e lágrimas”. E certamente, se quiserem aprender
os cânticos e saberem-nos de cor, têm de permitir que eles vos
transformem. Deve haver um verdadeiro empenho envolvido no
processo.
Para mim aprender os cânticos de cor tem sido algo muito revela-
dor. Lembro-me de quando era um jovem adulto estudante, pensar
que decorar coisas era estúpido, “não-inteligente”, como um tipo
inferior de aprendizagem. No meu tempo era considerado o que
pessoas estúpidas faziam. Também achava não ser capaz de o fazer.
Lembro-me claramente de pensar “Nunca serei capaz de decorar
nada”. E claro, por essa altura também já havia esquecido do pouco
de poesia que havia decorado. Quando me tornei parte da comu-
nidade monástica também pensei muito sinceramente que decorar
os cânticos era impossível mas decidi que pelo menos iria tentar.
E assim o fiz. Aprendi o mais fácil dos cânticos – Yan dunnimitam
avamagalañca Yo cāmanāpo – qualquer pessoa que folheie o livro
dos cânticos pode ver que este é um dos cânticos mais curtos que
podemos possivelmente aprender e que consiste em três repetições
nas quais apenas temos de alterar uma palavra. Portanto aprendi-o.
Levou-me um dia completo de obsessão para o aprender e percebi
que o conseguia fazer. Foi um começo. Decidi então decorar algo
que queria aprender e o seguinte, penso ter sido o Sutta Karanya-
metta. Nessa altura eu era Anagarika1 . Comecei a perceber o que
é necessário para decorar algo e uma das primeiras coisas com que
me deparei foram os obstáculos que nos impedem de o fazer. Isso é
Dhammanusati, tal como já devem ter ouvido, isto são, “Os quatro
alicerces da consciência” e o primeiro aspecto de Dhammanusati,
que é bastante claro, são os obstáculos. E o que é que impede de
concentrarmo-nos em algo? É muito interessante. Começamos a
observar a tendência para sentir aversão, para a distracção, para a
inquietação - pensando que não sabemos o que fazer - simplesmente
querendo ir dormir. Podemos então ver tudo isso de forma bastante
clara e começamos a perceber como a mente funciona.
Comecei também a perceber como as coisas se interligam na mente,
como a memória se processa e como é que as informações são
assimiladas. As pessoas acham que eu sei bastante bem a maior
parte dos cânticos, mas isso não é completamente verdade. Sei
um pouco de alguns deles. Coloco uma enorme quantidade de
esforço em algumas coisas. Não acho fácil, nunca achei, mas sei o
que é necessário para o fazer. Se assumo esse compromisso então
sei que pode ser feito. Já não tenho essa dúvida. Simplesmente
sei que requer esforço da minha parte e confio nisso, apesar de
não ser necessariamente fácil para mim. Faço esse esforço e estou
preparado para o fazer, pois sei que quando o realizamos, algo de

1
Anagarika: no Budismo Theravada um(a) Anagarika(ā) (lit. “sem lar”) é aquele
que deixou a maioria das suas posses e responsabilidades para se dedicar a tempo
inteiro à prática budista. É o primeiro estágio da ordenação monástica, anterior à
ordenação de monge noviço. O Anagarika vive sob os Oito Preceitos.

Plasticidade Cerebral 57
58 Folhas da Árvore Bodhi

facto muda e isso é pode ser passado às gerações seguintes. Somos


assim transportados pela estrutura e podemos então descontrair.
Desta forma os cânticos transportam-nos e existe algo de muito
bonito acerca de sermos “levados ao colo” por uma estrutura. Não
nos irá carregar para sempre, pois se não pusermos esforço e energia
nisto, cairá por terra. Assim, existem alturas em que temos real-
mente de nos entregar e é muito bonito quando o fazemos, quando
estamos presentes e nos entregamos ao significado dos cânticos. E
isso também ajuda, esperamos, a que outros levem esse treino adi-
ante, para o futuro, para que continue para as gerações vindouras.
Trata-se de uma forma de retribuição. Existe algo de maravilhoso
acerca de dar para as novas gerações algo que nos foi passado.
Se olharem para as palavras do cântico desta noite vêm que existe
um significado muito bonito nesta reflexão acerca da Jóia Tripla, o
relembrar do supremo louvor. Existe algo de extrema beleza pois
trata-se do mais belo refúgio para seres humanos, o refúgio na Jóia
Tripla, Buddha, Dhamma e Sangha – não existe outro refúgio igual.
“O Buddha é o meu excelente refúgio”. Se estiverem sonolentos
durante a meditação, ou se a mente estiver a deambular demasiado
– talvez nunca fiquem sonolentos durante a vossa meditação ou
talvez a vossa mente nunca divague e esteja sempre supremamente
presente! Mas caso aconteça, assim como por vezes acontece à
minha mente… – é de grande ajuda termos algo que sabemos de
cor, algo que deixamos que nos transforme e que ajuda o coração
a elevar-se. Relembrarmo-nos das qualidades da Jóia Tripla é um dos
quarenta objectos para meditação mencionados no Visuddhi Magga
e nos Suttas. A contemplação do Dhamma é uma forma básica de
ultrapassar a sonolência, recordando as partes que sabemos de cor
mentalmente, de trás para a frente. Vejamos então, por exemplo, se
conseguimo-nos lembrar das nove qualidades do Buddha, das seis
qualidades do Dhamma, dos quatro pares de seres nobres, e de inclu-
sive percorrer com a nossa mente todos estes temas; isto se tivermos
a tendência para divagar durante a meditação ou se acontecer por
vezes ficarmos um pouco sonolentos. Ter estes temas presentes
ajuda-nos e pode ser uma maneira de mudar o nosso estado de
ânimo ou outras características da nossa chitta (coração-mente),
a cittavisaddhi (características do nosso coração-mente). Podemos
assim modificá-las imediata e completamente. Claro que também
existem outras maneiras de o fazer como a respiração ou a postura,
mas podemos fazê-lo com algo que aprendemos de cor, que temos
no nosso coração e podemos contemplar. É algo de grande ajuda.
Na contemplação de tudo isto o refúgio supremo é o Buddha, daí
ser mencionado em primeiro lugar – consciência, é o que o Luang
Por Sumedho enfatiza sempre. Isso torna tudo claro pois se não
houver um conhecimento do que está a acontecer haverá dor. É a
Génese Dependente – Paticcha Samupadda. Se há ignorância há dukkha
(insatisfação, sofrimento). Se não soubermos o que está a acontecer,
se não houver clareza acerca do que está a acontecer, então irá haver
stress. Se estivermos conscientes do que está a acontecer então as
possibilidades de haver stress são poucas, muito menores, ou pelos
menos não desenvolvemos mais (stress).
A dúvida é algo frequentemente problemática: não sabermos o que
está a acontecer, estarmos incertos, não estarmos claros, não estar-
mos seguros sobre nós próprios ou sobre o que fazer. A maior parte
de nós tenta ultrapassar o estado de dúvida tentando encontrar
certezas: “Quero ter a certeza, quero ter a total certeza, quero ter
a certeza de que é absolutamente certo, quero ter a certeza que é
a opção certa”. Mas até mesmo no simples caso de aprender um
cântico haverá alturas em que não estamos seguros qual é a próxima
palavra. Posso dizer-vos que na minha experiência, quando estamos
a cantar sem o livro (porque se estamos a falar em aprender os
cânticos de cor não faz sentido utilizar-se o livro), e temos a noção de
que não sabemos o que vem a seguir (e de forma alguma vamos ter
a certeza pois sem o livro…), se repousarmos na nossa consciência

Plasticidade Cerebral 59
60 Folhas da Árvore Bodhi

por um breve momento, o que vem a seguir será revelado. Se o


tivermos aprendido será revelado. Não ultrapassamos o estado de
dúvida através de querermos agarrar a certeza. Ultrapassamos o
estado de dúvida através de uma entrega à consciência. Não se
extingue a dúvida procurando que as coisas sejam de determinada
forma. Tentar que as coisas sejam de determinada forma é uma
história sem fim. A única maneira de ultrapassarmos a dúvida
é confiar na consciência e isso é assustador. Até mesmo quando
estamos a cantar o pāṭimokkha1 é um pouco assustador, ainda que
tenhamos alguém a fazer o ponto. Temos de ser capazes de entrar
naquele estado em que simplesmente descansamos na sabedoria da
consciência. Confiar. Esta é uma forte recomendação para todos
vós: não encontrarão uma saída para a dúvida através da tentativa
de encontrar certezas.
Acho que é tudo por hoje e espero que isto vos encoraje a mudar
essas células cerebrais! Não tenham medo de ficar com falta de
espaço no vosso cérebro por o encherem com os cânticos. Na
verdade o que acontece (segundo os cirurgiões cerebrais) quando
aprendemos algo bem, tornamo-nos mais eficientes. Quando apren-
demos algo correctamente estamos a proporcionar a possibilidade
do cérebro utilizar um menor número de células cerebrais para exe-
cutar as tarefas necessárias. Quando não estamos seguros por não
termos decorado bem os cânticos (neste caso), estamos na realidade
a utilizar mais células cerebrais e a criar mais caos. Assim, quando
aprendemos algo devidamente são necessárias menos células cere-
brais para tornar as coisas claras. Este livro recomendado pelo
Ajahn Jayassaro relata os vários tipos de experiências que os cirur-
giões cerebrais efectuaram com variados tipos de pessoas. Tenho
estado a contemplar isto e a perceber que faz sentido. O cérebro é

1
Pāṭimokkha: é o código básico da disciplina monástica Theravada, consistindo
em 227 regras para os monges (bhikkhus) e de 311 para as monjas (bhikkhunis).
Encontra-se no Suttavibhanga, uma das divisões do Vinaya Pitaka. É recitado pela
comunidade monástica na lua cheia e na lua nova.
plástico. Através de treino, o cérebro pode tornar-se mais eficiente
e eu desejo-vos o melhor no vosso treino para a total libertação de
toda a confusão.
Evam.

Tradução de Appamādo Bhikkhu

Plasticidade Cerebral 61
O INCONDICIONADO
ajahn sumedho

Ora, então já só temos Sexta e Sábado, e Domingo o retiro acaba.


Reflictamos então sobre o resultado do retiro até aqui, não em
termos de “bom” ou “mau”, pois por vezes as pessoas dizem: “tive
um mau retiro ou um bom retiro”. Mas mau retiro também é bom e
se houvesse só bons retiros nunca se aprenderia nada.
As convenções religiosas têm as suas formas, as quais são precisa-
mente convenções. Assim por exemplo, questões sobre os budistas
não acreditarem em Deus é um dos casos, em que pode confundir-
-se e misturar convenções. Tal como diferentes linguagens são só
convenções. Quanto à palavra “Deus”, o que é que isso quererá
significar? O que acontece na generalidade é que a palavra “Deus”
é usada como se as pessoas concordassem e pensassem todas da
mesma maneira. O que é que se quererá dizer no contexto cristão ou
no contexto judaico? “Deus” é a palavra utilizada. Mas no contexto
budista por exemplo fala-se em ensinar deuses e homens, não é de
ensinar Deus e os homens… deuses neste caso não equivale a Deus
no sentido Cristão da palavra. No entanto, tudo isto são palavras
que procedem de formas, onde existe uma concórdia de linguagem,
principalmente, quando nos reportamos em termos de “desenvol-
vimento espiritual”, e assim misturamos tudo (religiões, crenças),

63
64 Folhas da Árvore Bodhi

gerando confusão. Portanto, ao ensinar dentro do contexto budista,


deve-se ficar dentro da terminologia budista.
Mas este retiro não é sobre comparação de religiões, mas sobre
meditação e de como saber usar a convenção budista.
Quer o Buddha, tenha acreditado ou não em “Deus”, esse nunca foi
o tipo de abordagem que assumiu em relação à vida espiritual, mas
fê-lo num contexto diferente, quase na direcção oposta, o que deu
realce às “Quatro Nobre Verdades”. E estas não são verdades metafí-
sicas, pois não se trata de tentar definir a “realidade última” ou até
de usar termos para outros factores que não os negativos como o
“Incondicional”, o “Incriado”, “Cessação”, “Nibbāna” (Nirvāna).
As religiões teístas por seu lado, geralmente começam muito mais
por doutrinas metafísicas, “eu acredito em Deus”, contudo, no
Budismo, pelo menos na Tradição Theravada, a preocupação é: “o
sofrimento existe”, “a sua causa existe”, “a sua cessação existe” e
“o caminho para a cessação do sofrimento existe”. Ou seja, toma
a atitude inversa em oposição à religião teísta. Ora a “Primeira
Nobre Verdade” é baseada numa experiência bastante comum e
certamente que não é uma verdade metafísica, é uma realidade
existencial, não é assim? O sofrimento é uma experiência comum
a todos os seres humanos, todos os seres sencientes. E pondo isso
dentro do contexto de uma “Nobre Verdade”, que nobreza é que
se pode encontrar no sofrimento? A mim parece-me um facto
maléfico, em termos da minha mente americana, o que eu quero é
fugir disso, como é que nos livramos disso? Como é que saímos dum
determinado sofrimento? Então, esta abordagem do Buddha é, para
compreendermos o sofrimento e como nós o criamos. Portanto,
ao dar uma palestra, estou constantemente a apontar, a definir as
coisas como são; a experiência existencial de sentar, respirar, sentir,
de estar nesta forma sensível. Eu tenho estado num corpo humano,
eu tenho estado consciente. Assim, não estou a dizer-vos o que
deviam pensar sobre isto, mas a indicar e a encorajar para o des-
pertar e a observar para serem mais conscientes. Isto é consciência,
acordar para a realidade deste momento, assim tal como é, que
inclui felicidade, sofrimento ou o que quer que seja, que estejam a
experienciar agora mesmo.
A ênfase que se dá a toda a fenomenologia condicional é imper-
manente. E o “incondicionado”, o “incriado”, o “não-nascido”, o
“não-originado” existe, logo existe também a saída para fora do
“condicionado”, do “criado”, do “nascido”, do “originado”.
Ou seja, toda esta forma de ensinar, de indicar, de falar, não é
para acreditarem, eu não estou a pedir para acreditarem no que
digo, mas sim para observarem as condições - a maneira como é -
conscientemente experimentando dentro da vossa forma humana,
dentro da maneira como a vossa mente trabalha; das emoções que
estão a ter, das energias, das experiências energéticas e, que podem
estar a experienciar agora. E não é ajuizar se é bom ou mau, mas ser
o que é, deste modo, este ser o que é, assim tal e qual como é.
O Buddha depois da sua Iluminação sempre se referiu a Si próprio
como o “Tathāgata”, “Tathāta”, esta palavra “tathā” em Pāli significa
“a integridade do que é” ou “aquilo tal qual é”, o “como é”. Ele não
se referiu a Si, dizendo: “Eu costumava ser o Príncipe Siddhārtta
e o meu Pai era um Rei, a minha Mãe era uma Rainha. Frequentei
as melhores escolas, casei, tive um filho e depois deixei-os, quando
optei por ser asceta por seis anos, onde me vi na futilidade de me
maltratar e, quando me sentei debaixo de uma árvore tornei-me
iluminado”. Aquilo que é o agora, “tathāta”, “tathāgata” é “assim
se torna Um que é o agora”, é como uma referência, aquilo que é
presente. Não é o Príncipe Siddhārta, não é o asceta Gautama, nem
é sequer o Buddha, no sentido de dizer “eu sou o Buddha” num acto
de proclamar-se Ele próprio a esse nível. Ora tomemos aqui atenção
à erudição da palavra, “Tathāgata” tornou-se frequentemente, em
várias tradições budistas, uma espécie de título superlativo, quando
na realidade significa “aquilo que é precisamente agora”. Então este

O Incondicionado 65
66 Folhas da Árvore Bodhi

“tathāta”, “tathā” e “tathāgata” ou qualquer coisa com esse prefixo, é


traduzido como “a qualidade tal d’aquilo que é agora”, não é uma
pessoa, não é alguém com uma história, um passado, com uma
auto-biografia, credenciais, status, sucesso ou seja o que for, mas
que é aquilo, que é “agora”.
E eu sempre achei esta perspectiva bastante interessante, porque
implica aprender o verdadeiro significado da linguagem. Vivi na
Tailândia durante os meus estágios iniciais de meditação e, portanto,
eu tive que aprender meditação através dos termos da língua tailan-
desa, de traduções Tailandês-Inglês e de Pāli, e então, é claro que a
língua tailandesa desenvolveu-se culturalmente sob a influência e
o contacto com o Budismo, incluindo bastantes palavras do Pāli, à
semelhança do Latim com o Inglês o qual inclui bastantes palavras.
E, então aprender noutra língua, achei um grande desafio, porque
na nossa própria língua pode-se pensar e tomar como certo que per-
cebemos tudo. O inglês é a minha língua natal, é inglês americano,
mas é um hábito-língua que se aprende facilmente, sendo do género
de se ir absorvendo, como quando se ouve na infância a nossa mãe
falar ou qualquer outra pessoa.
Então aprender meditação noutra língua como a tailandesa, achei
uma grande revelação, mas com certa dificuldade em perceber, pois
não era a minha língua natal. Tive que considerar o sentido e o
significado das palavras. A língua tailandesa é uma língua de carac-
terísticas psíquicas, onde há todo um leque de termos, por exemplo
sobre “Citta” (mente-coração) e “Jay” (vencer-conquistar); contém
diferentes níveis de felicidade e miséria, enlevo ou depressão, inter-
mináveis tipos de combinações para descrever sentimentos emo-
cionais e estados mentais. Portanto, traduzir isso para o inglês e
aprender como usar a língua inglesa dentro do contexto tailandês e
entender como realmente funciona, não só em termos de expressão
gramática ou de estrutura da língua, mas também psiquicamente.
Compreender, como de facto, as palavras têm efeito, afectando a
consciência, na medida em que a consciência é o alicerce do Ser. Isto
é consciência, a língua, as palavras, os conceitos, os eus.
Como por exemplo dizer “Eu”…só este pronome pessoal “Eu”…e
então nós temos “eu” e “meu”. É evidente que “Eu” não implica
necessariamente egoísmo quando aponta à realidade do Ser. Porém,
quando entro em pontos de vista e opiniões fortes, egoísmo e
obsessão, quando fico obcecado com o “eu”, obcecado comigo, com
o meu ser, com o que é meu…então estas palavras “eu” e “meu”
são extremamente poderosas para se reflectir sobre elas; podem
conduzir a este sentido de importância pessoal, do que eu penso,
de que estes são os meus pensamentos, esta é a minha vida, os meus
direitos…esta é a era dos direitos, exigindo os meus direitos.
E, depois, este “Eu” pode facilmente conduzir a este sentimento
de “individualidade pessoal”. Mas, “Eu” também pode querer
dizer “não-pessoal” - não um, “eu” pessoal separado, em termos
de alguém com uma história, um corpo ou coisa do género - mas
mais para indicar a realidade do estar presente. “Eu sou” é uma
afirmação honesta, e quando nos exprimirmos com palavras sobre
nós, é sempre com, “Eu sou”.
Eu refiro-me a isto na Lenda do Buddha, a seguir à Iluminação,
quando Ele se dirige para Varanasi e encontra o asceta que Lhe
pergunta, «Vós pareceis particularmente resplandecente e radiante,
o que foi que acabastes de descobrir?». E Buddha responde sim-
plesmente: «Eu Sou O perfeitamente iluminado». Eu costumava
interrogar-me sobre isto e dizia «se Ele estava iluminado, como
poderia dizer uma coisa dessas?». Sinceramente acho que é algo
perfeitamente estúpido de dizer se me perguntassem. Imaginem,
alguém vos pergunta e vocês respondem «Eu Sou o/a perfeitamente
iluminado/a», pois quem quer que dissesse isso eu não confiaria.
Eu já cheguei a conhecer pessoas aqui em Amarāvati, uma entre as
quais se proclamou Deus. Mas, na verdade, o Buddha disse o que
disse, pelo menos na escritura, não sei até que ponto a história é

O Incondicionado 67
68 Folhas da Árvore Bodhi

fidedigna, mas é uma boa história e o asceta foi-se embora e não


acreditou. Então, será que o Buddha estava a dizer uma mentira, ou
foi só presunção? Ou foi o “Eu” não pessoal? Portanto, isto é só uma
reflexão sobre o uso deste pronome. Será que “Eu” sempre se refere
a mim como uma pessoa? Ou é antes um testemunho da realidade?
“Eu sou o iluminado”, “Eu sou o caminho”, “Eu Sou…”… e claro, para
muitos de nós parece-se como sendo o ego, porque geralmente é
assim que se usa a palavra, o pronome “eu”. E é óbvio, se alguém
sente o seu ego envolvido, então vai interpretar como uma espécie
de objectivo pessoal a ser alcançado, tornando-se personalidade…
ou não será?
Por exemplo, no Advaita (Vedānta), eles usam o “Eu Sou” como
“quem sou eu” ou usam a reflexão no “Eu Sou” de uma forma sábia. E
então os budistas dizem «oh, no Advaita eles têm o “Eu” superior e o
“Eu” inferior e o “Ātman” e é tudo uma porcaria, nós os budistas é que
estamos certos…». Mas, será que realmente sabemos o que estamos
a dizer? Será que compreendemos verdadeiramente a nossa própria
convenção? Porque temos preconceitos e juízos tendenciosos a
respeito de outras religiões, a respeito de outras convenções das
quais não nos inteiramos nem compreendemos, nem as praticamos
para as perceber, simplesmente as julgamos do ponto de vista da
nossa própria convenção. É como a presunção de ser inglês não é?
O Império Colonial Britânico, com certa presunção, ensinava as pes-
soas a serem civilizadas, porque a nossa civilização tinha muito mais
brio do que qualquer outra, quando na realidade não compreendiam
ninguém, e isto é ser o “eu” e o “meu”, que são convencidos, onde
existe preconceito tendencioso e prejudicial que vem da ignorância.
E, então, apontando para a consciência, qualquer que seja a nossa
raça, religião, classe ou o quer que seja, na realidade nós somos
seres de consciência, isto é consciência. E a linguagem é algo que
aprendemos e usamos em consciência. E neste retiro aquilo para
o qual aponto, não é para a convenção como algo que tenham que
dominar, mas sim para o modo como devem usar a convenção do
Budismo Theravada. Assim, não é para criar ou acrescentar mais
presunção à que já possa haver. É usar isso, exactamente para ver e
penetrar através da presunção, através da ignorância, preconceito
ou apego que possa existir, é ir mais além, para ver o sofrimento que
experimentamos ou que eu experimento quando estou agarrado a
ideias, opiniões, posições e sentimentos de auto-importância. Deste
modo, qualquer conceito, pensamentos ou atitudes que eu possa ter,
ou nem ainda estar consciente, acaba quando começo a observar e
reflectir no que realmente estou a pensar e a sentir. Eu costumava
ser convencido de que não era convencido, porque eu não suporto
gente convencida. Foi quando alguém falou em presunção dizendo
que determinada pessoa era muito convencida, que eu comecei a
reparar na forma como eu costumava julgar as outras pessoas como
convencidas; reparei como estava a ser bem convencido, chegando
a dizer: «eu não sou assim».
Portanto, o “Eu Sou”, como já indiquei anteriormente, se o ponho ao
nível pessoal «Eu sou Ajahn Sumedho», deixa então de ser universal
e torna-se pessoal, «Eu sou americano-britânico», se o puser em
termos universais pode-se dizer «Eu sou… Amor». O que será isso?
Agora aqui entramos no uso da palavra inglesa “Love” (Amor) e é
claro que como bem sabem, esta palavra é usada quase para tudo
e mais alguma coisa hoje em dia, mas é uma palavra bem poderosa
da língua inglesa, e fez o seu caminho para quase todas as línguas
no planeta por esta altura. Não pode, de facto, ser posta de lado.
Mas quando falamos sobre “Amor” ou amor romântico, ou amor
pessoal, amor incondicional, amor Cristão… o que é que queremos
dizer com esta palavra? Então os budistas usam “Metta” e fica logo
tudo resolvido, não é verdade? Escrevem-se letras em que não se diz
“Love” (Amor) mas diz-se “Metta”. Pois, na verdade “Love” (Amor)
pode soar incrivelmente pessoal, como por exemplo em “being in
love” (estar enamorado/apaixonado) com uma certa afectividade e

O Incondicionado 69
70 Folhas da Árvore Bodhi

intimidade pessoal. Ou pode significar “Metta” (Loving/Kindness –


Amabilidade/Gentileza), ou então usamos o termo “Amor incondi-
cional” ou será apenas só mais outro tipo de ideia ou grande ideal?
«Não seria tão bom haver amor incondicional?» «Ai o meu amor é
incondicional». Soa bonito e é inspirador, mas “amor” muitas vezes
na forma como é usado, significa apenas gostar. Portanto gostar e
desgostar, o que muitas vezes se quer dizer é, “eu amo este sítio ou
esta pessoa”, porém, quando essa pessoa não faz o que nós queremos
já não gostamos dela. Depois ficamos muito confusos porque quere-
mos amar alguém incondicionalmente, mas logo, não gostamos do
que essa pessoa está a fazer, porque quando se pensa que essa pessoa
está a fazer alguma coisa da qual não gostamos, deixamos de gostar
dela. Assim, a memória ou a percepção é “ele falhou” ou “traiu-me”
ou “desiludiu-me”, ou seja, isto é o sentimento de “eu”, de “gostar”
ou de “desgostar”.
Quando eu uso o termo “amor incondicional”, qual será a realidade
do amor incondicional neste preciso momento? E, então, a mente
pára, não é verdade?… “o que é amor incondicional neste preciso
momento? É real ou será só uma ideia superior? Estarei eu a
sentir amor incondicional agora mesmo ou não? O que será agora?
Se é incondicional, é intemporal, não depende de condições, não
depende de empatia, de ser simpático ou amável, de concórdia, ou
aprovação ou de qualquer outra coisa. Num nível pessoal eu gosto
mais de certas coisas do que de outras e não gosto de outras tantas,
aprovo certas facções, desaprovo outras. São preferências, opiniões
e diferentes pontos de vista de acordo com a forma como eu estou
condicionado a pensar, da forma que eu espero e exijo da vida para
comigo próprio.
De alguma forma, na minha própria experiência ao usar a palavra
“Amor”, faço por não o definir ou ficar a pensar demasiado nas
infinitas descrições sobre “Amor incondicional”, mas reconhecer a
realidade que é. Tive uma experiência sobre isto, que já contei a
alguns dos presentes anteriormente, e que se passou já há alguns
anos, sobre ter estado muito irritado com alguém, muito magoado,
enraivecido, muito perturbado. Assim, sempre que esta pessoa
surgia na minha consciência, eu sentia esta raiva, esta aversão, e
então, comecei a observar isto que chegou a tornar-se extrema-
mente terrível e sufocante, quando eu na realidade não queria sentir
isso, porém era o que estava a ocorrer. E, então, resolvi escrever a
minha aversão. Lembro-me de estar ali sentado uma tarde inteira a
escrever tudo o que me vinha à cabeça, como nunca antes; afirma-
ções do pior, que nem tentei ser amável ou politicamente correcto,
ou decente, ou qualquer outra coisa, eu simplesmente escrevia todo
o ódio, sem precedente. E finalmente ao acabar (enchi três páginas)
queimei e enfiei isso pela retrete abaixo.
Mas o significado deste discurso crítico de raiva em três páginas, foi
que eu trouxe à superfície a memória desta pessoa e, depois disso
nada permaneceu. Até na minha mais vívida imaginação, já não
havia mais nada para pensar de sórdido ou horrível sobre aquela
pessoa. Desta forma, a mente ficou vazia. Depois trouxe novamente
a imagem desta pessoa à memória e perguntei, o que é que este
vazio queria dizer? E o vazio disse “Eu amo-te” a essa pessoa, à
memória dessa pessoa. Isto para mim foi uma revelação muito
importante porque, na realidade, o que jaz sob esta raiva e cólera, é
o Amor. Contudo, não sabemos isto, quando estamos envolvidos nos
detalhes e dentro da própria raiva. Na verdade, se tentarmos parar
esse envolvimento raivoso, pois o que queremos é ser amáveis com
amor e simpatia, podemos, então ser sensatos e entender as outras
pessoas. Posso até pôr-me no lugar delas e compreender porque
dizem coisas terríveis, mas, nem mesmo assim, estou a ser correcto
ao nível da razão, mas ao nível emocional. No entanto, ou me deixo
envolver nisso por pensar, vaguear ou odiar e fico preso na emoção
ou então, paro e não me deixo envolver. Ao reflectir desta forma e
tendo até expressado por escrito a minha tensão mental, trouxe-a à

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72 Folhas da Árvore Bodhi

superfície e encarei esta fúria e raiva. Ao escrever, consegui pelo


menos trazer a emoção a um nível superior de evidência, numa
exposição crítica que me permitiu conhecer e aceitar o que eu estava
a sentir e a pensar, de modo a descrever a fúria, a raiva e a mágoa
que eu estava a experimentar. Na verdade chegou a um fim.
Passado algum tempo, não havia mais nada para dizer e, então
houve uma compreensão, “amor incondicional subjaz a tudo”. Não
nos apercebemos desta realidade, porque estamos perdidos nos
nossos apegos, nos nossos hábitos, pontos de vista e opiniões, nas
nossas ilusões, nas nossas personalidades.
Se não conhecerem o que é a vossa personalidade ou, se não sou-
berem verdadeiramente o que são as emoções, vão ajuizar de um
nível racional, “raiva é má e o amor, é bom e eu gosto”, depois
também se acredita nos gostos; “este é um bom monge, aquele é
um mau monge”. Assim, surgem e desaparecem várias preferências,
e entretanto, alguém de quem gostamos hoje, amanhã podemos já
não gostar. O gostar é mesmo algo em que não podemos confiar.
E, então, tomei consciência de que há sempre condições para se
gostar. Quando por exemplo, vemos mães com crianças e as crianças
estão a ser mesmo teimosas, difíceis, abomináveis e impossíveis,
verifica-se que a criança está a ser completamente insuportável
nesse momento, no entanto, as mães não dizem “eu odeio a criança”
- pelo menos a maioria - e por debaixo da frustração, do não gostar e
da saturação, está este Amor Incondicional. Digamos que para mim,
não foi um amor romântico, não foi sentimental. Neste sentido,
o Amor Incondicional aceita tudo, percebe, sem condições. Não é
como “eu amo-te só quando te portares bem, ou se te comporta-
res decentemente e não humilhares nem envergonhares a família”,
“mas quando fizeres coisas de que eu não gosto eu já não te amo
mais”. Mas é possível pensar desta maneira, “eu já não amo mais
quem fala mal de mim, quem espalha rumores, quem me calunia,
quem me maltrata…” e então “eu já não te amo mais.” Ou, outras
condições para não se gostar, são por exemplo situações em que
me insultam ou que abusam de mim, já não consigo gostar dessas
pessoas nesse momento. Mas se eu reconhecer e estiver ciente de
que mesmo por debaixo dos meus gostos e antipatias que surgem
e esmorecem conforme as condições, está este Amor Incondicional,
pode-se cultivar a prática de Metta (amabilidade -gentileza) ou Amor
Incondicional.
Quando se pratica Metta connosco e depois inter-agimos com os
outros, podemos ficar demasiado sentimentais ou mimados e, eu
admito, que algumas formas de comportamento podem-se tornar
insatisfatórias para mim, mas, e se for apenas um tipo de simpa-
tia verbal e pretensiosismo sentimental? Portanto, é aqui que se
pergunta, afinal de contas o que é na realidade, Metta? Quando
realmente investigamos o uso de Metta, estamos a aceitar todas as
condições, tudo assim tal como é, sem o gostar ou deixar de gostar,
não tendo a ver com aprovar ou desaprovar. Assim nós emitimos
Amor para o Senhor da Morte, para os Demónios, assim como para
os Anjos, os bons e os maus. Não é uma questão de mais Amor para
o Anjos e só um bocadinho para os Demónios, ou uma questão de
percentagem ou de quem merece. Quem será que merece o meu
Amor? É claro que vou ser decente com os Demónios e talvez lhes
dê 1%”. Mas isso não é incondicional, ou será que é? Ou é ser
naturalmente sentimental e pensar mais uma vez naquele modo,
“tu mereces mais que aquela pessoa” e então entra-se em maneiras
de ver pessoais, opiniões, gostos, preferências e por aí fora. Amor
incondicional, é esta habilidade para aceitar e isso deve ser feito
durante a própria meditação, no agora, quando estiverem conscien-
tes e a experienciar emoções desagradáveis. Tentarem cultivar esta
habilidade para aceitar a sensação, este sentimento, esta raiva ou
ressentimento, ou ciúme, ou medo, o quer que seja, sem condições.
Nem sequer é uma questão de aceitar ou livrarmo-nos de, mas é
admitir qualquer condição que seja, de ser o que é e, simplesmente,

O Incondicionado 73
74 Folhas da Árvore Bodhi

apliquem isso a vós próprios, à vossa própria experiência enquanto


estão aqui sentados. Quando tiverem que lidar com negatividade,
como raiva e outros sentimentos que possam surgir, experienciados
interiormente, é possível que não gostem.
Deste modo, em meditação, e num retiro como estes, é que todos
temos esta oportunidade de permitir o medo, pois o medo é muitas
vezes uma emoção que normalmente rejeitamos ou resistimos. Por
isso, às vezes experimentamos medo num sítio como este, que na
realidade até é bastante seguro. Não há aqui nada que cause medo,
no entanto, há terror, medo, ressentimentos e todos os tipos de esta-
dos estranhos, negativos que podemos deixar entrar na consciência.
De facto, podemos cultivar esta atitude do Amor incondicional, ou
Metta, ou Consciência (Sati – Mindfulness). Consciência (Sati - Mind-
fulness) é permitir seja o que for, que seja o que é ou a qualidade
que é. Se é estúpido ou sem sentido nenhum, sujo, ou perverso, ou
seja lá o que for. Poderão querer descrever isso, mas se o fizerem
estão a tornar a situação mais complicada do que é na realidade,
porque estão a julgar de determinada forma. É o que é, a condição
começa e acaba. E isto não é desprezar ou ignorar a qualidade, mas
também não é abusar do julgamento dessa qualidade. A “Presença
Consciente” (Awareness) permite o discernimento para receber algo.
Mas a tendência para julgar a qualidade, vem mais uma vez da mente
crítica, “isto é mau, isto é bom, isto está certo, aquilo está errado”.
Então, eu acho que este modo de reflectir, na realidade, é uma
purificação. Quando se consegue fazer isto, mesmo que o que vem
à consciência possa parecer contaminado e impuro, vai permitir a
liberação, a permissão para partir. Estão a libertar-se estes estados
miseráveis. E, através da consciência, o que é que eles fazem? Sim,
eles param, eles vão-se embora. Se isto não for feito, então pode-se
suprimi-los outra vez, e resiste-se, constantemente não permitindo
esta purificação, esta pureza natural, ao tentar controlar e rejeitar
o que não se gosta e, o que não se quer ver, o que não se quer saber,
do que se tem medo, continuando a reprimir.
Portanto, é aqui que se encontram as referências ao Buddha,
Dhamma, Sangha. Porque é que eu valorizo isso, porque é que tomo
refúgio no Buddha, Dhamma, Sangha? Porque isto é uma forma e uma
convenção, mas para mim, porque o desenvolvi, isto é uma referên-
cia, uma recordação. Estas três frases: Buddham Saragnam Gachami
(eu tomo refúgio no Buddha); Dhammam Saragnam Gachami (eu tomo
refúgio no Dhamma); Sangham Saragnam Gachami (eu tomo refúgio no
Sangha), que me lembram, até daquilo que eu possa experimentar,
de horrível, de maligno ou de assustador, de louco, de demente,
seja qual for a qualidade que possa sentir, mas o meu refúgio, é ver
isso em termos daquilo que é sankhāra (formação mental), a surgir
e a desaparecer. Ver a cessação disso, não é rejeitar, mas permitir
que o seja e de seguida realizar a cessação. Porque essa “Presença
Consciente”, então de facto está a observar; já não se é mais a pessoa
a possuir a condição, é-se Buddho, o Buddha a observar e a conhecer
o Dhamma, tudo o que está sujeito a surgir e tudo o que está sujeito
a findar.
Ora, quando algo acaba, o que realmente acontece é largar algo, não
é rejeitar esse algo. Rejeição implica sempre aversão, “eu não quero
isto” e aí está aversão e, nunca nos libertamos através da rejeição
de alguma coisa, apenas suprimimos e quanto mais o fizermos,
mais essas raivas e esses medos nos fulminam por dentro, cortam,
corroem-nos completamente, comendo o fígado e o baço. Então
é como guardar estes demónios dentro de nós e depois perguntar
porque somos miseráveis. O que se tem que fazer é abrir a porta
amplamente, porque eles também não querem ficar cá dentro, dei-
xem-nos sair, libertem-nos, dêem a amnistia a todos os prisioneiros,
um grande gesto, é um gesto de Amor, de Amor Incondicional não
é? Depois o que sai fora é do género, eu comparo-o com um clister
e o que sai é nojento, mas uma vez terminado, sentimo-nos muito

O Incondicionado 75
76 Folhas da Árvore Bodhi

melhor. Depois, isto também nos transmite um sentimento da


beleza da vida. Apesar de toda a negatividade, maldade e egoísmo,
da violência que se ouve interminavelmente nos média, acerca do
egoísmo e da corrupção da humanidade, se provarmos isto a nós
próprios, realiza-se que o que jaz por debaixo de tudo é Amor… Amor
Incondicional.
Eu não espero que acreditem em mim, mas isto é só uma sugestão,
uma forma de olhar, não tem nada a ver com gostar. É uma realidade
incondicional. É real, não é só um momento inspirado na minha
vida, em que de repente amo toda a gente. Não é isso.
Reconheçamos o Incondicionado, como na “Terceira Nobre Ver-
dade” - a cessação do sofrimento - realizar essa realidade. O que
começa acaba. Permitir que as coisas acabem. A morte é o fim
de uma condição, da cessação, da morte. E nós temos medo da
morte. Portanto, muitos de vós vêm dizendo que uma sensação
de medo aparece na vossa prática à medida que se aproximam do
vazio. Experimentar o vazio e o “não eu”, revela-se bastante assus-
tador. Porque não estamos preparados para isso emocionalmente.
Vivemos emocionalmente condicionados pelos extremos e, então
queremos alegria e tememos o sofrimento, queremos o sucesso, e
a euforia e tememos o falhanço e por vezes dizemos; “não presto
para nada, a vida não vale nada, não tem sentido nenhum”, e por aí
adiante.
Realmente, os hábitos emocionalmente extremistas e as emoções,
estão relacionados com este dualismo dos oito Dhammas mundiais.
Não obstante, emocionalmente, não nos sabemos relacionar, não
estamos aprimorados. As nossas emoções, porque se enquadram
no desconhecido e no incerto, fazem-nos perder o sentido. Se nos
definirmos como isto ou como aquilo, ficamos com uma certa noção
do que se é, mas se de repente alguém nos tira as nossas identidades,
não sabemos quem somos e isso é muito assustador. Mesmo que nos
assumamos bastante negativamente, tal como “Eu sou um falhanço
absoluto sem esperança alguma”, ao menos definimo-nos, ao menos
sabemos quem somos. Contudo, se nos convencermos, “eu sou uma
forma superior da humanidade”, neste caso, tanto nos podemos
engrandecer como menosprezar, mas quando não há “eu” as coisas
mudam.
Lembro-me de há já alguns anos, em Wat Pah Pong, quando ainda
estava com Ajahn Chah, atravessei um período, em que senti que
estava a morrer ali - como uma voz interna - senti que estava a
morrer naquele mosteiro… e tinha este tipo incrível de grito cá
dentro, a agudizar “eu quero viver”, esta voz interna “eu estou
a morrer, eu quero viver” e de repente indaguei-me e comecei a
olhar à volta; “isto é um sítio de morte, este mosteiro, o Budismo
fala só de morte e aniquilação”, e logo surgiram todos os tipos de
suspeitas e medos, “talvez seja mesmo uma religião diabólica ou
exterminadora”. E, então este “eu quero viver”, era como um grito
dentro de mim, mas apesar de todo este tremor, eu consegui ter
suficiente visão interior para na realidade não acreditar nisso, para
não vacilar, mas foi muito avassalador, muito forte. Ou seja, quanto
mais desenvolvo esta “consciência presente” (awareness), maior se
torna a sua força e, o sentimento de mim próprio como ego, começa
a entrar em pânico, “quem sou eu então? Eu vou morrer, eu tenho
medo da morte”. E então muitas vezes usamos as palavras “vida” e
“morte” como um par dualista e dizemos “vida” ou “morte”. Mas, na
forma de encarar as coisas no sentido budista, é antes “nascimento”
e “morte”, nascimento e morte sim, vão juntos. A palavra “vida”
então, quererá significar o quê? Será vida eterna? Poderia ser. No
entanto, nessa minha experiência, não se trata de condições eternas,
condições que duram para sempre, mas subitamente, toda a noção
de morrer, de mim a morrer, morrer sozinho e a morte estando
morta, não existe mais morrer então, isto é o que Ajahn Chah
costumava sempre dizer, “morre antes de morrer” que em tailandês
diz-se “dtai gon dtai”, e Ajahn Chah estava constantemente a dizer

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78 Folhas da Árvore Bodhi

isto, “morre antes de morrer”. E então esta morte do ego, este


poderoso sentimento da minha distinção de “eu” e “meu”, à medida
que confio nesta “Presença Consciente”, este poderoso sentimento
de “eu” em manter o “eu”, a minha distinção, a minha singularidade,
de repente morreu. Eu podia então deixar-me morrer se realizasse e
visse isso, uma vez que eu estava a morrer e a sofrer a todo o tempo,
pois era algo que não podia continuar.
Ora, o que acontece na realidade é que assumimos e actuamos como
se fossemos este ego o tempo inteiro; este ego sou eu mesmo e está
comigo o tempo todo e mesmo quando estou a dormir, ainda assim,
sou Ajahn Sumedho. E depois há a forma como as pessoas falam
carregadas da mais variada terminologia, em que assumem todas
aquelas tendências latentes, como raiva reprimida, contorcendo-se
das profundezas e, talvez existam até todo o tipo de energias negras
cá dentro à espera de sair com medos e tudo à volta. Como então
acabar com isto? Na abordagem budista, o Buddha encarou este
problema através do reconhecer que condições dão origem a outras
condições – “génese dependente”. Ou seja, maneiras de reconhecer
a sua origem, como quando há condições para a raiva e a raiva
surge, sendo algo que está latente, algo que subjaz internamente,
a não ser que se assuma e identifique, com a realidade, do que está a
acontecer. E então eu acho que compreender “génese dependente”,
é um modo muito mais proveitoso de olhar para a experiência,
porque, por exemplo, quando o Sol brilha, quando chove, quando
somos elogiados, insultados, quando se sente com saúde ou doente,
as emoções estão sempre de acordo com as condições.
A plena consciência da condição, não é a condição. Não é uma
condição a olhar para outra condição. Então esta “Consciência pre-
sente”, está também consciente da personalidade ou do momento
em que as condições para se ser uma pessoa ou uma personalidade
surgem e eu sou assim; sou pessoa feliz, pessoa infeliz, pessoa irri-
tada, pessoa enlevada, pessoa deprimida, pessoa ofendida, pessoa
aborrecida, pessoa assustada. Mas com a “Presença Consciente”, à
medida que se reconhece o que é “Presença Consciente”, chega-se à
simplicidade última. Como o espaço, não há nada de complicado a
seu respeito. Não é nada que dependa de outras condições para ser
consciente. Ou seja, até no meio do inferno se pode ser consciente.
Então na Escola Mahāyāna, eles têm assim; “Um Lótus que floresce
por entre o Inferno é indestrutível”, e depois há uma pintura desta
Flor de Lótus extremamente delicada e tudo em seu redor a arder
tremendamente. Esse é o meu Ícone, ser este Lótus é um símbolo
de pureza na religião oriental. “Um Lótus que floresce por entre o
Inferno é indestrutível”, Lótus indestrutível, “Presença Consciente”.
E o inferno contínua à volta, mas esta “Presença Consciente” é indes-
trutível, por isso é que aqui se trata de reconhecê-la, realizá-la, não
de tentar possuí-la ou criá-la. É aqui, exactamente, que as palavras
nos podem desviar ou conduzir no mau sentido, porque concebemos
e definimos a “consciência” à nossa maneira. Queremos encontrar
o que é, definir e falar sobre isso. Mas nada mais é do que isto. Na
realidade, nada é, com excepção de que é apenas consciência no
presente. Não se trata de seleccionar, não é concentrarmo-nos ou
ter preferência por umas coisas sobre as outras e tentar controlar o
que quer que seja, mas sim de reconhecer esta situação pela qual nós
estamos condicionados, como voltar a nascer, a morrer, a ter medo,
a gostar e a não gostar. Isto é o nosso condicionamento cultural e
as nossas personalidades que estão construídas sobre estas ilusões
e, toda esta linguagem que usamos, reforça esta ilusão.
Portanto, estas são as três amarras que nos cegam o caminho da
“Quarta Nobre Verdade”, que se baseia em Sammā-diṭṭhi (compreen-
são correcta). Estas três amarras são então o ego (sakkāya-diṭṭhi),
do ponto de vista da personalidade que é um ponto de vista criado;
o processo cultural condicionador, e a dúvida que é o resultado
do pensamento. Se pensamos demasiado, duvidamos demasiado.
Se pensar demasiado, constantemente, um monge não pára de

O Incondicionado 79
80 Folhas da Árvore Bodhi

questionar, inquieto. Na Universidade encontra-se muita gente a


duvidar, porque pensa. Em Berkeley, havia tantas pessoas cépticas,
cínicas. Reparem, quando se pensa muito, quando se pensa sobre
nós próprios, sobre a nossa prática, sobre o Budismo, sobre outra
coisa qualquer, começa-se a duvidar sobre isso e, então, este pensar
cria esta dúvida (vicikicchā). É por isso que este realizar, reconhecer
a “Presença Consciente” (Awareness), é o alvo da “Quarta Nobre
Verdade”. É um meio inteligente de usar algo tão vulgar como o
sofrimento, reconhecer as causas do apego, do desejo, largar (abrir
mão) e então realizar a cessação, porque o que surge tem um fim.
Fica-se então desperto, a “Presença Consciente” liga-nos à ausência,
à cessação de algo. E quando há cessação na consciência, não é
morte, eu ainda respiro, ainda me sinto vivo, mas o sofrimento
acaba e então quando se diz, que toda a fenomenologia condicional
é Dukkha (insatisfação - sofrimento), não se trata de desvalorizar a
beleza, nem a bondade, nem a graciosidade do mundo condicionado,
mas trata-se antes de realçar a sua natureza condicional, para que
não haja apego a qualquer condição e manter-se fora da ignorância.
Parte de nós falta, não estamos completos, há uma falha, falta
qualquer coisa e enquanto a nossa identidade estiver nesse nível de
fenomenologia condicional, não importa o que façamos, vamos sen-
tir que há algo que falha na nossa vida. E então podemos ir à procura
de alguém, ou ir à procura de poder ou colocação profissional, mas
não importa o quanto procuremos lá fora, haverá sempre um senti-
mento de falta, de imperfeição… de falha. Porque a falha consiste em
não sermos totalmente conscientes. Cria-se esta divisão, separação
e até a outra pessoa pode fazer-nos sentir completos, mas quando
se vai embora, ficamos novamente incompletos. Portanto é só uma
completude ilusória.
O Buddha apontou para a Realidade Imortal em vez de nos agarrar-
mos só às condições boas, ao que se torna bom, ou a viver a vida
ignorando a parte má e tomando só atenção à boa. Mas aprendemos
de ambas, ambas têm valor idêntico, o bom e o mau, o certo e o
errado. Porque todas as condições terão um fim. E então a cessação
é paz, libertação. E isso é Amor.
O Amor subjaz a tudo neste planeta, neste Universo em que vivemos.
Seremos só máquinas gulosas?… não, nós amamos, sentimos Amor,
sentimos algo mais profundo do que somente preferências pessoais.
Para lá desse tipo de egoísmo e cegueira do ser humano, existe
também um sentir para a Realidade Imortal, pelo espiritual, pela
verdade última. E disso que a religião trata. Todas as religiões
existentes no mundo têm diferentes tipos de reconhecimento e
formas de o proclamarem, mesmo usando símbolos diferentes, mas
é para onde todas as religiões apontam, porque isto é algo que se
encontra na condição humana. Então, em termos de prática de
“Metta” apercebemo-nos de que, quanto mais entramos em contacto
com este Amor incondicional, mais serenamos e confiamos. Esta
é uma das verdadeiras formas com que podemos ajudar todos os
seres sencientes neste preciso momento. A um nível pessoal podem
pensar, “como é que eu vou ajudar? Toda aquela gente a morrer
no Iraque e todo o tipo de violência que vai por aí fora?”. Porém,
quanto mais os seres humanos reconhecerem, acordarem para a
verdade última, então isto será para o benefício de todos, porque
está tudo interligado; não é uma questão de ser só eu a sentir-me
liberto do sofrimento e “que o resto das pessoas vá para o inferno”,
porque já não sou eu. Já não sou eu como uma entidade isolada, com
esta forma humana. Então, compaixão, Karunā-Muditā-Upekkhā, os
Brahma-vihāras, vêm daí. Estas são as respostas ao sofrimento e à
beleza que experimentamos através da consciência, como entidades
independentes do condicionamento pessoal que nos cega para a
verdade última.
… ora então ofereço isto como reflexão…

Tradução de Dhammiko Bhikkhu

O Incondicionado 81
LIBERDADE NA RESTRIÇÃO
ajahn sundara

Quando o Buddha ensinou a Primeira Nobre Verdade disse que ter


a existência humana como refúgio é uma experiência insatisfatória.
Se nos apegamos a esta estrutura mortal sofreremos. Não obter o
que desejamos é doloroso - é muito fácil percebermos isto. Obter
o que não queremos pode ser também doloroso. Mas quando cami-
nhamos um pouco mais seguindo as pegadas do Buddha, até mesmo
obter aquilo que se quer é doloroso! Isto é o princípio do caminho
do Despertar.
Quando percebemos que obter aquilo que queremos no mundo
material também já não nos satisfaz é quando começamos a ama-
durecer. Já não somos crianças, à espera de encontrar a felicidade
pela obtenção daquilo que se quer, fugindo da dor.
Vivemos numa sociedade que venera a gratificação dos desejos.
Mas muitos de nós não estamos realmente interessados em desejos
gratificantes, porque intuitivamente, sabemos que não é disso que
sobrevive a existência humana.
Vem-me à memória quando, há já muitos anos, estava a tentar
perceber o que eu achava ser a Verdade. De alguma forma sabia que
havia algo a alcançar por detrás das minhas emoções e da minha
mente pensante, algo que transcendia este mundo do nascimento e

83
84 Folhas da Árvore Bodhi

da morte. Com o passar do tempo, o desejo de viver uma vida que


fosse verdadeira e real tornou-se a coisa mais importante do mundo.
Enquanto eu tentava harmonizar os meus pensamentos, os meus
sentimentos e as minhas aspirações e chegar a um estado de paz,
tornei-me consciente de que havia algo entre as minhas aspirações
e a minha mente. Parecia existir um enorme espaço entre elas e
isso era aquilo a que eu chamava de “meu eu”, este corpo com os
seus sentidos físicos. Por essa altura não tinha ainda percebido
que o ensinamento budista apresenta os seres humanos com um
sexto sentido, a mente, a plataforma na qual os pensamentos podem
surgir.
A mente e o corpo são um reservatório de energia e descobri que a
minha energia oscilava, dependendo da forma como eu os usava. A
minha forma de me relacionar com a vida e a minha compreensão
da mesma pareciam também ser dependentes da clareza da minha
mente, e por sua vez, essa clareza era muito condicionada pelo grau
de energia que eu tinha. Estava assim bastante interessada em des-
cobrir como viver sem gastar energia desnecessariamente. Muitos
de nós não fomos criados com um estilo de vida muito disciplinado.
Na minha família cresci numa atmosfera que promovia uma certa
liberdade de expressão. Mas seguir os nossos próprios caprichos
e fantasias e fazer aquilo que queremos, e quando queremos, na
verdade não traz muita sabedoria à nossa vida, nem muita compre-
ensão ou sensibilidade. Na verdade torna-nos mais egoístas. Apesar
de não me ter sido incutido qualquer grande sentido de disciplina,
enquanto criança eu apreciava a beleza de estar viva, a harmonia da
vida e a importância de não a desperdiçar. Ainda assim a ideia de
viver de uma maneira restrita e disciplinada era bastante estranha
para os meus hábitos.
Quando encontrei a meditação e a prática vipassanā (investigação
interior), pareceu-me uma introdução à disciplina muito mais fácil
do que seguir preceitos ou mandamentos. Muitas vezes olhamos de
forma alarmada para tudo o que nos limita, para qualquer tipo de
convenção que nos restrinja a liberdade, e por isso, a maneira que
muitos de nós aceita a disciplina é através da meditação. Quando
vemos, dentro de nossos corações, a maneira como nos relaciona-
mos com o mundo dos nossos sentidos, apercebemo-nos como tudo
está interligado. O corpo e mente estão constantemente, influenci-
ando-se entre si, jogando um com o outro.
Conhecemos bem o prazer envolvido na gratificação dos nossos
sentidos quando, por exemplo, escutamos música inspiradora ou
olhamos para um cenário maravilhoso. Mas reparem que assim
que nos apegamos à experiência, o prazer é estragado. Isto pode
ser muito doloroso e muitas vezes sentimo-nos confundidos pelo
mundo sensorial. Mas ao sermos conscientes penetramos na natu-
reza transitória das nossas experiências sensoriais e tornamo-nos
conhecedores do perigo de nos agarrarmos a algo que é fugaz e
impermanente. Apercebemo-nos o quão ridículo é agarrarmo-nos
àquilo que está em mudança. E com esta realização, naturalmente,
recusamos desperdiçar a nossa energia seguindo algo sobre o qual
temos pouco controlo e cuja natureza é perecer.
A restrição sensorial é o resultado natural da nossa prática de medi-
tação. Perceber o perigo de seguirmos cegamente os nossos senti-
dos, os desejos conectados com estes, e os objectos conectados com
os desejos, é um aspecto da disciplina. Compreender naturalmente
impele à aplicação desta disciplina. Não se trata de restrição sen-
sorial por si própria, mas sim de sabermos que os desejos sensoriais
não conduzem à paz e não nos podem levar para além das limitações
da identificação com o nosso corpo e mente.
Quando iniciamos a vida no mosteiro temos que adoptar a disciplina
dos Oito Preceitos. Os primeiros cinco preceitos apontam para
aquilo que é chamado de Acção Correcta e Discurso Correcto: refre-
armo-nos de matar, roubar, de ter uma conduta sexual incorrecta,
de mentir e de tomar drogas e outros produtos intoxicantes. Os

Liberdade na Restrição 85
86 Folhas da Árvore Bodhi

outros três focam-se na renúncia, tal como a renúncia de comer


depois de uma determinada hora, de dançar, de cantar, de tocar ins-
trumentos musicais, de embelezarmo-nos e de dormir numa cama
alta ou luxuosa. Alguns destes preceitos podem parecer irrelevantes
nos dias de hoje e nesta era. A que chamamos uma cama alta ou
luxuriosa, por exemplo? Quantos de nós tem uma cama com dossel?
Ou porque dançar, cantar ou tocar um instrumento não é permitido
como prática espiritual?
Quando nos ordenamos como monja ou monge, tomamos ainda
mais preceitos e aprendemos a viver ainda com mais restrições. A
renúncia ao dinheiro, por exemplo, torna-nos fisicamente depen-
dentes dos outros. Estes critérios podem parecer muito estranhos
numa sociedade que venera a independência e autonomia materiais.
Mas essas directrizes começam a fazer sentido quando integradas
na nossa prática da meditação. Tornam-se numa fonte de reflexão
e põe-nos em contacto com o espírito que existe por detrás delas.
Descobrimos que as restrições ajudam-nos a refinar a nossa conduta
e a desenvolver uma consciência mais profunda da nossa actividade
física e mental e da forma como encaramos a vida. Assim, quando
olhamos dentro dos nossos corações podemos ver claramente os
resultados e as consequências das acções que realizamos com o
corpo, com a fala e com a mente.
Seguindo tal disciplina também nos acalma, e requer que sejamos
muito pacientes com nós próprios e com os outros. De um modo
geral somos seres impacientes. Gostamos de obter coisas de ime-
diato, esquecendo que muito do nosso crescimento e desenvolvi-
mento vem se aceitarmos o facto, de que este corpo e mente huma-
nos estão longe de ser perfeitos. Existe uma coisa, todos temos
kamma (karma), um passado que carregamos connosco e que é muito
difícil de abandonar.
Por exemplo, quando contemplamos o preceito referente a refre-
armo-nos de usar a palavra de forma inadequada (discurso incor-
recto), temos a oportunidade de aprender a não criar mais kamma
com as nossas palavras e de prevenir que isso seja outra fonte de
mágoa e de sofrimento para nós e para os outros seres. A Palavra
Correcta (sammā vaca) é um dos mais difíceis preceitos porque as
nossas palavras têm a capacidade de revelar os nossos pensamentos
e colocar-nos em situações vulneráveis. Enquanto nos mantivermos
em silêncio não é tão difícil. Podemos até mesmo parecer bastante
sábios até começarmos a falar. Aqueles de vós que já estiveram em
retiros talvez se lembrem do pavor que sentiram ao terem de se
relacionar, novamente, verbalmente com as outras pessoas. É tão
bom, não é, estar simplesmente em silêncio com os outros; não há
zangas, não há conflitos. O silêncio é um grande precursor da paz.
Quando começamos a falar, é outro jogo. Já não nos podemos
enganar a nós próprios. Geralmente identificamo-nos fortemente
com aquilo que pensamos e então a nossa fala, a directa expressão
dos pensamentos, também se torna um problema. Mas, a menos
que aprendamos a falar com maior sabedoria, as nossas palavras
continuarão a ser bastante agressivas para nós e para os outros.
Na verdade o discurso por ele próprio não é tanto o problema mas
mais o sítio de onde ele provém. Quando existe a total atenção não
existem pormenores deixados para trás. Por vezes dizemos algo
que não é muito inteligente e depois pensamos que podíamos ter
dito algo melhor. Mas se tivermos plena consciência ao falar, nesse
momento, de alguma forma, a mancha dessa auto-imagem que está
tão poderosamente impressa em nós, é removida ou pelo menos
diminuída.
Enquanto seguimos este caminho de prática, disciplina é algo que
realmente faz sentido. Quando começamos a entrar em contacto
com a crua energia do nosso ser, e com a crua energia de ódio,
cobiça, estupidez, inveja, ciúmes, desejos cegos, orgulho e conceitos,
tornamo-nos muito gratos por termos algo que possa conter tudo
isto. O simples facto de olhar para o estado do nosso planeta Terra

Liberdade na Restrição 87
88 Folhas da Árvore Bodhi

é uma grande reflexão acerca do resultado nocivo da falta de disci-


plina e da falta de contenção da nossa avareza, ódio e ilusão. Então,
para sermos capazes de conter a nossa energia dentro da estrutura
de uma disciplina moral, precisamos de ser muito conscientes e
cuidadosos, porque a natural tendência da nossa mente é a de se
esquecer dela própria.
Esquecemo-nos de nós próprios e do objectivo último de nossas
vidas e em vez disso enchemo-nos com coisas que não podem ver-
dadeiramente satisfazer ou nutrir o nosso coração. A disciplina
também requer humildade, visto que enquanto somos imaturos
seguindo os nossos impulsos, podemos sentir-nos reprimidos e ini-
bidos pela disciplina e, consequentemente, em vez dessa disciplina
ser uma fonte de liberdade, acabamos por sentir que estamos presos
por ela.
Somos muito afortunados em ter a oportunidade de praticar e per-
ceber que as nossas acções, as nossas palavras ou os nossos desejos
não são em última instância, aquilo que verdadeiramente somos.
Com o aprofundamento da nossa meditação, a qualidade da imper-
manência de todas as coisas torna-se mais clara. Tornamo-nos mais
e mais conscientes da natureza transitória das nossas acções, das
nossas palavras, e dos nossos sentimentos relacionados com estas.
Começa a tomar sentido aquilo que está sempre presente nas nossas
experiências, mas que não é tocado por estas. Esta qualidade de
presença está sempre disponível e não é realmente afectada pelas
nossas interacções sensoriais. Quando esta qualidade de atenção
é cultivada e mantida, começamos a relacionar-nos melhor com a
nossa energia, com os nossos sentidos de contacto e com o mundo
sensorial. Descobrimos que a atenção consciente é na realidade uma
forma de protecção. Sem ela estamos simplesmente à mercê dos
nossos pensamentos ou dos nossos desejos e somos cegados por eles.
Este refúgio no estar consciente ou o cultivo da restrição protege
para não cairmos em dolorosos e infernais estados de mente. Outro
aspecto de disciplina é o de ter sabedoria na atenção e no uso do
mundo material. O nosso contacto imediato com o mundo físico
é através do corpo. Quando aprendemos como cuidar do mundo
físico estamos a procurar as raízes das nossas vidas. Fazemos o que
é necessário para colocar o corpo e a mente em harmonia. Isto é
o resultado natural da restrição. Aos poucos tornamo-nos como
uma linda flor de lótus que representa a pureza e cresce para fora
da água, enquanto é nutrida através das suas raízes na lama. Deveis
ter notado que o Buddha é frequentemente retratado sentado numa
flor de lótus, o qual simboliza a pureza do coração humano. A menos
que criemos esse fundamento de moralidade baseada no mundo da
nossa vida do dia-a-dia, não podemos realmente realizar o nosso
crescimento como a flor de lótus. Simplesmente murchamos. Na
vida monástica, usar com sabedoria os quatro requisitos - roupa,
comida, abrigo e medicamentos – consiste numa reflexão diária
que é extremamente útil, pois a mente tende para esquecer, fazer
interpretações erradas ou tomar as coisas como garantidas. Estes
quatro requisitos são uma parte essencial da nossa vida.
É um dever para nós, monásticos, cuidar dos nossos hábitos. Temos
de remendá-los, repará-los, lavá-los, relembrando, que apenas
temos um conjunto e de que estes hábitos provêm da generosidade
de outros. E o mesmo se passa com a comida que ingerimos. Vive-
mos de oferendas de alimentos. Todos os dias as pessoas ofere-
cem-nos uma refeição, pois não nos é permitido armazenar comida
para proveito próprio, para o dia seguinte. Então a nossa reflexão
diária antes da refeição (recitado por alguém) é relembrar que não
devemos comer sem pensar, agradecidamente, sobre a oferta da
comida. Como mendicantes também reflectimos sobre o sítio onde
vivemos. Podemos não gostar do papel de parede do nosso quarto
mas a reflexão acerca do nosso abrigo “este quarto é apenas um
tecto sobre as nossas cabeças por uma noite” ajuda-nos a manter
as nossas necessidades físicas em perspectiva. Temos também em

Liberdade na Restrição 89
90 Folhas da Árvore Bodhi

consideração que sem as ofertas destes requisitos não poderíamos


ter esta vida. Esta reflexão nutre um sentido de gratidão no coração.
Cuidar do mundo físico e daquilo que está à nossa volta é uma
parte essencial do treino da mente e do corpo e da nossa prática do
Dhamma (Dharma). Se não formos capazes de cuidar daquilo que nos
é imediato, como podemos pretender cuidar das realidades últimas.
Se não aprendermos a arrumar o nosso quarto todos os dias como
podemos tratar das complexidades da nossa mente?
Reflectir em coisas simples, como tomar conta do sítio onde vivemos
e não fazermos um mau uso das nossas possessões materiais é muito
importante. Naturalmente é mais difícil fazer isto, quando temos
controlo sobre o mundo material e podemos usar dinheiro para
comprar aquilo que queremos, pois facilmente temos pensamentos
descuidados: “Ora bem, perdi isto ou parti aquilo, não faz mal,
arranjo outro”. Outro aspecto de disciplina e restrição é o correcto
modo de vida. Para um monge ou monja existe uma longa lista
de coisas com as quais não nos devemos envolver, como praticar
adivinhação ou participar em actividades políticas, etc… Eu posso
apreciar o valor disto cada vez mais e, mais agora, quando vejo
que em algumas partes do mundo, o Sangha se envolveu em coisas
mundanas e os monges encontraram-se em determinadas situações,
como a de receberem itens luxuosos ou mesmo de se tornarem
proprietários de casas ou terras. O correcto modo de vida é um dos
aspectos do Nobre Caminho Óctuplo, que cobre um amplo leque de
actividades como não enganar, não persuadir, insinuar, depreciar
e permutar e, para os leigos, não se envolverem em comércio de
armas, seres humanos, carne, bebidas alcoólicas e venenos. Estas
linhas guia, evocam uma cuidadosa consideração de como queremos
viver a nossa vida e, com que tipo de profissão ou situação nos
devemos envolver.
As reflexões acerca dos preceitos, dos requisitos, do correcto modo
de vida e a disciplina da nossa mente e do nosso corpo são as condi-
ções de suporte com as quais a disciplina última se pode manifestar
nos nossos corações. Essa disciplina última é a nossa total dedicação
à Verdade, ao Dhamma, e à constante aspiração do nosso coração
humano para ir além das nossas vidas egocêntricas. Por vezes
não podemos realmente dizer o que é, mas através da prática da
meditação podemos estar verdadeiramente em contacto com essa
realidade, o Dhamma, em nós. Todos os caminhos e disciplinas espi-
rituais estão aqui como condições de suporte e meios para manter
viva a aspiração de realizar a Verdade no nosso coração. Esse é o seu
verdadeiro propósito.

Tradução de Appamādo Bhikkhu

Liberdade na Restrição 91
A PRÁTICA DA MINHOCA
ajahn ñāṇarato

O venerável Ajahn Chah, um dos mais conhecidos professores do


Budismo da Tradição da Floresta da Tailândia, costumava dizer: “A
nossa prática é como a minhoca”. O que significa isto?
No mundo moderno queremos obter resultados o mais rapidamente
possível, fazendo juízos acerca de quão eficientes as coisas são, quão
bem-feitas, quão atraentes, etc. Existe uma constante pressão para
se estar actualizado com os últimos avanços e temer ser deixado
para trás. Mas será que temos realmente força e confiança em
nós próprios? Não será que estamos a perder a nossa confiança e
integridade ainda que acreditemos que estamos a controlar o “nosso
mundo”? Enquanto o chamado desenvolvimento ao nível material
é tão invasivo e amplamente disseminado por toda a parte, o que é
que tem vindo a acontecer connosco, afinal o Ser mais importante
no meio de tudo isto?
Temos que correr para obter resultados e alcançar o mesmo lugar
que todos as outras pessoas, da forma mais rápida possível; esta
é uma percepção que toda a gente tem. Mas poderemos assim
manter o nosso espaço interior para perceber a beleza, a dor e as
possibilidades dos outros? Estas questões deveriam ser levadas em
consideração quando sinceramente procuramos a paz, o viver paci-
ficamente no meio da diversidade, e dentro deste contexto penso

93
94 Folhas da Árvore Bodhi

que a paciência é uma das qualidades chaves que necessitamos de


reconhecer mais conscientemente. No Pāṭimokkha Ovāda, o conjunto
de versos que sumariza os ensinamentos do Buddha, Khanti (Paciên-
cia) é a qualidade por excelência da prática religiosa. Muitas vezes
vemos a paciência como antiquada e parece ser o oposto de estarmos
actualizados com o desenvolvimento do mundo.
A meu ver a qualidade ou virtude da paciência é essencial para
que vivamos juntos pacificamente. Sabemos que ser impaciente
muitas vezes bloqueia ou até mesmo destrói esse processo precioso,
quer na nossa vida individual quer em sociedade. Khanti leva-nos a
realizar sabedoria e compaixão, prevenindo-nos de cair em padrões
egocêntricos.
Como é que somos quando estamos pacientes? Qual é o estado
do nosso corpo e da nossa mente? É simplesmente negativo ou
passivo? Não será esse, na realidade, o momento de nos nutrirmos
e de retomarmos a nossa própria força?
No passado mês de Novembro tive a oportunidade de viajar pelo
Butão durante dezasseis dias. Desde o início que notei que havia um
forte sentimento de calma, um certo “à vontade” – esta expressão
ressoava particularmente em mim. Ainda que outros países possam
ter cenários mais espectaculares e vistas fantásticas que captem o
olhar, o Butão destaca-se por oferecer este sentimento único de “à
vontade”.
O modo tradicional de construção e de vestuário, grandes áreas
de floresta virgem e templos com uma clara e pacífica dignidade…
toda esta simplicidade mas firmeza deu-me um toque de preenchi-
mento. A integridade auto-suficiente e a confiança estão presentes
naturalmente, sem esforço. Quando contactei com este sabor de
maravilhoso contentamento de estilo de vida, senti como se fosse
bem-vindo na atmosfera do “à vontade”.
Depois de ter regressado à Grã – Bretanha, um amigo perguntou-me
“Como era a pobreza?”. Fiz uma pequena pausa e retorqui “Sim é
um país pobre”. Depois perguntei-me porque tinha feito a pausa e
percebi que a questão da pobreza e da riqueza não é tão relevante ali
como noutros países. A pergunta, à qual estamos tão acostumados
a fazer, é ela própria uma reflexão da perspectiva através da qual
olhamos o mundo.
É necessário que este ponto de vista material não seja a principal
experiência da nossa vida. Se não limitarmos a maneira de saborear
e de avaliar a vida, os aspectos esquecidos desta revelar-se-ão por
si próprios. No Butão senti um profundo sentimento de contenta-
mento o qual não experienciamos facilmente na sociedade moderna.
Quando estamos envoltos nestes pensamentos apercebemo-nos de
que a maneira como nos relacionamos com o mundo poderia ser
bem mais ampla e mais rica do que na limitada esfera do bem-estar
material. No Butão a riqueza vem do contentamento e confiança
na vida de cada um. Não temos de passar o tempo a batalhar para
provarmos a nós próprios que somos alguém e para infinitamente
obtermos bens. Pelo simples facto de poder tocar esta possível
perspectiva, senti um alívio.
“Esquecido”, escrevi. Esta perspectiva não é algo para se criar, mas
sim algo para parar, reconhecer e apreciar.
No Butão a vida deve ser bastante exigente em termos físicos. Mui-
tas vezes podemos avistar socalcos muito inclinados com arroz cul-
tivado em água, desde o nível mais baixo dos estreitos vales até
quase ao topo das colinas. Sem dúvida que requer uma enorme
quantidade de paciência. Mas aqui a nossa percepção de paciência
poderá ser limitada de forma negativa. Na verdade, quando olha-
mos para a vida no Butão, esta paciência traz consigo o estado de
bênção. O ritmo da vida é de paciência e cada momento e cada
encontro oferecem a oportunidade para Sermos, totalmente. Ques-
tões, argumentos e pensamentos sobre a ideia de paciência param e
tudo é simplesmente aquilo que está a acontecer. Qualidades como
a confiança, força e contentamento são então vistas juntamente
com a paciência. Elas são inseparáveis. Penso que isto mostra a

A Prática da Minhoca 95
96 Folhas da Árvore Bodhi

maravilhosa qualidade e benefício da paciência. Esta experiência


no Butão foi como um relembrar do claro contraste entre aquilo a
que chamamos “desenvolvimento” e a força que o Butão demonstra
de uma forma sem qualquer tipo de insistência.
As palavras do Venerável Ajahn Chah “a nossa prática é como a
minhoca” foram dirigidas aos monges que viviam com ele no mos-
teiro. Normalmente as pessoas pensam na vida na floresta como
algo repleto de paz e talvez de experiências maravilhosas, mas na
realidade é muitas vezes neste local que as nossas tendências mais
latentes poderão manifestar-se até á exaustão. Irritação, dores,
aborrecimento e por aí fora - as lutas interiores – encontram-se
presentes.
Quando se vive num mosteiro há já algum tempo começa-se a
apreciar o valor das palavras do Venerável Ajahn Chah. Não é
uma questão de quão espertos somos ou de quão promissora era a
ideia que tínhamos de início. Tentar ser como as minhocas não é
ofensivo ou desencorajador, mas é uma forma de reconhecermos as
nossas tendências (tão fortemente enraizadas) de buscar quaisquer
resultados e recompensas, visíveis e imediatos. As minhocas têm de
viver a vida pacientemente, totalmente concentradas no momento
e no seu próprio esforço e movimento. Isto desafia a aparentemente
fascinante ideia de conquista pessoal, a qual é a força que está por
detrás do desenvolvimento, particularmente nesta era moderna.
Poderemos tornar-nos minhocas? Imagine-se a resistência, todo
o tipo de razões ou desculpas que podem surgir quando tentamos
ser de maneira diferente. É como se a importância da pessoa fosse
negada. Vivenciar o processo, humildemente rendermo-nos a ele.
Paciência não é algo para ser pensado ou falado mas sim para Ser.
Ser um mendicante significa que se depende da generosidade alheia
para se ter os quatro requisitos, ou seja, abrigo, comida, roupa
e medicamentos. No início podemos achar que o facto de não
podermos ter e escolher as coisas que gostamos é demasiado difí-
cil e restritivo, mas depois aprendemos a familiarizarmo-nos com
estas condições e eventualmente surge a alegria. O sentimento de
gratidão é profundo. Estar satisfeito não é um estado passivo mas
sim um estado que nos confere estabilidade, confiança e felicidade.
Isto é, também, o oposto daquele que normalmente estamos no
mundo. Acho que estas qualidades de contentamento e gratidão são
impossíveis de realizar se não formos pacientes.
Quando somos pacientes ganhamos força interior e, ainda mais
importante, somos levados a perceber que este mesmo momento é,
por si só, pleno. Nada lhe falta. Não perdemos o nosso compromisso
para com o imediatismo do momento presente e nem estamos na
expectativa de que o verdadeiro significado da vida se torne dispo-
nível algures no futuro. Quando queremos mudar a nossa atitude
da exigência para a aceitação, isto torna-se não só relevante no
contexto monástico mas também no mundo em geral.
Gostaríamos que o mundo vivesse de uma forma mais harmoniosa
e o ponto crucial de viragem para isso é: ou simplesmente continu-
amos com a atitude de obter aquilo que satisfaz os nossos desejos,
livrando-nos daquilo que não se enquadra nos nossos gostos e opi-
niões, sem plenamente apreciarmos o que está disponível à nossa
volta, ou cada um de nós poder receber em si a variedade e totalidade
do mundo tal como ele é, através de, graciosa e humildemente,
reaprender a virtude da paciência. Preciso de acrescentar que, a
nível individual, isto significa receber diferentes tipos de emoções
tais como medo, ódio, mágoa, desejo, etc.
A nossa prática, ou na verdade eu diria, a nossa vida, é como a
minhoca. Concentrados no momento presente e sem ambições pelo
que vem a seguir, tudo o que podemos fazer é continuar a praticar
e aceitar por completo o que temos à nossa volta. Observar como
estas palavras nos afectam – este é o ponto de partida.

Tradução de Appamādo Bhikkhu

A Prática da Minhoca 97
SER NINGUÉM
ajahn sumedho

Tentem reparar nos pequenos fins da vida dando particular atenção


ao fim da expiração. Desta maneira, na vida diária, podemos reparar
nos pequenos fins tão comuns, que ninguém nota. Tenho desco-
berto que esta prática é uma mais-valia, pois é uma forma de repa-
rar na natureza mutável do reino condicionado no qual vivemos o
nosso dia-a-dia. Tanto quanto percebo, estes são os estados mentais
normais que o Buddha apontava e não os estados de concentração
sobre-desenvolvidos.
No primeiro ano da minha prática, estava por minha conta e conse-
guia alcançar estados mentais de concentração elevada, dos quais
gostava muito. Depois fui para Wat Pah Pong (Tailândia), onde a
ênfase era baseada em rotinas e viver de acordo com a disciplina do
Vinaya. Ali tínhamos de ir à ronda da mendicância todas as manhãs,
e fazer os cânticos da manhã e os cânticos da noite todos os dias.
Se somos novos e saudáveis, então é esperado que se vá a muitas e
longas rondas da mendicância - havia também pequenos percursos
que os monges mais velhos e frágeis podiam fazer. Nesses dias,
eu era muito vigoroso, e então participava sempre nessas extensas
rondas da mendicância, regressando assim cansado. Ao chegarmos
tínhamos então a refeição e à tarde havia tarefas para fazer. Não era

99
100 Folhas da Árvore Bodhi

possível, sob essas condições, permanecer num estado concentrado.


A maior parte do dia ficava tomada pelas rotinas diárias.
Cansei-me de tudo isso e fui procurar Luang Por Chah (Ajahn Chah)
e disse-lhe: “Não consigo meditar aqui!” e ele começou a rir-se de
mim e a dizer a todos que “o Sumedho não consegue meditar aqui!”
Eu estava a ver a meditação como sendo essa experiência muito
especial que tive e gostei muito; Luang Por Chah estava obviamente
a mostrar-me que as rotinas diárias - o acordar, a ronda da mendicân-
cia e as tarefas - tudo isto servia para praticar a plena atenção. Ele
não me pareceu, de todo, preocupado em apoiar a minha vontade de
não fazer todas as pequenas tarefas diárias, motivado pela privação
das fortes experiências sensoriais e, portanto, acabei por me confor-
mar e aprender a meditar na comum e rotineira vida diária. Porém,
a médio prazo, isso tornou-se muito útil.
A vida nem sempre era como eu queria, pois normalmente quere-
mos algo especial: adoramos ter fantásticas experiências de cor,
maravilhosas realizações multicoloridas e incríveis momentos de
felicidade, êxtase e arrebatamento – não apenas estar feliz e calmo
mas sim estar para lá do céu!
Mas, reflectindo na vida nesta forma humana - é assim mesmo -
trata-se de termos a capacidade de nos sentarmos pacificamente
e ficarmos contentes com aquilo que temos; é isso que faz com
que a nossa vida seja uma experiência quotidiana alegre e não de
sofrimento. E é deste modo que a maior parte da nossa vida pode
ser vivida – não se pode viver em estados de euforia e êxtase a lavar
pratos, não é? Costumava ler sobre as vidas dos santos que ficavam
tão arrebatados em êxtases que não podiam fazer nada num nível
mais prático. Ainda que o sangue fluísse das suas palmas e pudessem
fazer as façanhas que fariam com que as pessoas de fé ficassem
pasmadas só de olhar, no que toca a coisas práticas ou realistas, eram
bastante incapazes.
E apesar de tudo, quando contemplamos a disciplina do Vinaya em si
mesma, vemos que ela é um treino em vigilância. É a vigilância que
deve estar presente quando fabricamos os mantos, recolhemos as
ofertas de alimentos, comemos ou tomamos conta do kuti (abrigo), e
que nos indica o que fazer nesta ou naquela situação. É um conselho
muito prático sobre a vida diária de um bhikkhu. Um dia vulgar
na vida de Bhikkhu Sumedho não é explodir em êxtase mas sim
acordar e ir à casa-de-banho, tomar banho, colocar o manto, fazer
isto e aquilo; é somente estar vigilante enquanto estamos vivos
nesta forma e aprender a despertar para o modo natural das coisas,
despertar para o Dhamma.
É por isso que quando contemplamos a cessação não procuramos o
fim do universo, mas apenas a expiração da respiração, ou o final do
dia, ou o fim do pensamento, ou o fim do sentimento. Dar atenção a
isto significa que prestamos atenção ao fluxo da vida – temos mesmo
que reparar na maneira como este fluxo é, em vez de esperar por
uma fantástica experiência de luzes maravilhosas descendo sobre
nós, fazendo zapping ou outra coisa do género.
Agora, contemplem apenas a respiração normal do corpo. Irão
reparar se estão a inspirar; é fácil concentrarmo-nos nisso. Quando
enchemos os pulmões, temos uma sensação de crescimento, desen-
volvimento e força. Quando dizemos que alguém está “inchado de
orgulho” então provavelmente está a inspirar. É difícil sentir-se
inchado enquanto se expira. Expanda o seu peito e terá a sensação
de ser alguém grandioso e poderoso. Quando comecei a prestar
atenção à expiração, a minha mente vagueava; expirar não me
pareceu tão importante como inalar – expiramos só para chegar à
próxima inspiração.
Reflictamos: podemos observar a respiração, mas o que é aquele
que observa? O que é isso que observa e conhece a inspiração e
a expiração – não é a respiração, pois não? Podemos observar o
pânico que surge quando tentamos respirar e não conseguimos; mas

Ser Ninguém 101


102 Folhas da Árvore Bodhi

o observador, aquele que sabe, não é uma emoção, não é o ataque de


pânico, não é expiração ou inspiração. Então, o nosso refúgio no
Buddha é ser esse saber; ser a testemunha em vez de ser a emoção,
a respiração ou o corpo.
Com o som do silêncio, algumas pessoas ouvem flutuações de um
som ou um som de fundo contínuo. Então podemos contemplar
esse som - dar-lhe atenção - conseguem reparar nele se puserem os
dedos nos ouvidos? Conseguem ouvi-lo num lugar onde alguém está
a usar uma moto-serra? E enquanto fazem exercícios? Ou quando se
encontram num estado emocional frágil? Podem usar este som do
silêncio como algo que vos recorda que devem voltar a vossa atenção
e reparar nele – porque está sempre presente aqui e agora. E aí está
“aquilo que” presta atenção.
Existe na mente o desejo de lhe chamar algo, de ter um nome para
isso, tê-lo listado como uma realização ou projectar algo sobre isso.
Reparem na tendência em querer torná-lo em algo. Alguém disse
que é provavelmente o som do sangue a circular no ouvido, outros
chamam-lhe o “som cósmico”, “a ponte com o Divino.” Isto soa
melhor que “o sangue no ouvido.” Pode ser o som do Cosmos ou
até pode ser que tenha uma doença no ouvido. Mas não tem que ser
nada; é aquilo que é, é “como é.” O que quer que seja, pode ser usado
como reflexão porque quando está presente, não existe o sentido de
si próprio, existe vigilância, existe a capacidade de reflectir.
É mais como um caminho a direito sobre o qual podemos andar, e
que não nos deixa desequilibrar. É algo que pode ser usado para o
nosso estado consciente na vida diária, enquanto vestimos o manto,
escovamos os dentes, fechamos uma porta, quando entramos na
sala de meditação ou quando nos sentamos. Muito da vida diária
é apenas “normal” porque ansiamos por aquilo que consideramos
serem as coisas importantes da vida - como por exemplo a medi-
tação. Assim, caminhar de onde se vive até à sala de meditação
pode ser uma experiência completamente descuidada – apenas um
hábito – clop, clop, clop, pum bang! Então sentamo-nos por uma hora,
tentando ser vigilantes.
Deste modo, começamos a perceber uma maneira de estar vigilante,
de trazer a vigilância para as actividades rotineiras e para as experi-
ências da vida. Tenho uma pequena imagem no meu quarto - à qual
sou muito afeiçoado - de um velho homem com uma caneca de café
na sua mão, olhando pela janela para um jardim inglês, enquanto
chove. O título da imagem é “Esperando.” É assim que penso em
mim: um velho homem com a caneca do café, sentado na janela,
esperando, esperando… observando a chuva, o sol ou outra coisa.
Não vejo uma imagem depressiva mas antes uma imagem pacífica.
Esta vida é apenas sobre esperar, não é? Esperamos o tempo todo
– e então reparamos nisso. Não esperamos por alguma coisa em
particular mas podemos simplesmente esperar. Então respondemos
às coisas da vida, ao momento do dia, aos deveres, às coisas em
movimento e mudando, como a sociedade em que estamos. Essa
resposta não vem da força do hábito, da ganância, ódio ou ilusão
mas é a resposta da sabedoria e atenção.
Quantos de vós sentem que têm uma missão na vida? Algo que
têm que realizar, um certo tipo de tarefa importante que vos foi
atribuída por Deus, pelo destino ou algo. As pessoas são frequen-
temente apanhadas nesse ponto de vista de serem alguém com uma
missão. Quem consegue estar presente com as coisas como elas
são, tal como o corpo que cresce, fica velho e morre, respira e é
consciente? Podemos praticar, viver dentro dos preceitos morais,
fazer o bem, responder às necessidades da vida com consciência
e sabedoria – mas não existe alguém que tenha que fazer alguma
coisa. Não existe alguém com uma missão, ninguém especial; não
estamos a fazer uma pessoa, ou um santo, ou um avatar, um tulku
ou um messias, ou Maitreya. Mesmo que pensemos: “não sou
ninguém”, mesmo “sendo ninguém” é ser alguém nesta vida, não
é? Podemos sentir-nos orgulhosos de “sermos ninguém” tal como

Ser Ninguém 103


104 Folhas da Árvore Bodhi

“sermos alguém” e estar ilusoriamente apegados a “ser ninguém”.


Mas independentemente daquilo em que acreditamos, que somos
ninguém ou alguém, que temos uma missão, que somos um estorvo
e um peso para o mundo, ou como nos vemos a nós mesmos, então
o saber estará lá para ver a cessação de tal percepção.
As percepções aparecem e desaparecem, não é? “Sou alguém, sou
uma pessoa importante na vida”: isso começa e termina na mente.
Repare no finalizar de “ser alguém importante,” ou de “não ser
ninguém” ou qualquer outra coisa – tudo acaba, não é? Tudo o
que surge, cessa e com essa consciência não nos agarramos à ideia
de sermos alguém ou ninguém. É o fim de toda essa massa de
sofrimento – de ter que desenvolver algo, tornar-se alguém, mudar
alguma coisa, fazer com que tudo esteja no sítio certo, livrar-se
dos obstáculos interiores ou salvar o mundo. Mesmo os melhores
ideais, os melhores pensamentos podem ser vistos como dhammas
que surgem e cessam na mente.
Podemos pensar que isto é uma filosofia estéril sobre a vida porque
existe muita emoção e sentimento em ser-se alguém que vai sal-
var todos os seres sencientes. As pessoas com auto-sacrifício, que
têm missões, que ajudam os outros e que têm algo importante a
realizar, são uma inspiração. Mas quando observamos isso sob o
Dhamma, vemos as limitações das aspirações e a sua cessação. Existe
o Dhamma de tais aspirações e acções, em vez de alguém que tem que
se tornar em algo ou fazer alguma coisa. Toda a ilusão é abandonada
e o que sobra é a pureza da mente. Então a resposta à experiência
vem da sabedoria e pureza em vez das convicções pessoais e missões
com o seu sentido de si mesmo e dos outros, e todas as complicações
que advêm de todo esse padrão ilusório.
Podemos confiar nisto? Podemos confiar em largar tudo, cessar,
não ser ninguém, não ter qualquer missão, não ter que se tornar
em coisa alguma? Conseguimos confiar nisso ou sentimos que é
assustador, árido ou depressivo? Talvez queiramos mesmo uma
inspiração. “Diga-me que tudo está bem; diga-me que gosta de
mim, que o que faço está correcto e que o Budismo não é uma
religião egoísta onde nos tornamos iluminados para o nosso próprio
proveito; diga-me que o Budismo está aqui para salvar todos os seres
vivos. É isso que você vai fazer, Venerável Sumedho? Você é mesmo
Mahāyāna ou é Hīnayāna?”
O que estou a salientar é que a inspiração é uma experiência. Ide-
alismo: não tentar rejeitá-la ou julgá-la de qualquer maneira, mas
reflectir sobre ela, conhecer o que está na mente e como é fácil ficar
iludido pelas nossas próprias ideias e opiniões elevadas. Também
podemos ver, como podemos ser insensíveis, cruéis e indelicados
devido ao apego que temos a pontos de vista sobre ser-se gentil e
sensível. É aqui que está a verdadeira investigação do Dhamma.
Recordo-me da minha própria experiência: sempre tive a sensação
de que de alguma forma eu era alguém especial. Costumava pensar:
“Bem, eu devo ser uma pessoa especial. Há muito tempo, quando
eu era criança, era fascinado pela Ásia e assim que pude, estudei
chinês na universidade; portanto certamente devo ter sido uma
reincarnação de alguém ligado ao Oriente.”
Mas considerem isto como uma reflexão: não interessa quantos
sinais de ser alguém especial, ou de vidas passadas das quais nos
possamos recordar, ou das vozes de Deus, ou mensagens do Cosmos,
o que quer que seja - não para negar que essas coisas não são reais
- mas que são impermanentes. Elas são anicca, dukkha, e anatta.
Reflectimos sobre elas como elas realmente são – o que surge cessa:
uma mensagem de Deus é algo que chega e cessa na mente, não
é? Deus não está continuamente a falar com alguém a menos que
queira considerar-se o silêncio como voz de Deus. Então, isso não
quer dizer muito, pois não? Podemos chamar ao “som do silêncio”
o que quisermos – voz de Deus, ou do Divino, chamada do Cosmos, o
sangue a passar nos tímpanos, etc. Mas o que quer que seja, poderá

Ser Ninguém 105


106 Folhas da Árvore Bodhi

ser usado para desenvolver a vigilância e a reflexão – é para isso que


estou a apontar, como usar estas coisas sem as tornar em algo.
Assim, as missões que temos são respostas naturais que acontecem
na nossa vida – elas deixam de ser pessoais. Já não se trate de
mim, Sumedho Bhikkhu, com uma missão, como se eu fosse especial-
mente escolhido de cima, mais do que qualquer um de vós. Deixa de
ser isso. Toda essa percepção e maneira de pensar são abandonadas.
E quer eu salve ou não o mundo, ou milhares de seres, ou ajude os
pobres nos bairros de Calcutá, ou ajude a curar leprosos, e faça todo
o género de bons trabalhos - não é por ter a ilusão de ser uma pessoa,
mas como uma resposta natural da sabedoria.
Nisto eu confio; é isto que é saddha – é a fé na palavra do Buddha.
Saddha é a real fé e confiança no Dhamma; em esperar “ser ninguém”
e não se tornar em algo mas ser capaz de apenas esperar e respon-
der. E não há muito para responder, apenas esperar – caneca de
café, observar a chuva, o pôr-do-sol, o envelhecer, testemunhar o
envelhecimento, as entradas e saídas do mosteiro – as ordenações
e as desistências, as aspirações e depressões, os altos e os baixos,
dentro da mente, fora do mundo. E ocorre uma resposta porque
temos vigor, inteligência e talento, e então a vida pede-nos para
respondermos de forma hábil e com compaixão, algo que somos
propensos e capazes de fazer. Gostamos de ajudar os outros. Não
nos importamos de ir para uma colónia budista de leprosos – eu iria
de bom grado – ou trabalhar nos bairros pobres de Calcutá ou algo
assim; eu não teria objecções - esse tipo de coisas, apela bastante ao
meu sentido de responsabilidade!
Mas não é uma missão, não sou eu que tenho de fazer algo; é a
confiança no Dhamma. Assim, a resposta à vida torna-se clara e
benéfica porque não surge de mim como pessoa com as suas ilu-
sões provindas da ignorância condicionando as formações mentais.
Assim observamos a inquietação, as obsessões da mente e deixamo-
-las findar. Permitimos que partam e assim elas cessam.

Tradução de Pedro Cruz


EMOÇÕES MADURAS
ajahn vajiro

O Buddha fala nos seus ensinamentos sobre os Brahma Viharas. Estes


são normalmente traduzidos como o divino ou reinos celestiais,
sendo esta uma interpretação baseada na tradução literal: Brahma
– Deus; Vihara – habitat, habitação. Os Brahma Viharas podem ser
trazidos dos céus à terra se considerarmos que enquanto emoções
eles impelem e encorajam a transcendência das limitações da exis-
tência humana. Esta “transcendência da limitação” é uma defini-
ção de crescimento. Posso agradecer a semente desta ideia a um
amigo que mencionou que os Brahma Viharas (metta, karuna, mudita
e upekkha) poderiam ser considerados emoções maduras. O que se
segue são algumas reflexões adicionais e não uma análise detalhada
e abrangente dos Brahma Viharas, a qual poder ser encontrada em
livros sobre Budismo.
Parece-me claro que emoções são algo que nos move. Penso nelas
como algo que produz, alimenta ou nos dirige ao movimento. Elas
providenciam o combustível que catalisa o movimento ou a acção,
em direcção a um determinado objecto ou situação, ou ao afasta-
mento deste. Movemo-nos e agimos através do corpo, da fala e
da mente e esse movimento é uma resposta a um estímulo dos
sentidos. É nesta resposta que podemos observar como surgem
as emoções. Antes do movimento ocorre o estímulo dos sentidos

107
108 Folhas da Árvore Bodhi

– a isto chama-se contacto. Um sentimento surge e depois uma


percepção – é aqui que entram as emoções maduras. Em Pali não
existe uma tradução directa para a palavra emoção. Uma emoção
é uma mistura de percepção e de sankhāra (padrão de hábito), os
quais podem ser conscientemente treinados e educados. Emoções
maduras são aquelas emoções que constituem a resposta de uma
pessoa desenvolvida, às situações da vida.
Por vezes, o objectivo do Budismo é descrito de uma forma que
me leva a pensar que se procura ter um coração frio, sem emoção
ou paixão: onde não há resposta, sentimento, desejo ou motivação.
Isto entra em conflito com a imagem que temos do Buddha, como
alguém com uma forte motivação, com uma compaixão tão forte que
o levou a viver uma vida em benefício dos outros seres humanos.
Emoções maduras também são aquelas emoções que permitem que
os outros amadureçam. Assim, quando alguém age ou responde com
uma emoção madura, os outros seres humanos são levados a trans-
cenderem-se, a crescer para além das suas próprias limitações. Isto
parece abstracto, mas quando reflectimos sobre a melhor maneira
dos pais poderem ajudar os seus filhos para que amadureçam, vemos
que é através da expressão de emoções maduras.
As quatro “emoções maduras”, tal como são aqui explicadas, podem
ser compreendidas, na prática, como estando interligadas. Elas são
divididas apenas por conveniência, para que as possamos analisar e
explicar. São como diferentes aspectos do mesmo sítio, diferentes
formas de descrevermos o céu. Descrevemos os seus diferentes
aspectos para que isso nos ajude a encontrar uma maneira de nos
apercebermos delas, de forma a expressá-las na nossa vida.
Metta – amabilidade/bondade – quando estabelecida interiormente,
encoraja a aceitarmo-nos, bem como aos outros, sendo assim pos-
sível obtermos compreensão. A compreensão implica sabedoria e
é a sabedoria que nos permite encontrar o caminho, para irmos
mais além e abrirmos mão daquilo que limita e obstrui o coração.
A bondade, quando expressa aos outros, ajuda que se aceitem a si
próprios. Esta é uma aceitação emocional instintiva ou do coração,
permitindo que as acções do corpo, da fala e da mente (que são
uma resposta ao que é visto como “os outros”) sejam amáveis –
e não motivadas pelo não gostar, pela aversão ou pelo medo. O
efeito é Metta sem limites, radiante e atraente, aquecendo o coração
daqueles que são frios e refrescando o coração daqueles que são
demasiado fervorosos.
Karuna – compaixão – funciona quando nos apercebemos da dor -
angústias, aflições, agonias, tormentos e nervosismos - dos outros,
de uma forma clara, pois deixamos que essas emoções sejam tam-
bém parte da nossa experiência. Passam estas assim a ser algo
que se moveu para além do universo do ignorado e inconsciente,
passando a fazer parte do universo do incluso, aceite e consciente.
A compaixão tem a característica de “espaço”, contribuindo que
as coisas existam tal como são, que se transformem e que findem.
Permite particularmente que a dor cesse. Isto significa que deve-se
ser paciente, sem pressa de querer forçar o fim da dor ou de tentar
livrar-se desta de uma forma intrusiva.
Karuna é o lado activo da Sabedoria e o supremo purificador. A com-
paixão do Buddha permitiu-lhe perceber que ainda existem coisas
que um ser iluminado pode fazer. Foi a compaixão que o motivou
a ensinar “para o benefício daqueles que tem apenas um pouco de
poeira nos olhos”. Misericórdia pode ser visto como uma forma
de compaixão. Não é uma palavra muito usada porém, evocativa
da qualidade do coração que está disposta a suportar os fardos
dos outros, sempre disposta a ajudar da melhor maneira possível,
estando atenta aos pedidos de ajuda e agindo. Os “pedidos” por
vezes não são muito óbvios. Podem ser tão simples como ajudar a
preparar um evento, ou limpar o espaço depois deste. Sempre que

Emoções Maduras 109


110 Folhas da Árvore Bodhi

reparamos que alguma assistência é necessária e estamos dispostos


a prestá-la, estamos a praticar karuna.
Mudita é normalmente traduzida como alegria empática. Apreço,
alegria e “trazer alegria” são palavras que evocam em mim as quali-
dades do coração que são o oposto de inveja e ciúmes, são o oposto
das características que tencionam deitar alguém a baixo, subjugado
a um nível inferior.
Mudita implica a total consciência. Precisamos de descriminar, de
ser conscientes, de sermos receptivos à possibilidade de apreciação.
Algo que é particularmente encorajador é sermos conscientes do
bem, das virtudes e da sabedoria nos outros e em nós. O que mudita
permite é o surgir de uma aspiração de sermos ou praticarmos as
características positivas que observamos nos outros. Luang Por
Sumedho disse que quando podemos apreciar a beleza de uma rosa
em plena abertura, podemos ser movidos por mudita. A sugestão é
a de praticarmos a todos os níveis. Por vezes, quando olhamos para
uma rosa, podemos ser apanhados no chamado “realismo” e apenas
observar uma flor que irá murchar. Podemos ser um pouco como
“Scrooge” com “bah humbug” (humbug – embuste), uma resposta
amarga a qualquer sugestão de que beleza pode ser apreciada sem
cair no desejo de possuir ou de nos apegarmos. O equilíbrio surge
quando upekkha está presente.
Upekkha – novamente aqui vai primeiro a tradução mais comum –
equanimidade. Prefiro “serenidade”, com a sugestão implícita de
aceitar a limitação e de nos erguermos acima dela. A frase “sê sereno
na unidade do todo” sempre me impressionou como uma bela suges-
tão para o meu coração, quando existe frustração com a cadência
da vida, com as limitações do universo, com as minhas próprias
limitações ou com as dos outros. Tem de haver uma aceitação mais
consciente da realidade, para permitirmos que o coração se treine
de forma a transcender essa limitação.
Ao nível mundano, se eu quiser treinar-me a dactilografar com
os dez dedos, primeiro tenho de aceitar que neste momento não
tenho essa habilidade. Só então é que posso honestamente fazer
um esforço para aprender a treinar os dedos e os olhos a trabalhar
em conjunto de uma forma automática. Se eu não estiver disposto
a aceitar o facto de que de momento não tenho essa habilidade
e, se ainda assim eu quiser dactilografar com os dez dedos então
posso fingir, mas a única pessoa que eu estaria a enganar seria a
mim próprio. Fazemos isto em grande escala, quando gostaríamos
de ser considerados maduros e realizados, mas somos incapazes de
aceitar as nossas limitações. Podemos fingir ser maduros quando de
facto não estamos seguros quanto às nossas emoções ou intenções,
mas que nos iria conduzir por emoções imaturas e prejudiciais. No
caso de dactilografar com dez dedos não existe nenhum mal real
consequente. No caso da pessoa que finge para si e para os outros
que é crescida, é mais perigoso quer, para si mesma quer, para os
outros.
Os quatro Brahma Viharas funcionam em conjunto. Ajahn Buddha-
dasa descrevia upekkha como aquele que supervisiona os outros três.
Em situações benéficas e harmoniosas mudita é a motivação madura
do coração. Se for possível aliviar uma situação onde exista dor ou
desconforto devemos invocar a compaixão (karuna). Uma situação
feia e desagradável necessita de metta. Aceitação, um dos aspectos
de metta, ressoa com a aceitação da limitação que está implícita em
upekkha e é por isso que metta é um princípio tão importante.
Para a maioria dos seres humanos, e até mesmo para os animais,
metta (tal como podemos encontrar na aceitação que uma mãe
tem pelos filhos) é a primeira emoção que nos possibilita crescer
e começar a amadurecer. Se não houver uma expressão de metta
para com os nossos descendentes, particularmente para com uma
criança, essa prole irá morrer rapidamente ou tornar-se-á imatura
e pervertida. É esta a motivação primordial que permite aos jovens

Emoções Maduras 111


112 Folhas da Árvore Bodhi

amadurecerem. Os jovens expressam-no através da maneira como


abordam e aprendem sobre o estado no qual se encontram. As
crianças pequenas apanham coisas do chão sem qualquer sentido
discriminatório e para grande horror dos adultos, põe-nas na boca.
Nesta acção da criança existe um nível de aceitação muito primário
e uma ausência de descriminação, a qual só opera quando a criança
começa a almejar algo para além dela própria.
A compaixão ajuda-nos a reconhecer as mudanças e desenvolvi-
mentos que são parte das transformações naturais que ocorrem
enquanto somos bebés, crianças, adolescentes, adultos e idosos. Ela
reconhece também a dor da separação daquilo que nos é conhecido
e que faz parte deste processo, lidando com as mudanças de uma
maneira sensível.
Mudita permite que desfrutemos da vida; a beleza e as maravilhas
desta estranha experiência de sermos uma vida individual sensível,
de alguma forma misteriosamente ligada ao todo. E quando permi-
timos que todo o medo do desconhecido caia por terra, a maravilha
do desconhecido passa a ser apreciada e desfrutada.
O que nos move na vida, a meio de incertezas e mudanças é aquilo
que nos traz liberdade. As nossas intenções movem-nos e são o
campo da nossa maior liberdade. Usar e estimular esta liberdade
com sabedoria é o desafio.

Tradução de Appamādo Bhikkhu


SILENCIOSA ATENÇÃO E
MENTE-ESPELHO
ajahn vimalo

Tenho fé numa maneira de ser silenciosa, na presença intuitiva da


mente, numa abertura mental onde os pensamentos ocorrem, mas
não são levados demasiado a sério. Tenho fé numa total atenção.
Acredito que se a mente for conduzida a um estado de silenciosa
atenção, então, transforma-se num espelho que reflecte a própria
natureza.
Fé em ser consciente é aprender a permanecer e apreciar o estar
presente. Esta é a minha prática. Quando as coisas se tornam difí-
ceis, sento-me com os olhos abertos e trago a minha mente para o
presente, tanto quanto possível. Tento sentir a mente. Isto pode-se
tornar numa experiência muito bonita. Ainda que a consciência seja
algo momentâneo, surgindo a cada momento pelo contacto da visão
com os objectos visíveis (por exemplo), podemos apreciá-la na nossa
experiência.
Isto pode trazer paz e alegria às nossas vidas. As pessoas podem-se
focar naquilo que é negativo. Podemos fazer isso em relação a nós
próprios e depois ficarmos deprimidos. Este exame da presença de
mente é algo diferente. A mente presente é a “porta para a realidade
imortal”. É a plenitude da mente, o vazio da mente. Existe algo

113
114 Folhas da Árvore Bodhi

nesse estado que não podemos caracterizar. Tal como um espelho


que permite que tudo nele se reflicta. Se conseguirmos permanecer
ou funcionar nessa dimensão estamos a Caminhar. Existe a seguinte
expressão no Dhammapada: “A atenção consciente é o caminho para
a realidade imortal”. É disto que falo, a mente presente, plenamente
atenta. Quando estamos conscientes e presentes, não ignoramos
nada. O ensinamento do Paticca-samuppada (Génese Dependente)
explica que as coisas surgem como resultado da ignorância. Neste
estado mental presente não estamos a ignorar, existe uma observa-
ção directa da experiência.
As pessoas reclamam “Tenho de cultivar os factores para a ilumina-
ção”, ‘Não consigo chegar a lugar nenhum porque tenho de cultivar
paciência e outras coisas mais. Mas quando permanecemos presen-
tes e nos entregamos mais profundamente a esse estado, surge a
alegria. Isto acontece não por estarmos intensamente concentrados
a tentar desenvolver alegria; pelo contrário estamos a entregar-nos
a esse estado de presença de mente. E com essa presença - conforme
ela vai-se tornando mais bonita – surge a alegria.
A dada altura, em vez de tentarmos descontrair nessa presença
começamos a ficar conscientes de que ela existe e que tudo surge
dentro dela. Esta é outra dimensão. Acontece naturalmente. Então,
seja o que for que estejamos a fazer, quer estejamos parados ou
a andar, a movermo-nos rápida ou lentamente, as coisas são algo
diferente, o mundo é algo diferente. Não estou a dizer que atingi
alguma coisa. Não atingi coisa alguma. Estou apenas a partilhar a
minha compreensão daquilo que é a plena atenção.
Quando a mente é consciente torna-se bastante evidente o que é
bom ou mau para nós. Coisas que o Buddha ensinou começam a fazer
sentido e, não temos de pensar sobre elas, pois de súbito, simples-
mente compreendemos, realizamos. Quanto mais confiarmos na
consciência mais as coisas se resolvem por si; tudo se resolve por si,
até os nossos interesses pessoais desaparecerem. Portanto, encorajo
todos a terem fé em transformarem-se nessa presença consciente.
No livro “Tales of Power” aparece a descrição do que acontece
quando rochas esmagam o filho de Don Juan. Ele conta como viu
o corpo do seu filho em agonia. Quando olhou para o seu filho, Don
Juan refere: “Alterei a minha maneira de ver. Não vi o meu filho
a morrer. Se tivesse pensado no meu filho teria visto o seu belo
corpo esmagado e um grito de dor teria escapado do meu interior.
Mas “mudei a minha visão” e portanto observei a sua vida pessoal
a desintegrar-se no infinito. Pois que esta é a forma como a vida
e a morte se entrelaçam. Não vi o meu filho, vi a sua morte. E
a sua morte foi igual a tudo o resto”. Quando isto aconteceu Don
Juan alterou a sua percepção desviando-se da percepção de “filho”;
e nessa alteração a sua mente transformou-se num espelho. Ele
viu tudo aquilo de forma completamente diferente, mais perto da
realidade, tal com é.
Através de um constante reajuste da nossa percepção começamos
a ver as coisas com mais clareza. O Buddha disse que ele ensinou
a Norma. Quando continuamente movemos a nossa percepção em
direcção à consciência estamos a deslocar-nos para a Norma. Na
maior parte do tempo, encontramo-nos fora da Norma, pois esta-
mos a ignorar - vivemos na ignorância. Mas quando nos tornamos
plenamente atentos, quando somos essa plenitude de mente, então
movemo-nos em direcção à Norma e permitimos que as coisas se
reflictam dentro de nós. Somos um espelho. Quando a consciência
está clara transforma-se num espelho sem fronteiras.
Quando entramos num quarto onde se sente paz, se estivermos
conscientes dessa paz, a nossa mente também fica em paz. Temos
tendência para nos identificarmos com a dispersão mental, mas se
nos tornarmos conscientes da paz, seremos essa paz. Relativamente
à paz nesta sala, costumo sentar-me aqui e experienciá-la. Não tem
fronteiras. Fecho os meus olhos e existe paz em meu interior, não

Silenciosa Atenção e Mente-Espelho 115


116 Folhas da Árvore Bodhi

existem fronteiras, pois fronteiras são meras construções. A paz que


esta sala tem é infinita. Podemos ter essa percepção. Esta é uma
forma de sairmos do nosso mundo linear. Quando existe dukkha
(sofrimento), a maior parte das vezes não estamos a afastar-nos
dele, mas quando nos direccionamos para a presença consciente,
então estamos a afastar-nos de dukkha. Ao irmos na direcção da
consciência estamos a mover-nos para a realidade imortal. É uma
mudança de percepção.
As pirâmides do Egipto estiveram em tempos cobertas de pedra
calcária. Nos dias de hoje, quando as vimos em contraste com
um céu azul, elas são simplesmente grandes blocos triangulares –
que apenas são atractivos para mim e mais meia dúzia de pessoas!
Mas originalmente elas estavam cobertas de pedra calcária Tutah e
quando o sol lhes batia reflectiam luz. Quando as pessoas olhavam
para elas, em vez de ver blocos triangulares em contraste com o
céu azul, havia o efeito oposto. Haveria o céu azul e as pirâmides
pareciam janelas que davam para um lugar luminoso, para além
do céu. Ocorria uma mudança de percepção. Esta mudança para
uma forma não-linear é semelhante. Não quer dizer que sejam
iluminados mas serão capazes de compreender mais amplamente,
ver mais assertivamente e abrirem-se para a forma como as coisas
são. Confio nisto e vos ofereço.

Tradução de Appamādo Bhikkhu


PARA ALÉM DO SENTIDO DE SI
ajahn sumedho

Penso que há algo comum que interessa a todos – uma vez que somos
nós próprios o tema das nossas vidas. Temos naturalmente este
interesse, pois temos que viver connosco a vida inteira, independen-
temente da opinião que possamos ter sobre nós mesmos. A nossa
percepção pessoal pode ser assim algo que nos traga muitas dificul-
dades se nos virmos da maneira errada. Mesmo sob circunstâncias
confortáveis, se não nos virmos da maneira correcta, acabaremos
por criar sofrimento nas nossas mentes. Buddha salientou que a
maneira de resolver o problema não passa por tentar fazer com que
tudo corra bem e seja agradável na dimensão exterior, mas antes
o desenvolvimento da compreensão correcta e da atitude correcta
perante nós mesmos. É aqui que está toda força do seu ensinamento.
Ao vivermos em Inglaterra, nesta época, esperamos conforto e todo
o tipo de direitos e privilégios. Isto torna a vida mais agradável
de várias maneiras, mas quando todas as nossas necessidades estão
garantidas e a vida é confortável, algo em nós não se desenvolve.
Por vezes é a luta contra as adversidades que nos faz desenvolver
e amadurecer como seres humanos. Recordo-me de que quando
vivia em Londres, costumava caminhar no “Hampstead Heath” pela
manhã e observar as pessoas mais abastadas a levar os seus cãe-
zinhos a passear no “Heath”. Pensava então, que não seria assim

117
118 Folhas da Árvore Bodhi

tão mau nascer como um cãozinho de estimação aqui em Inglaterra:


ter uma senhora simpática sempre a mimar-nos, a fazer pequenas
roupinhas para o inverno e a dar-nos saborosos biscoitos de cão para
comermos. Parecia que uma vida de afecto e conforto seria muito
agradável! Mas a verdade é que a maioria de nós iria sufocar; neces-
sitamos de nos comparar com outros, de lutar e aprender, como ir
para além das limitações que pensamos ter a cada momento. Iremos
encontrar a derrota quando nos entregamos às nossas limitações
através da resignação. Então é claro que ficaremos deprimidos e
miseráveis.
Porém, quando renunciamos aos condicionalismos mentais e nos
contemos com sabedoria, então encontraremos a libertação! A vida
é a experiência do condicionalismo e da contenção, é nascer num
corpo humano e ter que viver de acordo com as leis naturais do
planeta terra. Mentalmente podemos ascender aos céus mas fisica-
mente estamos condicionados pelas limitações que se tornam cada
vez mais restritivas à medida que envelhecemos. Tal não precisa
de ser visto como sofrimento, pois é assim que as coisas são. Pode-
mos desenvolver uma atitude diferente e aprender a aceitar tais
limitações – não pela resignação negativa mas porque percebemos
que aquilo que procuramos está dentro de cada um de nós. Não
precisamos de procurar fora, não precisamos pensar que é algo
inacessível ou afastado de nós. Depende da nossa vontade de parar
de resistir, de acalmar, de ouvir e despertar para a nossa experiência
consciente. Claro que o grande obstáculo a isso é que temos uma
noção de nós mesmos como sendo isto, aquilo ou aquela coisa.
A noção que temos sobre nós próprios, é algo que se torna consci-
ente quando somos crianças; quando nascemos não existe a noção
de um “eu” que é coisa alguma. À medida que crescemos, então
aprendemos aquilo que devemos ser, se somos bons ou maus, se
somos adoráveis ou não, se temos ou não aprovação. Desenvol-
vemos assim uma ideia de “eu”. Frequentemente comparamo-nos
com os outros e temos pessoas exemplos, de como devemos ser
quando crescermos. Na minha própria experiência reparei que o
ego começou realmente a consolidar-se quando fui enviado para a
escola: fui atirado para salas de aula com aquelas crianças estranhas
e comecei a reparar quem seria o mais forte, o mas duro, quem seria
aquele que o professor mais gostava. Vemo-nos em termos da nossa
relação com os outros. Desenvolvemos esta conexão pela vida fora
a, menos que, deliberadamente escolhamos mudar e comecemos a
procurar uma forma mais profunda de viver as nossas vidas, do que
sob os condicionamentos da mente que foram adquiridos quando
éramos mais jovens. Mesmo quando envelhecemos ainda podemos
ter atitudes de adolescentes ou reacções infantis em relação à vida,
as quais não fomos capazes de resolver - apenas as suprimimos ou
ignorámos. Tudo isto pode ser muito embaraçoso ou chocante.
Existe uma maneira de falarmos do “eu” que soa muito doutrinal. Os
budistas podem dizer, por vezes, que não existe “eu” como se fosse
uma proclamação em que temos que acreditar: é como se existisse
um Deus nas alturas dizendo “Não existe um eu!” e há algo em nós
que resiste a essa declaração. Não parece ser verdadeiro o anúncio
da inexistência de um “eu” - o que é essa experiência que se sente
agora mesmo? Parece-nos, pelo contrário, que “aqui” existe um
bem demarcado sentido de nós próprios! Estamos a sentir, a respirar,
a ver e a ouvir; reagimos às coisas, as pessoas podem criticar-nos e
vamos sentir-nos felizes ou tristes consoante o caso. Se isto não sou
eu, o que é então? Será que devemos contornar a situação como
um crente budista e acreditar que não temos um “eu”? Ou, já que
vamos acreditar em alguma coisa, talvez seja melhor acreditar que
temos um “eu”, porque assim, posso dizer coisas como: “o meu ver-
dadeiro eu é perfeito e puro.” Isto pelo menos dá-nos algum tipo de
encorajamento, inspirador para vivermos as nossas vidas em vez de
dizerem que não existe um eu, uma alma, fazendo a total aniquilação
de quaisquer possibilidades. Estes são usos de linguagem: podemos

Para Além do Sentido de Si 119


120 Folhas da Árvore Bodhi

dizer “não existe um eu” como uma proclamação, ou dizer “não


existe um eu” como uma reflexão. O modo reflectivo serve para
nos encorajar a contemplar o “eu”. O Buddha realçou o fato de que
quando observamos estas condições mutáveis com as quais temos
tendência para nos identificarmos, podemos ver que elas não são
o “eu”. Aquilo em que acreditamos, ao qual nos agarramos e que
assumimos como uma certeza, não é aquilo que realmente somos: é
apenas uma posição, uma condição, algo que muda de acordo com o
tempo e o lugar. Cada um de nós experiencia a consciência através
do corpo humano que temos, e é assim.
A consciência sensorial é uma função natural, não existindo sentido
de “eu” em relação a ela. A única razão pela qual poderemos assumir
um “eu” é porque a consciência opera em termos de sujeito e objecto;
para se ser consciente temos que ser uma entidade separada e então
operamos a partir desta posição de sermos este ser subjectivo que
está aqui. Podemos assim tornar-nos obcecados com uma inter-
pretação muito formal de tudo: cada reacção ou experiência, seja
ela instintiva ou não, pode ser interpretada no sentido de ser eu
e meu. Podemos interpretar as energias naturais do corpo de um
modo muito pessoal como se isto fosse eu, o meu problema, em
vez de vê-las como parte do conjunto que temos quando nascemos.
Mesmo um recém-nascido, tem instintos de sobrevivência e chora
quando tem fome. Os bebés são geralmente criaturas bonitas e,
naturalmente, desejamos dar-lhes amor e cuidar deles. Será que
podemos achar que o bebé esteja a fazer tudo isto deliberadamente
- “Estou a ser engraçadinho para que o Ajahn Sumedho me segure
ou a minha mãe me ame” – ou será apenas a maneira natural das
coisas, a natureza no seu modo de funcionamento? Estas são coisas
naturais mas vemo-las de um modo muito pessoal.
Assim, mantemos pontos de vista muito pessoais e carregamo-los
pela vida fora: ela é assim, ele é desta forma - e isto influencia a
maneira como reagimos e damos resposta a cada um, baseados na
maneira que alguém se apresenta (agradável, feliz, acolhedor; mau
e desagradável; alguém que nos insulta ou nos elogia). Podemos
transportar ressentimentos pela vida fora sobre termos sido insul-
tados e nunca esquecer quem nos insultou. Talvez o tivesse feito
porque estava a passar um mau bocado, e mesmo após trinta anos
podemos, se quisermos, fazer disso um problema. Assim, este “eu”
precisa de ser examinado, observado e contemplado, em termos
religiosos. Todas as religiões têm os seus ensinamentos sobre a
vacuidade do ego: de alguma maneira as religiões contemplam
o abandono das tendências egoístas da mente. Então, antes de
dizermos, por exemplo, que queremos alcançar o Reino de Deus,
temos que abandonar as nossas tendências pelos nossos fascínios e
obsessões egoístas. Ou, se queremos realizar o verdadeiro Dhamma,
temos que abandonar a maneira de nos vermos a nós mesmos. Este
pode ser outro mandamento do além, como “Não devemos ser egoís-
tas! Larguemos todo o egoísmo e tentemos ser alguém mais puro!”
Todos nós concordamos com isto, ninguém aprecia a ideia de ser
cada vez mais egoísta, mas por vezes não sabemos como deixar de
o ser. Podemos ter grandes ideias como abandonar toda a nossa
riqueza e não nos apegarmos a nada, ficando assim mais perto de
nos tornarmos não egoístas – mas, por vezes, o mais estranho é
que quando nos tornamos monges ou monjas, embora estejamos a
pensar que nos livrámos do egoísmo, verificamos que nos estamos a
tornar mais e mais egoístas. O egoísmo torna-se muito concentrado
porque nestas circunstâncias não podemos expandir-nos por uma
vasta variedade de coisas como na vida de leigos. Então, tornamo-
-nos muito mais conscientes disso. E se nos culpabilizarmos então
caímos numa situação sem saída, pois começamos a interpretar a
vida do ponto de vista “Eu sou egoísta e tenho que me livrar deste
egoísmo.” Um dos grandes problemas na nossa maneira de pensar, é
abandonar a premissa básica de que “Eu sou esta pessoa e tenho que
fazer algo para deixar de ser egoísta, e tornar-me um ser iluminado
no futuro.”

Para Além do Sentido de Si 121


122 Folhas da Árvore Bodhi

Na nossa cultura, estamos condicionados a pensar desta maneira:


devemos ser bons rapazes e fazer isto e aquilo para que no futuro
nos tornemos alguém de valor e aceite na sociedade. Isto faz sentido
no lado mundano da vida porque começamos iletrados e portanto
temos de aprender a ler e depois temos de estudar todos os diferen-
tes assuntos na escola para sermos alguém no sistema. Se falharmos
então tornamo-nos alguém que falha. E falhar é desprezado. É
interessante ensinar meditação a pessoas que têm este medo de
falhar pois estas pessoas sentem que vão falhar na meditação. Mas
não é possível falhar na meditação. Não se trata de falhar, senão
seria apenas mais outra forma de tentarmos provar a nós próprios
que somos capazes: “Eu não posso agora. Se eu praticar com
determinação, serei um bom meditador e tornar-me-ei iluminado,
espero….” E a dúvida surge: “Mas acho que jamais serei iluminado.
Quem é iluminado?”
As pessoas gostam de verificar se Ajahn Sumedho é iluminado ou
se o Ajahn Viradhammo também é iluminado, ou pelo menos se
já alcançámos um nível avançado. Ou seremos apenas uns tipos
que ainda não chegaram lá? Mas existe uma maneira diferente
de observar e pensar que é oposta à de nos vermos como alguém
que tem que fazer alguma coisa para se tornar melhor do que se
é presentemente. Isto é o que as pessoas gostam de ouvir, não
é? “Eu tive todos os géneros de problemas e era muito miserável,
infeliz e depois praticando meditação vi a luz e agora sinto-me feliz
e completo.” Do ponto de vista mundano e condicionado: “Eu sou
esta pessoa, eu tenho esta personalidade, eu sou Ajahn Sumedho…
sou muitas coisas… eu devo ser e eu não devo ser.” Mas o objectivo
da meditação budista é a mudança das nossas atitudes usando as
funções mentais de reflexão ou de intuição.
Quando entramos na quietude da meditação, frequentemente o
sentido de si próprio domina-nos e somos invadidos por todos os
tipos de memórias e ideias a nosso respeito. Por vezes desejamos
que “se for meditar então entrarei em quietude e vou libertar-me
desde cenário angustiante de mim mesmo.” Por vezes a mente
simplesmente pára e experienciamos vários tipos de êxtase, ou
uma paz que já havíamos esquecido ou na qual nunca tínhamos
reparado. Mas o sentido de si próprio ainda continuará a operar
pela força do hábito. Então desenvolvemos uma atitude de ouvir o
“eu”, não em termos de acreditar ou desacreditar mas em reparar
no que é que realmente surge e cessa. Não importa se pensamos
que somos o melhor ou o pior, pois essa mesma condição surge e
desaparece. Através do largar ou de vermos a vacuidade do ego, e
não na tentativa nos livrarmos da situação, mas permitindo que ela
se dissipe, podemos experienciar a verdadeira natureza da mente,
que é feliz e silenciosa.
Assim, existem momentos nas nossas vidas em que o “eu” pára de
funcionar e em que entramos em contacto com o estado puro de
experiência consciente. É isso a que chamamos de estado de graça.
Mas quando temos essas experiências de felicidade, imediatamente
desejamos tê-las novamente, e independentemente do esforço que
façamos para repetir esse estado, enquanto estivermos apegados à
ideia do desejo que ocorra novamente, esse estado não voltará. Não
funciona assim. Desejar tal faz com que se torne impossível, e assim
a atitude deverá ser de largar o desejo. Não tentar suprimir o desejo,
pois essa é outra forma de desejo; o desejo de afastar o desejo é o
mesmo problema: não funciona. Também não funciona seguirmos o
desejo. Mas, no estado de consciência desperta vemos claramente o
que na realidade se passa e, então, podemos libertar-nos das causas
do nosso sofrimento, tendo a sabedoria intuitiva de o largar. Nesta
vida como seres humanos, desde o nosso nascimento até à morte,
cada momento é uma oportunidade para compreendermos as coisas
da forma correcta. Sucesso ou falha deixam de ter um significado
especial pois mesmo quando falhamos, podemos aprender com isso.
Não quer dizer que não tentemos fazer o melhor possível e que não

Para Além do Sentido de Si 123


124 Folhas da Árvore Bodhi

nos esforcemos, mas o nosso objectivo deixa de ser o sucesso e passa


a ser compreender a vida.
Leva muito tempo a chegarmos à raiz desta noção de nós próprios,
pois está completamente infiltrada na nossa experiência consciente.
Com a meditação, tomamos atenção a coisas comuns como a respira-
ção e o corpo e então aprendemos a levar e a manter a nossa atenção
no momento presente.

Tradução de Pedro Cruz


PORQUÊ IR A UM MOSTEIRO
ajahn candasiri

Esta é uma pergunta que todos devemos fazer a nós mesmos, quer,
sejamos monges, monjas, noviços quer, visitantes. Porque viemos?
Precisamos de ser claros sobre isto no sentido de tirar o maior
benefício daquilo que um mosteiro tem para oferecer. Se, de facto,
isto não for claro, podemos desperdiçar muito tempo a fazer coisas
que podem diminuir os benefícios que são aqui encontrados.
O Buddha falou de três fogos, três obstáculos que afligem os seres
humanos. Essas três coisas fazem-nos agir constantemente, nunca
nos dão oportunidade para descansar ou descontrair; elas são, a
cobiça, o ódio e a ilusão, em língua Palī, lobha, dosa e moha. O Buddha,
também por compaixão, apontou qual era o antídoto. Na verdade
estes três fogos são baseados em instintos naturais. Por exemplo, a
avidez ou o desejo sensual, a energia sexual e o desejo por comida
são aquilo que permite ao ser humano sobreviver. Sem o desejo
sexual, nenhum de nós estaria aqui agora! E, obviamente, também
sem fome ou desejo por comida não seríamos levados a ingerir a
nutrição que necessitamos para manter o corpo em razoável estado
de saúde. Contudo, a dificuldade surge, quando perdemos a sensibi-
lidade sobre o que é necessário e procuramos a gratificação sensual
por si só.

125
126 Folhas da Árvore Bodhi

Outro tipo de instinto de sobrevivência é a nossa resposta ao perigo,


quer, reagindo ou atacando o que é percebido como uma ameaça
à nossa sobrevivência, quer, tentando escapar disso. Esta é a base
para dosa, ódio ou aversão. Claramente, também isto tem um lugar
importante na natureza. Mas, podemos ficar confusos e o que
acabamos por defender é não tanto o corpo físico, mas o sentido
do eu pessoal que percepcionamos sobre nós próprios, em relação a
outro.
O terceiro fogo, que naturalmente precede os dois anteriores, é a
ilusão, moha; é não ver com clareza ou não compreender as coi-
sas na sua realidade, não perceber o que é ser um Ser Humano.
Identificamo-nos a nós e aos outros como personalidades, ou eus.
Mas isto são apenas ideias ou conceitos, os quais redimensionamos
em relação a outros conceitos de quem ou o quê deveríamos ser.
Então, se alguém vem e desafia esse eu, isso pode criar-nos uma
forte reacção; instintivamente atacamos, defendemos ou tentamos
fugir da presumível ameaça. Realmente, é algo de loucos, quando
pensamos sobre isto.
Tal como referi, tendo o Buddha apontado a natureza da doença,
também apontou a cura. Isto foi transmitido sob a forma de simples
ensinamentos, os quais nos podem ajudar a libertar dessas doenças,
como também evitar fazer coisas que as agravem.
Isto conduz-me à verdadeira razão que nos traz a um mosteiro.
Nós queremos libertar os nossos corações da doença, dos laços do
desejo e da confusão; e reconhecemos que o que nos é ofertado aqui
é a possibilidade de realizar isto. É claro que pode haver outras
razões: algumas pessoas realmente não sabem porque vieram, elas
simplesmente sentem-se atraídas pelo lugar.
Então o que é que se passa no mosteiro que é diferente do que se
passa fora? É um local que nos relembra a nossa aspiração e poten-
cial. Lá estão as belas imagens, do Buddha e dos seus discípulos que
parecem irradiar um sentimento de calma, tranquilidade e estado
de alerta. Também aqui encontramos uma comunidade de monges
e monjas que decidiram viver seguindo o estilo de vida que o Buddha
recomendou para curar essas doenças.
Tendo reconhecido que estamos doentes e que precisamos de ajuda,
começamos a ver que a cura está na direcção oposta aos caminhos do
mundo. Vemos que se nos vamos curar, precisamos primeiro, com-
preender a causa da doença, e qual é o desejo. Então, precisamos
de compreender os nossos desejos para ficarmos livres e sermos um
Eu separado deles. Então, em vez de seguirmos os nossos desejos,
examinamo-los de perto.
A disciplina que aqui se pratica é baseada em preceitos, os quais, usa-
dos sabiamente, criam um sentido de dignidade e de auto-respeito.
Eles refreiam-nos de acções ou palavras que são prejudiciais a nós
e aos outros, e delineiam um padrão de simplicidade ou renúncia.
Questionamo-nos: «O que é que eu realmente preciso?» em vez de
responder às pressões da sociedade materialista.
Mas como os preceitos nos ajudam a perceber estes três fogos? De
uma certa forma o que a nossa disciplina monástica nos oferece
é um modo (atitude) com o qual podemos observar o desejo mal
ele desponte. Deliberadamente assumimos uma forma de alerta,
prevenindo de seguirmos todos os nossos desejos e, quando os iden-
tificamos, repararmos como mudam. Normalmente, quando somos
apanhados no processo dos desejos, não existe qualquer noção de
objectividade, pois há a tendência para ficarmos totalmente iden-
tificados com eles, sendo então, muito difícil detectá-los e de fazer
algo sobre eles, em vez de sermos arrastados por eles.
Assim, como no caso da luxúria ou da aversão, podemos reconhecer
que estas são energias naturais que todos têm. Não estamos a
dizer que é errado, por exemplo, ter desejo sexual ou mesmo de
o seguir nas apropriadas circunstâncias, mas reconhecemos que

Porquê Ir a um Mosteiro 127


128 Folhas da Árvore Bodhi

isso é para um propósito particular e que trará um certo resul-


tado. Como monges e monjas nós decidimos que não queremos
ter crianças. Também reconhecemos que o prazer da gratificação
é muito fugaz, em relação às possíveis implicações a longo prazo
e responsabilidades. Então escolhemos não seguir o desejo sexual.
Contudo, isto não significa que não o experienciamos; que assim
que rapamos as nossas cabeças e que pomos um manto (hábito)
parámos imediatamente de experienciar qualquer tipo de desejo.
Na verdade, o que pode acontecer é a nossa experiência desses
desejos aumentar quando vivemos num mosteiro. Isto acontece
porque na vida de leigos, podemos fazer todo o tipo de coisas para
nos sentirmos bem, normalmente sem termos consciência do que
estamos a fazer. Algumas vezes, existe apenas uma subtil noção
de desconforto, seguida por um movimento rumo ao exterior, de
modo a alcançar algo que nos alivie, movimentando-nos de uma
coisa para a outra. No mosteiro já não é tão fácil fazer isto. Nós
“atamo-nos” deliberadamente de modo a podermos olhar as nossas
motivações, energias ou desejos que de outra forma nos manteriam
normalmente em movimento.
Agora poderão perguntar: Mas que tipo de liberdade é esta? Pren-
demo-nos numa situação em que somos constantemente reprimi-
dos, tendo sempre que nos conformar? Temos sempre de com-
portar-nos de uma determinada maneira; de fazer vénias de uma
determinada maneira e em determinadas alturas; cantar a uma
determinada velocidade e tom; sentar num lugar específico ao lado
de pessoas ou atrás, no meu caso de Ajahn Sundara, durante os
últimos quinze anos!… Que tipo de liberdade é esta?
Isto traz liberdade à escravidão do desejo. Mais do que sem qualquer
esperança, cegamente ser puxado de um lado para o outro pelo
nosso desejo, somos livres para escolher actuar das maneiras que
são mais apropriadas, em harmonia com aqueles ao nosso redor.
É importante perceber que “libertação dos desejos” não significa
“não ter desejos”. Poderíamos sentir-nos culpados debatendo-nos
interiormente se pensássemos dessa forma. Tal como disse anteri-
ormente o desejo faz parte da natureza, apenas tem sido distorcido
como resultado do nosso condicionalismo, do nosso crescimento,
dos valores da sociedade e da educação. Não nos veremos livres
dele sem mais nem menos - apenas porque queremos, ou porque
sentimos que não deveríamos ter desejo; é requerida, na verdade,
uma abordagem mais subtil.
A forma monástica e os preceitos ajudam-nos a criar um espaço
pacífico em torno dessas energias de desejo, de forma a, que tendo
surgido, elas possam extinguir-se por falta de combustível. É um
processo que requer grande humildade, pois primeiro temos que
reconhecer que o desejo está lá, o que pode trazer muita clareza
sobre os nossos defeitos. Particularmente na vida monástica, os
nossos desejos podem ser extremamente mesquinhos; o sentido do
nosso eu pode ser trazido à tona em coisas muito triviais. Por exem-
plo, pode ser que tenhamos uma ideia convicta sobre a forma como
se devem cortar as cenouras; assim, se alguém sugere que o façamos
de maneira diferente podemos ficar muito alterados e tomar uma
atitude defensiva! Então precisamos ser muito pacientes, muito
humildes.
Felizmente, existem alguns simples pontos de referência, ou Refú-
gios, que pode providenciar segurança e uma noção de perspectiva,
no meio do mundo caótico dos nossos desejos. Estes Refúgios são,
evidentemente, Buddha, Dhamma, Sangha. O Buddha, o nosso pro-
fessor, é também aquele que existe interiormente em nós, que vê
as coisas com clareza, não sendo confundido ou perturbado pelas
sensações impressas; o Dhamma, o ensinamento ou a verdade, torna
as coisas como são na realidade, bastante diferentes das nossas
ideias sobre elas; e o Sangha, a linhagem ou comunidade daqueles
que praticam, impulsiona a nossa aspiração de viver de acordo com

Porquê Ir a um Mosteiro 129


130 Folhas da Árvore Bodhi

aquilo que sabemos ser verdade, em vez de seguir todos os tipos de


impulsos confusos e egoístas que podem emergir.
O Buddha sugeriu algumas formas simples de transformar a nossa
vida nesse sentido. Essas são chamadas as “Fundações da Consci-
ência”. Uma das que eu uso bastante na minha prática é a plena
atenção do corpo. O nosso corpo pode ser um bom amigo, pois ele
não pensa! A mente, com os seus pensamentos e conceitos pode
sempre confundir-nos, mas o corpo é muito simples e podemos
notar como é que ele está no momento. Por exemplo, se alguém age
ou fala de uma forma que eu me sinto intimidada, eu posso notar a
minha reacção instintiva, que é criar tensão numa atitude defensiva,
e talvez responder de um modo agressivo. Contudo, quando eu
estou consciente do processo eu posso escolher não reagir dessa
maneira. Em vez de respirar fundo, e de seguida empolgar-me, eu
posso concentrar-me na expiração relaxando de modo a tornar-me
uma presença menos ameaçadora para a outra pessoa. Se, através
da plena atenção, eu poder abrir mão da minha atitude defensiva,
os outros também podem relaxar em vez de se perpetuar o processo
de reactividade. Deste modo podemos trazer um pouco de paz ao
mundo.
As pessoas que visitam mosteiros muitas vezes mencionam a pací-
fica atmosfera que lá encontram. Mas isto não é porque todos se
sentem muito pacíficos ou experienciando a Graça ou felicidade con-
tinuamente; eles podem estar a experienciar todos os tipos de coisas.
Na verdade, uma irmã disse que ela nunca havia experienciado tanta
fúria homicida ou tão poderosos sentimentos de luxúria até ela ter
entrado para a comunidade monástica (Sangha)! O que é diferente
num mosteiro é a prática. Então seja o que for que os monges e as
monjas estejam a passar, eles estão pelo menos, a fazer o esforço de
terem isso presente; suportar com paciência, contrariando o sentir
de que não deveria ser assim ou de tentarem mudar.
A forma monástica providencia uma situação, na qual, a renúncia
e a restrição são as condições próprias para o surgimento de senti-
mentos ardentes; mas também existe a presença de outros samanas
que ajudam a reafirmar a confiança. Quando estamos realmente
atravessando algum processo mais difícil, podemos falar com um
irmão ou irmã mais experiente cuja resposta será provavelmente
algo do género: Oh sim, não te preocupes, isso vai passar! Isso
também me aconteceu! É normal, é simplesmente parte do pro-
cesso de purificação. Sê paciente. Então encontramos a confiança
para continuar, mesmo quando tudo parece desmoronar-se, ou tudo
parece completamente louco dentro de nós.
Indo a um mosteiro, encontramos pessoas que querem olhar e per-
ceber a origem causadora da ignorância humana, do egoísmo e de
todas as coisas abomináveis que acontecem no mundo; pessoas que
querem olhar dentro de seus próprios corações e testemunhar a ava-
reza e a violência que outros, lá fora, estão sempre preparados para
criticar. Através de experienciar e de saber essas coisas aprendemos
como fazer paz, aqui mesmo em nossos corações, de forma, a que
elas cessem. Então talvez, em lugar de reagir perante a ignorância
da humanidade e contribuir para a confusão e violência que vemos
à nossa volta, sejamos capazes de agir ou falar com sabedoria e
compaixão, de maneira que ajude a trazer uma noção de bem - estar
e harmonia entre as pessoas.
Então não é uma fuga, mas uma oportunidade de darmos a volta e
enfrentarmos todas as coisas que tínhamos evitado em nossas vidas.
Com calma e corajosamente, compreenderemos as coisas com mais
clareza, começando a libertação das nossas dúvidas, ansiedades,
medo, avareza, ódio e de todo o resto, que constantemente nos
prendem em reacções condicionadas. Aqui temos o suporte de
bons amigos e uma disciplina e ensinamentos para nos ajudar a
mantermo-nos num percurso no qual por vezes parece impossível
continuar!
Possamos todos realizar a verdadeira liberdade.

Tradução de Appamādo Bhikkhu

Porquê Ir a um Mosteiro 131


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