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Fanzine Feminista Noiz

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES
FACULDADE DE ARQUITETURA

FANZINE FEMINISTA NOIZ


Design como Artivismo

Denise Kuperman

Trabalho de Projeto
Mestrado em Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas

Trabalho de projeto orientado pelo Professor Auxiliar Rogério Taveira

2019
DECLARAÇÃO DE AUTORIA

Eu, Denise Kuperman, declaro que o presente trabalho de projeto de mestrado intitulado
“Fanzine Feminista NOIZ: Design como Artivismo”, é o resultado da minha investigação
pessoal e independente. O conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão
devidamente mencionadas na bibliografia ou outras listagens de fontes documentais, tal
como todas as citações diretas ou indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho
segundo as normas académicas.

O Candidato

Lisboa, 1 de fevereiro de 2019.


RESUMO

Esta dissertação pretende analisar de que forma o designer pode utilizar o artivismo para
sensibilizar e conscientizar as mulheres acerca dos estereótipos de gênero. Começamos por
definir o que são estereótipos de gênero, e como eles afetam a vida das mulheres
negativamente ao naturalizar preconceitos que as posicionam como subordinadas aos
homens, promovendo uma desigualdade social e econômica entre os gêneros, a partir de
representações culturais naturalizadas na sociedade. Examinamos a influência do olhar
masculino na construção da imagem objetificada da mulher na arte, publicidade, cinema,
etc., e as consequências que tal representação gera na autoestima das mulheres; qual o papel
da linguagem na perpetuação de estereótipos e preconceitos; a importância das narrativas
das mulheres na desconstrução desses estereótipos, e na elaboração de novas
representações da feminilidade e do que é ser mulher, feitas por mulheres. Seguidamente,
investigamos e o que é artivismo feminista, que busca engajar politicamente indivíduos
através da arte, e qual sua origem; a responsabilidade do designer enquanto artivista, ao
utilizar seus conhecimentos para sensibilizar a população acerca das desigualdades
existentes na sociedade, e o papel da Arte na naturalização de violências de gênero; o que
são fanzines (considerados aqui como forma de artivismo), qual sua origem, e quais as
vantagens desse formato de publicação independente. A partir da análise de dois casos de
estudo, o coletivo Lambe-Buceta (São Paulo, Brasil), que discute a sexualidade feminina ao
criar cartazes que exibem diferentes representações da vulva, e afixando-os pelas ruas da
cidade, e o Your Mouth is a Guillotine (Lisboa, Portugal), que adequa densas teorias
feministas para as páginas de seus fanzines, elaboramos um objeto prático/autoral: o
fanzine feminista NOIZ. Ao disseminar trechos desta dissertação, adaptados para uma
linguagem de rápida e fácil leitura, apresentados em um projeto gráfico atraente, o fanzine
NOIZ pretende ser a materialização de como o designer pode utilizar sua formação e
conhecimentos na desconstrução dos estereótipos de gênero.

Palavras-chave
Estereótipos de gênero; Feminismo; Design gráfico; Artivismo; Fanzine.

2
ABSTRACT

This dissertation intends to analyze how the designer can use artvism to sensitize and make
women conscious about gender stereotypes. We begin by defining what gender stereotypes
are, and how they affect women's lives negatively by naturalizing prejudices that position
them as subordinate to men, promoting social and economic inequality between genders,
from naturalized cultural representations in society. We examine the influence of the
masculine gaze on the construction of the objectified image of women in art, advertising,
cinema, etc., and the consequences that such representation generates in women's self-
esteem; the role of language in perpetuating stereotypes and prejudices; and the importance
of women's narratives in the deconstruction of these stereotypes, and in the elaboration of
new representations of femininity, and what it means to be a woman. Next, we investigate
feminist artvism, which seeks to politically engage individuals through art, and its origin;
the responsibility of the designer as an artvist, using her/his knowledge to sensitize the
population about inequalities in society, and the role of art in the naturalization of gender
violence; what are fanzines (considered here as a form of artvism), its origin, and the
advantages of this independent publishing format. Based on the analysis of two case
studies, the collective Lambe-Buceta (São Paulo, Brazil), which discusses female sexuality
by creating posters displaying different representations of the vulva, and posting them on
the streets of the city, and Your Mouth is a Guillotine (Lisbon, Portugal), which adapts
dense feminist theories to the pages of their fanzines, we elaborate a practical / authorial
object: the feminist fanzine NOIZ. By disseminating excerpts from this dissertation,
adapted to a language of quick and easy reading, presented in an attractive graphic design,
the fanzine NOIZ intends to be the materialization of how the designer can use her/his
training and knowledge in the deconstruction of gender stereotypes.

Keywords
Gender Stereotypes; Feminism; Graphic Design; Artvism; Fanzine.

3
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, Rogério Taveira, pelo apoio e paciência durante todo esse
processo. Ao Henrique, pelas várias sessões de brainstorming que deram origem ao objeto
prático/autoral. Ao Emerson, pelo pontapé inicial. À Stela, pela incrível revisão e edição
desta dissertação. À Isa e Bia, pelos comentários. À Lucia, pela inestimável assessoria. À
Ilana, pelas traduções. Às várias integrantes do grupo de estudos feministas. À Joana Tomé
e Kelly Cristina Santos, pela inspiração. À Cecília Silveira, pela parceria. A todos os
queridos amigos que me ajudaram e apoiaram.
E aos meus pais e irmãos, pelo amor, carinho e apoio, hoje e sempre.

4
ÍNDICE

Resumo e Palavras-chave – i
Abstract and Key-words – ii
Índice de Imagens – iv
I. Introdução
1. Estereótipos de Gênero
1.1. A objetificação do corpo da mulher
1.2. A influência da linguagem na perpetuação de preconceitos e estereótipos
1.3. A importância das narrativas

2. Artivismo Feminista
2.1. O designer enquanto artivista
2.2. Fanzines / Feministas

3. Estudo de Casos
3.1. Lambe-Buceta (São Paulo/Brasil)
3.2. Your Mouth is a Guillotine (Lisboa/Portugal)
3.3. Comparação dos casos de estudo

4. Projeto Prático
5. Conclusão
6. Bibliografia

5
ÍNDICE DE IMAGENS

FIGURA 1. Karen Ka (à esquerda) e Kelly Cristina Santos posam em frente aos cartazes
do Lambe-Buceta. Foto: Arquivo Lambe-Buceta. .................................................................. 35
FIGURA 2. Fotografia de um dos cartazes do Lambe-Buceta. Foto: I Hate Flash. ......... 35
FIGURA 3. Capa da primeira edição de YMIAG. Tomé, J., & Guimarães, P. (2013).
Your Mouth is a Guillotine 1 (1.a ed., Vol. 1). Lisboa. ............................................................ 40
FIGURA 4. Barômetro da decência. YMIAG #1. Tomé, J., & Guimarães, P. (2013).
Your Mouth is a Guillotine 1 (1.a ed., Vol. 1). Lisboa. ............................................................ 40
FIGURA 5. Barômetro da feminilidade.YMIAG #1. Tomé, J., & Guimarães, P. (2013).
Your Mouth is a Guillotine 1 (1.a ed., Vol. 1). Lisboa. ............................................................ 41
FIGURA 6. Judite decapitando Holofernes.YMIAG #1. Tomé, J., & Guimarães, P. (2013).
Your Mouth is a Guillotine 1 (1.a ed., Vol. 1). Lisboa. ............................................................ 41
FIGURA 7. Capa do livro Cunt Coloring Book. Corinne, T. (1975). Obtido 12 de janeiro
de 2019, de https://shopcatalog.com/color-me-cunt-a-coloring-book/ ............................. 43
FIGURA 8. Livro de Vulvas para Colorir (2015). Tomé, J., & Costa, A. (2015). Livro de
Vulvas para Colorir (3.a ed.). Lisboa: Your Mouth is a Guillotine. ........................................ 43
FIGURA 9. Livro de Vulvas para Colorir (2015). Tomé, J., & Costa, A. (2015). Livro de
Vulvas para Colorir (3.a ed.). Lisboa: Your Mouth is a Guillotine. ........................................ 44
FIGURA 10. Frente NOIZ #1. Kuperman, D. (2017). NOIZ. Lisboa. .............................. 48
FIGURA 11. Verso NOIZ #1. Kuperman, D. (2017). NOIZ. Lisboa. ............................... 49
FIGURA 12. Frente NOIZ #2. Kuperman, D. (2017). NOIZ. Lisboa. .............................. 50
FIGURA 13. Verso NOIZ #2. Kuperman, D. (2017). NOIZ. Lisboa. ............................... 50
FIGURA 14. Frente NOIZ #3. Kuperman, D. (2017). NOIZ. Lisboa. .............................. 51
FIGURA 15. Verso NOIZ #3. Kuperman, D. (2017). NOIZ. Lisboa. ............................... 51
FIGURA 16. Frente NOIZ #4. Kuperman, D. (2019). NOIZ. Lisboa. .............................. 55
FIGURA 17. Verso NOIZ #4. Kuperman, D. (2019). NOIZ. Lisboa. ............................... 55

6
I. Introdução1

Já não lembro de muitas coisas da minha infância e pré-adolescência, mas ainda lembro do
meu primeiro assédio. Tinha por volta de 13 anos, e no percurso da escola para casa, ao
descer sozinha a Alameda Campinas, um homem de aproximadamente 40 anos, bêbado,
passou por mim e disse algo como "queria lamber essas tuas coxas". Muito assustada,
atravessei a rua, e mudei meu trajeto para me afastar o máximo possível dele, até chegar em
casa. Não contei o ocorrido para os meus pais, nem para mais ninguém. Ainda hoje, tantos
anos depois, ainda sinto vergonha de compartilhar essa história. A vergonha vem da
percepção de que de alguma maneira fui responsável por tal atitude. Me senti culpada. Será
que fiz algo para atrair tal agressão? Se até agora nada assim tinha acontecido comigo, eu
devo ter mudado. E mudei. Meu corpo começava a amadurecer, meus seios cresciam. O
amadurecimento do meu corpo atraia olhares que o sexualizavam contra a minha vontade.
E assim, através da vergonha e da culpa, meninas, como eu, crescem acreditando que são
responsáveis pelas violências que sofrem.
Os olhares masculinos eram tão agressivos e assustadores que comecei a desenvolver
estratégias para evitá-los. Usar roupas bem largas, vários número maiores que o meu;
curvar a coluna para a frente, para disfarçar os seios; andar sempre com fones de ouvido,
para não escutar o que me diziam; atravessar a rua caso um ou vários homens viessem em
minha direção; nunca sentar ao lado de um homem no transporte público; entre várias
outras. Ninguém nunca me preparou para isso. Minha mãe nunca sentou comigo e disse:
"Filha, preciso te contar uma coisa". Tampouco minhas amigas comentavam casos assim.
Simplesmente não se falava sobre assédio sexual naquela época, de tão naturalizada que era
(e ainda é) a prática. Essas violências moldaram o meu modo de ser e estar no mundo,
negativamente. Mas nunca havia refletido à respeito disso, até que em 2013, surgiram duas
campanhas online sobre assédio sexual, que tiveram enorme repercussão no Brasil e em
mim: #ChegadeFiuFiu e #PrimeiroAssédio2. Mulheres eram encorajadas a publicarem suas
experiências com assédio sexual nas mídias sociais. De repente, um assunto que era tabu
virou tema central de quase todas as conversas ao meu redor, despertando essa e outras
experiências pessoais, até então esquecidas e silenciadas. Uma raiva contida durante anos
emergiu, motivando um interesse pelo feminismo, e por outros projetos com essa temática.

1Dissertação redigida em português do Brasil, segundo as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 2014.
2Para mais sobre as campanhas: https://thinkolga.com/2015/10/26/hashtag-transformacao-82-mil-tweets-sobre-o-
primeiroassedio/

7
Em 2016, enquanto ainda vivia em São Paulo, conheci o projeto Lambe-Buceta (Cap. 3.1),
que utilizava a arte para compartilhar narrativas através de diferentes representações da
genitália feminina. Surgiu então o desejo de criar um projeto artístico meu que falasse de
feminismo, que incentivasse outras mulheres a repensarem seus silêncios, suas certezas,
assim como esse e outros projetos me influenciaram. Não queria que outras meninas e
mulheres tivessem que vivenciar violências, e que pelo menos tivessem consciência de que
isso é errado, e deveria ser erradicado. Mas foi somente durante a aula do professor
Emerson Eller, no mestrado em Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas, que
esse desejo tomou forma. O projeto final dessa matéria era a criação de uma revista, e ao
optar por criar um fanzine feminista, surgiu o NOIZ. Esse projeto pretende discutir temas
feministas, compartilhando com outras mulheres meus aprendizados. Desde então foram
publicadas três edições, com tiragem de 500 exemplares cada, distribuídas gratuitamente
em diversos pontos da cidade de Lisboa, em 2017. O projeto prático que acompanha esta
dissertação será a quarta edição dessa publicação independente. A principal diferença entre
essa edição e as anteriores é que pela primeira vez os textos são todos de minha autoria,
baseados no conteúdo desta dissertação. As outras edições traziam textos escritos por
amigas, ou eram baseados em press-release de artistas ou organizações divulgadas no
fanzine. A pesquisa realizada para a redação desta dissertação forneceu o suporte teórico
necessário para que eu me sentisse apta a escrever sobre feminismo, aprofundando
conhecimentos, e assim compartilhando com outras o meu aprendizado sobre a
desconstrução dos estereótipos de gênero. Outra diferença entre as anteriores e essa é que
pela primeira vez o fanzine será publicado em parceria com outra editora independente, a
Sapata Press, dividindo assim os custos de impressão e ampliando a rede de divulgação.
Após publicar o primeiro fanzine NOIZ, e por causa dele, fui convidada a participar de um
grupo de estudos feministas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Nesse
grupo, organizado e gerido por alunas, um texto feminista é lido e discutido entre as
participantes, semanalmente. Estudamos teorias feministas, e ao debatê-las, aprofundamos
nosso aprendizado. Esse grupo e os conhecimentos adquiridos nele foram essenciais no
meu processo de percepção e desconstrução dos estereótipos de gênero, e assim comecei a
refletir: de que maneira poderia compartilhar esses conhecimentos com um público mais
abrangente?
Daqui surgiu a questão central desta dissertação: de que modo pode o designer, através de
uma abordagem artivista feminista, sensibilizar e conscientizar sobre os estereótipos de

8
gênero?
Nessa mesma época assisti a uma conversa entre Grada Kilomba e Carla Fernandes3, no
Teatro Maria Matos, onde Kilomba contava como utilizou a arte contemporânea e o teatro
para disseminar sua pesquisa de doutorado, que deu origem ao livro Plantation Memories.
Episodes of Everyday Racism. Com duas exposições em Lisboa, uma no MAAT, e outra
na Galeria Avenida da Índia, pude observar exatamente como ela conseguiu transpor partes
de seu livro para outras mídias, adaptando trechos para teatro, vídeo e instalação. E assim
surgiu a hipótese de que o artivismo poderia ser utilizado para compartilhar teorias
feministas com um público mais alargado.
Assim, o objetivo desta dissertação teórico-prática é analisar como os estereótipos de
gênero afetam negativamente as mulheres, e estudar como o designer, através do artivismo,
pode auxiliar na sensibilização e conscientização desse tema. O objeto prático/autoral
pretende ser a sua materialização, ou seja, através da criação e distribuição de um fanzine
feminista (considerado aqui como forma de artivismo), disseminar partes do conteúdo
desta dissertação para um público mais abrangente.
Assim, a metodologia divide-se em duas etapas: a primeira parte, teórica, de caráter
qualitativo e não intervencionista, será resultado da revisão da literatura e de estudo de
casos. A segunda parte, de caráter intervencionista e qualitativo, consistirá no
desenvolvimento de um fanzine feminista.
Os estudos de gênero são um vasto campo, assim, esta dissertação centra-se nas teorias de
Simone de Beauvoir, que distingue sexo como uma facticidade biológica, e gênero como
uma construção cultural, e entende que "mulher" é um estereótipo ao qual as fêmeas da
espécie humana se adequam, não instintivamente, mas por influência de outros, desde o
seu nascimento. Judith Butler (2011) complementa essa teoria definindo o gênero como
uma performance corporal, um personagem que representamos nesse teatro que é a vida
em sociedade. Teresa de Lauretis (1994) acrescenta que o sistema sexo-gênero está
conectado com fatores políticos e econômicos e, portanto, à organização da desigualdade
social, já que representar-se como homem ou como mulher altera o posicionamento de
determinado indivíduo na hierarquia social.
A conexão entre artivismo e feminismo tem sido estudada por diversos autores há muitos
anos, e nesta dissertação utilizo os trabalhos de Judy Chicago (2015), Nina Fehlsin (1995),

3Carla Fernandes é jornalista, produtora de rádio, e criadora da Rádio Afrolis. De origem angolana, vive e trabalha em
Lisboa, Portugal.

9
Lucy Lippard (2015), e Lynda Nead (2015). No contexto brasileiro é centrado nos estudos
de Patrícia Lessa (2015), que foca em performances artivistas feministas, e Renata Saavedra
(2017), que estuda a música funk carioca feminista, e o grafite, ambos como formas de
artivismo.
No Capítulo 1 analiso como representações culturais influenciam a criação e manutenção
de estereótipos, a partir dos estudos de Crochík (1996). A seguir, procuro definir o que são
estereótipos de gênero, através das teorias de Beauvoir (1967; 1970), Butler (1999; 2011),
Diamond (2011) e Lauretis (1994), e como eles afetam a vida das mulheres negativamente
ao naturalizar preconceitos que as posicionam como subordinadas aos homens,
promovendo uma desigualdade social e econômica entre os gêneros. Fiske (1999), Hebdige
(1993; 2009) e Bourdieu (1999; 2009) fornecem os conceitos que explicam como ideologias
de dominação operam nas sociedades para disfarçar opressões.
No sub-Capítulo 1.1, pretendo explicar a partir de Berger (2015) e Mulvey (2011), como o
olhar masculino influenciou a construção da imagem objetificada da mulher, e de que
forma essa representação afeta as subjetividades e autoestima das mulheres, segundo Nead
(2015), Chicago (2015), Wolf (1992), Sliwinska (2016), Frueh (2015), Mardones (2017),
Beauvoir (1967; 1970), e Ródenas (2015).
No sub-Capítulo 1.2 discorro sobre a influência da linguagem na perpetuação de
preconceitos e estereótipos, utilizando como base o trabalho de Mardones (2017).
Seguidamente, no sub-Capítulo 1.3, discuto sobre a importância das narrativas na criação
de novas representações do que é ser mulher, na denúncia de violências, e na
reinvindicação de direitos, em contraposição ao silenciamento histórico a que tem sido
submetidas as mulheres, segundo os trabalhos de Beard (2014), hooks4 (1992, 2015),
Kilomba (2010), Ribeiro (2017) e Solnit (2017).
No Capítulo 2 analiso o que é o artivismo feminista, a partir dos estudos de Fehlsin (1995),
Lippard (2015), Love e Mattern (2013), Brode et al. (1996), Centella (2015), Nead (2015),
Lessa (2015) e Saavedra (2017).
O sub-Capítulo 2.1 discorre sobre a responsabilidade do designer enquanto artivista, que
pode utilizar seu trabalho para auxiliar na desconstrução de preconceitos e estereótipos.
Nesse capítulo utilizo as ideias de Thompson (2016), Danto (1988), Dilnot (1999), Lupton
e Miller (1999), Dugay et al. (2009), e Moura (2018).

4bel hooks (1952) é um pseudônimo, e segundo instruções da autora, deve ser escrito em minúsculas. (hooks, 2014, p.
269). Ativista, escritora e professora estadunidense.

10
Em sequência, no sub-Capítulo 2.2, explico o que são fanzines, qual sua origem, e de onde
provém sua vertente feminista, a partir dos trabalhos de Triggs (2010) e Piepmeier (2009).
No Capítulo 3 apresento e analiso os dois casos de estudo, o coletivo brasileiro Lambe-
Buceta, e o fanzine feminista português Your Mouth is a Guillotine, e encerro com uma
comparação entre os dois, sinalizando semelhanças e diferenças entre eles.
O Capítulo 4 é dedicado ao objeto prático/autoral, a elaboração do número 4 do fanzine
feminista de minha autoria, NOIZ.

1. Estereótipos de Gênero

Estereótipos formam o conteúdo dos preconceitos. O preconceito não é inato, ele é


desenvolvido pelo indivíduo durante sua socialização. Como a própria palavra indica, ele é
um conceito formado pelo indivíduo antes da experiência com o objeto do preconceito, e
ela não necessariamente o desconstrói, pois estratégias psíquicas a racionalizam,
invalidando-a, e mantendo intacto o preconceito. Como não existe necessidade de conexão
com a realidade ou com a experiência para que preconceitos ou os estereótipos a eles
associados surjam, observamos que representações culturais são apropriadas pelos
indivíduos em sua construção, já que sua expressão é coletiva. Assim, o estereótipo é um
produto cultural, e a cultura faz distinções entre os sexos, etnias, ocupações, idades,
religiões, etc., atribuindo juízos de valores a essas distinções. Portanto a noção da
superioridade do trabalho intelectual frente ao trabalho braçal, ou a imposição da execução
das tarefas domésticas à mulher, são construções culturais que auxiliam na manutenção da
ordem social, ao fixar e naturalizar preconceitos que contribuem para a hierarquização da
sociedade, marginalizando certos grupos e valorizando outros (Crochík, 1996).
Os estereótipos de gênero são ideias limitadoras que definem como devem ser e se
comportar, homens e mulheres (Beauvoir, 1967; Butler, 2011; Diamond, 2011; Lauretis,
1994). Por serem construções culturais, essas ideias mudam de acordo com a cultura de
determinada região, mas podemos perceber que certas estruturas desses estereótipos
mantém-se, independentemente do lugar. Segundo Simone de Beauvoir, "Ninguém nasce
mulher: torna-se mulher."5 (Beauvoir, 1967, p. 9), mostrando que "mulher" é um

5"Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea
humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e
o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro.

11
estereótipo ao qual as fêmeas da espécie humana se adequam, não instintivamente, mas por
influência de outros, desde o seu nascimento. Essa interferência contínua na vida e
formação das crianças, com o passar do tempo adquire um caráter natural, como se
indivíduos do sexo feminino nascessem com uma predisposição genética à passividade, à
trivialidade, e à cor rosa. Judith Butler (2011) analisa essa fala e a complementa, definindo o
gênero como uma performance corporal, um personagem que representamos nesse teatro
que é a vida em sociedade, e deixa claro que sexo e gênero são duas entidades distintas, e
que essa relação causal é uma construção social e não uma característica incontornável:

[...] ser mulher é ter-se tornado mulher, é forçar o corpo a adaptar-se a uma ideia
histórica de "mulher" em si mesma, é induzir o corpo a tornar-se um signo cultural, a
materializar-se em obediência a uma possibilidade historicamente delimitada, e fazê-lo
como um projecto corporal continuado sustentado e repetido. (Butler, 2011, p. 73)

Butler afirma que o gênero é instituído pela estilização do corpo, através da escolha das
roupas, cabelo, trejeitos, modo de caminhar, de falar, ou seja, todos os detalhes necessários
para a criação de um personagem.
Para Elin Diamond, o gênero é um "[...] sistema de crenças e comportamentos que
reafirmam o status quo social" (Diamond, 2011, p. 38), como se essa estilização
demonstrasse também o desequilíbrio de poder entre os gêneros masculino e feminino.
Butler percebe que muitos veem a representação do gênero com o fanatismo de uma
religião, fazendo com que os que fogem às regras ao representar seu papel, sejam punidos
severamente. Diversas religiões condenam abertamente a subversão dos estereótipos de
gênero, ao proibirem o homossexualismo, por exemplo. No Brasil, país que mais matou
travestis e transexuais no mundo, entre 2008 e 2016, segundo pesquisa da ONG
Transgender Europe (TGEU, 2016), podemos ver a que ponto chega essa punição.
Diamond também nota que ao alienar (através da androginia, por exemplo) ou enfatizar
(como fazem as travestis) essa performance do gênero, podemos perceber que essas
representações nada mais são do que um sistema de signos, como se uma linguagem fosse
criada a partir deles, e através da estilização do corpo6 comunicasse quem somos, o que
fazemos, do que gostamos, e principalmente, o nosso caráter e a nossa moral.

Enquanto existe para si, a criança não pode apreender-se como sexualmente diferençada. Entre meninas e meninos, o
corpo é, primeiramente, a irradiação de uma subjetividade, o instrumento que efetua a compreensão do mundo: é através
dos olhos, das mãos e não das partes sexuais que apreendem o universo." (de Beauvoir, 1967, p. 9)
6 Um bom exemplo disso é o "Barômetro da feminilidade", detalhado no estudo de caso do Capítulo 3.2.

12
Teresa de Lauretis (1994) seguindo a linha das autoras anteriormente citadas, acrescenta
que o sistema sexo-gênero está conectado com fatores políticos e econômicos e, portanto,
à organização da desigualdade social, já que representar-se como homem ou como mulher
altera o posicionamento de determinado indivíduo na hierarquia social. Segundo pesquisa
divulgada em 2018, no Brasil, apesar de trabalharem mais horas, e possuírem um nível
educacional mais alto, mulheres ganham em média 76,5% do rendimento dos homens
(IBGE, 2018). Um outro estudo divulgado em 2018, que compara Portugal aos outros
países da União Europeia no quesito igualdade de gêneros, desde o início do século XXI
até 2016, constatou que em todos os países da Europa as mulheres recebem salários mais
baixos mesmo possuindo maior escolaridade, têm relações contratuais mais precárias,
maior probabilidade de ficarem desempregadas, tendem a ser preteridas em processos de
recrutamento se há um homem com currículo semelhante ao seu, e dedicam mais tempo às
tarefas domésticas e ao cuidado da família do que os homens, situações essas que atingem
todas as classes sociais (Torres, 2018).

O sistema de sexo-gênero, enfim, é tanto uma construção sociocultural quanto um


aparato semiótico, um sistema de representação que atribui significado (identidade,
valor, prestígio, posição de parentesco, status dentro da hierarquia social etc.) a
indivíduos dentro da sociedade. Se as representações de gênero são posições sociais
que trazem consigo significados diferenciais, então o fato de alguém ser representado
ou se representar como masculino ou feminino subentende a totalidade daqueles
atributos sociais. (Lauretis, 1994, p. 212)

Conseguimos então observar que há uma desigualdade social entre os gêneros masculino e
feminino, e uma ideologia de dominação que oprime as mulheres e favorece os homens.
Vemos que a manutenção dos privilégios do grupo dominante ocorre principalmente de
forma subliminar, através de ideologias diversas, não dependendo somente da repressão
pela violência física:

As classes no poder dominam a produção e a distribuição não só dos bens, mas


também das ideias e significações. O sistema económico organiza-se de acordo com
os seus interesses e o sistema ideológico deriva deles, operando para os promover,
naturalizar e disfarçar. (Fiske, 1999, p. 235)

Dick Hebdige (1993) nota que a ideologia não é algo consciente, ela se oculta no senso
comum, não sendo percebida pela população como algo fabricado, mas sim natural e

13
permanente. Pierre Bourdieu (1999) explica que essa ideologia de dominação, ou "violência
simbólica", é aceita pelos dominados que não possuem consciência crítica, sem qualquer
contestação, pois os instrumentos de conhecimento que possuem foram fornecidos pelos
dominantes, e nada mais são do que a incorporação dessa dominação. Ou seja, se mulheres
recebem salários mais baixos do que homens, e não percebem que isso é resultado de uma
estrutura que as desvaloriza por causa do seu gênero, como poderemos alterar essa
realidade, se ela nem sequer é identificada como injusta?
Entender como as ideologias de dominação operam nas sociedades, ao subjugar certos
grupos para que outros tenham e mantenham privilégios, é fundamental no combate às
opressões. Como nota Grada Kilomba: "[...] grupos oprimidos não tem motivação para o
ativismo político por causa da falta de consciência sobre sua própria subordinação."7
(Kilomba, 2010, p. 26).

1.1. A objetificação do corpo da mulher

Homens olham mulheres. Mulheres vêem-se sendo olhadas. Isso determina não
apenas a maioria das relações entre homens e mulheres, mas também a relação das
mulheres com elas mesmas. O fiscal que ela possui dentro de si é do sexo masculino:
o ser fiscalizado, feminino. Assim, ela se transforma em um objeto - e mais
particularmente um objeto da visão: uma imagem8. (Berger, 2015, p. 294)

A imagem objetificada da mulher, segundo John Berger (2015), tem início com a pintura
renascentista europeia, principalmente através dos nus. Os personagens representados em
tais pinturas parecem estar conscientes da presença do espectador que os observa, do lado
de fora da tela. Assim, a nudez não é apresentada como algo natural e humano, mas é
moldada especificamente para proporcionar prazer ao espectador masculino, proprietário
do quadro. Mulheres eram retratadas em poses lânguidas, passivas, e sem pelos no corpo,
pois estes denotam paixão e desejo sexual, algo que deveria ser minimizado na mulher, para
que o monopólio do desejo e da ação pertencesse ao homem (espectador/proprietário). A

7 Tradução livre: "[...] oppressed groups lack motivation for political activism because of a flawed consciousness of their
own subordination." (Kilomba, 2010, p. 26)
8 Tradução livre: "Men look at women. Women watch themselves being looked at. This determines not only most
relations between men and women but also the relation of women to themselves. The surveyor of woman in herself is
male: the surveyed female. Thus she turns herself into an object - and most particularly an object of vision: a sight."
(Berger, 2015, p. 294)

14
representação da mulher através do olhar masculino moldou um padrão de
comportamento e beleza que até hoje habita o inconsciente coletivo das sociedades
ocidentais, e influenciou negativamente a autoestima das mulheres, que passaram a
comparar-se à imagens irreais da fantasia masculina, e a reprimir seus corpos e
sexualidades. A representação da mulher na publicidade, no cinema, na literatura, em
videogames, em videoclipes, etc., deriva dessa estrutura criada na pintura renascentista
europeia, e apresenta construções estereotipadas de uma feminilidade imposta por homens,
para seu próprio prazer visual e erótico, e assim, a mulher passa a auto regulamentar-se de
acordo com uma ideologia de dominação criada para mantê-la em sua posição de
subordinação e submissão (Berger, 2015; Mulvey, 2011; Nead, 2015; Sliwinska, 2016).
Por outro lado, o corpo nu feminino quando não está representado como um objeto
sexual, formatado para o prazer visual masculino, gera incômodo9, porque deixa
transparecer a autonomia da mulher, sujeito ativo e independente. Imagens de mulheres
seminuas, como propagandas de lingerie, ou de revistas masculinas, como Playboy, são
aceitas e normalizadas, pois apresentam o estereótipo de gênero padrão: da mulher cuja
sexualidade é formatada para a satisfação do macho (Frueh, 2015). Como bem nota
Andrew Sullivan (1994), a característica principal da publicidade é a desumanização dos
corpos representados, ou seja, sua objetificação. A mulher exibida como objeto é aceita e
festejada, ao passo que quando representada como sujeito, gera revolta e violência. Um
exemplo é a nudez feminina durante o carnaval no Brasil. Uma das representações
tradicionais na cultura brasileira carnavalesca, é a Mulata Globeleza: uma mulher negra, que
aparece nua, apenas com pinturas corporais, sambando em uma vinheta de televisão do
canal Globo. Essa vinheta é transmitida durante todos os intervalos comerciais da
programação diurna e noturna. A objetificação dessa mulher é indiscutível. O próprio
termo "mulata" é racista, visto que deriva da palavra "mula", desumanizando o negro,
numa ofensiva conotação animal (Kilomba, 2010, pp. 88–89). Por outro lado, é proibida a
prática de topless nas praias do Rio de Janeiro, sede dessa mesma rede de televisão. A
Mulata Globeleza é um objeto sexual, o topless é uma escolha individual por uma nudez
baseada no conforto próprio, e não no olhar do outro. Um é normalizado, o outro é
reprimido. A mulher quando está no espaço público deve obedecer os códigos de conduta
estipulados pelo olhar masculino, que permitem a exibição de sua sexualidade quando
direcionada ao espectador homem, como as prostitutas de rua, mas reprimem o desnudar

9 Tal como veremos no estudo de caso Lambe-Buceta (Capítulo 3.1).

15
de um seio para a amamentação (Mardones, 2017). Notamos assim uma intensa repressão à
liberdade e autonomia das mulheres, que tem início a partir de seu nascimento.
Enquanto meninos são incentivados a explorarem seu corpo e sexualidade desde cedo, e
projetam no pênis o seu alter-ego, meninas são reprimidas, seus corpos cercados de tabus,
e segundo Beauvoir:

Nem mães nem amas têm reverência e ternura por suas partes genitais; não chamam a
atenção para esse órgão secreto de que só se vê o invólucro e não se deixa pegar; em
certo sentido, a menina não tem sexo.
(Beauvoir, 1967, p. 14)

Interessante constatar que bonecas comercializadas não possuem vulvas. Para Beauvoir,
mulheres são incentivadas a verem-se refletidas em suas bonecas, esses objetos inanimados,
passivos, e assexuados. "Uma boneca comercializada sem um braço ou uma perna é uma
boneca que representa mulheres com alguma deficiência física. Mas bonecas sem vagina
não são deficientes, é o padrão." (Oliveira, 2017).
As subjetividades das meninas são também moldadas desde a infância pelos desenhos
animados. Segundo Consol Aguilar Ródenas10 (2015), as heroínas de Cinderela, Branca de
Neve, A Bela Adormecida, por exemplo, são amadas por sua beleza, que é seu principal
atributo, mas premiadas por sua passividade. Além disso, esse gênero de história romantiza
o assassinato da heroína, que torna-se ainda mais bela ao aparentar estar morta,
transformando-a em uma vítima glamurosa, completamente passiva e submissa,
conquistando assim o amor do príncipe e transmitindo a ideia de que a passividade é
recomendável na conquista de um marido. Príncipe esse que beija uma mulher
inconsciente, sem seu consentimento, naturalizando o assédio sexual11.
O objetivo central de uma personagem feminina de desenhos animados é o matrimônio,
portanto todas as suas ações são voltadas para esse fim, e os romances retratados são
sempre heterossexuais. Em A Pequena Sereia, a heroína, Ariel, troca sua voz por um par de
pernas para conquistar o príncipe, após a personagem Ursula convencê-la de que os
homens preferem as mulheres caladas, mostrando que o que uma mulher diz não é tão

10 Consol Aguilar Ródenas é catedrática da Escuela Universitaria de DLL do Departamento de Educación de la


Universidad Jaume I (UJI), na Espanha. Coordenadora do Grupo de Investigación UJI consolidado "Didáctica de la
Lengua y la Literatura y Pedagogía Crítica", e coordenadora do Grupo interdisciplinar de Innovación Educativa UJI
"Educación crítica y género".
11 Não por acaso, no Brasil a droga colocada em drinks para dopar mulheres, uma estratégia comum em estupros em
casas noturnas, leva o nome de "Boa Noite, Cinderela".

16
importante quanto sua aparência. "A cultura é o terreno principal onde os adultos exercem
poder sobre as crianças, tanto em plano ideológico como institucional."12 (Giroux, 2001
apud Ródenas, 2015, p. 28), e tais personagens, que as influenciam imensamente,
representam estereótipos de gênero prejudiciais ao seu desenvolvimento e autoestima. Em
um estudo de 2012 da antropóloga Michele Escoura Bueno sobre a influência de imagens
de princesas Disney sobre a percepção que meninas de cinco anos de idade tem sobre
gênero e feminilidade, após assistirem aos filmes Cinderela e Mulan, muitas crianças não
conseguiram associar a personagem Mulan ao papel de princesa, por não possuir o padrão
de beleza e comportamento de outras princesas Disney, e por não ter se casado. Como
proferiu uma das crianças do estudo: "[...] pra ser princesa tem que casar, né? [...] porque
princesa solteira não existe, senão não vai ser princesa, vai ser solteira" (Bueno, 2012, p.
102).
Desenhos animados constroem a noção de que a beleza é o principal e mais importante
atributo da mulher, que seu valor está no desejo masculino sobre seu corpo, e as
posicionam como objetos do olhar masculino. Ao verem-se representadas nas heroínas,
meninas apropriam-se dessas subjetividades, e então o que é aceitável para a protagonista,
torna-se aceitável para a espectadora (Ródenas, 2015).
Ainda criamos meninos para verem seus corpos como ferramentas para dominar o
ambiente que os cerca, enquanto meninas são educadas para verem seus corpos como
projetos a serem aperfeiçoados. Essa diferença pode ser percebida tanto na linguagem
visual, quanto na verbal, como veremos no próximo subcapítulo.

1.2. A influência da linguagem na perpetuação de preconceitos e estereótipos

A linguagem é o instrumento mais potente de controle cultural pois é ela que fornece os
nomes através dos quais o mundo e a realidade podem ser constituídos e conhecidos
(Ashcroft, Griffiths, & Tiffin, 2003). Um exemplo de subversão desse controle é o uso do
dialeto pajubá pela comunidade LGBTQ no Brasil. O pajubá utiliza elementos
principalmente do iorubá (idioma de grande parte dos africanos escravizados), que não tem
flexão de gênero. Além disso, a religião principal desses povos era o candomblé, que

12Tradução livre: "La cultura es el terreno principal en el que los adultos ejercen el poder sobre los ninõs tanto en el
plano ideológico como en el institucional." (Giroux, 2001 apud Ródenas, 2015, p. 28).

17
admite flexibilização entre feminino e masculino. Por essas características, em meados do
século XX, terreiros de candomblé (locais de culto dessa religião) tornaram-se lugares de
convívio entre LGBTQs, e o uso de uma forma cifrada do iorubá teve início, para que
pessoas alheias à comunidade não percebessem o que estava sendo dito. Utilizado
principalmente pelas travestis, o pajubá popularizou-se através da cultura queer e das
mídias de massa, e hoje diversos termos integram o uso coloquial do português brasileiro
(Cavalcante, 2017; Midiamax, 2018), prova de que essa minoria marginalizada conseguiu
alcançar maior visibilidade no espectro das representações da cultura popular.
A linguagem é fundamental na formação da identidade e na representação de quem somos
ou pensamos ser, e as instituições a utilizam para controlar tais representações. Podemos
observar esse controle ao analisar matérias de jornais publicados em 2018, onde é nítida a
depreciação, por causa do seu gênero, de mulheres chefes de estado ou políticas de
destaque, como Dilma Rousseff, Hillary Clinton, Angela Merkel, ou Michelle Bachelet, que
"[...] reclamou em uma entrevista que por ser mulher era tachada de 'a gorda malvestida',
enquanto os homens mais cheinhos ganhavam a alcunha de 'fortes'." (Orlandi, 2015).
Ao analisar os sotaques de vilões de desenhos animados estadunidenses, Julie Dobrow e
Calvin Gidney perceberam que a representação do mal estava sempre associada ao
estrangeiro, o que pode influenciar negativamente o modo como as crianças relacionam-se
com a diversidade, internalizando percepções negativas sobre determinados grupos ou
sobre si próprias (Fattal, 2018). O fundamental no processo de significação é o modo de
falar, e não o conteúdo do discurso, assim o sotaque pode ser utilizado na construção de
um estereótipo étnico, criando ou perpetuando preconceitos (Mardones, 2017). Podemos
lembrar também da obra Pigmalião, de George Bernard Shaw, onde um professor de
fonética ensina uma vendedora de flores pobre a falar de tal modo que acreditem que ela é
uma duquesa, demonstrando que "[...] as pessoas julgam os níveis de inteligência e
educação de seus colegas a partir de características da linguagem, [...] esses julgamentos
geralmente moldam como uma pessoa ou grupo de pessoas é tratado."13 (Fattal, 2018).
Mardones cita alguns exemplos da desigualdade entre os gêneros na linguagem, como a
utilização da palavra Homem14 para designar o ser humano, ou a humanidade, e que até
1992, no dicionário da Real Academia Espanhola, as palavras médica e juíza significavam

13 Tradução livre: "[...] people make judgements about their peers' intelligence and education levels based on language
characteristics, [...] those judgements often shape how a person or group of people is treated." (Fattal, 2018).
14 Em Portugal, somente em janeiro de 2019 uma proposta de lei foi aprovada para que documentos oficiais passem a
utilizar o termo "direitos humanos" em detrimento de "direitos do Homem" (Silva, 2019).

18
respectivamente "a esposa do médico" e "a esposa do juiz"15 (Mardones, 2017, p. 96),
explicitando como o poder é exercido sobre nossas subjetividades. O próprio uso do
masculino plural para designar um conjunto misto de homens e mulheres, é reflexo da
desigualdade entre os gêneros na língua portuguesa, que institui o masculino como sendo
neutro. Observamos assim hierarquias sociais na própria elaboração da gramática,
mostrando que a língua é uma construção social, e reflete os estereótipos e preconceitos
presentes na sociedade. Mardones cita ainda a importância fundamental da metáfora na
comunicação, que permite dizer o indizível ao unir o verbal ao visual, utilizando a
imaginação para criar novas representações. Assim, do mesmo modo que a linguagem
constrói a realidade social, a metáfora pode ser utilizada como estratégia na criação de
representações ainda inexistentes, já que não existem limites para a imaginação.
Apoderar-se da linguagem e subvertê-la é uma estratégia política e ativista.
"Linguagem é poder. Antes de serem puros e simples atos de comunicação, todos os atos
da linguagem são atos de poder." (Tiburi, 2018).

1.3. A importância das narrativas

Desafiar mulheres a falar, a contar nossas histórias, tem sido um dos aspectos centrais
do movimento feminista para a transformação da vida16.
(hooks, 2015, p. 14)

Ao criarem e compartilharem suas narrativas, mulheres transformam-se de objetos (aquele


sobre quem se age) em sujeitos (aquele que age sobre algo ou alguém), rejeitando o
discurso patriarcal que deveriam replicar, e redefinindo suas identidades. O
desenvolvimento de uma consciência crítica para compreender as opressões sofridas é
essencial nessa transformação, e as narrativas tem o poder de auxiliar nessa mudança. Ao
contarem suas histórias, mulheres rompem o silêncio imposto historicamente sobre esse
grupo, desafiando as regras de comportamento e subalternidade impostas pelo patriarcado,
que as domesticou para serem passivas e submissas, criando assim um ideal de
feminilidade. Ao produzirem suas próprias narrativas, mulheres reapropriam-se de suas
subjetividades, elaborando novas representações do que é ser mulher. Ao partilharem essas

15Tradução livre: "la esposa del médico"; "la esposa del juez" (Mardones, 2017, p. 96).
16Tradução livre: "Daring women to speak out, to tell our stories has been one of the central life transforming aspects of
feminist movement." (bel hooks, 2015, p. 14).

19
narrativas com outras, influenciam na conscientização dessas mulheres em relação às
ideologias de dominação que as aprisionam em estereótipos prejudiciais à sua autoestima e
desenvolvimento. As narrativas das mulheres são importantes porque são as representações
delas mesmas, e apresentam assim uma diversidade infinita de possibilidades do que
significa ser mulher, rompendo com um padrão rígido e limitador que as confina em um
estereótipo, que foi produzido por homens para seu próprio prazer visual e erótico, e para
mantê-las em sua situação de subordinação.
Quando analisamos a importância das narrativas, devemos observar também dois pontos: a
necessidade de quebrar o silêncio, nomeando violências, opressões, medos; e a quem é
permitido falar, quais discursos são aceitos e validados, e quais são silenciados e
negligenciados.

Falar é uma espécie de negociação entre quem discursa e quem ouve (Castro Varela e
Dhawan). Ouvir é, neste sentido, uma autorização tácita a quem discursa porque só se
pode falar quando a nossa voz é escutada17 (Kilomba, 2010, p. 21).

Em 2017, nos Estados Unidos, o movimento #MeToo estimulou mulheres a denunciarem


ocorrências de assédio sexual e psicológico, iniciada por famosas atrizes de Hollywood
contra o produtor Harvey Weinstein, e seguida por mulheres do mundo inteiro, que
romperam o silêncio e compartilharam suas histórias. Weinstein foi demitido e preso, mas
aguarda julgamento em liberdade após ter pago fiança no valor de um milhão de dólares
(Winton, 2018). Vários outros acusados, entre figuras poderosas de Hollywood, políticos, e
artistas do mundo do entretenimento, perderam seus empregos e foram indiciados, algo
inédito na longa trajetória do assédio sexual no ambiente de trabalho (Sahuquillo & Mars,
2017).
Laura Nuño18 explica que o #MeToo conseguiu estabelecer um debate na esfera pública
estadunidense de que o assédio é de responsabilidade do agressor, e não da vítima, e que
essa mudança de discurso dificilmente recuará porque "[...] algo que é classificado como
injusto não pode mais ser visto publicamente como tolerável." (Sahuquillo & Mars, 2017).
Até então, a cultura de culpabilização das vítimas de assédio proclamava que as mulheres
deveriam modificar sua presença no espaço público para não serem alvo de violência.
Embora esse movimento tenha repercutido em outros países do mundo significativamente,

17 Traduzido por Jessica Oliveira de Jesus.


18 Laura Nuño é titular da cadeira de gênero da Universidade Rey Juan Carlos, na Espanha.

20
após observarmos os desfechos de casos de estupro em Portugal19 e Espanha20, podemos
concluir que ainda temos um longo caminho a percorrer até que a esfera pública perceba
que a violência de gênero existe por causa do agressor, e não da vítima. Nota-se que o
sistema judiciário torna-se conivente e perpetua tal violência ao atenuar condenações.
O movimento #MeToo foi a catarse da expansão dos movimentos feministas que
ocorriam pelo mundo nesse período: Nem Uma a Menos, na Argentina; a Marcha das
Mulheres, em Washington, ao protestar a eleição do presidente Donald Trump, também
acusado de assédio; as greves de mulheres em março de 2017 no mundo todo; as múltiplas
manifestações contra a violência machista em diversos países (Sahuquillo & Mars, 2017).

Necessariamente, as narrativas daquelas que foram forçadas ao lugar do Outro, serão


narrativas que visam trazer conflitos necessários para mudança. O não ouvir é a
tendência a permanecer num lugar cômodo e confortável daquele que se intitula poder
falar sobre os Outros, enquanto esses Outros permanecem silenciados. (Ribeiro, 2017,
p. 78).

A repercussão do #MeToo ilustra bem esse não-ouvir, já que a primeira reação de muitos
homens foi: mas como poderei flertar agora? (Reese, 2018). Ou seja, ao invés de escutarem
as denúncias das mulheres que sofreram abuso de poder no emprego, uma grande parcela
da população tentou desvirtuar essa narrativa transformando-a em uma questão sexual. E o
#MeToo não trata de sexo. Trata de poder. Da ideologia de dominação existente no
ambiente de trabalho, e da desigualdade profissional a que são submetidas as mulheres.
E por quê não ouvir? Porque ao passo que mulheres demandam mais poder, ou pelo
menos igualdade entre os gêneros, isso implica uma mudança nas relações mais íntimas, no
âmbito doméstico. Significa que não somente um presidente do sexo feminino pode ser
eleito, mas principalmente que os papéis e funções dentro da casa serão alterados. Quem
cozinhará o jantar, quem cuidará dos filhos, e também como será sua vida sexual.
"Normalmente, é dentro da família que testemunhamos a dominação coercitiva e
aprendemos a aceitá-la, seja a dominação dos pais sobre os filhos, seja do sexo masculino

19Juízesno Porto suspenderam a pena de prisão de dois homens condenados por estuprarem uma mulher, que estava
desmaiada no banheiro de uma discoteca. Para mais sobre o caso:
https://www.publico.pt/2018/09/26/sociedade/noticia/e-violacao-nao-e-seducao-porto-protesta-contra-sentenca-do-
tribunal-da-relacao-1845391
20 Cinco homens que haviam sido condenados a 9 anos de prisão por estuprarem uma mulher, filmarem o ato, e
compartilharem por WhatsApp as imagens, foram postos em liberdade condicional após dois anos de prisão preventiva.
Para mais sobre o caso: https://www.publico.pt/2018/06/21/mundo/noticia/cinco-membros-da-la-manada-vao-ser-
libertados-1835402

21
sobre o feminino."21 (hooks, 2015, pp. 47–48). A contradição entre essa política de
dominação, que inibe e coage, e o amor e cuidado presentes nas relações familiares, que
promovem o crescimento, fazem com que essa seja a parte mais delicada e difícil da
desconstrução do sexismo (hooks, 2015). O não-ouvir é um método para evitar a mudança,
e assim preservar privilégios. Ao desvirtuar o tema do debate, indivíduos tentam retardar
essa nova onda que reivindica uma maior igualdade entre os gêneros, inclusive na divisão
das tarefas domésticas, e na ocupação de espaços que até pouco tempo atrás eram
considerados exclusivamente masculinos.
Conseguimos então comparar o caso Anita Hill22, de 1991, ao #MeToo de 2017, e notar
que existiram realmente mudanças culturais significativas nos últimos trinta anos. Hill, que
denunciou seu antigo supervisor, Clarence Thomas, candidato à juiz da Suprema Corte
estadunidense, por assédio sexual no trabalho, foi interrogada por uma comissão
extremamente hostil, que tentou humilhá-la e desacreditá-la. Thomas foi declarado
inocente e nomeado juiz, permanecendo nessa função até hoje. Mas o caso abriu
precedente para esse tipo de denúncia, impulsionando outras mulheres a denunciarem
assediadores, e influenciando na lenta mudança de mentalidade que culminou com o
movimento #MeToo.
Mas por que essa dificuldade em comunicar um assédio, injustiça, agressão, ou até mesmo
uma ideia? Em compartilhar narrativas?
Mary Beard23 (2014) relembra que falar em público na Grécia Antiga era uma atividade
exclusivamente masculina, e o principal atributo da masculinidade. Tornar-se homem
significava reivindicar o direito de falar. Como herdeiros da cultura greco-romana, essa
tradição está inserida de algum modo em nossa sociedade, e podemos observar as violentas
reações às mulheres que ousam ocupar esse espaço. Beard observa que o abuso independe
do assunto em discussão, ele surge simplesmente pela "invasão" desse território
tradicionalmente masculino.

Elas [as ameaças] incluem um cardápio previsível de estupro, bombardeamento,


assassinato, e etc. Mas uma significativa subseção é direcionada ao silenciamento da
mulher - "Cale a boca sua vadia" é um refrão bastante comum. Ou promete remover a

21 Tradução livre: "Usually, it is within the family that we witness coercive domination and learn to accept it, whether it be
domination of parent over child, or male over female." (hooks, 2015, pp. 47–48).
22 Para mais sobre o caso Anita Hill: https://elpais.com/cultura/2017/11/25/actualidad/1511624862_968860.html
23 Mary Beard é professora de Clássicos da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e professora de literatura antiga da
Royal Academy of Arts. Foi condecorada com a Dame Commander of the Order of the British Empire (DBE), em 2018.

22
capacidade da mulher de falar "Vou cortar fora sua cabeça e estuprá-la" foi um tweet
que recebi.24 (Beard, 2014)

Assim como o exemplo citado acima, todos os dias feministas do mundo inteiro, que
partilham suas narrativas, recebem ameaças de estupro e morte através das mídias sociais.
A ONU "[...] estima que 95% de todos os comportamentos agressivos e difamadores na
internet tenham mulheres como alvos." (Perasso, 2015).
Rebecca Solnit25 (2017) nota que a violência contra as mulheres é muitas vezes uma recusa
de suas manifestações e reinvindicações, de suas narrativas e do que elas significam, como
o direito à autodeterminação, à participação, à jurisdição ao próprio corpo. O uso da
violência é um meio para coagir e intimidar, sinalizando que as mulheres não deveriam
possuir os mesmos direitos que os homens, nem ocupar os mesmos espaços, e afirma que a
desconstrução desse quadro que está tão incutido na estrutura social, ultrapassa o trabalho
de uma geração e não será concluído em algumas décadas, e crê que a recente campanha
para silenciar mulheres na internet é mais uma tentativa de conter o avanço do movimento
feminista.
Uma mulher que compartilha sua narrativa, sofre represálias. Juliana de Faria, criadora da
campanha Chega de Fiu Fiu26, contra o assédio sexual nas ruas brasileiras, recebeu tantas
ameaças de morte e estupro que entrou em depressão, e temia sair de casa (Faria, 2015).
Judith Butler, filósofa estadunidense, e um dos principais nomes dos estudos de gênero, foi
agredida verbalmente no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e uma das mulheres que
tentou defendê-la levou uma bofetada (G1, 2017). Zoe Quinn (desenvolvedora de jogos) e
Anita Sarkeesian (crítica de mídia), principais alvos do GamerGate27, sofreram doxing
(divulgação não autorizada de informações pessoais de um indivíduo nas mídias sociais,
como endereço, telefone, dados bancários, etc., prática que se tornou uma das principais
estratégias de hackers para aterrorizar mulheres no mundo virtual)28, e receberam tantas
ameaças de morte e estupro que tiveram que abandonar suas casas. Sarkeesian cancelou
uma palestra que daria na Utah State University após receber diversas ameaças terroristas,

24 Tradução livre: "It doesn't much matter what line you take as a woman, if you venture into traditional male territory,
the abuse comes anyway. It's not what you say that prompts it, it's the fact you're saying it. And that matches the detail of
the threats themselves. They include a fairly predictable menu of rape, bombing, murder and so forth. But a significant
subsection is directed at silencing the woman - "Shut up you bitch"is a fairly common refrain. Or it promises to remove
the capacity of the woman to speak. "I'm going to cut off your head and rape it" was one tweet I got." (Beard, 2014)
25 Rebecca Solnit (1961) é uma autora estadunidense.
26 Para mais sobre Chega de Fiu Fiu: https://www.youtube.com/watch?v=BpRyQ_yFjy8 / www.chegadefiufiu.com.br
27 Para mais sobre o GamerGate: https://www.theguardian.com/technology/2014/dec/03/zoe-quinn-gamergate-

interview
28 Para mais sobre doxing: https://pt.wikipedia.org/wiki/Doxing

23
já que a universidade alegou que não poderia garantir sua segurança. Quinn foi inclusive
seguida por um investigador particular, contratado por um desconhecido. Tudo isso
porque Sarkeesian publicou no YouTube uma série de vídeos (Tropes vs Women)29 onde
analisa a objetificação de personagens femininos em jogos como Grand Theft Auto e Call
of Duty; e um ex-namorado de Quinn divulgou na internet um manifesto em que a acusava
falsamente de o ter traído, e de ter conseguido boas críticas sobre um jogo que
desenvolveu, em troca de sexo (Stuart, 2014; Valenti, 2017; Webber, 2017). É bom lembrar
que tanto Quinn quanto Sarkeesian continuam a receber ameaças ainda hoje, cinco anos
após o início de GamerGate.
Esses são apenas alguns exemplos dos milhares que existem no mundo. Há um risco e
sacrifício enormes em denunciar agressões, pois envolvem, além de reviver o trauma já
sofrido, uma nova fase de violências: reiteradas ameaças, culpabilização da vítima, e
dependendo do escopo da agressão, graves consequências no trabalho e na carreira
profissional (MacDonald, 2018).
E quem pode falar?
"O falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir." (Ribeiro, 2017, p.
64). Linn da Quebrada, cantora brasileira, negra, travesti, da periferia de São Paulo, sabe
que o espaço que a mídia, o governo, e a população em geral reserva para os assuntos que
dizem respeito à sua vida, é praticamente nulo. Ela sabe que enquanto cidadã, seus
interesses não serão prioridade na criação de políticas públicas, e seu bem estar e segurança
não serão assegurados pelas forças policiais, sendo sempre vítima de violência das forças
do Estado e de parte da população. Ela encontra uma forma alternativa para que suas
reinvindicações e críticas sociais sejam escutadas: através da música. "Eu faço música pra
ser ouvida. Eu não faço música pra ser cantora." (Quebrada, 2016). O sucesso trouxe à
Linn da Quebrada uma visibilidade que provavelmente não alcançaria de outra forma, pois
"[...] grupos subalternos não têm direito a voz, por estarem num lugar no qual suas
humanidades não foram reconhecidas." (Ribeiro, 2017, p. 74). A intersecção entre raça,
sexualidade, gênero, classe social, faz com que as narrativas de mulheres como Quebrada
sejam completamente desconsideradas e invalidadas, pois sequer são vistas como seres
humanos por grande parte da população. Assim, conquistar um espaço onde seus discursos
são aceitos é dificílimo, mas através da arte e dos canais alternativos de divulgação, como o
YouTube, Quebrada conseguiu romper essa segregação e propagar suas ideias para

29 Para mais sobre Tropes vs Women: https://www.youtube.com/watch?v=QPOla9SEdXQ

24
milhares de pessoas. Ela superou esse obstáculo e inspirou diversas outras a seguirem seus
passos, e hoje, em 2018, no Brasil, artistas como ela estrelam campanhas publicitárias e
aparecem em programas de televisão. Assucena Assucena, mulher trans e cantora da banda
As Bahias e a Cozinha Mineira, comemora a conquista desses novos espaços, e vê isso
como evidência de que o mercado entendeu que esse grupo marginalizado agora tem
visibilidade e poder de compra, e portanto, influência sobre outros consumidores (Rocha,
Postinguel, Santos, & Neves, 2018, p. 18). Essas artistas conseguiram criar novas
representações, rompendo com o binarismo de gênero, e naturalizando essas dissidências
na cultura popular brasileira. Esse é apenas o início de um movimento. A violência contra
corpos dissidentes ainda é imensa, e não acabará de um dia para o outro, mas podemos
observar uma oposição crescente, que utiliza a arte como ferramenta ativista de denúncia, e
reposiciona esses corpos, das margens para o centro do debate.

2. Artivismo Feminista

A integração entre o ativismo político e a arte conceitual deu origem ao artivismo, que
utiliza a arte em ações sociais e políticas, para sensibilizar a sociedade acerca de temas e
causas, por meio de diversas linguagens como a música, performance, vídeo, fanzine, etc.
Produzida por indivíduos ou coletivamente, teve seu início no final da década de 1960 nos
Estados Unidos, em meio ao fervor dos movimentos pelos direitos civis, direitos queer, e
contra a guerra do Vietnã. Mobilizações pela liberdade sexual, racial, étnica, surgiram com
força, e os ativistas multiplicaram-se. Estes movimentos de contracultura questionavam as
estruturas de poder, as representações culturais dominantes, e simultaneamente constituíam
uma reação subversiva ao status quo que dominava a arte mainstream (Felshin, 1995;
Lippard, 2015; Love & Mattern, 2013). O artivismo feminista também emerge nesse
período, ampliando e aprofundando a arte política, e incorporando elementos
autobiográficos em seus projetos, pontuando a ideia de que "o pessoal é político"30
(Lippard, 2015, p. 77). Artistas dessa época trabalharam para criar novas representações
dos corpos e sexualidades femininas, em contraposição às obras artísticas produzidas por
homens até então, que retratavam as mulheres como objetos. Examinaram ideias sobre
feminilidade, e ressignificaram as palavras e imagens que representavam a vulva,

30 Tradução livre: "the political is personal" (Lippard, 2015, p. 77).

25
reapropriando-se de seus corpos, e criando uma "iconologia vaginal"31, termo cunhado por
Barbara Rose32 para designar trabalhos artísticos que retratavam a genitália feminina
(Broude, Garrard, & Brodsky, 1996; Nead, 2015). Alguns nomes de destaque dessa época
são: Judy Chicago, Sheila Levrant de Bretteville, Hannah Wilke, e Cindy Sherman. Nos
anos 1980 podemos citar também os trabalhos de Jenny Holzer, Barbara Kruger e as
Guerrilla Girls. Importante notar que muitos dos temas trabalhados em projetos artivistas
hoje, são os mesmos da década de 1960, pois ainda reivindicamos as mesmas causas: o
direito ao aborto legal; contra o assédio sexual e a violência de gênero; pela liberdade
sexual; contra a objetificação do corpo da mulher; etc. Embora atualmente sejam outras
abordagens e interpretações para esses antigos temas, quase sessenta anos não foram
suficientes para realizar profundas transformações sociais.
Em um mundo onde a informação é controlada pelos poderes hegemônicos, que dominam
as mídias de massa, a arte é utilizada como uma das estratégias políticas para que grupos
marginalizados consigam disseminar suas narrativas à públicos diversos, abrindo novos
espaços para o seu desenvolvimento e ação. Principalmente antes da popularização da
internet, estratégias artivistas foram de extrema importância para a disseminação de
discursos dissidentes, ao criarem novos modos de comunicar críticas sobre problemas
sociais como o racismo, sexismo, etc., para a população em geral, utilizando elaboradas
performances, subvertendo a mídia mainstream, e trabalhando diretamente com as
comunidades, em grupos de apoio e debate. A arte cria empatia, e pode atrair e intrigar a
atenção do público à diversas causas, pois somos motivados por nossas emoções muito
mais do que pela nossa racionalidade, na tomada de decisões tanto políticas quanto
cotidianas (Barker, 2002; Felshin, 1995; Love & Mattern, 2013; Thompson, 2016).
Segundo bel hooks33, teorias feministas devem transcender os limites da universidade e da
página impressa, para multiplicar seu alcance (hooks, 2015), mostrando que o universo
acadêmico é demasiado restrito para que tais teorias tenham o impacto necessário para uma
real mudança social. Disseminar esse conhecimento é essencial para que as conquistas
feministas integrem-se culturalmente a uma sociedade, e as novas gerações beneficiem-se
do acúmulo de direitos adquiridos pela articulação de lutas de gerações passadas. É
permitido a uma mulher em 2018 votar, estudar, trabalhar, como consequência de lutas
históricas por direitos sociais, para que as mulheres fossem consideradas cidadãs e

31 Tradução livre: "vaginal iconology" (Nead, 2015, p. 372).


32 Barbara Rose (1938) é historiadora e crítica de arte estadunidense.

26
possuíssem os mesmos direitos que os homens. No entanto, há uma grande preocupação
na atualidade, diante da ascensão de políticas extremadas à direita, da perda dos direitos
adquiridos, por isso é importante que a vigilância e a luta feminista sejam constantes. O
artivismo pode ajudar a conscientizar as novas gerações, e a fiscalizar as mudanças
socioculturais e políticas que apresentem riscos à igualdade de gênero. Patrícia Lessa34
(2015) nota que o artivismo unido à crítica feminista libertária, por não estar confinado aos
museus, pretende descolonizar a arte, e torná-la acessível a públicos de diferentes classes
sociais. Ao apoderar-se do espaço público, o artivismo democratiza o acesso à informação
e à arte transgressora. Renata Saavedra35, ao entrevistar diversas mulheres artivistas no Rio
de Janeiro, pergunta: "O que veio antes na vida dessas artistas, o grafite ou o feminismo?
'Primeiro a arte, depois o feminismo', contou Diana, grafiteira carioca." (Saavedra, 2017, p.
10), e conclui que o artivismo pode funcionar como porta de entrada para ideais feministas,
ao utilizar a arte para engajar politicamente novos indivíduos.
Artivistas utilizam métodos alternativos de comunicação para propagarem suas mensagens
políticas, como performances, fanzines, teatro de rua, entre outros, pois as mídias de massa
são dominadas por indivíduos localizados no topo da hierarquia social, que não tem
interesse que certos discursos sejam ouvidos, assim, tampouco fornecem espaços para sua
articulação. Um exemplo é a ACT UP36 (AIDS Coalition to Unleash Power, grupo ativista
estadunidense que luta pelos direitos dos portadores do vírus da AIDS), que subverteu
meios tradicionais como a TV, outdoors, jornais, publicidade em metros e autocarros, para
atingir seus objetivos, já que "[...] se não se nomeia uma realidade, sequer serão pensadas
melhorias para uma realidade que segue invisível." (Ribeiro, 2017, p. 41), mostrando que o
slogan do grupo citado é extremamente preciso: "silêncio = morte"37 (Felshin, 1995;
Handelman, 1990). Em 1989, cinco integrantes do grupo invadiram a bolsa de valores de
Nova Iorque, e acorrentaram-se a um balcão, para exigir a diminuição do preço do remédio
AZT, portando cartazes escritos "Venda Wellcome"38 (laboratório Burroughs-Wellcome,
fabricante do AZT), conscientes de que essa ação seria noticiada em todos os telejornais da
noite. Dentro de semanas, Burroughs-Wellcome diminuiu em 20% o preço do AZT. Ações
ativistas que uniam o espetáculo à manipulação da mídia tradicional eram a especialidade

34 Patrícia Lessa é educadora, atualmente docente na Universidade Estadual de Maringá, no Brasil. Doutora em História
(UnB-DF) e Pós-Doutora em Letras (UFF-RJ).
35 Renata Saavedra é historiadora e comunicóloga brasileira.
36 Para mais sobre ACT UP: https://www.rollingstone.com/culture/culture-news/act-up-in-anger-241225/
37 Tradução livre: "silence = death" (Handelman, 1990).
38 Tradução livre: "sell Wellcome" (Handelman, 1990).

27
do grupo, que também fundou um coletivo de artes visuais artivista chamado Gran Fury,
responsável pela criação de estampas de camiseta, adesivos, cartazes, paródias de
propagandas convencionais, etc. Uma das ações artivistas mais famosas desse coletivo foi
uma versão pirata do jornal The New York Times, que foi colocada nas máquinas de venda
automática do mesmo, no qual todas as notícias falavam sobre a AIDS (Handelman, 1990).
O artivismo emerge para dar voz aos que são silenciados, ao unir a arte à vontade de
transformar o mundo em um lugar menos opressivo e mais justo, impulsionando
mudanças sociais através da tomada de consciência (Centella, 2015).
Hoje, o artivismo feminista está por todos os lados. Em Portugal podemos citar o 1o
Festival Feminista de Lisboa39, em 2018, que organizou diversas atividades como palestras,
feiras, workshops, exposições, entre outros, durante o mês de março. Outro exemplo
interessante é o jogo Hair Nah (hairnah.com), desenvolvido por Momo Pixel, uma diretora
de arte estadunidense, no qual uma mulher negra tem que evitar que mãos brancas tentem
tocar seu cabelo40. Como diz a matéria divulgada no site da CNN a respeito desse jogo: "Se
um estranho nunca tentou tocar seu cabelo sem sua permissão, você tem sorte. E também,
provavelmente você não é uma mulher negra.41" (Seraaj & Zdanowicz, 2017). A violência
da invasão do espaço pessoal que essas mulheres vivenciam é denominada por Grada
Kilomba como "o racismo de todos os dias"42 (Kilomba, 2010), ou seja, atitudes que são
vistas como corriqueiras e inocentes por indivíduos brancos, mas que ofendem, humilham,
e desumanizam os negros. O jogo Hair Nah pretende ilustrar que tocar sem permissão o
cabelo de uma mulher negra é uma violência inaceitável.
Uma performance que une artivismo e interseccionalidade43 é a de Rosa Luz, mulher trans,
brasileira, negra, que vive na periferia de Brasília. Ela tira sua blusa e sutiã na escadaria de
um terminal de ônibus de grande movimento, e fica parada, segurando as peças de roupa

39 Para mais sobre o 1o Festival Feminista de Lisboa: https://www.delas.pt/primeiro-festival-feminista-de-lisboa-comeca-


amanha/
40 Relatos de mulheres negras, sobre seus cabelos serem tocados sem sua permissão, não são raros. Aqui um trecho sobre
a relação entre gênero e raça ao relatar a experiência de uma mulher negra em procedimentos de seguranças de
aeroportos: "I’m not a first-timer when it comes to getting my hair checked by the TSA. At this point, I’ve got it down to a
science: If I wear braids in a bun, which is the most travel-friendly style, because otherwise they can reach down to the end
of my back, I know someone is going to put their fingers through my hair. If I wear faux locs or any kind of extensions that
give my hair volume, all I have to do is look at the X-ray screen and see a sizable yellow rectangle over the size of my head
and know that a Black TSA officer will soon emerge out of nowhere and begin to course through my hair. I’ve made
Facebook statuses about this inconvenience, and white female friends will tell me they have their hair in buns all the time
and never get checked, mentioning this not to discredit my experience but to highlight the inequality." (Jerkins, 2018)
41 Tradução livre: "If you've never had a stranger try to touch your hair without permission, you're lucky. You're also
probably not a black woman." (Seraaj & Zdanowicz, 2017).
42 Tradução livre: "everyday racism" (Kilomba, 2010).
43 Interseccionalidade = intersecção entre raça, classe, orientação sexual, identidade de gênero, etc. (Ribeiro, 2017), porque

as formas de opressão não agem isoladamente sobre cada característica citada, elas cruzam-se (Kilomba, 2010). Termo e
teoria criados por Kimberlé W. Crenshaw que estuda os sistemas de opressão e discriminação que se sobrepõem.

28
na mão, exibindo o peito nu44. A primeira questão que a performance traz à tona, é a
desigualdade jurídica entre homens e mulheres. No Brasil, um homem pode andar pela rua
com o torso nu, mas uma mulher que deixe os seios à mostra pode ser presa pelo crime de
ato obsceno. Para ser considerado ato obsceno, é necessário que haja conotação sexual na
ação do indivíduo (Vieira, 2014), o que demonstra que o corpo feminino é visto como
sexual e obsceno mesmo quando inerte. É o olhar objetificador da sociedade que impõe à
mulher a sexualização indesejada de seu corpo (Berger, 2015; Chicago, 2015). A segunda
questão é a falta de reconhecimento jurídico do estado brasileiro de considerá-la mulher.
Apesar de identificar-se como tal, ela não pode alterar seu gênero em documentos de
identidade. Por possuir uma aparência que performa a feminilidade, ocorre um impasse: os
seguranças do terminal não sabem como reagir. O Estado a reconhece como homem, e
portanto ela não infringe nenhuma lei ao desnudar o torso em local público. Durante a
performance, as pessoas que circulam no terminal interagem com a artista. Um homem a
toca sem permissão, de maneira até violenta, explicitando a desumanização que o corpo
feminino sofre no espaço público. Uma senhora invoca deus, e diz que ela corrompe
crianças. Percebemos assim que "[...] as performances de gênero em contextos não teatrais
são governadas por convenções sociais mais nitidamente punitivas e reguladoras." (Butler,
2011, p. 81). Algumas mulheres a abraçam para demonstrar apoio. Verifica-se que a
performance explicita o machismo, transfobia, homofobia, e a desigualdade de gêneros na
ocupação do espaço público45 (Lucon, 2016).

2.1. O designer enquanto artivista

Porque designers são ensinados a focarem no estilo visual acima da função social, nós
muitas vezes negligenciamos a relação entre o design e as instituições de poder. A
tendência a ver estilos que trabalham num espaço livre encoraja uma visão romântica
do "vernáculo comercial" como um Outro inocente, ao invés de um ator ativo na
política da vida cotidiana. O heroísmo da avant-garde reside na sua visão do design
como uma força social libertadora.46 (Lupton & Miller, 1999, p. 166)

44 Assista: https://nlucon.com/2016/04/27/artista-trans-rosa-luz-faz-corajosa-performance-e-para-a-rodoviaria-de-
brasilia/
45 A performance de Rosa Luz tem como inspiração o protesto da ativista trans, Indianara Siqueira, durante a Marcha das
Vadias realizada no Rio de Janeiro, em 2013. Indianara saiu à frente da Marcha, com os seios à mostra, e foi presa por ato
obsceno. Após algumas horas foi solta e o caso arquivado (Nabuco, 2013).
46 Tradução livre: "Because designers are taught to focus on visual style over social function, we often overlook the
relation of design to institutions of power. The tendency to see styles as working in a free space encourages a romantic

29
Segundo Clive Dilnot (1999), o designer traduz a percepção de uma ideia abstrata, em algo
visualmente inteligível, e assim consegue amenizar a dor ao criar um objeto ou peça gráfica
que personifique essa sensação. Gerar empatia e compreensão por meio de um artefato
concreto torna-se mais fácil do que através de um conceito abstrato, transformando o
designer em um importante aliado na disseminação de ideias revolucionárias, e na
sensibilização e conscientização da sociedade acerca das opressões de raça, classe, gênero,
sexualidade, religião, etc. Assim, o designer é um mediador cultural, pois imbui objetos de
significado simbólico, traduzindo a cultura em suas criações (Dugay, Hall, James, Mackay,
& Negus, 2009). Compreensão e empatia são palavras-chave nessa missão, pois um dos
desafios do designer é conseguir fazer com que indivíduos que nunca sofreram preconceito
e discriminação por causa de sua classe, sexualidade, gênero, raça, etnia, etc., compreendam
a gravidade dessas violências, e simpatizem com as vítimas. Conseguir que um ser humano
perceba o sofrimento de alguém diferente de si, através de uma peça gráfica ou objeto, e
compreenda isso como injustiça, é um dos objetivos do designer enquanto artivista. Ou
seja, transmitir visualmente uma mensagem política, e assim influenciar a percepção do
interlocutor.
Conforme Laine Nooney47, pensar o design como universal e neutro é falacioso, e essa
ideia é propagada justamente para acobertar e naturalizar um conjunto de hierarquizações
provenientes de uma perspectiva dominante. E cita a suástica como exemplo de uma forma
que não pode ser julgada puramente por sua estética, pois está imbuída de significado e
implicações culturais e políticas. A suástica não é vista no ocidente como uma entidade
abstrata, mas sim como o símbolo do nazismo, atrelado ao Holocausto e à Segunda Guerra
Mundial (Nooney, 2006 apud Moura, 2018, p. 44). Ou seja, construímos símbolos e
representações que carregam consigo significados culturais, e esses significados estão
diretamente relacionados ao criador (artista, designer) e ao cliente (nesse caso, o Partido
Nazista). O uso que se dá a esses símbolos é o que define a sua intenção: benigna ou
maligna. A visão de mundo de cada artista/designer influencia suas criações. Mário Moura48

view of the "commercial vernacular" as an innocent Other rather than an active player in the politics of daily life. The
heroism of the avant-garde lay in its vision of design as a liberating social force." (Lupton & Miller, 1999, p. 166).
47 Laine Nooney é estadunidense, professora assistente de Media Industries na New York University, especializada em
análise histórico, cultural e econômico dos videogames e computer industries.

48Mário Moura é português, crítico de design, conferencista e blogger. Leciona atualmente História e Crítica do Design
na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, integrando também o Instituto de Investigação em Arte, Design e
Sociedade (i2ADS).

30
(2018) reconhece que "O design por norma ainda é branco, masculino, heterossexual."
(Moura, 2018, p. 54), e que além de produzir diferenças culturais e sociais, é também por
elas produzido, pois a criação de identidades é justamente o negócio do design.
Como observa Nato Thompson49 (2016), o poder da cultura reside em entender que o ser
humano é motivado por emoções, como o medo ou o prazer, e que isso influencia
fortemente as nossas decisões e modos de ver o mundo. E que essas emoções podem ser
manipuladas, e já o são, principalmente por executivos de relações públicas e publicitários.
Saber que o medo motiva mais rapidamente do que a esperança, que argumentos racionais
não entusiasmam tanto quanto apelos emocionais, e que esses, por sua vez, não dependem
da verdade, faz da cultura uma ferramenta poderosa para fins políticos. Thompson analisa
o apelo de Donald Trump nas eleições estadunidenses de 2016, e aponta que seu eleitor foi
cativado não necessariamente pelo conteúdo de seus discursos e tweets, mas pelo tom
dramático que continham, ao utilizarem medo, raiva, e surpresa como estratégia. Podemos
observar esse fenômeno nitidamente no discurso que Charles Chaplin faz no filme O
Grande Ditador50, no qual utiliza uma língua que não existe para imitar Adolf Hitler,
demonstrando o efeito poderoso que a entonação de voz e a emoção tem sobre as
audiências. O autor lembra também que Platão acreditava que as Artes eram tão afetivas a
ponto de abalar a razão, e portanto deveriam ser mantidas à distância da arena social, e
observa que é necessário desmistificar a ideia de que as Artes são inerentemente benignas,
já que podem ser aplicadas para influenciar a população, em qualquer direção desejada.
Arthur C. Danto (1988) explicita como a Arte pode ser utilizada para criar representações
que reforcem discriminações (como o machismo, racismo, antissemitismo, etc.), com
profundas consequências sociais, já que o artista utiliza sua liberdade de expressão para
justificar uma agressão a um grupo oprimido, e "[...] as convenções de isto ser arte devem
supostamente impedir que eles [grupo oprimido] reajam à agressão." (Danto, 1988, p. 13)51.
Podemos observar esses mecanismos que reforçam os preconceitos, por exemplo, no filme
O Último Tango em Paris52, no qual o ator Marlon Brando estuprou53 sua companheira de
elenco, a atriz Maria Schneider, durante a filmagem de uma cena, à pedido do diretor,

49 Nato Thompson é um autor e curador estadunidense.


50 Título original: The Great Dictator (1940). Realizado por Charles Chaplin.
51 Tradução livre: "[...] the conventions of its being art are supposed to prevent them from striking back while they are
being assaulted." (Danto, 1988, p. 13).
52 Título original: Ultimo Tango a Parigi (1972). Realizado por Bernardo Bertolucci.
53 Segundo a legislação brasileira, estupro consiste em: “[...] constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.” (Warken, 2017), ou seja, esse
crime não se resume à penetração forçada, mas tem um espectro amplo que engloba, por exemplo, um beijo sem
consentimento.

31
Bernardo Bertolucci, para que a reação dela fosse real, e não uma atuação54. Bertolucci
justificou-se dizendo: “Para conseguir algo é preciso ser completamente livre.” (Moda,
2016).
Esses mecanismos operam tanto na arte quanto no design, como por exemplo no
videogame Grand Theft Auto V, no qual o jogador pode pagar pelos serviços de uma
prostituta, e depois de consumado o ato, espancá-la até a morte, ou atropelá-la com o
carro. Na Austrália, três mulheres vítimas de violência sexual criaram uma petição online
que arrecadou mais de 40 mil assinaturas, e conseguiu com que o jogo fosse retirado das
prateleiras das redes de lojas Target e Wal-Mart. Fãs do videogame logo reclamaram,
dizendo que GTA V é apenas um jogo (Gardner, 2014; O Globo, 2014; Saar, 2014).
Mesmo assim, GTA V é o terceiro mais vendido videogame do mundo (90 milhões de
cópias), atrás de Tetris (170 milhões de cópias) e Minecraft (144 milhões de cópias) (Tassi,
2018). Nos Estados Unidos, onde 91% de crianças entre dois e dezessete anos jogam
videogames (64 milhões de pessoas) (Thompson, 2016), observamos a massiva influência
que tais artefatos culturais podem exercer sobre uma parcela da população, que ainda está
em fase de formação ética e moral. Vemos então, dois casos distintos de violência de
gênero, que utilizam a arte/design como justificativa para agredir mulheres.
A violência de gênero está presente em filmes e videogames porque eles refletem a
realidade das sociedades em que vivemos, mas ao mesmo tempo banalizam a gravidade e
seriedade de tais crimes, ao transformá-los em entretenimento, reforçando preconceitos e
estereótipos ao celebrar tal violência num universo ficcional onde não existem julgamentos
morais, principalmente quando seu consumo ocorre dentro da privacidade do lar.
Assim, espera-se que o designer, tanto quanto o artista, influencie a cultura de maneira
positiva, desconstruindo preconceitos ao utilizar sua criatividade em prol da transformação.

2.3. Fanzine / Feminista

Tudo o que você precisa para iniciar uma revolução contra cultural são algumas folhas
de papel A4, uma máquina de escrever, uma fotocopiadora, uma [caneta] Sharpie e

54 Para mais sobre o caso: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/12/05/cultura/1480943998_443245.html

32
algumas revistas velhas. Zines eram rápidos de serem produzidos e fáceis de serem
distribuídos.55 (Laing, 2013).

O termo fanzine é a junção das palavras fan e magazine (fã e revista, em inglês), e foi
cunhado pelo estadunidense Louis Russell Chauvenet, em 1940. Chauvenet era aficionado
por ficção científica, e começou a produzir uma publicação amadora sobre esse tema, a
Detours, nomeando-a fanzine (Triggs, 2010). Fanzines descendem dos panfletos
produzidos durante a Revolução Americana de 1776, e das publicações Dadaístas e
Samizdat56, e fanzines feministas derivam dos panfletos, álbum de recortes (scrapbooks), e
publicações sobre a saúde da mulher, produzidos por mulheres desde 1850. Com a
popularização do mimeógrafo, durante a década de 1960, publicações independentes
multiplicaram-se graças ao fácil acesso e baixo custo de impressão, e a partir dos anos 1970,
as novas tecnologias como a fotocopiadora e a editoração eletrônica fez com que os
fanzines proliferassem (Piepmeier, 2009).
Mas o grande crescimento dos fanzines feministas ocorreu durante a década de 1990, a
partir do movimento de punk rock feminista Riot Grrrl, originado na cidade de Olympia
(WA) e em Washington D.C., nos Estados Unidos. Alison Piepmeier57 (2009) aponta o
conservadorismo dos anos 1980 como um dos catalisadores para essa expansão. A raiva
sentida pelas jovens dessa época deu nome aos fanzines, que ficaram conhecidos como
grrrl zines, junção da palavra girl (menina, em inglês), com um rosnar raivoso, RRR, que
também era expressada em suas publicações. Características marcantes desses fanzines
eram a reapropriação de termos degradantes, como bitch e slut (puta e vadia, em inglês),
assim como da iconografia feminina (uso de corações, estrelas, Hello Kitty, glitter), em
clara oposição aos preceitos dos movimentos feministas estadunidenses da década de 1960.
Fanzines eram muitas vezes distribuídos durante apresentações de bandas ou enviados pelo
correio, e ofereciam uma nova perspectiva sobre questões de gênero, raça, sexualidade, e
identidade, de maneira interseccional.
Teal Triggs58 (2010) define os fanzines como publicações amadoras, não oficiais, não
comerciais, que podem formar importantes redes de comunicação para culturas

55 Tradução livre: "All you need to start a counter-culture revolution is a few sheets of A4 paper, a typewriter, a
photocopier, a Sharpie and some old magazines. Zines were fast to produce and easy to distribute." (Laing, 2013).
56 Samizdat (auto-publicação, em russo) é a literatura escrita, copiada e distribuída secretamente, na antiga União
Soviética, para burlar a censura. https://www.britannica.com/technology/samizdat
57 Alison Piepmeier (1972-2016), estadunidense, foi diretora do Women's and Gender Studies, e professora associada do
College of Charleston.
58 Teal Triggs é uma educadora, historiadora e escritora estadunidense, com foco em história do design gráfico, auto
publicação e feminismo. É reitora associada da School of Communication, do Royal College of Art.

33
alternativas, inspirando coesão social. Os produtores de fanzines assumem os papéis de
autor, editor, designer, controlando todos os aspectos da publicação, desde sua criação até
sua distribuição. Seguindo a ideia do faça-você-mesmo, e por utilizarem métodos
alternativos de venda, não sofrem censura e tampouco precisam seguir as regras do
mercado editorial, o que lhes proporciona total liberdade artística. O fanzine transforma-se
então num objeto onde o pessoal é político, e o estilo visual é tão importante quanto a
mensagem que se quer transmitir. Produtores de fanzines criam suas identidades e
representações através de suas publicações, ao invés de somente consumirem narrativas
fabricadas pela mídia mainstream e a cultura popular. Qualquer pessoa pode publicar um
fanzine, e esse é um dos principais atrativos dessa mídia.
Com o advento de técnicas de impressão mais baratas, como a digital, e a criação e
popularização dos computadores pessoais e dos softwares de edição, como Photoshop e
InDesign, os fanzines adquiriram novos formatos, e uma estética mais elaborada e
profissional, acercando-se das revistas e livros de artista (Galaxina, 2017).

3. Estudo de casos

No âmago do design existe um ato ontológico e antropológico - o criar como o criar a


si - que é também uma meditação e uma compreensão de ser.59
(Dilnot, 2009, p. 187)

Como inspiração para elaborar o projeto prático que acompanha esta dissertação, foram
selecionados materiais de dois coletivos feministas – um do Brasil e outro de Portugal.
Dois países separados por um oceano, mas que lidam com uma mesma questão: a
desconstrução dos estereótipos de gênero. Cada um à sua maneira, utilizando distintos
suportes físicos, estilos, e linguagem.
Ambos utilizaram a arte para transmitir uma mensagem, mas além disso, na sua própria
transformação e elaboração sobre esse tema. Ao criar, elas se recriaram, tornando-se
sujeitos, e construindo novas representações do que é ser mulher, rejeitando prescrições de
outros.
O processo de criação dos coletivos selecionados funcionou como uma estratégia

59 Tradução livre: "At the core of design is an ontological and anthropological act - making as the making of self - which
is also a meditation on and a realization of being." (Dilnot, 2009, p. 187)

34
educacional para que as próprias designers/artivistas pensassem criticamente à respeito dos
estereótipos de gênero, e os percebessem como ideologias de dominação que precisavam
ser desconstruídas, e ao partilharem seus projetos com o mundo, conseguiram disseminar
esse aprendizado.

3.1. Lambe-Buceta (São Paulo, Brasil)

O projeto Lambe-Buceta, criado pelas designers gráficas Kelly Cristina Santos e Karen Ka
em 2016, surgiu a partir da leitura de Contos de Escárnio, da escritora Hilda Hist, livro no
qual uma das personagens possui um fetiche por desenhar vulvas. Ao tentar fazer o
mesmo, Santos sentiu imensa dificuldade. Surgiu então a inquietação: por quê a genitália
feminina causa tanto incômodo? (Cariatti, 2017).
Elas criaram cartazes com desenhos e fotos que representam essa parte da anatomia, e os
colaram pelas ruas de São Paulo, Brasil. Além das ilustrações e fotos, frases de
empoderamento explicitavam a intenção: "Sua buceta é linda"; "Sua vagina é linda"; "Olha
toca molha goza". O objetivo era promover a autoestima das mulheres, e representar a
vulva fora do contexto pornográfico, ao naturalizar a imagem dessa parte do corpo em
circunstância não sexual (Escaleira, 2017).

Figura 1: Karen Ka (à esquerda) e Kelly Cristina Santos posam em frente aos cartazes do Lambe-Buceta. Foto: Arquivo
Lambe-Buceta.
Figura 2: Fotografia de um dos cartazes do Lambe-Buceta. Foto: I Hate Flash.

35
Elas expuseram essa parte da anatomia feminina que por ser tabu sempre foi confinada ao
espaço privado, nos muros externos de uma sociedade moralista e machista, à vista de
todos. Sua mensagem forte e direta transmitida através de poucas palavras, da simplicidade
das formas, e das cores utilizadas atraem a atenção do transeunte rapidamente, e foi
também o que nos atraiu nesse projeto.
O nome Lambe-Buceta é um trocadilho com os cartazes denominados lambe-lambe,
colados em muros externos, sem autorização. Buceta é uma gíria brasileira que significa
vulva (ou em Portugal, cona). O nome do projeto também pretende incentivar a prática da
cunilíngua.
Como explica Santos, muitas mulheres não conhecem sua própria genitália, tampouco ela.
Esse projeto foi uma forma de dizer a outras, o que elas gostariam de ter ouvido: não tenha
vergonha de seu corpo, conheça-o. Sua buceta é linda. Ame-se (Cariatti, 2017).
Não existia um padrão de beleza para a vulva, mas com o fácil acesso aos filmes pornô
através da internet, criou-se um. Os genitais sem pelos e de cor rosácea bem clara, a
proporção dos grandes e pequenos lábios, os seios com silicone, etc., e o comportamento
submisso da mulher que é retratada como um apetrecho sexual, seu rosto e corpo
direcionados para satisfazer o prazer voyeurístico do espectador que se encontra do outro
lado da tela. A grande maioria dos filmes pornô é feita por homens, para homens, e assim
muitas mulheres sentem-se pressionadas pela mídia ou por seus parceiros a enquadrarem-se
em um padrão único de comportamento e beleza definido por tais filmes, que incentiva as
mulheres a buscarem transformações em seus corpos para satisfazer o desejo masculino.
Segundo pesquisa de 2017 do International Society of Aesthetic Plastic Surgery (ISAPS), o
Brasil é recordista mundial em plásticas íntimas (ISAPS, 2018). A maioria das intervenções
ocorre por motivos estéticos, pois as pacientes sentem-se constrangidas com a aparência de
suas vulvas, e acabam por evitar relações sexuais (Marques, 2017). Não há uma diversidade
de imagens de vulvas na mídia, e assim, mulheres muitas vezes questionam-se sobre a
normalidade das suas, pois não possuem conhecimento sobre as inúmeras possibilidades de
tamanhos e formatos (Oliveira, 2017). Vemos assim que a fiscalização realizada pelas
mulheres sobre o próprio corpo pode chegar a níveis extremos de perfeccionismo, para
adequarem-se ao que o olhar masculino determinou como padrão de beleza.
Segundo Naomi Wolf (1992) a sexualidade é aprendida pelas meninas como conectada à
masculina, e não independente. Como algo que deve gerar prazer ao outro, e não
necessariamente a si. Elas não aprendem sobre o desejo, mas sobre o desejo de serem

36
desejadas. Aprendem a servir à sexualidade do outro em detrimento de seu próprio prazer.
Além de seu ser social estar em uma posição de subordinação, também sua sexualidade
assume um lugar de inferioridade na hierarquia social, com a grande maioria colocando
maior importância no orgasmo do parceiro, do que no seu (Varella, 2011).
A obsessão pela beleza feminina é na verdade uma obsessão pela obediência feminina, que
é parte de um sistema que atribui valores às mulheres numa hierarquia construída para
preservar o domínio masculino sobre esses corpos, enquanto as mulheres ocupam-se
competindo entre si, e sequer notam tal dominação.

A beleza ideal é ideal porque não existe. A ação se situa no espaço entre o desejo e a
satisfação. As mulheres só são belezas perfeitas a alguma distância. Numa cultura de
consumo, esse espaço é lucrativo.
(Wolf, 1992, p. 233)

As indústrias dos cosméticos, da pornografia, das cirurgias estéticas, da moda, etc.,


movimentam bilhões de dólares todos os anos, lucrando sobre as inseguranças que elas
mesmas produzem nos consumidores.
Karen Ka fala de seu ultraje ao pesquisar imagens de vulvas, e encontrar somente
pornografia, e cita seu desejo de produzir ela mesma, diferentes representações da genitália
feminina (Cariatti, 2017), pois "[...] a profunda natureza ideológica das imagens determina
não somente como outras pessoas pensam sobre nós, mas como pensamos sobre nós
mesmos."60 (hooks, 1992, p. 5).
A maior crítica recebida pelas designers foi sobre o nome do projeto (Escaleira, 2017).
Observamos então que até as palavras que designam a genitália feminina são tabu. Santos
nota que enquanto no linguajar informal brasileiro a utilização de gírias sobre o pênis é
completamente aceita e naturalizada61, o oposto não ocorre com as terminologias da
anatomia feminina, e propõe ressignificá-las, ao adotar seu uso em substituição à versão
masculina:

Ao invés de usar as expressões que remetem ao pênis, do tipo, "isso é do caralho!",


então a gente começou a falar: "isso é da xoxota!", "a pessoa tem muita buceta pra

60 Tradução livre: "The deeply ideological nature of imagery determines not only how other people think about us but
how we think about ourselves." (hooks, 1992, p. 5).
61 Não somente no Brasil esse fenômeno linguístico ocorre. "While women have very few words for their genitals', note
scholars Robin Lakoff and Raquel Scherr, in Face Value: The Politics of Beauty, 'as often as not referring to them by
indirection and euphemism - "down there", "that thing", men lavish an abundance of names redolent of affection and
tenderness on theirs.'" (Frueh, 2015, p. 383)

37
fazer isso!", "botar a buceta na mesa!". É dai que você designa se uma palavra é
pejorativa ou não, é o uso que você dá a ela. (Cariatti, 2017).

A apropriação da linguagem é uma estratégia subversiva, que rejeita o poder político que a
língua impõe. Nomear a realidade é entendê-la, conhecê-la, e exercer poder sobre ela
(Ashcroft et al., 2003, p. 284).
Os termos utilizados para designar a genitália feminina são considerados pejorativos
porque a mulher é vista como um ser inferior, e assim tudo que está a ela relacionado
adquire um caráter negativo. Ao ressignificar imagens e linguagem, as artivistas modificam
sua relação com o mundo que as rodeia, apropriando-se dele.
Os cartazes colados pelas ruas, por Ka e Santos, eram muitas vezes rasgados, justamente na
parte onde a vulva aparecia. A violência contra essa representação gráfica mostra um pouco
da violência física contra os corpos das mulheres no espaço público (Cariatti, 2017). "Um
homem olha para a imagem de uma buceta e reage de acordo com sentimentos socialmente
condicionados sobre as mulheres."62 (Chicago, 2015, p. 223).
A mensagem que se tenta transmitir através da danificação dos cartazes é nítida: esse corpo,
independente e autônomo, não pertence ao espaço público. E quem ousar ocupar esse
espaço, sofrerá violência. Como diz Beard (2014), conquistar um espaço que sempre foi
considerado masculino gera uma violenta reação dos homens para tentar coibir essa
expansão das mulheres, numa tentativa de desencorajar novas investidas.
Ka e Santos encontram-se portanto numa jornada de desconstrução do próprio machismo,
e de ressignificação de seus corpos e sexualidades. Tornam-se sujeitos ao criarem suas
representações da genitália feminina (hooks, 2015), e compartilham essa experiência e
aprendizado com outras mulheres, ao expor seus trabalhos artísticos em lugares públicos.

3.2. Your Mouth is a Guillotine63 (Lisboa, Portugal)

Fanzines feministas atuam no nível do simbólico, invés do da mudança institucional,


porque operam a partir de modos de expressão pessoais, e porque mobilizam

62 Tradução livre: "A male looks at an image of a cunt and reacts with his socially conditioned feelings about women."
(Chicago, 2015, p. 223).
63 Tradução livre: Sua Boca é uma Guilhotina.

38
pequenas comunidades engajadas, ao invés de grandes blocos de eleitores. (Piepmeier,
2009, p. 158) 64

A ideia de criar um fanzine feminista surgiu quando Joana Tomé e Patrícia Guimarães
entraram em contato com a cultura Riot Grrrl estadunidense, durante a licenciatura na
Faculdade de Belas Artes, em Lisboa.
O nome do projeto, Your Mouth is a Guillotine (a partir daqui designado por YMIAG),
vem de uma música de mesmo nome da banda portuguesa The Vicious Five, e apesar de
ter sido criada por um homem heterossexual provavelmente aludindo ao sexo oral, o
coletivo adotou-o com a visão subversiva da vagina dentata, de que a boca de uma mulher
tem um poder monstruoso, e a boca como guilhotina seria uma analogia da força política
das narrativas femininas.
O YMIAG surgiu com o propósito de discutir as ideias do mundo acadêmico de modo
democrático e acessível a todos. Ao pesquisar e aprender sobre o feminismo e as artistas
mulheres, principalmente ao notar a invisibilização dessas artistas na história da arte, Tomé
passou a adaptar tais aprendizados a uma linguagem informal, utilizada nos conteúdos de
seus fanzines, para aumentar o raio de alcance do público leitor.
A arte veio antes do que o feminismo na vida de Tomé, mas por ter crescido em uma
família politicamente ativa, ela sempre esteve envolvida com o ativismo político,
associando-se à Juventude Comunista Portuguesa (JCP) por volta dos quinze anos de
idade, grupo do qual Guimarães também fazia parte.
Podemos notar uma densa base teórica feminista por trás do conteúdo do fanzine já a
partir do primeiro número, publicado em 2013, que elege o tema "Fragmento", para tratar
da objetificação da mulher. Tal abordagem é bastante explícita no zine, como por exemplo
nas páginas ilustradas com o "Barômetro da decência" e o "Barômetro da feminilidade",
onde o próprio subtítulo já informa que essa é a consequência "[...] de olhar a mulher
enquanto partes de corpos." (Tomé & Guimarães, 2013). No "Barômetro da decência", a
ilustração de uma perna mostra o que a sociedade pensa à respeito de uma mulher que usa
uma saia de determinado comprimento, ao exibir mais ou menos pele. A usuária da saia
mais curta adquire o rótulo de "puta", passando por "a pedi-las", "provocadora",
"engatadora", "respeitável", "antiquada", "pudica", e por fim, no modelo de saia mais

64Tradução livre: "Grrrl zines are generally acting at the level of the symbolic order rather than at the level of institutional
change, because they operate out of personal modes of expression, and because they mobilize small-scale embodied
communities rather than large-scale voting blocs." (Piepmeier, 2009, p. 158).

39
comprida atingimos o nível "matronal" de estereótipos de gênero. O binarismo santa/puta
em que são enquadradas as mulheres aparece claramente nesse exemplo. Como nota
Mardones:

Se o vestuário segue aparecendo como tema é porque a sua incorporação ao corpo


sexuado funciona como um componente representacional cultural potente e
desestabilizador.65 (Mardones, 2017, p. 72).

A sexualização das mulheres é socialmente aceita quando exibida no cinema, na música, na


moda, mas em nossas vidas cotidianas uma peça de roupa pode ser utilizada para definir os
valores, conduta, vontades, inteligência, interesses e caráter de uma pessoa.

Figura 3: Capa da primeira edição de YMIAG.


Figura 4: Barômetro da decência. YMIAG #1.

Na página seguinte, o "Barômetro da feminilidade" nos informa sobre os estereótipos


relacionados a diferentes comprimentos de cabelo, associando o cabelo curto à "lésbica",
na altura do queixo para "clássica", na altura dos ombros para "sedutora", e finalizando em

65Tradução livre: "Si el vestuario sigue apareciendo como tema es porque su incorporación al cuerpo sexuado funciona
como un componente representacional cultural potente y desestabilizador." (Mardones, 2017, p. 72).

40
"selvagem", sem esquecer de inserir uma nota no final da página que diz: "se o rapar -
coitadinha, não bate bem!" (Tomé & Guimarães, 2013). Ao expor tais convenções sociais
de maneira cômica, as autoras explicitam a irracionalidade e o ridículo de tais estereótipos,
mostrando o controle exercido sobre o corpo da mulher. Em outra seção, retratam uma
cena de casamento, onde a imagem da mulher é substituída por um aspirador de pó, e a
legenda embaixo diz: "[...] ou consequência no7 de olhar a mulher enquanto partes de
corpos." (Tomé & Guimarães, 2013), para na página ao lado exibir uma mulher segurando
uma bandeja com a cabeça decepada de um homem, incentivando as leitoras a não
tolerarem mais esse tipo de opressão.

Figura 5: Barômetro da feminilidade.YMIAG #1.


Figura 6: Judite decapitando Holofernes.YMIAG #1.

O fanzine exemplifica a influência do olhar masculino na criação de representações,


mostrando de maneira didática a importância de existirem imagens feitas por mulheres, no
jogo "Descubra as diferenças", onde compara os quadros de Artemísia Gentileschi e de
Caravaggio, ao retratarem o mesmo tema: Judite decapitando Holofernes. As autoras
notam que na representação feita por Artemísia, as mulheres são fortes, ativas, e
determinadas, e que existe entre elas um laço de cumplicidade que as une ao executar tal
tarefa, enquanto que na pintura feita por Caravaggio, Judite "[...] parece nauseada com a

41
acção que pratica - a testa molda-se em sinal de repulsa e a expressão de desagrado é
marcada." (Tomé & Guimarães, 2013), e não há essa conexão especial entre ela e a serva,
mostrando que artistas homens tendem a retratar mulheres como sendo frágeis, incapazes,
violáveis, ao passo que as representações criadas por mulheres buscam apresentar
personagens femininas poderosas, hábeis, convictas de suas ações e força.
Cada edição do fanzine trabalha um tema diferente. O segundo foi denominado "A
Ferida", e para o terceiro número, "The personal is political"66, fazem uma chamada aberta
(open call) de trabalhos, para diversificar as representatividades expostas no zine, e também
para fornecer um espaço onde indivíduos que não tem oportunidade de divulgar seus
projetos nas mídias tradicionais possam publicar seus trabalhos. A terceira edição é
também marcada pela entrada de Andreia Costa no projeto editorial. Guimarães sai do
projeto após a terceira edição, e a dupla de editoras segue com Costa e Tomé. Na quarta
edição, "Super-heroínas", e no Livro de Vulvas para Colorir, convidam diversas artistas
para contribuírem com trabalhos sobre os temas propostos.
O Livro de Vulvas para Colorir apresenta diferentes representações artísticas da vulva,
todas em preto e branco, feitas para serem coloridas pelo leitor/a. Sua introdução traz em
formato de história em quadrinhos diversas pensadoras feministas, contextualizando a
publicação, (que não pretende reduzir a mulher a uma parte do corpo, nem apontar que é
necessário possuir uma vulva para ser mulher, já que sexo e gênero são entidades distintas),
que é uma releitura do Cunt Coloring Book (1975), de Tee A. Corinne67, que originalmente
pretendia promover uma imagem positiva da vulva, e servir como ferramenta educacional
para crianças e adultos, enquanto que o projeto de Tomé e Costa deseja incentivar a
produção de representações da genitália feminina feita por mulheres, para que passemos de
objetos da representação a sujeitos de ação, "[...] porque o que sabemos sobre nosso
próprio corpo ainda nos é contado por homens. Precisamos forjar nossas próprias
imagens, nossas próprias palavras e nossos próprios conceitos."68 (Tomé & Costa, 2015, p.
8).

66 Tradução livre: "O pessoal é político".


67 Tee A. Corinne (1943 - 2006). Fotógrafa, artista visual, escritora e ativista estadunidense. Publicou o livro Cunt
Coloring Book que continha ilustrações em preto e branco de diversas vulvas, para serem coloridas pelos leitores/as.
68 Tradução livre: "[...] because what we know about our own bodies is still being told by men. We need to forge our own
images, our own words and our own concepts." (Tomé & Costa, 2015, p. 8).

42
Figura 7: Capa do livro Cunt Coloring Book, de Tee A. Corinne (1975).

Figura 8: Livro de Vulvas para Colorir (2015).

43
Figura 9: Livro de Vulvas para Colorir (2015).

O Livro de Vulvas para Colorir parte da observação da relação que amigas de Tomé
possuem com suas sexualidades, ao perceber que há muitas mulheres que nunca usaram
um espelho para ver a própria vulva, que não conhecem seus corpos, "[...] porque interessa
ao patriarcado que tu não tenhas contato contigo mesma e com tua sexualidade. Por quê?
Porque essa sexualidade é uma ameaça." (Tomé, 2018). Luce Irigaray69 nota que a
sexualidade do homem é definida como norma, e assim, a mulher é relegada à posição de
simulacro, ou cópia imperfeita. "A sexualidade feminina tem sido sempre conceitualizada a
partir de parâmetros masculinos."70 (Irigaray, 1985, p. 23), como se o único órgão sexual de
valor fosse o pênis, e a mulher e sua sexualidade fossem portanto defeituosas, incompletas.
Por ser lésbica, Tomé confessa que sua relação com o próprio corpo e sexualidade é
diferente das mulheres heterossexuais. Ao convidar amigas para participarem dessa edição,
conta que mais da metade das artistas confessaram sentir dificuldade em desenhar suas
vulvas, e que o processo pelo qual essas artistas tiveram de passar para conseguir produzir
os trabalhos apresentados funcionou como um passo em direção à reaproximação e
reapropriação de seus corpos e sexualidades.

69Luce Irigaray (1932). Linguista, psicoanalista e filósofa francesa.


70Tradução livre: "Female sexuality has always been conceptualized on the basis of masculine parameters." (Irigaray,
1985, p. 23).

44
Tomé cita também a linguagem como um espaço onde a norma masculina heterossexual
impera, quando usamos a palavra homem para designar a humanidade, e ao utilizar o plural
masculino para falar sobre um grupo de pessoas, algo que nos é ensinado como sendo
neutro. Mas o masculino não é neutro, é sexuado, e assim ao aprendermos que o normal é
ser homem, então tudo que não se enquadra é anormal, problemático, menor. Ou seja, é
construído um padrão de valores, uma hierarquia, onde o masculino é mais valoroso que o
feminino (Tomé, 2018).
O processo de elaboração de uma nova edição do fanzine começa a partir da escolha do
tema. Tomé escreve uma introdução, e compartilha esse texto com as artistas que
participarão nesse número. Surge um debate entre as artistas sobre esse tema, que é então
desenvolvido e funciona como uma meditação. Tomé confessa que esse processo é deveras
formativo para si, e que existe uma troca de informações e aprendizados entre sua vida
acadêmica (ela concluiu seu doutorado em 2017, e atualmente leciona e escreve sobre arte e
feminismo) e a criação dos fanzines. Tomé analisa e transpõe para os fanzines as diversas
estratégias utilizadas na construção das hierarquias sexuais, e na opressão do masculino
sobre o feminino, tornando mais acessível e didática a compreensão de densas teorias
feministas contribuindo com suas próprias reflexões acerca desses temas. Criar novas
representações do que é ser mulher é essencial à mudança social pois historicamente ser
mulher é estar subordinada a um homem, e essa visão opressora do feminino precisa
urgentemente ser alterada.

3.3. Comparação dos estudos de caso

Ambos estudos de caso tratam da representação (e objetificação) do corpo feminino e


também problematizam a posição e lugar das mulheres na sociedade, e principalmente no
espaço público. Além disso, os trabalhos propõem retratar as mulheres como sujeitos
ativos, ao lembrarem da falta de representações feitas por mulheres. Interessante notar que
enquanto as artistas do Lambe-Buceta foram descobrindo o feminismo no decorrer do
projeto, baseadas em suas próprias vivências, as do YMIAG basearam-se em
conhecimentos acadêmicos adquiridos durante seus percursos universitários para publicar o
fanzine. O processo do primeiro estudo de caso foi o da autodescoberta, que funcionou
como uma terapia para as artistas, que ao criarem seus cartazes repensaram suas relações

45
com seus corpos e sexualidades. Como se o fazer artístico houvesse colaborado na
desconstrução dos estereótipos de gênero e do ideal de feminilidade celebrado pela
sociedade brasileira, internalizados por Ka e Santos. Ao colarem seus cartazes nas ruas de
uma cidade moralista e machista, elas compartilharam com outras o seu aprendizado, sua
narrativa, a representação da sua sexualidade, expondo no espaço público imagens de uma
parte da anatomia feminina que ainda é tabu, e em geral está confinada ao ambiente
privado. As artivistas do YMIAG traduziram densas teorias feministas em linguagem mais
acessível para ser compreendida por um público mais alargado em seus fanzines, utilizando
a ironia e o sarcasmo para ilustrar opressões e desigualdades entre os gêneros. Vendidos em
feiras de publicações independentes, ou enviados pelos correios, não ficavam expostos
pelas ruas, ao contrário dos cartazes do Lambe-Buceta. O fanzine é um formato que
proporciona mais espaço para elaboração de textos e inserção de imagens, o que permite
que os temas sejam tratados com maior profundidade do que em um cartaz. Diferenças
culturais podem ser observadas no uso da linguagem, sendo no Brasil mais coloquial que
em Portugal. Mas as opressões culturais sentidas por brasileiras e portuguesas são
praticamente as mesmas. O corpo feminino aparenta ser verdadeiramente um tabu
universal.
Apesar das diferenças, esses dois coletivos conseguiram unir arte e ativismo para
desconstruir estereótipos.

Não há uma ação política e uma criação artística que se combinam ou entrecruzam: há
uma (cri)ação direta que constrói, por meio da experiência, o sujeito político. Corpos
que intervêm e, com seus movimentos poéticos de resistência e subversão,
reposicionam a si mesmos e a outros do seu entorno.
(Saavedra, 2017, p. 1)

O fazer artístico criando e recriando o ser político. Ao pensar a arte, essas artivistas se
repensam, reveem certezas e dogmas, e começam a enxergar as violências simbólicas que as
rodeiam, e controlam suas vidas. Podem assim finalmente, romper as barreiras que
determinam seu modo de estar no mundo, e constroem novas identidades e realidades
baseadas em seus verdadeiros desejos e objetivos. Libertam-se das imposições da
sociedade, ou pelo menos aprendem a perceber que tais imposições existem, e podem
assim escolher segui-las ou rompê-las. A escolha passa a ser conscientemente sua, e não de
outrem. Ao divulgarem seus trabalhos, observam agressivas reações moralistas que tentam

46
inibir seu avanço, e percebem justamente por isso, a importância e relevância de seu
artivismo.

4. Projeto Prático

Penso em todas aquelas super estrelas secretas, sentadas sozinhas em seus quartos,
escrevendo em seus diários, tocando violão e sentindo-se incompletas, porque são
representadas dessa maneira. Esperando que uma revolução venha e mude as coisas.
Não percebem que são elas a revolução, e que suas criações são a arma mais poderosa
na luta, porque são a representação de si mesmas. (Galaxina, 2017, p. 22)71

O projeto prático que acompanha esta dissertação é a edição de número 4 do fanzine


feminista NOIZ.
O nome NOIZ (uma corruptela da palavra "nós") no Brasil é uma gíria que significa "conte
comigo", "estou contigo", "estamos juntas", celebrando união e apoio.
A ideia para a criação do fanzine surgiu em 2017, em uma das aulas do mestrado em
Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas, ministrada pelo professor Emerson
Eller. Desde então, três edições já foram publicadas e distribuídas na cidade de Lisboa.
Este novo número se diferencia dos outros por algumas razões. A principal é que os textos
desta edição são todos de nossa autoria, e compõem uma amostra dos temas tratados nos
capítulos anteriores desta dissertação, adaptados a uma linguagem mais acessível para ser
compreendida por um público mais alargado. Após a pesquisa necessária para a redação
desta dissertação, nos sentimos aptas para finalmente redigir textos sobre feminismo, e
assim, seguindo o exemplo das designers artivistas dos casos de estudo, compartilharemos
esse aprendizado ao distribuir gratuitamente 500 exemplares dessa edição de NOIZ na
cidade de Lisboa. Nas edições anteriores os textos eram escritos por amigas, ou foram
retirados de press-release dos artistas e ONGs divulgados pelo projeto. Assim, a nossa
narrativa se torna presente no objeto prático-autoral.
Outra diferença dessa edição é que ela será publicada em parceria com a editora
independente Sapata Press, dividindo os custos de impressão, e ampliando a rede de
divulgação do fanzine.

71Tradução livre: "Pienso en todas esas super estrellas secretas sentadas solas en sus habitacines escribiendo en sus
diarios, tocando la guitarra y sentiendose incompletas porque se les representa de esa manera. Esperando que una
revolución venga y cambie las cosas. No se dan cuenta de que ellas son la revolución y que sus creaciones son el arma más
poderosa en la lucha, porque son la representación de ellas mismas." (Galaxina, 2017, p. 22).

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Em formato A2, 4x4 cores, impressão digital, dobrado em formato A4, corte reto, papel
couché fosco 100g, um dos lados apresenta um cartaz com ilustrações originais, e uma
frase de impacto que remeta ao tema principal, e o verso contém três matérias, em
português e inglês, acompanhadas de fotografias e ilustrações. Distribuídos gratuitamente
em diversos pontos da cidade de Lisboa, como cafés, bares e centros culturais72, e através
da Sapata Press, em feiras de publicações independentes e etc. Ao escolher locais
específicos da cidade, direciona-se o material a um público específico, mas não restrito.
Espera-se, assim, que ao dispor esse material impresso em um estabelecimento onde vários
grupos identitários convergem, o alcance desse material seja ampliado.
A primeira edição de NOIZ foi lançada em 2017, e tinha como tema principal a violência
contra a comunidade LGBTQ, principalmente travestis e transexuais. A frase que
estampava o cartaz foi retirada de uma música da artista Linn da Quebrada, e proclamava:
"Ela não quer pau, ela quer paz". No verso, uma matéria era dedicada à Quebrada, outra ao
projeto Lambe-Buceta, e a terceira era uma reflexão sobre a influência negativa das revistas
de moda na auto estima das mulheres, e a preocupação de uma mãe ao tentar proteger sua
filha pequena dessa representação. Todas as matérias foram escritas por terceiros.

Figura 10: Frente NOIZ #1 (2017).

72Locais em que foram distribuídas edições anteriores do fanzine NOIZ: Livraria Ler Devagar, Café Tati, Café da Ordem
dos Arquitetos, Kaffeehaus, Largo Café, Josephine, Museu Maria Matos, BUS Paragem Cultural, Disgraça, Casa
Independente, Crew Hassan, Faculdade de Belas Artes - ULisboa, Faculdade de Letras - ULisboa, Café do Teatro
Taborda, Café do Jardim da Estrela, A Outra Face da Lua, Zona Franca dos Anjos, Anjos 70, Cinema Ideal, Cinema São
Jorge.

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Figura 11: Verso NOIZ #1 (2017).

O número dois teve como tema o assédio sexual, e declarava: "Mexeu com uma, mexeu
com todas!". Discorria sobre o assédio em uma faculdade brasileira, e a reação das
estudantes à essa violência. Outra matéria apresentava o trabalho da ONG Think Olga, e as
campanhas sobre o assédio sexual no Brasil: Chega de Fiu Fiu e #PrimeiroAssédio. A
terceira apresentava o coletivo Jornalistas Contra o Assédio, que expunha o assédio sexual
no ambiente profissional jornalístico.

49
Figura 12: Frente NOIZ #2 (2017).

Figura 13: Verso NOIZ #2 (2017).

A terceira edição do fanzine foi centrada na objetificação do corpo da mulher, ilustrando


essa intenção com a frase "Meu corpo não é objeto". Contendo duas matérias, uma
discorria sobre a palestra The Sexy Lie, de Caroline Heldman na plataforma TEDx, onde
ela analisa a objetificação do corpo da mulher na publicidade, e seus efeitos sobre crianças,

50
adolescentes e adultas. A outra matéria relatava a desigualdade racial na literatura brasileira,
e apresentava novas mulheres negras autoras que estão tentando modificar esse cenário.

Figura 14: Frente NOIZ #3 (2017).

Figura 15: Verso NOIZ #3 (2017).

Cada edição do fanzine apresenta uma cor de destaque, que preenche o fundo do cartaz,
assim como as ilustrações do verso. A ideia original era utilizar tons pantone, que oferecem
maior gama de cores impactantes, como os tons flúor e metalizados, mas devido ao alto
custo, foi escolhida a impressão digital em CMYK. A função primordial dessa cor é atrair a

51
atenção do transeunte para o fanzine, que em geral está exposto em cima de uma mesa,
entre vários outros folhetos. A segunda função é fazer com que esse indivíduo tenha
vontade de colocá-lo em sua parede, ao utilizar o cartaz como objeto de decoração,
prolongando assim a vida útil do mesmo. Portanto, a escolha da cor do fanzine parte de
uma estratégia que pretende diferenciá-lo dos outros impressos que estarão ao seu lado nos
pontos de distribuição, assim como de sua futura utilização como item decorativo. Como
as ilustrações da capa são sempre em preto, é necessário escolher uma cor contrastante que
as destaque. Após termos utilizado as cores primárias nas primeiras edições, para a edição
de número 4 foi selecionado o tom verde-água (C60/Y30) para diferenciar-se das
anteriores (amarelo, magenta, azul). Esse tom destoa das cores escolhidas para a maioria
dos folhetos encontrados nesses estabelecimentos, conhecimento adquirido após termos
distribuído três edições anteriores do fanzine, sempre atentos à concorrência visual nos
pontos de distribuição.
Essa edição aborda os estereótipos de gênero, e a objetificação e desumanização do corpo
da mulher. O projeto Lambe-Buceta influenciou esse fanzine de diversas maneiras. Pela
coragem das designers artivistas em tornarem públicas suas narrativas, seus aprendizados.
Ao transformar em arte uma questão que impactava suas vidas. Ao declararem que seu
projeto foi uma maneira de dizer à outras o que elas gostariam de ter ouvido. O tema
central do Lambe-Buceta é a representação da vulva, mas sua influência não está limitada a
genitália feminina, sua influência transcende essa parte do corpo e abrange a liberdade da
mulher em todos os sentidos. O projeto fala sobre a libertação dos estereótipos que afetam
negativamente a mulher, fala da sexualização indesejada do corpo feminino. Ao exporem
seus trabalhos no espaço público, elas explicitam a violência sofrida por esse corpo, nesse
ambiente. Assim, o cartaz do fanzine NOIZ apresenta ilustrações de mulheres em
movimento, rompendo com o estereótipo da passividade feminina. Outros desenhos
mostram mulheres em poses absurdas, acrobáticas, simbolizando as diversas possibilidades
do corpo, celebrando a liberdade de movimentos que a mulher deve ter. Povoando com
mulheres cada espaço do cartaz, ao mostrar que o lugar que uma mulher deve ocupar é o
que ela escolher. Que devemos ter liberdade para escolher movimentar nossos corpos de
qualquer maneira desejada, e posicioná-lo em qualquer lugar, segundo nossos desejos e não
de acordo com imposições de outros. O projeto Lambe-Buceta pretende incentivar a
autoestima das mulheres, para que elas celebrem seus corpos, e não sintam vergonha deles.
Assim, a frase do cartaz, "Meu corpo, minhas regras", valoriza e incentiva a autonomia da

52
mulher em todos os aspectos de sua vida. Seja em relação ao sexo, à gravidez, à aparência, à
ocupação do espaço público, enfim, quem deve determinar como esse corpo deve ser e se
comportar é a mulher. O negrito utilizado em "minhas regras", no cartaz, ressalta o que
consideramos essencial, ou seja, criarmos nossas próprias regras ao invés de acatarmos as
de outros. A cor branca da frase do cartaz a destaca dos outros elementos que a cercam, e
enfatiza assim a mensagem principal. Essa frase, que se tornou um dos lemas dos
movimentos feministas no Brasil e em Portugal, é título de um vídeo73 publicado no
YouTube em 2015, realizado pela diretora brasileira Petra Costa, como resposta às
violentas reações manifestadas nas redes sociais contra ela após seu discurso de
agradecimento no Festival do Rio de 201574, contra o machismo e a favor da soberania da
mulher sobre o próprio corpo, ao ganhar o prêmio de Melhor Documentário do Júri
Oficial com o filme Olmo e a Gaivota. O vídeo fala sobre gravidez, aborto, estereótipos de
gênero, e termina perguntando: "O que é ser uma mulher? O que é uma mulher?" (Globo
News, 2015).
A influência do YMIAG aparece principalmente nos textos do verso, na forma didática
utilizada para comunicar teorias feministas nessa edição, que apresenta uma matéria sobre a
performance de Rosa Luz, descrita no Capítulo 2, e destaca conceitos trabalhados nesta
dissertação, como a sexualização imposta ao corpo da mulher, e a desumanização sofrida
por esse corpo no espaço público. Fotos da performance ilustram o ocorrido, e tarjas em
verde-água na versão em português, e em tom cinzento na versão em inglês, enfatizam
frases fundamentais, nesse e nos outros textos do fanzine. A segunda matéria trata da
objetificação do corpo da mulher, ao discorrer sobre a influência do olhar masculino na
representação da nudez feminina, e frisa uma citação de Berger a respeito, que aparece ao
lado em uma fonte maior, utilizando somente maiúsculas, e em tom verde-água. O desenho
de um nu feminino ilustra essa objetificação, ao retratar o corpo de uma mulher sem a sua
cabeça, ou como diria o YMIAG, "[...] a mulher enquanto partes de corpos" (Tomé &
Guimarães, 2013). A terceira matéria explica resumidamente o que são estereótipos de
gênero, e como afetam as vidas das mulheres. Apresenta uma ilustração de uma mulher que
segura em suas mãos um rosto que não é o seu, como se fosse uma máscara, escolhendo
assim um personagem que gostaria de incorporar. Do outro lado do texto aparece uma

73Assista: https://www.youtube.com/watch?v=G3yLgETnBBo
74Para mais sobre o caso: https://www.youtube.com/watch?time_continue=169&v=T9C9H9HEABQ | ou na página
do filme no Facebook: https://www.facebook.com/olmoeagaivota/

53
ilustração que reproduz o duckface75, expressão facial realizada por muitas mulheres nas
mídias sociais ao fotografaram-se (selfies), ironizando esse estereótipo de gênero.
Dois outros desenhos completam o fanzine, distanciando-se de estereótipos e do olhar
masculino, ao retratar mulheres que não estão preocupadas em seduzir o espectador,
simplesmente vivem suas vidas, sem se preocuparem com quem as observa. Um deles
mostra uma mulher deitada, descansando, completamente vestida, com o olhar voltado
para o alto, alheia a tudo e a todos. O outro exibe uma careta mostrando a língua, como se
debochasse do espectador masculino padrão. Tomé, do YMIAG, enfatiza a necessidade de
representações feitas por mulheres, e esse fanzine é justamente isso. Assim como na
primeira edição de YMIAG, que foca na objetificação do corpo da mulher, e detalha
variados estereótipos de gênero que aprisionam e qualificam mulheres, também
entendemos a importância de refletir acerca do olhar masculino, e assim as matérias
contidas nesse fanzine tratam desses mesmos temas. Podemos dizer que a base teórica e
conceitual das matérias do fanzine NOIZ foram diretamente influenciadas pelos fanzines
da YMIAG, especialmente o de número 1.
A fonte dos textos em português é Bariol, em preto, enquanto em inglês usamos Bariol
Serif, em um tom de cinza (K70), para diferenciar mais facilmente as duas versões. Títulos
e subtítulos utilizam a fonte Cassanet, que apresenta diversos pesos, assim como ligaturas
diferentes que embelezam o texto. Ambas fontes tem boa leitura, formas simples e
minimalistas, contrastando com as ilustrações, que possuem traços fortes e gritantes.
Apesar de apresentar uma profusão de elementos visuais, as fontes balanceiam o caos
visual e proporcionam uma fácil leitura dos textos, equilibrando os elementos.

75
Tradução livre: Cara de pato. Expressão facial que consiste em pressionar os lábios para deixá-los mais carnudos, e o
rosto mais definido (Prado, 2016).

54
Figura 16: Cartaz NOIZ #4 (2019).

Figura 17: verso NOIZ #4 (2019).

55
5. Conclusão

Nesta dissertação analisamos o processo que nós, mulheres, necessitamos vivenciar para
tornarmo-nos sujeitos, reconhecendo as violências simbólicas existentes em nossa cultura,
que nos subjugam enquanto privilegiam os homens, para assim conseguirmos nos libertar
dessas opressões, e ressignificar as representações da sexualidade feminina e do que é ser
mulher. Ao invés de aceitar como únicas e imutáveis as imagens criadas por outros,
aprender a questioná-las, e até mesmo rejeitá-las, para então criarmos nossas próprias
representações.
Ao ler e pesquisar a respeito do feminismo, cultura visual, crítica do design, percebemos as
sutilezas da violência simbólica cotidiana, da construção opressora das representações, da
cultura como ferramenta de controle político, e como são utilizadas para preservar
privilégios e controlar certos grupos marginalizados. Ao estudar esse tema, foi possível
notar com mais clareza, as estratégias e simbologias, que passavam desapercebidas por nós.
A importância da educação para a consciência crítica, para que as mulheres possam exercer
seu livre arbítrio. Passamos a perceber também nosso lugar de privilégio, em meio a
vivência em sociedades machistas, racistas e homofóbicas, como mulheres brancas,
heterossexuais, de classe média/alta. A leitura de mundo também é influenciada pelos
lugares onde vivemos, como em uma cidade europeia, com avançados sistemas políticos
que prezam pela democracia e com mais direitos sociais, face à marginalização de tantas
outras, que precisam percorrer caminhos muito mais tortuosos, com inúmeros obstáculos,
e principalmente, a escutar suas narrativas e aprender com elas.
Criar é pensar sobre. A criação deste trabalho estimulou reflexões e novos
posicionamentos sobre as formas de opressão e hierarquias sociais presentes ao nosso
redor. Também precisamos entender a influência do olhar masculino na construção da
identidade e subjetividade femininas, e romper com estereótipos amplamente veiculados,
para não mais participar desse processo de autocrítica e recriminação diário, pelo qual a
grande maioria das mulheres passa durante a vida, em um mundo onde nascemos com
nossos corpos e subjetividades decretados como incompletos e falhos, onde a moral e o
predomínio de sociedades patriarcais tolhem a livre expressão das mulheres, que reprimem-
se umas às outras.
Durante o mestrado nos envolvemos em grupos de estudos feministas, e entramos em
contato com diversas outras mulheres engajadas na transformação de suas comunidades.

56
Uma delas é Cecília Silveira, criadora da editora independente Sapata Press76, que publica
trabalhos de mulheres e pessoas não-binárias, e que será também corresponsável pela
publicação desta edição do fanzine feminista NOIZ, ampliando assim o alcance das
mensagens que pretendemos disseminar através desse projeto.
Com esse estudo, procurou-se demonstrar como o artivismo pode ser utilizado como
instrumento para a sensibilização e conscientização das mulheres acerca dos estereótipos de
gênero, ao fornecer novas representações do que significa ser mulher, e principalmente,
novas representações feitas por mulheres. Imagens que rompem com o que o olhar
masculino determinou como padrão único de beleza e comportamento femininos, e textos
derivados de teorias feministas que procuram mostrar como ideologias de dominação são
utilizadas pelo grupo dominante para manter as mulheres em uma posição de
subordinação, o que se reflete nas desigualdades sociais e econômicas entre os gêneros,
tanto na sociedade brasileira, quanto na portuguesa.
O processo da criação artística pretende auxiliar a elaboração das ideias transmitidas por
tais teorias, que trazem uma nova perspectiva sobre as certezas que nos foram introjetadas
através de nossa socialização em sociedades patriarcais, moralistas e machistas, ao fazer
com que as artistas/designers/artivistas construam suas próprias narrativas visuais/verbais,
e assim produzam suas representações do que é a feminilidade para si, rejeitando assim
estereótipos opressores elaborados por outros. Pretendemos também demonstrar como o
designer pode usar sua formação e seus conhecimentos para atuar como artivista, e assim
contribuir na desconstrução de preconceitos e estereótipos, promovendo igualdade social,
como demonstram os casos de estudo, e por fim, o fanzine NOIZ.
Para dar continuidade a este trabalho de conscientização através do artivisimo,
pretendemos ministrar um workshop intitulado "Faça seu próprio fanzine feminista",
durante o Festival Feminista de Lisboa de 2019, onde após uma breve explanação sobre a
história dos fanzines, e a introdução de um tema, como por exemplo, a objetificação do
corpo da mulher, auxiliaremos os participantes a produzirem seus fanzines feministas.

76Para mais sobre Sapata Press: http://www.instagram.com/sapatapress |


https://www.publico.pt/2017/09/27/p3/noticia/fanzines-de-mulheres-e-pessoas-naobinarias-e-a-sapata-press-1828634

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