Imigrantes Poloneses Brasil 1891
Imigrantes Poloneses Brasil 1891
Imigrantes Poloneses Brasil 1891
SENADO
funções sacerdotais - teve as de ativista comunitário, publicista, FEDERAL
Imigrantes Poloneses no Bra-
editor e político. Descendente de antiga família fidalga, nasceu em
......................
SENADO
funções sacerdotais - teve as de ativista comunitário, publicista, FEDERAL
Imigrantes Poloneses no Bra-
editor e político. Descendente de antiga família fidalga, nasceu em
......................
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funções sacerdotais - teve as de ativista comunitário, publicista, FEDERAL
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editor e político. Descendente de antiga família fidalga, nasceu em
......................
Imigrantes poloneses
no Brasil de 1891
......................
SENADO
FEDERAL
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Mesa Diretora
Biênio 2009/2010
Suplentes de Secretário
Conselho Editorial
Conselheiros
Imigrantes poloneses
no Brasil de 1891
Tradução de
Sofia Winklewski Dyminski
......................
SENADO
FEDERAL
......................
Brasília – 2010
EDIÇÕES DO
SENADO FEDERAL
Vol. 139
O Conselho Editorial do Senado Federal, criado pela Mesa Diretora em
31 de janeiro de 1997, buscará editar, sempre, obras de valor histórico
e cultural e de importância relevante para a compreensão da história política,
econômica e social do Brasil e reflexão sobre os destinos do país.
ISBN: 978-85-7018-308-8
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Chelmicki, Zygmunt.
Imigrantes poloneses no Brasil de 1891 / Zygmunt Chelmicki ;
tradução de Sofia Winklewski Dyminski. – Brasília : Senado Federal,
Conselho Editorial, 2010.
356 p. – (Edições do Senado Federal ; v. 139)
CDD 325.24380981
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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Sumário
I PARTE
I
Na redação – Mikolaj Glinka – Proposta inesperada – Motivação –
Minhas reflexões e temores – Destino de Dygasinski – Partida
pág. 29
II
Berlim – Espantosa transformação – Chegada a Bremen –
Detalhes sobre os emigrantes – Associação São Rafael –
Padre Schlosser e a Lloyd: um acordo – Visita a emigrantes –
Vãs advertências – Cidade nova e a velha – Bremerhaven –
Partida para Paris – Recordações
pág. 35
III
Chegada a Paris – Entrevista com Winnicki – Notícias sobre nossa viagem –
Visita a Argolo Ferrão – Páscoa – Ceia na residência do Conde Z. –
Conversa com Santana – Audiência com o núncio apostólico –
Provisão de artigos de viagem – Saída de Paris – Caminho para Madri –
Madri – Chegada a Lisboa – A capital portuguesa
pág. 46
IV
Diário de bordo
pág. 65
V
Desembarque e primeiras impressões – Febre amarela –
Boas-vindas dos jornalistas – Artigo do Jornal do Comércio –
Minhas reflexões – Outros jornais –
Gentileza de Álvares Franklin e seu filho,
bem como do Senador Gomensoro
pág. 102
VI
O imigrante no Rio – O que o trouxe para cá? – Clima – Lamentável jornada
– Pai e filho – Salários – Preço dos mantimentos e da manutenção –
Infalível extermínio – A energia do governo brasileiro – Na igreja
pág. 107
VII
Calor do Rio – Aspectos de higiene – Vila Isabel – Barracão –
História do morávio – Declaração da Polícia – Dois engenheiros –
Brincadeira dos Milusinskis locais – Último serviço – Ponta do Caju –
Indescritível miséria – Sampaio – De novo os barracões –
Varsovianos – Minha incapacidade
pág. 113
VIII
A imigração e os agentes – Escravidão e imigração – As nobres intenções e o caráter
de D. Pedro II – Lutas difíceis – Primeira forma de arregimentação – Crescimento
da imigração – Leis de 1871 e de 1865 – Diminuição do número de escravos – Bons
exemplos – Total abolição da escravatura – Clamor dos fazendeiros – Segunda forma
de arregimentação – Santos e Fioritta, famosos empresários da arregimentação –
Enormes recursos e lucros – Queda do Império – Administração do governo –
Incríveis doações e concessões – Lei imigratória de 28 de março de 1890 –
Perspectivas para o futuro – Polpuda recompensa
pág. 122
IX
Poítica
X
Primeiras impressões – Praça Dom Pedro II – Ruas principais – Bondes – Lapa –
Botafogo – Jardim Botânico – Corcovado – Tijuca – Hipódromo – Vila Isabel –
Santa Casa de Misericórdia – Febre amarela – Beribéri – Docas – Igrejas –
Administração das irmandades – Duas visitas – Últimas impressões
pág. 158
II PARTE
I
Partida do Rio – Recordações – Estrada – Reflexões – São Paulo –
Primeiros contatos – Poloneses estabelecidos há mais tempo –
Imigrantes novos – Condições de trabalho – Salários – Preços –
Trabalhos extras – O ideal da volta – Saudade – Na igreja
pág. 183
II
Casa do imigrante – Primeira impressão – Narração uníssona –
Lamentáveis influências – Momento crítico – Conversa com o diretor –
Hospital – Verdadeiro desespero – Em terra apropriada – O adeus
pág. 189
III
Plantações de café – A febre do café – Preços – Especulação –
Origem das informações – Características de três fazendeiros exemplares –
O trabalho dos escravos – O trabalho dos brancos – Acordos primitivos –
Mudança do sistema – Salários atuais – Seu nível e espécie de trabalho –
Resumo geral – O imigrante polonês na fazenda – Primeiros passos –
Experiências amargas – Dimensão global da desgraça e suas causas –
O exemplo de Paulino – Sem exagero – Impressões gerais
pág. 195
IV
Motivos que me levaram a Campinas – O negro como trabalhador –
Brancos em relação a negros – Uma noite sem sono –
Bate-papo com Carlos – “O castigo de S. Benedito”
pág. 212
V
Surpresas – “Paciência!” – Hospital em São Paulo –
Assistência aos doentes – Santos – Mais uma vez “Paciência!” –
Imigrantes – O que os traz a Santos? – Lamentável destino – Cegueira
pág. 237
VI
Paranaguá – Morretes – Antonina – A maravilhosa estrada para Curitiba – Recepção
inesperada – Cortesia brasileira – Suum cuique – Feliz escolha – Leviana febre
imigratória – Casas de imigrantes em Tomás Coelho – O episódio de 10 de maio
– Barbárie – O estado de espírito dos imigrantes – Exploração – Dois irmãozinhos –
Os estrangeiros em Curitiba – Falta de entendimento – Os preços dos mantimentos
–“Cascudos” e Farrapos – Um provérbio – A maneira de ser dos partidos
pág. 242
VII
Colonização – Sua heterogeneidade – Qual a parte do Brasil mais adequada
para colonização? – Italianos, portugueses, espanhóis e habitantes do Norte –
Total despreparo para a colonização – Multidão à espera – Lamentável ociosidade –
Floresta virgem – Problema de engenheiro – Primeiros passos – Roça – Queimada
– Época difícil – A tribo selvagem dos botocudos – A absolvição de Dygasinski –
Primeira colheita – Salários do governo – Pagamento – Mercantilismo – Condições
de escoamento – Comunicações – São Mateus – Rio Negro – Ponta Grossa –
São Bento – Rio Grande – Colônias em Curitiba – Lamenha e o Dr. Blumenau –
A história dessas colônias e as condições de seu sucesso –
Exemplos de insucesso – Não há comparação
pág. 251
VIII
Volta ao Rio – Irregularidade de comunicação –
Ainda a febre amarela – Desvelo malfadado – Meus escrúpulos –
Uma carta aberta ao Jornal do Comércio – Um artigo do Barão de Taunay –
Audiência com o Ministro da Agricultura, Barão de Lucena –
Memorial – Destino dos que ficaram – Senador Gomensoro –
Imigração comprometida – Visão do futuro – Atraso do navio – Partida
pág. 272
IX
EPÍLOGO
BEM-TE-VI
Um quadro que tem por fundo a vida no Brasil
pág. 304
APÊNDICE
pág. 347
A TRADUTORA AGRADECE
A TRADUTORA E O LIVRO
1 Os resultados dessa campanha podem ser avaliados por este relato histórico. Após
1891, “ocorre uma diminuição da onda imigratória da Polônia, para nos anos 1895-
1896 intensificar-se. Era o chamado segundo período da ‘febre brasileira’. Os imigrantes
eram sobretudo habitantes da então Galícia Oriental, de onde vieram 7 mil colonos. Nos
primeiros anos do século XX ocorreu o terceiro período da ‘febre brasileira’. Nos anos 1897-
1905 vieram 8 mil poloneses do Reino da Polônia, e no período do dez anos seguintes,
mais cerca de 24 mil pessoas. Dessas ondas imigratórias participava o povo simples, e
apenas uma pequena porcentagem era constituída por intelectuais, professores e religiosos.
Somente após a revolução de 1905 encontra-se entre os imigrados um número maior de
intelectuais. A imigração desse período tinha muitas vezes o caráter político, visto que
desse grupo faziam parte jovens poloneses que haviam participado do movimento revo-
lucionário, ou ainda pessoas que fugiam do serviço militar no exército imperial russo”.
(MALCZEWSKI, 2007, p. 5.)
18 Pe. Zygmunt Chelmicki
Mikolaj Glinka.
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 31
Pois bem, naquele dia tão memorável para mim, quando, apesar
das relações tensas entre redação e tipografia, lá na parede o relógio um
tanto adiantado indicava meio-dia, entrou Mikolaj. Desta vez foi se enca-
minhando direto para mim e após um breve aperto de mão disse:
– Venho com uma proposta para o Reitor!
Com um ponto no fim de longa fileira de desajeitadas letras e fa-
las entre aspas causadoras do desespero dos pacientes tipógrafos – e graças
a eles e somente a eles consigo ler meu próprio texto nas colunas impressas
–, dirigi-me com o querido visitante para uma sala contígua à redação.
– Aqui estou – falei. – Em que posso servi-lo?
Parecia-me muito grave e solene a expressão de Glinka.
– Mscilawa e Antônio – disse, segurando-me a mão – peço que
apóiem a minha causa!
Senti um calafrio percorrer minha espinha. Como um relâmpa-
go, uma súbita idéia me atravessou a mente: por recomendação de Mikolaj,
acaba de chegar a nonagésima sétima candidata de oitenta anos ao Abrigo
das Professoras, e lá já não há mais um só lugar disponível. Lentamente,
aos poucos, comecei a formalizar uma série de argumentos, a fim de con-
seguir convencer o conselheiro da impossibilidade de atender à eventual
exigência.
Enquanto isso, os outros colegas de redação começaram a se
aproximar.
– Pois bem, Reitor, – disse Glinka – para encurtar, vou direto ao
assunto: o Reitor terá de viajar comigo ao Brasil!
– O quê? – irrompeu uma só voz das quatro bocas.
– O nosso querido conselheiro está hoje de muito bom humor
– retruquei rindo.
– Nunca falei tão sério como neste momento – continuou
Glinka. – Vocês mesmos sabem perfeitamente a que proporções chegou
a febre emigratória para o Brasil. Gente iludida com as promessas dos
agentes está contagiada pela febre emigratória. De nada adianta qualquer
persuasão. “Os senhores – retrucam eles – invejam a nossa sorte!” As ad-
vertências da parte dos padres não surtem efeito. “Na primavera – dizem
também – quem estiver vivo, partirá para além-mar.” Vocês mesmo publi-
caram algumas das cartas tão desesperadoras, de cortar o coração, daque-
32 Pe. Zygmunt Chelmicki
pular dentro da água. Por isso, eu queria saltar de uma vez, na esperança de
que, em face do fato consumado, outros pensamentos tomassem conta de
minha cabeça em lugar da insistente apreensão e inquietação com sombrias
previsões.
Por tudo isso, senti-me realmente aliviado, quando, em 25 de
março, me encontrei na Estação Central de Varsóvia–Viena e constatei que
ao meu redor havia um grupo de pessoas caras ao meu coração de cujas
faces pareciam vir palavras de conforto: “Confie em Deus e volte feliz!”, e
cada aperto de mão me dava um alento da coragem.
Por isso, ao embarcar no trem, fortalecido na fé e na esperança,
disse intimamente:
– Então em frente, em nome de Deus!
Momentos depois, foi dado o sinal de partida. O trem pôs-se em
movimento; entre nuvens de fumaça apenas pude ver lenços abanando.
Por longo tempo ainda fiquei em pé junto à janela, com o pen-
samento fixo naqueles de quem acabara de me despedir. Involuntariamen-
te, uma lágrima quente me rolou pelo rosto. Olhei para meu querido com-
panheiro de viagem e vi que ele também estava com os olhos úmidos. Em
silêncio nos demos as mãos, e ambos sentimos que esse forte aperto nos
uniria por muito tempo, para sempre.
Enquanto isso, o trem corria, distanciando-se, cada vez mais
longe. Aqui e acolá, em algumas estações, estendia-se para nós ainda al-
guma mão amiga, acompanhada de um sincero e cordial “Que Deus os
acompanhe!”
Desceu o crepúsculo, e a pálida luz das lâmpadas do vagão não
conseguia nos arrancar da profunda meditação. Pelo acúmulo de pensa-
mentos e sensações que nos apertavam a cabeça e o coração, a tentativa de
um diálogo foi inútil.
A aurora de um dia de primavera surpreendeu-nos já perto de
Berlim.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
II
BERLIM – ESPANTOSA TRANSFORMAÇÃO – CHEGADA A
BREMEN – DETALHES SOBRE OS EMIGRANTES – ASSO-
CIAÇÃO SÃO RAFAEL – PADRE SCHLOSSER E A LLOYD:
UM ACORDO – VISITA A EMIGRANTES – VÃS ADVER-
TÊNCIAS – CIDADE NOVA E A VELHA – BREMERHAVEN
– PARTIDA PARA PARIS – RECORDAÇÕES
F AZIA 19 anos que eu não passava por Berlim. Por isso, Berlim ficara
gravada na minha memória como uma cidade fundamentalmente prussiana
– rígida, burocrática e casmurra. Desde aquele tempo, procurava cuidado-
samente evitar a capital da Alemanha unida, preferindo desviá-la a esbarrar
nela, mesmo que isso aumentasse o caminho. Que enorme mudança encon-
trava agora! A própria entrada de trem urbano já permite sentir que em 19
anos Berlim perdera sua antiga característica e personalidade. Aquelas ruas
compridas, magníficas, reluzentes de limpeza, lojas com luxuosas vitrines,
prédios semelhantes a palácios, tudo isso acompanhado de um agitado movi-
mento de multidão foi para mim surpreendente novidade. Só as velhas tílias
conservavam seu antigo aspecto, apesar de salpicadas de lâmpadas elétricas,
pendentes de festões de ferro; porém aquele cunho prussiano, ninguém será
capaz de lhe tirar. Eu dispunha de apenas algumas horas, tempo a preencher
36 Pe. Zygmunt Chelmicki
com as necessárias compras de livros e mapas. Por isso não havia a mínima
possibilidade de visitar a Berlim de hoje. Levei somente uma impressão su-
perficial, percorrendo apenas algumas ruas; mesmo assim, isso foi suficiente
para reconhecer que Berlim – da qual os alemães tanto se orgulham – se
transformara numa verdadeira metrópole mundial.
Às 12h, o trem partiria para Bremen; era preciso me apressar,
pois pretendíamos chegar a Paris na Páscoa e já estávamos na Quarta-Feira
Santa. Por isso, continuamos a viagem.
O tempo corria para nós quase na mesma velocidade do trem.
Eram tantas as questões a tratar, tantos os projetos a arquitetar, que nem
nos demos conta quando, às 9h da noite, estávamos chegando a Bremen.
Já era tarde demais para pensar em encaminhar qualquer coisa.
Limitamo-nos, pois, a obter aqui e ali algumas informações soltas sobre
emigrantes. Já de entrada, garantiram-nos unanimemente que nos últimos
tempos o número de emigrantes oriundos do Reino da Polônia diminuíra
consideravelmente, e o último navio que partira levara apenas umas 30
famílias para o Brasil. Estes foram os emigrantes mais pobres, sem nenhum
recurso, e o seu transporte tinha sido pago pelo governo brasileiro. Outros,
com algum recurso financeiro, geralmente vão para os Estados Unidos.
Cada pessoa que interrogamos sobre os nossos emigrantes, qua-
se sempre começava com a seguinte resposta: “Ah, die armen Leute!” (“Ah,
essa gente pobre!”), seguida do relato de uma série de detalhes sobre o
infortúnio, o desamparo e a completa ignorância desses coitados. Parece-
me que, no entender desses bremenenses, eles são o sinônimo da própria
miséria, de humildade e, acima de tudo, de desmedida ingenuidade. Com
toda a razão, posso até afirmar que muitas vezes notei mais sentimento de
compaixão por eles do que tendência à exploração ou ao roubo.
É fácil, pois, presumir que esses detalhes não podiam nos agra-
dar de maneira alguma. Resolvemos então procurar a mais farta e mais
fidedigna das fontes de informação, e esta nos foi indicada unanimemente
na pessoa de dois sacerdotes locais, os padres Schlosser e Prahaz, respon-
sáveis pela Associação São Rafael, que tem por objetivo proteger moral e
materialmente os emigrantes.
Essa associação foi fundada em 1872 por ocasião da Assembleia
Católica em Mogúncia. O responsável por ela é padre Karol Isenbgerg-
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 37
detalhes, sua antiga finalidade. Não menos digno de ser visto e também em
estilo gótico é o enorme edifício da Câmara Municipal, cuja construção
teve início no século XI, sendo rigorosamente preservadas as antiguidades
primitivas pelo Conselho de Bremen, que atualmente deu início a uma
completa restauração. Diante da Câmara Municipal, está erguida a gro-
tesca estátua de Adolfo XIII, de enormes proporções, a qual se acha em
evidente abandono, possivelmente com o objetivo de encarregar à ação
do tempo sua obra de destruição, que mão humana alguma teria cora-
gem de realizar.
Infelizmente, a escassez de tempo não nos permitiu dar uma
chegada a Bremerhaven, distante a mais ou menos três horas de viagem
de Bremen, onde se encontra o porto de partida dos navios para o mar.
Não só os bremenenses mas os alemães em geral sentem-se orgulhosos
do movimento que reina em Bremerhaven. De lá, grandes navios levam
produtos alemães para todas as partes do mundo. Da mesma forma, é lá
que a Nord Lloyd tem navios, que concorrem com os franceses e ingleses
no aperfeiçoamento deste meio de transporte para além-mar. Contaram-
nos também, com muito orgulho, que recentemente um dos navios do
Lloyd percorreu o trecho Nova Iorque − Bremerhaven em 6 dias. Essa
viagem deve marcar época nos anais da navegação marítima quanto à
velocidade.
Aproximava-se finalmente a hora de nossa partida.
Deixamos Bremen, levando impressão um tanto triste. A lem-
brança daqueles pobres – vítimas não só da perversidade e logro dos
agentes mas também da sua própria credulidade e estupidez, juntando-se
a isso a cega teimosia nas suas absurdas esperanças, – deixa qualquer pes-
soa profundamente abalada. Somente agora conseguimos convencer-nos
de quão infrutífera devia ter sido toda a sorte de persuasão, mesmo
baseada nos mais fortes argumentos, uma vez que sofrendo inúmeras
decepções, alguns até enfrentando a mais dura miséria, ainda assim
sucumbem a uma formal loucura emigratória. Partíamos sem ter conse-
guido nada, apesar de a notícia sobre a proibição da entrada de novos
emigrantes poloneses aos que aguardavam em Bremen a próxima partida
ter sido divulgada não só por nós, como também pela Lloyd e donos de
hospedarias.
44 Pe. Zygmunt Chelmicki
Bremerhaven
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 45
P ODERÁ existir algo menos atraente que um chuvisco com neve numa
manhã de março? Vidros embaçados das janelas do vagão, frio penetrante,
tristonhas nuvens encobrindo o horizonte, incessante bater de gotas de
chuva nas vidraças do vagão, mais o monótono barulho das rodas, tudo
isso não predispõe para animação. E o que dizer se com tudo isso ainda
persistem dentro da alma aqueles tristes pensamentos e amargas lembran-
ças que trazemos de Bremen? Foi nesse estado de profundo abatimento que
chegamos à Estação Norte, de Paris, para seguir dali à procura do abrigo
num teto de hotel mais próximo.
A cidade estava ainda como que imersa num meio-sono.
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 47
das, entre o povo, as mais fantásticas lendas sobre o Brasil e a felicidade que
lá aguarda os emigrantes. No entanto, Nery não nos ocultou o fato de que,
diante das acusações que a imprensa europeia levantou contra o governo
brasileiro, vamos encontrar inúmeras dificuldades.
– Sem dúvida – acrescentou – aos poucos os senhores conse-
guirão dissipar essas desconfianças. Isso, porém, dependerá somente dos
senhores.
Por fim, Nery providenciou algumas cartas de recomendação
dirigidas a personalidades influentes do Rio de Janeiro e além disso prome-
teu mandar sem demora matéria para o Jornal do Comércio, em que apre-
sentará o real objetivo de nossa viagem. E aqui de novo fomos agraciados
com uma lembrança, a obra Le Brésil en 1889, escrita por ele.
Não tivemos motivo para duvidar que Nery se desincumbisse
positivamente da promessa feita. Ele nos deu, sob todos os pontos de vista,
uma boa impressão.
De modo geral, comecei a me convencer que o próprio governo
brasileiro não tem influência direta sobre a hedionda arregimentação de emi-
grantes. Sua única culpa consiste no fato de – ao estimular os agentes com
polpudos prêmios pelo número de emigrantes apresentados – atiçar a des-
medida ganância deles e se descuidar do devido controle para evitar abusos.
A literatura francesa não é muito rica em obras que tratam do
Brasil. Por isso, nossas andanças pelas livrarias não produziram o resultado
esperado. Assim, nos livros já conseguidos ou nos que me foram fornecidos,
não encontrei mais nada de interessante. Levei somente mais uma obra, de
Ernest Michel, À Travers l’Hémisphère Sud, com alguns capítulos dedicados
ao Brasil. Por isso, em geral, quem desejar conhecer mais profundamente
as condições existentes no Brasil terá que se sujeitar, em grande parte, a
empreender por conta própria observações e laboriosa pesquisa. As obras
escritas pelos próprios brasileiros pecam pela tendenciosidade na maioria
das vezes, pois no fundo eles são movidos pelo interesse de, direta ou indi-
retamente, atrair a imigração e, daí, apresentar tudo de forma cor-de-rosa.
Outros autores, por sua vez, limitam-se, geralmente, a descrever impres-
sões de viagem, mas tratam apenas superficialmente das condições sociais,
econômicas e até mesmo políticas. Por esse motivo, quaisquer referências
escritas, inclusive com menos habilidade, têm o valor de material primi-
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 53
12 “Nun, Heinrich, erzähle mal, wie war’s in..:”, em português: Conte então, Heinrich,
como era em... E “Nein! Wie schön!”, em português: Não diga! Que bonito! (N. da T.)
58 Pe. Zygmunt Chelmicki
Lisboa.
60 Pe. Zygmunt Chelmicki
Brésil.
64 Pe. Zygmunt Chelmicki
8 de abril
até elas, à medida que o rio vai se alargando, vão desaparecendo da vista.
Vindo de longe, percebe-se estranho rugido: é o eco das ondas do mar
agitadas por forte vento.
Descemos para a sala de refeições iluminada al giorno18, onde o
som da campainha nos chamava para o almoço. Em volta das mesas, ale-
gria ruidosa; diversas figuras vão se introduzindo a seguir. Todos os com-
panheiros de viagem apareceram em conjunto, são perto de 200 pessoas.
Uma verdadeira babel. Ouvem-se quase todos os idiomas, prevalecendo o
francês e o português. O maître d’hôtel, com ar festivo, indica nossos luga-
res. Sentamo-nos, fazendo leve mesura com a cabeça para cumprimentar
os quatro companheiros de mesa. Eles são portugueses. Um deles, Leo-
nardo, professor de música no Rio de Janeiro, fala um pouco de francês;
enfim, é preciso se entender arranhando o português, o que não impede
que a conversa transcorra animada.
Ao mesmo tempo, começamos a sentir um movimento até agora
desconhecido, um suave oscilar de um lado para outro. Espiei pela janela
e vi uma onda bem pertinho ou, quando ela desaparece, se descortina de
novo uma imensidão de água até onde a vista consegue alcançar. O navio
começa a balançar. Quanto mais avançamos, tanto mais o balanço se torna
aborrecido. Momentos depois, alguém sai da mesa e nervosamente corre
para baixo: é a infeliz vítima do mal do mar. Rangem as paredes do navio,
vagalhões batem com estrondo contra o casco; só a hélice, zombando da
braveza do oceano, continua acionando do mesmo jeito o poder de suas
pás e vai impulsionando o gigante para frente. Com ingenuidade de no-
vato, pergunto se o navio sempre balança dessa maneira. “Mais ou menos
sempre”, respondem-me, “só que no momento, por causa da proximidade
do vento e da terra, o balanço é um pouco mais forte”.
Bela perspectiva!
Ao redor, já se fez noite escura. Do convés só se pode enxergar
a pouca distância o rolar das ondas. O vento frio não nos permite perma-
necer ali por mais tempo; aliás, estou sentindo uma vontade invencível de
ir para a cama. Apesar de não serem ainda oito horas, desço ao camarote e
procuro descansar.
9 de abril
O dia de hoje foi horrível.
Ainda não fiquei doente, mas sinto que estaria bem melhor, se
isso acontecesse. Minha cabeça pesa como se fosse de chumbo. O marulho
da água deslizando pelas paredes do navio e o monótono e contínuo ruído
da hélice me despertaram seguidamente.
Por fim, levantei-me. Nova frustração. Impossível manter-me
em pé. Para me vestir, fui obrigado a fazer incríveis evoluções acrobáticas.
Saio finalmente para o corredor, ali também cambaleei, caindo contra a pa-
rede. Com dificuldade, segurando-me no corrimão, me arrastei até o con-
vés. Pior ainda! Aqui o balanço do navio é mais acentuado: ele se faz sentir
muito maior. Há certos momentos em que parece que o navio inclinado
pelo peso vai virar e junto nos levar para o fundo do mar. Porém uma força
misteriosa nos levanta, mas é só para nos atirar de novo ao outro lado. Não
há outro jeito, atiro-me na primeira poltrona. Infelizmente, aqui também
sou obrigado a manter-me equilibrado sobre os pés. Tento ler, momentos
depois deixo o livro de lado. Fico observando o mar. Estranha sensação! A
água que era azul-escura tornou-se esquisitamente grossa, cor de chumbo.
Ela se encolhe apenas em alguns lugares e rola, o seu dorso brilha aos raios
do sol que vêm até nós. Muitas vezes essa montanha de água não consegue
nos alcançar, espatifando-se no caminho, e seu ponto mais alto cobre-se de
espuma branca, que depois, como por castigo dessa impaciência, precipita-
se no abismo líquido, formando um vale profundo. Muitas vezes, duas des-
sas montanhas se encontram e então, com surdo estrondo, desmoronam
para as profundezas ou, chiando, se espalham para todos os lados. A vida e
a luta fervilham na superfície fulgurante ao oceano. Sopra um forte vento
norte, por isso foram abertas as velas. Estamos navegando com a veloci-
dade de 16 milhas inglesas por hora, ou seja, a quase 27 quilômetros por
hora. É uma velocidade comparável à de um trem de carga. Comenta-se
por aqui que, se continuar assim, chagaremos um dia mais cedo em Dacar.
É um consolo muito pequeno em vista de cada hora ser intolerável. Desço
ao salão com o intuito de transmitir ao papel minhas impressões. Mas o
navio sacode tanto que não me é possível firmar a caneta, saindo por isso
uns ziguezagues disformes, que eu mesmo terei dificuldade para decifrar.
Não travei conhecimento com ninguém até agora, pois todos aparentam
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 71
10 de abril
O navio é no mais completo sentido da palavra uma pequena ci-
dade com todos os seus defeitos. Basta conhecer uma ou outra pessoa, para
saber da vida dos outros, de onde vêm, o que fazem, para onde vão, etc.
Convenci-me disso exatamente hoje, quando, ao subir ao convés, muito
mais animado, travei conhecimento com um casal uruguaio, que, depois
de passar alguns meses na Europa, estava voltando para Montevidéu. No
decorrer de quinze minutos, fiquei conhecendo quase todo o navio, se não
pessoalmente, pelo menos através das minuciosas informações que os meus
recém-conhecidos prazerosamente prestaram.
– Aquele senhor, por exemplo, – dizem eles – é um rico fazen-
deiro de São Paulo. Ele torrou em menos de seis meses perto de 600.000
francos19 em Paris. Aquele outro, em tempos passados, um nababo em
Buenos Aires, agora, em consequência da crise argentina, está liso como
barriga de cobra, mas a pose é arrogante, não é mesmo? Eles são todos
assim, esses argentinos! Ou este casal, por exemplo, com numerosa prole,
não poderia ficar em casa e cuidar dos negócios, que francamente não an-
dam lá essas coisas? O senhor está vendo essa senhora que passou por nós
agora há pouco? Nenhuma mulher direita lhe estende a mão.
Dessa maneira tive um relato detalhado sobre quase todos. Não
consigo imaginar de onde essas pessoas, que nunca antes se conheciam e
que provavelmente nunca mais se encontrarão na vida, sabem tanto umas
sobre as outras. São os mistérios das relações humanas, que infelizmente
encontramos não só no navio.
Naturalmente, nessas condições não me entusiasmo em ampliar a
roda de meus conhecidos. Basta-me, por enquanto, o meu companheiro de
mesa, Leonardo, com quem a conversa é proveitosa em vista de seu perfeito
Algum dia, por acaso, esperava eu ver com meus próprios olhos
as costas do Saara? Pois vi essas costas durante várias horas. Durante a noite
passamos ao largo das ilhas Canárias, mas no momento estamos beirando
a costa oeste da África. De longe já se pode avistar aquele oceano de areia.
A região é plana e deserta; em alguns lugares aparecem pontos escuros com
forma de cabana: são moradas de pescadores. Correntes de ar quente che-
gam até nós e logo se desmancham pelo ímpeto do navio. Todos, agarrados
à amurada do convés, olham atentamente essas infindáveis areias talvez à
espreita de algum sinal de vida. Inutilmente! É só deserto morto por toda
a parte; nuvens de poeira se levantam levadas pelo vento para muito longe.
A paisagem é triste, mas mesmo essa lúgubre perspectiva da terra nos enche
de certo ânimo. Instintivamente lembra-nos que salvação contra o mar só
se pode procurar lá.
Hoje, fui até a proa do navio. A vida lá é simplesmente diferen-
te. Nos diversos cantos e becos, grupos de passageiros abrigam-se das fortes
raios do sol. Uns dormem, outros conversam, outros ainda, deitados, ob-
servam as ondas distantes. Estes com certeza estão pensando naqueles que
talvez deixaram para sempre.
Estamos levando a bordo um destacamento de soldados france-
ses, que vão para o Senegal. Lá os esperam os horríveis dois anos de luta
mortal contra o clima e as doenças. Quantos deles não mais verão a Fran-
ça?! Nos rostos, a marca da tristeza e abatimento.
Algum português está tocando bandolim, uma menina peque-
na, com mãozinhas frágeis, apanha as bordas do próprio vestido e ten-
ta dançar. O navio inclinou-se mais forte para um lado e a pobrezinha
cambaleou. Não fosse a atenção da mãe, que a abraçou na hora, ela teria
caído. Mas a pequena não se apavorou e continuou a dar passinhos com
os pequeninos pés.
Logo adiante, de ambos os lados do navio, estão gaiolas, em que
são levados bois vivos, novilhas, carneiros e aves, e, graças a isso, temos
sempre carne fresca. Já ao lado, está o matadouro e uma padaria, de onde
a toda hora saem grandes quantidades de carne e de pão assado. A proa do
navio propriamente dita é destinada para alojamento da tripulação e dos
serviçais de bordo. Lá é quente e abafado. As camas são estreitas, três ou
quatro superpostas.
74 Pe. Zygmunt Chelmicki
20 Está wist no original. No entanto, o A. deve se referir ao whist, uíste – “jogo muito
difundido no s. XVIII e, especialmente, no s. XIX, ancestral do bridge (que o acabou
eliminando), disputado com um baralho de 52 cartas, que é dividido equitativamen-
te por quatro jogadores em duas parcerias, valendo um ponto cada vaza acima das
seis que compõem o book” (HOUAISS, 2001, s.v.); écarté, em francês, é um jogo de
cartas; e piquete, vinho ruim. (N. da T.)
76 Pe. Zygmunt Chelmicki
11 de abril
Todas as nossas esperanças de chegar mais cedo a Dacar resul-
taram vãs. Alguma coisa estragou em nossa máquina; estão dizendo que
foi superaquecimento do eixo, e em consequência estamos parados desde a
manhã, abandonados ao sabor das ondas. Não conhecia até agora, graças a
Deus, o que vem a ser o desconforto numa tempestade, mas acaso existe algo
mais insuportável que o descontrolado balançar de um navio, feito joguete
nas ondas do mar? A força da propulsão, pelo menos, dá ao navio certa re-
sistência ao balanço. Em dado momento, ele reúne todas as energias para ar-
rancar das profundezas um dos seus flancos e debruçar-se sobre o outro lado;
essa energia é em parte transmitida automaticamente ao homem, que assim
sente que aquele gigante não se deixa dominar pelas ondas. A situação é bem
diferente quando a máquina está parada, inerte, e o mar joga o navio como
se fosse uma casquinha de noz. Desaparece por completo toda e qualquer re-
sistência ou pelo menos ela não é sentida. O navio parece estar caindo numa
sonolência da qual não se pode despertá-lo e deixa que as ondas façam dele
um brinquedo. Mas, por Deus!, como essa brincadeira nos custa caro! Me-
tade dos companheiros de viagem está deitada nos seus camarotes, doente,
e os outros vagueiam pelo convés macambúzios e deprimidos. Cada oficial,
cada marinheiro, cada servente é coberto pela única pergunta que parte de
dezenas de bocas: “Será que a máquina já foi consertada?” E a resposta, com
certa fleuma, é sempre a mesma: “Ainda não.”
Um terrível desânimo começou a tomar conta de mim. Tristeza,
saudade, aborrecimento, tudo isso vem de mãos dadas, para me atormentar
impiedosamente. Gostaria que caísse uma tempestade, que o navio fosse
para o fundo do mar de uma vez, contanto que parasse de balançar e per-
mitisse, ao menos por um momento, sentir uma estabilidade tranquila.
Mas, até o momento, só chega até nós o som das batidas de
martelos no ambiente das máquinas. Quando ele pára por um instante,
acende a esperança: talvez já terminaram. Que nada, continuam batendo!
Procuro um lugar mais calmo em todos os cantos ao navio. Desço ao ca-
marote para ver se na cama me sinto melhor. Em vão! Por toda a parte, o
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 77
12 de abril
Somente às 3h da madrugada seguimos caminho.
Estávamos navegando, mas Deus nos ajude, de que modo! E já
circula o boato de que vai ser assim a viagem inteira, até o Rio. Por quê? Só lá
existe possibilidade de fazer conserto completo da máquina. Seja lá o que for,
pelo menos cessa este insuportável balanço, e o navio balança apenas normal-
mente. O fato é que nesta altura provavelmente já nos acostumamos e não
nos causa nenhuma aversão. Em vez disso, o calor começa a nos atormentar.
Não se sente nem o mais leve sopro de vento, e, apesar de estenderem toldos
sobre todo o convés para nos proteger contra os raios solares, o calor abafado
domina por toda a parte. A água mudou de cor e de azul-escuro passou para
violáceo, porém o navio vai abrindo caminho entre as ondas, que se movem
molemente como se fossem de óleo. A superfície inteira do oceano está en-
crespada fazendo lembrar um campo recém-arado. De tempos em tempos,
bandos de peixes-voadores levantam voo mantendo-se bom tempo no ar
sobre as águas, as escamas brilhando à luz do sol, e alguns metros adiante
atiram-se novamente no mar. Parece que essa é para eles a única maneira de
escapar do seu predador. Acontece às vezes que alguns deles ao fugir entram
em pânico e se atiram no navio e até pelas janelas abertas dos camarotes.
Hoje conheci um personagem muito interessante, dr. Gaad, di-
namarquês, que já residiu quinze anos no Brasil e que conhece profunda-
mente o país. Passamos algumas horas numa palestra muito útil. Não lhe é
desconhecida a sorte dos emigrantes, pois há alguns anos tinham chegado
a São Paulo várias centenas de dinamarqueses, igualmente atraídos pelas
78 Pe. Zygmunt Chelmicki
13 de abril
(Dacar)
Vista de Dacar.
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 79
Reparei num garoto de uns oito anos, que não conseguindo igua-
lar-se aos desafiantes mais velhos, nadando, afastou-se para um lado e com
voz chorosa implora para que lhe deem também oportunidade nessa he-
dionda competição. De dentro da água só aparece sua cabeça encaracolada
e um par de brancos olhos esbugalhados. Vem a onda e enche-lhe a boca, o
que o faz se engasgar, mas o coitadinho não para de bradar. Não sei se por
piedade ou por brincadeira, alguém lhe atirou uma moeda, mas logo aparece
um companheiro mais velho e num piscar de olhos pesca do fundo do mar a
moeda faiscante. Aí o pequeno desata a chorar, enquanto os outros se rego-
zijam. Mas, assim mesmo, ele não se dá por vencido e, esfregando os olhos
com a mão molhada, continua tentando nova oportunidade.
Não posso entender como é que a polícia marítima pode con-
sentir tão revoltante mendicância. Sem falar do lado moral dessa pesca
aviltante, há o perigo que ela representa, uma vez que as costas de Dacar
são famosas pela quantidade de tubarões, que todos os anos, dizem, fazem
numerosas vítimas. Como única defesa contra esses vorazes monstros, todo
negro usa no peito o “cricri”, uma espécie de escapulário, feito de couro,
dentro do qual o pajé costura um pedaço de tubarão ou uma pequena con-
cha ou pedrinha. Esses “cricris” às vezes alcançam preços bem altos. Muitas
vezes um pai o indica como herança para o filho, e este com veneração
quase religiosa cuida do talismã como a menina dos olhos.
Admiro muito a resistência desses adolescentes, pois alguns de-
les por um preço combinado, atravessam nadando por baixo do navio. Essa
perigosa travessia demora, de acordo com o relógio, uns 40 segundos.
Fiquei sabendo que por diversas vezes as autoridades locais ten-
taram proibir tais exibições, mas os negros sempre conseguem driblar a
vigilância; por isso, agora elas tomaram uma atitude de tolerância.
Aos poucos, estão chegando também embarcações maiores com
mercadores diferentes. Eles vestem adornos fantásticos, geralmente uma
espécie de casula grande de algodão multicolorido, parecida com um pon-
cho. Nas cabeças usam o fez, isto é, o turbante. Cada um faz propaganda
da sua mercadoria: bengalas feitas de espinha de tubarão, papagaios, ma-
cacos, tigelas feitas de casca de coco, alfanjes, lanças e outros objetos do
gênero. Outros ainda se oferecem como cicerones em Dacar. Aproveitamos
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 81
23 Expressão com que a Igreja Católica indica o caráter meramente honorífico e não
efetivo do título de um bispo encarregado de missão especial, em localidades com
predomínio de não católicos. (HOUAISS, 2001, s.v.) (N. da T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 83
com o dedo para seguirmos seu exemplo. Bastou isso para nos convencer
que realmente laços de confiança devem ligá-lo ao rei. Curvando, então, as
costas, entramos. O mesmo é repetido por mais alguns companheiros de
viagem, que se juntaram a nós durante a caminhada.
O Rei de Dacar.
Já na entrada somos dominados pela escuridão, que no primeiro
momento não nos permite distinguir objetos. O único acesso de luz é pela
abertura pela qual entramos há pouco, e ele infelizmente é no momento fecha-
do pelos companheiros. Aos poucos a vista vai se acostumando e com curiosi-
dade começa a vagar por essa original sala de recepção. A própria terra batida
serve de assoalho, na qual engatinham algumas crianças negras, fugindo, é pro-
vável, por causa dos recém-chegados, para um canto mais escuro. Não se veem
móveis de espécie alguma, no entanto de um amontoado de trapos começam
a erguer-se pesadamente alguns vultos escuros, seminus, ou parcialmente co-
bertos de ponches rasgados. Uma negra corre apressada para um canto e volta
trazendo um enorme chapéu todo enfeitado de penduricalhos, colocando-o
em seguida sobre a cabeça de um velhote que começa a levantar-se com dificul-
dade. É o símbolo de nobreza real. O nosso guia se aproxima dele, sacode
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 85
14 de abril
Partimos somente à meia-noite, porque até essa hora estavam
consertando as máquinas. Isso nos faz alimentar a esperança de viajarmos
com maior rapidez e sem interrupções. Infelizmente, essas previsões não
se concretizaram. De manhã, na hora do café, apareceu o comandante e
anunciou que o navio vai parar. Realmente estamos parados, balançando
da mesma e insuportável forma como da vez anterior. Além disso, o calor
está atormentando terrivelmente. O termômetro indica 30 graus Réau-
mur29 à sombra. Aqueles que conseguiram resistir à doença do mar, ten-
tam, com um improvisado caniço, pescar algum peixe. Mas até agora não
vi ninguém conseguir apanhar algo das profundezas do mar. Em vez disso,
um garotinho – debruçando-se demais na borda do navio para observar
atentamente essa pesca infrutífera – por pouco não caiu na água. Esse qua-
se acidente distraiu por alguns momentos todas as pessoas, tirando-nos do
torpor que nos tinha acometido.
A cada passo, alguém desce até o compartimento das máquinas,
mas volta sempre com a mesma notícia. Ainda estão consertando!
15 de abril
Hoje faz precisamente uma semana que estou no mar, mas pare-
ce já estar há um século inteiro. É bem verdade que dentro de uma semana
deveremos estar no Rio, mas ninguém pode determinar a data exata da
chegada devido ao estado lamentável de nossa máquina. Perto do meio-dia
foi dado sinal de partida. Sentimo-nos aliviados e mais animados, mas já
estão profetizando que a qualquer momento a máquina pode encrencar e
de novo seremos obrigados a parar. Essa incerteza é torturante.
Procuro reunir o resto das minhas energias para pegar no livro,
mas encontro certa dificuldade e as letras se deslocam preguiçosamente
diante dos meus olhos.
Felizmente, o dr. Gaad cumpriu o que prometeu e fez as apresen-
tações entre mim e o fazendeiro Negreiros. É um homem bom, ainda muito
jovem, pois só tem 26 anos, sendo casado há oito. Possui plantação de café
nos arredores do Rio Claro, na Província de São Paulo. Tem uma conversa
agradável e muito boa vontade para prestar esclarecimentos e detalhes. Sen-
tamo-nos próximo ao timão, onde costuma haver menos gente e lá passamos
quase duas horas, prometendo mutuamente, quando aparecesse oportuni-
90 Pe. Zygmunt Chelmicki
16 de abril
17 de abril
18 de abril
19 de abril
20 de abril
Não temos nem concerto nem tômbola nem danças, apenas uma
simples coleta. Os frios observadores venceram, e o desenrolar dos aconte-
cimentos, ou melhor, a razão dessa vitória é interessante e instrutiva.
21 de abril
22 de abril
para os quais os fogos de artifício são algo assim como a música para os
italianos, a dança para os espanhóis e a cerveja para os alemães.
Tudo isso excita a imaginação, desperta a sensibilidade, encanta
e inebria. De tempos em tempos, contudo, quando os olhos se fecham,
desligando-se desses quadros maravilhosos, e a mente percorre as ondas
escuras do querido Rio, a saudade faz a gente se sentir entre os nossos.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
V
DESEMBARQUE E PRIMEIRAS IMPRESSÕES – FEBRE
AMARELA – BOAS-VINDAS DOS JORNALISTAS – ARTIGO
DO JORNAL DO COMÉRCIO – MINHAS REFLEXÕES – OU-
TROS JORNAIS – GENTILEZA DE ÁLVARES FRANKLIN E
SEU FILHO, BEM COMO DO SENADOR GOMENSORO
serviçais, cordiais “Até mais ver!” ou “Feliz viagem!” espalhados por aqui e
por ali; numa palavra, nervosismo e atividade febril, assistidos com certa
curiosidade pelas gaivotas que circulam no ar.
Finalmente, às 7h da manhã chegaram a polícia marítima e a
comissão sanitária. Momentos depois, dezenas de bocas gritaram alegre-
mente “Para a terra!”
Aproveitando a amabilidade do dr. Gaad, recepcionado pelo
seu irmão residente no Rio, que chegara de lancha a vapor, não tivemos
necessidade de tomar uma incômoda e frágil canoa. Estávamos ansiosos
por sentir finalmente o solo firme debaixo dos pés; além disso, cada mo-
mento perdido em relação aos compromissos que nos aguardavam e que
só aqui deveriam começar, nos parecia irrecuperável. Então, com pressa fe-
bril, esgueirando-nos com dificuldade no meio da multidão que aguardava
condução, descemos correndo pela escada em direção à lancha, onde já nos
esperavam os funcionários da alfândega, a fim de revistar nossas bagagens
miúdas. Deveríamos retirar o resto da bagagem já na cidade, na Alfândega
Central.
Mais um grito de Adieu!, respondido com um acenar de lenços,
e a nossa lancha, com velocidade de flecha, começou a cortar as ondas da
baía. O Brésil foi aos poucos desaparecendo de nossas vistas, enquanto
cada vez mais nítida aparecia a imagem da Praça Dom Pedro, onde meia
hora mais tarde desembarcávamos em terra firme.
Enfim chegávamos ao destino!
Cessara o insuportável balanço, e as pernas, como que não acre-
ditando na possibilidade de pisar na calçada firme da cidade, cambaleavam
sob o peso do corpo. Depois de tantos dias de sossego, o movimento e o
alarido da cidade grande nos pareciam algo esquisito, estonteante, mas ao
mesmo tempo sentimos incontida necessidade de abrigo.
Infelizmente, os boatos sobre a febre amarela reinante no Rio se
confirmaram. Neste ano ela se manifestou mais virulenta, e a temporada
epidêmica prolongou-se de forma incomum. Como ela é inimiga particu-
larmente dos estrangeiros, não nos restava outra alternativa senão seguir o
conselho dos mais experientes e nos instalar fora da cidade, na Tijuca, onde
a permanência costuma ser muito mais segura. Mas conseguir isso não foi
tão fácil assim. Todos que possuem algum recurso fogem da cidade para o
subúrbio. Em consequência, todos os hotéis e residências se encontravam
104 Pe. Zygmunt Chelmicki
Imigrante típico.
dias, caíam doentes. As doenças mais frequentes e mais comuns são dores de
cabeça, disenteria, debilidade, feridas, erupções pelo corpo inteiro.
Já não falo das crianças, porque essas de antemão estão conde-
nadas à morte.
Não! Não aconselho ninguém a olhar para esses míseros rosti-
nhos, enrugados, amarelados, nos quais o anjo da morte já deixou marca.
Não encontrei uma só família que não chorasse a morte de um, alguns ou
até mesmo de todos os filhos.
Mas as coisas não terminam aí. Muitos chegam à capital já com
as forças totalmente esgotadas. Encontrei alguns que vieram a pé do Rio
Grande do Sul, distância comparável à de Nápoles a Varsóvia, talvez até
um pouco maior, caminhando durante três meses, na maioria das vezes à
custa de esmola e caridade. Fizeram esse percurso sempre acompanhando a
orla marítima. Esgueiraram-se por florestas virgens, escalaram montanhas.
É fácil, pois, imaginar a aparência deles e a capacidade de enfrentar o duro
trabalho que é aqui necessário para ganhar inclusive o mais miserável sus-
tento.
O que eles sofreram no caminho pode ser avaliado pela seguinte
narrativa, que repetirei quase ao pé da letra.
– Andamos dia e noite – assim contava Mateus, camponês pro-
veniente dos arredores de Rypin – até onde as forças nos permitiam. Du-
rante semanas inteiras, não pusemos nenhuma comida quente na boca. No
mato colhíamos frutas, sem saber se eram venenosas ou não. Num espaço
de semanas, encontrávamos alguma colônia ou povoado. Nada pedíamos,
porque não nos entendiam, mas chorávamos de fome tão desesperadamente
que aquela gente, de compaixão, nos oferecia o que podia. Em Porto Alegre,
sepultei minha mulher e um filho de quatro anos. Trouxe minha filha, Mary-
sia, de seis anos. A pobrezinha desmaiou e não podia mais andar. Carreguei-a
110 Pe. Zygmunt Chelmicki
nos braços e a levaria até o fim do mundo, mas ela estava tão esgotada e
magra de tanta fome que a qualquer hora pensei que ia morrer. Aí, um bra-
sileiro, a quem Deus não deu nenhum filho, insistiu para que eu lhe cedesse
a minha. Pensei que ia morrer de tanta pena, mas ela estava quase à morte, e
lhe entreguei a criança. Ele queria me dar dinheiro, mas não aceitei, pois isso
seria como se estivesse vendendo meu próprio sangue. Preferi caminhar em
frente, pedindo esmola ou morrer de fome, de uma vez.
A narração demorou bastante, porque um choro tão desespe-
rado a interrompia que jamais o esquecerei na vida. Eu poderia citar um
número sem conta de tais exemplos, em que – Deus seja testemunha! – não
há palavra de exagero.
Aqueles para os quais o destino foi menos cruel estão tão aba-
tidos e desesperados com a situação de seus companheiros que é justo co-
locá-los no mesmo nível quanto às reservas morais e físicas. Todos estão
atordoados, como que tontos de tanta infelicidade.
Agora mesmo, de forma resumida, gostaria de apresentar as con-
dições de trabalho e vida no Rio.
Pois bem, das profissões, somente as de pedreiro, carpinteiro e
marceneiro oferecem mais oportunidades de ganhar a vida. Empregados
recebem aqui 3, 4 e às vezes até 5.000 réis36 por dia, o que é considerado
salário bastante alto devido ao aumento das construções em consequência
do grande crescimento da população no Rio nos últimos anos. Em segui-
da, vêm os ferreiros e os serralheiros. Desses, contudo, o salário é mais
baixo e mais difícil. Os alfaiates e sapateiros nem encontram trabalho. O
motivo disso, explicaram-me, é o sistema de trabalho que é completamente
diferente, e também porque essas profissões são exercidas por franceses e
alemães, bem como porque, devido ao sistema industrial, existem muitos
fabricantes especuladores. Por isso estes últimos profissionais, bem como
todos os outros imigrantes, têm uma única maneira de ganhar a vida: como
ajudante de pedreiro, carregando pedra, cal e areia. Seu salário começa em
Numa das ruas me deparei com uma cena que considerei apro-
priado descrevê-la. Três meninos atrelaram a um pequeno carrinho um
cabritinho, provavelmente de um ano. O quarto menino estava refeste-
118 Pe. Zygmunt Chelmicki
por uma camada de cal e terra. Os caixões foram deixados de lado, pois eles
servirão ainda para as centenas de outros mortos, já que a municipalidade
local foi bastante sovina para não lhes dar as quatro tábuas.
Asseguraram-me mais tarde que da mesma maneira sepultam
os outros cadáveres de mortos no hospital, não necessariamente de febre
amarela, mas sempre que os familiares não aparecem para sepultá-los.
Meu Deus! Quantos dos nossos coitados não estariam debaixo
da terra, daquela maneira desumana!
Dez minutos depois, cheguei à Ponta do Caju. É um lugar sujo,
pestilento, onde a proximidade do cemitério, do hospital e do curtume
o torna insuportável. Atolando na lama, atravessando diversos becos, me
encontrei finalmente no lugar de meu destino.
palha, não se tem o que falar. Até então não tinham recebido nenhum paga-
mento, tão-somente comida em dia de trabalho e isso apenas para os adultos.
Ao perguntar-lhes que salário iriam receber, responderam:
– Não sabemos, pois não os entendemos.
Todos eles são famílias de camponeses da região de Kalisz. Se eu
dissesse que eles representam a imagem da miséria e do desespero, ainda
seria pouco. É infortúnio e miséria que nem sequer se pode imaginar. To-
dos maltrapilhos, miseráveis. As crianças chorando de fome. É impossível
não entregar-lhes mesmo que seja a última moeda do bolso. Todos eles
voltaram para sua terra, pois seria impossível deixá-los aqui.
Apesar de ser já três horas da tarde, resolvi seguir para Sampaio,
aonde se chega de trem em três quartos de hora.
Lá encontrei situação um tanto mais suportável, do que em Vila
Isabel. Existem vários barracos e não tão úmidos quanto os outros. Para os
casais, pelo menos, foram feitas divisórias. Por isso, o aperto é maior; por
ser uma construção baixa, seu interior fica muito abafado. Trabalhavam lá
aproximadamente 200 imigrantes, das mais diversas profissões, na maioria
provenientes de Varsóvia. Estes conservaram a sua própria característica:
tendência para bancar os sabichões e mandar nos outros. Apesar de serem
os salários pagos com certa regularidade, muitos com família numerosa
passavam miséria. Em todo o caso, a situação em Sampaio me causou im-
pressão menos chocante que os outros abrigos. As doenças, contudo, aqui
também existem. Satisfeito mesmo, aqui não encontrei ninguém, porém
todos deixavam, às vezes, de comer para economizar dinheiro com vistas
ao retorno à Polônia. São particularmente as crianças que despertam maior
pena: elas, ao me verem, me cercaram em número de umas sessenta, aper-
tando minhas mãos e minhas pernas.
Com isso, terminei a minha jornada pelos barracos. Acho que a
tal “felicidade brasileira’’ – que tanto apregoavam os agentes, criando ten-
tação nos incautos – não poderia me parecer mais monstruosa. A caneta
é por demais fraca para descrever a verdadeira realidade, mas em minha
memória continua vivo o quadro dessa terrível desdita e ele certamente
não se apagará jamais de meus olhos.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
VIII
A IMIGRAÇÃO E OS AGENTES – ESCRAVIDÃO E IMI-
GRAÇÃO – AS NOBRES INTENÇÕES E O CARÁTER DE
D. PEDRO II – LUTAS DIFÍCEIS – PRIMEIRA FORMA DE
ARREGIMENTAÇÃO – CRESCIMENTO DA IMIGRAÇÃO
– LEIS DE 1871 E DE 1865 – DIMINUIÇÃO DO NÚMERO
DE ESCRAVOS – BONS EXEMPLOS – TOTAL ABOLIÇÃO
DA ESCRAVATURA – CLAMOR DOS FAZENDEIROS – SE-
GUNDA FORMA DE ARREGIMENTAÇÃO – SANTOS E
FIORITTA, FAMOSOS EMPRESÁRIOS DA ARREGIMEN-
TAÇÃO – ENORMES RECURSOS E LUCROS – QUEDA DO
IMPÉRIO – ADMINISTRAÇÃO DO GOVERNO – INCRÍ-
VEIS DOAÇÕES E CONCESSÕES – LEI IMIGRATÓRIA DE
28 DE MARÇO DE 1890 – PERSPECTIVAS PARA O FUTURO
– POLPUDA RECOMPENSA
por Dom Pedro II, um país enorme, quase igual ao tamanho de toda a
Europa incluída a Rússia européia, a desigualdade de densidade popula-
cional e a capacidade produtiva das províncias isoladas, a falta de meios de
transporte e enfim a influência da inerte indolência política inata dos bra-
sileiros, foi tudo isso junto que apagava qualquer manifestação esporádica
das aspirações republicanas e todas as probabilidades de um verdadeiro
poder e respeito.
É bem verdade que, no Brasil, como acontece em todos os países
subdesenvolvidos, existe a tendência de imitar a civilização naquilo que ela
tem de mais extremo, e por esse motivo a França republicana, bem como
os Estados Unidos, constituíam o ideal sonhado por alguns míopes polí-
ticos brasileiros. Preocupava-os, ao mesmo tempo, a idéia de que o Brasil
é o único país de regime monárquico da América do Sul. Quem, afinal
de contas, levaria em consideração esses fatores isolados como realmente
importantes?
Por isso, pode-se dizer sem temor que o golpe de 15 de novem-
bro de 1889 irrompeu no Brasil como um raio vindo de um céu azul, que
surpreendeu a todos inesperadamente, inclusive aqueles que se conside-
ravam republicanos. O fato é que hoje os republicanos falam muito de
sua atuação preparatória, dos esforços, da extensa organização e coisas do
gênero, mas isso são apenas vãs bravatas, porque na realidade a República
nasceu sem eles e foi obra, se não de um completo acaso, foi pelo menos
um empreendimento calculado por poucas pessoas.
Duas pessoas, a bem dizer, trabalhavam a questão republicana e
é a eles unicamente que coube a triste e inglória incumbência de destronar
o nobre monarca Dom Pedro II: estes eram o General Benjamim Constant
Botelho de Magalhães e Quintino Bocaiúva.
Benjamim Constant exercia o cargo de diretor do Colégio Mi-
litar e gozava de particular estima e confiança do monarca, isso é o que
pelo menos é proclamado por seus admiradores. O motivo dessa confiança
era, por assim dizer, o caráter reto e aberto do general. Dizem que quando
Dom Pedro o nomeou para o cargo tão alto e importante de diretor do
Colégio Militar, ele estava prestes a declarar abertamente suas convicções
republicanas.
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 137
Benjamim Constant.
Quintino Bocaiúva.
Conde D’Eu.
78 Assim está no original. O autor deve ter querido aludir à guerra do Paraguai. (N. da T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 141
Diodoro da Fonseca.
80 “Mane, Tekel, Fares” ou “Mane, Tecel, Farés” é expressão do episódio bíblico denomi-
nado festim de Baltasar, a qual, conforme “A Bíblia de Jerusalém” (BÍBLIA, 1973,
p. 1287), significa na interpretação do profeta Daniel (5:25): “Mane – Deus mediu o
teu reino e deu-lhe fim, Tecel ou Tekel – tu foste pesado na balança e julgado deficiente;
Parsin ou Farés – teu reino foi dividido e entregue aos medos e aos persas”. (N. da T.)
144 Pe. Zygmunt Chelmicki
por preços irrisórios. Sem repressão em sua generosidade, avançou tanto que,
em algumas províncias, doou mais terras do que o governo possuía. Assim
por exemplo, de acordo com o “Relatório da Agricultura”, em 1887, na Pro-
víncia de Pernambuco o governo não possuía mais nada em terras, porém
Glicério distribuiu lá 910.000 hectares; na Província do Espírito Santo, o
governo era proprietário de perto de 500.000 hectares, mas esse Ministro
liberou simplesmente 2.020.000. O mesmo aconteceu em algumas ou-
tras províncias. Além disso, como já se mencionou, autorizou concessão
para virem 1.415.750 famílias de imigrantes com os privilégios aprovados
pela lei imigratória de junho de 1890. Em termos gerais, os compromissos
contraídos a título de desenvolvimento por Glicério somam em números
redondos a bagatela de 787.956 contos e 271 mil réis,81 ou seja, mais de
um milhão e meio de francos.
A tudo isso, somemos, ainda, que o mesmo Ministro Glicério
autorizou a concessão para a construção de mais de 20.000 km de estradas
de ferro, firmando os devidos contratos com as companhias. Algumas des-
sas estradas têm um lucro garantido de 7%. Muitos contratos e concessões
que Glicério assinou, jamais serão executados, e os concessionários não
deixarão por menos, pois contam com polpuda indenização. Quanto a
isso, contudo, existe um agravante, cuja responsabilidade já não é de Gli-
cério, mas, sim, um mal que vem do tempo do Império. Ainda em 1880,
foi dada para certa companhia concessão para a construção de 4.000 km
de estrada de ferro na Província de Santa Catarina, com garantia de 7% de
lucro. A companhia executou o levantamento da obra, mas depois o gover-
no refletiu e desistiu da obra, pois a estrada lhe traria enorme prejuízo e por
isso resolveu resgatar a concessão por 4.000 contos de réis82, o que significa
uma quantia de 8 milhões de francos.
Assim, os concessionários de Glicério se acharão na mesma si-
tuação.
Citaram-me entre outros o nome de Napoleão Poeta, que, repu-
blicano fanático, ganhou a concessão para a construção da estrada de ferro
Rui Barbosa.
Finalmente veio o basta até para Rui Barbosa, pois foi obrigado
a abdicar da pasta, deixando fama não tanto elogiável, da mesma forma
que Glicério. Seja como for, hoje ele é tido como um dos homens mais
ricos do Rio. Enquanto tempos atrás pagavam-se 330 réis por um franco88,
atualmente pagam-se 56089.
Quanto ao Marechal Diodoro da Fonseca, dizem que ele é ho-
nesto, inacessível a qualquer tipo de suborno, mas em compensação com-
pletamente inepto e sem a menor noção de como governar um país. Os
demais ministros do Governo Provisório eram insignificantes e sem ne-
nhuma influência sobre o destino da nação.
A mão vingadora, entretanto, acabou com a paz dos responsá-
veis pelo golpe de 15 de novembro: Benjamim Constant morreu, como
contam, atormentado, nos últimos instantes da sua vida, por horríveis fan-
tasmas e pelo remorso; Bocaiúva teve um fim idêntico; os dias do marechal
Fonseca estão contados, devido à insuficiência cardíaca e à asma que amea-
çam sua vida, mantendo-o totalmente distante das questões publicas.
Aproximava-se finalmente o término do famigerado Governo
Provisório.
Em novembro do ano passado90, de acordo com a promessa do
Governo Provisório, reuniu-se a Constituinte com o objetivo de elaborar
as bases da vida política e social do Brasil. Os republicanos naturalmente
representavam nela a maioria absoluta, a ponto de, segundo foi possível sa-
ber, nenhum monarquista sentar-se entre eles. Isso seria talvez um grande
trunfo para a República que granjeou reconhecimento de toda a nação, se
não fosse o fato de que na América do Sul sempre ganha as eleições aquele
que tem mais força. Sob esse aspecto, aliás, os republicanos brasileiros não
fizeram a menor cerimônia: pelo contrário, clara e abertamente aterroriza-
vam seus adversários por todos os meios.
dado à sua pessoa, ele não aceitasse o privilegio que lhe fora oferecido,
mas – por insistência dos colaboradores mais próximos – manteve-se no
cargo. O Marechal jamais gozou de popularidade junto à opinião públi-
ca; todavia, essa falta de nobreza e a vontade de permanecer à tout prix91
no poder cercou sua pessoa de generalizada aversão. Para isso concorrem
ainda diversos primos do Presidente, os quais – abrigados pela impu-
nidade garantida pela proteção do poderoso tio – se permitem as mais
diversas extravagâncias e abusos.
No desempenho normal do cargo de Presidente, a primeira ação
realmente positiva do Marechal Diodoro foi a dispersão aos quatro ventos
dos membros do Governo Provisório. Se nesse sentido ele agiu por ins-
piração alheia, ou se ele realmente entendeu que a opinião pública exigia
dele esse passo, é impossível julgar; basta dizer que o Ministério por ele
nomeado nada tinha em comum com as antigas autoridades. A maioria
dos novos ministros de estado, ainda do tempo da monarquia, já dera pro-
vas de competência, mas principalmente proporcionava certa garantia, que
se havia rompido completamente com o Governo Provisório. Nada mais
há para acrescentar, senão o fato de que o novo Ministério foi recebido
como uma promessa de tempos melhores para o Brasil. Seus componentes
foram: Barão de Lucena – Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Justo
Leite Chermont (ex-Governador do Pará) – Ministro do Exterior, Tristão
de Alencar Araripe – Ministro do Interior e provisoriamente das Finanças,
até quando esta última pasta foi ocupada pelo atual Governador da Pro-
víncia de São Paulo, Américo Brasiliense, Gen. Antônio Nicolau Falcão da
Frota – Ministro da Guerra, Antônio Luís Carvalho – Ministro da Justiça,
João Barbalho Uchoa Cavalcanti – Ministro da Educação, Correios e Te-
légrafos, e finalmente o Contra-Almirante Fortunado Forster Vidal – Mi-
nistro da Marinha.
Apesar de o novo Ministério satisfazer aparentemente a opinião
pública, muitos republicanos, contudo, julgaram sua composição uma
grande afronta. É que, entre os novos ministros de estado, tinham sido
empossados inclusive quatro monarquistas declarados: o Barão de Lucena,
Araripe, Cavalcanti e Vidal.
Barão de Lucena.
outro faça; mas todos esperam com ansiedade uma transformação, contan-
to que isso aconteça sem a sua participação, mas principalmente que eles
saiam incólumes. Assim como o acaso criou a República, do mesmo modo
o acaso ou uma coincidência poderá reconstruir a monarquia.
Existe, porém, um grave perigo: ameaça à integridade do Brasil,
e é para isso que ele é empurrado com todas as forças pela atual situação:
a sua divisão em algumas repúblicas autônomas menores. Para entender
que esse perigo não é apenas uma utopia, basta levar em consideração a sua
enorme extensão territorial, em que uma administração enérgica e forte é
de fato impossível. Além disso, a força produtiva de algumas províncias
criadoras de riquezas não é igual.
Por isso, elas são obrigadas a trabalhar em ritmo desigual para
manter um imenso mecanismo nacional. Por exemplo, províncias como
o Pará com produção de borracha, Pernambuco com cana-de-açúcar, São
Paulo com café, o Paraná, Santa Catarina e até Rio Grande93 com erva-
mate e produtos agrícolas, e finalmente o Rio de Janeiro com sua riqueza
metropolitana, não têm termos de comparação com províncias como o
Maranhão, o Piauí, Sergipe, a Paraíba, Mato Grosso, Goiás e outras, que
permanecem em primitivo estado agreste, não produzindo nada ou quase
nada, mas custam muito ao Tesouro Nacional. Enfim existem idéias sepa-
ratistas há muito tempo entre as províncias do primeiro bloco. Haja vista
os paulistas, moradores da Província de São Paulo, que se consideram algo
superiores aos demais e se apropriam do privilégio de presidir e governar
o Brasil inteiro. Já o paranaense, por sua vez, está convencido de que sua
província é a maçã de ouro de todo o Brasil.
– O senhor já viu Minas Gerais? – perguntou-me certo comer-
ciante mineiro.
Ante minha resposta negativa, afirmou:
– Mas isso é uma grande pena! Pois é a pérola de todo o Brasil.
O que é que o país seria sem Minas Gerais?
93 Está Rio Grande no original. Pelo contexto, o A. deve querer referir-se ao Rio Gran-
de do Sul. (N. da T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 157
de lá. Uma boa mula custa entre 150 a 400 mil réis.100 Como é natural,
animais excepcionalmente belos têm preço mais alto.
motivo a vista não consegue abarcá-lo por inteiro. Falta-lhe também aquele
ar selvagem, que tanto enriquece a paisagem tijucana. Os palacetes e resi-
dências não são menos suntuosos, porquanto os jardins estão repletos de
belíssimos exemplares da flora tropical.
A corrida febril da construção, que está acontecendo no Rio
em consequência do excessivo afluxo de população, influiu espantosa-
mente na alta de preços dos terrenos mesmo nos subúrbios. Para citar um
exemplo, serve o caso de Álvares, que mora numa bela residência em Vila
Isabel: ofereceram-lhe 80 contos de réis101 por um terreno de 2.000 m²,
isto é, 140.000 francos. Contudo, ele não o vendeu, por achar o preço
muito baixo.
A quem possui olfato muito sensível, aconselho que por nada
deste mundo vá passar pela zona comercial próxima do porto do Rio. Ali,
decididamente não se pode tirar o lenço do nariz. Nossos bairros de Po-
ciejow, Gnojna, Franciszkanska ou Bugaj são o ideal de limpeza, ordem e
ar puro em comparação com este recanto da capital brasileira. Ao mesmo
tempo, esta é a parte mais antiga da cidade. Ela é cortada por ruas estreitas
e sujas, e as casas não veem pintura há muito tempo. Lixo e detritos estão
espalhados por toda a parte.
Existem numerosos armazéns, e por isso o movimento de carros
de carga é tão grande que é quase impossível passar por ali. Depósitos de
carne-seca, peixe e bacalhau, assim como destilarias de cachaça, exalam
odores insuportáveis, e sobre tudo isso a fumaça das chaminés dos navios e
das fábricas, o cheiro característico do mar e por fim as exalações dos buei-
ros tornam o ar atordoante. Apesar disso, garantiram-me que justamente
essa parte mais repugnante da cidade é a menos sujeita à febre amarela.
Presume-se que nem os micróbios – aos quais a medicina até agora mal
pôde atribuir a causa da febre amarela – conseguem sobreviver naquela
atmosfera horrível.
Várias providências foram tomadas para tornar limpa essa parte
da cidade, mas pouco ou quase nada resolveram. Seria necessário demolir
tudo e construir tudo de novo.
103 Assim está no original; mas o nome desse paranaense é efetivamente Nestor Vítor,
nascido em 1868 e falecido em 1932, segundo SAMWAYS (1988, p. 23). (N. da T.)
104 No original está “Fim do primeiro volume”. O texto acima foi adaptado ao formato
desta edição, em apenas um volume (N. da T.)
II parte
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
I
PARTIDA DO RIO – RECORDAÇÕES – ESTRADA – REFLE-
XÕES – SÃO PAULO – PRIMEIROS CONTATOS – POLO-
NESES ESTABELECIDOS HÁ MAIS TEMPO – IMIGRAN-
TES NOVOS – CONDIÇÕES DE TRABALHO – SALÁRIOS
– PREÇOS – TRABALHOS EXTRAS – O IDEAL DA VOLTA
– SAUDADE – NA IGREJA
cidade pode se chamar de meio alemã. Eles até conseguiram que um dos
seus fosse eleito deputado na Assembleia Estadual.
A riqueza desde estado e o enorme crescimento da cidade fize-
ram com que em São Paulo tenha se formado o núcleo do separatismo,
que, mais cedo ou mais tarde, certamente desmembrará a atual Repú-
blica brasileira em numerosas repúblicas autônomas menores. Ou seja,
como antes eu já havia demonstrado, é a consequência inevitável das
condições de estagnação em que se encontram os atuais “Estados Unidos
do Brasil”.
Além de alemães, vivem em São Paulo italianos e portugueses, e
de dois anos para cá, em número expressivo, os nossos emigrantes.
Apenas caminhei alguns passos pela rua e já dei com um rosto
sobre o qual jamais poderia equivocar-me quanto à sua origem.
Era um andrajoso, um miserável camponês da Polônia.
– Deus seja louvado – disse eu. − De onde vens, irmão?
– Oh!, por Deus! – ouvi em resposta – por todos os séculos dos
séculos! – E no mesmo instante o homem se prostrava aos meus pés, solu-
çando e rindo alternadamente, com aquele riso em que havia mais dor que
nas próprias lágrimas.
Esse foi o meu primeiro cicerone. Há dois dias ele havia fugido
da colônia, onde sepultara a sua mulher e seus dois filhos, vindo para São
Paulo, maltrapilho e magro, com feridas nas pernas, com os outros dois fi-
lhos que lhe restaram. Sua roupa rasgada deixava aparecer o corpo nu atra-
vés dos buracos. Levou-me até uma família polonesa, que lhe dera abrigo.
De lá pude entrar facilmente em contado com outros poloneses.
Atualmente, existem em São Paulo mais de 1.000 imigrantes
poloneses. Entre eles, conheci alguns que vivem aqui há mais tempo, que
são os sapateiros Gawronski e Furmankiewicz, procedentes da região de
Tarnow, gente muito trabalhadora e prestativa. Igualmente aqui se fixou,
vindo recentemente da Argentina, o engenheiro eletrotécnico Bloch, as-
sim como Szeledzowski, ambos sinceramente interessados em cuidar do
destino dos seus conterrâneos. Graças à gentileza e solicitude deles, me
inteirei rapidamente, e com todos os pormenores, do destino dos nossos
emigrantes aqui.
186 Pe. Zygmunt Chelmicki
115 O equivalente a cerca de R$ 132,40 a 165,50, respectivamente (ago. 2009). (N. da T.)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
II
CASA DO IMIGRANTE – PRIMEIRA IMPRESSÃO – NAR-
RAÇÃO UNÍSSONA – LAMENTÁVEIS INFLUÊNCIAS –
MOMENTO CRÍTICO – CONVERSA COM O DIRETOR
– HOSPITAL – VERDADEIRO DESESPERO – EM TERRA
APROPRIADA – O ADEUS
Barracão de imigrantes.
É difícil para mim reunir histórias isoladas; afinal todas elas são
parecidas. Todos tinham sido trazidos até aqui. Cada um deles exigia o
pedaço de terra que lhes fora prometido; então foram para a terra. E é ali
que começa o infortúnio e a decepção!
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 191
117 O que consta no original são 100 réis, o equivalente a cerca de R$ 3,31 (ago. 2009).
(N. da T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 193
ficado diante das influências a que esses coitados estão sujeitos. Devo ter
falado horrores, porque num instante se fez um profundo silêncio e depois
algo parecido, não a um choro, mas a um berreiro.
Mulheres e homens cercaram aqueles líderes e já não os vi mais.
Senti que essa situação não poderia continuar mais dessa maneira, que al-
guma coisa deveria ser feita para impedir tais influências nocivas, que, mais
cedo ou mais tarde, elas provocarão problemas para os outros.
Nesse momento, chegou um funcionário, convidando-me para
o gabinete de Antônio Alves, diretor do Departamento da Imigração, que
desejava falar comigo.
– O que fazer com essa agente? – pergunta-me Antônio, já na
entrada. – Todos os recursos para obrigá-los a trabalhar foram inúteis.
– Os senhores estão colhendo os frutos de sua semeadura – res-
pondi. – Seus agentes prometeram para essa gente ingênua coisas incríveis,
eles chegaram aqui seduzidos. Agora estão vendo que foram enganados,
traídos nas suas esperanças. É o desespero que fala por eles. Não há mais
como resolver isso nem como persuadi-los. Mas, o que os senhores preten-
dem fazer com eles agora?
– Mais uma vez tentaremos obrigá-los a trabalhar. Se isso não
adiantar, os levaremos à força para o navio e os desembarcaremos na ilha.
Lá são obrigados a trabalhar!
Esse é o futuro que os espera.
O diretor prometeu que no dia seguinte, já pela manhã, isto é,
no domingo, deixará sair todos para a igreja. Lá, pressenti, será o único lu-
gar onde conseguirei conter a sua revolta, tranquilizá-los e talvez proteger
ainda a todos esses coitados contra um perigo inevitável.
Quando saí do gabinete do diretor, fui barrado no meu cami-
nho por pessoas que me pediram que eu administrasse a extrema-unção a
alguns doentes. Dirigi-me ao hospital. Havia relativamente poucos doen-
tes, cerca de 12 adultos e umas 15 crianças. Quero lembrar que antes tinha
visto lá, na sala do imigrante, muitos dos que deviam estar hospitalizados,
ou então que tinham recebido alta cedo demais.
Para quem nunca viu na vida um verdadeiro desespero, eu o
mostrarei aqui, neste hospital.
194 Pe. Zygmunt Chelmicki
119 O equivalente a cerca de R$ 198,60 a 231,70, respectivamente (ago. 2009). (N. da T.)
120 Trata-se do ano de 1891. (N. da T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 197
Fazenda de café
198 Pe. Zygmunt Chelmicki
125 O equivalente a cerca de R$ 49,56 a 59,58, respectivamente (ago. 2009). (N. da T.)
126 O equivalente a cerca de R$ 744,75 a 893,70, respectivamente (ago. 2009). (N. da T.)
127 O equivalente a cerca de R$ 3.641.000,00 (ago. 2009). (N. da T.)
128 O equivalente a cerca de R$ 18.205.000,00 e 231.700.000,00, respectivamente
(ago. 2009). (N. da T.)
129 O equivalente a cerca de R$ 6.620.000,00 (ago. 2009). (N. da T.)
130 O equivalente a cerca de R$ 132.400.000,00 (ago. 2009). (N. da T.)
200 Pe. Zygmunt Chelmicki
134 O equivalente a cerca de R$ 19,86 a 33,10 respectivamente (ago. 2009). (N. da T.)
135 O equivalente a cerca de R$ 39,72 (ago. 2009). (N. da T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 203
143 Calomelano é, segundo HOUAISS (2001, s.v.), “cloreto mercuroso (Hg2Cl2) us.
como purgativo, antissifilítico e como elétrodo de referência (mais us. no pl.); dra-
gão-amansado, protocloreto de mercúrio”. (N. da T.)
210 Pe. Zygmunt Chelmicki
144 Deus fenício e sírio das riquezas (HOUAISS, 2001, s.v.). (N. da T)
216 Pe. Zygmunt Chelmicki
jornada, resolveram enfiar os facões na terra pela ultima vez. Mas, que sur-
presa! Ao puxá-los de volta, os facões pareciam estar molhados de sangue.
– Terra roxa! – exclamaram todos os quatro, admirados.
Sim, realmente era a terra roxa! Quem não a conhecia ou pelo
menos já não ouvira falar da sua extraordinária fertilidade? Tanto o nome
quanto a cor procedem do sangue, com o qual ela se parece, e – quando
gotas de sangue brotarem das costas do escravo, fustigado pelo chicote do
capataz, e escorrerem em torrente ao chão – a terra as absorverá, como se
fossem irmãs gêmeas e não será possível distinguir o que é terra e o que
é sangue. Os velhos até dizem que tanto sangue escorreu das costas dos
negros através dos séculos que não só a cor da terra, mas sua fertilidade
provém dele. Quem se incomodaria de verificar isso? O que é que alguém
ganharia em saber o quanto e como se castigavam os negros por aqui?
A alegria dos ituanos não tinha limites. As palmeiras de grande
altura os observavam angustiadas, os cipós começaram a tremer, os pássaros
fugiram aos gritos procurando galhos mais altos e até a serpente rastejou
para dentro da mata fechada. Enquanto eles, felizes e satisfeitos, contavam
nos dedos as futuras vantagens.
Daquele tempo para cá, dez anos haviam se passado.
Lá, no lugar onde outrora a floresta intransponível murmulha-
va, toda essa imensa região se transformou, depois, em plantações de café.
Os cafeeiros chegavam a vergar ao peso das frutinhas vermelhas.
Aqui e ali, ainda sobressaía um tronco de pinheiro, ou então
uma tora semicarbonizada de mangueira jazia no chão, esperando que o
tempo a transformasse em pó. Adiante, a palmeira esguia ainda apontava
para o alto. Eram os últimos vestígios de um passado que jamais voltará.
Agora uma vida completamente diferente reina aqui. Nem o
possante macuco nem o jacu, rápidos como flechas, nem as esguias juritis
jamais vaguearão por estas bandas. Em vez disso, bandos inteiros de uru-
bus sorumbáticos aguardam o seu festim. Esses tristes pássaros costumam
reunir-se nas proximidades de povoados e cidades. Acontece às vezes, quan-
do morre uma mula velha ou outro animal mordido por cobra venenosa;
então logo, como uma nuvem de gafanhotos, eles baixam sobre o animal,
e em menos de uma hora só restam ossos brancos. Ora, acontecia que, por
falta de tempo, um negro morto fora enterrado às pressas em qualquer
218 Pe. Zygmunt Chelmicki
parte, numa cova rasa demais, e então, quando o dia amanhecia, já se via
seu esqueleto, despojado de carnes, aparecendo por cima da terra.
Que estranho é o fenômeno da vida e da morte!
Os urubus acompanham o homem, mas só para limpar a podri-
dão da frente de seus olhos. E o homem, por sua vez, nutre grande respeito
por eles e não os molesta nem por brincadeira.
Na parte mais baixa podiam se avistar os telhados vermelhos das
casas, e – entre elas e nos morros circunvizinhos, parecendo montinhos de
feno, cobertos de folhas de palmeiras – pontilhavam as modestas cabanas
dos negros. Podia-se contar um número considerável daqueles telhados
vermelhos. Como sempre costuma acontecer entre os brancos, atrás da-
queles primeiros ituanos, seguiram-se outros, filhos, parentes, amigos, co-
nhecidos, enfim basta dizer que só o conjunto das moradias deles formava
respeitável povoado, que até tomou o nome de Campinas, porque localiza-
do num vale, cercado de morros por todos os lados.
Passaram-se outros dez anos.
Campinas já contava cerca de mil habitantes, naturalmente só
brancos, pois quem haveria de contar os negros? Cada fazendeiro possuía
todos os necessários para tratar da plantação. Então, com todo o orgulho os
ituanos olhavam para sua obra, pois o café saído de suas fazendas abastecia
o mercado de Santos e São Paulo, enchendo seus bolsos de cintilante ouro,
todos os anos. Por vezes, um ou outro se lembrava de que um respeitável
povoado como Campinas já deveria possuir igreja, talvez até um padre,
para abençoar casamentos, batizar crianças e também sepultar os mortos.
Somente nesses momentos os habitantes de Campinas sentiam falta do
contato com Deus, o que, a bem dizer, era mais motivado pelas lembranças
dos anos de infância do que por necessidade do espírito e do coração.
Mas não se sabe por que essa ideia foi sendo adiada de ano para
ano, encontrando sempre novas dificuldades, geralmente baseadas na so-
vinice e avareza.
Aliás, poucos pensavam em rezar, trabalhando mesmo nos dias
santos e domingos, sem parar, sem folga. Só os velhos e os doentes des-
cansavam.
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 219
nham nas pontas dos pés, todos desejavam inebriar-se com o espetáculo.
Algum dia por acaso teriam eles sonhado em poder ver de perto a querida
imagem do santo de quem sabiam, apenas pelas narrativas dos velhos, que
ele contava diante de Deus todas as lágrimas dos negros?
Durante todo o dia até tarde da noite, a igreja permanecia cheia:
ninguém pensava sequer em comida. Uns cediam lugar aos outros, mas tão
somente para – quando voltassem – colocar enfeites sobre a estátua, como
uma moeda de prata, a fita vermelha usada em dias de festa ou então uma
coroa de folhas cuidadosamente trançada, enfeitada com grãos de café.
Os mais velhos se reuniram na casa de padre Antônio para uma
decisão: escolher seis dos rapazes de melhor aparência, indicados não ape-
nas pela boa estampa física, mas também pela virtude, aptidão e trabalho.
Eles carregariam aos ombros a venerada estátua durante uma procissão.
As devotas matronas deveriam indicar doze mocinhas de incon-
testável bom-nome, para, com lenços vermelhos nas cabeças, cingir o santo
como uma coroa, atirando-lhe flores e entoando cânticos de gratidão.
Quando no domingo seguinte partiu da igreja o magnífico cor-
tejo, os corações dos negros quase saltaram para fora do peito, transbor-
dantes de alegria. Sobre a multidão negra se erguia a negra figura de São
Benedito, que – inclinando-se ora para um lado ora para outro, conforme
os passos dos jovens carregadores concentrados em devoção – parecia aben-
çoar a todos. Doze cabeças enfeitadas de turbantes vermelhos, a cercavam
junto ao pedestal, como se fossem uma coroa de flores. Um doce canto
fluía do peito desses jovens, num tom único, impregnando o espaço, para
bem longe e para cima, até chegar ao trono do Altíssimo.
Os brancos, parados ao longo do trajeto, observavam com curio-
sidade o cortejo. Estavam por demais admirados, estranhavam sobretudo
como e de onde poderia ter surgido aquilo. Não tendo frequentado a igreja,
nem sabiam da viagem de padre Antônio nem da oferenda que ele trouxera
a seus protegidos. Aos poucos, porém, a inveja começou a lhes dominar
os corações. Então fora para os negros que eles tinham erguido a igreja,
para essas imponentes procissões de escravos? Sobre São Benedito nenhum
deles ouvira falar nem tampouco quisera acreditar que o Céu aceitasse tais
monstros, pois ele fora criado só para os brancos! De mais a mais, não era
um desaforo para eles que esses negros ousassem lhes apresentar cortejos
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 229
com seu santo negro? Uns comentavam entre si, outros vociferavam indig-
nados; havia também quem prometia dispersar a chicotadas a ralé negra,
da próxima vez.
No dia seguinte, foi o próprio Demétrio que procurou padre
Antônio.
Demorou lá bastante tempo e, quando saiu, sua testa estava en-
rugada de raiva.
Alguns dias depois o velho ituano viajou. Também não foi visto
durante algumas semanas e, quando voltou, trazia consigo um grande pa-
cote bem parecido com aquele de Padre Antônio, só que bem maior.
No domingo, o altar-mor resplandecia de tanta luz e do lado
direito brilhava, com suas vestes douradas, uma estátua magnífica de Nossa
Senhora. Os negros não cabiam em si de tanta alegria. Era ela, a rainha dos
Céus, a consoladora dos aflitos, a quem dedicavam tantas orações na hora
do desespero, que agora dava a graça da sua presença entre eles e, ao lado
do querido patrono, se fixava na paupérrima igrejinha! Tanta graça, tanta
felicidade mal podia caber dentro de seus pobres corações. Não era a veste
dourada que atraía os seus olhares, mas o grato amor por aquela de quem
tantas vezes fluíam torrentes de alento e consolação.
Aproximava-se o dia de Corpus Christi.
Na casa de Demétrio, reuniu-se o conselho-geral para deliberar
sobre qual seria a maneira mais impressionante de apresentar pela primeira
vez a nova estátua nesse grande dia e ao mesmo tempo programar a procis-
são com o maior esplendor. Os ruidosos debates se prolongaram até muito
tarde da noite, transformando-se por vezes em barulhenta gritaria. Parecia
haver dificuldade em se entenderem os que estavam reunidos.
Já de manhãzinha, três dos mais representativos fazendeiros,
com o velho ituano à frente, dirigiram-se à casa paroquial, a fim de apre-
sentar suas decisões a padre Antônio.
O bom velhinho ficou gelado.
Exigiram dele, nem mais nem menos, apenas isto: que fosse proi-
bida a participação dos negros na procissão, e até mais: que nesse dia fosse
retirada da igreja a estátua de São Benedito. O meigo sacerdote ferveu de
indignação. A amargura, por muito tempo reprimida, abriu as comportas
230 Pe. Zygmunt Chelmicki
São Benedito já se achava sobre os ombros dos rapazes negros, que torciam
para poder ficar com esse peso querido o mais possível.
A sacratíssima oferenda havia terminado. Demétrio e mais três
outros fazendeiros armaram o pálio dourado sobre a cabeça do sacerdote
(o pálio era mais um presente do velho ituano), e a procissão em meio a
tochas acesas começou a se mover lentamente.
Os negros seguiam concentrados, ordenados numa interminável
fila dupla, cabeças baixas, passando por entre os dedos as contas do rosário.
A estátua de São Benedito, iluminada pelo sol, parecia estar den-
tro de uma auréola, e suas mãos estendidas indicavam a todos o caminho
a ser percorrido.
Nisso, ressoaram os trombones, rugiram os tambores, e, pare-
cendo aves espantadas, subiram dezenas de foguetes a estourar. Nessa hora
a procissão dos brancos estava saindo da igreja.
O espetáculo era realmente soberbo.
A reluzente estátua de Nossa Senhora espalhava reflexos dos
raios solares para todos os lados. Meninas vestidas de branco a cercavam
como lírios, e oito dos mais apresentáveis jovens, com olhos a faiscar de
orgulho, carregavam a santa nos ombros. Os mais eminentes cidadãos de
Campinas formavam dois grandes cordões, que pareciam molduras de
magnífico quadro.
Padre Antônio, segurando a custódia, caminhava devagar, e seus
olhos fixos no céu pareciam estar procurando lá, não se sabe ao certo, se
uma torrente de graças ou de perdão.
Subitamente bateu uma corrente de vento mais forte vinda do
norte, marcando sua passagem com redemoinhos de poeira. Algumas to-
chas se apagaram, e os longos véus das donzelas se levantaram no ar.
Mas logo tudo passou e a procissão continuou andando.
Momentos depois um novo pé-de-vento bateu forte, depois um
terceiro, um quarto, e de todos os lados começaram a se levantar redemoi-
nhos de poeira.
Instintivamente as cabeças levantaram-se olhando para cima.
O que acontecera?
232 Pe. Zygmunt Chelmicki
senhores tratam dessa maneira os seus, o que então deve acontecer com os
imigrantes!? Por isso compreendo agora que – os nossos coitados indo a
um hospital – era para a morte certa, como eles me contavam lá no Rio.
Mas, voltemos ao assunto Santos. A estrada de São Paulo a San-
tos é uma obra-prima de engenharia. Foi construída por uma companhia
inglesa por um preço fabuloso. Num percurso de 20 quilômetros, máqui-
nas gigantescas nas estações descem os vagões em cabos de aço. As paisa-
gens são magníficas. É de se imaginar que por uma estrada dessas se chega
a uma cidade perfeitamente organizada, tanto mais que Santos é um dos
principais centros do comércio brasileiro. Mas, qual nada! É preciso ima-
ginar um lugar situado em meio de banhados, repugnante e malcheiroso,
sem nenhum conforto, um porto péssimo – isso é Santos. A isso tudo se
acrescente um clima quase tropical, sujeira sem precedentes por toda parte,
e então compreenderemos porque a febre amarela leva daqui tantas vítimas
todos os anos. Mas a cidade é rica, possui meios para resolver o problema.
De novo, “Paciência!” Esperemos uns 50 anos e talvez, finalmente sob a
pressão dos alemães que habitam por aqui, se faça alguma coisa.
Em Santos, encontrei uma revolução sui generis. A julgar pelas
notícias dos jornais, poderia supor que a cidade inteira se achava em ruí-
nas, as lojas e os armazéns destruídos e centenas de cadáveres estendidos
nas ruas. Confesso que para mim foi tremendamente desagradável ter de
viajar, mas, que fazer, é necessário – por isso viajei. Qual não foi a minha
surpresa, quando cheguei e encontrei as ruas calmas, e só aqui e ali se co-
mentava sobre os estivadores de café que estavam em greve.
É fato que os comerciantes e os armazenários do lugar exploram
os estivadores de maneira revoltante. Eles pagam 100 réis147 por saca de
café que o estivador, geralmente italiano, português ou negro, leva até o
navio. Era o mesmo preço de há 10 anos, quando a arroba de café custava
6 mil réis.148 Hoje, porém, quando o preço do café dobrou e o dos artigos
alimentícios subiu mais que o dobro, os estivadores exigem um aumento
de 100 para 160 réis.149
152 As colônias ao redor de Morretes – apesar de muito ricas – são impróprias e até fatais
para os colonos, devido ao ambiente pantanoso e ao clima tropical, como acontece
em toda a orla litorânea do Brasil. Somente os italianos se adaptam melhor após
algumas dezenas de anos e geralmente alcançam uma situação próspera. (N. do A.)
153 Pequena cidade austríaca a 80 km de Viena, alcançada por estrada de ferro de quali-
dade, construída entre 1848 e 1854, um dos orgulhos locais e precursora de ferrovias
em regiões montanhosas, a primeira a cruzar os Alpes de norte a sul, com 16 túneis
e muitas pontes (OLIVEIRA, AE). (N. da T.)
154 O equivalente a cerca de R$ 331.000.000,00 (ago. 2009). (N. da T.)
244 Pe. Zygmunt Chelmicki
fiz todo o possível para tirá-los desse engano. Apesar disso, continuei re-
cebendo inestimáveis provas de cortesia, que por vezes me deixavam em
situações embaraçosas.
É preciso reconhecer que a arte da cortesia, hospitalidade e ob-
sequiosidade é tão desenvolvida no Brasil que é difícil encontrá-la em ou-
tra parte. Essa cortesia não me impediu que eu visse tudo o que quisesse
e ainda recebi colaboração e facilidades de muitas pessoas. Por fim – até
isso preciso reconhecer – todas as vezes que me aconteceu de chamar a
atenção para coisas ruins referentes aos imigrantes, sempre concorda-
vam comigo e não poupavam tampouco frases de indignação contra os
culpados. Jamais ocultei minha opinião acerca de qualquer pergunta a
mim dirigida e lhes disse mais ou menos tudo o que se encontra nestas
anotações. A honestidade e a justiça se impõem neste caso, e me fazem
declarar a todos os brasileiros que aqui encontrei inteira consideração
para meu trabalho.
No dia seguinte, comecei o trabalho depois de cumprir visitas
obrigatórias, entre as quais em especial ao imensamente gentil general Cer-
queira de Lima155, Governador do Paraná.
De fato, quem desejasse conhecer ao menos superficialmente
as condições da colonização não poderia ter escolhido melhor terreno
que a Província do Paraná. Antes de tudo, encontrei aqui um clima di-
versificado, a começar pelo tropical do litoral, terminando no moderado
do interior da Província. Igualmente a produção agrícola é variada, e por
fim, o que é mais importante, pude ver aqui o resultado da colonização
em quase vinte colônias de estrangeiros, que vivem aqui há anos, bem
como o atual sistema de colonização. Como, porém, essa matéria não
poderá ser tratada devidamente em poucas linhas, por isso − assim como
me dediquei a descrever a imigração e os agentes, bem como a vida nas
fazendas − a este assunto também dedicarei observações mais extensas,
separando cada questão.
155 José CERQUEIRA de Aguiar LIMA foi o 63.º presidente do Estado do Paraná, de
27 dez 1890 a 03 jun. 1891 (PARANÁ, CASA CIVIL). (N. da T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 245
Antonina
246 Pe. Zygmunt Chelmicki
156 A rua é a atual Emiliano Perneta, e a praça − a atual Garibaldi (NICOLAS, s.d., 3, e
BPP, 2009). (N. da. T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 247
pena dos coitados e levaram para São Mateus os que ainda estavam em
boas condições de saúde. São Mateus está localizada a 200 quilômetros
de Curitiba, e lá estão sendo fundadas a cidade e as colônias. Dentro do
barracão, encontrei perto de 30 famílias, à espera da morte ou da melhora
de seus familiares. Para se ter ideia da mortalidade aqui constatada, serve
de prova o fato de que o vigário local, padre Soja (polonês) sepultou 86
pessoas, num período de quatro meses, na maioria crianças, tanto que foi
obrigado a ampliar o cemitério.
No barracão de Tomás Coelho, aconteceu um fato que prova
a absoluta falta de assistência aos imigrantes, bem como a selvageria da
soldadesca local.
No dia 10 de maio, os soldados designados para proteger os imi-
grantes tentaram violentar a mulher de um deles. Indignados com essa in-
fâmia, as demais pessoas correram para acudir. Começou a briga. Vencidos,
os soldados foram obrigados a bater em retirada. A título de vingança, po-
rém, arrastaram até o mato próximo um inocente, que naquele momento
estava dormindo, Jozef Lakomy, um camponês da região de Kalisz, distrito
de Brudzewo; amarraram-no a uma árvore e o seviciaram da maneira mais
cruel. Uma chuva torrencial interrompeu o trabalho dos carrascos, que o
abandonaram inconsciente e sem sentidos, depois de lhe aplicarem uma
impiedosa surra com espadas. Lakomy mostrou-me uma grande ferida que
ainda tinha na cabeça. Ele havia saído do hospital poucos dias atrás. O fim
que levaram os patifes, ninguém sabe, mas acho que o Governador General
Lima, homem justo que é, não deixou passar o fato sem lhes aplicar boa
reprimenda. Os jornais locais noticiaram o acontecido com indignação,
entre outros o Beobachter, n.º 21, de abril deste mesmo ano157, exigindo
severa punição dos culpados. Esse é o comportamento daqueles que deve-
riam zelar pela segurança dos imigrantes!
A situação dos imigrados não difere nada daquilo que vi até
agora. Muitos deles já provaram o amargor nas colônias, e acabaram eva-
dindo-se das Províncias de Santa Catarina, e até do Rio Grande, vindo a
pé até Curitiba. Semanas após semanas, ficaram errando pelas matas, até
que finalmente chegaram aqui. Eles estão tão arrasados com sua desdita,
158 O equivalente a cerca de R$ 66,20 a 99,30, respectivamente (ago. 2009). (N. da T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 249
167 “Sem-culotes” (do francês sans-culottes) “era a denominação dada pelos aristocratas
aos artesãos, trabalhadores e até pequenos proprietários participantes da Revolução
Francesa a partir de 1771, principalmente em Paris. Recebiam esse nome porque
não usavam os elegantes culottes, espécie de calções justos que apertavam no joelho
que a nobreza vestia, mas uma calça de algodão grosseira. Na época da Revolu-
ção Francesa, a calça comprida era o típico traje da época usado pelos burgueses”.
(Fonte: WIKIPEDIA. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Sans-culottes>.
Acesso em 10 abr. 2008.) O A. deve se referir à expressão depreciativa usada pelos
imperiais (partidários da monarquia) aos republicanos rio-grandenses da Revolução
Farroupilha de 1835, que usavam bombachas, calças largas e compridas, abotoadas
nos tornozelos.
168 Possivelmente GENEROSO Marques dos Santos (1844–1928), o 64.º e o 66.º Pre-
sidente do Estado do Paraná, nos períodos de 3 jun. 1891 a 29 nov. 1891 e de 19
nov. 1891 a 29 nov. 1891 . (N. da. T.)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
VII
COLONIZAÇÃO – SUA HETEROGENEIDADE – QUAL A
PARTE DO BRASIL MAIS ADEQUADA PARA COLONIZA-
ÇÃO? – ITALIANOS, PORTUGUESES, ESPANHÓIS E HA-
BITANTES DO NORTE – TOTAL DESPREPARO PARA A
COLONIZAÇÃO – MULTIDÃO À ESPERA – LAMENTÁVEL
OCIOSIDADE – FLORESTA VIRGEM – PROBLEMA DE EN-
GENHEIRO – PRIMEIROS PASSOS – ROÇA – QUEIMADA –
ÉPOCA DIFÍCIL – A TRIBO SELVAGEM DOS BOTOCUDOS
– A ABSOLVIÇÃO DE DYGASINSKI – PRIMEIRA COLHEITA
– SALÁRIOS DO GOVERNO – PAGAMENTO – MERCAN-
TILISMO – CONDIÇÕES DE ESCOAMENTO – COMUNI-
CAÇÕES – SÃO MATEUS – RIO NEGRO – PONTA GROSSA
– SÃO BENTO – RIO GRANDE – COLÔNIAS EM CURITIBA
– LAMENHA E O DR. BLUMENAU – A HISTÓRIA DESSAS
COLÔNIAS E AS CONDIÇÕES DE SEU SUCESSO – EXEM-
PLOS DE INSUCESSO – NÃO HÁ COMPARAÇÃO
169 O alqueire tem 10 medidas prussianas e abrange uma área em que se plantam de 40
a 50 litros de sementes. (N. do A.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 257
171 O equivalente a cerca de R$ 49,65 a 66,20, respectivamente (ago. 2009). (N. da T.)
262 Pe. Zygmunt Chelmicki
ou mesmo oito dias. Então, se 30.000 réis172 seriam suficientes para ma-
nutenção do colono com sua família durante um mês, e levando em conta
que ele é obrigado a pagar o preço dos mantimentos três ou quatro vezes
mais caro, perdendo, a cada dez dias, de quatro a oito para conseguir abas-
tecimento, facilmente teremos o calculo de quanto ele ganha na realida-
de, ou por outra: quanto tempo lhe sobrará, para tratar da sua própria
colônia. Por isso, não é de se estranhar que dos 2.500 colonos assentados
no Rio Grande do Sul, 750 se evadiram, espalhando-se por todo o terri-
tório brasileiro. Conversei com alguns desses fugitivos, que chegaram ao
Rio de Janeiro. “A situação daquela colônia é extremamente lamentável”,
descreveu-me também um tal de Okominski, jardineiro proveniente de
Samow, distrito de Mlawy, que encontrei em Curitiba, aonde chegara a pé,
completamente extenuado.
É preciso se dar conta do seguinte fato: o colono − recebendo o
seu salário dessa maneira − passa a menosprezá-lo e na primeira oportuni-
dade encontra um jeito de saciar seu vício lá na venda: esse é enfim um ca-
minho aberto para toda a sorte de abusos e excessos. Além disso, nenhum
governo, talvez em parte alguma do mundo, permitiria que fosse efetuado
semelhante pagamento entre particulares; mas que dizer quando o próprio
governo é o pagador? Essa é uma das muitas provas da perversão, diria eu,
até das monstruosas armadilhas daqui. É mais ou menos a mesma coisa,
por vezes em até piores condições, o que se pode encontrar em outras colô-
nias, entre quais estão – eu sei – São Bernardo, na Província de São Paulo,
e São Mateus, Rio Negro e Ponta Grossa, na Província do Paraná.
Quando finalmente, depois de anos de tanto sofrimento, o colono
conseguiu − como é de se supor, com excepcional força de vontade e esfor-
ço físico − preparar seu lote inteiro ou parte dele, deixando-o em condições
de lavoura (isso se a terra é realmente fértil, ou em outras palavras, se puder
produzir durante os primeiros cinco anos sem necessidade de adubação), aí
sim, com enxada ou pá nas mãos, recomeça a trabalhar. Trabalhar com arado,
nem pensar, mesmo depois de longos anos, pois as toras e os cepos que não
queimaram por completo ficam atrapalhando na terra, e, como já disse, só o
tempo se encarregará de transformá-los em pó. Contudo, a questão do êxito
174 Adolfo LAMENHA Lins (1845-1881) foi o 31.º Presidente da Província do Paraná
entre 8 maio 1875 e 16 jul.1877 (PARANÁ, CASA CIVIL). Hermann Bruno Otto
BLUMENAU (1819-1899), filósofo, administrador e químico alemão, fundador
da cidade de Blumenau (SC), em 1850, inicialmente como a colônia São Paulo de
Blumenau (WIKIPÉDIA, 16 jul. 2009). (N. da. T.)
266 Pe. Zygmunt Chelmicki
IV Grupo Murici.
1) Colônia Murici, distante 30 quilômetros de Curitiba,
com 109 famílias da Silésia e do Condado de Poznan, que em
1878 receberam 50 lotes do governo, sendo o restante adquiri-
do de particulares pelos colonos. Custos com a instalação – 51
contos e 42 mil réis.188
2) Colônia Zacarias, a 28 quilômetros de Curitiba, funda-
da em 1878 para 28 famílias de Poznan, que receberam 26 lotes
do governo. Os custos da instalação foram 27 contos e 763 mil
réis.189
Ao todo, nos arredores de Curitiba, foram assentadas perto de
1.600 famílias, ou seja, mais ou menos de 8 a 9 mil pessoas.
A colonização empreendida por Lamenha não estava totalmente
isenta de falhas. Antes de tudo, os colonos receberam pouca terra, sendo os
lotes de 1 alqueire nas proximidades da cidade, e os mais distantes de 2 a 2,5
alqueires. Assim, os imigrantes ficaram na obrigação de aumentar suas colô-
nias mediante aquisição de terras de brasileiros particulares ou mesmo com-
prando terrenos dos seus vizinhos, companheiros de destino, que nesse caso
partiam para mais longe. Além disso, a melhoria ou construção das estradas
demorou demais. Apesar de tudo, encontrei a situação dos colonos bastante
suportável, muitas vezes boa e até próspera em alguns casos. Para esse esta-
do de coisas, contudo, contribuíram as seguintes condições excepcionais.
Primeiramente, como já mencionei, a pessoa do colonizador, La-
menha, que foi realmente um pai, conselheiro e protetor para os colonos,
sendo o bem-estar deles seu único objetivo. Um de seus seguidores, Taunay,
contudo, começou a ocupar-se com experimentos político-nacionalistas e –
temendo a demasiada prevalência de uma única nacionalidade – fundou em
1886 a colônia mista de Antônio Prado, composta de poloneses, italianos e
brasileiros. Essa seria uma experiência da nacionalização dos estrangeiros. A
experiência resultou num completo fiasco, pois as três nacionalidades, em-
bora vivam em harmonia, continuam em total isolamento.
isso que está sendo feito. O fato é que uma faixa de 180 quilômetros com-
pletamente desabitada e ociosa está sendo esquecida, e se alojam os novos
imigrantes bem longe, dentro de matas virgens. A resposta deles a isso é
que – por serem de propriedade privada as terras mais próximas e por per-
tencerem ao governo as mais distantes – estas são doadas, enquanto aquelas
exigem pagamento. Mas, por Deus! quem joga fora milhões para pagar
os agentes e o transporte dos imigrantes, certamente poderá sacrificar seu
capital para a compra de terras de particulares e ainda por preços bem bai-
xos. Afinal de contas, esses proprietários particulares foram agraciados pelo
governo, ou por diversos ministros, que dessa maneira premiavam seus
partidários. Já mencionei anteriormente esse tipo de desperdício praticado
por Glicério, Ministro da Agricultura na época do Governo Provisório.
Portanto, isso não representa nenhuma explicação, mas, sim, a confirma-
ção da leviandade com que o governo empreendeu a colonização e conti-
nua executando-a atualmente.
Por isso, quem se baseia no exemplo dos colonos curitibanos e
desse modo tenta consolar os atuais candidatos a colonos ou procura atrair
os incautos e ingênuos, está errando ou induz tendenciosamente os outros
a errar. Nesse caso, realmente, “comparaison n’est pas de raison”.190
191 No original polonês, consta a abreviatura hr., que significa barão. Ocorre que Tau-
nay “foi feito Visconde de Taunay por D. Pedro II em 6 de setembro de 1889”
(WIKIPEDIA, 16 jul. 2009). Para Barão de Lucena, o A. usa Baron. (N. da T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 273
guá e Porto Alegre. Porém na realidade isso não acontece. Se por qualquer
motivo as autoridades acharem por bem retardar ou transferir a partida de
um navio, aí acontece que num mesmo dia atracam no porto dois grandes
navios e deixam uma província sem transporte durante duas semanas ou às
vezes até por mais tempo. Nessa situação me encontro agora.
Durante três dias, recebemos em Curitiba avisos, via telégrafo,
da partida de até três navios do Rio Grande do Sul com destino a Pa-
ranaguá, significando que pelo menos durante três semanas não teremos
qualquer comunicação. Por isso não havia outra alternativa; se bem que eu
poderia demorar-me mais alguns dias em Curitiba e dessa maneira visitar
ainda as nossas colônias em São Mateus, tive de abandonar esses projetos e
voltar ao Rio e de lá, dentro de 10 dias, teria de partir para a Europa.
É de se imaginar que essa falta de pontualidade da única via
de transporte provocaria demonstrações de desagrado na opinião pública,
ainda mais sabendo que existe uma solução fácil para isso. Mas, que nada!
Ninguém sequer pensa em semelhante coisa: aceita-se com resignação,
concorda-se em ficar durante algumas semanas incomunicável com o resto
do mundo.
Dos quatro navios que deveriam aportar em Paranaguá, escolhi
o último, o Rio Paraná. Constatei mais tarde que a sorte me favoreceu na
escolha. Dos três navios, que se encontram ancorados, o Rio Grande sofreu
danos durante a viagem a Santos, o Alexandria, fazendo escalas em peque-
nos portos, chegou ao Rio com cinco dias de atraso, e o Desterro não estava
aceitando passageiros.
Desse modo, em 4 de junho, encontrei-me são e salvo nas cal-
çadas do Rio. Sim, repito, nas calçadas, porque novamente, até tarde da
noite, tive de percorrer vários hotéis antes de conseguir encontrar um abri-
go razoável e deitar meus ossos muito cansados numa cama, que é um
verdadeiro leito de torturas.
No dia seguinte, pela manhã, já estava à minha espera uma sur-
presa nada agradável. Eis que a febre aquarela, que já devia, como de costu-
me, desaparecer em fins de maio, este ano continuou grassando a toda. O
jornal O País anunciava, no dia anterior ao meu retorno, 27 casos de morte
que na realidade deveriam significar o dobro, visto que as autoridades sani-
tárias, por diversos motivos, diminuem o número verdadeiro.
274 Pe. Zygmunt Chelmicki
peranças, tanto que − desde os primeiros momentos em que pisaram nesta terra
− sentiram-se iludidos e por isso estão perdendo todo o ânimo para o trabalho.
Como um dos exemplos, posso citar o fato de – em visita à fazenda
do sr. Paulino de Arruda Botelho na região de São Carlos – lá encontrar 16
famílias polonesas e 34 trabalhadores individuais. Toda essa gente falava-me
da bondade do seu patrão em relação a eles e a seus filhos, com lágrimas de
emoção nos olhos. Apesar disso, sentiam-se muito infelizes, porque os agentes na
Europa lhes prometeram outra vida excelente, sem trabalho pesado.
Por essa razão, estão na Casa do Imigrante mais de 500 famílias
de imigrantes poloneses. Entre eles, muitos são foragidos de diversas colônias,
declaram preferir morrer a arredar o pé dali e unicamente esperam ser devol-
vidos ao seu país.
Operários qualificados, conhecedores do idioma, encontram em São
Paulo trabalho até bastante compensador. Os outros dividem sua desventura
com os companheiros do Rio.
No Paraná, nos arredores de Curitiba, encontrei velhas colônias,
fundadas por poloneses vindos da Silésia, Galícia, Prússia ocidental e do Con-
dado de Poznan, em situação satisfatória, por vezes até bem-sucedida. Isso
é uma obra nobre e acima de tudo humanitária do sr. Lamenha, ex-Gover-
nador do Paraná, e em parte também do Barão192 de Taunay. O trabalho de
ambos pode servir de exemplo de uma colonização racional. Atualmente esse
exemplo não está sendo seguido. Para começar, o Paraná não estava absolu-
tamente preparado para receber um número tão grande de imigrantes. Por isso,
encontrei gente deitada nos barracões, meses a fio, esperando que as terras
com matas virgens nos arredores de São Mateus e Rio Negro sejam medidas.
Mesmo se essa gente possuísse as melhores qualificações como operários, a
ociosidade prolongada por tantos meses bastaria para depravá-los e fazê-los
perder a moral. Pelo visto, novas colônias estão sendo abertas entre 180 e
230 quilômetros de Curitiba. À pergunta que fiz sobre como e onde esses
colonos vão escoar seus produtos no futuro, simplesmente não recebi resposta
satisfatória.
pontos, de modo falho. Por isso mesmo, a carta acima não causou má
impressão; pelo contrário, ela foi recebida como uma apresentação objeti-
va, mas bem pouco elogiosa, da real situação da questão imigratória e dos
próprios emigrados.
Como réplica, em O Jornal do Brasil, o Barão de Taunay apre-
sentou um artigo, no qual, alegando o fato de que se referia aos méritos de
Lamenha e em parte aos do próprio Barão de Taunay em prol da coloniza-
ção racional nos arredores de Curitiba, diz entre outras coisas:
Já se passaram dezessete anos desde o momento em que assumimos
com o nobre Lamenha a obra da colonização na Província do Paraná. Quan-
tos petardos maldosos atingiram as nossas cabeças desde aquele tempo! Chama-
ram-nos de doutrinários e utopistas. Fomos debochados no nosso trabalho, e os
nossos conselhos eram recebidos com desdém e desprezo. O pobre do Lamenha,
enquanto isso, descansa em seu túmulo, esquecido, desprezado. E eis que atu-
almente a nossa semeadura está produzindo frutos devidamente reconhecidos e
imparcialmente avaliados por um homem vindo da Europa, pouco inclinado
ao otimismo, mas que a avaliou com toda a imparcialidade. Nosso sistema de
colonização, baseado principalmente no sentimento humanitário, fala por si
mesmo. Bondoso Lamenha, nobre companheiro, que seus restos mortais des-
cansem em paz na sepultura, porquanto está próximo o momento em que os
méritos serão devidamente reconhecidos, tanto quanto sua obra e sua fadiga
servirão de exemplo para os outros.
O Barão de Taunay é presidente da Associação de Imigração, de
caráter filantrópico, e ao mesmo tempo redator da revista Emigração, intei-
ramente dedicada aos imigrantes e à colonização. Seguidamente ele aponta
a amarga verdade aos representantes do atual sistema de colonização e com
toda a imparcialidade denuncia os pecados e os erros cometidos. Por essa
razão, não goza de grande popularidade nesses círculos, apesar de ser res-
peitado por todos pelo seu caráter e talento. Um malfadado incidente entre
ele e Dygasinski foi atribuído ao desentendimento de ambas as partes, se
bem que não foi desmentido que ele, no relacionamento social, é bastante
rígido e altivo. Por esses mesmos motivos, também não procurei travar
conhecimento com o Barão de Taunay. Afinal de contas, esse contato não
teria proveito prático algum, visto que o presidente da Associação de Imi-
gração não exerce nenhuma influência real sobre a atual colonização.
280 Pe. Zygmunt Chelmicki
193 Mitológico curral ou estábulo do rei Áugias, da Élida (Peloponeso, Grécia), objeto
de um dos trabalhos de Hércules (o quinto ou o nono, conforme os autores). O
herói limpou-o num dia, com o desvio de dois rios, que fez passar por ele, obtendo
assim um prêmio, que lhe foi negado, motivo de sangrenta vingança de Hércules
(COMELLIN, 1955, p. 227; HAMILTON, s.d., p. 232). (N. da. T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 281
que entre o que escrevi e o que vi não há nenhuma diferença. Posso dizer
unicamente e sempre a mesma coisa, tanto por escrito, como verbalmente,
publicamente ou no mais estrito sigilo: o que espera o nosso emigrante no
Brasil é uma desdita moral e material que nem se pode imaginar. Quando
tais perguntas começaram a se multiplicar cada vez mais, não me foi possí-
vel repetir a cada um sempre a mesma coisa. Passei a desembaraçar-me dos
que me perguntavam, com respostas geralmente circunstanciais, sem me
preocupar se isso seria suficiente para convencê-los ou não.
Contudo acho que as pessoas que perguntam e depois ainda
duvidam de tudo o que chegou a ser do conhecimento de todos sobre o
Brasil, queriam apenas levar em conta o seguinte: 1) as particularidades
gerais de cada um dos nossos emigrados, 2) as condições que um país como
o Brasil pode oferecer ao nosso emigrante e, por sinal, está oferecendo. As-
sim, é uma questão de perguntar: será que o sistema brasileiro de imigração
é capaz, em quaisquer circunstâncias, de garantir, de forma prática, uma
existência relativamente próspera para o nosso emigrado? A resposta, em sã
consciência, será indiscutivelmente negativa.
Por isso, na esperança de livrar não só a mim mesmo das inú-
meras perguntas, mas ao mesmo tempo contribuir para afastar definiti-
vamente quaisquer dúvidas, apresso-me a resumir as condições gerais da
imigração no Brasil, o que deve facilitar para formar opinião própria sobre
o assunto.
Falando em condições gerais, não posso tomar por base a sorte dos
que emigraram até agora. Infelizmente, mas é até com certa satisfação para os
interesses do nosso país ter de confessar que boa parte dos emigrados polone-
ses até agora é culpada em 75% por sua infelicidade no Brasil. São pessoas na
grande maioria levianas, que deixaram seu país, não à procura de trabalho mais
lucrativo, mas na absurda esperança de conseguir riqueza e outras vantagens
sem esforço e trabalho árduo. A julgar pelo que observei, posso dizer que
emigrou quase exclusivamente a classe inferior de nosso proletariado rural
e urbano. Essa convicção está plenamente de acordo com as notícias que
chegam e continuam chegando das regiões atingidas pela febre emigratória.
Afinal, basta pegar o mapa da Polônia, para constatar que a onda emigra-
tória atingiu particularmente as regiões onde antigamente florescia o con-
trabando. Um contingente significativo de emigrantes foi fornecido pelas
296 Pe. Zygmunt Chelmicki
baixo. Isso sem falar nas inúmeras humilhações que é obrigado a suportar
por falta do conhecimento da língua: as explosões de impaciência, quando
não consegue entender o que estão exigindo dele, e por fim a exploração da
ignorância, passando a ser um alvo fácil dos espertalhões. Tudo são adversi-
dades, que agem como golpes na cabeça já desde a entrada, enfraquecendo-
lhe a autoconfiança, a energia e a vontade de trabalhar.
Que extraordinária força de vontade é preciso ter para não sucum-
bir ao primeiro impacto e não se deixar abater pelo amargor do estranho!
O obstáculo seguinte é o clima.
É verdade que o Brasil com o seu imenso território possui diver-
sos climas, a começar pelo tropical até o temperado. Não reparei, entretan-
to, se as autoridades encarregadas da imigração e colonização têm de algum
modo levado em conta os hábitos climáticos dos imigrantes, deixando-lhes
livre a escolha; em outras palavras, os atiram à própria sorte. O que, afinal,
um simples camponês da Polônia ou trabalhador poderá saber sobre o cli-
ma que irá encontrar nesta ou naquela província? O que geralmente acon-
tece nesses casos é que o coitado se guia pelo palpite e escolhe qualquer
localidade da qual talvez tenha ouvido falar ou que alguém a seu lado tenha
sugerido. Vamos supor que a escolha por sorte foi relativamente feliz, e
o imigrante conseguiu colocação numa província suportável, mas assim
mesmo ele terá de suportar inúmeras situações desagradáveis, antes de se
ambientar dentro de um clima de uma província como a do Rio Grande
do Sul, onde no inverno a temperatura baixa até zero grau. No entanto,
durante o verão, a primavera e o outono, lá também o sol o queimará im-
piedosamente, pois o calor, nessa época do ano, chega muitas vezes a 30
graus à sombra, com temperatura média variando entre 24 e 28 graus.
Simultaneamente um trabalho muito mais árduo que na sua
terra natal o espera.
A maioria dos nossos emigrantes procura a lavoura. Até mesmo
os operários urbanos, que não possuem a menor noção sobre agricultura,
depois de se convencerem de que o ouro e os diamantes não estão à beira da
estrada, agarram-se geralmente à terra como a última tábua de salvação.
A meu ver, isso representa para o recém-chegado um trabalho
simplesmente impossível.
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 299
Jamais alguém o viu rezando. É bem verdade que ninguém lhe en-
sinara qualquer oração, mas em troca, por qualquer motivo, na primeira opor-
tunidade, torrentes de palavrões e blasfêmias saíam da boca do menino.
Então passaram a chamá-lo não só de “Monstro”, mas também
de selvagem. Contudo nenhum dos colegas ousava chamá-lo assim em voz
alta, pois temiam seus socos.
Jamais falou de sua família. Esta deixou de existir para ele desde
o dia em que deixara a casa paterna.
De seis em seis meses, Scarzanelli procurava a casa dos Cor-
deiros, onde Rodrigues pontualmente lhe fazia o pagamento combinado
pela educação do menino. Em nenhuma ocasião, o velho professor foi
perguntado sobre o garoto; porém, quando certa vez o próprio Scarzanelli
abordou o assunto, Rodrigues o interrompeu rispidamente declarando es-
tar apressado, despedindo-o sem demora.
O tempo passa rapidamente. A gente nem se dá conta, e, quan-
do se olha, já passaram meses e anos. Assim foi com Paulo, que − entre
amarguras e ressentimentos reprimidos minando cada vez mais sua alma
− se tornou moço.
Ninguém podia acreditar que ele já completara 20 anos.
No seu semblante meio abatido, no olhar apagado como de cos-
tume, mas de vez em quando irradiando por momentos um brilho selva-
gem, seria impossível notar algum ânimo, alguma esperança e algum entu-
siasmo pela inata vida típica de todo jovem. De traços angulosos, bem que
próprios da raça negra, cabelos encaracolados e eriçados cobrindo a cabeça
grande, postura como vergada sob algum peso, a falta de qualquer traço
de juventude fazia com que Paulo parecesse, não feio, mas positivamente
repulsivo. Ainda por cima, sua voz adquirira estranha aspereza, de maneira
que por si só causava uma impressão desagradável.
Não era de estranhar, portanto, que, assim como ele evitava as
pessoas, assim era evitado por todos. Mesmo aqueles que conheciam sua
desdita não se compadeciam dela, mas sim atribuíam à sua monstruosa
alma o aspecto do seu corpo.
Certa noite, Scarzanelli tinha voltado de suas visitas a Rodri-
gues. O velho mestre, ao entrar na sala, dirigiu-se diretamente a Paulo:
– Bem, rapaz − disse − trago boas-novas para você.
316 Pe. Zygmunt Chelmicki
ávido por enriquecer, chegou, para ano após ano colher as folhas dessas
arvores e preparar com elas o mate203, hoje conhecido no mundo inteiro.
Paulo, pois, se encontrava sozinho nesse imenso sertão, que até
então nenhum pé humano tinha pisado, fora os índios da temível tribo dos
botocudos, que avançavam bem longe, em jornadas de caça e pilhagem, até
as margens do rio Iguaçu e do rio Negro.
Sob um pinheiro solitário, que melancolicamente sobressaiu aci-
ma da frágil vegetação ao seu redor, à beira de um córrego, que sussurrando
rolava as pedras, Paulo construiu um rancho, abrigo do sol escaldante ou
das chuvas torrenciais. Algumas dezenas de gado, um considerável rebanho
de ovelhas e um pequeno cavalo pardo constituíam seus bens, que aos pou-
cos e com bastante dificuldade conseguira juntar em todos esses anos.
Pela primeira vez na vida, aqui se sentiu, para não dizer feliz,
pelo menos tranquilo, só de pensar que, naquele ermo, nenhuma sombra
de desprezo humano jamais o alcançaria.
Logo de manhã bem cedo, quando o sol tentava penetrar com
seus raios dourados as frestas da cabana, Paulo despertava do sono profun-
do e, erguendo a cabeça para espiar o mundo, encontrava as ovelhas olhan-
do-o com olhos curiosos e bebendo água fresca do córrego. Olhavam-no
com tanta ternura que até o rosto lúgubre de Paulo dava uma expressão
mais amena, tal como só a falecida Clara e o bondoso Caro podiam ter
visto em tempos idos.
Com o olhar percorria o sertão e, com grande satisfação, con-
tava − espalhados ao longe, por todos os lados − vacas e touros, que, sem
desconfiar de seu olhar atento, pastavam tranquilamente, abanando as
caudas para se defender de moscas, besouros e mosquitos. O ruído dos
insetos e a música dos grilos escondidos no meio do capim e vimes aca-
riciavam seu ouvido com música de eterno verão, que enche o coração
de paz e consolo.
Solitário, ele se sentia um grande e poderoso senhor no meio desse
enorme sertão e, dominado por essa sensação, se punha rapidamente em pé e
203 Mate, espécie de chá preparado com folhas secas de árvore do mesmo nome. (N. do
A.) Em polonês, para mate está matta. (N. da T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 321
204 Farinha de origem vegetal preparada mediante a trituração das raízes da mandioca.
(N. do A.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 323
Curitiba, Paulo já possuía, no bolso, uns três contos de réis205 em ouro re-
luzente. Os negociantes, por sua vez, combinaram que todos os anos, pelo
outono, iriam ao sertão para comprar gado em pé.
O mulato, como um pavão, caminhava pelas ruas da cidade,
esbanjando largamente o dinheiro por todos os lados. Trajava roupas sufi-
cientemente vistosas: um amplo poncho xadrez cobria em parte a sua rou-
pa de veludo. O chapéu de abas largas, de propósito puxado sobre a testa, e
as botas reluzentes denotavam tratar-se de um abastado fazendeiro.
Logo, também achou alguns amigos, que prazerosamente parti-
cipavam das orgias e farras por ele orgulhosamente organizadas. Duas se-
manas vividas dessa maneira, sem dúvida absorveram metade do dinheiro
recebido dos negociantes, mas isso nada lhe importava: sentia-se orgulhoso
do seu sucesso. Porém, se observasse atentamente seus companheiros, teria
notado muitas vezes o sorriso escarnecedor nos seus rostos, mas uma ambi-
ção inebriante o cegava. Não queria ver coisa alguma, nem saber de nada,
estava como que embriagado de satisfação.
Por fim voltava para o sertão, orgulhoso e convencido de que
agora o mundo lhe abriria as portas de par em par.
Lado a lado com o cavalo, vinha caminhando um casal de ne-
gros, que Paulo tinha comprado em Curitiba.
O homem contava aproximadamente quarenta anos.
O trabalho pesado lhe arcara a espinha, e a cabeça precocemente
começava a branquear. Um olho perdido em acidente assim como o outro
olhavam tristemente este mundo de Deus.
A mulher, pobre coitada, fraca, tossindo, mal conseguia manter-
se em pé, o que era dificultado por puxar pela mão um menino de uns cin-
co anos, que, cansado de caminhar, montava nas costas da mãe, de tempos
em tempos. O suor e as lágrimas banhavam o rosto da negra, mas o amor
materno lhe aumentava as forças e a cada passo, contudo, atirava às costas
um lençol sujo onde colocava o menino choroso. Porém não conseguia
carregá-lo mais que alguns passos, pois a sufocante tosse seca a obrigava a
livrar-se do precioso fardo.
Ainda o sol não havia aparecido para dourar este oceano de sa-
mambaias e capins, e a penumbra noturna ainda pousava sobre o sertão, e
Paulo sorrateiramente saía de sua cabana e se aproximava do amontoado de
trapos que servia de cama para os escravos, embaixo de um pinheiro, onde
estavam dormindo, e os tocava impiedosamente, a pontapés.
Pondo-se rapidamente em pé, caminhavam em direção às plan-
tações sem uma palavra sequer de queixa.
Nisso, como um possesso, ele se atirava sobre eles, batia neles, os
sacudia pelos cabelos e quase sempre determinava um trabalho diferente.
Quando, por acaso, um boi escapava da invernada para o cam-
po, ou algum bezerro doente morria inesperadamente, ou quando uma
ovelha se tivesse perdido no meio da capoeira ou vime, então aconteciam
coisas horrorosas dentro da cabana. Paulo caía num delírio furioso e pas-
sava a martirizar sem fim o negro. Inutilmente o infeliz clamava por mi-
sericórdia, rastejava aos pés de Paulo, implorava perdão, mas isso de nada
adiantava. O algoz não parava de o maltratar sem piedade, enquanto os
braços do patrão não se debilitavam de tanto esforço.
Às vezes se passavam dias e dias sem que ele lhes desse um prato
de comida, mas, quando os via perdendo as forças, dobrava o já pesado
trabalho. Outras vezes, colocava comida em quantidade exagerada, e eles se
afastavam satisfeitos; então, batia neles porque não queriam comer mais.
E quanto mais se faziam humildes e abatidos, tanto mais ele os
maltratava e torturava. Jamais de sua boca saía uma palavra boa nem sua fi-
sionomia refletia sequer um vislumbre de humanidade ou compaixão. Fran-
camente, era preciso ter uma resistência férrea para suportar tamanha carga
de maus-tratos e toda a sorte de torturas, e não entregar a alma a Deus.
Certa vez, quando acidentalmente um boi quebrou a pata, o
coitado do negro, temendo um terrível castigo, fugiu. A negra, sua mulher,
ficou com a criança; por certo seriam um empecilho ao fugitivo. Paulo,
desconfiando do acontecido, pulou sobre o cavalo e como um louco dispa-
rou em direção ao campo.
Voltou somente no dia seguinte.
Aos olhos dela, negra, e do seu filho apareceu uma imagem
terrível.
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 331
eles trabalhavam em três, pois Antônio era um menino de doze anos; em-
bora tivesse herdado da mãe a saúde fraca, mesmo assim, com as forças que
possuía, já ajudava os pais no trabalho e na dose de maus-tratos de Paulo.
Menino de peito encolhido, membros chupados, raquítico, com expres-
são inapagável de tristeza em seu rosto, trabalhava quanto podia, ora na
plantação, ora junto à criação mais miúda do senhor, ou então atendendo
mesmo às necessidades pessoais do próprio.
A voz trêmula do Antônio, o temor, que o diminuía ainda mais,
tudo isso provocava no cruel Paulo um alto grau de irritação. Justamente por
isso, em nada o poupava nem nas exigências nem nas explosões de raiva.
Algumas vezes, sem nenhum motivo, gritava com ele como um
louco; e, quando o menino, apavorado, caía de joelhos diante dele e, jun-
tando as mãos, pedia piedade, aí é que o castigo redobrava.
Na calada da noite, encolhidos junto às paredes do depósito
cheio de milho e capim, os três muitas vezes cochichavam baixinho e, en-
golindo lágrimas, lamentavam sobre seu destino ou levantavam preces ao
misericordioso Deus, pedindo a morte.
Eis que o Senhor bondoso, que anotava as lágrimas dos oprimi-
dos, atendeu à sua prece.
Acontece, de vez em quando, que o campo tranquilo, como
que entediado com o prolongado sono, de repente desperta e começa a
se enraivecer. Então tudo nele se ativa e entra em ebulição; um vento lou-
co se desencadeia, irrompendo pela planície imensa, e, não encontrando
nenhum obstáculo, rodopia sobre tudo sem nenhuma resistência. O povo
conta histórias fantásticas, dizendo que são fantasmas que escaparam das
amarras do Inferno e promovem farras diabólicas no sertão indefeso. É,
assim parece, que se trata de uma fábula popular, mas o certo é que, no
assobio agudo do furacão, os capins, os juncos e os cipós são arrancados e
levados violentamente para o ar, com o vento. Bandos de pássaros assusta-
dos se põem em fuga. Tudo isso tem em si algo de satânico.
Muitas vezes, se tem a impressão de que são lamentos estranhos
saídos de dentro da terra do sertão, às vezes até se ouvem nítidos sons de
gemidos, mas em seguida uma forte lufada de vento os leva por aí, bem
longe, assobiando estridentemente. Todos os seres vivos procuram abrigar-
se onde podem. O gado se reúne em grupos e muge tristemente, a serpen-
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 333
te, o lagarto ou outro réptil qualquer penetram nas fendas da terra; a onça
e outros bichos selvagens procuram abrigar-se no bosque mais próximo.
Nessa ocasião, também o homem, em pleno sertão, fica tomado
por um estranho pavor; ele sente que a qualquer momento pode se tornar
um joguete da tormenta. Quando lhe falham as forças para opor-se às
correntes do vento, se joga no chão, no meio do capim, ou corre o mais
rápido para um abrigo.
Já começava a segunda noite, mas a tormenta ainda não se acal-
mara. Paulo nem sequer tirava a cabeça para fora de casa. Os dois negros
se encolhiam no canto da cabana, tremendo de medo, não por eles, pois
o que é que podiam esperar de pior do que o que suportavam dia a dia?;
mas por Antônio, que tinha ficado num rancho de invernada, até agora
não voltara, talvez por não ter forças para lutar contra o vento. O negro
consolava a esposa como podia, mas enfim ele próprio não conseguia con-
trolar sua preocupação. Por isso os dois não pregavam os olhos, esperando
acordados.
Nisso, sem mais nem menos, ouviram cochichos próximos da
cabana. O ruído do vento os abafou. Parecia uma ilusão. Mas não! Mo-
mentos depois ouviram nitidamente vozes humanas, que se podiam distin-
guir facilmente em meio da tormenta, juntamente com um agitado movi-
mento nas cercanias da cabana. Não eram os mercadores ou negociantes da
Lapa, e não era hora para isso, nem podiam ser viajantes perdidos por ali,
pois quem ousaria sair para o campo numa tormenta dessas.
O escravo tirou a cabeça para fora da cabana e, apesar da escu-
ridão da noite, percebeu um bando de vultos corpulentos, apressando-se,
seminus, de cabelos longos e enfeitados de fantásticas plumas nas cabeças.
Agora não tinha mais dúvidas de que se tratava de índios, de cujas jorna-
das de pilhagem já ouvira falar em muitos casos. Aproveitando a ventania,
vieram até a fazenda, certamente com o propósito de saqueá-la.
No mesmo instante, ele percebeu que deveria acordar Paulo e
enfrentar os larápios. Então, puxando um bambu do telhado da cabana,
saiu e começou a clamar por socorro a plenos pulmões.
Surpreendidos, os índios se desnortearam, alguns deles até se
puseram em fuga; os restantes, porém, se agruparam e, após momentos de
reflexão, juntos atacaram o negro.
334 Pe. Zygmunt Chelmicki
Diversas vezes, ele se punha de pé, queria correr para casa e cair
aos pés do mulato para gritar a plenos pulmões:
– Bata, senhor! Me mate, mas me dê um pouco de comida!
Mas logo era dominado pelo pavor que o pregava ao chão.
Ia chegando a madrugada, e o pobre menino, semi-inconscien-
te, soluçava e gemia desesperadamente.
A chuva já havia parado, somente o vento soprava tocando as
nuvens escuras para o horizonte. Do sertão começavam a subir vapores, e
com eles uma fraca claridade penetrava por entre a neblina.
Antônio, com certa dificuldade, se levantou daquele emaranha-
do de trapos que lhe servia de cama, apertou a cabeça com as mãos e febril-
mente resolveu tomar uma decisão desesperada.
Não, ele não aguentava mais! O medo estava cedendo, e uma
estranha coragem começava a brotar em seu peito debilitado.
Sim, ele iria para lá, para casa, para se atirar aos pés de Paulo,
beijá-los e pedir, suplicar tanto até sensibilizar aquele coração empederni-
do e pedir um pouco de comida, mendigando.
Agora ele já não tem mais dúvida e corre rápido, tanto quanto
as pernas enfraquecidas lhe permitem, segurando de tempos em tempos a
cabeça para não deixar que ela estourasse de dor.
Eis a casa! Lá, atrás da janela aberta, está repousando o cruel
Paulo. O menino vacilou um pouco. “Será que vou acordá-lo?” E se, antes
de ouvir seu pedido, começar a açoitá-lo?
– Que açoite, contanto que eu possa comer! Comer!!!
Nisso, a vista de Antônio pousou sobre um caixote debaixo do
telheiro da casa, onde aparecia, atrás de um engradado de madeira, uma
comprida fileira de queijos brancos.
O garoto se atirou neles como um animal faminto. Arrebentan-
do o engradado, num piscar de olhos agarrou o queijo.
– Bem te vi! − soou sobre sua cabeça. Um arrepio trespassou o
corpo inteiro de Antônio; suas pernas amoleceram; as mãos, segurando a
presa, tremiam como em febre.
Como um raio, lhe passou pela cabeça a idéia: “Então esse cruel
Paulo está me vendo!”
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 339
por uma das sujas ruas do pequeno povoado, querendo respirar o frescor
da noite após um dia muito quente. A noite estava maravilhosa: a lua cheia
aparecia agora no horizonte.
Ambos caminhavam imersos em pensamentos sobre os proble-
mas do dia-a-dia.
– Olhe, Jacó − interrompeu repentinamente Pedro. − Vamos ter
um temporal no sertão. Você está vendo como vêm vindo nuvens escuras
do lado oeste?
– É verdade − respondeu o interrogado − até já aparecem relâm-
pagos. Bem, isso é coisa muito comum nesta época do ano. − E caminha-
ram adiante, sem se preocupar mais com algo tão corriqueiro.
Não se passaram alguns minutos, quando Pedro puxou a con-
versa de novo.
– Mas é um temporal e tanto! Está vendo como está caindo um
raio atrás do outro?
– É mesmo − murmurou Jacó. − Espie só − prosseguiu momen-
tos depois. − Mas o que é isso? Parece um clarão no céu!?
– É isso mesmo. Não é outra coisa − acrescentou Pedro. − Com
certeza, o sertão pegou fogo.
– Mas, falando de sertão − voltou depois de breve pausa. − Jacó,
agora me lembrei que deveríamos fazer uma viagem até a fazenda daquele
mulato feio. Ele deve ter colhido bastante milho e mandioca, e nós já não
temos muita reserva.
– Bem − acrescentou o companheiro − então vamos! Agora não
temos muito trabalho mesmo. Sem demorar muito, partiremos amanhã
bem cedo. Isso nos tomará sem dúvida uns cinco dias.
Assim, no dia seguinte, quando ainda o sol não havia aparecido,
os dois negociantes já estavam a caminho. Viajaram a cavalo, um ao lado
do outro, e atrás deles, cabisbaixas, caminhava lentamente uma longa fila
de mulas, carregando no lombo, de ambos os lados, grandes cestos, que na
volta trariam cheios de milho e mandioca.
O caminho era difícil, por isso a caravana prosseguia lentamente.
Viajavam dia e noite, descansando e alimentando os animais, na
hora em que o sol era forte demais, ou algumas horas durante a noite.
342 Pe. Zygmunt Chelmicki
FIM
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Referências bibliográficas da tradutora
207 O mapa atual da Polônia é resultante do Tratado de Versalhes (1918). Ver adiante o
mapa desse país em 1891, quando o A. empreendeu a viagem ao Brasil. (N. da T.)
Imigrantes Poloneses no Brasil de 1891 349
B E
G KRUPA – 41
GAAD (Dr.) – 77, 78, 89, 103, 201, 212, L
238, 302
GALENOZOWSKI (médico) – 50 LADÁRIO (barão de) – 143
GAWR, Bl. – 189 LAJUS – 243
GENEROSO (advogado) – 250 LAMENHA (Dr.) – 251, 265, 266, 269,
279
GERALDO – Ver RESENDE, Geraldo
de LEON (engenheiro) – 260
GERALDO (barão) – ver RESENDE, LEONARDO – 69, 71
Geraldo de LIMA – Ver CERQUEIRA LIMA
GLICÉRIO (general) – 135, 146, 147, LOBO, Aristides – 144, 146
148, 149, 271, 280, 282 LUCENA (barão de) – 135, 152, 153,
GLINKA, Mikolaj – 25, 29, 30, 31, 32, 154, 272, 280, 281, 282
33, 47, 49, 58, 71, 85, 87, 104, 105, LUKASIEWICZ, Josef (carpinteiro) – 241
179, 276, 284, 294
M
GOMENSORO – 106, 272, 283, 284
GORSKI, Ludwik – 201 MAGALHÃES, Benjamim Constant Bo-
GORSKI, Wladislaw – 50 telho de) – 136, 137, 140, 146, 150
GURANOWSKI (padre) – 70 MAL-DIOP (rainha) – 85
MARTINS, Gaspar da Silveira – 145
H MARYSIA – 109
HEHN (padre) – 163 MATEUS – 109
HENRYK – 104 MAYRINK – 287
HESSE – 40 MEUNIER (comandante) – 72
MICHEL, Ernest – 52
I MICK – 50
ISABEL, Dona (princesa) – 125, 127 MIKOLAJ – Ver GLINKA, Mikolaj
ISENBERG-BERNSTEIN, Karol (pa-
dre) – 36-7 N
N. – 188
J
NAPOLEÃO POETA – 147
J. E. (superintendente polonês) – 33 NEGREIROS José (fazendeiro) – 89,
JAROSZ – 63 90, 199, 201, 202, 204, 205
JOÃO ALFREDO – 138 NESTOR – 242
JOSÉ I (rei) – 61 NIERDELE, Francisco – 115
K O
KAERGERER (escritor) – 204, 263 OKOMINSKI (jardineiro) – 262
KOMIEROWSKI – 53 OLIVEIRA, Cândido de – 145
Imigrantes Poloneses no Brasil 353
OURO PRETO (visconde de) – 138, SÃO VICENTE (conde de) – 125
139, 144, 145, 149 SCHLOSSER (padre) – 35, 36, 37, 38,
39, 40
P
SIENKIEWCZ (Sra.) – 104
P. (jornalista) – 75, 8672 SIENKIEWICZ (escritor) – 113
PARIS (conde de) – 61
SILVAS (os) – 265
PAULINO – 195, 208, 210
SOJA (padre) – 247, 270
PEDRO II (Dom) – 58, 122, 123, 123,
STACHOWSKI – 249
126, 136, 137, 143, 144, 170, 287
PEIXOTO, Floriano – 146 STANCZYK – 54
PETERS – 39 SZEL – 189
PINTO, Joaquim Caetano – 128, 129 SZOBERSKI – 47
PRADO, Antônio – 50, 126 SZULC – 249
PRADOS (os) – 265
T
PRAHAZ (padre) – 36, 37, 38, 40, 41,
42, 45 T. – 248
PRZYTARSKI (padre) – 270 TAUNAY (barão de) – 267, 269, 272,
277, 279
R
TAUNAYS (os) – 265
RESENDE, Geraldo de (barão) – 196, VANDENKOLK, Eduardo – 144
199, 201, 204, 205, 212
RIBEIRO, Demétrio – 144, 146 V
RIO BRANCO (visconde do) – 125
VIDAL, Fortunato Forster – 152
RODRIGUES – 105
ROGOZINSKI – 49, 53 W
ROTSCHILDS (os) – 94
W. – 95
RYMKIEWICZ (engenheiro) – 104
WABERSKI – 249
S WASILEWSKI – 50
SANTANA – 46 WINNICKI, Josef – 46, 50
SANTANA NÉRY – 50, 51, 52, 106,
Z
127, 200
SANTOS, José dos – 122, 128, 133 Z. (conde) – 49, 50
354 Pe. Zygmunt Chelmicki
Imigrantes Poloneses no Brasil, de Pe. Zygmunt Chelmicki,
foi composto em Garamond, corpo 12, e impresso em papel vergê areia
85g/m2, nas oficinas da SEEP (Secretaria Especial de Editoração e Publicações),
do Senado Federal, em Brasília. Acabou-se de imprimir em julho de 2010,
de acordo com o programa editorial e projeto gráfico
do Conselho Editorial do Senado Federal.
356 Pe. Zygmunt Chelmicki
SENADO FEDERAL
Zygmunt Chelmicki foi um padre católico, que - além das ......................
SENADO
funções sacerdotais - teve as de ativista comunitário, publicista, FEDERAL
Imigrantes Poloneses no Bra-
editor e político. Descendente de antiga família fidalga, nasceu em
......................