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Cairbar Schutel - O Bandeirante Do Espiritismo (Formato A6)

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Cairbar Schutel

O Bandeirante do Espiritismo
Eduardo Carvalho Monteiro
Wilson Garcia
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 3

Conteúdo resumido

Cairbar Schutel foi um dos iniciadores e di-


vulgadores da Doutrina Espírita no Brasil,
sendo um homem de fibra, coragem e fé. E
foi um exemplo vivo na prática da caridade,
daí ter sido reconhecido como o "Pai dos po-
bres de Matão".
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 4

Sumário
Prefácio
Primeira Parte - Cairbar, O Homem e a
Obra - Eduardo Carvalho Monteiro
I - Cairbar Schutel, o Bandeirante do
Espiritismo / 07
II - Passagem por Araraquara / 18
III - Os Schutel, uma família ilustre /
20
IV - A Matão que Cairbar encontrou /
24
V - O político Cairbar Schutel / 26
VI - O casamento de Cairbar Schutel /
30
VII - Cairbar Schutel enquanto católico
/ 32
VIII - Como se deu a conversão / 34
IX - Schutel é testado pela primeira vez
/ 39
X - A primeira polêmica quase termina
em tragédia / 46
XI - Nasce o Clarim / 56
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 5
XII - Curiosidades pinçadas nos 1.°s
números de "O Clarim" / 62
XIII - Seu tipo físico e personalidade /
75
XIV - Cairbar e dona Mariquinhas / 79
XV - O "Pai dos pobres de Matão" / 84
XVI - Criação do Hospital de Caridade /
90
XVII - Apreensão de "O Clarim" em
1913 / 95
XVIII - Visitas à cadeia pública / 102
XIX - A cura dos obsidiados / 106
XX - A mediunidade de cura de Cairbar
/ 109
XXI - O apego de Cairbar aos animais /
111
XXII - Uma herança para Cairbar Schu-
tel / 115
XXIII - A fundação da RIE / 117
XXIV - Associação "São Vicente de Pau-
lo" / 130
XXV - Casos vividos por Cairbar / 134
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 6
XXVI - Fundação da "Associação Co-
mercial de Matão" / 141
XXVII - A posição de "O Clarim" quanto
à "Constituinte Espírita Nacional" / 143
XXVIII - A "Coligação Pró-Estado Leigo"
/ 146
XXIX - O Não de Cairbar à "Ação Espíri-
ta Paulista" /151
XXX - Cairbar Schutel e Chico Xavier /
155
XXXI - O Pioneirismo da "Assoc. de
Prop. Esp. do Estado de São Paulo" / 157
XXXII - Conferências Radiofônicas /
160
XXXIII - As Crônicas no "Correio Paulis-
tano" e "Gazeta de Notícias" / 166
XXXIV - Uma sessão espírita com Cair-
bar / 172
XXXV - O Desencarne: "Vivi, Vivo e Vi-
verei" / 174
XXXVI - O Sepultamento / 180
Segunda Parte - Cairbar, o Escritor e o
Jornalista - Wilson Garcia
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 7
I - "Nossa tarefa é divulgar" / 188
II - O pensamento espírita de Cairbar
Schutel / 195
III - Cairbar Schutel e a fenomenologia
espírita / 201
IV - Por um espírito livre, consciente /
207
V - Cairbar Schutel e seus livros / 213
VI - Cairbar De farmacêutico a jornalista
/ 219
Notas Bibliográficas / 224
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 8

Prefácio

Dizer que uma editora espírita sente-se


honrada e que tenha satisfação em apresen-
tar um livro, pode parecer um lugar comum;
aquele feitio de ser gentil e estimulador pela
autoria da obra.

Tal, porém, não se passa com o lança-


mento de um livro do porte desta biografia,
pela consciência profunda que se tem da
importância da tarefa e do desempenho dou-
trinário do biografado.

É uma vida de integral exemplo à dedi-


cação a um ideal apostólico, cuja imagem de
indicador de rumos mostra-se como um ca-
minho seguro que devemos trilhar.

Cairbar Schutel surge, de corpo inteiro,


neste texto que deixa que vejamos o vene-
rando fundador do Centro Espírita "Amantes
da Pobreza", de "O Clarim", da "Revista In-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 9
ternacional de Espiritismo" e da Casa Editora
"O Clarim", com toda a expressão de seu
espírito lutador de um dos mais fiéis pionei-
ros do Espiritismo no Brasil.

Talvez o amor explique este fenômeno,


pois deve ter sido com imenso amor que a
pesquisa de sua grande vida surge com to-
das as nuanças em um tão curto espaço de
tempo. E antes que Cairbar Schutel venha a
tornar-se um mito inatingível, mas muito
pelo contrário, para que revele-se como um
homem - um verdadeiro ser humano - para
sugerir-nos que qualquer um de nós, em
seguindo suas pegadas, concretize com amor
os compromissos havidos com a Doutrina
Espírita.

A fé, diz-nos Cristo, pode remover mon-


tanhas. E foram uma sucessão de dificulda-
des, de obstinadas pesquisas que, de pouco
em pouco, surgiu O Bandeirante do Espiri-
tismo, que leva o estudioso da Terceira
Revelação a uma euforia e à necessidade de
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 10
prosseguir no terreno da divulgação do ideal
kardecista, nas pegadas mesmas do grande
e luminoso doador das mensagens de conso-
lo, de elucidação e libertação em face da
Verdade a que dedicou a maior parte de sua
grande vida.

Vi Cairbar Schutel de relance; vinha do


agreste com minha querida mãe e o trem se
deteve em Matão. Era o trem da noite que
havíamos tomado com destino a Minas Ge-
rais. Era uma criança de grupo escolar e vi
quando aquele homem de traje impecável,
de brim, porte esbelto, com um maço de
jornais debaixo do braço, ia colocando um
exemplar em cada banco vazio. Curioso, to-
mei um deles. Era O Clarim. Mais tarde, a-
través de fotografia tomei conhecimento de
que o homem do trem era Cairbar Schutel.
Soube tempos depois que ele os esperava
para distribuir a boa semente aos viajores
fatigados que se destinavam às excursões
mais distantes de São Paulo.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 11
Posteriormente, já cursando o Ginásio,
fiquei muito amigo de um jovenzinho que,
insatisfeito, abandonara o Catolicismo e ade-
rira à Mocidade Espírita. Um dia falei-lhe do
episódio do trem e ele me narrou o seguinte:

Cairbar Schutel fazia conferências espí-


ritas na PRD-4, Rádio Cultura Araraquara.
Esse amigo era mariano e ouvia aborrecido
as sugestões do pároco para que vaiassem o
conferencista.

Entretanto, ao sair do recinto das


transmissões, Cairbar Schutel se mostrava
tão respeitável e digno que os moços maria-
nos abaixavam as cabeças e por mais obsti-
nados que se dirigissem à Rádio nas domin-
gueiras, jamais conseguiram atender ao pá-
roco.

Portanto, a biografia que oferecemos é


um trabalho profundo, amplo, abrangente. E
o fruto heróico de Eduardo Carvalho Montei-
ro e Wilson Garcia, confrades de São Paulo,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 12
que neste gênero a apresenta através de
ótica cristalina e bem documentada, e que a
gente como que a descobre em seu poder de
síntese, e na qual inteligência e consciência
tocam um algo de inesperado, como duas
formas se justapondo: surgem em todo o
seu perfil o homem e sua obra.

Pinçando os mais recônditos meandros


de uma centena de memórias, num global de
criticas firmes e serenas e de uma infinidade
de boas ações, através do dia a dia numa
pequena cidade - a sua querida Matão - que
agora também ganha porte - pela "descober-
ta" de seu filho laborioso e honrado, e que
um dia há de saldar a dívida de gratidão que
tem para com ele - o grande amor do cida-
dão e do espírita Cairbar Schutel.

Tal é o conteúdo do que vamos ler em


seguida!

Wallace Leal V. Rodrigues


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 13
Este livro surge para marcar um outro
evento significativo do nosso movimento es-
pírita: a realização do IX CONBRAJEE - IX
Congresso Brasileiro de Jornalistas e Escrito-
res Espíritas, nos dias 18 a 21 de abril de
1986, na capital paulista, do qual Cairbar
Schutel é o patrono.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 14

Primeira Parte

Cairbar, O Homem e a Obra

Eduardo Carvalho Monteiro

Cairbar Schutel, o Bandeirante do Espi-


ritismo

Sob o título "A Grande Homenagem de


Araraquara a Cairbar Schutel" (Impressio-
nante Concentração Espírita) o jornal "A Co-
marca", de Matão, de 27 de março de 1938,
em sua 1.ª página noticiava a justa homena-
gem que se prestava ao grande vulto do Es-
piritismo na Pátria do Cruzeiro: "Foi com e-
moção crescente que, partindo para a gran-
de cidade, atualmente, depois de Santos e
Campinas, a mais importante do Estado, fo-
mos notando carros inteiros das composições
da Estrada de Ferro Paulista, ônibus da zona
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 15
araraquarense, automóveis de várias proce-
dências repletos de passageiros, que afluíam
à consagração, promovida, em 20 do corren-
te mês, pelos espíritas de Araraquara, ao
grande pioneiro do Espiritismo no Brasil.

Não se pode dizer que essa consagra-


ção era à sua memória, porque os espíritas,
convictos da imortalidade da alma ou do es-
pírito humano, renderam a homenagem à-
quele que deixara o mundo físico em 30 de
janeiro último, e, portanto, ao próprio Cair-
bar Schutel, espírito liberto no Espaço.

O Teatro Municipal de Araraquara, é um


próprio do Governo do Município, fica no co-
ração da cidade, e tem lotação para cerca de
duas mil pessoas.

"A sessão estava anunciada para as 8


horas da noite. As sete, já se achavam to-
madas as cadeiras. As sete e meia, a Casa
repleta, os amplos corredores eram peque-
nos para comportar a massa de gente que se
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 16
avolumava, minuto a minuto, ficando de pé."
(...) (Ítalo Ferreira).

O que explicaria tal proporção de ho-


menagem senão estarmos diante de um vul-
to de exceção? De um missionário voltado
para os grandes problemas do destino hu-
mano? Não precisou Cairbar Schutel locali-
zar-se num grande centro irradiador de cul-
tura para projetar-se no cenário cultural, filo-
sófico e religioso de sua Pátria. O pequeno
palco que teve na cidade de Matão, interior
de São Paulo, bastou para que escrevesse
em tintas indeléveis sua trajetória no livro da
História.

Este Bandeirante, quase um autodidata,


transitou seu talento não pelo cultivo da esti-
lística e da filologia, mas pela disseminação
das idéias espíritas cristãs e em tal floração
se fez mestre. Com o mesmo afã e amor
com que fazia correr sua pena de jornalista e
escritor, sobressaltou-se-lhe a obra da cari-
dade cristã, razão pela qual, "A Comarca",
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 17
jornal leigo, e muitas autoridades de nomea-
da da região, renderam-lhe homenagens por
ocasião de seu falecimento.

Souberam reconhecer naquele homem


íntegro e de inabaláveis convicções religio-
sas, sua importância para a comunidade e a
grande perda que se faria sentir na socieda-
de local.

Mas, infelizmente, apenas os espíritas


mais integrados ao movimento doutrinário
poderiam vislumbrar, àquela época, a grande
relevância do papel que desempenhou e de-
sempenha até hoje a figura de Cairbar Schu-
tel cujo exemplo e pensamento influencia e
inspira várias gerações de espíritas reencar-
nados neste Planeta. Sim, porque essa influ-
ência não se restringe a nossos conterrâ-
neos, mas já de há muito rompeu fronteiras
e, mais precisamente, desde 1925, exerce
seu fascínio sobre irmãos de outras terras
com a extraordinária mensageira da Doutrina
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 18
dos Espíritos, a "Revista Internacional do
Espiritismo".

Cairbar Schutel teve por berço natal a


cidade do Rio de Janeiro no terceiro quartel
do século passado. Um excelente artigo de
Wallace Leal Rodrigues na RIE de setembro
de 1968, do qual reproduzimos um fragmen-
to, retrata o cenário da época, o "modus vi-
vendi" da família e os passos iniciais de Cair-
bar Schutel. Melhor não teríamos descrito:

"Cairbar de Souza Schutel nasceu a 22


de setembro de 1868, enquanto o Brasil en-
volvia-se na aventura que a História denomi-
na a "Guerra do Paraguai". Estava com pou-
co mais de um mês quando chegaram à real
cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro as
notícias decisivas sobre a batalha de Tuiuti.

O casal Souza Schutel via nascer seu


primeiro filho enquanto residia na famosa
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 19
Rua do Ouvidor, 49, que, apesar dos terrores
da guerra, dia a dia engalanava-se e res-
plandecia. O menino Cairbar transitava, pela
mão de sua mãe, entre nada menos do que
23 casas de modistas, 4 de floristas, 77 ouri-
ves, 33 relojoeiros, 66 sapateiros, 8 retratis-
tas - um dos quais retratou-lhe os pais no
esplendor de sua beleza e juventude - e 24
fabricantes de carruagens.

Ali os hábitos eram complicados e no-


bres, o que pode explicar o fato do formoso
Anthero Schutel ter-se tornado um "dandy".
Na capital imperial proliferavam os grêmios
de diversões e arte e o elegante filho de fa-
zendeiros catarinenses não se importava em
gastar fortunas no Cassino Fluminense, - de
todos os mais aristocrático, - na Sociedade
de Recreação Campestre ou mesmo nos Clu-
bes de Petrópolis, na cidade dos reis.

Entretanto a esposa, a meiga Rita, não


o acompanhava. Era dotada de um outro
feitio e fora criada na religião brasileira do
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 20
culto doméstico. As casas abastadas possuí-
am seus oratórios particulares e o menino
gravou na memória a lembrança de sua mãe
de joelhos, com ele ao seu lado e os escra-
vos domésticos um pouco atrás. Desfiavam o
rosário enquanto as velinhas faziam a ilusão
de que os santos mudavam suas expressões
faciais e moviam as vestes.

A religião enchia a vida monótona e


triste de D. Rita, que amava intensamente o
marido e esperava-o chegar; madrugada
alta, insone e resignada. Schutel, anos mais
tarde, contaria aos amigos ter visto, em cer-
tos dias, a casa se esvaziar de móveis, leva-
dos para saldar as contas de jogo de Anthe-
ro. Este, todavia, sempre terminava por tra-
zê-los de volta. No fundo era bom, amável, e
adorava a família. Mas sua vida desregrada
deveria em breve levá-lo ao túmulo e a doce
Rita não demoraria em ir fazer-lhe compa-
nhia. Por esse tempo, uma outra criança já
nascera, um esperado irmãozinho que, en-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 21
tretanto, não partilharia com Cairbar, por
muito tempo, as tristezas da orfandade".

O livro de Luiz Edmundo, "O Rio de Ja-


neiro do Meu Tempo", revive o clima da fa-
mosa Rua do Ouvidor e suas lojas, onde
nasceu e passou seus primeiros anos de vida
nosso biografado:

"São rasgões claros em montras de cris-


tal resplandecendo, faiscando ao sol, arcos
de entrada em boa cantaria, de madeira en-
vernizada ou mármore, conjunto dizendo
certa distinção, capricho, destoando na linha
geral do casario irregular e de vulgar arquite-
tura. Nelas vêem-se caixeiros e patrões den-
tro de uniformes de linho branco, muito lim-
pos, muito bem barbeados, afetando manei-
ras, mostrando sorrisos e falando em fran-
cês".

Leopoldo Machado, amigo e biógrafo de


Cairbar Schutel, relaciona a descendência
deste com a missão que viria desempenhar
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 22
nesta encarnação. Acredita Leopoldo, que
estando a Suíça ladeada por três povos beli-
cosos quais sejam, os alemães, os franceses
e os italianos; ao mesmo tempo em que fa-
lando três idiomas; possuindo três religiões
predominantes; sua história atesta ser o po-
vo mais pacífico do planeta, onde toda a vi-
zinhança ou as diferenças internas nunca
levaram a nação a aventuras bélicas. Seria
ideal, portanto, para sua missão, uma des-
cendência e formação junto a esse povo, que
lhe transmitiria, em seus primeiros anos de
vida, sentimento de paz e fraternidade que
ele haveria de cultivar e aperfeiçoar no de-
correr de sua existência.

O Senhor Anthero de Souza Schutel, pai


de Cairbar, era um negociante de móveis de
relativo sucesso, mas como já foi dito, per-
deu-se na vida desregrada e no vício do jo-
go.

Seu primeiro contato com D. Rita, natu-


ral de Tijucas - SC, deu-se quando ele convi-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 23
dou-a em sua casa para ir ao teatro e esta
aceitou, trajando-se com o vestido listrado
da moda. Do romance para o casamento
passou-se breve tempo.

Em 24 de abril de 1878 falece o pai de


Cairbar, repentinamente, aos 33 anos. Esta-
va ele tomando banho num bacião, quando
gritou e correram para chamar um médico,
que não chegou a tempo.

Logo a seguir, em 12 de setembro, a


esposa que havia enviuvado grávida, dá a luz
a um menino, Antero, mas acometida de
febre puerperal vem a falecer no dia 24 do
mesmo mês. Antero só viveria por 4 anos.

Quando a mãe pressentiu a morte,


chamou Cairbar à cabeceira, e este compa-
receu à sua presença desalinhado e de qual-
quer jeito, ao que ela retrucou: "Vai se ar-
rumar, meu filho". Quando ele voltou, com
sua roupinha de marinheiro; ela explicou-lhe
o porquê do pedido: "É que eu quero que
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 24
você seja assim toda a sua vida. Sempre
bem alinhado e sem nunca dormir antes de
limpar os sapatos para o dia seguinte". E de
fato, assim o seria Cairbar para o resto de
sua vida. Sempre elegante, boa postura,
roupas da moda.

Segundo, também, Leopoldo Machado,


o menino Cairbar foi batizado na religião ca-
tólica, herdada da mãe, aos sete anos.

Morta a mãe, Cairbar, órfão, vai para a


casa do avô, Dr. Henrique Schutel, que toma
a si o encargo da educação do menino e o
matricula no Imperial Colégio D. Pedro II,
onde ele cursa até o segundo ano. Por algum
tempo, também, viveu com uma irmã de
criação.

Tornou-se, então, um menino insatisfei-


to, não se podendo precisar se pelas duras
marcas que a vida prematuramente havia lhe
imposto, ou se pela sua inadaptação ao co-
légio.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 25
A vida rígida da Escola não o seduzia,
levando Cairbar a abandoná-la e empregar-
se numa farmácia na Rua 1.º de Março como
aprendiz. A especialização veio rápida e, em
pouco tempo, ele era um prático de respeito.
Trabalhou em mais duas ou três farmácias e,
no intervalo desses empregos, também foi
ajudante de cozinheiro em restaurantes da
moda.

Ao que tudo indicava, sob o signo das


predileções noctívagas, e habitante de uma
jovem cidade afeita aos prazeres, Cairbar
parecia ter se tornado herdeiro do pai.

Em fins do século passado, o Rio, com


seus 800.000 habitantes, era uma cidade
envolvente por suas diversões e de fervilhan-
te vida noturna.

Numa sociedade pouco industrializada,


havia um comércio muito profícuo de ambu-
lantes que oferecia todo o tipo de produtos,
da verdura ao jornal, do mocotó às bengalas
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 26
e guarda-chuvas. Eram também comuns os
quiosques - armações de madeiras nas cal-
çadas - onde o povo comia lascas de baca-
lhau, sardinhas e frituras, regadas a cachaça
e vinho português. A higiene era péssima: a
comida era feita na hora e os restos atirados
no chão, atraindo moscas e vira-latas. So-
mando estes fatores à ausência de sanea-
mento básico e ao relaxamento quanto à
saúde pública, o Rio foi palco de várias epi-
demias e era conhecida como uma cidade
empestada pela varíola, cólera, peste bubô-
nica e, principalmente, a temida febre
amarela.

As praias eram pouco freqüentadas,


pouquíssimos sabiam nadar e, na Praia de
Santa Luzia, os mais ousados penduravam-
se em cordas amarradas em elevados diques
de madeira vazada, ficando com parte do
corpo metida dentro da água. Temia-se i-
gualmente o sol, ao qual atribuía-se muitos
perigos e, ao contrário dos tempos atuais,
em que o conceito estético valoriza o bron-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 27
zeado das mulheres, àquela época o charme
estava no visual branco e etéreo cuidadosa-
mente cultivado, inclusive através de produ-
tos de maquiagem anunciados fartamente
pela Revista Fon-Fon.

À noite, boêmios seresteiros invadiam


as ruas com seus choros e modinhas até o
dia raiar. Cairbar se fez um deles e, não ra-
ras vezes, amanhecia o dia na praia para,
logo em seguida, às 7 horas, retomar o tra-
balho na farmácia sem dar o devido descan-
so ao corpo.

Quando não, empenhava-se em rodas


de capoeira, de cuja prática era um simpati-
zante.

De espírito irreverente e ligado aos pra-


zeres da vida mundana em sua juventude,
Cairbar compôs-se na Sociedade "Clube dos
Tenentes do Diabo", que rivalizava-se nos
dias de folia de Momo com "Os Fenianos" e
"Os Democráticos". Era o grande momento
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 28
de Carnaval, quando a população aguardava
durante horas nas ruas do Centro e depois
na Avenida Central, atual Rio Branco, a pas-
sagem dos carros alegóricos puxados por
cavalos ou pessoas dos três cordões.

Esse ritmo de vida, para um jovem em


fase de desenvolvimento físico, acabou por
torná-lo anêmico e debilitado nas funções
pulmonares. A princípio, o recurso de se jo-
gar mercúrio-cromo com guaiacol às costas
amenizava e disfarçava sua precária condi-
ção de saúde, mas esse tratamento se tor-
nou inócuo na medida em que Cairbar tam-
bém não se esforçava para deixar seus hábi-
tos noctívagos.

Só restou a ele, então, o recurso de


consultar um médico, que foi incisivo em seu
diagnóstico: "Sua saúde está precaríssima e
você numa encruzilhada: ou sai do Rio ime-
diatamente ou encomende já seu túmulo,
porque você se encontra a um passo da tu-
berculose! Saia já do Rio".
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 29
E como naquele tempo, por ser fatal,
temia-se muito a tuberculose, ele dirigiu-se
no mesmo dia ao proprietário da farmácia,
pediu para acertar suas contas e, baú debai-
xo do braço, despediu-se do avô e encami-
nhou-se a estação ferroviária D. Pedro II.

Certos rumos, aparentemente inexplicá-


veis que às vezes a vida de uma pessoa to-
ma, são facilmente entendíveis pela influên-
cia que os compromissos reencarnatórios
exercem sobre nosso íntimo. Muito embora
conscientemente não entendamos o porquê
daquele impulso que nos leva a tomar deci-
sões drásticas e repentinas, é o inconsciente,
através da lembrança desses compromissos
nele gravados, que nos impele a tal.

Na estação, Cairbar Schutel, que não


fazia sequer suposição para onde poderia ir,
olha o mapa ferroviário e se fixa no final da
linha: Araraquara.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 30
"É para lá que vou" resolve. Compra a
passagem, em São Paulo faz baldeação para
a Cia de Ferro Paulista, e, no dia seguinte, se
encontra intrepidamente num local em que a
alguns dias antes nunca sonhara estar. Sim,
era verdade. Num átimo de segundo houvera
ousado trocar a encantadora Capital do País,
com sua forte influência francesa do fim do
século, por uma pequenina cidade, à época,
do sertão paulista!

Descendo do trem, seu primeiro ato foi


perguntar onde ficava a melhor farmácia da
cidade. "É a Farmácia Moura", responde-lhe
um transeunte. "Localiza-se na Rua do Co-
mércio esquina com Avenida São Paulo. Seu
proprietário é o Sr. João Baptista Raia".

Encaminhou-se para lá. Apresenta-se ao


Sr. Raia como prático de farmácia, explica
sua situação, e oferece-se para trabalhar
com ele. Submetido a rigoroso teste, onde
deveria aviar três difíceis receitas, desincum-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 31
biu-se perfeitamente da tarefa e foi contra-
tado.

Corria, então, o ano de 1891 e naquela


casa nosso biografado trabalhou por dois
anos, aperfeiçoando seus conhecimentos da
profissão na manipulação de xaropes, poções
e essências, e na nomenclatura dos medica-
mentos.

Esta fase de sua vida interrompeu-se


porque, melindrado por uma admoestação
do patrão que achou injusta, e movido pelo
orgulho que a Doutrina mais tarde viria a
corrigir, Cairbar pediu suas contas ao Sr.
Raia.

A contragosto, o patrão teve que con-


cordar, embora declarasse:

"Um bom empregado, trabalhador e


honestíssimo. Caráter, competência e dedi-
cação ao trabalha. Mas é um poço de
sensibilidade e saiu por orgulho e altivez.
Não creio, porém, que resista por muito
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 32
creio, porém, que resista por muito tempo,
porque um lugar de gerente numa casa im-
portante não se arranja facilmente. Aqui con-
tinuo aguardando-o, já que as coisas não
andam muito boas e ele não tem de que vi-
ver..."

O então jovem Cairbar soube dos con-


ceitos do patrão, mas seu orgulho falava
mais alto e ele preferiu servir como humilde
entregador de mercearia a curvar-se diante
dele. Assim, não raras vezes era visto em-
purrando uma carrocinha em frente à Far-
mácia do Sr. Raia...

De Araraquara teve uma breve passa-


gem por Piracicaba, onde empregou-se na
Farmácia Neves, de propriedade de Samuel
Castro Neves. Talvez aí possa ter tido um
primeiro contato com o Espiritismo, através
do Senhor Oseas de Castro Neves, tabelião
de Piracicaba, irmão de Samuel e um dos
primeiros estudiosos da Doutrina naquelas
plagas, ao qual Cairbar dedicou boa amizade,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 33
conforme atesta-se no necrológio do mesmo
que ele fez publicar em "O Clarim" de
07/12/1912:

"As 11,30 hs. da manhã de ontem, pas-


sou para as regiões do Além, o nosso preza-
díssimo companheiro e amigo, Sr. Oseas de
Castro Neves, 1.º tabelião desta cidade.

Conquanto enfermo já há longo tempo,


seu passamento produziu profundo abalo na
população piracicabana e indizível consterna-
ção entre aqueles que com ele privavam de
perto (...)"

II

Passagem por Araraquara

Em 1894, ei-lo novamente em Arara-


quara, quando compra um pequeno sítio em
que passa a cultivar frutas e verduras, além
de estabelecer-se na cidade com um peque-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 34
no comércio de tabacaria e venda de bilhetes
de loteria.

Nesta época, seu primeiro grande caso


de amor. A moça, de nome Izaltina, perten-
cente à sociedade local, que por pressão da
família, deixa de corresponder à grande pai-
xão que nosso biografado lhe devota.

Mas o seu coração iria pender mesmo


era para o lado de Maria Elvira da Silva e
Lima, formosa jovem, cuja saga e caso com
Cairbar Schutel relataremos adiante e com
quem ele passaria a viver maritalmente.

O grande amigo de Schutel em Arara-


quara chamava-se Britinho, cuja amizade
conservou mesmo após sua mudança da ci-
dade, visitando sempre o amigo quando de
suas estadas por lá.

Já ficara no passado os tempos de bo-


emia do Rio de Janeiro. Cairbar Schutel, en-
tão, mais amadurecido e responsável, nem
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 35
de longe lembrava o alegre folião do "Clube
dos Tenentes do Diabo" ou o animado seres-
teiro das rodas noturnas cariocas.

O fato marcante de sua segunda passa-


gem por essa cidade, foi o surto de febre
amarela que assolou-a no ano de 1895, mas
com casos conhecidos desde 1890 - 91. Lo-
gicamente, como prático de Farmácia, Cair-
bar Schutel atuou no combate à moléstia.

Cairbar Schutel, o jornalista


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 36
Bastante ligado às questões religiosas,
católico praticante, Schutel freqüentava a
Igreja da qual era vigário o Padre Luciano
Francisco Pacheco e, posteriormente, Frei
Daniel (capuchinho).

Em 1895 muda-se de Araraquara, mas


não vai diretamente a Matão, como se su-
põe. Ele provavelmente terá tido uma breve
passagem por Itápolis, vila das redondezas,
hoje Município, antes de estabelecer-se na,
também, vila de Matão.

Como curiosidade, conta-se que Schutel


sempre citava, jocosamente, o fato de ter
chegado a Matão em uma sexta-feira, 13 de
1896, ano bissexto. Pelo que vamos acom-
panhar de sua biografia, ficamos a matutar o
que seria se superstição valesse...

III

Os Schutel, uma família ilustre


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 37
Demonstrando ser um Espírito altamen-
te preparado para a missão a que foi cha-
mado a desempenhar na presente encarna-
ção, Cairbar nunca quis tirar proveito de sua
descendência ilustre, os Schutel, freqüenta-
dores da Corte do Império, e preferiu come-
çar sua vida do nada a servir-se da influência
de seus parentes para ganhar algum cargo
ou função importante no Império.

No entanto, vale registrar aqui algumas


informações sobre os imigrantes suíços S-
chutel, que servirão como subsídios históri-
cos à trajetória de nosso biografado.

- Seu avô, João Carlos Luiz Henrique


Schutel, foi casado em primeiras núpcias, na
Itália, com Camila Strombio Schutel, de cujo
enlace resultou o filho João Strombio Schutel
que, por sua vez, foi casado com Custódia
Cândida da Silveira, filha de Manoel Inácio
da Silveira e Felicidade Cândida da Silveira.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 38
- Sua avó, Maria da Glória Teixeira S-
chutel, também viúva, foi casada com o Ma-
jor Francisco Machado de Souza, com quem
teve o filho Francisco Damas de Souza, que
mais tarde recebeu o sobrenome Schutel,
sendo considerado por Henrique Schutel co-
mo seu próprio filho. Francisco foi casado em
primeiras núpcias com Maria Amélia Tavares
e em segundas com Rosa Jesus Bonsfield.

- Garcia Redondo, historiador e escritor,


relata insólito caso ocorrido no fim da vida
com Dr. Henrique Schutel. Realizava ele, em
1885, uma viagem no navio Rio Pardo para o
Rio de Janeiro, quando apresentou sintomas
de alienação mental, certamente já alcança-
do pela esclerose cerebral, tendo por diver-
sas vezes tentado se jogar no mar. Não que-
ria com isso se suicidar, mas chegar mais
rápido a nado...

Dois senhores vigiavam Dr. Schutel ten-


tando conter-lhe os ímpetos, quando este,
num de seus momentos de lucidez, confiou-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 39
lhes ser amigo do próprio Garcia Redondo,
residente em Santos. Uma vez passando por
aquela cidade praiana, os três dirigiram-se à
casa de Garcia que os recebeu com um al-
moço. Prevenido da situação do amigo, Gar-
cia só se convenceu de suas alucinações
quando, ao término da refeição, este solicita
uma garrafa de champanha e durante o
brinde revela o motivo de sua viagem ao Rio
iria avistar-se com o Imperador, seu amigo,
para concitá-lo a aceitar, sem derramamento
de sangue, a República que ele proclamaria.
O segundo brinde foi para um dos convivas,
Marechal Deodoro da Fonseca (o outro era o
engenheiro Honório Bicalho) que, por suges-
tão de Schutel deveria ser o Presidente da
República. Os dois "anjos da guarda" de S-
chutel retornaram ao navio sendo ele con-
vencido a ficar na casa do amigo santista.
Este comunicou seu estado aos parentes que
vieram buscá-lo, promovendo sua internação
em clínica do Rio, onde veio a falecer alguns
meses depois sem ter visto se realizar sua
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 40
profecia, pois, como é de conhecimento ge-
ral, em 1889 foi proclamada a República,
sem derramamento de sangue e tendo sido
escolhido seu primeiro Presidente Deodoro
da Fonseca. No ar, a indagação: Premoni-
ção? Atuação Espiritual? Coincidência? A
conclusão deixamos a cargo do leitor, inclu-
sive porque a própria doença esclerose ainda
é uma incógnita para o Homem.

- Dr. Henrique Schutel fundou a Empre-


sa Demaria e Schutel com Carlos Demaria,
súdito inglês, genovês de origem a qual de-
veria colonizar 1.000 braças de terra, acres-
cidas mais tarde de duas léguas, na região
então denominada Colônia Nova Itália ou
Dom Afonso, nas proximidades de São João
Batista. Cento e oitenta colonos sardos foi o
máximo que conseguiram, tendo sido frus-
trada a pretendida colonização, inclusive pelo
medo das investidas dos selvícolas. Em 1845
as terras foram declaradas devolutas e a
concessão caducou.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 41
- No livro "As Minhas Memórias", Garcia
Redondo descreve Dr. Henrique Schutel co-
mo "O anjo Bom da Pobreza de Santa Cata-
rina".

- Do mesmo Dr. Henrique Schutel, con-


ta-se que aportou no Rio de Janeiro a convi-
te de D. Pedro II para cuidar da saúde de
sua Imperatriz.

- Amante da boa música, Dr. Henrique


Schutel estudou violino com Paganini em
Milão e tornou-se exímio violinista.

- João Strombio Schutel casou-se com


Custódia Cândida da Silveira Schutel, brasi-
leira, e tiveram os seguintes filhos: Henrique,
João Pedro, Adelaide, Camila e Adalgiza. Esta
última foi registrada no Consulado da Itália
em 1879, já que seu pai era cônsul na épo-
ca. Foi a única que se casou, isto com João
Mathias da Silva. Foram seus filhos: Maria
(Marieta, falecida em 1985), Oswaldo (fale-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 42
cido em 1978), Alice, Alaide e João (falecido
em 6/1/86).

- Duarte Paranhos Schutel, tio de Cair-


bar, foi médico, político, jornalista e literato.
Nasceu na cidade de Desterro em 8 de junho
de 1837. Segundo apuramos, parece ter sido
afilhado do Barão do Rio Branco, com cuja
família viveu em sua mocidade. Habitou, na
época de estudante, na mesma pensão que
Joaquim Manoel de Macedo, autor de "A Mo-
reninha" e "Moço Loiro", cuja personagem
desta última obra foi inspirada no próprio
Duarte. Colando grau em Medicina em 1861
no Rio de Janeiro, retornou à Província em
1865, ande teve atuação destacada tanto na
atividade profissional como na vida política,
tendo chegado à Vice-Presidência de Santa
Catarina em 1878 pelo Partido Liberal. Fale-
ceu em Florianópolis em 6 de outubro de
1901.

- O jornal "Argos" de 30/6/1860 noticia


o grande incêndio havido no dia 25 no Hotel
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 43
Vapor, quando da equipe de voluntários para
se debelar as chamas destacou-se o sr. An-
thero Schutel, pai de Cairbar.

- Henrique Jacques Schutel, tio Nhonhô,


trabalhou nas questões de limites da Bolívia
e na construção do Viaduto do Chá em São
Paulo. Faleceu num convento no Rio de Ja-
neiro.

- Cecília e Emília, filhas de Duarte Para-


nhos Schutel, tocavam piano com a Princesa
Isabel, no Rio.

- Em 1872 aconteceu um dos mais vio-


lentos surtos de varíola que registra a histó-
ria sanitária de Santa Catarina e o Dr. Duarte
Paranhos Schutel destacou-se como um dos
médicos mais dedicados no atendimento à
população. O mesmo Dr. Duarte foi abolicio-
nista da primeira hora.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 44
IV

A Matão que Cairbar encontrou

De um excerto de texto de programa


radiofônico, bem podemos ter idéia da cida-
de de Matão no fim do século passado e
princípio deste, que Cairbar Schutel encon-
trou:

"Senhores ouvintes.

.....era uma vez, um pequenino vilarejo,


cercado de gragoatás, guabirobas, indaiás,
joás, ingás, marias-pretas, uriticuns, cobras,
onças, macacos e mata virgem, com perobei-
ras, jequitibás, embaibás, cabreúvas, paus
d'alho, cedros, jacarandás e uma imensidade
de árvores seculares, servindo de trono às
aves canoras, no despertar das madrugadas
e cerrar das Ave-Marias, quando a tarde se
escondia na boca d’oeste, sob o estribilho
sonoro da passarada, saudando a glória in-
conteste da natureza, pela passagem de
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 45
mais um dia nos tempos áureos, que ficaram
feito lantejoulas no espelho alvinitente do
passado. E, senhores ouvintes, esse vilarejo
pequenino nos seus primeiros vagidos, por
Mercê de Deus Todo Poderoso e de seu povo
chamou-se: Senhor Bom Jesus das Palmeiras
do Matão (...)

Foi preciso sacudir a fisionomia da ter-


ra, com machadeiros broncos e valentes,
derribando e fazendo estrondar no seio da
floresta abrupta, árvores e mais árvores, até
então, feitas sentinelas do Império agreste
do sertão dos tempos idos, quando em 1895,
precisamente no dia 25 de março, levantava-
se o Cruzeiro no coração do Patrimônio, sim-
bolizando o martírio de Jesus Cristo Nosso
Senhor, e Fé Irredutível no destino triunfan-
te, da Vila do Senhor Bom Jesus das Palmei-
ras do Matão!

Em maio de 1900, já no limiar do século


XX, a pacatez da vila nos primeiros formatos
de cidade, ouviu sobressaltada o primeiro
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 46
apito rouco da locomotiva de George Ste-
phenson. Pequenina como um brinquedo de
criança. Chamada "boneca". Soltando fagu-
lhas. Rangendo as rodas sobre os trilhos da
bitola estreita, puxando resfolegante dois ou
três vagões do "lastro", carregado de pro-
gresso e esperanças, varando vales, promon-
tórios; cerrados, matas e terras férteis de
toda a Araraquarense, para presumivelmente
entre 1910 e 1912, alcançar essa fábula
chamada São José do Rio Preto, hoje Capital
do Sertão, e Rainha da barranca do Rio
Grande.

Eis, então..., senhores ouvintes, a ne-


cessidade natural da política administrativa,
para a Matão crescente e desenvolvida no
seu progresso preliminar, quando em 1897 o
Deputado Dr. Francisco Toledo Malta, aos 27
dias do mês de agosto, consegue a promul-
gação do Decreto criador do Município de
Matão".
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 47
Era, assim, Matão, no início deste sécu-
lo um pequeno burgo, de nome plenamente
justificado, e é nesse ambiente pouco povo-
ado e pacato, onde não havia nenhuma boti-
ca, que nosso biografado escolhe para apor-
tar.

Nessa localidade, montou sua farmácia


na Rua do Comércio, Bairro da Pedreira, em
frente ao Juca Barbeiro.

O político Cairbar Schutel

E de grande valia a atuação de Schutel


no cenário político local.

Numa sociedade reduzida como Matão,


a figura do farmacêutico era bastante repre-
sentativa, ainda mais que, de caráter ilibado
e retendo forte magnetismo pessoal, era
previsível que Schutel se fizesse uma das
importantes personalidades locais. Nada
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 48
mais natural, então, que inscrever-se na his-
tória política de sua terra adotiva.

Em 1895, Matão era Distrito Policial; em


1897, Distrito de Paz; e, em 1898, elevado a
Município pertencente à Comarca de Arara-
quara.

Para tanto, muito contribuiu o farma-


cêutico Schutel, já, àquela época, preocupa-
do com os destinos da comunidade. Por esse
esforço, e, logicamente, pela capacidade que
demonstrava, foi escolhido o primeiro Inten-
dente do novo Município, cargo este equiva-
lente ao de Prefeito em nossos dias.

Ocupou este cargo em dois períodos:


de 28 de março de 1899 a 7 de outubro do
mesmo ano, e, de 18 de agosto de 1900, a
15 de outubro também de 1900.

Hoje percorre-se a distância de Arara-


quara a Matão confortavelmente em 20 mi-
nutos ou pouco mais de automóvel, mas,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 49
naquela época, Cairbar Schutel fazia esse
mesmo trajeto a lombo de burro, com chuva,
frio ou sol ardente, sem titubear nem temer
as estradas poeirentas, os picadões bravios e
as imprevisíveis defrontações com animais
ferozes ou forasteiros hostis, recortando ho-
ras e horas as entranhas da mata virgem. E
de lá retornava, lépido e bem disposto, pela
certeza do dever cumprido, após perfazer 14
léguas a serviço gratuito da então pequena
Comuna do Senhor Bom Jesus das Palmeiras
do Matão!

Recorrendo novamente à "A Comarca",


essa folha, em seu número de 6 de fevereiro
de 1938, no necrológio de nosso biografado,
assim se manifestou:

"É absolutamente impossível em Matão


falar-se, quer da nossa história passada,
quer da nossa história hodierna sem mencio-
nar Cairbar Schutel. Cairbar Schutel foi, para
Matão, um dínamo propulsor do seu progres-
so, um arauto dedicado e eloqüente das suas
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 50
aspirações de cidade nascente. Mais do que
isso foi o homem que, como farmacêutico,
acorria com o seu saber e com a sua carida-
de à cabeceira dos doentes, naqueles tem-
pos em que o médico era ainda nos sertões
que beiravam o "Rumo", uma autêntica "avis
rara".

Militando na política por algum tempo, a


sua atuação pode ser traduzida no curto pa-
rágrafo que abaixo transcrevemos, fragmen-
to de um discurso pronunciado em 1923, na
Câmara Estadual, pelo Deputado Dr. Hilário
Freire, quando aquele ilustre parlamentar
apresentou o projeto da criação da Comarca
de Matão. Ei-lo: "Em 1898, o operoso, hu-
manitário e patriótico cidadão Sr. Cairbar de
Souza Schutel, empregando todo o largo
prestígio político de que gozava, e compran-
do com os seus próprios recursos o prédio
para instalação da Câmara, conseguiu, por
intermédio de um projeto apresentado e de-
fendido pelo Dr. Francisco de Toledo Malta,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 51
de saudosa memória, a criação do município
de Matão".

No entanto, a bem da História, é discu-


tível que Cairbar Schutel tenha realmente
doado o prédio onde se instalou a Câmara de
Matão, pois em consulta ao livro Caixa da
Prefeitura da ocasião, fomos localizar apenas
alguns lançamentos de despesas feitas por
Schutel, como no dia l.º de abril de 1899, o
recebimento da quantia de 1:060$000 (hum
conto e sessenta mil réis) registrado como
"dinheiro por conta de despesas de instala-
ção da Câmara" (Desapropriações). Na reali-
dade, o livro Caixa não registra essa doação
que, logicamente, não passaria desapercebi-
da a qualquer guarda-livros.

Eis o que relata a 1.ª ata do recém-


criado Município de Matão, cuja própria his-
tória se confunde com a biografia de seu
mais brilhante filho:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 52
"Aos vinte e oito dias do mês de março
de mil e oitocentos e noventa e nove, nesta
vila de Matão, Edifício da Câmara Municipal,
sala de seus trabalhos, às onze horas da
manhã, presentes os membros eleitos da
Câmara, abaixo assinados, sob a Presidência
do cidadão José Hyppolito Fernandes, que
escolheu a mim, Theóphilo Dias de Toledo,
para o seu Secretário, foi declarada aberta a
sessão.

O Presidente diz que tendo já todos os


membros da Câmara prestado compromisso
legal perante a Câmara de Araraquara, no
dia de ontem, restava para a instalação do
município, como última formalidade, que se
procedesse à eleição do Presidente, Inten-
dente e Vice-Presidente ".

Cairbar Schutel foi eleito Intendente por


cinco votos. A sala achava-se "abrilhantada
com a presença de diversas excelentíssimas
famílias, pessoas gradas desta e de outras
localidades, representantes da imprensa de
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 53
Araraquara, os alunos da escola local e mui-
tas outras pessoas".

Discursando, o cidadão Intendente Ca-


irbar de Souza Schutel disse que, em nome
do Diretório político do Município e como
reconhecimento pelos reais serviços presta-
dos pelo Dr. Francisco de Toledo Malta, mui-
to digno Deputado do Congresso do Estado,
oferecia à Câmara Municipal o retrato - em
tamanho natural - daquele eminente cidadão
e, como Intendente, indicava que fosse ele
colocado na sala de trabalhos da Câmara".

Estava assim, Matão, a postos para sua


arrancada rumo ao progresso e aquele que
mais contribuíra para essa transformação,
sem o saber, preparava-se para, depois de
cumprida a elevada missão neste campo,
retirar-se do cenário político da terra. Outra
grande missão e maior havia sido destinada
àquele político extemporâneo...
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 54
No dizer de Leopoldo Machado, “Matão
teria de perder, mais tarde, o político dife-
rente, sem perder o grande benfeitor, para
ganhar o Apóstolo”.

E também Leopoldo quem nos dá a úni-


ca pista de como teria sido o político Schutel,
descrevendo-o, não como o político comum
do sertão, autoritário, vaidoso e monopoliza-
dor de poder, mas um homem público total-
mente voltado à causa pública e aos interes-
ses maiores da sua gente.

VI

O casamento de Cairbar Schutel

Episódio digno e belo envolve o caso de


amor de Cairbar e Mariquinhas,

Residia a menina Maria Elvira da Silva e


Lima junto com a família no vilarejo de Itá-
polis e sua beleza juvenil ressaltava aos o-
lhos de vários pretendentes.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 55
Logo se interessou por um deles e, en-
leada em seus sonhos de ventura e felicida-
de, foi por ele iludida e abandonada.

Uma história talvez corriqueira nos dias


de hoje de moral mais aberta e liberal, mas
sem dúvida alguma, uma tragédia e um es-
cândalo para a época e o local em que ocor-
reu. Da infelicidade da moça veio o abando-
no e o desprezo da família, tendo ela ido
morar em Araraquara, onde vem a conhecer
Cairbar Schutel.

Apaixonaram-se e Cairbar, desprendido


e sem preconceito, acreditando profunda-
mente na criatura humana, passa a viver
maritalmente com ela, até que, depois de
tornar-se espírita, resolve regularizar a situa-
ção do casal com a união civil.

E o fez condignamente. Não com festas,


fartas comemorações, mas numa cerimônia
civil simples, sem pompa, no vilarejo de Itá-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 56
polis, onde sua esposa houvera sido tão
maldosamente comentada.

Não pudemos saber as causas por ele


alegadas para esse desagravo, mas não te-
mos receio em afirmar que muito deve ter
pesado em sua decisão seu contato com os
episódios evangélicos da adúltera e de Maria
de Magdala.

Afinal, não estamos todos nós sujeitos a


quedas? Não soube o Cristo convidar Maria
de Magdala a participar de seu Reino mesmo
sabendo quem era ela? E a adúltera? Alguém
estava sem pecado para condená-la?

E fora de dúvida que o espírito cristão


já envolvia Cairbar Schutel, e longe da atitu-
de de altivez ou de desprezo à família de
Maria Elvira, quis mostrar que ela continuava
digna, com sentimentos nobres e reerguera-
se moralmente.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 57
Apesar de não ter filhos, o casal sempre
viveu harmoniosamente e D. Mariquinhas foi
para Cairbar uma companheira dedicada e
leal que sempre o apoiou em sua missão.

O "O Clarim", de 15 de setembro de


1905, assim noticia, em sua página 2, o en-
lace:

"O nosso confrade Cairbar de Souza S-


chutel realizou no dia 31 de agosto passado,
o seu enlace matrimonial com a Exma. Sra.
D. Maria E. da Silva Schutel.

Serviram de testemunhas a Exma. Sra.


D. Estephania Rezende, Dr. Marcondes Re-
zende, Dr. Josino de Quadros e João Rosa B,
e Silva.

É desnecessário dizer que o fato foi me-


ramente civil.

Coerente na Doutrina que professa, o


nosso confrade não regateia esforços para
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 58
mostrar a sua dedicação à Causa que com
tanta abnegação tem defendido.

Rogamos ao Bom Pai Misericordioso


baixe sobre o feliz par suas bênçãos".

VII

Cairbar Schutel enquanto católico

Como já foi descrito, Matão justificava o


nome. Era um lugarejo de roça, muita caça,
e densa vegetação.

Assim, quando lá chegou, Cairbar en-


controu a cidade sem ao menos uma capela
para os ofícios religiosos.

Empreendedor e resoluto que era, a-


chou que a Vila Senhor Bom Jesus das Pal-
meiras do Matão não poderia continuar sem
uma, e, juntando-se a Calixto Prado, que era
carpinteiro, e outros habitantes, levantaram
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 59
uma pequena Igreja, à qual denominaram
Capela do Bom Jesus de Matão.

Para oficiar as missas, a seu pedido, o


Padre Antônio Cezarino deslocava-se, uma
ou duas vezes por mês de Araraquara para
tal cometimento.

Vinha sempre aos sábados, de "Trol-


ley", pequena carruagem rústica que era a
condução da época, e hospedava-se no re-
cém inaugurado Hotel Maccagnan.

Dele contam-se casos folclóricos.

Conta-se, por exemplo, que era chefe


político temido em Araraquara e para preca-
tar-se contra possíveis investidas de seus
adversários, rezava a missa com dois revól-
veres nos bolsos da batina e muitas vezes
viajava acompanhado de capangas.

Não admitia o mais leve ruído durante a


celebração da missa e não vacilava em inter-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 60
rompê-la para colocar os desobedientes para
fora da Igreja.

Como bom católico, Cairbar tinha incli-


nação especial por promessas e outros cos-
tumes da religião.

Uma promessa marcante das que fez,


foi para o restabelecimento de D. Mariqui-
nhas, que durante quarenta anos iria sofrer
de uma doença de pele que, a princípio, foi
diagnosticada como hanseníase, mas, na
realidade, era lúpus. Consistia, a promessa,
em benzimento de medalhas em Aparecida
do Norte.

A outra foi para si próprio, quando que-


brou o braço numa contusão séria e fez uma
promessa, também para Nossa Senhora da
Aparecida, de que, se ficasse bom, levaria
um braço de cera em tamanho natural a A-
parecida do Norte. Curou-se e cumpriu a
promessa.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 61
Como católico, ainda, Schutel puxava
procissões e costumava colocar cruzes na
estrada quando morria alguém no local.

Tudo isto aconteceu antes de se tornar


espírita, pois, logicamente, a partir daí, suas
atitudes em relação aos rituais e costumes
da Religião católica mudaram.

VIII

Como se deu a conversão

Começou-se a dar a conversão de Cair-


bar Schutel ao Espiritismo quando ele passou
a ter contatos com os pais durante o sono
físico.

A principio eram aparições tímidas; mas


depois os sonhos foram se tornando tão cor-
riqueiros e vívidos, que ele resolveu consul-
tar-se com o Padre Cesarino, que o advertiu:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 62
"Schutel, deixe dessas coisas porque
senão você vai acabar ficando louco. Esse
negócio é perigoso e com alma do outro
mundo não se brinca".

"Mas, vigário, não sou eu quem os pro-


cura. Eles é que vivem atrás de mim! Agora
até deram para me dar conselhos"

"Então, Schutel, se o negócio está sério


assim, precisamos rezar umas missas para
seus parentes e acender umas velas para
eles deixarem você em paz".

E missas e mais missas se sucederam e


o fenômeno cada vez mais aumentava em
freqüência e intensidade.

Era, então, princípio de 1904.

Comentando esses fatos com os amigos


mais chegados, Schutel ficou sabendo que
Quintiliano José Alves e Calixto Prado costu-
mavam realizar sessões espíritas.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 63
Foi ter com eles, mas Quintiliano lhe
disse:

"De fato nós costumávamos mexer com


isso, porém já há algum tempo não fazemos,
porque da ultima vez ouvimos um forte es-
tampido no ar, minha esposa desmaiou e se
sentiu muito mal depois. Daí em diante nun-
ca mais quisemos nos envolver com essas
"coisas".

Ante a insistência de Cairbar, ansioso


por ter alguma experiência no terreno da
mediunidade, eles acederam e reiniciaram as
sessões de tiptologia (1), também chamada
mesa de responso ou trípode.

(1) Tiptologia - Linguagem de pan-


cadas ou batimentos; modo de comuni-
cações dos Espíritos. (Livro dos Mé-
diuns, capítulo 32)

Inexperientes e desconhecedores das


nuances dos fenômenos, os participantes
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 64
faziam perguntas, principalmente sobre ani-
mais perdidos ou coisas fúteis.

Assim, um sitiante certa vez indagou


dos Espíritos onde estava uma sua porca e
seis porquinhos que haviam desaparecido já
se passavam dois dias e ele não houvera
conseguido localizar. Passados alguns minu-
tos, os Espíritos responderam: "em tal lu-
gar". No dia seguinte, bem cedo, Caibar não
pestanejou: arriou seu cavalo e demandou
ao sítio, antes mesmo que o dono dos ani-
mais, e lá os encontrou conforme os Espíritos
haviam revelado. E assim o fez em diversas
ocasiões. Era o lado "Tomé" que talvez todos
nós tenhamos. Necessário se fazia, pensava
o interessado Caibar, obter provas materiais
de que as experiências realizadas revelassem
a existência de seres inteligentes por detrás
dos fenômenos.

Com a continuidade dos trabalhos, co-


meçou a ocorrer a vinda de diversos espíritos
que davam o nome e, alegando estarem so-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 65
frendo, pediam para que se rezasse "tantas"
missas e se acendesse "tantas" velas. Não
havia sessão em que não surgisse dois ou
três desses "pedintes" ao que o grupo, ingê-
nua e caridosamente, atendia passando os
nomes ao Padre para tal.

Até que, além de estar ficando pesado


aos bolsos dos nossos iniciantes, tais peditó-
rios começaram a cair no crivo e análise de
Schutel, que comentava com os companhei-
ros:

"Há alguma coisa de errado nisso tudo.


Quanto aos animais está certo: eles indicam,
nós vamos lá e achamos. Mas esse negócio
de alma do outro mundo pedir missas e ve-
las sem parar me intriga ... existe alguma
coisa aí que ainda não percebemos e nos
foge à compreensão..."

Foi quando comentando esses fatos


com seu amigo João P. Rosa e Silva, também
simpatizante do Espiritismo, morador em
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 66
Itápolis, e caixeiro-viajante, este lhe presen-
teia com um exemplar de "O Reformador".

Caibar lê avidamente a Revista e no dia


seguinte solicita pelo Correio as obras da
Codificação Kardequiana e o livro "Estudos
Filosóficos" de Bezerra de Menezes que apa-
reciam anunciados na providencial publica-
ção espiritista.

Chegando os livros, passa cerca de um


mês estudando minuciosamente o conteúdo
daquele manancial de conhecimentos, que
viria a preencher integralmente sua alma
sedenta de saber espiritual.

Estava completada a conversão.

Não foi necessário mais do que essa lei-


tura para compreender que estava diante,
não de conhecimentos novos para seu Espíri-
to, mas rememorando um cabedal já famili-
ar, o qual vinha de encontro às suas indaga-
ções mais íntimas desta encarnação.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 67
O monumento de lógica apresentado
pelo "Livro dos Espíritos" deu a Caibar res-
postas às dúvidas que se acumularam duran-
te o tempo em que sua profissão de fé foi o
catolicismo; o "Livro dos Médiuns" veio sanar
as imperfeições do caráter amadorístico e
curioso que imprimia às experimentações de
tiptologia; e o "Evangelho Segundo o Espiri-
tismo" tocou profundamente o coração da-
quele que viria mais tarde a ser chamado "O
Pai dos Pobres de Matão".

Uma nova rota vislumbrava Caibar ago-


ra. Se o Pai o havia colocado a par de um
patrimônio espiritual tão valioso, mister se
fazia não se acorrentar ao imobilismo e à
contemplação, mas anunciar a todos quantos
pudesse a mensagem renovadora da Doutri-
na Consoladora dos Espíritos.

Muitos sonhos e perquirições agitavam


a mente do jovem comprometido com a Ver-
dade. O que fazer agora? Valeria a pena jo-
gar fora as farandulagens do homem velho e
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 68
assumir a roupa nova da Doutrina sem dog-
mas? O que diriam os amigos?

Não tergiversou. Estava decidido. O


caminho agora era abrir picadas entre as
florestas da ignorância espiritual de sua gen-
te e desbravar os sertões do materialismo
subserviente ao niilismo de então, importado
da Europa. O Bandeirante do Espiritismo es-
tava preparado para tal.

Antes de passarmos ao próximo passo


de Schutel que foi a fundação do Centro Es-
pírita "Amantes da Pobreza", relataremos
como terminou o caso dos "peditórios".

Depois da leitura das obras básicas, na


próxima sessão de que participou, Caibar
Schutel, agora com conhecimento de causa,
disse ao primeiro Espírito que pediu missas:

"Olhe aqui, o que o irmão precisa é de


preces. Como espírito desencarnado, você já
deveria saber que o que vale é a oração, a
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 69
vibração de amor que podemos oferecer a
vocês através da prece sincera. Por isso, a
partir de hoje, não atenderemos mais aos
pedidos de missas e velas, mas oraremos
pelos espíritos necessitados".

E assim desapareceram-se os pedidos


de missas, e, mais tarde, o espírito de um
padre confessou que era só ele "os espíritos"
que faziam tais pedidos e que se divertia
muito ao se ver atendido tão ingenuamente
pelo grupo... Que (compreensível) fiasco...

IX

Schutel é testado pela primeira vez

O primeiro teste enfrentado por Cairbar


Schutel foi com o folclórico vigário Antonio
Cezarino, que, quando soube que seu "fiel"
estava se envolvendo com Espiritismo, man-
dou um recado a ele através de Belarmino
de Castro, proprietário da linha de "Trolley"
que unia dois municípios:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 70
"Diga ao Schutel que eu vou a Matão
especialmente para lhe dar uma surra de
relho e ensiná-lo a nunca mais se meter com
esse negócio de Espiritismo”.

Belarmino, receoso, mas sabedor da


fama de valentão e cumpridor de ameaças
do Padre, viu-se, constrangedoramente, o-
brigado a transmitir o recado do Vigário, ao
que Schutel respondeu:

"Então, Belarmino, já que você trouxe o


recado, você levará a resposta ao Vigário e
diga que quem pode mais, chora menos.
Você está vendo aquela tramela da porta?
Pois bem, ela fica sempre ali atrás. Avise a
ele que ela está preparada, e com o mesmo
espírito com que vier, será recebido".

Passados uns quinze dias, o Padre cala-


brês foi de fato a Matão. Ao estacionar o
"Trolley" em frente a farmácia, Schutel gritou
para D. Mariquinhas:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 71
"Mariquinhas, prepare-se que vai haver
barulho. O Padre Cezarino está aí"

Ledo engano... O valente Vigário, solíci-


ta e prevenidamente gritou já de porta:

"Schutel, eu preciso que você me faça


um curativo na mão. Acidentei-me na estra-
da e está sangrando muito".

Cairbar, antes de fazer curativo, ainda


serviu um cálice de vinho do Porto ao gosto
do Padre, e ouviu sua estória:

Ele vinha caçando pelo caminho, quan-


do O "Trolley" parou num córrego para os
cavalos beberem água e descansarem. Nisso,
um barulho no mato assustou os animais,
que deram um tranco na carruagem, e o Pa-
dre, que estava com uma das mãos apoiada
no cano da espingarda e a outra com o dedo
no gatilho, disparou acidentalmente a arma e
feriu a própria mão.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 72
No dia seguinte, o Vigário ainda passou
na farmácia para mais um curativo, mas, o
que conversaram, deixamos à conta da ima-
ginação do leitor.

Teria sido uma providencial intervenção


dos Espíritos para se evitar uma tragédia?
Quem sabe...

Passado algum tempo, esse mesmo sa-


cerdote foi ter com Schutel para contar-lhe
que ia a Roma tratar de assuntos da Igreja e
oferecer-se para algum assunto em que pu-
desse ser útil ao amigo por lá.

Cairbar pediu-lhe, então, que lhe trou-


xesse uma Bíblia Latim-Português, no que foi
atendido pelo Padre.

Ao despedir-se do Vigário nesse dia, Ca-


irbar quis presenteá-lo com um livro para sua
distração no tombadilho do navio, ao que ele
redargüiu com seu português carregado de
sotaque calabrês:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 73
"Schutel, não me venha com livros espí-
ritas, senão vão direto para o lixo!

Nosso biografado, então, perspicazmen-


te, ofereceu-lhe os dois volumes de "Deus e
a Natureza", de Camille Flamarion.

Ao que consta, o Vigário leu a obra, a-


gora, se aproveitou ou não, absteu-se de
alardear.

A fundação do centro espírita"amantes


da pobreza"

Convertido à Doutrina dos Espíritos, era


necessário fincar bases para uma melhor
atuação na propagação e na prática do Ideal
que abraçara.

Assim, cede, inicialmente, uma sala em


sua própria casa para o início do funciona-
mento do Centro Espírita "Amantes da Po-
breza", seguramente um dos primeiros a se-
rem fundados no interior de São Paulo.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 74
Acompanhemos a histórica ata de sua
fundação a 15 de julho de 1905:

Ata da instalação do grupo espírita "a-


mantes da pobreza"

No ano do Nascimento de Nosso Senhor


Jesus Cristo de mil novecentos e cinco, aos
quinze dias do mês de julho, em a Casa de
residência do Cairbar de Souza Schutel, sala
das Reuniões do Grupo, presentes os Srs.
João Rosa Pereira e Silva, Manuel Bitten-
court, A. Agrippino Martins, Gregório Perche
de Menezes, Quintiliano José Alves, Calixto
Nunes de Oliveira, Manuel Pereira do Prado,
Miguel Abibe, Tudalízio Rosa Pereira e Silva,
Alípio Rosa Pereira e Silva, José Maria Gon-
çalves, Guilherme Gaspar, Antonio Ramos,
Manuel José do Aucovia e as Exmas. Sras.
Das. Justina Alexandrina Pereira e Silva, A-
nézia Rosa Pereira e Silva, Volízia Rosa Perei-
ra e Silva, Maria Gertrudes de Souza, Hor-
tência de Campos Bueno, Maria Elvira da
Silva e o humilde Secretário que esta está
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 75
lavrando Cairbar S. Schutel; assumindo a
Presidência, o irmão Manuel Bittencourt, (às
8 horas da noite) declarou os fins da reuni-
ão. Pelo irmão Schutel foi proposto que a
eleição da Diretoria fosse feita por aclama-
ção. Sendo aceito, foram aclamados, Presi-
dente: Manuel Bittencourt; Vice-Presidente:
João Rosa Pereira e Silva; Tesoureiro: Calixto
Nunes de Oliveira; Secretário: Cairbar Souza
Schutel. Para membros do Conselho Fiscal:
Gregório P. de Menezes, Manuel José Amo-
rim, Quintiliano José Alves. A nova Diretoria
tomando posse pelo Presidente foi declarado
instalado O Grupo Espírita "Amantes da Po-
breza". Usando da palavra o irmão Schutel
fez o histórico do Espiritismo, superficialmen-
te e terminou pedindo a proteção do Miseri-
cordioso Onipotente e as bênçãos do seu
Amado Filho Nosso Senhor Jesus para todos
que naquele momento ali se achavam conju-
gados. O irmão Bittencourt leu um discurso
demonstrando a superioridade da Religião
Espírita sobre as demais religiões, cujos am-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 76
bos discursos são transcritos abaixo. Pelo
irmão Schutel foi apresentada a indicação
seguinte: proponho que sejam submetidos a
votos os presentes Estatutos e Regimento
Interno da Sociedade hoje fundada. Depois
de lidos, os Estatutos foram por unanimidade
de votos aprovados. O irmão João Rosa indi-
cou que os Estatutos ficassem transcritos e
arquivados na Secretaria para daí saírem a
fim de serem impressos cem exemplares que
seriam distribuídos aos sócios do grupo. Foi
indicado mais que se prosseguisse nos traba-
lhos, sem interrupções, ficando provisoria-
mente ao encargo do irmão Schutel as ses-
sões teóricas e explicação dos Evangelhos,
nos dias referidos nos Estatutos. Pelo irmão
Calixto foi dito que via a conveniência de
colocar-se a Associação debaixo da proteção
das leis do país e para isso indicava que o
mais breve possível se registrasse os Estatu-
tos da Sociedade e fizesse-lhe a devida pu-
blicação no Diário Oficial. O irmão Schutel
pôs à disposição dos seus irmãos gratuita-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 77
mente os seus serviços em caso de moléstia
de qualquer deles e autorizava também ao
Grupo a dispor de seus fracos serviços, em
prol dos enfermos de qualquer credo a que
pertençam. Disse mais, que não se oferecia
como médico, mas como um simples prático
de farmácia e com alguma experiência de
medicina - Os seus serviços e alguns medi-
camentos que tem em casa pertencem àque-
les que deles necessitavam, embora não
queira e até faça questão em não receber
remuneração alguma - Os irmãos Calixto,
João Rosa e Bittencourt disseram também
ter em suas casas homeopatia que também
se achava à disposição dos necessitados. O
irmão João Rosa indicou que logo que as
circunstâncias financeiras do Grupo permitis-
sem mandaria vir do Rio ou São Paulo um
conferencista para propagação da Doutrina.
Foi lido um ofício da Federação Espírita
Brasileira em resposta a um ofício de um
irmão. Pelo irmão Gregório foi indicado que
se oficiasse aos Grupos e Redações de
Jornais Espíritas comunicando a Instalação
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 78
ritas comunicando a Instalação do Grupo.
Pelo irmão Schutel foi proposto um voto de
louvor ao bondoso irmão Ernesto Penteado
pelos relevantes serviços prestados aos Espí-
ritas de Matão em seu simpático "Alvião";
assim como aos ilustres confrades Pedro Ri-
chard, Batuíra e Vieira de Macedo pelos seus
serviços prestados aos enfermos nesta loca-
lidade por intermédio dos espíritas daqui.
Pelo irmão Schutel foi proposto mais um voto
de reconhecimento ao irmão Quintiliano pe-
los serviços prestados até aqui, pondo à dis-
posição dos Espíritas sua casa onde até a
presente, desde o dia 21 de Janeiro, tem-se
realizado as reuniões práticas e teóricas.
Convém notar que o nosso simpático amigo
Agrippino Dantas Martins é livre pensador,
não está filiado à doutrina e ciência Espírita
pelo que não podemos deixar de demonstrar
e aqui registrar as nossas admirações e sim-
patia por este jovem clínico. Ao clínico que
rompendo os preconceitos sociais e debaixo
da bandeira da liberdade veio honrar a nossa
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 79
modesta reunião com a sua simpática pre-
sença; e elevando de coração uma prece ao
Altíssimo pedimo-lhe luzes e mais luzes
àquele adiantado Espírito entre nós encarna-
do. E para terminar o irmão Schutel pediu
aos irmãos presentes para erguerem-se e
acompanharem-no na prece em ação de gra-
ças em cuja, o irmão elevou de todo o seu
coração acompanhando-o todos os irmãos ao
Altíssimo e Bondoso Criador as suas graças
as seus sinceros reconhecimentos por ter-lhe
sido concedida a missão de serem ou faze-
rem parte dos cultivadores da vinha ao toda
Poderoso e prosseguindo na prece agrade-
ceu ao querido Jesus de Nazaré, por nome-
ar-lhe o Batista ou os preparadores para a
vinda do Espírito de Verdade que é o Conso-
lador Prometido-Eu, Cairbar de Souza Schu-
tel, Secretário escrevi esta e a assino.

aa) Manuel Bittencourt (Presidente)

João Rosa Pereira e Silva (Vice-


Presidente);
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 80
Cairbar Souza Schutel;

Calixto Nunes de Oliveira;

Gregório Perche de Menezes;

Quintiliano José Alves;

Manoel Pereira do Prado;

Manoel José de Amorim;

Indalício Rosa Pereira e Silva;

Justina Alexandrina Pereira e Silva;

Antonio Ramos;

José Maria Gonçalves;

Guilherme Gaspar;

Maria Gertrudes de Souza;

Hortência de Campos Bueno;


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 81
Valízia Rosa Pereira e Silva;

Anézia Rosa Pereira e Silva;

Alípio Rosa Pereira e Silva;

Maria Elvira da Silva.

A primeira polêmica quase termina em


tragédia

Já era de se prever um confronto ríspi-


do entre católicos e espíritas quando selecio-
naram o violento Padre João Batista Van Es-
se para a paróquia de Matão. Mas por ironia
do destino, pode-se dizer que o reverendís-
simo Padre prestou excelente serviço à Cau-
sa espírita: aguçou o espírito inquieto e a-
vesso às injustiças de Cairbar Schutel, que,
provavelmente, extraiu do episódio a idéia
de fundar um jornal para replicar as inverda-
des e ofensas do vigário.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 82
Até que o Padre tentou, mas quem é
que iria sabotar a Farmácia "Schutel e Cu-
nha", se lá tinha o melhor farmacêutico da
cidade?

A sorte estava lançada. Nascia aí o po-


lemista vibrante e intransigente defensor da
Doutrina Espírita.

A disputa entre os dois começou atra-


vés das páginas de "O Mattão", jornal leigo
da cidade, que publicou a polêmica religiosa,
eivada de ofensas pessoais e tom agressivo
por parte do Padre Van Esse. Vejamos como
ele inicia uma de suas crônicas:

"O Grupo Espírita de Matão, sucedendo


ao Sr. Schutel, que parece ser o cabo de es-
quadra de tal grupo, nada ganhou em publi-
car uma lenga-lenga no "Mattão" - 16 de
julho vigente - ou antes, perdeu uma boa
ocasião de ficar calado, pois o tal artigo re-
vela supina ignorância, ou pior ainda, o Sr.
Schutel, percebendo que pisava em terreno
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 83
perigoso, empurrou toda a droga ao seu
grupo que tem bom estômago. (...)"
(27/07/1905)

Ao que Cairbar responde em


30107/1905 pelo mesmo periódico:

"O terreno em que pisam os espíritas é


firme, firmíssimo, revmo. irmão; ele está re-
gado com o sangue do Cordeiro de Deus, de
quem os espíritas fazem todos os esforços
para seguir as pegadas.

O segundo artigo foi assinado pelo Gru-


po, porque foi resultado dos estudos do Gru-
po, do qual eu também sou uma das "cons-
pícuas" personalidades (...)"

O subserviente subdelegado Otávio


Mendes, temeroso das conseqüências trági-
cas que tal confrontação poderia ter, dirigiu-
se a Schutel e contou que o Padre havia
combinado com seus fiéis conduzir a procis-
são de sexta-feira santa até à frente do Cen-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 84
tro Espírita e lá atentar contra a Casa, incen-
diando-a.

"Por que?" - indaga Schutel.

"Não sei. Só vim aqui para prevenir o


senhor que estão fazendo um complô para
empastelar o Centro. Por isso, aconselho ao
senhor não abri-lo nesse dia",

"Muito bem. Então agora eu vou dar um


aviso ao senhor, Como autoridade policial
dessa Comarca, o senhor tome todas as pro-
vidências cabíveis, porque eu vou abrir o
Centro à hora de costume e vou pronunciar a
palestra que já havia sido marcada adrede-
mente. Caso aconteça alguma tragédia eu
responsabilizarei o senhor. Meu Centro não é
clandestino, tem alvará, e vai continuar fun-
cionando normalmente".

Em seguida, Schutel envia telegramas


para o Governador do Estado, para o Chefe
de Polícia e para o Comandante da 2ª Região
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 85
Militar, dando conta do que se passava em
Matão, exigindo também providências dessas
autoridades.

Chegando o dia, ele abriu o Centro às


dezenove horas e dispensou mulheres e cri-
anças. Ficaram só os homens, já prevenidos
do risco a que se exporiam e receberam uma
ordem: quando Cairbar desse um alerta, to-
dos deveriam se jogar ao chão incontinenti.

Abriram-se todas as portas e janelas do


salão e teve início a conferência feita por
Cairbar, que falava a todos os pulmões, num
entusiasmo como poucas vezes se viu.

Um quarto de hora após, a procissão


começa a se aproximar do "Amantes da Po-
breza" com o Padre Van Esse na frente, se-
cundado por seus fiéis. Entoavam suas can-
tigas e ladainhas, como de costume, com
toda a certeza esquecidos que iriam cometer
um ato indigno, em nome daquele que nos
houvera dito que somos todos irmãos e que,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 86
em sua sabedoria, só nos pediu que amás-
semos uns aos outros. As vestes "sagradas"
serviam para ocultar punhais, porretes, pe-
dras e revólveres. Talvez com isso imaginas-
sem poder expurgar o demônio e seus se-
guidores malignos à comunidade...

Quase em frente ao Centro, a procis-


são, entre excitada e agitada, aumenta o
vozerio sob a batuta do vigário e desperta a
ira do advogado Abel Fortes, chefe político
temido, que morava nos arredores, e cuja
esposa convalescia de difícil parto acontecido
naquele dia.

Apreensivo e indignado, o advogado


sobe num muro, interrompe o orador, que já
inflamava a turba para o deplorável cometi-
mento, e fala, por sua vez, ameaçando res-
ponsabilizar o Padre e seus acompanhantes
se algo acontecesse à sua esposa e filho,
além de lembrar contundentemente o des-
respeito que estava se perpetrando contra a
Constituição de 24 de fevereiro de 1891. E
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 87
reiterou, que embora não fosse espírita e
não tivesse procuração de Schutel para de-
fendê-lo, que ele estava com a razão, pois
agia dentro de seu direito de liberdade de
expressão e de religião.

E sua alocução foi tão violenta, exaltada


e cheia de ameaças, que o povo, temeroso,
começou a evacuar o local, a princípio calma,
mas depois, tão atabalhoadamente como um
"estouro de boiada", que muitos caíram, fo-
ram pisoteados e o Padre Van Esse... bem, o
Padre teve sua batina enroscada numa cerca
de arame farpado e quase volta à Igreja sem
a dita cuja...

Enquanto isso, no "Amantes da Pobre-


za", quase que indiferentes à algaravia que
se processava lá fora, prosseguia a bela pre-
leção de Cairbar Schutel.

Mas o episódio não se findara aí para


Cairbar.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 88
No dia seguinte, durante a sessão, ele
iria sofrer séria admoestação dos Espíritos:
"Schutel, então que belo cristão você está
pretendendo ser! Você confiou em um cara-
bina e dois revólveres e se esqueceu de con-
fiar em nós, aqui do Outro Lado, que está-
vamos dando toda a cobertura e proteção a
você! Onde está a sua fé? Quando é que
você vai aprender a confiar em seus guardi-
ões?"

E o Espírito continuou sua descompos-


tura em Schutel, que chorou muito, pediu
perdão e desfez-se de todas as armas que
tinha em casa.

A ordem que ele houvera dado para


que todos se deitassem ao seu aviso, era
devido a que, nas gavetas da mesa, ele tra-
zia escondido armas para proteger o Centro
na eventualidade de uma invasão. Caso a-
contecesse, ele pretendia defendê-lo até as
últimas conseqüências.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 89
Do lado da Igreja, o Padre Van Esse,
depois do fiasco a que se expôs, foi transfe-
rido para Araraquara.

Foi protagonista, porém, de uma atitu-


de digna e bela: procurou Cairbar Schutel
para despedir-se e teve com ele o seguinte
diálogo:

"Schutel, brigamos, e nenhum logrou


convencer o outro. Eu, entretanto, estou
convencido de que você é um homem de
bem..."

"Pudera! Não fosse eu espírita"...

"... sincero na sua crença."

"Claro. Não defendesse eu a Verdade!"

"A Verdade penso estar comigo. Mas,


não discutamos agora. Vou deixar Matão.
Não quero levar nem deixar ressentimentos."
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 90
"De mim não haverá nenhum, porque o
espírita perdoa sempre".

"Perdoemos-nos um ao outro, os nos-


sos excessos".

"Por mim, tudo desculpado, embora os


excessos não partissem de mim..."

"E fiquemos bons amigos".

"Bons amigos e irmãos em Cristo, em-


bora cada um O procure por caminho dife-
rente."

''Você é um homem de bem. Por isso


vim despedir-me de você".

E trocaram um cordial abraço de des-


pedida.

"O Clarim", de l.º de setembro de 1908,


assim noticia o fato:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 91
"Transferiu sua residência para Arara-
quara, o nosso amigo, rev. Padre João B.
Van Esse.

Oxalá as luzes acumuladas em seu Espí-


rito, após tantas polêmicas religiosas, se ir-
radiem à população da velha cidade de São
Paulo.

Aceite, senhor, os nossos augúrios de


uma felicidade espiritual intérmina".

E lá se foi o vigário mal imaginando o


bem que fizera ao Espiritismo...

No "Clarim" de 15/09/1907, Cairbar re-


lembrava o episódio ao fazer o necrológio do
confrade João Eid, que estivera presente na-
quele dia:

"(...) Ainda nos lembramos o dia em


que João Eid esteve ao nosso lado, quando o
então vigário desta paróquia, Van Esse, a-
companhado por meia dúzia de inconscien-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 92
tes, tentou trazer a confusão ao nosso grê-
mio que comemorava a Paixão do Verbo de
Deus. Não é um efeito de rancor pelo vigário
de Matão que nos força lembrar aquele no-
tável acontecimento, porque sinceramente
não temos, mas um sentimento de gratidão
ao Espírito livre dos grilhões da matéria, ao
amigo desinteressado e leal. (...)"

Mais polêmicas

Antes de passarmos às outras polêmi-


cas sustentadas na época por Cairbar Schu-
tel, vamos transcrever um trecho do Editorial
da Revista "O Reformador", da FEB, n.º 15,
Ano XXIII, o qual revela a posição da Entida-
de, discordante desses debates:

"Carta que nos foi transmitida de uma


das cidades do interior de São Paulo, nos
informa ir ali uma renhida polêmica, a pro-
pósito de nossa Doutrina, entre confrades
que ali sustentam galhardamente a sua pro-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 93
paganda, e o clero local por um de seus re-
presentantes.

Antes de tudo, seja-nos lícito insistir na


opinião que nestas colunas mais de uma vez
temos emitido, isto é: que reputamos inútil
toda controvérsia com os sectários da Igreja
de Roma; primeiro porque o Espiritismo re-
pousa sobre fatos e sobre verdades, suficien-
temente demonstrados e demonstráveis,
para se impor à aceitação de quantos não
estejam obcecados pelo espírito de sistema
ou de fanatismo, como de resto vai por toda
a parte acontecendo, e daí, da certeza do
seu triunfo e universalização inevitáveis, a
tranqüilidade com que devemos nos conduzir
em face de gratuitos adversários, para os
quais só devemos ter um sentimento - o da
indulgência pela sua voluntária ou involuntá-
ria cegueira; e, em segundo lugar, porque
ninguém melhor que os membros da Igreja
sabem, pelos estudos que têm ocultamente
feito, que com o Espiritismo está a Verdade,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 94
que ele é o Consolador Prometido por Jesus.
(...)"

Respeitamos a posição da FEB, mas não


concordamos com a novel Entidade, pois
acreditamos que as polêmicas no início da
missão de Cairbar Schutel desempenharam
um papel importantíssimo para ele, não só
para forçá-lo ao estudo e à reflexão, como
também para despertar-lhe no íntimo o sen-
timento de apego à Doutrina.

Pelas páginas de "O Alvião", de Tauba-


té, foi travada mais uma polêmica de Cair-
bar, desta vez com o Padre Antonio B. de
Camargo, que "cutucou a onça com vara cur-
ta", como diria o matuto do sertão, ao enviar
um folheto ao nosso biografado contendo
críticas ao Espiritismo.

Como só podia acontecer, Cairbar publi-


cou uma série de artigos fazendo luz às tre-
vas que o Padre quis atirar à Doutrina dos
Espíritos .
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 95
Outras numerosas polêmicas foram tra-
vadas por Cairbar com protestantes e católi-
cos em jornais, praças públicas e recintos
fechados, incluindo-se no rol dos opositores,
D. Joaquim Domingues de Oliveira, de Flori-
anópolis; Padre Bento Rodrigues, de São
Carlos; - Monsenhor Nascimento Castro, de
Rio Claro; Dr. A. Felício dos Santos, também
de Rio Claro, e outros.

Estes debates públicos deram origem a


diversos livros como "Imortalidade da Alma",
"O Diabo e a Igreja", "Cartas a Esmo", e
grande número de artigos publicados em
jornais da Capital e Interior de São Paulo,
que fizeram a Doutrina com toda a sua pure-
za ser conhecida por milhares de pessoas.

Mas talvez a polêmica que tenha tido


mais repercussão tenha sido a com o Profes-
sor Faustino Ribeiro Júnior, um médium cu-
rador, que diz-se, tirava proveito material
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 96
dessa mediunidade, e que, convertido ao
Protestantismo, publicou uma série de arti-
gos no periódico "Alpha", de Rio Claro, ata-
cando o Espiritismo, mas todos eles brilhan-
temente refutados por Cairbar Schutel.

Dessa contenda intelecto-religiosa, sur-


giu a obra "Espiritismo e Protestantismo - em
face dos Evangelhos e da Ciência".

Cairbar se empolgava tanto quando as-


sacavam inverdades contra o Espiritismo,
que chegou ao ponto de diversas vezes ficar
aos domingos pela manhã do lado de fora da
igreja escutando o sermão do Padre, para
depois ir até o "Clarim", redigir a resposta a
seus ataques, imprimi-la em Boletim e distri-
buí-lo à tardezinha na porta do Templo.

E é com ar de superioridade que ele


anuncia que faria em seu sermão uma prédi-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 97
ca contra a Doutrina Espírita e que ofereceria
direito a réplica.

Cairbar preparou-se condignamente pa-


ra esse dia, mas - pudera - doce ilusão! O
direito lhe é negado, e ele se vê obrigado a
responder com uma Carta Aberta à popula-
ção duas horas depois da infeliz alocução do
vigário.

"O Clarim" de 15/08/1914 reproduz esta


Carta, que continha pontos de esclarecimen-
to da Doutrina, e assim noticia o fato:

Os padres missionários em Festa

"(...) Não tendo sido, conforme a pro-


messa que acompanhou o convite, concedida
a palavra de defesa, e tendo sido o ataque
feito com tanta deslealdade à nossa Doutri-
na, o Centro "Amantes da Pobreza" respon-
deu duas horas depois em Carta Aberta, que
foi profusamente distribuída ao povo.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 98
"O Clarim" na Festa

"O Clarim", com edição consideravel-


mente aumentada, circulou por toda a cida-
de, sendo distribuído a todos os romeiros
que vieram assistir aos festejos católicos que
se realizaram nesta cidade."

Em agosto de 1914, o Bispo de São


Carlos envia a Matão um seu representante
para uma comemoração religiosa, a qual en-
cobria apenas uma artimanha para desfechar
novos ataques ao Espiritismo.

XI

Nasce o Clarim

A conversão do ilustre católico Cairbar


Schutel e a fundação de um Centro Espírita
na pequena cidade de Matão causou furor e
espanto à comunidade.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 99
De início, pensou-se ser apenas uma fa-
se daqueles respeitáveis senhores da socie-
dade local e que, fazendo-lhes uma oposição
rigorosa e firme, logo eles retornariam ao
aprisco católico.

Mas estavam redondamente engana-


dos. Aquele edifício já havia sido levantado
sob os alicerces sólidos de uma Doutrina ló-
gica e coerente, e prova está que, oitenta
anos já se passaram, e muito embora as bor-
rascas, as chuvas e os ventos, ele ainda
permanece de pé, espargindo luzes aos qua-
tro cantos do mundo.

Era um caminho sem volta. Mas cedo o


grupo percebeu que seria necessário lutar
com mais armas para enfrentar a oposição e
os ataques do Clero.

E deste sentimento surgiu a idéia de se


fundar um jornal. Que melhor maneira de
desfazer as diatribes ditas de cima do púlpi-
to, senão através de um órgão de imprensa?
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 100
Sim, seria o ideal. Mas e o nome para
ele?

"Não queremos um jornal para gritar de


alto e bom som que nossa profissão de fé
agora é a espírita?" obtemperou alguém -
"Então chama-lo-emos "O Clarim".

E assim foi denominado. Com oitenta


anos de vida independente ele continua dan-
do suas clarinadas jornalísticas e preservan-
do o Ideal de seu fundador e idealizador,
Cairbar de Souza Schutel.

A fundação deu-se a 15 de agosto de


1905, um mês após a criação do Centro Espí-
rita; e tornou-se tradição todo ano se come-
morar a data, quando suas oficinas e Reda-
ção abriam as portas para receber inúmeros
lidadores espíritas de projeção de outras pla-
gas para um merecido festejo.

A próxima etapa a ser vencida, no en-


tanto, passou a ser a impressão. Quem é
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 101
que se arriscaria a desafiar o Clero e indis-
por-se contra uma sociedade inflexível, à
época, como era a católica?

Cairbar descobriu essa pessoa. Era


Francisco Veloso, um progressista intrépido,
de Taubaté, que imprimia o jornal "Alvião",
anarquista. Chamava-se a Tipografia "Norte
de São Paulo", era localizada na Rua Pieda-
de, n.º 30, e Cairbar sempre foi grato a este
senhor, que rodou o jornal até que a primei-
ra máquina impressora do "Clarim" fossa
adquirida em 1907. O editor do jornal "Alvi-
ão" era Ernesto Penteado, também espírita,
mas mais afeito à política.

Nos seus oitenta anos de existência, "O


Clarim" apenas uma vez deixou de circular. A
tiragem normal era de 10.000 exemplares
semanais, mas em épocas de dificuldades o
jornal circulava quinzenal ou mensalmente.
De algumas edições especiais chegaram a
ser tirados até 47.000 exemplares, princi-
palmente na época de Finados, quando Cair-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 102
bar os enviava a espíritas de diversas cida-
des de todo o Brasil e até mesmo do Exteri-
or, para serem distribuídos gratuitamente
nos cemitérios.

O número 16 do jornal, de 15 de maio


de 1907, justifica a breve interrupção que
sofreu em sua circulação sob o título "Nova
Fase":

"Motivos que falaram mais alto que a


nossa vontade obrigaram-nos a interromper
a publicação de "O Clarim", mas os obstácu-
los tendem a desaparecer e a enorme falan-
ge de Espíritos luzeiros da Verdade nos di-
zem: "um novo arranco na senda do Dever,
na Estrada do Progresso, em busca da Ver-
dade", e essas vozes sublimes instigando-nos
a tomar parte no combate da Luz contra as
Trevas, do Amor contra o ódio.

Que o Bondoso Criador nos envie os


instrumentos preciosos para o labor que, por
sua Infinita Misericórdia, nos for concedido".
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 103
Para manter "O Clarim" e, posteriór-
mente, a RIE, Cairbar revelou-se, antes de
tudo, um consciente empresário, montando
uma boa equipe de representantes, todos
espíritas, que viajavam e faziam a cobrança
dos assinantes. Dentre esses colaboradores,
estavam João Leão Pitta (Piracicaba), Maria-
no Rango D'Aragona (Rio de Janeiro), Um-
berto Brussolo e outros.

Um fragmento de correspondência sua


para Onofre Dias, de São Paulo, retrata bem
o esquema utilizado pelo Diretor da Casa
Editora "O Clarim":

"(...) Você deve saber que o tempo da


Reforma da Revista está passando, e nós,
em vista de ter o viajante de percorrer os
assinantes, não cortamos os que se acham
em atraso. Mas para não acarretar prejuízos
para a Revista e "O Clarim", necessitamos
apressar o recebimento atrasado dos assi-
nantes. E é este o motivo porque desejamos
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 104
saber o que o amigo resolveu e se continua
com as viagens.

Como temos de enfrentar grandes des-


pesas, ora com o pagamento do papel im-
portado, cujas partidas chegam este mês e
porvindouro, ora com o pagamento da má-
quina, urge que se abrevie a viagem.

Cumpre-me ainda lhe fazer ver que pa-


ra controlar estas despesas e poder manter a
empresa com suas publicações, convém ficar
estabelecida a porcentagem dos represen-
tantes em viagem, que resolvemos do modo
seguinte:

Vinte e cinco por cento, seja no que re-


ceber "O Clarim" e da Revista. Para a venda
de obras de nossa edição, o representante
em viagem terá 30 por cento. Para a venda
de obras que não são de nossa edição, como
as de Allan Kardec e outras, 10 por cento.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 105
As vendas de livros devem ser anotadas
separadamente para facilitar a escrita.

Creio que assim ficará bem. E de se ver


que as despesas de viagem são naturalmen-
te por conta do representante.

Acho conveniente que as viagens sejam


o mais rápido possível, porque assim a des-
pesa ficará diminuída. As viagens demoradas
prejudicam ao representante, que não se
sente compensado de sua fadiga, assim co-
mo desequilibra o controle financeiro das
publicações, que lutam hoje com grandes
dificuldades para sua manutenção, visto re-
tardarem muito os assinantes o pagamento
de suas assinaturas e nós termos de enfren-
tar despesas mensais de operários e material
que não são pequenas (...) "

Sobre as dificuldades que o jornal en-


frentava, José da Cunha, tipógrafo deste por
muitos anos, presta seu depoimento: "Muitas
vezes o Schutel entrou chorando nas oficinas
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 106
dizendo que talvez aquele fosse o último
número do jornal, devido às dificuldades fi-
nanceiras e aos entraves burocráticos para
liberar o papel na alfândega do Rio. No en-
tanto, a tristeza, sabíamos, era passageira-
Ele nunca perdeu a confiança nos Espíritos e
fiava-se na intervenção deles em favor da
Obra".

É ainda Cunha quem fala das condições


em que era impresso "O Clarim": "Eram mui-
to difíceis as condições de trabalho naquele
época. As máquinas, manuais e muito primi-
tivas, não ofereciam maneira de o trabalho
se desenvolver com presteza. A impressão
era feita página a página, num processo ru-
dimentar com muitas dobraduras. Muitas
vezes tínhamos que trabalhar noite a dentro
para o jornal não atrasar, e, na época de
inverno, acendíamos fogo debaixo das má-
quinas, porque a sala era de chão batido e
esfriava demais as pernas. Também criáva-
mos certos expedientes como acender fogo
perto das tintas para não secarem e não sair
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 107
defeitos ou partes brancas nas páginas. Só
mesmo muita criatividade, perseverança e
vontade para cobrir nossas deficiências ope-
racionais".

A partir de 15/05/1908, "O Clarim" pas-


sou a ter 6 páginas e a aceitar publicidade
que não conflitasse com os princípios doutri-
nários.

Ao buscarmos avaliar as dificuldades e


as inúmeras etapas a serem percorridas até
que um jornal chegue às mãos do leitor,
mesmo nos dias de hoje e mormente quando
esse jornal é do interior, podemos aquilatar
quais os obstáculos que o intrépido "O Cla-
rim" teve de transpor, quais os óbices que foi
forçado a vencer e a luta que enfrentou o
órgão; pobre e espírita, iniciado por um edi-
tor sem a menor experiência do ramo, o que
equivale dizer, uma aventura de finalidade
nobre, mas onde o único vento a favor - e o
que bastou - foi o amor à Causa Espírita.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 108
Por isso, "O Clarim", um pequeno gran-
de periódico, tão querido dos espíritas, re-
presenta um orgulho para a imprensa espíri-
ta brasileira, pelo exemplo extraordinário de
pioneirismo, tenacidade e ânimo forte, que
empolgou e espargiu luz a várias gerações
de espíritas da Pátria do Cruzeiro.

Atualmente, ele sai do prelo com 8 pá-


ginas, é mensal, e tem tiragem de 4.500 e-
xemplares.

XII

Curiosidades pinçadas nos 1.°s números


de "O Clarim"

Negócio Importante

"O Comércio de S. Paulo", de 21 do p.p.


em sua seção telegráfica escreve: "Roma, 22
- Corre como certo que está prestes a se
realizar o acordo entre o Vaticano e o Quiri-
nal. O Papa desistirá de suas pretensões so-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 109
bre o poder temporal na Itália a troco de
uma pensão anual de 3.800.000 Lm. pagas
pelo Governo da Itália".

E o caso de Esaú e Jacob com o prato


de lentilhas. Que fome." (1/6/1907).

Aos Confrades da Imprensa

"Agradecemos a todos os nossos cole-


gas que não levando em conta a longa inter-
rupção desta Folha, tem nos animado com
suas assíduas visitas.

A "Aurora", o "Arrebol" e todos os de-


mais colegas que dispensaram-nos palavras
benévolas e carícias fraternais, nossos agra-
decimentos." (1/6/1907).

Conferência Pública

"Hoje, às 8 e 1/2 da noite, na sala do


Centro, à Rua 7, sessão pública. São admiti-
dos os contraditores, seja qual for o credo a
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 110
que pertençam, desde que saibam portar-se
debaixo das regras da civilidade. (...)"
(15/6/1907).

"O CLARIM"

Assinaturas

- Por seis meses ....., 3$000

- Enviamos "O Clarim" gratuitamente a


todos que não puderem pagar assinatura.
(15/6/1907).

INVENÇÕES DO CATOLICISMO

"A água benta foi instituída no ano 120,


a penitência em 157, a missa latina em 431,
o purgatório em 593, os sinos no ano 1.000,
o celibato dos padres em 1016, as indulgên-
cias em 1119, as dispensas em 1200, a con-
fissão geral em 1215 e a infalibilidade papal
em 1870" (1/7/1907).

Congresso Espírita no Brasil


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 111
"É com grande júbilo que reforçamos a
idéia do nosso prestante colega de "O Mundo
Oculto" sobre a Organização do 1.º Congres-
so de Espiritismo no Brasil.

Já é tempo dos espíritas do Brasil se


reunirem para organizar as bases de uma
propaganda mais acentuada e mais contínua,
buscando desprezar os motivos que a todos
os instantes interrompem a boa marcha da
Doutrina em várias localidades (...)"

Divergindo, porém, da opinião do ilus-


trado colega sobre a época por ele determi-
nada para a realização do referido Congres-
so, por achá-la demasiadamente afastada,
propomos a sua mudança para Março ou
Junho. "A noite vem, e é preciso que en-
quanto é dia façamos as obras ordenadas
pelo Nosso Divino Mestre".

Por enquanto, é o que nos ocorre dizer"


(15/8/1907)
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 112
João Eid

"Vitimado por um abscesso no fígado,


desencarnou em São Paulo o Espírito que
nesta existência tomou o nome que serve de
epígrafe a esta notícia. (...)

Uma ocorrência digna de nota narra o


nosso colega "O Jornal de Notícias" de Ara-
raquara, que, com a devida vênia, transcre-
vemos:

"Muitos amigos quiseram mandar rezar


uma missa de 7.º dia, o que não foi possível
dada a circunstância de o falecido ter per-
tencido a uma religião contrária à Religião
Católica". (era espírita)

Disseram-nos que o vigário da paró-


quia, ao ser lhe feito o pedido para celebrar
a missa, disse:

"João Eid não precisa de missa para ir


para o Céu!"
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 113
Parece que o padre Van Esse já está
compreendendo que a verdadeira religião é a
Caridade", C.S. (15/9/1907)

Ao Público

"As sessões teóricas da C.E. "Amantes


da Pobreza" se realizam aos sábados às 8
horas da noite e são públicas.

O Centro mantém uma pequena Farmá-


cia Homeopática, da qual se tem encarrega-
do, obsequiosamente, o nosso irmão Calixto
Nunes de Oliveira. Os medicamentos são
distribuídos grátis a todos que deles necessi-
tarem, seja qual for a sua crença ou posição
social que ocupem.

A Biblioteca do Centro acha-se à dispo-


sição de todos aqueles que quiserem estudar
Ciência Espírita independente de remunera-
ção". (15/11/1907).

Sr. J.M. (Araraquara)


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 114
"Não podemos permitir que o amigo as-
sista às sessões de comunicações, visto elas
nada lhe adiantarem. Não é bastante ver, é
preciso compreender, e para compreender, o
amigo precisa tomar deliberação de estudar.

Estude o "Livro dos Espíritos" e o "Livro


dos Médiuns", que não faremos questão de
dar-lhe ingresso em nossas sessões práti-
cas." (15/12/1907)

Entre Frades

"Os frades alemães franciscanos intima-


ram os seus colegas espanhóis domiciliados
no Convento de Santo Antonio, em Santos, a
abandonar a residência que será ocupada
pelos primeiros.

E dizem que lobo não come lobo!.. "


(10/02/1908)

Batina ao Lado...
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 115
"Do "Alpha", de 8 do corrente, transcre-
vemos a notícia que traz o título acima.

"Consta que o padre Pedro Saliva, vigá-


rio do Rio Grande vai abandonar o sacerdó-
cio para se casar com a rica viúva Leal, mãe
do engenheiro Arlindo Leal."

De nossa parte felicitamos ao Padre Sa-


liva e fazemos votos para que seus colegas,
quando não seja por outro motivo, pelo me-
nos - por este, possam se ver livres da negra
sotaina que tão ridículos os torna".
(15/2/1908 )

Jardim Zoológico no Vaticano

"Roma, 28: Sabe-se que Sua Santidade,


o papa Pio X pretende instalar um jardim
zoológico em uma parte do Parque do Vati-
cano"

Quererá S. Santidade estudar a Evolu-


ção Anímica?!
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 116
Era mesmo o que faltava no Vaticano:
um Jardim Zoológico!" (10/3/1908)

Em Araraquara, um novo mirante?

"Pessoa que nos merece todo o concei-


to informou-nos que o rev. o vigário de Ara-
raquara estabeleceu uma taxa de 200 réis
por pessoa para quem quiser subir na torre
da Igreja Matriz daquela cidade.

Afirmam-nos que tem sido grande o


número de curiosos visitantes da torre. Pa-
dres, padres...

Não haveria um imposto para esse nos-


so comércio clerical?

Ficam à disposição do vigário as colunas


do nosso jornal para vs. rev.o desmentir a
notícia. (10/4/1908) ".

Novas canonizações
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 117
"Segundo telegramas de Roma para
jornais, o Papa vai promulgar os decretos de
canonização de novos santos.

Preparem-se os escultores que novos


altares vão ser erigidos". (15/5/1908).

União Espírita do Estado de São Paulo

"Do nosso confrade Raul Silva, digno l.º


Secretário da União Espírita do Estado de
São Paulo, recebemos uma circular comuni-
cando-nos a unificação dos Grupos da Capi-
tal, a fim de ficar constituída a Federação
Paulista que servirá de centro e sede à reu-
nião de todos os Grupos do Interior.

Felicitamos os ilustres confrades auto-


res da lembrança e fazemos votos para que
suas tentativas dêem felizes resultados"
(15/6/1908).

Palestra Semanal
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 118
"Embora com pouca concorrência, reali-
zou o C. E. "Amantes da Pobreza", a sua 1.ª
palestra deste mês.

A prosa versou sobre a União dos Espí-


ritas, a fim de que possamos realizar as suas
aspirações grandiosas, que outras não são
que não o progresso da Humanidade. (...)"
(11/5/1912).

Um Espírito adiantado

"Chateauneuf tinha nove anos de idade


quando foi apresentado a um bispo que lhe
perguntou:

"Meu amiguinho, diga-me, onde está


Deus, que lhe dou uma laranja".

O menino respondeu:

"Diga, V. Rev., onde Ele não está, que


lhe darei duas". (15/8/1913).

O Espiritismo na Academia
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 119
"O Comandante Darget, nosso ilustre
confrade e dedicado trabalhador da Grande
Seara, remeteu a M. Darboux, secretário
perpétuo da "Academie des Sciences", uma
memória sobre "Le Spiritisme e ses effets sur
la plaque photographique".

Não há dúvida de que é chegado o


tempo em que o Espiritismo bate às portas
das Academias - e há de entrar com o nome:
Espiritismo!" (04/04/1914)

Apontamento histórico

"Foi em 1829 que a Inglaterra concedeu


o direito da dissecação de cadáveres, até
então interdita pelos padres em nome da
religião,"para que fossem mais fáceis as
pesquisas de reconstituição dos corpos no
Vale de Josaphat quando ressoassem as
trombetas do Juízo Final" (10/4/1914).

Loteria de Almas
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 120
"A Imprensa mexicana noticiou que o
Clero organizou no México loterias "para li-
vrar as almas do Purgatório". Cada bilhete
premiado dá direito à liberdade de uma alma
pelo menos, e de quatro almas no máximo".

Eis, aqui, o resultado da última loteria


do mês de dezembro: "Loteria das Almas: Os
números seguintes sorteados, e os felizes
que foram premiados podem estar seguros
que os seus bem-amados ficaram livres para
sempre do Purgatório.

N.º 41: A alma da srta. Calderon co-


nhece os gozos do Paraíso.

N.º 762: A alma da viúva Francisconi fi-


cou livre para sempre".

E digam que o catolicismo romano não


vai em progresso. Já temos "igreja-
automóvel" e agora loteria das almas. Só
vendo-se... contando se ninguém..."
(2/5/1914).
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 121
Curso de Esperanto

"Sob o título em epígrafe, "O Clarim",


em 4/7/1914, iniciou o Curso desse idioma
em capítulos, constituindo-se no 1.º jornal
espírita a fazê-lo".

"O Clarim" em propaganda

"Com o intuito de concorrer com seus


esforços para maior divulgação do Espiritis-
mo, a redação O Clarim deliberou fazer dis-
tribuí-lo aos domingos na Estação da Estrada
de Ferro aos viajantes". (19/7/1914).

As missões católicas em Matão

"Versou o sermão de quinta-feira, em


grande parte, sobre os pecados da carne.

A alguns pareceu que, apesar de todo o


cuidado do reverendo, no tratar tão difícil
assunto, o sermão esteve um tanto escabro-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 122
so, por isso não publicaremos aqui o seu re-
sumo". (8/8/1914).

Victor Hugo e os cegos

"Passava um dia, o grande poeta e es-


pírita convicto, pelo Boulevard dos Italianos,
quando um pobre homem estendeu a mão
segurando um cartão em que se lia: "É ce-
go".

O Autor de "Os Miseráveis", tomou o


cartão das mãos do cego, entrou num Café e
escreveu o seguinte:

"É cego como Homero e Belizário. Tem


por companhia uma pobre criança. A mão
que socorrer este infeliz, ele nunca a verá,
mas Deus a vê por ele".

Desnecessário é dizer que as esmolas


caíam no chapéu do pobre cego em profu-
são". (10/12/1914).
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 123
Declaração

"Não se entenda como sendo a minha


pessoa a publicação das graças concedidas a
Benedito Pires do Prado. Naturalmente tra-
ta,se de indivíduo de igual nome ao meu.

Esta declaração tem o intuito de res-


ponder a todos que me perguntam se ainda
uso fazer promessas. Benedito Pires do Pra-
do, espírita, de S. João Baptista das Cachoei-
ras, Minas Gerais" (2/9/1916)

"O Clarim" em Finados

"O Clarim" circulará no dia 2 de novem-


bro com uma Edição de 47.000 exemplares
que serão distribuídos nas Necrópoles de
diversas cidades dos Estados brasileiros e
muitos exemplares em Portugal". (...)
(14/10/1916).
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 124
"Uma missa em ação de graças peta
entrada dos EUA na guerra"

Londres, 21 - Com a assistência do rei,


da rainha e de todos os ministros de Estado,
foi celebrado, na Capital de São Paulo, um
serviço solene em ação de graças pela en-
trada dos EUA na guerra.

O pregador escolhido fora o Bispo ame-


ricano das Filipinas." (12/5/1917).

O Espiritismo em Inhambupe-BA

"Cemitério espírita? - O núcleo "Verdade


e Luz" acaba de inaugurar um Cemitério que
fez construir com grandes sacrifícios para
que os que não puderem "comprar o sagra-
do", para finalmente serem depositados os
despojos de todos aqueles que não entrarem
na "comunhão católica romana". O que mo-
tivou esse empreendimento, foi a existência
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 125
de um único cemitério nesta povoação, e
pertencente a uma Confraria Romana, presi-
dida e dirigida pelo vigário da Freguesia. Está
claro que neste local só são depositados cor-
pos dos que são católicos, se puderem pagar
o terreno para "sua eterna morada". Com o
intuito de remover as dificuldades que pu-
dessem surgir por ocasião de enterros de
"não católicos", o Centro construiu o Cemité-
rio aludido". (14/7/1917).

"As conferências do Padre Miguel Mar-


tins"

"Notícias de Bangu, dizem estar ocu-


pando a tribuna sagrada da Matriz, o Pe.
Miguel, que tenciona provar em suas confe-
rências: 1.ª) Os absurdos do Espiritismo;
2.ª) A existência do Diabo; 3.ª) A existência
das penas eternas do Inferno; 4.ª) a neces-
sidade da confissão ao Padre e a importância
da missa.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 126
São uns patuscos esses padres. O que
vale é que ninguém os toma mais a sério..."
(25/8/1917).

"De estadista a frade"

"O Dr. Lucien J. Jerome, ex-embaixador


da Inglaterra no Equador, renunciou a carrei-
ra diplomática e entrou como noviço num
convento de frades.

Depois digam que o Espiritismo é que


faz loucos..." (23/3/1918).

"Agradecimentos ao "São Carlos"

"O nosso colega "São Carlos", órgão do


Bispado, passou para as suas colunas o
substancioso artigo "O Crente", do nosso
querido colaborador Vinícius.

Agradecemos ao órgão romano a genti-


leza; foi pena que ela não se completasse
com a assinatura de Vinícius que o Bispo de
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 127
S. Carlos suprimiu, talvez "por falta de espa-
ço".

Em todo caso, se a lição Espírita foi boa


que S. R. aproveite-a.

Nossas Felicitações." (15/6/1918).

Imprensa Espírita

"Entre jornais e revistas, estão em


circulação no mundo 145, sem contar com as
de psiquismo, metapsiquismo, ocultismo,
etc... que tratam também de Espiritismo, e
excluindo também, aqueles que não estão
em atividade. (15/4/1918).

Pelas colunas de "O Clarim", sintamos


nas palavras do próprio Cairbar, os tempos
dificílimos que foram os primeiros anos de
vida do jornal, numa matéria em que cita
também os pioneiros que o auxiliaram:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 128
"Em 15 de agosto de 1905, O Clarim
circulou, pela primeira vez, com uma edição
de 200 exemplares. A sua publicação era
quinzenal, e o seu formato bem pequeno.
Logo depois, fez breve parada para voltar à
liça com o formato um pouco maior. O ano
de 1910 foi para nós de grandes dificuldades
financeiras que ameaçavam nova suspensão
do jornal por tempo indeterminado. Entre-
tanto, calamos essa dificuldade e a resolução
que tínhamos de não prosseguir por falta de
dinheiro.

Dia 9 de janeiro de 1911, o correio nos


trouxe uma carta que capeava um cheque de
três contos de réis. Era de um desconhecido
para nós, com quem nunca tivemos relação
nem mesmo por cartas; apenas sabíamos da
sua existência pelo nome: Luiz Carlos de Oli-
veira Borges, membro de uma ilustre família
de Dourado. Foi, então, que reatamos a ve-
lha amizade que em existências anteriores
nos ligava e o parentesco em espírito que
nos unia novamente.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 129
Daí para cá esse grande amigo não
mais se separou de nós e do nosso querido
O Clarim, que cresceu, fortaleceu-se no
grande campo do pensamento.

Revendo o passado, nossa alma se


constrange relembrando aqueles que conos-
co palmilharam a estrada ainda difícil de
transpor, do campo da propaganda, mas a
tristeza se esvai quando eles se afirmam vi-
vos ao nosso lado prosseguindo em sua tare-
fa. É que eram amigos certos e dedicados e
a morte não mata a amizade nem separa os
amigos.

E O Clarim, tirado até hoje desde aque-


la data, estendeu suas raízes pelo Brasil in-
teiro. As sextas-feiras lá vinha o nosso velho
amigo (não era espírita, mas era amigo) Cus-
tódio de Freitas, com a carrocinha a trans-
portar os pacotes para o Correio. E ai daque-
le que lhe quisesse tomar o privilégio!...
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 130
O velho Quintiliano, também intimo,
mantinha vivo interesse pela nossa folha,
Nos seus dois últimos anos de vida, o Chico
Ferreira era o dobrador de jornais. Na tira-
gem de 50 mil exemplares, que fizemos em
finados, ele teve tal dedicação que admira:
fazia pilhas e pilhas de jornais que se eleva-
vam quase à altura da parede.

Todos ales passaram, mas ficaram co-


nosco. Desde o Vianna que, como o condor
nos momentos de inspiração cantava rasgos
da divina sabedoria elevando-se aos céus,
até o Lucívio Novaes, que, em sentimentos
vivos de amor, que lhe mostrava a nobreza
da alma, se unia a nós".

XIII

Seu tipo físico e personalidade

Cairbar Schutel era um tipo imponente,


altivo, sempre vestido no amanho, roupa
primorosamente limpa e engomada.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 131
Não usava ternos de casemira, só de li-
nho, e invariavelmente portava gravata.

Se nas fotos existentes dele sua fisio-


nomia parece carrancuda, séria, na intimida-
de, relatam os que com ele conviveram, era
uma pessoa alegre, jovial e de boa prosa.

Não raras vezes ouvia-se dele uma pia-


da, uma irreverência, mas, sempre muito
respeitador, era, acima de tudo, um cultiva-
dor da disciplina para si próprio e para seus
comandados.

O cavanhaque que usava tornou-se sua


marca registrada, apreciava um cigarrinho e,
quando na farmácia, trajava um paletó bran-
co, sem nunca abandonar a gravata.

E para quem quiser ter uma descrição


exata de seu tipo físico, fomos buscar num
Salvo-Conduto por ele tirado em 1932, que o
autorizava a fazer o percurso de Matão a
Araraquara, por exigência da guerra, suas
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 132
características exatas: altura, 1,70 mts;
cabelos, grisalhos; barba, cavanhaque; rosto,
oval; cor, branca; olhos castanhos; boca,
regular; sinais particulares, defeito no dedo
submédio direito.

José da Cunha, assim o definia: "Era


honesto, muito trabalhador e sério, e perce-
bia-se que era um trabalhador que gostava
de tudo em que se envolvia, por isso o fazia
com satisfação íntima e alegria. Essa alegria
tinha seus momentos certos, quando ele
gostava de contar suas piadas e ria a valer.
Era muito carinhoso com as crianças e aos
pobres nada negava. Era um caridoso por
excelência, e, se alguma coisa dele mais se
marcou, foi a caridade".

Abalizada para falar, D. Atonia Perche,


escolhida pelo próprio Schutel para substituí-
lo no Centro Espírita, também dá o seu
depoimento: "O livro "Uma Grande Vida", de
Leopoldo Machado, faz uma ótima descrição
do "seo" Schutel. Ele era jovial, muito alegre
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 133
mesmo, parecendo que para ele nunca hou-
ve tristeza. Era sempre animado com moços
ou velhos, e os confrades que o vinham co-
nhecer aqui em Matão hospedavam-se em
sua casa e sempre o encontravam muito
hospitaleiro e amistoso. Na farmácia ele dis-
pensava atenção a todos e demonstrava uma
fraternidade e um carinho para com os po-
bres todo especial. Conhecia sua profissão
como ninguém e a farmácia dele era a far-
mácia dos pobres: se a pessoa não tinha
dinheiro, não saía de lá sem o remédio que
necessitava".

Juvenal dos Santos, que durante anos


viveu o dia a dia da "Casa Editora" com S-
chutel, assim fala do patrão e amigo: "Co-
nheci "seo" Schutel ainda meninote e já o
admirava, mas foi trabalhando com ele, de
1935 até sua morte, que passeia admirá-lo
ainda mais. Era um amor de criatura. Agente
produzia sem pressão. Ele trabalhava de-
mais, até altas horas e muitas vezes, quando
voltava da cidade, eu o via às 1,30 ou 2,00
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 134
hs da manhã trabalhando na Redação, mas
de manhã cedinho já estava na farmácia. Na
Gráfica, ele trocava muitas idéias conosco e
podia se perceber que ele não tinha só cultu-
ra, mas falava como um homem sábio.

Hugo Gonçalves, cuja família acompa-


nhou Cairbar em seus primeiros passos no
Espiritismo, desde jovem conviveu com nos-
so biografado e assim se refere a ele: "Falar
de Cairbar Schutel para não dizer impossível,
é muito difícil, porque ele foi, a meu ver, o
expoente da verdade, da justiça e do amor.
Um homem que soube ser grande dentro da
sua humildade, que se escondeu atrás de
seus feitos extraordinários com sua simplici-
dade, que soube se conduzir no mundo, de-
fender a Doutrina e propagá-la com todo
esforço, carinho, sabedoria e amor. Por isso
é que digo ser difícil para não ser impossível,
falar de Cairbar Schutel em uma linguagem à
altura do que ele foi, do que ele representou
e do que ele fez.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 135
Quando começou a estudar a Doutrina,
ele descobriu um mundo novo. Sentiu ele, a
grande necessidade de externar seus conhe-
cimentos elevar a Doutrina a todas as pesso-
as, principalmente à gente de sua cidade,
surgindo a idéia da fundação do G.E. "Aman-
tes da Pobreza" e, em seguida, do "Clarim".
Havia gente que pegava o jornal com dois
pauzinhos, senão com pano ou com papel
para não contagiar as mãos, punha-o no
meio da rua e botava fogo... Isso acontecia
semanalmente em Matão.

Na tribuna Cairbar emocionava e em-


polgava, sua voz cativava, a par de uma dic-
ção extraordinária. Tinha um conhecimento
que a gente não sabe nem calcular, enfim, o
dom da palavra e de arrebatar multidões.

Schutel reunia em si todas as qualida-


des de um verdadeiro cristão, sendo um gi-
gante na defesa da Doutrina Espírita. Seria
capaz de entregar sua camisa, até a própria
vida, se preciso, em favor de alguém, de
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 136
qualquer pessoa que precisasse dele, mas na
hora em que dissessem algo que procurasse
denegrir os princípios espíritas, ele era um
gigante que se levantava e defendia, por
todos os meios e com todas as forças, as
idéias espíritas. Conheci nele o maior filan-
tropo com quem convivi. Schutel se esquecia
de si para servir a todos. O seu amor não se
estendia só à Humanidade e às criaturas,
como também aos animais e às plantas,
principalmente às flores que ele mesmo cul-
tivava.

Ele próprio dirigia um grupo de desob-


sessão, cujos doentes ficavam num quarto
ao lado e aos domingos haviam os trabalhos
públicos com palestras. Não havia, porém, os
passes depois das reuniões. Eles eram apli-
cados em casos particulares. Cairbar desen-
volveu as faculdades de psicografia, psicofo-
nia, vidência, audiência e curas".

Por estes depoimentos, tem-se uma pá-


lida idéia da grande figura que foi Cairbar
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 137
Schutel: altruísta, dedicado, trabalhador, um
exemplo de homem probo, correto, e que
amou seus semelhantes até os extremos da
renúncia de si próprio.

Além disso, foi um esposo amoroso,


que soube compreender a doença insidiosa
da esposa e durante quarenta anos em que
ela assim esteve, tratou-a com tal desvelo e
dedicação que só confirmariam o espírito
cristão que o ilustre biografado albergava
dentro de si.

XIV

Cairbar e dona Mariquinhas

Diz a sabedoria popular, que "atrás de


um grande homem há sempre uma grande
mulher" e o relacionamento do casal Schutel
vem confirmar essa regra.

Soube, D. Mariquinhas, retribuir com


muita dedicação, a confiança e o amor que
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 138
Schutel lhe dedicou desde que se conhece-
ram.

Dos tempos difíceis da juventude em


Araraquara, ela transformou-se no arrimo de
que o esposo necessitava para a consecução
de sua grande obra em prol do Espiritismo.

Abraçou-se à Doutrina em igual tempo


que o companheiro e embora não lhe tivesse
o mesmo estudo e dedicação, foi na obra de
caridade que mais se sobressaiu, engajando-
se com Cairbar na luta por um mundo me-
lhor para os desvalidos materialmente.

Numa estratégica e obscura retaguarda,


mas porque não dizer, glorificada, fez-se a
companheira ideal, a esposa desvelada e
compreensiva, cuja felicidade era ver o de-
senvolvimento das tarefas altruísticas do es-
poso junto ao Ideal abraçado, muito embora
isso lhe custasse a privação de momentos de
convívio familiar. D. Mariquinhas teve um
começo de vida difícil, sofrido, como já foi
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 139
descrito, mas isso só teve o condão de lhe
realçar as qualidades e méritos, pois confor-
me a sabedoria evangélica nos diz, "quem
toma do arado, não olhe para trás".

Rompera com a família logo cedo, mas


a postura cristã que assumira junto com o
esposo não lhe permitiria sustentar tal situa-
ção e assim é que logo procurou promover
uma reconciliação, no que foi coroada de
êxito.

Seu pai, José Joaquim Silva, que teve


três casamentos, viveu seus últimos anos na
casa do casal Schutel. Cairbar lhe dedicava
muita atenção e até brindava-o com algumas
notas no "Clarim":

"Regressou de sua viagem a Mineiros,


onde foi tratar de negócios, o Sr. José J. Sil-
va, sogro do nosso companheiro C. Schutel".
(01/06/1928)
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 140
Também os irmãos de Mariquinhas,
Brasílio, Deolindo e Euclydes viveram por
algum tempo na casa dos Schutel e estuda-
ram na escola gratuita que o "Amantes da
Pobreza" manteve por vários anos.

"O Clarim", inclusive, noticiou o prema-


turo desencarne de Euclydes Silva:

"Após longa enfermidade, desprendeu


se dos liames carnais este nosso amiguinho,
Euclydes, que contava apenas 18 anos. Era
irmão da nossa prezada confreira D. Maria
Silva Schutel e cunhado do nosso compa-
nheiro C. Schutel, que já tiveram a felicidade
de saber do estado atual do ente caro, que
prepara sua iniciação na Vida Espiritual. Os
nossos queridos chefes que o iluminem e o
Senhor Supremo tenha dele Misericórdia".
(15/08/1919)

Dona Mariquinhas teve uma doença de


pele, que provavelmente tenha sido "lupus",
mas por bom tempo imaginou-se ser hanse-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 141
níase. Dr. Agripino Dantas Martins, enco-
mendando rigorosos exames, constatou que
não.

Cairbar, preocupado com a moléstia da


esposa, trocou correspondência com Eurípi-
des Barsanulfo em Sacramento, para orien-
tar-se com o amigo e confrade, que passou a
lhe enviar remédios à base de plantas medi-
cinais. Ela costumava tomar banho com es-
ses produtos, sendo um deles à base de uma
pimenta verde.

Eis o texto de uma das cartas de Schu-


tel a Barsanulfo agradecendo os remédios e
dando outras notícias:

"Matão, 27 de abril de 1918.

Meu caro Eurípides,

Paz em N.S. Jesus Cristo.


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 142
Muito lhe agradeço as atenções. O nos-
so "Clarim" muita agradece o auxílio. E que
embora não começasse o uso dos medica-
mentos, sinto-me mais animado. Creio mes-
mo mais que é a ação benévola de tuas pre-
ces e da nossa boa irmã Amália, que produ-
zem ação muito superior aos medicamentos.
Por isso quero que todos os dias ao deitarem
se peçam pela simples prece misericórdia do
Altíssimo, os passes fluídicos do nosso Dr.
Bezerra ou seu preposto.

Interrompi "O Clarim" por 15 dias para


fazer entrar no prelo a "Interpretação Sinté-
tica do Apocalipse", que já está com suas
primeiras páginas impressas. Mande-me
sempre notícias do movimento. Se houver
ocasião, chegarei aí, quando Deus quiser.

Abraça-o seu irmão

Cairbar"
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 143
Com a doença, D. Mariquinhas pouco
saía de casa, senão para fazer as compras
domésticas e as das distribuições do Centro.
Essas compras eram feitas principalmente na
Casa Kfouri, de propriedade do Sr. Jorge
Kfouri que, mesmo não sendo espírita, admi-
rava a obra caritativa do casal e sempre lhe
concedia 20 a 25 por cento de desconto.
Costumava dizer de Cairbar: "Esse homem
merece que a gente queira bem ele".

D. Antoninha Perche fala da convivência


do casal e de sua amiga Mariquinhas:

"O gênio dos dois era muito afim.


Quando ela se deparava com uma pessoa
pobre, fazia de tudo por ela. E quando saía
para comprar fazenda, nunca comprava por
metro, mas por peça. Ainda bem que "seo"
Schutel encontrou a mulher certa, porque
senão ele não poderia ter feito o que fez e
talvez tivesse comprometido sua tarefa. Co-
mo o jantar na casa era muito cedo, às 16
horas, ela antes de se deitar preparava toda
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 144
noite uma canequinha de leite morno com
pão ou então sopa para os doentes e velhos
que moravam na casa deles. Eu achava isso
interessante e também observava como ela
tratava os pobres que o dia inteiro batiam na
porta: com carinho e consideração, nunca
negando algum auxílio para eles. Ela nos
agradava muito e gostava de fazer para nós,
mocinhas, aventais de renda grossa na bei-
rada, conforme a moda na épica".

Por influência de D. Mariquinhas, Schu-


tel e seu grupo construíram a Vila Espírita,
um conglomerado de seis casinhas na Vila
Santa Cruz, onde eles abrigavam e cuidavam
dos pobres atingidos pela epidemia de febre
amarela.

Quem tratava de D. Mariquinhas em


sua doença, além do esposo, era Maria Mon-
tes de Oliveira. Sua filha, Benedita, conta
que Schutel gostava de ficar penteando os
cabelos de Mariquinhas depois do banho até
que D. Maria lhe preparasse a "toilette".
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 145
Nas fases agudas da doença de Mari-
quinhas, ciente de que ela não conseguia
pregar os olhos à noite, Cairbar antes de
dormir preparava dez cigarrinhos de palha
para sua distração noturna.

A moléstia tinha períodos de esmoreci-


mento, mas no geral, foram muitos anos de
sofrimento, com manchas dolorosas espa-
lhadas pelo corpo inchado e causando muitas
dores e mal-estar à doente, que a tudo en-
frentava sem uma queixa sequer. O Espiri-
tismo havia lhe ensinado tratar-se de uma
provação, à qual necessitava ser suportada
com resignação.

Cairbar, em todos os momentos a seu


lado, não se descurou um instante da pre-
sença da esposa, sendo lhe nessas horas o
enfermeiro dedicado e o amigo reconhecido.

XV

O "Pai dos pobres de Matão"


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 146
Se os espíritas de todo o mundo reco-
nhecem Cairbar Schutel por sua grande obra
de divulgação, os habitantes de Matão, prin-
cipalmente os mais desvalidos, o reverenci-
am por sua obra de caridade.

"Conhecereis a Verdade e a Verdade


vos libertará", diz a sabedoria evangélica, e
este foi um homem que soube se fazer livre
pela prática do amor. E como amava era li-
vre: nunca experimentou a ambição que
agrilhoa o homem ao egoísmo.

Não sem razão, foi chamado "O Pai dos


Pobres de Matão" e este título tanto lhe é
mais merecedor, porque não foi ofertado
pela vaidade de seus conterrâneos, ou pela
classe política, ou, ainda, por sua família
humana, mas o foi pelos seus próprios ami-
gos: os pobres. Que maior galardão poderia
desejar este cristão, que fez de sua vida um
ato de renúncia em favor de seus irmãos em
Humanidade? O que o teria mais realizado
em vida? Os louros passageiros das home-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 147
nagens terrenas, ou o título que o imortali-
zou como o escravo dos desfavorecidos?

Esse "amigo dos que não tinham ami-


gos", esse exemplo dos que sonham um dia
serem soldados do Divino Condutor, chega
até a ter sua obra de caridade ofuscada pelo
trabalho de divulgação da Doutrina do Cristo.
Mas é compreensível, porque, tanto em uma
quanto na outra, ele foi dos maiores. "Co-
nhecereis meus seguidores pelas suas obras"
e este foi, sem dúvida, aliado a seu caráter
impoluto, o motivo pelo qual até mesmo
seus opositores se rendiam a seu magnetis-
mo e deixavam a arena das disputas religio-
sas como seus amigos.

Não há o que negar. Este capítulo dará


apenas uma pálida idéia do que representou
para a sociedade matonense este Apóstolo
da Caridade. O espaço é pouco para falar de
seus quarenta anos de vida missionária junto
à seara do Mestre.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 148
*

"Tinha sempre alguém batendo à porta


do sr. Schutel pedindo alguma coisa - ali-
mento, roupas, remédios - e todos eram a-
tendidos", relata Benedita Silvério, criada por
Cairbar Schutel desde os primeiros dias de
vida. "Quando ele não estava, era Dna. Ma-
riquinhas quem atendia, que com igual amor
e solicitude, fazia o que estava ao seu alcan-
ce para auxiliar os pobres de Matão".

Nos fundos da residência, Cairbar man-


dou construir um caramanchão e uma com-
prida mesa onde eram servidas as refeições
para nunca menos de 14 ou 15 pessoas,
chegando a extremos de 20 a 25 não poucas
vezes. A única exigência feita por ele aos
convivas era quanto à pontualidade: almoço
10 hs da manhã; jantar 16 hs da tarde. No
final do almoço Cairbar costumava pergun-
tar: "Estão satisfeitos? Tudo bem? Então es-
tá tudo bem!"
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 149
Também tinha no vasto quintal de sua
casa três quartinhos onde recolhia e tratava
pobres, idosos e doentes. Moraram durante
muito tempo nesses quartos e até seus últi-
mos dias, Antonio Felisberto Joaquim dos
Santos, de Araraquara, que morreu com 110
anos, e participou de toda a guerra contra o
Paraguai, e Jesuíno Celestino de Mendonça,
um baiano que não tinha uma das pernas.
Também conseguimos registrar que lá residi-
ram a família Barbosa e um velhinho de no-
me Nhô Johnson que desencarnou com du-
pla pneumonia.

João José Aguiar, que trabalhou de


1929 a 1938 com Schutel na farmácia, relata
como é que era o seu dia a dia no trabalho:

"Ele era muito enérgico, sistemático e


disciplinador, mas muito bom. Um coração
boníssimo. Chegavam àquelas pessoas doen-
tes e diziam: - "Seo" Schutel está aí? Eu pre-
cisava falar com ele". "Seo" Schutel vinha,
escutava das pessoas seus sintomas, ouvia
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 150
delas que não tinham dinheiro para pagar,
mas mesmo assim fazia a receita, dava para
nós aviarmos, quando ele mesmo não o fazi-
a, e punha embaixo: grátis. Isso acontecia 6,
8 vezes por dia.

A farmácia tinha seções de alopatia, óti-


ca (ele fez o curso prático) e homeopatia,
nesta vendendo glóbulos do Dr. Humphrey,
Alberto Seabra e Almeida Cardoso".

José da Cunha, que iria tornar-se mais


tarde grande colaborador de Schutel, foi por
ele curado, e participou de muitas peregrina-
ções do biografado pelo interior das fazendas
em atendimento a doentes sem recursos. Eis
parte de seu depoimento:

"Quando criança, eu o acompanhei mui-


tas vezes pelas fazendas, pelas matas cerra-
das, locais de difícil acesso, para visitar os
colonos, desde que seus patrões permitis-
sem, e examinar suas dificuldades, cuidar de
suas doenças. Eles até já ficavam esperando
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 151
o "seo" Schutel. Nós íamos de "aranha" uma
carruagem leve, na qual ele carregava mui-
tos medicamentos e frascos de pílulas contra
o amarelão, a anemia, a maleita, esta última,
assaz proliferada na região naquele tempo,
nitrato de prata, colírio para tracoma e ver-
mífugos. Duas das fazendas, que eu me
lembro ter visitado inúmeras vezes, foram a
Palmares e a Piratininga.

Certa vez, fomos socorrer uma senhora


idosa e só, e ele teve que ir à cozinha para
esquentar água e fazer compressas. Lá veri-
ficou que sobre o fogão não havia sinais de
uso recente de panelas, examinou em derre-
dor e observou que não tinha comida. Então,
tirou um dinheiro do bolso e muito cautelo-
samente o colocou debaixo do travesseiro da
doente e não disse nada, pois não quis hu-
milhá-la. Atitudes como essa eram comuns
no seu cotidiano".

*
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 152
Três épocas do ano eram consideradas
muito importantes por Cairbar: os Finados, já
referida anteriormente, para a divulgação
dos postulados espíritas, notadamente o da
imortalidade da alma; a Páscoa, que por ser
entrada do inverno, era feita uma distribui-
ção de agasalhos e cobertores; e o Natal,
quando era realizada uma vasta distribuição
de gêneros alimentícios. roupas e brinque-
dos.

O Natal, desde a fundação do "Amantes


da Pobreza" era realizado pelo grupo, tendo
posteriormente, as damas de caridade e o
Padre criado uma distribuição similar na
Igreja.

Certa feita, foi convocado para cuidar


da Paróquia o Padre espanhol Herrera, que
logo fez forte amizade com Schutel, e passa-
va muito lá nos fins de tarde para prosear
juntamente com Gregório Perche de Mene-
zes, Juca Costa, José Maria Gonçalves, José
Bartolomeu Ferreira, que foi Prefeito, e ou-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 153
tros. Pois este Padre, um dia foi ter com S-
chutel e disse: "Olha, Schutel, você faz essa
festa de Natal todo ano, na Igreja nós temos
as damas de caridade que também fazem,
mas eu estou com vontade de falar com elas
se aceitam promover o Natal da Igreja com o
dos espíritas, porque assim os pobres vão
num lugar só e já recebem tudo o que tiver-
mos para eles, o que você acha?". Schutel
não pensou duas vezes: "Perfeitamente". E
foi, mas as damas recusaram peremptoria-
mente e, ao dar o resultado da consulta a
Schutel, este lhe responde: "Não tem nada,
Padre. A sua bondade e fraternidade já vale-
ram muito".

Herrera gostava muito de conversar so-


bre religião com Cairbar e tinha idéias socia-
listas, no que foi repreendido pelo amigo
antes que as confundisse com seu sacerdó-
cio e criasse problemas para si próprio.

*
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 154
Em outra ocasião, estava no trem com
compromisso urgente na agenda, quando
encontra-se na classe com dois policiais que
levavam algemado um obsidiado, irrequieto,
exigindo muitos cuidados.

"Onde levam o homem?" - perguntou.

Iam levá-lo ao "Deus dará", à procura


de um asilo ou cadeia próxima, mas Cairbar,
esquecido de seu apontamento, toma a si o
caso e retorna à sua casa com o obsidiado,
curando-o depois de alguns dias de trata-
mento espiritual.

Contemporâneo de Cairbar, Hugo Gon-


çalves, relata outro caso:

"Schutel conduzia algumas vezes seus


doentes numa carrocinha, onde ele colocava
um colchão apropriado para melhor acomo-
dar a pessoa a ser transportada. Jorge Cruz
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 155
possuía uma dessas carroças, conhecida co-
mo a "ambulância de Cairbar Schutel". Era
admirável ver com que carinho Schutel trata-
va daqueles doentes. Ele os tratava não só
com remédios, mas os preparava igualmente
para as verdades espirituais".

XVI

Criação do Hospital de Caridade

Matão desenvolvia-se celeremente e,


com o progresso, as necessidades da cidade
também cresciam.

Cairbar, sempre preocupado com a co-


munidade, e trazendo no coração aquela
profunda compaixão pelos pobres e desvali-
dos, vislumbra a necessidade de dotar Matão
de um Hospital.

Até então o atendimento médico era


precário e, muito embora a cidade já contas-
se com um esculápio, Dr. Agripino Dantas
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 156
Martins, casos de gravidade e internações
tinham que ser transferidos para Araraquara
ou São Paulo.

Assim, surgiu a idéia do "Amantes da


Pobreza" fundar um pequeno Hospital, mo-
desto como as suas possibilidades, mas que
fosse um fulcro que pudesse resultar futu-
ramente num nosocômio que atendesse às
necessidades do lugar.

E mais uma vez, o Bandeirante, o des-


bravador Cairbar Schutel, com sua visão fu-
turística e seu coração sensível, favorece a
comunidade, que não lhe retribuía na medida
de seu valor, com a fundação do Hospital de
Caridade.

"O Clarim", de 2 de março de 1912, as-


sim noticia o acontecimento:

Hospital de Caridade
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 157
"Desejando concorrer com a sua boa
vontade para o amparo dos doentes pobres,
o Centro Espírita "Amantes da Pobreza" re-
solveu fundar uma Casa de Caridade onde os
desprotegidos encontrem a hospitalidade e
os cuidados indispensáveis para o alívio dos
seus sofrimentos.

A sua inauguração será a dez do mês


corrente.

E uma casa pobre, arrendada pelo Cen-


tro, comportando apenas seis enfermos.

Embora sem os requisitos precisos para


uma boa instalação, ela oferece, contudo,
abrigo àqueles que melhor abrigo não
encontrem.

O Hospital de Caridade é antes o resul-


tado de uma vontade firme de desfraldar
esse estandarte que tem por lema a palavra
que lhe deu o título, do que uma de verda-
deiro conforto para os enfermos.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 158
Entretanto, o Centro Espírita faz o que
pode e o que deve fazer.

Sem cogitar da crença, da nacionalida-


de ou de política a que pertença aquele que
de um abrigo na enfermaria necessitar, as
portas do Hospital estão abertas.

Convidamos o público para assistir, ao


meio-dia, de dez do corrente, à modesta i-
nauguração da Casa Hospitalar.

A Diretoria do Centro".

Modesto, mas cumprindo as finalidades


para o qual foi criado, o Hospital continua
merecendo notas de "O Clarim":

Hospital de Caridade

"Existiam 3

Saiu 1

Entraram 2
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 159
Existem 4

Foram aviadas por conta do Hospital 57


prescrições, sem contar os medicamentos
homeopáticos e o tratamento magnético dis-
pensado aos enfermos.

Digno de nota, e não poderíamos deixar


de registrar nestas colunas, como prova da
nossa gratidão ao ilustrado e nosso particular
amigo, Dr. Agripino Martins, a inestimável
oferta dos seus relevantes e desinteressados
serviços ao Hospital, serviços estes que têm
sido aproveitados desde a fundação deste
Estabelecimento de Caridade". (11/5/1912).

Em "O Clarim", de 24 de dezembro de


1912, os progressos do Hospital:

"Correm animados os festejos em bene-


ficio do Hospital da Caridade.

As prendas oferecidas à quermesse


montam 2:500$000 e os objetos ofertados
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 160
aos leilões atingem a soma de um conto de
réis. (...)"

"Por indicação dos deputados Dr. Ma-


chado Pedrosa, Moraes Barros e Peixoto
Gomide, vai ser incluída no orçamento do
Estado uma verba de 6:000$000 para a fun-
dação do Novo Hospital".

"O Popular", de Araraquara, trouxe um


desenvolvido artigo sobre o Hospital da Cari-
dade desta cidade em que faz lisonjeiras re-
ferências ao C.E. "Amantes da Pobreza", que
penhoradamente agradecemos".

Boas notícias, mas queixas da popula-


ção local, é o que traz a matéria de 10 de
janeiro de 1913:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 161
"Correram animadíssimos os festejos e
quermesse em benefício do novo Hospital da
Caridade. (...)

A comissão informou que o produto das


quermesses atinge a soma de 5:000$000.
Parece pouco, mas se levarmos em conta
que esta quantia representa a boa vontade
da população de fora do Município, princi-
palmente da Capital, veremos bem corres-
pondidos os esforços dos fundadores do
Hospital.

Restam agora os srs. fazendeiros do


município que, parece-nos, devem ter inte-
resse direto na manutenção do Hospital e
veremos se responderão com espírito de al-
truísmo aos apelos dos desabrigados e infor-
tunados".

E assim, o Hospital ia ganhando a sim-


patia do Poder Público, pois, apesar do pre-
conceito ao Espiritismo, ninguém poderia
deixar de reconhecer naquela obra o valor
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 162
inconteste que estava adquirindo para a ci-
dade.

Em 15 de fevereiro de 1913, "O Clarim"


noticia a doação da quantia de 200$000 (du-
zentos mil réis) anuais pela Câmara Munici-
pal, ao mesmo tempo em que a Prefeitura
cede, provisoriamente, ao Centro Espírita, a
espaçosa casa do Largo Municipal de propri-
edade da Câmara, para onde o transferiram.

Em 11/5/1913 foi eleita a nova Diretoria


do Hospital, que ficou assim constituída:

Presidente: Dr. Agripino Martins.

Vice: Francisco da Costa e Silva.

Tesoureiro: Dr. Gastão Laukner.

Secretário: Juvenal Moreira.

Membros da Diretoria: José Antunes da


Silveira, Pedro Rossi, Leão Pio de Freitas,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 163
Francisco Correa, Manuel Correa de Araújo e
Cairbar Schutel.

No entanto, as necessidades eram mui-


tas e o número de doentes aumentava sem
que o Hospital tivesse condições de atender.
Essas dificuldades, porém, até que seriam
contornáveis, mas o Hospital requeria muito
tempo de Cairbar, prejudicando as tarefas
espirituais e de divulgação da Doutrina, de-
terminando com que o grupo optasse pelo
fechamento do Hospital.

Some-se a isso a mágoa do "Bandeiran-


te" de não ter encontrado ressonância na
própria população da cidade, obrigando-o a
buscar recursos fora, principalmente na Capi-
tal.

Em "O Clarim", de 22 de novembro de


1913, duas notas lacônicas e amargas anun-
ciam:

Hospital de Caridade
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 164
"O Centro Espírita "Amantes da Pobre-
za" fechou o Hospital de Caridade, que du-
rante o seu funcionamento foi mantido pelo
mesmo Centro".

C.E. "Amantes da Pobreza"

"A Diretoria do C.E. "Amantes da Pobre-


za" deliberou, até nova resolução, limitar os
seus trabalhos à propaganda pela palavra e
pela imprensa.

As palestras semanais continuam a rea-


lizar-se no Salão da Associação aos domin-
gos às 8 hs. da noite".

XVII

Apreensão de "O Clarim" em 1913

Cairbar Schutel tinha uma afeição espe-


cial pelo dia de Finados. Acreditava ele, que
era nesse dia onde mais a propaganda espí-
rita deveria ser feita, para levar o consolo
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 165
que tanto precisavam as pessoas descrentes
na sobrevivência do Espírito.

Assim, ele preparava com muito esmero


todos os anos uma edição especial para essa
data, e muitos exemplares extras para serem
distribuídos grátis nos Cemitérios.

O ano de 1913, que marcou uma edição


recorde de 40.000 exemplares, no entanto
trouxe uma frustração, mas, se bem anali-
sarmos, veremos que, guardadas as devidas
proporções, assemelhou-se a um pequeno
"Auto-de-fé de Barcelona", consoante à ex-
tensão da divulgação que logrou atingir para
a Doutrina.

O acontecimento deu-se, por mais es-


tranho que possa parecer, na capital cultural
do País, ou seja, São Paulo, conforme noticia
"O Clarim" de 8 de novembro de 1913:

"São Paulo, 3 - Meu telegrama de on-


tem - O delegado Dr. Rudge Ramos não con-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 166
sentiu na distribuição de "O Clarim" no Araçá
e na Consolação, apreendendo uns tantos
exemplares e nos ameaçando de prisão se
insistíssemos. Mesmo assim foram distribuí-
dos cerca de 1500 exemplares, e com felici-
dade indizível, pois, poucos foram os jogados
à rua. A fim de não prejudicar a propaganda,
dirigi-me ao Cemitério da 4.ª Parada, cuja
afluência era enorme, quase como na necró-
pole do Araçá, e fiz toda a distribuição, de
forma que às 4 hs. da tarde já não havia
mais um "O Clarim" para remédio, tanto as-
sim que aqueles jornais (pouquíssimos) que
eram encontrados pelo chão, eram apanha-
dos e lidos. (...) Dídymo Pereira"

A reação não se tardou por esperar. Es-


píritas de todo o Brasil e a imprensa em ge-
ral, enviaram protestos veementes às autori-
dades de São Paulo. Os jornais exploraram e
divulgaram bastante o fato, acreditando se
daí, ter sido providencial o tiro arbitrário des-
ferido pelo Dr. Rudge Ramos contra o Espiri-
tismo, porque este lhe saiu pela culatra...
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 167
Nunca se houvera falado tanto sobre a "dia-
bólica doutrina"...

Vejamos alguns fragmentos das maté-


rias:

"O nosso bom amigo e talentoso cola-


borador, sr. Cairbar Schutel, redator do "O
Clarim", tirou uma edição especial de 40.000
exemplares para distribuir grátis nos cemité-
rios, no dia de Finados.

No Rio, Santos, Campinas, São Carlos,


Dourado, Curitiba, e diversas cidades de todo
o País, a distribuição foi feita sem o menor
incidente; porém, na culta Capital, residência
dos "pachás" desta feitoria, já não se deu o
mesmo: O Delegado Rudge Ramos proibiu a
distribuição nos cemitérios da Consolação e
do Araçá!" ("O Alpha", Rio Claro).

"O Clarim" e a Polícia


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 168
"Expomos na nossa vitrine o n.° do jor-
nal que se publica em São Paulo, "O Clarim",
que nos foi remetido pelo sr. Lins de Vascon-
celos.

Esse n.° de "O Clarim" foi em São Paulo


proibido de ser distribuído no Cemitério do
Araçá no dia 2 de novembro por um Delega-
do de Polícia, naturalmente influenciado pela
arrogância do Clero ignorante". ("Diário da
Tarde", Curitiba).

O Delegado proíbe a distribuição de um


jornal

"O Delegado de São Paulo proibiu a dis-


tribuição de "O Clarim" nos cemitérios do
Araçá e Consolação (...)"

("Gazeta de Notícias", São Paulo).

Censura jornalística em São Paulo


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 169
"Esteve ontem em nossa redação, uma
comissão de redatores de "O Clarim", órgão
de propaganda espírita que se edita em Ma-
tão, São Paulo.

Compunham a dita comissão os srs.:


Dr. Vianna de Carvalho, José Tosta, Alcindo
Terra, e Vicente Abreu Costa, os quais mos-
traram o seguinte telegrama: (...)" ("Correio
da Manhã", São Paulo).

Atentado à Imprensa

"(...) acaba de ser vítima das façanhas


de um Delegado da Capital que impediu que
o mesmo fosse distribuído nos Cemitérios em
Finados.

Admiramos que numa cidade adiantada


como é São Paulo, hajam autoridades de tal
ordem, que violam os sagrados princípios de
liberdade da imprensa garantidos pela nossa
liberal Constituição.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 170
Proibir a circulação de "O Clarim" por
que?

Onde achou esse Delegado arbitrário


base para essa resolução? O sr. Chefe de
Polícia não teria conhecimento de tal fato?

A "Atualidade" não pode deixar de con-


signar aqui o seu protesto contra esse ato
ilícito daquela autoridade, contra esse ato
atentatório aos princípios constitucionais,
que verdadeiramente depõe contra os pode-
res policiais de S. Paulo.

Isso não pode ficar impune: resta que o


Dr. Secretário de Justiça e Segurança Pública
tome previdência acertadas, para proibir tal
abuso de excesso de Poder. ("A Platea", de
São Paulo).

A Arbitrariedade de um Delegado

"(...) Tratava-se de um órgão de propa-


ganda espírita e, como tal, escrito em lin-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 171
guagem sã, elevada e inspirada na moral
mais pura.

Doutrinário, "O Clarim" pregava a sua


crença usando da liberdade de pensamento,
segundo garante a Constituição em seu arti-
go 72.

O mesmo estatuto, estabelece que os


Cemitérios terão caráter secular, sendo livres
a todos os cultos religiosos, à prática dos
ritos em relação aos crentes, desde que não
atentem contra a moral pública e as leis.

Em Santos, a distribuição, que foi tão


profusa, não encontrou óbice algum (...)

Em outras muitas localidades o modesto


colega encontrou igual aceitação e circulou
fartamente levando a muitos lares a sua fra-
se de propaganda, que busca alcançar fir-
mar-se não pela violência, pelo "PERINDE AC
CADÁVER" do jesuitismo de Loyolla, mas
pelo raciocínio, pela lógica; o colega preten-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 172
de vencer com tais armas que nobilitam a
quem as usa. (...)

Pedantesco o moço assim procedeu


cerceando em sua liberdade uma folha cujo
crime era pregar uma moral verdadeira.

Teria sido essa a causa de sua irritação?

Que lhe proste e caia o castigo de se


ver apontado como o único a ter tal proce-
dimento". ("A Tribuna", Santos).

E com toda esta grita, a Doutrina foi co-


locada tanto mais em evidência que se tal
fato atentatório à liberdade não tivesse sido
perpetrado.

Mas uma série de boas noticias também


fizeram parte do episódio. Vejamos alguns
dos telegramas dando conta da divulgação
em outras cidades:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 173
"S. Carlos, 3 - A distribuição de "O Cla-
rim" foi feita com toda a regularidade e com
a aceitação por parte do público que, confi-
amos em Deus, há de abrir os olhos à Ver-
dade." Antonio Diniz.

"Dourado, 3 - Mandei distribuir cento


e poucos boletins na cidade, setenta na Es-
tação à passagem do Rápido; e o restante eu
e um amigo distribuímos aos visitantes na
necrópole municipal". Eurípides Rocha.

"Santos, 3 - E com satisfação que dou


conta da tarefa que me foi confiada. Come-
çarei dizendo que não me faltou o auxílio de
Deus para o bom desempenho da missão de
que fui encarregado. Acompanhado de dois
amigos, fiz a distribuição de "O Clarim" que
eram entregues sempre acompanhados de
solicitações "para que lessem em casa com
vagar e atenção". O povo, por sua vez, acei-
tava-o - notando-se no semblante de cada
um - um misto de espanto e curiosidade.
Assim, foram distribuídos os 3.000 jornais;
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 174
penso ter cumprido meu dever". Gennaro
Millas.

"Capivari, (E, do Rio) 8 - Fiz distribuir


os boletins nos cemitérios daqui, de Rio Bo-
nito e de Saquarema. Correu tudo bem". Co-
lumbano Santos.

"Jaboticabal, 12 - A distribuição de "O


Clarim" aqui foi feita pela manhã, correndo
tudo aos nossos desejos. Não vi um só avul-
so rasgado. Ao saírem do Cemitério, muitos
dos que iam recebendo os impressos, os liam
em voz alta à sombra das árvores plantadas
em redor da necrópole". V. Tamarine.

"S. João Baptista Cachoeiros (Mi-


nas), 12 - Fiz profusa distribuição do Bole-
tim que foi aceito com simpatia ou curiosida-
de". Benedicto Pires Prado.

"Bebedouro, 12 - Distribuí os Boletins


no Cemitério, com ótimo resultado, pois o
nosso trabalho mereceu a consideração do
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 175
vigário, que num sermão na Igreja nos ex-
comungou - "a quem fez tantas heresias, a
quem distribuiu os impressos" - e, ainda sob
pena de excomunhão, proibiu que fossem os
jornais lidos. Por aí podemos calcular a salda
que os mesmos tiveram e a sofreguidão com
que eram lidos". F. Vellozo. (Os grifos são do
Autor) .

"Descalvado, 13 - Os 300 Boletins fo-


ram insuficientes. Mandamos imprimir mais
650, no mesmo teor. Destes, o C. E. "Fé e
Amor" remeteu 150 para Porto Ferreira, e os
restantes foram distribuídos nesta cidade.
Felizmente ninguém recusou receber os im-
pressos, cuja idéia foi muito aplaudida". José
Vitorino.

"Piracicaba, 12 - "O Clarim" aqui fui


distribuído sem nenhuma nota desagradável
e, penso, com bom resultado". Pedro de Ca-
margo.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 176
"Bahia, S. Salvador, 7 - Fiz a distribu-
ição dos jornais. Não sei ainda o que produ-
zirá as sementes. Aqui reina a indiferença
como moléstia dos Tempos". B. Vargão.

Além desses, "O Clarim", também rece-


beu mais telegramas: "Revista Verdade e
Luz", São Paulo; José L. Pereira, Taquaritin-
ga; Raul Ciesta, Valença; Tomaz Aquino, Ni-
terói; Augusto dos Santos, Itabuna; Abel F.
Oliveira, Brotas; Elias M. Vargas, S. João do
Ariranha; Antonio Alexandrino, Rocinha; Ale-
xandre de Abreu, Ribeirão Preto; Henrique
Macedo, São Paulo; Floriano Martins, Rio de
Janeiro; Otávio Campos, Sertãozinho; e mui-
tos outros não transcritos nas suas páginas
por falta de espaço.

Outro costume do nosso Cairbar, era


pagar passagens de trem de ida e volta a
cidades perto de Matão para pessoas que
iam distribuindo "O Clarim" gratuitamente
aos viajantes; ou então, ele próprio ficava na
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 177
Estação esperando as composições para dis-
tribuí-lo durante as paradas.

XVIII

Visitas à cadeia pública

Em julho de 1914 o C.E. "Amantes da


Pobreza" estendeu suas atividades à Cadeia
Pública de Matão, mais especialmente Cair-
bar Schutel, que passou a visitar os senten-
ciados semanalmente e promover comemo-
rações na Páscoa e no Natal com eles.

Este costume, Schutel conservou até o


fim de sua vida, sendo que os próprios poli-
ciais lhe solicitavam a presença sempre que
lá era internado algum "louco", já que com a
ausência de Hospitais Psiquiátricos na época,
esses infelizes eram jogados nas Cadeias
Públicas mesmo.

Benedita de Oliveira, afilhada de Cairbar


- não precisamos dizer que batizada antes de
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 178
sua conversão - e que serviu como sua
trabalhadora domestica, conta que "ele
gostava de tirar fotografia de gente meio
"variada", o senhor sabe, meio louca", e se
recorda de muitos casos semelhantes ao que
relatamos a seguir.

"Um homem da cidade de Dobrada, que


sempre fora normal, pai de seis filhos, vida
regrada e sem vícios, um dia, aparentemente
sem mais nem menos, largou a enxada, saiu
correndo e escondeu-se no mato em posição
catatônica.

"Seo" Schutel soube do caso e disse pa-


ra Mariquinhas:

"Eu vou buscar ele, dar um "passe", pa-


ra ver se ele fica bom".

"Schutel, você vai é procurar sarna para


se coçar" - argumentou a esposa.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 179
"Mas, "seo" Schutel foi e trouxe o ho-
mem. Tirou as algemas, D. Mariquinhas ofe-
receu um prato de comida para ele, que pe-
gou e o atirou na cara dela. O padrinho, sem
se abalar, bateu uma foto dele antes de dar
um "passe" que, depois de revelada, mos-
trou nitidamente duas mãos do lado esquer-
do do doente. Daí o padrinho fez uma prece,
deu um "passe" e a polícia levou ele de volta
à Cadeia".

Já apresentando visível melhora, o


trouxeram no dia seguinte para outro "pas-
se", e, no terceiro dia, o lavrador já pôde
voltar curado para casa, sendo que não se
lembrava quase nada do que havia se pas-
sado consigo".

D. Antoninha Perche, de quem falare-


mos adiante, traz boas lembranças dessas
visitas:

"Desde a criação da Cadeia Pública,


"seo" Schutel, que já era espírita, adquiriu o
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 180
costume de ir visitar os presos. Ele fazia pre-
leções evangélicas muito apreciadas, dava
"passes" e nunca ia lá de mãos vazias. Sem-
pre levava alguma coisinha para eles. Chega-
ram, essas visitas, a se tornarem famosas,
tendo, inclusive, o sr. Martins de Castro,
quando foi Prefeito, acompanhado "seo" S-
chutel em uma delas, ocasião em que foi
tirada uma foto e distribuída a diversas pes-
soas da cidade, retratando o Prefeito, Schu-
tel, o Delegado e os presidiários".

Também José da Cunha dá seu depoi-


mento: "(...)

Muitas vezes ele era chamado pelos po-


liciais para assistir pessoas obsidiadas e, não
raras vezes, violentas. Ele fazia suas preces,
pedia para abrir a porta e soltar os doentes.
Os policiais refutavam, mas ele insistia e ga-
rantia que os doentes não iam fazer mais
nada. Levava-os então para casa, chamava a
médium, D. Sinhá Musa, fazia uma concen-
tração e pedia aos Espíritos que se comuni-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 181
cassem por intermédio da médium. Doutri-
nava-os e eles voltavam bons para suas ca-
sas, para invariável espanto dos policiais".

Além desses, inúmeros outros casos são


relembrados por pessoas da época, sendo
que, também de outras cidades e até do in-
terior de Minas, traziam obsidiados para se-
rem tratados por Schutel.

A ação de Schutel junto a reeducandos


não se limitou à Cadeia Pública matonense,
mas às da região, conforme noticia "O Cla-
rim" de 21 de julho de 1917:

Palestras espíritas aos presidiários de


Araraquara

"Com a autorização do Exmo. Sr. Dele-


gado Regional, Dr. Pedro de Oliveira Ribeiro
Júnior, o nosso companheiro C. Schutel ini-
ciou a série de Palestras morais com os pre-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 182
sidiários que cumprem pena na Cadeia de
Araraquara.

A primeira palestra, que foi levada a e-


feito quinta-feira última, versou sobre o tema
"A existência da Alma, sua Imortalidade e
seu Progresso Infinito".

Ao lado do nosso companheiro; assis-


tindo à preleção que se prolongou por hora e
meia; achava-se nosso confrade, sargento
Fagundes, Comandante do Destacamento
local, que ao encerrar a reunião, dirigiu aos
detentos palavras de verdade e consolação.
Depois da prece final, quando nosso compa-
nheiro Schutel despedia-se de todos, recon-
fortando-os com palavras animadoras, foi
lhe, por um dos presidiários, oferecido um
belo ramalhete de violetas em nome de seus
companheiros de exílio, que atingem quase
ao número de oitenta (...)"

XIX
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 183
A cura dos obsidiados

Mas outros casos de cura de obsidiados


ficaram famosos, como o que transcrevemos
a seguir, relatado pelo jornalista José Roma-
nelli:

"Do seu amor e devotamento aos seus


semelhantes, eu relembro aqui a recupera-
ção, por ele conseguida, do Martinho Rodri-
gues Alves, o Martinzinho, como era popu-
larmente conhecido nas ruas da velha Matão
do meu tempo de criança. Era o Martinzinho
um pobre marginal sem eira nem beira. Tipo
amulatado, de barbicha eriçada e rala, dado
ao vício da embriaguez, era alvo da galhofa e
do escárnio de toda a gente e, principalmen-
te, dos garotos e dos rapazes que o apupa-
vam formando círculo a seu redor, instigan-
do-o a dançar e a cantar, como incontrolado
débil mental que era, chamando-o em altos
brados pelo apelido, respondendo o infeliz ao
apelo com um característico: - Quióooo - que
até hoje ressoa nos meus ouvidos.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 184
E comumente era Martinzinho preso le-
vado para a cadeia sob espadeiradas dos
soldados (cenas comuns àquele tempo), todo
ferido, vertendo sangue.

Um dia Schutel tomou Martinzinho sob


sua guarda e proteção, e conseguiu com o
seu carinho e a sua brandura, aquilo que os
outros homens não conseguiram pela força e
pela violência.

Do ébrio contumaz e inútil fez um ho-


mem bom, morigerado e trabalhador.

Nunca mais se viu Martinzinho atirado


às sarjetas das ruas servindo de escárnio e
de joguete; nunca mais se repetiram aquelas
degradantes cenas em que, preso, era arras-
tado pelos soldados e desapiedadamente
espancado.

E sabem todos os meus contemporâ-


neos como terminou seus dias o popular
Martinzinho.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 185
Morreu de um colapso à porta da far-
mácia do Schutel, amparado nos braços do
seu protetor e melhor amigo".

Numa sociedade pequena como Matão,


esses episódios em pouco tempo corriam de
boca em boca e ficavam na ordem do dia por
muito tempo.

Isso também ocorreu com o caso da


preta Quitéria.

Todos conheciam Quitéria, que por a-


presentar problema de obsessão, começou a
freqüentar o "Amantes da Pobreza", mas por
breve tempo, porque o marido deixou de
acompanhá-la.

Um belo dia Quitéria sumiu. O marido


procurou a por vários dias e não conseguiu
encontrá-la, até que um dia apareceu um
caçador na Delegacia e disse que tinha visto
uma preta imóvel e em estado de inanição
na floresta.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 186
"Acho bom vocês irem buscá-la, porque
senão vai morrer de fome" - disse a teste-
munha.

Os policiais foram de carroça no local


indicado, viram o estado deplorável da mu-
lher e, incontinenti, mandaram chamar o
Schutel.

Cairbar para lá se encaminhou com Jo-


sé Maria Gonçalves e, prontamente, reco-
nheceu Quitéria. A muito custo conseguiram
levar a negra para a casa do Schutel.

"Veja a que ponto um Espírito pode


deixar uma pessoa - comentou Schutel com
Mariquinhas. - "Se não a encontrássemos
iam fazê-la ficar assim até desencarnar!"

Aí Schutel chamou Dna. Elvira Perche,


Dna. Conceição Ferreira e Dna. Sinhá Musa,
a médium, para que viessem dar banho, tro-
car a roupa e aplicar remédio para mosca
varejeira que empestiava a negra.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 187
E assim ficou, Quitéria, muitos dias na
casa de Cairbar, tomando "passes", tendo os
Espíritos que a perturbavam sendo doutrina-
dos, e, em menos de um mês, seu marido
pôde vir buscá-la, totalmente sã e recupera-
da.

Viveu, ainda, muitos anos a negra Qui-


téria, sem que qualquer sinal de obsessão
voltasse.

XX

A mediunidade de cura de Cairbar

Cairbar Schutel não fornecia apenas os


remédios à cura das pessoas, mas ele mes-
mo, um predestinado nas questões do Espíri-
to, oferecia através de sua mediunidade o
tratamento providencial para os males físi-
cos.

José da Cunha foi um dos beneficiados


com a mediunidade de cura de Cairbar:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 188
"Não só presenciei, como também fui
curado de uma pneumonia dupla por "seo"
Schutel, depois de estar desenganado pelos
médicos. A doença aconteceu quando eu
tinha 8 anos, e depois de 7 ou 8 dias, o mé-
dico disse à minha mãe que Eu não passava
daquela noite e que ela já podia ir providen-
ciando meu enterro. Depois que ele saiu,
"seo" Schutel chegou em casa e minha mãe
contou o que o médico havia previsto. Então
ele disse: "Já que a ciência materialista se
tornou impotente, vamos tentar a espiritual".
Eu sentei sem camisa numa cadeira e ele
começou a orar e me abanar de cima em
baixo dando-me um "passe". Resultado: de-
pois de uns quarenta minutos, a minha febre
tinha desaparecido e o perigo de morte tam-
bém. No dia seguinte, o médico, Dr. Agripino
Dantas Martins, surpreendeu-se com minha
recuperação e disse: "Tenho a certeza que o
Schutel passou por aqui!"

A mãe do Cunha também pode ser cita-


da como exemplo:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 189
"Também houve o caso de minha mãe,
que teve uma infecção muito forte e esse
mesmo médico uma hora disse: "A ciência
chegou ao seu limite". Corremos a chamar o
"seo" Schutel, que encontrou-nos todos cho-
rando. Relatamos o que o médico havia dito
e contamos que minha mãe pedia insisten-
temente uma soda limonada bem gelada. Ele
falou: "Já que a ciência deu sua última pala-
vra, vamos fazer o tratamento espiritual e
depois ela deve comer e beber o que lhe der
vontade". Ele fez o "passe" nela e nós provi-
denciamos o refrigerante conforme sua von-
tade, que ela sorveu com satisfação e ador-
meceu. Para nossa alegria e surpresa, no dia
seguinte ela já estava de pé trabalhando".

Esses casos levaram os Cunha a apro-


ximarem-se cada vez mais de Schutel. A
mais relutante foi a avó do Cunha, que con-
verteu-se depois de uma insólita ocorrência
mediúnica conforme José da Cunha rememo-
ra:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 190
"Minha avó, que era portuguesa, tinha
três irmãos e um sobrinho padres, o que nos
leva à dedução, portanto de como era difícil
para ela compreender nossa ligação com o
Espiritismo. Mas como ela tinha dois filhos
que trabalhavam com Schutel, um no "Cla-
rim" e outro na farmácia, um dia ela foi as-
sistir uma sessão espírita. Muito desconfiada,
sentou-se sozinha no fundo do salão, imagi-
nando o engodo que seria aquilo. Num dado
momento, inclusive para espanto de todos,
ela recebeu um inesperado e forte tapa no
rosto que ficou-lhe até a marca. Daí em
diante ela tornou-se espírita e dizia:

"Só assim mesmo eu podia ter uma


prova para me converter ao Espiritismo!"
Posteriormente, ela tornou-se uma grande
colaboradora do "Clarim".

XXI

O apego de Cairbar aos animais


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 191
Os Perche possuíam um cachorro de
nome Pindão, que fora criado desde pequeno
cercado de muito afeto. Quando já estava
em idade bem avançada, Pindão apareceu
com bicheiras nos olhos e estava sofrendo
muito. Mariquinhas Perche, que estava doen-
te com pleurite purulenta, viu o cachorro
naquele estado e começou a chorar, inconso-
lável. Seu irmão Zeca, que era prático de
farmácia, formado por Schutel, foi chamado
para fazer um curativo em Pindão. Sentindo
que o caso era sério, e condoído pelo sofri-
mento do cachorro e o desespero da irmã,
Zeca foi até à farmácia do "seo" Schutel para
consultá-lo sobre que atitude tomar: se ten-
tava prolongar a vida do animal ou se lhe
dava clorofórmio para abreviar o sofrimento.
Schutel falou: "Olha Zeca, eu não vou dar
palpite nenhum. Você decide o que achar
melhor". Zeca, então, resolveu ministrar o
clorofórmio.

Alguns meses depois, o casal Schutel,


que tinha um gato rajado, de nome Nhonhô,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 192
que era o xodó de Dna. Mariquinhas por
causa das brincadeiras que promovia com as
roupas e novelos de lã da dona da casa, re-
cebe o gato com os olhos pendurados e todo
machucado por uma briga em que houvera
se envolvido. Schutel pegou carinhosamente
o gato no colo, tentou fazer um curativo,
examinou a situação delicada do animal, e
com muita tristeza no coração disse a Mari-
quinhas: "Veja como o destino nos prega
peças. Ainda outro dia eu me esquivei de dar
opinião no caso do Pindão e fugi do proble-
ma; hoje não posso e tenho de decidir na
mesma situação. Eu sei que parece que não
é justo isso, mas a gente não tem coragem
de ver os animais sofrerem! Não consigo ex-
plicar isso!" E terminou por ministrar o cloro-
fórmio ao bichano.

Nhonhô foi, inclusive, honrado na Revis-


ta Internacional do Espiritismo de fevereiro
de 1933, que lhe publicou a fotografia com a
seguinte legenda: "Nhonhô - nosso amigui-
nho e companheiro de escritório".
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 193
"E Cairbar era assim mesmo. Sensível
até ante a dor dos animais. Tratava-os, à
maneira de São Francisco de Assis, como se
fossem seus irmãos menores" - compara seu
biógrafo Machado.

Durante muitos anos quem transportou


Schutel foi um burrico muito bem cuidado, e
quando o muar caiu doente ele emprestou
um guindaste para levantá-lo e poder medi-
cá-lo.

A despeito de todos os esforços de S-


chutel "veterinário", o muar veio a falecer
vitimado por uma generalizada paralisia. En-
terrou-o, o dono, com muito pesar.

Com a morte do burro, Cairbar adquiriu


um veloz cavalo tordilho a quem logo se a-
pegou. Esse cavalo, que recebeu o original
nome de "Cabrito", chegou a disputar pare-
lhas e era muito mimado pelo dono.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 194
Cabrito, que ficava solto no quintal da
casa, acostumou-se a pôr a cabeça nas jane-
las pedindo balas ou açúcar cristal que Cair-
bar estava acostumado a oferecer-Ihe.

Algumas vezes, o traquino e jovem a-


prendiz de farmácia, João José Aguiar, troca-
va o açúcar cristal por algodão com amonía-
co e o animal, então, começava a relinchar,
focinhar o ar e dar voltas em torno de si
mesmo. Cairbar, ingenuamente, comentava
com os circundantes:

"Puxa vida! Olha como o Cabrito está


alegre e brincando hoje! Que será que acon-
teceu com ele?"

E nunca descobriu que a "alegria" do


Cabrito era com o amoníaco do Joãozinho,
que ria-se a valer no fundo da farmácia...

Quando Cabrito começou a ficar velho e


cansado, Schutel adquiriu, a muito custo, um
Fordeco 28 e aposentou o cavalo.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 195
Alguns anos depois, já muito doente,
uma noite Cabrito bateu com as patas na
porta da casa de Schutel e este lhe fala, fa-
zendo carinho na cabeça:

"Calma, Cabrito, amanhã cuido nova-


mente de você, está bem?"

No dia seguinte o cavalo apareceu mor-


to e Schutel compreendeu, então, que ele
houvera vindo se despedir dele na noite an-
terior.

Rolf era o nome do cão dinamarquês


que Cairbar teve em seus últimos anos de
vida terrena. Leopoldo Machado relata a a-
mizade entre os dois em seu livro "Uma
grande vida".

"(...) Era um cão de raça, todo negro,


que um amigo lhe ofertara ainda pequeno.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 196
Tornou-se um cachorro enorme, feroz e
carrancudo para toda gente. Mas parecia
sorrir para o dono, sentado como gente, a
uma cadeira. Era doidinho por pastéis bem
feitos, ovos cozidos e sorvete de qualquer
espécie. Apreciava essas iguarias todas com
intensa alegria de criança!

E como gostava de automóvel!

Passear no carro do dono, no assento


traseiro, com garbo de fazer inveja, era o
seu fraco. O dono podia ir a negócios - que
lhe minguava o tempo para passeios! - mas,
as saldas diárias do Cairbar Schutel valiam
por excelentes passeios para Rolf.

Naturalmente por haver perdido o hábi-


to de andar na rua, como os outros cães,
certa vez um caminhão o pegou. Escadeirou-
o, fraturando-lhe uma perna traseira. Schutel
sentiu demais o desastre do amigo Rolf. Tra-
tou-o durante meses, com os cuidados e os
carinhos de gente boa para com as pessoas
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 197
queridas. Rolf, tantos foram os zelos do pa-
trão e amigo, que sobreviveu, embora ficas-
se manco. (...)

De acordo com que relata Juvenal dos


Santos, funcionário da Casa Editora, Rolf
morreu de tristeza e inanição logo em segui-
da ao dono.

XXII

Uma herança para Cairbar Schutel

"Mesmo morando distante, Schutel não


perdeu contato com a família e, em 1920,
ele é incluso na partilha de bens de uma he-
rança de família. Eis o texto do testamento
lavrado em Cartório do Rio de Janeiro:

"Líquido remanescente da terça. Impor-


ta o líquido do remanescente da terça a
quantia de nove contos, trezentos e setenta
e oito mil, quinhentos e setenta e um réis.
Herança cuja quantia "ex-vi" da verba testa-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 198
mentária folhas vinte e nove, pertence ao
filho do inventariador, Henrique Jacques S-
chutel e a seus netos a saber: Cairbar e Ar-
thur, filhos do herdeiro falecido Anthero; A-
delaide, filha da herdeira Dna. Maria Elisa;
Henrique, Ernesto, Antero, Maria Elisa, Esta-
nislau e Leonor, filhos do herdeiro Francisco
Damas de Souza Schutel; e cabe a cada um
a quantia de nove contos (937$897) e trinta
e sete mil, oitocentos e noventa e sete. Fo-
ram 468.948 1/2 braças quadradas de terras
avaliadas a 2 réis = 937$897 a cada um dos
netos de Dna. Maria da Glória Schutel (10
herdeiros da terça, inclusive Henrique Jac-
ques Schutel). Em tudo, 4.689,485.

Recapitulação:

restam a favor de H. J. Schutel


4.187,329

Quantidade para 10 herdeiros


4.689,485
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 199
Da meação do Dr. Schutel 16.797,804

Além do dinheiro recebido, constava da


herança terras em Santa Catarina que, ape-
sar de ter interessados em adquiri-las nessa
época, só foram vendidas em 1934. Não
conseguimos apurar se coube a Cairbar tam-
bém uma parte das mesmas, porém foi ele o
escolhido para procurador e para vender as
terras, conforme se depreende de suas ano-
tações de 24/09/34:

NOTA DAS DESPESAS PARA ESCRITURA


DAS TERRAS DE SANTA CATARINA

CIZA.....990$200

IMPOSTOS E MULTAS ...316$600

CERTIDÕES E GUIAS ...37$200

CUSTAS DE CARTÓRIO ...56$000

QUITAÇÃO E SELOS ....26$000


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 200
PASSAGENS E VIAGENS ..30$000

ESCRIT. DISTR. E SELOS ..99$000

GRATIFICAÇÃO ARTHUR BECK ....


50$000 =

1:599$000

Dinheiro ONOFRE

CLEU 1:400$000

RESTA 199$000

C. SCHUTEL

XXIII

A fundação da RIE

Não diríamos ter sido mais um órgão de


divulgação espírita no Brasil, mas a Revista
Internacional de Espiritismo foi, na realidade,
um capítulo todo da história do Espiritismo,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 201
já que representou um marco na proclama-
ção das virtudes da nova Doutrina em seu
tríplice aspecto: religioso, científico e filosófi-
co.

Sua linha editorial era de sempre man-


ter o alto nível dos artigos, que pendiam
mais para o ramo cientifico e experimental
dos fenômenos e, como o próprio nome já
indicava, internacional, publicava em suas
páginas colaborações dos grandes pesquisa-
dores mundiais do Espiritismo e do Animismo
da primeira metade do século.

Nome já respeitabilíssimo na Europa


quando da fundação da revista, aquele ho-
mem simples e humilde do interior não tinha,
em absoluto, qualquer ambição de projeção
ou de elevar seu nome à fama além-
fronteira, mas unicamente propagar a Dou-
trina do Consolador Prometido por Jesus e
de "colocar a candeia à vista de todos". Sim,
a luz tinha que brilhar e a R.I.E. seria uma
oportunidade de levar aos cultos e podero-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 202
sos, numa linguagem mais elaborada, as
experiências que se realizavam no mundo
para se provar a imortalidade da alma e a
comunicabilidade dos Espíritos, objetivo este
um tanto diferente de "O Clarim", que,como
ele próprio definia, "era feito para os mais
humildes e de menos cultura".

E o "sonho" vingou. Hoje já são mais de


sessenta anos da Revista Internacional de
Espiritismo circulando ininterruptamente,
como a grande herança do mestre Cairbar.

A sua garra e pujança sem igual eleva-


ram o nome do Brasil à galeria dos países
reconhecidamente espiritualizados do globo
e há seis décadas a R.I.E. tem sido a men-
sageira da Doutrina dos Espíritos pelo mun-
do.

De muitas lutas, porém, constituiu-se a


concretização do projeto da revista.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 203
Com a experiência adquirida, o sucesso
e a sedimentação em bases sólidas de "O
Clarim", Cairbar Schutel durante longos anos
alimentou, no silêncio de sua intimidade, o
desejo de editar uma revista nesses moldes.

Era muito arrojo sim, mas uma voz inte-


rior o fazia sentir que a obra não estava
completa e que ele tinha que procurar atingir
um público diferente que com "O Clarim" ele
não estava conseguindo.

Foi quando, no início da década de 20,


um assíduo leitor seu, Luís Carlos de Oliveira
Borges, descendente de tradicional família
paulista, Barões de Dourados, da cidade de
Dourados, foi a Matão conhecer o editor do
jornal que tanto apreciava.

Dessa primeira visita firmou-se uma a-


mizade sólida, sincera, em que prevalecia um
mútuo respeito e admiração, pois eram espí-
ritos provindos da mesma forja, de caráter
ilibado e idealistas.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 204
Tomando-se de amores pela obra da
Casa Editora, Borges principiou a auxiliá-la,
reconhecendo em Schutel um espírita de alto
coturno, merecedor de seu apoio, já que
condições financeiras não lhe faltavam para
tal.

Certo dia os dois foram fazer uma via-


gem a serviço da Doutrina, quando Schutel
comentou descompromissadamente com
Borges, de quem já era íntimo, do sonho há
anos acalentado. O amigo interessou-se e
tomou as rédeas da conversa:

"Mas essa propaganda junto a pessoas


mais letradas não poderia ser feita através
do "Clarim"?"

"O Clarim", Borges, foi feito para os


simples. Eu gostaria de ter um material mais
profundo, com boa apresentação, para poder
chegar nos consultórios dos médicos, nos
lares de pessoas ilustradas, enfim, conseguir
atingir um público mais específico. E certo
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 205
que com o "Clarim" já luto com muitas difi-
culdades, mas quando vejo o volume de cor-
respondência do estrangeiro que recebo com
um material tão bom, e que tenho que ar-
quivar sem poder dar divulgação, isso me
condói bastante".

"Pois, Schutel, eu vou ajudar você a fa-


zer essa Revista".

"Ora, Borges, o investimento seria mui-


to alto e não acho justo você arcar com essa
despesa toda. Seria uma temeridade".

"Eu confio em você. Pelo que o conhe-


ço, você tem plenas condições de levar a
idéia adiante se tiver suporte material para
tal. Por isso, vamos amadurecer essa idéia
com carinho".

"Eu recebo correspondência, jornais e


revistas da França, E.U.A, Inglaterra, Alema-
nha, Espanha e inúmeros países com farto
material, mas só extraio artigos sobre Espiri-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 206
tismo nas línguas espanhola e francesa, as
outras tenho muita dificuldade em conseguir
quem traduza, mas contatei com um confra-
de nosso, Ismael Gomes Braga, do Rio, que
se interessou em traduzir do alemão, inglês e
italiano. Com ele, já poderemos dar os pri-
meiros passos na parte da Redação".

A conversa desviou-se para outros as-


suntos da Doutrina, mas o fato é que Luís
Carlos Borges já havia encampado a idéia.
Pela correspondência enviada por ele a Cair-
bar Schutel, depois da resolução de se editar
o novo periódico, podemos reconstituir os
primeiros passos da RIE:

13/1/1925: Luís Borges dá conta de


que obteve preços da "Empresa" para a con-
fecção da revista. Foi buscar as provas, po-
rém "o sr. Carvalho respondeu não estarem
prontas, só amanhã às 4 horas, apesar de no
sábado um outro empregado dizer-me que
as procurasse hoje; irei amanhã".
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 207
15/1/1925: "Ontem recebi as provas
e originais, encontrando muitos erros achei
melhor que esta revisão fosse feita por pes-
soa competente, mesmo pela urgência que
temos. Este serviço fica pronto hoje e ama-
nhã entregarei à Empresa M. Lobato. Como
uma parte destas provas tem muitos erros,
pedirei desta uma segunda prova salvo se o
Sr. Carvalho me garantir, responsabilizando
se pela boa execução do serviço. Tratarei de
zelar o mais possível por tudo. Por estas coi-
sas que estou vendo, calculo o que farão
essas tipografias aí pelo interior; por isso se
quiser que o segundo número da Revista
seja, impresso aqui mande suas instruções
que terei muito prazer".

19/2/1925: "Estive dez dias de cama


com gripe. Anteontem foi despachado o pa-
pel, o conhecimento segue com esta. O cli-
chê feito nas Oficinas do "Estado" custou
6$000 e as que você tiver de mandar fazer,
mande-me as fotografias para serem feitas
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 208
aqui; as encomendas devem ser feitas com
antecedência".

5/3/1925: carta de teor íntimo.

19/3/1925: "Fico ciente de que agora vo-


cê está resolvido a comprar a máquina tipo-
gráfica e como sempre lhe falei, é preferível
gastar um pouco mais para ficar bem servi-
do. Eu pagarei a máquina; o dinheiro que
você tem disponível deve guardar para ou-
tras despesas. Se quiser comprar a máquina
aí lhe mandarei a importância e o mecânico
para deixar a transmissão com comprimento
suficiente para esse fim. O que for necessá-
rio fazer, desejava aprontar antes da máqui-
na chegar, para não haver demora em seguir
a pessoa encarregada de fazer funcioná-la.
Recebi a Revista, achei muito boa.

27/3/1925: "Fez muito bem ter dado


por mim 50$000 aos pobres, creia que foi
distração minha nada ter mandado antes.
Remeto-lhe um cheque de 500$000 para
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 209
descontar aquele dinheiro e empregar o res-
tante como entender. Estimo a velhinha ter
passado melhor".

28/3/1925: Seria bom você tornar a


falar em Araraquara com a pessoa que quer
vender a máquina tipográfica, formato Ger-
mânica, máquina alemã adquirida antes da
guerra por 12:000$000; você ofereceu
15:000000; quem sabe se por um pouco
mais lhe vende; você com essa máquina po-
derá dispor da pequena que me disse estar
necessitando de consertos".

14/4/1925: "O Bromberg recebeu di-


versas máquinas "Phoenix" de quem é repre-
sentante e, pelas informações que tive de
pessoa entendida sobre essas máquinas,
resolvi não esperar mais tempo e comprei
uma hoje por 8:550$000; paguei metade a
vista e outra metade depois de estar assen-
tada e funcionando, para o que seguirá para
aí, quando chegar a máquina, pessoa com-
petente para dar as instruções necessárias.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 210
Peço a você me avisar assim que chegue a
máquina e achava bom não desencaixotá-la,
para isso ser feito na presença da pessoa
encarregada do funcionamento. Antes que
chegue a máquina desejo mandar uma polia
de diâmetro certo, para ser colocada aí na
transmissão. Com essa máquina acho que
você terá mais sossego. Recebi as "Vozes do
Além pelo Telefone". E uma coisa extraordi-
nária. Já li uma vez, vou ler outra e lhe de-
volvo".

16/4/1925: "Peço ver o lugar onde


deve ser assentada a máquina e tomar me-
dida do centro da máquina ao eixo da
transmissão para lhe mandar a correia para
a mesma. O João foi para o Rio com a famí-
lia passar algum tempo, falei-lhe das comu-
nicações dos espíritos pelo telefone, disse-
lhe que procurasse o Oscar d'Argonnel que
seria provável ele obter alguma comunica-
ção".
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 211
19/4/1925. Recebi essa carta, mas
por ser sábado e já tarde não houve tempo
de comprar o papel glacê. Amanhã ou depois
mandarei um mecânico aí estudar o meio
mais fácil para assentamento da máquina".

21/4/1925: Comprei ontem na casa


Júlio Costa & Cia, 12 resmas de papel glacê
conforme a amostra. Vão lhe remeter como
carga. Era o que tinham, disseram que nes-
tes dois meses receberiam mais. O cheque
de 2:200$000 que mandou-me dava para
comprar 1.5 resmas e sobrava dinheiro. Vou
procurar em outras casas para inteirar as
resmas que faltam. Na casa Bromberg per-
guntaram me se você tinha massa boa para
os rolos; se não tem preciso mandar daqui".

6/5/1925: "Os Snrs. Bromberg & Cia


disseram-me que lhe remeteram massa para
rolos, de uma só qualidade, da melhor,
19,200 Kg., tipo extra Leão. Soube que um
redator da "Verdade e Luz" dissera que a
Revista luxuosa como apareceu, não pode
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 212
criar dentes, mas tenho fé em Deus que há
de se desenvolver e melhorar cada vez mais
e, para isso, Jesus será sempre consigo. Re-
cebi aviso da Casa Bromberg pelo telefone,
que a máquina de grampear chegou; hoje
mesmo mandarei despachar e juntamente,
os rolos de arame".

23/5/1925: "Recebi suas cartas de 8,


16 e 18 do corrente, que respondo. Real-
mente você é de uma energia rara, enquanto
lhe escrevo uma carta recebo quatro e mais;
deve se poupar mais, pois já tem tantos ser-
viços inadiáveis. Logo que recebi sua carta
de 18, fui à casa Bromberg & Cia. fazer a
encomenda da sua lista de tipos, fios de la-
tão e caixas, mas encontrei somente parte; o
que não tinham pediram do Rio para remete-
rem como encomenda. Graças a Deus você
conseguiu depois de muita labutação arran-
jar tipógrafos que sejam constantes e bons,
para, ao menos, por esse lado, ter mais des-
canso. Hoje recebi seu cartão de 22 com
mais dois números da Revista e a primeira
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 213
impressão da inauguração da máquina; que
seu funcionamento dê o resultado que ne-
cessitamos é somente o que desejo. Junto
mando-lhe o clichê e a planta da máquina de
grampear".

25/5/1925: "Eu e Cota vamos pas-


sando regularmente bem. Bom mesmo nun-
ca se está. Esse tempo já se foi, agora vai-se
tenteando, desde que se consiga fazer o
mais necessário devemos nos dar por feli-
zes".

26/5/1925: "Junto uma nota do que


ainda falta. Disseram-me agora que nem no
Rio eles têm. Se você quiser, poderei com-
prar aqui o que falta. Queira dizer-me onde
se encontra e explicar-me, que disto não
entendo. Eles não podem avaliar o conserto
das peças da máquina de "O Clarim" sem
que estejam aqui. É melhor você despachar
essas peças para a Casa e me avisar que eu
tratarei disso. Mas você está ciente das pe-
ças que precisam conserto? ou será melhor ir
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 214
o mecânico para desmontar a máquina e
separar as peças que devem vir? Os clichês
foram despachados e as provas seguem com
esta. Aquele do Léon Denis achei que não
ficou muito bom ".

7/6/1925: "Quando conversamos pelo


telefone já estava ciente que Bromberg & Cia
já tinham lhe remetido a encomenda que
esperavam do Rio. Peço-lhe o favor de man-
dar a Revista registrada para o sr. Armando
de Campos, rua Olga, n.° 51, nesta capital,
começando pelo 5.° número, que os anterio-
res arranjarei dos que ainda tenho aqui e
mandar também o "O Clarim", ambas assina-
turas por um ano".

Esta carta traz um pequeno P.S.: - "A-


qui amanheceu hoje chovendo e esfriou bas-
tante. Recomendações ao pessoal daí".

Como pudemos tomar ciência, a primei-


ra revista não foi impressa na Casa Editora,
mas em São Carlos e só saiu em fevereiro de
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 215
1925, apesar de ser do mês de janeiro. A
partir do 3.° número, a RIE passou a ser
confeccionada nas oficinas da Casa Editora
como o é até hoje.

Assim que saiu o número inicial da RIE,


Cairbar acorreu pessoalmente, e muito entu-
siasmado, à casa de todos os médicos, en-
genheiros e advogados de São Carlos, Ta-
quaritinga, Jaboticabal e outras cidades da
região araraquarense divulgando a revista.

A maior parte de suas páginas eram


ocupadas com transcrições traduzidas e au-
torizadas dos periódicos "Light", "La Revue
Spirite", "Vie d'Outre Tombe", "Hoy"; "The
Harbinger of Light" "City News", "Kalpale",
"Luce e Ombra", "The Two Worlds", "Luz del
Porvenir", "La Tribune de Genéve", "Ghost
Stories", "Psychic Science" e assinavam es-
ses artigos grandes pesquisadores do passa-
do como Sir Oliver Lodge, Sir Arthur Conan
Doyle, Camille Flamarion, Ernesto Bozzano e
muitos outros, com os quais, em sua maiori-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 216
a, Cairbar Schutel mantinha correspondência
direta.

Pouco depois da última carta, em junho


mesmo, Borges foi acometido de uma grave
enfermidade e em poucos dias desencarnou.
Schutel, um tanto abatido, comentou:

"E agora? Nosso grande amigo partiu!"

Mas a situação não saiu do controle.


Pouco tempo depois, a viúva, Dna, Maria
Elisa de Oliveira Borges, envia 25 contos de
réis de doação ao "Clarim" e assim o fez pe-
riodicamente até seu desencarne, apesar de
sua situação financeira não continuar tão
estável.

Com esse donativo e mais algumas ar-


recadações, Schutel reformou o prédio do
Centro e construiu um salão para a gráfica,
que ainda funcionava numa sala alugada e
muito apertada. Essa construção foi feita
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 217
num terreno que ele tinha vizinho à farmácia
e à casa dele.

Do necrológio de Luís Carlos de Oliveira


Borges, contido na Revista de julho de 1925,
extraímos algumas palavras de Cairbar ao
amigo:

"A Revista Internacional de Espiritismo


acaba de perder um dos seus mais dedicados
obreiros.

Há anos Luís Carlos de Oliveira Borges


trabalhava, como um dos chefes de "O Cla-
rim", na divulgação do Espiritismo.

A sua ação era constante, pode-se dizer


ininterrupta, conquanto o seu nome não fi-
gurasse naquela folha, pois desejava que
assim o fosse, não porque lhe faltasse a co-
ragem da fé, mas pela natureza de seu gênio
que assim o exigia.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 218
Espírito culto, de virtudes ativas, e de
um caráter fora do comum, a par da austeri-
dade que o revestia, sabia ser bom, indul-
gente e caridoso, daquela caridade de que
fala o Evangelho, de ignorar a mão esquerda
o que faz a direita.

A ação, entretanto, mais acentuada do


ilustre Espírito, se salienta com a fundação
desta revista, para a qual ele dedicou todos
os seus melhores esforços, a fim de dotar
esta publicação de todos os melhoramentos
indispensáveis à sua apresentação na arena
da imprensa espírita mundial. (...)"

No Plano Espiritual, Borges permaneceu


a postos na equipe que auxiliava a confecção
da revista, conforme pudemos registrar por
inúmeras mensagens psicografadas que se
encontram no arquivo do C.E. "Amantes da
Pobreza", e, em 20/10/1966, utiliza-se da
pena mediúnica de Francisco Cândido Xavier
para transmitir alento e coragem aos suces-
sores de Cairbar na Casa Editora:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 219
"Antoninha, querida irmã.

Deus nos inspire e abençoe. Compreen-


demos a hora difícil. Hora de rearticulação do
nosso trabalho espírita evangélico, para que
a obra de Jesus, por nosso querido Cairbar,
encontre atualização e sobrevivência.

Antes de tudo entrelacemos as mãos e


os corações em serviço. Não esmorecer! I-
déia positiva na ação reta e segura. O mun-
do precisa agora como nunca, do pão espiri-
tual. Em toda parte o espírito humano surge
desfalecente à míngua de entendimento e de
amor.

Sustentar a divulgação do esclarecimen-


to espírita é manter luz que dissipe as trevas.

Indiscutivelmente nada de bom conse-


guiremos sem sacrifício. Reconheçamos as-
sim a necessidade de abnegação.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 220
O "pouco" de "muitos" realiza o "máxi-
mo".

Sejamos um por todos e todos por um.


Revigoremos quanto nos seja possível a sea-
ra do conhecimento superior que nos foi con-
fiada.

Mais tempo, mais atenção, mais esfor-


ço, mais amor.

Não nos dirigimos com tamanha exi-


gência ao seu coração generoso de missioná-
ria da verdade ou a companheiros outros de
Matão.

Falamos a todos. Conversamos pelos fi-


os da alma com todos aqueles amigos do
nosso campo de bênçãos, a fim de que o
serviço se eleve ao nível justo.

Auxiliemo-nos. Creiamos na Bondade


Divina e na Bondade Humana. Na orientação
suprema da vida, o Amor Infinito do Criador,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 221
na condução dos círculos de trabalho terres-
tre, o Poder da Fraternidade na criatura.

Ergamos o coração e defraudemos a


bandeira de nosso programa renovador. Mui-
tos ouvirão a nossa voz e, qual ocorria on-
tem, acontecerá o inesperado e, mais uma
vez, observaremos a resposta da compreen-
são e do altruísmo, amparando-nos os bra-
ços.

Sem dúvida, o que tem sido feito é um


prodígio de amor, entretanto, temos a reali-
zar outros prodígios de trabalho para que os
desígnios do Senhor se cumpram com segu-
rança.

Para a frente! Novos dias raiarão ofere-


cendo-nos mais amplas oportunidades de
criar o bem e fazer luz.

Reunamo-nos todos no campo a lavrar


os mais experientes e os mais favorecidos,
os mais verdes na convicção e os que conhe-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 222
çam de perto a provação ou a dificuldade.
Todos somos uma família só e, pela solidari-
edade, as riquezas de Deus serão eqüitati-
vamente divididas por nossas mãos.

Daqui, do Mundo Espiritual, em que


tantas conquistas nos reconfortam e tantas
responsabilidades novas nos pesam nos om-
bros, rogamos a cada um de nossos compa-
nheiros para que a divulgação do Espiritismo
Cristão nos mereça mais elevada quota de
entendimento e de auxílio.

A idéia é como a planta nobre - cultiva-


da, aperfeiçoa-se, enriquecendo pela produ-
ção mais intensa, a felicidade do mundo:
mas se esquecida, será sufocada fatalmente
pelo mato inculto.

Estejamos unidos na campanha da luz


espiritual. Em verdade, sublime é o socorro
às exigências do corpo, no entanto, é justo
não esquecer que as exigências da alma se
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 223
reportam à vida eterna e, por isso mesmo,
são mais prementes.

Nosso Cairbar se mantém a postos - he-


rói do ideal e da atividade, da pregação e do
exemplo. Trabalhemos. Reunidos aqui nesta
manhã de esperança e confraternização,
saudamos em sua "presença-ausente" toda a
nossa família de seareiros do bem, come-
çando pelos mais experientes, em nosso Cu-
nha até chegar, dentre os mais novos, ao
nosso Wallace.

E daqui, do nosso painel espiritual, to-


dos se nos associam aos votos de amor fra-
terno, iniciando, dentre os mais conhecidos,
pelo nosso Campeio, e pelo nosso Costa, até
encontrar, entre os obreiros anônimos aqui
presentes, a personalidade de nosso irmão
Benjamim Rachid desencarnado em Matão, e
que amanhã, 20 de novembro, completará
35 anos de vida espiritual.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 224
Todos nos envolvemos na onda de ale-
gria e confiança, fé e paz, de maneira a pro-
clamar a nossa confiança no futuro.

Querida irmã, Jesus jamais nos aban-


dona. Dele, o Senhor, continuamos a ouvir,
entre reconhecidos e renovados: - "Eis que
estou convosco até o fim dos séculos".

Receba, querida irmã, com todos os


nossos irmãos de ideal e de luta, o nosso
abraço de carinho e gratidão.

Luís Borges"

Depois do desencarne de Cairbar, a fa-


mília do Dr. Augusto Militão Pacheco fez um
substancioso donativo com o qual foram le-
vantados outros dois salões: um para o Cen-
tro, outro para a Oficina; o que foi muito
importante, porque pôde-se estocar papel
durante a guerra e assim a revista e o jornal
não tiveram interrompidas as suas circula-
ções. Outros confrades também foram bas-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 225
tante generosos, como Dr. Arnold de Mello
que cooperava regularmente com a Casa
Editora e o Centro Espírita.

As traduções da revista eram feitas ini-


cialmente por Ismael Gomes Braga, do Rio
de Janeiro e, posteriormente, por Severiano
Ivens Ferraz, de São Paulo, e Watson Cam-
pello, de Monte Azul, além de Cairbar que
fazia algumas delas.

Campello, após o desencarne de Cair-


bar, mudou-se para Matão, casou-se com
Antoninha Perche e foi um dos esteios da
revista a partir de então.

XXIV

Associação "São Vicente de Paulo"

Esta Associação, como o próprio nome


já nos induz pensar, era de orientação católi-
ca, foi fundada em maio de 1907, e tinha por
princípios estatutários o auxilio a pessoas
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 226
carentes, idosas e doentes, principalmente
os hansenianos (leprosos).

Acredite se quiser, mas Cairbar perten-


ceu a ela muitos anos e até o cargo de Pre-
sidente ocupou. Foi, sem dúvida, uma lição a
toda a comunidade de que devemos exercer
a caridade em qualquer circunstância sem
nos preocuparmos com o rótulo. O "Pai da
Pobreza de Matão" foi convocado a mais esta
missão e, sendo ela de amor ao próximo,
não titubeou em aceitá-la.

Não conseguimos apurar o que houve


exatamente no histórico da entidade, mas,
segundo soubemos, seus integrantes não
estavam conseguindo cumprir com a finali-
dade primordial da instituição, que era a as-
sistência aos hansenianos, sendo que o único
a se "aventurar" ao relacionamento com eles
era Cairbar.

Quem, então, convidar para participar


da entidade? O Schutel, claro.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 227
E, assim, parece que houve um des-
membramento em duas entidades e Schutel
foi galgando postos até chegar a Presidente
de uma delas, por absoluta falta de quem
quisesse assumir o encargo.

"O Clarim" regularmente noticiava as


atividades da Associação e o número de 7 de
Junho de 1919 assim se expressou:

"Realizou-se domingo último, a consti-


tuição da nova Diretoria desta Associação,
cujo mandato foi confiado aos srs.: Presiden-
te, Professor Florestano Libutti; Vice, Dr. A-
gripino Martins; Tesoureiro, Martins de Cas-
tro; Secretário, Cairbar Schutel.

A Beneficente Sociedade está promo-


vendo festejos populares, com o intuito de
reforçar os seus cofres e estender mais a sua
ação em proveito dos necessitados.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 228
Já muitas prendas têm sido ofertadas e
acham-se expostas na vitrine da Alfaiataria
Vicente Luca desta cidade".

Em 20/08/1925, o jornal "A Comarca",


de Matão, publicou o balancete e breve rela-
tório das atividades da Sociedade:

Associação S. Vicente de Paulo

"O distinto farmacêutico Sr. Cairbar S-


chutel, operoso Presidente desta bela institu-
ição de caridade, pede-nos a publicação do
seguinte:

O balancete social do mês de Julho é o


seguinte:

Déficit transportado do mês de Junho


464$380

Arrecadação deste mês 75$000

Donativo de d. Dona Goulart 10$000


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 229
Donativo do sr. Geraldo Tomaselli
10$000

idem do sr. Lindolpho de Carvalho


20$000

idem de um anônimo 5$000 =

584$380

Distribuição a diversos 122$000

Porcentagem ao cobrador 10$500 =

132$500

Pelo que se verifica, a Sociedade viu o


seu déficit diminuído, mas ainda o mesmo se
acha em 451$000.

O movimento social permaneceu intacto


sem que pudéssemos contar um número a
mais no quadro social.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 230
A Diretoria da Associação, apesar de
tudo, mantém a deliberação dos Estatutos,
continuando a socorrer com 5$ mensais cada
um dos morféticos pedintes que passam por
esta cidade, prestando assim não só aos
mesmos, como à população, esse serviço.

Pela Diretoria, Cairbar Schutel".

Cairbar Schutel tinha um carinho todo


especial pelos hansenianos. Tratava-os de
irmão para irmão sem o preconceito com que
a sociedade lhes impinge desde tempos i-
memoriais.

Certa ocasião um doente de Hansen ba-


teu à sua porta e ele atendeu:

"O que você quer?"

"Quero um calçado".

"Mas o meu não serve para o senhor".


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 231
"Como não serve?". E mostrando um
arremedo de pé enrolado num desgastado
couro, completou: "Esse aqui foi o senhor
que me deu o ano passado!"

Cairbar deu um risadão gostoso pela


arapuca que a si próprio armara, entrou em
casa e pegando um par de sapatos novos
que tinha comprado para sua próxima via-
gem a São Paulo deu para o pedinte, dizen-
do:

"Tome este também, quem tem dois


tem um, quem tem um não tem nenhum".

E o doente saiu transbordante de felici-


dade.

Era assim como ele agia normalmente


com todos esses doentes que andavam pe-
rambulando pelos arranchamentos fora da
estrada, injustamente repelidos pela socie-
dade. Sabiam eles que no "seo" Schutel en-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 232
contravam um amigo, alguém que os tratava
como seres humanos.

XXV

Casos vividos por Cairbar

Cairbar costumava ir algumas vezes a


São Paulo fazer compras e visitar amigos.

Estava sempre impecável, trajado com


primor, cabelo e cavanhaque bem aparados,
roupas da moda; além disso seu porte era
altivo e sua fisionomia séria.

Assim é que, um dia, ele desceu do


trem na Estação da Luz, todo elegante, de
chapéu coco e sobretudo na mão, quando
nota que por onde passa ensaiam palmas e
batem-lhe continência... homenagem a ele?
Não... apenas o confundiam com o Presiden-
te Washington Luís.

Será que demoraram para lhe contar?


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 233
*

Em 1936 era Prefeito de Matão o Sr.


Aparício da Silva Coelho, de família tradicio-
nal da cidade e irmão de Dna. Inês, uma
senhora católica, muito caritativa e dedicada
à comunidade.

Um belo dia resolveram formar uma


comitiva e falar com Schutel, que os recebe
na farmácia.

"Seo" Schutel, nós estamos aqui para


fazer uma visita pro senhor".

"Que prazem Vocês querem ir até em


casa tomar um cafezinho?"

"Não, obrigado - responde o Prefeito,


com ar de sem jeito - nós viemos aqui para
fazer um convite ao senhor. Como o senhor
foi o fundador da 1.ª Capela de Matão, e nós
estamos fazendo uma campanha para refor-
mar a Igreja, que está caindo aos pedaços,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 234
gostaríamos de saber se o senhor pode con-
tribuir com a campanha".

Schutel, surpreso pelo despropósito do


pedido, responde:

"Olha, vocês não vão ficar contentes


com a resposta que eu vou dar, por isso é
melhor eu não dizer nada ".

Parecendo que ali estavam preparados


para tudo, alguém da comitiva intercede:

"Pode dizer, "seo" Schutel, nós quere-


mos ouvir".

"Querem ouvir mesmo?"

"Queremos".

"Pois bem, eu colaboro no que estiver


ao meu alcance. Só que com uma condição".

"Qual?"
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 235
"Na frente da Igreja vocês colocam em
dizeres bem grandes: "Esta Igreja é para
analfabetos". É isso o que eu tenho a dizer".

"Ah! "seo" Schutel... que brincadeira...


até logo"

E alguém que houvera escutado o diá-


logo na farmácia comenta:

"Seo" Schutel, que coragem do senhor!"

"Meu filho, falei isso com muito respeito


e com a liberdade de quem já pertenceu à-
quela Igreja, mas disse exatamente o que
penso, pois se eles lessem, estudassem de
fato os Evangelhos, veriam que são analfa-
betos espirituais".

Não se tem mais notícia de outro pedi-


do destes a Schutel.

*
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 236
Certa feita, era imperiosa a presença de
Cairbar em Araraquara para solucionar um
caso de falta de papel para as publicações da
Casa Editora.

O tempo estava ameaçador e tudo leva-


ra a crer que forte tempestade se aproxima-
va, porém se Cairbar não fosse naquele dia a
revista sairia naquele número com grande
atraso.

Não titubeou. Pegou o seu Fordeco 28,


cor azul, que possuía para trabalhos da Dou-
trina e dirigiu-se para Araraquara. E saiba-se
que em 36 ou 37 as estradas não eram asfal-
tadas e os automóveis não tinham a segu-
rança que têm hoje.

No caminho, o previsível: violento tem-


poral desabou. Relâmpagos, trovões e ven-
tos fortíssimos faziam o Ford balançar como
um pêndulo.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 237
Chegou a Araraquara encharcadíssimo;
lama por todos os lados, mas feliz por não
ter tido acidente algum.

Resolvidos seus negócios, apressa-se


em tomar o caminho de volta, sob o protesto
dos amigos, que repreendiam-no pela im-
prudência, ao que ele justificou-se:

"No meio da procela eu tinha a vista e o


pensamento voltados para Deus, grato por
ter me proporcionado mais uma dificuldade a
vencer no cumprimento do meu dever. Pas-
sei, por isso, pela tempestade, como se ti-
vesse navegando num mar calmo, sob céu
azul, sem nuvens carregadas".

Logo após Getúlio Vargas ter vencido a


Revolução de 1930, Matão recebeu uma co-
mitiva grande de São Paulo, integrada por
elementos de proa do acontecimento, como
Francisco Morato, Duque Estrada e outros,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 238
todos de lenço vermelho no pescoço, numa
caravana de 4 ou 5 carros. A finalidade era a
nomeação de Prefeitos para as cidades do
Interior.

O primeiro lugar a irem em Matão foi à


farmácia:

"Cairbar Schutel esta aí?"

"Não, está na casa dele" - responde Jo-


ão José Aguiar.

"Chame-o, por favor".

Schutel veio, surpreso com a visita, e


Duque Estrada foi quem falou em nome do
grupo:

"Temos ótimas informações a respeito


do senhor, inclusive que foi o 1.° Prefeito de
Matão, e por isso queremos entregar-lhe a
Prefeitura da cidade. O senhor aceita?"
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 239
"Senhores, eu agradeço imensamente a
visita e o convite, mas possuo um jornal,
uma revista, a farmácia, e por isso não dis-
ponho de tempo para tal. No entanto, posso
ficar como conselheiro para orientá-los no
que for necessário e dar a minha contribui-
rão como cidadão. Sugiro que procurem ou-
tros correligionários, pois aqui em Matão e-
xistem muitas pessoas capacitadas para tal".

A comitiva então agradeceu muito, to-


mou nota de outros endereços e partiu.

O político há muito tempo já havia dado


lugar ao missionário...

Depoimento de João José Aguiar:

"Minha família era muito católica. Um


dia "seo" Schutel foi em casa me convidar
para trabalhar com ele, mas meus pais me
preveniram: "Olha, você vai trabalhar lá,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 240
"seo" Schutel é muito bom, mas não leia os
livros dele e nem freqüente o Centro Espírita,
porque aquilo é muito perigoso e deixa as
pessoas loucas". As professoras de catecis-
mo, Dna. Verônica e Dna. Vicência, me cha-
maram e disseram a mesma coisa. Eu, ainda
infantil, deixei-me levar por essas advertên-
cias; mas, com o tempo, eu observava que
ele só fazia o bem, só praticava a caridade,
traziam doentes de longe, até de Minas Ge-
rais para ele "tirar" espíritos. Se tinha um
preso mais agitado ou obsidiado, o delegado
mandava chamá-lo. Não negava nada para
os pobres e um dia vi uma família de Caran-
gola-MG viajar até aqui só para conhecê-lo.
Sabe o que ele respondeu? "Ah! Então vocês
não vieram conhecer ninguém". Então, que
perigo poderia haver num homem desse?
Nenhum, claro. Aí, pouco a pouco fui me
interessando pelo Espiritismo até me tornar
espírita, porque quem tinha um exemplo
como Cairbar Schutel no dia a dia como eu,
não poderia nunca ficar indiferente .
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 241
O mesmo João J. Aguiar tornou-se o
parceiro de Cairbar em suas idas a Araraqua-
ra nas quartas-feiras. De 1935 a 37 eles fazi-
am nesse dia esse roteiro: pegavam o "pé-
de-bode" no fim da tarde, iam para o Centro
Espírita dirigido por Silvio Goulart de Faria,
às vezes o próprio Cairbar fazia as preleções,
davam alguns "passes" e vinham embora;
não sem antes passarem na Brasserie Espla-
nada para comer a apetitosa coxa de galinha
tão a seu gosto e comprar doces para Dna.
Mariquinhas.

Também no fim de noite era de seu


gosto preparar ele mesmo uma sopa ou um
engrossado de fubá com folhas de couve. E
prosear informalmente. Dizem que era uma
delícia. Os dois...

Certa ocasião Cairbar contou o número


de pessoas à mesa: 13. E obtemperou, pilhe-
riando: "Victor Hugo gostava do número 13,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 242
eu cheguei a Matão num dia 13 de agosto de
ano bissexto, agora somos 13 comensais.
Imaginem se eu e Victor Hugo fôssemos su-
persticiosos! "

Até alguns anos atrás, contava-se en-


tristecedoramente, que quando um brasileiro
chegava na Europa e perguntava a alguém
se conhecia o Brasil, essa pessoa logo dizia:
"Sim, Brasil, cuja Capital é Buenos Aires".

Se ainda hoje essa ignorância a propó-


sito de nosso país permanece ou não, não
sabemos, mas o fato é que desde o começo
do século uma pequenina cidade do interior
de São Paulo é conhecida na Europa: Matão.
Por causa de quem? De Cairbar Schutel, na-
turalmente.

Atentemos para um breve trecho da


carta que o Dr. Agripino Dantas Martins, en-
tão residente em São Paulo, envia a Schutel:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 243
"Soube ontem, por conhecidos nossos,
que ao Professor Briquet, que ontem voltou
da Europa, perguntaram em Paris, se conhe-
cia Cairbar Schutel, de Matão". (03/03/1937)

Menos ruim se confundissem Rio de Ja-


neiro com Matão, mas, infelizmente, o era
com Buenos Aires.

Antes da fundação do "O Clarim", Ma-


tão possuía apenas um pequeno posto do
Correio; pós "O Clarim" o posto subiu três
vezes de categoria até chegar a agência.

Pode-se ter desse fato um termômetro


para se conhecer com exatidão a grande o-
bra de Cairbar, segundo comentários encon-
trados em correspondência de Pedro de Ca-
margo (Vinícius) a Angel Aguaroud do Rio de
Janeiro.

*
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 244
Cairbar gostava muito de fazer experi-
ências. Ele tinha vontade de fotografar os
espíritos, mas nunca chegou a obter grande
coisa nesse trabalho. Ele fazia suas experiên-
cias com dona Sinhá, que era uma médium
excelente, Antonio Alves, José Dias, Quintili-
ano, Calixto, enfim, com todo aquece pessoal
que formava entre seus primeiros compa-
nheiros. As fotografias eram tiradas no escu-
ro e as máquinas movimentadas com mag-
nésio. O local das sessões era uma casa que
tinha sido uma relojoaria e possuía três por-
tas com fechaduras enormes que davam pa-
ra a rua. Sabendo que as experiências eram
feitas ali, o padre reuniu os marianos, seus
fiéis, para que fossem lá sondar e verificar o
que é que eles estavam fazendo. Quando
puseram os olhos nos buracos das fechadu-
ras da casa, de repente, no meio da escuri-
dão da loja, acendeu aquela luz intensa do
"flash" e os fiéis saíram em disparada, indo
contar ao padre o que tinham visto. O caso
serviu como subsídio à intensificação das
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 245
campanhas feitas pelo padre contra Cairbar,
porque, na realidade, segundo os marianos
"o diabo andava soltando faíscas de fogo na
escuridão daquela casa..."

XXVI

Fundação da "Associação Comercial de


Matão"

Conforme registra o periódico "A Co-


marca" de 05/05/1935, Cairbar Schutel, co-
mo o comerciante mais antigo de Matão,
secretariou a reunião que fundou a Associa-
ção Comercial de Matão:

"(...) Aberta a sessão, o sr. Cairbar S-


chutel deu a palavra ao Prof. Victorino Prata
Castello Branco que expôs os fins da reunião,
discorrendo longamente sobre as vantagens
da unificação das classes conservadoras.

Esclarecida a assembléia sobre os fins


da reunião convocada, procedeu-se à elei-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 246
ção, por aclamação, de uma Diretoria provi-
sória que dirigirá a organização e a legaliza-
ção da futura "Associação Comercial de Ma-
tão".

Os trabalhos decorreram na maior cor-


dialidade e animação, sendo aclamados os
seguintes comerciantes:

Presidente, Abrahão José Kfouri; Vice-


Presidente, Henrique Rodrigues Lopes; 1.°
Secretário, Antonio Lian; 2.° Secretário, Jor-
ge Cecchetto; 1.° Tesoureiro, José Martins
Ribeiro.

Abrahão José Kfouri assumiu a direção


dos trabalhos, mandando lavrar uma ata da
referida reunião, ata esta que foi assinada
por todos os presentes.

Foi aberta então uma lista para receber


os primeiros donativos dos sócios fundado-
res, cuja relação publicaremos no próximo
número.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 247
A referida lista ainda está aberta e à
disposição dos comerciantes locais, assim
como do Turvo e de Dobrada, a fim de que
todos possam contribuir com a sua parte em
favor do patrimônio inicial da novel associa-
ção de classe.

É, pois, uma realidade a "Associação


Comercial de Matão", órgão coordenador dos
ideais dos comerciantes locais e defensora
da classe em todas as ocasiões em que se
fizer mister a sua interferência".

Fica, pois, a dever a nosso Cairbar, Ma-


tão, mais um reconhecimento pelo seu pio-
neirismo e seu interesse pela comunidade
matonense.

XXVII

A posição de "O Clarim" quanto à


"Constituinte Espírita Nacional"
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 248
O dia 31 de março de 1926 marcou a
realização do Congresso Constituinte Espírita
Nacional, no salão nobre do Instituto Nacio-
nal de Música do Rio de Janeiro, sob o patro-
cínio da Federação Espírita Brasileira, e ao
qual compareceram representantes de mais
de 300 entidades espíritas e de toda a im-
prensa leiga carioca.

A intenção do referido Encontro era


conseguir a adesão dos espíritas à idéia de
se formar a Liga Espírita do Brasil, que pas-
saria a orientar o movimento espírita nacio-
nal.

Se o conceito de união e fraternidade


que poderia trazer ao seio da família espírita
brasileira era bom, por outro lado talvez se
tornasse um "Cavalo de Tróia" que contives-
se em seu bojo pretensões de certas entida-
des em colocar o movimento espírita brasilei-
ro sob sua tutela; possibilidade vislumbrada
por Cairbar Schutel e seus companheiros de
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 249
Redação do "O Clarim", que foram taxativa-
mente contra.

Presidiu às sessões da Constituinte Dr.


Gustavo Farnese, desembargador da Corte
de Apelação, e tomaram parte nos trabalhos
muitos nomes representativos do movimento
espírita: Dr. Lameira de Andrade, Dr. Coelho
Neto, Dr. Leal de Souza, Dr. Joaquim de Me-
lo, Dr. Américo Werneck, Dr. Canuto de A-
breu, Dr. Florentino de Abreu Ramos, Dr.
Cândido Demazio Filho e outros.

"O Clarim" assumiu posição contrária à


formação da Constituinte conforme se de-
preende do artigo publicado em suas páginas
em 17/04/1926:

"Tão agradáveis nos são traçar as boas


notícias, quão desagradáveis o são as más.
Entretanto, as boas como as más precisam
chegar ao conhecimento dos nossos leitores
a quem temos obrigação de orientar em face
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 250
de todo o movimento espírita que vem se
operando no nosso país.

O assunto da atualidade, que é transmi-


tido de jornal em jornal, repercutindo sob
uma ou outra forma na imprensa espírita e
que, como era de prever tem prejudicado
por certa forma os créditos da nossa Doutri-
na, é o célebre Congresso para a formação
de uma "Constituinte" que dirija todo o mo-
vimento espírita no Brasil.

Parece, segundo as notícias de "O Jor-


nal" e da "Gazeta de Notícias" que esse
"Congresso" tem sido o mais singular que a
história registra.

Felizmente essa reunião não mereceu a


aprovação dos espíritas orientados e folga-
mos imensamente ter nos precavido de to-
mar parte em tão heterogênea reunião (...)"

Em seguida, a reportagem prossegue


transcrevendo notícias de outros jornais,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 251
dando conta do tumulto generalizado de que
se constituiu as sessões do Congresso, e fi-
naliza:

"Finalmente, é de se lamentar que to-


das essas ocorrências se verificassem em
nome do Espiritismo, que é tão responsável
por isso como a Medicina pelos que não a
compreendem".

Talvez por prudência e por saber o peso


que tinha no movimento espírita nacional,
Cairbar não mais se manifestou pelas pági-
nas do "O Clarim", quiçá para não criar uma
cisão no seio do movimento doutrinário.

Sua atuação no caso, portanto, restrin-


giu-se a essas declarações e à pequena nota
na RIE no mesmo teor.

XXVIII

A "Coligação Pró-Estado Leigo"


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 252
"O Espiritismo proclama a liberdade de
consciência como direito natural e a reclama
para si e para todo o mundo. Respeita toda a
convicção sincera e pede a reciprocidade.

Da liberdade de consciência, resulta o


direito de livre exame em matéria de fé. O
Espiritismo combate o principio da fé cega
que impõe ao homem a abdicação do seu
próprio juízo. Ele diz que a fé inabalável é
somente a que se conforma com a razão
face a face em todas as idades da Humani-
dade.

Allan Kardec".

A "Coligação Nacional Pró-Estado Leigo"


foi fundada em 17 de maio de 1931, tendo
por sede o Rio de Janeiro, mas formada com
o apoio de milhares de brasileiros congrega-
dos em um sem número de Igrejas, associa-
ções religiosas, humanitárias, culturais e filo-
sóficas do país que visava, fundamentalmen-
te, defender uma série de direitos dos cida-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 253
dãos conquistados na Constituição de 1891,
mas que com as mudanças políticas tendiam
a ser derrubados, notadamente o estabele-
cimento do Catolicismo Romano como Religi-
ão Oficial do Estado.

Diante desta terrível ameaça, levanta-


ram-se não só religiosos "não católicos", mas
liberais, democratas, maçons, enfim, boa
parcela da população brasileira para lutar
contra à supressão do livre pensamento e de
outros absurdos que se pretendia perpetrar
contra as liberdades individuais dos cida-
dãos.

Um dos fundadores e Presidente da


"Coligação" foi o espírita Dr. Artur Lins de
Vasconcelos Lopes, secundado na Diretoria
por um pastor Evangélico e por elementos
das mais variadas tendências filosóficas e
religiosas.

A Coligação era apolítica, não entrava


em discussões religiosas e não atacava o
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 254
catolicismo; apenas propugnava pelos direi-
tos do cidadão de seguir a sua própria cor-
rente de pensamento.

Sob estes maravilhosos princípios de li-


berdade repousavam os interesses da Coli-
gação, que passou a ter Representações em
todos os Estados e em centenas de cidades
do país.

Assim é que os espíritas e outros religi-


osos da região araraquarense também se
uniram e promoveram a formação de um
Comitê abraçando a Causa.

A reunião aconteceu na cidade de São


Carlos, e a RIE de 15 de abril de 1931, assim
a noticia:

"A repulsa da oficialização da Igreja de


Roma, que tem merecido a aquiescência dos
maiores homens de nosso país e de todos os
espíritos livres, que trabalham pelo progres-
so desta terra, vai crescendo todos os dias e
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 255
constituindo um vibrante protesto contra as
loucas pretensões do clero ambicioso de do-
mínio e de tesouros.

E assim que mais de cem associações


espíritas de São Paulo, e uma falange de
livres pensadores, bem como representantes
de várias Igrejas protestantes e Lojas Maçô-
nicas, realizaram em São Carlos uma reuni-
ão, tendo sido aclamado o "Comitê" Central
Pró-liberdade de Consciência", com amplos
poderes de representar as classes liberais
para que seja mantida a letra da Constituição
que proclamou a Igreja separada do Estado.

O Comitê ficou assim constituído: Pres.


Dr. Joaquim de Souza Ribeiro; Vice, Francis-
co Volpe; Secretário-Geral, Cairbar Schutel;
Secretário, Antonio Basso; 2.°, João Fusco;
3.°, Pedro Brochieri; Tesoureiro, Francisco
Crestana. Comissão Auxiliar: Francisco Cae-
tano de Paula e Umberto Brussolo.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 256
O Comitê Central já se constituiu com
personalidade jurídica para ter ação livre".

Esta reunião teve uma nota desagradá-


vel que foi um diálogo ríspido entre Souza
Ribeiro e Cairbar Schutel, porque este último
discordava da coleta de fundos proposta pelo
Presidente, já que "estariam cometendo os
mesmos erros da Igreja Católica ávida de
arrecadação". Se no momento houve um
estremecimento no relacionamento entre os
dois, dado ao ardor com que se empenha-
ram na Causa, em pouco tempo se refizeram
do entrevero e da diferença de posiciona-
mentos.

Mas para que isso acontecesse, o epi-


sódio teve a providencial intercessão do en-
tão jovem Campos Vergal, que inteligente-
mente soube "colocar água na fervura".

Cairbar, como tudo que abraçava, em-


penhou-se a fundo na campanha, quer nas
datas cívicas em que era chamado a discur-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 257
sar, quer em oportunidades que ele mesmo
criava para defender a Causa do Estado Lai-
co.

Em Dobrada, então distrito de Matão,


certa ocasião marcou uma concentração no
cinema local, onde falaria sobre a Liberdade
de Consciência, juntamente com Leão Pitta e
José da Costa Filho.

As 20,15 hs, 15 minutos após a hora


marcada, no local estavam apenas os três e
mais dois assistentes.

O que fazer? Desistir da conferência?


Afinal, não se tratava de uma prédica doutri-
nária; se o fosse, tudo bem. Não se importa-
ria em falar apenas para reduzido número de
pessoas, mas o fato é que o interesse deve-
ria ser quase geral, porque envolvia a liber-
dade do cidadão.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 258
Matutou, matutou... e resolveu: man-
dou comprar uma dúzia de foguetes e sol-
tou-os na porta do cinema.

Ao improvisado chamamento, acorre-


ram inúmeras pessoas curiosas de saber o
que estava se passando e em poucos minu-
tos o cinema regurgitava de gente para ouvir
a substanciosa conferência do nosso Bandei-
rante.

A Coligação teve vida longa, passou por


momentos difíceis, mas enquanto não alcan-
çou seus altos objetivos com a Constituição
de 1946 não arrefeceu seu ânimo.

Tomemos contato com os magnos prin-


cípios defendidos pela Instituição:

O Estado deve adotar e fazer cumprir


os seguintes princípios:

a) - Plena liberdade a todos os brasilei-


ros de se associarem, de se reunirem e de
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 259
expressarem seus pensamentos, pela im-
prensa, pela tribuna, pelo rádio, etc., dentro
da ordem e da lei;

b) - Absoluta separação entre as igrejas


e o Estado;

c) - Igualdade e liberdade de todos os


cultos perante a lei;

d) - Laicidade do ensino em todas as


escolas oficiais, de modo que qualquer facul-
dade de instrução religiosa não interfira com
este princípio;

e) - Nenhuma interferência do Estado


nas funções de qualquer igreja;

f) - Nenhuma intromissão de atos religi-


osos nas solenidades cívicas, a fim de evitar
coação ou constrangimento;

g) - Nenhuma distinção, entre brasilei-


ros, ou mesmo entre estrangeiros, em virtu-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 260
de de maioria de adeptos por parte de qual-
quer religião, visto que todas as igrejas são
iguais perante a lei e funcionam dentro do
direito comum, que não reconhece maiorias
nem minorias em matéria espiritual;

h) - Será permitida a assistência espiri-


tual, quando solicitada, nos estabelecimentos
de internação coletiva, sem remuneração e
contanto que não haja constrangimento dos
favorecidos;

i) - Secularização dos cemitérios com


todos os princípios decorrentes, ficando a
cargo da autoridade pública.

Em mais esta ocasião nosso biografado


marcou sua presença, desta vez empunhan-
do a bandeira da justiça e da liberdade, ten-
do feito parte ativa da Coligação até seu de-
sencarne em 1938.

XXIX
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 261
O Não de Cairbar à "Ação Espírita Pau-
lista"

Hoje, repassando-se os olhos na Histó-


ria do Espiritismo, vamos ver que até neste
episódio Cairbar Schutel revelou-se um ho-
mem de visão e de profundo senso crítico.
Enxergou longe, o nosso amigo.

Tratava-se, a "Ação Espírita Paulista",


de um movimento visando agregar os espíri-
tas a uma entidade que, além dos ideais
doutrinários, tivesse uma atuação política.

Não que condenemos a política ou os


confrades que nela atuam, absolutamente,
mas acreditamos que esse movimento de-
veu-se muito mais aos arroubos da juventu-
de de um Campos Vergal, de um Luís Mon-
teiro de Barros e outros, além de seus ape-
gos à Doutrina, do que propriamente a um
rumo que o Espiritismo devesse seguir.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 262
"A César o que é de César, a Deus o
que é de Deus", o ditame é claro, e assim
como Cristo não precisou ocupar cargos, re-
ter poder ou ser abastado para deixar sua
mensagem gravada à Humanidade, também
ao Espiritismo está reservada a missão de
reformar a Terra e restabelecer seus ensi-
namentos, sem que para isso necessite as-
cender ao poder. A missão da Doutrina é
meramente espiritual.

E isso Cairbar soube compreender, e a


prova de que estava certo e que hoje, pas-
sados cinqüenta anos do episódio, com a
evolução do pensamento doutrinário, poucos
há desejando misturar Espiritismo com políti-
ca. Há os espíritas políticos, sim, mas com
percepção suficiente para distinguir uma coi-
sa da outra e não levar a política para dentro
do Centro Espírita. O inverso sim, deve ser
feito, pois o próprio Cristo nos alertou "Vós
sois o sal da terra" e um político verdadeira-
mente espírita irá se distinguir dos demais
em muitos aspectos.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 263
Eis fragmentos de um manifesto da "A-
ção Espírita Paulista":

Aos espíritas e eleitores independentes


do Estado de São Paulo

"A "Ação Espírita Paulista", constituída


por um grupo de espíritas praticantes e mili-
tantes, resolveu lançar este manifesto ao
definir sua atitude em face do pleito eleitoral
a realizar-se em 03 de janeiro de 1938. Ao
fazê-lo, declara que:

A) - se desinteressa pela sucessão pre-


sidencial, convidando todos os seus amigos e
confrades a votarem livremente no candidato
de sua simpatia; toma esta atitude visto se-
rem ambos os candidatos à sucessão presi-
dencial igualmente dignos de assumir a Pre-
sidência da República, tendo ambos progra-
mas semelhantes;

B) - se conservará fora e acima dos par-


tidos políticos existentes, não mantendo com
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 264
qualquer deles compromissos de nenhuma
espécie;

C) - se interessa única e vivamente pela


renovação da Câmara dos Deputados Fede-
rais, para a qual apresenta como seu exclu-
sivo candidato o Dr. Joaquim Souza Ribeiro,
médico e cirurgião-dentista, residente em
'Campinas. (...)

São Paulo, julho de 1937

Pela "Ação Espírita Paulista"

(aa) Dr. Campos Vergal, Dr. Augusto M.


Pacheco, Dr. Luís Monteiro de Barros, Dr.
Ubirajara Dolacio Mendes, Antenor Ramos,
Caetano Mero, Farid Ignácio Mussi, José
Garcia, Aurélio Pereira, Manoel Pinto Ribeiro,
Constantino de Souza, O. Gomes Silva, José
Péres, Constantino de Campos Vergal, Sérgio
Leite, Jordão Tbibes, S. M. Fonseca, João
Spinelli, Lino Costa, Dr. Marcílio de Freitas,
João Baptista Agostinho, Benedicto Mascare-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 265
nhas, Pedro Fernandes Alonso, Raul Soares,
Germano Emílio dos Anjos, Benedicto Dias,
Tertuliano T. Pereira, João Marchese e ou-
tros.

Agora vejamos como reagiu Cairbar a


um pedido de seu grande amigo, Campos
Vergal, para a publicação de uma noticia so-
bre a "Ação Espírita Paulista". Esta resposta
a encontramos escrita de próprio punho por
Schutel:

"Quanto ao modo de ver a política, sou


muito infenso a essa megera. Acho que os
espíritas políticos deveriam fundar um
Departamento Político, ao qual deveriam
fazer parte todos os que propugnam pelo
Estado Leigo e determinações. É este o meu
modo de ver. "O Clarim" não encampará
questões políticas, mas noticiará todo o
movimento que propugnar pelo Estado
Leigo.
Do Cairbar"
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 266
Como pudemos observar, Schutel era
intransigente no que julgava certo para a
Doutrina e o movimento, e sincero ao extre-
mo com os amigos.

Não adocicou e negou, peremptoria-


mente, colocar "O Clarim" a serviço da políti-
ca, mesmo sob risco de magoar os amigos,
principalmente a Campos Vergal, que lidera-
va, e Souza Ribeiro, o candidato escolhido
pela "Ação".

Cairbar Schutel se recusou, inclusive, a


participar como Candidato Espírita na legen-
da da referida entidade.

XXX

Cairbar Schutel e Chico Xavier

Cairbar só teve oportunidade de encon-


trar-se pessoalmente com Chico Xavier uma
ocasião. Porém, chegaram a trocar corres-
pondência durante algum tempo, quando,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 267
relata Chico, os dois comentavam suas ativi-
dades. Dessas cartas Chico não se esquece
que Cairbar sempre citava carinhosamente
Dna. Mariquinhas, que, para ele, "era a alma
e coração de seu trabalho".

É sugestivo o caso do único encontro


dos dois baluartes do Espiritismo no Brasil.
Chico, bem jovem ainda, iniciando sua car-
reira missionária; Cairbar, vivendo seus últi-
mos anos de romagem terrena na presente
encarnação.

Relatou-nos pessoalmente o médium


mineiro que; quando trabalhava no Ministério
da Agricultura na cidade de Pedro Leopoldo,
seu superior, embora não esposando a fé
Espírita, recebeu o pedido de um amigo de
São Paulo que, interessado na mediunidade
segura que espoucava, em Chico, gostaria de
conhecê-lo e convidá-lo para uma semana
espírita que se realizaria em São Paulo.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 268
O chefe da seção "sugeriu", então, que
seu comandado viesse a São Paulo para en-
trevistar-se com seu amigo paulistano, ao
que, humildemente, Chico acedeu. Ingênuo,
porém, e sem nunca ter saído dos arredores
de sua terra natal, Chico descreve essa sua
viagem como extremamente pitoresca, já
que, imaginando ser São Paulo pertinho de
Pedro Leopoldo, tomou o trem com a roupa
do corpo pensando retornar no dia seguinte.
Só que ninguém lhe avisou que só a viagem
demorava trinta e seis horas...

Foi em São Paulo, então, que avistou-se


com Cairbar Schutel, que o convidou para
acompanhá-lo até a residência de Dna. Maria
Elisa de Oliveira Borges para lhe ministrar
um passe, pois a benfeitora da RIE encon-
trava-se muito mal de saúde.

Não puderam, no entanto, entrar no


quarto da doente devido à precariedade de
seu estado, mas realizaram uma comovida
prece na sala. Chico se recorda bem deste
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 269
dia, em que descreve a casa como sendo
muito fria, triste, o que comoveu muito Cair-
bar.

Além de diversas psicografias recebidas


de Cairbar, Chico relata que por volta de
1975, em sessão de materialização com a
médium Dna. Hilda Odilon Negrão, ele voltou
a conversar com o Espírito de Cairbar através
do fenômeno da voz direta.

XXXI

O Pioneirismo da "Assoc. de Prop. Esp.


do Estado de São Paulo"

Sempre preocupado com os destinos do


movimento doutrinário espírita, Cairbar S-
chutel investe em outro projeto: a "Associa-
ção de Propaganda Espírita do Estado de São
Paulo".
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 270
Folheando publicações do início do sé-
culo até a década de 50, vamos notar o uso,
amiúde, do termo "propaganda" para a di-
vulgação doutrinária, um termo já um tanto
esquecido no meio espírita, mas muito usado
para outros fins. Por isso, não devemos es-
tranhar a titulação da entidade, que teve em
Cairbar um dos fundadores e seu 1.° Presi-
dente, já que esta, na realidade, tinha em
seus Estatutos finalidades que se aproxima-
vam das diretrizes atuais de entidades fede-
rativas como a U.S.E. em São Paulo; daí não
estamos incorrendo em erro se dissermos
que a "Associação de Propaganda Espírita do
Estado de São Paulo" pode ser considerada
uma precursora da U.S.E. em nosso Estado.

E mais uma vez temos que render ao


"Bandeirante do Espiritismo" nossa homena-
gem, não só pelo pioneirismo, mas pela vi-
são de futuro que teve da necessidade de
unificar o movimento espírita do Estado em
torno de princípios doutrinários comuns a
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 271
todos e promover uma maior confraterniza-
ção entre as instituições.

Vejamos como a RIE de 15 de maio de


1931 noticia o acontecimento:

"Dia 24 último, em reunião efetuada em


São Carlos, no salão do Centro Espírita local,
presentes os representantes de diversas As-
sociações Espíritas do Estado de São Paulo,
deliberaram fundar a "Associação de Propa-
ganda Espírita do Estado de São Paulo".

Foram por seus Presidentes e Procura-


dores representados os seguintes Centros:
(segue-se lista com 83 entidades e respecti-
vas cidades).

Para dirigir a "Associação Espírita de


Propaganda do Estado de São Paulo" foi a-
clamado o seguinte triunvirato: Presidente,
Cairbar Schutel; Secretário, João Fusco; Te-
soureiro, Francisco Crestana".
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 272
Na RIE de 15 de novembro de 1931
temos mais explicações de como funcionava
a idealística entidade:

"(...) Esta sociedade composta de Cen-


tros aliados está destinada a prestar ótimos
serviços ao Espiritismo, porque o seu fim
exclusivo é a propaganda espírita pela pala-
vra e pela imprensa, e o esforço que expen-
der é para orientar os Centros que lhe são
aliados no estudo da Doutrina e no desen-
volvimento moral e filosófico dos seus com-
ponentes.

A sociedade não admite para seus alia-


dos Centros sem cultura, imbuídos de idéias
pessoais e preconcebidas, dadas à prática de
um charlatanismo deprimente que se põe
como pedra de escândalo à marcha progres-
siva do Espiritismo. A sociedade prefere se
manter com 10 Centros treinados nos princí-
pios Kardecista, do que contar com 100 ou
200 que selecionem o estudo, o livre exame
e a moralidade, deixando de obedecer estes
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 273
princípios básicos da verdadeira regimenta-
ção espírita. (...)".

A Associação, como pode-se notar, ti-


nha Centros adesos e representantes nas
cidades ou regiões (à semelhança de UDES,
UNIMES, etc..) que eram denominados In-
tendentes e selecionados pela Diretoria da
Associação.

A esses Intendentes competia visitar os


Centros adesos, fazer palestras, promover
intercâmbio de oradores, orientar os Centros
dentro das bases doutrinárias, enfim, eles
realizavam uma série de atividades que hoje
as Uniões Municipais Espíritas e outras sub-
divisões da USE promovem.

XXXII

Conferências Radiofônicas

Cairbar Schutel é tido por toda a família


espírita como o precursor da divulgação espí-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 274
rita pelo Rádio, mas, a bem da verdade his-
tórica, ele pode ser considerado um dos pio-
neiros, mas não o precursor.

Em carta ao próprio Schutel dirigida,


Henrique Andrade, do Rio de Janeiro, além
de animá-lo ao prosseguimento das palestras
radiofônicas, faz um relato de sua experiên-
cia pessoal no campo da radiofonia já em
1932, quatro anos portanto antes de Schutel,
e devido à importância do documento, que
restabelece uma parte da nossa história, o
reproduzimos na integra:

Rio, 10 de Maio de 1937

Meu Caro Cairbar.

Muita Paz.

Só hoje, aproveitando uma pequena


folga, é que venho cumprir o meu dever de
lhe agradecer muitíssimo a sugestão que me
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 275
enviou para a formação aqui do "Departa-
mento de Propaganda peio Rádio".

Como o meu bom amigo, eu também


sustento a opinião de que o melhor meio de
propaganda na hora agitada e rápida que
vivemos é a que se faz através do Espaço,
pelas irradiações radiofônicas.

Não há dúvida nisso.

Hoje, rara é a casa que não tem uma


instalação de rádio: rara é a casa em que
todas as noites, durante e após o jantar, não
ouça pela transmissora de Rádio música,
discurso, notícias sensacionais e outras vezes
desagradáveis.

Assim, eficientíssima será sempre a


propaganda da nossa Doutrina pelo Rádio,
desde que ela seja feita, selecionadamente,
com critério e versando assuntos que pos-
sam interessar aos que não são espíritas,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 276
despertando-os para o conhecimento da
Doutrina.

Eu tive a grande ventura de ser o pri-


meiro que assim trabalhou aqui na propa-
ganda da Doutrina.

Falei durante dois anos consecutivos a-


través do microfone da Rádio Educadora so-
bre Espiritismo.

Durante toda a Revolução de 1932,


quando a censura sobre os Rádios era tre-
menda, eu não parei uma só noite de falar, a
despeito mesmo das várias ameaças que
recebia de ser assaltada a estação por difi-
cultar a irradiação de São Paulo. Posso afian-
çar-lhe que falei mesmo entre metralhadoras
e forca armada.

Depois a Direção da Educadora enten-


deu de não mais permitir que eu falasse gra-
tuitamente, alegando dificuldades.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 277
Consegui falar como parte de um pro-
grama particular, porém apenas três ou qua-
tro vezes, porque a ordem superior era não
falar. Tentei pagar o que me fosse exigido
por 1/2 hora, mas tudo em vão.

Passados alguns meses fiz nova tentati-


va, mas ainda em vão.

Hoje, ainda há pouco tempo tive uma


esperança, que logo se desvaneceu.

O Clero aqui tudo faz para evitar que a


luz se levante. Certa vez o proprietário da
oficina em que é impresso o nosso "Mundo
Espírita" foi convidado por um ilustre reve-
rendo a não mais imprimir "Mundo Espírita"
sob a promessa de lhe ser dado novas im-
pressões de maior valor e melhores resulta-
dos. Felizmente, o proprietário da Oficina
soube responder que era negociante e não
podia recusar trabalho que lhe compensasse
o seu capital. Vê, pois, o meu querido amigo,
que por enquanto nada poderemos fazer,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 278
mas espero e creio que em breve essa com-
preensão clerical arrefecerá, para permitir
que possamos mostrar a luz a quantos nos
queiram ouvir.

Aproveitando o ensejo, junto lhe envio


Rs 24$000 para a reforma da minha assina-
tura da Revista, que cada vez mais se impõe
como gênero de primeira necessidade em
todas as boas bibliotecas.

Aceite o meu estimado confrade e mui-


to amigo um afetuoso abraço do seu

Henrique Andrade"

Esse fato, no entanto, não obscurece o


mérito de Schutel que, numa época de tanta
tirania clerical, e nos primórdios ainda da
radiofonia, compreendeu o instrumento vali-
oso que eram as ondas hertzianas como
meio de propaganda doutrinária.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 279
Suas conferências radiofônicas "neo-
espiritualistas" foram levadas ao ar pela Rá-
dio Cultura Araraquara (PRD - 4), de 19 de
agosto de 1936 a 2 de maio de 1937, num
total de 15, enfeixadas posteriormente em
livro sob o mesmo título.

Também realizou algumas conferências


radiofônicas em Sorocaba e teve uma tenta-
tiva frustrada de realizá-las em São Paulo,
juntamente com a reprodução de um disco
em que foi gravada uma sessão de materiali-
zação com voz direta que ele recebera da
Europa, conforme se deduz deste fragmento
de carta enviada por Caetano Mero para S-
chutel em 21/10/37:

"Obediente ao seu pedido, procurei vá-


rias Estações de Rádio desta Capital. É uma
lástima, meu amigo, estão todas sob domínio
clerical. Não aceitam irradiações espíritas de
jeito nenhum.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 280
O gerente de publicidade da Rádio Difu-
sora é nosso confrade, e tive o prazer de o
saber agora, quando buscava alugar a meia
hora para a irradiação do disco. Ele disse-me
que o domínio clerical é completo e os pro-
prietários das Estações mandam menos que
o Clero.

Disse ele que o próprio Governo manda


pouco, pois que também sofre influência cle-
rical. Disse mais: que os candidatos precisam
propagar aos quatro ventos que são católi-
cos, que farão um Governo católico, pois, do
contrário, o Clero os boicotam imediatamen-
te. Boicotado pelos padres, o candidato não
vai mais e isso é uma grande verdade.

Espiritismo, então, é taxativamente pro-


ibido de ser irradiado. (...)"

Nas primeiras vezes que foi à Rádio de


Araraquara para apresentar seu programa,
Cairbar sofreu um principio de oposição do
Vigário local, que levava os marianos para
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 281
vaiarem-no à saída da emissora. Porém,
quando Schutel aparecia na porta, sua alti-
vez, seu magnetismo e o respeito que des-
pertava nas pessoas, fazia o grupo emude-
cer-se.

Para se ter uma idéia da repercussão


que suas conferências obtinham, vejamos
um trecho da carta de um ouvinte de nome
Antônio Cruanes:

"(...) Meu amigo Schutel, quanto fiquei


satisfeito de ouvir sua palestra pela Rádio de
Araraquara, tanta foi minha alegria que pa-
rece ter sido um fortificante para meu corpo
e para minha alma que se engrandeceu. A-
pesar de o tempo aqui estar feio, foi ouvida
claramente. Que beleza será quando todas
as estações nos forem franqueadas, meu
caro amigo! Seu tema foi ótimo, instrutivo e
belo.

Quem ouve sua palavra não diz que o


meu amigo e irmão seja um homem alque-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 282
brado pelo trabalho insano de tantos anos,
mas imagina pela voz que seja um moço
cheio de vida que fala da vida; parece um
jovem que está iniciando na pregação evan-
gélica cheio de entusiasmo.

Saiba, meu amigo, que por isso é que


readquiri minha coragem, já que permaneço
fraco e doente de corpo (...)" (Dois Córre-
gos, 24/12/37)

E de se registrar, também, que o horá-


rio na Rádio não era gratuito, mas pago por
donativos de espíritas que, geralmente, não
se identificavam.

Um fato assaz auspicioso aconteceu


com relação a esses programas radiofônicos.
As conferências na Rádio eram anunciadas
na Revista Internacional de Espiritismo. Er-
nesto Bozzano, da Itália, recebendo a R.I.E.
e vendo nela a noticia sobre a programação
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 283
radiofônica espírita num pequeno lugarejo, à
época, do Estado de São Paulo, mandou a
Schutel um cartão de parabéns pelo traba-
lho. Mas não veio só um cartão; vieram dois,
ambos com os mesmos dizeres. Isso foi pro-
videncial, porque naquela época estava no
poder o Governo ditatorial de Getúlio Vargas
e os Centros Espíritas estavam sendo amea-
çados de fechamento. A própria Federação
Espírita Brasileira foi ameaçada de ser fecha-
da. Cairbar, ao receber os cartões de Bozza-
no, que era nome de muito prestígio naque-
les idos, mandou um dos cartões para Getú-
lio Vargas, junto com alguns dizeres. E Getú-
lio, diante disso, se sensibilizou por ver que
na Itália longínqua o maior dos seus cientis-
tas estavam parabenizando um trabalho que
ele, Getúlio, desconhecia. Tudo isso serviu
para que o Centro não fechasse e ele conti-
nuasse seu trabalho de divulgação do Espiri-
tismo.

XXXIII
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 284
As Crônicas no "Correio Paulistano" e
"Gazeta de Notícias"

Por volta de 1935 a 1936, Schutel es-


tendeu seus escritos à imprensa leiga da Ca-
pital, colaborando com o jornal "Correio Pau-
listano", por deferência do Superintendente e
confrade, Antonio Herman Dias Menezes,
mas que por imposição do Clero (sempre o
Clero!) foi obrigado a suspender a coluna
que saía às terças-feiras.

Os protestos se acumularam sobre a


mesa do Editor. De todas as partes os espíri-
tas protestaram e, se não surtiu efeito para a
volta da coluna, o Espiritismo mais uma vez
esteve em evidência, e muitos procuraram
conhecê-lo por causa das discussões que se
formaram em torno do caso.

Atentemos para alguns trechos de cor-


respondentes de Schutel falando do assunto:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 285
"(...) Aqui em Campinas houve espíritas
que depois de terem tomado a assinatura do
"Correio" devolveram o jornal declarar do
que não queriam ter em casa um órgão que
não sabia cumprir seus compromissos (...)".
(Gumercindo, 21/03/1936).

"(...) Ultimamente o confrade vinha as-


sombrando o mundo espírita através das
colunas profanas do "Correio Paulistano" e
eu, velho sonhador dessa maneira de dizer
as grandezas e belezas da Causa que defen-
demos exultei de contentamento. Ao que
parece, porém, as hostes de sotaina se mo-
veram e já aquele órgão da imprensa indigna
silenciou. Não faz mal: os jornais espíritas
triunfaram, a tribuna triunfou, o Rádio está
triunfando e na grande imprensa diária have-
remos de triunfar também. Ao irmão que
tem competência e amor à causa, como es-
pírita, peço não desanimar nesse campo de
sua valiosa atividade. 1...1". (S.M. Fonseca,
14/03/1936)
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 286
Vejamos como Cairbar Schutel se ex-
pressou em um de seus artigos pelo "Correi-
o":

"No ano de 1857 foi lançado aos ventos


da publicidade, na França, um livro denomi-
nado "Livro dos Espíritos". Esta obra produ-
ziu um sucesso verdadeiramente extraordi-
nário, porque estabelece as bases de uma
Ciência, ao mesmo tempo que enfeixa um
Código de Moral só comparável ao Código do
Cristianismo. Depois deste livro seguiram-se
outros, mais outros, mais outros até que os
diversos volumes se tornaram as primícias de
uma grande Biblioteca circulante por todo o
mundo e em todos os idiomas.

"O humilde escritor de tais livros, apre-


sentou-os, não como obras suas, mas produ-
tos de lições dos Espíritos que regem os des-
tinos do Mundo, auxiliados por Espíritos de
categorias várias, de cujas comunicações ele
não foi mais do que Coordenador, Codifica-
dor. Para que seu nome não se salientasse, e
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 287
não lhe atribuíssem o espírito de personalis-
mo e cientícismo, julgou que deveria subs-
crever essas obras com um pseudônimo,
para o qual adotou o de Allan Kardec. Mas
esse homem cheio de humildade e desapego
às glórias mundanas, era um douto: médico,
bacharel, professor, discípulo e substituto do
grande Pestalozzi. O seu nome real é Dr.
Leon Hypolite Denizard Rivail.

"Lendo-se as suas obras fica-se, de fa-


to, maravilhado e vê-se claramente que ele,
longe de ser um cientista, tal a acepção vul-
gar da palavra, ou um literato, é mais do que
tudo isso, é um Grande Missionário, verda-
deiro Gênio.

"Basta para isso pensar que a "sua"


Doutrina, ou seja, a sua coordenação, é um
trabalho de finíssima confecção e se resume
em demonstrar que a Religião tem por base
a REVELAÇÃO, tal como o Cristo tomou-a e
francamente declarou aos seus discípulos,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 288
segundo nos narra o Evangelista S. Mateus
no Cap. XVI .

"A genialidade de ALLAN KARDEC mos-


tra-se justamente na concepção de um fato
existente desde o começo do mundo e que
passou desapercebido pelas gerações e pelos
maiores filósofos de todos os tempos: a Co-
municação dos Espíritos, ou seja a Comu-
nhão dos "mortos" com os homens.

"O realce da missão de Allan Kardec es-


tá nesta afirmação comprovada com fatos
que se têm verificado em todas as épocas,
em todas as nações, em todos os povos, fa-
tos que se reproduzem hoje provocados ou
espontâneos, com tamanha nitidez, tão obje-
tivados que os próprios adversários do Espiri-
tismo não têm coragem de negá-los, pois
seria estultícia negar o que se pode verificar
a qualquer hora. Acresce ainda que a verifi-
cação desses fatos tem sido feita pelos mais
eminentes homens do velho e do novo mun-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 289
do e trazem o testemunho dos mais acata-
dos sábios.

"Não há dúvidas que as Igrejas, as "re-


ligiões" existentes proclamam, abertamente,
esses fenômenos, mas os atribuem a causas
sobrenaturais e miraculosas, desnaturando
assim o seu caráter imortalista; que é justa-
mente o que apresenta esses fenômenos
como base demonstrativa da imortalidade da
alma, e, portanto, da existência de Deus e
existência de uma Religião Natural para re-
ger os "vivos" e os "mortos".

"Não cabe neste relato mais nítidas ex-


posições do Espiritismo. O nosso leitor fica
convidado a ler, para melhor se identificar
com a verdade, o "Livro dos Espíritos", e as
demais obras que esclarecem bem o assun-
to.

"Limitamo-nos a transcrever os "Princí-


pios Básicos do Espiritismo" em suas linhas
gerais. Por eles se há de notar a grandeza da
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 290
concepção Kardecista, que, pode-se dizer, é
irrepreensível.

"1.° - Existência de Deus, Causa e Fator


de toda a Criação - motivo explicativo da
ordem, harmonia e beleza de toda a Nature-
za.

"2.° - Existência e imortalidade da alma,


sua sobrevivência à morte do corpo, conse-
qüência racional, lógica e clara dos fenôme-
nos ANÍMICOS E ESPÍRITAS, constatados no
mundo todo.

"3.° - A CARIDADE, O AMOR AO PRÓ-


XIMO, como base do aperfeiçoamento moral;
a INSTRUÇÃO como meio de conquistas pro-
gressivas para a sabedoria; AMOR E VIRTU-
DE - duas que nos alçam à felicidade, que
nos aproximam de Deus.

"4.° - A REENCARNAÇÃO - ou pluralida-


de das existências corporais, como fim de
realização do progresso moral e científico,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 291
como FILOSOFIA explicativa das desigualda-
des sociais, físicas, morais e espirituais; teo-
ria essa de pleno acordo com os atributos de
Deus, de bondade, de misericórdia, de onis-
ciência, de poder e de Amor.

"5.° - UNIDADE DO PLANO DIVINO; to-


dos partiram do mesmo principio, todos a-
travessam a mesma rota, todos atingirão o
mesmo fim: IMORTALIDADE, FELICIDADE,
VIDA ETERNA.

"6.º - PLURALIDADE DOS MUNDOS HA-


BITADOS, povoação de todo o Universo por
seres inteligentes e racionais.

"7.° - COMUNICAÇÃO DOS ESPÍRITOS,


quer como meio de estreitar os laços de a-
mor que nos ligam aos seres amados que
nos precederam na OUTRA VIDA, quer como
condição de recebermos conselhos e ensinos
que nos venham fortalecer a FÉ e a MORAL.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 292
"8.° - CULTO DE ADORAÇÃO A DEUS
em espírito e verdade.

PARADIGMA dos espíritas: - JESUS


CRISTO, seja pela Palavra, seja pelo Exem-
plo, seja pela Ação - é o EXPOENTE MÁXIMO
DA MORAL, DA RELIGIÃO E DA CIENCIA".

Algumas vezes os protestos eram mais


veementes, inclusive do conceituado Pedro
de Camargo (Vinícius), que em carta de
12/11/1936 assim se dirige a Schutel:

"(...) Não me admira a decisão tomada


pela redação daquela Folha. Antes, o que me
surpreendeu, foi o ato de tolerância na ces-
são da coluna, ora suprimida, para as publi-
cações espíritas. Os políticos do P.R.P. fazem
muita zumbaia aos italianos e, conseqüen-
temente, ao fascio, porque hoje Itália, Fascio
e Igreja Romana são três pessoas distintas
formando uma só verdadeira. Os cabos elei-
torais do P.R.P. na Capital são italianos, ha-
vendo um grande grupo de eleitores daquela
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 293
procedência ou daquela linhagem filiados ao
partido dos "saudosistas". Ora, entre o Fas-
cio Mussolínico e o Espiritismo existe aquele
abismo que medeia do seio de Abraão ao
Hades, portanto... é isso mesmo, está certo,
o Correio tinha que capitular. Eu nunca me
simpatizei com esse jornal, outrora por ser
jornal oficial do Governo, hoje, por ser mus-
solínico e fascista mascarado. Daí porque
não o assinei, apesar de acompanhar as pu-
blicações espíritas que até há pouco agasa-
lhava." (12/11/1936).

O mesmo Gumercindo, já citado, ten-


tou, a pedido do próprio Cairbar, encaixar
suas contribuições doutrinárias em outros
jornais da Capital:

"Amigo e confrade Cairbar.

PAZ.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 294
Escrevi a "NOTA" com relação à sua re-
clamação. Também tenho recebido com irre-
gularidade esse jornal.

De acordo com sua penúltima carta, es-


crevi à "Gazeta" e ao Sr. Leal de Souza, de
"A Nota", sobre a sua colaboração nos jor-
nais em apreço. Não recebi, até agora, res-
posta. A "Gazeta", porém, aceitou, pois já
publicou as duas crônicas que o Sr. enviou.
Estou estranhando a atitude do Dr. Leal de
Souza: não respondeu as nossas cartas, não
publicou a crônica que o Sr. remeteu, assim
como cessou com os artigos sobre Espiritis-
mo que vinha publicando diariamente. Que
teria havido? Intervenção do Sr. Geraldo Ro-
cha, proprietário do jornal? Intervenção da
batina? O fato é que há 20 dias mais ou me-
nos "A Nota" ainda publicou duas comunica-
ções do Espírito Emmanuel, guia do médium
Chico Xavier. Esperemos mais um pouco que
a verdade surgirá.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 295
Acho bom o Sr. continuar com a colabo-
ração na "Gazeta de Noticias", pois este jor-
nal tem boa circulação no país (...)"
(23/01/1937)

Como vimos; suas contribuições não se


restringiram ao "Correio Paulistano", mas
buscaram encontrar guarida nas páginas de
outros jornais leigos, sempre visando a di-
vulgação da Doutrina em que ele se fez mes-
tre.

XXXIV

Uma sessão espírita com Cairbar


Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 296

Cairbar Schutel com as irmãs Per-


che realizando sessão mediúnica de tip-
tologia

Da RIE de agosto de 1968 selecionamos


um trecho da entrevista de Pedro Fernandes
Alonso, notável médium, que iniciou-se no
Espiritismo, como tantos outros, pelas mãos
de Cairbar, em que descreve a uma das ses-
sões de que participou com nosso biografado
e que foi muito interessante:

"Não digo que seria esta a última vez


que vi Cairbar Schutel, mas foi uma das últi-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 297
mas. Ítalo Ferreira, Watson Campello e as
irmãs Perche insistiam para que o visitásse-
mos. Fomos certo dia vê-lo e Cairbar impro-
visou uma sessão. Fui colhido de surpresa.
Foi no Centro Espírita "Amantes da Pobreza",
aí em Matão. Presentes várias pessoas. Veio
"Tio Carlos", que outro não era senão o
"Rústico" de antigamente." Nome? Que im-
porta o nome? Eu tive tantos"... disse ele,
"chamem-me como entenderem". Dentro em
pouco as manifestações tiveram lugar. O pó
de arroz de uma das Perche veio até a ses-
são. O Espírito disse que o encontrara atrás
do espelho, na parede do quarto dela. Exato
- respondeu a dona do pó. Vieram outros
objetos da redação, do Centro e da residên-
cia dos presentes. No final vieram flores e
coxinhas, empadinhas e outros comestíveis
"que fui buscar no bar do japonês" disse "Tio
Carlos". "Depois da sessão, vão pagar o pre-
juízo. Como, é em homenagem ao Schutel,
este "banquete", disse. Efetivamente, depois
da sessão foram ao bar do japonês, que eu
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 298
nunca havia visto e pagaram o prejuízo. O
japonês estava apavorado: "Sumiu tudo",
disse, mas fez a conta e recebeu o dinheiro.
Esta foi uma noitada, para mim também,
pois a sessão fora em homenagem ao mes-
tre. Depois dessa reunião outras visitas se
deram até a última, no dia de seu falecimen-
to. Nesse dia a cidade de Matão chorou. A-
companhou em massa o sepultamento do
corpo do ex-Prefeito, que albergava, durante
tantos anos, o maior Espírito que descera à
terra de São Paulo e possivelmente do Brasil.
Eu entendo que foi o maior, embora Cairbar
se julgasse o menor".

XXXV

O Desencarne: "Vivi, Vivo e Viverei"

Quase setenta anos tinham se passado


da data que o Senhor havia chamado seu
soldado a descer ao Campo das Batalhas
Humanas!
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 299
Agora Ele o solicitava de volta. As lutas
haviam sido insanas, mas valera a pena.
Quando se passa a vida no empenho de ide-
ais nobres, a morte assume uma dignidade
ímpar, e a devolução do corpo ao Criador
nada mais é que o sono do Justo, o descan-
so aureolado do Servidor.

Cairbar Schutel houvera sido um dos


muitos chamados e um dos poucos escolhi-
dos. No íntimo ele sabia disso, e, por isso, a
passagem lhe parecia apenas uma oportuni-
dade a mais de provar sua fé na imortalidade
da alma.

Aconteceu no dia 13 de janeiro de


1938. O corpo do lidador quedou-se doente
e no peito um coração dá sinais de fadiga: o
fim estava próximo, ou melhor, o começo,
pois abençoada é a morte que é a entrada
para a Verdadeira Vida, na libertação do Es-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 300
pírito que entrega seu corpo alquebrado à
Natureza e ascende ao Solar dos Justos.

"Mas "seo" Schutel", exclama Antoni-


nha, "o senhor que não consegue nem se
deitar, está caminhando até a sala?" E era
apropriada a pergunta, porque há oito dias
ele estava dormindo sentado, numa cadeira
de vime, sem reclinar a cabeça em razão do
coração que doía muito.

Antoninha não havia se preocupado a-


penas pelo arrojo do adoentado, mas notara
nele uma transformação, uma fisionomia e
um estado de alma que nunca houvera sen-
tido antes. Ele lhe responde, a princípio, com
a mudez do coração. Sua expressão facial
denotava uma emoção que os lábios não
conseguiriam exprimir por palavras. Queria
confidenciar algo à amiga, mas o pudor, ou
quem sabe o medo de a iniqüidade humana
tomá-lo por delirante, o fazia catarse. O si-
lêncio ainda era sua linguagem. Não se sabe
quanto tempo passou assim, até que rendeu-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 301
se à alegria que lhe corria por entre as veias
e explodiu seu coração numa confissão à
amiga:

"Antoninha, desculpe-me minha filha,


mas você nem imagina o que vai pela minha
alma! Estava aqui, relutando comigo mesmo,
para resolver se me abria com você ou guar-
dava só para mim, mas a você, que tem sido
a amiga de tantos anos, não poderia me fur-
tar a contar. Antoninha... eu vi Jesus! Não
diga para ninguém, mas.., eu vi Jesus... e
ele me consolou! Não quero que ninguém
saiba, porque tenho consciência de que não
fiz nada para merecer tanta graça, mas o
fato é que Ele me apareceu!"

Antoninha compreendeu então o mo-


mento. Como é que poderia duvidar daquele
que durante toda a vida houvera sido um
exemplo de dignidade e honradez? Não, i-
maginava ela, os estertores da morte física
não levariam um homem como aquele a des-
cer ao degrau da fantasia, mormente com a
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 302
consciência que ela tinha de estar diante de
um verdadeiro apóstolo do Cristo. Quem,
senão alguém que renunciara à sua vida por
inteiro poderia merecer tal galardão? Quem,
senão aquele que se fez pai de toda uma
legião de órfãos da sorte material e elegeu-
se o amigo dos infelizes, dos trôpegos e dos
estropiados?

Sim, ela cria. Nem por um momento lhe


passou pela mente que ele não houvera visto
o Cristo. Nem uma visão delirante teria sido.
O Cristo, naturalmente, houvera vindo, Ele
próprio, buscar seu escolhido.

Este fato se passou a dois ou três dias


de seu desencarne e, malgrado os esforços
dos médicos, Dr. Agripino Dantas Martins e
Dr. Hudson Buck Ferreira, a insidiosa molés-
tia consumia-lhe os últimos fios de energia.
Na antevéspera de seu desencarne ainda
recebeu a visita do grande amigo Sílvio Gou-
lart de Faria e fez-lhe a mesma confidência.
Só que não conseguia completar a descrição.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 303
A emoção era de tal ordem que as lágrimas
lhe aljofravam abundantemente ante a re-
cordação do fato. Não se soube que ele te-
nha relatado a outras pessoas a ocorrência,
mas a realidade é que ele percebera que
nada mais o prendia à Terra. A missão esta-
va cumprida.

Se ele assim achava, seus amigos que-


ridos a rodeá-lo, egoística e justificadamente,
o queriam retê-lo por mais tempo.

E no dia 29, às 10 hs da manhã, Dr.


Hudson veio visitá-lo e disse:

"Olhe, Schutel, você tem que tomar


mais injeções. Seu estado não é muito gra-
ve, mas acho que você tem que tomar mais
injeções''.

Enquanto o médico descia à farmácia


para buscar o medicamento, Cairbar come-
çou a expirar e D. Antoninha, sentindo a
gravidade do estado do doente, apressou-se
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 304
em chamar o médico de volta para socorrê-
lo. Dr. Hudson, então, aplicou-lhe rapida-
mente a injeção. A cabeça de Schutel estava
caída para o lado, parecendo haver ele dei-
xado de respirar, mas lentamente ele volta a
si e com muita dificuldade fala aos amigos:

"Eu tive de voltar. Tive de voltar porque


vocês fizeram tanto empenho... parece que
vocês não queriam que eu fosse embora. Eu
voltei, mas fiquem sabendo que o desencar-
ne é certo".

E virando-se para o Dr. Hudson dirige-


lhe a palavra:

"Doutor, o senhor se empenhou com


tanto amor para que eu ficasse aqui, mas
não será possível. Chegou minha hora de
partir. Eu já estava do Outro Lado da Barrei-
ra sem dores e sem aflição, mas eu voltei
porque não pude deixar de atender às ora-
ções que estão fazendo para me segurar a-
qui. O senhor pode fazer a injeção, mas que-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 305
ro que todos saibam que, como espíritas,
será necessário que dêem o testemunho do
que têm pregado a vida inteira: a morte é
uma libertação, por isso não devemos temê-
la ou lamentá-la".

Sentindo, assim, estar Cairbar vivendo


os últimos instantes de romagem terrena,
começam a avisar os seus grandes amigos:
os Volpe, de Jaboticabal; Urbano de Assis
Xavier, de Santa Ernestina; João Leão Pitta,
de Piracicaba; e outros que moravam na re-
gião, os quais apressaram-se em vir se des-
pedir do amigo. Urbano ainda chegou a tem-
po de orar e dar um "passe" no companheiro
de Ideal.

No domingo, dia 30, às 16,15 hs, a mi-


ocardose se torna fatal e provoca o desen-
carne do "Pai dos Pobres de Matão".

A PRD-4, Rádio Cultura Araraquara,


passa a anunciar o passamento de seu que-
rido conferencista, e automóveis de todos os
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 306
lugares começam a chegar à cidade, junta-
mente com os trens lotados para o enterro
do notável filho adotivo de Matão.

O velório foi feito na redação do jornal


"O Clarim" e na rua, sentados à calçada, os
grandes amigos do récém-desencarnado, os
pobres, choravam sua perda: "Morreu o nos-
so pai! Que será de nós agora?"

Mas o destino ainda estava reservando


uma bela surpresa para aquele grupo de a-
migos tão unidos e que enfrentaram tantas
situações difíceis juntos, sem deixar claudicar
a fé que os unia em torno do Ideal abraçado.

Eram aproximadamente 21 hs. do do-


mingo quando junto aos pobres que lamen-
tavam a morte de Cairbar estava uma meni-
na de 4 a 5 anos chorando com dor de den-
te. O já farmacêutico João José Aguiar vai
levá-la até a farmácia para um curativo,
quando é interpelado por Urbano de Assis
Xavier:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 307
"O que a menina tem, João?"

"Dor de dente. Vou levá-la até a farmá-


cia para medicá-la."

"Então, deixe comigo. Você é farmacêu-


tico, mas eu sou dentista e sou eu quem de-
ve tratá-la."

Já na farmácia, Urbano colocou-a no


balcão, pediu instrumentos e ácido fênico,
tratou-a e dispensou-a. Aí, foi lavar a mão e
quando João foi entregar-lhe a toalha, ele
virou-se e, num tom de voz diferente do
normal, disse:

"Joãozinho, vá lá em cima na Redação e


chame o Pitta, o Campello, o Zeca, a Zélia e
o Dias, e diga para eles virem aqui".

"Mas, por que Dr. Urbano, se já vamos


fechar a farmácia e ir para lá?"
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 308
"Não teime, João, é o Schutel quem es-
tá falando!"

"Sim, senhor. O senhor está bem, "seo"


Schutel?"

"Muito bem, João".

"Então sente-se na minha cama en-


quanto vou chamá-los" - elevou o médium
incorporado até seu quarto que ficava no
fundo da farmácia.

Os convocados foram rapidamente até


o local e Schutel, através do médium incons-
ciente e de excelentes recursos, Urbano, a-
braçou um por um emocionado e se expres-
sou:

"A Misericórdia Divina é tão grande que


me deu o privilégio de abraçar vocês neste
momento de partida para a Verdadeira Pá-
tria. Eu estou muito contente e sendo rece-
bido com um banquete que não mereço, mas
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 309
o Pai é tão bondoso que, na minha alegria e
êxtase, não poderia partir sem comunicar
isso a vocês".

E dirigiu palavras intimas a cada um dos


participantes da reunião, como se a querer
provar ser ele mesmo quem lhes falava. Mas
não precisava, pois todos aqueles que ali
estavam souberam reconhecer imediatamen-
te a presença do amigo e irmão de Ideal.
Completou, então, a reunião expressando-se
a todos:

"Só que tem um detalhe. Vocês podem


ficar zangados comigo, mas eu preciso falar-
lhes o que sinto. Ainda há pouco vocês con-
versavam na redação sobre o túmulo que
vão erguer para mim. Nada disso. Espírita
não precisa de túmulo. Quero uma coisa
simples, uma lápide apenas, e se vocês qui-
serem escrever algo nela, escrevam isto:
"Vivi, vivo e viverei porque sou imortal".

XXXVI
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 310
O Sepultamento

Watson Campello, grande amigo e um


dos continuadores da obra de Cairbar, emo-
cionado e anônimo, ouve, logo que chega,
uma declaração espontânea de um motoris-
ta:

"Morreu o Pai da Pobreza desta cidade".

Não poderia haver definição mais com-


pleta e sucinta do que se passava naquela
segunda-feira na pacata cidade.

Carros de todas as procedências, milha-


res de pessoas andando de um lado para
outro, buscando informações aqui e ali.

Partia o féretro. Tremeluziam lágrimas


nos olhos de ricos, pobres, intelectuais, anal-
fabetos, enfim, gente de todo jaez que para
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 311
Matão se deslocou a fim de prestar a última
homenagem ao "Bandeirante do Espiritismo".
Como não o acompanhasse somente espíri-
tas, não se pode dizer que não houvesse o
burburinho das lamentações ou as cenas de
choro convulsivo, mas o fato é que a vibra-
ção mantida no ambiente pelos grandes
companheiros de Cairbar era tal, que rom-
pantes extemporâneos de desespero eram
logo ofuscados pela lembrança de que ali
estava se enterrando apenas o corpo daque-
le que prodigalizara toda sua vida à imortali-
dade da alma.

Dentre muitos outros expoentes da


Doutrina e seus amigos, estavam presentes:
Pedro de Camargo (Vinícius), Waldemar
Wenzel, Romeu A. Camargo, Boanerges de
Medeiros, Souza Ribeiro, Onofre Dias, João
Leão Pitta, Watson Campello, os Volpe, Sílvio
Goulart de Farias, etc...

"O Clarim", de 12/02/1938, assim des-


creve o sepultamento:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 312
"(...) Eloqüentes foram as manifesta-
ções de pesar e as demonstrações de solida-
riedade que lhe tributaram pessoas de todas
as idéias, que a uma só voz proclamavam
haver morrido um homem bom, um homem
de bem, um grande homem.

O seu enterro foi uma verdadeira apo-


teose, tal o enorme acompanhamento que o
seguiu. Espíritas e não espíritas de muitas e
longínquas localidades a ele acorreram.

Diversos oradores falaram junto de sua


câmara mortuária e ao baixar o corpo à se-
pultura, um deles, o denodado propagandis-
ta, Dr. Souza Ribeiro, ao realçar as qualida-
des do Espírito liberto, erguendo hosanas ao
Senhor, afirmou que o lutador que tombara
no seu posto recebia o prêmio do seu traba-
lho e continuaria a inspirar os seus compa-
nheiros, a fim de prosseguirem a jornada.

E nós, secundando-o, diremos aqui:


continuemos a marcha para a frente, quan-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 313
tos nos identificamos com o grande amigo e
com os seus ideais que ele jamais abandona-
rá (...)

Digno de registro foi o gesto da Associ-


ação Comercial e Industrial de Matão, to-
mando a iniciativa de pedir o fechamento do
comércio pelo falecimento do associado e
fazendo o convite para o enterro, bem como
o da Prefeitura Municipal, hasteando, em
sinal de pesar, a bandeira nacional a meio
pau, envolta de crepe (...)"

Uma verdadeira avalanche de telegra-


mas e cartas de todo o Brasil e do mundo
invadiu a Redação de "O Clarim" nos dias
que se seguiram, que o espaço seria pouco
para os citarmos aqui.

Também "A Comarca", de Matão, dedi-


ca sua primeira página ao acontecimento:

"Através das ondas do rádio, pelo tele-


fone e pelo telégrafo, transmitiu-se na tarde
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 314
de 30 de janeiro p. findo, aos espíritas de
todo o Brasil a notícia profundamente con-
tristadora: - Faleceu Cairbar Schutel.

Às 16,15 horas desse dia, uma lacuna


que dificilmente poderá ser preenchida, a-
briu-se nas fileiras do Espiritismo mundial. É
essa a nossa impressão e será por certo a de
todos quantos conheceram a obra ciclópica
desse homem superlativamente capaz, soli-
damente realizador.

E que Cairbar Schutel não era uma per-


sonalidade vulgar. O seu espírito altamente
privilegiado, bem cedo elevou-o a uma posi-
ção de destaque no campo intelectual, em
cujo âmbito nem sempre a entrada é franca,
para o comum dos mortais. Tendo abraçado
a Doutrina Espírita há já quase oito lustros,
não se limitou a aceitá-la tacitamente; estu-
dou-a, investigou os labirintos dos mistérios
psíquicos, e fez do Espiritismo um apostola-
do. Escritor e jornalista de escol, esteta da
clareza e da simplicidade, capaz de fazer se
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 315
entender pelos humildes e de confabular
com os mais doutos, Cairbar Schutel pôs a
sua pena e a sua inteligência a serviço do
Espiritismo, desenvolvendo e polindo as suas
teorias da maneira mais brilhante que pode-
ria ser feita em nosso idioma (...)"

Completamos aqui a transcrição, que


principiamos por fazer no início deste livro,
do jornal "A Comarca" de Matão, de 27 de
Março de 1939, sobre "A grande homenagem
de Araraquara a Cairbar Schutel":

"(...) Descerrado o velório às 8 horas


precisamente, outro aspecto de grandeza se
nos depara, ali aparecendo ao palco, oito
oradores em torno da mesa da direção. O
dirigente dos trabalhos, cercado de quatro
filas de numerosos confrades espíritas mili-
tantes, notando-se entre eles grande número
de senhoras.

Levanta-se no meio de palmas espon-


tâneas e calorosas Nagib Borges, cirurgião-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 316
dentista, diretor da sessão que a declara a-
berta numa oração feliz e comovente, dizen-
do do valor do homenageado e passando a
palavra ao Dr. João Baptista Pereira, advo-
gado, residente na capital do Estado, que
falou com a autoridade de Presidente da So-
ciedade Metapsíquica de São Paulo, se es-
praiando em considerações incisivas sobre os
fenômenos espíritas e a Doutrina deles de-
corrente, depois de tecer um hino à cidade -
expressão de estética, de beleza, de cultura
e de bom gosto afirmando: "Esta manifesta-
ção representa, para a história de Araraqua-
ra, a cravação do marco glorioso dos seus
destinos futuros" e, além de outras frases,
acrescenta: "é uma demonstração da cora-
gem da fé e a afirmação de claras atitudes
sociais".

Referindo-se ao homenageado, declara


que ele foi o propulsor das mais arrojadas
iniciativas em prol da propaganda espírita,
tendo concorrido, com a sua "Revista Inter-
nacional do Espiritismo", para a fundação da
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 317
Sociedade Metapsíquica, cujo objetivo é
promover a verificação dos fatos cientifica-
mente, a prova da sobrevivência do homem,
após a morte do corpo, e da comunicação do
mundo espiritual com o mundo material.

"A imortalidade", exclama, "é a grande


questão! Provada que seja, a Humanidade
marchará para a doutrina do Cristo e reali-
zar-se-á, então, o vasto sonho de Cairbar
Schutel, que, como o louco divino da lenda,
que tentara esvaziar o oceano, para dele
retirar, a pé enxuto, a pérola preciosa, tanto
fez para extinguir as trevas do mundo, a fim
de que nele resplandecesse a luminosa péro-
la de Jesus - a sua eterna doutrina!"

Palmas e aplausos vibrantes cobrem as


palavras finais do orador.

Ergue-se, em seguida, o Dr. Calazans


de Campos, também advogado, notável jo-
vem orador Espírita da Federação Espírita de
São Paulo, preclaro conhecedor da filosofia
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 318
universal, delicado artista da palavra que,
inspirado, comove o auditório falando das
mortes gloriosas como a de Cairbar Schutel
lesado no coração pelo qual viveu intensa-
mente e elevado pela nuança da morte, a
branca e suave companheira com que se
empreende! a viagem para o Lado de Lá!

A dor é necessária ao aperfeiçoamento


do homem, passando a dizer que quem
mandou nas tribunas do mundo, como o Si-
nédrio, a Agra de Atenas e o Senado roma-
no, que se calaram, esboroando-se, tal qual
toda a obra humana, sempre frágil e incon-
sistente, apesar dos seus faustos ou prestí-
gios transitórios, permanecendo de pé, so-
mente, através dos séculos e da oposição da
ignorância, a tribuna, imperecível e eterna de
Jesus!

Voltando ao problema da vida e da


morte, afirmando a existência espiritual, re-
ferindo-se ao labor e ao desaparecimento
terreno de Cairbar Schutel, termina: "Bendita
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 319
a terra que mata! Que suga a seiva à planta,
mas que conserva a raiz!"

Orador preciso, impecável, eloqüente,


vai sentar-se, entre ruidosas palmas.

A seguir, Itagyba Borges, que já havia


lido um telegrama de Paulo Tacla, de Curiti-
ba, congratulando-se com as homenagens, lê
outro, no mesmo sentido, de Aureliano Bote-
lho, de Bauru, e dá a palavra ao quarto ora-
dor da reunião.

É o Dr. Souza Ribeiro, médico, de Cam-


pinas, que se levanta. Foi o mais extenso de
todos. Falou durante uma hora e vinte minu-
tos, na meio de aplausos constantes, da As-
sembléia. Singelo, desataviado, grande na
sua imensa coragem moral, impressionou
vivamente, falando de Cairbar Schutel, de
quem se diz discípulo, falando da imortalida-
de da alma, das provas da sobrevivência do
Espírito, da reencarnação, da Justiça Divina e
exclamando: "os bons espíritas, tais quais os
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 320
bons cristãos, devem ser "mãos jogadoras de
sementes!" Franco e sincero, conta fatos
edificantes da sua vida e confessa: "só vim a
conhecer o cristianismo depois que me tornei
espírita! Enquanto bom católico que fui, co-
mo todo bom católico, nada entendia de Je-
sus!"

Fazendo a análise dos dogmas religio-


sos e destruindo a concepção da vida única,
referindo-se, ainda, a Cairbar Schutel, finali-
za seu extraordinário discurso, aplaudido
intensamente pela assistência.

Eram já 10 horas e meia, quando pas-


sou a falar Pedro Alonso, jornalista, de São
Carlos, representante da imprensa espírita e
da Sinagoga Espírita de São Paulo. Orador
fluente, surpreendeu com inspirada e delica-
díssima oração, despetalando, como afirmou,
flores da alma e da saudade sobre o Espírito
lúcido e a memória suavíssima de Cairbar
Schutel.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 321
Recebe, ao terminar, palmas calorosas.

Segue-se na tribuna, Caetano Méro, da


União Federativa Espírita Paulista, da Capital,
que também em frases delicadíssimas exalta
o homenageado batalhador de todos os seto-
res do Espiritismo, na tribuna, na imprensa,
no rádio e na caridade!" de maneira que Ca-
irbar Schutel lhe dissera, certa vez, a propó-
sito da necessidade de uma estação de rádio
para os espíritas: "O Espiritismo não é para
ficar entre quatro muros, mas deve abranger
o mundo, fazendo-se ouvir em toda a parte!"

Perorando com rara felicidade, encerra


a bonita oração, abafada por palmas prolon-
gadas.

Usa da palavra, agora, José Dias, de


São Carlos, que falou em nome dos espíritas
de Matão, agradecendo as homenagens diri-
gidas ao seu querido chefe. Declarando-se
também discípulo de Cairbar Schutel, e, calo-
roso, entusiasta, expressivo, sincero, diz a-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 322
gradecer aquelas vivas demonstrações de
afeto e de carinho, em nome do próprio ho-
menageado, que afirma, o inspirava no mo-
mento.

Passava das 11 horas, quando Itagyba


Borges vai encerrar a brilhantíssima sessão e
é interrompido por um dos assistentes, que,
levantando-se no palco, pede que se proceda
ao encerramento, com um "Pai Nosso", reza-
do pelo Presidente.

Não foi esta uma intervenção patente


do espírito de Cairbar Schutel, no seio da
assembléia? Ele que era tão amigo de Jesus
e da prece, orando sempre ao abrir ou ao
encerrar as sessões a que presidia?

E assim se procedeu. Estava realizada a


homenagem magnífica ao apóstolo brasileiro
do Espiritismo!
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 323
A assistência que se encontrava ali há
mais de quatro horas, esperando, ouvindo,
aplaudindo, parecia disposta a continuar.

Todos os oradores estiveram à altura da


grandiosidade daquela verdadeira concentra-
ção Espírita, presenciada por uma multidão
de pessoas de todas as crenças. Não houve
maiores nem melhores. Com estilos e dons
diferentes, todos agradaram profundamente.

Teve um cunho significativo e singular


de grandeza tal consagração, que ultrapas-
sou qualquer expectativa.

Não foi uma das reuniões comuns, de


espíritas, geralmente pequenas e recolhidas.
Ao contrário, foi uma assembléia enorme e
expansiva. Foi mesmo intensamente vibrante
aquela festa cristã, tão resplandecente de
beleza moral.

Volvendo o pensamento ao passado, o


cronista reviu todos os passos do homena-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 324
geado, na sua marcha ascendente, desde os
iniciais, há mais de 30 anos falando, obscu-
ramente, a meia dúzia de amigos íntimos!
Como frutificara a sua sementeira! Como a
sua ação foi profícua! Como a sua obra cres-
cera! Ali estava, no grande Teatro de Arara-
quara, aquela maré montante de gente, a-
quela verdeira preamar humana sequiosa de
se sentirem continuadores do eminente a-
póstolo, fundador de "O Clarim" e da "Revis-
ta Internacional do Espiritismo" de Matão, e
a força de uma idéia, que vai ganhando, ve-
lozmente, as consciências!

E, raciocinamos, ainda, esta é sem dú-


vida, a primeira grande demonstração da
importância de um movimento social, de in-
calculáveis proporções, que se desprende da
obscuridade e das indecisões do passado,
para as arrancadas do futuro.

Era, mais do que a homenagem a um


homem, a consagração de um Ideal, naquela
realíssima e impressionante Parada Espírita!
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 325
Estão de parabéns os espíritas de Ara-
raquara, do Estado de São Paulo e do Brasil.

Ítalo Ferreira – São Carlos, 23 de março


de 1938”

Final da Primeira Parte

Segunda Parte

Cairbar, o Escritor e o Jornalista

Wilson Garcia

"Nossa tarefa é divulgar"

Se, por um instante, alguém devesse


buscar um exemplo de criatura que justifi-
casse um processo reencarnatório assumido
com consciência; que demonstrasse compre-
ender as limitações intelectuais da própria
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 326
existência; mas que, finalmente, a despeito
de tudo fosse capaz de pensar - como diria
Humberto Mariotti - "com evidentes profun-
didades metafísicas", esse homem seria, sem
dúvida, Cairbar de Souza Schutel.

"Eu não conheço por grandes homens -


disse Voltaire - senão os que têm feito altos
serviços ao gênero humano". Esta lógica,
todavia, não tem sido suficiente para evitar a
subversão dos valores e impedir que parvos
sejam exaltados e verdadeiras inteligências
condenadas ao anonimato. Não obstante a
fantasia da imortalidade na mente humana,
que levanta monumentos à eternidade mas
os constrói sobre o sangue dos fracos e uma
miserável justiça, a figura de Cairbar Schutel
existe no cenário da história exatamente por
ser membro daquele grupo de grandes inte-
ligências destinadas a mudar os conceitos do
mundo.

Não é apenas o materialismo histórico


que deve ser combatido. Tampouco o socia-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 327
lismo utópico, o capitalismo selvagem, a Re-
ligião sem espírito, a educação sem perspec-
tivas. É necessário travar uma dura batalha
contra os falsos conceitos de imortalidade.
Encerrada nos museus e academias, nas sa-
cristias e santuários, ela cheira a mofo e tem
gosto de vela queimada. Imortalidade morta,
presa, despojada de racionalidade, fonte de
miséria intelectual e abandono moral.

"Vejo homens de fronte erguida para o


alto, - disse Cairbar - vejo outros curvados
em busca dos tesouros da terra; vejo bons,
vejo maus; uns inteligentes, outros estúpi-
dos; uns santos, outros diabos; vejo sãos,
vejo enfermos, bonitos e feios; pergunto-
lhes donde vieram, quem são e para onde
vão, mas nenhum deles me responde." (1)

01. Gênese da Alma, 1.ª edição,


1924.

Espanta-se Cairbar. De que valeram,


pergunta, séculos de história religiosa se o
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 328
homem moderno não tem respostas para
suas inquietações? Padres, pastores e sacer-
dotes de todos os cultos, onde as lições ca-
pazes de esclarecer a humanidade? Quem
pode resolver as dúvidas da alma humana?
Onde estão os ensinamentos cristãos legados
pelo Filho do Homem? E corre Denis, arrisca
uma resposta: "O verdadeiro Cristianismo
era uma lei de amor e liberdade, as igrejas
fizeram dele uma lei de temor e escravidão".
(2)

02. Cristianismo e Espiritismo, 5.ª


edição, 1952, FEB.

O dia de repor as coisas em seus devi-


dos lugares não está longe. O início de Cair-
bar Schutel no Espiritismo coincide com o
recrudescimento dos ataques dos adversá-
rios da doutrina. Ao contrário, porém, de
assustarem o novo adepto, os adversários
funcionam como uma espécie de adubo ati-
rado à raiz da árvore em crescimento. Não
poderiam saber eles que a semente lançada
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 329
naquela mata virgem daria origem a um dos
mais admiráveis espécimes. Notaram seu
porte mediano, a alvura engomada de seu
terno, o queixo alongado sustentando um
cavanhaque bem cuidado. Misturaram-no à
Doutrina Espírita na certeza de que a mistura
correspondia a um guisado demoníaco. Mas
foram enganados. Não perceberam que o
demônio havia retornado ao inferno de Dan-
te, donde, aliás, nunca deveria ter saído,
como já disse alguém. Cairbar foi quem os
enganou, com sua aparência frágil e o cora-
ção de aço.

Cairbar Schutel foi o iniciador de uma


época fertilíssima de homens de fibra, cora-
gem e fé. O seu tempo marcará a existência
no Brasil de espíritas incapazes de ajusta-
rem-se às "domesticidades convencionais",
assinalada por Inginieros. Leopoldo Macha-
do, Carlos Imbassahy, Romeu Camargo do
Amaral, Pedro Lameira de Andrade, o ítalo-
brasileiro Mariano Rango D'Aragona, Arlindo
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 330
Colaço, Deolindo Amorim, José Herculano
Pires, Júlio Abreu Filho entre tantos outros.

Esse grupo vai dividir-se e combater em


dois flancos: de um lado, os donos do poder
religioso, católicos e protestantes, sempre
dispostos a atacar o Espiritismo na vã tenta-
tiva de destruí-lo; de outro, os responsáveis
pelos desvios doutrinários, resultantes dos
preconceitos, dos falsos conceitos e - até
mesmo - da inoperância. Ou seja, esses ho-
mens não se contentarão em responder às
criticas sempre ferozes dos adversários de-
clarados da Doutrina Espírita, mas se posta-
rão atentos ao próprio movimento espírita
para conter os excessos naturais da interpre-
tação. E, verdade seja dita, não obstante à
lisura com que agiam, muitos deles sofrerão
dos próprios espíritas injustiça e incompre-
ensão.

Cairbar Schutel cedo define sua linha de


ação: "A nossa tarefa está limitada à divul-
gação da missão kardecista". (3) Assim, seu
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 331
tempo será destinado ao trabalho de divulgar
o Espiritismo. No entanto, o seu conceito de
divulgação assume uma amplitude caracte-
rística de um gênio; em Cairbar tudo é moti-
vo para fazer propaganda da filosofia espíri-
ta; as críticas dos adversários religiosos, a
ocorrência de fenômenos mediúnicos, as tra-
dições sociais, etc.

03. Médiuns e Mediunidades, 1.ª


edição, 1923.

Ao definir sua tarefa, Cairbar passa a


dedicar tempo integral ao trabalho que ela
exige. Poucas vezes ele discutirá com os
próprios espíritas, mas, se o fizer, será fran-
co.

E certo que sua época se caracterizava


pelo combate sistemático de vigários e pas-
tores à nova doutrina. Nesse particular, o
início do século XX não diferia muito da se-
gunda metade do século XIX, quando o Espi-
ritismo surgiu na França e espalhou-se pelo
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 332
mundo, alcançando também o Brasil. Tanto
os meios científicos quanto os religiosos pas-
savam por grandes transtornos no que diz
respeito à transcendência do ser humano. A
comprovação dos fenômenos mediúnicos
levou inúmeros homens de ciência e de reli-
gião a aceitar a filosofia espírita, aumentan-
do o furor dos ortodoxos de todos os lados.
Havia, pois, uma guerra declarada unilate-
ralmente e a Doutrina Espírita, sem pátria e
sem fronteiras, via-se agredida impiedosa e
não raro desonestamente.

Por isso, torna-se estranha e incompre-


ensível a posição de certas instituições espíri-
tas, que criticaram a ação destemida de Ca-
irbar Schutel sob o pretexto de que as polê-
micas religiosas não traziam benefício para o
Espiritismo.

Cairbar não as ouviria. Não era de sua


personalidade ouvir passivamente a mentira
da boca daqueles que tinham o dever de
falar a verdade. Não seria ele quem veria a
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 333
Doutrina Espírita espoliada sem nenhuma
ação de defesa. Temos nesse interior do
Brasil inúmeras regiões onde o Espiritismo
praticamente inexiste; teria faltado aí ho-
mens como Cairbar Schutel, para exigir que
o clero romano respeitasse, no mínimo, a
Constituição Brasileira?

O respeito que se dedica ao Espiritismo


nos dias de hoje muito deve à ação desses
homens corajosos, destemidos; essa ação foi
desenvolvida numa época em que ser Espíri-
ta era motivo de cadeia ou de internação em
hospício.

A pecha de "doutrina do diabo" era


pronunciada nos confessionários, parlatórios
e altares e transformada em livros. Avocar
ao diabo a causa de alguma coisa hoje pode
parecer estranho. Afinal, ele está totalmente
desacreditado. Não naquela época, porém,
quando os meios de comunicação de massa
apenas se esboçavam.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 334
O Espiritismo então se mantinha por si
e por um punhado de homens de fibra. A
situação de seus adeptos era muito parecida
com a dos primeiros cristãos. Organizadas,
as religiões ocidentais contavam com uma
estrutura invejável; seu poder era sustenta-
do pelo capital acumulado durante séculos
de história. Os espíritas contavam apenas
com a fé raciocinada. Algumas vezes, só com
a fé; não dava tempo de raciocinar para con-
ter a violência clerical...

A realidade tem soluções invisíveis não


raro. Cada ataque sofrido pelo Espiritismo
era compensado com o aparecimento de no-
vos adeptos, saídos dos quadros materialis-
tas e dos meios religiosos. A parcela de ho-
mens cansados do domínio clerical tinha na
Doutrina Espírita oportunidade de raciocinar
sem as pressões do modelo seminarista.

Ao Espiritismo acorrem não apenas os


miseráveis do sistema, tantas vezes humi-
lhados. Um grande número de intelectuais,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 335
amantes de liberdade, aderem à nova dou-
trina e far-se-ão ouvir pela liberdade de
crença.

Assim como a fé, o idealismo nunca foi


propriedade da igreja. Idealistas existiram
sempre em todos os tempos e uma de suas
características mais marcantes é a indepen-
dência. As fogueiras da inquisição fizeram
cinzas de muitos deles, mas multiplicaram-
nos também ao infinito.

A seu turno, a ciência oficial, muitas ve-


zes comprometida com o sistema econômico,
incumbiu-se de procurar explicações extra-
vagantes para os fenômenos mediúnicos.
Teorias se acumularam na ânsia de condenar
as conclusões apresentadas pelos espíritas.
O preconceito era aí também muito forte.

Cairbar Schutel aparece no cenário em


meio a esta realidade. Em pouco tempo re-
vela-se um idealista puro, decidido a defen-
der o último reduto livre do conhecimento.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 336
Livre, sim, porque enquanto as instituições
culturais e religiosas sempre estiveram atre-
ladas ao poder ou por ele eram manipuladas,
o Espiritismo surgia sem nenhum vínculo.
Podia, pois, optar pelos pobres numa época
em que isto era arriscado. A opção, no en-
tanto, não poderia ser mera ocupação de
espaço ou intenção de recuperar o tempo
perdido. Ela advinha exatamente de uma
visão nova do próprio ser humano e interes-
sada em fazê-lo livre pelo conhecimento,
crente pelo raciocínio.

Cairbar, entretanto, estava destinado a


ser mais do que um simples combatente. Na
verdade, por sua forma de pensar, capacida-
de de ação, senso de responsabilidade, bra-
vura e, acima de tudo, profundidade ao olhar
o Espiritismo, ele foi um verdadeiro coman-
dante, amado e seguido, um exemplo na
Terra da "superioridade moral irresistível"
natural entre os Espíritos.

II
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 337
O pensamento espírita de Cairbar Schu-
tel

Não foi Cairbar Schutel um pensador no


sentido estrito do termo. Dentre os livros que
escreveu, nenhum há que demonstre qual-
quer preocupação acadêmico-filosófica. Não
tencionou realizar perquirições profundas,
questionamentos e abstrações metafísicas.
Sua obra literária não possui liames previa-
mente definidos, pelos quais se perceba a
existência de um plano traçado com antece-
dência e a busca de objetivos em momentos
que se sucedem em cada um dos seus livros.

Em Cairbar Schutel as coisas acontecem


com uma rapidez inimaginável. Ele é ao
mesmo tempo um instrumento dócil, entre-
gue às forças da inspiração, mas também
um homem de vontade própria e objetivos
claros. Uma personalidade convicta.

Na Matão do início do século ninguém


será filósofo. Cairbar se transformará num
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 338
verdadeiro bandeirante, corajoso, audaz;
fará entradas nos domínios mais fechados do
pensamento dogmático e fincará as bandei-
ras de uma nova ordem espiritual.

Essa ação atrairá a fúria do clero roma-


no e do protestantismo. Ambos se sentirão
ofendidos pela presença impertinente de um
homem que pensa em voz alta e fala aos
sussurros com os Espíritas. Daí nascerá um
embate que atravessará os anos e deixará
atrás de si uma trilha de livros e obras soci-
ais.

Cairbar Schutel concentrará suas forças


na solidificação de uma entidade espírita vol-
tada à propaganda da literatura doutrinária -
"a nossa tarefa está limitada à divulgação da
missão kardecista" - enquanto ele mesmo se
dedicará a conquistar espaços entre os gru-
pos sociais para a mensagem espírita.

Para tanto, constrói no seu íntimo uma


convicção inabalável sobre a doutrina codifi-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 339
cada por Allan Kardec. Em primeiro lugar, ele
não tem dúvidas sobre os seus postulados,
só certezas. O estudo dessas obras trouxe-
lhe uma crença profunda nas realidades es-
pirituais. Essa crença é a primeira conse-
qüência do seu encontro com a Doutrina Es-
pírita.

Não surge pronta, entretanto, a crença.


Ela sofre um processo de maturação, acele-
rado em virtude das circunstâncias excepcio-
nais do ambiente social em que se situa. As
criticas deflagradas pelos opositores do Espi-
ritismo vão atingi-lo em cheio, porque serão
dirigidas tanto à sua pessoa quanto à doutri-
na.

"E preciso - dirá Cairbar - que o espírito


tenha uma caridade quase ilimitada para su-
portar com tranqüilidade o ataque desleal,
injusto e sistemático, que contra o Espiritis-
mo movem os sacerdotes de Roma e do pro-
testantismo." (4)
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 340
04. Gênese da Alma, 1.ª edição,
1924.

A caridade - hoje um termo tão desgas-


tado - é uma segunda conseqüência em Ca-
irbar Schutel. A convicção doutrinária junta-
se um sentimento de solidariedade que não
é novo nele, mas que encontra mais razões
para tornar-se um fato real.

Os debates, mesmo nos momentos


mais críticos e de emoção maior, levarão os
contendores aos extremos, mas, pelo menos
em Cairbar Schutel, as feridas jamais se
transformarão em ódio. Um sentimento pro-
fundo de bondade leva-lo-á a superar a ten-
dência natural de estender a mágoa da injus-
tiça sofrida a tudo o que se refere ao adver-
sário. Cairbar não odeia, ama.

Contudo, não tergiversa nem transige.


"Amo - dirá - com todas as forças de minha
alma a intransigência, que é, a meu ver, um
dos apanágios dos espíritos fortes". (5)
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 341
05. O Clarim, 13/06/1914.

Em Cairbar todos os sentimentos se


fundem para dar lugar a um espírito ao
mesmo tempo caridoso e capaz. A coragem
encontra nele uma expressão que raríssimas
vezes se vê. Ele perdoa a tudo, menos à fra-
queza dos homens, que põe em risco a ver-
dade.

Poucas vezes Cairbar travará discussões


com os próprios espíritas. Isso não significa
que ele não mantivesse opinião divergente
em relação a diversos aspectos doutrinários.
Como o faz em "Médiuns e Mediunidades",
onde afirma: "Não podemos compreender a
atitude dos centros que resumem seus deve-
res ao exercício de uma ou duas sessões por
semana".

Voltado para a divulgação, não encon-


tra tempo para discussões internas. Entre-
tanto, quando elas ocorrem, prevalece sem-
pre sua postura de homem vertical, franco,
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 342
extremamente fiel à causa, que não admite a
fraqueza do espírito. Dizia ele: "da tolerância
à transigência vai uma distância tão grande
como da Terra a Marte." (6)

06. O Clarim, 13/06/1914.

Este traço é acentuado em Cairbar e ele


tenta passá-lo àqueles com quem convive e
faz escola. Inspira-se, certamente, na figura
admirável de Paulo de Tarso, que, conforme
diz, "era um moço vigoroso, de Espírito for-
te". (7) Nele encontra motivos para a condu-
ta que determina para si próprio, com tanto
rigor. "Paulo, diz, era um homem de grande
instrução, racionalista, não se converteria
sem um conjunto de provas que pudessem
convencê-lo da Verdade Cristã." (8)

(7), (8) - parábolas e Ensinos de


Jesus, 1.ª edição, 1928.

Embora distanciados no tempo e no es-


paço, Paulo e Cairbar desenvolvem uma ação
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 343
em muitos pontos semelhantes. Ambos são
divulgadores de uma mensagem, que consi-
deram de capital importância para a humani-
dade. Paulo viaja bastante, Cairbar não tan-
to, mas os dois possuem uma idêntica cora-
gem para lutar contra o dogmatismo. Suas
personalidades se parecem até na indepen-
dência com que atuam: não se submetem a
pressão de qualquer espécie e não vivem do
sacrifício alheio. Paulo é tecelão, Cairbar
farmacêutico.

O que Cairbar fala de Paulo vale para si


mesmo: "Absolutamente independente, ele
nunca se aproveitou de sua autoridade para
receber o que quer que fosse para seu uso
particular". E mais: "...homem severo, mas
justo, intemerato, sábio, poliglota, orador..."
(9)

(9) - parábolas e Ensinos de Jesus,


1.ª edição, 1928.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 344
Os maiores inimigos de um seriam, de-
pois, os piores inimigos do outro. Embora
distanciados no tempo e vivendo épocas dis-
tintas, tiveram ambos que travar suas mais
duras batalhas com os representantes do
poder religioso, estes sempre mais fortes e
contando com maior apoio material. Luta-
ram, todavia, em prol da liberdade, sob a
direção de uma consciência bem expressa
nestas palavras de Cairbar: "Discutir idéias,
expor argumentos às acusações infundadas
que contra nós são atiradas, contestar as
opiniões errôneas que contra nós são apre-
sentadas, rebater as calúnias, apontar as
mentiras, desmascarar a hipocrisia, tal deve
ser o afã de todo espírito sincero, cônscio
dos deveres que lhes são confiados". (10)

(10) - O Diabo e a Igreja, 1.ª edi-


ção, 1914.

As virtudes, pois, em Cairbar expres-


sam-se nesta presença de um coração cari-
doso, sempre pronto a auxiliar ao necessita-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 345
do e perdoar o ofensor. Nunca, entretanto, a
permitir que a falsidade prejudique aqueles
que buscam o conhecimento.

Um terceiro momento em Cairbar pode


ser sintetizado na maneira como ele compre-
ende a Doutrina Espírita. De fato, Cairbar
não discute os novos conhecimentos; absor-
ve-os como se os encontrasse após intensa
procura. O fato de não discutir não significa
a existência de uma crença cega. Pelo con-
trário, a nova doutrina é que vai favorecê-lo
no uso da racionalidade. O encontro dele
com a doutrina funciona como a descoberta
do vírus para o cientista. A partir daí as hipó-
teses cedem lugar às certezas.

Mais tarde, dirá ele que "a obra de Allan


Kardec é inexcedível. De todos os espíritos
que têm vindo à Terra ele é o verdadeiro
mensageiro de Jesus, sob cuja direção a-
giu".(11)
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 346
(11) - Médiuns e Mediunidades, 1.ª
edição, 1923.

O cristianismo, na sua forma primitiva,


quando estava ainda isento das influências
que viriam a modificar. substancialmente sua
natureza, reaparece para Cairbar na inteireza
da nova doutrina. Estão de volta, agora com
a vantagem do progresso tecnológico de
quase dois mil anos, os fenômenos mediúni-
cos, as curas, a reencarnação, a evolução do
espírito, enfim todos aqueles conhecimentos
muito cedo subtraídos das informações cris-
tãs nascidas com a missão de Jesus.

A fé deixa de existir como dogma e re-


torna à sua origem. O Cristo perde a auréola
de construtor de milagres e retoma as carac-
terísticas de espírito evoluído. As leis naturais
adquirem novas dimensões. Os homens são
tratados como seres em evolução e não mais
como espíritos de uma única existência. A
vida além da matéria ganha perspectivas
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 347
novas: deixa de ser uma esperança vazia
para se tornar um fato dinâmico.

A crença e a caridade, os dois primeiros


momentos de Cairbar, são alimentadas nele
pelo conhecimento doutrinário. Este, ao
mesmo tempo em que lhe garante energias
para a luta, amadurece-lhe o espírito, permi-
tindo-lhe uma compreensão do mundo supe-
rior à dos homens comuns.

III

Cairbar Schutel e a fenomenologia espí-


rita

Ao contrário da tendência que se nota-


ria mais tarde, entre os adeptos do Espiritis-
mo, Cairbar Schutel consagrou aos fenôme-
nos mediúnicos uma importância tão grande
quanto aos aspectos morais e filosóficos da
Doutrina Espírita. Para ele, a moral era tão
importante para os homens quanto os fenô-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 348
menos que comprovam a existência do espí-
rito. Um complementa o outro.

Longe dele o deslumbramento do neófi-


to; importa-lhe sobretudo não perder de vis-
ta os fatos, únicos capazes de vergar os ne-
gativistas. Assim, os fatos são o poderoso
instrumento para convencer a opinião públi-
ca sobre a existência de uma outra vida além
da morte. Com isto, ele vai realçar os fenô-
menos em toda a sua obra, utilizando-os ora
como instrumento de combate às idéias dos
adversários, ora como veículos de informa-
ção aos leitores de O Clarim e Revista Inter-
nacional do Espiritismo.

Fosse qual fosse o fato, sendo verídico,


dele se servia Cairbar. "O Espiritismo, afirma,
é assunto do dia e as curas Espíritas revolu-
cionam os cérebros que engendram, cada
qual, opiniões as mais desbaratadas, seme-
lhantes as dos contemporâneos de Newton
sobre a gravitação universal." (12)
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 349
(12) - Histeria e Fenômenos Psí-
quicos, 1.ª edição, 1911.

Ao Espiritismo atribuía-se a causa de


muitas loucuras humanas. Dizia-se que a
nova doutrina era fábrica de doidos. O ar-
gumento utilizado pelo clero romano, ao qual
agregava ainda a teoria demoníaca, tinha o
endosso de alguns profissionais da medicina.
Não importava nem mesmo a inexistência de
provas científicas para embasar as acusa-
ções. Tenta-se a todo custo condenar o Espi-
ritismo.

Contrariamente, porém, aos interesses


dos adversários, as casas Espíritas se multi-
plicavam e nelas se operavam consideráveis
curas de doentes não raros desenganados
pela medicina. Era a essas curas que se refe-
ria Cairbar. Já na época ele acreditava no
aparecimento de um comportamento mais
positivo por parte da ciência: "...as curas
espíritas estão se impondo à atenção de
doutos e sábios de nossa terra e brevemente
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 350
elas merecerão a sanção da ciência oficial,
última sempre em abraçar as novas verdades
que nos são reveladas". (13)

(13) - Histeria e fenômenos Psíqui-


cos, 1.ª edição, 1911.

Não poderia, porém, um homem racio-


nal a tudo aprovar sem qualquer análise. Ao
mesmo tempo em que as curas atraíam a
atenção de Cairbar, levando-o a delas se uti-
lizar na divulgação Espírita, punha ele senti-
do na natureza humana, sempre muito pró-
diga na desonestidade.

Os farsantes existem em todos os luga-


res. Por isto, alertava Cairbar: "Há curas es-
píritas e há pretensas curas Espíritas ou pre-
tensos médiuns que se intitulam curadores;
discernir o falso do verdadeiro é dever de
todos os homens que trabalham, que concor-
rem finalmente para o progresso". (14)
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 351
(14) - Histeria e fenômenos Psíqui-
cos, 1.ª edição, 1911.

Cairbar Schutel tinha dos fenômenos


mediúnicos uma visão muito segura. Podia
medir-lhes a importância; conhecia-os por
experiência própria, pois houvera sido inter-
mediário em processos de cura.

"Hoje, afirma Cairbar, que a humanida-


de está cansada de especulações filosóficas
que saem das forjas do sectarismo religioso,
é preciso que as palavras se apóiem nos fa-
tos". (15)

(15) - Espiritismo e Materialismo,


1.ª edição, 1925.

Para Cairbar, não há dúvida de que o


conhecimento oferecido pelo Espiritismo pos-
sui um extraordinário valor; ele alcança a
razão das pessoas e por ali penetra. Mas o
homem ainda e cada vez mais precisa de
algo visível, palpável, para acreditar.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 352
"As teorias proclamadas pelo Espiritis-
mo - dirá - são de um valor incalculável, mas
a incredulidade arraigou-se tanto no espírito
humano que só mesmo os fatos (...) poderão
convencer o homem de sua imortalidade".
(16)

(16) - Espiritismo e Materialismo,


1.ª edição, 1925.

A mediunidade, séria e honesta, oferece


tantas perspectivas de comprovação das teo-
rias espíritas, que Cairbar Schutel não per-
doa aqueles que se dizem espíritas mas são
incapazes de olhar com proveito os fenôme-
nos. Em "Médiuns e Mediunidades", ao anali-
sar diversos ângulos da questão, diz:

"Como nos dói na alma saber da noticia


de uma casa assombrada e lemos em segui-
da: "lá compareceram os Espíritas e os fe-
nômenos cessaram!..."
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 353
"Não seria mais lógico - pergunta Cair-
bar - mais racional, mais religioso que os
Espíritas, após a verificação da autenticidade
do fenômeno, estimulassem a sua intensifi-
cação para que todos pudessem verificá-lo?"
(17)

(17) - Médiuns e Mediunidades, 1.ª


edição, 1923.

O fato é que entre os próprios espíritas


vigem certos preconceitos com relação à
mediunidade, havendo até quem endosse a
teoria, trazida naturalmente dos meios igno-
rantes, de que ela representa algum tipo de
perigo para as pessoas. Isto deu origem a
um movimento recente alertando contra a
tentativa de implantação de um Espiritismo
sem Espíritos.

Em Cairbar Schutel, "o uso da mediuni-


dade não oferece perigo; o abuso, sim, é
perigoso". (18) Daí porque se bate em prol
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 354
de um tratamento mais adequado da ques-
tão.

(18) - Médiuns e Mediunidades, 1.ª


edição, 1923.

"A abstenção do estudo e da experi-


mentação de um fenômeno - afirmará ele em
1923 - sob pretexto de perigo, não é consen-
tânea com a razão, nem com a ciência, como
também é um entrave à lei do progresso, da
Verdade." (19)

(19) - Médiuns e Mediunidades, 1.ª


edição, 1923.

Não faremos justiça se omitirmos um


detalhe: em Cairbar Schutel a propaganda
dos fenômenos não é a mesma coisa que a
realização de reuniões práticas abertas ao
público, com o intuito de fazer espetáculo.
Cairbar nutre pelos espíritos uma atitude de
profundo respeito e compreende o caráter
privado que devem conter certas atividades.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 355
"A divulgação do Espiritismo - diz - não
está afeta a esses trabalhos práticos, mas
sim a propaganda de sua doutrina racional,
consoladora e que se arrima sobre os fatos
verificados sob a mais rigorosa fiscalização".
(20)

(20) Médiuns e Mediunidades, 1.ª


edição, 1923.

Dar publicidade ao fato comprovado é


uma necessidade. Negar ao fenômeno qual-
quer importância na modificação do compor-
tamento das pessoas é não ver a realidade.

Cairbar vai mais além ao relacionar os


fenômenos com o Cristianismo: "Não é o
timbre moral da doutrina que faz os adversá-
rios curvarem a cerviz ante a palavra de Je-
sus, mas, sim, os fenômenos de ordem física
e intelectual que reluzem nas páginas dos
Evangelhos, fatos que, digamos de passa-
gem, com maior ou menor intensidade, nun-
ca deixaram de se produzir desde tempos
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 356
imemoriais até à época em que nos acha-
mos". (21)

(21) - Parábolas e Ensinos de Je-


sus, 1.ª edição, 1928.

O fato mediúnico está na base das


revelações: aparece em Moisés, no Sinai;
vem com Jesus, nos três anos em que
noticiou as boas novas; ressurge,
novamente, em Kardec, em meados do
século XIX. Se em Moisés e Jesus o fato
mediúnico funciona como elemento de
atração e persuasão, em Kardec ele acabará
se transformando no próprio canal da
revelação.
"Na verdade, pergunta Cairbar, que se-
ria do Cristianismo sem as curas, sem as
manifestações diversas, sem as aparições?"
(22)

(22) - Parábolas e Ensinos de Je-


sus, 1.ª edição, 1928.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 357
A mediunidade alcança em Cairbar uma
importância extraordinária. Não se trata de
uma coisa banal, mas de algo que convive
com a humanidade que está presente em
todos os momentos importantes da vida na
Terra, nos acontecimentos mais simples ou
mais complexos.

Divulgar a mediunidade é mostrar os fa-


tos e "os fatos são o 'tudo' da Religião, da
Ciência e da Filosofia" (23) garante Cairbar.

(23) - Parábolas e Ensinos de Je-


sus, 1.ª edição, 1928.

O ideal de Jesus foi "demonstrar a exis-


tência do Espírito e sua sobrevivência à de-
sagregação corpórea". (24) Longe, pois, da
concepção mística que lhe foi atribuída.

(24) - Parábolas e Ensinos de Je-


sus, 1.ª edição, 1928.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 358
O fato busca a razão. Cairbar é um ra-
cionalista. Ele ama a Deus, crê-se um ho-
mem religioso, mas não se sente impulsio-
nado a uma atitude mística, nem a um com-
portamento que traduza a existência de pre-
conceitos castrantes. "É preciso construir a
crença como se constrói uma casa". (25) Isto
é, tijolo a tijolo, conhecimento a conheci-
mento, fato a fato.

(25) - Parábolas e Ensinos de Je-


sus, 1.ª edição, 1928.

"Muitos missionários vieram à Terra,


mas um só se conta que aliou a palavra aos
fatos, os fenômenos conseqüentes e subse-
qüentes da vida eterna aos princípios da mo-
ral mais pura, mais tocante, mais elevada e,
ao mesmo tempo, mais simples que se pode
conceber". (26)

(26) - Parábolas e Ensinos de Je-


sus, 1.ª edição, 1928.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 359
A sua visão das revelações é coerente:
todas têm por base os fenômenos mediúni-
cos. A eles, portanto, o devido valor.

IV

Por um espírito livre, consciente

Cairbar Schutel é a demonstração evi-


dente do poder do ideal. Quando o padre e o
pastor o encontram na propaganda do Espiri-
tismo e fazem-se seus adversários ferrenhos,
despertam nele uma capacidade rara de ana-
lisar e julgar, com imaginação e praticidade,
sem perder os mais simples detalhes. Surge,
pois, o crítico obstinado, intransigente, que
desce às minúcias dos fatos e as põe à mos-
tra.

Abre-se para Cairbar um novo ângulo


de análise: a parte moral da doutrina. Os
representantes do poder religioso, sem o
saber, fornecem-lhe motivação para o estudo
da Religião, com o que se fechará o circuito
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 360
em que transita o Espiritismo: filosofia, ciên-
cia e moraI.

"A Religião - dirá ele - não pode ser


manifestação platônica a serviço dos cultos
ou dogmas de qualquer Igreja; não é mono-
pólio de determinado povo ou raça; é um
apelo à razão e ao sentimento e conduz o
Espírito a destinos ignotos, mas imortais".
(27)

(27). Parábolas e Ensinos de Jesus,


1.ª edição, 1928.

De fato, com o Espiritismo a idéia de


Religião sofre uma mudança completa, apro-
ximando-se da definição dada por Jesus, a-
través da qual Deus deveria ser adorado "em
espírito e verdade", portanto, dispensando o
intermediarismo de qualquer espécie. Os
cultos ritualísticos, os dogmas de fé são ex-
pressões simbólicas que tendem a substituir
a realidade e a obliterar a razão. As imagens
são outros tantos símbolos criados para sa-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 361
tisfazer a necessidade do povo, enquanto se
lhes subtraía a possibilidade de conhecimen-
to das questões efetivas do espírito.

A Religião tornou-se instrumento de


dominação; foi posta a serviço dos interesses
econômicos. Ora, uma tal Religião não pode-
ria ser tida senão como o tóxico que ador-
mece as consciências.

"A Verdadeira Religião desperta altas


aspirações e torna-se um liame entre as al-
mas e Deus; por isso não pode deixar de ter
caráter permanente, no tempo e fora do
tempo, no espaço e fora do espaço!" (28)

(28) - Parábolas e Ensinos de Je-


sus, 1.ª edição, 1928.

Longe de dominar, a Religião liberta; ao


invés de enganar, esclarece; não foge ao
estudo da natureza espiritual das coisas, mas
se debruça sobre ela para compreendê-la e
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 362
desvendá-la. Estimula a fé, mas não a toma
à custa dos dogmas.

"A fé sem conhecimento pode ser com-


parada a uma candeia mal provida, que à
meia-noite não dá mais luz". (29) Isto é, a fé
dogmática estremece, desmorona ao primei-
ro choque. A fé espírita não é produto da
imaginação. Com e Espiritismo descobre o
homem que a sabedoria é a maior aliada da
fé. A fé Espírita é pois raciocinada.

(29) - Parábolas e Ensinos de Je-


sus, 1.ª edição, 1928.

A partir do advento do Espiritismo, não


se crê mais por medo; acredita-se apenas
naquilo que pode ser explicado com lógica. A
vida perde sua condição unitária, a morte
deixa no túmulo apenas os ossos. O homem
torna-se um ser evolutivo; sua individualida-
de mantém-se integra a cada desencarne e
retorna sempre às experiências físicas.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 363
A própria dor perde seu caráter de ca-
sualidade. "Neste mundo ainda atrasado,
dirá Cairbar, onde viemos progredir, a dor
parece ser a sentinela avançada a nos des-
pertar para a perfeição". (30)

(30) - Parábolas e Ensinos de Je-


sus, 1.ª edição, 1928.

Ao tomar conhecimento dessas novida-


des acenadas pela pena de Cairbar Schutel,
os representantes do poder religioso amea-
çam seus adeptos com castigos eternos, es-
cancarando as portas do inferno. O Espiri-
tismo é resultado da ação do diabo, garan-
tem os padres do início do século em Matão.
Todos, pois, que nele acreditarem serão
condenados, sem direito a defesa. Sem ape-
lação.

Cairbar responde: "O diabo é sempre


invocado pelo Catolicismo para combater as
idéias que vêm de encontro à sua teoria pre-
concebida". (31) O que os padres católicos
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 364
não percebem é a ineficácia de tal expedien-
te diante dos novos tempos. Há muito a I-
greja Católica perdera o domínio sobre o sa-
ber. Decerto sua influência é ainda grande.
Outros núcleos, porém, já se haviam liberta-
do e dado início à formação de homens de
consciência livre. Todos sabem que o diabo
não passa de um pretexto intimidatório, a
encobrir outros interesses.

(31) - O Diabo e a Igreja, 1.ª edi-


ção, 1914.

E o que percebe Cairbar: "O diabo do


sacerdócio romano está para o Espiritismo
assim como o diabo do sacerdócio hebreu
estava para o cristianismo: é o mesmo espíri-
to de intolerância e aversão a todas as ver-
dades que vêm libertar os homens do sofri-
mento e da ignorância". (32)

(32) - O Diabo e a Igreja, 1.ª edi-


ção, 1914.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 365
A preocupação com o destino espiritual
do homem era o disfarce que encobria o
medo da perda de um rebanho tão lucrativo.
Os cuidados com a conduta dos adeptos era
outra falácia bem urdida pelos senhores vi-
gários. Na verdade, "...a Igreja de Roma a
ninguém condena por deixar de praticar as
verdades verdadeiras, como o amar ao pró-
ximo; porque com isto pouco a igreja se in-
comoda; as labaredas eternas estão reserva-
das aos que tiverem a audácia de descrer
dos dogmas - artigos de fé que dão o nume-
rário para os seus ministros". (33)

(33) - O Diabo e a Igreja, 1.ª edi-


ção, 1914.

Outra seria a identidade da verdadeira


religião. Sua face mais nobre consiste em
instruir os homens sobre as coisas do espíri-
to. Qual o que, a religião que herdamos dos
nossos antepassados sequer nos pode dizer
quem somos, de onde viemos e qual o nosso
destino. Há um silêncio tumular pesando so-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 366
bre nossas cabeças. De quando em quando
um sussurro quebra essa horrível monotonia.
De dentro dos seminários alguém sugere um
símbolo qualquer, algo como que misterioso
que a ciência nem o progresso aceitam.

Positivamente, "não é nos templos nem


nas academias que encontraremos o registro
da nossa individualidade...". (34) Vivemos
quase dois mil anos sem nome e sem docu-
mento, perdidos nos prazeres que se esgo-
tam e nos esgotam, vivendo repetidas expe-
riências na crença de que jamais fomos on-
tem. Somos seres sem passado que preten-
dem ter futuro, como se a vida pudesse exis-
tir sem história.

(34) Gênese da Alma, 1.ª edição,


1924.

A pergunta se renova: "onde está o sá-


bio, onde o padre, que não esclarecem sobre
o nosso passado? Onde a sabedoria da ciên-
cia e a luz da religião que não iluminam os
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 367
primórdios do meu espírito, o nascimento de
minha alma?" (35)

(35) - Gênese da Alma, 1.ª edição,


1924.

Como esclarecer sobre o ser superior da


natureza se nem mesmo os mais simples
podem ser explicados convenientemente.
Ora, "as religiões parasitárias têm negado
com a maior desfaçatez a alma dos animais.
Fascinados pela vida material e seu bem-
estar que visam usufruir, cerceados pelo
dogma execrando que condena o raciocínio,
oblitera a consciência e impõe a fé passiva,
os sacerdotes presos às suas doutrinas pes-
soais trabalham para manter a ignorância do
povo, negando-lhe o direito de pesquisa, de
livre exame, condições indispensáveis para a
conquista dos conhecimentos que acionam a
evolução espiritual". (36)

(36) - Gênese da Alma, 1.ª edição,


1924.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 368
Precisa o homem libertar-se desse jugo,
que o ilude, e defender seus direitos, sua
consciência. Nossa religião, herança do pas-
sado, nos atira no túmulo e fecha a gaveta
sem maiores informações. É como se fôsse-
mos jogados no nada do materialismo. Po-
rém, "o nada não existe; trevas, morte, se-
pulcros não são mais que berços que acalen-
tam variadas formas de vida para entregá-las
à eternidade". (37)

(37) - Gênese da Alma, 1.ª edição,


1924.

E com o Espiritismo alerta Cairbar Schu-


tel: "A Lei de Evolução Anímica é a única que
explica a origem da alma...". (38)

(38) - Gênese da Alma, 1.ª edição,


1924.

Precisamos construir a nova Religião


que respeita a realidade do indivíduo. "E
preciso construir a fé, como se constrói a
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 369
casa". O Espiritismo que aí está "é tolerante,
não exige uma crença cega". (39)

(39) - Médiuns e Mediunidades, 1.ª


edição, 1923.

Devemos buscar uma Religião que não


negue os fatos mediúnicos e não os trans-
forme em instrumento de dominação. Ao
contrário, que os estude com rigor cientifico,
porque "todos esses fatos, tidos como mira-
culosos pela ignorância popular e pelo autori-
tarismo clerical, não eram mais do que pro-
vas objetivas dos atributos do Espírito, mag-
nificamente sintetizadas no Filho do Ho-
mem". (40)

(40) - Parábolas e Ensinos de Je-


sus, 1.ª edição, 1928.

Precisa o homem de uma religião dura-


doura, que "desperte altas aspirações", sem
dogmas, cultos, mistérios insondáveis, ritua-
lismos, condicionamentos místicos. Uma Re-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 370
ligião que una fé e razão, ciência e filosofia;
que tenha por base a moral pura do cristia-
nismo e por lema amar e instruir. Precisamos
do Espiritismo, dirá Cairbar Schutel.

Cairbar Schutel e seus livros

Os livros surgem em Cairbar Schutel em


decorrência de três fatores: em primeiro lu-
gar, as polêmicas a que foi conduzido pela
ação dos padres católicos e pastores protes-
tantes; em segundo lugar, pela oportunidade
de abordagem de determinados temas, que
o momento oferecia; finalmente, para cum-
prir antigas aspirações que o autor alimenta-
va.

Muitos desses livros tiveram sucessivas


edições e foram estudados por diversas ge-
rações, nas escolas e cursos mantidos por
instituições espíritas. Eles ultrapassaram as
divisas da pacata Matão e espalharam-se por
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 371
todo o País, indo até o exterior. Inspiraram
oradores, tornaram-se modelo para escrito-
res espíritas, muitos dos quais posteriormen-
te alcançaram grande projeção. Instruíram
médiuns, colaboradores de instituições
espíritas e dirigentes doutrinários.

Estas obras estão impregnadas do cará-


ter do autor. Nelas não se percebe apenas o
estilo vigoroso de Cairbar, mas também a
sua forma de ser e agir.

Não são livros de expressão literária.


Foram elaborados entre um afazer e outro,
de modo despreocupado quanto ao apuro do
estilo e ao esmero da linguagem. Cairbar não
é um intelectual de formação acadêmica. E
um autodidata. Seus conhecimentos foram
acumulados através do esforço do dia-a-dia,
entre a luta pela sobrevivência e o descanso.
Considera-se ele um divulgador, aquele que
tem a tarefa de levar a mensagem ao público
e com ela exercer algum tipo de persuasão.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 372
Sua linguagem é simples, direta, como
convém ao jornalista que trabalha com a
informação. Não podendo se aprofundar em
pesquisas e pião dispondo dos recursos cul-
turais dos grandes centros urbanos, vale-se
muitíssimo da inspiração e da intuição, atra-
vés das quais formula o plano dos livros,
quando isto se faz possível. Afinal, está ele
em contato com os Espíritos de modo cons-
tante e aproximado. Essa situação confere-
lhe um poder extraordinário de bem utilizar o
tempo. E só assim consegue desenvolver os
diversos e simultâneos momentos de sua
vida; é o farmacêutico, o amigo dos pobres,
o diretor do jornal e da revista, o homem
que deve responder às críticas dos adversá-
rios da doutrina; o orador, o marido e o ad-
ministrador. O escritor, enfim, que não es-
creve apenas, mas deve coordenar a compo-
sição gráfica, efetuar as revisões, dirigir a
impressão, distribuir os livros, cuidar da co-
brança.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 373
Fácil, pois, perceber as razões pelas
quais escreverá obras despreocupado dos
aspectos literários. Ele não deseja um lugar
na academia, pois já se sente imortal; aliás,
é possuidor de uma certeza, neste aspecto,
de fazer inveja a qualquer titular da acade-
mia: a certeza da imortalidade.

Entre os livros surgidos em decorrência


das polêmicas incluímos as primeiras quatro
obras escritas e editadas por Cairbar Schutel:
Espiritismo e Protestantismo (1911) , Histeria
e Fenômenos Psíquicos (1911), O Diabo e a
Igreja (1914) e Interpretação Sintética do
Apocalipse (1918). Junte-se a estes os opús-
culos Cartas a Esmo (1929), A Questão Reli-
giosa, Liberdade e Progresso e Pureza Dou-
trinária, os três últimos sem registro de data
de edição.

No segundo grupo, de temas oportu-


nos, reunimos: Gênese da Alma (1924), Espi-
ritismo e Materialismo (1925), Os Fatos Espí-
ritas e as Forças X... (1926), A Vida no Outro
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 374
Mundo (1932), Conferências Radiofônicas
(1937) e ainda os opúsculos Preces Espíritas
e Espiritismo para as Crianças, cujas datas
de edição não foram localizadas.

Finalmente, chegamos aos livros resul-


tantes de estudos mais demorados e profun-
dos, que incluímos no terceiro grupo: Mé-
diuns e Mediunidades (1923), Parábolas e
Ensinos de Jesus (1926), O Espírito do Cristi-
anismo (1930) e Vida e Atos dos Apóstolos
(1933).

Ligeiros apontamentos de alguns livros

Espiritismo e Protestantismo encabeça


os livros de Cairbar Schutel. Foi o primeiro
de uma série que somará vinte títulos, aí
considerados os opúsculos e, também, O
Batismo, editado após a sua morte.

Espiritismo e Protestantismo é também


o primeiro da relação dos oito que surgiram
em decorrência das polêmicas. Reúne os de-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 375
bates travados entre Cairbar e o professor
Faustino Ribeiro Júnior, um protestante que
deu início à polêmica ao publicar um artigo
no jornal O Alfa, da cidade de São Carlos,
interior de São Paulo, no qual ataca o Espiri-
tismo. O ano era 1908.

"O professor Faustino empregou todos


os esforços para destruir em vez de edificar;
esgotou os seus recursos intelectuais para
demonstrar a falsidade da Doutrina dos Espí-
ritos, mas, com franqueza, assentes em uma
base frágil se esboroam e dissipam com o
próprio fundamento que por momento lhe
serviu de amparo".

Com estas palavras, Cairbar inicia sua


réplica ao ataque. A polêmica, a partir daí,
está estabelecida e só vai terminar com a
desistência do protestante, completamente
perdido em seus raciocínios.

Histeria e Fenômenos Psíquicos aparece


em conseqüência dos fenômenos aconteci-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 376
dos no dia 15 de outubro de 1909, em São
Paulo, relatados pelo jornal "Correio Paulis-
tano", que envolviam o transporte de objetos
e tinham por centro de atenções uma jovem.
As interpretações dadas ao caso foram as
mais disparatadas. Um médico, entre outros,
que não chegou a assistir os fenômenos,
classificou-os de histerismo. Cairbar pagou
para ver, ou seja, entrou na disputa para
interpretar o caso à luz dos conhecimentos
espíritas.

O Diabo e a Igreja surge em resposta


aos ataques que o padre Bento Rodrigues,
através de artigos publicados no "São Car-
los", jornal da cidade que lhe dá o nome e
de propriedade do Bispado local, desferiu
contra o Espiritismo. Como o padre reuniu os
artigos em um livro, Cairbar responde-lhe
com este O Diabo e a Igreja.

Interpretação Sintética do Apocalipse


segue a mesma linha crítica. É uma resposta
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 377
de Cairbar, principalmente às aleivosias par-
tidas do clero romano.

"Mais de uma das conspícuas personali-


dades do mundo católico - afirma Cairbar -
clérigos e leigos, têm tido a inaudita cora-
gem de, sem mesmo conhecer a matéria de
que tratam, afirmar que o Dragão e a Besta,
caracterizados no Apocalipse de João, são
representados pela Maçonaria, pelo Espiri-
tismo e por todos aqueles que não partici-
pam de suas idéias dogmáticas". Cairbar vai,
justamente, demonstrar que esses animais
simbólicos se assentam perfeitamente ao
catolicismo.

Cartas a Esmo, que inclui o discurso do


Bispo Strossmayer pronunciado no Concílio
de 1870 contra a infalibilidade papal que en-
tão se votava, responde às críticas do Bispo
de Florianópolis, D. Joaquim Domingues de
Oliveira.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 378
Médiuns e Mediunidades constitui um
esforço de resumir os principais aspectos da
fenomenologia estudada no Livro dos Mé-
diuns, de Allan Kardec, para "orientar a to-
dos aqueles que (...) procuram a Verdade..."

Gênese da Alma destina-se a "demons-


trar com bases sólidas, fatos verificados e
verificáveis, e argumentos irrefutáveis, a i-
mortalidade da alma..."

Parábolas e Ensinos de Jesus, O Espírito


do Cristianismo e Vida e Atos dos Apóstolos
constituem o trio moral. Com eles, Cairbar
Schutel realiza uma velha aspiração: debru-
çar-se sobre os ensinamentos cristãos e ana-
lisá-los com base na filosofia espírita.

Em Parábolas e Ensinos de Jesus, em


agradecimento aos Espíritos, confessa: "Co-
mo poderia eu escrever os ditames contidos
nesta obra sem o vosso paternal auxílio?".
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 379
Com O Espírito do Cristianismo prosse-
gue os estudos morais, comentando as di-
versas fases da vida do Cristo narradas pelos
evangelistas.

Vida e Atos dos Apóstolos completa a


tríade. Trata-se de uma "compilação de 'Atos
dos Apóstolos', comentada e ampliada com
dados históricos que pudemos obter sobre a
vida dos apóstolos e sua ação..." Foi escrito
em apenas trinta e cinco dias.

A Vida no Outro Mundo resultou de uma


conferência feita por Cairbar tempos antes:
"Passados anos - ele afirma - verifiquei que a
doutrina expendida nessa conferência não
era uma ficção e nem uma mera fantasia de
uma exaltação da Imortalidade..." Neste livro
Cairbar procura estudar as formas de vida,
constituição e disciplina dos mundos habita-
dos, bem como das colônias espirituais exis-
tentes no espaço. Na época do seu lança-
mento o Brasil não conhecia ainda as obras
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 380
de André Luiz, que vieram a tornar mais
compreensível o "outro lado da vida".

Um livro há que alcançou sucessivas e-


dições pela oportunidade do assunto mas
não foi preparado pelo autor. Trata-se de O
Batismo, que reúne páginas escritas por Ca-
irbar Schutel, as quais foram recolhidas pela
editora após a sua morte.

Cairbar Schutel nunca teve a si mesmo


como escritor. Jamais se preocupou com a
forma, o estilo e outras técnicas literárias.
Seu objetivo era o conteúdo. Apesar disso,
poucos autores brasileiros, no âmbito do Es-
piritismo, foram tão lidos e influenciaram
tanto aos seus leitores. Escreveu com cora-
ção e coragem. Consolou, esclareceu e a-
mou.

VI
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 381
Cairbar: De farmacêutico a jornalista

Deixamos propositadamente para o fi-


nal esta parte importante da vida de Cairbar
Schutel: o jornalista. Foi por ela que este
grande homem iniciou suas atividades de
divulgador. Não de espírita, claro, mas de
jornalista dedicado a perpetuar pela pena as
informações de cunho espiritual, fazendo-as
chegar ao seu público.

As circunstâncias, já conhecidas, que o


levaram à fundação do jornal O Clarim, em
1905, e da Revista lnternacional do Espiri-
tismo, em 1925, revelam o grau das dificul-
dades enfrentadas e vencidas, bem como - e
aí está um fato notável. - o aparecimento do
jornalista que, a partir de então, passará a
viver lado a lado com o farmacêutico.

A criação do jornal bem cedo - cerca de


um ano após sua conversão ao Espiritismo -
muda profundamente a situação. Cairbar não
é mais e simplesmente o dirigente de um
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 382
Centro Espírita; sequer o polemista. E tam-
bém o jornalista, aquele que vai trabalhar
com a matéria-prima chamada informação.
Como tal, terá sua atenção voltada para de-
talhes, situações, fatos que antes poderiam
passar despercebidos.

Como jornalista, Cairbar revela-se ex-


traordinário. O fato de editar um periódico
quinzenal - O Clarim - e outro mensal - Re-
vista Internacional do Espiritismo - numa
cidade de recursos limitados, condições de
transporte difíceis e deficientes meios de
comunicação, esse fato, repito, por si só já
seria surpreendente. Mas o que espanta,
verdadeiramente, é o tino jornalístico revela-
do em Cairbar. Se as polêmicas tiveram in-
fluência na criação de um canal de comuni-
cação livre com o público, a existência desse
canal só seria positiva se os veículos fossem
produzidos com um mínimo de técnica e vi-
são. Cairbar soube fazê-lo.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 383
O Clarim nasce com uma linha editorial
clara: falar de Espiritismo ao público mais
simples, de poucos recursos financeiros e
culturais. Sua linguagem deveria adequar-se
a esse objetivo. Além do mais, já de início
revela-se livre de determinados preconceitos,
demonstrando opiniões abertas a respeito de
fatos e situações existentes dentro e fora do
movimento espírita. Suas fontes principais de
informação são as correspondências e os
amigos. Falta, muitas vezes, à informação
alguns componentes importantes, como da-
tas, locais, etc., mas isto se deve mais às
deficiências da fonte, naturalmente compre-
ensível.

O Clarim ganha rapidamente o respeito


e a admiração do público e ultrapassa os
limites da própria Matão. A personalidade de
Cairbar está presente nele. E ela que o faz
intrépido, corajoso, capaz de alcançar os re-
dutos dos adversários da doutrina. E será ela
ainda que o fará reportar-se aos fatos, onde
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 384
quer que ocorram, transformando-os em
meios de propaganda da mensagem espírita.

Anos depois de lançado O Clarim, o jor-


nalista percebe que é preciso alcançar um
outro tipo de público, mais culto e social-
mente mais elevado. O veículo deverá ser
outro, também. A visão é correta. Cairbar
sabe que para cada tipo de público deve ha-
ver um veiculo específico. Neste caso, o tra-
tamento da informação merecerá uma aten-
ção especial, de modo a adequar-se aos ob-
jetivos. O jornalista, como sempre, não está
preocupado com o esforço a desenvolver
para que a doutrina seja divulgada. Um novo
veículo não dobra o trabalho; multiplica-o
muitas vezes, porque traz em seu contexto
novas e diferentes exigências. Nada disso
atemoriza Cairbar.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 385
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 386
Mensagem Psicografada por Cair-
bar Schutel

Esse exemplo atravessará os tempos e


chegará até os nossos dias. Trata-se de algo
extraordinário, raro, só concebível no espírito
daquele que incorpora decisivamente o ideal
do bem. Muitos falam de um grande amor
que sentem pela Doutrina Espírita. Cairbar,
mais do que dizê-lo, demonstra-o com criati-
vidade, trabalho, dedicação quase exclusiva.
Tem o espírito do apóstolo, a coragem do
bandeirante.

A Revista Internacional do Espiritismo,


que surge em 1925, obedece em tudo aos
planos traçados. Logo se transforma numa
espécie de Revue Spirite brasileira. Nela apa-
recem colaborações das mais lúcidas inteli-
gências do Espiritismo mundial. Cairbar dedi-
ca atenção especial aos fenômenos mediúni-
cos analisados à luz dos conhecimentos cien-
tíficos e espíritas.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 387
Autores do porte de Léon Denis, Ernes-
to Bozzano, Paul Gibier, Eugene Pelletan,
Raul Montandor, entre outros, surgem cons-
tantemente em suas páginas ao lado de cro-
nistas brasileiros.

A RIE, como se tornou conhecida a Re-


vista, não publica apenas matérias nacionais;
justificando seu título, mantém correspon-
dência com várias partes do mundo e possui
à época uma coluna fixa - "Crônica Estran-
geira" - para divulgar os fatos e depoimentos
de personalidades de outros países.

Seu programa prevê abstenção comple-


ta das discussões da questão religiosa:
"...temos nos abstido de discussões religio-
sas, que não fazem parte do nosso progra-
ma..." Esta parte cabe a O Clarim. Volta-se
especialmente aos fenômenos: "Na parte
científica, que é justamente a que desenvol-
ve o principal escopo da nossa tarefa, parece
que temos sido pródigos..." As afirmações
são sempre de Cairbar.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 388
A RIE retoma, de fato, no Brasil aquele
filão magnífico aberto por Allan Kardec com
a criação da Revue Spirite.

Se o momento presente permite-nos


medir o real valor da RIE, impressa no me-
lhor dos couchês importados, variadíssima no
noticiário que abrange a todos os continen-
tes, isso nem sempre aconteceu à sua épo-
ca. Como ocorre modernamente com certos
livros Espíritas de produção esmerada, os
conservadores da época criticavam a RIE,
apontando a existência de um certo luxo em
sua confecção, algo que julgavam incompatí-
vel com o Espiritismo.

Apesar disso, Cairbar não se abala e


mantém firme o projeto do veículo:
"...triunfamos da primeira prova e à medida
que o tempo corre vão se desvanecendo as
oposições e dentre os próprios que viam na
nossa obra um objeto de luxo sem valor real
(...) já começam anos fazer justiça..."
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 389
Esse Espírito conservador, avesso ao
novo, incapaz de compreender o progresso,
está nos "homens medíocres" de José Ingini-
eros, cuja psicologia - diz este grande pen-
sador - "caracteriza-se por um traço comum:
incapacidade de conceber uma perfeição de
forma, um ideal. São rotineiros, honestos,
mansos; pensam com a cabeça dos outros,
condividem a hipocrisia moral alheia e ajus-
tam seu caráter às domesticidades conven-
cionais".

Cairbar viu-se frente aos conservadores,


foi por eles fustigado várias vezes. Seu ideal,
porém, era mais forte: "... o Espiritismo pre-
cisava ter em nosso País, dirá, uma publica-
ção que bem o representasse em suas mani-
festações - religiosa, científica, filosófica e
artística".

Em Paris, a Revue Spirite prosseguia


em sua existência, então sob a direção de
Hubert Forestier, que, se não conseguia
manter a mesma dinâmica de Kardec, era
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 390
ainda um veículo voltado para as manifesta-
ções psíquicas. Mas no Brasil quem desejas-
se saber o que se passava no mundo em
relação à fenomenologia mediúnica deveria
ler, sem dúvida, a Revista Internacional do
Espiritismo.

Ao completar seu décimo ano de exis-


tência, Cairbar comenta: "Dedicada de prefe-
rência à parte científica do Espiritismo, não
tem ela, entretanto, deixado de abordar o
lado moral, ou seja, religioso, mesmo porque
é absolutamente impossível separar a ciência
da religião, a sabedoria da moral, que é a
arte do homem bem se conduzir para a per-
feição".

Assim como ocorre na química, onde a


adição de um novo elemento altera a com-
posição original, o aparecimento do jornalista
alterou profundamente a personalidade de
Cairbar Schutel. Tornou-o um homem extra-
ordinário, de uma visão grandiosa. Colocou-
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 391
o, sem exagero, um passo à frente de seu
tempo.

Final da Segunda Parte

ANTOLOGIA DE MENSAGENS ESPIRI-


TUAIS

Presença de Cairbar Schutel na obra


mediúnica de Chico Xavier:

- IDEAL ESPÍRITA - Ed. CEC (7.ª Ed.


pesquisada) pg 103 - "Nas Culminâncias da
Luta".

- VOZES DO GRANDE ALÉM - Ed. FEB


(2.ª Ed. pesquis.) pg 65 - "Renovemo-nos
Hoje" (15/09/55)

- LUZ NO LAR - Ed. FEB - (2.ª Ed. pes-


quis.) pg 52 - Cap. "O Berço" - (pensamento)

“O menino que agora enjeitamos à por-


ta da tempestade será mais tarde um culti-
vador da tempestade no mundo”.
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 392
- SEAREIROS DE VOLTA - Ed. FEB -
Waldo Vieira - (3.ª Ed. pesquis.) pg 67 a 74

"Partindo as algemas"

"Equação da Felicidade"

"Espíritas; meditai"

"Cristo e César"

- O ESPÍRITO DA VERDADE - Ed. FEB -


F. Cx./W. Vieira - (2.ª Ed. pesq.)

"Médiuns e Mediunidades" (31/32)

"Filho do Orgulho" (84/86)

"Seja Voluntário" (136/137)

"Sê Compassivo" (214/215)

- PRAÇA DA AMIZADE - Ed. CEU - (l.ª


Ed. pesq.)
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 393
"CANTADORES E MÉDIUNS" (item 5, pg
41)

"Não esperes dos médiuns, quaisquer


que sejam, espetáculos de grandeza que,
efetivamente, não te podem oferecer".

"CITAÇÕES DO RENASCIMENTO" (item


6, pg 48)

"Sem a reencarnação, na lei de causa e


efeito, a cultura da inteligência, na Terra,
será sempre um labirinto de indagações"

- "RECADOS DO PERDÃO" - (item 14,


pg 100)

"Nunca revides. Aquele que te fere pos-


sivelmente estará sob a influência da enfer-
midade que o carreia para o extremo dese-
quilíbrio".

- "CITAÇÕES DO PROGRESSO" - (item


15, pg 108)
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 394
"Não te lastimes quando as circunstân-
cias te exigirem esta ou aquela mudança;
isso é sinal de que a vida te favorece a reno-
vação".

- "DICIONÁRIO DA ALMA" - Ed. FEB


(2.ª Ed. pesq.) "Cultivador" (pg 100). Idem
em "Luz no Lar"

Presença de Cairbar Schutel na obra


mediúnica de Eurícledes Formiga:

- "Centelhas da Vida" - Ed. IDE (l.ª


Ed.) pgs. 41 a 47

"O dever do médium" (pg 41)

"O médium" (pg 43)

"Mediunidade" (pg 45)

"Irritação" (Pg 47)

Presença de Cairbar Schutel na obra


mediúnica de Divaldo Pereira Franco:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 395
- "CRESTOMÁTIA DA IMORTALIDADE"
(Alvorada Editora) l.ª Ed. 1969

"Suicídio" (pg. 44)

"Técnica de entender" (pg 122)

"SOL DE ESPERANÇA" - Alvorada Edito-


ra - l.ª edição - 1978

"Trabalho e Paciência" (pg 73)

Bibliografia

- Jornal "O Clarim" - 1905/1984

- Revista Internacional do Espiritismo -


1925/1984

- "Uma Grande Vida" - Leopoldo Ma-


chado - Casa Editora "O Clarim"

- "A Coligação Pró-Estado Leigo e a


Constituição de 1891" (Publicação da Entida-
de do mesmo nome) - Rio de Janeiro - 1947
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 396
- Revista "Ação Laica" - Julho-Agosto-
Setembro de 1947 - N.o 01

- Jornal "A Comarca" Matão-SP - cole-


ção 1924/ 1940

- "Grandes Espíritas do Brasil" - Zêus


Wantuil - Ed. FEB - l.ª ed. 1969

- "A Imprensa Espírita no Brasil" (1869 -


1978) - Clóvis Ramos Ed. Instituto Maria -
1979 - l.ª Edição

- "Grandes Vultos do Espiritismo" - Pau-


lo Alves Godoy - Ed. FEESP - l.ª Edição -
1981

- Anuário Espírita 1968 - pg 32 - Ed.


IDE

- Anuário Espírita 1972 - pg 74 - Ed.


IDE
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 397
- Idéias e Reminiscências Espíritas -
Deolindo Amorim - Instituto Maria - l.ª Edi-
ção

- "Revista Manchete" (02/02/ 1985)

- "Livro dos Médiuns" - Allan Kardec

- "O Rio de Janeiro do Meu Tempo" -


Luis Edmundo

- Jornal " O Imortal" - (Diversos) -


Cambé - PR

- "História de Santa Catarina" - Volume


1 e 2 - Editor Said Mohamed El-Khatib - Ed.
Paraná Cultural - 1970

- "História de Santa Catarina" Vol. 3 -


5.ª parte "Imprensa" por Martinho Callado
Junior - Editor Said Mohamed El-Khatib - Ed.
Paraná Cultural - 1970

- Idem, 3.ª parte, "A Música em Santa


Catarina no Século XIX" por Oswaldo Cabral
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 398
- "Nossa Senhora do Desterro" - Vol. 2 -
Oswaldo Rodrigues Cabral - Ed. Lunardelli -
1979

- "Anuário Catarinense" - Diretor Gu-


mercindo Caminha - 1954

- "História da Medicina no Brasil" - Ly-


curgo Santos Filho

- "Medicina, Médicos e Charlatães do


Passado" - Oswaldo R. Cabral - Edição do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
de Santa Catarina - Publicação n.º 25 - 1942

- Jornal "O Argos" - Florianópolis -


30/06/1860

- Jornal " Estado" - Florianópolis -


08/02/1976

O presente trabalho foi reunido através


de pesquisa de campo e entrevistas realiza-
das com as seguintes pessoas:
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 399
- Benedita de Oliveira Matão-SP
18/07/81

- José da Cunha Matão-SP 05/08/79

- Antoninha Perche da S. Campelo Ma-


tão-SP 04/08/79 e 04/07/81

- Juvenal dos Santos Matão-SP


17/07/81

- Benedita Silvério Matão-SP -

- Fuad Kfouri Matão-SP 04/10/84

- Genaro Gropa Matão-SP 04/10/84

- Waldemar Wenzel Rio Claro-SP


03/10/84

- Edo Mariani Matão-SP 03/10/84

- José Castro Freitas São Paulo-SP


30/09/84
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 400
- Wallace Leal Rodrigues Araraquara-SP
05/10/84

- Belinha Perche Matão-SP 04/10/84

- Geni Perche Matão-SP 04/10/84

- João José Aguiar São Paulo-SP


26/01/85

- João Schutel Silva SãoPaulo-SP


01/10/85

- Hugo Gonçalves (através do jornal "O


Imortal" em diversas datas)

Livros escritos por Cairbar Schutel

- Espiritismo e Protestantismo setembro


de 1911

- Histeria e Fenômenos Psíquicos de-


zembro 1911
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 401
- O Diabo e a Igreja dezembro 1914

- Médiuns e Mediunidades agosto 1923

- Gênese da Alma setembro 1924

- Materialismo e Espiritismo dezembro


1925

- Os Fatos Espíritas e as Forças X maio


1926

- Parábolas e Ensinos de Jesus janeiro


1926

- O Espírito do Cristianismo fevereiro


1930

- A Vida no Outro Mundo outubro 1932

- Vida e Atos dos Apóstolos 03/10/1932


(prefácio)

- Conferências Radiofônicas (16) se-


tembro 1937
Cairbar Schutel - O Bandeirante do Espiritismo 402
- Interpretação Sintética do Apocalipse
setembro 1918

- Cartas a Esmo

- O Batismo

- Preces Espíritas (compilação)

- Espiritismo para as Crianças

FIM

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