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Caminhos Esquecidos

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Se o papel da religião é oferecer um

senso de identidade, propósito,


sentido e comunidade, podemos
dizer que o consumismo atende a
todos esses critérios. Devido à
situação competitiva do mercado, os
publicitários se tornaram muito
insidiosos a ponto de hoje estarem
usando, de forma deliberada, idéias
teológicas e símbolos religiosos a fim
de vender seus produtos. Mas isso é
simplesmente circunstancial ou
funcional; sendo assim, atua em
consistência com sua própria
natureza, ou seja, a de sacerdócio
oficial de uma religião nova e
totalmente difundida.
A assimilação dos símbolos e rituais
religiosos serve apenas para reforçar
seu apelo à dimensão espiritual da
vida. Um executivo da área de
publicidade confessou há pouco
tempo que agora eles estão
caminhando rumo ao vazio deixado
pela remoção do cristianismo da
cultura ocidental.
ALAN HIRSCH

*MOo. REATIVAND
O A IGREJA
MISSIONAL
1s edição
Tradução: Daniele M. Damiani Guabiraba

Curitiba
2015

ESPERA
NÇA
Alan Hirsch
Caminhos esQuecidos
Reativando a igreja missional
Coordenação editorial: Walter Feckinghaus
Tradução: Daniele M. Damiani Guabiraba
Revisão: Josiane Zanon Moreschi Edição: Sandro
Bier Capa: Sandro Bier
Editoração eletrônica: Josiane Zanon Moreschi
Copyright © 2006 by Alan Hirsch.
Originalmente publicado em Inglês sob o título
The forgotten ways: reactivating the missional church by Brazos, a
division of Baker Publishing Group, Grand Rapids, Michigan, 49516,
U.S.A.
Todos os direitos reservados.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Hirsch, Alan
Caminhos esquecidos : reativando a igreja missional / Alan Hirsch ; tradução Daniele M.
Damiani Guabiraba. -- l.ed. -- Curitiba : Editora Esperança, 2015.

Título original : The forgotten ways : reactivating the missional church.


Bibliografia.
ISBN 978-85-7839-098-3

1. Igreja 2. Missões 3. Pós-modemismo - Aspectos religiosos - Cristianismo I. Título 14-07928 CDD-266


índices para catálogo sistemático:
1. Missão da igreja : Cristianismo 266

As citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida Revista e Atualizada


da Sociedade bíblica do Brasil (1993).

Todos os direitos reservados.


É proibida a reprodução total e parcial sem permissão escrita dos editores.
Editora Evangélica Esperança
Rua Aviador Vicente Wolski, 353 - CEP 82510-420 - Curitiba - PR
Fone: (41) 3022-3390 - Fax: (41) 32563662‫־‬
comercial@esperanca-editora.com.br - www.editoraesperanca.com.br

editors!$ cristãos
ESPERANÇA
"Caminhos esquecidos é um desafio convincente para despertar o instinto
empreendedor inato da igreja e impulsioná-la para as margens da nossa
cultura emergente. Recomendo muito este livro, em especial aos que são
dotados de ousadia para alinhar o sistema operacional da igreja com o
coração missional de Deus."
Andrew Jones, www.tallskinnykiwi.com

"Há poucos livros que podem ser descritos por alguém como marcos no
campo de missões; este é um desses livros. Trata-se de uma leitura essencial
para todos os que estão lutando contra o principal problema relacionado ao
que a igreja pode e deve se tomar."
Martin Robinson, autor de Planting Mission - Shaped Churches
Today (Racine, WI: Monarch Books, 2006)

"Esta é uma contribuição provocativa e criteriosa para a descoberta do


compromisso missional eficaz com a cultura ocidental pós-cristã. Com base
na própria experiência de Alan como pastor-missionário e ilustrado com
exemplos de diversos lugares, Caminhos esquecidos desafia e equipa tanto as
igrejas herdadas quanto as emergentes a recuperarem a dinâmica do
movimento missional."
Stuart Murray Williams, autor de Church after Christendom (Crown-
hill, UK: Paternoster Pub, 2005) e Changing Mission: Learning from the
Newer Churches (Londres: Churches Together in Britain and Ireland
(CTBI), UK, 2006)

"Retomamos a 30 d.C. Enquanto muitos líderes de igreja tentam, de-


sesperadamente, modificar as expressões institucionais do cristianismo na
esperança de obter melhores resultados, Al Hirsch nos ajuda a compreender
a necessidade que temos de nos comprometermos outra vez com o
movimento em sua forma missional primária."
Reggie McNeal, autor de Prática da excelência - 7 disciplinas dos líderes
espirituais extraordinários (São Paulo: Vida, 2010) e The Present Future: Six
Tough Questions for the Church (Hoboken, NJ: Jossey-Bass, 2009)
"Com a atenção de um estudioso dos detalhes e as lições críticas da história,
bem como com a paixão criativa de um missionário do primeiro século, Alan
Hirsch nos chama de volta a uma vida de fé flexível, de movimento rápido e
livre. Ele resgata o termo 'missional' da vala comum de palavras técnicas da
igreja durante o processo."
Greg Paul, autor de God in the Alley: Being and Seeing Jesus in a Broken World
(Shaw Books, 2004); fundador e diretor do Sanctuary Ministries,
em Toronto

"Alan vem quebrando paradigmas e idéias desafiadoras há anos. Agora, em


Caminhos esquecidos, Alan descreve os movimentos missionais e nos desafia a
reordenar a igreja ao redor de sua missão, tudo filtrado por meio de sua
profunda experiência pessoal. Você será provocado, desafiado e motivado a
abraçar o DNA missional e o impulso materializado da igreja primitiva em
sua própria vida e ministério.
Ed Stetzer, autor de Breaking the Missional Code (Nashville, TN: B&H, 2006) e
Planting Missional Churches (Nashville, TN: B&H, 2006)

"A era da cristandade acabou, mas uma era renovada dos verdadeiros
movimentos cristãos e discipulado está começando a manifestar-se. Igrejas e
líderes que não prestarem atenção às análises apresentadas aqui estão
sujeitos a serem enganados por um cristianismo que está preso no transitório
modo da cristandade ou, de modo oposto, está perdido em meio a modas
passageiras. O foco com base bíblica e centrado em Jesus deste livro o faz
sobressair a dezenas de outros sobre o mesmo tema. Ele tem que ser lido e
ponderado. O alvo da análise de Alan Hirsch é histórico, bíblico e teológico."
Howard A. Snyder, autor de Radical Renewal (Eugene, OR: Wipf & Stock Pub,
2005), A comunidade do Rei (São Paulo: Ultimato, 2004), e Models of the Kingdom
(Eugene, OR: Wipf & Stock Pub, 2001)
Este livro é dedicado à afetuosa memória de minha
maravilhosa mama judia, Elaine, resgatada pelo Messias
na plenitude dos tempos. Ela continua viva, não apenas
em Deus, mas na vida de seu filho grato que a ama.
Obrigado, mãe!

Ensina-nos a contar os nossos dias para que o nosso


coração alcance sabedoria.
Salmo 90.12
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
A minha amada Debra, que, com paciência, amou um homem por vezes
indigno de ser amado, mostrando‫־‬me o que significa servir com genero-
sidade aos pobres.
A Pat Kavanagh — você sempre será o meu pastor.
A South Melbourne Restoration Community por me proporcionar uma
experiência maravilhosa de graça e perdão expressados de modo
comunitário.
A meus colegas nas várias expressões da Igreja de Cristo por sempre me
darem corda o suficiente para me enforcar. Em especial, a Don Smith por
acreditar em mim e criar espaço para um "alien".
A meus companheiros na Forge Mission Training Network, um agra-
decimento muito especial. Considero esta obra meu legado e contribuição ao
desenvolvimento do DNA de nosso fantástico e pequeno movimento. Ao
compartilhar com vocês esse trabalho especial, sinto o grande prazer de
Deus.
A Dean Phelan, Paul Steele e Andy Barker por patrocinar e ajudar, de
modo generoso, o desenvolvimento dos testes para aptidão missional e do
sistema de desenvolvimento de perfis APEPD no site.
SUMÁRIO
Prefácio de Leonard Sweet................................................................................... 13

Você desfragmentou recentemente?

SEÇÃO 1: A FORMAÇÃO DE UM MISSIONÁRIO ..................................................... 15

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 17
Uma jornada de milhares de quilômetros começa
com uma única pergunta ............................................................................... 20
Uma pequena prévia ...................................................................................... 25
Método em meio à loucura ........................................................................... 29

1. CRIANDO O CENÁRIO, PARTE 1: CONFISSÕES DE UM


MISSIONÁRIO FRUSTRADO ................................................................... 31
‫״‬South‫ ״‬............................................................................................................. 32
Fase 1: Da morte para o caos ....................................................................... 35
Fase 2: Tomando-se uma igreja que planta igrejas .................................. 36
Fase 3: De igreja a movimento orgânico..................................................... 48

2. CRIANDO O CENÁRIO, PARTE 2: PERSPECTIVAS DENOMINACIONAL


E TRANSLOCAL ........................................................................................... 55
Uma visão do helicóptero ............................................................................. 55
Cristandade-missionaridade ........................................................................ 56
Tomada missionária....................................................................................... 63
Nós sempre fizemos desse jeito... Não fizemos? ...................................... 70
"É igreja, Jim, mas não como a conhecemos"............................................. 73
Quem colocou o M em IME? ........................................................................ 78
Seção 2: UMA JORNADA AO CERNE DO GENOMA APOSTÓLICO ......................79

INTRODUÇÃO.........................................................................................................81
mDNA .............................................................................................................. 82
Genoma Apostólico ....................................................................................... 84
Missional e Igreja Missional ........................................................................ 88

3. ................................................................................................................... O
CERNE DE TUDO: JESUS É SENHOR ...........................................................91
Destilando a mensagem ................................................................................ 93
Ouve, Ó Israel ................................................................................................. 95
Jesus é Senhor ............................................................................................... 100
O centro das coisas ....................................................................................... 103
Quão longe é longe demais?....................................................................... 107

4. FAZENDO DISCÍPULOS ................................................................................... 111


O "pequeno Jesus" na Disneylândia ......................................................... 116
A conspiração do "pequeno Jesus" ............................................................ 123
Encarnação e transmissão ........................................................................... 125
Liderança inspiradora .................................................................................. 127
Liderança como extensão do discipulado ................................................ 130
Começando a jornada com Jesus ............................................................... 131

5. IMPULSO MISSIONAL-ENCARNACIONAL ..................................................... 137


Raízes teológicas........................................................................................... 139
Missional-encarnacional ............................................................................. 149
Eclesiologia missional ou...Colocando as coisas
mais importantes em primeiro lugar ........................................................ 154

6. AMBIENTE APOSTÓLICO ................................................................................ 161


Se você quer uma igreja missional, então................................................ 163
Uma descrição do trabalho apostólico ...................................................... 165
Campo dos sonhos ....................................................................................... 172
Criando redes de significados.................................................................... 180
A chave do Genoma Apostólico ................................................................ 182
A palavra final .............................................................................................. 193
7. SISTEMAS ORGÂNICOS .................................................................................. 195
Ganhar uma vida: a igreja como um sistema vivo ................................. 198
O problema das instituições....................................................................... 202
Um etos do movimento ................................................................................ 206
Estruturas de rede......................................................................................... 214
Crescimento como o de vírus ..................................................................... 225
Vamos falar sobre sexo................................................................................ 232
Finalmente ..................................................................................................... 236

8. COMMUNITAS,NÃO COMUNIDADE ......................................................... 237


"A comunidade para mim" ou "Eu para a comunidade"? ......................238
Liminaridade e communitas ......................................................................... 240
A Bíblia e a communitas................................................................................ 242
Está em todo lugar! Está em todo lugar! ................................................... 244
O mito da communitas................................................................................... 248
Ambientes artificiais e a igreja .................................................................. 250
O futuro e a forma das coisas por vir ........................................................ 254
Missão como princípio organizador ......................................................... 257
Além da igreja "ou.... ou"............................................................................. 259
Então, siga a estrada de tijolos amarelos .................................................. 263

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 265


ANEXO — UM CURSO INTENSIVO EM MEIO AO CAOS ....................................... 269
Acabamos de adquirir novos pontos de vista ......................................... 272
Mudando a história ...................................................................................... 273
Sobreviver não é o bastante........................................................................ 278
Como, então, devemos viver?..................................................................... 290
Apareça! Um estudo de caso nas estruturas emergentes ....................... 290

GLOSSÁRIO DE TERMOS-CHAVE ......................................................................... 297

BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 311

índice .................................................................................................................... 317

PREFÁCIO

VOCÊ DESFRAGMENTOU RECENTEMENTE?

Às vezes, nosso disco rígido precisa de desfragmentação. Os dados inseridos


nele nem sempre funcionam de modo ordenado. Quanto mais arquivos você
tem e mais programas são baixados, mais embaralhado fica seu disco rígido
por conta das inserções confusas, dispersas e aleatórias pulverizadas ao
longo de muito espaço. Panes no computador, falha no fornecimento de
energia e programa travado apenas aumentam a fragmentação.
Quanto mais seu disco rígido trabalha para recuperar as informações
originais, mais lento se torna, mais embaçadas ficam as imagens e tudo fica
mais resistente. Como um procrastinador em série, tento adiar minha
desfragmentação até o computador quase parar. A desfragmentação requer
que eu não faça nada mais no computador além de limpar toda a confusão
que minha desorganização e meus erros causaram. Essa limpeza pode levar
horas. No entanto, uma vez passado pelo processo de desfragmentação, meu
disco rígido recupera a velocidade e minhas imagens mais uma vez estalam,
crepitam e disparam com clareza e convicção.
O cristianismo passou por incontáveis impactos e choques nos últimos
200 anos. Nos últimos 500 anos, seu disco rígido original foi apagado
diversas vezes, em especial no Ocidente, onde quase parou. Em Caminhos
esquecidos, uma voz de um lugar que chegou ao futuro, primeiramente
fornece ao cristianismo do século 21 o melhor desfragmentador de disco
disponível. Alan Hirsch não apenas traz novidades sobre os assuntos já
tratados com tanta frequência que estão usados e desgastados, mas também
nos apresenta um vocabulário e uma visão capazes de ajudar a restaurar o
disco rígido original do cristianismo ao seu caráter apostólico, que é o
resultado líquido da convergência de seis elementos orgânicos do mDNA
(onde m = missional). "O que o DNA faz no sistema biológico", escreve
Hirsch, "o mDNA faz no sistema eclesiástico".
No entanto, em primeiro lugar, precisaremos parar de fazer o que es-
tamos fazendo e deixar o desfragmentador realizar seu trabalho em nossa
mente e ministério. Hirsch tem algumas coisas inquietantes para dizer com
relação à liderança, consumismo, cultura da classe média, Al Qae- da,
comunidade, seminários e megaigrejas. Ele nos força a considerar, de modo
sério, a situação missional na qual estamos e, durante o processo, elimina a
frase "igreja missional" do frequente uso incorreto. Também precisaremos
deixar de cantar músicas como "Abrigo no temporal"; parar de desejar
equilíbrio, segurança e calma; e parar de ter medo de se misturar com a
cultura da época ou de estar no centro das coisas. Uma coisa é criar uma
comunidade contrária à cultura ou uma subcultura cristã, mas é muito mais
difícil viver como uma "communitas missional-encamacio- nal" em meio a
uma cultura e não ser limitado por suas ordens e decretos: estar "dentro",
não ser "de", tampouco estar "fora de". Quando você abre as janelas para o
mundo, como fez o Papa João XXIII, talvez não estejamos permitindo que o
espírito da época entre tanto quanto permitimos que o Espírito Santo saia
para soprar onde deseja.
A igreja para a qual retornaremos quando o desfragmentador de Hirsch
tiver concluído, entretanto, é uma igreja compromissada com o mundo
enquanto preserva a tradição. Ele a denomina de IME ou Igreja Missional
Emergente. Eu irei me referir a este livro utilizando o mesmo sentido, mas
com uma anotação adicional.
Assim como Einstein, que ele gosta de citar, Hirsch descobriu a fórmula
que desvenda os segredos do universo eclesiástico como a simples fórmula
de Einstein com três letras e um número (E=mc2) desvenda os segredos do
universo físico. Há alguns livros bons o bastante para serem lidos até o final.
Há apenas alguns livros bons o bastante para serem lidos até o final dos
tempos. Caminhos esquecidos é um deles.

Leonard Sweet
SEÇÃO I

A FORMAÇÃO DE UM
MISSIONÁRIO
INTRODUÇÃO

Uma igreja que fixa sua tenda sem procurar constantemente novos ho-
rizontes, ou seja, não levanta acampamento sempre, não está sendo fiel ao
seu chamado. [...] [Nós devemos] negar nosso desejo por segurança, aceitar
o que é arriscado e viver pela improvisação e tentativa.
Hans Küng, The Church as the People ofGod

Depois de um tempo de decadência, vem o ponto da virada. A poderosa luz


que havia sido banida retorna. Há movimento, mas não foi gerado à força...
O movimento é natural, surgindo de modo espontâneo. O antigo é
descartado e o novo é introduzido. Ambas as medidas harmonizam com o
tempo; portanto, não há resultados prejudiciais.
Antigo provérbio chinês.

Imagine se houvesse uma força escondida no coração do povo de Deus.


Suponha que essa força tivesse se desenvolvido na "célula-tronco" em-
brionária da igreja pelo Espírito Santo, mas, de alguma maneira, tenha sido
encoberta, perdendo-se no decorrer de séculos de negligência e desuso.
Imagine que, se fosse redescoberta, essa força escondida podería liberar
energias extraordinárias capazes de impulsionar o cristianismo diretamente
para o século 22 - um equivalente missional para liberar o poder de um
átomo. Isso não é algo que nós, que amamos Deus, o seu povo e a sua causa,
daríamos tudo neste instante para recuperar? Hoje, eu acredito que a ideia de
potências missionais incorporadas latentes não passe de uma mera fantasia.
Na verdade, existem forças primitivas encobertas em toda a comunidade de
Jesus e em todo cristão verdadeiro. Tais forças não só existem, mas são um
fenômeno claramente identificado que estimulou a maioria dos movimentos
notáveis de Jesus, talvez, a expressão mais marcante para nós hoje. Essa força
extraordinária está sendo recuperada em determinadas expressões do
cristianismo ocidental, porém, não sem desafios significativos e resistência
em relação aos modos atuais como fazemos as coisas.
O fato de você ter começado a ler este livro não significa apenas que está
interessado em pesquisar mais expressões autênticas relacionadas à eclé- sia
(palavra do Novo Testamento para igreja), mas que, de alguma forma, está
ciente das mudanças dramáticas no ponto de vista mundial ocorridas na
cultura em geral no decorrer dos últimos 50 anos. Independentemente de
como queriam chamá-la, essa mudança do moderno para o pós-mo- demo,
ou da modernidade sólida para a modernidade líquida, tem sido difícil para
a igreja aceitar de modo geral. Encontramo-nos perdidos em meio a uma
selva global perplexa na qual nossos mapas culturais e teológicos bem
usados parecem não funcionar mais. É como se acordássemos e nos
encontrássemos em contato com uma realidade estranha e inesperada que
parece desafiar nossas maneiras usuais de lidar com questões relacionadas à
Igreja e à sua missão. Tudo isso corresponde a um choque futuro eclesiástico
no qual somos deixados vagando em um mundo que não conseguimos mais
reconhecer. Na luta para nos agarrarmos à nossa nova realidade, as igrejas e
líderes de igrejas se conscientizaram, de maneira dolorosa, que nossos
conceitos herdados, nossa linguagem e, sem dúvida, todo o nosso modo de
pensar são inadequados para descrever o que está acontecendo tanto em nós
quanto ao nosso redor. Os problemas surgiram em uma condição não apenas
intelectual, mas juntamente com uma intensa crise espiritual, emocional e
existencial.
A verdade é que o século 21 está se tomando um fenômeno altamente
complexo no qual o terrorismo, a inovação tecnológica paradigmática, o meio
ambiente insustentável, o consumismo desmedido, a mudança descontínua e
as ideologias perigosas nos confrontam em todos os pontos. Diante disso, até
mesmo o mais confiante de nós teria que admitir, em seus momentos de
maior honestidade, que a igreja como conhecemos enfrenta um desafio de
adaptação muito significativo. A grande maioria dos líderes da igreja hoje
relata que esta ficando cada vez mais difícil para as comunidades vencerem
as crescentes complexidades nas quais se encontram. Como resultado, a
igreja passa por uma forte queda a longo prazo no Ocidente. Nessa situação,
temos que fazer as seguintes perguntas a nós mesmos: "O mesmo engano
continuará acontecendo? Temos os recursos herdados para lidar com essa
situação? Podemos simplesmente reelaborar o entendimento a respeito da
cristandade provada e verdadeira da igreja que tanto amamos e entendemos
e, por fim, em um ajuste final do sistema, surgirmos com a fórmula
vitoriosa"?1
Tenho que confessar: não acho que as fórmulas herdadas funcionarão
mais. Além disso, sei que não estou só nesse ponto de vista. Há muita
especulação acontecendo em nossos dias, como pesquisa por alternativas de
aquecimento. Entretanto, por estarem relacionados ao futuro da cristandade
no Ocidente, a maioria dos novos pensamentos apenas destaca nosso dilema,
e geralmente propõe soluções que não passam de revisões de abordagens e
técnicas do passado. Mesmo muitos dos pensamentos a respeito da chamada
igreja emergente deixam as suposições predominantes sobre a igreja e missão
intactas e focam apenas na questão da teologia e espiritualidade em uma
definição pós-modema. Isso equivale a uma reelaboração do "software"
teológico, enquanto ignora o "hardware" e também o "sistema operacional"
da igreja. Em minha opinião, isso não será o suficiente para chegarmos a uma
conclusão. Como olhamos atentos e ansiosos para o futuro e vasculhamos
nossa história e tradições para restaurar as ferramentas missiológicas da
caixa de ferramentas da cristandade, muitos de nós ficamos com o triste
sentimento de que isso simplesmente não vai funcionar. As ferramentas e
técnicas que se adaptaram às épocas passadas da história do Ocidente
parecem não funcionar mais.
0 que precisamos agora é um conjunto de ferramentas. Um novo "para-
digma" — uma nova visão da realidade: uma mudança fundamental em
nossos pensamentos, percepções e valores, em especial, no modo como se
relacionam com nossa visão sobre a igreja e a missão.
Isso não quer dizer que chegar ao nosso passado não faça parte da
solução. Faz. A questão é apenas esta: de modo geral, nós não voltamos o
suficiente; ou melhor, não mergulhamos fundo o suficiente por nossas res-
postas. De vez em quando, temos relances de resposta, mas, por causa da
natureza radical e perturbadora do remédio, recuamos para a segurança do
familiar e controlável.
As reais respostas, se tivermos coragem de buscar por elas e aplicá-las,
são, de modo geral, mais radicais do que normalmente pensamos e, por isso,
abalam nosso sentido de lugar no mundo com seu status quo, algo com o qual
a igreja, de modo geral, não está acostumada. No entanto, hoje, estamos
vivendo um tempo em que há uma única solução que vai até a raiz do que
significa ser povo de Jesus.
As condições que enfrentamos no século 21 não só representam uma
ameaça à nossa existência, mas também nos apresentam uma extraordinária
oportunidade para descobrirmos a nós mesmos de modo a nos guiar para

1 Para uma definição de cristandade, veja glossário. A natureza, história e estrutura da cristandade são
exploradas mais completamente no capítulo 2.
esse complexo desafio de maneira ressonante com a energia antiga. Essa
energia não apenas nos liga aos impulsos maravilhosos da igreja original,
mas também nos dá asas com as quais voar. O livro em suas mãos agora é
um dos que poderíam ser rotulados, de certa maneira, na categoria técnica
aparentemente maçante de eclesiologia missional, pois explora a natureza dos
movimentos cristãos e, portanto, a igreja, como moldada por Jesus e sua
missão. No entanto, não seja enganado pela terminologia desinteressante — a
eclesiologia missional é dinamite. Principalmente porque a igreja (a eclésia),
quando está em conformidade com seu real chamado, quando fala a mesma
linguagem que Deus, é de longe a maior força poderosa para a mudança
transformacional que o mundo já viu. Foi assim antes, é assim agora e será
assim outra vez. Este livro foi escrito na esperança de que a igreja no
Ocidente possa, por meio do poder do Espírito Santo, acordar e voltar a se
comprometer com a maravilhosa força presente dentro de nós.

UMA !ORNADA DE MILHARES DE QUILÔMETROS COMEÇA


COM UMA ÚNICA PERGUNTA
Há cerca de quatro anos, participei de um seminário sobre a igreja missional
em que o palestrante perguntou: "Quantos cristãos vocês acham que existiam
no ano 100 d.C?" Depois, perguntou: "Quantos cristãos vocês acham que
existiam pouco antes de Constantino entrar em cena, ou seja, em 310 d.C?"2
Aqui está uma resposta de algum modo surpreendente:
100 d.C somente 25.000 cristãos 310
d.C cerca de 20.000.000 cristãos
Então, ele fez uma pergunta que me persegue até hoje: "Como fizeram
isso? Como cresceram de um pequeno movimento para a força religiosa mais
significativa no Império Romano em dois séculos?" Agora, esta é a pergunta
para iniciar a jornada! A pesquisa sobre essa pergunta levou-me à descoberta
do que chamarei de Genoma Apostólico (a força incorporada na vida e o
mecanismo direcionador do povo de Deus) e aos componentes ou elementos
existentes que o criaram.3 Em resumo, a esses componentes nomeei de DNA
ou mDNA missional.
Então, me deixe lhe fazer uma pergunta: Como os antigos cristãos fizeram

2 Rodney Stark é considerado autoridade nestes assuntos e, em seu livro The Rise of Christianity, sugere uma
gama de possíveis respostas variando das considerações conservadoras às liberais. Tentei fazer a média
dessas considerações (de acordo com Stark entre 40% e 50%, exponencialmente por década) e compará-la
a outras fontes. Estas são as minhas descobertas. Veja R. Stark, The Rise of Christianity: How the Obscure,
Marginal, Jesus Moviment Became the Dominai Religious Force in the Western World in a Few Centuries (São
Francisco: HarperCollins: 1996), p. 6-13.
3 Veja glossário.
isso? Antes de responder, aqui estão algumas qualificações que você deve
levar em consideração em sua resposta.
• Eles pertenceram a uma igreja ilegal durante todo esse período. Na melhor das
hipóteses, eram tolerados; na pior, eram perseguidos de modo muito
severo.
• Não possuíam edifícios eclesiásticos como os que conhecemos. Embora os
arqueólogos tenham descoberto capelas datadas nesse período, com
certeza eram exceções à regra e pareciam ser casas muito pequenas
transformadas.
• Não possuíam sequer as Escrituras como as conhecemos. Estavam reunindo o
canon durante esse período.
• Não possuíam uma instituição ou forma profissional de liderança geralmente
associada a ela. Em tempos de relativa calma, os elementos prototípicos de
instituição apareciam, porém, de acordo com o que consideramos
instituição, eles eram, na melhor das hipóteses, pré-institucionais.
• Não possuíam cultos sensíveis aos que buscam, grupos de jovens, grupos de
louvor, seminários, comentários, etc.
• Na verdade, dificultavam a união à igreja. Por volta do final do século 2, os
convertidos ambiciosos tiveram que passar por um importante período
de iniciação para provar que eram merecedores.
Na realidade, eles não tinham coisa alguma que nós comumente empre-
gamos para resolver os problemas da igreja e, mesmo assim, cresceram de
25.000 para 20 milhões em 200 anos! Então, como a igreja primitiva fez isso?
Ao responder essa pergunta, talvez, consigamos encontrar a resposta da
pergunta para a igreja e a missão em nossos dias e em nosso contexto, pois
nela encontra-se o poderoso mistério da igreja em sua forma mais autêntica.
No entanto, antes que o exemplo do movimento cristão primitivo possa
ser rejeitado como uma fantasia da história, há outra manifestação, talvez
ainda mais impressionante do Genoma Apostólico, ou seja, uma força única e
explosiva pertencente a todo o povo de Deus em nosso próprio tempo, isto é,
a igreja clandestina na China. A história deles é verdadeiramente marcante:
na época em que Mao Tse-Tung assumiu o poder e iniciou a purificação
sistemática da religião vinda da sociedade, a igreja na China, que foi bem
estabelecida e modelada basicamente de acordo com os formatos ocidentais
devido à colonização, foi estimada em quase 2 milhões de adeptos. Como
parte dessa perseguição sistemática, Mao expulsou todos os missionários e
ministros estrangeiros, nacionalizou todas as propriedades eclesiásticas,
matou todos os líderes seniores e matou ou prendeu todos os líderes do se-
gundo ou terceiro graus, proibiu todos os encontros públicos de cristãos sob
ameaça de morte ou tortura e, a seguir, continuou a cometer uma das mais
cruéis perseguições a cristãos registradas na história.
O objetivo explícito da Revolução Cultural era eliminar o cristianismo (e
todas as religiões) da China. Ao final do reinado de Mao e de seu sistema no
fim dos anos 70 e do subsequente levantamento da chamada Cortina de
Bambu no início dos anos 80, foi permitido que os missionários estrangeiros
e os oficiais da igreja retomassem para seu país, embora sob rígida
supervisão. Eles esperavam encontrar uma igreja dizimada e discípulos
fracos e abatidos. Mas, pelo contrário, descobriram que o cristianismo tinha
florescido além do que se imaginava. A estimativa, naquela época, era de cerca
de 60 milhões de cristãos na China, e aumentando! Desde então, vem
crescendo de modo significativo. David Aikman, ex-chefe de departamento
da revista Time em Pequim, sugere em seu livro Jesus in Beijing (Washington:
Regenery Publishing, 2006) que os cristãos devem contar mais de 80
milhões.4 De fato, o fenômeno chinês que estamos observando é o
movimento cristão de maior transformação significativa na história da igreja.
Lembre-se: não diferente da primeira igreja, essas pessoas tinham
pouquíssimas Bíblias (às vezes, compartilhavam apenas uma página no culto
caseiro e, então, trocavam-na com outro grupo caseiro). Elas não tinham um
clero profissional, estruturas oficiais de liderança, organização central nem
reuniões em massa, e, mesmo assim, cresceram muito rapidamente. Como
isso é possível? Como eles fizeram isso?5
Porém, podemos observar padrões de crescimento semelhantes em outros
movimentos históricos. Steve observa que, ao final da vida de John Wesley,
um em cada trinta homens ou mulheres ingleses se tomava metodista.6 Em
1776, menos de 2% dos americanos eram metodistas. Em 1850, o movimento
declarou fidelidade de 34% da população. Como fizeram isso? O século 20
presenciou o aumento do pentecostalismo como um dos movimentos
missionário de crescimento mais rápido na história da igreja. O movimento
cresceu de um número modesto no início da década de 1900 para 400
milhões no final do século 20. Estima-se que até 2050, o pentecostalismo terá
1 bilhão de adeptos em todo o mundo.7 Como eles fizeram isso?

4 Philip Yancey, "Discreet and Dynamic: Why, with No Apparent Resources, Chinese Churches Thrive‫״‬, In:
ChristianityToday, Julho de 2004, p. 72.
5 Outro movimento marcante, que mudou o destino da Europa e fora dela, foi o movimento dos celtas.
Embora esteja fora do escopo deste livro explorar a natureza da missão irlandesa para 0 Ocidente, há
muitas semelhanças com a natureza da primeira igreja e da igreja chinesa.
6 Stephen Addison, Movement Dynamics, Keys to the Expansion and Renewal of the Church in Mission,
manuscrito não publicado, 2003, p.5.
7 Grant McClung, "Pentecostals: The Sequel‫ ״‬In: Christianity Today, abril de 2006 (http://www.christian-
ityt0day.c0m/ct/2006/004/7.30.html ‫ ־‬Site em inglês. Acesso em 22/01/2015). Veja também Walter J.
Hollenwager, *From Azusa Street to theTcíronto Phenomena: Historical Roots of the Pentecostal Move-
ment‫״‬, In: Concilium 3, ed. Jürgen Moltamjann e Karl-Josef Kuschel (Londres: SCM, 1996): 3, citado em Veli-
matti Karkkainen, "Pentecostal Missiplogy in Ecumenical Perspective: Contributions, Challenges,
Essas histórias são perigosas porque nos levam a uma jornada que nos
chamará para uma expressão mais radical do cristianismo do que nós ex-
perimentamos atualmente. A tarefa central deste livro é tentar e fornecer um
nome para esses fenômenos, bem como tentar identificar os elementos que o
constituem. A esse fenômeno presente nessas histórias perigosas chamo de
Genoma Apostólico, e aos elementos que o formam denominei de mDNA.
Eu os definirei de modo mais completo posteriormente. O objetivo deste
livro é explorar o Genoma Apostólico e tentar interpretá-lo de acordo com
nosso próprio contexto missional e situação no Ocidente. Esses dois
exemplos-chave (da primeira igreja e da igreja chinesa) foram escolhidos não
apenas porque são movimentos de fato marcantes, mas também porque um é
antigo e o outro é contemporâneo, então, podemos observar o Genoma
Apostólico em dois contextos radicalmente diferentes. Também os escolhí
porque ambos enfrentaram ameaças significativas para sua sobrevivência;
nos dois casos, esse fato tomou a forma de perseguição sistemática. Isso é
importante porque, conforme explicado anteriormente, a igreja no Ocidente
enfrenta sua forma própria de desafio adaptável quando negociamos as
complexidades do século 21 - que ameaça nossa sobrevivência.
A perseguição levou tanto o movimento cristão primitivo quanto a igreja
chinesa a descobrirem sua verdadeira natureza como povo apostólico. A
perseguição os afastou de qualquer possível confiança em alguma forma de
instituição religiosa centralizada e os levou a viverem mais próximos e de
forma mais consistente com sua mensagem primária, ou seja, o Evangelho.
Temos de admitir que, se alguém[ está disposto a morrer por ser seguidor de
Jesus, então, muito provavelmente, essa pessoa é um cristão verdadeiro. A
perseguição, debaixo da soberania de Deus, atuou como meio para manter
esses movimentos leais à sua fé q confiantes no Senhor; ela os purificou das
coisas inúteis e de todas as parafernálias desnecessária de igreja. Foi sendo leal
ao Evangelho que conseguiram livrar o Genoma Apostólico. Essa é uma
tremenda lição para nós: quando enfrentarmos nossos próprios desafios,
precisaremos ter certeza de nossa fé e em quem confiamos, se não, há o risco
do eventual desaparecimento do cristianismo como força religiosa na história
ocidental - observe a Europa nos últimos cem anos.
Em busca da resposta para aquela pergunta, a pergunta de como esses
movimentos fenomenais sobre Jesus realmente aconteceram, me convencí de
que o poder manifestado nas histórias perigosas desses dois movimentos
marcantes também está disponível para nós. O despertar desse potencial
dormente tem alguma coisa a ver com a estranha mistura do amor passional
de Deus, oração e prática de encarnação. A tudo isso, acrescente a seguinte

Controversies", In: International Reviem of Mission (88), julho de 1999, p.207.


mistura: modelos apropriados de liderança (conforme expressado em Efésios
4), a recuperação do discipulado radical, formas relevantes de organização e
estruturas e as condições adequadas para poderem ser catalisadas. Quando
esses fatores se unem, a situação está amadurecida para que algo marcante
aconteça.
Talvez para encerrar esse conceito vago de potenciais dormentes (ou
latentes), lembre-se da história de O Mágico de Oz. A personagem central
desse filme tão querido é a Dorothy, que é transportada em um grande
tomado de Kansas para a mágica Terra de Oz. Querendo voltar para casa, ela
recebe orientações de Glinda, a Bmxa Boa do Norte, que a aconselha a seguir
para a Cidade das Esmeraldas e lá consultar o Mágico. Na estrada de tijolos
amarelos, ela ganha três companheiros: o Espantalho, que espera que o
Mágico consiga lhe dar um cérebro; o Homem de Lata, que deseja que o
Mágico lhe dê um coração e o Leão Covarde, que espera ganhar coragem.
Após sobreviverem a alguns perigos, encontram-se com a Bmxa Má do Oeste
e com inúmeras outras criaturas horríveis e, por fim, conseguem ver o
Mágico, apenas para descobrir que ele é uma farsa. Eles saem da Cidade das
Esmeraldas com o coração partido. No entanto, a Bmxa Má, percebendo a
mágica nos sapatos de rubi de Dorothy, não os deixa sós. Após o encontro
final com a Bmxa Má e seu bando, eles vencem a fonte do mal e, então,
libertam Oz. Porém, por meio de todas as provações e durante a vitória final,
eles descobrem que, na verdade, já tinham o que estavam procurando - na
verdade já tinham durante todo o tempo. O Espantalho é muito inteligente, o
Homem de Lata tem um coração de verdade e o Leão se mostra muito
corajoso. Afinal, não precisavam do Mágico. O que precisavam era de uma
situação que os forçasse a descobrir (ou ativar) o que já havia neles. Eles
tinham tudo o que estavam procurando, apenas não haviam percebido. Para
completar, Dorothy tinha a resposta para o seu desejo desde o começo: ela
tinha a capacidade de voltar para casa em Kansas durante todo o tempo... em
seus sapatos de rubi. Ao batê-los um no outro três vezes, ela foi transportada
de volta à sua casa em Kansas.
Essa história destaca a pretensão central deste livro e dá uma dica de por
que se chama Caminhos esquecidos: isto é, todo o povo de Deus carrega em si
os mesmos potenciais que energizaram o movimento cristão primitivo e que
são manifestos hoje na igreja chinesa clandestina. O Genoma Apostólico (os
potenciais missionais primordiais do Evangelho e do povo de Deus)
permanece dormente em você, em mim e em toda igreja local que busca
seguir Jesus fielmente em qualquer momento. Nós simplesmente nos
esquecemos da forma de acessá-lo e acioná-lo. Este livro foi escrito para nos
ajudar a identificar os elementos constituintes e a (re)ati- vá-los, para que
possamos, mais uma vez, ser um verdadeiro movimento de Jesus
transformador no Ocidente.

UMA PEQUENA PRÉVIA


Há um glossário de termos no final do livro para auxiliar o leitor com
definições e termos técnicos encontrados por todo o livro. Há também um
apêndice (chamado apropriadamente de "Curso intensivo de caos") que,
apesar de não ser essencial para a fluência do texto, contém material que
informa muito sobre o trabalho presente. Podemos aprender diversas coisas
surpreendentes sobre a vida, sistemas de vida, adaptação e organizações a
partir do estudo da natureza e dos sistemas orgânicos, portanto, sugiro
enfaticamente ao leitor que encare isso. No entanto, coloque seu capacete... é
um treinamento intensivo, afinal.
Como ficará claro no decorrer do livro, estou empenhado na ideia de
traduzir as melhores práticas na missão desenvolvidas ao longo do último
século nos dois terços do mundo para o primeiro mundo. O nome dado
convenientemente foi abordagem em missões para o primeiro mundo, e você
descobrirá que sou um ardente cristão. Embora este livro seja principalmente
a respeito da missão de todo o povo de Deus, ela não está limitada à missão
corporativa da igreja local ou denominação. A missão deve acontecer em e
através de cada aspecto da vida, e isso é feito por todos os cristãos, em todos
os lugares. Ambas as formas de missão, a missão apostólica da comunidade e
a expressão individual de missão pelo povo de Deus, devem ser ativadas se
desejarmos nos tomar uma igreja missional de verdade.
Há tempos sou estudante da natureza dos movimentos tanto social
quanto religioso. Tenho tentado aprender o que exatamente faz o movimento
funcionar e o que o torna tão eficaz na disseminação da mensagem (ao
contrário da instituição mais estática). É por meio da recuperação do ethos
genuíno do movimento que conseguiremos restaurar alguma coisa do
dinamismo dos movimentos significativos de Jesus na história8. O leitor
compreenderá esse fascínio pelos movimentos durante todo o livro.
Outra característica desta obra é a crítica consistente do institucionalis-
mo da religião. Como isso pode ser preocupante para alguns, é necessário
uma palavra esclarecedora para evitar desentendimentos desnecessários
posteriormente. Sou um crítico do institucionalismo não porque ache a ideia

8 Utilizarei o termo movimentos de Jesus de maneira que se aproxime do que David Garrison chama de
movimentos para plantação de igreja. Ele os define como "uma mobilização rápida de igrejas nativas
plantando igrejas, que abrange um grupo de pessoas ou segmento da população‫״‬. Veja Davia Garrison,
Movimentos de plantação de igrejas (Curitiba: Esperança, 2014).
ruim, mas apenas porque, por meio de meus estudos a respeito dos
movimentos fenomenais de Jesus, cheguei à inquietante conclusão de que o
povo de Deus é muito mais forte quando tem pouco daquilo que reconhece
como instituição eclesiástica em sua vida em conjunto. Portanto, para
esclarecimento, é preciso deixar clara a distinção entre estrutura or-
ganizacional necessária e institucionalismo. Conforme veremos, as estruturas
são absolutamente necessárias para a ação humana cooperativa, bem como
para a manutenção de certas formas de padrões sociais coerentes. Entretanto,
parece que, ao longo do tempo, de modo progressivo, as estruturas
impessoais das instituições assumem papéis, responsabilidades e autoridade
pertencentes, de forma legítima, a todo o povo de Deus em suas expressões
local e fundamental. E neste ponto que as coisas tendem a dar errado.9
O material em si é estruturado em duas seções.
Seção I
A seção 1 estabelece o cenário fazendo referenda a minha própria narrativa a
fim de auxiliar o leitor na busca de algumas idéias produtivas e experiêndas
que diredonaram meus pensamentos e incendiaram minha imaginação. Ao
narrar alguns dos temas centrais em minha própria história, espero levar o
leitor ao que se pode chamar de leitura missional sobre a situação da igreja
no oddente e se estenderá no decorrer dos primeiros dois capítulos: o
capítulo 1 observa a questão a partir da perspectiva de um espedalista local
tentando conduzir um movimento de plantação de igreja complexo no
interior da ti- dade por meio de grandes mudanças que estavam ocorrendo
ao nosso redor. O capítulo 2 explora a situação missional na qual nos
encontramos a partir da perspectiva de um nível estratégico e translocal.
Essas duas perspectivas, uma macro e uma micro, são vitais para lidar-
mos com os conceitos de uma igreja missional-encamacional.

Seção 2
Aqui está a questão. Este é o cerne do livro, uma vez que tenta descrever o
Genoma Apostólico e os elementos constituintes do mDNA que o fazem
incendiar.10 Os que são impacientes, com tempo restrito ou que sentem que

g Podemos observar a partir da história que, por meio da consolidação e centralização do poder, as instituições
começaram a reivindicar uma autoridade que não lhes foi concedida originalmente e não têm o direito
teológico. É neste ponto que as estruturas da ecclesia se tornam, de alguma forma, politizadas e,
portanto, repressivas de quaisquer atividades que ameacem o status quo inerentes a elas. Isso é institu-
cionalismo e, historicamente, quase sempre significou expulsão efetiva de seus elementos mais criativos e
diferentes (p. ex., Wesley e Booth). Isso não quer dizer que não pareça existir nele alguma ordem divina
(estrutura) dada à igreja. No entanto, quer dizer que essa ordem é quase sempre legalizada de forma
direta através da afirmação conjunta da comunidade do chamado, caráter pessoal, autorização
carismática e autoridade espiritual. Permanece sempre pessoal e nunca muda simplesmente para o ins-
titucional. Nosso modelo de função não tem que ser inferior ao nosso fundador. E como se apenas ele
pudesse exercer poder significativo sem, por fim, utilizá-lo de modo errado.
10 Quando conseguimos avaliar a presença do Genoma Apostólico em nossas igrejas, introduziremos a ideia de
aptidão missionária ou agilidade missionária. Atualmente, estou tentando produzir uma ferramenta de
não precisam se ocupar com uma leitura missionária da situação da igreja em
nosso contexto atual, podem pular para esta seção porque a essênda real
deste livro encontra-se na seção dois de qualquer forma. Entretanto, acredito
que o leitor será amplamente recompensado pela leitura dos capítulos um e
dois, então eu o encorajo. Einstein disse que quando a solução é simples,
Deus está falando. Seguindo esse conselho, tenho tentado discernir os
elementos fundamentais que se combinam para criar o Genoma Apostólico e
para simplificá-los aos componentes absolutamente irredutíveis. Há seis
elementos simples, mas inter-relacionados, de mDNA, formando uma
estrutura complexa e viva.11 Eles nos apresentam paradigmas poderosos com
os quais conseguiremos avaliar nosso entendimento atual e experiências da
igreja e da missão. São eles:
• Jesus é Senhor: No centro e na circunferência de todo movimento sig-
nificativo de Jesus existe uma confissão muito simples. Simples, mas
que vibra completamente com as energias principais da fé bíblica, isto é, a
afirmação do Único Deus em todos os aspectos de toda a vida, e a resposta de
seu povo a essa afirmação (Dt 6.4-6). A maneira como foi expressa no Novo
Testamento e em movimentos posteriores foi simplesmente "Jesus é Senhor!"
Com essa simples confissão, eles mudaram o mundo.12
• Fazer discípulos: Essendalmente, isso envolve a tarefa insubstituível e
para toda a vida de se tomar como Jesus pela incorporação de sua
mensagem. Talvez, este seja o ponto no qual muitos de nossos esforços
fracassam. Fazer discípulos é uma tarefa central insubstituível da igreja e
precisa ser estruturada na fórmula básica de toda igreja (capítulo 4).
• Impulso missional-encamacional: O capítulo 5 explora os dois impulsos
dos movimentos missionais marcantes, isto é, a dinâmica da confiança
exterior e o impulso relacionado mais profundo que, juntos, semeiam e
fixam o Evangelho em diferentes culturas e grupos de pessoas.
• Ambiente apostólico: O capítulo 6 considera outro elemento do mDNA
autêntico - a influência apostólica e o ambiente fértil criado na iniciação e
manutenção dos movimentos fenomenais de Deus. Isso estará

pesquisa online que ajudará as igrejas a fazerem essa avaliação para o seu próprio contexto. Para mais
detalhes, acesse www.theforgottenways.org.
íi Talvez, o leitor consiga acrescentar mais elementos em um caso particular de movimentos fenomenais, mas
acredito que isso não seja comum em outros casos semelhantes, por isso, a ideia de irredutibilidade e
simplicidade.
12 O capítulo 3 trata sobre o centro espiritual de todas as manifestações do Genoma Apostólico. Na tentativa de
identificar as energias essenciais teológicas e espirituais que motivam os movimentos parabólicos, seria
muito fácil cair no reducionismo teológico. Porém, conforme esses movimentos marcantes de Jesus
acontecem, há um ponto central definitivo em tomo do qual o mDNA se une, logo, precisa ser nomeado.
No entanto, para condensar a parte central, o tema principal explícito no ensino de Jesus sobre o Reino de
Deus, a doutrina da encarnação, chamada missio Dei (a missão de Deus) e a resposta da igreja a essas ações
de Deus foram omitidas. Entretanto, esses temas principais estão fixados em várias seções ao longo do
livro. Espero que o leitor compreenda e me perdoe por não tratar desse assunto de forma mais direta.
relacionado ao tipo de liderança e ministério exigido para sustentar o
crescimento metabólico e impacto.
• Sistemas orgânicos: O capítulo 7 explora o próximo elemento no mDNA, a
ideia de estruturas apropriadas para o crescimento metabólico. Os
movimentos fenomenais de Jesus crescem, precisamente, porque não têm
instituições centralizadas para impedir o crescimento pelo controle. Neste
capítulo, descobriremos que os movimentos marcantes de Jesus têm a
impressão de um movimento, a estrutura de uma rede de comunicação e
se espalha como vírus.
• Communitas, não comunidade. As formas mais vigorosas de comunidade
são as que se unem no contexto de uma provação compartilhada ou as
que se definem como um grupo com uma missão que vai além de si
mesmo, iniciando, assim, uma jornada arriscada. Muitas preocupações
com segurança e proteção combinadas com conforto e conveniência nos
acalmaram com relação ao nosso verdadeiro chamado e propósito. Todos
nós amamos aventura, ou não?
Este capítulo tem como objetivo colocar a aventura de volta à ventura.
Então, a estrutura do Genoma Apostólico observará algumas coisas
como:

Fazer
discípulos

Impulso
missional-
encarnacional Communitas,
Jesus r não
Comunidade

Senhor

Ambiente
apostólico
Sistemas
orgânicos

Estrutura do Genoma Apostólico

MÉTODO EM MEIO À LOUCURA


Conforme indicado acima, a tarefa deste livro é tentar identificar os ele-
mentos irredutíveis que constituem o Genoma Apostólico e, para isso,
utilizarei tanto a primeira igreja quanto a igreja chinesa do século 20 como
meus casos-teste principais.13 Tendo discernido o que parecem ser padrões
distintos, tentei testar a validade de minhas observações sobre outros
movimentos significativos na história da igreja, e até onde minha opinião
própria permitir, encontrei-as totalmente consistentes.
Além disso, este livro não foi escrito a partir da perspectiva de um acadê-
mico, mas da perspectiva de um missionário e estrategista tentando ajudar a
13 Irei me referir a eles de diversas formas como "movimentos apostólicos‫״‬, "movimentos fenomenais‫ ״‬ou
"movimentos de Jesus‫ ״‬no decorrer deste livro.
igreja a formular um paradigma missional capaz de nos acompanhar pelas
complexidades do mundo do século 21 nas quais somos chamados para ser-
mos fiéis. Portanto, está em traços gerais, e não em pequenos detalhes; está
consistente com minha própria personalidade e abordagem sobre questões,
porém, garante também que tenhamos precisamente a figura por inteiro. Esta-
mos precisando de um novo paradigma, não apenas um retrabalho daquele
que já existe. Logo, é o todo que conta e não apenas as partes individuais.
Assim, o livro é mais prescritivo do que apenas descritivo. Escreví, em
grande medida, com o praticante missional em mente. Este livro interessa
mais àqueles que estão liderando igrejas, iniciando novas formas de comu-
nidade cristã sustentável para o século 21 (o que chamarei de igreja missio-
nal emergente) e àqueles envolvidos no nível estratégico de ministério, isto
é, o de movimentos de liderança, igrejas alternativas e denominações.
Basta dizer que, ao explorar essas idéias, percebo que estou observando
atentamente coisas muito profundas, coisas que, se recuperadas e aplicadas,
podem ter ramificações consideráveis para o cristianismo ocidental. Digo
isso como alguém que não está afirmando por conta própria. Na verdade,
como todos os que recebem a graça de Deus, sinto que sou um humilde
receptor de uma revelação, uma descoberta de algo primordial que tenho o
privilégio de participar. Este livro é uma tentativa trôpega de articular até
mesmo uma revelação elusiva da natureza do Genoma Apostólico, algo
pertencente ao Evangelho em si, logo, a todo o povo que vive por meio dele.
Albert Einstein disse que quando estava observando os mistérios do átomo
sentiu como se estivesse observando coisas marcantes e maravilhosas por
cima do ombro de Deus. Tenho que admitir que tenho esse mesmo
sentimento de medo quando olho para essas coisas.
I
CRIANDO O CENÁRIO, PARTE 1

Confissões de um missionário
frustrado

Se deseja construir um navio, não reúna pessoas para comprar madeira,


preparar as ferramentas, distribuir tarefas e organizar o trabalho, mas en-
sine-as a desejar o oceano amplo e sem limites.
Antoine de Saint-Exupéry

Muito mais fracassos são resultado do excesso de precaução do que da


ousadia de experimentar coisas novas. As fronteiras do Reino de Deus nunca
foram avançadas por homens e mulheres precavidos.
J. Oswald Sanders

Segundo o verdadeiro costume bíblico, uma compreensão confiável da


natureza das coisas resulta da narrativa; uma história envolvendo os tratados
de Deus com os seres humanos na aspereza e desordem da real história da
humanidade, incluindo as nossas próprias histórias. Certa vez, um querido
amigo meu me disse que nossas histórias eram vitais porque talvez sejam a
única coisa que podemos falar com absoluta autoridade, precisamente
porque são nossas histórias. Durante a preparação para explorar as idéias do
que forma o autêntico DNA missional, preciso colocar essa pesquisa dentro
do contexto de minha própria história, pois é resultado do meu empenho
pessoal em missão e dos esforços existentes para conduzir a igreja a um
compromisso missional genuíno que me levaram às conclusões apresentadas
neste livro. Eu posso falar com autoridade da minha própria história. Tudo o
que lhe peço, como leitor, é para observar se ela é capaz de informar a sua.
Então, se o leitor me permitir, contarei minha história; é uma história que
transborda redenção. Uma história sobre Deus envolvido, ativamente, no
caos das pessoas, comunidades e organizações em meio às quais tive o
privilégio de ministrar pelos últimos 15 anos. Esse relato não é estranho às
idéias deste livro, assim como a narrativa bíblica não é estranha às idéias que
fundamentam a verdade bíblica, porém, estão em seu contexto e passam seu
significado histórico.

“SOUTH”
Possivelmente, a maior experiência formadora do ministério foi meu en-
volvimento em uma igreja marcante, no centro da cidade, chamada South
Melbourne Restoration Comunity (SMRC), à qual tive o privilégio de servir
como líder por cerca de 15 anos. E um pouco difícil falar sobre mais de 140
anos de histórias desta igreja, pois fui apenas mais um que chegou tempos
depois, em 1989 para ser exato. Porém, para os propósitos deste livro, o
importante foi notar que essa igreja, originalmente chamada de South
Melbourne Church ofChrist, havia passado pelo padrão, agora familiar, de
nascimento (no final do século 19), crescimento (na primeira parte do século
20) e rápido declínio que marcou tantas igrejas no período pós-guerra em
todo o mundo ocidental. Quando minha esposa, Deb, e eu fomos chamados
para lá como ministros principiantes em 1989, éramos a última tentativa para
transformação da igreja. Se não conseguíssemos, a igreja havia decidido que
acabaria e fecharia as portas para sempre. Por causa dessa situação de
relativo desespero, a igreja estava disposta a se tomar um lugar onde uma
comunidade totalmente nova iria se desenvolver; e é esta a história com a qual
eu mais me identifico.
Essa história sobre redenção, em particular, inicia com um garoto grego
desajeitado e de olhos esbugalhados chamado George. George era traficante
de drogas e "roadie" (técnico de som de bandas) entre outras coisas. Ele
acumulou tantas multas por estacionar em lugar proibido que não estava
disposto a pagá-las. De acordo com a lei local da época, a pessoa poderia
"passar um tempo na prisão" em vez de pagar as multas; então, George
decidiu que isso seria melhor do que entregar seus dólares conseguidos de
maneira tão dura com as drogas. Escolheu ir para a cadeia por dez dias em
vez de pagar as multas. Bem, George era um tipo de aventureiro (alguns o
chamavam de "viajante") e adorava filosofar sobre a natureza das coisas.
Naquela época, ele estava explorando uma enorme variedade de ideologias
religiosas. Quando foi preso, já tinha uma lista longa de religiões pelas quais
havia passado e era o momento de andar agarrado com a Bíblia. Então, levou
a enorme Bíblia da família grega de sua mãe para a prisão com ele. Para sua
grande surpresa, enquanto a folheava, encontrou Deus (ou, ao contrário,
Deus o encontrou) e achou nova vida em Jesus bem ali na cela da prisão.
Quando foi libertado, se uniu ao seu irmão, John, tão maluco como ele,
que também entregou sua vida a Cristo, tomando-se um seguidor. Com zelo
característico, os dois logo elaboraram uma lista com todos os seus amigos,
contatos e pessoas para as quais venderam drogas, munidos com uma Bíblia
preta na versão King James e o vídeo The Late, Great Planet Earth (utilizado
por eles mais efetivamente do que a Bíblia),13 e foram ao encontro de todas as
pessoas da lista. Em seis meses cerca de 50 pessoas tinham entregado sua
vida ao Senhor! Uma delas veio a se tomar, mais tarde, minha extraordinária
esposa, Debra, e outra foi sua irmã, Sharon. Elas estavam voltando de uma
viagem de LSD quando foram expostas ao vídeo e decidiram por Jesus.
Como não fazer isso, sob efeito do ácido?
Foi algo maravilhoso e eu o menciono porque diz muito sobre como
Deus opera na sociedade marginalizada, nesse caso, por meio da obediência
radical de dois irmãos gregos meio malucos chamados George e John. Foi
como se por intermédio de George e John, Deus tivesse resgatado um povo
para si do mundo dos mortos de Melboume. No grupo havia gays, lésbicas,
góticos, viciados em drogas, prostitutas e algumas pessoas relativamente
comuns, embora todos tivessem um violento lado animal. Esse grupo de
pessoas indomadas, seguindo seus instintos espirituais latentes,
imediatamente começou a se amontoar em casas e construir uma vida juntos.
Foi nesse momento, cerca de seis meses depois da radical conversão de
George, que eu entrei em cena. Apesar de ter vindo de um passado
semelhante, era estudante do primeiro ano de seminário em busca de
alguma coisa radical para fazer. Por uma série de acontecimentos, e para
minha maior surpresa, fui chamado para liderar esse grupo maluco. Após
refletir, essa ligação com o grupo tomou-se o motivo definitivo em minha
vida e em minha jornada para me tomar um líder missional.
A comunidade foi abalada. E como ela acolhia qualquer pessoa que qui-
sesse uma cama, a casa principal - planejada anteriormente para ser usada
como bordel - ficou lotada de pessoas um tanto estranhas. Às vezes, tráfico
de drogas ocorria nos cômodos do fundo e estudos bíblicos aconteciam na
sala de estar lotada. John e George foram presos algumas vezes por pertur-
barem a paz enquanto tentavam expulsar demônios em voz alta de alguma
vítima inconsciente no quintal. Se tudo isso parece chocante de certa forma,
permita-me dizer que para todo o significativo caos e ambiguidade em tudo
isso, havia algo maravilhosamente apostólico naquele grupo de pessoas. Elas
pareciam ter forte impacto sobre cada pessoa com quem tinham contato. O
Espírito Santo era quase palpável naqueles momentos. Pelo menos, era como

13 Para os de gerações posteriores, esse livro se baseou na visão apocalíptica de Hal Lindsay sobre o fim do
século 20. Com base na visão diferente do fim dos tempos, trata-se basicamente de uma forma de inti-
midar as pessoas a aceitarem Jesus como Senhor e Salvador. [Publicado no Brasil com o título A agonia do
grande planeta Terra: uma análise penetrante das incríveis profecias que envolvem esta geração (São Paulo:
Mundo Cristão, 2002)-N. de Revisão]
se ele desejasse estar presente no caos. Essa experiência também nos apresen-
tou a um modelo de ministério radical na forma de um renomado pastor
chamado Pat Kavanagh. Pat, um senhor vindo de um mundo bastante
diferente, era o modelo de amor redentor em meio à bagunça, e foi, em
grande parte, por causa dele que a comunidade sobreviveu e foi
transformada.
Como este é um livro sobre dinâmicas missionais, é adequado fazer um
comentário a respeito de uma característica importante dos movimentos de
Jesus nesse ponto. Durante o estudo da história das missões, uma pessoa
pode ser muito previsível afirmando que todos os grandes movimentos
missionários começam às margens da igreja, entre os pobres e marginalizados, e
raramente, se ocorrer, no centro. E vital que, ao buscar modelos missionais
de igreja, saiamos do sufocante equilíbrio do centro de nossos movimentos e
denominações, partamos para as margens e nos compro- missemos na
missão verdadeira ali. Porém, isso vai muito além de uma simples missão; a
maioria dos grandes movimentos missionários inspirou movimentos
significativos e relacionados à renovação na vida da igreja. Parece que,
quando a igreja se compromete com as margens, quase sempre traz vida ao
centro. Isso diz muito sobre Deus, e o Evangelho e a igreja farão bem em
prestar atenção nisso.
Para encurtar a história, a maioria do grupo acabou se juntando a nós na
South Melbourne Church ofChrist quando fomos chamados para lá após o
término do treinamento do seminário. Aqui as duas histórias, e de muitas
maneiras, as duas imagens alternativas da igreja - uma institucional e em
declínio, e a outra enraizada e vigorosa - entram em cena. Portanto, se inicia
a história marcante da qual tive o privilégio de participar. O que é bem
marcante aqui é que, escondido nesse grupo de pessoas espontâneo, caótico
e não ligado à igreja, estão as sementes de um movimento missio- nal ágil e
envolvente muito antes de sequer sabermos da existência desses conceitos. E
embora tome algum tempo de nós, com muitas experimentações reflexivas
para chegar lá, acredito que eu possa dizer que "South" tem agora todos os
elementos de, e está no processo de se tornar, um genuíno movimento
missional na cidade de Melbourne, Austrália.
Então, o que proponho fazer com o restante do capítulo é tentar articular
a série de adaptações que tiveram de ocorrer, a fim de que esse recente
fenômeno se tomasse um genuíno movimento missional. Embutirei algumas
bases lógicas para os vários estágios durante a narrativa, assim, o leitor
conseguirá discernir a evolução do movimento na história da South. Três
estágios diferentes na vida da comunidade podem ser discernidos. São eles:

FASE 1: DA MORTE PARA O CAOS


Esta fase envolveu o replantio da igreja estabelecida com uma igreja nova e
mais missional. Tenho de dizer que, durante o treinamento no seminário,
nada me preparou para a experiência desses anos. Tudo na minha educação
se adequou à manutenção das formas estabelecidas e mais institucionais da
igreja. A grande maioria das matérias oferecidas era teórica e ensinada por
teóricos, não praticantes. Assim, tivemos que aprender "na marra", por assim
dizer. Por outro lado, talvez, essa seja a única maneira de realmente
aprendermos, mas, por certo, na época, essa foi a forma escolhida por Deus
para, de algum modo, fazer de mim um missionário.
Um pouco sobre o contexto: South Melboume está localizada à sombra do
centro empresarial do distrito de Melboume e, como muitos outros locais ao
longo do mundo ocidental, tomou-se uma mistura de yuppies, idosos da
classe trabalhadora, grupos subculturais, uma grande população de gays e
esnobes da classe alta. Foi um desafio, para dizer o mínimo. Não tenho
vergonha de admitir que não fazia ideia do que eu estava fazendo. Havia
muito pouco quanto à estratégia denominacional funcional ou modelos bem-
sucedidos para missões dentro desses contextos. Então, em termos de
abordagem, decidimos que tudo o que faríamos seria formar uma
comunidade autêntica de Jesus onde todos os que passassem por nosso
caminho sentiríam o amor, a aceitação e o perdão de qualquer forma. Nós
realmente conhecíamos um pouco sobre a graça porque todos a tínhamos
sentido de maneira convincente. Com base apenas nisso, em uma promessa e
experiência real de uma comunidade cheia de graça, a igreja nasceu.
Atraímos quase todos os tipos de gente esquisita da vizinhança, e logo as
pessoas começaram a se amontoar nas casas comunitárias. Não tínhamos
programações reais propriamente ditas ao nosso alcance. Simplesmente
"formamos a comunidade" e desenvolvemos determinados costumes com
base na graça para os enfraquecidos.
À medida que a igreja crescia e se desenvolvia, os mais velhos que
fizeram parte da história original começaram a lutar com a confusão e a nova
vida do lugar. Porém, para seu crédito, eles realmente reconheciam que o
futuro da igreja estava em uma imagem renovada que Deus estava fazendo
nascer no meio deles. E não resistiram ativamente a ponto de dispensar o
novo, algo que acontece com muita frequência em situações semelhantes. Na
verdade, uma senhora, Isobel, que permaneceu conosco
fielmente durante todas as mudanças, tentou algumas vezes encontrar outra
igreja local menos caótica, mas sempre retomava, dizendo que nenhum lugar
que visitava tinha a mesma "vida" que nós tínhamos. No fim, essa nova
adaptação da igreja tornou-se a predominante e, então, começamos a fase
seguinte.
FASE 2: TORNANDO-SE UMA IGREJA QUE PLANTA IGREJAS
Desde o início, Deus fez nascer em nós um sentimento de obrigação mis-
sional para com aqueles de fora da igreja. Novamente, não tínhamos como
verbalizar isso, mas, de alguma forma, sabíamos que estávamos "grávidos"
de outras igrejas que alcançariam os gmpos de pessoas inalcançá- veis em
nossa cidade. Tínhamos um senso de vocação determinado para com aqueles
grupos formadores do contexto subcultural no qual vivíamos, os pobres e
marginalizados; grupos de pessoas de onde muitos de nós viemos e pessoas
que, muito raramente, frequentariam igrejas estabelecidas como as
conhecemos. Novamente, ao fazer isso, nós apenas seguimos nossos instintos
apostólicos, que passei a acreditar estarem latentes no próprio Evangelho.
Nesse caso, esses instintos latentes expressaram-se em um desejo de
transmitir a fé criando-se novas comunidades relevantes ao contexto
subcultural, porém, fiel ao Evangelho antigo.
Como tal intenção direcionou à plantação de igrejas, foi nesse momento
que começamos a discernir que uma mudança fundamental estava
acontecendo na cultura ocidental. Era início dos anos 90 e o pós-mo-
demismo como fenômeno cultural estava começando a se tomar cultura
popular. A grande divisão estava acontecendo entre a antiga era moderna e a
nova era pós-moderna, resultando no desdobramento da cultura em muitas
subculturas diferentes, o que os teóricos culturais chamam de micro-
heterogeneização ou, simplesmente, subculturalização.14 Nesse grande
fenômeno cultural, no centro da cidade de Melboume, tínhamos
compreendido intuitivamente que uma forma de neotribalização estava
acontecendo. Houve uma troca das pessoas que se identificavam com um
amplo grupo tradicional definido por metanarrativas abrangentes (p. ex.,
atividades sindicais, ideologia política, identidade nacional, grupos reli-
giosos, etc.) por aquelas tantas de gmpos subculturais menores e emergentes
definidos em torno de qualquer coisa, desde interesse cultural até
preferência sexual. Olhando ao nosso redor de onde estávamos, é como se
estivéssemos em uma espécie de Papua-Nova Guiné subcultural, com seus
900 idiomas e grupos tribais/étnicos. Rapidamente começamos a entender
que essa situação questiona nossa forma herdada de comprometimento com
o trabalho missional. Compreendemos que precisáva- mos nos tomar
missionários e que a igreja precisava adotar uma atitude missionária dentro
do seu contexto. Significou também que os dias da abordagem única para
todos da igreja estavam contados. Então, nossa história missionária se
desenvolveu com o objetivo de alcançar grupos específicos nas redondezas
urbanas tribalizadas recentemente.

14 Muito já se foi dito sobre isso, e o leitor pode ter uma boa visão geral sobre o fenômeno a partir de livros
dedicados ao assunto. Veja, por exemplo, Stanley Grenz, Pós-modemismo, 2a ed(São Paulo: Vida Nova,
2008).
Essa fase deve ter durado cerca de cinco anos. Próximo ao fim dela, ha-
víamos começado a articular algumas das idéias que nos energizavam e
tivemos que desenvolver um "modelo" autoconsciente. Sentíamos que de-
veriamos nos tomar uma igreja que planta igrejas com uma organização
regional. Novamente, deduzimos que a maneira de nos comprometermos
com a missão pela região exigia uma nova forma de organização. Nesse
estágio, começamos a estudar a natureza dos movimentos e como se or-
ganizavam. Assim, nasceu o movimento embrionário chamado Restoration
Community Network e renomeamos a South Melbourne Church of Christ como
South Melbourne Restoration Community (SMRC). Logo depois, essa rede ori-
ginou cerca de seis plantações de igrejas em quase 7 anos, algumas das quais
foram experiências maravilhosas da igreja missional e outras foram gloriosos
fracassos. Houve muita luta e dor nos fracassos, mas sentimento de grande
alegria no sucesso. Porém, em tudo aprendemos que, se quiséssemos nos
tomar missionais, teríamos que correr sérios riscos.
A primeira igreja plantada foi em St. Kilda, a zona de prostituição em
Melbourne, e se chamou Matthew's Party. Tratava-se de uma "igreja de ma"
focada em alcançar viciados em drogas e prostitutas. No entanto, com o
envio subsequente de nossas pessoas com cultura de rua, a igreja emissária
(SMRC) passou por uma transformação. Tomou-se o que foi posteriormente
chamado de "Gen-X-church", com idade média entre 25 e 30 anos e uma
comunidade de certa forma flexível de quase 400 pessoas, principalmente
solteiros, em sua órbita. A SMRC era bastante singular, possivelmente até
mesmo no contexto mundial e, ainda assim, quase 40% da comunidade
vinham das subculturas de gays e lésbicas. O que tomou tudo ainda mais
singular foi o fato de que não tínhamos uma postura pró- -gay politicamente
correta, teologicamente falando, mas, de modo gracioso, chamávamos todas
as pessoas para seguirem Jesus para sempre, o que para alguns envolvia
celibato até o fim; outros cujos desejo e vontade eram fortes, buscaram
relacionamentos heterossexuais. Ainda permanecemos comprometidos em
ministrar aos marginalizados, porém, naquele momento era exclusivamente
para jovens adultos alienados e gays.
Nosso segundo projeto de plantação de igreja foi para os judeus. Eu sou
judeu, e meu irmão se tomou cristão pouco tempo depois de minha
conversão ao Messias. Ambos com base na convicção de que o Evangelho era
para os judeus em primeiro lugar (Rm 1.16; 2.9s), começamos o Celebrate
Messiah Australia. Essa foi uma história marcante com centenas de judeus
passando a conhecer o Messias; história inédita, pelo menos na igreja da
Austrália. Hoje, se tornou uma agência independente prosperando à sua
maneira. A quarta experiência foi no cenário de festa rave/bala- das.
Achamos muito difícil formar uma comunidade em desenvolvimento em um
ambiente tão variável e "viajante", no entanto, foi uma grande experiência na
missão transcultural e nos divertimos bastante durante as tentativas. Então,
experimentamos as igrejas nos lares com a classe trabalhadora do subúrbio
ocidental de Melboume, porém, infelizmente, por várias razões, elas não se
mantiveram. Refletirei sobre isso quando falar sobre a incorporação do
mDNA. Os fracassos podem ser grandes mestres.
A última experiência missional nessa fase foi decisiva para mim (e acre-
dito que para a igreja também). Ao longo dos anos até este ponto, duas coi-
sas importantes tinham acontecido. Primeiro, a SMRC, "a nave mãe", por
assim dizer, tinha se estabelecido um pouco em relação aos dias turbulentos
da comunidade perturbada e caótica. Segundo, tínhamos nos tomado
conhecidos como uma "igreja legal" e, como resultado, muitos cristãos da
classe média, que por motivos compreensíveis se afastaram da igreja insti-
tucional de várias maneiras, se encontraram na comunidade e se firmaram
nela. Então, enquanto mantinha sua "excelência" e certa vibração alternativa,
a South, inadvertidamente, havia se tomado segura e com yuppies mais
autoconscientes, resultando na perda de sua essência. Sem perceber, tínha-
mos perdido nosso chamado original e o coração missional.
Na mesma época, e por meio do meu envolvimento com os ministérios
translocais com a Forge (uma agência de treinamento missionário trans-
denominacional dirigida por mim) e com a minha denominação, minha
própria formação e pensamento como um missionário para o ocidente se
desenvolveram. Comecei a criticar seriamente o modo cristandade da igreja e
passei a olhar além do modelo atrativo, para aquele que chamaria mais tarde
de "missional-encarnacional" (impulso exterior e semeadura profunda).3 O
impulso missional-encarnacional forma um dos seis elementos do DNA
missional que mencionarei posteriormente neste livro. Neste ponto, basta
dizer que tinha me convencido de que o conceito herdado da igreja com sua
compreensão associada sobre missão surgiu em um período quando a igreja
havia parado de atuar como movimento missionário, tornando-se, portanto,
algo falso para ela mesma durante o processo. O modo cristandade de
comprometimento, que descreverei adiante como evangelístico-atrativo,
simplesmente não foi o tipo de desafio missionário apresentado a nós dentro
de nosso contexto: um contexto que exigia mais da metodologia missionária
transcultural do que o modelo "alcançar e arrastar" utilizado por nós até
aquele momento.
Aqui, apenas devo inserir nosso raciocínio concedendo-lhe um pouco da
análise missional. Para ilustrar, você verá um gráfico de pizza abaixo que
busca indicar o apelo da igreja evangélica carismática contemporânea para a
nossa população geral da Austrália. Com base em minhas leituras de
significativas pesquisas de todo o ocidente pós-cristão, descobri que, quando
pesquisada, a população média não cristã geralmente relatava grande
interesse em Deus, espiritualidade, Jesus e oração que, reunidos, indicavam
uma busca importante por sentido em nosso tempo. Porém, as mesmas
pesquisas apontavam que, quando questionado a respeito do que pensavam
sobre a igreja, a média não cristã descreveu um alto grau de alienação. É
como se, no presente, a maioria das pessoas respondessem algo como:
"Deus? Sim! Igreja? Não!" Isso pode não ser novidade para muitos leitores.
Cristãos sensíveis conscientizariam a igreja institucional sobre essa resposta,
porém, infelizmente, poucos consideraram as implicações para a igreja em
termos missionais.
Uma combinação de pesquisas recentes na Austrália indica que cerca de
10 a 15% dessa população é atraída para o que podemos chamar de modelo de
crescimento da igreja contemporânea. Em outras palavras, esse modelo tem um
importante "apelo no mercado" em torno de 12% de nossa população. As
formas mais bem-sucedidas desse modelo tendem a ser grandes e altamente
profissionalizadas, e principalmente para a classe média, expressando-se
culturalmente pelo uso de linguagem amigável e músicas populares.
Estruturam-se em tomo do "ministério familiar", portanto, oferecem cultos
para diversas gerações. Demograficamente falando, tendem a cuidar do que
pode ser chamado de "segmento dos valores familiares" - cidadãos bons,
sólidos e bem-educados, que não abusam de seus filhos, pagam seus
impostos e vivem, basicamente, o que podemos chamar de estilo de vida de
classe média. Esse tipo de igreja não só é formado, em grande parte, por
cristãos que se encaixam nesse perfil. A pesquisa indica que essas igrejas
também podem ser muito eficientes em alcançar não cristãos que se adaptam
à mesma descrição demográfica - as pessoas dentro do seu alcance cultural.
Ou seja, a igreja não tem que atravessar nenhuma barreira cultural importante
a fim de transmitir o Evangelho de forma significativa para esse contexto
cultural.15 Essa situação assemelha-se ao seguinte:

15 Veja glossário para a definição de "distância cultural". Também exploraremos mais o assunto no próximo
capítulo.
Parte da população que está
dentro do alcance cultural da
igreja. Pode ser descrita como
classe média, "valores familia-
res", segmento decente de
vida
A maioria das igrejas disputa
essa parte da população
População geral (complexa e multicultural)

"Os votos também estão relacionados à intensidade do amor dos


americanos pela igreja". Sally Morgenthaler descreve a seguinte estatística
para o cenário americano:
Apesar do que imprimimos em nossos próprios comunicados, os números
não parecem bons. De acordo com a estatística de frequência real em
2003,18% dos adultos vão à igreja em âmbito nacional e esse número está
caindo. A frequência evangélica (outra vez, números de assentos reais,
não de respostas telefônicas) contabiliza 9% da população, que representa
uma queda em relação aos 9,2% em 1990. A frequência principal contabiliza
3,4% da população nacional, queda em relação aos 3,9% da década
anterior. E os católicos um ponto percentual abaixo no mesmo período de
dez anos: 6,2% em relação aos 7,2% em 1990. Dos 3.098 condados nos
Estados Unidos, 2.303 diminuíram a frequência na igreja.16
Para intensificar o problema que enfrentamos dentro do novo contexto
missional no qual nos encontramos, George Barna prevê que "até 2025, a
igreja local [como a conhecemos hoje] perderá aproximadamente metade da
sua 'participação de mercado' e formas alternativas de experiência de fé e
expressão assumirão o controle".17 Em vista dessas estatísticas, podemos
deduzir que nos Estados Unidos o atual "apelo de mercado" do modelo em
crescimento da igreja contemporânea pode chegar a 35% (em oposição aos
12% na Austrália). No entanto, apesar do nível de apelo, ela está diminuindo.
E hora de repensarmos tudo radicalmente, levando em consideração as
implicações estratégicas e missionais.

16 Sally Morgenthaler, “Windows in Caves and Other Things We Do with Perfectly Good Prisms", In: Full-
erTheological Seminary Theology News and Notes (Primavera de 2005). O download pode ser feito em
http://www.easumbandy.com/resources/index.php?action=details&record=i386 (Site em inglês. Acesso em
22/01/2015).
17 Comunicado impresso sobre o novo livro de Barna, Revolução (São Paulo: Abba Press, 2005), da George
Barna and Associates, em http://www.barna.org.
Questões estratégicas
Em primeiro lugar, as questões estratégicas: a maioria das igrejas evangéli-
cas, talvez até 95%, contribui com a crescente abordagem da igreja contem-
porânea na tentativa de aumentar a congregação, apesar do fato de as aplica-
ções bem-sucedidas desse modelo continuarem relativamente baixas.18 Essa é
uma questão estratégica para nós porque diversas recombinações de teoria e
prática de crescimento de igreja parecem ser apenas soluções às quais temos
que recorrer para tentar parar a queda do cristianismo. Parece ser nossa
única alternativa, e isso pode não ser bom. Soluções com base no crescimento
da igreja dominam nossa imaginação de tal forma que não conseguimos
pensar além daquela estrutura nem nos desvendlharmos de suas suposições
sobre a igreja e sua missão. E isso é trágico, porque parece não funcionar
para a maioria de nossas igrejas e para a maioria da população. Na realidade,
se tomou fonte de frustração e culpa, pois muitas igrejas não têm a
combinação de fatores que contribuem para uma aplicação do modelo bem-
sucedida.

Questões missionais
Assim, na Austrália temos a situação um tanto ridícula de 95% das igrejas
evangélicas lutando umas contra as outras para alcançar 12% da população.
Isso se toma um sério problema missional porque levanta a seguinte questão:
"O que acontece com a maioria da população (no caso da Austrália, 85%; nos
EUA cerca de 65%) que relatam alienação justamente dessa forma de igreja?
Como as pessoas podem ter acesso ao Evangelho se rejeitam essa forma de
igreja? E como seria a igreja para elas nas suas diversas configurações? O que
está claro a partir da pesquisa na Austrália, pelo menos, é que quando entre-
vistadas sobre o que elas pensam sobre o expressivo crescimento da igreja
contemporânea do cristianismo, 85% variam de entediado ("bom para eles,
mas não para mim") até a repulsão total ("eu jamais iria lá"). Na melhor das
hipóteses, podemos tentar nos aproximar dos entediados, mas não espera-
mos alcançar o restante da população com esse modelo; as pessoas simples-
mente estão alienadas dele e não gostam dele por uma série de razões.
O que está ficando cada vez mais claro é que, se quisermos alcançar essa
maioria de forma significativa, não conseguiremos isso fazendo mais do
mesmo. E apesar de parecer que quando nos deparamos com problemas de
declínio recorremos, automaticamente, ao mais recente pacote de

18 Para a vasta maioria das igrejas, as técnicas de crescimento não tiveram efeito significativo ou permanente
na interrupção do declínio. Das 480.000 ou mais igrejas dos Estados Unidos, apenas uma porção bem
pequena delas podem ser descritas como igrejas sensíveis a quem busca bem-sucedidas, e a maioria delas
tem menos de oitenta membros. Além disso, a igreja nos EUA está em queda apesar de ter a teoria de
crescimento da igreja e técnicas predominantes em nosso pensamento pelos últimos 40 anos ou mais,
pois todo o sucesso observado em alguns casos marcantes não conseguiu interromper o declínio da igreja
nos Estados Unidos e no resto do mundo ocidental.
crescimento de igreja para resolver o problema - parece que não temos mais
para onde ir. No entanto, apenas aumentar a programação, melhorar os
efeitos musicais e audiovisuais ou agitar o ministério não resolverá nossa
crise missional. E necessário algo muito mais fundamental.

Um caso de teste no espaço de proximidade


Essa combinação de experiência missional e reflexão levou a liderança da
South a começar a experimentar métodos significativamente mais encar-
nacionais de missão. Decidimos que, dentro do contexto de Melboume, uma
cidade obcecada por comida e por comer fora, deveriamos tentar e ver como
poderiamos empregar nossa cultura em nosso próprio campo de atividade
(missional) em vez de esperar que as pessoas viessem até nós (atração). O
que nos levou a essa conclusão foi fazer perguntas missionárias, como: "Do que
se tratam as Boas Novas para esse grupo de pessoas?" e "O que a igreja veria
e qual seria seu desejo entre esse grupo de pessoas?" Ambas as respostas
afirmam que nós não temos as respostas completas até perguntá-las às
pessoas dentro do contexto ativo de missão. Elas exigem que prestemos
atenção às questões existenciais confrontando o povo enquanto ele passa por
esses problemas. Por isso, tentamos moldar e formar comunidades de fé de
modo que pudessem se tomar parte orgânica da sociedade cultural da
estrutura sociocultural do grupo de pessoas que estávamos tentando
alcançar. Para Melbourne, onde todo o terceiro setor está relacionado com
alimentação e que tem mais cafeterias per capita do que qualquer outro lugar
no mundo, concluímos que nossa igreja missional deveria redimir o
padrão/ritmo social desses lugares - reinvestindo- -os com significado
religioso - e expressando o que quer dizer ser povo de Deus dentro do
contexto de uma cafeteria ou de um bar. Para concluir, compramos um
grande restaurante em um distrito cheio de cafeterias e o estabelecemos
como um "espaço de proximidade".
O espaço de proximidade não é uma igreja; pelo contrário, envolve a
criação de lugares e/ou eventos nos quais cristãos e não cristãos possam in-
teragir significativamente uns com os outros; um lugar missional, de fato.19
Chamamos o café de Elevation. Para nós, foi uma experiência definitiva:

19 Michael e eu relatamos sobre tal fenômeno em nosso livro: "Portodo o mundo, os cristãos estão abrindo
cafés, barzinhos, galeria de artes, estúdio de design, time de futebol, etc, para facilitar a proximidade e
interação. Se o culto na igreja é o único espaço no qual podemos interagir de modo significativo com não
cristãos, temos um problema. Em Birmingham, Inglaterra, Pip Piper, o fundador de um estúdio de design
chamado One Small Barking Dog [um cachorrinho que late] (ótimo nome!) realiza uma reunião mensal em
um café local, o Medicine Bar. Ele pediu permissão para o dono do lugar para decorar o local como 'um
espaço espiritual‫׳‬. Utilizando incenso, imagens projetadas e música ambiente religiosa, ele cria um local
espiritual ao qual chama de Maji, e artistas, que normalmente frequentariam o Medicine Bar, bem como
os amigos convidados, podem passar o tempo, sentir o ambiente e conversar sobre fé, religião e
espiritualidade". Veja Shaping of Things to Come, 24.
tanto positiva quanto negativa. Positiva porque foi uma maneira maravi-
lhosa de fazer missão e abrir caminho para a vida de outras pessoas - e foi
uma experiência de aprendizado significativa. Negativa porque não con-
seguimos manter o café financeiramente e tivemos que fechá-lo. Iniciamos
nossa longa caminhada e o 11 de setembro de 2001, aliado a algumas deci-
sões administrativas ruins, nos expulsaram dos negócios. Contudo, ainda
acredito que, se tivéssemos conseguido realizar negócios sustentáveis com
nossos propósitos e valores pretendidos, o Elevation teria se tomado uma
forma muito eficaz de missão em nossa cidade. O desejo impulsionador do
projeto era envolver as pessoas em um diálogo significativo sobre Jesus e
espiritualidade de uma forma expressiva e orgânica. Para fazer isso, reali-
závamos aulas de arte, grupos de drama interativo, gmpos de discussões
filosóficas, workshops de violão, lançamento de CDs, lançamentos de livros e
discussões, saraus (onde as pessoas compartilhavam poesias e músicas), bem
como noites musicais regulares. Essas são maneiras naturais de as pessoas se
envolverem organicamente em discussões expressivas, a essência da arte,
espiritualidade, etc. Tudo isso, além de ofertas regulares de um extenso
cardápio de alimentos com bom preço e da hospitalidade, formavam o motor
econômico do projeto.
Nossa análise inicial estimou cerca de 60.000 clientes por ano no café. A
maioria dessas pessoas consumia refeições e ficava conversando no lounge-
bar. Por meio da divulgação de nossos diversos fóruns interativos,
convidávamos pessoas para um diálogo orgânico, onde podíamos saber seus
nomes e, pelo menos, iniciar um relacionamento. Este não era sobre
evangelismo evidente no primeiro momento; mas, admitimos, viria a ser
posteriormente por meio de relacionamentos significativos.
Aqui estão os números: de 60.000 clientes, metade podia demonstrar
interesse nos diversos fóruns oferecidos. Dos que expressaram interesse,
metade se esforçou para saber mais. Dos que se esforçaram para saber mais,
apenas metade passou a participar realmente de algum grupo. Isso significa
que provavelmente cerca de 4.000 pessoas tenham se juntado a algum grupo,
seja de arte, noites de microfone aberto, espiritualidade ou outros. Se
acrescentarmos os que iam ao Elevation por outras razões que não a refeição,
teríamos um local lucrativo e sustentável com sua própria vida cultural e
espiritual vigorosa.
Elevation Café Ltd.

Embora víssemos o Elevation como um espaço de proximidade, uma


abordagem missional genuína deve visar, em última análise, a criação de
comunidades de fé em torno de Jesus. Essa é a forma como planejamos o
projeto, a fim de que formasse comunidades de fé.

Comunidade extremamente
atraente
• Missão separada, estrutura e
liderança.
• Onde discipulado, adoração,
assistência pastoral, etc.
acontecem.
A ideia é apresentada como um raciocínio lógico para tais abordagens de
missão na esperança de que inspirem outros a fazerem o mesmo. Para a
SMRC isso representou um novo modo de comprometimento missio- nal. Foi
o próximo passo lógico de nossa abordagem para missão nessa fase do
movimento; uma mudança definitiva do predominante modo atrativo no
qual a SMRC havia confortavelmente se estabelecido. O fracasso no sustento
do projeto nos abateu de modo muito duro e me levou a um estado
depressivo, bem como a um processo de muita reflexão no qual analisei o
valor de nosso trabalho e a condição espiritual da SRMC especificamente e
da igreja no geral.
Quando as coisas estavam indo mal para nós, os diretores do café fi-
zeram diversos apelos especiais para a comunidade eclesiástica ficar por trás
do projeto e fazer todos os esforços para vir, trazer amigos e desfrutar de
uma refeição, uma ou duas bebidas, e ouvir música juntos. O que nos
desestabilizou, de fato, foi que, mesmo depois de inúmeros apelos urgentes,
o apoio para o projeto não aumentou de forma significativa. Possivelmente,
apenas cerca de um terço da igreja abraçou a causa, outro um terço dava um
pequeno apoio e o outro sequer se preocupou em aparecer. Tenho que dizer:
isso realmente mexeu comigo e me fez refletir profundamente a respeito do
impacto da minha própria liderança e ministério na SMRC.
Como líder-chave, eu tinha que assumir a total responsabilidade pelas
más decisões e por não conseguir tantos bens quanto deveria - e assim o fiz,
porém, uma vez que as pessoas estavam cientes do que estava acontecendo e
mesmo assim não responderam como discípulos maduros deveríam fazer,
fui afetado profundamente. Isso me levou a questionar o que realmente
tínhamos criado no decorrer dos últimos anos de ministério, que, por todas
as estimativas externas, era uma igreja eficaz e notável. Como alguém avalia
os resultados de 15 anos de ministério quando chega a isso?
Minhas reflexões levaram-me a investigar biblicamente como nós real-
mente medimos a eficácia de uma igreja e seu impacto missional. Como
sabemos que estamos sendo frutíferos? Com que medida nós, como povo de
Deus, seremos medidos? Como Deus avalia a nossa eficácia? (Não é esse o
significado implícito de julgamento?) Evidentemente, porque ele julga (Jo
15.1-8; Ap 1-3) e julgará o seu povo (lPe 4.17). Tudo isso me levou mais uma
vez à questão sobre a natureza da igreja conforme a Bíblia define e sobre
como saber que estamos realmente fazendo o que deveriamos fazer. Essas
são perguntas complexas que levaram a mim, e, de fato, toda a nossa
liderança, a uma posição de profundo arrependimento e a um novo
desenvolvimento e crescimento.
Para nós como liderança, o ponto da virada foi fazer as perguntas mais
difíceis sobre como determinar o resultado da igreja. E isso, por sua vez, nos
fez questionar novamente sobre a natureza da igreja e seu propósito natural
de acordo com as Escrituras. Tivemos que voltar à essência da função e
propósito da igreja no mundo. Para isso, tivemos que identificar o que
compreendia os componentes essenciais que, juntos, formam uma igreja.
Qual é o mínimo de uma expressão verdadeira da eclésia? Chegamos à
seguinte conclusão - a igreja é:
• Uma comunidade com uma aliança: Uma igreja é formada por pessoas,
porém, não por pessoas que apenas passam o tempo juntas, mas que
se unem por um vínculo diferente. Há certa obrigação de um para com
o outro em tomo da aliança.
• Centrada em Jesus: Ele é a nova aliança com Deus, formando, assim, o
epicentro de uma fé Cristã autêntica. Uma eclésia não é uma simples
comunidade de Deus - existem muitas outras comunidades religiosas.
Somos definidos pelo nosso relacionamento com a segunda pessoa da
Trindade, o mediador, Jesus Cristo. Uma comunidade com a aliança
centrada em Jesus participa da salvação trazida por ele. Recebemos a
graça de Deus nele. No entanto, para constituir verdadeiramente uma
igreja, exige-se mais.
Um verdadeiro encontro com Deus, em Jesus, deve resultar em:
• Adoração, definida como oferecer nossa vida de volta para Deus por
intermédio de Jesus.
• Discipulado, definido como seguir Jesus e tornar-se muito semelhante a
ele (semelhante a Cristo).
• Missão, definida como estender a missão (propósito da redenção) de
Deus por meio das atividades de seu povo.
E necessário observar que, tanto na prática quanto na teologia, todos os
pontos estão interligados de forma profunda, e um informa ao outro a fim de
criar o complexo fenômeno chamado "igreja". Essa definição é importante
porque faz surgir os aspectos essenciais do que constitui uma eclésia de fé.
Como definimos? Na realidade, o modo como definimos a igreja é crucial
porque nos dá uma dica direta sobre os elementos críticos de uma autêntica
comunidade cristã. Destaca também para nós as principais respostas que
constituem a espiritualidade cristã, ou seja, adoração, discipu- lado e missão.
Seremos avaliados por Deus com base no propósito inato da igreja e, então,
em nossa capacidade de:
1. Fazer discípulos: pessoas que estão aprendendo como, e o que sig-
nifica, tomar-se semelhante a Cristo;
2. Comprometer-se com sua missão para o mundo, que é a nossa missão
(seus propósitos fluem por meio de nós), e;
3. Desenvolver a autenticidade, abrangência e profundidade de nossa
adoração.
Se não formos frutíferos nessas áreas, não poderemos afirmar que somos
uma igreja fiel como Deus deseja que sejamos. Nessa situação, assim como nas
sete igrejas do Apocalipse (Apocalipse 1 - 3), estamos correndo o risco de
nosso candeeiro ser removido. Elas também foram julgadas e chamadas ao
arrependimento. Porém, para nós, a falha central está primeiramente em
nossa incapacidade de "fazer discípulos". Portanto, nossa adoração e missão
enfraqueceram; não tiveram fundamentos reais. Che- guei à terrível
conclusão de que edificamos a maior parte da SMRC sobre a areia porque
não a edificamos sobre o discipulado (Mt 7.26). Mas, qual a utilidade do sal
se ele perder seu sabor (Mt 5.13)?
FASE 3: DE IGREJA A MOVIMENTO ORGÂNICO
Na época, nossa avaliação como líderes da South foi que nós, como co-
munidade, tínhamos perdido nossa perspicácia e nosso coração. Quando as
aparas caíram, não conseguimos formar fontes mais profundas de dis-
cipulado e sentido persistente de obrigação e missão. Para nós, líderes,
parecia que não tínhamos valorizado a missão clara de Deus, e, portanto, a
nossa, como função central da igreja. De fato, para nossa vergonha, até
aquele ponto, não havíamos visto nenhuma conversão a Jesus durante os
dois anos anteriores. E isso no que era, possivelmente, uma das igrejas mais
receptivas e relevantes em nossa cidade (você não tem 40% de frequência de
gays e lésbicas, muitos deles ainda não cristãos, sem ser acessível e aberto).
O que estava errado? Nossa avaliação: nós não tínhamos obtido êxito na
tarefa de fazer discípulos, portanto, não fomos frutíferos na missão. Ao negli-
genciarmos dois elementos essenciais da eclésia, tínhamos nos tomado um
pouco mais do que um clube de adoração para pessoas modernas alienadas
das expressões mais amplas de igreja. As duas outras dimensões da eclésia
frutífera foram quase esquecidas por completo. Fomos forçados a concluir
que tudo o que tínhamos feito foi cultivar mais a abordagem consumista no
cristianismo. Assim como a maioria das igrejas no estilo cristandade
moderna, havíamos formado um modelo de igreja segundo o modelo
consumista e, no fim, pago o preço.
Soa duro? Os proponentes do crescimento da igreja não nos ensinaram
explicitamente a imitar o shopping center e aplicá-lo à igreja? Nisso eles
foram sinceros, mas não deviam estar cientes das ramificações dessa
abordagem, pois, no fim, o médio sempre se toma a mensagem.21 Eles não
estavam cientes do vírus latente no modelo em si - o do consumismo e os
pecados da classe média. Muito do que pode ser rotulado de "classe média
consumista" é baseado nos ideais de conforto e conveniência (consumismo), e
de segurança e proteção (classe média).
Winston Churchill certa vez observou que damos forma aos nossos
edifícios e, depois, eles nos dão forma. E como é verdade! Quando cons-
truímos nossas igrejas, a arquitetura e a forma dizem tudo. Veja isto:
Ministério da pregação ativa no ministério.
Cerca de 5% da igreja Plataforma e ministério
é ativa no ministério. programado
Cerca de 10% da igreja é
Modelo da igreja contemporânea em crescimento.

Modelo tradicional
Na figura acima, a maior parte da igreja é passiva na equação. As pessoas
estão no modo receptivo e basicamente recebem os cultos oferecidos. Ou
seja, são praticamente consumidoras. Elas vão para "serem alimentadas".
Porém, essa é uma imagem fiel da igreja? A igreja realmente deve ser "um
meio de alimentação" de alguma forma para as pessoas competentes da
classe média que estão desenvolvendo suas carreiras? E para ser honesto, é
muito fácil para os ministros atender a isto: o entendimento predominante
de liderança é o de pastor-professor. Pessoas com esse dom adoram ensinar e
cuidar das pessoas, e a congregação, por sua vez, adora terceirizar o
ensinamento e cuidado. Tenho de admitir que agora isso parece uma terrível
codependência para mim. Seguindo a agenda consumis- ta, a igreja em si se
torna consumível e provedora de culto, um vendedor de bens e cultos
religiosos. No entanto, essa abordagem de "provisão de culto" é exatamente
o que Jesus não fazia. Ele falava por meio de enigmas (parábolas) que
evocavam uma busca espiritual nos ouvintes. Em nenhum momento ele fez
sermões religiosos de três pontos abrangendo todas as bases. Seu público
tinha que fazer todo o trabalho duro de completar os espaços em branco. Em
outras palavras, não eram entregues à passividade, mas seu espírito era
ativado.
Para evitar dúvidas, na SMRC passamos de sermões monologistas para
discussões dialógicas. Tentamos, como loucos, diferentes formas de adoração
e ligação com Deus. Desenvolvemos um ambiente parecido com uma sala de
estar com poltronas em semicírculo e arte popular por toda a parede.
Tentamos a comunicação multissensorial, e muito mais. Porém, no fim, tudo
o que havíamos conseguido fazer foi tornar 20% da comunidade ativa no
ministério,
deixando cerca de
80% passivo ou
consumidor.

Adoração alternativa e
muito participativa
Cerca de 20% da co-
munidade é ativa no
ministério.

Na realidade,
era como se
tivéssemos
piorado as coisas Modelo de igreja alternativa.
para os partici-
pantes, pois tudo o que fizemos serviu para refinar o consumismo já latente
deles. Seu "gosto" pela igreja evoluiu. Descobrimos que, se um membro da
comunidade saísse da SMRC por qualquer razão, sentia muito mais di-
ficuldade de voltar para o estilo de igreja "feijão com arroz", pois tinham
adquirido o gosto por "pimenta e alho", por assim dizer. Descobrimos que
muitas pessoas que saíram, simplesmente andaram sem rumo e não con-
seguiram se reconectar em lugar algum. Isso foi muito perturbador e nos
levou a questionar seriamente qual foi o resultado final da nossa forma
envolvente de fazer uma igreja alternativa? Isso piorou as coisas? Minha
resposta alarmante é que eu acredito que sim. Minha lógica é a seguinte:
À parte do gracioso envolvimento de Deus, se você deseja criar uma
igreja contemporânea seguindo os bons princípios de crescimento da igreja,
há diversas coisas que deve fazer e melhorar constantemente:
• Expandir o edifício para permitir o crescimento e planejá-lo novamente
junto com as linhas indicadas no diagrama "modelo de crescimento da
igreja contemporânea".
• Garantir excelente pregação no estilo contemporâneo tratando de
assuntos relacionados à vida dos ouvintes.
• Desenvolver uma experiência de adoração inspiradora (aqui, limitada
a "louvor e adoração") com uma excelente banda e líderes positivos de
adoração.
• Certificar-se de ter um ótimo estacionamento com manobristas para
assegurar o mínimo de inconveniência em encontrar lugar para
estacionar.
• Garantir excelentes programas na crítica área dos ministérios infantil e
de adolescentes. Faça isso e as pessoas se adaptarão mais facilmente
em qualquer lugar.
• Desenvolver um bom programa de grupo de células fundamentado
em tomo do modelo cristão de educação para assegurar cuidado
pastoral e um sentido de comunidade.
• Certificar-se de que a próxima semana seja melhor do que a semana
anterior para fazer com que as pessoas continuem vindo.
Isso é o que os praticantes do crescimento da igreja chamam de "inte-
gração ministerial". A melhora em uma área beneficia o todo e a atenção
constante aos elementos da integração garantirá o crescimento e aumentará o
impacto. O problema é que isso leva direto ao consumismo. A igreja com os
melhores programas e "mais atraente" tende a conquistar mais clientes.
Vamos testar o seguinte: O que você acha que acontecerá se os elementos
da integração se deteriorarem ou uma nova igreja com uma programação
melhor se estabelecer em sua região? Estatísticas por todo o mundo ocidental
onde esse modelo predomina indicam que a maior parte do crescimento da
igreja vem daqueles que "vivem mudando" - pessoas que pulam de igreja em
igreja com base na percepção e experiência da programação. Há
pouquíssimo, mas precioso, crescimento por conversão. Ninguém enxerga o
problema porque "se sente tão bem" e "funciona para mim". Na verdade, a
igreja está em declínio pelo mundo ocidental e nós temos, no mínimo, 40
anos de princípios e prática de crescimento da igreja. 20 Não podemos fazer
discípulos com base na abordagem consumista de fé. Simplesmente não po-
demos consumir nosso modo para o discipulado. Todos nós devemos nos tomar
muito mais ativos na equação de nos tomarmos seguidores de Jesus pelo
resto da vida. O consumo é prejudicial ao discipulado. 21
Com tudo em mente, sentimos que tínhamos de reedificar a igreja desde

20 Em um diálogo entre Michael Frost, muitos membros da faculdade da FullerSchool of World Mission e eu,
foi amplamente reconhecido por todos os presentes que a teoria de crescimento da igreja tinha, de modo
geral, fracassado em reverter o declínio da igreja na América e, portanto, foi uma experiência fracassada.
Permanece o fato de que mais de quatro décadas de princípios e prática de crescimento da igreja não
interromperam o declínio da igreja nos contextos ocidentais.
21 Isso será explorado mais adiante no capítulo sobre discipulado como elemento-chave do mDNA.
a base até as funções-chave bíblicas da igreja (Jesus, comunidade de aliança,
discipulado, missão e adoração). Para toda a liderança, era isso ou havería
renúncia em massa. Aqui estão alguns dos fundamentos filosóficos sobre os
quais procedemos para reedificar a igreja.22
1. Queríamos mudar de igreja estática e localizada geograficamente para
um movimento dinâmico por toda a nossa cidade.
2. Para garantir que cumpríssemos a ordem da igreja de "fazer
discípulos", simplesmente tivemos que inverter a proporção
ativo/passivo (de 20/80 para 80/20) com o objetivo de deixarmos de ser
vendedores de bens e serviços religiosos. Queríamos que a maior
parte da comunidade fosse ativa e se envolvesse diretamente na
jornada de se tomar como Jesus.
3. Desejávamos articular e desenvolver um sistema totalmente repro-
duzível criado com base em idéias simples, de fácil integração e
transferíveis (DNA internalizado).
4. O movimento tinha que ser criado com base em princípios da multi-
plicação orgânica, incluindo o funcionamento como rede de comu-
nicação, não como uma organização centralizada.
5. Finalmente, a missão (e não o ministério) tinha que ser o princípio
organizacional do movimento.
E aqui estão as conclusões a que chegamos:
1. A unidade eclesiástica básica (igreja) tinha que ser muito menor, de
modo a passar da proporção de ativo/passivo de 20/80 para 80/20. A
unidade maior simplesmente não consegue permitir a participação
máxima de todas as pessoas presentes. Em outras palavras, estávamos
nos transformando em uma igreja em célula. No entanto, não uma
igreja em célula exatamente da mesma forma como configurada antes
(no estilo de Ralph Neighbor et ai), pois, segundo o nosso
pensamento, esses grupos deveríam se tomar a primeira experiênría real
da igreja em vez de ser apenas uma programação da igreja. Cada um
desses grupos é uma igreja segundo seus próprios direitos. Essa é
uma grande mudança.
2. Não desenvolveriamos apenas uma filosofia de ministério, mas uma
aliança e práticas essenciais. Por trás desse pensamento estava a cren-
ça de que, ao falar sobre valores essenciais, o apelo aparecería em

2i, Esses fundamentos missionais novos e mais distintos representarão uma integração de idéias na seção 2
deste livro. Essa é uma aplicação do trabalho sobre as reflexões fornecidas. Não é um modelo facilmente
transferível. Espero que, ao propor o que a SMRC fez para mudar de igreja para movimento, eu consiga
demonstrar como a igreja aplicou os conceitos do mDNA.
primeiro lugar. Ainda observo uma série de valores essenciais em toda
filosofia de igreja com os quais não concordo. Em alguns casos, eles
são um pouco mais do que "afirmações maternais" em comunidades
confessionais. O que queríamos era formar uma aliança com uma série
de práticas que expressassem e demonstrassem o valor essencial.23
3. Cada grupo (e, portanto, a maioria dos membros individuais do
grupo) tinha que se comprometer com uma dieta saudável de disci-
plinas espirituais - a única forma de crescer na cristandade da qual
tínhamos ciência. Sendo uma igreja ligeiramente desobediente, cria-
mos o que chamamos de modelo TEMPT.24

PRÁTICA ESSENCIAL DISCIPLINA ESPIRITUAL


T Juntos nós seguimos Comunidade ou união
E Compromisso com as Integrar as Escrituras em nossa vida
Escrituras
M Missão Missão (esta é a disciplina central que une e
integra as demais)
P Paixão por Jesus Adoração e oração
T Transformação Desenvolvimento de caráter e responsabilidade

Cada grupo/igreja tinha que estar compromissado com todas as


práticas a cada encontro para fazer parte do movimento. Como eles
fariam isso era totalmente a critério deles e dependia do modo de ser
de cada um, da liderança e do contexto missional do grupo. Nós os
encorajávamos a explorar e desenvolver novas maneiras de praticar o
TEMPT. Chamamos essas igrejas em células menores de grupos
TEMPT.
4. Organizaríamos o movimento em três ritmos básicos: um ciclo sema-
nal reunindo os grupos TEMPT; um encontro mensal (tribal) reunindo
todos os grupos TEMPT em determinada região; e um encontro a cada
dois anos de todas as tribos em uma rede de movimento amplo.
Cada um desses níveis teria uma estrutura de liderança apropriada.
Discipulado principal, adoração e missão ocorreríam no nível dos

23 Começamos com 0 conceito de práticas porque achamos que a palavra disciplina afastaria a geração X.
Porém, realmente, demos apenas um novo nome para as disciplinas espirituais provadas e verdacleiras.
24 Sigla em inglês para:
Together we follow (Juntos nós seguimos)
Engagement with Scripture (Compromisso com as Escrituras)
Mission (Missão)
Passion for Jesus (Paixão por Jesus)
Transformation (Transformação) (N. de Revisão)
grupos TEMPT - o DNA do TEMPT garantiría isso. A coordenação
regional (tribal) asseguraria um desenvolvimento de liderança sau-
dável e facilitaria as indicações pastorais e a rede de comunicação
saudável. A liderança de movimento amplo facilitaria o nível estra-
tégico e, então, providenciaria o que, mais tarde, seria chamado de
"ambiente apostólico".
5. Em termos de DNA, além do comprometimento do movimento amplo
com as práticas do TEMPT, a única exigência para pertencer ao
movimento é que cada grupo TEMPT se comprometa a multiplicar-se
assim que seja possível e praticável organicamente. Isso garante uma
multiplicação saudável e incorpora um sentido permanente de missão.
Tudo isso não foi feito rapidamente e nem foi fácil. Pessoas acostumadas
a "ser alimentadas", de modo geral, relutam em mudar da passividade para a
atividade. Entretanto, realizamos a transição da igreja ao longo de dois anos
utilizando um modelo saudável de mudança em que todos eram convidados
a dar seu parecer e a participar. A South Melbourne Restoration Community
(renomeada The Red Network ou simplesmente Red) agora está em novo
terreno e diante de um novo futuro. Quando passarmos pelos vários
aspectos do mDNA na seção 2 deste livro, volte a essa história como
principal exemplo de aplicação dos princípios da igreja missional.
O estranho é que, após 15 anos de ministério e missão nessa comunidade,
Deb e eu sentimos que, depois da transição da igreja para novas pos-
sibilidades e do reposicionamento dela para missão orgânica no século 21,
tínhamos um chamado para deixar outro projeto missional e explorar algo
mais. Embora tenha sido difícil para nós dois, e nem sempre fizesse muito
sentido, acreditamos que estava totalmente certo.
Evidentemente, os problemas da igreja em nossa época não podem ser
resolvidos sem alguma forma de envolvimento subjetivo nas questões do dia
a dia. Não é particularmente útil ficar em terra seca enquanto tenta dar aulas
de natação. Precisamos estar envolvidos. Debra e eu ainda estamos
aprendendo sobre missão a partir da perspectiva local, pois estamos profun-
damente comprometidos com a prática local. Ao começar algo novo, temos a
chance de fazer tudo outra vez, esperando não cometer os mesmos erros.
2
CRIANDO O CENÁRIO, PARTE 2

Perspectivas denominacional e translocal

Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso
de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas.
Nicolau Maquiavel, O Príncipe

Falando sério, pode-se dizer que a igreja está sempre em estado de crise e
que sua maior falha é se conscientizar disso ocasionalmente. [...] Talvez, isso
aconteça por causa da constante tensão entre a natureza essencial da igreja
e sua condição empírica. [...] Logo, os muitos séculos sem crise para a igreja
foram anormais. [...] E, se a atmosfera sem crise ainda dura em muitas
partes do Ocidente, isso é simplesmente o resultado de uma perigosa
desilusão. Precisamos saber também que enfrentar a crise é enfrentar a
possibilidade de ser verdadeiramente igreja.
David Bosch, Missão transformadora

UMA VISÃO DO HELICÓPTERO

A experiência na SMRC e o posterior movimento de plantação de igreja para


subculturas e moradores marginalizados que surgiram dele deram- -me uma
perspectiva da igreja missional a partir do ponto de vista de uma igreja local.
Este é o ponto principal em que o Evangelho de Jesus Cristo envolve pessoas
reais em situações da vida real e a igreja precisa ajustar seu modo aos novos
fundamentos. E a verdadeira linha de frente do Reino de Deus, pois se
expressa por meio das comunidades locais da fé. No entanto, é, de alguma
forma, uma perspectiva muito estreita e micromissionária. O que estava
faltando era uma perspectiva abrangente que levasse em conta uma visão
mais global e regional das questões estratégicas relacionadas à missão.
Depois de alguns anos de vários envolvimentos no âmbito denomi-
nacional, fui chamado para dirigir nosso Departamento de Missão, Educação
e Desenvolvimento, efetivamente a sala das máquinas e a usina de idéias
estratégicas de nossa denominação. Ao mesmo tempo, mantive minha
função como líder da equipe no movimento emergente. Atuar em duas
pesadas funções como essas quase me matou, mas foi a melhor coisa que eu
podería ter feito, pois me colocou em dois lugares críticos ao mesmo tempo,
proporcionando-me uma perspectiva estratégica da igreja e do cristianismo.
Isso destacou o dilema enfrentado pela igreja na(s) cul- tura(s) global(is)
emergente(s). Dirigir uma denominação enquanto, ao mesmo tempo, está
comprometido com os marginalizados, serviu para acentuar minha
convicção crescente de que a igreja no Ocidente tinha que mudar e adotar
uma postura missionária em relação ao seu contexto cultural, ou enfrentaria
uma queda acentuada e uma possível extinção. Isso gerou muito medo e foi
nesse momento de tensão que eu realmente passei de olhar a mim mesmo
em primeiro lugar como pastor para ser um missionário para o Ocidente.

CRISTANDADE-MISSIONARIDADE
Edward de Bono, não um teólogo, mas, definitivamente, um grande espe-
cialista em processos de aprendizagem criativos, destaca que, caso exista
uma cura conhecida e bem-sucedida para uma doença, os pacientes em geral
preferem que o médico utilize a cura conhecida em vez de buscar
desenvolver uma melhor. Contudo, talvez, seja possível descobrir curas
muito melhores. Ele, com razão, questiona como podemos chegar a descobrir
uma cura melhor se a cada momento crítico sempre optamos pelo tratamento
tradicional.25 Pense sobre isso com relação às nossas formas usuais de
resolver nossos problemas. Não negligenciamos constantemente padrões e
formas anteriores de tentar resolver problemas teológicos, espirituais e da
igreja? Para citar outro Bono, desta vez o da banda U2, é como se
estivéssemos "presos a um momento e agora não conseguíssemos nos livrar
dele".26 Não é de se admirar que nossos pré-compromissos com o modo
cristandade da igreja e do pensamento nos restrinjam aos sucessos passados
e não nos dê soluções reais para o futuro. Nós sempre parecemos
negligenciar suas respostas pré-concebidas. O aprendizado e o
desenvolvimento genuínos são, na melhor das hipóteses, um processo
arriscado, mas sem jornada e risco não pode haver progresso.
Ninguém, ao olhar para a situação da igreja hoje, pode dizer que no
decorrer do último século, mais ou menos, as coisas não mudaram fun-
damentalmente. A realidade com a qual lidamos é que, depois de quase dois
mil anos de Evangelho, estamos em queda em praticamente todo o contexto

25 Veja Edward de Bono, NewThinkingfora New Millennium (St. Ives, NSW, Aus.: Viking, 1999), ix.
26 Da canção da banda U2, "Stuck in a moment you can't get out of‫״‬, do álbum AllThat You Can't Leave
Behind, 2000.
cultural ocidental. Na realidade, estamos muito mais longe de concluir o
trabalho do que estávamos no século 3. Até mesmo os EUA, por muito
tempo o baluarte de uma forma distinta e vigorosa da cristanda- de cultural,
está vivenciado neste momento uma sociedade que se afasta cada vez mais
da esfera eclesiástica de influência, tomando-se genuinamente neopagã.
Muita tinta já foi derramada na tentativa de analisar a situação. No entanto,
raramente nessas avaliações ouvimos um chamado para repensar a respeito
do modo atual de comprometimento da igreja - a maneira como ela entende e
se molda em tomo de suas principais tarefas. Pouquíssimas vezes ouvimos
uma crítica séria sobre as frequentes suposições escondidas nas quais a
cristandade se baseia.27 Parece que o modelo dessa versão altamente
institucional de cristianismo está incorporado de modo tão profundo em
nossa psique coletiva que o colocamos, inadvertidamente, além dos limites
da crítica profética. Divinizamos tanto esse modo de igreja ao longo de
séculos de teologização sobre ele que, na verdade, o confundimos com o
Reino de Deus, um erro que parece ter contaminado o pensamento católico
em particular ao longo das décadas.28
A maioria dos esforços para mudanças na igreja fracassou ao lidar com as
diversas suposições nas quais a cristandade está fundamentada e se mantém.
A mudança de pensamento necessária em nossos dias, no ponto de vista da
igreja e da missão, deve ser radical de verdade, ou seja, deve partir da raiz do
problema. Talvez, uma forma de conceber isso seja refletir sobre como os
computadores e softwares se relacionam. Seguindo a abordagem utilizada
pelos desenvolvedores dos computadores da Apple, se alguém busca
constantemente criar um computador melhor, o desenvolvimento
sistemático deve ocorrer em três níveis, isto é, na linguagem de
máquina/hardware, sistema operacional e programas do usuário final.
Programas:
interface com usuário final
Sistema operacional:
mediador entre programa e máquina
Linguagem de máquina/hardware:
código básico de hardware

Esta ilustração mostra que não é útil desenvolver um ótimo software


quando o sistema operacional e a linguagem de máquina, ou hardware, não
irão ou não poderão cooperar com ele. Ótimos usuários de programas são
limitados na medida em que o restante do sistema permanece rudimentar.

27 Não há muitos livros acessíveis que critiquem a cristandade a partir de uma perspectiva missional. En-
tretanto, dois apareceram recentemente. Um deles é o excelente livro de Stuart Murray, Post-Christen-
dom: Church and Mission in a Strange New World (Carlisle: Paternoster, 2004) e outro é de Douglas John
Hall, The End of Christendom and the Future of Christianity (Harrisburg, PA: Trinity, 1997).
28 Teologicamente, estamos certos em dizer que a Igreja não é o Reino. Porém, trata-se de um sinal, um
símbolo e uma antecipação do Reino de Deus. Embora se expresse na e por meio da igreja de forma
poderosa, nunca é a única expressão dela. A Igreja é parte do Reino, mas ele se estende ao governo de
Deus em todos os lugares.
Existem questões sistêmicas fundamentais que precisam ser tratadas. Para
criar um produto líder mundial e bem-sucedido, o desenvolvimento deve
estar atento aos três níveis. Por isso, a Apple avança como um todo
integrado.
Essa é uma metáfora útil com a qual analisar nossas abordagens para
mudar e reformar. Muitos esforços para revitalizar a igreja visam apenas
acrescentar ou desenvolver novas programações ou estimular a teologia e a
base doutrinária da igreja. Contudo, raramente tratamos o "hardware", ou a
"linguagem de máquina", do qual tudo depende. Isso significa que os
esforços para fundamentalmente orientar outra vez a igreja em torno de sua
missão irão falhar, pois o sistema fundamental, no caso do modo da
cristandade ou da compreensão de igreja, cancela o que o "software" está
solicitando. A liderança deve ir mais fundo e desenvolver suposições e
configurações nas quais mais uma expressão missional da eclésia possa ser
criada.

Assim, temos que tratar as questões do modo eclesiástico, até a forma


como configurar o sistema a partir do qual operamos. Isso exige que nós nos
conscientizemos das suposições (invisíveis) sobre as quais estabelecemos
nossa experiência de igreja e nosso propósito no mundo.
Mudando a história
Apesar de ouvirmos sobre as tentativas bem-sucedidas de revitalizar as igre-
jas existentes, o resultado geral é muito ruim. Ministros relatam que suas
tentativas de revitalizar as igrejas que lideram não alcançaram os resultados
desejados. Muita energia (e dinheiro) é colocada nos programas de mudança
com todos os exercícios de comunicação comuns, consultas, workshops e
assim por diante. No início, as coisas parecem mudar, mas, aos poucos, a
novidade e ímpeto tendem a enfraquecer e a organização acaba retomando
alguma coisa do modelo ou configuração anterior. Então, em vez de adminis-
trar novas organizações, esses líderes acabam administrando os indesejados
efeitos colaterais de seus esforços. A razão para isso é, na verdade, bem sim-
ples, embora seja frequentemente negligenciada: a não ser que o paradigma
no centro da cultura seja mudado, não poderá existir mudança duradoura.
Certa vez, perguntaram a Ivan Illich qual era a maneira mais radical para
mudar a sociedade - era por meio de uma revolução violenta ou de uma
reforma gradual? Ele respondeu cuidadosamente. Nenhuma delas. Em vez
disso, sugeriu que, se alguém desejasse mudar a sociedade, teria que contar
uma história alternativa. Illich está certo. Precisamos reestruturar nossa
compreensão, embora com lentes diferentes, com uma história alternativa, se
desejamos ir além do cativeiro do paradigma institucional predominante que
claramente domina nossa abordagem atual de liderança e igreja.

Estruturas
organizacionais
Um paradigma, ou história de sistemas, "é um conjunto de crenças
centrais resultantes da multiplicidade de conversas e que mantém a unidade
da cultura.29 As "pétalas" neste diagrama são "as manifestações da cultura
que resultam da influência do paradigma".30 A maioria dos programas de
mudança se concentra nas pétalas, ou seja, tentam efetivar a mudança
observando as estruturas, os sistemas e os processos. A experiência nos
mostra que essas iniciativas geralmente têm sucesso limitado. O consultor de
igrejas, Bill Easum, está certo quando observa que "seguir Jesus no campo
missionário é impossível ou extremamente difícil para a maioria das
congregações no Ocidente por um motivo: elas têm uma história de sistemas
que não lhes permitirá dar o primeiro passo fora da instituição rumo ao
campo missionário, mesmo que o campo missionário esteja logo depois da
porta da congregação".31
Ele continua observando que toda organização é fundamentada em "uma
história de sistemas básica". Ele mostra que "isso não é um sistema de
crenças. É a história de vida continuamente repetida que determina como

29 Richard Seel, "Culture and Complexity: New Insights on Organizational Change‫״‬, In: Culture & Complex-
ity—Organisations & People 7.2 (2002): 2.
30 Ibid.
31 Bill Easum, Unfreezing Moves: Following Jesus into the Mission Field (Nashvitle: Abingdon, 2001), 31.
uma organização sente, pensa e, então, age. Essa história de sistemas
determina a maneira pela qual a organização se comporta, indepen-
dentemente de como o quadro organizacional está projetado. E o modelo
principal que forma todos os outros. Reestruture a organização, deixe a
história de sistemas no lugar e nada mudará dentro da organização. É inútil
tentar revitalizar a igreja, ou uma denominação, sem, primeiro, mudar o
sistema".32 Transpor essa história de sistemas - o paradigma, ou modelo de
igreja - é, segundo Easum, uma das chaves para a mudança e para uma
constante inovação.
Easum observa que a maioria das teorias sobre vida congregacional é
inútil desde o começo, pois são baseadas em uma visão de mundo institu-
cional e mecânica.33 Ou o que ele chama de "comando e controle, história de
opressão". Essa visão é particularmente marcada quando você reconhece
como as formas predominantes de igreja são diferentes dos modelos apos-
tólicos. O movimento iniciado por Jesus foi um movimento orgânico de
pessoas, nunca foi criado para ser uma instituição religiosa. Nós devemos
deixar essa nova, embora antiga, história de sistemas infiltrar-se em nossa
imaginação e confirmar novamente todas as nossas práticas. Nossas orga-
nizações precisam ser reevangelizadas. Isso é explorado de forma mais pro-
funda no anexo intitulado "Um rápido treinamento em meio ao caos".
Sim, mas o Que a Bíblia diz?
Testar nossas suposições eclesiásticas dessa maneira aumenta o nível de
desconforto porque, para fazer isso, devemos explorar - na verdade, criticar -
a configuração institucional herdada da igreja na qual a maioria de nós atua
e onde obtemos nossa legitimidade. Ao fazer isso, não estamos fazendo algo
estranho à nossa fé? Não estamos tocando em algo sagrado, inviolável? Não,
não estamos. Nas Escrituras, descobrimos que, na realidade, existe uma boa
substância teológica na crítica bíblica consistente das instituições religiosas
que se desenvolvem tão facilmente com o passar do tempo. Da relutante
concessão de Jeová à exigência da nação por um rei como as outras nações e
a advertência contida nela (ISm 8.20-22) com relação à "antirreligião" de Jesus
(Ellul), que lutou incessantemente tanto contra as instituições políticas
quanto as religiosas em seus dias. Na verdade, ambas foram diretamente
responsáveis por sua morte. Desde os desafios proféticos do AT, a realeza e
sacerdócio quase sempre corruptos, até a reapropriação no NT desses cargos
na exata função e identidade de todo o povo de Deus (lPe 2.9). Além das
percepções de Paulo a respeito da natureza dos principados e potestades e
do mal impessoal que reside nas estruturas e ideologias humanas (os
princípios elementares de G14.3-11 e Cl 2.8, 20-23), percebemos que a Bíblia
sustenta uma advertência totalmente consistente contra a centralização do
poder em alguns indivíduos e sua concentração em instituições inflexíveis e

32 Ibid.
33 Ibid., 17.
impessoais.
A religião profética também adverte com relação à ritualização do re-
lacionamento entre Deus e o seu povo quando buscam constantemente
lembrar Israel sobre a natureza pessoal intensa da aliança entre Deus e seu
povo. Martin Buber, um comentarista profundo da religião profética e dos
movimentos religiosos, nos alerta sobre os perigos do institucionalismo reli-
gioso quando observa que "a centralização e a codificação, incumbidas dos
interesses da religião, são perigosos para a essência da religião". Inevitavel-
mente, este é o caso, diz ele, a não ser que haja uma vida muito vigorosa de
fé incorporada a toda a comunidade, que manifeste uma pressão incessante
por renovação da instituição.34 Foi C. S. Lewis quem observou que "em toda
igreja existe algo que, cedo ou tarde, irá contra o propósito básico pelo qual
veio a existir. Então, devemos lutar muito duro, pela graça de Deus, para
manter a igreja focada na missão dada originalmente por Cristo a ela".35
Um cristianismo profeticamente consistente significa que devemos
continuar comprometidos com uma crítica constante de estruturas e rituais
que estabelecemos e mantemos. Talvez, em vez de chamá-la de anti-
institucionalismo, um quadro bastante negativo da mente, devemos entendê-
la como uma forma de "rebelião santa" com base na crítica amorosa à
instituição religiosa modelada pelos apóstolos e profetas originais 36 -
"rebeldes santos" que constantemente tentaram se livrar das ideologias,
estruturas, códigos e tradições dominantes que limitavam a liberdade do
povo de Deus e restringiam a mensagem do Evangelho que lhes foi orde-
nado transmitir. Isso é religião profética na prática, e permanece sendo um
dos elementos essenciais de uma verdadeira experiência do cristianismo. É
rebelião porque se recusa a se submeter ao status quo. No entanto, por se
tratar de uma rebelião santa, ela nos direciona à maior experiência com Deus
que já tivemos.
Paradoxalmente, embora a rebelião santa represente um desafio real (e
visível) para as formas estabelecidas de igreja, é também o segredo para sua
renovação. Novos movimentos são a fonte de grande parte de sua vitalidade,
porque são a origem de novas maneiras de experimentar Deus e participar
de sua missão e, por isso, contêm sementes da renovação contínua do
cristianismo. Isso acontece porque os novos movimentos despertam a
centralidade dos principais significados do Evangelho livre das parafernálias
das tradições e rituais herdados. Como veremos, os movimentos vitais
surgem sempre dentro do contexto de rejeição pelas instituições
predominantes (por exemplo, Wesley e Booth). Porém, como os movimentos
vigorosos de missão quase sempre geram movimentos de renovação, no fim,
eles continuarão gerando renovação na vida da igreja no geral (por exemplo,

34 Martin buber citado em Maurice Friedman, Martin Buber, The Life of Dialogue (Harper & Row, 1960), 82.
35 C. S. Lewis, citado em W. Vaus, Mere Theology, A Guide to the Thought ofC. S. Lewis (Downers Grove, IL:
InterVarsity, 2004), 167.
36 "Aquilo que queremos mudar, precisamos primeiro amar.‫ ״‬Atribuído a Martin Luther King Jr.
o pentecostalismo).
O desafio para a igreja estabelecida e seus líderes é discernir a vontade de
Deus para a nossa época, que lhe foi dirigida pela boca de seus rebeldes
santos. Leia este texto com essas qualificações em mente. Apesar de, às vezes,
ele lhe fazer reagir de maneira defensiva, tente discernir os vislumbres da
verdade que contém. Isso é crítico, pois agora estou convencido de que um
dos maiores obstáculos para liberar o Genoma Apostólico é nossa fidelidade
a uma compreensão obsoleta de igreja. Nós apenas temos que descobrir uma
maneira de empurrar para o passado as oportunas respostas históricas que
tão facilmente insinuam-se para um povo cuja ideia do que significa ser povo
de Deus foi feita refém de um conceito menos bíblico de igreja.
TOMADA MISSIONÁRIA
Uma das maneiras mais úteis de ler nossa situação vem de uma ferramenta
conceituai desenvolvida pelo missiologista pioneiro, Ralph Winter.37 O
conceito é o da distância cultural Isso foi desenvolvido para avaliar apenas
como um grupo de pessoas está longe de um comprometimento significativo
com o Evangelho.
Para discernir isso, temos que observá-lo na escala semelhante a esta:

mO ml m2 m3 m4

Cada numeral com o prefixo m indica uma barreira cultural importante para
a comunicação significativa do Evangelho. Um exemplo óbvio de barreira seria o
idioma. Se você tem que ultrapassar a barreira do idioma, tem um problema.
Outras poderíam ser raça, história, religião/visão de mundo, cultura, etc. Por
exemplo, no contexto islâmico, o Evangelho lutou para fazer progressos
importantes, pois religião, raça e história realmente tornam muito difícil um
compromisso significativo com o Evangelho. Por causa das Cruzadas, a
igreja cristã prejudicou gravemente a capacidade do povo mulçumano de
compreender Cristo. Então, podemos colocar a missão para o povo islâmico
entre a situação m3 e m4 (religião, história, língua, raça e cultura). O mesmo
acontece com o povo judeu no Ocidente. E muito difícil "falar
significativamente" em quaisquer das situações. Com certeza esses exemplos
são os mais extremos que podemos enfrentar em nossa vida diária, mas não é
difícil ver como todas as pessoas ao nosso redor se enquadram em algum
lugar dessa escala.
Deixe-me trazer para mais perto de casa: a maioria de nós pode avaliar as
pessoas ao nosso redor nesses termos. Se você vê a si mesmo ou a sua igreja
na posição mO, nós poderiamos interpretar nosso contexto da seguinte
maneira:
mO-ml Pessoas com alguma ideia de cristianismo que falam o mesmo idioma, têm
interesses similares são, provavelmente, da mesma nacionalidade e vêm de
uma classe semelhante à sua ou da sua igreja. A maioria de seus amigos deve
se encaixar nesse grupo.

37 Ralph D. Winter, "The Highest Priority: Cross-Cultural Evangelism‫״‬, In: Let the Earth Hear His Voice, ed. J. D.
Douglas (Mineápolis: World-Wide Publications, 1975), 213-25. Veja também Ralph D. Winter e Bruce Koch,
"Finishing the Task: The Unreached People's Challenge‫״‬, In: Perspectives on the World Christian Movement,
3 ed., ed. Ralph D. Winter e Steven C. Hawthorne (Carlisle: Paternoster, 1999), 509-24.
ml-m2
Aqui está a média não cristã de nosso contexto: uma pessoa com pouca
consciência real, ou interesse, no cristianismo, mas desconfia da igreja (ouviu
coisas ruins). Pessoas assim podem ser politicamente corretas, ter consciência
social e serem abertas à espiritualidade. Essa categoria também pode incluir
pessoas que foram ofendidas no passado por uma experiência ruim com a
igreja ou com cristãos. Apenas vá ao bar ou balada local para encontrá-las.
m2-m3
As pessoas neste grupo não têm ideia alguma sobre 0 cristianismo. Talvez,
façam parte de um grupo étnico com impulsos religiosos diferentes ou alguma
subcultura marginal. Esta categoria pode incluir pessoas marginalizadas pelo
cristianismo WASP38, por exemplo, a comunidade gay. No entanto, esse grupo
definitivamente incluirá pessoas contrárias ao cristianismo da maneira como 0
compreendem.
m3‫־‬m4 Este grupo pode ser formado por grupos étnicos e religiosos como mulçu-
manos e judeus. 0 fato de estarem no Ocidente pode melhorar um pouco a
distância, mas quase todo 0 restante é uma barreira a um diálogo significativo.
Eles são extremamente resistentes ao Evangelho.

Quem assistiu ao comovente filme A Missão deve se lembrar da cena em


que Jeremy Irons aparece como padre Gabriel, um sacerdote jesuíta que entra
na floresta da América do Sul com a intenção de estabelecer uma missão
cristã. Sua tarefa desafiadora é a conversão de uma pequena tribo indígena
da Amazônia39 que tinha matado anteriormente diversos aspirantes a
missionários. Quando o primeiro encontro com eles ocorre, cada uma das
partes está culturalmente muito distante e cautelosa com a outra. Estão
separados por diversos obstáculos culturais: medo, idioma, cultura, religião,
história, etc. Os índios estão prestes a matar o padre Gabriel quando ele pega
uma flauta e toca uma melodia lírica. Por meio do amor universal pela
música, ele estabelece uma ponte experimental de comunicação sobre o
abismo cultural. Esse foi o frágil início de um processo de aprendizado por
meio do qual, ao longo do tempo, padre Gabriel e seu pequeno grupo de
jesuítas obtiveram êxito em fazer amizade com os nativos, em aprender a
respeito da cultura deles, seu idioma e folclore e, por fim, estabelecer uma
missão eficaz entre eles. Esse cuidado amoroso para com o outro, necessário
naquela situação, é verdadeiro para toda missão eficaz através das barreiras
culturais. E chegou o momento para nós, no Ocidente, aprendermos que
todas as nossas tentativas de transmitir o Evangelho são agora transculturais.
Não estamos em uma situação diferente, apenas em uma mais sutil.
Então, como a ideia da distância cultural se relaciona com a cristanda- de
em nossa situação hoje? Bem, a transformação da igreja de movimento
marginal para instituição central começou com o Édito de Milão (313 d.C),

38 Sigla em inglês para "Branco, Anglo-Saxão e Protestante‫״‬. (N. de Revisão)


39 O contexto histórico do filme A Missão se passa na região dos Sete Povos das Missões, localizada no sul do
Brasil, e não na Amazônia. (N. de Revisão)
por meio do qual Constantino, o recém-coroado imperador que tinha afir-
mado sua conversão, declarou o cristianismo como religião oficial do estado,
retirando, assim, a legitimidade de todas as outras religiões.40 No entanto,
Constantino foi além, acabando por proclamar o cristianismo como a
principal religião oficial: a fim de fortalecer seu regime político, ele buscou
unir Igreja e Estado em um tipo de abraço sagrado, e assim, reuniu todos os
teólogos cristãos e lhes ordenou que chegassem a uma teologia comum que
unisse os cristãos no império e, dessa forma, assegurasse o elo entre Igreja e
Estado. Não é de se admirar que ele também tenha instituído uma orga-
nização eclesiástica centralizada, com base em Roma, para "governar" as
igrejas e unir todos os cristãos, de todos os lugares, sob uma instituição com
ligação direta com o Estado. Logo, tudo mudou, e o que posteriormente foi
chamado de "cristandade" estava instituído.
A criação do sistema da cristandade foi uma estreita, apesar de às vezes
preocupante, parceria entre Igreja e Estado, os dois principais pilares da so-
ciedade. Ao longo dos séculos, a luta pelo poder entre papas e imperadores
resultou no domínio ora de um, ora de outro, por certo tempo. Porém, o
sistema da cristandade admitiu que a igreja estava associada a um status
quo que era entendido como cristão e tinham interesse em sua
manutenção. A Igreja concedeu legitimação religiosa para as atividades do
Estado, e o Estado concedeu força secular para apoiar as decisões
eclesiásticas.41
O que está claro é que inúmeras mudanças significativas aconteceram
após o acordo de Constantino com a Igreja. A fim de vermos nossa própria
experiência sobre a cristandade de maneira mais clara, é necessário resumir
as principais mudanças ocorridas após sua imposição. De acordo com Stuart
Murray,42 a mudança da cristandade significou:
• A adoção do cristianismo como religião oficial de uma cidade, estado
ou império
• O movimento da igreja da margem da sociedade para o centro
• A criação e desenvolvimento progressivo de uma cultura ou civili-
zação cristã
• A suposição de que todos os cidadãos (exceto os judeus) eram cristãos
por nascimento

40 O édito estabeleceu permanentemente a tolerância religiosa para com o cristianismo dentro do Império
Romano. Foi o resultado de um acordo político concluído em Milão entre os imperadores romanos Cons-
tantino I e Licínio em fevereiro de 313. A proclamação, feita ao Oriente por Licínio em junho de 313, asse -
gurou a todas as pessoas liberdade para adorarem qualquer divindade que lhes agradasse, assegurando
direitos legais aos cristãos (incluindo o direito de organizar igrejas), e ordenou a devolução imediata de
propriedades confiscadas aos cristãos. Éditos anteriores de tolerância tiveram vida curta, assim como os
regimes que os sancionaram, mas, dessa vez, o édito estabeleceu de maneira eficiente a tolerância reli-
giosa. No entanto, o resultado líquido em termos sociopolíticos foi estabelecer a hegemonia da religião
cristã à medida que o cristianismo se tornava a única religião legítima na corte, e, daquele momento em
diante, se alguém buscasse qualquer forma de poder político, tinha que ser um cristão batizado.
41 Notas de pesquisa amavelmente concedidas pelo dr. Stuart Murray em 2005.
42 Murray, Post-Christendom, 76-78.
• O desenvolvimento do corpus Christianum, no qual não havia liberdade
religiosa e o poder político era considerado como divinamente
autenticado
• O batismo infantil como símbolo da incorporação obrigatória nessa
sociedade cristã
• O domingo como dia oficial de descanso e frequência obrigatória na
igreja, com penalidades para o não comparecimento
• A definição de "ortodoxia" como a crença comum compartilhada por
todos, determinada pelos líderes poderosos da igreja apoiados pelo
Estado
• A imposição de uma moralidade supostamente cristã em toda a so-
ciedade (apesar de os padrões morais do Antigo Testamento serem
aplicados de forma regular)
• Um sistema eclesiástico hierárquico, com base na diocese e organi-
zação paroquial, que era semelhante à hierarquia do Estado e sus-
tentado pelo apoio do Estado
• A construção de grandes e ornamentados edifícios e a formação de
congregações enormes
• A distinção genérica entre clérigos e laicos, e a relegação do laicato a
um papel bastante passivo
• O aumento da fortuna da igreja e a imposição do dízimo obrigatório
para financiar esse sistema
• A defesa do cristianismo através de sanções legais para restringir a
heresia, a imoralidade e os cismas
• A divisão do globo em "cristandade" e "paganismo" e a promoção de
guerras em nome de Cristo e da Igreja
• A utilização das forças políticas e militares para impor a fé cristã
• A utilização do Antigo Testamento, ao invés do Novo, para suportar e
justificar muitas dessas mudanças
A mudança para cristandade foi completamente paradigmática, e as
implicações foram, com certeza, desastrosas para o movimento de Jesus que
estava transformando o mundo romano a partir da base. Rodney Stark,
considerado por muitos o mais importante estudioso da igreja nesse período,
resumiu tudo nesses termos dramáticos:
Há muito tempo, os historiadores aceitam a afirmação de que a conversão
do Imperador Constantino (cerca de 285-337) causou o triunfo do
cristianismo.
Pelo contrário, ele destruiu os aspectos mais atraentes e dinâmicos,
tornando um movimento tão intenso e fundamentado em uma instituição
arrogante controlada pela elite que muitas vezes conseguiu ser brutal e
negligente.43
O resultado dessas mudanças em termos de distância cultural foi trazer a

43 Rodney Stark, For the Glory of God (Princeton: Princeton University Press, 2003), 33.
cultura geral com seus grupos de pessoas para a distância cultural da igreja e
sua mensagem. Essa proximidade cultural durou enquanto a Igreja manteve
seu domínio religioso sobre a cultura predominante. Esse período foi
chamado de cristandade e, significou o domínio às vezes completo da Igreja
sobre o Estado e a sociedade. Esse domínio foi enfraquecido pelos adventos
da Renascença e da Reforma (entre os séculos 14 e 16), posteriormente
diminuiu e, finalmente, chegou ao fim durante o final do período do
Iluminismo, ou moderno (entre os séculos 19 e 20).
O Iluminismo buscou estabelecer a razão sobre a revelação por meio da
filosofia e da ciência, acabando por forçar uma separação entre o poder da
Igreja e o do Estado (a Revolução Francesa). O Estado, e a esfera pública com
ele, foram despojados das influências religiosas; o Estado secular nasceu,
com a ciência como mediador da verdade e o mercado como mediador do
pensamento. O resultado do período do Iluminismo, entre outras coisas, foi a
secularização da sociedade e a subsequente marginalização da igreja e de sua
mensagem. Nós, que vivemos no século 20, sabemos disso muito bem por
experiência própria. O problema que enfrentamos é que, embora como força
cultural sócio-política a cristandade esteja morta, e nós vivamos no que foi
convenientemente chamado de era pós-cristandade, a igreja ainda opera
exatamente da mesma forma. Em termos da maneira como entendemos e
"fazemos" igreja, pouco mudou em 17 séculos.
Com o fim do período moderno e o subsequente período pós-moder- no,
as coisas começaram a mudar radicalmente. Para alguns, o poder das
ideologias hegemônicas chegou ao fim, e com isso, o colapso do poder do
Estado (por exemplo, a União Soviética) e outras formas de "grandes
histórias" que unem sociedades ou grupos em uma grande visão. O efeito
final disso foi o surgimento de subculturas e o que os sociólogos chamam de
heterogeneização, ou apenas a tribalização, da cultura ocidental. Exatamente
como tínhamos deduzido a partir do nível local na SMRC, um novo
tribalismo nasceu na era pós-moderna.
Agora, as pessoas se identificam menos por grandes ideologias, iden-
tidades nacionais ou alianças políticas, e muito menos por grandes histórias,
mas por grupos de interesse, novos movimentos religiosos (Nova Era),
identidade sexual (gays, lésbicas, transexuais, etc.), atividades esportivas,
ideologias competitivas (neomarxista, neofascista, ecologistas, etc.), classe,
consumo excessivo (metrossexuais, grunges urbanos, etc.), tipos de trabalho
(viciados em computador, hackers, designers, etc.), e assim por diante. Em
certa ocasião, alguns especialistas do ministério de jovens com os quais
trabalhei identificaram, em uma hora, 50 subculturas de jovens facilmente
perceptíveis (viciados em computadores, esqueitistas, manos, surfistas,
punks, etc.). Cada um deles adota sua identidade subcultural com a maior
seriedade, e então, qualquer resposta missional para eles também deve ser.
O ponto aqui é a comparação entre a situação da igreja cristã e a nossa: ir
além de nossa própria referenda cultural (mO-ml) e além das barreiras cultu-
rais significativas (ml até m4) são coisas totalmente diferentes. O problema é
que a igreja cristã mediana tende a ser razoavelmente efitiente apenas dentro
de sua própria referenda cultural (mO-ml). A igreja cristã foi criada para isso
- chama-se alcançar e arrastar (e eu não estou fazendo piada, é como nós, na
verdade, operamos). A abordagem sensível a quem busca é o modelo impul-
sionador disso e apenas em casos raros obtém êxito em grande escala.
Utilizando isso como grade para analisar a distância cultural da igreja no
contexto ocidental no decorrer dos últimos dois mil anos, teremos algo
sem m4
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Reconheço que esta é uma incrível simplificação da atual situação
histórica, mas esse diagrama é traçado para destilar a essência das situações
em mudança da igreja em termos de distância cultural. Observe as diferenças
na distância cultural durante os diversos períodos de tempo. Observe
também a semelhança entre a nossa situação e a da igreja primitiva. Há
muitos grupos culturais, alguns dos quais se movem em nossa direção, com
a maioria se afastando de nós. As abordagens missionárias eram/são
necessárias em ambas as situações. No entanto, não foi esse o caso durante o
período da cristandade, pois ela homogeneizou a cultura e todos os nascidos
naquele período eram considerados cristãos. E no meu ponto de vista, foi
nesse período que a igreja perdeu seu chamado missionário e forma iniciais,
seu etos do movimento, e com isso, reprimiu inadvertidamente sua herança
de Genoma Apostólico.
Ora, no período pós-modemo, todo o modo de lidar mudou; agora nós
estamos de volta ao genuíno terreno missional. Na situação contemporânea, a
grande maioria das pessoas ao nosso redor (por certo na Austrália, no Reino
Unido, na Europa e, de modo crescente, nos Estados Unidos) varia entre ml e
m3 distante de onde a igreja geralmente está. Nessa situação, a atraente
superação da igreja não reduzirá mais essa distância. Curso Alpha (grupos
evangelísticos), cultos evangelísticos e evangelismo por amizade
influenciarão dentro de nossa própria estrutura cultural (mO- ml), mas
dificilmente serão, se é que foram alguma vez, eficientes depois disso.
Lembre-se do padre Gabriel. Para influenciar além das barreiras culturais
teremos que adotar uma posição missionária em relação à cultura. Em parte,
isso significa adotar uma abordagem de envio em vez de uma atraente44, e em
parte, significará que teremos que adotar práticas melhores nas metodologias
missionárias transculturais. De qualquer maneira, será necessária uma
abordagem muito mais sofisticada do que as geralmente utilizadas no
momento, e isso exigirá que nós reajustemos nosso paradigma sobre a igreja
para superar esse desafio. É hora da igreja missionária se levantar e do
gigante adormecido acordar.
Falando do curso Alpha, esta marcante ferramenta evangelística tem sido
utilizada para trazer muitos à fé. Acredito que mais de 3 milhões de pessoas
tenham participado dos cursos Alpha somente no Reino Unido. Geralmente
ele é utilizado pelas igrejas como ferramenta evangelística para contribuir
com o crescimento numérico da igreja. O interessante é que, no Reino Unido,
o Alpha é mais bem-sucedido entre os chamados "desigrejados" do que entre
os genuinamente sem igreja - em outras palavras, os que vieram da estrutura
mO-ml. E apesar de seu poder evan- gelístico, visto de uma perspectiva mais
ampla, ele nada acrescentou ao crescimento da igreja. Com certeza, não há 3
milhões de novos membros nas igrejas do Reino Unido como resultado do

44 Dedicarei um capítulo inteiro a isso quando analisarmos o mDNA chamado impulso missional-
encamacional.
Alpha. Na realidade, a igreja lá ainda está em sério declínio. Dessa forma, o
Alpha, longe de ser uma eficiente ferramenta missionária, serve, na verdade,
como um bom exemplo de como não influenciamos muito além de nós
mesmos.
Como isso pode acontecer? Uma grande parte do problema é que, em-
bora muitas pessoas desigrejadas cheguem à fé em Jesus por meio do Alpha,
parece que elas ainda não querem "ir para a igreja". É novamente o
fenômeno: "Jesus sim. Igreja, não". As pessoas chegam à fé em comunidades
pequenas e íntimas de amigos, porém, de modo geral, não querem a parte da
religião organizada do acordo. Essa troca de agendas, às vezes, é com-
preendida como uma estratégia de "atrair e trocar", o que é geralmente
considerado antiético no mundo comercial. Então, chegamos agora à incô-
moda situação em que a expressão predominante da igreja (cristandade) se
tomou a grande pedra de tropeço na disseminação do cristianismo no
Ocidente. Aplicando a rede do Genoma Apostólico, eu me pergunto: "E se,
em vez de ser apenas uma ferramenta de crescimento da igreja, o Alpha se
tomasse um movimento de multiplicação da igreja - uma nova igreja
surgindo como resultado do grupo Alpha e reproduzindo-se a partir dali?"
Meu palpite é que, ao direcioná-lo com um paradigma diferente, ele deco-
laria. Há muitos elementos do Genoma Apostólico latentes em sua estrutura,
no entanto, são impedidos por uma compreensão mais institucional da
igreja. Aqui, vemos o choque dos paradigmas de forma inflexível.

NÓS SEMPRE FIZEMOS DESSE |EITO... NÃO FIZEMOS?


Se você está se sentindo desconfortável neste ponto, permita-me reiterar que
a cristandade, de fato, não é o modelo bíblico original da igreja primitiva,
logo, não precisamos ser tão melindrosos com relação a isso. Tudo bem...
Deus não vai nos bater se buscarmos uma maneira melhor de sermos fiéis e
também missionais. O progresso é bom.
Considera isso errado? Então, vejamos os modelos essenciais da igreja
analisados durante três eras ou épocas. Elaborei uma grade claramente so-
ciológica a fim de visualizar as questões em termos de padronização social e
organizacional, pois é útil tentar obter uma perspectiva mais objetiva de
nossa situação.45 E como essa tabela, como todas as tabelas comparativas, é
uma simplificação da atual situação (a vida real não é tão facilmente catego-
rizada), acredito que ela resuma a essência de cada era. Vejamos.

45 Essa tabela foi utilizada anteriormente em Michael Frost e Alan Hirsch, The Shaping of Things to Come:
Innovation and Mission for the 21st Century Church. (Peabody, MA: Henrickson Publishers, 2003.), 9.
MODELO
APOSTÓLICO E PÓS- MODELO MODELO MISSIONAL
APOSTÓLICO (32 a CRISTANDADE (313 EMERGENTE
312 d.C.) até hoje) (10 anos atrás)
Local de Não tem edifícios Edifícios são centrais
sagrados dedicados; Rejeitam o interesse e a
para a noção e expe-
reunião necessidade de edifícios
quase sempre riência de igreja.
clandestinos ou consagrados como
perseguidos. "igreja".
Etos da A liderança opera Liderança por um A liderança abraça o
liderança com, no mínimo, clero ordenado pioneiro modelo
cinco des- institucionalmente, inovador, incluindo
dobramentos de etos criando, assim, uma um etos de liderança
de liderança corporação ministerial quíntuplo.
ministerial como em profissional operando Preferencialmente
Ef 4 (apóstolo, principalmente no não institucional
profeta, evangelista,
modelo pastor-
Estrutura Movimento Noção
mestre.institucional Movimentos de base e
de base,
pastor e mestre).
organizacional descentralizado, hierárquica detalhada descentralizados.
celular. de liderança e
estrutura.
Comunhão celebrada Crescente institucio- Redime, sacramenta
Modelo como refeição comu- nalização da graça por outra vez e ritualiza
sacramental nitária meio de sacramentos novos símbolos e
(meios da sacramentada; experimentados ape- eventos, incluindo a
graça) batismo por todos. nas "na igreja". refeição.
A igreja está à A igreja é considerada A igreja está, mais
Posição na margem da central para a uma vez, à margem da
sociedade sociedade ou é clan- sociedade e a cultura sociedade e da
destina. ao redor. cultura.
Modo Igreja missionária e Atrativa "extrativa" Missional,
en- carnacional de em ambientes missio- encamacional de
missional envio. nais além do ml). envio. A igreja volta a
abraçar a postura
missional em relação
A primeira era dessa grade descreve o movimentoàestimulante
cultura. e defi-
nitivo de Jesus que se espalhou ao longo do Império Romano e, por fim, o
subverteu. Quando analisado, fica claro que esse foi um fenômeno de base,
um movimento de pessoas que carecia de instituições mais facilmente
explicáveis porque, no contexto de perseguição, era incapaz de se estabelecer
por completo. Não havia um local-sede e se espalhou utilizando os ritmos
sociais e estruturas daqueles dias. Esse movimento dinâmico continuou
basicamente de diversas formas até Constantino. Quando ele entrou em cena,
tudo mudou. Absolutamente tudo.
Observe a coluna do meio da tabela (Cristandade), e reconhecerá com fa-
cilidade, em algum grau, todos os elementos do que normalmente compreen-
demos como "igreja". Não é verdade que poucos podem compreender a
igreja sem um tipo especial de edifício com uma forma especial? Nós até
chamamos os edifícios de "igrejas" e "vamos para a igreja". A maioria dos
líderes na igreja obtém autorização para ministrar a partir de uma instituição
centralizada chamada denominação. A maioria das pessoas ordenadas por
esse sistema está dotada nos modelos de pastor-mestre, com graus
reconhecidos. Os três outros tipos encontrados em Efésios 4 se foram. Isso
acontece porque, em uma cultura em que todas as pessoas são consideradas
cristãs, a igreja só precisa cuidar delas e ensinar a fé. Na maior parte das
denominações, somente ministros ordenados são autorizados a ministrar os
sacramentos, que não são mais uma refeição viva e real, mas de onde os
símbolos religiosos e idéias são destilados e extraídos da experiência da
refeição física, e ministrados apenas dentro dos limites da igreja e seu
ministério oficial. Em alguns lugares, a graça chega a ser compreendida
como uma matéria a ser ministrada por meio de sacramentos e apenas pelos
sacerdotes. Na realidade, a graça tornou-se uma "posse" da igreja
institucional e não algo facilmente experimentado "fora" de sua esfera direta
de controle ou influência.
E a estrutura? As estruturas organizacionais da cristandade estão, no
sentido real, há mundos de distância da igreja primitiva - algo como com-
parar os Estados Unidos com a Al Qaeda (um sendo uma instituição es-
tabelecida com estruturas centralizadas, políticas, protocolos, e a outra, uma
rede reticulada operando em tomo de uma estrutura simples com causa
específica). Na era da cristandade, a igreja compreendia a si mesma como
central para a sociedade, portanto, operava segundo o modelo atrativo. Nessa
situação, as pessoas vêm para a igreja para ouvir o Evangelho, para serem
ensinadas na fé e para participar dos sacramentos.46
Observe que eu não estou dizendo que Deus não usa, e não usou, esse
modelo de igreja. Também não estou dizendo que as pessoas inseridas nes-
sas estruturas não são cristãos sinceros ou genuínos. A maioria de nós teve o
encontro com Deus dentro desse modelo. Obviamente, ele o utilizou e ainda
é encontrado nele hoje. O que estou dizendo é que, por causa da drástica
mudança das condições, essa configuração de igreja está literalmente "fora de
moda". Apenas não será mais suficiente para as mudanças do século 21 - as
estatísticas e tendências provam isso em todo o contexto cultural ocidental.
Não adianta apenas reorganizar os aspectos do mesmo modelo sem ir até as
raízes do paradigma. Não devemos abandonar a cristandade, pois nela está o
povo de Deus, no entanto, é necessária uma mudança fundamental, uma
conversão, se preferir, se for se tomar genuinamente missional. Essa
mudança é possível, mas não sem um grande realinhamento do nosso
pensamento e recursos atuais. Como a cristandade está profundamente
inserida em nossa imaginação e prática, tal mudança, por certo, não
acontecerá sem uma vontade política significativa de mudar. Será evitada
por aqueles com interesses mais importantes no sistema atual.
"Agora que a longa era de Constantino passou, nós, cristão, nos en-
contramos em uma situação muito mais análoga à dos cristãos do Novo
Testamento do que à da cristandade pela qual alguns anseiam

46 Posteriormente, tratarei do ponto nas definições missionais, essa abordagem atraente para a igreja, na
verdade, toma-se atraente aemais, pois serve de laços orgânicos, ou seja, a conversão tem haver com sua
cultura local e cria uma espécie de enclausuramento cristão culturalmente distante de seu contexto. É
importante colocar um ponto aqui, pois é uma questão de estratégia e da natureza da igreja missional.
nostalgicamente"47 O teólogo episcopal Robert Webber chama os evangélicos
a retomarem uma compreensão e experiência de igreja mais pré-
constantina.48 Para renovar a nós mesmos, precisamos tocar a base com
nossas raízes mais profundas. Para invocar e acessar o poder do Genoma
Apostólico, devemos estar dispostos a fazer uma viagem de descoberta e,
portanto, estar dispostos a nos distanciarmos daquilo que achamos confiante
e seguro e assumir alguns riscos. Caso ajude, o que deve, de fato, ser
percebido é que a cristandade não foi o modelo original da igreja, e,
esperamos, não será o último. Já é hora de destronarmos Constantino; na
medida em que as questões da igreja avançam, parece que ele ainda é o
imperador de nossa imaginação. A igreja agora enfrenta o desafio de
descobrir missão em um novo paradigma, enquanto luta para se libertar da
mentalidade da cristandade. Ou, nas palavras do sempre perspicaz Loren
Mead, "Estamos cercados por relíquias do Paradigma da Cristandade, um
paradigma que, em grande parte, deixou de funcionar. [Essas] relíquias nos
mantêm presos ao passado e dificultam a criação de um novo paradigma,
que possa ser tão persuasivo para a próxima geração como o Paradigma da
Cristandade foi para a geração passada".49 “É IGREJA, JlM, MAS NÃO COMO
A CONHECEMOS‫״‬

É hora de (re)descobrir uma nova história da igreja e de sua missão. Entre na


Igreja Missional Emergente, IME. Essa forma de eclésia é genuinamente
criativa, pois apresenta uma imaginação fundamentalmente alternativa à
predominante. E é antiga, pois, como veremos, parece, sente e se manifesta
de forma muito semelhante à apostólica original. Isso não é por acaso,
porque, como a tese deste livro explorará, a igreja está começando a
redescobrir seu Genoma Apostólico e o mDNA associado (o complexo
central de idéias orientadoras, fenômenos, estruturas e experiências) que
tomaram os fenomenais movimentos de Jesus histórias genuinamente
perigosas e ferramentas tão marcantes e eficientes da missão redentora de
Deus para o mundo. E a boa notícia é que toda a comunidade de cristãos,
que é o próprio transmissor do Genoma Apostólico, pode recuperar a
identidade perdida se a comunidade estiver disposta a viajar outra vez. Está
lá, tudo o que precisamos fazer é alcançar o interior.
O que é proposto aqui (na coluna "missional emergente" da tabela) pro-
vém de uma importante pesquisa pessoal que me levou pelo mundo a vários
contextos. Formou também a base da minha obra com Michael Frost em The
Shaping of Things to Come: Innovation and Mission for the 21 st Century Church,

47 Rodney Clapp, citado em R. E. Webber, TheYounger Evangelicals: Facing the Challenges ofthe New World
(Grand Rapids: Baker, 2002), 113-14.
48 Webber, Younger Evangelicals.
49 Loren Mead, The Once and Future Church: Reinventing the Congregation for a New Mission Frontier
(Washington: Instituto Alban, 1991), 18. Na pág. 43, ele diz: "O dilema da igreja neste momento de transição
é que as fechadas das estruturas antigas ainda nos rodeiam, mesmo que muitas delas não funcionem
mais‫״‬. Ele observa que algumas dessas fechadas são instituições, outras são funções e outras são modo de
pensar e expectativas. Seja o que for, tudo isso precisa ser reconhecido, analisado e tratado caso
queiramos seguir em frente.
então, reportarei ao leitor algumas histórias e mais detalhes.50 Entretanto,
uma obra mais recente sobre igrejas emergentes de Eddie Gibbs e Ryan
Bolger inclui uma análise extensiva de 49 comunidades tanto dos Estados
Unidos quanto do Reino Unido.51 Esse livro é de valor inestimável para a
compreensão de alguns aspectos notáveis deste movimento.
O que se segue não é uma leitura forçada da situação, mas uma descrição
do atual fenômeno da igreja missional emergente que está acontecendo em
nossos dias - um fenômeno do qual tenho o privilégio de fazer parte através
do meu trabalho local, mas também, através do maravilhoso ponto de
vantagem da Forge Mission Training Network. A Forge se considera uma
parteira de um novo sonho. Tem um foco estratégico na IME e está
profundamente envolvida.
O que estamos observando em nossos dias é o surgimento de novos mo-
vimentos e comunidades, muitos dos quais ainda estão sem forma e relativa-
mente desorganizados. O marcante, em termos de estrutura, é que não há
centro nem drcunfeiência real e, mesmo assim, graças à Internet e à nova
mídia, muitos estão bem conectados por todo o globo. A maioria das pessoas
na IME parece conhecer umas às outras. Essas comunidades e movimentos
não sentem que o povo de Deus está irrevogavelmente preso a determinados
tipos de edifícios. Portanto, novas formas de comunidade cristã estão
surgindo em clubes (por exemplo, Mosaic, em Los Angeles, NGM, em
Londres), cafés (Al- lellon em Boise Idaho, Jeebiz, em Melbourne), às
margens dos rios (Church on the Pine, em Brisbane), teatros (The Green
Room, em Adelaide, Tribe em Los Angeles), pubs e bares (Holy Joes, em
Londres), clubes esportivos (Matthew's Party, em Chicago), casas
(House2House, igrejas simples), no trabalho (Subterranean Shoe Room, em
São Francisco, estúdio de tatuagem In the Blood, em Pittsburgh) e prédios de
igrejas (Three Nails, em Pittsburgh, Moot, em Londres). E, ainda assim, são
expressões reais e autênticas de igreja se minhas definições no último
capítulo estiverem certas. São extremamente criativas na nova simbolização
da fé (chamada em vários lugares de movimento de adoração alternativa).
São ricas em conversas sobre espiritualidade, vida, Jesus, Deus, fé,
disdpulado e missão - conversas que tentam incluir as pessoas de fora da fé.
A liderança que surge nelas tende a estar imbuída de um espírito criativo e
pioneiro. Poucos são ordenados - este é um genuíno movimento popular de
base. Há uma redescoberta da cristologia e da pessoa de Jesus como ponto
central da fé em vez de todos os dogmas altamente estilizados e os credos
que definiram o modelo da cristandade. No todo, trata-se de um movimento
bem marginal - não faz sentido que ele tenha um papel central na sociedade
de forma geral - e mesmo assim, parece estar comprometido com a fé na
esfera pública. O que é estimulante é o fato de todas essas igrejas terem um
coração missional, o desejo de alcançar outras pessoas com a mensagem da

50 Veja também de Eddie Gibbs, Para onde vai a igreja, e Gerard Kelly, Retrofuture. A obra de Brian McLaren e
Leonard Sweet também é uma leitura vital sobre esse assunto.
51 Eddie Gibbs e Ryan Bolger, Emerging Churches.
redenção em Jesus.
Gibbs e Bolger listam, com foco maior na espiritualidade, as seguintes
características das igrejas do movimento:
• Identificando-se principalmente com Jesus
• Transformando o espaço secular
• Vivendo em comunidade
• Acolhendo o estranho
• Servindo com generosidade
• Participando como produtores
• Criando como seres criados
• Conduzindo como um corpo
• Orando: "Seja feita a tua vontade".52
Essa pesquisa por novas formas de igreja inclui o que muitos chamam de
movimento de "igreja nos lares" ou "igreja simples". Considerando que a
maioria das pessoas continua pensando em "ir para a igreja" como
participação no culto em um dos muitos prédios de igrejas localizados por
toda a comunidade, um novo estudo do Bama Group mostra que milhões de
adultos estão experimentando novas formas de comunidade espiritual e
adoração, com muitos abandonando as formas tradicionais.
O novo estudo, baseado em entrevistas com mais de cinco mil adultos
selecionados de modo aleatório por toda a nação, descobriu que 9% deles
frequentam uma igreja nos lares durante uma semana típica. Isso repre-
senta um crescimento marcante na última década, saltando de um envol-
vimento de apenas 1% para quase dois dígitos. No total, um em cada cinco
adultos participa de uma igreja nos lares pelo menos uma vez por mês. A
projeção desses índices para a população nacional dá uma estimativa de
mais de 70 milhões de adultos que, ao menos, experimentaram participar
da igreja nos lares. Durante uma semana típica, cerca de 20 milhões de
adultos participam de uma reunião de igreja nos lares. No decorrer de um
mês típico, esse número dobra para quase 43 milhões de adultos.53
Isso é notável. E apesar de nem todas as igrejas nos lares fazerem parte de
um fenômeno de igreja missional emergente mais amplo (algumas delas são
reacionárias, estagnadas, conservadoras e pouco inovadoras), elas, contudo,
constituem uma pesquisa ativa por formas mais simples de igreja que se
aproximem do ritmo da vida.
Como um fenômeno total, a grande pesquisa em andamento em nossos
dias, incluindo aquelas feitas sobre igrejas nos lares e movimentos de igrejas
emergentes, contém as sementes do futuro da igreja nos EUA e em todo o
mundo. Como observa Gerard Kelly, outro importante intérprete dessa
situação:

52 Ibid, tabela de conteúdo.


53 https://www.barna.org/ (Site em inglês. Acesso em 22/01/2015)
Grupos experimentais buscando engajar a fé cristã no contexto pós-mo-
derno, com frequência, terão falta dos recursos, do perfil e do sucesso das
congregações da geração baby boomer54‫־‬. Por definição, eles são novos,
não experimentados, relativamente desorganizados e com medo da
autopromoção. Rejeitam o modelo de coorporação dos antepassados
boomers, logo, de acordo com os paradigmas existentes, não parecem ser
significativos. Mas, não se engane. Em algum lugar no início e na índole
desses grupos diversos está escondido o futuro do cristianismo ocidental.
Rejeitá-los é lançar fora as sementes de nossa sobrevivência.55
Outra característica bem marcante é que, em geral, esse fenômeno passa
despercebido pelos principais observadores da igreja, pois estão à procura de
características familiares da igreja como a conhecemos por meio da cris-
tandade. Como tal, tende a ser um movimento clandestino. Com frequência
tive que encarar críticas da IME disfarçadas de perguntas pragmáticas como:
"Onde isso está funcionando?", ou fui rejeitado com frases como: "Quando eu
vir algum sucesso, poderei levar em consideração". No entanto, está
funcionando. A resposta está bem debaixo do nosso nariz, mas é como se não
a enxergássemos porque estamos procurando pelas coisas erradas. Se
procurarmos determinadas características óbvias no paradigma da
cristandade (como edifícios, programas, líderes evidentes, crescimento da
igreja, organização, etc), perderemos o que realmente está acontecendo.
No entanto, fica ainda melhor: o dr. David B. Barrett e Todd M. Johnson,
dois dos editores do trabalho estatístico padrão sobre as tendências mundiais
chamado World Christian Encyclopedia, publicaram algumas estatísticas
surpreendentes no relatório anual de 2001 sobre a missão cristã. Segundo
eles, há 111 milhões de cristãos sem uma igreja local.56 Uma característica
muito importante, por essas pessoas terem vindo de nós, é que ainda estão
tentando resolver a causa de Jesus e estão alienados das expressões atuais de
igreja. Ministrar para essas irmãs e irmãos sem igreja e insatisfeitos de
alguma forma é crítico por si só.57 No entanto, mais potencial missional é

54 Pessoas nascidas entre 1945 e 1964 na Europa (especialmente Grã Bretanha e França), Estados Unidos,
Canadá ou Austrália. Depois da Segunda Guerra Mundial estes países experimentaram um súbito au-
mento de natalidade, que ficou conhecido como baby boom. (N. de Revisão)
55 Kelly, RetroFuture.
56 http://www.jesus.org.uk (Site em inglês. Acesso em 22/01/2015). Uma das características da EMC é que mui-
tas delas deixaram as estruturas da igreja. Não prestam mais adoração onde as coisas tendem a ser
contadas. A participação nos cultos parece ser a medida da cristandade e o crescimento da igreja o modo
da igreja. Porém, seriamos insensatos ao negar que aqueles que saíram sejam cristãos. Muitos levam a fé
a sério, mas lutam contra a expressão cultural da igreja. Como alguém que está envolvido com jovens
adultos durante toda a minha vida profissional, arrisco a dizer que há mais pessoas por volta dos 20 a 25
anos que afirmam ser seguidoras de Jesus fora da instituição da igreja do que dentro da igreja em
qualquer época.
57 Um estudo recente feito por George Barna mostra que tradicionalmente o cristianismo ligado à igreja,
3 uase inconcebivelmente, parece dificultar em vez de encorajar o reavivamento. O relatório do estudo o
Bama Research Group, intitulado The State of the Church: 2005 (Ventura, CA), descobriu que o número de
adultos nos EUA que não frequentam mais a igreja praticamente dobrou desde 1991, de 39 milhões para 75
milhões. A população adulta cresceu 15 % no mesmo período. “Trata-se principalmente de homens", diz
Barna, “que constituem 55% daqueles que saíram das igrejas. Cerca de metade dos frequentadores de
igreja nos EUA afirmam ter aceitado Jesus Cristo como Salvador", ou seja, 12,5 milhões ou cerca de 16%,
daqueles que não frequentam mais igreja. Fonte: Barna Research Group (www.bama. org) e e-book de
acumulado com o aumento incomparável do grupo que Barrett e Johnson
chamam de "independentes", que, de acordo com eles, hoje chega a mais de
20.000 movimentos e redes de comunicação com um total de 394 milhões de
membros de igrejas por todo o mundo. Definido de forma mais abrangente,
os movimentos neste fenômeno:
• rejeitam denominacionalismos históricos e outras formas centralizadas
restritivas de autoridade e organização;
• reúnem-se em comunidades de vários tamanhos;
• buscam uma vida focada em Jesus (definitivamente, veem a si mes-
mos como cristãos);
• buscam um estilo de vida missionária mais eficaz e são um dos
movimentos de igreja com crescimento mais rápido no mundo. Se-
gundo a estimativa de Barrett, haverá 581 milhões de membros em
2025. Isso significa 120 milhões a mais do que todos os movimentos
protestantes juntos!58
Ora, isso deve fazer qualquer líder cristão parar e observar. Apesar de
esse relatório estatístico demonstrar a situação do mundo, incluindo o fe-
nômeno chinês, entre outros, mesmo que apenas 10% (aposta minha) dos
índices citados estivessem relacionados ao Ocidente, estaríamos lidando com
algo verdadeiramente profundo e marcante. O que Barrett e Johnson
chamam de movimento independente, eu prefiro chamar de igreja missional
emergente no contexto ocidental. No entanto, seja qual for a terminologia
utilizada, isso é muito significativo, pois se trata de um movimento de Jesus
não organizado ainda em processo. Se estivermos procurando o real
crescimento da igreja, aqui está ele. Mas infelizmente, se continuarmos
olhando por meio das lentes totalmente obsoletas do paradigma da cristan-
dade, não conseguiremos enxergá-lo e simplesmente o perderemos.
Conforme indicado anteriormente, tudo isso me levou a adotar uma
identidade e uma prática missionárias. A análise acima fez parte da minha
"conversão" e eu a apresento aqui para sua consideração. Minha própria
jornada me levou a investir quase tudo para garantir que a IME se estabeleça
e comece a ter sucesso. Eu realmente acredito, juntamente com Gerard Kelly,
que o verdadeiro futuro do cristianismo ocidental reside nesses grupos e
movimentos inexperientes e essa é uma causa tão valiosa quanto qualquer
outra. Alguns anos atrás havia poucas razões para ser otimista com relação à
nossa situação. Porém, hoje, acredito que passamos por algum tipo de massa
crítica e há bons motivos para termos esperança. Contudo, devemos estar
dispostos a realinhar os recursos significativamente, investir no futuro,

Andrew Strom (http://homepages.ihug.co.nz/-revival/oo-Out-Of-Church.html [Site em inglês. Acesso em


15/01/2015]). Veja também Alan Jameson, A Churchless Faith (Auckland: Philip Garside Publishing, 2001).
58 Fonte: http://www.jesus.orq.uk. Todas as descobertas estão disponíveis em http://www.worldchris-
tiandatabase.org/wcd/esweb.asp?WCI=Results&Query=289&PageSize=25&Page=i72 (Site em inglês.
Acesso em 22/01/2015). As estatísticas são atualizadas anualmente a partir do “Status da missão Global"
anual de Barrett http://www.globalchristianity.org/resources.htm (veja índices de 2005) (Site em inglês.
Acesso em 22/01/2015).
assumir a jornada e experimentar como loucos.59

QUEM COLOCOU O M EM IME?


O fenômeno independente da IME, juntamente com a minha pesquisa para
descobrir os elementos cruciais que formam o Genoma Apostólico, me de-
ram uma real esperança para a igreja no Ocidente. O Espírito está se moven-
do de modo maravilhoso outra vez. Movimentos estão sendo despertados e a
igreja estabelecida está apenas começando a acordar para si mesma e para
seu chamado missional. No entanto, transformar a cristandade não é uma
tarefa fácil. A transição dos modelos da cristandade para modelos missio-
nais genuínos não será necessariamente fácil para a maioria das igrejas e de
seus líderes. Logo, a análise missionária de nossa situação não deve ser
evitada, pois, a não ser que a enxerguemos pelo que é, jamais mudaremos
para nos tomarmos uma expressão mais fiel e impactante do povo de Deus.
A questão vital para as novas igrejas emergentes será sua capacidade de
se tomarem verdadeiramente missionais. Se falharem nessa transformação
também serão outro reajuste da cristandade. Uma mera moda passageira.
Como veremos ao longo deste livro, as novas e emergentes formas de igreja
são o resultado de ser missional, e não o contrário. Portanto, apresento o
mesmo desafio aqui para meus irmãos e irmãs da igreja emergente, assim
como faço para a igreja estabelecida: se você não quer ser apenas uma moda
passageira de igreja, não basta adaptar o culto e a espiritualidade para
agradar o público pós-modemo; comece em outro lugar; coloque o M na
equação em primeiro lugar, e o l e o E virão a seguir.

59 0 anexo intitulado “Um rápido treinamento em meio ao caos" destacará o papel da liderança na criação
de condições para essa mudança e por que ela é necessária. Embora não seja essencial para o curso de
nosso estudo sobre Genoma Apostólico, sugiro que o leitor agarre-se às idéias apresentadas nele, pois as
teorias do caos, complexidade e emergencia são extremamente ricas de novas metáforas e de novas
maneiras de pensar sobre as pessoas, organizações e liderança. É particularmente lucrativo caso alguém
queira compreender a ideia de Genoma Apostólico mais a fundo. Descobri que ela é bem profunda e
muito enriquecedora.
INTRODUÇÃO

Nesta seção, chegamos ao ceme deste livro. Este material terá relevância
imediata para nós mesmos e para as comunidades de fé nas quais servimos
enquanto tentamos descobrir a estranhamente nova, embora antiga, maneira
que fez do povo de Deus a mais poderosa força transformadora na história.
A forma como aplicaremos este material diferirá, dependendo de nossa
situação: para a igreja estabelecida ou líder que deseja transformá-la em
uma igreja missional, será crucial desenvolver um processo de mudança
saudável a fim de reorientar a igreja segundo as formas apostólicas. Isso
significará agarrar realmente a situação missional que enfrentamos (como
nos capítulos 1 e 2), bem como cultivar um processo de aprendizagem ativo
no contexto do caos (veja adendo). Para o plantador de igrejas/missionário
pode significar introduzir essas idéias na consciência da comunidade inicial
(especialmente da liderança) antes de iniciar o projeto, de modo que façam
parte da equipe de consciência fundamental de plantação de igreja. Para os
que ainda estão apenas contemplando todos os acontecimentos missionais,
espero que esta seção ajude a dar certa forma a esses sonhos vitais.
Seja qual for a situação, eu afirmo que o cultivo e o desenvolvimento de
cada elemento do mDNA, por si, aproximarão a igreja da sua natureza em
sua forma mais fenomenal (por exemplo, a igreja primitiva e a China). É um
reflexo significativo da capacidade missional ter diversos elementos do
mDNA do alto ativos na comunidade da fé. Por exemplo, qualquer igreja
que adota o impulso missionário chegou mais perto de ser um autêntico
movimento de Jesus. Qualquer igreja que foca em fazer discípulos está, por
definição, sendo uma igreja mais autêntica, e assim por diante. No entanto,
minha teoria é que quando todos os seis elementos estão no lugar e informam
um ao outro mutuamente, inspirados por seus instintos e centro espirituais,
e fortalecidos pelo Espírito Santo, algo
fundamentalmente diferente é ativado. É neste ponto em que, dada as
condições corretas, o crescimento metabólico e o impacto são catalisados.
Um movimento operando com o Genoma Apostólico é, na minha teoria,
uma forma claramente superior e mais autêntica de eclésia do que os que
podem ter existido antes.
Antes de tentar articular os cinco elementos críticos do mDNA nesta
seção, seguem algumas explicações e definições mais completas de idéias do
Genoma Apostólico, mDNA e igreja missional.

MDNA
A Enciclopédia Britânica define DNA como "... substância química orgânica
de estrutura molecular complexa encontrada em todas as células orgânicas e
vivas, bem como em muitos vírus. O DNA codifica as informações genéticas
para a transmissão de características hereditárias".62 Sua definição no dicionário:
"Material autorreplicante presente em praticamente todos os organismos vivos. [...]
é o transportador de informações genéticas" (ênfase do autor).63
Isso vai funcionar para os nossos propósitos, pois levam às áreas-chave:
• O DNA é encontrado em toda célula viva (exceto nos vírus mais
simples).
• Codifica as informações genéticas para a transmissão das características
hereditárias além daquelas do organismo inicial.
• É autorreplicante.
• Transporta informações vitais para a reprodução saudável.
Então o que é o mDNA? O m está inserido simplesmente para diferenciá-
lo da versão biológica - significa apenas DNA missional. Logo, o que o DNA
faz para os sistemas biológicos, o mDNA faz para os eclesiásticos. Com este
conceito/metáfora, espero explicar por que a presença de um mecanismo de
guia simples, intrínseco, reproduzível e central é necessário para a
reprodução e sustentabilidade dos genuínos movimentos missionais. Assim
como um organismo se mantém junto, e cada célula entende sua função em
relação ao seu DNA, também a igreja encontra seu ponto de referência em
seu mDNA construído. Assim como o DNA transporta a codificação
genética e, portanto, a vida, de um organismo particular, também o mDNA
codifica o Genoma Apostólico (a força de vida que pulsava pela igreja do
Novo Testamento e em outras expressões dos movimentos apostólicos de
Jesus no decorrer da história).
62 Encyclopedia Britannica, edição padrão, CD-ROM, s.v‫׳‬. "DNA".
63 Ibid.
É extraordinário o fato de que no sistema biológico cada célula transporta a
codificação completa de todo o organismo. E apesar de um tipo específico de
célula em um organismo, como um músculo ou célula cerebral, geralmente
referir-se apenas a uma pequena porção do código genético de sua própria
estrutura, ele tem a quantidade total trancada dentro dele. O organismo
inteiro pode ser reproduzido a partir de uma única célula. Portanto, passei a
acreditar que toda igreja, na verdade, todo cristão, se nascido
verdadeiramente em Jesus Cristo por intermédio do Espírito Santo, tem
toda a codificação do mDNA, logo, tem acesso direto ao poder do Genoma
Apostólico. Está lá, ocorreu apenas que as formas mais institucionais
esqueceram ou suprimiram isso, pois sua natureza primitiva e incon-
trolável representa perigo para a própria instituição - é muito diferente e
incontida. Os sistemas institucionais tendem a testar e organizar por meio
de comando e controle hierárquicos externos; movimentos missionais or-
gânicos se organizam através da codificação do mDNA saudável presente
em casa célula, e então, deixam acontecer. Cole destaca essa diferença ao
comparar a estrutura externa (exoesqueleto) dos sistemas institucionais com
a estrutura interna (endoesqueleto) dos sistemas orgânicos.60

60 Neil Cole, Igreja orgânica: Plantando a fé onde a vida acontece (Rio de Janeiro: Habacuc, 2008).
Estrutura institucional (comando e
controle externos)

A partir da minha pesquisa sobre movimentos de Jesus, temos a ten-


dência de acessar essa codificação poderosa quando enfrentamos um im-
portante desafio adaptativo (uma ameaça à existência e/ou uma oportu-
nidade atraente). De que outra maneira podemos explicar como a igreja
secreta na China ativou o Genoma Apostólico? Eles pareciam saber intui-
tivamente o que fazer quando todas as estruturas de apoio e expressões
externas foram destruídas. Como podemos explicar isso? Todos os seus
edifícios foram nacionalizados, todos os seus pensadores foram presos, toda
a liderança existente foi assassinada, exilada ou presa, e eles foram proibidos
de se reunirem sob ameaça de morte e tortura. Como é que, sob essas
condições, eles pareciam se formar de modo praticamente idêntico ao da
igreja primitiva? Eles não tinham acesso a materiais como este livro para
orientá-los - nem sequer tinham Bíblias suficientes.
Há tempos tenho refletido sobre esse mistério e a única coisa que posso
sugerir é que eles o encontraram neles mesmos. Ou mais precisamente, essa
poderosa codificação está neles por meio da obra do Espírito e pelo poder do
Evangelho na comunidade. Não há outra maneira de explicar isso: já estava
lá, e o Espírito de Jesus o ativou no contexto do caos e do desafio adaptável.
Isso é verdade em todas as situações nas quais a igreja enfrenta uma ameaça
séria ou uma oportunidade irresistível que a obriga a redescobrir sua
verdadeira natureza. O Genoma Apostólico, parece, é codificado em toda
comunidade por meio de mDNA latente. Apenas está enterrado e esquecido
pela maioria de nós.

GENOMA APOSTÓLICO
Ao criar essa frase, quero tentar identificar algo muito difícil de "ver", mas
que parece estar sempre presente na igreja quando ela está em sua forma
mais fenomenal. Não há uma palavra ou frase atual para definir esse
"espírito" que se infiltrou na igreja do Novo Testamento e em outras
expressões de formas apostólicas da igreja.
E tão difícil para nós definirmos o Genoma Apostólico como é para os
biólogos definirem a ideia de vida. Você alguma vez já tentou definir a pa-
lavra vida?61 Ou eletricidade? Ao criar a frase, espero ajudar a identificar essa
energia principal, a corrente espiritual que parecia fazer seu caminho ao
longo das pequenas comunidades de fé que transformaram o mundo. O
Genoma Apostólico, em minha opinião, é o fenômeno total resultante de um
complexo de experiências multiformes e reais de Deus, tipos de expressão,
estruturas organizacionais, etos de liderança, poder espiritual, modo de
crença, etc. E é a presença ativa, ou a falta dela, que faz toda a diferença para
a nossa experiência de comunidade de Jesus, missão e poder espiritual.

61 Tente: "Vida é o estado de um material ou indivíduo complexo caracterizado pela capacidade de realizar
determinadas atividades funcionais, incluindo metabolismo, crescimento, reprodução e alguma forma de
capacidade de resposta e adaptação. Além disso, a vida é caracterizada pela presença de transformações
complexas de moléculas orgânicas e pela organização de tais moléculas em unidades sucessivamente
maiores de protoplasma, células, órgãos e organismos‫( ״‬Encyclopedia Britannica Standard, Ed. 2001 CD-
Rom, s.v. "life") - e isso é apenas o começo!
Intrínseco ao termo Genoma Apostólico está a completa agregação de
todos os elementos do mDNA que, juntos, formam uma constelação, como
era, cada uma derramando luz sobre a outra. Pelo diagrama, o Genoma
Apostólico, composto da maneira como é por vários elementos de mDNA, é
algo semelhante a isto:

L
i
d
e
r
a
n Encarnação
ça

Autoridade
espiritual

A
igreja
segue Semelhan-
a ça a Cristo
missão

Eclesiologia
, missional ,
Envio Fazer
missional discípulos Provação
e Perigo
Não
atrativo 7 Impulso N
missional-
yencarnacional
Communitas,
Encarnacio
; Jesus Não
Ambientes
artificiais
■ , nal ,Comunidade.
\
N‫'׳‬Missão\ / como prin-
Icípio organi- \ Xzacional/

Ambiente
apostólico

Maturidade Sistemas
orgânicos
APEPD / Etos do \ !movimento)

Funções
Equipando apostólicas Sistemas \ de
os santos vida 1
( Estrutura l de rede

DNA de /CrescimenX (
proteção DNA incor-
to como j \
porado
vírus /
Este estranho diagrama transmite de forma visual o complexo fenômeno,
os impulsos, as práticas, as estruturas, os modelos de liderança, etc, que,
juntos, formam o Genoma Apostólico. Apresenta também um resumo do
trabalho de toda a estrutura desta seção na qual tudo será explicado. Os seis
elementos descritos aqui formam o fenômeno chamado Genoma Apostólico
que, por sua vez, energiza e molda todos os movimentos de Jesus em
qualquer lugar.
O restante deste livro será uma tentativa de descrever esses aspectos do
Genoma Apostólico identificando, definindo e traduzindo cada aspecto do
mDNA para o nosso contexto no Ocidente. Tenho esperança de que, até o
final do livro, o leitor seja motivado a buscá-los e recuperá-los na vida da
igreja. A principal tarefa continua sendo tentar identificar esse conceito vago
de Genoma Apostólico, pois, na recuperação e ativação dessa poderosa
herança em todo o povo de Deus, está a grande renovação da igreja no
Ocidente.
Para fundamentar essa ideia um tanto intangível em um exemplo oci-
dental contemporâneo, irei me referir no decorrer de todo o livro à história
da Church Multiplication Associates (CMA). O CMA é um movimento iniciado
nos Estados Unidos, mas agora, tem igrejas em 16 países pelo mundo. Não
deixe esse nome nada atraente obscurecer o tesouro profundo descoberto
nesse movimento, que, em seis anos, aumentou para quase 700 igrejas. Neil
Cole, o fundador e líder do movimento, diz que a história do CMA começa
com sua história de ser um pastor em uma igreja contemporânea média e
bem-sucedida.
Esse homem de fala mansa tem um coração verdadeiro voltado para os
não evangelizados, o que o leva a encontros decisivos com pessoas mar-
ginalizadas. Essas experiências o fizeram pensar cada vez mais a respeito de
formas missionais mais genuínas de se fazer igreja. 62 Imbuído de um dom
apostólico, uma audácia inovadora e uma estranha habilidade de ver as
coisas organicamente, ele iniciou a plantação de um movimento missional
em Long Beach, Califórnia. As idéias explícitas que conduzem essa igreja, e o
movimento resultante, são as dos (1) sistemas simples, descentralizados,
reproduzíveis e orgânicos, e (2) o fazer discípulos. Estes são os princípios de
organização declarados expressamente, mas há mais coisas sob a superfície.
Relaciona-se diretamente com dois dos elementos do mDNA, ou seja, fazer
discípulos (capítulo 6) e os sistemas orgânicos (capítulo 7). No entanto,
mesmo que a igreja e o movimento não utilizem esses termos, um não tem
que olhar mais longe para descobrir os outros: todos os seis elementos do
mDNA estão funcionando de maneiras significativas, apesar de não estarem
nomeados explicitamente como estão neste livro.

62 Cole, Igreja orgânica; e veja seu livro anterior, Cultivating a Life for God: Multiplying Disciples through
LifeTransformation Groups (St. Charles, IL: ChurchSmart, 1999) para descrição sobre o movimento e a
dinâmica do CMA.
• No CMA, há um impulso missional-encamacional definido - eles estão
"fazendo igreja" em quase todo o contexto social concebível - desde
estacionamentos de carros até cafés, de bares a casas. E não controlam
por meio de uma organização central. Simplesmente "deixam
acontecer" e estabelecem uma rede de contatos para cada grupo por
meio do fortalecimento dos relacionamentos. Estudaremos sobre isso
no capítulo 4.
• O observador será capaz de discernir a influência de certo tipo de
liderança em Neil e outras que podem apenas ser chamadas de apos-
tólicas. Na realidade, é por meio da influência apostólica de Neil que os
principais elementos do mDNA foram semeados no primeiro lugar.
Essa ligação do antigo Evangelho com a autêntica expressão atual é a
verdadeira marca do ministério apostólico, conforme veremos no
capítulo 5.
• Você descobrirá comunidades com missão orientada flexíveis,
adaptáveis com base na aventura e formadas dentro do contexto de
um propósito comum de si mesmo - o que será descrito como
communitas (congregação) no capítulo 8.
O Genoma Apostólico está, de fato, vivo e bem no movimento. Embora o
CMA seja um ótimo exemplo disso, não é, de maneira alguma, o único.
Analisaremos igrejas e movimentos semelhantes ao longo do livro durante a
minha tentativa de traduzir para o contexto ocidental as descobertas do
Genoma Apostólico nos movimentos pós-apostólico e chinês. O que é
facilmente identificável no exemplo do CMA é que a experiência da igreja e
de seguir Jesus se tornou muito simples e totalmente reproduzível por
praticamente qualquer cristão. A incorporação sistemática do mDNA desse
movimento se enquadra no propósito do DNA em todos os sistemas vivos:
codifica sua vida e a torna transferível por todos os membros do grupo, não
apenas por alguns. Esta é a essência da qual são feitos os grandes
movimentos, pois contém e opera a partir do Genoma Apostólico presente
no cerne da eclésia de Deus.
Estudando esse fenômeno, em determinado estágio, a revelação do plano
maravilhoso de Deus tornou-se evidente para mim: passei a ver que o
Genoma Apostólico está realmente latente em todos os cristãos verdadeiros e
é, a meu ver, uma das obras do Espírito Santo em nós. De alguma maneira
misteriosa, quando somos incorporados à família de Deus, todos parecemos
ser "sementes" carregando todo o potencial do povo de Deus dentro de nós.
Se você e eu fomos jogados ao vento como uma semente em um campo
diferente, o Senhor podería criar uma comunidade de Jesus a partir de nós.
Esta é a maravilha de um verdadeiro movimento de pessoas. Onde ele é livre
e cultivado, a transformação no mundo acontece.
MlSSIONAL E IGREJA MISSIONAL
Os termos missional e igreja missional surgiram com o trabalho de um grupo
de praticantes, missiologistas e teóricos norte-americanos chamado The
Gospel and Our Culture Network (GOCN) [O Evangelho e nossa rede cultural],
que se reuniu para experimentar e realizar algumas das implicações da obra
do marcante pensador missionário Lesslie Newbi- gin. Foi ele que, depois de
retornar de um período de trabalho na índia como missionário, percebeu
como a civilização ocidental era, de fato, pagã. Ele começou a articular a
visão que precisamos para ver o mundo ocidental como um campo
missionário e que nós, como povo de Deus dentro desse contexto,
precisamos adotar uma posição missionária em relação à nossa cultura -
exatamente como na índia, por exemplo.63 Seu trabalho captou a imaginação
da igreja em crise e em declínio, e moldou o pensamento das gerações.
Entretanto, a palavra missional tende, no decorrer dos anos, a se tomar
bastante fluida e foi rapidamente eleita por aqueles que desejam encontrar
novas e modernas marcas para o que estão fazendo, sejam missionais ou não.
Com frequência, a palavra é utilizada como substituto de igreja sensível a
quem busca, igreja em célula ou outros conceitos de crescimento de igreja,
obscurecendo, assim, seu significado original. Então, nós o descartamos e
aparecemos com outro termo?64 Acho que precisamos mantê-lo, porém,
reinvesti-lo com um significado mais profundo. A palavra resume exata-
mente a ênfase dos movimentos radicais de Jesus que precisamos redes-
cobrir hoje. No entanto, mais do que isso, em minha opinião, ela vai ao cerne
da natureza e propósito da igreja em si.
Assim, uma definição funcional de igreja missional é uma comunidade
do povo de Deus que define a si mesma e organiza sua vida em tomo de seu
real propósito de ser um agente da missão do Senhor para o mundo. Em
outras palavras, o verdadeiro e autêntico princípio organizacional da igreja é
missão. Quando a igreja está em missão, é a verdadeira igreja. Ela não é
somente um produto daquela missão, mas é obrigada e destinada a ampliar-
se, sejam quais forem os meios possíveis. A missão de Deus flui diretamente

63 O GOCN começou a tentar elaborar os insights de Newbigin e enfatizou essencialmente que a obra missio-
nária envolvia o que chamaram de "tripartida". Com base no conceito de diálogo, em que há duas partes
em uma conversa, eles mantiveram que missão envolvia fundamentalmente uma conversa ativa e pro-
gressiva entre três elementos, ou seja, entre 0 Evangelho, a cultura ao redor e a igreja. Logo descobriram
que a maior parte, dois dos elementos, formou uma conversa bem ativa e relativamente simples; esses
eram diálogos entre o Evangelho e a cultura, e muitos estavam engajados nesse discurso. Entretanto, a tri-
partida não estava acontecendo porque raramente a igreja estava na conversa. Ela efetivamente se
retirou da equação e se tomou um mundo em si mesma. Eles buscavam tratar o assunto tentando trazer a
igreja para a equação de missão e criaram o termo igreja missional. A igreja missional, segundo a
perspectiva do GOCN, era uma igreja que levava a sério a tripartida e se moldava ao redor dela. Veja Darrel
Guder, ed., Missional Church: A Vision for the Sendind of the Church in North America (Grand Rapids:
Eerdmans, 1998).
64 Há tempos venho debatendo comigo mesmo a respeito da própria palavra missão. Ela está muito car-
regada de histórias misturadas e manchadas pelo colonialismo, especialmente para mentalidade não
cristã. Nós nos livramos dela também? Francamente, não quero fazer isso. A ideia de missão é muito
importante e eu simplesmente não posso aparecer com uma palavra melhor. Acho que é melhor recar-
regá-la com seu verdadeiro significado.
por meio de todo cristão e de toda comunidade de fé que aceita Jesus.
Obstruir isso é bloquear os propósitos de Deus em e por meio do seu povo.
Se quisermos incorporar esse significado mais profundo em nossa
identidade essencial como povo de Deus, estaremos no caminho certo de nos
tomarmos uma organização adaptável. Essa missão pode expressar- -se de
diversas maneiras nas quais o Reino de Deus se expressa - extremamente
variado e sempre redentor.

3
O CERNE DE TUDO: JESUS É SENHOR

[...] sabemos que o ídolo, de si mesmo, nada é no mundo e que não há senão um
só Deus. Porque, ainda que há também alguns que se chamem deuses, quer no céu
ou sobre a terra [...] para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e
para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e
nós também, por ele.
1 Coríntios 8.46‫־‬

A expansão espontânea da igreja reduzida aos seus elementos é algo muito


simples. Não requer organização elaborada, nem grandes recursos financeiros,
nem muitos missionários pagos. No início, pode ser trabalho de um homem, e este
homem não aprendeu as coisas deste mundo nem enriqueceu com as riquezas
deste mundo. [...] O que é necessário é a fé. O que é preciso é o tipo de fé que,
unindo o homem a Cristo, faça-o pegar fogo.
Rolando Allen, The Compulsion ofthe Spirit
v 4<é
J

m
Monoteísmo cristocêntrico "Jesus é
Senhor"

Quando Paulo completa sua exploração acerca do mistério do envolvimento


de Deus em nosso mundo, eleva-se na doxologia em êxtase, substância que
nos leva à essência da realidade. Ele diz: O profundidade da riqueza da sabedoria
e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os
seus caminhos! 'Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro?'
'Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense?' Pois dele, por ele e para ele são
todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém!" (Rm 11.33-36). Como é
verdade em todos os momentos de profunda inspiração espiritual, a clareza
da verdade torna-se evidente para Paulo de forma muito simples, e ao
articular essas palavras eternas, ele nos indica o cerne do entendimento
hebraico sobre Deus: "Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas". Aqui
chegamos ao epicentro da consciência bíblica sobre Deus. E é para este centro
espiritual que devemos retornar, caso queiramos renovar a igreja em nossos
dias. Este capítulo tentará rein- terpretar nossa fé e nossa caminhada com
Jesus à luz do entendimento hebraico sobre a vida. Tudo tem início com a
confissão básica de Israel, chamada Shema Yisrael (Ouve, O Israel) baseada
em Deuteronômio 6.4.65
E difícil determinar onde alguém insere o material que, por sua própria
natureza, é mais do que um "elemento" do Genoma Apostólico. Todos os
movimentos cristãos genuínos envolvem em seu ponto zero um encontro
vivo com o único e verdadeiro Deus, de quem vêm todas as coisas e para quem
vivemos (ICo 8.6). Um Deus que, no exato momento de nos redimir, nos
declara como seus por intermédio de Jesus, nosso Salvador. Se falharmos na
compreensão desse centro espiritual e circunferência dos movimentos de
Jesus, jamais conseguiremos entendê-los completamente nem suplicar outra
vez pelo poder que alcança suas vidas e comunidades. Addison, em seu

65 Para uma exploração mais completa sobre as idéias e espiritualidade hebraicas e como estão relacionadas à
igreja missional, veja The Shaping of Things to Come, caps. 7 e 8.
estudo completo sobre os movimentos cristãos, está correto ao concluir que
eles são mantidos por meio do que chamamos de "fé fervorosa", suscitada
pela redescoberta do lugar e importância de Jesus.66 Embora, de alguma ma-
neira, isso seja um elemento do Genoma Apostólico, na realidade, é mais do
que isso. Essa consciência a respeito de Deus permeia todo o fenômeno. Peço
que se lembrem disso quando começarmos a revelar os vários elementos do
mDNA do Genoma Apostólico. No final, é tudo sobre Deus.

DESTILANDO A MENSAGEM
Muitas pessoas, quando questionadas a respeito de como acham que o
movimento cristão primitivo (e o das igrejas chinesas clandestinas) cresceu
tanto, respondem, principalmente, que se deve ao fato de serem cristãos
verdadeiros - que havia uma autenticidade real e contínua à fé, portanto,
tinham acesso ao poder do Espírito que estava disponível para eles.
Presumidamente, se alguém está disposto a morrer pela fé, alguém foi além
da crendice fácil para as esferas da fé genuína e do amor a Deus. Tal
avaliação está correta. Qualquer estudo sobre a vida dessas pessoas deve
servir de inspiração. A perseguição leva o perseguido a viver mais perto da
mensagem - ele simplesmente se apega ao Evangelho de Jesus e, portanto,
destrava o poder libertador.
Mas há algo mais do que isso. Um dos "presentes" que a perseguição
parece conferir ao perseguido é que ela lhe permite destilar a essência da
mensagem, e assim, ter acesso a ela de uma nova maneira. Tome o
movimento chinês de Jesus como exemplo. Quando todos os pontos de
referência exteriores foram removidos, quando a maioria de seus líderes e
teólogos foi assassinada ou presa e todo o acesso a fontes externas foi cor-
tado, as pessoas, de alguma maneira, foram forçadas pela circunstância
abrupta a destravar alguma coisa verdadeiramente potente e convincente na
mensagem que levavam como povo de Deus. O resultado é um movimento
de Jesus inigualável na história. O que está acontecendo aqui e o que nós, no
Ocidente, podemos aprender a partir disso?
Sabemos que os movimentos de Jesus perseguidos são forçados à clan-
destinidade, de forma geral, adotam uma estrutura mais parecida com a de
célula e são obrigados a confiar muito nas redes de relacionamento a fim de
se manterem como comunidades cristãs autoconscientes. No entanto, para
sobreviverem no contexto de perseguição, também têm que abandonar todos
os impedimentos desnecessários, incluindo o do conceito
predominantemente institucional de eclésia. Porém, talvez ainda mais
significativamente, tenham que condensar e purificar a mensagem central
que os mantém fiéis e esperançosos. Para uma igreja clandestina, toda a
confusão de interpretações tradicionais desnecessárias e parafernálias
teológicas são removidas. Ela não tem tempo nem capacidade interna para
manter teologias sistemáticas pesadas e dogmas eclesiásticos. Deve "viajar

66 Addison, Movement Dynamics, cap. 2.


leve". Portanto, todas as complexidades desnecessárias são extraídas e,
durante o processo, acontece o milagre: o povo descobre a verdadeira
mensagem e nasce o movimento. A fé está, uma vez mais, ligada de forma
muito simples a Jesus, o autor e consumador da fé. Logo, no centro de todos
os grandes movimentos está a recuperação de uma cristologia simples
(conceitos essenciais de quem é Jesus e o que ele faz), que reflete com
precisão o Jesus da fé do Novo Testamento - eles estão literalmente em
movimentos de Jesus.
Contudo, algo mais está solto nessa recuperação da simplicidade, ou seja,
a capacidade de transmitir rapidamente a mensagem ao longo de linhas de
relacionamento. Livre da densidade filosófica acadêmica e da dependência
de clérigos profissionais, o Evangelho se toma profundamente "espirrável".
Essa referência a espirrar não é apenas bizarra. Sabemos, a partir de estudos
de idéias que a mensagem do Evangelho se espalha em padrões muito
semelhantes aos de epidemias virais. Sabemos também que, para assumir
controle e se tomar uma "epidemia", precisa ser transmitida com facilidade
de uma pessoa para outra. Para isso, deve ser profunda, mas simples -
compreendida facilmente por qualquer pessoa e, em muitos casos, por
camponeses analfabetos.67 Nesse sentido, o Evangelho, uma vez mais, torna-
se uma posse das pessoas e não apenas das instituições religiosas que,
inconscientemente, tornam difícil para as pessoas compreenderem e
aplicarem (Mt 23). Dadas as condições sociais e religiosas favoráveis, bem
como os relacionamentos corretos entre as pessoas, idéias facilmente
transmissíveis podem criar movimentos poderosos capazes de transformar
sociedades (no caso da economia, o mercado). Claramente, essa é a situação
do Evangelho na igreja primitiva bem como na revolução chinesa. Pessoas
desesperadas e imersas em oração agarradas a Jesus, a confiança no Espírito
Santo e a destilação da mensagem do Evangelho em uma mensagem simples
e organizada de Jesus como Senhor e Salvador é o catalisador das potências
missionais inerentes ao povo de Deus.
Este fenômeno de um movimento se identificar, se aperfeiçoar e viver (ou
até morrer) por sua mensagem é a grande indicação da natureza do Genoma
Apostólico e de como podemos recuperá-lo no Ocidente. Mas para
aperfeiçoar a mensagem em nosso contexto, precisamos novamente avaliar
seu cerne, ou seja, aquele do tema original da Bíblia: a reivindicação
redentora de Deus sobre nossa vida.

OUVE, Ó ISRAEL

67 Essa é precisamente a maneira como Paulo pode plantar uma igreja em uma semana e, então, dizer que ela
não precisa de nenhuma outra instrução porque recebeu o Evangelho em sua totalidade. (P. ex., At 17.1-9;
íTs e 2Ts, At 16.11-40.) 0 Evangelho não era tão complexo a ponto de as pessoas não conseguirem
compreendê-lo em uma semana com o apóstolo. Na Bíblia, ele não parece tão complicado como, muitas
vezes, o temos tornado.
Como temos visto, o "presente" concedido pela perseguição ao povo de Deus
é o esclarecimento da mensagem central da igreja. Isso, por sua vez, suscita a
pergunta: Qual é essa mensagem? Com o que se parece e como fica quando
reduzida a algo tão simples? Esse estudo sobre os históricos e fenomenais
movimentos de Jesus levou-me à conclusão de que a resposta está presente
na essência de um monoteísmo bíblico genuíno - um encontro existencial
com o único Deus que nos reivindica e nos salva. Tão simples e, talvez em
um primeiro momento, tão desencorajador como possa parecer, a convicção
de que Deus é único está no centro tanto da fé bíblica quanto nos
movimentos extraordinários de Jesus na história. Essa afirmação irredutível
está presente no centro de todas as manifestações autênticas do Genoma
Apostólico. Este capítulo tentará reinterpretar nossa fé e a caminhada de
Jesus à luz da compreensão hebraica da vida. Tudo começa com a confissão
básica de Israel, chamada Shema Yisrael (Ouve, Ó Israel) com base em
Deuteronômio 6.4.
Quando o povo de Deus do Novo Testamento confessa que "Jesus é
Senhor e Salvador", não se trata apenas de uma simples confissão de que
Jesus é nosso mestre e nós, seus servos. Certamente é isso, porém, dado o
contexto hebraico dessa confissão, e o fato de Jesus ser o cumprimento das
promessas messiânicas para Israel, a confissão repercute completamente em
crenças que remetem à confissão principal de Israel de que "Jeová é o
Senhor". Sendo assim, a confissão toca nas possíveis correntes mais
profundas da revelação bíblica: temas que nos levam diretamente para a
natureza de Deus, sua relação com seu mundo e sua reivindicação de todos
os aspectos de nossa vida, tanto individuais quanto em comum. Também
está relacionada ao encontro definitivo, à experiência redentora que forma o
relacionamento da aliança entre Deus e seu povo.
Para apreciar de modo verdadeiro o poder e centralidade dessa reivin-
dicação, precisamos estabelecê-la em seu contexto religioso original - o do
pluralismo religioso ou politeísmo. As pessoas que viveram no antigo Oriente
Próximo eram essencialmente um povo profundamente espiritual que
reconhecia que a vida era repleta de coisas sacras, místicas e mágicas. Havia
inúmeros deuses, demônios e anjos, que eram vistos como governantes de
diferentes esferas da vida.68 A vida era profundamente espiritual, porém,
governada por inúmeras deidades, muitas das quais não eram personagens
muito agradáveis.

68 "O politeísmo caracteriza praticamente todas as religiões com exceção do judaísmo, cristianismo e islã,
que compartilham a tradição comum do monoteismo, a crença em um Deus. Às vezes, acima de muitos
deuses, a religião politeísta terá um supremo criador e foco da devoção, como em certas fases do
hinduísmo (há também a tendência de identificar os muitos deuses com os muitos aspectos do ser
supremo); às vezes, os deuses são considerados menos importantes do que um objetivo maior, estado ou
salvador, como no Budismo; outras vezes, um deus se mostra mais dominante do que outros, sem atingir a
supremacia total, como Zeus na religião grega. Tipicamente, as culturas politeístas incluem crenças em
muitas forças demoníacas e fantasmagóricas além dos deuses e alguns seres sobrenaturais são maus; até
mesmo nas religiões monoteístas pode haver crenças em muitos demônios, como no cristianismo do Novo
Testamento." Encyclipedia Britannica, edição Standard, CD_ROM, s.v. "politeísmo".
Assim, por exemplo, se você fosse um praticante do politeísmo vivendo
naquela época e naquele lugar e quisesse retirar água do rio, a jornada o faria
passar pelos campos dos quais você dependesse, pela floresta e pela queda
do rio. O dilema religioso que enfrentaria em uma atividade aparentemente
simples se deve ao fato de existirem diferentes divindades regendo cada um
desses aspectos da vida, isso não era algo fácil - era repleto de perigos
espirituais. A fim de não ofender o Baal do campo pelo qual passaria no
decorrer do caminho, você precisaria fazer uma oferta sacrificial e realizar
rituais religiosos no santuário do campo. Então, você teria que passar pela
antiga árvore do presságio. Com frequência, achava-se que árvores
imponentes continham espíritos maus chamados dríades, então, você tinha
que ter certeza de que não agitaria as dríades e, novamente, precisaria seguir
um ritual prescrito, exigido para tranquilizar a dríade em particular. Mais
uma vez, seu sistema de crenças lhe informaria que, caso a deusa do rio
ficasse ofendida, ele podería secar ou transbordar, causando catástrofe e
sofrimento em ambos os casos. Assim, uma vez alcançado o rio, a deusa do
rio, uma deidade particularmente imprevisível, também teria que ser
aplacada com um sacrifício. Portanto, a simples ação de ir até o rio era, na
realidade, um processo religioso bastante complexo.
A visão politeísta ia além de rios e campos. Existiam deidades que
presidiam em todas as possíveis esferas da vida: o estado (políticos), a
família, guerra, fertilidade, etc. A vida como um politeísta não é apenas
complexa (cada deidade tem que ser enfrentada com o decoro apropriado),
mas é completamente supersticiosa (a menor ação tem grandes con-
sequências espirituais) e também perigosa (nem todos os deuses são bons; na
verdade, alguns são absolutamente maus). Esse era o devastador contexto
religioso de Israel.
E para este contexto vem o Shema.
Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor. Ame o Senhor, o
seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas for-
ças. Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração.
Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver
sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar
e quando se levantar. Amarre-as como um sinal nos braços e prenda-as na
testa. Escreva-as nos batentes das portas de sua casa e em seus portões (Dt
6.4-9; ênfase do autor).
A declaração nesse contexto religioso tem implicações diretas e de longo
alcance: o que isso significava para a pessoa que estava sob essa reivin-
dicação é que não poderíam mais existir diferentes deuses para diferentes
esferas da vida, um deus do templo, outro deus dos políticos, um deus
diferente para a fertilidade no campo e ainda outro para o rio, etc. Pelo
contrário, Jeová é o ÚNICO Deus que governa sobre todos os aspectos da
vida e do mundo. Jeová é o Senhor da casa, do campo, dos políticos, do
trabalho, etc., e a tarefa religiosa era honrar este ÚNICO Deus em e por meio
de todos os aspectos da vida. Pois, dele, por ele e para ele são todas as coisas (Rm
11.35). Isso não é só o que constitui a base da adoração, como veremos
adiante, mas também estabelece a agenda para a tarefa religiosa central de
discipulado. E um chamado para os israelitas viverem sua vida debaixo do
senhorio do único Deus, e não debaixo da tirania de muitos deuses. Essa é a
razão pela qual a aliança entre Israel e Jeová começa com uma reivindicação
absoluta de Jeová para tudo pertinente à vida de Israel e a proibição total dos
ídolos e falsos deuses (Ex 20.2-5). "Quando Deus invade a consciência do
homem, sua confiança na 'paz e segurança' desaparece em cada canto de sua
existência. Sua vida como um todo se toma vulnerável. As divisórias entre as
câmaras que limitam as explosões ao outro compartimento estão quebradas.
Quando Deus escolhe o homem, investe nele com toda a responsabilidade
para obediência total a uma exigência absoluta."69 O senhorio de Jeová é, ao
mesmo tempo, completa e graciosa salvação, bem como uma demanda total,
sem ressalvas. Na fé bíblica, a salvação e o senhorio estão intrinsecamente
ligados.
Portanto, na perspectiva hebraica, o monoteísmo não é uma declaração
sobre Deus como um ser etemo essendalmente único como o era para os
teólogos helênicos, mas uma reivindicação existencial de que há apenas um
único Deus e ele é Senhor de todos os aspectos da vida. Novamente, aqui a
natureza concreta e prática do pensamento hebraico vem à tona. Os politeís-
tas podem compartimentar a vida e distribuí-la entre muitos poderes. Mas,
como diz Maurice Friedman, "a [pessoa] de fé no mundo israelita [...] não é
diferenciada do 'pagão' por uma simples visão 'espiritual' da divindade, mas
pela exclusividade de seu relacionamento com Deus e por referência de todas
as coisas a ele".70 Os monoteístas (cristãos bíblicos autênticos) têm somente um
ponto de referência para a vida e existência, a saber, Deus. O She- m a é o
primeiro exemplo dessa reivindicação completa e sistêmica de nossa vida.
Portanto, trata-se de um chamado para a aliança fiel em vez de ser uma
declaração da ontologia teológica (natureza do ser).71 As implicações são de
longo alcance, não apenas para a teologia, mas para a visão mundial - pois
orienta o cristão rumo à própria vida. Isso deve influenciar a maneira como
compreendemos a vida e a própria fé.
Veja o que diz o teólogo Paul Minear:
A soberania única de Deus é percebida somente pela luta acirrada contra
outros deuses, com todas as forças que se opõem à sua vontade. Isso sig-

69 Paul S. Minear, Eyes of Faith (St. Louis: Bethany Press, 1966), 115.
70 Maurice Friedman, Martin Buber: The Life of Dialogue, 4a ed. (Abingdon, UK: Routledge, 2002), 242.
71 Ontologia é a preocupação filosófica com a natureza do “ser" (ontos). Nas mãos da igreja da cristanda- de,
influenciada como foi pelo pensamento helênico/platônico, a teologia está muito preocupada com a
metafísica (ramo da filosofia que lida com o princípio das coisas, incluindo conceitos abstratos, tais como
ser, conhecimento, substância, causa, identidade, tempo e espaço) em vez de se preocupar com a física,
assim, é altamente especulativa por natureza. Logo, a teologia ontológica focou em Deus, em seu ser
eterno - sua natureza nata - em vez da busca existencial de nossa vida. É praticamente impossível
encontrar algo desse tipo em toda a Escritura e, no entanto, tornou-se, e ainda é, a principal preocupação
dos teólogos na tradição ocidental.
nifica dizer que, para os próprios escritores bíblicos, o monoteísmo não
começa como um estágio da especulação metafísica, ou como a última
etapa do desenvolvimento resultante do politeísmo, nem como consoli-
dação de todos os deuses em um (como no hinduísmo), mas quando um
único Deus se torna a realidade decisiva para um determinado homem e,
por meio disso, exige o destronamento de todos os outros deuses.
Isso ajuda a explicar por que os primeiros cristãos encontraram na total
obediência a Jesus a manifestação suprema e final de Deus. [...] Aponta
para a razão por que, ao morrer com ele para o mundo, eles
experimentaram o verdadeiro conhecimento de Deus e o verdadeiro poder
que vem do Senhor. A mensagem da singularidade de Deus intensificou sua
luta contra os falsos deuses.
Para eles, o conflito com os deuses pagãos havia entrado no seu estágio final.
A crença cristã não consiste em simplesmente dizer: "Há um único Deus". O
diabo sabe disso. Os cristãos respondem para Deus pela fé em suas ações,
confiando em seu poder, tendo esperança em sua promessa e abandonan-
do veementemente o eu para realizar a sua vontade. Apenas no contexto
de uma vocação tão apaixonada, o conhecimento do Senhor único vive. E
esse conhecimento precisa da luta contra o diabo e toda a sua obra, mais
do que eliminá-la. Somente em obediência incondicional, impulsionada
pela paixão infinita, resignação infinita e entusiasmo infinito, é que esse
"monoteísmo" se manifesta totalmente na existência humana, como em
Jesus.72
O "ciúme" de Deus pode ser compreendido dessa forma (Ex 20.5; 34.14; Dt
4.24, etc). Trata-se de sua rejeição de compartilhar seu direito exclusivo
de governar sobre a vida das pessoas. Não é uma resposta emocional ne-
gativa da parte de Deus; é apenas a concretização de sua reivindicação em
oposição à reivindicação dos ídolos.73 O Senhor simplesmente não nos di-
vidirá com falsos deuses. No entanto, nos machucaremos e nos feriremos por
causa da idolatria, e não por causa do "ciúme" de Deus.

Toda a vida em Deus


Deus é ÚNICO e a missão da nossa vida é trazer todos os aspectos de nossa
vida, em comum e individual, para debaixo desse único Deus, Jeová. Esse
monoteísmo prático está presente no epicentro de Israel e, portanto, no
conceito bíblico de fé. A partir dessa confissão fluem todas as coisas. Até
mesmo o conceito de torah (literalmente "Instruções") é direcionado para o
cumprimento disso. Ao ler o Pentateuco, o leitor é imediatamente
surpreendido pela lógica radical não linear associada a ele. Parece pular de
um assunto para outro, de questões teológicas sublimes em um versículo
para questões aparentemente triviais no versículo logo a seguir.

72 Minear, Eyes ofFaith. 25-26.


73 Meu cachorro, Ruby, é ciumento. Quando encontro outro cachorro ele se enfia entre mim e o cachorro e
não me deixa chegar perto dele. Esse é um exemplo da natureza da reivindicação exclusiva.
Um versículo trata da abordagem israelita de Deus no templo. 0
versículo logo a seguir, do que uma pessoa faz quando o jumento de
outra cai em uma cova. 0 seguinte pode muito bem tratar do mofo na
cozinha; o seguinte, do ciclo menstruai feminino. Parece ser totalmente
descontínuo, perdendo, no geral, a razão sequencial que buscamos no
texto. O que está acontecendo aqui? Como podemos entender o
significado disso?74
Na verdade, há uma "lógica" bem profunda, mesmo que, de certo modo,
não linear, na Torá; uma lógica que nos ensina a relacionar todos os aspectos da
vida com Deus. As implicações de seguir a Torá fielmente serão ligar todas
as coisas na vida diretamente a Jeová, seja o mofo, a adoração do templo ou
qualquer outra coisa. Portanto, tudo - o trabalho de alguém, a vida doméstica
de uma pessoa, a saúde de alguém, a adoração de outro - tem importância
para Deus. Ele se preocupara com todos os aspectos da vida do cristão, e não
somente com as chamadas dimensões espirituais.
Enquanto na tradição espiritual do Ocidente tendemos a considerar o
"religioso" como uma categoria da vida dentre muitas (podemos até
chamar os "religiosos" de freiras e monges), a mente hebraica não faz
tal distinção em relação à existência puramente "religiosa", mas
preocupa-se com toda a vida...
Toda a vida é sagrada quando há um relacionamento com o Deus vivo. 75
A perspectiva hebraica traça uma correlação direta de todo e qualquer
aspecto da vida com os propósitos eternos de Deus - essa é a lógica intrínseca
da Torá. E uma extensão natural da reivindicação do monoteísmo, ou seja,
que Jeová é Senhor! Na realidade, a Torá está treinando nesta orientação;
Paulo chega a chamá-la de "professor" (G13.19 - 4.5). Ou seja, a Torá
(traduzida simplesmente como "Lei" na maior parte das versões em inglês)
nos ensina segundo a piedade e orientação de Deus e nos leva a Jesus. Essa
era e é sua verdadeira função.
Para falar mais explicitamente, não há algo tão sagrado e secular na visão
bíblica do mundo. Ela pode não fazer parte do mundo que não está sob a
reivindicação do senhorio de Jeová. Toda a vida pertence a Deus e
verdadeira santidade significa trazer todas as esferas de nossa vida para
debaixo do controle do Senhor. Isso é o que constitui a adoração bíblica, o
que significa amar Deus de todo o nosso coração, mente e força. Nós
analisaremos as implicações posteriormente, porém, agora, precisamos
considerar como Jesus muda a equação.

|ESUS É SENHOR
A encarnação não modifica a natureza de Deus nem o monoteísmo prático

74 Frost e Hirsch, Shaping of Things to Come, 126.


75 Ibid.
fundamental das Escrituras. Ao contrário, ela informa outra vez e reestrutura
o monoteísmo em tomo do principal personagem do Novo Testamento: Jesus
Cristo. Agora, nossa lealdade deve ser dada ao revelador e salvador. Ele se
torna o foco de nossa atenção e o ponto-chave em nosso relacionamento com
Deus. Nós aderimos a ele - ele não apenas inicia a nova aliança, ele é a Nova
Aliança.
Quando a igreja primitiva declara: "Jesus é Senhor", ela o faz precisa-
mente da mesma maneira e exatamente com as mesmas implicações com que
Israel declarou Deus como Senhor no Shema. Na realidade, a situação
religiosa fundamental não tinha mudado muito (e nunca muda). O poli-
teísmo ainda era a força religiosa predominante naqueles dias, assim como é
nos nossos dias. Os nomes dos deuses mudaram daqueles dos cananeus
(Baal, Asterote, etc.) para os greco-romanos (Vênus, Diana, Apoio, etc.) e de
lá para o amor romântico, consumismo e religião de autoajuda de nosso
tempo, porém, na essência, a confissão tem o mesmo apelo e impacto. De
fato, esta é precisamente a razão pela qual eles tiveram problemas com
Roma. Na teologia romana, César era a manifestação física de um deus que
reivindicava total lealdade. Além disso, era o gênio político de Roma para
reunir todos os outros deuses das nações subjugadas e trazê-los para debaixo
do senhorio de César e, assim, criar uma religião que concedia uma unidade
religiosa mais profunda aos diversos impérios políticos. Um grupo de
pessoas podería manter seus deuses tribais contanto que estivessem
dispostas a reconhecer que César era o senhor sobre eles. O fato de ser um
povo conquistado indicava que o deus romano era supremo, e assim, as
pessoas geralmente se rendiam (exceto os judeus e os cristãos). A finalidade
era unificar as religiões do império e vinculá-las ao Estado.76 Soa familiar?
A igreja primitiva recusou essa exigência da soberania de César; recusou-
se a ver Jesus como uma mera parte do panteão dos deuses em Roma. De
fato, a confissão "Jesus é Senhor" se tomou, em seus lábios e nesse contexto,
uma reivindicação profundamente subversiva que, de forma eficiente,
questiona a função do César. Os cristãos queriam entregar toda a vida sob o
senhorio de Jesus e isso significava subverter o senhorio de César. Os
imperadores compreenderam muito bem isso; então, perseguições terríveis
vieram a seguir. No entanto, o ponto é que nossos ancestrais espirituais
realmente compreendiam o significado íntimo do monoteís- mo. Eles sabiam
que Jesus era Senhor e que tal senhorio excluía efetivamente todas as demais
reivindicações de lealdade total. Sabiam que isso era o centro da fé, logo, não
poderíam, não se renderíam a ele.
Exatamente a mesma coisa aconteceu com os cristãos da igreja clandes-
tina da China: eles recusaram a se curvar à exigência do estado comunista
sobre sua vida, algo que destronava eficazmente o supremo senhorio de

76 Na realidade, isso é exatamente o que Constantino estava tentando fazer quando tornou o cristianismo a
religião oficial do estado - unificar a Igreja e o Estado sob a domínio do imperador. De fato, ele manteve o
título Pontifex Maximus do sumo sacerdote no sistema religioso romano. Sendo assim, não é coincidência
que o Papa, no fim, receba esse título depois da morte do Império Romano.
Cristo.77 É interessante que essa discordância de governança suprema seja a
fonte do conflito espiritual em ambos os casos que escolhi para demonstrar a
natureza do Genoma Apostólico. Em ambos os casos, os cristãos estavam
dispostos a morrer em vez de negar sua afirmação essencial. Aqui está o
centro da confissão cristã.

Monoteísmo moldado por Jesus


Então, como a revelação do Novo Testamento condicionou a compreensão
bíblica sobre o monoteísmo? Ao afirmar que Deus é, de fato, trino por na-
tureza, o Novo Testamento revela que cada pessoa da Trindade tem uma
função particular na experiência da redenção. E enquanto definitivamente
sugerindo uma complexa trindade de espécies na natureza divina, a ênfase
geral nas Escrituras está na unicidade de Deus. Os cristãos do NT não mu-
daram nem um pouquinho seu comprometimento principal com o Shema
e com o monoteísmo, precisamente porque, como tenho tentado articular,
eles compreenderam esse monoteísmo como confissão central do povo de
Deus.78 Até mesmo o Reino de Deus é um chamado para viver debaixo do
senhorio de Deus (reino = governo de Deus), assim, quando Jesus diz em
Mateus 6.33, ‫״‬Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e
todas essas coisas lhes serão acrescentadas", ele está totalmente de acordo com a
dinâmica básica do Shema. O reino é a reivindicação do Senhor por nós - é
0 "fim do negócio" do monoteísmo prático.
O que a revelação do Novo Testamento indica é que a segunda pessoa da
Trindade executa uma função distinta em relação à redenção, não apenas
pela remissão do mundo através de sua morte e ressurreição, mas no
senhorio efetivo à direita do Pai (Mt 26.64; Mc 12.35s; 14.62; 16.19; At 2.32s;
Rm 8.34). Sentar-se à direita de um rei naqueles dias era entendido
imediatamente como estando em uma posição executiva favorável.
No entanto, o ensinamento sobre o senhorio executivo de Jesus vai muito
além de simplesmente ser colocado em uma posição favorável. Paulo sugere
que a real função do senhorio, normalmente associada ao Pai, agora passou
para Jesus."Esse poder ele [Deus] exerceu em Cristo, ressuscitando-o dos mortos e
fazendo-o assentar-se à sua direita, nas regiões celestiais, muito acima de todo
governo e autoridade, poder e domínio, e de todo nome que se possa mencionar, não
apenas nesta era, mas também na que há de vir. Deus colocou todas as coisas debaixo
de seus pés e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja, que é o seu corpo, a
plenitude daquele que enche todas as coisas, em toda e qualquer circunstância" (Ef
1.20-23; ênfase do autor). Em

77 Veja Tony Lambert, China's Christian Missions: The Costly Revival (Londres: Monarch, 1999), 193, para uma
descrição sobre a teologia do senhorio e o estado na China.
78 Recentemente, me deparei com uma exploração completa sobre o monoteísmo e o cristianismo no texto
do brilhante estudioso do Novo Testamento, N. T. Wright. Indico-lhe a seção "Repensando Deus‫ ״‬de
seu livro Paulo: Novas Perspectivas (São Paulo: Loyola, 2009), 83-107, para uma exploração ampla sobre
0 monoteísmo do NT.
1 Coríntios 15.25 e 28, Paulo diz: "Pois é necessário que ele reine até que todos os
seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés. [...] Quando, porém, tudo lhe estiver
sujeito, então o próprio Filho se sujeitará à aquele que todas as coisas lhe sujeitou,
afim de que Deus seja tudo em todos".
A essa redefinição do monoteísmo bíblico ao redor da função de Jesus
chamarei monoteísmo cristocêntrico, pois realinha nossa lealdade a Deus em
tomo da pessoa e obra de Jesus Cristo. Portanto, Jesus se toma o ponto
central em nossa relação com Deus, e é a ele que devemos prestar total
obediência e lealdade. Jesus é Senhor! E esse senhorio está expresso
exatamente da mesma maneira como no Antigo Testamento. E a reivindi-
cação da aliança de Deus sobre nossa vida - o centro imutável da doutrina e
confissão cristã. Não se trata apenas da natureza do próprio Deus; tem
implicações práticas para nossa vida.
Provavelmente é melhor nos referirmos ao nosso Senhor no que se refere
à validade atual do Shema:
Um dos mestres da lei aproximou-se e os ouviu discutindo. Notando que
Jesus lhes dera uma boa resposta, perguntou-ihe: "De todos os manda-
mentos, qual é o mais importante?" Respondeu Jesus: "O mais importante é
este: 'Ouve, ó Israel, o Senhor, o nosso Deus, o Senhor é o único Senhor.
Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de
todo o seu entendimento e de todas as suas forças'. O segundo é este:
'Ame o seu próximo como a si mesmo'. Não existe mandamento maior do
que estes". (Mc 12.28-31, ênfase do autor)
Há uma expressão clara do Shema por todas as páginas do NT, somente
agora está redefinida cristologicamente - e é essa forma de monoteísmo que
infunde de forma genuína toda a religião bíblica.

O CENTRO DAS COISAS


Gostaria de reafirmar brevemente o que parece ser um fato óbvio, mas que,
com frequência, é negligenciado. Para o autêntico cristianismo mis- sional,
Jesus, o Messias, desempenha um papel absolutamente central.79 Nossa
identidade como movimento, bem como nosso destino como povo, estão
intrinsecamente ligados a Jesus - a segunda pessoa da Trindade. Na
realidade, nossa conexão com Deus é apenas por intermédio do Mediador -
Jesus é "o Caminho"; ninguém vem ao Pai senão por ele (Jo 14.6). Isto é o que
nos faz claramente, cristãos.
No fundo, o cristianismo é, portanto, um movimento messiânico que
busca sempre incorporar a vida, a espiritualidade e a missão de seu Criador.
Nós o transformamos em muitas outras coisas, mas aí está sua absoluta

79 Veja Frost and Hirsch, Shaping of Things to Come, 105-14.


simplicidade. O discipulado, o tomar-se como Jesus, nosso Senhor e Criador,
está no epicentro da tarefa da igreja. Isso quer dizer que a cristo- logia deve
definir tudo o que fazemos e dizemos. Significa também que, a fim de
recuperar o etos do cristianismo autêntico, precisamos voltar a focar nossa
atenção à raiz de tudo, reequilibrar a nós mesmos e às nossas organizações
em tomo da pessoa e da obra de Jesus, o Senhor. Isso implica em agir como
Jesus em relação ao povo fora da fé; como o God's Squad80, um expressivo
movimento missional voltado a motociclistas criminosos em todo o mundo
coloca: "Jesus Cristo, o amigo dos proscritos".
Cristianismo a/ém do sagrado e do secuiar
Um monoteísmo genuinamente messiânico, portanto, derruba qualquer
noção de falsa separação entre o "sagrado" e o "secular". Se o mundo inteiro e
tudo o que nele há pertence a Deus e está sujeito à sua reivindicação direta
em e por intermédio de Jesus, então, não pode haver esfera da vida que não
esteja aberta totalmente ao governo do Senhor. Não pode haver uma área
sem Deus em nossa vida e em nossa cultura.
Se pegarmos o conselho do atual movimento de adoração alternativo, do
qual sou, de modo geral, profundamente apreciador, uma das tarefas da
igreja no contexto pós-modemo é construir "espaços sagrados", lugares
repletos de riquezas e novos simbolismos expressos em novas formas de
mídia, onde as pessoas sejam capazes de reconhecer Deus de novas
maneiras. Tudo isso soa correto, porém, quando esse impulso é separado,
como ocorre frequentemente, da abrangente tarefa de missão (e da
contextualização missional), ele simplesmente se torna outra maneira de
separarmos o sagrado do secular. Ao estabelecer um lugar ao qual chama-
mos de "sagrado" por causa da iluminação, do incenso e do sentimento
religioso, o que estamos dizendo sobre o restante da vida? Não é sagrado?
Não podemos fugir da conclusão de que, ao estabelecer o chamado espaço
sagrado, por implicação, tomamos todo o restante "não sagrado", atribuindo,
por meio disso, um grande aspecto da vida à área sem Deus ou secular. Ao
seguir os impulsos do monoteísmo bíblico em vez de estabelecer alguns
espaços sagrados, nossa tarefa é tomar todos os aspectos e dimensões da vida
sagrados; família, trabalho, diversão, conflitos, etc., e não limitar a presença
de Deus às zonas religiosas assustadoras.81
Uso isso como exemplo apenas para destacar a profundidade que o
dualismo, incluindo a ideia da divisão entre sagrado e secular, alcança em
nossa compreensão e como o monoteísmo bíblico nos ajuda a desenvolver

80 Esquadrão de Deus, em português, é um moto clube cristão estabelecido no final de i960 em Sydney,
Austrália. O clube existe, principalmente, para ministrar entre a "fraternidade dos motociclistas crimi-
nosos‫ ״‬e grupos associados, onde é uma expressão aceita e relevante da Igreja Cristã. (N. de Revisão)
81 Isso não significa dizer que a estética não faça parte da adoração ou da nossa compreensão e experiência
sobre igreja, mas apenas apontar que separar a estética de um impulso monoteísta e uma tarefa missional
e ligá-lo a mais uma divisão sagrado-secular e, em nosso caso, atribuir espiritualidade à esfera do
meramente privado e do religioso. Essa tem sido a prática básica na cristandaae e prejudicou nossa
compreensão a respeito da presença de Deus em todos os lugares.
uma perspectiva da vida toda. O dualismo distorce nossa experiência com
Deus, com seu povo e com seu mundo.
As pessoas envolvidas nos paradigmas espirituais dualistas experi-
mentam Deus como uma deidade com base na igreja e a religião como uma
ocupação bem particular. A igreja é basicamente compreendida como lugar
sagrado: a arquitetura, a música, a liturgia, o idioma e a cultura, tudo
colabora para tomar isso um evento sagrado não experimentado em
qualquer outro lugar na vida da mesma maneira. Em outras palavras, vamos
para a igreja para sentir Deus e, na verdade, o Senhor está lá (ele está em
todos os lugares e, particularmente, ama habitar entre o seu povo), mas a
maneira como isso é feito pode acabar criando uma percepção muito difícil de
ser quebrada: de que Deus realmente se encontra apenas em tais lugares e de
que isso exige uma parafernália sacerdotal/ ministerial para mediar essa
experiência (Jo 4.20-24).
Essa espiritualidade dualista tem sido chamada de diversas formas, mas,
talvez, a ideia da desconexão domingo/segunda-feira traga a experiência à
tona. Nós experimentamos certo tipo de Deus no domingo, mas na segunda-
feira a questão é outra - "este é o 'mundo real', e as coisas funcionam de
forma diferente aqui". Quantas vezes, nós, ministros profissionais, ouvimos
variações dessa frase? "Você realmente não entende. Não é tão fácil para mim
como é para você. Você trabalha na igreja com cristãos", etc. As duas "esferas
da vida", sagrada e secular, são entendidas como sendo extremamente
diferentes e seguindo em direções opostas. E do cristão a escolha de viver de
determinada forma na esfera sagrada e de outra maneira na secular. E a
forma real de como nós fazemos a igreja que transmite a mensagem não
verbal do dualismo. No fim de tudo, meio-termo é a mensagem. Isso
contribui para as pessoas basicamente enxergarem as coisas de maneira
distorcidas, onde Deus é limitado à esfera religiosa. Isso cria um vácuo que é
preenchido por ídolos e uma adoração falsa ou incompleta.
Esfera privada Esfera pública
(atividades sagradas: (atividades seculares:
Agora, utilizando os mesmos elementos e realinhando-os de modo a se
adequarem ao entendimento não dualista de Deus, igreja e mundo, podemos
reconfigurar da seguinte maneira:

• Espiritualidade não missional


• Adoração prestada "no abstrato"
• Expressão de igreja "assustadora"
• Teologia feita "no abstrato"

Unificação de nossa vida


debaixo do único Deus
Santificação todos os dias

Presença de Deus em todas Fé com orientação técnica


as coisas
Religiosidade árida
Graça comum
Moralismo e legalismo
Deus em lugares estranhos

Jesus é Senhor de tudo


(Espiritualidade não dualista)

Enxergar as coisas dessa maneira nos leva a adotar uma perspectiva da


vida toda em relação à nossa fé. Ao recusar o falso dualismo do sagrado e
secular, e ao submetermos tudo em nossa vida a Jesus, vivemos a verdadeira
santidade. Não há nada em nossa vida que não deva e não possa ser trazido
debaixo do governo de Deus sobre todas as coisas. Nossa tarefa é integrar os
elementos desiguais que compõem nossa vida e comunidade e trazê-los para
debaixo do controle do único Deus manifestado a nós em Jesus Cristo.
Se falharmos em fazer isso, embora confessemos ser monoteístas,
podemos acabar praticando o politeísmo. As expressões dualistas de fé
sempre resultam na prática politeísta. Existirão diferentes deuses que go-
vernarão diferentes esferas de nossa vida, e o Deus da igreja, segundo essa
visão, é muito impotente fora da esfera religiosa privatizada. O mo- noteísmo
cristocêntrico exige lealdade precisamente onde outros deuses a reivindicam,
e isso é verdadeiro para nós como o foi para os nossos antepassados
espirituais. Para não nos enganarmos, estamos rodeados pelas reivindicações
de falsos deuses, assim como muitos clamam por nossa
lealdade e também por nossa vida - como o culto à riqueza e aos deuses
associados do consumismo. No entanto, essa é a forma pela qual nasceu e se
desenvolveu o Apartheid na África do Sul. Os cristãos brancos da África do
Sul não integraram a situação nacional deles debaixo do senhorio de Jesus, e
então, um deus falso foi invocado para governar sobre os políticos brancos.
O resultado foi uma pecaminosa e impiedosa devastação do povo negro
naquela terra. Quando deixamos de trazer um povo debaixo da reivindicação
de Jesus, então, ele se toma autônomo e fica suscetível ao governo de outros
deuses, resultando em muitos pecados.
Dessa maneira, muitos cristãos acabam praticando o politeísmo. Não é
interessante que a maioria dos frequentadores de igreja relate uma des-
conexão radical entre o Deus que governa o domingo e os deuses que
governam a segunda-feira? Quantos de nós vivemos como se existissem
deuses diferentes para cada esfera da vida? Um deus para o trabalho, outro
para a família, um diferente quando estamos no cinema ou outro para os
políticos. Não é de se estranhar que os frequentadores regulares de igrejas
não vejam qualquer sentido nisso. Tudo isso resulta do fracasso em
responder verdadeiramente ao único Deus.82 Esse fracasso pode ser tratado
somente com um discipulado que responda oferecendo todos os elementos
diferentes de nossas vidas de volta ao Senhor, unificando, assim, nossas
vidas debaixo do seu senhorio.

QUÃO LONGE É LONGE DEMAIS?


Talvez, consigamos encerrar este capítulo explorando como essa força central
do mDNA espiritual guia realmente nossa conduta missional e atividades.
Como missionário encamadonal, frequentemente me perguntam: "Quão
longe nós podemos encarnar? Quão longe é longe demais?" É uma boa
pergunta. Como podemos saber quando nossas tentativas de encarnar o
Evangelho não resultam apenas em sincretismo (uma mistura de religiões)?83
Acredito que o conceito do monoteísmo cristocêntrico, como definido ante-
riormente, seja nosso guia. Quando a cultura ao redor intervém no senhorio
de Jesus e de sua reivindicação exclusiva sobre todos os aspectos de nossas
vidas, então, o monoteísmo funciona como o critério de definição por meio
do qual nós podemos discernir entre o sincretismo e a missão encamacional.
O sincretismo dilui com eficiência a reivindicação do Deus da Bíblia e cria
uma religião que simplesmente diminui a tensão de viver debaixo da

82 Para uma exposição teológica completa a respeito do desafio do monoteísmo no contexto da cultura
contemporânea, veja H. Richard Niebuhr, Radical Monotheism and Western Culture (texto disponível em
http://media.sabda.org/alkitab-2/Religion-Online.org%2oBooks/Niebuhr,%2oH.%2oRichard%20620‫־‬9‫׳‬
Radical%2oMonotheism%2oand%2oWestern%2oCulture.pdf) (Texto em inglês. Acesso em 23/01/2015).
83 O sincretismo é a mistura das religiões e visões do mundo de tal forma a diluir o efeito de ambos e criar, na
realidade, uma subespécie de religião.
reivindicação de Jesus e conclui afirmando apenas os preconceitos religiosos
da cultura local. Vamos analisar mais profundamente o exemplo do
Apartheid já citado, embora pudéssemos usar qualquer contexto.84 O que
aconteceu na África do Sul é que, em grande medida, o cristianismo europeu
branco, na verdade, sancionou o preconceito racial e legitimou as opressivas
estruturas de poder dos brancos da África do Sul em nome de uma doutrina
chamada "paternalismo cristão". À medida que essa pequena parte da
teologia se acabava social e politicamente, resultou no que conhecemos hoje
como política do Apartheid.
Porque isso foi um sincretismo, e não apenas desígnios políticos, é que a
vasta maioria dos brancos na África do Sul vivia sob um código religioso
calvinista - eles são pessoas profundamente religiosas (há engarrafamentos
para chegar à igreja no domingo). Foram os teólogos que deram ao
Apartheid sua legitimidade e autoridade originais. Deus, sob a influência
sincretista dos teólogos do Apartheid, tomou-se um deus racista que jus-
tificou a supressão dos negros "inferiores". No entanto, se analisarmos de
forma mais simples, podemos ver o Apartheid apenas como uma recusa de
viver debaixo das reivindicações de amor e justiça que fazem parte do que
significa adorar o único e verdadeiro Deus. Como alguém é capaz de adorar
o Deus da justiça agindo de maneira injusta? Obviamente, a resposta bíblica
é que ninguém é capaz de fazer isso. Nesse caso, agir em amor e justiça para
com os negros era entendido como ameaça à identidade em progresso e à
viabilidade do povo africânder, logo, eles retiraram a raça e a política da
equação do senhorio de Jesus em nome da sobrevivência racial e do domínio.
Ou, de outra forma, agindo de maneira sincretista, eles elegeram Deus para a
agenda racista deles. Paradoxalmente, o restante da cultura era muito cristã,
mas o deus da política e da vida social era diferente do Deus da igreja.
Talvez outro exemplo da África sirva para esclarecer isso para nós: o
genocídio em Ruanda, um frenesi assassino que envolveu cristãos professos
ativos e igrejas na carnificina. Lee Camp comenta sobre isso como sendo um
fracasso do senhorio de Cristo.
Na realidade, o genocídio em Ruanda destaca o fracasso recorrente de
grande parte do cristianismo histórico. A proclamação do "Evangelho"
frequentemente deixou de enfatizar o elemento fundamental do
ensinamento de Jesus e, na verdade, da doutrina cristã ortodoxa: "Jesus é
Senhor" é uma afirmação radical que está totalmente enraizada nas
questões de submissão, de autoridade total e de normas e padrões
fundamentais para a vida humana. Em vez de disso, o cristianismo quase
sempre buscou aliar-se de forma confortável em submissão a outras
autoridades, fossem elas políticas, econômicas, culturais ou étnicas.
Poderia a afirmação "Jesus é Senhor" ter se tornado uma das maiores
mentiras cristãs disseminadas? Os cristãos afirmaram o senhorio de Jesus,

84 Faço isso como alguém que cresceu no Apartheid da África do Sul (até os 22 anos) e como uma pessoa que
refletiu profundamente a respeito da natureza pecaminosa desse sistema.
mas sistematicamente colocaram de lado o chamado para obediência ao
Senhor? Pelo menos em Ruanda, com os "hu- tus cristãos" assassinando os
"tutsis cristãos" (e vice-versa), "cristão" servia aparentemente como uma
marca - uma "espiritualidade" ou "religião" - mas não um
comprometimento com um Senhor em comum.85
O que tudo isso significa na prática para os que buscam recuperar o
Genoma Apostólico na vida da comunidade de Deus? Em primeiro lugar,
implicará o (re)envolvimento direto com a confissão central "Jesus é Senhor"
e a tentativa de reorientar a igreja em tomo dessa afirmação de orientação
para a vida. Também significará simplificar nossas mensagens principais,
organizando nossas teologias excessivamente complexas e avaliando por
inteiro os modelos tradicionais que moldam nosso comportamento e
dominam nossa consciência. Estou absolutamente convencido de que é a
cristologia e, em particular, a cristologia primitiva e desimpedida da igreja
do NT, que está presente no centro da renovação da igreja todas as vezes e
em todas as épocas. Infelizmente, a história demonstra de forma ampla como
nós, como povo de Deus, podemos obscurecer com tanta frequência a
centralidade de Jesus em nossa experiência como igreja. Há tanta desordem
em nossa "religião", tantas afirmações concorrentes a ponto de esta afirmação
unificadora central presente no ceme da fé ser perdida com facilidade. E
notório como Jesus pode ser expulso tão facilmente do meio de seu povo.
Você já pensou por que em Apocalipse 3.20, Jesus é visto do lado de fora de
sua igreja batendo à porta e pedindo para entrar? A pergunta que temos de
fazer para nós mesmos é: "Em primeiro lugar, como ele saiu do meio de seu
povo?!" Honestamente, fazer a pergunta: "O Jesus real está verdadeiramente
em minha comunidade?", pode ser um exercício realmente enervante.
A fim de recuperar o Genoma Apostólico, temos que aprender qual o
significado de reequilibrar, retomar para a "fórmula" básica da igreja -
precisamos voltar constantemente para o nosso Criador e restaurar a nossa fé
e vida comum nele. Tudo começa com Jesus, tudo termina com ele, e é para
Jesus que devemos sempre voltar de quem somos para nos reencontrarmos
outra vez. (No mínimo, é isso que significa confessar que ele é o Alfa e o
Ômega.) O cristianismo, em essência, é um "movimento de Jesus", e não uma
religião. A confissão "Jesus é Senhor" é um desafio para levar a sério a
absoluta e contínua centralidade de Jesus para o cristianismo como um todo
e, portanto, para a igreja local. Conforme vimos, o movimento cristão e a
igreja chinesa clandestina descobriram isso como sendo seu centro
sustentador e orientador em meio ao grande desafio adaptativo. Não é
exigido menos de nós quando buscamos negociar o desafio do século 21.0
elemento do senhorio de Jesus nunca deixou de ser o real centro da
experiência cristã a respeito de Deus; mas o nosso foco sim. O primeiro passo

85 Lee C. Camp, Mere Discipleship: Radical Christianity in a Rebellious World (Grand Rapids, Brazos Press, 2003),
16 (ênfase do autor).
na recuperação do Genoma Apostólico é, portanto, a recuperação do
senhorio de Jesus em sua absoluta simplicidade.86 É também o lugar para o
qual a igreja deve retomar constantemente a fim de se renovar. Ele é a nossa
Pedra de Toque, nosso Centro de Definição, nosso Criador, logo, ele tem a
preeminência teológica e existencial na vida de seu povo.
É realmente difícil adorar verdadeiramente o único e verdadeiro Deus,
porém, é algo central para nossa vida e propósito neste mundo. Não
precisamos analisar grandes sistemas como o Apartheid ou os horrores no
genocídio em Ruanda para enxergarmos essa dinâmica em ação. Precisamos
apenas olhar para dentro de nossas vidas; quando pecamos de modo deli-
berado ou quando nos recusamos a deixar seu governo entrar em todas as
dimensões de nossas vidas e a responder em obediência, nós efetivamente
limitamos o senhorio de Jesus e sua reivindicação de governo absoluto (por
exemplo, Lucas 6.4687).
Quando praticamos o discipulado missional da encarnação precisamos
sempre manter nossos olhos no senhorio de Jesus e nas reivindicações
exclusivas consistentes com sua natureza. Quão longe é longe demais?
Acredito que seja quando nos recusamos a levar os aspectos de nossas
culturas e de nossa vida debaixo do senhorio de Jesus - simples assim.
Este capítulo buscou identificar e articular o epicentro do mDNA es-
piritual e, portanto, o elemento crítico do Genoma Apostólico. Os demais
elementos na estrutura do mDNA espiritual se formam, assim, em torno do
monoteísmo cristocêntrico e são guiados por ele - eles o assumem. No centro
do chamado e da missão da igreja está o desafio de responder a Deus com
tudo o que somos e tudo o que temos, e então, completar o sentido de nossas
vidas.

4
FAZENDO DISCÍPULOS

go Há uma comunidade de fé chamada The Spare Chair em Adelaide, Austrália, que decidiu que a única crença da
qual precisam e a única filosofia sob a qual atuariam legitimamente é "viver debaixo do senhorio de Jesus
no poder do Espírito‫״‬.
87 “Por que vocês me chamam 'Senhor; Senhor‫ ׳‬e não fazem o que eu digo?"
Nós podemos apenas viver as mudanças: não podemos pensar nosso caminho
para a humanidade. Cada um de nós, todo o grupo, deve se tornar o modelo
daquilo que desejamos criar.
Ivan Illich

A maior prova do cristianismo para os outros não é a extensão do quanto o


homem é capaz de analisar de maneira lógica suas razões para acreditar, mas a
extensão do quanto, na prática, ele firmará sua vida em sua crença.
T.S. Eliot

Como já indiquei em várias ocasiões, todos os seis elementos do mDNA têm


que estar presentes no autêntico Genoma Apostólico para ativar e permear a
vida das comunidades e movimentos cristãos. Cada elemento é um
componente crítico em si mesmo que, quando evidente, desenvolve a aptidão
missional na comunidade e a aproxima do momento de massa crítica quando
todos os elementos se intensificam, se unem, informam um ao outro e, então,
liberam a força potente do Genoma Apostólico. Todos os elementos do
mDNA pertencem a esse conjunto e todos eles devem estar presentes de
formas significativas para o Genoma Apostólico manifestar, no entanto,
minha experiência própria e observação indicam que, talvez, este elemento,
ou seja, o do discipulado e o de fazer discípulo seja o elemento mais crítico
na mistura do mDNA. É assim porque a tarefa essencial do discipulado é
incorporar a mensagem de Jesus, o Fundador. Em outras palavras, este é o
elemento estratégico e, portanto, um bom lugar para começar. C. S. Lewis
entendeu corretamente que o propósito da igreja era aproximar o povo de
Cristo e tomá-lo como Cristo. Ele disse que a igreja não existe para nenhum
outro propósito. "Se a igreja não está fazendo isso, então, todas as catedrais,
clérigos, missões, sermões, e até mesmo a Bíblia, são uma perda de tempo."88.

88 W. Vaus, Mere Theology, 167.


Ao lidar com o discipulado e a capacidade relacionada de gerar autên-
ticos seguidores de Jesus, estamos lidando com o único e mais crucial fator
que determinará, ao final, a qualidade do todo - se fracassarmos neste ponto,
fracassaremos em todos os outros. Na realidade, se fracassarmos aqui, é
pouco provável que consigamos realizar quaisquer dos outros elementos do
mDNA de maneira significativa e duradoura.
No entanto, ainda mais importante, é a tarefa genuína na qual Jesus con-
centrou seus esforços e investiu a maior parte do seu tempo e energia, isto é,
na seleção e desenvolvimento daquele grupo heterogêneo de seguidores em
cujos ombros trêmulos ele colocou todo o movimento redentor que surgiría a
partir de sua morte e ressurreição. O fundamento de todo o movimento
cristão, o movimento religioso mais significativo na história, aquele que se
estendeu no decorrer dos séculos e para o século 21, teve início por meio de
atos simples de Jesus de investir sua vida e inculcar seus ensinamentos em
seus seguidores, bem como transformá-los em autênticos discípulos.
No fim, Jesus teve que confiar sua causa a seus seguidores, acreditando
que eles resistiríam fielmente ao teste e, de alguma forma, incorporariam e
transmitiríam de modo adequado sua mensagem para o mundo. Poderiamos
questionar sobre os grandes riscos que Deus correu ao entregar o frágil e
precário movimento de Jesus a essa tripulação bastante improvável.
Contudo, o fato de ter sido bem-sucedido está diretamente relacionado à
verdade de que, por meio do compromisso deles com Jesus, este material
humano bastante duvidoso se tomou, de alguma maneira, um grupo de
verdadeiros discípulos. Jesus, de algum modo, ao viver com eles e lhes
mostrar o caminho de Deus, obteve êxito ao incorporar sua vida e Evangelho
neles. Falamos em rolar os dados! E a tentativa quase fracassou! Depois de
todas as coisas maravilhosas que tinham experimentado durante suas
viagens com Jesus, todos eles, como homens, abandonaram-no na cruz. "A
pedra", Simão Pedro, o negou três vezes! Se Jesus tivesse fracassado nessa
crítica tarefa de fazer discípulos entre as pessoas que andavam com ele, você
não estaria lendo este livro hoje, e eu, por certo, não o estaria escrevendo. Eu
acredito que esse é o fator crítico.
E interessante que quando realmente analisamos histórias perigosas de
movimentos fenomenais, no nível mais simples, elas parecem para o
observador apenas sistemas de fazer discípulos. No entanto, o engraçado é
que nunca parecem passar disso - nunca deixam de ser meros fazedores de
discípulos. Isso acontece porque é ao mesmo tempo o ponto de partida, a
prática constante de estratégias, bem como o segredo de todo impacto mis-
sional duradouro nos e por meio dos movimentos. Quer alguém observe os
fenômenos wesleyano, franciscano ou chinês, no fundo, eles são essencial-
mente compostos, e liderados, por discípulos, e são absolutamente claros
com relação à ordem de fazer discípulos. Por exemplo, considere o movi-
mento metodista, fundado na Grã-Bretanha no século 18 por John Wesley:
depois de um encontro com Deus que mudou sua vida, Wesley começou a
viajar por toda a Grã-Bretanha com a visão de conversão e disciplina da
nação e a renovação da igreja em decadência. Ele "não buscou nada além da
recuperação da verdade, da vida e do poder do cristianismo primitivo e da
expansão desse tipo de cristianismo".89 Dentro de uma geração, uma em cada
30 pessoas na Grã-Bretanha se tomou metodista e o movimento passou a ser
um fenômeno em todo o mundo. Segundo a opinião de Stephen Addison,
um missiologista que passou a maior parte de sua vida estudando os
movimentos cristãos, o segredo para o sucesso metodista foi o alto nível de
comprometimento com a causa metodista esperado dos participantes.90 Essa
causa diminuiu a um ponto em que o movimento se distanciou de seu etos
missional original, ou evangelismo, e do fazer discípulos, degenerando-se a
um mero legalismo religioso mantido pela instituição, livros de regras e clero
profissional.
Para os seguidores de Jesus, o disdpulado não é o primeiro passo em
direção a uma carreira promissora. É, em si mesmo, o cumprimento de seu
destino. Nós nunca deixamos de ser discípulos no meio do caminho. Contudo,
é como se encontrássemos pouco espaço para o disdpulado radical em nossa
vida conjunta como cristãos. Na melhor das hipóteses, tendemos a pensar
nisso como algo que realizamos com novos convertidos. O dilema que
enfrentamos hoje com relação a esse assunto é que, embora tenhamos uma
linguagem histórica sobre o disdpulado, nossa prática real está muito longe
de ser consistente e, como resultado, essa incompatibilidade tende a
obscurecer a centralidade do problema. Acho oportuno dizer que, na igreja
ocidental, em geral, perdemos a arte de fazer discípulos. Isso aconteceu, em
parte porque reduzimos essa arte à assimilação intelectual de idéias, e em
parte por causa do impacto contínuo do cristianismo cultural inserido na
compreensão de cristandade da igreja, e porque o fenômeno do consumismo
de nossos dias nos leva na direção contrária do verdadeiro caminhar com
Jesus.
Pelas razões acima, para mim parece que diminuímos os requisitos para
participação na comunidade cristã ao menor denominador comum.
Entretanto, ao olharmos para esse elemento do mDNA quando presente nos
movimentos fenomenais, descobrimos como suas ênfases realmente são
contraditórias - parecem contradizer, de maneira direta, muitas de nossas
próprias práticas eclesiásticas. Por exemplo, longe de ser "quem busca
amigos", em 170 d.C. o movimento cristão clandestino tinha desenvolvido o
que chamou de catecismo. Isso nada mais era do que confissões doutrinárias
que vieram posteriormente; envolviam rigorosos exames pessoais que
exigiam que os participantes demonstrassem por que eram dignos de entrar
na comunidade confessional.91 Os convertidos não apenas propunham
perder sua vida, por causa da perseguição da época, mas tinham que provar,
em primeiro lugar, por que acreditavam que podiam se tomar parte da

89 George G. Hunter III, To Spread the Power: Church Growth in the Wesleyan Spirit (Nashville: Abingdon,
1987), 40.
90 Addison, Movement Dynamics, 44.
91 Para um estudo criterioso a respeito dos processos de conversão e catecismo no movimento cristão
primitivo, veja Alan Kreider, The Change of Conversion and the Origin of Christendom (Harrisburg, PA:
Trinity, 1999).
comunidade cristã. Muitos eram rejeitados por serem considerados indignos.
Isso é contrário à prática "sensível a quem busca", tão predominante em
nossos dias. E foi esse elemento de discipulado vigoroso caracterizador do
movimento cristão primitivo que foi arruinado pelo dilúvio de mundanidade
que inundou a igreja pós-constantina quando o nível para se tomar membro
baixou e a cultura foi "cristianizada".
Com exceção da estratégia simples de multiplicar as igrejas de reprodu-
ção orgânica, Neil Cole, da Church Multiplication Associates, sugere que o se-
gredo para o crescimento marcante para 500 igrejas em pouquíssimos anos,
basicamente, girou em tomo do comprometimento resoluto com o discipu-
lado. Ele diz o seguinte a respeito do período anterior: "[Nós] começamos
articulando esse objetivo profundo para o CMA. 'Queremos baixar o nível de
como a igreja é feita e aumentar o nível do que significa ser um discípulo' ". O ra-
ciocínio foi: se a experiência com igreja fosse simples o bastante a ponto de
qualquer um conseguir fazer uma, sendo ela feita de pessoas que pegaram
sua cruz e seguiram Jesus a qualquer custo, o resultado seria um movimento
que capacitaria o cristão comum a realizar obras incomuns de Deus. "As
igrejas seriam saudáveis, férteis e reprodutivas."92 Se isso estiver certo, mui-
tas de nossas práticas atuais parecem estar no caminho errado... parece que
tomamos a igreja complexa e o discipulado extremamente fácil.
Com a tarefa principal de discipulado em mente, eles desenvolveram o
conceito de Life Transformation Groups (LTGs), um sistema simples, repro-
duzível e fazedor de discípulos que, no fim, foi utilizado em todo o mundo e,
por sua simplicidade e capacidade de reprodução, aproximou muitas
pessoas de Jesus e trouxe crescimento ao movimento. O LTG simplesmente
envolve o principal da leitura da Bíblia, contação de história, responsabili-
dade pessoal e oração. No movimento CMA, é exigido que todos os que se
denominam cristãos estejam em um LTG, e isso não é algo feito apenas nas
fases iniciais da vida cristã. Trata-se de um comprometimento contínuo de
todos os que estão envolvidos nas várias expressões do CMA, incluindo
liderança em qualquer nível. Em outras palavras, eles são basicamente um
movimento de fazer discípulos.93 Neil afirma ser essencialmente a combi-
nação das idéias orgânicas da organização e o comprometimento primário
com a disciplina das nações que levou ao notável crescimento do CMA.
Todos os demais elementos do Genoma Apostólico estão bem evidentes no
CMA, incluindo o impulso missional-encamacional, ambiente apostólico e
communitas, bem como a ênfase mais fixada nos sistemas orgânicos e disci-
pulado. Na realidade, o CMA é um excelente exemplo contemporâneo da
genuína expressão do Genoma Apostólico em nossos dias, mas precisamos
nos atentar à ênfase de Cole no fazer discípulos como o princípio básico
inegociável de qualquer expressão genuína do cristianismo. Parece que esse
apóstolo introvertido e despretensioso dos dias modernos construiu sua casa
eclesial sobre o fundamento correto (Mt 7.2427‫)־‬.

92 Cole, Igreja orgânica.


93 Veja Cole, Cultivating a Life for Cod.
A história do CMA se enquadra com a melhor concepção em termos de
dinâmica de movimento. Steve Addison, um pesquisador sobre a natureza
dos movimentos, define cinco fases na transmissão de idéias por meio dos
movimentos missionários.94
Em termos simples, elas consistem de:
• Fé fervorosa: Com isso, ele quer dizer um encontro direto e pessoal com
o Deus vivo seguido por renovação social. Seja este um movimento
fundado por Paulo, Wesley, Francis, Lutero, Wimber, Madre Teresa ou
qualquer outro grande líder cristão que tenha fundado um
movimento, os movimentos transformadores começam com um
encontro direto e transformador com Deus.
• Comprometimento com a causa: As pessoas tocadas por Deus dessa
maneira entregam sua vida para a causa quando articulada pelo
movimento. Os níveis de comprometimento tendem a ser significa-
tivamente altos e catalisam um determinado tipo de sinergia prove-
niente da cooperação mútua e comprometimento.
• Relacionamentos contagiantes: Idéias se espalham como vírus. Idéias
poderosas como o Evangelho são transmitidas de uma pessoa para
outra. Para os movimentos se estenderem além da estreita rede de
comunicação das pessoas e de uma única geração, é necessário haver
uma rede de relacionamentos que se tome "contagiosa".
• Mobilização rápida: E necessário haver um tipo apostólico de liderança e
organização que se desenvolva e seja capaz de coordenar e aumentar
ao máximo os esforços dos adeptos do movimento.
• Métodos dinâmicos: É importante que os movimentos estejam aptos a
utilizar técnicas e métodos inovadores para transmitir a mensagem.
Aponto tudo isso agora para salientar por que o discipulado é tão im-
portante para o impacto missional. As dimensões do discipulado podem se
discernidas em qualquer nível: encontro com Jesus, comprometimento, relaciona-
mentos contagiosos, mobilização, excluindo, talvez, métodos dinâmicos. Na reali-
dade, sem discipulado significativo, não pode haver movimento real, logo,
não há impacto importante para o Evangelho, por isso ele é tão crítico.

O ‫״‬PEQUENO |ESUS” NA DlSNEYLÂNDIA


Antes de continuarmos com a exploração do mDNA do discipulado nos
marcantes movimentos de Jesus, podemos reconhecer a importância desse
aspecto do Genoma Apostólico somente quando compreendemos a situação
cultural na qual nos encontramos. O discipulado resume-se a aderir a Cristo.
Portanto, é sempre articulado e experimentado em oposição a todas as outras
reivindicações concorrentes por nossa lealdade e obediência. Na época da
igreja apostólica e pós-apostólica, sua obediência a Cristo era contraposta às

94 Essas fases foram retiradas de uma apresentação feita por ele aos internos da Forge. Entretanto, 0 con-
teúdo está presente em Movement Dynamics, ainda não publicado.
reivindicações dos falsos sistemas religiosos daqueles dias e às exigências por
total lealdade política a César. Foi a recusa de submeter-se à afirmação de
"César como Senhor" que lhes causou problemas em um primeiro momento.
Para os chineses cristãos, sua lealdade a Jesus é contrária primeiramente às
exigências incondicionais do Estado totalitário comunista, que não atura
outros rivais religiosos de seu poder.
Devido à minha experiência própria no ministério local, descrita nos pri-
meiros dois capítulos deste livro, cheguei à conclusão de que, para nós que
moramos no mundo ocidental, o maior desafio para a viabilidade do cristia-
nismo não é o budismo, com todo seu apelo filosófico para a mente ocidental,
nem o islamismo, com todo seu desafio apresentado à cultural ocidental. Não
é a Nova Era que representa tamanha ameaça. De fato, como existe uma
pesquisa genuína acontecendo nos novos movimentos religiosos, realmente
pode ser algo benéfico para nós que estamos dispostos a compartilhar a fé
em meio à pesquisa. Tudo isso é um desafio para nós, sem dúvida alguma,
mas acredito que a maior ameaça para a viabilidade de nossa fé é o
consumismo. De longe, este é o desafio mais abominável e insidioso para o
Evangelho, pois afeta de muitas maneiras cada um de nós e todos nós.
Antes de chegar a Cristo, estudei Propaganda e Marketing e quando vejo
o poder do consumismo e do comércio em nossas vidas, tenho certa dúvida
se, em relação ao consumismo, não estamos lidando neste momento com um
fenômeno religioso significativo. Se o papel da religião é oferecer um senso
de identidade, propósito, sentido e comunidade, podemos dizer que o
consumismo atende a todos esses critérios. Devido à situação competitiva do
mercado, os publicitários se tomaram muito insidiosos a ponto de hoje
estarem usando, de forma deliberada, idéias teológicas e símbolos religiosos
a fim de vender seus produtos. Mas isso é simplesmente circunstancial ou
funcional; sendo assim, atua em consistência com sua própria natureza, ou
seja, a de sacerdócio oficial de uma religião nova e totalmente difundida. A
assimilação dos símbolos e rituais religiosos serve apenas para reforçar seu
apelo à dimensão espiritual da vida. Um executivo da área de publicidade
confessou há pouco tempo que agora eles estão caminhando rumo ao vazio
deixado pela remoção do cristianismo da cultura ocidental.
Muito do que leva o nome de propaganda não passa de uma oferta
explícita de um senso de identidade, sentido, propósito e comunidade. Hoje,
muitos anúncios apelam para uma ou mais dessas dimensões religiosas da
vida. Considere, por exemplo, a recente propaganda de um carro em meu
país na qual somos apresentados a uma fantástica comunidade de pessoas
muito legais cantando em um carro e tendo bons momentos. Durante toda a
propaganda nada é mencionado a respeito das qualidades do carro, sua
capacidade técnica, sua disponibilidade, preço; em vez disso, o anúncio é um
apelo explícito à necessidade das pessoas de serem aceitas como legais. O
apelo de venda da propaganda é uma oferta de comunidade, status e
aceitação por pessoas "maneiras": basta o consumidor comprar esse carro e
alcançará o objetivo. Analisados dentro dos parâmetros religiosos, todas as
propagandas poderão ser vistas dessa maneira. Compre isso e você mudará
(Levi Strauss chegou até a utilizar a ideia de nascer de novo por meio da
compra de seus produtos).95 O perspicaz comentarista cultural, Douglas
Rushkoíf, em seu documentário da PBS sobre o consumismo, The Persuaders,
observou que os anunciantes e profissionais do marketing agora optam por
linguagem e simbolismo de todas as principais religiões a fim de vender o
produto porque sabem que a religião oferece o principal objeto de desejo e
que as pessoas farão de tudo para conquistar. Se por meio da propaganda, os
profissionais do marketing apenas conseguirem ligar seus produtos a esse
imenso vazio, eles venderão.
Muitas propagandas não têm nada a ver com os aspectos inerentes ao
produto em si. Pelo contrário, a propaganda tem tudo a ver com a
manipulação do valor e importância que as pessoas dão aos produtos e ao
relativo status que recebem deles. Em nossos dias, não há dúvida de que,
como cultura, nós totemizamos os produtos.96 Em outras palavras, ele adquiriu
importância religiosa para nós.
Existe uma história real para este fenômeno, que vale a pena revelar para
que entendamos com o que estamos realmente lidando.97 Quando falamos
sobre secularização em nossa cultura, nos referimos ao processo pelo qual a
igreja foi retirada do centro da cultura (como no período da cristandade) e
empurrada para a margem. O objetivo explícito (como na Revolução Fran-
cesa) era criar um campo social secular de modo que o Estado não fosse
controlado pelas preocupações e domínio da igreja como ocorria antes, mas
um campo dentro do qual a pluralidade de opiniões, idéias e atividades pu-
dessem competir pela atenção e obediência com base no discurso racional,
liberdade individual e democracia. Essa foi uma parte importante do período
chamado Iluminismo, ou Moderno, da história ocidental. No entanto, o
resultado final desse processo gerou um grande vazio espiritual, que foi
invadido por inúmeras forças culturais sem precedentes.
Mesmo com todas as suas falhas, a igreja, até o momento do Iluminismo,
desempenhou o papel dominante de forma preponderante na mediação da
identidade, sentido, propósito e comunidade, pelo menos até os primeiros 11
séculos no Ocidente. Seu fim, ou na verdade, sua retirada forçada, aconteceu
quando duas ou tiês forças maiores surgiram. Foram elas:
• O surgimento do capitalismo e do livre comércio como mediador de
valor;
• O surgimento do Estado-nação como mediador da proteção e
provisão;

95 No início de 2003, um comercial de TV de Levi Strauss para o jeans Levi 501, retratando uma mulher
sendo batizada em suas roupas íntimas e saindo da água vestindo jeans, foi proibida na Nova Zelândia
por ser considerado uso inapropriado da imagem religiosa.
aoo Totemização é a ação pela qual os humanos atribuem importância religiosa a, ou estabelecem um rela-
cionamento místico com um objeto que, por sua vez, serve como emblema ou símbolo do poder confe-
rido a ele pelas pessoas. Está envolvido em toda idolatria religiosa. Em parte, é com isso aue Paulo lida em
í Coríntios 8.3-8,10.18-22. A idolatria em si não é boa. É somente uma representação do "deus". Por trás
dessas coisas que reivindicam nossa lealdade está um poder demoníaco. O monoteísmo veio para nos
libertar dessa falsa obediência e estabelecera lealdade permanente ao único Deus.
97 Sou grato a Alan Roxburgh pela base dessa análise da história.
• O surgimento da ciência como mediadora da verdade e do enten-
dimento;
Estes se tomaram o domínio público, o domínio da verdade comum. A
religião, sob essas condições, foi impulsionada para o domínio privado da
opinião particular, dos valores pessoais e do gosto individual. (Todos nós
conhecemos a réplica: "Estou muito feliz que isso funcione para você, mas
para mim não funtiona".) Não nos expomos mais na esfera pública. O
cristianismo se tomou uma mera questão de preferência pessoal em vez de
verdade pública.
Quando chegamos à metade do século 20, tais forças tinham
praticamente substituído por completo a igreja em nossa cultura. Hoje,
raramente alguém duvida do poder hegemônico quase total da economia, do
Estado e da ciência em nossas vidas. O resultado é que esses são
predsamente os lugares onde a vasta maioria das pessoas encontra direção e
sentido. E conforme nos envolvemos no século 21, a maior força dominante
entre as três, a que permeia nossas vidas totalmente, é a da economia global e
do mercado.98
Sob essa influência excessiva do mercado, as experiências, na realidade, a
própria vida, tendem a se tomar mercantilizadas. Em uma economia como
essa, as pessoas são vistas como meras unidades consumidoras. Todos os
bairros giram em tomo do templo consumista central: o shopping center.
Adolescentes andam para cima e para baixo por esses corredores desumanos
sem objetivo, como se buscassem por uma resposta que, de alguma maneira,
escapa deles nas vitrines. Seus pais passeiam pelos mesmos shoppings,
entregando-se a uma dose de "terapia de compras". Disneylân- dia, cmzeiros
de férias, esportes radicais, drogas e outros são experiências consumíveis.
Observamos com frequência que, na condição pós-modema, podemos
consumir novas identidades assim como vestimos roupas novas. Fazemos
isso nos mudando para o centro agitado da cidade, abandonando tudo e
virando reclusos, mudando nossas roupas, trocando de amigos e procurando
outros novos ou comprando esse ou aquele produto que nos identifica com
uma nova e mais desejável rede de pessoas. Nessa situação cultural, tudo, até
mesmo a identidade pessoal e o sentido religioso, tomam-se uma mercadoria
que podemos comercializar, dependendo dos últimos modismos, ao
consumir os novos produtos. Sendo assim, fica fácil entender como a "igreja-
shopping", as experiências de adoração extáticas, e até mesmo a
espiritualidade cristã, passam a refletir o consumismo da fé.
Este é o nosso contexto missional, e passei a acreditar que, ao lidar com o
consumismo, estamos lidando com um inimigo excessivamente poderoso
propagado pela sofisticadíssima máquina da mídia. Essa é a nossa situação,
mas também é nossa própria condição pessoal - e deve ser tratada caso
queiramos ser eficazes no século 21 no Ocidente.

98 O mercado triunfou totalmente, ofuscando até mesmo o Estado por meio do capital multinacional e re-
duzindo a ciência à tecnologia focada em torno dos lucros. Não é de se admirar que o historiador Francis
Fukuyama o chamou de "o fim da história‫״‬.
Religião consumista
O problema da igreja nessa situação é que, agora, ela é forçada a competir
com todas as outras ideologias e "ismos" no mercado da religião e dos
produtos pela fidelidade das pessoas, e tem que fazer isso de modo a refletir
a dinâmica do mercado, porque essa é precisamente a base de como as
pessoas fazem as incontáveis escolhas diárias em suas vidas. Na situação
moderna e pós-modema, a igreja é forçada a um papel de ser pouco mais do
que um vendedor de bens e serviços religiosos. E os consumidores finais dos
serviços da igreja (a saber, nós) facilmente caem no papel de consumidores
individuais exigentes, devorando bens e serviços religiosos oferecidos pelo
mais recente e melhor vendedor. Hoje, a adoração, em vez de ser interessante
por atrair com criatividade os corações e mentes dos ouvintes, é um mero
entretenimento que tem por objetivo proporcionar picos emocionais
transcendentes para os participantes, muito parecido com o papel dos
"feelies"99 em Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, em que as pessoas
vão ao cinema apenas para terem momentos de êxtase.
Os expoentes de crescimento da igreja nos ensinaram explicitamente a
comercializar e adaptar o produto para atender o público-alvo. Eles nos
disseram para imitar o shopping center, aplicá-lo à igreja e criar a prática de
shopping religioso com todos os produtos necessários para suprir todas as
suas necessidades. Quanto a isso, eles foram sinceros e bem-intencionados,
porém, também ignoraram totalmente as ramificações de seu conselho, pois,
no fim, o meio-termo dominou por completo a mensagem.100 A cristandade,
atuando da forma como faz no modelo atrativo e conduzida por profissio-
nais, já estava suscetível ao consumismo, no entanto, sob a influência da
prática de crescimento da igreja contemporânea, o consumismo se tomou, na
verdade, a ideologia impulsionadora do ministério da igreja.
A própria aparência do edifício da igreja nos revela a verdade (consulte o
diagrama do edifício eclesiástico no capítulo 1). Cerca de 90% ou mais das
pessoas que frequentam nossos cultos são passivas. Em outras palavras, são
consumidores. São beneficiários passivos dos bens e serviços religiosos
largamente oferecidos por profissionais em apresentações e cultos superfi-
ciais. Quase tudo o que fazemos nesses cultos, de alguma forma padroni-
zados e em "igrejas encaixotadas", fazemos a fim de atrair participantes e,
para isso, precisamos tomar a experiência da igreja mais conveniente e con-
fortável. Trata-se da última versão religiosa do shopping religioso com todos
os produtos necessários e sem complicações. Porém, tudo o que estamos
conseguindo ao fazer isso é acrescentar mais combustível à insaciável chama
consumista. Cheguei à terrível conclusão de que nós simplesmente não po-
demos consumir à nossa maneira em direção ao discipulado. O consumismo
conforme experimentado no dia a dia e o discipulado conforme pretendido
nas Escrituras simplesmente estão em desacordo um com o outro. E ambos

99 "Feelies" são filmes que estimulam mais do que apenas os olhos. A platéia pode realmente sentir toda a
ação. Em Admirável mundo novo, "feelies" são usados para fazer uma lavagem cerebral nos personagens
em torno da cultura materialista sexual. (N. de Revisão)
100 Veja Frost e Hirsch, Shaping ofThings to Come, capítulo 9, especialmente 149 e seguintes.
têm por objetivo o domínio de nossas vidas, mas, no comércio, é chamado de
fidelidade à marca ou comunidade de marca.
Falando sobre a insegurança da situação humana, foi Jesus quem disse:
"Portanto, não se preocupem, dizendo: 'Que vamos comer?' ou 'Que vamos beber?'
ou 'Que vamos vestir?' Pois os pagãos é que correm atrás dessas coisas; mas o Pai
celestial sabe que vocês precisam delas. Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de
Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas" (Mt 6.31-33,
ênfase do autor). O consumismo é totalmente pagão. Os pagãos correm atrás
dessas coisas (do grego epizêteõ", buscar, desejar, querer, examinar, procurar).
Visto dessa forma, o Queer Eye for the Straight Guy, Extreme Makeover, Big
Brother e outros reality shows são os programas mais pagãos e praticantes do
paganismo da TV. Até mesmo os sempre favoritos programas de reforma da
casa nos paganizam, pois fazem com que nos concentremos no que nos
escraviza com muita facilidade. Neles, a banalidade do consumismo atinge o
clímax quando nos é vendida a mentira de que o que nos completará é uma
nova cozinha, ou a ampliação da casa, ao passo que, na verdade, tudo isso
apenas aumenta o estresse financeiro e o de nossas famílias.101 Esses
programas são muito mais fomentadores da incredulidade do que o puro
ateísmo intelectual, pois nos atingem no ponto em que temos que colocar
toda a nossa confiança e lealdade. Muitas pessoas são profundamente
suscetíveis à sedução idólatra ao dinheiro e a coisas. Fazemos bem em
relembrar o que o nosso Senhor disse a respeito de servir a dois senhores e de
correr atrás de coisas (Mt 6.24-33).
Mark Sayers, um amigo meu, observou que um dos apelos religiosos
mais sedutores relacionados ao consumismo é aquele que nos oferece o novo
imediatismo, uma vida alternativa àquela que o céu sempre apresentou na
tradição judaico-cristã - a satisfação de todos os nossos desejos. Temos nas
pontas dos dedos experiências e ofertas que estavam disponíveis somente
para os reis nas eras anteriores. Oferecido o "céu agora", desistimos da busca
final daquilo que pode ser consumido imediatamente, seja um culto, um
produto ou uma experiência pseudo-religiosa. O consumismo tem todos os
traços característicos do paganismo puro - nós precisamos vê-lo da forma
como realmente é.
No entanto, não se trata de uma análise objetiva e fria; tenho aplicado
essa crítica a mim mesmo e em meu ministério e tenho que me arrepender
constantemente. Você se lembrará de minha narrativa, no capítulo 1, sobre a
experiência de iniciar um projeto missionário significativo no café chamado
Elevation. Quando as dificuldades vieram, não conseguimos criar um
comprometimento mais forte por parte dos membros da comunidade. Como
liderança, reconhecemos isso como nosso próprio fracasso; o fracasso de
desenvolver discípulos. Sem nos concentrarmos intencionalmente em fazer
discípulos, nós tínhamos cultivado, por descuido, o já iminente con-

101 Em seu revolucionário livro Affluenza, os economistas Clive Hamilton e Richard Denniss detalham como
o ter, mais do que nunca, nos deixou ainda mais infelizes do que antes. Affluenza: When Too Much is
Never Enough (Crows Nest, NSW, Aus.: Allen & Unwin, 2005).
sumismo (religioso). Descobri da maneira mais difícil que se nós não disci-
pularmos as pessoas, a cultura certamente o fará. Esse foi um momento da
verdade para mim como líder do movimento e jurei que, a partir daquele
momento em diante, minhas ações teriam que mudar e, de alguma forma, o
fazer discípulos se tomaria a atividade central de qualquer coisa que eu
fizesse por meio da comunidade cristã no futuro.
Portanto, parece que temos duas opções básicas diante de nós: (1) Tenta-
mos redimir os ritmos e estruturas do consumismo como sugere Pete Ward
em seu excelente livro sobre eclesiologia missional. Ele adverte que, em vez
de rejeitar ou denunciar o consumismo, devemos considerá-lo como uma
oportunidade para a igreja redescobrir sua natureza missional e redentora.
Ele afirma que no consumismo há uma pesquisa intensa acontecendo e a
igreja não pode se omitir de comunicar-se de forma significativa dentro desse
contexto. Ele sugere, portanto, que a igreja se reorganize de forma radical em
tomo dos princípios do consumismo, porém, mantenha sua característica
missional.102 (2) De forma alternativa, temos que iniciar uma mudança
profética completa no controle abrangente do consumismo sobre nossas
vidas. Essas duas alternativas se tomaram nosso desafio missional e são
opções reais. Entretanto, minha advertência é: se jantaremos com o diabo, é
melhor termos uma colher bem comprida, porque estamos lidando com um
sistema religioso alternativo bem estabelecido para o qual os discípulos de
Jesus precisam moldar uma realidade alternativa.
Uma das maneiras mais eficazes e contrárias à cultura na qual os se-
guidores de Jesus estão formando discípulos é o novo interesse e prática de
ordens missionais e monásticas. Um desses grupos, chamado Rutba House,
desenvolveu doze práticas, ou marcas, para o novo monasticismo desafiar o
mundanismo da igreja.103 São elas:
1. Mudança para lugares abandonados da cidade.
2. Compartilhamento dos recursos econômicos com os companheiros
membros da comunidade e com os necessitados.
3. Hospitalidade para o estrangeiro.
4. Lamento pelas divisões raciais na igreja e na sociedade juntamente
com uma busca ativa de justa reconciliação.
5. Submissão humilde ao corpo de Cristo, a Igreja.
6. Formação intencional de acordo com a maneira de Cristo e com as
regras da comunidade.
7. Apoio ao celibato dos solteiros e à monogamia dos casais casados e
seus filhos.
8. Proximidade geográfica com os membros da comunidade que
compartilham de uma regra de vida comum.
9. Cuidado com a terra de Deus e apoio às economias locais.
10. Pacificação em meio à violência.

102 Meu problema com a obra de Pete é que eu acho que ele subestima o poder do consumismo para minar o
cristianismo, não o contrário. Acredito que nós iá somos extremamente consumistas e considero isso
inconsistente com o morrer para si mesmo exigido na caminhada com Jesus.
103 Rutba House, Schools forConversion: 12 Marks ofa New Monasticism (Eugene, OR: Cascade, 2005).
Sem dúvida, o leitor concordará que tais práticas apresentam pontos crí-
ticos em tomo dos quais podemos nos opor aos efeitos do consumismo em
nossas vidas. Há muitas ordens como essa surgindo no contexto ocidental:
InnerChange (Estados Unidos e sudeste asiático), Urban Neighbors of Hope
(Austrália e Tailândia), YFC-New Zealand, são apenas alguns exemplos.

A CONSPIRAÇÃO DO ‫״‬PEQUENO |ESUS‫״‬


Então, outra vez, por que o discipulado é o elemento crítico, talvez até
mesmo central, do mDNA do Genoma Apostólico? Foi David Bosch quem
observou corretamente que "o discipulado é determinado pela relação com o
próprio Cristo, e não, pela mera conformidade com ordens impessoais". O
contexto disso não está na sala de aula (onde geralmente acontece o
"ensinamento"), nem mesmo na igreja, mas no mundo. 104 Para ser honesto, o
pensamento evangélico reverbera essa ideia. Nós enfatizamos a primazia de
nosso relacionamento com Jesus, e não meras idéias a respeito dele, e
afirmamos ser esse um fenômeno para toda a vida, porém, são nossas
práticas de estilo de vida, e não, nosso pensamento, que constantemente nos
desapontam sobre esse assunto.
Os movimentos apostólicos fazem disso a tarefa principal, pois, quando
nós realmente pensamos a respeito, talvez esta seja a maior estratégia de
todas as diversas atividades da igreja. Quando Jesus incumbiu seu povo com
a chamada Grande Comissão, o que ele tinha em mente? Por que nossa
comissão central é fazer discípulos de todas as nações (Mt 28.18-20)?
Essa pergunta deve nos remeter à real importância e significado do dis-
cipulado. Se o cerne do discipulado é se tomar semelhante a Jesus, para mim
parece que a leitura missional desse texto requer que entendamos que a
estratégia de Jesus é ter um lote inteiro de pequenas versões dele infiltrado
em todos os cantos da sociedade, reproduzindo a si mesmo em e por meio de
seu povo em todo lugar, em todo o mundo. No entanto, essa questão vai
muito além de modelos sociológicos relacionados à transmissão de idéias em
movimentos; passa por um dos propósitos centrais da missão de Cristo entre
nós. Jesus não somente incorpora Deus em nosso reino, mas também, fornece
a imagem do ser humano perfeito. Paulo nos diz que é nosso destino sermos
conformados à imagem de Cristo (Rm 8.29; 2Co 3.18). Contudo, o
relacionamento entre Jesus e seu povo é ainda mais profundo. Nossa união
mística com Cristo e sua habitação em nós encontra-se exatamente no centro
da experiência cristã sobre Deus - isso é observado em todo o ensinamento
de Paulo a respeito de estar "em Cristo" e ele em nós, bem como na teologia
de João sobre "permanecer em Cristo". Logo, todas as disciplinas espirituais
nos levam em direção a um ponto: semelhança a Cristo. Prestemos atenção às
palavras atribuídas a Madre Teresa: "Temos que nos tomar santos, não por-
que queremos nos sentir santos, mas porque Cristo deve ser capaz de viver

104 David Bosh, Missão transformadora: mudanças de paradigma na teologia da missão (São Leopoldo: Sino-
dal, 2002).
sua vida por completo em nós."
Assim, Deus em forma de homem, Jesus, é, e deve continuar sendo, o
epicentro permanente da espiritualidade e teologia cristã. Somos constan-
temente lembrados de que devemos nos tomar semelhantes a Jesus. Essa
noção de imitação de Cristo é um dos princípios indiscutíveis, tanto do
ensinamento de Jesus quanto dos apóstolos. Está implícito no discipulado e o
imbui em seu significado. Porém, ser um seguidor de Cristo não significa
imitá-lo literalmente adaptando-o, mas expressá-lo por meio da própria vida
de alguém. "Um cristão não é uma reprodução artificial [clone] de Cristo... A
tarefa do cristão consiste em transpor Cristo para as coisas de sua existência
diária."105 A mim parece que seu objetivo é transmitir sua mensagem por
meio da singularidade da vida de seus seguidores, e isso deve ser expresso
em todos os aspectos concebíveis de suas vidas. Em resumo, seu objetivo é
encher o mundo com muitos "pequenos Jesuses", uma presença (redentora)
própria de Cristo ativamente em toda a vizinhança e em toda esfera da vida.
Esta é Conspiração do pequeno Jesus.
Como deve ser o caso para um movimento sobreviver após o impulso
inicial, o fundador literalmente deve, de alguma maneira, viver em seu povo, e
a vitalidade da mensagem subsequente, de agora em diante, depende da
disposição e capacidade do seu povo de se incorporar com fidelidade a sua
mensagem. As histórias e memórias perigosas do fundador estão vivas no
povo e o chamam para uma vida santa e integrada. De maneira muito real e
sóbria, temos, na verdade, que nos tornar o Evangelho para as pessoas ao nosso
redor, uma expressão do verdadeiro Jesus através da qualidade de nossas
vidas. Temos que viver nossas verdades. Ou, como diz Paulo, nós mesmos
somos cartas vivas cuja mensagem está sendo lida constantemente por outros
(2Co 3.1-3). Na análise final, o meio-termo é a mensagem, e os movimentos
fenomenais de Deus pareciam ser capazes de expressar a mensagem de
modo autêntico por meio tanto de sua vida pessoal quanto de sua vida em
comum.106 Isso é o que a tomou acreditável e transmissível.

ENCARNAÇÃO E TRANSMISSÃO
Intimamente ligada à ideia de imitação de Cristo está a ideia de encarnação
que envolve modelo e exemplificação. Quando olhamos para os movimentos
fenomenais ao longo da história, descobrimos que esses movimentos de
pessoas encontraram uma forma de traduzir grandes temas do Evangelho (o
Reino de Deus, a redenção, expiação, perdão, etc.) para a vida concreta por
meio da encarnação de Jesus de modo profundamente relacionai e atraente.
Por meio disso, o fenômeno Jesus tornou-se um movimento de pessoas e não
uma filosofia religiosa fechada mediada por uma elite religiosa, como quase
sempre ocorre na história das religiões.

105 Romano Guardini, 0 Senhor (Rio de Janeiro: Agir, 1964).


no Para uma exploração mais completa sobre a ideia do "meio-termo da mensagem‫ ״‬veja o capítulo com esse
título em meu livro anterior (com Michael Frost), TheShaping ofThings to Come.
Encarnação significa literalmente dar carne a idéias e experiências que
nos animem. Caso essas idéias e experiências sejam realmente acreditadas e
valorizadas, então, devem ser vividas. A encarnação é um fator importante
na liderança saudável de todas as organizações humanas, porém, é
absolutamente crucial para a viabilidade e testemunho do movimento
cristão, e por consequência, para o discipulado e liderança missional.107 E isso
não pode ser passado apenas por textos e livros: é transmitido sempre por
intermédio da vida em si, pelo líder à comunidade, do mestre para o
discípulo e de cristão para cristão.
A ideia da encarnação de nossa mensagem salienta, bem como evidência,
a verdade que buscamos transmitir. E precisamente isso que o discipulado
cristão deve buscar alcançar. Jim Wallis diz que "a única maneira de
propagar a mensagem é vivê-la".108 Quando tentamos traduzir essa ideia de
encarnação em termos de estratégia missional com relação a como nós im-
pactamos as pessoas com o Evangelho, significa que nós mesmos temos que
nos tomar uma representação substancial do que, para muitos não cristãos,
não passa de uma teoria nebulosa. Esse conceito, portanto, não é importante
apenas existencialmente para uma vida autêntica, ou seja, é absolutamente
crucial tanto para a transmissão do Evangelho além de nós mesmos quanto
para a iniciação e sobrevivência dos movimentos missionais. É crítico para a
autenticidade e vitalidade da missão da igreja. Para exemplos marcantes
disso na história da igreja ocidental, precisamos apenas olhar para pessoas
como São Francisco, que viveu sua mensagem em uma comunidade que
incorporou seus ensinamentos. Podemos encontrar padrões semelhantes,
como por exemplo, Count Zinzendorf e os Moravianos.
Com essas reflexões em mente, ouça Paulo. Tente discernir o significado
de encarnação e considere seu impacto sobre os outros nos sistemas sociais
vizinhos.
De fato, vocês se tornaram nossos imitadores e do Senhor, pois, apesar de
muito sofrimento, receberam a palavra com alegria que vem do Espírito
Santo. Assim, tornaram-se modelo para todos os crentes que estão na
Macedônia e na Acaia. Porque, partindo de vocês, propagou-se a men-
sagem do Senhor na Macedônia e Acaia. Não somente isso, mas também
por toda parte tornou-se conhecida a fé que vocês têm em Deus. O
resultado é que não temos necessidade de dizer mais nada sobre isso, pois
eles mesmos relatam de que maneira vocês nos receberam, e como se
voltaram para Deus, deixando os ídolos a fim de servir ao Deus vivo e
verdadeiro. (lTs 1.6-9 - ênfase do autor)
Irmãos, sigam unidos o meu exemplo e observem os que vivem de acordo

m De algum modo significativo para os cristãos, a ideia de incorporação de nossas crenças e mensagens nos
remete à personificação literal de Deus na Encarnação. Em Jesus, o meio-termo é a mensagem. Ele é amor.
Sua vida transmite sua mensagem plena e completamente. Ele não só proclamou o Evangelho, na verdade,
ele é o Evangelho. Essa é a razão pela qual impactou o seu mundo de forma tão profunda e ainda o faz
com o nosso e ao longo de toda a história.
108 Jim Wallis, CaU to Conversion. Citado por Len Hjalmarson, "Toward a Theology of Public Presence‫ ״‬em
www.allelon.org/articles.cfm?id=i43&page=i. (Verificado em 12/02/2014, artigo não encontrado - N. de
Revisão)
com o padrão que lhes apresentamos. (Fl 3.17)
[...] não porque não tivéssemos tal direito, mas para que nos tornássemos
um modelo para ser imitado por vocês. (2Ts 3.9)
Em tudo seja você mesmo um exemplo para eles, fazendo boas obras. Em
seu ensino, mostre integridade e seriedade; use linguagem sadia, contra a
qual nada se possa dizer, para que aqueles que se opõem a você fiquem
envergonhados por não poderem falar mal de nós. (Tt 2.7s)
Tornem-se meus imitadores, como eu o sou de Cristo. (ICo 11.1)
Como os apóstolos eram basicamente os guardiões do DNA do povo de
Deus, a encarnação do Evangelho tinha que ser observada como integridade
viva na vida deles, a fim de que a mensagem obtivesse efeito duradouro. Foi
essa consistência entre mensagem e mensageiro que validou a mensagem
apostólica e cultivou a receptividade nos ouvintes. As igrejas paulinas, por
sua vez, conseguiam ser fiéis porque tinham observado em Paulo um modelo
vivo de fidelidade. Consequentemente, os convertidos de Paulo copiaram e
incorporaram isso, então, outros puderam ver e isso resultou no impacto
permanente. Os ensinamentos devem se fixar na vida dos seguidores e isso
só pode acontecer por meio do relacionamento disciplinador.
Para serem eficientes, os movimentos e idéias centrais associadas a eles
têm que enraizar na vida de seus seguidores. Se não for assim, o movimento
simplesmente não pegará fogo. Novamente, não é uma questão de
integridade pessoal, mas também de modelo. O modelo de um movimento é
geralmente estabelecido em um sentido definitivo por seus fundadores.
Portanto, em termos de dinâmica e missão dos movimentos da igreja cristã,
essa noção de exemplificação da mensagem é absolutamente crucial para a
transmissão da mensagem original para além do nosso fundador, para as
gerações subsequentes.

LIDERANÇA INSPIRADORA
O filme ganhador do Oscar que retrata a vida de Mahatma Gandhi começa
com o funeral com honras de Estado do notável homem que tanto transfor-
mou a índia. Um comentarista norte-americano de rádio narra o sentido da
vida dele para o resto do mundo. Durante a narração, ele observa que diante
deles estava um homem que nunca foi um líder "oficial", nunca ocupou um
cargo político nem liderou nenhum sistema político, nunca obteve título
oficial algum e se considerava um humilde tecelão, mesmo tendo sido uma
pessoa que transformou a história de seu povo de diversas maneiras e
determinou o destino das nações no mundo moderno. Ele modificou seu
mundo, não por meio de manobras políticas ou poder institucional, mas por
meio do absoluto poder inspirador de uma vida integrada com base em
virtudes religiosas, morais e sociais. Por ter sido um exemplo notável de
liderança, ele ainda influencia o mundo hoje. E de conhecimento geral que
ele foi o exemplo e inspiração de Martin Luther King Jr. para seu posiciona-
mento no movimento dos direitos civis norte-americanos.
Na realidade, Gandhi foi uma pessoa marcante e alguém digno de ser
estudado em relação à liderança e aos movimentos sociais. No entanto, o que
é particularmente notável é o fato de ter obtido sua visão de uma índia
independente pela renúncia à violência e rejeição de todas as formas de
poder institucional e autoridade. Ele baseava sua mensagem somente no que
foi chamado de "autoridade moral". No nosso caso, também podemos
chamar de autoridade espiritual ou liderança inspiradora. Esta pode ser
descrita como um modo único de poder social proveniente da integração
pessoal e encarnação de grandes idéias, em oposição ao poder proveniente
de alguma forma de consentimento de autoridade externa e estrutural, como
a do governo, corporação ou instituição religiosa. Por exemplo, o poder do
presidente vem primeiramente do cargo ocupado por ele ou ela, o mesmo
acontece com o general, CEO ou um líder denominacional, e assim por
diante. No poder institucional, é a instituição humana que confere poder
para o indivíduo desempenhar determinada tarefa. Portanto, trata-se prin-
cipalmente de uma fonte externa de poder que impulsiona a função. Isso não
acontece na liderança inspiradora. Esta envolve um relacionamento entre
líderes e seguidores no qual um influencia o outro a procurar por objetivos
comuns, visando transformar seguidores em líderes por conta própria. Isso
acontece por causa da atração pelos valores e chamados sem oferecimento de
incentivos materiais. Baseia-se principalmente no poder moral e, portanto, é
essencialmente interno.
O interessante a respeito de Gandhi é que, quando questionado sobre as
raízes ideológicas de sua filosofia, ele não alegou originalidade alguma em
suas idéias: ele disse ter aprendido tudo com Jesus de maneira indireta, por
meio de Tolstoy. Devemos fazer o mesmo voltando nossa atenção
diretamente ao nosso fundador. Então, olhemos para ele. Quando analisamos
a vida e ministério de Jesus, descobrimos que ele também não tinha título ou
cargo oficial. Não tinha estudo reconhecido oficialmente, não liderou
exércitos, foi contrário à violência e nos ensinou sobre o poder espiritual
transformador do amor e do perdão e, mesmo assim, mudou o mundo para
sempre. E no maior ato de influência espiritual em sua história do mundo,
ele se entregou em sacrifício para a redenção do mundo. O tipo de poder
inerente nesse ato supremo de sacrifício, assim como em todos os atos
sacrificiais, é o poder não coercivo que influencia por meio do poder
espiritual absoluto - ele atrai as pessoas para sua influência e as modifica,
recorrendo à resposta moral e espiritual daqueles que chegam a sua órbita.
Jesus tem plena consciência desse poder quando diz em João 12.32: "Mas eu,
quando for levantado da terra, atrairei todos a mim". É o poder de seus
ensinamentos e a qualidade absoluta de sua vida que modifica o mundo. Ele
mudou o mundo para sempre sem ser um líder oficial, político ou general.
Esta é a liderança espiritual autêntica, e a liderança cristã só é autêntica
quando reflete esse tipo de autoridade e poder espiritual.
Se necessitarmos de quaisquer outros exemplos bíblicos, não precisamos
olhar para ninguém mais além de Paulo. Sempre quando defende seu
próprio papel apostólico em relação aos "falsos apóstolos" (por exemplo, 2
Coríntios), ele não se refere a algum ato de "ordenação" por uma instituição
que ainda não existe; ao contrário, reporta seus leitores ao seu sofrimento
pela causa, sua integridade em lidar com isso, seu chamado para ser apóstolo
pelo próprio Jesus, suas experiências espirituais e sua humildade e
"impotência" em termos humanos (cf. 2Co 1.1 e G11.1). Dificilmente essa
seria a descrição de um CEO carismático e com poder; mas aqui novamente
nos deparamos com a fonte de um verdadeiro poder espiritual por trás de
uma ótima liderança. Ela não se encontra nas formalidades, mas na mistura
do chamado, dom e integridade pessoal.
Influência é algo difícil de quantificar. No entanto, você a reconhece
quando se depara com ela. É interessante e também profundo que a palavra
no NT para autoridade seja exousia, que literalmente significa "fora de si"
(fora da substância própria de alguém). Quando uma pessoa questiona a
natureza da autoridade espiritual nas Escrituras, está claro que a autoridade
provém primeiramente de dentro para fora e somente depois de fontes
externas. Ou, para ser mais preciso, a autoridade moral surge como resultado
da mistura da integridade pessoal, relacionamento de uma pessoa com Deus
e riqueza de nossos relacionamentos com os demais ao nosso redor. São essas
qualidades que devem caracterizar a liderança que obtém inspiração a partir
de Jesus Cristo.109 Muitos dos problemas do mundo estão relacionados com a
má utilização do poder e autoridade; e na história da cristandade, para nossa
grande vergonha, a igreja também tem liderado dessa forma com frequência.
Basta apenas olhar para as Cruzadas, a Inquisição, a perseguição dos cristãos
inconformistas e do tratamento para com os judeus para perceber como erra-
mos o alvo em relação à autêntica liderança moral.
Recentemente, fui lembrado de que a melhor crítica a respeito do mal é a
prática de algo melhor. Sendo assim, qual é a prática de algo melhor nesse
caso? Para encontrar esse "melhor", devemos buscá-lo onde a liderança
realmente atua: nos movimentos marcantes de Jesus na história. É notável o
fato de que a maioria dos líderes desses movimentos missionários perdeu as
qualificações necessárias para liderar em nossas igrejas no Ocidente, e, no
geral, apesar de tudo, o impacto da influência deles ao longo das redes de
comunicação descentralizadas é muito maior do que o de seus colegas
ocidentais de instituições centralizadas. Como podemos explicar isso?!
Conforme mencionado anteriormente, há pouco tempo estive com um
extraordinário líder apostólico da igreja secreta na China, "Tio L", que estava
liderando um movimento clandestino de igreja nos lares com tiês milhões de
cristãos. Esse homem exemplificou a autoridade espiritual. Ele não tinha
estudo reconhecido oficialmente, nem "cargo" e títulos associados, nem uma
instituição central real para ajudá-lo na administração e controle das dezenas
de milhares de igrejas nos lares, e mesmo assim, sua influência e

109 Ou, como observou certa vez Steve McKinnon, um dos meus colegas da Forge, "George Bush tem poder;
Madre Teresa tinha autoridade!"
ensinamento eram percebidos por todo o movimento. Como ele fazia isso? A
única maneira de conseguir tal feito é pelo exercício de uma autoridade
espiritual genuína de liderança.
LIDERANÇA COMO EXTENSÃO DO DISCIPULADO
Se até agora ainda não estiver óbvio, permita-me dizer de forma mais
explícita: a qualidade da liderança da igreja é diretamente proporcional à
qualidade do discipulado. Se fracassamos na área de fazer discípulos, não
devemos nos surpreender se fracassarmos na área do desenvolvimento de
liderança. Acho que muitos dos problemas enfrentados pela igreja na ten-
tativa de cultivar liderança missional para os desafios do século 21 seriam
resolvidos se concentrássemos a solução do problema em algo anterior ao
desenvolvimento da liderança por si só, ou seja, primeiro o discipulado. O
discipulado é primordial; a liderança é sempre secundária. A liderança, para
ser cristã genuinamente, deve sempre refletir a semelhança a Cristo e,
portanto, o discipulado.
Se afirmarmos isso em termos de dinâmica de movimento, pode-se dizer
que o alcance de qualquer movimento é diretamente proporcional à extensão
de sua base da liderança que, por sua vez, está diretamente relacionada à
qualidade do discipulado. Somente à medida que conseguimos desenvolver
a iniciativa própria, reprodução e discípulos totalmente devotos, poderemos
ter a esperança de conseguir realizar o dever da missão de Jesus.110 Não
existe outra forma de desenvolver genuínos movimentos transformacionais
senão por meio da crítica tarefa de fazer discípulos. Ou, como Neil Cole
ironicamente observa: "Se não consegue reproduzir discípulos, você não é
capaz de reproduzir líderes. Se não consegue reproduzir líderes, você não é
capaz de reproduzir igrejas. Se não consegue reproduzir igrejas, você não é
capaz de reproduzir movimentos".111
Se quisermos desenvolver e produzir uma liderança verdadeiramente
missional, temos, em primeiro lugar, que plantar a semente da obrigação
com a missão de Deus no mundo nas primeiras e mais elementares fases do
discipulado. Depois, essa semente deve ser cultivada na liderança totalmente
missional. Isto não é ser coercivo nem manipulador, mas apenas reconhecer
que, como discípulos, somos participantes ativos na missio Dei. Não podemos
simplesmente criar uma liderança missional quando o DNA da liderança
missional não foi colocado desde o início nas sementes do discipulado. E
exatamente dessa maneira que Jesus realiza o discipulado: ele o organiza em
tomo da missão. Assim que são chamados, ele leva os discípulos para uma
jornada arriscada de missão, ministério e aprendizado. Imediatamente eles se
envolvem na proclamação do Reino de Deus, servindo o pobre, curando e
expulsando demônios. Trata-se de fazer discípulos ativa e diretamente no
contexto de missão. E o mesmo acontece com todos os grandes movimentos
de pessoas. Até mesmo o mais novo convertido é engajado na missão desde o
início; ele ou ela pode chegar a ser herói/heroína espiritual. Se aceitarmos que

110 Veja http://onmovements.com/?p=ioi (Site em inglês. Acesso em 23/01/2015)


111 Falado durante uma apresentação em Melbourne em maio de 2006.
Jesus forma o primeiro padrão de fazer discípulos para a igreja, então,
devemos dizer que o discipulado é nossa principal tarefa. No entanto, se
fazer discípulos está no centro de nossa comissão, então, temos que organizá-
lo em torno da missão, porque ela é o princípio catalisador do discipulado.
Em Jesus, eles estão inexoravelmente ligados.
Isso nos leva à seção final deste capítulo que expõe algo a respeito do
caminho em que podemos seguir o padrão bíblico de fazer discípulos de
forma mais consistente.

COMEÇANDO A JORNADA COM JESUS


Estamos todos familiarizados com as histórias do Evangelho em que Jesus
seleciona um grupo de discípulos, vive com eles, ministra com eles e os
orienta. Essa abordagem para a formação de seguidores era comum em Israel
nos tempos de Jesus. A maioria dos rabinos iniciava e desenvolvia suas
escolas de pensamento por meios semelhantes. Era esse fenômeno da vida
cotidiana que facilitava a passagem das informações e idéias em situações
históricas concretas. Isso já foi descrito anteriormente, por isso não será dada
continuidade aqui. Faço apenas a observação de que essa é a maneira pela
qual Jesus formou seus discípulos, logo, não devemos achar que somos
capazes de formar discípulos autênticos de alguma outra forma.
Poucos negariam que em nossos dias existe uma crise na liderança da
igreja no Ocidente. Nós nos encontramos enfrentando um desafio adapta-
tivo que necessitará de determinado tipo de liderança capaz de nos guiar
pelas complexidades do século 21. Neste livro e em outros, esse tipo de
liderança recebeu o nome de "missional". E é de uma liderança missio- nal
que necessitamos. O problema é que a maioria de nossas instituições de
treinamento é organizada para um treinamento voltado mais à manutenção
do líder. Basta fazer um levantamento dos tipos de assunto e das pessoas que
os ensinam para o ponto ser provado. Se vamos aprender a partir de
histórias perigosas sobre os movimentos de Jesus e tentar nos organizarmos
em tomo do Genoma Apostólico, temos apenas que descobrir "a melhor
maneira" de formar líderes.
Há tempos acredito que a liderança, ou a falta dela, é a chave signifi-
cativa, tanto para a renovação, quanto para a queda da igreja. Se for verdade
que a liderança é decisiva para nosso sucesso ou fracasso, nós temos que
perguntar por que estamos nessa condição atual de morte e, depois, buscar
solucionar a situação. Isso é de importância estratégica. Se formos um pouco
mais a fundo, no fim, centralizaremos nossa atenção nas agências e pessoas
responsáveis pelo treinamento e aprovação da liderança que observou a
queda do cristianismo nos últimos dois séculos. Algumas perguntas difíceis
devem ser feitas com relação à forma como treinamos e desenvolvemos a
liderança.
Talvez, a única e mais significativa origem do mal-estar da liderança em
nossos dias seja proveniente da forma e do contexto em que formamos os
líderes. Na maioria das vezes, o suposto líder é retirado do contexto da vida
comum e ministério para estudar em um ambiente um tanto quanto isolado,
por até sete anos em alguns casos. Durante esse período, eles são submetidos
a uma imensa quantidade de informações complexas relacionadas às
disciplinas bíblicas, teologia, ética, história da igreja, teologia pastoral, etc. E,
embora a maioria dessas informações seja útil e correta, o perigo para o
discipulado nesse cenário é o real processo de socialização pelo qual os
estudantes passam ao longo do curso. De fato, eles são socializados fora da
vida comum e desenvolvem um tipo de linguagem e pensamento que
raramente é compreendido e expressado fora do seminário. E como se, para
aprender sobre ministério e teologia, nós deixássemos nossos lugares de
habitação e pegássemos um avião para um mundo maravilhoso de abstração,
voássemos por lá por um longo período e, depois, quiséssemos saber por que
temos problemas para aterrissar novamente.
Treinamento com base acadêmica (não contextual)

Por favor, não me entenda mal, precisamos de um comprometimento


intelectual sério com as ideias-chave do nosso tempo. O que é realmente
preocupante é o fato de esse comprometimento ocorrer principalmente em
ambientes passivos da sala de aula. Para amar Deus com todo o nosso ser, o
desenvolvimento da liderança tem que inculcar no discípulo um amor eterno
pelo aprendizado, mas isso pode ser feito de maneira muito mais consistente
com o etos do discipulado do que com o acadêmico.
Esse simplesmente não é o modo como Jesus nos ensinou a desenvolver
discípulos. E não é que Jesus tenha carecido de um modelo apropriado de
faculdade - os gregos a haviam desenvolvido centenas de anos antes de
Cristo e ela estava bem estabelecida no mundo greco-romano. A visão de
mundo hebraica era orientada pela vida e não se preocupava muito com
conceitos e idéias em si. Por outro lado, para mim, parece que a faculdade é
quase toda organizada apenas em tomo da transferencia de conceitos e
idéias. Sendo assim, os seminários ou instituições, desenvolvidos com base
em um modelo acadêmico semelhante, são praticamente incapazes de
produzir discípulos e líderes missionais. Não significa que não queiram. O
problema inerente no seminário é que a bandeja de entrada de informações
está com a pilha alta enquanto a bandeja de saída de ação e obediência está
quase vazia. A faculdade demanda passividade nos estudantes, enquanto o
disdpulado requer atividade. Se o discipulado tem a ver principalmente com
se tomar como Jesus, então, ele não pode ser realizado pela mera
transferência de informações fora do contexto da vida comum. Conforme
tentarei mostrar abaixo, eu simplesmente não acredito que possamos conti-
nuar tentando e pensando à nossa maneira em uma nova forma de agir, mas
precisamos agir à nossa maneira em uma nova forma de pensar.112
Como nos distanciamos tanto do etos do discipulado transmitido a nós
por nosso Senhor? Como o recuperaremos outra vez?
A resposta para a primeira pergunta é que a cristandade foi profunda-
mente influenciada pelas idéias gregas, ou helenistas, a respeito do conhe-
cimento. No século 4 d.C., a visão platônica do mundo tinha praticamente
triunfado sobre a hebraica dentro da igreja. Mais tarde, foi Aristóteles que se
tomou o filósofo predominante para a igreja. Ele também atuava sob a
estrutura helenista. Basicamente, a visão helenista sobre o conhecimento
preocupa-se com conceitos, idéias, a natureza do ser, tipos e formas. A visão
hebraica, por outro lado, preocupa-se principalmente com as questões da
existência concreta, obediência, sabedoria orientada pela vida e a inter-
relação de todas as coisas abaixo de Deus. E um tanto óbvio que, como
judeus, Jesus e a igreja primitiva atuavam, antes de tudo, de acordo com a
compreensão hebraica, em vez da helenista.
O diagrama a seguir tenta ilustrar essa distinção. Se o nosso ponto inicial
é pensamento antigo e comportamento antigo de uma pessoa ou da igreja, e
consideramos ser nossa tarefa mudar essa situação, optar pela abordagem
helenista significará que forneceremos informações por meio de livros e salas
de aula a fim de tentar e levar a pessoa/igreja a uma nova maneira de pensar
e, se tudo der certo, dali a uma nova maneira de agir. O problema é que
tratando apenas dos aspectos intelectuais da pessoa, não somos capazes de
mudar o comportamento.
A suposição do pensamento helenista é que, se as pessoas captarem as
idéias certas, elas simplesmente mudarão seu comportamento. A abordagem
helenista, portanto, pode ser caracterizada como uma tentativa de pensar à
nossa maneira em uma nova forma de agir. Tanto a experiência quanto a história
mostram o engano de tal pensamento. Por certo, ele não forma discípulos.
Tudo o que fazemos é mudar a maneira como a pessoa pensa; o problema é
que seu comportamento continua praticamente sem ser influenciado. Esse
pode ser um exercício bastante frustrante, pois, uma vez que a pessoa se
encontra em um novo paradigma do pensamento, é muito difícil para ela
lidar com a situação da qual veio.
Muitos líderes de igrejas experimentam isso de forma regular: começa
com o reconhecimento de algum tipo de problema na igreja local junto com o
desejo de tratá-lo. Então, trabalhando como estão, sob um sistema

112 Emprestei essa frase muito útil dos autores de Surfing the Edge of Chaos, 14.
influenciado pelas visões helenistas do conhecimento, eles vão a uma
conferência ou a um seminário para obter acesso a diversas novas idéias a
respeito da renovação da igreja, liderança e missão. O problema é que isto é
tudo o que conseguem: novos pensamentos. Eles ainda têm que lidar com a
congregação inalterada. E realmente difícil mudar o comportamento de
alguém pela mera obtenção de novas idéias, pois o comportamento está
profundamente consolidado em nós por meio de nossos hábitos arraigados,
criação, normas culturais, pensamentos errôneos, etc. Apesar de a obtenção
de conhecimento ser essencial para a transformação, logo descobrimos que
será preciso muito mais do que novos pensamentos para nos transformar.
Qualquer pessoa que lutou contra o vício sabe disso.
Tenho criticado esse ponto porque esse tipo de abordagem está tão
profundamente consolidado na igreja ocidental que precisamos vê-lo da
forma com é antes de encontrar uma maneira melhor. Assim, qual é essa
maneira melhor? Você não se surpreenderá ao descobrir que ela se encontra
na arte antiga de fazer discípulos. Fazer discípulos funciona melhor com a
compreensão hebraica a respeito do conhecimento em mente. Em outras
palavras, precisamos levar em consideração a pessoa como um todo na
tentativa de transformá-la. Também precisamos entender que educar todas
essas pessoas dentro do contexto de vida e para a vida. A maneira como
fazemos isso, na verdade, a maneira como Jesus fez, é agir à nossa maneira em
uma nova forma de pensar. Essa é claramente a maneira pela qual Jesus formou
seus discípulos. Eles não só viveram com ele e o observaram em todas as
circunstâncias possíveis, mas também ministraram com ele, cometeram erros
e foram corrigidos por ele, tudo dentro do contexto da vida cotidiana. Mais
uma vez, essas práticas estão presentes em todos os movimentos fenomenais
de Deus.
Então, independentemente de termos pensamento antigo e comporta-
mento antigo, ou novo pensamento e comportamento antigo, o próximo
passo é colocar as ações na equação. Isso não é tão estranho como aparenta
ser em um primeiro momento. Os seres humanos são sensíveis, criaturas
pensantes com um profundo desejo de entender nossas vidas e nosso
mundo. Sendo assim, temos a tendência de processar as coisas conforme
vamos andando. Idéias e informações são importantes, porém, de modo geral,
são necessárias para guiar ações e são mais bem assimiladas e com-
preendidas no contexto de aplicação à vida. A suposição é que transfor-
mamos todos esses processos dinâmicos de pensamentos dentro de nós em
ações. Tudo está relacionado ao contexto (não apenas ao conteúdo). Nós não
deixamos, conforme suposto pelo modelo helenista, nosso pensamento para
trás quando estamos praticando nossas ações. Pensamos enquanto agimos e
agimos enquanto pensamos. De fato, essa é exatamente a maneira pela qual
aprendemos a andar, falar, socializar e raciocinar em um primeiro momento.
Por que supomos que nosso modo de aprender deva mudar à medida que
ficamos mais velhos?"7 Logo, o que estou propondo se assemelha a isto:
Pensamento antigo
Comportamento
Novo pensamento
Comportamento
Conceito gregoantigode
Conceito hebraico de conhecimento
conhecimento (0 pensamento correto
(a ação correta leva ao leva à atitude correta)
pensamento correto) • a faculdade
• ação-reflexão • informações/ideias
• encarnação • conferência
• orientação s livros
• exemplificação

Agir à nossa maneira em uma nova forma de pensar


antigo
fto\(o pensam^rífo
Novo cbmportamento

Ação-aprendizado (Discipulado) x Faculdade 113

113 0 diagrama a seguir é inspirado na obra de Dave Ridgway e James Jesudason em suas observações sobre o
processo de aprendizagem.
Antes de encerrarmos este capítulo, gostaria de apresentar ao leitor um
exemplo vivo de como alguns sistemas de treinamento estão começando a se
reorientar em direção ao etos de fazer discípulos na tentativa de formar
líderes missionais. Na Forge Mission Training Network, formamos o sistema
inteiro em tomo desse conceito de discipulado ação-aprendiza- do. Nossos
dois objetivos são desenvolver missionários para o Ocidente e desenvolver
um distinto modelo missional pioneiro de liderança. Para fazer isso,
promovemos um estágio em que o estagiário é colocado em um ambiente
onde fique fora de sua zona de conforto. Fazemos isso porque, quando as
pessoas são colocadas em situações que requerem algo além de seu
repertório atual de habilidades e dons, ficam muito mais abertas para
realmente aprender. E chamado de "ser jogado na fogueira". A maior parte
do aprendizado dos estagiários se dá por meio de tentativas e, na realidade,
fazendo as coisas. Eles se encontram regularmente (pelo menos uma vez por
semana) com o instrutor, que os questionará, identificará os problemas,
sugerirá ações e lhes apresentará recursos, incluindo livros e conferências.
Nós realizamos programas intensivos de aprendizado inspirador nos quais
passamos muitas informações, porém, essas informações são transmitidas
apenas pelos que demonstraram sua própria capacidade de fazer exatamente
aquilo que estão ensinando; deixamos somente praticantes missionais ativos
ensinarem. Ao empenhar-se no treinamento dessa maneira, o estagiário
aumenta sua capacidade de captar os problemas, resolvê-los e integrá-los.
Missão é, e sempre foi, a mãe da boa teologia. Não conseguimos, mas temos
que ser genuinamente inspirados por esses maravilhosos movimentos de
Jesus que parecem apenas dar certo por instinto sem toda uma teoria. Essa é
uma das obras secretas do Espírito Santo, mas acredito também que se trata
de uma parte inextricável do mDNA constituinte do Genoma Apostólico.
Sendo assim, é latente na igreja e nasce em situações nas quais a adaptação se
faz necessária, exatamente como algumas lembranças esquecidas devem ser
relembradas quando a situação assim o exige. Aqui está o segredo de como a
fé é transmitida de pessoa para pessoa ao longo de gerações: a contínua e
dinâmica megaconspiração sobre o "pequeno Jesus".
5
IMPULSO MISSIONAL-ENCARNACIONAL

A Bíblia nos diz que o cristão está no mundo e deve permanecer nele. Os cristãos
não foram criados com a finalidade de se separarem ou viverem distantes do
mundo. Quando a separação for causada, será pelo próprio agir de Deus, não do
homem... A comunidade cristã jamais deve ser um corpo fechado.
Jacques Ellul, The Presence ofthe Kingdom

Não devemos nos incomodar com o fato de (durante diferentes épocas) a fé cristã
ter sido percebida e experimentada de novas e diferentes maneiras. A fé cristã é
intrinsecamente encarnacional; portanto, a não ser que a igreja opte por
permanecer uma entidade estrangeira, sempre entrará no contexto no qual isso
acontece para descobrir a si mesma.
David Bosch, Missão transformadora
‫״‬Iniciar uma igreja isolada não era uma opção para nós; não nos con-
tentaríamos com nada menos do que um movimento de multiplicação de
igreja e abandonaríamos todas as coisas, até mesmo as bem-sucedidas, que
pudessem nos desviar desse objetivo. Descobri que há muitos métodos de
ministério eficazes que também evitariam a multiplicação. Estávamos dis-
postos a abandonar qualquer coisa que não multiplicasse discípulos, líderes,
igrejas e movimentos nativos.114‫ ״‬Com essas palavras corajosas nasceu a
Church Multiplication Associates (CMA) no centro urbano de Long Beach,
Califórnia. Em meio a essas palavras, podemos discernir o eco dos impulsos
antigos inerentes ao próprio Evangelho de Jesus Cristo.
Neste capítulo, analisaremos o ímpeto e a padronização dos movimentos
de Jesus ao longo do tempo e do espaço, algo que escolhi chamar de impulso
missional-encarnacional. O propósito ao combinar essas palavras é ligar duas
práticas que, na essência, formam uma e realizam a mesma ação. É o tema
deste capítulo que, a não ser que abracemos esse modelo, nós trancaremos o
genoma da igreja apostólica, ou seja, semear e fixar o Evangelho em culturas
de diferentes grupos e sociedades e, portanto, semear as sementes da rápida
multiplicação.
Isso é importante não apenas por razões práticas relacionadas aos
movimentos, mas porque muito da teologia da missão e encarnação está
concentrado nesse impulso. O impulso missional-encarnacional é, na
verdade, o trabalho externo prático da missão de Deus (a missio Dei) e da
Encarnação. Logo, está enraizado na maneira exata de como Deus redimiu o
mundo e em como o Senhor se revelou a nós.
Apesar desse elemento do mDNA ser tão decisivo como é, trata-se de um

114 Cole, Igreja orgânica.


dos mais facilmente negligenciados, porque é obscurecido por um
pensamento muito sincero formado em outro modelo e capturado por outra
imaginação - o evangelístico-atrativo. E difícil criticar a sinceridade genuína do
alcance e evangelismo que visa o crescimento da igreja. Em muitas coisas, ele
está certo, parece certo e, por vezes, é muito eficiente. No entanto, passei a
acreditar não ser essa a maneira pela qual a igreja primitiva atuou, tampouco
está presente em outras expressões genuínas do Genoma Apostólico. Assim,
devemos criticá-la porque é o modelo evan- gelístico-atrativo que está nos
impedindo de experimentar o autêntico impulso que reverbera pelos
movimentos apostólicos autênticos.

RAÍZES TEOLÓGICAS

Como vai contra a natureza de nossas práticas herdadas e arraigadas, é


importante entender bem a dinâmica teológica do impulso missional-en-
camacional e as formas nas quais esses dois fundamentos entrelaçados da
teologia cristã essencial informam nossas práticas e comportamentos.

A missão de Deus
No decorrer dos últimos quarenta e poucos anos, houve uma grande mu-
dança na maneira como nós vemos missão. Alguns definem tal mudança
como sendo de uma missão centrada na igreja para uma centrada em Deus,
como faz Darrell Guder abaixo:
Passamos a perceber que missão não é apenas uma atividade da igreja.
Pelo contrário, é o resultado da iniciativa de Deus, enraizada nos propó-
sitos de Deus para restaurar e curar a criação. Missão significa "enviar" e é
o tema central da Bíblia que descreve o propósito da ação do Senhor na
história humana. A missão de Deus começa com o chamado de Israel para
receber a bênção do Senhor a fim de ser uma bênção para as outras
nações. A missão de Deus revelada na história do povo de Deus registrada
nas Escrituras ao longo dos séculos alcançou seu clímax revelador na en-
carnação da obra da salvação de Deus em Jesus ministrando, crucificado e
ressurreto. [...] Hoje, ela ainda continua no testemunho mundial do Evan-
gelho de Jesus Cristo de igrejas em todas as culturas.115

115 Veja Guder, Missional Church, 4.


Guder conclui: "Aprendemos a falar sobre Deus como um 'Deus mis-
sionário'. Portanto, aprendemos a entender a igreja como o 'povo enviado'.
:'Assim como o Pai me enviou, eu os envio' (]o 20.21; cf. 5.36s, 6.44; 8.16-18;
17s)".116 Assim como Deus enviou seu filho ao mundo, também nós somos
enviados ou simplesmente um povo missionário.
Esse "envio" está encarnado e vivo no impulso missional. Em essência, isso
é um movimento que liga exteriormente uma comunidade ou pessoa a outra.
Trata-se do ímpeto exterior enraizado na missão de Deus que compele a
igreja a alcançar o mundo perdido. Portanto, o genuíno impulso missionário
é envio, e não, atração. O modelo de missão do NT é centrífugo, ao invés de
centrípeto, não podendo ser enfatizado ainda mais. Quando Jesus compara o
Reino de Deus às sementes sendo plantadas, ele não está brincando. Contu-
do, aplicado a nossas práticas missionais, se assemelhará a isto:

O impulso missional (Semeadura e disseminação exteriores)

Cada forma representa um grupo diferente de pessoas/cultura

Toda missão genuína é inspirada por isso, então, não deve parecer tão
estranho para nós (vire o gráfico e ele se parecerá com uma árvore genea-
lógica espiritual). Talvez, o que não seja tão familiar seja a aplicação dessa
abordagem ao nosso próprio cenário. Temos a tendência de ver missão como
algo a realizarmos nas "nações pagãs" e não em nossa própria nação. Nós
evangelizamos aqui e fazemos missão lá. Isso tem sido corretamente
chamado de "mito geográfico". Felizmente, está mudando.

116 Ibid., 4.
No gráfico, podemos ver a natureza do impulso missional como um "es-
pirro". No entanto, ele também nos permite visualizar exatamente como te-
mos inibido esse movimento fora do fluxo. O modelo de cristandade tende a
engolir o impulso missional ao substituí-lo pelo de atração. Então, embora a
igreja local realize de modo genuíno formas de evangelismo e alcance, pois
mede a eficiência por meio do crescimento numérico, programações melho-
res e aumento das instalações e recursos, ela precisa do impulso de atração
para suportá-la. A troca é sutil, mas profunda, e o efeito final é impedir in-
conscientemente o movimento para fora que está embutido no Evangelho.
Em vez de serem plantadas ao vento, as sementes são colocadas em depósi-
tos eclesiásticos, acabando, assim, efetivamente com o propósito para o qual
foram feitas.117 Ou, retomando a metáfora do espirro, nós seguramos o "es-
pirro" quando, primeiramente reprimimos o impulso de espirrar. Por isso, o
modelo de atração praticamente não pode ter a esperança de impactar outras
culturas
como os
movime
ntos de
Jesus
foram
capazes
de fazer.

1
evangelístico
evangelístic
◄ ---------- o
--------- !
2
atrativo atrativo

O
paradigma
do
crescimento
da igreja
mede a
eficiência e
a saúde por
meio do
crescimento
por acréscimo e da expansão das instalações, programas e recursos. Como tal, é formado diretamente sobre o
modelo ^/ evangelístico-atrativo. \|

O modelo evangelístico-atrativo só é eficiente, de modo geral, dentro dos contextos mO a


ml de missão e menos eficiente nos contextos genuinamente missio- nos quais a igreja tem
que ir além das barreiras culturais significativas.

117 Isso é facilmente corrigido; apenas incorpore o mDNA, deixe-o partir e pare de insistir na igreja atrativa.
Teremos que aprender a confiar que o Reino de Deus faz o trabalho de disseminar, regar e cultivar as
sementes (!Co 3.65). Porém, mesmo parecendo tão simples, é uma lição difícil de aprender sobre o
controlara excentricidade.
O impulso evangelístico-atrativo
A encarnação
João 1.118‫ ־‬forma o texto bíblico central e definitivo que narra para nós a
maravilhosa vinda de Deus na história da humanidade. Porém, esse texto
está longe de ser aquele que investigará o mistério. Todos os cristãos ad-
mitem que, em Jesus Cristo, Deus se fez totalmente presente e veio para o
nosso meio em um ato de amor humilde como o mundo jamais conheceu.
Quando falamos a respeito da Encarnação com ‫״‬E‫ ״‬maiusculo, nos referi-
mos à humildade e ao ato de amor sublime realizado por Deus para entrar
nas profundezas do nosso mundo, da nossa vida e da nossa realidade, a fim
de que a redenção e a consequente união entre Deus e a humanidade
pudesse ocorrer. Essa "materialização carnal" de Deus é tão radical e total
a ponto de qualificar todos os atos subsequentes de Deus em seu
mundo.118
Quando Deus veio para o nosso mundo em e por intermédio de Jesus, o
Eterno se mudou para a vizinhança e habitou entre nós (João 1.14). E o
impulso verdadeiro da encarnação, até onde conseguimos nos aprofundar
nesse mistério, foi que, ao se tomar um de nós, Deus pôde alcançar a
redenção para a raça humana. No entanto, a Encarnação, e a obra de Cristo
resultante disso, conquistou mais do que nossa salvação; foi um ato de
profunda afinidade, uma identificação radical com tudo o que significa ser
humano - um ato que revela todo o potencial presente no ser com o qual se
identifica. Contudo, além da identificação, está a revelação: levando sobre si
todos os aspectos da humanidade, Jesus é para nós literalmente a imagem
humana de Deus. Se quisermos saber como o Senhor é, não precisamos olhar
nada além de Jesus. Podemos compreendê-lo porque ele é um de nós. Ele nos
conhece e pode nos mostrar o caminho.
Além disso, podemos identificar, no mínimo, quatro dimensões que
estruturam nossa compreensão a respeito da Encarnação de Deus em Jesus, o
Messias.119 São elas:
• Presença: Em Jesus, o Deus eterno está totalmente presente em nós. Jesus
não foi um mero representante ou profeta enviado da parte do Senhor;
ele era Deus em carne (João 1.1-15; Cl 2.9).
• Proximidade: Deus, em Cristo, se aproxima de nós não apenas de maneira
que sejamos capazes de compreender, mas de maneira que possamos ter
acesso. Ele não chamou o povo apenas ao arrependimento e proclamou a
presença direta de Deus (Mc 1.15), mas ajudou as pessoas marginalizadas
e viveu próximo ao fraco e ao "perdido" (Lc 19.10).

118 Frost e Hirsch, Shaping ofThings to Come, 35. Para uma exploração mais profunda sobre as implicações da
realidade da encarnação, veja 3540‫־‬.
119 Adaptei os 4 Ps a partir do material de ensino do colega da Forge, Michael Frost.
• Impotência: Ao se tornar "um de nós", Deus toma a forma de um servo e
não de alguém que governa sobre nós (Fp 2.6ss.; Lc 22.2527‫)־‬. Ele não nos
atordoa com som e shows a laser, mas vive como um humilde carpinteiro
na afastada Galileia por 30 anos antes de ativar seu destino messiânico.
Agindo dessa forma, ele evita todas as noções normais do poder coercivo
e demonstra a nós como o amor e a humildade (impotência) refletem a
verdadeira natureza de Deus e são a chave para transformar a sociedade
humana.
• Proclamação: A presença de Deus não dignificou apenas tudo o que é
humano, mas proclamou o Reino de Deus e chamou o povo para res-
ponder em arrependimento e fé. Assim, ele inicia o convite do Evangelho,
que está ativo desde aquele dia.
Talvez possamos ilustrar essas dimensões da seguinte maneira:

Proximidade
Proclamação

Jesus
1
ro ro
o
O' c
c «D
QJ 4->
O
Q.
E
Aquele que é a Palavra tornou-se
carne e viveu entre nós. Vimos a
sua glória... (Jo 1.14)
A Encarnação
O estilo de vida encarnacional
A Encarnação não só qualifica os atos de Deus no mundo, mas também deve
qualificar os nossos. A principal maneira do Senhor alcançar seu mundo foi
encarnar-se em Jesus, logo, nossa maneira de alcançar o mundo deve ser
igualmente encarnacional. Portanto, agir de forma encarnacional significa, em
parte, que durante nossa missão com os de fora da fé, precisaremos exercitar
a identificação genuína e afinidade com quem estamos tentando alcançar. No
mínimo, isso significará provavelmente mudar para uma geografia/espaço
comum e, então, estabelecer uma
presença real e contínua entre o grupo. No entanto, o motivo básico do
ministério da encarnação é também revelador, a fim de que possam vir a
conhecer Deus por intermédio de Jesus.
Dizer que a Encarnação deve informar todas as dimensões da vida in-
dividual e comum é, por certo, uma indicação incompleta. Ao se tomar um
de nós, Deus nos concedeu o modelo arquetípico de como a verdadeira
humanidade e, por implicação, a verdadeira comunidade, devem se parecer
e se comportar. Isso tem implicações maiores para nossas vidas, bem como
para nossa missão. Logo, utilizando a mesma grade, faremos a aplicação para
a missão do povo de Deus.
• Presença: O fato de Deus ter estado na região de Nazaré por 30 anos
sem ninguém ter notado deve ser profundamente inquietante para o
nosso estilo normal de missão envolvente. Isso não tem apenas
implicações para nossa afirmação de vida humana normal, diz res-
peito ao tempo, bem como ao relativo anonimato das formas da en-
carnação de comprometer-se com a missão. Há tempo para as abor-
dagens impetuosas relacionadas à missão, mas também há tempo para
simplesmente tornar-se parte da formação inicial de uma comunidade
e comprometer-se com a humanidade. Além disso, a ideia da presença
destaca o papel dos relacionamentos na missão. Se o relacionamento é
a chave, implica a transmissão do Evangelho, logo, significa apenas
que teremos que ser diretamente presentes para as pessoas ao nosso
redor. Nossas próprias vidas são nossas mensagens e não podemos
nos retirar da equação da missão. No entanto, uma das implicações
profundas de nossa presença como representantes de Jesus é que, na
verdade, Jesus gosta de conviver com as pessoas com as quais nós
convivemos. Elas captam a mensagem implícita de que Deus, na
realidade, gosta delas.
• Proximidade: Jesus se misturou com pessoas de todos os níveis da
sociedade. Ele comeu com fariseus, com cobradores de impostos e com
prostitutas. Se temos que seguir seus passos, seu povo precisará estar
direta e ativamente envolvido na vida das pessoas que buscamos
alcançar. Isso supõe não apenas a presença, mas também a
disponibilidade genuína que envolverá espontaneidade, bem como
regularidade nas amizades e comunidades nas quais residimos.
• Impotência: Ao buscar agir como Cristo, não podemos confiar nas for-
mas normais de poder para transmitir o Evangelho, porém, temos que
assumir o modelo de Jesus com absoluta seriedade (Mt 20.25-28;
Fp 2.5ss).120 Isso nos compromete à servidão e à humildade em nossos
relacionamentos uns com os outros e com o mundo. Infelizmente, a
maior parte da história da igreja mostra como assimilamos pouco
sobre esse aspecto da semelhança encamacional a Cristo em nosso
entendimento sobre igreja, liderança e missão.
• Proclamação: O convite do Evangelho começou no ministério de Jesus e
permanece vivo e ativo até os dias de hoje. A genuína abordagem
encamacional exigirá que estejamos sempre dispostos a compartilhar a
história do Evangelho com as pessoas do nosso mundo. Não podemos
simplesmente retirar esse aspecto da equação de missão e per-
manecermos fiéis ao nosso chamado no mundo. Basicamente, somos a
‫״‬tribo da mensagem" e isso significa que devemos garantir a trans-
missão fiel da
mensagem que
ro levamos por meio da
O Para com os fracos
■ tornei-me fraco, para
c
QJ ganhar os fracos. proclamação.
l/l
ai Tornei-me tudo para
C com todos, para de Proximidade
L alguma forma salvar 'u

alguns. Faço tudo isso


Povo
por causa de Jesus
do evangelho,
para ser copartici-
c
«D
+->
pante dele. (ICo 9.22s- O
23) Q.
E

Proclamação
Missão encamacional
Ao viver de forma encamacional, não apenas moldamos o padrão da
humanidade estabelecido na Encarnação, mas também, damos espaço para a
missão acontecer de maneira orgânica. Dessa forma, a missão torna-se algo
que "se encaixa" perfeitamente aos ritmos comuns da vida, amizades e
comunidade, portanto, é completamente contextualizada. Logo, essas
"práticas" formam uma base de trabalho para uma genuína missão encar-
nacional, porém, elas também nos concedem um ponto de entrada para

120 Jesus é bem explícito sobre isso: Jesus os chamou e disse: "Vocês sabem que os governantes das nações as
dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem
quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser 0 primeiro deverá ser escravo;
como 0 Filho do homem, que não veio para servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos‫ ״‬Mt
20.2528‫־‬.
uma experiência autêntica de Jesus e sua missão. Lindy Croucher, uma
missionária aos pobres em uma ordem chamada UNOH, compara o viver
encamacionalmente à cena de Mary Poppins, na qual Mary pega as mãos das
crianças e caminha em direção à pintura. Lindy diz que, para ela, a missão
encamacional tem sido como ‫״‬caminhar em direção aos Evangelhos". Ela
sente que está vivendo dentro dos Evangelhos pela primeira vez.121
Portanto, a encarnação deve informar a maneira como nos compro-
metemos com o complexo mundo multicultural ao nosso redor. Os membros
da InnerChange (uma ordem missional entre os pobres) em São Francisco,
Los Angeles, Vietnã e Camboja leva isso muito a sério. Não apenas porque
trabalham com os pobres e essa identificação com as pessoas em sua pobreza
seja essencial para um diálogo significativo com elas, mas também porque é
totalmente bíblico. Reflete inteiramente os meios do próprio Deus de nos
alcançar. A fim de se identificarem com os pobres, todos os funcionários da
InnerChange vivem, voluntariamente, abaixo da linha da pobreza, gastam
80% de seu tempo na vizinhança e trabalham para se sustentarem, para que
as pessoas não possam dizer: "Vocês são pagos para estar entre nós". Eles
também implantam comunidades de fé locais que se tornam parte genuína
de vários grupos de pessoas que estão tentando alcançar.
Esta prática de encarnar o Evangelho faz parte de alguns dos movimentos
de pessoas mais marcantes hoje. O God's Squad, ordem missionária que faz
missão entre as gangues de motoqueiros criminosos, adota a mesma
abordagem. Ao longo dos anos, eles se tomaram parte real da estrutura da
subcultura e estão lá quando as pessoas falam sobre Deus, Jesus e sentido,
pois todos o fazem a sua própria maneira. Eles trouxeram Jesus para a
imaginação da cultura clandestina de motoqueiros, da qual são parte vital.
No entanto, essa prática não precisa ser limitada a subculturas, aos pobres e a
grupos étnicos. Deve tomar-se parte de nossa prática em lidar com as muitas
pessoas existentes em tomo de nós na vida cotidiana. Hoje, há mais de 60
igrejas-bares na Austrália e, sem dúvida, muito mais no Reino Unido e nos
Estados Unidos. No desejo de encarnar o Evangelho em um bar, podemos
perceber o mesmo impulso na obra.
O ministério encamacional basicamente significa levar a igreja até as
pessoas ao invés de trazer as pessoas para a igreja. Em São Francisco, um
renomado missionário urbano chamado Mark Scandrette agregou os "4 Ps"
da prática encamacional em sua vizinhança. Sendo parte ativa de inúmeros
grupos locais de artistas, ativistas comunitários e de negócios, ele traz a
presença de Jesus para a vida das pessoas, significativamente afastado da
igreja como elas a conhecem. E difícil medir seu ministério em termos
puramente numéricos, porém, o que é inconfundível é que este ministério
inestimável trouxe o Reino de Deus para muito mais perto de diversas

121 De uma comunicação pessoal com o autor.


pessoas não frequentadoras de igreja do que antes.
Na região de Seattle/Tacoma, duas igrejas (Soma e Zoe) optaram por
colaborar em alcançar estudantes e músicos, inserindo-se ativamente nos
ritmos sociais desses grupos e "desigrejando" suas expressões anteriores de
ministério. A fim de fazer isso, elas alugaram e compraram imóveis, abriram
bares noturnos, cafés e fundaram estúdios de gravação com ligação direta
com vários músicos da região. Zoe, em particular, tomou medidas drásticas
para limitar o apelo atrativo do ministério com o intuito de desacostumar os
membros da frequência consumidora no "culto" e para envolvê-los nas
expressões locais de missão. Enquanto a frequência passiva nos cultos está
baixa, a comunidade agora está muito comprometida com diversas
expressões da comunidade local, e o alcance missional cresceu de modo
significativo por meio das práticas encar- nacionais. Todos sentem que agora
estão mais próximos do que significa ser discípulo na comunidade.
Os Navigators, nos Estados Unidos, estão passando por uma grande
reformulação de pensamento em tomo das abordagens missionais. Um dos
mais novos braços do movimento chama-se BetterTogether (melhor juntos) ou
apena B2G.
Liderados pelo visionário Gary Bradley, grupos de amigos estão se unin-
do para levar o Evangelho de Jesus e seu Reino para os ambientes diários
como canais de graça e bênção. Alertas para onde Deus está trabalhando, seu
objetivo é unir-se a ele nas realidades do discipulado no contexto missional. O
credo deles? "Exatamente onde você está, Deus está agindo para retirar as
pessoas das trevas, do risco e conectá-las à realidade de conhecer Cristo."
Eles também viam o desenvolvimento da encarnação das comunidades
transformadas em cada esfera da vida. O objetivo de Gary é "ver a história de
Jesus plantada de novas maneiras entre as próximas gerações".122
Em Melbourne, uma grande igreja Pentecostal vendeu sua propriedade e
imóveis principais para investir em um shopping center local e tornar-se
uma presença direta e ativa no coração da vida social urbana. No shopping,
ela será totalmente responsável por criar a estrutura social e injetar
espiritualidade em todos os aspectos cruéis da vida moderna. Ela não é
apenas um investidor financeiro de um projeto lucrativo, mas, no ]48

sentido real, estão trazendo o Reino para lugares onde as pessoas estão
presentes diariamente. A adoração e presença cristã chegaram a um espaço
público.123
Estas são somente algumas das muitas maneiras pelas quais as pessoas,
igrejas e agências missionais estão se afastando da segurança da igreja
atrativa e se comprometendo de forma missional e encamacional. O efeito

122 http://home.navigators.org (Site em inglês. Acesso em 23/01/2015)


123 http://www.urbanlife.org.au/. (Site em inglês. Acesso em 23/01/2015)
final dessas várias expressões de missão encamacional é semear o Evangelho
em áreas locais ou grupos de pessoas, e assim, torná-lo parte da estrutura
intrínseca da cultura. Além disso, a presença encamacional genuína
proporciona um profundo sentido pessoal à missão, bem como gera
credibilidade para a proclamação e resposta. Jamais devemos subestimar o
poder das práticas encarnacionais de trazer o Evangelho para perto de
qualquer grupo de pessoas.
Por outro lado, distorcemos o significado da missão encamacional quan-
do, como missionários ocidentais, impusemos modelos denominacionais
insipientes para nações do Terceiro Mundo. Isso não só diminui a validade
da cultura local como separa os cristãos locais de sua vizinhança cultural ao
transpor uma expressão cultural ocidental em lugar das locais. O resultado
final é um homem negro pobre no meio da selva na África, vestido com
túnicas do lado de fora de uma igreja em estilo gótico, chamando as pessoas
para adorarem de maneiras que raramente fazem sentido até mesmo para as
culturas que as iniciaram. Nesses casos, nenhuma tentativa é feita para
contextualizar (localizar) o Evangelho, nem a igreja e, ainda assim, queremos
saber por que têm tão pouco efeito duradouro nas populações vizinhas.
Embora o erro seja mais fácil de ser descoberto no meio da África, fazemos a
mesma coisa por todo o Ocidente altamente tribalizado hoje.

Impulsos encarnacionais
É demais para as dinâmicas locais de missão encamacional. Quando olhamos
para os modelos criados pela prática encamacional ao longo do tempo,
vemos algo realmente importante, algo que nos leva direto ao Ge- noma
Apostólico. Até onde se sabe a respeito dos impulsos missionais dos marcantes
movimentos de Jesus, descobrimos que as práticas encamacio- nais são todas
sobre fixar e aprofundar o Evangelho em todo grupo de pessoas, assim, elas
também podem se tomar povo de Deus. Então, em forma de diagrama, o
impulso encamacional será algo parecido com isto:
Ao agir de modo encarnacional, os missionários asseguram que as pes-
soas de qualquer tribo abracem o Evangelho e o vivam de maneira que seja
significativo para sua tribo. Logo, a cultura como um todo encontra sua
inteireza e redenção em Jesus. Portanto, o Evangelho transforma a tribo de
dentro para fora, por assim dizer. Em Apocalipse 21-22, somos lembrados que
durante a grande redenção haverá uma expressão genuína da cultura
redimida, quando pessoas de todas as tribos, de diferentes línguas e nações,
louvarão a Deus pelo que fez por elas. E a partir de dentro de suas próprias
expressões culturais que as nações adorarão.

MISSIONAL-ENCARNACIONAL
O impulso encarnacional obtém sua inspiração a partir da Encarnação, e o
impulso missional é energizado pela missão de Deus. Nas perigosas histórias
dos fenomenais movimentos de Jesus, esses impulsos se uniram de maneira
eficiente para formar uma única abordagem, ou seja, o impulso missional-
encarnacional. Essa ação dois em um opera de maneira muito parecida com
as lâminas da tesoura que a tornam uma eficiente ferramenta de corte. Isso é
tão vital para os movimentos missionais que passei a acreditar ser este um
dos elementos mais claramente identificáveis do Genoma Apostólico e,
portanto, intrínseco à igreja em sua forma apostólica. Assim, essa fusão dos
impulsos missional e encarnacional será parecida com isto:
Conforme a missão se expande, o Evangelho também é semeado na
cultura local. O que conseguimos são comunidades de fé que formam uma
parte real da cultura a que pertencem, sendo também missionais. Uma após
outra, elas ampliam a missão recebida ao iniciar novos trabalhos
missionários para diferentes tribos e grupos de pessoas. Se isso soa um pouco
teórico, de forma concreta, assemelha-se a Church Multiplication Associates,
Urban Neighbours of Hope, God's Squad, InnerChange, Better- Together, Stadia e
muitos outros movimentos que levam essa abordagem a sério. O diagrama
ilustra de forma clara as ações desses e de outros movimentos que seguem o
impulso, ainda que não usem a linguagem utilizada neste livro. Certamente,
trata-se de um aspecto dos movimentos fenomenais do cristianismo
primitivo e da China.
Vamos experimentar e realizar algumas dessas implicações.

Fazer bebês é divertido


Em primeiro lugar, não é difícil perceber que a capacidade de reprodução da
igreja está diretamente ligada a esse impulso. Não é coincidência que pareça
muito semelhante à forma como todos os sistemas orgânicos se reproduzem
e procriam. (Parece uma genealogia, não parece?) Exploraremos isso mais
adiante quando analisarmos o mDNA chamado sistemas orgânicos, porém, é
importante observar neste momento que aqui se encontra o impulso para a
semeadura e reprodução do povo de Deus em toda cultura e grupo de
pessoas. Nessa visão, cada unidade da igreja pode ser concebida como um
saco cheio de sementes: cada igreja "engravida" de outras igrejas. E é
seguindo esse impulso que a igreja apostólica cresce. Frustrar esse impulso é
impedir a capacidade de reprodução nata da igreja.
Se você pensar a respeito, essa é realmente a maneira como todos os
poderosos movimentos começam. Inicia com um grupo de pessoas apai-
xonadas por uma causa que se reproduz por meio dos sistemas de mul-
tiplicação. É totalmente consistente com a teoria de como os novos mo-
vimentos começam, porém, infelizmente, não da forma como terminam.
Alguma coisa acontece quando tentamos controlar demais as coisas que
servem para prender o poder da multiplicação, e o movimento passa para a
adição e, depois, para a subtração. Foi exatamente isso o que aconteceu no
movimento revolucionário de Wesley, por exemplo. O wesleyanismo foi de
grande influência quando era um movimento de pessoas que estava se
reproduzindo como louco. Por fim, se centralizou e, quando as pessoas
buscaram controlar o que estava acontecendo, ele perdeu muito de seu poder
de realmente mudar o mundo.
Neil Cole relata que somente 4% das igrejas batistas do sul dos Estados
Unidos plantarão uma igreja-filha. Inferindo pelas denominações, isso
significa que 96% das igrejas convencionais nos Estados Unidos jamais darão
à luz.124 Cole prossegue:
Muitos acham que está tudo bem. Ouvi pessoas dizerem: "Temos mui-
tas igrejas. Existem igrejas em todos os lugares que estão vazias, por
que começarmos outras novas? Não precisamos de mais igrejas, mas
sim, de igrejas melhores". Você consegue imaginar tal afirmação sendo
feita com relação às pessoas? "Temos muitas pessoas. Não precisamos
de mais, mas sim, de pessoas melhores. Por que ter mais bebês?" Este é
um pensamento de curto alcance. Não importa o quanto você ache que
a população do mundo está grande, estamos apenas a uma geração da
extinção se não tivermos bebês. [...] Imagine os noticiários se, de
repente, fosse descoberto que 96% das mulheres nos Estados Unidos
não fossem mais férteis e não pudessem ter bebês. No mesmo instante,
saberiamos de duas coisas: isso não é natural, logo, há alguma coisa
errada com a saúde delas. Saberiamos também que nosso futuro corre
sério perigo".125
O impulso missional-encarnacional é um indicador fundamental da
saúde da igreja.

124 http://www.onmission.com (Site em inglês. Acesso em 23/01/2015)


125 Cole, Igreja Orgânica.
Entrando no ritmo das coisas
Em segundo lugar, o impulso missional-encarnacional exige que, como
missionários do Ocidente, busquemos fixar o Evangelho e, por extensão, a
igreja, de modo que se tornem um verdadeiro elemento orgânico da
estrutura da comunidade anfitriã. Considerando que o impulso missio- nal
significa que sempre levaremos a sério os grupos de pessoas como diferentes
sistemas culturais, o impulso encamacional exigirá que sempre levemos a
sério a cultura específica do grupo de pessoas - sério o bastante para
desenvolver uma comunidade de fé que seja verdadeira com o Evangelho e
relevante para a cultura que está buscando evangelizar. Esse é o significado
de contextualizar o Evangelho e a igreja. Quando antecipamos a missão com
um modelo cultural específico, não podemos evitar a simples imposição de
uma noção pré-fabricada da igreja em uma determinada comunidade. A
partir daí, a igreja sempre permanece, de alguma forma, alienada dentro da
comunidade maior. Ainda mais poderosa é a abordagem indicadora de que
temos que buscar desenvolver genuínas comunidades de Jesus em meio às
pessoas, comunidades que busquem se tomar parte funcional da cultura
existente e da vida daquele grupo. Uma forma genuinamente missional de
igreja buscará compreender de dentro os problemas enfrentados pelas
pessoas: o que as estimula, o que as afasta, o que Deus significa para elas e
onde buscam a redenção. Procurará observar e entender o ritmo social, bem
como as redes de relacionamento do gmpo que está tentando alcançar.
Buscará estimar onde e como elas se reúnem, como tais encontros se parecem
e o que desejam e, então, tentará articular o Evangelho e a comunidade de fé
nesses grupos de modo a tornar-se parte genuína da cultura, não algo
artificial e estranho a ela. A abordagem missional-encarnacional exige
identificação com o grupo local de pessoas, sensibilidade cultural e inovação
corajosa para cumprir de forma autêntica sua missão.
Como diz respeito à cultura e integridade de um grupo de pessoas, a
prática missional-encarnacional intensifica a estrutura relacionai de de-
terminada cultura anfitriã. Isso é importante porque o Evangelho e, portanto,
o processo de conversão, sempre percorre a estrutura relacionai de
determinada cultura local. Addison observa que os relacionamentos pré-
existentes são um fator crítico para o crescimento exponencial de um
movimento. "Os novos movimentos religiosos fracassam quando se tornam
redes fechadas ou semifechadas. Para um crescimento exponen- cial
contínuo, um movimento deve manter relacionamentos abertos com os de
fora. Precisam alcançar novas redes sociais adjacentes."126 Stark argumenta
que, conforme os movimentos crescem, sua "superfície social" expande

126 Addison, Movement Dynamics, 52.


consideravelmente. Cada membro novo abre novas redes de relacionamento
entre o movimento e membros em potencial, fazendo com que o movimento
continue sendo um sistema aberto. As formas de redes sociais serão
diferentes de cultura para cultura, "no entanto, pessoas constituem estruturas
de ligações interpessoais diretas, essas estruturas definirão as linhas por meio
das quais a conversão procede de modo mais fácil".127
Há muitas experiências maravilhosas nessa abordagem ocorrendo por
todo o Ocidente. Por exemplo, uma nova florescência disso está sendo
expressa no ambiente familiar suburbano de Perth por um maravilhoso
grupo de cristãos tradicionais que usam o nome Upstream Communities
(chamado antigamente de Backyard Missionaries). Por meio do compro-
metimento de ser semelhante a Cristo e servir sua comunidade, um grupo
relativamente pequeno de pessoas teve impacto significativo em sua
vizinhança. Muitas igrejas estabelecidas também estão se adaptando às novas
condições pela total reformulação de seus edifícios e recursos para permitir
uma participação mais genuína da comunidade mais ampla ao redor, por
exemplo, instalações esportivas, centros de aprendizagem, cafés e centros
médicos. Tive o privilégio de viajar com igrejas bem estabelecidas que
venderam suas propriedades e compraram outras em shopping centers e
ruas principais. Uma delas comprou um clube noturno e o está
transformando em um centro comunitário. Outras ainda adotaram uma
abordagem de estilo mais movimentado. Por exemplo, por meio do Missio,
um movimento de plantação de igreja e centro de treinamento com base em
Denver, essa abordagem missional-encarnacional está sendo introduzida nos
plantadores de igreja desde o início. O líder do Missio, Hugh Halter, diz o
seguinte:128
• Mudamos de um "modelo atrativo " para uma abordagem "comunidade
encarnacional".
• Limitamos o crescimento por transferência e criamos o momento a
partir de uma cultura espiritualmente curiosa.
• Aprendemos como "encarnar" o Evangelho de modo a fazer sentido
aos santos e peregrinos.
• Levamos grandes valores a uma cultura sem valor: sem necessidade
de "cultos para os que buscam".
• Estruturamos nossas vidas como líderes, nosso dinheiro e as pessoas
de forma a impulsionar a atividade missional.

127 Stark, Rise ofChristianity, 22.


128 Material da propaganda de treinamento Zerorientation, da Missio. Utilizada com permissão de Hugh
Halter. Veja também: http://www.missio.us/train.html. (Site em inglês. Acesso em 23/01/2015)
Mas esse etos parece ser um fator importante esquecido na maneira pela
qual a maioria das igrejas locais geralmente se compromete com seu
contexto. Assim, sua influência e impacto em potencial são minimizados. A
igreja atrativa não apenas trava o impulso exterior do movimento de Jesus
como tende a invalidar também o impulso encarnacio- nal. A igreja atrativa
exige que, a fim de ouvir o Evangelho, as pessoas venham até nós, em nosso
território e em nossa zona cultural. Na realidade, devem se tornar uma de
nós se quiserem seguir Cristo. Não posso enfatizar o quão profundamente
alienante isso é para a maioria das pessoas não cristãs que, de modo geral,
estão felizes por explorar Jesus, mas não querem ser particularmente
"igrejadas" no processo. O modo bíblico, por outro lado, não é trazer as
pessoas para a igreja, mas levar Jesus (e a igreja) para as pessoas.

ECLESIOLOGIA MISSIONAL OU... COLOCANDOASCOISAS


MAIS IMPORTANTES EMPRIMEIROLUGAR
Outra parte fundamental desse aspecto do mDNA está relacionada ao fluxo
teológico e metodológico da igreja missional. Na Forge Mission Training
NetWork, um sistema de treinamento de liderança missional do qual faço
parte, trabalhamos duro para fixar a seguinte "fórmula" para o
comprometimento com a missão na cultura pós-cristã: a cristologia determina a
missiologia, e a missiologia determina a eclesiologia. Essa é apenas uma maneira
inteligente de dizer que, a fim de tomarmos a posição correta como
movimento missional, primeiro precisamos retornar para o fundador do
cristianismo e, feito isso, recalibrar nossa abordagem desse ponto em diante.
A missão cristã sempre começa com Jesus e é definida por ele. Jesus é nosso
ponto de referência constante - nós sempre começamos e sempre terminamos
com ele. É Jesus quem determina a missão da igreja no mundo e, portanto,
nosso sentido de propósito e missão vem de sermos enviados por ele ao
mundo.129
Quando voltamos a Jesus e aprendemos a respeito do comprometimento
missional a partir dele, descobrimos uma maneira totalmente nova a seu
respeito. Redescobrimos aquele estranho tipo de santidade tão atraente para
as pessoas não religiosas e tão ofensivo para as religiosas. Moro no distrito da
zona de prostituição e drogas de Melbourne e, com base em minha
experiência, essas pessoas não gostam de cristãos; contudo, nos dias de Jesus,
elas gostavam de estar com Cristo e ele com elas. Isso tem que significar
alguma coisa para nós. Sugiro que, dentro do contexto missional, devemos
reaprender o "corno fazer" sobre missão com ele. Com Jesus, aprendemos

129 As dimensões cristológicas dessa afirmação são mais desenvolvidas em TheShaping oJThings to Come, 112SS.
como nos comprometer com as pessoas de uma maneira totalmente nova e
"desigrejada". Ele andou com "pecadores" e frequentou os bares de seus dias
(Mt 11.19). Abertamente festejou, jejuou, celebrou, profetizou e lamentou de
modo a tornar o Reino de Deus acessível e atrativo para as pessoas comuns.
Está de volta a Jesus por nós.
Não só nosso propósito é definido pela pessoa e obra de Jesus, mas nossa
metodologia também. Nosso propósito estabelece a agenda de nossa
missiologia. Nossa missiologia (nosso sentido de propósito no mundo) deve,
então, prosseguir para informar a natureza e funções, bem como as formas,
de igreja. Em minha opinião, é absolutamente vital que coloquemos na
ordem correta. E Cristo quem determina nosso propósito e missão no
mundo, assim, é nossa missão que deve dirigir nossa busca por modelos de
como "estar no mundo". Ele pode ser representado da seguinte forma:

^ , . determina ^ , . determina _ ^ , .I
Cnstologia !‫ ־‬------------------ ► Missiologia ji ----------------- ► Eclesiologia
--- · ------------

A igreja vem depois da missão


Por minha leitura das Escrituras, a eclesiologia é a mais fluida das doutrinas.
A igreja é uma expressão cultural dinâmica do povo de Deus em qualquer
lugar. O estilo de adoração, as dinâmicas sociais e expressões litúrgicas
devem resultar do processo de contextualização do Evangelho em qualquer
cultura. A igreja deve vir depois da missão.130 Os líderes que dirigem a igreja da
Inglaterra, na busca pela recuperação da condição missional, encorajam os
plantadores de igreja a garantir que as perguntas

130 Tomei essa frase emprestada de Milton Oliver, um colega e amigo da Forge.
da missão levem às respostas da igreja, e não o contrário. "Aqueles que
começam as perguntas sobre o relacionamento para a igreja existente já
cometem o mais comum e perigoso erro. Comece com a igreja e a missão
provavelmente será perdida. Comece com a missão e a igreja provavelmente
será fundada.131‫ ״‬Em primeiro lugar, nós nos comprometemos com a missão
encarnacional, e a igreja, por assim dizer, vem a seguir. No entanto, se
consistente com as práticas encarnacionais, essa igreja tomará a forma do
grupo cultural que está tentando alcançar. A missão no modelo
encarnacional é muito mais sensível às formas culturais e ritmos de um
grupo de pessoas, pois esses são os meios de relacionamento significativos e
de influência. Portanto, a missão encarnacional compromete as pessoas de
dentro de sua expressão cultural. Uma vez que, ao ouvir com atenção, a
observação, a ligação e a rede de contatos missionais essenciais são
realizadas, então, a formação das comunidades de Jesus pode acontecer. Essa
é a única forma de assegurar que a comunidade cristã encarne-se
verdadeiramente e esteja totalmente contextualizada. Isso pode ser repre-
sentado em forma de diagrama como
está a seguir:

Estágio um:
Missão encarnacional
A missão em um grupo
cultural visa estabelecer uma
comunidade de fé.

*A.

Estágio dois:
Igreja encarnacional
A igreja é encarnada e
implantada em um grupo \-· estágio dois:
esta-
cultural. ‫׳‬ belecer uma
igreja
missional

A igreja vem depois da missão

131 Graham Cray, ed., The Mission Shaped Church: Church Planting and Fresh Expressions of Church in a Changing
Context (Brookvale, NSW, Aus.: Willow Publishing, 2005), 116. "Os primeiros cristãos não estavam focados
na igreja, mas em seguir Jesus e realizar sua missão, e a igreja surgia a partirdisso.‫ ״‬Martin Robinson e
Dwight Smith, Invading Secular Space: Strategies forTomorrow's Church (Londres: Monarch, 2003), 40.
Somente dessa maneira a igreja pode, na verdade, tornar-se parte da
estrutura cultural e dos ritmos sociais da comunidade anfitriã. Uma vez
alcançado isso, pode, portanto, influenciar a partir de dentro. Não importa
qual grupo seja. Em nossa vizinhança, existem literalmente centenas de
"tribos" diferentes que podem ser alcançadas de forma significativa por tais
meios. Por meio da abordagem missional-encarnacional, Jesus é introduzido
na imaginação e conversa das pessoas de uma forma realmente evocativa.

Third P/ace Communities (TPC): Um caso característico do impulso


missional-encarnacional
Para encerrarmos essa exploração sobre o impulso missional-encamacio- nal,
é importante analisarmos o excelente exemplo de um grupo de pessoas
impetuosas realizando‫־‬o em todos os contextos sociais possíveis nos quais se
encontravam. A história é sobre a Third Place Communities (TPC), uma
agência missionária estabelecida para encarnar as comunidades de Jesus no
terceiro setor. Para aqueles que não têm conhecimento do termo, nosso pri-
meiro setor é a casa, o segundo é o trabalho/escola e o terceiro é onde pas-
samos nosso tempo livre. Qualquer lugar onde as pessoas se reúnam por
razões sociais pode ser um bom lugar para o comprometimento missional. O
terceiro setor são bares, cafés, clubes, centros esportivos, etc. Para essas
comunidades, a "igreja" inicia onde elas estão. Por meio dessa abordagem, a
TPC teve impacto significativo em Hobart (Austrália) apenas saindo e sendo
o povo de Deus em lugares públicos. A grande maioria das pessoas que
passam o tempo com ela é de não cristãos muito curiosos.
Hoje, a TPC está em seu quarto ano de missão. Estes ainda são os pri-
meiros dias, ela sente que apenas começou a encontrar seu caminho e anda
mais próximo do sentido de seu chamado, porém, reconhece que está nele
por um longo período. Estar envolvido de modo encamacional significa que
os membros da comunidade foram transformados em missionários genuínos
para a sua cidade.
Em pouco mais de três anos, eles se viram profundamente conectados
com uma gama de pessoas de uma comunidade mais ampla (não cristã).
Muitos desses relacionamentos tomaram-se profundos e íntimos quando, no
decorrer do tempo, passaram juntos por celebrações de noivados, ca-
samentos, aniversários, nascimentos e da vida em geral. Seus ritmos mis-
sionais incluem hospitalidade semanal ao redor das mesas, servindo a co-
munidade juntos, levantando dinheiro para os necessitados, desfrutando e
patrocinando a arte e música locais, sepultando pessoas queridas, compar-
tilhando idéias sobre a vida, orando juntos e explorando histórias a respeito
de Jesus no contexto da vida. Eles viram algumas pessoas alcançarem a fé
ativa em Jesus e muitas outras estão fechadas a ela. Algumas, é claro, ainda
estão explorando e outras ainda apenas gostam de fazer parte da comu-
nidade e estão bastante envolvidas, mas estão contentes em não explorar
além desse estágio. No entanto, para todas essas pessoas, quer elas percebam
ou não, Jesus neste momento habita em seu mundo de modo que são
importantes e tangíveis. Agora, quando pensam a respeito delas mesmas, do
mundo ao seu redor ou de seu trabalho e atividades, Jesus faz parte da
equação onde não fazia antes.
No entanto, não se trata apenas de festas e socialização. A TPC constitui-
se em diversos níveis: alguns deles incluem...

(Re)verb Mission Community


Esta é a explícita comunidade de Jesus (igreja). Adotar uma abordagem
distintamente missional-encamacional levou-a a encorajar a igreja a emergir a
partir da missão, em vez de a missão emergir de uma expressão particular de
igreja. Portanto, o contexto de missão influencia a maneira como a
comunidade da fé se reúne. O objetivo é estabelecer muitos e diferentes
grupos de pessoas centrados em Cristo que expressem sua espiritualidade
cristã dentro de seu contexto cultural local. Assim, em vez de trazer as
pessoas para a igreja, ela tenta edificar a igreja em tomo de onde as pessoas
estão. Os membros da (Re)Verb, portanto, gastam a maior parte de seu
tempo construindo relacionamentos com as pessoas por meio de encontros
sociais e no terceiro setor local. No entanto, também se reúnem em grupos
menores para orar, adorar, discipular e ter comunhão cristã.

Mercado
Como a TPC está envolvida com a vida de pessoas não cristãs (elas consti-
tuem cerca de 60% da comunidade), não levou muito tempo para descobrir
que a maioria das pessoas estava aberta a um diálogo saudável sobre ques-
tões existenciais quando se sentavam juntas, como amigos, em um bar para
tomar uma cerveja. Após algum tempo, os membros da TPC sentiram que
Deus os convidava a sustentar essas conversas propiciando um ambiente no
qual temas existenciais pudessem ser explorados. O mercado foi o resultado:
um fórum neutro e não prosélito onde as pessoas exploram idéias e filosofias
sobre a vida, sentido, cultura, identidade e espiritualidade. Pode ser
surpreendente que um grupo autodefinido, a princípio, como missio- nal
tenha criado uma zona neutra, não prosélita. Nisso eles foram bastante
intencionais. Com o legado da suspeita e desconfiança para com o cristia-
nismo na Austrália, eles queriam que as pessoas sentissem que esse era um
ambiente seguro para explorar idéias relacionadas à vida e ao sentido. Com
música tocando ao fundo, as pessoas chegam por volta das 8 horas da noite,
pegam um drinque no bar e conversam com as outras. Meia hora depois, elas
se cumprimentam formalmente, relembram os "costumes do mercado"
(respeito pelas crenças e opiniões uns dos outros) e, então, introduzem o
apresentador da noite. O palestrante convidado (não necessariamente um
cristão) apresenta idéias e pensamentos a respeito do tema escolhido, rece-
bendo perguntas e comentários. A maioria das pessoas permanece e trava
um diálogo informal com o passar de alguns drinques. Algumas conversas
maravilhosas resultaram dessas noites e, na verdade, isso se tomou um
pouco do evento cultural em Hobart.

Casamentos, festas, QuaÍQuer coisa... (celebrações de ritos de passagem)


Com o passar do tempo e através de relacionamentos significativos, a TPC
teve o privilégio de ser convidada a conduzir inúmeros eventos como este
para pessoas que encontram no bar, no trabalho, em casa ou na universidade.
Trata-se de um enorme convite para o mundo de pessoas as quais a TPC visa
servir. Ela encontrou nas celebrações dos ritos de passagem uma excelente
forma de construir relacionamentos significativos que abrem as pessoas para
os problemas da espiritualidade e descobriu que o compartilhamento com as
pessoas dessas cerimônias de ritos de passagem profundamente
significativas foi uma experiência bastante missional. Esse se tomou o
principal aspecto da missão da TPC, e ela o realiza bem.

imagine Tasmania
Além dessas atividades, Darryn (o líder da TPC) e algumas pessoas de ne-
gócios começaram um projeto chamado Imagine Tasmania.132 O objetivo
desse grupo é imaginar e trabalhar nessa direção, tomando a Tasmânia um
lugar melhor para todos viverem. O grupo é, em grande parte, de não
cristãos. No entanto, como um dos pioneiros desse projeto, Darryn conseguiu
iniciar relacionamentos significativos com muitas pessoas que gostariam de
fazer de seu mundo um lugar melhor. Essas conversas não teriam acontecido
se não fosse o desejo de Darryn de criar uma presença encamacional nelas.
Imagine Tasmania é o tipo de compromisso a que Mike Frost e eu nos

132 Tasmânia é o estado onde vivem. Esse tipo de abordagem iniciou em Chicago. Chama-se Imagine Chicago e
provou ser realmente uma maneira eficiente de envolver diversos grupos de pessoas na renovação urbana
e cultural de Chicago.
referimos como "projetos compartilhados" em The Shaping ofThings to Come133
- meios poderosos de comprometimento mis- sional dentro das culturas nas
quais ministramos.
Ao concluir este capítulo, é importante reiterar que o impulso missional- -
encamadonal seja, talvez, um dos aspectos mais importantes do Genoma
Apostólico porque, ao adotar essa abordagem, seremos levados à descoberta
natural de muitos outros aspectos do mDNA. É crucial porque, sem ele, não
iremos a lugar algum, mas continuaremos presos no modelo de igreja da
cristandade. Para nos adaptarmos aos desafios do século 21, precisamos
passar por uma mudança fundamental no âmbito de nossos principais
impulsos. Precisamos mudar do modelo evangelístíco-atrativo para o de
missional-encamacional. Essa transição pode ser mais bem retomada pela
visualização de missão como uma atividade de Deus, e não uma atividade
essencialmente da igreja. Nós participamos da missão do Senhor, e não o
contrário. Se isso for reconhecido, em seguida devemos nos comprometer de
modo a refletir o comprometimento de Deus com o mundo... e isso nos leva
diretamente ao impulso missional-encamacional que, de forma clara, marca
os fenomenais movimentos de Jesus na história.
Em sua forma mais simples, isso significará permitir que Jesus nos
direcione aos mercados, aos terceiros setores e às casas de várias pessoas em
nossas vidas, ensinando-nos, assim, a respeito de como devemos nos
comprometer de maneira que sejamos verdadeiramente semelhantes a
Cristo. Ele nos ensinará como nos tomarmos expressões redentoras e en-
carnadas do Evangelho em cada canto de nossa cultura. O que faria Jesus?
Ele já nos deu a resposta.

133 Frost e Hirsch, Shaping ofThings to Come, 24.


6
AMBIENTE APOSTÓLICO

Propósito e princípio, claramente compreendidos e articulados, e geralmente


compartilhados, são os códigos genéticos de qualquer organização saudável. Na
medida em que você mantém propósitos e princípios em comum entre vocês,
poderão dispensar o domínio e o controle. As pessoas saberão como se
comportar de acordo com eles e o farão em milhares de inimagináveis maneiras
criativas. A organização se tornará um conjunto vital e vivo de crenças.
Dee Hock, Nascimento da era caórdica (São Paulo: Cultrix, 2000)

A primeira responsabilidade do líder é definir a realidade.


Max DePree, em Credibility134

Ambiente
apostólico
Maturidade
APEPD

134 Referência bibliográfica não mencionada pelo autor. (N. de Revisão)


Equipando Funções
os santos apostólicas

DNAde DNA incor-


proteção porado
Recentemente, tive o privilégio de ouvir um notável líder, chamado
afetuosamente de "tio L"135, da igreja clandestina na China. Ele era um homem
pequeno, idoso, torto e de fala mansa que, naquele momento, estava
liderando um movimento de igreja no lar clandestino com 3 milhões de
cristãos! Ele não tem graduação, mas exibe um maravilhoso intelecto imbuído
de uma sabedoria adquirida pela experiência de vida. Não tem "escritório" ou
títulos associados e, mesmo assim, exerce um dom admirável de liderança e
chamado. Não possui uma instituição central para ajudar na administração e
controle das dezenas de milhares de igrejas nos lares, porém, sua influência e
ensinamento são sentidos por todo o seu movimento. Suponho que empregue
pouquíssimas pessoas, apesar de liderar milhões. Ele foi preso e sofreu muito
por sua fé, mas, ainda assim, continuou, em sua idade avançada, a desafiar o
Estado por meio de seu envolvimento com o movimento clandestino. Eu não
tinha dúvidas de que, nesse homem inspirador, tinha encontrado um autênti-
co apóstolo. Philip Yancey relata uma experiência similar durante uma
viagem recente à China, onde encontrou um brilhante e apaixonado líder de
44 anos de idade chamado irmão Shi. Quando era adolescente, Shi comandou
a Liga da Juventude Comunista de sua província e, mais tarde, serviu na
Guarda Vermelha. Quando se tomou cristão, foi expulso de sua casa e
perseguido pelas autoridades. Yancey escreve: "Shi tem que viajar
constantemente, fugindo da polícia por saídas estreitas. As igrejas nos lares,
reconhecendo suas habilidades de liderança, o promoveram, e ele agora
supervisiona 260.000 cristãos em sua província!"136 Yancey conta isso
maravilhado, dado seu próprio contexto na América, onde as megaigrejas são
compostas por 1.000 a 20.000 de membros, mas requerem organizações
sofisticadas para operá-las. Peter Wenz, um líder apostólico de Stuttgart,
Alemanha, lidera uma rede de igrejas nos lares que cresceu rapidamente para
cerca de 250. Em torno de 6.000 pessoas participam da celebração semanal na
cidade. Ele também conduz cerca de 40 outras redes.
A apresentação desses notáveis líderes apostólicos forma um bom ponto
inicial para este capítulo, pois nos remete ao mesmo tipo de perguntas que me
levaram, inicialmente, a buscar por "essa coisa mágica" que parece avivar os
fenomenais movimentos de Jesus da história. A pergunta que me perturbou, e
ainda continua perturbando, é: "Como eles conseguiram fazer isso?" Uma das
respostas claras é que não o fizeram sem uma liderança significativa. No
entanto, isso apenas levanta outra pergunta: "Que tipo de liderança?" Hoje,
temos todos os tipos de recursos de liderança e treinamento, contudo, estamos
em sério declínio. Assim, qual era/é a diferença? Essa é uma boa pergunta e
merece uma resposta igualmente boa.

i3g Seu nome está sendo preservado devido à situação na China.


136 Philip Yancey, ChristianityToday, julho de 2004, vol. 48. N° 7,72.
Em toda manifestação do Genoma Apostólico, existe uma forma poderosa
de influência catalítica que se entrelaça, à sua maneira, na rede aparentemente
caótica de igrejas e cristãos. Não há uma palavra substancial para esse poder
social catalítico senão reinvocar a linguagem bíblica, apostólica137. Não se trata
apenas do poder da doutrina evangélico-apostó- lica (tão poderosa como é em
sustentar a fé), mas também a de determinada categoria de liderança, ou seja,
a da pessoa apostólica. Na realidade, quando mais significativo o impacto da
missão, mais fácil é discernir esse modelo de liderança.
A liderança apostólica, como em todos os tipos de influência, é tanto
identificada quanto medida pelo efeito que tem sobre o ambiente social no
qual opera. Nesse termo, está sempre presente em períodos de significativa
ampliação missional. Tais pessoas podem não chamar a si mesmas de
"apóstolos", contudo, a natureza apostólica e o efeito de seu ministério e
influência são inegáveis.

SE VOCÊ QUER UMA IGREIA MISSIONAL, ENTÃO...


Vale a pena observar outra vez, neste ponto, que a igreja no Ocidente está
enfrentando um enorme desafio adaptativo, positivamente, na forma de
forçar novas oportunidades e, negativamente, na forma de mudança rápida e
descontínua.138 Esses desafios iguais constituem uma ameaça considerável ao
cristianismo, presos à forma constantina (cristandade) predominante de igreja,
com toda sua rigidez institucional associada. Nossa situação é o que o
missiologista canadense, Alan Roxburgh, chama de liminaridade.
Liminaridade, em seu ponto de vista, é a transição de uma forma fundamental
de igreja para outra, necessitando do papel apostólico.139 Ambientes de
mudança descontínua requerem organizações adaptáveis e liderança.140
Como o papel apostólico é o responsável e capacitado para a ampliação do
cristianismo, a situação missionária também requer um modelo pioneiro e
inovador de liderança para ajudar a igreja a negociar o novo território em que
se encontra. Isso fica bem claro quando consideramos a igreja missional em
ascensão, que confia muito no espírito pioneiro inovador e é, portanto,
fundamentalmente apostólica quanto à sua natureza. No entanto, isso é
igualmente verdadeiro para as igrejas estabelecidas.
O chamado da pessoa apostólica é essencialmente a extensão do cris-

14a Optando por uma terminologia mais técnica (e descritiva) em vez de bíblica, Garrison chama isso de
"coordenadores de estratégias‫״‬. Garrison, Movimentos de plantação de igrejas.
138 Veja anexo sobre desenvolvimento da ideia a respeito do desafio adaptativo.
139 A. J. Roxburgh, The Missionary Congregation, Leadership & Liminality (Harrisburg, PA: Trinity, 1997), 61.
140 Essa não é uma tarefa pequena e exige um modelo particular de liderança. Um desafio adaptativo exige uma
organização adaptável. Em sistemas vivos, a adaptabilidade é a capacidade de um organismo mudar o
comportamento em vários ambientes. Aplicada às igrejas e organizações, precisa de pessoas que
compreendam o mDNA essencial da igreja e da dinâmica do Evangelho, juntamente com o conhecimento de
como reaplicá-la em diferentes contextos.
tianismo. Assim, ela convoca a igreja ao seu chamado básico e ajuda a guiá-la
para o seu destino como povo missionário com uma mensagem
transformadora para o mundo. Todas as outras funções da igreja devem ser
qualificadas por sua missão para ampliar a missão redentora de Deus por
meio de sua vida e testemunho. O líder apostólico, então, incorpora, simboliza
e re-apresenta a missão apostólica para a comunidade missional. Além disso,
revela e desenvolve os dons e chamados de todo o povo de Deus. Sem o
ministério apostólico, a igreja se esquece de seu principal chamado ou falha
em implementá-lo com êxito. Infelizmente, nos sistemas denominadonais em
decadênda, tais pessoas são "congeladas‫ ״‬ou exiladas porque comprometem o
equilíbrio de um sistema estagnado. Essa "perda" do influendador apostólico
é a responsável por uma das principais razões da predominante queda
denominacional. Se nós realmente queremos uma igreja missional, devemos
ter um sistema de liderança missional para impulsioná-la; é simples assim.
Estou bem dente das várias reações que este assunto pode evocar. Isso
acontece, em parte, por causa da confusão entre a função exclusiva e o cha-
mado dos apóstolos originais, bem como do ministério apostólico dos dias
atuais, ou seja, um dom ministerial que amplia mais e evidenda a obra
apostólica original, mas não a altera de forma alguma. No entanto, outra
razão para a reação negativa se dá porque muitos dos que dedararam o
"apostolado" não o fazem com justiça e, no fim, desacreditam essa função
vital. Infelizmente, a história da igreja está repleta de falsos apóstolos.141
A única conclusão da pesquisa e estudo que embasam este livro é que o
ministério apostólico é um elemento distinto de Genoma Apostólico e, por
isso, precisamos encontrar uma maneira de entendê-lo e voltar a abraçá-lo
caso queiramos nos tomar uma igreja genuinamente missio- nal. De forma
bem simplificada, uma igreja missional precisa de uma liderança missional e
necessitará mais do que um modelo pastor-mes- tre de liderança para alcançar
seu objetivo.142 A liderança sempre concede um ponto estratégico de
influência para a mudança e renovação missional. Se isso é concedido, então, a
pergunta de que tipo de liderança naturalmente vem a seguir. A resposta

141 Se isso nos ajuda a entender o assunto de forma mais dara, os apóstolos do Novo Testamento tiveram
exatamente o mesmo problema. Muito da luta deles em fundar o movimento inicial de Jesus foi contra os
chamados falsos profetas daqueles dias. No entanto, por isso, os apóstolos originais não viram razão
S ara descartar a função apostólica completa. Não vemos Paulo renunciando a seu apostolado porque avia
falsos apóstolos ao seu redor. Muito pelo contrário, ele parece argumentar muito mais sobre a validade e
autoridade de seu próprio apostolado em oposição às declarações dos falsos. Por providência de Deus,
esses textos paulinos passaram a formar a base autoritária para provar a autenticidade de todas as
declarações subsequentes dos ministérios apostólicos.
142 Roxburgh vai além ao dizer que, na prática atual, a concepção pastoral predominante da igreja e do
ministério hoje, na realidade, constitui o principal obstáculo para a igreja voltar a conceber a si mesma
como agência missional. Ele diz também que, em relação a institucionalização e domínio da função
pastoraiincorporada na ordenação, “a corporação do ordenado terá que ser removida; essa é uma função
social que não nos conduzirá pela liminaridade". Em A. J. Roxburgh, The Missionary Congregation,
Leadership & Liminality, 64-65.
natural é missional e, portanto, tem que incluir a ideia de apostólica. Nós apenas
temos que restabelecer nossa subserviência histórica nessa questão se
quisermos chegar ao crescimento e maturidade como movimento missional
(Ef 4.11ss). Não é mera coincidência o fato de que todas as denominações
históricas que, em geral, rejeitaram a liderança apostólica, encontram-se em
um declínio sistemático há tempos em todo o contexto do Ocidente. Sendo
assim, este capítulo se concentrará em por que o ministério apostólico é
necessário e por que se trata de um aspecto insubstituível do mDNA.

UMA DESCRIÇÃO DO TRABALHO APOSTÓLICO


Basicamente, o ministério apostólico é uma função, e não uma profissão.
Profissão, do modo como a compreendemos de forma geral, está relacionada a
uma posição em uma instituição estabelecida e centralizada, e obtém sua
autoridade de ser um "profissional" na estrutura institucional. Uma pessoa
não pode simplesmente encontrar seu nível de "instituição" no Novo
Testamento e no período pós-bíblico. Por outro lado, a igreja do Novo
Testamento tem toda a legitimidade de um movimento emergente de pessoas
com pouca ou nenhuma estrutura centralizada, nenhuma classe ministerial
"ordenada" ou profissional, nem edifícios eclesiásticos oficiais. Além disso, no
contexto de perseguição, quaisquer inclinações institucionais latentes que a
igreja pudesse ter tido foram retiradas eficientemente pela pressão abrupta
externa fora de seu controle. O ministério apostólico, que estava bem vivo na
igreja primitiva, era visto como um dom e chamado de Deus, autenticado por
uma vida vivida em consistência com a mensagem e reconhecido pelos seus
efeitos sobre o movimento e seu contexto, ou seja, a extensão da missão de
Deus, bem como na sustentabilidade e saúde das igrejas. Era crucial para a
sobrevivência e
crescimento do movimento. É difícil ver o cristianismo sobrevivendo de
alguma maneira sem essa forma de influência e liderança.
Por que esse ministério em particular é tão importante e parece insubs-
tituível é mais bem respondido pela descrição do apóstolo como guardião do
Genoma Apostólico e do próprio Evangelho. Todos os ministérios apostólicos
subsequentes se moldaram com base nesse ministério arquetípico do original
e nos apóstolos autorizados. Isso é para dizer que ele é a pessoa que transmite
e incorpora o mDNA.143 Uma vez fixado o mDNA nas comunidades locais, o

143 1 Coríntios 3.9-ia dá uma dica sobre esse aspecto do ministério apostólico: "Pois nós somos cooperado- res
de Deus; vocês são lavoura de Deus e edifício de Deus. Conforme a graça de Deus que me foi concedida, eu,
como sábio construtor, lancei o alicerce, e outro está construindo sobre ele. Contudo, veja cada um como
constrói. Porque ninguém pode colocar outro alicerce além do que já está posto, que é Jesus Cristo6 .‫״‬
ministério apostólico forma alicerces, ou, segundo a terminologia deste livro, fixa 0 mDNA da igreja e do
Evangelho. O leitor também deve observar a ligação inseparável entre cristologia e a igreja.
ministério apostólico trabalha para garantir que as igrejas resultantes
permaneçam leais a ele e não se transformem em algo que Deus não pretende
que sejam. Assim como as novas igrejas pioneiras, o ministério apostólico
forma alicerces naqueles que não os têm. Os ministros viajantes no oeste dos
Estados Unidos foram exemplos clássicos disso. Eles percorriam as pequenas
cidades e vilas, pregavam o Evangelho, levavam pessoas a Cristo,
estabeleciam igrejas e, então, seguiam para a próxima cidade, retomando ao
circuito no ano seguinte. Os apóstolos da igreja chinesa atuaram exatamente
da mesma maneira.144
No entanto, a importância do ministério apostólico não se limita aos novos
movimentos missionários. Também tem relevância contínua para deno-
minações estabelecidas. De fato, é crucial para a revitalização do processo.
Steve Addison, consultor sobre missão e crescimento da igreja observa que:
A função apostólica dentro das igrejas e denominações estabelecidas requer
a reinterpretação dos valores fundamentais da denominação em vista das
exigências da missão hoje. 0 objetivo final desses líderes apostólicos é
afastar a denominação da defesa, e fazê-la voltar à missão. 0 líder deno-
minacional apostólico precisa ser visionário, capaz de sobreviver a impor-
tantes oposições dentro das estruturas denominacionais e capaz de formar
alianças com aqueles que desejam mudar. Além disso, a estratégia do líder
apostólico pode envolver lançar uma visão e ganhar aprovação para uma
mudança de proteção para missão. O líder também tem que encorajar os
sinais da vida dentro das estruturas existentes e levantar uma nova geração
de líderes e igrejas a partir da antiga. O líder denominacional apostólico pre-
cisa garantir que as novas gerações não se deixem "congelar" por aqueles
que resistem a mudanças. Por fim, o líder deve reestruturar as instituições
denominacionais de modo a servir os propósitos missionários.145
Na essência, a tarefa apostólica é sobre a expansão do cristianismo tanto
fisicamente, na forma de esforço missionário pioneiro e plantação de igreja,
quanto teologicamente, por meio da integração da doutrina apostólica à vida
dos cristãos e das comunidades das quais fazem parte. No entanto, mais do
que isso, como guardião do Genoma Apostólico, ele, ou ela, é a pessoa que
concede o ponto de referência pessoal, bem como o contexto espiritual para
outros ministérios do povo de Deus.
Assim, quero sugerir a existência de três funções principais do ministério
apostólico, ilustrado conforme segue:

144 Observações da pesquisa de Curtis Sergeant, reconhecido como principal estudioso do fenômeno chinês.
145 Stephen Addison, "A Basis for the Continuing Ministry of the Apostle in the Church's Mission‫״‬, dissertação
de doutorado, FullerTheological Seminary, 1995,190.
Amplia o cristianismo, semeia mDNA Semeador
pioneiro

As funções do ministério apostólico

/ . Fixar o mDNA explorando novos caminhos para o Evangelho e a igreja


Como guardião (mordomo) do DNA do povo de Deus, o apóstolo é men-
sageiro e carregador do mDNA do cristianismo. Como "aquele que é en-
viado146,‫ ״‬leva o Evangelho adiante em novos contextos missionais e fixa o
DNA do povo de Deus nas novas igrejas que surgem naqueles lugares. Es-
sencialmente, o apóstolo é o pioneiro, e é este espírito pioneiro e inovador que
o marca como único em relação aos outros ministérios. "E de suma
importância que aqueles que estão incumbidos da liderança translocal e
apostólica sejam pioneiros. A igreja é chamada para ser um movimento
dinâmico, e não, uma instituição estática. Por isso, sua liderança deve ser
retirada dos que estão na linha de frente da expansão da igreja. 147
2. Proteger o mDNA por meio da aplicação e integração da
teologia apostólica
No entanto, para proteção do DNA do povo de Cristo, a responsabilidade do
ministério apostólico não termina com a obra missionária pioneira. Ele
também é encarregado da tarefa de assegurar que as igrejas permaneçam fiéis
ao Evangelho e ao seu etos. Esse aspecto do ministério apostólico pode ser
descrito como a criação e manutenção da rede de significados que mantém o
movimento unido. O ministério apostólico faz isso despertando novamente o
povo para o Evangelho e fixando-o na estrutura organizacional de forma
significativa. O resultado da rede de significado apostólica é que o movimento
se mantém no decorrer de muitos anos. E é crucial para a missão translocal.

146 O nome apóstolo significa "aquele que é enviado‫״‬.


147 Addison, "Basis for the Continuing", 80.
Observe o que os apóstolos bíblicos fazem; eles se comprometem com a obra
missionária, estabelecem novas igrejas e, uma vez estabelecidas, partem para
novas fronteiras. Contudo, eles também veem como essencial estabelecer rede
de contatos entre as igrejas e exortar os discípulos, cultivando a liderança e
providenciando direção para assegurar a correta apreensão e integração da
mensagem do Evangelho na vida comum e individual dos ouvintes. Eles são
rápidos para acabar com a heresia e o erro, removendo potenciais mutações
no mDNA.
Todo ministério apostólico autêntico faz isso. Os apóstolos não são apenas
empreendedores impetuosos; atuam também como teólogos - ou, ao menos,
deveríam, se forem genuinamente apostólicos. Esse impulso para assegurar a
integridade doutrinária é, portanto, outra característica- -chave do ministério
apostólico e, sem ele, nós não estaríamos aqui hoje, pois forma a base da fé
cristã. Apesar do reconhecimento de que a exclusiva autoridade de ensino dos
"doze" foi fundamental e autoritária, e constitui a teologia básica da igreja, o
ministério apostólico ao longo dos anos tem ambos os elementos nele.
Observe o ministério de Patrick, John Wesley, Inácio de Loyola, John Wimber,
William Booth, William Carey e incontáveis apóstolos desconhecidos da igreja
chinesa clandestina, por exemplo, e você verá esse duplo elemento do
missionário pioneiro e do teólogo em atuação.
À luz desses comentários, podemos perceber como o bispo John Shelby
Spong,148 e sua marca particular do cristianismo projetado "faça você mesmo"
é, de certa forma, perigosa para nós hoje. Não estou apenas tentando ser
desnecessariamente provocativo aqui - trata-se de um problema da vida real
para nós. O cristianismo projetado é uma forma de fé diluída, consumista e
sincretizada que, na minha opinião, dentro do contexto do pluralismo e
relativismo pós-modemo, se tomou uma ameaça genuína à igreja no Ocidente
precisamente porque nos distancia do real vigor de nossa mensagem original e
primária.149 De muitas maneiras, sempre foi uma das principais funções do
ministério apostólico manter o Evangelho incontaminado e, assim, preservar
seu poder de Deus para a salvação para as futuras gerações (Rm 1.16). Não há

148 Para aqueles que não conhecem Spong e seu ensinamento, essencialmente ele é 0 herege mais conhecido de
nossos dias. Não só é um universalista sincretista ao extremo, mas propõe que abandonemos qualquer
noção de um Deus teísta e intervencionista. O efeito final é utilizar a linguagem do cristianismo, mas
descorá-lo de seu conteúdo. Ele é muito popular na mídia ocidental. Veja Here I Stand (São Francisco:
HarperSãoFrancisco, 2000) e Um novo cristianismo para um novo mundo: a fé além dos dogmas (Campinas:
Verus, 2006).
149 Na realidade, essa tentação teológica apresenta uma das mais potentes ameaças à IME, por isso, minha
veemência. Como um fenômeno do fim do século 20, início do 21, a IME está bastante suscetível à mistura
pós-moderna do pluralismo religioso e o relativismo filosófico. Isso torna muito difícil representar os
problemas a respeito da verdade na esfera pública. Declarações sobre a verdade são, então, empurradas
para a esfera da opinião privada. Isso cria uma pressão em massa para negar a singularidade de Cristo e sua
obra a nosso favor. Vi muitas igrejas emergentes sucumbirem ao liberalismo teológico ao estilo Spong e,
depois, morrerem. O desafio adaptativo tem que nos impulsionar a nos aproximarmos de nossa mensagem
original, e não nos afastar dela. Acredito que isso seja crítico.
dúvidas em minha mente a respeito da maneira como Paulo lidaria com o
"spon- gianismo"; ele o veria como um ataque direto ao DNA do Evangelho e,
portanto, da igreja.

3. Criar um ambiente no Quai os outros ministérios possam surgir Você já parou para
se perguntar por que, em todas as listas de ministérios, o de apóstolo está
sempre listado em primeiro lugar? E por que é considerado o mais importante
dos ministérios (ICo 12.28ss; Ef 4.11)? Ou por que, em Efésios 2.20, Paulo diz
que a igreja está edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas?150
Não por causa de um conceito organizacional hierárquico de liderança, pois
tais idéias de liderança não existiam no movimento do Novo Testamento (veja
a seguir). Pelo contrário, é porque o ministério apostólico é o dom
fundamental que concede tanto o ambiente quanto o ponto de referência para outros
ministérios mencionados nas Escrituras.
A New Covenant Ministries International é uma missão operante nos contextos
ocidentais que baseia seu ministério honestamente nesse ensinamento a
respeito da natureza fundamental do ministério apostólico.151 Afirma que não
é uma denominação ou agrupamento de igrejas; ela se vê apenas como um
grupo de pessoas comprometidas com o avanço do
Reino de Deus por meio de missão e da rede de contatos. Ela se vê como uma
equipe translocal profético-apostólica unida por um propósito comum e por
amizades. No entanto, durante o processo de seu ministério, plantou centenas
de igrejas, estabeleceu rede de contatos com outras centenas e, atualmente,
atua em mais de 60 países diferentes. E começaram apenas no início dos anos
80.
Roxburgh diz corretamente que o ministério apostólico é "...fundamental
para todas as outras funções".152 Ou seja, ele inicia os demais; constitui o
fundamento deles. A partir do ministério apostólico, o mDNA é fixado e
distribuído entre os vários outros que formam os cinco ministérios de Efésios
4 - aos quais chamarei de APEPD (apostólico, profético, evange- lístico,
pastoral e ensino/didático). O fundamento e desenvolvimento do APEPD,
portanto, é uma extensão natural da natureza protetora do ministério

150 Mais uma vez, não quero negar a função única dos apóstolos originais na fundação da igreja apostólica.
Entretanto, acho que esse aspecto da "fundação‫ ״‬pode ser estendido, de uma forma menos compulsória e
refletiva, a todos os ministérios apostólicos e proféticos genuínos.
151 http://www.ncmi.net/ (Site em inglês. Acesso em 23/01/2015)
152 Roxburghm Missionary Congregation, 62. Nem mesmo o oficio de bispo, a substituição institucional da
função apostólica anterior, serve como guardiã da apostolicidade (vista aqui como inerente à igreja e às
Escrituras) e é vista como "tendo em si mesmo todos os demais ministérios‫״‬, os quais, por sua vez, são
conferidos a outros por meio da ordenação. Veja John McQuarrie, Principies ofChristian Theology (Londres:
SCM, 1966), 391. Ao instituir o bispo, a cristandade retirou da equação o aspecto pioneiro, institucionalizou a
apostolicidade na igreja e no oncio, e a remodelou em uma imagem pastoral distinta para adequá-la ao
contexto diocesano, porém, manteve alguns aspectos autênticos da função apostólica úteis a ela. Essa
função fundamental é uma delas e nela a verdadeira função do apostólico ainda pode ser discernida.
apostólico. Desconsiderando isso, alguém podería dizer que o apostólico cria
o ambiente para o profético, o profético cria o ambiente para o evangelístico e
assim por diante. Utilizando a afirmação mais abrangente da estrutura
ministerial, a de Efésios 4.7-11, seria algo semelhante a isto:
Sem o Sem o ministé- Sem o ministério 0 ministério
Profético 0 ensino com
ministério O
rioministério
profético,apostólico cria o ambientepastoral
o evangelístico, que faz surgir todos
base os
na vontade
apostólico, o outros ministérios. Isso
evangelístico acontece porque ele hospeda
expõe
não haveria o discípulo à revelada de da
o mDNA Deus
restante dos Igreja
pode sedetornar
Jesus. Assim, forma o ponto
base
para de referência
o necessidade leva paraàos outros
maturi-
ministérios cinco ministérios.
superficial e Ele "dá àNin-
luz" o profético
ministério
pastoral. consciênciaporque
de
e estabelece
dade a
e à com-
APEPD não comunidade
Deus se tornada aliança. Juntamente com o profético, forma o
guém para ser compreensão preensão.
têm ponto de "ministério
um ídolo. Ofundamental" da igreja (Ef. 2.20). .
referência profeta pastor! /<!>Ensino
ÃW 0 ministério
prático e, por- assegura que a
Oy,e,x pastoral cria o
tanto, perdem santidade de ambiente para o
legitimidade. Deus é honra- /gr desenvolviment
Assim, o da e a verdade da semelhança a
o
apostólico cria é respeitada. / Cristo.
o campo
principal do /oPastoral
cjW 0 evangelista traz as pessoas para
ministério do /£- o
relacionamento com Jesus por
NT e é crucial meio
do Evangelho. Ao fazer isso,

para a /^ ainicia-se
função
recuperação da pastoral.
igreja
missional. Evangelístico
O ministério profético ouve o que Deus tem a dizer
e chama o povo da aliança à fidelidade. Assim, ele
chama a atenção dos ouvintes para o chamado de
Deus, que é a tarefa do evangelista.
Apostólico

Se isso estiver correto, e essa é a única maneira pela qual conseguimos


explicar por que o apóstolo está sempre listado em primeiro lugar como
principal chamado, novamente se destaca o porquê do "ambiente apostólico"
ser um dos cinco elementos-chave do mDNA que formam o Geno- ma
Apostólico. Todos os cinco ministérios são necessários para produzir, trazer à
tona e sustentar todo o ministério no movimento de Jesus. Na realidade, os
cinco ministérios, em relação dinâmica uns com os outros, são absolutamente
essenciais para o discipulado vigoroso, igrejas saudáveis
e movimentos de crescimento, como veremos a seguir. 153 Sendo assim, os
ministérios APEPD são nascidos da tarefa apostólica de guardião do mDNA,
sendo que o apostólico é o fundamental. É necessário enfatizar o seguinte: a
dinâmica da liderança é a de um modelo inspirado no servo, e não de alguém
que "domina sobre os outros".

CAMPO DOS SONHOS


Definidas as funções/papéis da pessoa apostólica, podemos agora analisar
como o ministério apostólico exerce sua influência. Parte da resistência à re-
cepção do ministério apostólico em nossas igrejas se dá porque, às vezes, as
pessoas que declaram ser apóstolos entendem que isso envolve uma aborda-
gem ditatorial para a liderança da igreja. Com muita frequência, isso resulta
em perda de poder do povo de Deus que, em vez de amadurecer e crescer na
fé, permanece basicamente como uma criança, sem poder, dependente do
poder paternal absoluto e opressivo do "apóstolo". Isso é tanto uma distorção
quanto uma representação errada do autêntico ministério apostólico. O
ministério apostólico é autenticado pelo sofrimento e capacitação, não por
reivindicações de posição de liderança com suas alavancas institucionais.154
Em nossos dias, acredito que o conceito de CEO predominante de lide-
rança tenha agregado o apostólico, assim, muitos que reivindicam o título
apostólico, na verdade, funcionam como CEOs. Nas Escrituras, o servo so-
fredor/imagem de Jesus - e não aquela do diretor geral - informa e qualifica o
papel apostólico. O ministério apostólico obtém sua autoridade e poder
principalmente da ideia de serviço e chamado, bem como da autoridade
moral e espiritual, e não da autoridade da posição. Talvez uma maneira útil

153 A saúde e a maturidade da igreja estão diretamente relacionadas aos cinco ministérios de Efésios 4. Na
verdade, isso é exatamente o que Paulo quer dizer quando, depois de descrever a necessidade de
ministérios APEPD, ele diz: E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para
evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para 0 desempenho
do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno
conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que
não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de
doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro. Mas, seguindo a verdade em
amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo 0 corpo, bem ajustado e consolidado
pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a
edificação de si mesmo em amor. (Ef 4.11-16). Em The Shaping ofThings to Come, chamamos um APEPD em
pleno funcionamento de "mecanismo de maturidade‫ ״‬da igreja, pois, sem ele, não podemos amadurecer.
154 "Nenhuma análise sobre a carreira missionária de Paulo pode ignorar a realidade de que toda a sua vida foi
marcada pelo sofrimento. Na estrada para Damasco, seu chamado apostólico para levar o Evangelho aos
gentios e para Israel foi, ao mesmo tempo, um chamado ao sofrimento. Lucas registra como o Senhor disse
a Ananias: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e
seus reis, bem como perante os filhos de Israel; pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome
(At 9.15S). Paulo roi 0 instrumento escolhido e aquele a quem o Senhor mostraria o quanto deveria sofrer
por seu nome. O último estágio de sua missão foi marcado por uma revelação do Espirito, de que prisões e
dificuldades o aguardavam em todas as cidades (At 20.23). O sofrimento fazia tão parte de sua experiência
que ele 0 considerava 0 símbolo de sua autenticidade apostólica.‫ ״‬Addison devota toda uma seção à
exploração deste aspecto de apostolicidade em sua tese, "A Basis for the Continuing Ministry of the
Apostle in the Chruch‫׳‬s Mission‫״‬.
de explorar a natureza da autoridade apostólica seja identificar a forma
particular de liderança envolvida e ver como ela cria autoridade.
Em um relacionamento com base na liderança "inspiradora" ou "moral",
tanto os líderes quanto os seguidores sobem para os níveis mais altos de
motivação e moralidade ao se comprometerem com a base dos valores
compartilhados, chamado e identidade. Eles estão em um relacionamento no
qual cada um influencia o outro a ir em busca de objetivos comuns, com a
meta de inspirar os seguidores a se tomarem líderes por mérito próprio. Em
outras palavras, a influência ocorre em ambos os sentidos. A liderança
inspiradora, por fim, se toma genuinamente moral quando sobe ao nível da
conduta humana e aspiração ética de líderes e liderados, tendo, assim, um
efeito transformador em ambos. Sob esse ponto de vista, os seguidores são
persuadidos a tomar atitudes sem serem ameaçados ou receberem incentivos
materiais, mas com um apelo aos seus valores. Isso pode ser claramente
percebido na forma pela qual Jesus desenvolve seus discípulos, bem como no
relacionamento de Paulo com Timóteo, Tito e outros membros da equipe
apostólica, o que forma a base de suas cartas para as igrejas.155
Talvez seja melhor chamarmos esse tipo de influência de "grandeza".
Nesse sentido, ser um grande líder é inspirar, evocar e nutrir algo igualmente
grande nos seguidores. Por meio de uma vida integrada, os grandes líderes
lembram seus seguidores daquilo em que eles podem se tomar se também
basearem suas vidas no conceito misericordioso da humanidade estruturada
por uma alta visão moral sobre o mundo no qual vivemos. Raramente
chamamos um líder com importante habilidade técnica ou gerencial de
"grande". Não construímos estátuas para celebrar grandes burocratas, não é?
É com essa compreensão em mente que podemos identificar a "grandeza"
espiritual como a substância básica que concede uma forma apostólica
genuína de liderança com sua autoridade. É a forma mais forte de liderança
disponível porque desperta o espírito humano, foca nele e o mantém unido
pelo gerenciamento do sentido compartilhado. Como com tio L e irmão Shi,
ela tem o poder de unir diversos movimentos sem muita estrutura externa. E
o tipo de liderança refletida, de forma mística, no caráter de William Wallace
no filme Coração Valente: um homem que as pessoas seguiam de boa vontade,
não porque eram obrigados ou porque ele tivesse alguma posição oficial (não
tinha), mas porque ele as lembrou a respeito do seu direito à liberdade e as

155 Para efeito de comparação, a liderança inspiradora pode ser distinquida daquilo que está sendo chamado de
"liderança transitória‫״‬, que é formada, principalmente, com base na oferta direta de uma troca de valor, o
que mais comumente toma a forma de dinheiro para a obra. Essa compreensão de liderança, de forma
geral, introduz muitas formas não cristãs de liderança e necessita de uma abordagem gerencial de cima
para baixo em relação à equipe e aos recursos. De longe, essa é forma mais comum de liderança nas
organizações, incluindo a maioria das igrejas e denominações, seja no relacionamento entre o conselho e o
pastor sênior, ou o pastor sênior e sua equipe ministerial. Existe uma autoridade real estabelecida nesse
relacionamento, porém, é substancialmente diferente em sua base de autoridade daquela forma mais
bíblica de liderança incorporada no líder inspirador.
ajudaria a obtê-la mesmo que lhe custasse a vida.
Essa ideia de "grandeza" se enquadra nas explorações de Weber sobre
liderança: o líder "carismático", segundo o pensamento de Weber, é a pessoa
que geralmente lidera em tempos de missão, crise ou desenvolvimento, e
sempre desafia de forma radical as práticas estabelecidas indo até a "raiz do
problema". As pessoas seguem um líder porque são levadas pela crença na
manifestação que o autentica e, fazendo isso, se desviam das maneiras
estabelecidas de fazer as coisas e se submetem à ordem sem precedente que o
líder proclama. Esse tipo de liderança envolve, portanto, um grau de
comprometimento por parte dos discípulos que não tem paralelo com outros
tipos de liderança estabelecida.156 Uma vez mais, Jesus é nosso melhor
exemplo. Ele requer seguidores de uma forma tão absoluta que é chamada de
discipulado - o processo de tomar-se como ele.
Consistente com o movimento de pessoas às quais serve, o ministério
apostólico, baseado como é na liderança inspiradora-espiritual, envolve um
estilo de relacionamento orgânico da influência da liderança que evoca
propósito, movimento e resposta por parte daqueles que entram em sua
órbita. Isso é feito com base no chamado compreensível da pessoa apostólica,
dom espiritual e autoridade espiritual. Assim como toda grande liderança, ele
cria um campo de influência no qual determinados comportamentos ocorrem.
O universo onde vivemos é repleto de campos de influência. Embora in-
visíveis, os campos, contudo, afirmam uma influência definida sobre os ob-
jetos dentro de sua órbita. Existem campos gravitacionais, eletromagnéticos,
quânticos, e assim por diante, que formam parte da estrutura única da reali-
dade. Essas influências imperceptíveis afetam o comportamento dos átomos,
objetos e pessoas. No entanto, os campos não existem somente na natureza e
na física; existem também nos sistemas sociais. Por exemplo, pense a respeito
do poder das idéias nos acontecimentos humanos; uma ideia poderosa não
tem substância, mas ninguém pode duvidar de sua influência.
Nas últimas décadas, os behavioristas organizacionais começaram a per-
ceber que as próprias organizações estão amarradas a campos invisíveis,
compostos por cultura, valores, visão e ética. "Cada um desses conceitos
descreve uma qualidade da vida organizacional que pode ser observada no
comportamento, apesar de não existir em nenhum outro lugar fora daqueles
comportamentos."157 São forças invisíveis que afetam o comportamento para o
bem ou para mal. Podemos sentir a vibração de uma organização, não
podemos? As vezes, em um grupo de pessoas, nos sentimos obrigados a nos
comportarmos de determinada maneira, mesmo que ninguém tenha nos dito

156 Reinhard Bendix, Max Weber: um perfil intelectual (Brasília: Universidade de Brasília, 1986).
157 Margaret Wheatley, Liderança e a nova ciência: descobrindo ordem num mundo caótico. 2a ed. (São Paulo:
Cultrix, 2006).
explicitamente como. Para aprender o impacto de tais campos, apenas olhe
para o que as pessoas estão fazendo. Elas captaram a mensagem, discerniram
o que é verdadeiramente valioso e moldaram seu comportamento de acordo
com isso. Logo, quando o campo organizacional está repleto de mensagens
divergentes, quando as contradições informam a cultura organizacional,
então, incongruências invisíveis se tomam visíveis por meio de
comportamentos problemáticos.
O que é notável é a entrada da verdadeira liderança em uma situação
como essa. Com a liderança inspiradora, toda a "vibração" muda: as coisas
começam a ficar claras, a competitividade diminui e as pessoas se sentem
livres e mais fortalecidas para realizarem suas tarefas; como resultado, a
organização ganha foco e energia, tomando-se saudável. O oposto é
verdadeiro e óbvio: liderança de má qualidade gera organizações não
saudáveis. Temos apenas que compreender nossa própria experiência para
saber a verdade disso. Tamanho é o poder das pessoas que incorporam visão
e valores - elas trazem inspiração, coerência e senso de direção e propósito
para as pessoas ao seu redor. Liderança é influência. Trata-se de um campo que
molda os comportamentos. E a base do autêntico poder espiritual e
autoridade. Nelson Mandela é um grande líder, não por ter sido presidente da
África do Sul, mas porque muito antes de ser presidente, era uma pessoa
profundamente moral que incorporou seu código pessoal de liberdade em sua
própria vida. E a grandeza de sua vida que dá substância e impacto a sua
liderança.
Para conceituar a liderança como influência, pense em um ímã e seu efeito
sobre tiras de ferro espalhadas sobre uma folha de papel. Quando as tiras
entram na órbita de influência do ímã, formam um determinado padrão que
todos nós reconhecemos de nosso tempo de escola. A liderança faz exata-
mente a mesma coisa: cria um campo que, por sua vez, influencia as pessoas de
certa forma, assim como o ímã influencia as tiras de ferro. A presença de um
grande líder em um grupo de pessoas muda a padronização desse grupo. Por
exemplo, a aparição de Nelson Mandela entre um grupo de pessoas irá
impactá-lo de modo significativo. Sua presença física será inconfundível e
mudará o clima social do lugar. A liderança apostólica qualifica o ânimo dessa
influência, a dinâmica da influência atua da mesma maneira.
É precisamente esse campo, essa matriz de apostolicidade, que é crucial para o
aparecimento da autêntica igreja missional, pois é tarefa do ministério
apostólico criar ambientes nos quais a imaginação apostólica do povo de Deus
possa ser evocada, os dons espirituais e ministérios desenvolvidos, e o amor e
a esperança inspirados pelo Evangelho se façam conhecidos.158 Por exemplo,

158 Segundo a teoria dos sistemas vivos, essa tarefa pode ser definida como liberação de inteligência distri-
buída. Ela assume que a organização tem uma inteligência latente e pode, nas condições certas, responder,
John Wimber teria exercido exatamente essa forma de influência. No decorrer
de duas décadas, Wimber alterou a configuração do evangélica- lismo e
ressaltou a função do Espírito Santo na missão e ministério de uma maneira
que nos mudou para sempre. Ainda sentimos a influência de John Wesley,
mesmo que nenhum de nós tenha se encontrado com ele. Every Na- tion Churches
and Ministries, um movimento missional com base nos Estados Unidos, tem
uma visão de plantar centenas de igrejas no Ocidente. De forma explícita,
utiliza a linguagem e as estruturas do ministério apostólico. Um dos objetivos
firmados é tomar-se uma igreja apostólica. Veja como o movimento descreve o
efeito que isso tem sobre as igrejas associadas:
Quando o foco [apostólico] de alcançar permeia uma congregação, coisas
maravilhosas acontecem. Deus começa a sondar aqueles que estão
buscando uma forma de se envolver em seus propósitos. Famílias começam
a ser ener- gizadas com um sentimento de agitação porque percebem que
podem fazer a diferença na história. Jovens encontram razão para não
apenas "ficarem esperando‫ ״‬e tentarem ser verdadeiros, mas começam a
compreender a visão que não lhes deixa perecer.
É este tipo de atmosfera que produz milagres. A igreja local se torna a
entrada para infinitas possibilidades a todo cristão. Ocorre também como o
principal meio pelo qual o mundo pode ser alcançado para Cristo.159
Aqui está a descrição da influência apostólica sobre a congregação local.
Em suas palavras, ela cria uma "atmosfera" de expectativa e movimento.
É mais essa qualidade altamente relacionai de liderança de baixo para
cima que caracteriza a verdadeira influência apostólica. Fomos tão
aprisionados pelos conceitos hierárquicos de liderança de cima para baixo, de
bispos, superintendentes, pastores e líderes do tipo CEO, que bloqueamos
inadver- tidamente o poder latente no povo de Deus. Na Austrália, temos
uma árvore maravilhosamente grande e difusa chamada figueira de Morton
Bay. E uma árvore bonita e muito imponente. O problema é que nada cresce
embaixo dela, porque ela faz uma sombra muito grande. Um estilo de
liderança de cima para baixo mais autocrático pode ser comparado à figueira
Morton Bay.
Ela pode ser magnificente, mas faz tamanha sombra que nenhuma outra li-
derança se desenvolve em sua sombra.
O problema da liderança tipo CEO é que ela tende a tirar o poder de
outros, e quando, por várias razões, o líder precisa deixar o grupo, a orga-
nização tem a tendência de enfraquecer e não se desenvolver. É exatamente
isso que a influência apostólica se esforça para não fazer, pelo contrário, o

aprender e desenvolver altos níveis de organização e eficiência.


159 Do documento de visão estratégica, "The 2010 Initiative", disponível em http://ministries.everynation.
org/web_files/The20iolnitiative.pdf. (Verificado em 20/05/2014, artigo não encontrado -N.de Revisão)
ministério apostólico tenta trazer à tona e desenvolver os dons e chamados de
todo o povo de Deus. Não cria dependência, mas desenvolve as capacidades
de todo o povo de Deus com base na dinâmica do Evangelho. Em uma
palavra, envolve capacitação. Jim Collins, em seu estudo sobre as organizações
de destaque, de fato, diz que os líderes dominantes e carismáticos são um dos
maiores obstáculos para uma organização passar de boa para ótima.160
Paulo não parece ser um líder carismático no parecer de Collins. Ele não
domina; talvez, seja mais paternal (ele utiliza imagens tanto do pai quanto da
mãe) na maneira como trabalha (lTs 2.7ss; G14.19). De fato, em 2 Coríntios
10.1161 e em outros lugares, parece que ele realmente perde a "presença"
carismática e constantemente tem que afirmar sua liderança por outros
meios.162 Em suas observações a respeito da dinâmica da liderança, Pascale et
al. também observam que o impacto da liderança catalítica de adaptação
parece ter pouca relação com a personalidade, carisma ou estilo. Eles pontuam
alguns líderes de grandes organizações que dificilmente podería ser
chamados de carismáticos, mas que administraram a mudança da organização
para níveis mais elevados de aprendizagem e eficiência em termos de missão
estabelecida. Em vez disso, eles sugerem que o líder adaptável trabalhe com
uma inclinação latente pela organização, que já está presente nela, mas
aguarda articulação. O líder sente a energia adormecida e, então, ele a catalisa
- como se semeasse as nuvens com cristais de iodo. Uma mudança adaptativa
passa a existir, não porque o líder tenha todas as respostas e as exponha em
seguida por toda a organização. Pelo contrário, o movimento e a adaptação
acontecem por causa da interação das emoções solidárias no ambiente, das
questões do tempo, dos membros da organização e de "um líder que pode
expressar o desafio de modo a convidar outros para a dança que está sendo
coreografada à medida que se desenvolve163‫״‬. Pode ser útil relembrar o
impacto que John Wesley teve sobre seus seguidores, a igreja e a sociedade
mais ampla ao seu redor. Ele foi um clássico líder adaptativo. As coisas
simplesmente pareciam acontecer, pois ele tomou ciência dos sonhos e
impulsos que já estavam latentes no povo liderado e impactado por ele.

160 Veja Jim Collins, De bom a excelente (Alfragide, Portugal: Casa das Letras, 2007).
161 2 Coríntios 10.1: E eu mesmo, Paulo, vos rogo, pela mansidão e benignidade de Cristo, eu que, na verdade,
quando presente entre vós, sou humilde; mas, quando ausente, ousado para convosco.
162 Alguns em Corinto consideram as provações de Paulo e a aparente fraqueza um motivo para duvidar de suas
credenciais de apóstolo. Eles estavam mais impressionados com os que apresentaram sinais de poder
espiritual, tanto pela eloquência quanto pelos milagres. Paulo podería corresponderás expectativas dos
trabalhadores compartilhando seus próprios sinais, maravilhas e milagres (2C012.11S), porém, ele
considerava seus sofrimentos apostólicos ainda mais importantes do que estabelecer suas credenciais. Ele
devota mais espaço para descrever seus sofrimentos do que qualquer outro sinal do apostolado.
163 R.T. Pascale, M. Millemann e L. Gioja, Surfing the Edge of Chãos (Nova lorque:Three Rivers Press, 2000), 75.
Eles prosseguem resumindo, afirmando que o atrativo estranho da liderança adaptativa é cogerado;
atrativos estranhos "surgem por meio da convergência de muitos fatores dentro da organização e seu
ambiente; eles se materializam quando o que já está presente é expressado de modo a proporcionar forma
e substância; florescem em um ambiente de desafio adaptativo e tendem a atrofiar quando subjugados sob
a pesada carga da tarefa operacional e das expectativas; promovem progressos e resultados inesperados e
inimagináveis‫״‬.
Do mesmo modo, todos os elementos do Genoma Apostólico já estão lá,
latentes no código do mDNA da igreja; tudo o que a liderança precisa fazer é
tomar ciência dele sob o poder do Espírito Santo. O líder apostólico o traz à
tona; não o cria. Não me entenda mal, há um poder real e uma liderança nisso,
mas é diferente daquele em que os reis da terra dominavam sobre os outros
(Mt 20.25-28).164
Consequentemente, vale observar que uma razão importante por que de-
vemos desconfiar da noção hierárquica de liderança de dma para baixo é por-
que conhecemos, a partir da história e da natureza humana, que os sistemas
institucionais conferem poder social e o concentram no topo. E predsamente
por causa da natureza humana que devemos ser precavidos com tal poder em
mãos humanas. Ele quase sempre corrompe e prejudica a estrutura relacionai
que constitui a igreja. Pouquíssimas pessoas conseguem lidar com isso sem se
tomarem diferentes; talvez, apenas os mais nobres. A história é bem clara com
relação a isso. No mínimo, devemos aprender com a trilogia Senhor dos Anéis,
em que o anel exerce um poder corruptor e poderosamente sedutor sobre
aqueles que o usam. Além disso, a imagem de servo/escravo da liderança
(des)qualifica todas as formas de liderança de dma para baixo e estabelece a
abordagem de servo de baixo para dma (Rm 1.1; Tt 1.1, etc.). Jesus não
podería ser mais explídto quando diz a seus disdpulos: "Os reis dos povos
dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores. Mas, vós não sois
assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que
serve. Pois qual é o maior: quem está à mesa ou quem serve? Porventura, não é quem está à
mesa? Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve" (Lc 22.25-27 - ênfase acrescentada).
Howard Snyder está correto quando diz que "o Novo Testamento não ensina
a hierarquia como prindpio de autoridade ou organização na igreja" e que
"Jesus parece ser contrário tanto ao abuso de poder quanto à estrutura
hierárquica sobre a qual o poder estava baseado".165
No entanto, há metáforas poderosas que nos ajudam a evitar as noções
tentadoras do poder coerdvo de dma para baixo, aquelas que nos auxiliam na
compreensão de nossa tarefa de criar ambientes onde a igreja missional possa
surgir. Na Forge Mission Training Network, gostamos de pensar a respeito de nós
mesmos como parteiras de um novo sonho. Nossa missão firmada é "ajudar no
nascimento e na criação da igreja missional na Austrália e em outros lugares".
Embora ela descreva nosso próprio chamado particular, a ideia de sermos
parteiras é uma imagem bem bíblica e humana de liderança, e eu a recomendo
a você aqui porque descreve o modelo atual de liderança que informa toda a

164 Então, Jesus, chamando-os, disse: "Sabeis que os governadores dos povos os dominam e que os maiorais
exercem autoridade sobre eles. Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós,
será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo; tal como 0 Filho do Homem,
que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos‫״‬.
165 H. A. Snyder, Decoding the Church: Mapping the DNA ofChrisfs Body (Grand Rapids: Baker, 2002).
autêntica influência apostólica. Uma parteira auxilia e assiste no nascimento
de uma criança. Tudo o que ele ou ela faz é garantir que todas as condições es-
tejam favoráveis para um nascimento saudável; o nascimento é o resultado de
algo além da influência da parteira. É interessante o fato de Sócrates chamar a
si mesmo de "parteiro" e ver seu papel como o de ajudar outros a descobrirem
a verdade a respeito deles mesmos. Ele fez isso pelo uso constante de pergun-
tas que levavam o aprendiz a suas próprias percepções e observações. Jesus é
realmente "obstetra" pelo uso de suas perguntas, histórias e parábolas.
No entanto, talvez seja necessária mais uma imagem dessa qualidade de
liderança para fixar esse conceito em nossas mentes, e esta é a imagem de um
fazendeiro. Um bom fazendeiro cria as condições para o crescimento de uma
colheita saudável ao lavrar o solo, reabastecê-lo com nutrientes, remover as
ervas daninhas, disseminar as sementes e regar o campo. Ele está totalmente
aberto aos ritmos naturais da natureza, que estão fora de seu controle e, assim,
o fazendeiro confia em Deus para mandar o sol e a chuva. A semente em si,
nas condições certas, florescerá nesse tipo de ambiente e produzirá boas
colheitas. Tudo o que o fazendeiro faz é criar o ambiente correto para esse
misterioso processo da vida acontecer.
O ministério apostólico funciona exatamente da mesma maneira. Paulo
chegar a fazer referência a processos orgânicos similares em 1 Coríntios 3.5-9
quando diz:
Quem é Apoio? E quem é Paulo? Servos por meio de quem crestes, e isto
conforme o Senhor concedeu a cada um. Eu plantei, Apoio regou; mas o
crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma coisa,
nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. Ora, o que planta e o que
rega são um; e cada um receberá o seu galardão, segundo o seu próprio
trabalho. Porque de Deus somos cooperadores; lavoura de Deus, edifício de
Deus sois vós.
Na realidade, a Bíblia está entrelaçada com imagens orgânicas que pro-
duzem uma "visão ecológica" da igreja e da liderança (sementes, solo, fer-
mento, corpo, rebanho, árvores, etc.). Se remodelássemos nossa liderança e as
igrejas com essas metáforas orgânicas em mente, desenvolveriamos uma vida
comum mais fértil. Uma visão orgânica da igreja é muito mais rica porque é
mais verdadeira e mais consistente com a estrutura interior da vida e da
cosmologia em si.166

CRIANDO REDES DE SIGNIFICADOS


Encontrar ministério apostólico da maneira encontrada no tio L é, na rea-

166 Veja Fritjof Capra, As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável (São Paulo: Cultrix, 2002), e
Wheatley, Liderança e a nova ciência, para essa abordagem.
lidade, uma experiência bem perturbadora, porque levanta uma questão
alarmante: se ele não tinha uma organização centralizada e os recursos
gerenciais comuns que consideramos necessários para o funcionamento de
organizações, como liderou um movimento de três milhões de pessoas? A
única conclusão a que podemos chegar é que o tipo de liderança incorporada
por ele é algo atribuído por meio da estranha combinação de inspiração
pessoal, poder espiritual, dom, chamado e caráter, bem como a disposição em
amar e respeitar as várias pessoas e organizações dentro do movimento. No
entanto, um elemento crucial é que o tio L é, no sentido literal, o pai/iniciador
do movimento. Em outras palavras, liderança e seguidores basearam-se em
um significado comum e compartilhado e no propósito de se manterem junto
pelos laços espirituais e pessoais, que é a estrutura que pode se estender a
milhões de pessoas.
Influência semelhante é exercida por líderes apostólicos no Ocidente, como
Mike Breen. Como reitor e líder da equipe da igreja de St. Thomas, em
Sheffield, Mike liderou a igreja anglicana e batista até quando se tornou a
maior igreja no norte da Inglaterra, com mais de dois mil membros, 80% dos
quais tinham menos de 40 anos. Logo depois, Mike e sua família se mudaram
de Sheffield para Phoenix, em 2004, para ser o superior da The Order of Mission
(TOM), fundada como uma comunidade da aliança de líderes missionários em
todo o mundo.167 Estabelecida em abril, a TOM surgiu como resultado do
entendimento de que "as formas institucionais do cristianismo são vazias,
tediosas, irrelevantes e têm pouca relação com as questões reais da vida da
maioria das pessoas não frequentadoras de igreja". Breen focou no desejo das
pessoas entre 20 e 30 anos de ter seu próprio lugar e encontrar sentido, valor e
propósito. Instigado pelo modelo do mosteiro inglês/romano e do padrão
celta dos evangelistas viajantes, Breen originou o que descreve como ordem
missionária global. Os que desejam se unir a ela precisam adotar as regras da
TOM, que reinterpreta os conceitos monásticos tradicionais de pobreza,
castidade e obediência como devoção à vida de simplicidade, pureza e
responsabilidade. Todos os votos são feitos depois de três anos e firmados
para a vinda inteira. A estrutura da TOM é formada justamente com base nos
cinco dons de Efésios 4, com cada ministério representado por um "guardião".
Os membros da TOM se encontram em grupos e formam comunidades da fé
em cafés, bares, escolas, universidades, campi, casas, em qualquer lugar que
determinarem. A TOM se tomou um movimento mundial abrangendo os
Estados Unidos, o Reino Unido, a Europa e a Australásia. O interessante, no
entanto, é que em todo lugar, tomar-se membro da ordem continua sendo
uma atitude puramente voluntária, e o próprio Breen rejeita todas as idéias de
liderança de cima para baixo. Ele lidera a partir de uma posição de influência

167 http://www.stthomaschurch.org.uk/the-order-of-mission. (Site em inglês. Acesso em 23/01/2015)


inspiradora, com adesão voluntária por parte de todos os membros.
Outro grande exemplo de movimento apostólico é encontrado na igreja de
Northwood, no Texas. Northwood é uma grande igreja com mais de dois mil
membros que gerou quase 90 igrejas. Desde o começo, a Northwood tem se
concentrado no exterior com a clara missão de impactar o mundo, tanto local
quanto globalmente. Como resultado, mais de 800 líderes plantadores de
igreja foram treinados, ensinados ou mentoreados através do Centro de
Multiplicação de Igrejas de Northwood. Há agrupamentos de igrejas iniciados
por Northwood em 19 cidades por todos os Estados Unidos. Sessenta e duas
novas igrejas foram plantadas na rede de comunicação em 2005. Bob Roberts é
o excelente líder do movimento e escreveu o modelo em seu livro
Transformation. Verdadeiro material apostólico!168
Talvez, outra maneira de analisar como o ministério apostólico exercita
sua ampla influência sem confiar em formas centralizadas de organização seja
visualizá-lo em termos de gerenciamento de significado. Se o Genoma
Apostólico geralmente se manifesta em forma de um movimento composto
pelo estabelecimento de rede de agências, igrejas e indivíduos (assim como
vemos no mDNA dos sistemas orgânicos), ele se mantém unido por meio de
uma rede de sentido criada pela influência apostólica e pelo ambiente. A
liderança apostólica faz isso ao se concentrar no estabelecimento de redes de
relacionamento no sentido e nas implicações do
Evangelho, bem como nos relacionamentos estabelecidos por meio dela.
Cada indivíduo, igreja ou agência relaciona-se com o líder apostólico apenas
porque é significativo para ele fazê-lo, e não porque é obrigado. Porque o
Evangelho é implantado e o Espírito Santo está presente em toda a comu-
nidade cristã, o ministério apostólico e a liderança são capazes de manter as
redes unidas. Assim, pode se parecer com isto:

168 http://www.northwoodchurch.org e http://www.glocal.net/. (Sites em inglês. Acesso em 23/01/2025)


Veja Bob Roberts, Transformation: How Global Cnurches Transform Lives and the World (Grand Rapids:
Zondervan, 2006).
Rede apostólica de significado
com base nos relacionamentos de discipulado, sentido do Evangelho e compartilhamento de informações.

Um tempo considerável foi gasto na dinâmica desta forma de liderança


devido à necessidade de enfatizar ser este o aspecto da liderança que
informa a verdadeira influência apostólica. E esse tipo de liderança que cria
o contexto para o surgimento da igreja missional.

A CHAVE DO GENOMA APOSTÓLICO


A igreja missional requer um ministério missional e um sistema de lideran-
ça. Na maior parte, a igreja da cristandade obscureceu a necessidade de um
sistema de liderança missional completo, pois a autocompreensão da igreja
tornou-se fundamentalmente não missional. Como todos os cidadãos eram
considerados cristãos, era necessário apenas que os ministérios pastoral e
de ensino cuidassem e ensinassem a congregação. Por fim, foram instituídos
como ofícios na igreja e tornaram-se as principais metáforas para a liderança
eclesiástica. O efeito final é que todo o sistema pesou em favor da manutenção
e do cuidado pastoral, tomando-os hegemônicos na prática,169 e, portanto,
ambos fragmentaram e distorceram toda a missão e o ministério da igreja em
favor de apenas parte de seu chamado.
A consequência direta disso foi que os ministérios apostólico, profético e
evangelístico e os estilos de liderança foram marginalizados e efetivamente
"exilados" do ministério oficial e da liderança da igreja. Isso não significa que
esses ministérios tenham desaparecido por completo. Longe disso: muitos
dentro da vida da igreja atual e histórica têm exercido esses ministérios sem,
especificamente, receberem o título de "apóstolos" ou "profetas", porém, em
geral, perderam a legitimidade e reconhecimento formais, e tentaram ser
exercidos fora do contexto da igreja local, sistemas denominacionais e
seminários.170 Esse "exílio" em parte fez surgir o desenvolvimento das
agências paraeclesiásticas e ordens missionais, cada uma com um foco
ministerial reduzido. Por exemplo, o Navigators171 surgiu como resultado do
chamado para evangelizar e discipular pessoas fora das estruturas da igreja,
porque ela não era eficiente (ou não estava interessada?) em fazer isso. O
Sojoumers172 apareceram para representar os interesses de justiça social que a
igreja, em geral, ignora. A World Vision173 como agência de ajuda e
desenvolvimento é ainda outro exemplo. No entanto, neles foram mantidos,
geralmente, os estilos de liderança apostólico/profético/evangelístico (APE).
Esta separação do APE dos estilos pastoral/ensino/didático (PED) foi
desastroso para a igreja local e prejudicou a causa de Cristo e sua missão.174

169 A hegemonia é uma forma de liderança monopolizada ou dominante, especialmente por um Estado,
ideologia ou grupo social sobre os demais.
170 Como diz Addison: “Se a tese deste trabalho está correta, o dom de apóstolo funcionou em todas as épocas
da igreja, às vezes, sem reconhecimento. O dom é concedido pelo Senhor ressurreto, indepen dentemente
dos títulos que utilizamos para nossos líderes da igreja e independentemente da política e das estruturas
denominacionais. A história da igreja está repleta de exemplos de pessoas que exercitaram o ministério
apostólico sem receber título ou reconhecimento. Nosso desafio não é reinventar o ministério apostólico,
mas reconhecê-lo e licenciar aqueles que já atuam como apóstolos". Isso também é verdadeiro para todos
os ministérios APEPD. Addison, "A Basis for the Continuing Ministry198 ,‫״‬.
171 O Navigators é uma organização para-eclesiástica cristã mundial, com sede em Colorado Springs, Colorado.
176 Sua finalidade é o discipulado (formação) dos cristãos com uma ênfase particular em compartilhar sua fé
com os outros. (N. de Revisão)
Sojourners é uma organização cristã com base em Washington, EUA, comprometida com a fé em ação para
177 a justiça social (http://sojo.net/). (Site em inglês. Acesso em 24/01/2015) (N. de Revisão)
manitária, firmada em |
A Visão Mundial (World Vision) é uma organização não governamental (ONG) internacional de ajuda hu- 1
princípios do cristianismo e fundada em 1950. (N. de Revisão)
174 No capítulo 10 de The Shaping of Things to Come, argumentamos sobre o caso do reconhecimento desses
ministérios vitais tanto da perspectiva bíblica-teológica quanto da sócio-organizacional. Eu sugiro este livro
ao leitor, para uma exploração mais completa sobre esse tópico.
Definição Foco/tarefa principal
Impacto quando em Impacto quando mono-
sincronia com outros polizado
ministérios
• Essenciaimente, o • Ampliação do cris- • Tendência aos estilos
despenseiro do DNA tianismo autocráticos de liderança
da igreja. • Guardar e fixar o DNA • Muitas pessoas feridas
• Como "os enviados", o da igreja tanto na organização devido
ministério apostólico e teologicamente à tarefa de orientação
a liderança asseguram quanto de modo futura do apóstolo
que o cristianismo seja missional • Muitos desafios e
fielmente transmitido • Estabelecer a igreja em • Manifestação saudável mudanças, sem uma
de um contexto novos contextos do Genoma Apostólico transição saudável
a outro e de uma • Ampliação da fé.
• "Descoberta" de outros o bastante; isso requer
época a outra. ministérios (A->PEPD) • Cristianismo autêntico função pastoral e de
• Desenvolvimento de • Modelo missional da ensino
líderes e sistemas de igreja é adotado
liderança • Rede de comunicação
• Perspectiva de es- translocal saudável
tratégia missional • Crescimento da igreja e
• Rede de comunicação do movimento
translocal • Missão pioneira

• Experimentação com
novas formas de igreja
Apostólico

(encarna- cional)
• Manifestações do
APEPD
• Essencialmente, a • Discenir e transmitir a • Obediência da igreja e
pessoa que tem os Vontade de Deus fidelidade a Deus
ouvidos inclinados • Assegurar a obediência • Fé orientada por Deus
para Deus, age como da comunidade da (menos "medo do ho-
sendo a boca de Deus aliança mem")
e, portanto, fala por • Questionar o sfoíus quo • Desafiar a consciência
Deus; com frequência • Sentimento de "diver-
predominante
em tensão com a • Ação intracultural são" unidimensional
• Justiça social para com a concepção
consciência
dominante. da liderança da igreja
• Partidarismo
• Narrador da verdade
• Exclusivo e até ofensivo
o para o cristão.
u • Propensão a ser muito
•4= ativista e dirigido
S • Às vezes, um sentimento
O
CL "espiritual" demais
• Tornar clara a oferta de • Expansão da fé por • Perda da visão
• Essencialmente, o salvação para que as meio da resposta ao abrangente e saúde
recrutador, carrega- pessoas possam ouvir chamado pessoal de comum
dor e comunicador da e responder em fé Deus • Perspectivas estreitas
mensagem do • Recrutar para a causa • Crescimento orgânico sobre a fé, limitadas ao
Evangelho. numérico do povo de "Evangelho simples"
• Narrador da verdade ao Deus
infiel.
Evangelístico

• Chama para si a
responsabilidade da
redenção de Deus em
Jesus.
• Essencialmente, • Cultivar uma rede de • Nutrir a fé e a co-
0 pastor cuida do relacionamentos e munidade • Comunidade fechada e
povo de Deus e 0 comunidade amável e • Relacionamentos não missional
desenvolve pela espiritualmente amáveis • Codependência entre
liderança, treina- madura • Crescimento no igreja e pastor
mento, proteção e • Fazer discípulos discipulado (complexidade
disciplina. • Sentido de ligação messiânica)
• Adoração e oração
• Abordagem de "não
cause problemas" para
a organização
• Se expressarem-se de
maneira muito
"feminina", os homens
Pastoral

podem ser separados


da igreja
Essencialmente, 0 • Discernimento • Compreensão de Deus
ministério que evidencia a • Direção e da fé
mente/vontade de Deus • A verdade guia 0 • Dogmatismo teológico
de modo que 0 povo de • Ajuda a comunidade de comportamento • Gnosticismo cristão
Deus adquira sabedoria e fé a explorar e buscar • Autoconhecimento ("salvo" pelo conheci-
compreensão. compreender a mente mento da Bíblia e teo-
de Deus • Devoção para 0
logia; a Bíblia substitui
aprendizado e inte-
0 Espírito Santo.)
gração • Intelectualismo

• Controle por meio das


Ensino

idéias: farisaís- mo ("isso é


lícito?")

Para compreender a natureza diferente de cada um desses ministérios,


precisamos explorar rapidamente as principais tarefas/funções de cada um, o
efeito quando um monopoliza e domina separadamente dos demais e o efeito
quando é integrado junto com outros ministérios. A maneira mais fácil de
fazer isso é com uma tabela comparativa.

Algumas Qualificações da APEPD


Em primeiro lugar, em The Shaping of Things to Come, dissemos que é
importante manter em mente que ministério é diferente de liderança quanto
ao grau e função.175 Efésios 4.7,lls atribui os ministérios APEPD a toda a igreja,
não apenas à liderança (E a graça foi concedida a cada um de nós..., v.7; E ele
mesmo concedeu uns para..., v.ll). Portanto, tudo está presente em algum lugar
no APEPD (apostólico, profético, evangelístico, pastoral,
ensinamento/didático). Eu argumentaria com convicção que o APEPD é, na
realidade, uma parte do DNA de todo

175 Ibid., 170-73.


o povo de Deus; em toda estrutura do que significa ser ‫״‬igreja". Em outras
palavras, está latente. Reconhecer isso é crucial para libertar o poder real do
ensinamento paulino e, como tal, é uma extensão do ensinamento do Novo
Testamento a respeito do sacerdócio e ministério de todo o povo de Deus.
Muito para ministério genérico está incorporado na eclesiologia de Paulo. E
sobre a liderança?
Snyder destaca corretamente que a tarefa central da liderança é formar
uma comunidade ministerial apostólica e fortalecida com carisma com base
em Efésios 4.11s.176 A liderança à luz do APEPD pode ser compreendida como
"um chamado dentro de um chamado"; trata-se de uma tarefa distinta que
implica em liderar e influenciar o corpo de Cristo, e não apenas ministrar.
Nem todos os ministros são líderes, isso é bastante óbvio. Assim, a liderança
incorpora um ministério APEPD em particular concedido ao cristão, porém, o
amplia e o reorienta, a fim de que se ajuste ao chamado distinto e às tarefas da
liderança.

Matriz da liderança APEPD


A natureza/estrutura da liderança da igreja. "O
chamado da liderança específica dentro do chamado
ministerial genérico."

Matriz ministerial do APEPD


A natureza/estrutura de todo o ministério da igreja.

Em segundo lugar, de acordo com a minha experiência, é raro que uma


pessoa atue em apenas um desses ministérios. Pelo contrário, nossos
chamados ministeriais parecem ser expressos mais como um complexo de
ministérios, embora atuemos principalmente em um deles, dependendo de
nosso contexto. Assim, podemos visualizar da seguinte forma: podemos ter
ministérios primários, secundários e, possivelmente, terciários, todos atuando
de maneira dinâmica. Cada um informa e qualifica o tipo de ministério
principal. Eles formarão um determinado complexo ministerial, igual ao tipo
de personalidade (vá em www.the- forgottenways.org para criar um perfil
pessoal de seu ministério [Site

176 Snyder, Decoding the Chruch, 91.


em inglês]). Por exemplo, uma pessoa pode ser principalmente profética,
porém, ter dimensões evangelísticas e pastorais também. E possível fazer uma
representação em diagrama como segue:

Em terceiro lugar, muitos perguntam se o texto de Efésios é a lista de-


finitiva e final dos ministérios. Minha resposta é que é definitiva, mas não
necessariamente final. Pode muito bem haver outros, no entanto, somente
acrescentam à listagem básica encontrada em Efésios 4 e não podem diminuí-
la.177 Talvez, a melhor maneira de dizer seja que a natureza do ministério do
Novo Testamento é de no mínimo 5 ministérios.
Em quarto lugar, como os dons espirituais estão relacionados a esses
ministérios? Eu acredito que os ministérios recorrem a todos os diversos dons
espirituais conforme necessário e conforme Deus agracia. E claro que
determinados ministérios recorrem a um grupo particular de dons espirituais.
Por exemplo, o ministério de ensino, obviamente, conta com dom do ensino,
sabedoria e outras formas de dons reveladores, mas todos estão disponíveis
caso a situação necessite deles e assim quiser o Espírito.
Por fim, o APEPD deve ser e atuar como um sistema: um sistema dentro
de um sistema vivo que forma a igreja. Todo o texto de Efésios 4 é rico em
imagens orgânicas e perspectivas (corpo, ligamentos, cabeça, etc.). O
ministério cristão jamais deve ser de um ou dois ministérios, mas de cinco, e
cada estilo de liderança é fortalecido e informado pelas contribuições dos
demais. Analisemos isso um pouco mais de perto.

177 Obviamente, existem outras listas, porém, essas não estão localizadas nas passagens que descrevem a natureza
fundamental e estrutura do ministério da igreja. Além disso, faço distinção entre dons espirituais e
ministérios. Os dons, segundo o meu entendimento, são dados conforme exige a situação; os ministérios
tendem a ser mais estáveis e relacionados à vocação e chamado. Entretanto, os ministérios recorrem aos
dons para cumprirem suas funções.
Um mais um éigual a trêsou mais
Deixando as perspectivas mais teológicas à parte, façamos uma rápida análise
da igreja como sistema social para explorar mais o impacto dos diferentes
estilos de liderança. Quando fizermos isso, descobriremos que o plano radical
de Paulo para o movimento cristão é confirmado por melhores técnicas atuais
na teoria e na prática da liderança e gerenciamento.
Na maioria dos sistemas de liderança, admite-se a existência de um ou
mais dos seguintes estilos de liderança:
• O empresário, inovador e revolucionário que inicia um novo produto,
serviço ou tipo de organização.
• O questionador ou investigador que sonda a percepção e adota
questionamentos a respeito da atual direção da programação e
aprendizado organizacional (agente provocador);
• O comunicador e recrutador para a causa organizacional que elabora a
ideia ou produto e ganha lealdade e confiabilidade para a marca.
• O humanizador ou motivador de pessoas que adota um sistema de
relacionamento saudável por meio do gerenciamento de significados.
• O sistematizador e filósofo capaz de articular claramente os propósitos
e objetivos organizacionais de forma a favorecer a compreensão
corporativa.178

Empresário, pioneiro,
estrategista,
inovador, visionário

Cuidador, Incitador,
vinculador social, agitador,
humanizador questionador

Filósofo, Comunicador
apaixonado
sistematizador, da mensagem
tradutor organizacional,
recrutador

178 Frost e Hirsch, Shaping of Things to Come, 17374‫־‬.


Em The Shaping ofThings to Come, Michael Frost e eu comentamos que os
diversos cientistas sociais utilizam termos diferentes para as
categorias citadas, no entanto, reconhecem que elas representam as
contribuições vitais que os diferentes tipos de líderes trazem para a
organização. Na maioria das teorias de gerenciamento de liderança,
supõe-se que as agendas conflitantes e as motivações desses líderes os
coloquem em direções diferentes. Entretanto, imagine um sistema de
liderança e qualquer cenário (coorporativo, governamental, político,
etc.) no qual o empresário revolucionário e o estrategista interajam de
forma dinâmica com o incitador do status quo (o questionador).
Imagine que eles estão em um diálogo ativo e se relacionem com o
comunicador apaixonado/recrutador, a pessoa que transmite a
mensagem além das fronteiras organizacionais e vende a ideia(s) ou
produto(s). Eles, por sua vez, estão em comprometimento constante
com o humanizador, o cuidador, o vinculador social e o sistema-
tizador e articulador de tudo. A sinergia nesse sistema seria
significativa em qualquer contexto. Obviamente, a combinação dos
diferentes estilos de liderança é maior do que a soma de suas partes.179
Assim como os vários sistemas em nosso corpo humano (como os sistemas
circulatório, nervoso e digestivo) trabalham juntos para sustentar e
intensificar a vida, o mesmo acontece com todos os sistemas vivos, os vários
elementos no sistema inter-relacionam-se e trabalham para ampliar uns aos
outros. A disfunção é o resultado da quebra entre os vários componentes ou
agentes dentro do sistema. Quando cada componente opera ao máximo e
harmoniza com os demais, todo o sistema é intensificado e se beneficia da
sinergia, ou seja, o resultado é maior do que a soma das partes individuais.
Assim é com o APEPD. Quando todos estiverem presentes e inter-
relacionados de maneira eficiente, o corpo de Cristo operará ao máximo. Para
utilizar os termos de Paulo em Efésios 4: ele "se aperfeiçoará", "amadurecerá",
"se edificará" e "chegará à unidade da fé".
Além disso, na teoria dos sistemas vivos, mudar uma organização para um
modelo orgânico exige que nós (1) desenvolvamos e intensifiquemos os
relacionamentos, (2) façamos uma polinização cruzada de idéias de diferentes
especialidades e departamentos, (3) perturbemos o equilíbrio mudando-nos
para a beira do caos e (4) foquemos as informações de acordo com a missão
organizacional. Desenvolver um sistema APEPD totalmente funcional na
igreja local, agência missionária ou denominação levará bastante tempo até
alcançar esse fim.
Por volta do ano 2000, na South Melbourne Restoration Community,
reestruturamos nossa equipe de liderança com base nesse princípio, e isso

179 Ibid.; 174.


levou a um movimento significativo visando a transformação em uma igreja
missional. Reestruturando a liderança, conseguimos garantir que todos os
cinco ministérios fossem representados na equipe, cada um, altemadamente,
liderando a equipe relacionada aos respectivos ministérios APEPD. Então,
tínhamos uma equipe apostólica focada nas questões translocal, missional,
estratégica e experimental enfrentadas pela igreja. Tínhamos uma equipe
profética que se concentrava em ouvir Deus e discernir sua vontade para nós,
atentar-se às questões de injustiça social e questionar o status quo da igreja da
classe média. Tínhamos uma equipe evangelística cuja tarefa era
supervisionar e desenvolver o evangelismo e expandir. A tarefa da equipe
pastoral era desenvolver a comunhão, grupos de célula, adoração e
aconselhamento, e aumentar a capacidade de amar da igreja. A tarefa da
equipe de ensino era criar contextos de aprendizagem e desenvolver o amor
pela sabedoria e entendimento por meio de estudos bíblicos, grupos de
discussão teológica e filosófica, etc. Todos eram representados por um líder
principal na equipe de liderança. De vez em quando, criava-se um debate
significativo a respeito de quais eram os problemas-chave que a igreja estava
enfrentando, e era muito estimulante.
Na qualidade de equipe de liderança, operávamos esse modelo com base
na ideia do sistema aberto de aprendizagem, que permite que a equipe "se
adapte e se separe" e "discuta e supere".180 O termo adaptar refere-se àquilo que
une uma organização (unidade). Trata-se do etos e propósito comum do grupo.
O separar acontece quando, intencionalmente, permitimos uma grande
diversidade de expressões na equipe (diversidade). O discutir refere-se à
permissão, até mesmo encorajamento, dado pela liderança à divergência, ao
debate e ao diálogo a respeito das principais tarefas (dualidade). O superar
significa que todos coletivamente concordam em ultrapassar um desacordo a
fim de encontrar novas soluções (vitalidade, "chegar à unidade da fé").

180 Veja RichardTanner Pascale, Administrando no limite: como as empresas mais brilhantes usam os conflitos para
permanecer no topo (Rio de Janeiro: Record, 1994).
plantação de igreja

Assim, em qualquer questão ministerial, a equipe de liderança estaria pré-


comprometida com a missão comum do grupo. Fizemos uma aliança para
fazer "o que fosse preciso" a fim de cumprir nossa missão. Dados os
relacionamentos saudáveis dentro da equipe, isso significou que permitimos
opiniões divergentes de cada membro sem nos sentirmos ofendidos. Tivemos
que viver juntos, lutar juntos e enfrentar problemas juntos, e nossa ligação
com Jesus e com essa expressão particular de seu povo foi forte. Foi esse senso
de adequação que permitiu que cada membro operasse além de suas próprias
propensões ministeriais e representasse suas perspectivas a respeito do
problema em questão. A pessoa apostólica apresentava ou criticava, segundo
as necessidades, para reanimar a comunidade em torno da missão. A profética
desafiava tudo e fazia perguntas irritantes a respeito de como Deus se
adequaria aos nossos grandes esquemas. A evangelística sempre estava
tentando enfatizar a necessidade de trazer as pessoas à fé e como aquilo que
sugeríamos alcançaria o objetivo. A pastoral expressava as preocupações
sobre como a comunidade conseguiría comprometer-se de forma saudável
com a questão sustentável, e o teólogo tentava discernir sua validade a partir
das Escrituras e da história. Portanto, a separação permitiu divergência
significativa de interesses e houve muitos debates, até mesmo discussões. No
entanto, não tentáva- mos resolver o debate e os desacordos muito
rapidamente (isso levou aos difíceis problemas pastorais). Nós lidávamos com
o problema até que tivéssemos avaliado todas as opções e tivéssemos, por
meio do diálogo e debate, chegado à melhor solução; resultado que
provavelmente seria o mais verdadeiro ao chamado, mais fiel a Deus, sensível
às necessidades daqueles que ainda não era cristãos, sustentável, maduro e
teologicamente bem fundamentado.181
O APEPD, se liderado e direcionado da forma correta, pode operar de
maneira revigorante. Muitas igrejas parecem preferir uma estrutura mais
hierárquica com a abordagem de cadeia de comando e, na maioria, são
lideradas por pessoas dotadas como pastores e mestres. Tais classes
ministeriais podem visar evitar conflitos ou concentrar-se principalmente nas
idéias e não na ação. A cultura organizacional resultante luta para encontrar a
adequação e divisão, discussão e superação. No modelo operacional, as
decisões são tomadas de cima para baixo. Há pouco espaço para qualquer
interação real e participação em tomo das tarefas e idéias centrais. Como
resultado, em muitas estruturas denominadonais e igrejas, os membros "da
parte inferior" do sistema podem se sentir silenciados e ressentidos.
A abordagem de baixo para dma para o APEPD cria um sistema de
aprendizagem saudável: a natureza dinâmica de toda a matriz garante que
um sistema de aprendizagem aberto resulte de uma organização formada com
tais estruturas de liderança. Um olhar mais para o exterior, não do tipo status
quo (no caso, A, P e E) assegurará a entrada de informações a partir do lado
de fora do sistema e garantirá o comprometimento dinâmico e o cresdmento
com o ambiente da organização. Os ministérios mais voltados ao sustento
(como o P e o D) assegurarão que a igreja cresça além de sua capacidade.
Tudo, no geral, é feito para um bom equilíbrio da saúde da igreja e da
adequação missional.
Parece existir uma maravilhosa "ecologia" para o ministério saudável em
ação em total funcionamento no sistema APEPD. Ela nos fornece um
entendimento teologicamente rico e organicamente resistente para ajudar
líderes e organizações a se tornarem mais missionais e ágeis. Na realidade,
seria difícil não ser missional se alguém desenvolve intencionalmente isso para

181 Deixe-me incentivar o leitor a tentar identificar 0 seu próprio ministério pela criação do perfil online fornecido
no website relacionado a este livro (www.theforgottenways.org). Isso pode ser feito pelo preenchimento
do simples questionário pessoal ou, preferencialmente, pela realização do teste de 360o. Nossos ministérios
nem sempre são definidos da mesma maneira como os vemos, mas são discernidos pelo impacto que temos
sobre aqueles ao nosso redor, por isso, a necessidade de um retorno dos colegas e amigos. Eu encorajo 0
leitor a realizar o teste de perfil de 360 o APEPD para ajudar a identificar as dinâmicas de seu próprio
ministério.
a vida do povo de Deus no âmbito local e/ou regional. Estou envolvido em
uma reconstrução similar em tomo da ideia do APEPD para a minha
denominação, tanto a nível nacional quanto internacional, na forma de um
corpo informal, muito talentoso e trinacional chamado International Missional
Team (IMT). AIMT tem sido a responsável por estímulos significativos da
causa missionária na minha denominação no Reino Unido, Austrália e Nova
Zelândia, pois essas idéias foram empregadas em nível estratégico. Digo isso
para assegurar o leitor que essas idéias estão, na verdade, sendo testadas na
prática no âmbito local, regional e internacional e, apesar do impacto total
ainda não ter tido tempo de ser avaliado, não há dúvida de que estejam
criando um movimento importante na cultura denominacional.

A PALAVRA FINAL
Este capítulo tentou articular por que o ambiente apostólico, com tudo o que
significa, é um componente-chave do Genoma Apostólico. Muito
francamente, é difícil imaginar a existência de movimentos metabólicos,
orgânicos e missionais, muito menos duradouros, sem a influência apostólica
em suas diversas formas. Isso se dá porque ao ministério apostólico é confiado
o mDNA da igreja de Jesus, e sem essa manifestação do mDNA em sua forma
verdadeira, o Genoma Apostólico não pode se manifestar por completo. A
influência apostólica desperta a igreja para seu real chamado e identidade e,
assim, é insubstituível. Na melhor das hipóteses, os movimentos e igrejas sem
a influência apostólica podem apenas captar os aspectos do mDNA; não
podem conectá-los nesse todo coesivo e siner- gético que constitui o
verdadeiro Genoma Apostólico. Em parte, esta é a razão para chamar a força
elementar da igreja de "Genoma Apostólico". Há algo essencial e
insubstituível no ministério apostólico, crucial para o surgimento dos
movimentos missionais como aqueles dos períodos bíblicos e pós-bíblicos e
do fenômeno da igreja clandestina da China.
7
SISTEMAS ORGÂNICOS

O principal estímulo para a renovação do cristianismo virá da base e das


extremidades, dos setores do mundo cristão que estão às margens.
Harvey Cox, Religion in the Secular City

... A suposição mais provável é que nenhuma teoria atual de negócios terá
validade de 10 anos. [...] Contudo, poucos executivos aceitam que transformar os
negócios requer mudanças fundamentais nas suposições com base nas quais os
negócios são realizados. Exige-se um negócio diferente.

Sistemas
de vida

Estrutura
de rede
Peter Drucker, "A Turnaround Primer"

Sistemas
orgânicos

' Etos do ' movimento


:rescimen
to como
vírus ,
Este capítulo explorará o próximo elemento crucial do mDNA, as es-
truturas interiores e os sistemas que incorporam o Genoma Apostólico e,
portanto, permitem o crescimento metabólico (crescimento que acontece
exponencialmente e organicamente). Neste capítulo, nós investigaremos como
a igreja, em sua forma mais fenomenal, (quando manifesta o Genoma
Apostólico de forma genuína) organiza-se como um organismo vivo que
reflete mais como Deus estruturou a vida em si, em oposição à máquina, que é
uma alternativa artificial e inorgânica ao sistema vivo. Aqui, estamos em solo
bíblico fértil porque as imagens orgânicas da igreja e do Reino são abundantes
nas Escrituras; imagens como corpo, campo, fermento, sementes, árvores,
templos vivos, videiras, animais, etc. Essas imagens não são apenas metáforas
verbais que nos ajudam a descrever a natureza teológica do povo de Deus,
mas, na realidade, tratam de assuntos referentes à essência. Portanto,
precisarão ser redescobertas, abraçadas novamente e reavivadas a fim de nos
posicionar como povo de Jesus para os desafios e complexidades com os quais
nos deparamos no século 21. Devemos descobrir uma nova maneira de
experimentar a nós mesmos além do paradigma estático, mecânico e
institucional que predomina em nossa vida eclesiástica.
Não deve nos surpreender o fato de que as imagens orgânicas da igreja
retratam seu principal fundo teológico a partir da doutrina bíblica da criação
(cosmologia), da visão ecológica e, de forma intrínseca, espiritual do mundo,
em vez de qualquer outra das demais disciplinas que convencionalmente
instruíram a liderança e o desenvolvimento de organizações. A cosmologia
deve nos guiar para um entendimento mais profundo sobre nós mesmos e
nossa função no mundo.
Por que não buscamos, na criação, por indícios da forma como o próprio
Deus pretendia que a autêntica vida humana e comunidade se manifes-
tassem? Tudo na vida carrega as digitais de Deus e ele preencheu todos os
aspectos dela com vitalidade e inteligência intrínsecas. O próprio cosmos
parece atuar de uma maneira profundamente inteligente; quanto mais
descobrimos a respeito dele a partir da ciência, das estruturas dos átomos, dos
padrões climáticos, da migração dos pássaros, da psique humana, mais
grandemente genioso tudo parece ser. Do quark até a supemova, o universo
parece vibrar com a potência viva que nos enche de temor e admiração diante
da absoluta onipotência e onisciênda do Deus Criador.
Esse Criador do Universo não deve ser estranho a nós. As Escrituras
claramente ensinam que a Trindade estava totalmente envolvida no início do
cosmos e na manutenção de toda a vida. Deus, o Pai, fala sobre a existência do
cosmos com palavras criativas (Gênesis 1). Como Pai, ele é a gênese, a fonte de
toda a vida. Cristo é retratado nas Escrituras como o instrumento da criação
(pois nele, foram criadas todas as coisas - Cl 1.16;
Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez - Jo 1.3), e
seu princípio organizacional (Nele, tudo subsiste - Cl 1.17; ... sustentando todas as coisas
pela palavra do seu poder - Hb 1.3). O Espírito Santo é descrito como a essência da
vida/espírito: foi ele quem se preocupou com o caos do universo pré-formado
e lhe deu forma; foi ele quem completou cada átomo do universo com modelo
e vivacidade. Desde os átomos até as estrelas, todo aspecto da criação aponta
para um ser inacreditavelmente inteligente e absolutamente poderoso e olha
para ele em prol de sua realidade contínua e existência (chamada pelos
teólogos de criação continuada). O universo declara a glória de Deus e é um
fluxo constante de conhecimento e revelação do Senhor (SI 19.1-4).
Além disso, esse Deus Criador e trino não pode ser dividido. A presença
do Senhor encontra-se em cada parte do seu universo. Como aponta J. V.
Taylor em seu marcante livro The Christlike God:
Em qualquer lugar onde Deus exista, ele existe em totalidade. Em sua in-
finitude, ele cria o universo, apesar de conhecer cada átomo de sua estrutura
do interior. A verdade do Deus transcendente e do Deus iminente, seu
mistério e sua disponibilidade, devem ser mantidos juntos como uma
realidade singular, dialética para o pensamento humano, mas indivisível em
si mesma. O Deus que está nas coisas não é secundário ou inferior ao Deus
que está além. Sua insondável diversidade trata cada um de nós com uma
intimidade que supera todos os outros relacionamentos.182
A doutrina da transcendência de Deus nos informa que Deus está além de
sua criação; ele é muito maior do que ela, e ela existe nele. No entanto, a
doutrina relacionada da eminência de Deus nos revela que ele também está
totalmente presente até mesmo no menor átomo. Ele preenche o universo como
também o transcende. Isso quer dizer que todo o cosmos, e a própria vida,
estão diretamente ligados a Deus e, portanto, estão cheios do mistério sagrado
da vida divina. Como meio de revelação, a criação pode nos ensinar muito a
respeito da mente do Senhor da forma como a vida deve ser vivida. Porque é
a Trindade que cria este mundo, isso não tira nem um pouquinho a atenção da
verdade de Deus e sua redenção conforme revelado nas Escrituras. A
compreensão orgânica sobre o povo de Deus é formada aos poucos a partir da
criação e das Escrituras.
Tudo isso é para dizer que uma imagem orgânica da igreja e missão é
teologicamente muito mais rica do que qualquer concepção mecânica e
institucional da igreja que possamos imaginar. Isso se dá porque está con-
solidado pelo senso de relação íntima de Deus e pelo investimento em sua
criação. Os seguidores de Jesus que buscam basear sua vida comum nas
maneiras orgânicas encontram nas Escrituras, bem como na criação, uma rica
fonte teológica para consolidá-la e sustentá-la. Encontrar um modelo de igreja
mais próximo à vida é se aproximar mais do que Deus pretendia
primeiramente na criação. Por exemplo, é possível verificar que o fermento
aparentemente obscuro e insignificante tem muito a nos ensinar a respeito do

!86 J. V. Taylor, The Christlike God (Londres: SCM, 1992), 117 (ênfase do autor).
funcionamento interno do Reino de Deus (Mt 13.33).

GANHAR UMA VIDA: A IGREJA COMO UM SISTEMA VIVO


Como essa grande cosmologia está relacionada com nossa experiência na
igreja local? Uma das reflexões resultantes dos meus 15 anos de experiência na
SMRC é que, quando crescemos e começamos a atuar segundo o modelo
clássico de crescimento de igreja, ficou extremamente difícil encontrar Deus
em meio aos aparelhos progressivamente mais parecidos com uma máquina
requisitados para o "funcionamento de uma igreja". Com o crescimento
numérico, parecia que estávamos sendo retirados do ritmo natural da vida, do
ministério direto e que nossos papéis se tornaram mais gerenciais do que
antes. No entanto, essa mecanização do ministério não foi sentida apenas pela
liderança da igreja; as pessoas na igreja estavam sendo programadas como
resultado da vida e, portanto, estavam menos engajadas nos relacionamentos
ativos com as pessoas de fora da comunidade da fé. Dado meu amplo
ministério, eu sei que essa experiência é endêmica a muitas expressões
contemporâneas da igreja. Tudo isso levou a um questionamento pessoal a
fim de encontrar uma abordagem mais orientada para a vida sobre missão,
ministério e comunidade e, por fim, levou à descoberta do que chamamos de
abordagem dos sistemas vivos (veja o anexo "Um curso intensivo em meio ao caos").
A abordagem dos sistemas vivos busca estruturar a vida comum de uma
organização em tomo dos ritmos e estruturas que refletem a vida em si. Nessa
abordagem, procuramos investigar a natureza da vida, observar como as
coisas vivas tendem a se organizar e, depois, tentamos imitar, o mais próximo
possível, essa capacidade nata dos sistemas vivos de desenvolverem altos
níveis de organização, adaptarem-se a diferentes condições e ativarem a
inteligência latente quando necessário (surgimento). Esse questionamento
sobre uma forma mais sustentável de vida não está limitado à igreja. Os
principais proponentes dessa visão apresentam explicitamente "uma ciência
de vida sustentável" com base no estudo da vida e no respeito por ela (Fritjof
Capra, Margaret Wheatley, Richard Pascale, et al.)183 Nesses livros, descobri
novas metáforas e perspectivas que me inspiraram profundamente em minha
busca por uma abordagem
mais orgânica e orientada para a vida e menos programática para a nossa
tarefa. Algumas delas incluem:
• Todas as coisas vivas parecem ter inteligência nata. Os sistemas vivos,
sejam orgânicos na forma (p. ex., um vírus, o ser humano) ou
organizações sistêmicas (p. ex., o mercado de valores, uma colmeia,
uma cidade, uma empresa comercial, até mesmo as formações de
cristais) parecem ter vida por si só e possuir uma inteligência inerente

183 Veja bibliografia para mais detalhes.


que envolve uma aptidão para a sobrevivência, adaptação e
reprodução. Essa capacidade de desenvolver formas de vida elevadas
está ligada ao que os teóricos da área chamam de "inteligência
distribuída". Quando aplicada à teoria organizacional, a tarefa da
liderança deve desatrelar, aproveitar e direcionar a inteligência dis-
tribuída pela criação de ambientes onde ela possa se manifestar.
• A vida parece estar profundamente interconectada. A principal ideia
operante é a dos relacionamentos arranjados em uma rede dinâmica -
uma rede de vida e de sentido. A teoria dos sistemas vivos reconhece
que nós somos sempre parte de um sistema maior; pertencemos a uma
ecologia composta por sistemas internos e externos com os quais nos
relacionamentos constantemente. Transtornos em uma parte do sistema
implicam em uma reação em cadeia que afeta todos os elementos
dentro do sistema. Capra chama isso de "a rede da vida". Algumas das
implicações são as seguintes: (1) Pequenas coisas podem ter conse-
quências grandes no sistema, às vezes, chamadas de "efeito borboleta"
(a ideia de que uma borboleta batendo suas asas na Amazônia possa
causar um furacão em outro continente). Jamais devemos subestimar o
poder das coisas aparentemente insignificantes para afetar um sistema,
mesmo que pareçam não ter qualquer relacionamento em um primeiro
momento. (2) Um sistema é funcional ou não à medida que todas as
suas partes são saudáveis e se relacionam umas com as outras de forma
orgânica. (3) A maneira de desenvolver um sistema de aprendizagem/
adaptativo saudável é trazer todos os elementos diferentes para uma
comunicação uns com os outros.
• Informações trazem mudança: todos os sistemas vivos respondem às
informações. Na realidade, eles parecem capazes de selecionar informa-
ções com base no que lhes é significativo ou útil. Portanto, as
informações são cruciais para a inteligência, a adaptabilidade e o
crescimento. O fluxo livre de informações no sistema é vital para o
crescimento e adaptação.
• Desafios de adaptação e surgimento: pela constante interação com o
ambiente, o sistema vivo catalisa sua capacidade inerente para adaptar-
se às circunstâncias em mudança. O fracasso em adaptar-se resulta em
declínio e morte. O surgimento (novas formas de organização) acontece
quando o sistema vivo está no modo de adaptação (e, portanto,
aprendizagem), todos os elementos no sistema estão se relacionando de
forma funcional e a inteligência distribuída é cultivada e focada por
meio de informações.
Embora tudo isso possa parecer um pouco esotérico e conceituai, apenas
pare por um momento e considere como a abordagem dos sistemas vivos se
relaciona com a comunidade cristã. Seguindo essa abordagem, nós, em
primeiro lugar, precisamos admitir que qualquer grupo em particular do
povo de Deus, se as pessoas forem verdadeiramente dele, tem tudo nele
mesmo (mDNA latente) para conseguir se adaptar e prosperar em qualquer
cenário. Temos que aceitar que, dada as condições corretas, a comunidade
pode descobrir recursos latentes e capacidades que nunca imaginou possuir.
A tarefa da liderança missional aqui é simplesmente libertar o mDNA
dormente no sistema e ajudar a direcioná-lo para os propósitos pretendidos
por Deus.
Em segundo lugar, a tarefa da liderança missional é trazer os vários
elementos do sistema para um inter-relacionamento significativo. Isso exigirá
que o líder concentre-se no desenvolvimento de uma estrutura em rede,
contrária à institucional, para a igreja. Devemos nos tomar uma expressão
eficiente do "corpo de Cristo" (ICo 12.12-27 não é apenas uma metáfora,
apesar de tudo; trata-se de uma descrição da igreja em seu inter-
relacionamento com cada parte de sua cabeça). É muito importante
compartilhar informações e idéias e a troca de polinização em termos de dons
e chamados em tomo das tarefas comuns (Ef 4.1ss). Devemos trazer todas as
partes necessárias do corpo para a equação missional caso queiramos,
verdadeiramente, funcionar como um corpo. Em cenários não eclesiásticos,
isso significaria fazer os diversos departamentos e especialistas relacionarem-
se de modo significativo e compartilhar informações de maneira funcional em
tomo das tarefas comuns, trazendo, por meio disso, a diversidade para uma
unidade de funcionamento. Parece que nos sistemas vivos, a resposta real é
sempre encontrada em uma perspectiva mais ampla, quando diversos dons e
conhecimento atritarem entre si, novas formas de conhecimento e
possibilidades surgirão.
Em terceiro lugar, precisamos mover o sistema em direção à beira do caos,
ou seja, ele precisa tomar-se bastante responsivo ao seu ambiente. A suposição
aqui é que, caso não lide com os reais problemas enfrentados por ele, o
sistema não se adaptará e, portanto, perecerá no contexto de qualquer mu-
dança significativa de adaptação. Enterrar a cabeça na areia nunca ajudou o
avestruz quando havia um predador na área. Nós precisamos agitar o sistema
em equilíbrio a fim de ativar a jornada de aprendizado e o modelo missio- nal.
A comunidade precisa tornar-se responsiva e responsável. Alinhar os
elementos de um sistema em uma rede saudável envolverá impresdndivel-
mente lidar com disfunções que, devido à falência de todas as coisas, são ine-
vitáveis no sistema. Fracassar em lidar com a disfunção sempre enfraquecerá
a organização ou a saúde da comunidade. Aqui, o conflito surgirá (eu prome-
to) e a tarefa da boa liderança nessa situação é administrá-la e traduzi-la de
maneira criativa em uma significativa experiência de aprendizagem.
Em quarto lugar, como os sistemas existem em muitas informações
desordenadas, a tarefa da liderança aqui será ajudar a selecionar o fluxo de
informações e focar a comunidade ao redor dele. Não com a finalidade de
dominar e tentar predeterminar o resultado, mas fornecer informações
precisas e significativas ao sistema, podendo, assim, informar a si mesmo em
resposta a ele. As vezes, esse aspecto é chamado de gerenciamento de sentido,
pois é por meio do comprometimento com as informações significativas que os
sistemas responderão, mudarão e prosperarão. Os líderes missionais devem
saber como lidar com o sentido, a fim de motivar o grupo de pessoas de dentro
para fora. Focar no fluxo de informações requer uma boa compreensão
teológica e psicológica, bem como sociológica, porque envolverá focar nas
informações com base nas primeiras narrativas da igreja (as Escrituras, e
particularmente, os Evangelhos), informações a respeito das principais tarefas
da igreja e os dados essenciais sobre nossos contextos cultural e social, etc. Se
acertarmos todos esses elementos, a igreja inteira é ativada, motivada,
responsiva e informada, e a missão de Deus fluirá naturalmente pela mistura
e como resultado dela.
O que é mais estimulante sobre essa abordagem é que todas as coisas
parecem fluir sem esforço, pois nada vai contra o universo. O ambiente
resultante na comunidade de Jesus é o que parece natural e, portanto, mais
próximo aos ritmos reais da vida em si; na verdade, é baseado justamente
nesses ritmos e relacionamentos; estes são seu ponto inicial e também sua
subestrutura contínua. Quando olhamos para as redes, que são um aspecto
essencial das estruturas orgânicas, veremos que a igreja deve se estruturar em
tomo do fluxo e refluxo naturais da vida do cristão. A existência de
relacionamentos com cristãos e não cristãos, da mesma maneira, toma-se a
estrutura básica da igreja. Lá, não deve existir nada artificial. Plantar uma
nova igreja ou retomar o caráter missional de uma igreja existente, nessa
abordagem, não está relacionado primeiramente a edifícios, cultos de
adoração, tamanho das congregações e cuidado pastoral, mas ao trabalho em
conjunto com toda a comunidade em tomo de amizades naturais
disciplinadoras, adoração como estilo de vida e missão no contexto da vida
cotidiana. Como uma rede de comunicação viva "em
Cristo", ela pode se reunir em qualquer lugar, a qualquer hora e ainda ser uma
expressão viável de igreja. Isso é muito mais uma maneira orgânica de plantar
uma igreja ou replantá-la.184

O PROBLEMA DAS INSTITUIÇÕES


A perspectiva dos sistemas vivos de comunidade e organização é somente um
aspecto do que significa ser verdadeiramente uma igreja missional orgânica.
Para obter uma perspectiva mais clara a respeito da natureza do Genoma
Apostólico, em especial, como ele se expressa na igreja primitiva e no
fenômeno chinês, precisaremos explorar as dinâmicas do que significa ser e

184 Para uma articulação mais estimulante sobre teologia e estruturas de uma igreja em rede, veja Peter Ward,
Liquid Church (Peabody, MA: Hendrickson: 2003).
tomar-se um movimento.
Permita-me dizer, honestamente, que ao prescrever a recuperação desse
aspecto dos sistemas orgânicos, eu não estou tentando ser anarquista e anti-
institucional em prol disso. Na realidade, acredito que a abordagem
anarquista para a igreja está mal informada a respeito da natureza dos
sistemas vivos em geral, e do Genoma Apostólico em particular, além de estar
sobrecarregada com as agendas políticas.185 Em vez de pensar na igreja
primitiva como não institucional, precisamos pensar de forma contrária, como
"pré-institucional".
Todos os sistemas vivos requerem alguma forma de estrutura a fim de
manter e perpetuar sua existência. Embora seja totalmente verdade que a
estrutura em si não cria a vida (como em uma máquina), sem ela, não é
possível haver vida por muito tempo. Quanto mais complexo o sistema vivo,
mais necessária ela se faz para ter meios próprios de se manter. Nosso corpo,
por exemplo, é formado por trilhões de células, que, de acordo com sua
codificação genética, se organizam em vários sistemas (nervoso, digestivo,
circulatório, etc.), todos interconectados e inter-relacionados por um propósito
comum - preservar e permitir a vida humana. A alma não pode existir por
completo sem um corpo (embora eu não tenha testado isso nos últimos
tempos). Nem mesmo uma chama, como a de uma vela em um lugar fechado,
manterá uma forma perfeitamente definida e previsível com uma marcação
fixada e será sustentada pela combinação dos combustíveis orgânicos com o
oxigênio, produzindo dióxido de carbono e água. A vida, conforme aparece
até mesmo para o observador leigo, é um fenômeno muito organizado que
consiste em uma complexa interação entre a forma estática e a função
dinâmica. Ou, como diz Neil Cole da Church Multiplication Associates:
As estruturas são necessárias, mas devem ser simples, reproduzíveis e in-
ternas, ao invés de externas. Todo ser vivo é formado por estrutura e sis-
temas. Seu corpo tem um sistema nervoso, um sistema circulatório e até um
sistema esquelético para acrescentar estrutura ao todo. O universo e a
natureza em si nos ensinam que a ordem é possível mesmo quando não
existe controle algum a não ser o próprio Deus.186
É bastante claro que existe alguma coisa "estruturar‫ ׳‬acontecendo nos
movimentos de pessoas dos períodos primitivos e na China; apenas não é
igual ao que experimentamos. Para mim, a questão é sobre o tipo certo de
estrutura de vida, ou meio, adequado à mensagem da igreja apostólica.187 Isso
se mostra bastante diferente do que passamos a conhecer como forma
institucional/govemo de cima para baixo da igreja, que é, de longe, o modelo

185 O anarquismo é um agrupamento de doutrinas e atitudes unidas pela convicção de que o governo é
prejudicial e desnecessário. É derivado da raiz grega que significa "sem regras‫״‬. Em nossos dias, o anar-
quismo teológico está associado à obra do filósofo francês Jacques Ellul e outros.
186 Neil Cole, "Out-of-Control Order: Simple Structures for a Decentralized Multiplication Movement‫״‬,
(www.cmsresources.org).
187 A função da liderança é criar a estrutura, não impô-la. O processo é orgânico, é 0 trabalho de um jardineiro,
não de um mecânico.
estrutural predominante da igreja no Ocidente.188
Esta deve ser uma clara advertência para nós se desejamos recuperar o
Genoma Apostólico. Ou, como diz Bill Easum em um capítulo intitulado "O
cristianismo como movimento orgânico":
A maioria das teorias sobre vida congregacional é inutilizada desde o início
porque se baseiam em uma visão de mundo institucional e mecânica. [...] Tal
visão não é bíblica. Pelo contrário, é fatalista e para benefício próprio,
porque o objetivo é consertar e preservar a instituição pelo maior tempo
possível. Tal visão mundial permite à pessoa concentrar-se na mera
sobrevivência organizacional e institucional, e não em seguir Jesus no campo
missionário com o propósito de realizar a grande comissão. Entretanto, o
Antigo e o Novo Testamentos são baseados na visão mundial orgânica. Eles
mostram claramente a inclinação para a "história da salvação" e não para a
viabilidade institucional.189
Ele prossegue sugerindo que "a chave para descongelar a igreja para estar
com Jesus no campo missionário é visualizar nossas congregações e
denominações como raízes e brotos de um 'movimento orgânico' que vai
muito além da sobrevivência".190 Em outras palavras, precisamos nos afastar
das formas institucionais de organização e recuperar o etos do movimento, se
vamos nos tomar verdadeiramente missionais.
Talvez, uma exploração mais profunda sobre o que significa institucio-
nalismo seja necessária aqui. Instituições são organizações estabelecidas
inidalmente a fim de desempenhar uma função religiosa e social e fornecer
uma classe de suporte estrutural para qualquer coisa que a função exigir. De
muitas maneiras, elas realizam o propósito exato da estrutura; a organização é
necessária se buscamos agir de modo coletivo para uma causa comum. Todos
os movimentos começam dessa forma, porém, nos estágios iniciais, a estrutura
existe apenas para suportar a base. O problema acontece quando as estruturas
recém-instituídas vão além de simples suporte estrutural e se tomam um cor-
po governamental de classes; a estrutura se toma um governo centralizado.
Então, o institudonalismo religioso ocorre quando, em nome de alguma con-
veniênda, estabelecemos um sistema para fazer o que deveriamos fazer por
nós mesmos, e assim, com o decorrer do tempo, as estruturas criadas por nós
tomam vida por si só. Um dássico exemplo é o das igrejas que terceirizam a
educação para organizações externas. Inidalmente, essas organizações de
treinamento existem para servir totalmente a base. Entretanto, com o passar
do tempo, elas crescem em autoridade e, por fim, se tomam corpos ordenados
cuja aprovação é necessária para ministrar. Como provedores de posições,
elas se tomam muito mais responsáveis perante os corpos governamentais do

188 Se os aspectos da instituição podem ser encontrados no Novo Testamento e na igreja subsequente, jamais
lhes seria permitido florescer em uma forma totalmente institucional conforme conhecemos. Podemos
dizer, ao contrário, que essas expressões de estrutura são pré-institucionais e não totalmente institucionais.
189 Easum, Unfreezing Moves, 17.
190 Ibid., 18.
que perante a missão da igreja. No entanto, o resultado final para a
comunidade local é que ela não só se toma dependente de uma instituição
extremamente poderosa e endausurada como também perde a antiga arte de
disdplinar e educar para a vida dentro do cenário local. Como consequênda, a
igreja local, sendo comunidade aprendiz e teologista, é degradada.
No entanto, outra coisa começa a acontecer: quando terceirizamos para a
estrutura o que é essencial para a função, há uma transfeiênda de respon-
sabilidade e poder/autoridade para o corpo centralizado recém-estabeled- do.
Diante dessa situação, é inevitável tomar-se o lugar de poder, que utiliza um
pouco desse poder para aprovar comportamentos de seus membros que não
estão de acordo com a instituição. Em vez de servir à missão, as instituições
começam a ter vida própria e podem se tomar bloqueadores, e não,
"abençoadores". Um dos exemplos mais trágicos do impulso conformista nas
instituições foi visto durante a impressionante e desagradável situação da
notável Missão Celta orgânica, causada pela Igreja Católica Romana mais
centralizadora na Grã-Bretanha naquele fatídico encontro na Abadia de
Whitby, em 664. O movimento celta nunca mais foi o mesmo.191
No entanto, a coerção centralizada e a conformidade certamente culminaram
na Inquisição (iniciada em 1231), que queimou e matou centenas de milhares
de pessoas em nome da obediência e controle.
A tragédia desses exemplos serve para destacar que quando o poder é
consolidado na instituição religiosa, ele cria uma cultura perigosa de restrição.
Ninguém pretende tal coisa; simplesmente parece fazer parte de nossa
condição decaída - a genuína liberdade do Evangelho, ao que parece, é muito
difícil de ser mantida por muito tempo e ninguém é capaz de atrelá-la a
estruturas bem-intencionadas. No entanto, quando as organizações preservam
essa cultura de restrição, são muito difíceis de mudar. Até onde eu sei,
nenhuma denominação histórica conseguiu recuperar totalmente seu etos de
movimento mais fluido e dinâmico. Por isso é a estrutura da rede, na qual o
poder e a responsabilidade são difundidos ao longo da organização e não
acumulados no centro, que mais se aproxima de nossa natureza real e
chamado como corpo de Cristo. Uma estrutura de rede, portanto, nos protege
do perigoso desvio do institucionalismo religioso.
Então, não deve ser surpresa para nós que os genuínos movimentos de
Jesus sejam essencialmente redes. Curtis Sergeant, um estudioso sobre a igreja
chinesa clandestina, observa que:
Em relação aos modelos de plantação de igrejas, o controle humano externo

191 O principal problema no sínodo foi aparentemente estabelecer a data correta para a celebração da Páscoa e
tratar a questão do estilo de cabelo dos monges (chamado de tonsura). A comitiva romana achou que o
cálculo celta, que se diferenciava do romano porapenas alguns dias, e a forma diferente de tonsura eram
equivalentes à heresia. Foi por conta dessas trivialidades que os romanos conseguiram subjugar o mais
notável movimento missionário da história do Ocidente. Veja, por exemplo, Thomas Cahill, How the Irish
Saved Civilization: The Untold Story of Ireland's Heroic Role from the Fall of Rome to the Rise of Medieval
Europe (Nova Iorque: Anchor, 1995).
sobre os novos convertidos e as igrejas é inversamente proporcional ao
crescimento potencial e taxa de crescimento em termos de maturidade e ta-
manho. Se um plantador de igreja, agência, denominação ou outra entidade
busca exercitar autoridade em grande extensão, então, a nova igreja e seus
membros tenderão a ser dependentes e não tomar a responsabilidade pelo
próprio crescimento ou pelo alcance de outros. Sempre que estiver tentado
a controlar cada pequena parte, lembre-se desse princípio.136
Como diz David Garrison, um pesquisador sobre o movimento de
plantação de igreja, em todos os movimentos verdadeiramente fortes de Jesus,
a autoridade da liderança é descentralizada.
As denominações e estruturas de igreja que impõem uma hierarquia de
autoridade ou exigem tomadas de decisão burocráticas são mal-adapta- das
para lidar com o dinamismo do movimento de plantação de igrejas.
É importante que cada líder de célula ou de igreja nos lares tenha toda a
autoridade necessária para fazer o que for preciso em termos de evange-
lismo, ministério e plantação de novas igrejas sem buscar aprovação da
hierarquia da igreja.192 193
Para ilustrar com um pouco de ironia viva, em 2005 um amigo meu,
Michael Frost, estava a par de uma reunião com três líderes chineses da igreja
clandestina contrabandeados para um grupo de líderes ocidentais. Quando
lhes foi perguntado pelo que queriam que as pessoas orassem, eles pediram
por três coisas: embora reconhecessem que o governo estava mais brando,
ainda não lhes tinha sido permitido se reunir em grupos de mais de 15
pessoas e, quando ultrapassavam essa quantidade, tinham que se dividir e
iniciar uma nova igreja. Os ocidentais poderíam orar por isso, por favor? O
segundo ponto tratado por eles foi que não lhes havia sido permitido ter
edifício eclesiásticos e, portanto, eram forçados a se encontrar em casas, cafés,
karaokês e clubes sociais. Os ocidentais poderíam orar para que tivéssemos
edifícios eclesiásticos também? A terceira coisa é que sentiam que precisavam
de um avanço porque foram proibidos de desenvolver organizações
separadas onde pudessem treinar líderes coletivamente; eram forçados a
treinar os líderes na igreja local. Michael, que era vice-presidente de um
seminário, diz com frequência e de consciência tranquila, que simplesmente
não poderia orar por eles por esse motivo, porque ele e o grupo reunido lá
perceberam, de muitas maneiras, que o estado comunista estava forçando a
igreja a se manter mais fiel a si mesma. Philip Yancey também relata a viagem
para a China que mudou sua vida. Ele diz: "Antes de ir para a China, eu me
encontrei com um dos missionários que tinha sido expulso em 1950. 'Sentimos
muito pela igreja que deixamos para trás', disse ele. 'Ela não tinha ninguém

192 Retirado das observações a respeito dos movimentos de plantação de igreja entregues a mim no decurso de
minha pesquisa. A obra de Curtis é excepcional porque ele viveu na China a maior parte de sua vida adulta e
compreendeu algumas das obras interiores ao fenômeno chinês.
193 David Garrison, Movimentos de plantação de igrejas, capítulo 4, folheto online sobre os movimentos de
plantação de igreja disponível em http://www.imb.0rg/CPM/Chapter4.htm.
para ensiná-la, nem máquinas de impressão, nem seminários, nem ninguém
para dirigir suas clínicas e orfanatos. Nenhum recurso, exceto, o Espírito
Santo'." Yancey conclui de forma irônica: "Parece que o Espírito Santo está
agindo bem".194
Essas histórias destacam como a confiança em edifícios e instituições
externas pode distorcer seriamente nossa experiência com Deus, nossa
compreensão a respeito da igreja e nossa experiência com o Genoma
Apostólico. A história nos mostra claramente que nós, na verdade, somos
muito melhores quando temos pouco dessas coisas.

UM £705‫ ־‬DO MOVIMENTO


Conforme mencionado anteriormente, manter o etos do movimento é, sem
dúvida, um antídoto contra o perigo do institucionalismo crescente. O
objetivo de despertar o etos adormecido do movimento foi uma das bases
estratégicas do meu ministério em minha denominação. Então, eu acreditava,
assim como acredito hoje, que, de alguma forma, tínhamos que recuperar a
dinâmica perdida dos movimentos se quiséssemos evitar o declínio inevitável
e o consequente fechamento. E, embora minha denominação ainda utilize a
terminologia do movimento para descrever a si mesma, assim como a maioria
das denominações, nós não exibimos uma cultura de movimento. Se
quiséssemos nos tomar um movimento outra vez, precisaríamos saber,
primeiro, com o que os movimentos realmente se pareciam e quais eram seus
desejos. O que é claro é que os movimentos têm uma composição e desejo
bastante diferentes das instituições de- nominacionais na quais nos
transformamos. As diferenças não são nada mais do que paradigmas. H. R.
Niebuhr observou que "há diferenças essenciais entre uma instituição e um
movimento: o primeiro é conservador, o segundo é progressivo; o primeiro é
mais ou menos passivo e submisso a influências externas, o segundo é ativo
em influenciar em vez de ser influenciado; o primeiro olha para o passado, o
segundo para o futuro. Além disso, o primeiro é ansioso, o segundo é
preparado para assumir riscos; o primeiro protege as fronteiras, o segundo as
cruza".195 Estudos no decorrer dos anos apenas destacaram mais essas
diferenças e mostraram, assim, como nos distanciamos de nossas raízes.
A Christian Associates International é um movimento base de plantação de
igreja na Europa.196 Em 1999, CAI estabeleceu um objetivo de longo alcance:
identificar e desenvolver 500 missionários enviados para estabelecer uma ou
mais igrejas missionárias nas 50 maiores cidades na Europa até 2010 - e estão
no caminho para alcançá-lo. Ao adotar explicitamente um etos do movimento,
a CAI vê como sua tarefa principal iniciar uma reação em cadeia de

194 Philip Yancey, ChristianityToday, julho de 2004, vol. 48, n°7,72.


195 Citado em Bosch, Transforming Mission, 51.
196 http://www.chnstianassociates.org/index.asp.
movimentos de plantação de igreja. Segundo eles, "um movimento de
plantação de igrejas é caracterizado pela habitual plantação de igreja
(orgânica, natural)".197
O que é absolutamente crucial para o pensamento da CAI é a importância
central de gerar um movimento genuíno de base. Isso é visto por ela como
crucial para a reevangelização da Europa pós-cristã e pós-cris- tandade.
Enquanto expressa em uma linguagem simples e visionária das comunidades
de base da fé, ao invocar a imaginação do movimento, a CAI definitivamente
é algo significativo, algo que remonta ao dinamismo do Genoma Apostólico.
Os movimentos de Jesus da história podem apenas ser compreendidos, bem
como categorizados socialmente, como movimentos de base de pessoas. Há
muito a ser aprendido a respeito do cristianismo a partir das dinâmicas dos
movimentos de pessoas.
"É totalmente verdadeiro dizer que a maioria dos grupos que tem impacto
em nível local, nacional ou internacional quase sempre começa com uma
forma chamada pelos sociólogos de movimento. Ou seja, exis- tem algumas
características comuns que marcam a fase inicial dos mo- vimentos sociais
dinâmicos e são diferentes das estruturas sociais das instituições antigas que
surgem a partir delas".198 Isso é verdadeiro para as agências eclesiásticas,
paraeclesiásticas e missionárias, bem como para corporações, projetos de
comunidade, partidos políticos e muitas outras organizações seculares. A
maioria das organizações transformacionais, religiosas ou outras, é
inaugurada com determinado etos e energia que iniciam com uma visão/ideia
produtiva e crescem como uma onda para impactar a sociedade ao seu redor.
Considere os cristãos celtas, os morá- vios, o pentecostalismo inicial e, mais
perto da nossa época, a Vineyard, como exemplos de movimentos dinâmicos
que mudaram o mundo.
Na busca para recuperar o Genoma Apostólico, portanto, é crucial estudar
a natureza dinâmica dos movimentos, pois "na forma do movi- mento, com
toda sua fluidez, visão, caos e dinamismo, encontra-se um dos indícios para
transformar nosso mundo por Jesus".199 Então, para os nossos propósitos, uma
definição funcional de movimento é a seguinte:
Um grupo de pessoas organizadas, motivadas ideologicamente e com-
prometidas com um propósito, que implementa determinada forma de
mudança pessoal ou social, que está comprometido de maneira ativa no
recrutamento de outros, e cuja influência é disseminada de forma contrá- ria

197 Para fixar esse etos, eles adotaram a seguinte abordagem: iniciar (facilitar o processo de iniciar uma nova
comunidade eclesiástica); estabelecer (facilitar o processo de desenvolvimento da comunidade);
amadurecer (facilitar o processo de amadurecimento da comunidade); reproduzir (facilitar o processo de
plantação de igreja dentro de uma comunidade eclesiástica).
198 Hirsch e Frost, TheShaping ofThings to Come, 202. A seguinte descrição dos movimentos acompanha de
perto o trabalho que realizei lá com Michael.
199 Ibid.
à ordem estabelecida dentro da qual se originou.200
Essa definição, apesar de soar técnica, descreve com precisão, não ape- nas
todos os movimentos impactantes socialmente, mas também o povo de Deus
do Novo Testamento. A partir do que você sabe a respeito da igreja em Atos,
tente discernir os elementos dessa definição nessas comunida- des primitivas.
Você descobrirá que ela se ajusta. Não descreve somente o movimento cristão
primitivo, essa definição é também consistente com as

200 Ibid. Um breve comentário a respeito da frase final se faz necessário: essa oposição à ordem estabelecida
parece ser uma característica universal dos movimentos. O que está claro é que o cristianismo genuíno,
onde quer que se expresse, está sempre em tensão com os aspectos significativos da cultura circunvizinha,
pois sempre busca transformá-la. Os movimentos são transformadores por natureza, então, não aceitam o
status quo. Por outro lado, o cristianismo teologicamente liberal, embora sincero, tenta minimizar essa
tensão; essa é a razão pela qual o liberalismo, com frequência, é chamado de cristianismo cultural. E por
isso é praticamen- te impossível encontrar um movimento liberal que tenha tido algum impacto missional
significativo sobre o mundo. O liberalismo vem depois na vida de um movimento e geralmente é um sinal
claro de declínio (veja o lugar da dúvida ideológica no diagrama do ciclo da vida da seção sobre os
movimentos).
situações nas quais o Genoma Apostólico se manifesta. Tente utilizar a de-
finição para o que você sabe sobre a igreja na China ou em algumas regiões da
América do Sul e da África.
Se combinarmos as dinâmicas de movimento ao conceito dos ciclos da
vida organizacional (abaixo), comparando os dois lados da curva de
crescimento, podemos discernir que os movimentos podem, na realidade, ser e
parecer. Observe as dinâmicas feitas para as primeiras fases de crescimento da
organização (os períodos de fundamento e crescimento). O que está
acontecendo aqui? Que tipo de liderança é necessária? Qual é o foco da
organização? O que gera seu crescimento?205 Essas são perguntas de
fundamental importância para o missionário e plantador de igreja que está
prestes a tentar iniciar alguma forma de movimento em contextos variados.
Faça essas perguntas para si mesmo. Tente responder as mesmas perguntas
em relação aos movimentos históricos que admira, aos seus heróis, e aprenda
a partir deles o que produz o impacto missional dinâmico.

O ciclo de vida dos movimentos


Seguindo a lógica da curva de sino acima, perguntas similares poderíam
ser feitas a respeito da fase de declínio. Considerando as fases iniciais dos
movimentos, a visão e missão estão na condução, agora a programação e
administração tendem a substituir e colocar de lado a visão e a missão. Aqui, o
declínio está diretamente relacionado à institucionalização, e eventual fim, do
movimento. O que está acontecendo nesses estágios? Que modelo de liderança
está envolvido? Que tipo de teologia fortalece isso? Há perguntas
significativas relacionadas à revitalização das igrejas e denominações, porém,
também são importantes para a nova obra missionária, pois é crucial para a
obtenção da mistura correta de liderança e estrutura que faz dos movimentos
agentes tão poderosos de mudança transformacional.201
Para esclarecer nossa compreensão sobre como os etos dos movimentos
estão relacionados ao Genoma Apostólico, é importante identificar algumas
das características marcantes dos movimentos. Para isso, recorremos ao
importante livro de Howard Snyder, Signs ofthe Spirit, onde ele identifica as
seguintes características dos movimentos:
• Uma sede por renovação: um descontentamento santo com o que existe
apressa uma recuperação da vitalidade e modelos da igreja primitiva.
• Uma nova ênfase na obra do Espírito: a obra do Espírito é vista não apenas
como importante no passado, mas também, como uma experiência no
presente.
• Uma tensão institucional-carismática: em quase todos os casos de re-
novação, as tensões dentro das estruturas existentes surgirão (isso
levanta a questão sobre o odre de vinho).
• Uma preocupação em ser uma comunidade anticultural: os movimentos
chamam a igreja para um comprometimento mais radical e uma tensão
mais ativa com o mundo.
• Liderança não tradicional ou não ordenada: os movimentos de renovação
são frequentemente liderados por pessoas sem reconhecimento formal
da condição de liderança na igreja. A autoridade espiritual é o segredo.
Além disso, mulheres são notavelmente mais ativas nos movimentos.
• Ministério para os pobres: os movimentos quase sempre envolvem
pessoas no nível básico. Envolvem a massa de maneira ativa (os não
estudados ou rejeitados socialmente) e com frequência começam como
missão nas periferias e entre os pobres (São Francisco, os Wesley,
Exército de Salvação, etc.).202
• Energia e dinamismo: movimentos novos têm a capacidade de estimular e
atrair outras pessoas como líderes e participantes.203
Agora, vamos comparar a perspectiva distintamente wesleyana de Snyder
com a de Gerlach e Hine, sociólogos cuja pesquisa sobre os movimentos indica
que eles são caracterizados pelos seguintes elementos:204

201 ibid.
202 Os movimentos de renovação nos mostram que a renovação profunda frequentemente começa na periferia,
ou nas margens, da igreja (Snyder, Decoding the Church, 81).
203 Howard A. Snyder, New Wineskins: Changing the Man-Made Structures of the Church (Londres: Marshall,
Morgan e Scott, 1978).
204 L. P. Gerlach e V. H. Hine, People, Power, Change: Movements of Social Transformation (Indianápolis: Bobbs-
Merrill, 1970). Novamente, isso foi mencionado em The Shaping of Things to Come, 204-5. As semelhanças da
abordagem teológica de Snyder com a sociológica de Gerlach e Hine são evidentes. Embora utilizem
• Organização segmentada e celular composta de unidades mantidas
juntas por diversos laços pessoais, estruturais e ideológicos. Em outras
palavras, um grupo de pequenas comunidades de fé (p. ex., igrejas nos
lares ou grupos em células) reunidos em torno de Jesus e sua missão.
• Recrutamento pessoal feito por indivíduos comprometidos utilizando
seus próprios relacionamentos pré-existentes e de significân- cia social.
Amizades e relacionamentos orgânicos são os principais meios para
recrutar pessoas para a causa.
• Comprometimento pessoal gerado por uma atitude ou experiência que
separa o convertido, de alguma forma, da ordem estabelecida,
identifica-o com o novo conjunto de valores e o compromete a mudar
seus padrões de comportamento. Isso é o que os cristãos sempre cha-
mam de conversão; uma reorientação radical de vida e estilo de vida.
• Uma ideologia de valores articulados e objetivos, que fornece uma es-
trutura conceituai para a vida, motiva e concede a análise racional para
mudança, define a oposição e forma a base para uma unidade entre as
redes de comunicação segmentadas dos grupos no movimento.
• Oposição real ou observada por parte da grande maioria da sociedade
ou por parte daquele segmento da ordem estabelecida dentro da qual o
movimento surgiu.205 Isso aconteceu em quase todos os exemplos de
surgimento de movimentos a respeito dos quais temos ciência. Wesley
foi marginalizado pela igreja anglicana, assim como Booth. Martin Lu-
ther King Jr. foi rejeitado pelo cristianismo hegemônico de seus dias,
etc. Os movimentos dinâmicos sempre têm uma visão transformadora
para a sociedade e isso os coloca em tensão em relação a ela.
Um aspecto que vale a pena acrescentar às listas acima é que novos
movimentos missionais quase sempre começam nas margens da socieda-
de/cultura e entre as pessoas comuns. Eles não são elitistas e têm a capacidade
de estimular e mobilizar os outros como líderes e participantes.206
O que está claro é que o etos do movimento permanece, de alguma forma,
diferente do sentimento de quase todas as denominações estabelecidas ou
igrejas, porque essas estão praticamente à beira do declínio do ciclo da vida. A
fim de continuar verdadeiramente missionais e estabelecidas, as organizações
devem estar muito atentas aos perigos da institucionalização. David K. Hurst,
de Harvard, fala a respeito das mudanças na ênfase que acontece na

linguagem diferente, eles descrevem um fenômeno semelhante que é comum a todos os movimentos
humanos e forças sociais.
205 "A história é bastante clara a respeito disso: a maioria das instituições estabelecidas resistirá ao etos do mo-
vimento. É simplesmente caótico ao extremo e incontrolável para as instituições lidarem com isso. Essa é a
razão pela qual muitos movimentos são destituídos da organização anfitriã. Não que esse seja necessaria-
mente o caso, mas exige uma permissão dada pelos níveis mais elevados da liderança denominacional ou
organização estabelecida para assegurar que eles não sejam rejeitados‫( ״‬,Shaping ofThings to Come, 206).
206 Como Harvey Cox também observou, o principal estímulo para o cristianismo renovado virá de baixo e
das margens, de setores do mundo cristão que estão à margem.
institucionalização por meio da metáfora de passar de caçadores a pastores.207
Em sua análise, as marcas identificadoras dessa transição são:
• Missão se transforma em estratégia
• Funções se transformam em tarefas
• Equipes se transformam em estruturas
• Redes se transformam em organização208
• Reconhecimento se transforma em compensação
No entanto, mais importante do que apenas estar ciente a respeito do
institucionalismo, temos que estar extremamente atentos a ele, pois, se o que
podemos aprender a partir dos fenomenais movimentos de Jesus estiver
correto, ele não permite que nos tomemos totalmente povo de Deus. É
realmente marcante, por exemplo, que a igreja chinesa tenha sido ativada
verdadeiramente de maneira poderosa somente quando todos os pontos de
referência institucionais foram obrigatoriamente removidos. Precisamos nos
lembrar sempre de que o caminho de Jesus, o Reino de Deus, é, na realidade, o
que Jacques Ellul chamou de "antirreligião". Devemos constantemente sujeitar
nossas instituições à crítica profética, pois é o profeta, durante seu simples
chamado à fidelidade somente a Deus, que está mais ciente dos perigos das
reivindicações que as instituições fazem da fé. Trata-se do cerne do ministério
profético nos chamar constantemente à simples fidelidade da aliança; isso está
resumido em Miqueias 6.8: Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o
Senhor pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente
com o teu Deus. Em relação ao institucionalismo, a visão profética simples
sempre possui uma ameaça e um desafio. A total simplicidade de sua
mensagem enfraquece a confusão crescente das mensagens institucionais e
fixa a lealdade pura a Deus. Portanto, enfraquece as falsas reivindicações de
todas as autoridades humanas.
A fim de recuperar a vitalidade missional da igreja primitiva, temos que
despertar outra vez o enérgico etos do movimento na maioria das organizações
das quais participamos. Para fazer isso, precisamos "nos desprender de tudo o
que não importa" e voltar para caminho seguro de Jesus. O leitor será sensato
se levar esses elementos seriamente em consideração quando estabelecer as
atividades missionais pioneiras ou durante a remissionalização das
estabelecidas.
Utilizando uma tabela comparativa, podemos agora refinar, isolar e
contrastar as diferenças entre a religião institucionalizada e o etos do mo-

207 David K. Hurst, Crísis and Renewa{ (Cambidge: Harvard Business School Press, 2002).
208 Ele utiliza a palavra sistema aqui, porém, significa "estruturas centralizadas de organização‫״‬. Eu não
quis confundir isso com o que afirmei anteriormente na teoria dos sistemas vivos, que não ao que ele se
refere... por isso, a mudança.
vimento, como a seguir:209
Movimento missional orgânico Religião institucional
Tem a liderança missional pioneira como Evita a liderança com base na
sua função central personalidade e frequentemente é
liderada pela "classe aristocrática" que
herda a liderança com base na lealdade
Busca incorporar a maneira de vida do Representa um sistema de crenças mais
fundador codificado
Baseado nos princípios operacionais Baseada de modo crescente nas políticas
internos (mDNA) legislativas externas/governo
Possui uma causa É a "causa"
A missão é mudar o futuro A missão muda para preservar o passado
Tende a ser móvel e dinâmico Tende a ser mais estática e fixa
Rede descentralizada construída em Organização centralizada construída em
relacionamentos lealdade
Apela à pessoa comum Tende a ser cada vez mais elitista e,
portanto, exclusivista
Liderança inspiradora/transformadora Liderança transacional dominante;
dominante; autoridade espiritual tende a autorização institucional tende a ser a base
ser a base primordial da influência principal da influência
Pessoas do Caminho Pessoas do Livro
Grupo centralizado dinâmico Grupo fechado dinâmico2

Como um exercício para fixar o que foi aprendido até este ponto, o leitor
deve tentar testar a tabela em relação ao que sabe sobre os movimentos versus
instituições. Tente acrescentar e subtrair elementos que você ache adequados
ou não. Teste e avalie sua experiência de igreja em relação a essa tabela.
ESTRUTURAS DE REDE
Se o Genoma Apostólico se expressa no etos do movimento, ele se forma em
tomo de uma estrutura de rede. Uma vez mais, isso tende a ser muito
diferente daquilo que esperamos de nosso conceito geral de igreja. Quando
utilizamos a palavra igreja, é muito difícil visualizar a imagem de algum tipo
de edifício proveniente de nossa imaginação. No entanto, essa não é a forma
pela qual as expressões fenomenais dos movimentos cristãos a experimentam.
Isso se deve, em parte, por conta do fato de que a igreja primitiva não tinha
tais edifícios; todos os edifícios eclesiásticos dos chineses lhes foram tirados.
Contudo, isso se dá também porque os edifícios não são da forma como se
pretendia em nenhuma imagem teológica da igreja nas Escrituras. Desde
Constantino, parece que simplesmente misturamos tudo. Em comparação, a
igreja chinesa está muito mais próxima do que o Novo Testamento pretende,

209 Adaptada e desenvolvida de forma significativa a partir de Easum, Unfreezing Moves, !8.
como também mais consistente com a experiência da igreja do Novo
Testamento. Somos nós que estamos inconsistentes a esse respeito; é simples
assim. Então, com o que as redes se parecem?

Igreja lÍQuida x sólida


Peter Ward escreveu um livro excelente explorando as dimensões teológicas,
eclesiológicas e sociológicas das redes. Seguindo a análise de Zygmunt
Bauman a respeito da cultura em termos de modernidade líquida e sólida, ele
utiliza o termo igreja líquida para descrever a essência de como deveria ser a
aparência de uma igreja verdadeiramente estabelecida em rede de contato;
uma igreja responsiva à crescente dimensão fluida de nossa cultura, que
Bauman chamou de modernidade líquida.210 Ele contrasta a igreja líquida com o
que chama de igreja sólida. Para simplificar, a igreja sólida é equivalente ao que
descrevo aqui como igreja institucional. Por causa da existência contínua da
modernidade sólida, ele não aconselha o abandono total da igreja sólida,
porém, sugere ser ela um efeito real do declínio. A igreja sólida está
relacionada à modernidade sólida; e a igreja sólida, de modo geral, mudou de
sua base original para transformar-se em comunidades de herança (que
incorporam a tradição herdada), comunidades de refúgio (um lugar seguro do
mundo) e comunidades de nostalgia (vivendo do sucesso do passado). Ele
sugere que quase todas as manifestações de igreja sólida se encaixam em uma
ou mais dessas categorias.
Ele diz que "a mudança da igreja sólida em comunidades de herança,
refúgio e nostalgia reduziu seriamente sua capacidade de se comprometer
com a missão genuína na modernidade líquida".211 Isso acontece porque a
igreja se sente muito fracassada em relação a sua cultura vizinha. Ele destaca
que isso prejudicou gravemente o código genético da norma da igreja porque
ela não pode ser e não pode se tornar ela mesma em tal condição. A igreja
sólida modificou o código genético porque, em geral, ignorou a mudança
cultural e se viu mudada de maneira inferior ao planejado ou ao perfeito. Ao
cuidar das necessidades religiosas de alguns (geralmente os de dentro), ela,
como consequência, falhou em responder à enorme fome espiritual dos que
ainda não eram cristãos. Além disso, "o código genético mutante dentro desses
tipos de igrejas significa que eles são um pequeno ponto inicial para um novo
tipo de igreja que se liga ao fluxo de fome espiritual evidente em nossas
sociedades".212 Isso destaca a necessidade de comprometer a modernidade

210 Bauman sustenta que nossa situação atual é uma mistura de moderno e pós-moderno e acredita que, em vez
de optarmos por um ou outro, devemos visualizar a nós mesmos em uma situação fluida que ele chama de
"modernidade líquida‫״‬.
211 Ward, LiquidChurch, 29.
212 Ibid., 30.
líquida com a forma líquida da igreja. A igreja líquida é essencial porque leva
a sério a cultura atual e busca expressar a plenitude do Evangelho cristão
dentro dela. O elemento definitivo disso é a igreja como uma rede viva e adap-
tável, altamente responsiva às necessidades e fome espirituais expressas na
sociedade vizinha.
Não se engane; igreja líquida conforme Ward define está teologicamente
muito mais próxima do conceito de igreja defendido nos ensinamentos do
Novo Testamento, não apenas porque é missional e responsiva ao contexto
vizinho, nem apenas porque é estruturalmente mais consistente com a
eclesiologia bíblica, mas porque leva muito a sério as doutrinas gêmeas do que
significa estar "em Cristo" e o "corpo de Cristo", e as reelabora em vista da
situação missional. E evidente que a igreja em Corinto era bastante diferente
em estrutura e etos em relação à igreja em Jerusalém, no entanto, ambas eram
expressões legítimas do corpo de Cristo. Há pouco a respeito da uniformidade
da estrutura na igreja do NT.
A realidade da igreja deve ser encontrada somente "em Cristo". "Cristo é a
nossa origem e a nossa verdade. Ser cristão é estar unido a Cristo, e estar
unido a Cristo é estar unido a sua igreja".213 Isso é o que constitui o corpo de
Cristo. Trata-se da principal ligação com Jesus que define o que significa ser
cristão e estar em sua igreja. A maneira como isso se expressa dependerá
muito do contexto missional. Em uma cultura líquida, diz Ward, precisamos
de uma forma líquida de igreja capaz de expressar verdadeiramente o que
significa estar "em Cristo".
Estar unido a Cristo é estar unido ao corpo de Cristo. Essa expressão in-
corporada e corporal de Cristo é fundamental para qualquer teologia da
igreja. A ideia de corpo de Cristo vai muito fundo na mente das pessoas.
Contudo, é válido refletir sobre como expressamos essa verdade, pois dizer
que o corpo de Cristo é a igreja não é o mesmo que dizer que a igreja é o
corpo de Cristo. A implicação da minha leitura sobre a teologia de Paulo é
que devemos dar muito mais ênfase em como a forma de nossa ligação com
Cristo nos torna parte do corpo do que em outros aspectos.214
Nosso problema, ao que parece, é que identificamos muito rápido as ex-
pressões concretas-históricas da igreja como corpo de Cristo. Embora exista
uma verdade nisso, porque a igreja é o corpo de Cristo, talvez, a maior verdade
seja que o corpo de Cristo é a igreja. Quando dizemos que a igreja é o corpo de
Cristo, afirmamos determinada autoridade para uma expressão particular de
igreja. Dizer que o corpo de Cristo é a igreja é abrir possibilidades de como ela
pode se expressar física e organizacionalmente. Isso não a localiza somente em
uma expressão particular de igreja.215 O corpo pode expressar- -se de muitas

213 Ibid., 33.


214 Ibid., 37.
215 Ibid. 38.
maneiras diferentes. A distinção é paradigmática. Reafirmá- -lo, nesses termos,
nos possibilita escapar do controle monopolizador que a imagem institucional
da igreja exerce sobre nossa imaginação teológica, e nos permite experimentar
uma jornada de reimaginar o que significa ser povo de Deus em nossos
próprios dias e nossas próprias situações.
Logo, como a igreja líquida pode se expressar? Ward aponta que todos os
líquidos são caracterizados por sua fluidez.216 Em oposição, os sólidos são
localizados e firmes. Forma ou solidez, citando Bauman outra vez, é o
equivalente a "espaço fixo" e "tempo de ligação" e, portanto, não há ne-
cessidade de mudança ou movimento. Entretanto, se devemos considerar uma
igreja líquida, então, como os líquidos, o movimento e a mudança devem fazer
parte de sua característica básica. "Precisamos nos desprender do modelo
estático de igreja baseado principalmente na congregação, programações e
edifícios. Em vez disso, precisamos desenvolver a noção de comunidade cristã,
adoração, missão e organização que, como a eclésia do NT, é mais flexível,
adaptável e responsiva à mudança".217 Em vez da estrutura hierárquica
centralista e mais "sólida" da igreja antiga, observamos a rede mais fluida na
igreja do NT.
Por fim, o que ficou conhecido como DOVE Christian Fellowship Inter-
national (DCFI) tinha suas raízes no estudo bíblico que envolvia pessoas jovens
que chegavam à fé no fenômeno Povo de Jesus no início da década de 70.218
Larry Kreider, o líder do grupo, ficou extremamente frustrado com a má
combinação da igreja predominante e com as pessoas que estavam
alcançando, por isso, começou a desenvolver o que chamou de "modelo de
igreja clandestina". Obtendo inspiração a partir das igrejas nos lares no livro
de Atos e ao redor do mundo, eles se estruturaram como um movimento que
se encontrava regularmente em células por toda a cidade. Assim então, teve
início a história da DCFI. Quando o novo movimento começou oficialmente
em 1980, havia 25 pessoas se reunindo em uma igreja nos lares. Ao adotar as
estruturas de rede do Genoma Apostólico, o movimento aumentou para cerca
de 2.500 cristãos se reunindo em mais de 125 grupos de célula por toda a
região centro-sul da Pensilvânia em 1992. Durante esse período, também
começaram a plantar igrejas na Escócia, Brasil, Quênia e Nova Zelândia.
Apesar de seu significativo crescimento, eles sentiam que tinham chegado
a uma barreira de crescimento porque tinham se tomado, de alguma forma,
dependentes das estruturas centralizadas para administrar o crescimento.
Decidiram que "precisavam ajustar o governo da igreja [deles] e ‫׳‬tomar a igreja
conhecida'". Sentiram que a visão que Deus lhes havia dado era "construir um

216 Ibid., 40SS.


217 Ibid., 41.
218 Essa e as informações seguintes com relação ao DCFI foram retiradas do site http://www.dcfi.org/abou-
t‫־‬us/. (Site em inglês. Acesso em 24/01/2015)
relacionamento com Jesus, uns com os outros e alcançar o mundo de casa em
casa, de cidade em cidade, de nação em nação", e isso simplesmente não
podería ser realizado com a estrutura da igreja predominante naquela época.
Logo, conscientemente, começaram a transição para o que chamaram de
"movimento apostólico". Diferente de uma denominação ou associação de
igrejas, que confere ordenação e concede responsabilidade geral aos líderes da
igreja por meio da estrutura centralizada, idealizaram o "movimento
apostólico" como uma família estabelecida pela rede das igrejas com um foco
em comum, desprovida das estruturas restritivas de uma denominação.
Logo, descobriram que o "ministério apostólico proporciona um ambiente
seguro para cada congregação e ministério, formando parceria com o DCFI
para prosperar e reproduzir-se [porque o novo modelo criou um espaço para
crescimento pela ênfase] conduzido pelo relacionamento e influência em vez
do gerenciamento prático". Como um movimento de plantação de igrejas
baseado em célula, eles logo reconheceram a necessidade estratégica de treinar
plantadores de igrejas e líderes com um coração e espírito missionário.
Sentiram-se chamados para "mobilizar e capacitar o povo de Deus (pessoas,
famílias, células e congregações) no nível básico a fim de realizar os propósitos
do Senhor. Cada igreja deve ter uma visão dada por Deus para plantar novas
igrejas". A nova estrutura de rede combinada com o etos do movimento
apostólico e a liderança lhes permitiu crescer das oito congregações iniciais
para cerca de 100 redes envolvendo muito mais pessoas nos 15 países por todo
o mundo.

Mais a respeito das redes


Não é de se admirar que, ao nos aproximarmos de uma estrutura de rede,
percebamos que não apenas estamos mais próximos das estruturas do povo de
Deus do NT, mas também, mais alinhados às dinâmicas do Ge- noma
Apostólico. Portanto, é essencial explorar a natureza e as formas das redes. Ao
fazer isso, precisamos compreender que estamos mais próximos de nossa
expressão mais verdadeira da eclésia, mesmo que, a princípio, possa nos
parecer estranho de alguma forma. Devemos também observar que dessa
maneira exploramos as coisas relacionadas não somente às questões sobre a
reativação da igreja missional, mas a muito do que experimentamos no
mundo de Deus. Albert-Lazlo Barabasi, o guru do pensamento de rede, fala a
respeito disso da seguinte maneira:
O pensamento da rede é equilibrado para invadir todos os domínios da
atividade humana e os da maioria dos campos de indagação do homem.
É mais do que uma perspectiva útil ou uma ferramenta. As redes de co-
municação são, por natureza, a estrutura de sistemas mais complexos, e os
nós e as ligações infundem profundamente em todas as estratégias na
aproximação de nosso universo integrado.219
Então, quais são as redes e como elas nos ajudam em nossa tarefa? De
acordo com a literatura que descreve e analisa as redes e a operação das redes,
elas aparecem basicamente em três tipos:220
• rede em cadeia ou em linha, como em uma cadeia onde as pessoas, bens
ou informações passam por uma linha de contatos separados e onde a
comunicação de uma ponta à outra deve passar por entre os nós
intermediários;
• rede por ponto central, em círculo ou estrela, como em uma franquia ou
cartel no qual os agentes estão ligados a um nó central (mas não
hierárquico) ou a um agente principal e devem passar por esse nó para
se comunicarem e coordenarem uns aos outros;
• rede de todos os canais ou matriz completa, como em uma rede
colaboradora dos grupos ambientais e ativistas nos quais todos são
independentes, porém, estão conectados aos demais.

rede em cadeia rede estrela ou ponto central rede de todos os canais

Cada nó nos diagramas refere-se a um indivíduo, a um grupo, a uma


organização, a parte de um grupo ou organização, ou até mesmo a um
Estado. Os nós podem ser grandes ou pequenos, muito ou pouco ligados e
inclusivos ou inacessíveis entres os membros. [...] Podem ser parecidos e
engajados em atividades semelhantes, ou ocupar uma divisão de trabalho
com base na especialização. Os limites de uma rede, ou de qualquer nó
incluído nela, precisam ser bem definidos, do contrário, podem se tornar
confusos e porosos em relação ao ambiente externo. Muitas variações são
possíveis.221

Deve estar daro que entre os três tipos de rede, a forma de todos os canais,
tradidonalmente, tem sido a mais difídl para organizar e sustentar. Isso
acontece, em parte, porque requer muita comunicação. No entanto, é
predsamente essa forma de rede que maximiza a potendalidade das
incumbêndas colaboradoras sem uma organização centralizada.222 E essa

219 Albert-Laszlo Barabasi, Linked: The New Science of Networks (Cambridge, MA: Perseus, 2002), 22.
220 Ligeiramente adaptado de John Arquilla e David Ronfelt, Networks and Netwars: The Future of Terror, Crime,
and Militancy (material disponível para download em http://www.rand.org/publications/MR/ MR1382/), 7SS.
221 Ibid., 8.
222 Ibid., 9.
forma de todos os canais está ganhando força e legitimidade a partir da
revolução da informática, por exemplo, na programação de código aberto e
nos negódos online e de operação de rede. Nas redes desse tipo, o sistema
organizadonal, de modo geral, tende a ser plano (contrário ao hierárquico).223
Também, em sua forma mais pura, não existe uma liderança única e central,
ordem ou quartéis-generais, tampouco um núcleo ou diretoria que possa ser
identificado prontamente. "A rede de comunicação como um todo (mas não
necessariamente cada nó) tem pouca ou nenhuma hierarquia; devem existir
diversos líderes. As tomadas de decisão e operações são descentralizadas,
permitindo iniciativa local e autonomia. Logo, o desenho pode parecer acéfalo
de vez em quando, e em outras vezes, policéfalo".224 A estrutura tenderá a ser
composta por pequenas unidades ou células. Entretanto, a presença das
"células" não significa necessariamente que exista uma rede - uma hierarquia
também pode ser formada por células, como é o caso da maioria das igrejas
com o programa de grupo em célula ativo. Trata-se da maneira como as células
se organizam e se relacionam que as toma uma rede.225
O que é particularmente instrutivo para organizações e movimentos
cristãos é como as redes se unem. O desenvolvimento eficiente de uma rede ao
longo do tempo e da distância dependerá muito do cultivo de crenças
compartilhadas, princípios, interesses e objetivos, talvez, articulados em uma
ideologia abrangente. A combinação de crenças e princípios forma a cola
cultural, ou ponto de referência, que junta os nós e é apoiada pelos membros
de forma profunda. "Um conjunto de princípios assim, formado por consulta
mútua e consenso, permite que os membros 'tenham a mesma ideia' mesmo
estando separados e dedicados a tarefas diferentes."226 Dee Hock, o brilhante
filósofo e empresário que fundou a empresa Visa, de trilhões de dólares, com
base no modelo de rede, esclarece bem esse ponto quando faz a seguinte
observação:
Propósito e princípio, claramente compreendidos e articulados, e
comumente compartilhados, são o código genético de qualquer organização
saudável. Até o ponto em que mantêm propósitos e princípios em comum,
vocês podem não precisar de comando e controle. As pessoas saberão como
se comportar de acordo com eles, e o farão de milhares de maneiras criativas
e inimagináveis. A organização se tornará um conjunto vital e vivo de
crenças.227

223 Ibid.
224 Ibid.
225 Ibid.
226 Ibid.
227 Citado em http://en.wikipedia.org/wiki/Command_and_control_(management) [Site em inglês. Acesso em
24/01/2015). Do livro de Hook, The Birth oftheChaordicAge (São Francisco: Berret-Koehler, 1999). Ele diz, em
outra parte, que “todas as organizações são meramente incorporações conceituais de uma ideia muito
antiga e muito básica: a ideia de comunidade. Elas não passam de uma somatória de crenças que as pessoas
elaboraram para elas a respeito de seu caráter, julgamentos, ações e esforços. O sucesso de uma
Lembra-se da referência a "se adaptar e se separar" no capítulo sobre o
Ambiente Apostólico? Essas crenças abrangentes proporcionam uma
coerência (adequação) ideológica central e operacional que permite uma maior
descentralização tática (separação). Essa cultura ou ideologia "também
estabelece limites e provê direção para as decisões e ações, de maneira que os
membros não têm que recorrer à hierarquia, pois 'sabem o que têm de fazer'
".228 Isso é análogo ao que a melhor prática militar se refere como "intenção do
comandante" e "regras do comprometimento": estabelecem as diretrizes para o
escopo da tomada de decisão individual. Por meio delas, o soldado sabe o que
fazer e quais são as limitações, porém, como vão fazer continua a critério dele.
Vale refletir aqui a respeito do que Hock diz ser o segredo para desen-
volver uma organização estabelecida em rede:229
• A organização deve ser adaptável e responsiva às condições de mu-
dança, embora preserve a coesão geral e a unidade do propósito.
• O truque é encontrar o delicado equilíbrio que permite que o sistema
evite as disputas e punhaladas nas costas por um lado e, por outro, o
microgerenciamento autoritário.
• A organização deve cultivar equidade, autonomia e oportunidade
individual.
• A estrutura governamental da organização deve distribuir poder e
função ao nível mais baixo possível.230
• A estrutura governamental não deve ser uma cadeia de comando, mas,
ao contrário, uma estrutura para o diálogo, deliberação e coordenação
de igual valor.
No entanto, toda essa comunicação em rede orgânica exige uma comu-
nicação significativa ou "densa" para unir tudo. Aquilla e Ronfeldt observam:
"O plano da rede pode depender de se ter uma infraestrutura para a
comunicação concentrada de informações. No entanto, isso não significa que
todos nós devamos estar em constante comunicação. Mas, quando a
comunicação é necessária, os membros da rede devem ser capazes de
disseminar as informações de forma imediata e abrangente conforme desejado
dentro da rede, bem como para a audiência externa".231

organização tem muito mais a ver com a clareza do propósito compartilhado, princípios comuns e a força
com que se acredita neles do que com ativos, opinião técnica, habilidade operacional ou competência no
gerenciamento, mesmo sendo tudo isso importante" (M. Mitchell Waldrop, “Dee Hock on Organizations",
Fast Company 5 (outubro/novembro de 1996)/ 84- Artigo online em http://www.fastcompany.com.
228 Arquilla e Ronfeldt, Networks and Netwars, 9.
229 Waldrop, "Hock on Organizations‫״‬.
230 Vale elaborar esse ponto em vista do problema do institucionalismo inerente nas funções centrais. Ele
prossegue e diz: "Nenhuma função deve ser exercida por uma parte do todo que pudesse ser feita ra-
zoavelmente pela parte mais periférica e nenhum poder deve ser conferido a qualquer parte que possa ser
exercitado de forma razoável por uma parte inferior‫( ״‬Waldrop, "Hock on Organizations‫)״‬.
231 Em muitos aspectos, então, o plano arquetípico corresponde ao que os sociólogos dos movimentos, Ger- lack
e Hine, chamaram de "rede de comunicação segmentada, policêntrica e ideologicamente integrada‫( ״‬SPIN):
"Por segmentária, quero dizer aue é celular, composta por muitos grupos diferentes. [...] Por policêntrica,
quero dizer que tem muitos líderes diferentes ou centros de direção. [...] Por estabelecida em rede, auero
dizer que os segmentos e os líderes estão integrados em um sistema reticulado ou de rede por meio de
Isso se alinha exatamente ao que o escritor popular sobre redes, Manuel
Castells232 descreve como dinâmicas de uma rede. Segundo sua visão, elas são
formadas não somente por nós, mas também por pontos centrais. Estes são
lugares onde as linhas de comunicação se conectam. Um nó pode ser qualquer
coisa: uma saída de mídia, um website, uma organização ou um indivíduo.
Com o passar do tempo, alguns nós na rede de comunicação podem emergir
como mais importantes do que outros, dependendo das circunstâncias
geográficas, políticas, históricas ou pessoais. Por exemplo: uma empresa que
oferece determinado serviço ou produto estará conectada a vários outros
estabelecimentos e clientes por seu útil para ela. Estar conectada atende a seus
propósitos. Com a crescente importância da rede, determinados lugares
podem se tornar nós ou pontos centrais maiores onde outros nós se conectam
e se cruzam. Isso pode ser representado em forma de diagrama da seguinte
maneira:

A estrutura dinâmica das redes

Após descrever todas essas características das redes, não é difícil perceber
que esta é exatamente a maneira como a igreja primitiva e a igreja chinesa
atuavam. Olhe para o diagrama outra vez. Os pontos centrais seriam lugares
como Antioquia, Jerusalém ou Roma, ou pessoas como Paulo. Os nós
poderíam ser as igrejas nos lares e grupos de pessoas envolvidas em várias

vários elos estruturais, pessoais e ideológicos. As redes, de modo geral, são ilimitadas e expan- síveis. [...] O
acrônimo [SPIN] nos ajuda a retratar essa organização como fluida, dinâmica e expansiva, prolongando-se
para a atual tendência da sociedade‫״‬. Veja Aquilla e Ronfelt, Networks and Netwars, 10.
232 Veja Manuel Castells, The Rise of the Network Society, 2a ed. (Oxford: Blackwell, 2000).
dimensões da vida. Nós poderíam se tornar pontos centrais, dependendo de
sua relativa importância na rede. Antioquia e Jerusalém, com certeza, eram
pontos centrais segundo essa visão. Quando os escritores do Novo Testamento
articularam a doutrina fundamental da eclésia, isso é o que queriam dizer - não
edifícios ou instituições, mas um corpo de Cristo fluido, envolvido de modo
dinâmico em todas as esferas da vida.233 E dentro dessa estrutura que o
Genoma Apostólico parece manifestar-se de forma mais completa. E devido à
situação missional de nossa era, o tempo chegou a redescobrir a igreja como
uma rede dinâmica além da instituição e em todas as áreas da vida e da
criação.
Stadia é um movimento orgânico de multiplicação de igrejas baseado em
rede nos Estados Unidos. Sua missão é encontrar, treinar, posicionar e
estabelecer líderes para multiplicação de igrejas com base na rede. Por sua vez,
esses líderes formam redes regionais de plantadores, multiplicam igrejas e
apoiam o pessoal que, juntos, formam um movimento de multiplicação de
igreja sustentável e reproduzível. O objetivo deles é estabelecer 5.500 novas
igrejas em todos os Estados Unidos.234
Outro notável movimento orgânico que segue essas abordagens se desen-
volveu na Califórnia e ao redor do mundo: Church Multiplication Associates.
Essa rede é liderada por Neil Cole, pioneiro no desenvolvimento de plantação
de igreja orgânica e a pessoa que articulou claramente um movimento com
base nas dinâmicas de movimento, na comunicação em rede por vários canais
e reprodutibilidade orgânica, embora sua linguagem seja um pouco diferente.
Isso foi traduzido em um sistema de treinamento de liderança chamado
Greenhouse, que treina líderes a partir de diversos contextos na metodologia
orgânica.235 O movimento cresceu bastante conforme as novas expressões da
igreja encamadonal invadiam os estacionamentos, cafés, casas, bares, etc. O
movimento coreano associado a Paul Yonggi Cho é formado com base em
princípios semelhantes - Cho sempre sustentou que a igreja real existia em
células e o restante era supérfluo. Esses são apenas alguns exemplos dentre
muitos movimentos que estão acontecendo ao redor do mundo.
Uma expressão australiana disso é o novo movimento pentecostal cha-
mado The Junction, liderado por Kim e Maria Hammond.236 Essa rede en-
raizou-se profundamente na área local. As pessoas se encontram na escola do
bairro, onde se tomaram parte do funcionamento efetivo da escola, nos bares
locais e cafés e estão envolvidas em muitos dos projetos com os quais sua
comunidade contextual está comprometida, incluindo as caminhadas contra a

233 Veja James Thwaites, The Church beyond the Congregation: The Strategic Role of the Church in the Postmodern
Era (Milton Keynes: Paternoster, 2002) para uma fascinante articulação a respeito da ideia Bíblia sobre a
eclésia.
234 http://www.stadia.cc/
235 Vá em www.cmaresources.org e verifique os vários aspectos do movimento.
236 http://www.thejunction.info
miséria237, para orientar crianças desprivilegiadas da região e alimentar os
pobres. Não existe centro nem circunferência - existe apenas em nós, pontos
centrais e relacionamentos enriquecedores, e é formado exatamente com base
na estrutura das amizades. A Third Place Communities, na Tasmânia, atua
baseada nos mesmos princípios e muito se assemelha ao diagrama da rede
apresentado acima. Todas essas missões novas demonstram uma recuperação
de potencial latente que prenuncia algo bom para o futuro da igreja no
Ocidente. Fazemos bem em dar-lhe as boas-vindas.

Redes e guerras tecnológicas: o Que podemos aprender a respeito de


nós mesmos a partir da Al Qaeda
Por mais que pareça chocante em um primeiro momento, não é difícil perceber
as espantosas semelhanças entre as estruturas das redes terroristas
internacionais, como a Al Qaeda, e a estrutura da igreja primitiva ou a igreja
chinesa. Embora o planejamento de cada uma seja totalmente diferente, em
parte, é a estrutura que toma ambas tão eficientes e praticamente impossíveis
de "derrotar". Como é possível que todos os governos legítimos do mundo
estejam, juntos, gastando centenas de bilhões de dólares tentando aniquilar
um movimento relativamente pequeno e não tenham conseguido sequer
progredir?! Os exércitos mais poderosos do mundo estão empenhados no
propósito de destruí-lo e ainda nem chegaram perto de realizar sua missão.
Deixando de lado o planejamento político, o que há de tão especial nesse
movimento que o toma tão difícil de ser destruído?
A Al Qaeda tem todos os elementos de um movimento conforme definido
neste capítulo; apresenta também todas as características de uma rede de
comunicação de todos os canais, consistindo de nós descentralizados e
múltiplos centros de energia. É formado por unidades pequenas e
independentes, ou células, que podem facilmente recmtar e se multiplicar.
Além disso, o DNA de sua mensagem e ideologia está inserido em toda célula
terrorista por meio do desenvolvimento de uma simples mensagem
"espirrável", que pode ser reproduzida em qualquer contexto apresentado. As
condições geopolíticas são perfeitas para sua mensagem, e ela tem uma
capacidade aparentemente inerente de se disseminar e, então, fervilhar em
tomo de assuntos e lugares onde o potencial de sua missão tem grande
possibilidade de maior impacto. Depois, parece desaparecer no ar, fazendo
com que seja simplesmente impossível destruí-la.
Faço essa comparação, não para ser desnecessariamente provocativo (sou

237 Walk Against Want são eventos organizados pela Oxfam, organização de desenvolvimento mundial que
mobiliza o poder do povo contra a pobreza. Proporciona às pessoas habilidades e recursos para ajudá-las a
criarem suas próprias soluções para a pobreza, (https://www.oxfam.org.au/act/events/walk- against-want/).
(Site em inglês. Acesso em 24/01/2015) (N. de Revisão)
totalmente contra o que a Al Qaeda defende), mas porque podemos aprender
muito sobre a natureza do mDNA a partir dela, pelo menos, no que diz
respeito às estruturas. Assim, parece que a igreja, em sua forma mais
excepcional, (incluindo a igreja primitiva e a chinesa) se assemelha mais à Al
Qaeda do que àquilo que, de forma geral, passamos a conhecer como igreja.
Tanto é assim que a maioria de nós (incluindo a vasta maioria dos líderes da
igreja) simplesmente não reconhecería essas notáveis expressões de igreja
como igreja se tropeçasse nelas; elas apenas não atendem aos nossos critérios
de igreja, influenciados como são por edifícios, clérigo profissional, estruturas
institucionais e assim por diante.
No entanto, ainda há mais a se considerar. Conforme mencionado acima,
cada célula da Al Qaeda possui em si o DNA completo de todo o movimento.
Essa é a razão pela qual consegue se reproduzir e ainda permanecer leal à sua
causa. Quando consideramos o Genoma Apostólico e a igreja, é exatamente a
mesma coisa. Assim como uma semente ou muda, cada comunidade de Jesus
tem o quociente total e completo do mDNA introduzido nela e, se for fiel ao
seu próprio chamado, e dadas as condições apropriadas, pode se tomar o
início de todo um novo movimento apostólico.238 Na semente, a árvore inteira
está embutida e, na árvore, está o potencial para a produção de incontáveis
outras sementes. Na árvore está todo o potencial da floresta.
É interessante notar, de passagem, que no mundo natural dos organismos,
modelos similares de disseminação organizada podem ser observados.
Algumas espécies aumentam suas chances de sobrevivência pela
disseminação em massa (p. ex., as bactérias ou as formigas). Outras buscam a
sobrevivência pela concentração de células em uma unidade indivisível,
porém, ao fazer isso, correm grande risco em termo de extinção. Por exemplo,
é simplesmente impossível eliminar os grupos bacte- rianos por causa da
disseminação em massa e porque cada bactéria tem aquele maldito DNA
capaz de replicar e desenvolver. Da mesma forma, as plantas, quando seu
sistema pressente que sua sobrevivência está ameaçada, utilizam todas as suas
energias para produzir mais sementes e aumentar a possibilidade de
sobrevivência. Isso é o que acontece quando podamos as plantas ou as
árvores; elas produzem mais flores que, por sua vez, produzem mais frutos
que contêm sementes. Cheguei à conclusão de que, em termos de sérios
desafios de adaptação, a igreja também maximizará sua sobrevivência pela
descentralização, disseminação e multiplicação. Isso é exatamente o que
aconteceu com a igreja primitiva e a da China e, curiosamente, está começando
a acontecer no contexto do século 21.

238 Novamente, como disse Easum, devemos visualizar cada igreja como a raiz e o broto de um novo movimento
(Unfreezing Moves, 18).
CRESCIMENTO COMO O DE VÍRUS
A ideia de replicação nos leva a considerar as questões referentes aos padrões
de crescimento. Um dos mais poderosos elementos dos sistemas orgânicos é a
sua capacidade de reproduzir espontânea e exageradamente.
É esse aspecto da multiplicação orgânica em uma taxa notável que toma o
impulso missional-encarnacional descrito no capítulo anterior tão poderoso.
Aqui é o ponto onde realmente começa a ficar interessante.

A corrente do bem: crescimento hiperbólico e sistemas orgânicos Há alguns anos, foi


lançado um filme maravilhoso chamado A corrente do bem, que ilustrou o
poder do crescimento hiperbólico nos sistemas sociais de forma perfeita. O
pequeno Trevor McKinney (interpretado por Haley Joel Osment), preocupado
com o alcoolismo de sua mãe e com medo de seu pai abusivo, embora ausente,
é surpreendido por uma tarefa intrigante dada por seu novo professor de
Estudos Sociais, Mr. Simonet (Kevin Spacey). A tarefa é: pensar em alguma
coisa para mudar o mundo e colocá-la em prática. Trevor pensa na noção, não
de retribuir um favor, mas de passá-lo adiante; pagar boas ações não com
retribuição, mas com uma nova boa ação "passada adiante" para outras duas
novas pessoas. Por fim, a ação fica conhecida como o fenômeno "passe
adiante" e se toma um movimento que se espalha pelos Estados Unidos. A
história ganha força quando um jornalista de um Estado do outro lado do país
ganha um automóvel Jaguar por uma ocorrência do passe adiante.
Completamente intrigado, ele decide investigar de onde veio todo esse
movimento, chegando, no fim, a Trevor. Os esforços de Trevor para fazer o
bem causaram uma revolução não somente na vida dele, na de sua mãe e na
de seu professor marcado física e emocionalmente, mas também na vida do
grande círculo de pessoas completamente desconhecidas para ele. Isso pode
ser representado graficamente da seguinte maneira:

crescimento hiperbólico
Imagine que todos em sua comunidade adotassem a abordagem passe
adiante para missões. Seria algo parecido com isto: cada um de nós concorda
em trazer duas pessoas para o Senhor durante nossa vida; compro- metemo-
nos a discipulá-las e lhes damos o desafio de fazer o mesmo. No entanto, há
mais implicações. Como seria se cada igreja concordasse em passar adiante
plantando duas outras igrejas e as comprometessem, por sua vez, a passar
adiante plantando mais outras duas e assim por diante? Então, aqui está o
acordo: aplique isso (1) ao evangelismo, (2) ao discipu- lado e (3) à plantação
de igrejas, e o trabalho seria realizado num piscar de olhos. Tudo o que
precisamos fazer é nos apegarmos ao método e aos princípios do crescimento
metabóUco e ver aonde vai dar. Essa é precisamente a maneira como a igreja
primitiva cresceu de 25.000 para 20.000.000 em 200 anos, e como a igreja
chinesa cresceu de 2.000.000 para 60.000.000 ou mais em 40 anos. E simples e
complicado assim.
Se ainda não está convencido, considere o seguinte: você deve estar
familiarizado com a história do inventor do jogo de xadrez. Como recom-
pensa por sua invenção, o rei da índia lhe ofereceu qualquer coisa que
quisesse. Como uma "modesta" recompensa, ele pediu que um grão de arroz
fosse colocado na primeira casa do tabuleiro de xadrez e depois fosse
elevado ao quadrado (multiplicado por ele mesmo) até que todas as casas do
tabuleiro fossem completadas - 64 casas ao todo. Isso significa dois grãos de
arroz na segunda cada, quatro na terceira, dezesseis na quarta e assim por
diante. O rei, que a princípio sorriu diante do pedido achando que
conseguiría realizá-lo com facilidade, simplesmente não conseguiu realizar o
desejo. Ele teria que produzir 263 grãos de arroz, o que significa
2.223.372.036.000.000.000 grãos, ou 153 bilhões de toneladas de arroz, mais
do que o mundo conseguirá colher nos próximos 100 anos. Isso é o que se
quer dizer com crescimento hiperbólico. Apenas passe adiante.

Idéia vírus e memes


Walter Henrichsen aponta que "a razão pela qual a igreja de Jesus Cristo
acha tão difícil estar no topo da grande comissão é que a população do
mundo está se multiplicando enquanto a igreja está apenas somando. A
soma jamais consegue manter o ritmo da multiplicação".239 Como re-
presentante e porta-voz da igreja missional emergente, com frequência sou
importunado pela questão dos números e tamanhos relativamente pequenos
das igrejas na IME. Minha resposta é que isso não só está acontecendo e
passando despercebido pelos apaixonados pelo crescimento da igreja (veja os
índices no Cap. 2), mas, dadas as devidas condições, se o
Genoma Apostólico puder ser recuperado e aplicado, prometo aos críticos

239 Walter Henrichsen, citado em N. Cole, Cultivating a Life for God, 22.
que as coisas serão diferentes em breve. Se a IME no Ocidente pode
verdadeiramente ativar o Genoma Apostólico, então, todos os meios de
medição utilizados por nós atualmente empalidecerão em comparação. A
soma do estilo de crescimento da igreja jamais poderá igualar-se ao impacto
causado pelo verdadeiro movimento missional-encamacional manifestado
pelo Genoma Apostólico. Sem chance!
Caso duvidemos do poder do crescimento orgânico, é bom nos lem-
brarmos que cada um de nós começou como um espermatozóide penetrando
um ovo. E aqui estamos, após algum tempo, com trilhões de células juntas. A
multiplicação orgânica começa bem mais lentamente do que a soma, porém,
no fim, é infinitamente mais eficiente. Os epi- demiologistas compreendem
isso muito bem. Quando o vírus da SARS (Vírus da Síndrome Respiratória
Aguda Grave) surgiu há alguns anos, havia somente cerca de mil casos
registrados em todo o mundo. Por que, então, ele afligiu a economia do
mundo e quase levou diversas companhias aéreas à falência? Porque, nas
condições certas para o contágio, podería ter matado 20% da população
mundial. Estamos certos ao temê-la. E até o momento, as idéias se espalham
exatamente como o vírus da SARS. Começam pequenas e, se tiver as
condições certas, se propagam como loucas.
Sem nos aprofundarmos muito nessa questão, o conceito cibernético dos
memes nos concede uma teoria extremamente útil a respeito da gênese, da
reprodução e do desenvolvimento de idéias.240 Na essência, um memeplexo é
para o mundo das idéias o que os genes são para o mundo da biologia -
codificam idéias em formas facilmente reproduzíveis. Nessa teoria, um
memeplexo é um conjunto de memes (idéias) que constitui a estrutura
interior de uma ideologia ou sistema de crenças. Assim como o DNA, ele
busca se replicar pela mutação em formas evoluídas de idéias,
acrescentando, desenvolvendo ou espalhando memes conforme a situação
exige.241 Por essa ideia ser tão valiosa é que o memeplexo tem a capacidade
de se reproduzir inserindo-se no cérebro do receptor, de onde passa para
outros cérebros por meio da comunicação humana. Soa bastante estranho em
um primeiro momento, não é? No entanto, na realidade, passamos por isso
todos os dias. Todos nós conhecemos o sentimento de estar "preso por uma
ideia", não?

240 A iniciativa da ideia sobre os memes veio do biólogo Richard Dawkins em seu provocativo livro, O gene
egoísta (São Paulo: Companhia das Letras, 2007), Cap. 11.
241 Para uma exploração mais profunda sobre essas idéias, sugiro que o leitor faça uma pesquisa na internet
sobre "memes" e veja o resultado final.
Somos capturados por sua vivacidade; parece que ela se apossa de nós.
Depois disso, se for uma ideia particularmente convincente, nós a trans-
mitimos para outras pessoas. De alguma maneira, essa é a maneira exata
pela qual todos fomos capturados pelo Evangelho e, portanto, adotamos a
visão global/memeplexo da Bíblia.
O próprio Evangelho pode ser visto como um memeplexo capaz de se
propagar exatamente como uma epidemia viral caso lhe sejam oferecidas as
condições adequadas. No entanto, o mais importante aqui é o Genoma
Apostólico, o memeplexo da igreja cristã é, na realidade, latente no próprio
Evangelho. Como tal, ele reconhece que, quando nós, como cristãos, nos
deparamos com as idéias que fazem parte do Genoma Apostólico, temos a
impressão de "nos lembrarmos" delas. Peço ao leitor para atentar-se a esse
fenômeno conforme apresentado neste livro e testar em você mesmo caso
ainda não "soubesse" da veracidade dele e lhes faltassem as palavras. Ao
ouvir a respeito do Genoma Apostólico, muitas pessoas dizem: "Sinto como
se já o conhecesse, mas o esqueci de alguma forma". Acredito que seja
exatamente assim que as igrejas com desafios extremos de adaptação, como a
igreja na China Comunista, realmente redescobriram o Genoma Apostólico.
Ele já estava lá "nelas" como parte do Evangelho e obra do Espírito.
Seth Godin, um guru do marketing, com base na teoria dos memes inven-
tou a expressão ideici vírus para testar e articular o crescimento hiperbólico
em relação ao marketing e às idéias em geral.242 Segundo a concepção de Go-

242 Seth Godin, Marketing Ideia Vírus: como transformar suas idéias em epidemias que irão incendia r 0 mercado.
(Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2001). Faça o download do material de Seth Godin em inglês
gratuitamente em www.ideavirus.com. (Acesso em 24/01/2015)
din, "a ideia como vírus é uma grande ideia que percorre o público-alvo em
frenesi".243 É uma ideia moderna que captura o pensamento e a imaginação
de uma parte da população, ensinando, influenciando e desafiando a todos
que alcança. Godin afirma que em nosso rápido e instantâneo mundo em
mudança, a arte e a ciência de formar, lançar e se beneficiar da ideia como
vírus serão a próxima barreira. Ele pergunta: "Você alguma vez já ouviu falar
sobre o Hotmail? Já o utilizou? Se sim, não é porque o Hotmail aparece em
muitas propagandas de televisão (não aparece). É porque a proclamação do
e‫־‬mail gratuito chegou até você. Tornou-se uma ideia vírus. Alguém que
você conhece e em quem confia provavelmente o contaminou com ele".244
Você já observou como um vírus de computador consegue se espalhar pela
internet e interferir nos computadores do mundo em uma semana? Então, a
ideia vírus é simplesmente a noção de que uma ideia pode se tornar conta-
giosa exatamente da mesma maneira que acontece com o vírus.245

espirro inicial

Neste sentido, o Evangelho também viaja exatamente como um vírus. Ele


é "espirrado" e, então, transmitido de uma pessoa a outra por outros espirros.
Tudo o que necessita são as condições adequadas e relacionamentos apro-
priados para os quais possamos "espirrar". Essas condições podem aparecer
a partir de um complexo inter-reladonamento entre nossa comunicação e as
idéias ressonantes culturalmente por meio de relacionamentos significativos,
utilização de novos meios de comunicação, compreensão da necessidade hu-

243 Seth Godin, Unleashing the ideavirus, em www.sethgodin.com. (Site em inglês. Acesso em 24/01/2015)
244 Ibid.
245 A capacidade da mensagem de transformar em massa depende muito do tipo certo de pessoas envolvidas,
da circulação da nossa mensagem, da receptividade do público ao seu significado e das corretas condições
sociais. Em algum momento, chegamos ao ponto crucial, uma massa critica, e as coisas podem se
popularizar. Malcom Gladwell explora as epidemias sociais em seu excelente livro O ponto da virada: como
pequenas coisas podem fazer uma grande diferença (Rio de Janeiro: Sextante, 2009).
mana pelo Evangelho, comprometimento com a pesquisa existencial em an-
damento e enfrentamento com o desafio adaptativo do século 21.
De maneira estranha, parece que podemos aprender não somente a partir
da Al Qaeda, mas também a partir do vírus da SARS.
Quando você acrescenta tudo isso à ideia de que o mundo inteiro está
profundamente interconectado, você consegue perceber o poder absoluto da
ideia como vírus. Seis graus de separação é a teoria de que qualquer pessoa
está conectada a qualquer outra no planeta por meio de uma cadeia de
conhecidos que não tem mais de cinco intermediários. "O sociólogo norte-
americano Stanley Milgram inventou uma maneira de testar a teoria. [...] Ele
selecionou pessoas de forma aleatória no centro-oeste dos Estados Unidos
para enviarem pacotes a um estranho localizado em Massachusetts. Os
remetentes sabiam o nome do destinatário, a ocupação e tinham uma noção
do lugar, mas não o endereço específico. Foram instruídas a enviar o pacote
para uma pessoa que conheciam muito bem e que, segundo eles, por serem
seus amigos, muito provavelmente saberíam quem era a pessoa-alvo. Essa
segunda pessoa faria o mesmo e assim sucessivamente até o pacote ser
entregue pessoalmente ao destinatário-al- vo. Apesar de os participantes
acreditarem que a cadeia incluiría no mínimo, uma centena de
intermediários",246 até o pacote ser entregue, a média foi de somente seis. Por
isso, a frase popular "seis graus de separação".
Seguindo os modelos virais metabólicos, não levou muito tempo para o
trabalho ser realizado. O fator crucial é que nós aderimos consistentemente do
início ao fim. Esse Evangelho, ou missão, na forma de ideia vírus, tem o
crescimento hiperbólico em ação, e os líderes missionais não podem ig- norá-
lo. Na realidade, ignorá-lo é praticamente perder a chance de evan- gelizar
de modo verdadeiro o nosso mundo, pois pela simples soma a tarefa se torna
simplesmente impossível. Com o surgimento da rede e da era da tecnologia e
dos meios de comunicação, temos uma grande oportunidade de reaprender
a fazer missão de forma orgânica, atravessando os ritmos da vida, memes e
relacionamentos.
VAMOS FALAR SOBRE SEXO
É necessário observarmos mais uma coisa antes de concluirmos este capítulo;
trata-se da questão sobre a reprodução e a capacidade de reprodução. Toda a
vida orgânica busca reproduzir-se e perpetuar-se por meio da reprodução.
No caso da vida biológica, é especificamente por meio da reprodução sexual,
e não da clonagem ou replicação. Essa distinção é importante, pois, de forma
geral, quando as igrejas e denominações experimentam as estratégias de
plantação de igreja e programas, suas abordagens são mais consistentes com
os procedimentos de clonagem do que com os da reprodução sexual. O

246 R. Todd Stephens, "Knowledge:The Essence of Meta Data: Six Degrees of Separation if Our Assets‫״‬, in: DM
Review Online, Setembro de 2004, em http://www.dmreview.com/editorial/dmreview/print_action.
cfm?articleld=ioi0448. Veja também ibid., 47SS, para uma exploração mais profunda sobre a maneira
como essa ideia está relacionada à adoção de idéias.
resultado é meramente a duplicação e cópia do modelo original ou sistema a
partir do qual ele veio. A igreja "filha", com efeito, é uma tentativa de réplica
exata da igreja "mãe". Essa prática não somente semeia o DNA constantino
na nova comunidade eclesiástica, mas também minimiza a variedade
missional interna necessária para garantir o impacto máximo em um cenário
missional diferente.
No entanto, por que reprodução e não a clonagem? Não apenas porque é
mais prazeroso, mas porque "os sistemas de adaptação complexos se tomam
mais vulneráveis à medida que ficam mais homogêneos. Para opor-se à
homogeneidade, a natureza conta com a rica recombina- ção estrutural
impulsionada pela reprodução sexual que aumenta a diversidade".247 A
combinação cromossômica é feita de forma aleatória em vários pares,
gerando, portanto, mais permutações e variedades na descendência. Essa
permutação também enriquece e fortalece o organismo contra os inimigos (p.
ex., as doenças nocivas e os parasitas) e fortalece a descendência com novas
combinações de DNA enquanto mantém a espécie. Todos nós sabemos o que
acontece em um programa genético fechado. Deformidades graves e
enfraquecimento resultam da procriação consanguínea. A reprodução
saudável, portanto, recorre a um programa genético muito maior, logo,
revigora o sistema vivo ao aumentar as possibilidades na composição
genética. E isso também que nos faz únicos. A clonagem não pode fazer isso:

No entanto, existe outro fator que precisamos levar em consideração


aqui; trata-se da questão da capacidade de reprodução: a capacidade dos
sistemas vivos de se perpetuarem pelos simples mecanismos reproduzí- veis.
Profundamente associada aos sistemas vivos, aos movimentos e às redes de
comunicação, a reprodutibilidade precisa ser estabelecida no modelo inicial
por meio da implantação de um simples sistema orientador que garanta que
a organização continuará e evoluirá por um processo semelhante ao de
reprodução sexual, por meio do qual compartilhamos nossas informações
genéticas e, assim, mantemos a mesma espécie. A resposta, outra vez, está
presente na ideia do mDNA. Esse tem de ser o agente simples, reprodutível e
orientador de qualquer novo empenho e precisa codificar tudo o que for
necessário para as expressões saudáveis de igreja. Garrison está correto ao

247 Pascale, Millemann e Gioja, Surfing the Edge of Chaos, 28-29.


dizer que nós provavelmente realizaremos exatamente aquilo que
começamos a realizar. " ‫׳‬Se você quer ver igrejas plantadas, então, deve
começar a plantar igrejas'. O mesmo princípio estabelecido pode ir além para
dizer: 'Se você quer ver igrejas plantadas reproduzindo, logo, deve começar a
plantar igrejas que se reproduzam'."248 Aqui, ele está falando do critério de
reprodutibilidade natural no DNA inicial.
A nova igreja deve, ela mesma, estar adaptada o suficiente para ser
enriquecida pelo programa de genes de outros sistemas (outros movimentos
e forças sociais) e ainda assim manter o carisma original e o dom da
fundação. Apesar de tudo, é dessa maneira que nos reproduzimos. Nossa
descendência é única, contudo, conserva algumas de nossas características
individuais, bem como todas as características que nos fazem humanos. É a
reprodução que garante a singularidade, o desenvolvimento e a variedade, a
fim de aumentar a capacidade de sobrevivência em várias condições. Curtis
Sergeant sugere que a maneira pela qual a igreja chinesa clandestina tem
aumentado sua variedade interna (genética) é porque os novos convertidos
não são incorporados nem absorvidos nas igrejas existentes. Em vez disso,
eles formam a base da nova igreja e criam uma espécie de variedade genética
eclesiástica ajustada à reprodução.
No entanto, há mais o que considerarmos aqui: quando olhamos outra
vez para os movimentos fenomenais da igreja primitiva e da China, desco-
brimos que foram impulsionados pela ideia e prática da simplicidade. Como
destacou um pastor russo da igreja Batista na época de Stalin, depois de seus
edifícios terem sido confiscados e a religião, banida, eles foram levados a
"eliminar tudo o que não tem importância". Tiveram que redescobrir a fé na
mais total e pura simplicidade. E, talvez, isso tenha sido um grande presente
para a igreja russa. As amadas instituições das igrejas se foram, os edifícios e
cultos de adoração se foram e, diante dessa situação, a igreja foi forçada a se
descobrir de uma nova maneira. De forma maravilhosa, essa pequena igreja
batista entrou na clandestinidade e surgiu, sessenta anos depois, como um
movimento clandestino com cerca de 20.000 pessoas. Novamente, ela foi im-
pulsionada a encontrar o Genoma Apostólico embutido nela mesma, latente,
mas esquecido, e encheu-se de autoridade apostólica e de vida.
Se quisermos recuperar o Genoma Apostólico latente no Ocidente, pre-
cisamos fazer exatamente a mesma pergunta a nós mesmos. Qual é o mínimo
irredutível da fé? O que pode ser descartado? O que é tão complexo e pesado
de carregar rumo à nova situação missional e desafio adaptati- vo? Nós
também precisamos eliminar as coisas que não têm importância. Mas, por
que temos que fazê-lo? Porque muitas dessas instituições incrustaram a fé
que nos oprime e são irreprodutíveis. Relembre a introdução do capítulo 3, em
que um dos "presentes" da perseguição conferida à igreja é minimizar a
confusão teológica que tão facilmente obscurece o Evangelho essencial. Esse

248 Garrison, Church Planting Movements, 181.


refinamento teológico que acontece dentro do contexto do desafio adaptativo
permite que o movimento inteiro acesse sua mensagem essencial e, assim, se
reproduza de forma tão fácil como um "espirro". Isso se aplica não somente
ao Evangelho em si, mas a toda ideia sobre igreja. Toma-se bastante
"simples".
Pegue, por exemplo, a ideia predominante da igreja atrativa no modelo
de crescimento de igreja. Se quiséssemos iniciar a plantação de uma igreja
com base na suposição de que precisaríamos ser parecidos com a megaigre-
ja local, com todo seu profissionalismo refinado, grandes bandas de louvor,
comunicação excepcional, os ministérios infantil e de jovens, programas de
células eficientes e todos os apelos atraentes ao redor, para a maior parte,
seriam simplesmente irreprodutíveis - pelo menos, não pela grande maioria da
média de cristãos. Seja nossa intenção ou não, a mensagem implícita nesse
meio diz que, se você deseja iniciar uma igreja, precisará de todas essas
coisas caso queira ser eficiente. Bem, o caso é que a maioria das pessoas não
consegue realizar um show assim - e é fato que temos tido crescimento de
igreja e megaigreja por mais de 30 anos, e a maioria esmagadora das 485.000
igrejas nos Estados Unidos permanecem com menos de oitenta pessoas por
congregação, enquanto trabalham debaixo da culpa do fracasso em se
desenvolver como as igrejas maiores. Vamos encarar o fato de forma
honesta: é muito difícil reproduzir uma Saddleback ou uma Willow Creek,
por serem igrejas tão marcantes como são. Uma igreja assim, com todos os
seus departamentos profissionais, líderes carismáticos, grande equipe de
colaboradores e recursos financeiros, simplesmente não pode ser repro-
duzida de maneira tão fácil. Se a colocarmos como único modelo de igreja
eficiente, o efeito final será marginalizar a maioria das pessoas do ministério
e da plantação de igrejas e colocar eficazmente um contraceptivo no
mecanismo reprodutor da igreja. Com certeza, os movimentos genuínos de
pessoas serão sufocados, pois precisam de um conceito profissional de
ministério com edifícios grandes e recursos.
Novamente, não quero ser visto como alguém desnecessariamente crítico
a respeito do crescimento da igreja ou questionador sobre a sinceridade
daqueles que atuam dessa forma. O ponto aqui é que essa simplesmente não
deve ser a única estratégia, embora esteja sendo há muito tempo e, como
resultado, ficamos pouco resistentes. Mesmo no Ocidente, onde algumas
megaigrejas adotaram as abordagens de plantação de igreja, as igrejas
descendentes parecem clones da progenitora atrativa e não têm a variedade
genética inerente com que lidar; a vasta maioria fracassa. Curiosamente, há
alguns poucos exemplos em que uma megaigreja iniciou, com êxito, um
movimento de plantação de igrejas. Precisamos de diversidade para uma
reprodução saudável. A influência hegemônica da teoria do crescimento
mecânico da igreja em nossa imaginação deve ser desafiada se formos ca-
pazes de nos adaptarmos às condições missionais no século 21. Alguém disse
que, se a única ferramenta que você tem é um martelo, então, todas as coisas
começam a se parecer com pregos. Precisamos de outras ferramentas. Meu
ponto específico nesta seção é dizer que, de forma geral, os modelos de
crescimento de igreja bem-sucedidos não são reproduzíveis sem dificuldade.
Essa é a razão pela qual, com exceção de alguns nos Estados Unidos, em
contextos do Ocidente as megaigrejas bem-sucedidas são poucas e raras,
apesar de exercerem uma influência esmagadora.
E antes que todos os acadêmicos digam: "Eu lhe disse", permita-se dizer
que exatamente a mesma crítica deve ser feita com relação ao seminário. Ele,
por natureza, também não é reproduzível exatamente pelas mesmas razões.
Nas expressões históricas do Genoma Apostólico, a liderança e o desenvol-
vimento teológico são tarefas inerentes aos movimentos de base. Teologi-
zando, o comprometimento intelectual e o desenvolvimento da liderança são
parte integral do discipulado do movimento em relação ao chamado e dom
de Deus. Se em nossa prática nós os separarmos e os terceirizarmos para
instituições profissionais e com altos financiamentos, não demorará muito
antes de não apenas nos tomarmos dependentes delas, mas também sermos
incapazes de reproduzi-las em situações que exijam responsabilidade e
adaptabilidade. Geralmente, os seminários são fortemente institu-
cionalizados. Isso não quer dizer que tenhamos que descartá-los de alguma
maneira. O que está sendo dito é que as funções cruciais foram criadas para
atender a necessidade de serem recuperadas como parte da função simples,
interna e reproduzível da igreja local ou do movimento de base.
Evidentemente, nem o seminário conforme o conhecemos, nem a me-
gaigreja atrativa conforme a experimentamos hoje, fizeram parte dos
movimentos fenomenais de pessoas dos primeiros séculos. Tampouco esses
aspectos são irredutíveis dos importantes movimentos de pessoas ao longo
da história (pense novamente na China caso isso seja muito chocante de
ouvir). Contudo esses movimentos são infinitamente mais eficientes do que
podemos sonhar para o nosso contexto atual, apesar de nossos recursos,
instituições e edifícios. Isso deve soar como uma clara advertência para nós
quando tentarmos negociar as complexidades missionais do século 21.
Conforme indicado acima, precisamos começar do começo - na célula-tronco
da igreja, digamos assim. Ou como coloca o arquiteto organizacional Bill
Broussard: "A revitalização está toda no planejamento". 249 É muito difícil
corrigir depois - a pureza do mDNA é vital, especialmente no início das
coisas.

FINALMENTE
Quando os sistemas orgânicos/vivos encontram o etos do movimento ge-
nuíno, que se expressa nas estruturas estabelecidas em rede caso lhes sejam
dadas as condições adequadas para a reprodutibilidade e crescimento

249 Citado em Pascale, Millemann e Gioja, Surfing the Edge of Chaos, 209.
exponencial, então, a história está acontecendo. Isso não quer dizer que
podemos excluir os outros quatro elementos do mDNA fenomenal, mas que
podemos perceber nele mesmo um elemento extremamente poderoso na
equação. Mesmo que não seja liderado pelos outros movimentos do Genoma
Apostólico, ele pode ser utilizado para o bem ou para o mal (como na Al
Qaeda e no marketing de rede). O sistema vivo é uma maneira pela qual o
Genoma Apostólico se expressa dentro dos movimentos fenomenais de Deus
e do Evangelho, e eu afirmo que ele é parte fundamental do mDNA inserido
no cerne da igreja de Jesus Cristo, contra a qual, devemos nos lembrar, as
portas do Hades não prevalecerão (Mt 16.18).

8
COMMUNITAS, NÃO COMUNIDADE

Aquilo que não nos mata, nos torna mais fortes.


Friedrich Nietzsche

Um navio está mais seguro no porto. No entanto, não é para isso que os navios
foram feitos.
Paulo Coelho250

É o desconhecido que define nossa existência. Constantemente, estamos em


busca não somente de respostas para as nossas perguntas, mas de novas
perguntas. Somos exploradores...
Capitão Benjamin Sisko, Jornada nas Estrelas: Deep Space Nine251

250 Esta frase é citada aqui pelo autor como sendo de autoria de Paulo Coelho, mas ele apenas a postou em seu
twitter. Foi originalmente escrita por John A. Shedd, em seu livro Salt from My Attic (Mosher Press, 1928).
Algumas fontes a atribuem também a William Shedd e Grace Hopper. (N. de Revisão)
251 Benjamin Sisko é o personagem principal da série americana de ficção científica Jornada nas Estrelas: Deep
Space Nine. Interpretado pelo ator Avery Brooks, o personagem deteve, ao longo da série, as patentes de
Capitão-Tenente e Capitão. (N. de Revisão)
Em dezembro de 2004, algo terrível e marcante aconteceu - o tsunami na
Ásia que matou cerca de 250.000 pessoas causou o que, sem dúvida, foi uma
das mais fantásticas explosões de generosidade mundial e compaixão da
história recente. Nunca antes existiu tanta ajuda durante alguma crise. Em
meio e por meio do total horror e provação do tsunami, as pessoas não só
descobriram sua própria humanidade como também se descobriram uns nos
outros de maneira nova e marcante. Exatamente o mesmo fenômeno foi
experimentado em Nova Iorque naquele fatídico dia 11 de setembro de 2001,
repetido dois anos depois quando todas as luzes na costa leste se apagaram.
Os acontecimentos de 11 de setembro mudaram o mundo, porém, Nova
Iorque, especificamente, passou por uma transformação elementar: ela se
esvaziou da pessoa atrevida e intolerante e tomou-se uma cidade cheia de
bondade e liberalidade.
Essas foram manifestações de communitas e é exatamente esse aspecto da
situação humana que será explorado neste capítulo. Communitas, conforme
veremos, adquire muitas formas, porém, independentemente da forma, ela
descreve com precisão o tipo de comunalidade ou coleguismo que foi e é
experimentado nos movimentos fenomenais de Jesus e, sendo assim, trata-se
de um elemento essencial do Genoma Apostólico. A igreja perseguida, tanto
no movimento cristão primitivo quanto na China, experimenta o uns aos
outros dentro do contexto de uma provação compartilhada que as une a uma
forma mais profunda de comunidade do que aquela com a qual geralmente
estamos acostumados.
Na introdução a esta seção do livro, certo significado e definição foram
dados ao conceito de igreja missional.252 Lidar com communitas requer que
tentemos concluir por que a missão é realmente tão central para a identidade,
propósito e função da igreja, e por que parece formar um dos aspectos
centrais do mDNA e, portanto, do Genoma Apostólico.

252 A ideia básica é que a missão da igreja está intrínsecamente ligada à missão de Deus, ou seja, Deus é o
missionário e a igreja é o principal agente histórico dessa missão no mundo. O significado disso e que os
propósitos redentores de Deus, portanto, fluem direto por meio de cada comunidade cristã para todo o
mundo.
“A COMUNIDADE PARA MIM‫ ״‬OU “Eu PARA A COMUNIDADE‫?״‬
As explorações a respeito dessas perguntas levaram a uma forma bastante
pessoal em minha própria experiência como líder da South Melboume Restora-
tion Community, a história relatada no primeiro capítulo deste livro. Quando
olho para trás para as dinâmicas iniciais daquela comunidade vibrante, es-
pecialmente quando ainda estava em formação, vejo que estávamos atuando
como igreja missional de maneira muito ingênua, precognitiva e instintiva.
Tudo o que fizemos foi determinar a formação de uma comunidade que
fosse radicalmente aberta e comprometida com todos os tipos de pessoas
abandonadas e marginalizadas da sociedade. As coisas aconteciam. Era
estimulante - a comunidade estava focada e era avivada por um sentido de
destino e missão e, como resultado, crescemos de modo estranho e
maravilhoso. Nós éramos missionais, muito embora, naquela época, isso ainda
não fosse tão articulado, e por isso, experimentamos uma forma marcante de
comunidade.
No entanto, alguma coisa parecia mudar conforme crescíamos e nos
tomávamos, de forma autoconsciente, uma igreja na moda e pós-moder- na
da geração X. Por razões compreensíveis muitos cristãos da classe média
fundamentados do Cinturão Bíblico de Melboume se mudaram para o centro
da cidade a fim de participar do que Deus estava fazendo; e nós demos as
boas-vindas à recém-descoberta estabilidade que, até aquele momento, era
uma experiência caótica de eclésia. Eles eram cristãos estabelecidos que não
eram pobres. Aquela foi uma ótima mudança para nós e desfrutamos de um
período de estabilidade sublime. No entanto, alguma coisa mudou quando
nos tomamos mais estáveis. E apesar de termos ganhado muito com a
participação daquelas pessoas maravilhosas, alguma coisa importante,
entretanto, foi inadvertidamente perdida quando a cultura da igreja mudou
e se tornou mais de classe média e estável.
Existe algo a respeito da cultura de classe média que parece ser contrária
aos valores evangélicos autênticos. E esta não é uma afirmação com relação
às pessoas de classe média por si mesmas - eu mesmo venho de uma família
de classe média - mas as que isolam alguns dos valores e suposições que
parecem simplesmente fazer parte do trato. Em um capítulo anterior,
observei que muito do que leva o nome de "classe média" envolve a
preocupação com a segurança e a proteção, desenvolvidas, em grande parte,
pela busca do que parece ser o melhor para nossos filhos. Isso é
compreensível contanto que não se tome uma obsessão. Contudo, quando
esses impulsos da cultura da classe média se misturam com o consumismo,
como acontece com muita frequência, podemos acrescentar a obsessão pelo
conforto e pela conveniência à lista. Esta não é uma boa mistura, pelo menos
com relação ao Evangelho e à igreja missional.253

253 Robert Inchausti relata que Nikolai Berdyaev viu pessoas de classe média em seu estado mais corrompido
como “um estado da alma caracterizado por um controle degradante, em busca de segurança e uma men-
te pequena incapaz de imaginar um mundo muito maior do que elas mesmas. [Para ele], a burguesia não
Atuando sob a influência desses "vírus" presentes no nosso software de
classe média, nossa comunidade tomou-se uma comerciante de bens e
serviços religiosos particularmente espirituosos, competindo com a atenção
de consumidores com discernimento espiritual. Lisonjeados com o
crescimento numérico e impulsionados pelas nossas próprias agendas de
classe média, nós, de modo impensado, seguimos o impulso de "reunir-se e
divertir-se" implícito na teoria de crescimento da igreja e, assim, crescemos
em números, mas algo primordial e indispensável foi perdido nessa
barganha. Recebemos mais transferências de outras igrejas, mas o fluxo de
conversão reduziu a uma gota e, depois, secou por completo. Para-
doxalmente, nos tomamos mais ocupados do que antes, porém, com um
impacto missional real cada vez menor. Passamos da ideia missional "eu
para a comunidade e a comunidade para o mundo" para uma mais con-
sumista "a comunidade para mim" e isso acabou por nos destruir. Nós nos
recuperamos somente reequilibrando a comunidade com as linhas
fundamentalmente missionais, e isso não foi alcançado sem dor e perda
numérica. No entanto, ao fazermos isso, passamos de uma experiência de
igreja como comunidade para a de communitas.

LlMINARIDADE E COMMUNITAS
Para realmente lidar com as dinâmicas dessas mudanças primordiais nas
dinâmicas da comunidade, achei as idéias de liminaridade e communitas do
antropólogo Victor Turner particularmente úteis.254 Turner foi um antro-
pólogo que estudou vários ritos de passagem entre os grupos africanos e
surgiu com o termo liminaridade para descrever o processo de transição que
acompanha uma mudança fundamental de condição ou posição social. As
situações de liminaridade nesse contexto podem ser extremas, nas quais o
participante é expulso das estruturas normais da vida, humilhado,
desorientado e sujeito a vários ritos de passagem, que juntos, constituem
uma forma de provar se será permitido ao participante retomar ou não à
sociedade e passar para o próximo nível da estrutura social predominante.
Portanto, a liminaridade se aplica a essa situação onde as pessoas se
encontram em uma condição marginal intermediária em relação à sociedade
ao redor, um lugar que poderia envolver perigo e desorientação importantes,

adorava o dinheiro em si, mas eram viciados em sucesso pessoal, segurança e felicidade. Por essas coisas,
ela compromete, de bom grado, sua honra, injustiça ignorada e verdade traída, substituindo esses valores
por moralismos triviais e banalidades simplórias que obscurecem distinções importantes e justificam
ações egoístas. [...] A palavra burguesia tomou-se sinônimo de riqueza mesquinha, limitado conhecimento
tecnológico e preocupação com o sucesso mundial. Os ideais culturais do cavaleiro, do monge, do filósofo
e do poeta foram todos substituídos pelo ideal cultural do homem de negócios. A vontade de poder foi
usurpada pela ,vontade do bem-estar‫׳‬. [...]A burguesia não repudiou a religião, mas reinterpretou seu
valorem termos de utilidade. O amor pelos pobres deslocou-se para a periferia da fé e só foi abraçado à
medida que não vá de encontro aos interesses econômicos pessoais da propria pessoa" (Robert Inchausti,
Subversive Orthodoxy: Rebels, Revolutionaries, and Other Christians in Disguise [Grand Rapids: Brazo Press,
2005]), 42-43.
254 Veja Victor Turner, The Ritual Process (Cornell University Press, 1969), e Victor Turner, "Passages, Margins,
and Poverty: Religious Symbols of Communitas‫״‬, parte 1, in: Worship 46 (1972).
porém, não é necessariamente dessa maneira.255

255 E diferentemente do que podemos achar, o perigo pode ser bom para nós. Como observa Corbin Carnell
de modo correto: "O perigo enfatiza a natureza paradoxal do bem e do mal, pelo menos com relação a
como nós o experienciamos. Ele enfatiza a bondade e lhe atribui um aspecto benéfico de que o mal por si
só nega" (Bright Shadow of Reality [Grand Rapids: Eerdmans, 1974], 109).
Por exemplo, em algumas tribos, os meninos mais novos são mantidos
sob os cuidados das mulheres até a idade de iniciação em torno dos 13 anos.
No momento apropriado, os homens entram sorrateiramente na área femi-
nina da vila durante a noite e ‫״‬sequestram" os jovens. Os garotos são ven-
dados, apanham e são levados para fora da vila, para o mato. Depois, são
circuncidados e abandonados na selva africana, a fim de que se defendam
sozinhos, por um período de seis meses. Uma vez por mês, os anciãos da
tribo vão ao encontro deles para ajudar a interrogá-los e instruí-los. Entre-
tanto, no geral, eles têm que encontrar tanto recursos internos quanto exter-
nos para enfrentar as provações praticamente por conta própria. Durante
essa provação compartilhada, os iniciantes deixam de ser desorientados e
individualistas e desenvolvem um laço de camaradagem e espírito de coo-
peração criado nas condições experimentais da liminaridade. A essa com-
preensão, Turner chama communitas. Segundo seu ponto de vista, a com-
munitas acontece em situações nas quais os indivíduos são impulsionados a
encontrar uns aos outros por meio da experiência comum da provação,
humilhação, transição e marginalização. Ela envolve sentimentos intensos de
intimidade social e posse, suscitados pela necessidade de ter que confiar uns
nos outros para sobreviver. Se os meninos resistem a essas experiências, são
reintroduzidos à tribo dos homens. Então, lhes é conferida a condição plena
de masculinidade; não são
mais considerados meninos.
contexto de proteção
segurança proteção provaçao perigo
2
tnTcíãção
■ftR??
O ^desorientação ??
O
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O
Communitas
/ / O O '*4—‫־־‬/·V
No contexto da provação parti-
/ 1 Os meninos novos 1 ti · QD O lhada, os meninos "descobrem"
í \ são criados pelas /
\ mulheres até os / o n/ uns aos outros de novas formas.
Eles experimentam a recém-des-
\ \ 13 anos. /
\· coberta "camaradagem".
alojamento
masculino
alojamento
feminino
sy
como hoçn‫׳‬ens
reintegração

criaçao proteção marginalidade aventura


contexto de liminaridade
Assim, as idéias relacionadas à liminaridade e communitas descrevem as
dinâmicas da comunidade cristã inspiradas para sobrepujarem seus instintos
de "união e aconchego" e, em vez disso, formarem-se em torno de uma
missão comum que os chama para uma perigosa viagem a lugares desconhe-
cidos; uma missão que chama a igreja para livrar-se de sua proteção coletiva
e mergulhar no mundo de ação onde seus membros experimentarão a de-
sorientação e a marginalização, mas também, onde encontrarão Deus e uns
aos outros de um modo novo. Communitas, portanto, está sempre ligada à
experiência de liminaridade. Ela envolve aventura e movimento e descreve a
experiência singular de intimidade que só acontece realmente entre um grupo
de pessoas inspirado por uma visão de um mundo melhor e que, na verdade,
tenta fazer alguma coisa a respeito disso. (Lembre-se da resposta ao tsuna-
mi.) É aqui que a escravidão da classe-média segura e consumista da igreja é
tão problemática. E é aqui que o desafio adaptativo do século 21 podería ser
o convite de Deus à igreja para redescobrir-se como uma communitas
missional.
Embora alguns missiologistas utilizem essa ideia para descreverem a
experiência da transição pela qual a igreja no Ocidente está passando
atualmente ao mudar de uma condição (cristandade) ou modo de igreja para
outro (missional),256 a ênfase, de modo geral, está na nova condição da igreja
ao final do processo, logo, a liminaridade e a communitas são vistas como
experiências temporárias. A partir da minha perspectiva, as manifestações
importantes do Genoma Apostólico nos ensinam que a liminaridade e a
communitas são mais a situação normativa e condição de povo peregrino de
Deus. Este é, certamente, o caso dos movimentos fenomenais de Jesus em
vista; é na condição de provação compartilhada que esses movimentos de
Jesus prosperam e são impulsionados para a ativação do Genoma
Apostólico. O que está claro é que, tanto os movimentos dos primeiros
cristãos quanto os da igreja clandestina chinesa, experimentaram a
liminaridade sendo considerada fora da lei e sendo perseguida.
Diante dessa perspectiva, os movimentos fenomenais de Jesus fo-
ram/são expressões de communitas, e não, de comunidade como normal-
mente os imaginamos. Até onde consigo discernir, communitas é sempre um
elemento normativo do Genoma Apostólico. A perda dele leva à diminuição
do fenômeno total do Genoma Apostólico, a força da vida do autêntico
movimento cristão em qualquer lugar onde se manifeste verdadeiramente.

A BÍBLIA E A COMMUNITAS
A afirmação de que communitas e liminaridade são normativas para o povo
de Deus incitou certa tempestade em uma recente tumê de palestras. Algu-
mas pessoas da platéia responderam com veemência quando Michael Frost e
eu propusemos essa forma de compreensão sobre a comunidade cristã.
Essa resposta negativa forçou uma reflexão profunda a respeito da solidez
dessas idéias, no entanto, depois de muito pesquisar, tenho que dizer que

256 Roxburgh, Missionary Congregation, Cap. 2.


não mudei minha opinião fundamentalmente. Pelo contrário, essa discor-
dância conceituai com relação ao propósito da igreja me obrigou a concluir
que, para muitos de nossos críticos, a comunidade cristã tornou-se pouco
mais do que um espaço para almas quietas e reflexivas (como nos círculos de
adoração alternativa) ou sussurro espiritual (como nos círculos carismáticos)
para as pessoas que estão tentando se recuperar de um estilo de vida
extremamente ocupado e consumista. No entanto, é realmente isso o que a
igreja deve ser? É este o nosso grande propósito: ser uma espécie de refúgio
para recuperar viciados em trabalho e saudosistas? Uma espécie de hospital
espiritual ou centro de entretenimento? Acredito que a razão da resposta
incisiva de nossos críticos seja porque eles, na verdade, "captaram a mensa-
gem" sobre a igreja missional, mas não gostaram porque, nesse caso, ela os
chama para fora da religião de momentos silenciosos em lugares silenciosos
(ou entretenimento passivo) para a liminaridade e comprometimento.
Contudo, a principal razão para eu não mudar de ideia não é simples-
mente porque discordo com relação ao sentido do propósito do povo de
Deus (e eu discordo), mas porque passei a acreditar que a communitas é
totalmente bíblica e está intrinsecamente ligada ao Genoma Apostólico.
Quando analisamos as Escrituras com a liminaridade e a communitas em
mente, devemos concluir que as seções mais férteis teologicamente
aconteceram nos tempos extremos, quando as pessoas estavam totalmente
fora de sua zona de conforto. A maior quantidade de revelação parece
acontecer em período de liminaridade (p. ex., os patriarcas, a Torá, os
profetas, Jesus, Paulo, João, etc.), e a maioria dos milagres na Bíblia é re-
gistrada em meio a situações de liminaridade (p. ex., o êxodo, o exílio, os
Evangelhos e Atos). Quando consideramos as histórias que inspiraram o
povo de Deus no decorrer dos anos, descobrimos que são histórias que
envolvem aventuras de espírito dentro de um contexto de desafio. Na rea-
lidade, é exatamente por isso que elas dão inspiração (p. ex., Hebreus 11).
Pegue Abraão, por exemplo, que junto com toda sua família estendida
(estimada em tomo de 70 pessoas) é chamado por Deus para deixar sua casa
e seu lar e tudo o que lhe é familiar, fazer uma viagem muito arriscada para
uma terra que, naquele momento, não passava de mera promessa feita por
um Deus invisível. Quando analisamos as várias experiências pelas quais
passaram ao longo do caminho, as histórias que moldaram toda a fé sub-
sequente (p. ex., o oferecimento de Isaque), percebemos que não se trata de
histórias tranquilas para a hora de dormir. Pelo contrário, elas nos chamam
para uma forma perigosa de fidelidade que ecoa a fidelidade de Abraão (G1
3.15ss; Hb 11.9-13). Ou quando exploramos a experiência profundamente
liminar do êxodo, descobrimos que essa viagem complicada moldou para
sempre o povo de Deus e continua fazendo isso até os dias de hoje. Era tam-
bém o contexto da revelação substancial de Deus em sua aliança com seu
povo. O mesmo pode ser dito a respeito do exílio para a Babilônia muitos sé-
culos depois; essa foi uma situação extrema que mudou toda a maneira pela
qual Israel se relacionava com o seu Deus, e ainda o faz. Os profetas falaram
sobre a Palavra de Deus em contextos extremos, e foi precisamente quando o
povo de Deus se estabeleceu e se esqueceu de seu Senhor (Dt 4.23-31) que
foram incomodados espiritualmente pelos profetas outra vez. Para despertar
o povo para o seu chamado perdido, os profetas relembraram os momentos
perigosos de fogo na montanha e exércitos perseguidores e o Deus que, de
forma amorosa, redime para si mesmo um povo e faz uma aliança sagrada e
etema com eles. Isso soa bastante liminar para mim.
Quando consideramos a vida e o ministério de Samuel, Elias, Sansão e
Davi e seu grupo, e questionamos em quais condições se encontravam,
descobrimos temas consistentes de liminaridade e communitas. E quando
vamos para o Novo Testamento, precisamos olhar somente para a vida de
Jesus, que não tinha onde descansar nem deitar sua cabeça, e que disci-
pulou seus seguidores na estrada em meio às condições perigosas de uma
terra ocupada e em oposição a uma elite religiosa hostil e astuta.
Para descobrir muito mais a respeito desses temas, veja a vida de Paulo.
Ele descreve isso para nós de forma vivida em 2 Coríntios. Flagelação,
açoitamen- tos, aprisionamento e naufrágios dificilmente podem ser
designados como fora de perigo, seguro, confortável e conveniente, contudo,
por meio dessas experiências, ele e sua equipe apostólica se realinharam por
completo ao curso da história em tomo do Evangelho de Jesus Cristo. O livro
de Atos é repleto de communitas e liminaridade entendidos como uma
história alegre de aventura.
A questão em tudo isso é que se trata de descrições prescritivas para a
igreja porque parece que liminaridade e communitas são normativas para o
povo de Deus estrangeiro na Bíblia e nos movimentos de Jesus ao longo da
história. Está de forma tão profunda "lá" que eu simplesmente fico perdido
para explicar como perdemos essa perspectiva. Cheguei à conclusão de que o
choque de imagens da igreja experimentado na última viagem ministerial
serve apenas para destacar o quanto nós nos afastamos da imaginação
bíblica e da experiência de igreja.

ESTÁ EM TODO LUGAR! ESTÁ EM TODO LUGAR!


Tendo visto communitas como ela é, fica difícil não perceber esse tipo de ex-
periência comunal em tantos aspectos de nossas vidas. Como já mencionado,
estão os momentos de reviravolta e desastre que despertam alguma coisa em
nós e nos chama a descobrirmos a nós mesmos de uma nova maneira: o
tsunami, tão trágico como foi, evocou algo bom de nós. No entanto, a commu-
nitas pode ser encontrada em situações bem mais comuns e menos perigosas,
como equipes esportivas, nas quais um grupo de pessoas, que de outra ma-
neira seriam individualistas, se unem para realizar uma tarefa comum. Elas
formam uma equipe em tomo de um desafio único. Isso é refletido em prá-
ticas do trabalho comum, nas quais um grupo de pessoas em uma situação
corporativa é convocado a se unir para realizar algo que as pessoas não po-
deríam fazer sozinhas. Nessa situação, a data final cria a provação na qual as
pessoas que estão trabalhando juntas conseguem ser verdadeiramente bons
colegas. A mesma dinâmica está presente nos acampamentos de aventura e
em missões de curto prazo nos quais as pessoas são tiradas de seus
ambientes normais e seguros e colocadas em situações de desorientação e
marginaliza- ção. Muitas pessoas que vão visitar as favelas do México são
profundamente mudadas por essa experiência.
Os devotos do fenômeno Burning Man257 que ocorre anualmente em Black
Rock, nevada, passam pela experiência da alegria mística da limina- ridade e
communitas que os une quando compartilham, de modo radical, o que
chamam de "economia do talento".258 Burning Man, afirmam eles, "é uma
comunidade que, embora passageira porque dura seis dias por ano, continua
conectada durante o resto do ano para manter o fogo aceso".
Não há regras a respeito de como uma pessoa deve se comportar ou se
expressar no evento (exceto, as regras que servem para proteger a saúde,
segurança e experiência da comunidade como um todo); pelo contrário, vai
de cada participante decidir como contribuirá e o que dará para a comu-
nidade. O evento acontece no deserto, conhecido como Playa. Quando o
evento termina e os voluntários vão embora, às vezes, quase um mês
depois do fim, já não haverá vestígio algum da cidade que foi, por um curto
período de tempo, a mais populosa em todo o país. A arte é parte
inevitável dessa experiência e, na realidade, é tão parte da experiência que
Larry Harvey, fundador do projeto Burning Man, dá um tema ao evento
todo ano, a fim de incentivar um elo comum para ajudar a entrelaçar cada
contribuição individual de forma significativa. Os participantes são
incentivados a descobrir uma maneira de ajudar a fazer o tema vir à tona,
seja por meio da instalação de arte em grande escala, um acampamento
temático, presentes trazidos para serem dados a outras pessoas, fantasias
ou qualquer outro meio que alguém resolva utilizar. O projeto Burning
Man cresceu de um pequeno grupo de pessoas que se reunia
espontaneamente para uma comunidade com mais de 25.000 pessoas. O
impacto da experiência do Burning Man tem sido tão profundo a ponto de
uma cultura ser formada em torno disso. Essa cultura impulsiona os limites
do Burning Man e conduz uma multidão de pessoas por todo o país (e até
internacionalmente) a se unir e realizar seus próprios eventos na tentativa
de reacender aquele sentimento mágico que somente pode ser sentido
fazendo parte dessa comunidade.259
Exploraremos algumas dimensões místicas de communitas em filmes e
literaturas específicas abaixo, porém, observe que, embora a linguagem de
liminaridade e communitas não seja utilizada, na verdade, muitos filmes
excelentes são criados em tomo desses temas. Todos nós conhecemos muito

257 Burning Man é uma espécie de festival de contracultura, realizado anualmente desde 1986 em Black Rock Desert,
no Estado americano de Nevada, e costuma atrair mais de 50 mil pessoas. (N. de Revisão)
258 www.bumingman.com/whatisburningman/ (Site em inglês. Acesso em 24/01/2015)
259 Ibid.
bem o enredo, não conhecemos? Um homem está fugindo de elementos
perigosos da CIA. Em meio à situação de desespero, ele consegue ajuda de
um curioso, que também parece ser uma linda mulher, e assim, ela fica
comprometida por associar‫־‬se a ele. Ao se desviarem das balas e manter um
passo à frente de seus perseguidores, o homem e a mulher, tendo que confiar
um no outro, na verdade começam a "descobrir um ao outro" e, no fim,
resolvem a situação. Na verdade, a maioria das histórias de aventura
envolve um grupo de pessoas diferentes que têm que trabalhar juntas para
vencer o perigo, desde A supremacia Bourne (com Matt Da- mon) até o
melancólico O resgate do soldado Ryan, desde a excelente atuação de Russel
Crowe em Mestre dos mares até a corajosa Zion diante das máquinas na série
Matrix. A communitas é retratada em quase todo filme de aventura. Essas
histórias têm poder real sobre nós, pois despertam algo muito profundo
dentro de nós, a contínua necessidade humana de aventura, viagem e
camaradagem. O que isso nos ensina é que, em contextos nos quais as
pessoas enfrentam uma terrível ameaça comum e potencial destruição, as
pessoas podem e descobrem novas profundidades de sua própria
humanidade. Isso é verdadeiro não somente em filmes. E verdadeiro neles
porque é verdadeiro na vida. A liminaridade pode trazer à tona o melhor em
nós porque o perigo enfatiza a natureza paradoxal do bem e do mal, pelo
menos, da forma como o experimentamos. Ela enfatiza a bondade e lhe
concede um aspecto proveitoso que o mal, em si, nega. Ou, como já dizia o
perspicaz C. S. Lewis: "Eu não acho que a floresta seria tão esplendorosa,
nem a água tão quente, nem o amor tão doce, se não houvesse perigo nos
lagos".260
Embora perigo e crise não necessariamente exponham uma pessoa ou um
grupo à possibilidade de destruição ou fracasso, eles também propiciam uma
oportunidade das pessoas encontrarem recursos interiores para superar o
mal e, como consequência, enriquecer a si mesmas. Os relacionamentos
evoluem para a camaradagem em tais
8 - Communitas. não comunidade
i I m nHn.‫־■־‬.‫־‬.Tmi.ri.^è.-g■. n H ■

situações.261 Sem utilizar a palavra liminaridade, David Bosch observa


corretamente que:
falando de forma estrita, alguém pode dizer que a igreja está sempre na
condição de crise e que sua maior fraqueza é o fato de estar ciente disso
apenas ocasionalmente. Essa deve ser a razão da tensão contínua entre a
natureza essencial da igreja e sua condição empírica. [...] Séculos de
existência sem crise para igreja, portanto, foi uma anormalidade. [...] E se
a atmosfera sem crise ainda perdura em muitas partes do Ocidente, isso é
simplesmente o resultado de uma perigosa desilusão. Temos que saber
também que enfrentar a crise é enfrentar a possibilidade de

260 C. S. Lewis, citado em Corbin Carnell, Bright of Reality, 109.


261 Relata-se que Winston Churchill disse ser hilariante levar um tiro e não ser acertado!
verdadeiramente ser igreja.262
No entanto, não se trata apenas de perigo e crise. Há versões mais
brandas de communitas que têm potencial real para a reestruturação
missional das comunidades. Mark Scandrette é um surpreendente
missionário urbano na boêmia cidade de São Francisco. Um dos projetos que
ele ajudou a iniciar é o de uma cooperativa de arte mural que se reúne para
pintar os muros que a Câmara Municipal lhes disponibilizou. Funciona da
seguinte maneira: eles firmam o projeto com a Câmara; depois, reúnem a
cooperativa (formada basicamente por pessoas não cristãs) para decidirem o
que desejam dizer por meio de sua arte. Após muita discussão a respeito de
política, religião, significado, etc., decidem sobre o tema. Assim, eles dividem
o mural de forma que cada membro da cooperativa obtenha uma parte. É
tarefa de cada um projetar sua parte do mural e, depois, adequá-la ao tema
geral quanto à obra dos outros membros da equipe. Esboçado o projeto
conceituai, então, eles reservam os sábados para isso, se equipam com
escadinhas e tintas e passam o dia inteiro subindo e descendo as escadas,
pintando, conversando uns com os outros, compartilhando o almoço e
algumas cervejas no final do dia. O projeto pode levar três meses para
acabar, porém, no final, eles já investigaram profundamente a vida uns dos
outros, exploraram diversos temas relacionados à vida, Deus e
espiritualidade e se tomaram amigos.263
Outras versões disso podem ser uma horta comunitária, ativismo po-
lítico, construção de casas para os necessitados junto com um grupo de
amigos (como o Habitat for Humanity264), ou simplesmente limpar a cidade
com um gmpo de outras pessoas interessadas no meio-ambiente. Não é

262 Bosch, Transforming Mission, 2.


263 Turner realizou um estudo sobre o papel dos artistas na sociedade. Ele viu esses exemplos claros de liminaridade e
communitas. Em uma citação atribuída a ele, diz: "Os profetas e os artistas tendem a ser pessoas liminares e
marginais, 'marginalizados', que lutam com uma sinceridade passional para se livrarem dos clichês associados às
condições e papel desempenhado e para entrar em relacionamentos vitais com outros homens, de fato ou em sua
imaginação‫״‬.
264 Habitat for Humanity International (HFHI) é uma organização não governamental e internacional, sem fins
lucrativos, fundada em 1976, que se dedica à construção de casas "simples, decentes e acessíveis‫״‬, e se descreve
como ministério cristão de habitação, abordando as questões da habitação da pobreza em todo o mundo. (N. de
Revisão)
tão difícil assim. Aqui estão exemplos fantásticos de como podemos, junto
com outros, trilhar um percurso de aprendizado e entrar em uma série de
conversas maravilhosas. Aqui está a communitas na vida do dia a dia.

O MITO DA COMMUNITAS
Para provar esse conceito de uma vez por todas, permita-me retomar ra-
pidamente a literatura e os filmes nos quais podemos investigar o potencial
da communitas missional em vista de seu retrato místico em algumas das
poderosas histórias e filmes que capturaram nossa imaginação e nos
inspiraram.265

O companheiro do anel
Consideremos a verdade mística presente na marcante história de J. R. R.
Tolkien, O Senhor dos Anéis. A história começa com um jovem Hobbit
(criatura lendária) chamado Frodo, que, por meio das circunstâncias (ou é
algo mais profundo do que isso?), passa a possuir o Anel do Poder. Este anel
mágico foi feito por Sauron, o Senhor do Escuro, que o criou para governar
outros anéis do poder que ele distribuiu aleatoriamente a várias pessoas da
Terra-média. Portanto, o anel foi feito para reunir todos os poderes sob a
influência suprema do mal e concentrá-las sob o próprio Sauron. Existe uma
influência muito atraente, mas corrosiva, e ninguém é capaz de lidar com ela
sem ser profundamente modificado. Em toda a Terra Média, talvez, somente
os Hobbits sejam inocentes o bastante para não serem totalmente destruídos
pela isca de seu poder coercivo e, mesmo assim, se sujeitam ao seu poder e,
por fim, são corrompidos por ele.
De qualquer maneira, a tarefa de levar o anel para a casa de Elrond recai
sobre Frodo e, contra todos os seus instintos natos de hobbit quanto à prote-
ção e segurança, ele concorda em passar pela aventura. Você precisa saber
que os Hobbits raramente, se é que já o fizeram alguma vez, viajaram para
fora do Condado. Eles são companheiros de uma vila pitoresca que desfru-
tam de seis refeições por dia e vivem em casas que parecem esconderijos.

265 Dizer que uma história é mística não significa dizer que é mera fantasia. Muito pelo contrário: ao recorrer ao poder
do mito, concedemos às coisas comuns e cotidianas nova vida e significado. Isso se dá porque o mito alcança os
níveis mais íntimos da consciência humana. Isso repercute em nós por causa de sua verdade universal e
fundamental. Veja o que diz C. S. Lewis, o gênio contador de histórias, a respeito do significado de mito: "O valor
do mito é que ele pega todas as coisas que conhecemos e lhes devolve a rica importância escondida pelo Véu da
familiaridade'. A criança aprecia sua carne fria (que de outra forma seria intragável para ela) fingindo ser de um
búfalo que acabou de morrer por seu arco e flecha. E a criança é sábia. A carne verdadeira chega a ela muito mais
saborosa por ter sido mergulhada na história: voce pode dizer que, apesar de tudo, é apenas a carne verdadeira.
Se você está cansado da antiga paisagem real, olhe para ela através de um espelho. Ao colocar pão, ouro, cavalo,
maçã ou mesmo estradas em um mito [Lewis está se referindo aqui a O Senhor dos Anéis, de Tolkien], nós não
nos afastamos da realidade, nós a redescobrimos" (C. S. Lewis, "Tolkien's Lord of the Rings‫״‬, in: Essay
Collection and Other Short Pieces [Londres: HarperCollins, 2000], 52526‫)־‬.
Não são aventureiros. Samwise Gamgee insinua-se para a viagem e os dois
partem. Por fim, juntam-se a eles os primos de Frodo, a arteira dupla Merry e
Pippin. No decorrer do caminho, eles se deparam com o mal opressor e
terrível na forma dos poderosos Espectros do Anel, cavaleiros negros en-
viados por Sauron para recuperar o anel.
Finalmente, com perigo mortal (outro encontro horrendo com os Espec-
tros do Anel), foi realizado o Conselho de Elrond, o rei elfo. No conselho, foi
decidido que ninguém ousaria tocar no Anel por medo de ser corrompido
por ele. Frodo, tendo se restabelecido há pouco do envenenamento pela es-
pada de um Espectro do Anel, e seguindo seu senso de obrigação de Hobbit,
concorda em levar o Anel para a Montanha da Perdição, para o coração
negro de Mordor, reino de Sauron. Esta é uma tarefa aparentemente
impossível e a probabilidade de sucesso é bem pequena. No entanto,
decidem que, apesar dos empecilhos, eles se responsabilizarão pela tarefa.
No Conselho, a Sociedade do Anel é formada. Ela é constituída por Hobbits;
Aragom (o rei exilado); Boromir (um príncipe humano honrado, mas
desesperado, que é atraído para o poder do Anel); Gimli, o anão; Legolas, o
elfo; e Gandalf, o mago. É importante observar que esta é uma "sociedade"
pouco provável, pois anões e elfos, tradicionalmente, não se dão bem. Os
humanos são divididos conforme seus reinos e os Hobbits não são guerreiros
de maneira alguma. Entretanto, contra todas as probabilidades, no fim, as
habilidades combinadas à absoluta força de vontade dessa estranha sociedade,
salvam o dia.
O motivo da breve repetição dessa grande história é destacar o fato de
que a "Sociedade do Anel", na realidade, toma-se um companheirismo
verdadeiro, uma camaradagem, somente quando passa por grande luta e
dificuldade diante da opressão do mal. Ao responsabilizar-se pela tarefa
aparentemente impossível e enfrentar as dificuldades juntos, o grupo, na
realidade, toma-se uma communitas. Eles descobrem um ao outro de uma
maneira que não conseguiríam ou não poderíam em meio a qualquer outra
circunstância. Aqui está a representação mística da missão (nada menos do
que a destruição do mal no mundo), o discipulado (escolhendo,
constantemente, a bondade diante da devastadora opressão) e a communitas
(ao tomar-se uma grande comunidade em busca de uma missão). O elfo e o
anão tomam-se amigos inseparáveis, e os Hobbits tomam-se algo que jamais
conseguiríam ser se continuassem sob a proteção do Condado. Eles estão
ligados uns aos outros e descobrem verdadeiramente uns aos outros dentro do
contexto de uma árdua, mas comum, missão.
AMBIENTES ARTIFICIAIS E A IGREIA
Com certeza, agora você captou a ideia. No entanto, como a teoria do caos
destaca o papel da communitas e da liminaridade ao moldar a vida e a estru-
tura da igreja?266 A partir da teoria dos sistemas vivos, sabemos que todos
esses sistemas tenderão ao equilíbrio (e, portanto, estarão mais próximos da
morte) se fracassarem ao responder de forma adequada ao seu ambiente. A
lei da variedade necessária, uma importante lei da dbemética, afirma que: "a
sobrevivência de qualquer sistema vivo depende de sua capaddade de
cultivar (não somente tolerar) a adaptabilidade e diversidade em sua estru-
tura interna".267 O sistema em equilíbrio simplesmente não desenvolveu os
recursos internos ou mecanismos para responder, de forma adequada, aos
desafios de adaptação quando eles surgem e, portanto, enfrenta o potendal
fracasso. Logo, podemos dizer que a sobrevivênda dos sistemas vivos fa-
vorece os níveis aumentados de adrenalina, a atenção e a experimentação.
Por exemplo, "os peixes no aquário podem nadar, procriar, obter ali-
mento com o mínimo esforço e manterem-se protegidos dos predadores.
Contudo, como todos os donos de aquário sabem, são dolorosamente sen-
síveis até mesmo ao menor distúrbio no aquário". Os proprietários devem
limpar o tanque dos peixes com regularidade, monitorar a temperatura,
observar o ph e alimentar os peixes. Isso ocorre porque não existe o ecos-
sistema natural no aquário; é um ambiente artificial. "Por outro lado, os
peixes no mar têm que trabalhar muito duro para se sustentarem e estão
sujeitos a muito mais perigos. No entanto, como aprenderam a enfrentar as
mudanças" (temperaturas, fornecimento de alimento, predadores, etc.), "são
muito mais resistentes quando enfrentam desafios".268
Muitos de nós gostamos do filme Procurando Nemo, no qual o jovem
Nemo é capturado por um colecionador de peixes e Marlin, seu pai rabu-
gento, põe-se a caminho para encontrá-lo e resgatá-lo. Encorajado pelo
companheirismo de um peixe amável, mas esquecido, chamado Dory, o pai
hipercauteloso embarca em uma viagem longa, difícil e perigosa e descobre-
se o herói improvável de uma jornada épica para resgatar seu filho, que, por
sua vez, traçou alguns planos audaciosos para voltar para casa em
segurança. Procurando Nemo é uma grande história de communitas, pois
muitas criaturas se unem para ajudar no resgate de um jovem peixe, porém,
o foco aqui se dá mais no ambiente artificial para o qual Nemo foi levado.
Examinemos, por um momento, a ação das outras criaturas quando Nemo é
trazido do oceano para o aquário - todas elas o rechaçam, temendo que ele
tenha trazido doenças do perigoso oceano e infecte o aquário dos peixes. Não
sendo um animal doméstico, ele é um perigo para os peixes do aquário, pois
vivendo nesse ambiente seguro, eles não conseguem mais se adaptar à
variação e ao perigo, incluindo os bichos com os quais seus primos
marítimos lidam muito bem. Então, Pierre, o camarão, surge de seu

266 Para uma visão geral a respeito de como as perspectivas da teoria do caos se relacionam com a missão,
veja 0 apêndice.
267 Pascale, Millemann, e Gioja, Surfing on the Edge of Chãos, 20.
268 Ibid.
esconderijo e submete Nemo a uma limpeza. Somente depois disso, os outros
peixes ousam se aproximar e conversar com jovem peixinho desorientado. A
vida no aquário é segura, exceto quando o asqueroso dentista se esquece de
limpar o aquário e alimentá-los, mas, no geral, a vida passa, mesmo sendo
um pouco vazia e chata. No entanto, alguns peixes sonham em escapar e
desejam enfrentar outra vez a arriscada liberdade do oceano.
Procurando Nemo contém algumas lições para nós: sem um comprometi-
mento verdadeiro com o "mundo de fora", as igrejas se tomam rapidamente
ambientes artificiais resguardados, aquários eclesiásticos que estão protegi-
dos do perigo e perturbação dos ambientes vizinhos. Elas se tomam sistemas
fechados com suas próprias culturas peculiares com pouca associação
relacionai, social e cultural com o mundo exterior (e nós chamamos isso de
santidade). As pessoas que chegam são vistas como quem está trazendo bi-
chos mundanos para dentro da igreja, então, eles "limpam essas pessoas"
rapidamente. Para estender a metáfora somente um pouco mais, esses sis-
temas fechados são, de modo geral, mantidos pelas pessoas, enclausuradas
de forma significativa do mundo, que alimentam os de dentro e mantêm as
coisas estáveis, agradáveis, limpas e livres de perturbações. Não pretendo ser
maldoso nem cínico aqui, porém, no mínimo, isso não parece muito mais
uma alusão à igreja medíocre? Honestamente? Minha experiência diz que
sim. Mais uma vez, isso não significa que Deus não possa ser encontrado
nesses lugares - com certeza pode. Contudo, parece que ele é encontrado com
mais frequência nesses lugares pelos "encontrados" e não pelos "perdidos"
porque os "perdidos" parecem não conseguir encontrar seu caminho.
Quer provas disso? Ouvi recentemente que uma pesquisa na Nova Zelân-
dia indicou o seguinte: 80% das crianças educadas em grupos de jovens cris-
tãos e que foram para a universidade abandonaram sua fé no primeiro ano!
Quando isso foi mencionado às pessoas que trabalham com jovens nos Esta-
dos Unidos em uma recente viagem, elas confirmaram que a taxa de desgaste
era semelhante lá. Esses são índices alarmantes. E mesmo que as estatísticas
variem de um país para o outro, sabemos que isso é verdade. Nos grupos de
jovens, entretemos as crianças com músicas altas e jogos e as ensinamos
diversas variações da canção "Jesus me ama, sim me ama, porque a Bíblia
assim me diz" e, então, queremos saber por que não conseguem enfrentar o
ambiente mais corrosivo da universidade. Trata-se do ambiente artificial.
O problema é que quando um sistema é fechado e artificial, e de forma
geral não cultivou a adaptabilidade e a variedade interna, ele acabará se
deteriorando diante do equilíbrio. Nos sistemas vivos, o total equilíbrio
significa morte; se seu corpo está em um perfeito equilíbrio, você está
oficialmente... acabado. Ao contrário do que possamos sentir, o perigo e o
risco podem ser bons, e até mesmo necessários, para nós. A liminaridade
pode criar a com- munitas ou pode nos destruir. O risco é o preço que
pagamos pela aventura genuína; foi Alfred North Whitehead que, certa vez,
destacou que, sem aventura, a civilização está em total decadência.269 O
mesmo é igualmente verdadeiro para a igreja. Mais uma vez, isso se dá em
grande parte porque estruturamos a comunidade isolada de qualquer
comprometimento real com o mundo. Estamos perdendo a experiência como
communitas porque estamos perdendo o componente missional que nos tira
das zonas de conforto e nos leva ao arriscado comprometimento com o
mundo.

Prosperando no oceano
Há muito a aprender com o caos e a teoria dos sistemas vivos em relação à
communitas porque nos ensinam que o comprometimento fora do aquário é,
na verdade, essencial para a saúde da organização. A teoria dos sistemas
vivos diz que:
1. O equilíbrio é o precursor da morte. "Quando um sistema vivo está em
estado de equilíbrio, está menos responsivo às mudanças que estão
ocorrendo ao seu redor. Isso o coloca em risco máximo."270 Isso está
relacionado à situação dentro do ciclo de vida organizacional quando
as organizações tendem a controlar de forma excessiva, perdem o
dinamismo, residem em estruturas indiferentes e degeneram em
termos de rendimento. Nessas condições, elas estão, na verdade,
caminhando em direção ao equilíbrio. Quando o modo cristandade de
igreja fracassa em responder ao estímulo externo, descomprometendo-
se com a experiência liminar, e se toma puramente autor- referencial,
pode ter certeza de que ele está a caminho do fim. Em outras palavras,
perdeu seu foco missional, que deveria impulsioná-lo para além das
fronteiras. Em muitas igrejas, a missão, na realidade, passa a ser a
manutenção da própria instituição. Essa nunca foi a intenção de Jesus.
Nosso objetivo como povo não é estabelecer, preservar e aumentar
uma instituição ao longo de seu ciclo de vida, mas estender a missão
de Deus para o mundo. Nossa meta principal não é perpetuar a igreja
como instituição, mas seguir Jesus em sua missão no mundo. "O
cristianismo está preocupado com a revelação do Reino de Deus neste
mundo, não com a longevidade das organizações."271 Quando
mantemos em mente a missão, as idéias orgânicas a respeito do
cristianismo e da vida da igreja fluirão com bastante facilidade.
Quando temos em mente a instituição da igreja, as abordagens
mecânicas serão seguidas inevitavelmente porque seu mecanismo

269 Citado em ibid., 21.


270 Ibid., 6.
271 Easum, Unfreezing Moves, 17.
natural de receptividade (missão) foi, de fato, retirado da equação.
Missão é, e deve ser, o princípio organizacional da igreja.
2. "Diante de uma ameaça, ou quando estimuladas por uma oportunidade
atraente, as coisas vivas caminham para a beira do caos. "272 Ou seja, elas
passam da estabilidade e equilíbrio para a condição de abertura e
criatividade. Essa condição evoca níveis maiores de mutação e ex-
perimentação e, dentro dessa condição, é mais provável que encon-
tremos soluções novas, pois é exatamente essa a maneira pela qual a
natureza avança e garante a sobrevivência em face da ameaça. Estamos
enfrentando ameaças importantes à nossa sobrevivência. O que
estamos descobrindo agora é que estamos começando a caminhar para
a beira do caos e passamos a experimentar novos modelos de igreja.
Essa é precisamente a razão pela qual o paradigma da igreja missional
está sendo levado a sério neste momento e, provavelmente, porque
você está lendo este livro. Faz parte do processo de aprendizagem da
adaptação e é o indicador principal de que o sistema está começando a
responder. A razão é que todo o contexto de missão ao nosso redor
não nos concede o luxo da estabilidade, localização, status quo e
familiaridade; tampouco nos permite manter a falsa distinção entre o
sagrado e o secular e, portanto, nos concentrarmos no sagrado.273
Quando nos comprometemos de forma genuína com esse contexto de
missão, caminhamos para a beira do caos, e isso resulta em toda sorte
de experimentações e inovações. Logo, em nossos dias, estamos vendo
o florescer de novas formas de igreja e novas maneiras de
comprometer as pessoas com missão. Estimulante!
3. Quando esse estímulo responde às condições externas (seja pela amea-
ça ou pela oportunidade), os componentes dos sistemas vivos se auto- -
organizam e, como resultado, novas formas e repertórios emergem do
tumulto.274 Trata-se do genoma que Deus formou na própria vida: a ca-
pacidade de se organizar em um nível mais elevado de inteligência,
dadas as condições adequadas. Na vida, a criatividade e
adaptabilidade se expressam por meio do surgimento espontâneo da
novidade em pontos críticos de instabilidade. A guerra é um bom
exemplo; da forma horrenda como é, trata-se de um desafio adaptativo
que, geralmente, gera inovações na tecnologia e no aprendizado
humano.
4. "Os sistemas vivos não podem ser direcionados ao longo de um cami-
nho linear. As consequências imprevisíveis são inevitáveis." 275 Tente

272 Pascale, Millemartn, e Gioja, Surfing the Edge of Chaos, 6.


273 Easum, Unfreezing Moves, 21.
274 Pascale, Millemann, e Gioja, Surfing the Edge of Chaos, 6.
275 Ibid.
agrupar gatos ou borboletas. A natureza humana em si é profun-
damente imprevisível; esse é o sentido da história ou o porquê de
assistirmos ao noticiário todas as noites. Simplesmente, porque não
sabemos o que cada dia trará. O desafio não é direcionar os sistemas
vivos, mas perturbá-los de modo a nos aproximarmos do resultado
desejado e, assim, a liderança tentar e focar a intenção pela utilização
do sentido e visão. Esse processo de perturbar o sistema é uma função
crucial da liderança. Diz respeito à criação de condições nas quais
ocorrerão desafios, adaptação e inovação.
Além de manter uma visão clara, a liderança missional envolve facilitar o
surgimento da novidade formando e nutrindo as redes; criando uma cultura
de aprendizagem na qual o questionamento é incentivado e a inovação é
retribuída; criando um clima de confiança e apoio mútuo; e reconhecendo a
novidade viável quando ela surge, apesar de permitir que a liberdade cometa
erros. É por essa razão que Roxburgh e Romanuk podem dizer que o papel da
liderança dentro da igreja é cultivar ambiente onde o Espírito de Deus possa vir à
tona e libertar a imaginação missional do povo de Deus.276

O FUTURO E A FORMA DAS COISAS POR VIR


O cultivo de uma visão transformadora e vigorosa também pode criar li-
minaridade juntamente com a consequente communitas. Fritz Roethlisber-
ger, ex-professor na Harvard Bussiness School e pioneiro na área de com-
portamento organizacional, observou: "Muitas pessoas pensam no futuro
como os fins e o presente como os meios, quando na verdade, o presente são
os fins e o futuro os meios".277 Traduzindo, Roethlisberger está nos dizendo
que manter um sentido definido de visão (um futuro preferido) e de missão
informa e altera a forma como as pessoas pensam e como se comportarão no
presente. Visto dessa maneira, o futuro é um meio de alterar o
comportamento. O novo comportamento molda os fins, que, por sua vez,
alteram o futuro, e assim sucessivamente.
Ninguém se move lentamente rumo a um grande futuro. Pelo contrário, o
futuro é declarado, de modo ousado, em uma visão e serve como catalisador
para tudo o que vem a seguir. "Quando o presidente Kennedy anunciou sua
famosa visão de caminhar na lua, não existiam soluções para os problemas
apresentados: aprovação do congresso, apropriação de fundos, avanços
tecnológicos e o rejuvenescimento da NASA ainda precisavam completar a
visão."278 A visão de andar na lua de Kennedy, atuando como um catalisador,

276 Parte de discussões em andamento e troca de idéias.


277 Citado em Pascale, Miilemann, e Gioja, Surfing the Edge of Chaos, 72.
278 Ibid.
reuniu muitas emoções e aspirações, desejo e estímulo, curiosidade, poder,
uma busca pelo conhecimento, um desejo competitivo de ser o primeiro país
a andar na lua e a cobiça impe- ralista, e concentrou todas essas diferentes
forças para impulsionar uma ação unificada.279 O mesmo é verdadeiro para o
discurso de Martin Luther King Jr., "Eu tenho um sonho". Isso atuou como
um estranho atrativo para provocar e iniciar uma ação em favor dessa visão.
Recordamos tais eventos como inevitáveis - coisas que simplesmente
acontecem. Parece termos perdido a perspectiva de communitas missional
que visões como essas evocam. Os autores de Surfing on the Edge of Chãos
observam, de forma profunda, o seguinte: "o decreto em favor de um objetivo
poderoso altera a estrutura da realidade".280 Nós, o povo de Deus, somos levados
adiante pela visão do futuro que constitui nossa missão. Quando somos
capturados por ela e a perseguimos, somos modificados e seguimos para
cumprir a história.
É exatamente isso que os autores querem dizer quando falam que nós
devemos "administrar a partir do futuro".281 Administrar a partir do futuro,
estabelecer um objetivo atraente que tire a organização de sua zona de
conforto é a principal instrução que nos leva para a beira do caos e, portanto,
é importante no desenvolvimento da igreja missional. Esse meio nos coloca
no novo futuro e, então, dá uma série de passos, não a fim de chegar lá
algum dia, mas como se você já estivesse lá, ou quase lá, agora. Essa é
exatamente a perspectiva do Reino de Deus no Novo Testamento. Ao dizer
que o futuro Reino de Deus (escatológico) já está presente em nosso meio,
somos chamados para agir segundo o conhecimento que está aqui agora e
ainda será concluído depois. Assim, somos preparados de acordo com o
futuro de Deus para o mundo. Essa tensão do "agora" e "ainda não" do Reino
define nossa realidade e nos mantém caminhando, crescendo e nos
adaptando. Está na linguagem dos sistemas vivos, nosso já presente estranho
atrativo (mecanismo de orientação natural).
Esse conceito de planejamento a partir do futuro não é apenas um prin-
cípio teológico obscuro, mas um dos principais ativadores de missão em
nossas vidas e organizações e, portanto, uma função direta da liderança
missional. Os líderes do povo de Deus precisam tomá-lo uma disciplina na
maneira de fazermos igreja e liderar o poVo de Deus para missão. Aqui está
um exemplo de como é possível trabalhar no desenvolvimento das
organizações.
Em 1987, inspirado por um culto na igreja, um advogado especializado em
Direito Imobiliário, Billy Payne, concentrou-se em alcançar um enorme

279 Ibid., 72-73.


280 Ibid., 73.
281 Ibid., 240.
objetivo: ele queria trazer os jogos Olímpicos de 1996 para a sua cidade,
Atlanta. Diferentemente do esperado, ele não recebeu apoio financeiro
direto nem da cidade nem do Estado. Além disso, Atlanta tinha pouquís-
simas instalações adequadas para a logística da competição olímpica. De-
bates públicos e críticas da mídia constituíram um coro cético nos primei-
ros anos. No entanto, pouco a pouco, Payne costurou os jogos de Atlanta
como uma colcha de patchwork. Em parte, ele obteve êxito porque seu
objetivo de trazer as Olimpíadas para Atlanta foi tangível e estava conecta-
do ao estranho atrativo do orgulho e da hospitalidade do sul.282
"Com o patrocínio da Coca-Cola em 1992, Payne recebeu o primeiro
incentivo financeiro: US$ 540 milhões. Ele resolveu o problema das pou-
quíssimas instalações difundindo eventos em cidades tão distantes quanto
Washington, DC., e Orlando, Flórida. Teve que criar uma organização tem-
porária de US$ 1.7 bilhões, supervisionar projetos que envolviam 82.500
trabalhadores e 42.000 voluntários."283 Ele conseguiu dinheiro de sobra, que
doou para a sua cidade. Essa foi verdadeiramente uma notável façanha,
nascida de uma visão para a cidade. O fato a respeito de Billy Payne é que ele
compreendeu o que significa administrar a partir do futuro. Ele diz: "Eu
sempre achei que a maneira de comprometer-se na vida - nos negócios e
pessoalmente - era determinar objetivos enormes que parecessem totalmente
inatingíveis e trabalhar a partir da convicção de que irá conseguir. Fazendo
isso, estou convencido de que você alcançará metade deles. No restante,
conseguirá ir muito além do que teria ido de outra forma".284
No entanto, a mesma dinâmica existe em todos os grandes visionários.
Eles falam a partir do futuro. Constatamos isso na fundação da Urban Nei-
ghbors of Hope, uma ordem missionária para os mais pobres dentre os pobres
em Melbourne, ou em uma plantação de igreja local com uma visão de ver as
pessoas irem a Jesus, como Martin Luther King Jr. O verdadeiro poder é este:
uma visão atraente sobre o futuro é uma maneira de gerar uma genuína
communitas pelo desenvolvimento de um sentido corporativo de missão que,
por sua vez "cria" o futuro.285

MISSÃO COMO PRINCÍPIO ORGANIZADOR


Em uma observação atribuída a Gordon Cosby, líder pioneiro da notável co-
munidade Church ofthe Savior, em Washington, D.C., ele mencionou que no

282 Ibid., 240241‫־‬.


283 Ibid., 241.
284 Billy Payne, citado em ibid., 240-241.
285 Como observou certa vez Martin Buber: "Qualquer um que não consiga mais desejar o impossível não será
capaz de atingir nada mais além do mais provável. M Buber, On Judains (Nova Iorque: Schocken Books),35.
Ou conforme destacou Cesar Pavese certa vez: "Para conhecer o mundo, alguém teve de construí-los‫״‬.
decorrer de 60 anos de ministério significativo, observou que nenhum grupo
reunido por um propósito não missional (p. ex., oração, adoração, estudo,
etc.) acabou se tomando missional. Somente os grupos que determinaram ser
missionais (apesar de aceitar a oração, adoração, estudo, etc. durante o
processo) conseguiram fazê-lo realmente. Essa observação se adapta a toda
pesquisa realizada por Carl George286 e outros colaboradores que indica que
a grande maioria das atividades da igreja e dos grupos, até mesmo em uma
igreja saudável, visa as pessoas de dentro e falham em tratar as questões mis-
sionais com as quais a igreja se depara em qualquer situação.
Se a evangelização e a disciplina das nações encontram-se no centro do
propósito da igreja no mundo, então é missão, e não, ministério, o verda-
deiro princípio organizacional da igreja. Missão está sendo utilizada em um
sentido restrito aqui para sugerir a orientação da igreja para com os "de fora",
e ministério como orientação para os "de dentro". A experiência nos diz que
uma igreja que visa o ministério raramente chega à missão, mesmo tendo a
intenção sincera de realizá-la. No entanto, a igreja que objetiva missão terá
que realizar o ministério porque ministério é o meio para fazer missão. Nossos
cultos, nossos ministérios necessitam de uma causa maior para mantê-los
vivos e lhes dar um sentido mais amplo. Ao fixar-se além dos muros e
limites da igreja, por assim dizer, a igreja se descobre pelo reagrupamento;
isso é missão. Ao buscarmos isso, descobrimos nós mesmos e Deus de uma
maneira nova, assim, as nações "veem", ouvem o Evangelho e são salvas.
Um princípio organizacional é aquele em tomo do qual uma organização
estrutura sua vida e atividades. E difícil imaginar que uma equipe esportiva
sobreviva por muito tempo caso se esqueça que sua principal missão é
competir e ganhar cada jogo e, no fim, ganhar a última grande

286 Carl George é o criador do modelo metaigreja, o qual, inicialmente, se baseou na observação do movi-
mento coreano associado a Paul Yonggi Cno.
competição de sua liga. Ganhar o troféu, a medalha ou o prêmio mantém a
equipe focada e integrada. Sua missão é seu princípio organizacional; a
camaradagem acontece durante o processo. A equipe experimenta a com-
munitas quando se compromete com a tarefa principal - quando enfrenta o
desafio físico e o risco de fracasso a fim de obter êxito.
"A comunidade para mim" "Eu para a comunidade e a comunidade para o mundo"

comunidade communitas
A experiência estabelecida de um grupo A jornada de um grupo de pessoas que se descobrem umas
de pessoas que existe para benefício nas outras apenas pela busca comum de uma visão e de uma
próprio e para os "de dentro". Suas missão que estão além delas mesmas. Suas energias são
energias são direcionadas direcionadas principalmente para fora e para frente.
principalmente para dentro.
Como missão e visão podem formar comunidades

Outro exemplo de princípios organizacionais: a constituição de um país é


basicamente um princípio organizacional do Estado e de sua vida pública e
política. Por exemplo, a constituição dos Estados Unidos preserva a
liberdade básica e democracia que marcam esse país como único.
Semelhantemente, a missão é nossa constituição ou, pelo menos, a parte
central dela. Para preservar o etos do movimento do povo de Deus, é
fundamental que a igreja mantenha a missão no centro de seu autoen-
tendimento. Sem missão, não existe movimento, e a comunidade sofre a
morte espiritual muito antes da morte física. Esquecer a missão é esquecer-se
de nós mesmos; esquecer a missão é perder nossa razão de ser e caminhar
para nossa inevitável morte. Nosso sentido de missão não flui somente da
compreensão sobre a missão de Deus e da igreja missional, mas forma a
inspiração orientadora da igreja de Jesus Cristo, mantendo- -a em constante
movimento para frente e para fora.
ALÉM DA IGREJA “OU... OU”
Relembre brevemente o aquário estéril e as terríveis estatísticas sobre os jo-
vens nas universidades abandonando a fé. Em parte, a maneira como real-
mente fazemos igreja é o problema.287 Conforme observamos no capítulo 3, o
dualismo platônico é a crença de que o mundo é separado nas esferas
espiritual e não espiritual, sagrada e secular. Essa visão do mundo, bastante
estranha para a ideia hebraica, se tornou predominante na igreja no final do
século 4, basicamente por meio da influência de Agostinho e outros teólogos
da igreja primitiva. A questão do dualismo é levantada aqui porque, apesar
de hoje nós rejeitarmos essa filosofia intelectualmente, ainda tendemos a in-
corporar essa crença de forma prática em todas as estruturas e atividades da
igreja, de modo a impedir qualquer mensagem de afirmação de vida que
desejemos descrever verbalmente. O resultado dessa compreensão dualísti-
ca de vida e fé é a do ambiente artificial do aquário, pois separa, na prática, o
que é essencial para uma visão de mundo bíblica holística e para a espiri-
tualidade: tudo na vida sob a abordagem de Deus.
Em um diagrama que reelabora o representado anteriormente no capí-
tulo 3, podemos ilustrar qual a possível aparência dessa estrutura dualís- tica
de igreja. Seria algo semelhante a isto:
Esfera sagrada Esfera secular
Interação de Deus com o Interação do indivíduo e da
seu povo (adoração, igreja com o mundo
oração, etc.) (trabalho, diversão, missão,
evangelismo)

O modo da cristandade dualista

287 Nesta seção, tomei emprestado de minha obra anterior em TheShaping ofThings to Come, 157159‫־‬, mas usei
de forma diferente.
Imaginemos o seguinte: Jane é uma frequentadora de igreja mediana. Ela
ama Deus e quer crescer nele. No entanto, seu problema é como unir todos
os aspectos de sua vida de forma que façam sentido com sua fé. Como ela
experimenta a igreja?
Ela passa a maior parte do tempo no espaço secular "sem Deus" chamado
mundo. Aos domingos, ela vai para a igreja (o círculo central). A comunhão
eclesiástica lhe oferece um tipo neutro de espaço repleto de cristãos com a
mesma mentalidade. Ela se sente segura e tranquila quando está ao redor
deles, pois a tensão que sente normalmente quando "está no mundo" é
aliviada por algum tempo. Depois de um pouco de "comunhão", ela vai para
a nave da igreja (simbolizada pela interface entre os círculos "Deus" e
"Igreja") em resposta ao chamado à adoração. A música toca, a adoração
começa, e ela é atraída para uma forma de êxtase quando começa a entregar
seu coração em adoração a Deus. E, de repente, é como se Deus "caísse de
paraquedas". A adoração embala e Jane começa a sentir que está realmente
conectada a Deus. Depois do louvor e adoração, Jane é exposta à Palavra de
Deus durante o sermão. O pastor Bill é um grande pregador, e ela sente que
o sermão de fato "a alimentou". Então, ao participar da Santa Ceia, ela volta a
entregar-se a Jesus como seu Salvador pessoal. Depois, a igreja canta mais
algumas músicas estimulantes e o pastor impetra a bênção, e opaaaa! É como
se o paraquedas pegasse Deus outra vez e o levasse para o céu. Jane
encontra-se de volta no círculo central, bebendo um café ou um refrigerante
com seus amigos cristãos. Mas, então, ela tem que voltar para o mundo
(simbolizado pelo círculo "mundo"). Trabalhando como ela está, debaixo da
visão dualística do mundo e da experiência, esse espaço na percepção de
Jane é, de certa forma, um contexto cáustico para os cristãos, uma vez que
Deus não é visto como estando "no mundo". Logo, trata-se de uma
experiência um tanto angustiante e ela dificilmente sente o efeito no grupo
em célula no meio da semana, onde passa por uma experiência similar à de
domingo (mas não na mesma intensidade). Sim, ela tem seus momentos em
silêncio quando, às vezes, Deus "aparece", mas depois disso sente que está
sozinha em um lugar espiritualmente precário.
Se você perdoar a demasiada simplificação um pouco satírica, tenho
certeza de que muitos de nós conseguimos nos reconhecer nessa história. O
trágico é que todas as coisas nesse meio da igreja colaboraram para Jane
experimentar sua vida como fundamentalmente dualística e, portanto, di-
vidida entre o sagrado e o secular. Ninguém pretendia, necessariamente, que
fosse dessa forma; é apenas como se um vírus entrasse no sistema de alguma
maneira, algo indesejado que se alojou na programação fundamental que
sustenta o software da cristandade. Logo, não importa o quão interessado em
"buscar amavelmente" alguém possa estar ao fazer
o serviço, ele ainda "comunica" esse dualismo sagrado-secular que conta-
minou a igreja. O resultado final dessa maneira de fazer igreja é que Deus é
experimentado como um deus da igreja, e não, como o Deus de tudo da vida,
incluindo a igreja.
Por causa da forma como a vida da igreja é concebida e estruturada, não
há uma margem missional real nesta comunidade - ela é removida do
comprometimento com o mundo. Sua mensagem institucional sempre atua
de forma contrária, logo, anula suas mensagens verbais declaradas. Além
disso, sua espiritualidade dualística inerente faz com que as pessoas não
enxerguem seu trabalho, diversão, estudo, etc., como ministério ou missão.
Ministério tende a ser visto como algo da igreja realizado por especialistas.
No entanto, existe outra maneira de configurar esses três elementos do
diagrama de modo a fazer mais sentido e a ficar muito mais integrado e
bíblico. Isso simplesmente envolverá a reconfiguração da relação de Deus,
mundo e igreja. Segundo a fraseologia deste livro, o significado disso é
tornar-se missional-encarnacional que, por sua vez, irá gerar a comniunitas.
Considere o seguinte diagrama:

• Igreja encarnacional
• Comprometimento
missional
• Ccmmunitas

Abordagem da communitas missional-encarnacional

Ao reorientar os três círculos, podemos pensar a respeito da experiência


cristã de uma maneira completamente diferente. Quando conseguimos
imaginar os círculos se cruzando no centro, ali nós temos uma igreja
verdadeiramente missional, profundamente encarnacional e que está
atuando de forma a estender o ministério de Jesus para o mundo. De acordo
com esse modelo, nossa adoração a Deus é sempre feita dentro do contexto
do nosso comprometimento com o mundo e, por isso, é obrigada a ser
culturamente significativa para os de fora. Ela também tem margens
missionais definidas porque está aberta a tudo. A igreja não é algo feito à
parte do mundo. Nosso evangelismo e ação social são comuns, nos unimos a
Deus na redenção do mundo (ele já está lá) e nossa espiritualidade está na
variedade de toda a vida.
É exatamente isso que buscávamos alcançar por meio do Elevation, o
projeto de café descrito no capítulo 1. Era toda essa convergência de Deus,
seu povo, missão, espiritualidade e comunidade de maneira orgânica
encamacional que tem o potencial para transformar todos os bairros. Outro
exemplo mencionado anteriormente é a Third Place Communities, na
Tasmânia, Austrália. Esse grupo de pessoas de Jesus se recusa a reunir- -se
como povo de Deus em lugares sagrados e isolados. Pelo contrário, ele existe
para encarnar e fazer missão nos "terceiros lugares"288, onde as pessoas vão
para passar o tempo. Então, o grupo se reúne em bares, clubes esportivos,
grupos de jogos, grupos de interesse, subculturas, etc., e as pessoas prestam
atenção naquilo que eles estão fazendo. Ao decidir de forma deliberada
passear e "ser igreja" em lugares públicos, o grupo tem que estar
constantemente atento ao seu contexto missional. Logo, a adoração e tudo
relacionado à vida da igreja é encamacional e suscetível culturalmente. A
força missional disso é facilmente provada: experimente cantar músicas de
adoração em um café ou bar. Na maioria dos casos, isso só perturbará os
clientes e o proprietário do local, e não lhe será permitido retornar - pelo
menos, não quando outros clientes estiverem por lá. Contudo, uma das
coisas mais missionais que uma comunidade eclesiástica pode fazer é
simplesmente sair de seu edifício, ir até onde as pessoas estão e ser o povo
redimido de Deus naquele lugar de modo a convidar as pessoas a
participarem! Quando os três círculos se cruzam, os aspectos do Genoma
Apostólico começam a emergir. Sempre me surpreende o fato de que nas
reuniões da "igreja" da Third Place Communities, cerca de 60% dos
participantes usuais seja de não cristãos bastante curiosos.
Isso é o que tentamos produzir nos estagiários da Forge Mission Training
NetWork e uma das maiores recompensas de trabalhar com eles é ver a luz se
acender quando fica claro que eles podem reunir todos os diferentes
elementos de suas vidas sob o nome de igreja. A igreja não precisa ser algo
excluído do resto da vida. Ela é realmente fiel ao seu propósito apenas
quando entrelaça todas as pontas soltas debaixo do único Deus; esse é o
verdadeiro significado do monoteísmo, conforme vimos no terceiro capítulo.
O fato é que Deus está em todos os lugares. Ele já está profundamente
envolvido na história da humanidade e na vida de todas as pessoas. O
impulso conceituai na transição para esse modelo está no círculo
chamado igreja. Esta precisa ajustar sua posição em relação a Deus e ao

288 Termo utilizado por alguns especialistas para designar um terceiro lugar; sendo o primeiro a casa e o
segundo o local de trabalho. (N. deTradução)
mundo. Para fazermos isso, devemos acabar com a escravidão do dualismo.
Uma das melhores maneiras de conseguirmos isso é nos tomando
missionais, comprometendo-nos diretamente com os diversos contextos nos
quais nos encontramos.

ENTÃO, SIGA A ESTRADA DE TIIOLOS AMARELOS


Uma das coisas que a história de Abraão, o companheirismo das equipes de
esporte, a camaradagem desesperada dos veteranos de guerra e o com-
panheirismo de O Senhor dos Anéis nos ensinam é que a viagem em si é
importante; a maturidade e a autorrealização exigem movimento e risco, e a
aventura, na verdade, é muito boa para a alma. Todas elas ensinam que uma
forma profunda de intimidade e amor é encontrada quando embarcamos na
missão comum da descoberta, quando encontramos o perigo juntos e temos
que descobrir um ao outro durante o processo a fim de sobreviver.
Encontramos todos esses elementos na maneira pela qual Jesus formou seus
discípulos quando, juntos, embarcaram em uma viagem que os levou para
longe de suas casas, famílias e segurança (seja social ou religiosa) e lançaram-
se em uma aventura que envolvia liminaridade, risco, aprendizado de ação-
reação, communitas e descoberta espiritual. Ao longo do percurso, seus
medos da inadequação e falta de provisão enfraqueceram e foram
substituídos por uma fé corajosa que seguiu em frente para mudar o mundo
para sempre.
O que toma os movimentos fenomenais de Jesus tão dinâmicos é o fato
de, na realidade, envolverem movimento; isso não só descreve a estrutura
organizacional e o sistema, mas o fato de haver deslocamento real. Isso não
quer dizer que todo cristão deixou literalmente sua casa e sua família para
seguir Jesus, mas que a transição espiritual fundamental de sacrificar tudo
pelo nome de Jesus foi a principal base de tudo o que veio a seguir. Dessa
forma, eles tomaram uma decisão permanente de entrar na liminaridade de
deixar a segurança e o conforto quando se tomaram cristãos, e por isso não
tiveram que experimentar e levar isso em consideração posteriormente. Isso
significou que eles continuaram um povo fluido, em constante adaptação e
desenvolvimento, dependo do contexto. A situação persistiu até Constantino
nos dar edifícios e uma instituição e um elo entre igreja e Estado, fazendo o
Genoma Apostólico adormecer por um longo período.
Precisamos pegar a estrada outra vez. Somos o povo do Caminho, e nosso
caminho está diante de nós, nos convidando a um novo futuro no qual nos é
permitido moldar e participar. Ao tentar rearticular a natureza da autêntica
comunidade cristã, aquela da communitas formada em tomo de uma missão e
assumida por um grupo de camaradas duvidosos, mas corajosos, evocando a
imagem mística de grandes histórias e chamado à mente como Jesus e a
igreja primitiva procuraram disseminar a mensagem, nós evocamos esse
anseio e essa disposição de assumir uma viagem aventureira de redescoberta
dessa antiga força chamada Genoma Apostólico.
CONCLUSÃO

Nós não devemos parar de explorar E


o fim de toda nossa exploração Será
chegar ao ponto de partida E ver o
lugar pela primeira vez
T. S. Eliot, "Little Gidding"

De muitas maneiras, é apropriado concluir essa exploração do Genoma


Apostólico com a forte percepção de Eliot sobre a natureza das viagens de
exploração. Ao retomar às primeiras raízes da missão cristã e da igreja, nós
descobrimos algo esquecido há muito tempo e relembrado apenas em nossos
mitos, em histórias de mártires, e rapidamente incorporada na vida dos
santos e heróis. É como se tivéssemos tropeçado em um tesouro de
importância vital que, de alguma forma, foi enterrado, escondido no
recôndito escuro dos arquivos eclesiásticos desordenados. Ao reconquistar
esse tesouro, em um sentido bastante real, redescobrimos a nós mesmos de
uma maneira nova e vital.289
O Genoma Apostólico (e seus elementos componentes do mDNA) detém

289 Para este fim, tentei desenvolver ferramentas práticas que ajudarão você e sua comunidade na aplicação
das idéias deste livro. Esta tem a ver com tentar identificar onde você está em termos de APEPD. Venho
trabalhando com um psicólogo organizacional para tentar desenvolver os perfis com base nos ministérios
primário e secundário. Ao responder o questionário em www.theforgottenways.org, você pode realizar o
teste pessoal ou se submeter ao perfil 360 o que envolve um feedback de outros em seu ministério e como
eles consideram sua contribuição singular. Isso será útil tanto para as pessoas quanto para as equipes
ministeriais.
A outra ferramenta principal é um teste para o que chamamos de "aptidão missional‫״‬. Esse teste é ela-
borado para avaliar o nível do Genoma Apostólico que se manifesta em sua comunidade ao tentar avaliar
os níveis do mDNA individual presente neles. Então, por exemplo, envolverá pesquisa sobre quão bem a
comunidade segue os impulsos missional-encarnacional, permite a influência apostólica, concentra-se em
fazer discípulos, desenvolve estruturas orgânicas e se molda em formas que se aproximem de
communitas. Dessa forma, ela apresentará as percepções nas quais você pode concentrar seus esforços
para se tornar missional. Se você concorda com as teses centrais deste ivro e deseja desenvolver sua
comunidade (ou iniciar uma) tendo o Genoma Apostólico em mente, essa será uma ferramenta muito útil
em suas mãos. Acesse www.theforgottenways.org e comprove.
um poderoso exemplo de nossas próprias práticas e conceitos de igreja e,
fazendo isso, nos propicia essa perigosa comparação entre nós mesmos e os
marcantes movimentos de Jesus ao longo da história. É perigoso porque
desperta em nós nossos instintos mais profundos, aguça nossos potenciais
latentes e nos chama para uma mudança radical e paradigmática. É
subversiva porque requer um perfeito reequilíbrio de nossas vidas e nossas
comunidades, pois envolve um retorno ao lugar onde tudo começou -
retomar ao radical e revolucionário Messias, aos movimentos radicais que
sua vida e ensinamentos inspiraram no decorrer das décadas.
Para muitos de nós, será como se envolvesse um salto praticamente
impossível sair de onde estamos agora para tentar nos aproximarmos da
vitalidade dos movimentos de Jesus que estudamos. Isso ocorre dessa forma
porque muito daquilo que exploramos em relação aos vários elementos do
mDNA é totalmente paradigmático em substância e natureza. Minha grande
esperança para a igreja é que, de fato, o Genoma Apostólico não é algo que
temos que impor para a igreja, como se fosse uma coisa estranha para nós,
mas algo que já existe em nós. Está em nós! É nossa expressão mais
verdadeira como povo de Jesus. Por isso, simplesmente precisamos despertá-
lo e cultivá-lo. Estou completamente convencido de que o Genoma
Apostólico está tão disponível para nós hoje como está para nossos notáveis
irmãos e irmãs chineses. Trata-se da herança comum de todo o povo de Deus
e é uma ligação direta com nosso próprio destino quando enfrentamos os
desafios in- timidadores do século 21.
No entanto, esse desafio de adaptação e remodelagem constante de
acordo com as linhas missionais continua sendo parte fundamental do que
significa ser fiel à ideia de igreja como Jesus pretendia em primeiro lugar.
Não se trata de um trabalho à parte; pelo contrário, forma a parte
fundamental de nosso testemunho no mundo no qual vivemos. O grande
teólogo Karl Barth reconheceu totalmente isso quando deu orientação a um
pastor ansioso, na então Alemanha oriental marxista, que estava lutando com
a maneira pela qual a igreja podería continuar expressando a forma
tradicional de igreja que tinham herdado enquanto tiveram que ir para a
clandestinidade a fim de manter o testemunho da comunidade. Cito suas
palavras aqui em sua totalidade por sua absoluta relevância para a nossa
situação também.
Agora, não estou dizendo nada novo a você quanto a essa questão. De fato,
foi um de seus homens mais renomados e capacitados, General Su-
perintendente Gunther Jocabem, em Cottbus, que há pouco tempo anun-
ciou o "fim da era constantina". Como tenho certa cautela com toda a
formulação teórica de uma filosofia da história, hesito tornar essa expres-
são a minha própria. Entretanto, é certo que algo parecido com esse fim
que se aproxima começa a aparecer em todos os lugares, porém, muito
categoricamente na sua parte do mundo. Com certeza, todos nós temos
razão para nos fazermos cada uma dessas perguntas e, em todo caso, uma
resposta rápida e clara é dada:
Não, a existência da igreja nem sempre tem que ter, no futuro, a mesma
forma que tinha no passado, como se esse fosse o único padrão possível.
Não, a continuidade e a vitória da causa de Deus, à qual a igreja cristã deve
servir com seu testemunho, não estão ligadas de forma incondicional às
formas de existência que teve até o momento.
Sim, a hora pode chegar e, talvez, já tenha chegado, em que Deus, para
nosso desapontamento, mas para sua glória e para a salvação da huma-
nidade, colocará um fim a esse modelo de existência por falta de inte-
gridade.
Sim, pode ser nossa obrigação nos libertarmos intimamente de nossa de-
pendência desse modelo de existência mesmo enquanto ele ainda durar.
De fato, pressupondo que possa desaparecer por completo um dia, defini-
tivamente devemos procurar novas aventuras em novas direções.
Sim, como igreja de Deus, podemos depender dela, e só se estivermos
atentos, Deus nos mostrará novos caminhos que dificilmente conseguimos
prever agora. Como pessoas ligadas a Deus, podemos, mesmo agora,
reivindicar proteção inconquistável para nós mesmos por meio dele. Pois, o
nome dele é sobre todos os nomes...290
A descoberta de grandes verdades traz certa responsabilidade de viver
por elas. Este livro tratou a respeito de trazer à luz um potencial perdido que
está escondido no coração do povo de Deus há muito tempo. Sim, ele
implicará em mudança e nos levará a uma aventura na qual devemos arriscar
sermos sobrepujados. No entanto, aqui habita a nossa esperança, pois
continua sendo o mesmo Evangelho potente que tem o poder tanto de salvar
quanto de transformar o nosso mundo. Continua sendo nossa herança mais
oculta. E incumbência nossa, que seguimos o caminho do Evangelho, agir de
modo a revelar seu maravilhoso poder. Assim como foi para Paulo, para a
igreja primitiva e para todos ao longo dos séculos, o será para nós - exigirá
esperança e fé confiante naquele que salva.
ANEXO

UM CURSO INTENSIVO EM MEIO AO CAOS


290 Karl Barth, “Letter to a Pastor in the German Democratic Republic" (Carta para urn pastor na República De-
mocrática da Alemanha), in: How to Serve God ina Marxist Land (Nova lorque: Association Press,
1959)4580‫־‬.
A experiência em gestão tornou-se a criação e o controle do constante, da
uniformidade e da eficiência, enquanto a necessidade tornou-se a compreen-
são e a coordenação da variabilidade, da complexidade e da efetividade.
Dee Hock, Birth ofthe Chaordic Age

Há duas maneiras de viver sua vida. Uma é como se nada fosse um milagre. A
outra é como se tudo fosse um milagre.
Albert Einstein
Em uma linguagem de certa forma estranha, mas evocativa a respeito dos
sistemas vivos, a igreja no Ocidente está enfrentando o que é chamado de
desafio adaptativo. De acordo com a teoria, os desafios adaptativos são
situações nas quais o organismo (ou organização) é desafiado a mudar e
adaptar-se a fim de aumentar sua chance de sobrevivência. Esses desafios
provêm, possivelmente, de duas fontes: (1) uma situação de ameaça signifi-
cativa ou (2) uma situação de oportunidade atraente; ou ambas. O cenário
ameaçador apresenta uma situação "de adaptação ou morte" para o orga-
nismo ou organização. O cenário de oportunidade atraente pode apenas
apresentar a si mesmo com a promessa de que a fonte de alimento será muito
melhor no vale seguinte, uma oportunidade que estimula o organismo ou
organização ao movimento e à ação. Para a igreja, ambas as formas de
desafio adaptativo apresentam problemas muito reais em nossos dias. A
ameaça à existência da igreja institucional vem na forma de mudança des-
contínua rápida, e a oportunidade atraente vem na forma de uma sólida, e
quase sem precedentes, abertura às questões relacionadas a Deus, à espirituali-
dade, comunidade e significado. Ambas são boas razões para mudar e os sinais
mostram que estamos somente começando a responder.
Em termos de ameaça, a natureza de nosso desafio no Ocidente não
provém de uma perseguição evidente por parte do Estado, como ocorreu nos
movimentos fenomenais de Jesus no início da era cristã ou na China. Na
realidade, a falta disso, provavelmente, contribuiu para o declínio moral e
social no qual nos encontramos, pois criamos toda a instituição e tendência
atual e fomos subvertidos a ser apenas bons companheiros de classe média.
Conforme mencionado no capítulo 2, a ameaça para nós é muito mais das
forças político-sócio-culturais e adquire a forma de mudança descontínua
rápida (incluindo ameaças e oportunidades sociopolíti- cas, ambientais,
biológicas, tecnológicas, religiosas, filosóficas e culturais).
Somente 50 anos atrás, com base no que sabíamos do passado e em uma
avaliação completa das condições atuais, pudemos prever o futuro com altos
níveis de possibilidade de previsão. Assim, desenvolvemos um plano
estratégico, com marcos ao longo do caminho, e, estando as coisas igualadas,
esperamos até conseguirmos alcançar os resultados desejados. Isso foi
chamado de plano estratégico e foi baseado na ideia de mudança lenta e
contínua. O futuro foi apenas uma projeção do passado com alguns ajustes.
Hoje, por causa das constantes inovações na tecnologia e das redundâncias
resultantes das indústrias como um todo, dos mercados globais
hipersensíveis que reagem ao menor distúrbio ao longo do globo, do
terrorismo, da mudança das forças geopolíticas, etc., estamos vivendo em
uma era na qual é praticamente impossível prever o que acontecerá dentro
de três anos, quanto mais em 20! Em outras palavras, mudar para nós é
descontínuo e incrivelmente rápido. E uma ameaça real para a igreja
institucional, que normalmente responde bem até mesmo à mudança lenta e
contínua.
Analise alguns pensadores-chave na área de missões e organizações
missionais.
A cultura norte-americana está [...] se movendo em um período de mudan-
ça altamente volátil e descontínua. Esse tipo de mudança é um paradigma
da mudança não experimentada por meio de todos os pontos na história,
porém, se tornou nossa norma. Está presente e é difundida ao longo desses
períodos da história marcados pelos eventos que transformam as socie-
dades e as culturas para sempre. Tais períodos podem ser percebidos em
eventos como aquele do Êxodo, onde Deus forma Israel como um povo, ou
no advento da gráfica, que colocou a Bíblia nas mãos de pessoas comuns e
levou à transformação não somente da igreja, mas de toda a imaginação
da mente europeia, ou da ascendência de novas tecnologias como o
computador e a internet, bem como do casamento da biologia com os
microchips.291
Os reajustes paradigmáticos são exigidos de nós nessa situação. Olhando
adiante no século 21, não há dúvida de que estamos oscilando à margem do
caos. Como veremos, isso é algo bom, porque a margem do caos é o lugar
encantador onde a inovação acontece se tratada corretamente.

ENTRANDO EM CONTATO COM O FUTURO : UM EXERCÍCIO


Verifique alguns desses websites que focam nas tendências do futuro.
Esta lista foi dada a mim por um amigo e colega da Forge, o jovem e
talentoso futurista chamado Wayne Petherick.

ALGUNS CONSELHOS
Considere os "filtros" que está utilizando para ler estes sites, p. ex.:
Qual é o meu ponto de vista? Existe algum outro? Saber a respeito do
surgimento de problemas/eventos é uma coisa; agir em relação a eles é

291 A. Roxburgh e F. Romanuk, "Christendom Thinking to Missional Imagination, Leading the Cultivation of
Missional Congregations‫״‬, manuscrito não publicado, 2004,11.
outra. Desafie a si mesmo a mapear possíveis implicações (para o bem
ou para o mal) e se suas conclusões são dignas de ação. Questione
também qual será a aparência da igreja e como ela será dentro desses
contextos.
• EurekAlert (www.eurekalert.org/) - Resumo completo sobre
descobertas científicas, pesquisa e comunicados de imprensa.
• New Scientist (www.newscientist.com/) - Outro resumo equili-
brado sobre as coisas da maneira como acontecem.
‫ ״‬Wired (www.wired.com/) - Uma miscelânea popular-tecnológica.
• Fast Company Magazine (www.fastcompany.com/) - Revista de
negócios do tipo "o próximo sucesso".
• The Future Lab (www.futures-lab.com) - Página sobre questões
emergentes e situações similares.
• Salon.com (www.salon.com/) - Opinião a respeito da interseção da
sociedade e da cultura com a política, tecnologia e negócios.
• Disinformation (www.disinfo.com) - As vezes oferece informações
provocativas a respeito de negócios, políticas, nova ciência e
"informações ocultas" que parecem escorregar pelas frestas dos
conglomerados da mídia da empresa.
• Ethics in the News (www.ethics.org.au/) - Operado pelo St. James
Ethics Centre, uma ONG localizada em Sydney.
• Red Herring (www.redherring.com/) - Como diz o site, o negócio
da tecnologia.
• Financial Times (www.ft.com/home/asia) - Apesar de, às vezes, ser
um pouco sisudo, uma pesquisa bastante sólida sobre os
acontecimentos econômicos.
• Signs and Wonders (www.wnrf.org/news/blogger.html) - Vídeos
sobre as tendências e eventos que afetam o futuro da religião;
afiliados a World Network of Religious Futurists (http://
www.wnrf.org/cms/index.shtml).
• Arts & Letters Daily (http://www.aldaily.com/) - Um olhar sobre a
filosofia, estética, literatura, linguagem, tendências, história,
música, arte, cultura, crítica, disputas e fofoca.

ACABAMOS DE ADQUIRIR NOVOS PONTOS DE VISTA


Muitas de nossas formas de conceituar organizações e lideranças são de-
rivadas do que pode ser chamado de perspectiva newtoniana. Como her-
deiros de uma visão mundial moderna, estruturada, em grande parte, pela
perspectiva gerada pela ciência, moldamos nossas idéias sobre o mundo e,
particularmente, neste caso, sobre as organizações e liderança baseada no
que foi chamado, de modo conveniente, de visão mecanicista do mundo. Sob
a influência de Newton, um importante avanço paradigmático para o tempo,
temos a tendência de visualizar o universo como um gigante, uma máquina
extremamente complexa com base nas idéias de causa e efeito. Em suma,
pressupõe-se que, se realizamos uma ação X, então, certamente tem que
resultar em Y. Toma-se por certo a possibilidade de previsões rigorosas.
Combinar todas as causas com seus efeitos recíprocos era uma das tarefas
fundamentais da ciência; um desafio colossal, que resultou em um grande
aumento de conhecimento sobre o mundo e suas obras.
Todas as coisas estavam indo bem até o advento da famosa teoria da
relatividade de Einstein e do subsequente estudo da física quântica, que
tentou investigar a natureza da realidade subatômica. O que os pesqui-
sadores descobriram inicialmente os deixou atônitos, porque contradiz
claramente as descobertas do modelo padrão da física daquela época,
baseado como estava nas pressuposições newtonianas de possibilidade de
previsão. Eles descobriram que a estrutura mais básica da realidade, o átomo,
se comportava de modo totalmente diferente do esperado. O comportamento
do átomo desafiava por completo a possibilidade de previsão esperada pela
física newtoniana, dando início à crise nos paradigmas científicos
predominantes, antecipando a era quântica, com suas dinâmicas não lineares.
Isso causou uma revolução em massa na teoria da ciência, que está sendo
revelada até hoje. Um dos efeitos colaterais dessa mudança de paradigma foi
o estudo dos sistemas vivos, que, de alguma maneira, também desafia o
determinismo da causa e efeito e tende a agir de maneira imprevisível. Essa
ciência inclui, entre outros, o estudo cibernético, o estudo do caos e da
complexidade, e a ciência das estruturas emergentes.292 Estas são de suma
importância para nós, pois continuamos no século 21 com todos os seus
desafios.

MUDANDO A HISTÓRIA
Um dos principais sinais da sociedade dos dias de hoje é a presença de
sistemas bastante complexos que permeiam quase todos os aspectos de
nossas vidas.

292 Neste estágio, quero mencionar ao leitor um livro que, para mim, foi o livro para definir uma década. Trata-
se do livro de Margaret Wheatley a respeito do assunto mencionado acima. Também bastante significativa
a este respeito é a obra de Fritjof Capra, CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável
(São Paulo: Cultrix, 2002) e sua obra anterior The Web of Life: A New Synthesis of Mind and Matter (Nova Iorque:
Anchor, 1996). Tais obras merecem ser lidas, e eu me vi adorando a Oeus por meio das idéias sedutoras.
Para esforços cristãos na aplicação da teoria do caos às dinâmicas da igreja, veja Easum, Unfreezing Moves e
Snyder, Decoding the Church. Ambos são ótimos livros; o de Easum é uma interpretação popular sobre a
teoria do caos aplicada às organizações eclesiásticas e é bastante acessível.
A admiração que sentimos ao contemplar as maravilhas das novas tec-
nologias sofre leve mudança pelo crescente sentido de preocupação, se não,
de total desconforto. Apesar de esses sistemas complexos serem aclamados
por sua crescente sofisticação, há cada vez mais reconhecimento de que eles
também se introduziram em um ambiente social, comercial e organizacional
praticamente irreconhecível a partir da perspectiva da teoria e prática da
liderança padrão da igreja.293
Embora ouçamos com frequência a respeito das tentativas bem-sucedidas
de revitalizar as igrejas existentes, o registro da conduta geral é muito insa-
tisfatório, Ministros relatam cada vez mais que seus esforços na mudança
organizacional não produziram os resultados prometidos. Em vez de admi-
nistrarem organizações novas e revitalizadas, acabaram administrando os
indesejáveis efeitos colaterais de seus esforços. À primeira vista, a situação
parece paradoxal. Quando observamos nosso ambiente natural, notamos
mudanças, adaptação e criatividade contínuas; contudo, nossas organizações
eclesiásticas parecem ser totalmente incapazes de lidar com essa mudança.
O filme Adaptação tratou, de forma notável, sobre essa mesma questão.
Charlie Kaufman (Nicolas Cage) é um confuso roteirista de cinema de Los
Angeles dominado por sentimentos de insuficiência, frustração sexual,
autoaversão e ambição sobre a elaboração de um roteiro cinematográfico
sobre seu irmão gêmeo parasita, Donald. Ele é encarregado de elaborar um
roteiro para um livro sobre flores chamado O ladrão de orquídeas, escrito por
Susan Orlean (Meryl Streep). Esse livro cativante detalha a notável
adaptabilidade que a natureza parece demonstrar. No entanto, isso apenas o
frustra ainda mais, pois quando Charlie olha para sua própria vida, sente-se
preso pelos preceitos de sua própria natureza constrita e de autoaversão.
Sendo esse o caso, ele parece não conseguir traduzir as idéias do livro para o
script do filme, muito menos alterar as dinâmicas miseráveis de sua própria
natureza. Por meio de algumas experiências trágicas, incluindo a morte de
seu irmão, ele, por fim, muda. Mas os acontecimentos do filme destacam
como a natureza é versátil e responsiva em comparação ao determinismo da
personalidade, caráter e condição humana. Essa análise pode igualmente ser
aplicada ao modo como tantas igrejas se sentem em relação à sua condição.
Provavelmente, a compreensão das organizações humanas em termos de
sistemas vivos complexos leva a novas percepções sobre a natureza da
adaptabilidade e, assim, nos ajuda a lidar com as complexidades da igreja e
missão neste cenário de tantas mudanças. Além disso, nos ajudará a criar
organizações sustentáveis, uma vez que os princípios de organização de
ecossistemas, que são a base da sustentabilidade, são idênticos aos princípios

293 Veja Alan Roxburgh, Crossing the Bridge: Church Leadership in a Time of Change (Costa Mesa, CA: Percept Group,
2000), para uma análise a respeito do impacto da mudança sobre a igreja.
de organização de todos os sistemas vivos.
Precisamos de lentes diferentes para visualizar as organizações e a li-
derança caso desejemos ir além do cativeiro do paradigma mecanicista que
claramente domina nossa abordagem de liderança e igreja. O que está sendo
tratado aqui é o verdadeiro paradigma, não os incidentes. Isso está
diretamente relacionado ao que foi dito antes com relação ao paradigma da
cristandade, porém, aqui exploraremos a natureza das organizações e a
liderança em si.
Um paradigma, ou histórias dos sistemas, "é o conjunto das principais
crenças que resultam da multiplicidade de conversações e que mantém a
unidade da cultura".294 As "pétalas" neste diagrama são "as manifestações de
cultura que resultam da influência do paradigma". 295 A maioria dos
programas de mudança concentra-se nas pétalas, isto é, tentam efetivar a
mudança ao observar as estruturas, sistemas e processos. A experiência nos
mostra que essas iniciativas geralmente limitam o sucesso. O consultor
eclesiástico, Bill Easum está correto quando observa que "seguir Jesus no
campo missionário é impossível ou extremamente difícil para a grande
maioria das congregações do mundo ocidental por causa de uma coisa: elas
possuem uma história de sistemas que não lhes permitirá dar o primeiro
passo fora da instituição em direção ao campo missionário, apesar de o
campo missionário estar bem do lado de fora da porta da congregação".296
Ele prossegue observando que toda a organização é formada com base no
que ele chama de "história básica dos sistemas". Ele salienta que:
isso não é um sistema de crença. Trata-se da história repetida da vida que
determina como uma organização pensa, logo, age. Essa história de
sistemas determina a maneira de uma organização se comportar, não
importando como o mapa organizacional é delineado. Reestruture a
organização e deixe a história dos sistemas no lugar e nada mudará dentro
da organização. É inútil tentar revitalizar a igreja, ou uma denominação,
sem, primeiro, alterar o sistema.297
Examinar a fundo essa história dos sistemas, o paradigma, ou o modelo
de igreja, é, sugere ele, um dos segredos para a mudança e constante
inovação.
Muita energia (e dinheiro) é depositada no programa de mudança, com
todos os exercícios de comunicação usuais, consultas, workshops e assim por
diante. Nos primeiros meses, as coisas parecem estar mudando, porém, aos
poucos, a novidade e o ímpeto desgastam-se e a organização decide retomar
a algo semelhante à sua configuração anterior. A razão para isso é simples,

294 Richard Steel, "Culture and complexity2 ,‫״‬.


295 Ibid.
296 Easum, Unfreezing Moves, 31.
297 Ibid.
embora negligenciada com frequência - exceto se o paradigma no centro da
cultura seja modificado, não haverá mudança duradoura.

Descobri desta vez e novamente enquanto trabalhava com minha de-


nominação. Meu objetivo era tentar burlar a história recuperando a men-
talidade missional e o etos do movimento como paradigma central da de-
nominação. Depois de refletir, conseguimos colocar a parte missional da
equação no centro, mas não fomos capazes de introduzir o etos do movi-
mento por causa do paradigma institucional profundamente consolidado no
centro da organização. O problema é que muitas pessoas veem a igreja como
uma instituição e não como um movimento orgânico (um sistema vivo),
apesar do fato de a Bíblia estar repleta de imagens orgânicas da igreja e do
Reino (corpo, campo, vinho, solo, etc.). Em tal situação, todos os esforços em
outras mudanças estão fadados ao fracasso. As estruturas apenas retomam o
padrão, uma vez que a pressão da mudança é suavizada. O fato, contudo,
continua, pois por essa mesma razão, a grande maioria das instituições
cristãs nunca se renovou nem mudou ao longo da história. A história dos
sistemas institucionais informa muito sobre aquilo que fazemos. Machiavelli
estava certo: "Nada é mais difícil de realizar, nem de sucesso mais duvidoso,
nem mais perigoso de lidar do que conseguir uma nova ordem das coisas".298

298 Citado em Pascale, Millemann, e Gioja, Suífing the Edge of Chãos, 156.
Foi isso que quisemos dizer nos capítulos anteriores por modelos de igreja.
Easum está correto quando diz que a maioria das teorias a respeito da vida
congregacional é problemática desde o começo porque são baseadas em uma
visão de mundo institucional e mecânica. Ou o que Easum chama de
"comando e controle, história sufocante".299 Isso é particularmente assinalado
quando você reconhece como as formas predominantes de igreja são
diferentes em relação aos modelos apostólicos. A igreja primitiva era um
movimento missional orgânico, não uma instituição religiosa. Apenas faça
uma comparação mental entre os modelos descritos na tabela comparativa
do capítulo 2 para perceber como realmente são diferentes. O que precisamos
fazer é permitir que a imagem orgânica da igreja se infiltre bem no centro do
paradigma acima e, então, reinterprete as coisas a partir dessa perspectiva.
Precisamos deixar uma nova história dos sistemas informar mais uma vez
todas as nossas práticas. Experimente isto: no diagrama acima, coloque a
frase Instituição da cristandade no centro, e depois, pondere o impacto sobre as
"pétalas" Agora, coloque a frase Movimento orgânico de Jesus no centro. O que
acontece com as "pétalas"?
Certa vez, foi perguntado a Ivan Illich qual era a maneira mais radical de
mudar a sociedade; uma revolução violenta ou uma reforma gradual? Ele
deu uma resposta cuidadosa. Nenhuma das duas. Ao contrário, sugeriu ele,
se alguém desejasse mudar a sociedade, teria que contar uma história
alternativa. É verdade. Precisamos recontar a história da igreja e da missão à
luz da perspectiva dos sistemas orgânicos vivos se quisermos evoluir para
uma igreja genuinamente missionária. E acredite em mim, é uma imaginação
diferente (uma história diferente) de igreja que está sendo apresentada nas
perigosas histórias dos movimentos fenomenais, bem como aquelas da IME.
Um novo entendimento a respeito de organização está surgindo em nosso
tempo, proveniente da física quântica, da teoria do caos e do retomo aos
princípios orgânicos bíblicos de organização. "O novo entendimento pode ser
mais bem descrito como uma permissão dada, história inovadora".300
Está fora da minha especialidade e da minha tarefa neste livro, escrever
um texto sobre as teorias do caos, complexidade e surgimento, assim,
deixarei isso para pessoas muito mais capazes que eu. Entretanto, quero
extrair um pouco das percepções que chegam ao ceme do problema do
paradigma e, portanto, terão ligação com as questões da igreja missional e da
liderança. Para isso vou me apoiar, na verdade, vou chegar perto de resumir
(com muitas reinterpretações em relação à igreja com outras referências
cruzadas), um livro realmente excelente que, para mim, capta de forma
brilhante o ceme do paradigma e nos apresenta alguns caminhos adiante. O
livro é dos autores Richard T. Pascalle, Mark Millemann e Linda Gioja e se

299 Easum, Unfreezing Moves, 17.


300 Ibid., 32.
chama Surfing the Edge of Chaos: The Laws of Nature and the New Laws of
Business. Caso queira, de fato, entender mais a fundo o paradigma dos
sistemas vivos, não tenho obra melhor para recomendar do que essa.
Conforme prosseguimos, vou tentar interpretar a obra delas em relação aos
problemas que a igreja enfrenta. Ao final deste capítulo, apresentarei um
estudo de caso que ilustra o processo que estou prestes a descrever.

SOBREVIVER NÃO É O BASTANTE


Os autores começam com uma comparação dos dois tipos de liderança. A
comparação é entre a liderança operacional e a adaptativa. Essencialmente, a
liderança operacional é adaptada para as organizações que estão em
ambientes relativamente estáveis nos quais a manutenção e o desen-
volvimento da programação atual são as principais tarefas da liderança. Os
autores afirmam que essa forma de liderança é formada com base nas
suposições de engenharia social e, portanto, é formada justamente com base
na visão mecânica do mundo. Ela funciona e é apropriada para algumas
organizações. A liderança adaptativa, por outro lado, é demonstrada pelo
tipo de líder que desenvolve organizações de aprendizagem e conduz de
modo a ajudar a transição da organização em diferentes formas de expressão
nas quais a agilidade, receptividade, inovação e iniciativa são necessárias.
Líderes adaptativos são necessários em momentos de ameaça importante ou
nova oportunidade considerável, ou em ambos. Isso tem relevância direta
com nossa situação no despertar do século 21.

Liderança adaptativa x operacional


Foi Ronald Heifetz, de Harvard, que fez inidalmente a distinção entre "lide-
rança técnica" (p. ex., operacional) e "liderança adaptativa". Ele observa que:
A antiga requer exercício da autoridade e é uma resposta totalmente apro-
priada em condições de equilíbrio relativo. A liderança operacional atua
melhor quando os problemas enfrentados podem ser tratados utilizando
um repertório pré-existente. A liderança operacional anda de mãos dadas
com as doutrinas da engenharia social. A solução é planejada de cima e
estende-se pelas categorias. Se uma organização está em crise.; se é soli-
citada redução de tamanho, reestruturação ou redução de custos; se uma
execução drástica é o segredo para o sucesso, então a liderança operacio-
nal, provavelmente, é a melhor aposta.301
A liderança operacional descreve bem a abordagem predominante para a
liderança da igreja, com sua ênfase no cuidado pastoral, sustento da fé e

301 Pascale, Millemann, e Gioja, Surfing the Edge of Chaos, 39.


crescimento da igreja, sendo sua maior ênfase na administração, técnica e
programas. Em muitos casos, ela funciona. Porém, como admitem Pascale e
colegas:
Entretanto, nos sistemas vivos, os problemas surgem quando uma espécie
(ou organização) aplica mal a solução tradicional em um problema de
adaptação. Nessa situação, o repertório atual de soluções é inadequado ou
simplesmente não funciona. Na natureza, o gorila da montanha macho com
costas pratas que age como líder alfa, junta seu bando em círculo e
comporta-se de modo agressivo diante de machos rivais ou outras ameaças
naturais. Essa solução tradicional funciona de forma eficiente, exceto se o
bando estiver enfrentando caçadores armados com armas de fogo, dardos
tranquilizadores e redes de captura.302
Nem todos os desafios no mundo, semelhantes aos do macaco, irão parar
uma bala. Ora, os gorilas enfrentam um genuíno desafio adaptativo, e, a não
ser que aprendam a se adaptar à nova ameaça e encontrem novas respostas,
eles serão história. Não é difícil perceber a relevância para nós quando nos
deparamos com os desafios do século 21.
No capítulo 2, vimos como o modelo da cristandade vinde a nós funcionou
bem em uma sociedade na qual todos eram considerados cristãos e a
presença na igreja era praticamente obrigatória, porém, ele não funciona
muito bem em situações que exijam uma abordagem missional vá a eles. O
modelo também ressalta o tipo diferente de liderança necessário para
impulsionar diferentes paradigmas da igreja. Esse é um exemplo clássico de
liderança e organização operacional versus adaptativa.
De acordo com os autores de Surfing on the Egde of Chãos, as suposições
centrais da liderança operacional são:
"Os líderes são a cabeça, a organização é o corpo".303 Segundo essa visão, a
inteligência coorporativa está concentrada no topo da estrutura organi-
zacional. (Em contraste, a abordagem dos sistemas vivos reconhece que todo
sistema desse tipo tem o que é chamado de "inteligência distribuída" ao
longo de toda a organização. O objetivo da liderança nesse novo paradigma é
identificar, cultivar e revelar essa inteligência distribuída. E precisamente
isso o que quero dizer quando sugiro que nossa tarefa é revelar o Genoma
Apostólico, que "já está lá" na eclésia).
"Promessa de mudança previsível. Planos de implementação são
roteirizados com base na suposição de um grau razoável de possibilidade de
previsão e controle durante o intervalo do esforço para a mudança".304 Em
oposição, a abordagem orgânica afirma que a vida é imprevisível (observe o
átomo ou um exame de abelhas em funcionamento) e que, no melhor das
hipóteses, você pode perturbar e geralmente direcionar, porém, não pode

302 Ibid.
303 Ibid., 13.
304 Ibid.
prever por completo o resultado do sistema vivo.
"Suposição de efeito cascata. Isso quer dizer apenas o seguinte: uma vez que
o curso da ação é determinado pela liderança, a iniciativa vem de cima para
baixo. Quando um programa é definido, é comunicado e estendido para as
categorias. Com frequência, isso inclui uma aparência superficial de
participação para gerar adesão."305 Em contraste, a abordagem orgânica diz
que a mudança real, especialmente a mudança duradoura, vem de baixo para
cima e essa é a tarefa da liderança: criar as condições que estimulem a
imaginação, a iniciativa e a criatividade.
É fácil perceber essas suposições a respeito da organização atuando da
maneira como geralmente operamos na liderança e administração das igrejas
e organizações relacionadas. No entanto, que essas suposições não são
compatíveis com a maneira pela qual os sistemas vivos geralmente
funcionam fica mais evidente quanto mais lutamos com o modo como Deus
tem estruturado a vida em si. Isso não quer dizer que a forma mais mecânica
e operacional de liderança não tenha seu lugar. Contudo, devemos
reconhecer que as ferramentas e os métodos geralmente associados a esse
tipo de liderança funcionam bem "somente quando a solução é conhecida com
antecedência e um repertório estabelecido de escolhas existe para implementá-la".306
Eles não são apropriados para situações sem possibilidade de previsão, que
requerem pensamentos inovadores e formas adaptativas de liderança.
Um alerta para os que lideram em igrejas estabelecidas: o que o cristia-
nismo ocidental precisa desesperadamente neste momento é uma liderança
adaptativa; pessoas capazes de nos ajudar na transição para um modelo di-
ferente e mais ágil de igreja. Tais líderes não necessariamente precisam ser
inovadores extremamente criativos, mas pessoas que possam mudar a igreja
para modelos adaptativos; que possam perturbar o equilíbrio sufocante e
criar condições para mudança e inovação. De modo geral, muitos líderes nas
organizações eclesiásticas, particularmente os que têm fortes dons de
cuidado e ensino, podem apresentar uma tendência de evitar conflitos e
amenizar bem facilmente as tensões. Se não controlado, isso pode ser letal,
porque tende ao equilíbrio e, portanto, culmina em morte.
Uma lição da história: Heifetz nos adverte que os líderes adaptativos
podem se tomar insensíveis quando os seguidores não querem enfrentar as

305 Ibid.
306 Ibid. Essas condições se aplicam a muitas situações, e não é minha intenção minimizá-las. Muitas igrejas
encontram-se em situações relativamente estáveis. O centro-oeste e o sul dos Estados Unidos, por
exemplo, ainda são fortalezas da sociedade conservadora, e a abordagem operacional ainda é viável por
lá. Entretanto, mesmo em tais situações, o domínio que alguma iniciativa é um pré-requisito para o su-
cesso, considerando cada pessoa como um "nó" inteligente dentro de um sistema vivo e, envolvendo-as
dessa maneira, melhora a implementação dos programas de mudança. Pascale, Millemann e Gioja não
rejeitam todos os métodos de engenharia social como sendo fora de controle, mas defendem o término
deles como o principal paradigma da organização dentro do contexto do século 21. As ferramentas para
controle não compensam a engenharia social. O que eles estão defendendo é o uso apropriado das
ferramentas do antigo paradigma incorporadas a um novo repertório de administração. A engenharia
social como um paradigma/história de sistemas é um período obsoleto.
novidades mins. Ele cita um exemplo das advertências de Churchill ao
público britânico sobre Hitler antes da Segunda Guerra Mundial. Naquela
época, o povo britânico preferia dar ouvidos à desastrosa política "paz em
nosso tempo", de Neville Chamberlain, a enfrentar a deprimente profecia de
Churchill a respeito do conflito iminente ou até da guerra se nada fosse feito
para tomar o lugar da ascensão de Hitler. Heifetz observa que "os seguidores,
com frequência, voltam às autoridades como uma defesa contra a incerteza e
o risco. O trabalho essencial da liderança adaptativa é resistir a esses apelos.
Em vez disso, eles devem
• pressionar coletivamente,
• ajustar a aflição de modo a retirar o sistema de sua zona de conforto (em-
bora haja estresse também, ele não deixa de ser funcional), e
• lidar com os mecanismos de contenção que inevitavelmente vêm à tona
(como uso de alguém como bode expiatório, procurar as autoridades para
obtenção de respostas, e assim por diante).307‫״‬
Essa é uma dimensão crítica do mDNA do ambiente apostólico, pois uma
parte essencial da liderança apostólica é cultivar a adaptabilidade e a
receptividade a fim de assegurar a sobrevivência, bem como a continuidade,
do cristianismo. Assim, a função principal da vocação apostólica é manter a
igreja se movimentando, se adaptando e encarnando o Evangelho em outros
contextos.
Depois de explorar a natureza da liderança operacional versus adap-
tativa, Surfing on the Edge of Chãos sugere quatro princípios de trabalho da
teoria dos sistemas vivos que formam a substância básica do livro deles.

Princípio I: O eouilíbrio é a morte


A maioria das igrejas começa com aventuras dinâmicas e estimulantes
durante o evangelismo e a plantação de igrejas e, no fim de seu ciclo de vida
organizacional, geralmente são instituições miseráveis e estáticas.308 Parece
que uma parte essencial do processo é a transição do desequilíbrio inicial,
mais instável, para o de um ambiente estável de equilíbrio. Os primeiros dias
da maioria das igrejas e igrejas alternativas são vistos como imprevisíveis e
turbulentos, mas, ao mesmo tempo, parecem estar repletos de um tipo de
energia espiritual. Por que isso acontece? O que existe no desequilíbrio que
parece estimular a vida e a energia? O que existe na estabilidade que parece
reprimi-la? (Lembre-se da história da SMRC.) Seria por que a vida, em si, é
tão imprevisível e caótica que quando estabelecemos organizações que
buscam controlar e minimizar os perigos da vida, essas organizações, no fim,
a reprimem? A história de missões é bem clara a esse respeito: o cristianismo

307 lbid.,40.
308 O material desta seção é retirado de ibid., Cap. 2.
está muito melhor quando está nas margens mais caóticas. É quando a igreja
se estabelece e se afasta da beira do caos que as coisas se estragam.
A afirmação de que "o equilíbrio é a morte" é derivada de uma obscura,
mas importante lei cibernética chamada Lei da Variedade Requerida. Essa lei
declara o seguinte: "a sobrevivência de qualquer organismo depende de sua
capacidade de cultivar (não apenas tolerar) a variedade em sua estrutura
interna. O fracasso em realizar isso resulta na incapacidade de lutar
prosperamente com a ‫׳‬variedade' quando introduzida a partir de uma fonte
externa".309 Os autores nos apresentam um grande exemplo de como essa lei
funciona na realidade. Eles observam o seguinte:
Os peixes em um aquário podem nadar, procriar, obter alimento com o
mínimo esforço e continuam protegidos de predadores. No entanto, como
sabem os donos de aquários, os peixes são dolorosamente sensíveis à
menor perturbação. Por outro lado, os peixes no mar têm que trabalhar
muito duro para se sustentar e estão sujeitos a muitas ameaças. Contudo,
como eles enfrentam mais variações, são mais fortes quando se deparam
com um desafio.310
Sabemos a partir da natureza que "a sobrevivência favorece os níveis ele-
vados de adrenalina, atenção e experimentação".311 Podemos reconhecer o
mesmo sentimento na frase bastante popular "a história favorece os bravos".
Então, qual é o papel da liderança nisso tudo? "Os líderes são para o sis-
tema social o que as lentes propriamente moldadas são para a luz".312 Eles
servem para focar nas capacidades da organização e o fazem para melhor ou
para pior. Se a intenção adaptativa e a capacidade são requeridas, a orga-
nização deve ser perturbada de modo intenso e abrangente caso os líderes
tenham que acabar com o equilíbrio sufocante que a dominou. No entanto,
não se chega a isso com facilidade ou sem a sabedoria significativa com rela-
ção às motivações humanas e a como as comunidades humanas são ativadas
para uma nova busca por respostas. Os líderes adaptativos devem resistir ao
ímpeto de mover-se muito rapidamente ou obter consertos rápidos ou
soluções prontas. Em vez disso, eles devem ativar a busca corporativa desde
as categorias de base da organização a fim de ajudar a traçar um caminho a
seguir. Essa ativação adaptativa é alcançada ao:
1. Comunicar sobre a urgência do desafio adaptativo (p. ex., a ameaça
da morte ou da promessa de oportunidade);
2. Estabelecer um amplo entendimento a respeito das circunstâncias
que criam o problema para esclarecer por que as soluções
tradicionais não funcionarão, e;
3. Manter a força em ação até os líderes da "guerrilha" aparecerem

309 Ibid., 20.


310 Ibid.
311 Ibid., 21. Ou, como comentou certa vez Alfred North Whitehead: “Sem aventura [que podemos definir aqui
como o desequilíbrio causado pelas quebras da convenção], a civilização está em total decadência".
312 Ibid., 40.
com soluções inovadoras.313
Essa sequência de atividades, obviamente, irá gerar uma significativa
ansiedade e tensão na organização, porém, é melhor nos acostumarmos a
elas se quisermos nos adaptar ao rápido ambiente em mudança do século 21.
Uma das habilidades da liderança da igreja adaptativa será lidar com o
estresse e tomá-lo um estímulo para inovação na igreja e na missão. A igreja
cristã deve ser bastante responsiva aos seus contextos missionários. Chamo
isso de adequação missional.314 E na busca constante dessa adequação, ou
adaptabilidade nata, que a missão deve se tomar o princípio organizacional
da igreja. Quando somos verdadeiramente missionais, toda a igreja se toma
extremamente sensível ao seu ambiente e também tem um mecanismo
natural, embutido e teologicamente fundamentado, para impulsionar as
respostas adaptativas. Uma igreja genuinamente missional é, portanto, uma
organização genuína para aprendizagem. Por ser adaptada de forma
missional, a igreja durante os períodos apostólico e pós-apos- tólico (e na
China), não somente sobreviveu, mas prosperou. Foi forçada pelas condições
externas a viver por sua mensagem e se adaptar às ameaças quando elas
apareciam. Isso tomou esses cristãos muito mais vigorosos do que seus
irmãos e irmãs mais estáveis durante períodos mais estáticos. Eles não
viviam em um ambiente artificial de aquário eclesiástico, mas eram a eclésia
em todas as perigosas esferas da vida. E, assim como nosso próprio sistema
imune, aquilo que não os matou serviu para tomá-los mais fortes.
Brian McLaren, uma voz-chave para o que é chamado de igreja emer-
gente nos Estados Unidos, recomenda que as igrejas adotem um valor
principal da valorização da adaptabilidade em si. Ele diz: "Mude a atitude de
sua igreja diante da mudança e todo o resto mudará como deve".315
Tom Peters, em seu livro Thriving on Chãos, insiste que este é um elemento
indispensável da iniciativa bem-sucedida em uma situação de caos. Ele
possui um modelo útil para desenvolvimento do "amor pela mudança" em
todo nível da prática de negócios.316 Em seu livro, entretanto, isso é chamado
adequação missional - a capacidade de infiltrar na filosofia funcional da igreja a
disposição de ser altamente ágil e missionalmente res- ponsivo.

Princípio 2: Surfando à beira do caos


E marcante para mim que as partes teologicamente mais férteis da Bíblia
estejam todas, sim... todas, estabelecidas no contexto do povo de Deus

313 Ibid.
314 Desenvolví um modo de avaliar a adequação missional em uma comunidade com base nos seis elemen tos
do mDNA (veja www.theforgottenways.org).
315 Brian McLaren, The Church on the OtherSide: Doing Ministry in the Postmodern Matrix (Grand Rapids:
Zondervan, 2000).
316 Tom Peter, Thriving on Chãos: Handbookfor a Management Revolution (Londres: Pan, 1987), seção 5, 388SS.
enfrentando significativos perigo e caos. Isso é bastante característico do
mDNA da communitas, porém, seja Abrão sendo chamado para deixar sua
casa e viajar, ou nas angustiantes experiências do êxodo e do exílio, sejam as
aventuras de Davi, as lutas de Jeremias, o ministério de Jesus, ou o livro de
Atos, nenhuma delas eram situações estáveis. Eram dinâmicas e, até mesmo,
um risco de vida.
No entanto, a communitas, ou, pelo menos a aventura questionadora
contida nela, não está limitada à Bíblia ou a uma situação humana; faz parte
da estrutura básica da vida em si.317 O estudo dos sistemas vivos nos ensina
que:
a natureza, quanto à inovação, na melhor das hipóteses, está è beira do
caos. A beira do caos é uma condição, não um local. É uma condição
permeável, intermediária pela qual fluem a ordem e a desordem, sem
uma linha finita de demarcação. Mover-se à beira do caos cria uma
mudança drástica, mas não uma dissolução; por isso, estar à beira do
caos é tão importante. A beira não é o abismo. É o lugar perfeito para a
mudança produtiva. Quando a agitação produtiva é grande, a inovação
com frequência obtém sucesso e avanços surpreendentes podem
acontecer.
Este lugar elusivo, mas bastante procurado, é, às vezes, chamado de
"plataforma ardente". A ciência viva o chama de beira do caos.318
Qual é o papel dos líderes na equação? Bem, mais uma vez, remetemos ao
entendimento de Heifetz sobre a natureza da liderança adapta- tiva. Esse tipo
de liderança move o sistema para a beira do caos. Não, acima dele, mas para a
beira dele. Conforme dito anteriormente, o papel do líder é assegurar que o
sistema esteja enfrentando de modo direto os problemas que o confrontam,
problemas que, se negligenciados, acabarão por destruí-lo. Se as pessoas na
organização nunca encaram de forma séria o problema e ficam com ele por
um tempo razoável, jamais sentirão a necessidade de mover-se a fim de
encontrar uma solução genuína e mais duradoura, por isso, a ideia da
platafonna flamejante. Ensinamos aos internos da Forge essa fórmula
simples. E papel da liderança transformadora "vender o problema antes de
você tentar evocar uma solução", pois é "à beira do caos" que acontece a
verdadeira inovação.
Quando reflito sobre os primeiros dias da SMRC, consigo perceber todos
os sinais dos sistemas vivos conforme proposto neste capítulo. Aqueles
foram dias caóticos, fluidos, dinâmicos e altamente missionais. Durante meu
tempo lá, a igreja passou, pelo menos, por três transições súbitas adap-
tativas como descrito no primeiro capítulo. O ponto é que nós estávamos em

317 Grande parte dos seguintes é baseado em Pascale, Millemann e Gioja, Surfing on the Edge of Chãos,
capítulo 4.
318 Ibid., 61.
nosso melhor momento quando estávamos às margens. Foi quando nos
estabelecemos e nos afastamos da beira do caos que as coisas deram errado.
De modo geral, as igrejas são organizações muito conservadoras e, depois
de apenas alguns anos de existência, elas rapidamente podem se tornar
institucionais, em grande parte, devido ao modelo de cristandade e às
suposições fundamentais, mas também, por conta do estilo de liderança e
influência. Em geral, as igrejas buscam conservar o passado e, particular-
mente nas denominações históricas (p. ex., anglicanas e presbiterianas), sua
principal orientação é, com frequência, retomar um passado idealizado em
vez de seguir adiante em direção a uma nova visão sobre o futuro. Sendo
assim, elas são instituições clássicas, quase sempre inflexíveis que veneram
uma tradição herdada. Logo, as igrejas históricas estão liderando o declínio
da igreja no Ocidente. Por exemplo, em algumas áreas, a Uniting Church of
Austrália [Igreja Unida da Austrália] está perdendo, de modo exponencial,
20% de seus membros por ano! Esse índice é similar em muitas das principais
denominações liberais e se deve, quase em sua totalidade, ao fato de serem
sistemas fechados formados pela história dos sistemas institucionais com
base teológica liberal; um sinal clássico de ins- titucionalismo (veja o capítulo
sobre sistemas orgânicos).
O liberalismo teológico é um indicador de declínio institucional, não
apenas porque tenta minimizar a tensão necessária entre o Evangelho e a cul-
tura, eliminando as partes culturalmente ofensivas, mas porque, basicamen-
te, é uma ideologia parasita. Não quero que isso pareça ofensivo aos meus
irmãos e irmãs liberais; apenas desejo apontar que o liberalismo teológico
quase nunca cria novas formas de igreja ou amplia o cristianismo de alguma
maneira significativa, pelo contrário, existe e "alimenta-se" daquilo que ini-
ciou os movimentos missionais mais ortodoxos. O liberalismo teológico sem-
pre vem depois do movimento na história e, normalmente, está associado ao
seu declínio. Portanto, trata-se de uma grande manifestação institucional da
cristandade. Como tal, fatal para as formas apostólicas de movimento mis-
sional. No entanto, as denominações mais estabilizadas, incluindo as mais
evangélicas, também são formadas diretamente com base nas suposições da
cristandade da igreja, assim, como todas as instituições, estão enfrentando
ameaças sérias e precisam ser conduzidas à beira do caos. É lá, vivendo a
tensão provocada por ela, que as denominações encontrarão maneiras mais
autênticas e missionais de ser povo de Deus. Então, líderes, sejam mais enfá-
ticos, mas administrem.

Princípio 3: Auto-organização e surgimento


O terceiro princípio da natureza, a auto-organização e surgimento, captura os
dois lados da mesma moeda em relação à vida.319 "A auto-organização é a
tendência de determinados sistemas (mas não de todos) de operar à beira do
caos a fim de mudar para uma nova condição quando seus elementos
constituintes geram combinações improváveis. Quando os sistemas são
habitados o suficiente e estão interconectados de modo apropriado, as
interações agregam-se em uma nova ordem: proteínas para as células, células
para os órgãos, órgãos para os organismos, organismos para as sociedades.
Partes simples ligadas em rede podem passar por uma metamorfose".320 Uma
única formiga de fogo provavelmente não consegue expulsar um ataque de
vespas, porém, um exame delas é fatal para organismos muito maiores do
que elas. No entanto, isso pode ser demonstrado bem objetivamente: uma
única célula cerebral é inútil, porém, milhões delas, juntas, podem realizar
milagres analíticos que ainda temos que decifrar.321
A maioria das mudanças em sistemas complexos é emergente, isto é,
surge como resultado das interações livres (e quase sempre informais) entre
os vários "agentes" no sistema. Em uma organização, os agentes são as
próprias pessoas como sistemas complexos. A teoria da complexidade sugere
que, quando existe conectividade suficiente entre elas e a complexidade
atinge o ponto crítico, o surgimento provavelmente acontecerá de forma
espontânea.322
Assim, a fim de conseguirmos especificar esse conceito, permita-me citar
Roxburgh e Romanuk outra vez:
0 princípio do surgimento foi desenvolvido para explicar as maneiras
pelas quais os organismos se desenvolvem e se adaptam em diferentes
ambientes. Contrariando a noção popular de que se desenvolvem por
meio de alguma estratégia de cima para baixo, pré-determinada e bem
planejada, a teoria do surgimento mostra que os sistemas complexos se
desenvolvem de baixo para cima. Agrupamentos relativamente simples
de células, ou grupos de pessoas, que, de forma individual, não sabem
como lidar com um desafio complexo, quando se unirem, formarão,
como resultado de interações relativamente simples, uma cultura
organizacional de alta complexidade capaz de lidar com tais desafios.
Em outras palavras, as respostas para os desafios de mudar de
ambiente, enfrentados pelos organismos e organizações, tendem a

319 O material desta seção foi retirado de ibid., Caps. 7 e 8. Sobre esse assunto, entretanto, há um livro fas-
cinante de Steven Johnson chamado Emergence: The Connected Lives of Ants, Brains, Cities, and Software
(Londres: Penguin, 2001). Se esse assunto lhe interessa, esse livro é relativamente fácil de ler.
320 Pascale, Millemann e Gioja, Surfing on the Edge of Chaos, 113.
321 Ibid.
322 Esse é o princípio do surgimento e um dos atributos mais marcantes dos sistemas complexos. É tanto
misterioso quanto trivial, bem como muito difícil de definir. Kevin Mihata define melhor do que ninguém
quando diz que o surgimento é o processo pelo qual modelos ou níveis mais elevados de organização
aparecem a partir dos processos de interação em nível micro. Ele observa que a estrutura resultante ou
modelo de organização não pode ser compreendido ou previsto apenas a partir do comportamento ou
propriedades das unidades componentes. (Veja Kevin Mihata, "The Persistence of'Emergence‫׳״‬, in:
Raymond A. Eve, Sara Horsfall e Mary E. Lee, ed., Chaos, Complexity & Sociology: Myths, Models &Theo- ries
(Thousand Oaks: Sage, 1997), 30-38.
surgir de baixo para cima em vez de serem planejados de antemão de
cima para baixo. Essa é a razão pela qual descrevemos a liderança
missional como o cultivo de ambientes dentro dos quais a imaginação
missional do povo de Deus pode surgir.323
Ao meu entender, não é apenas a "imaginação missional" que deve ser
cultivada, mas o Genoma Apostólico, que está latente no povo de Deus.
Mantenha isso em mente, pois é um conceito vital de liderança investigado
no capítulo sobre o ambiente apostólico.
O surgimento é o resultado de tudo isso: um novo estado ou condição. Ao
final deste capítulo, apresentarei a história a respeito da igreja missional
emergente, porém, esse fenômeno pode aparecer em qualquer situação na
qual o sistema permita o fluxo livre de informações e relacionamentos, e crie
as condições de aprendizagem de baixo para cima. O exemplo clássico da
nossa época é a Internet. Algumas centenas, ou até mesmo milhares, de
computadores ligados entre si não criam, juntos, um fenômeno emergente.
Entretanto, alguns milhões de computadores inter- conectados em tomo do
compartilhamento de informações, bastante semelhante à estrutura do
cérebro humano, criam uma entidade emergente com uma vida diferente da
sua própria.
Uma colônia de formigas de fogo possui capacidade emergente muito
eficiente e constitui um organismo pesando 20 kg, com 20 milhões de bocas e
ferrões. Um grupo delas em marcha é quase impossível de ser parado. Um
grupo de jazz produz um som emergente que ninguém podería imaginar ao
ouvir os instrumentos individualmente. Há 200 anos, Adam Smith estava no
caminho certo dessas percepções. Como um dos pioneiros da nova disciplina
de economia, ele chamou nossa atenção para a "mão invisível" da economia
de mercado e seus efeitos agregados como força comercial.
Smith reconheceu que a escolha individual não explicava todas as coisas,
pois indivíduos, como membros de comunidades, constantemente geram
relacionamentos e dependências adequadas a eles. Tudo isso, observou ele,
acabou resultando em um fenômeno emergente mais complexo denominado
"economia". Trata-se de uma poderosa "força social", ou estrutura emergente,
que parece ter vida por si só. Nenhum de nós podería duvidar da influência
da economia em nossas vidas diárias.

Princípio 4: Perturbando a complexidade


O quarto princípio da abordagem dos sistemas vivos para a organização nos
ensina que somente aumentar a eficácia de uma organização existente
dificilmente produz inovação radical. Na melhor das hipóteses, apenas

323 Citação retira de Roxburgh e Romanuk, "ChristendomThinking", 28.


otimiza a organização existente.324 De muitas maneiras, foi isso que a teoria
de crescimento da igreja fez para a igreja institucional nos anos 60 em diante.
Ela maximizou o modelo predominante, porém, não o alterou fun-
damentalmente; manteve-se presa ao paradigma prevalecente ou história dos
sistemas. Portanto, a "otimização fracassa porque os esforços para direcionar
os sistemas vivos, além de ter objetivos muito gerais, são contrários à
produção. Assim como o conhecido efeito borboleta, as coisas vivas podem
ser direcionadas com razoável expectativa de progresso, porém, fazem isso à
sua própria maneira. Isso raramente está em conformidade com o padrão
linear que temos em mente".325 Na SMRC, descobrimos que tentar conduzir
nossa comunidade de vinte e poucos era semelhante a pastorear gatos; era
muito difícil de direcionar, controlar e prever, e tínhamos que ajustar nossa
abordagem para a organização e liderança. Esse ajuste levou a certa
criatividade e inovação fantásticas conforme surfáva- mos à beira do caos.
"Em termos de paisagem de aptidão,326 é impossível chegar a um pico
distante e alto de aptidão (descobrir avanços radicais) escalando ainda mais
alto o pico que já está no ponto máximo (otimização)". Ou, conforme
afirmado anteriormente em The Shoping ofThings to Come, se alguém quer
cavar um buraco em outro lugar, não é bom cavar o mesmo buraco mais
fundo e melhor.327 Pelo contrário, se desejamos ativar a inovação genuína nas
organizações em que servimos, precisamos "descer até o desconhecido,
desconsiderando as fórmulas provadas de causa e efeito e desafiando as
probabilidades. Precisamos embarcar na viagem da perturbação sequencial e
dos ajustes, não em um passo de marcha ao longo do caminho
predeterminado. Conseguiremos ver apenas até onde nossos faróis alcançam,
mas proceder dessa forma ainda pode nos levar para o destino de nossa
viagem".328
Após definir os quatro princípios da abordagem dos sistemas vivos, os
autores nos aconselham em relação a como sustentar as organizações de
aprendizagem adaptativa; como permanecemos adequados e ágeis...
adaptativos.

324 O material desta seção é baseado em Pascale, Millemann e Gioja, Surfing on the Edge, Caps. 9 e 10.
325 Ibid., 154.
326 O conceito de paisagem de aptidão tem sido utilizado pelos biólogos desde a década de 30 para ca-
racterizar a evolução do desenvolvimento de uma espécie porque uma pesquisa ao longo da paisagem de
aptidão aponta que a adaptação é geralmente considerada um processo parecido com escalar um monte",
onde as variações menores das espécies (de uma geração até a seguinte) resultam em um movimento em
direção ao pico de uma grande aptidão na paisagem de aptidão. Os impulsos natos para a sobrevivência e
desenvolvimento empurrarão a população da espécie rumo a tais picos. Veja http://
pt.wikipedia.org/wiki/Paisagem_de_aptidão. (Acesso em 24/01/2015)
327 Frost e Hirsch, Shaping of Things to Come, 196.
328 Pascale, Millemann e Gioja, Surfing on the Edge of Chaos, 229.
As disciplinas da agilidade
"Ao darmos nova vida às organizações, como a sustentamos? De modo
paradoxal, a resposta está nas /disciplinas,."329 Isso é o que chamamos de
"práticas" na SMRC. "As disciplinas ajudam as organizações a sustentarem o
desequilíbrio, prosperarem em meio às condições de caos e cultivarem a
auto-organização. Se levadas mais a fundo, elas também podem cultivar
mudanças em nível individual. De fato, precisam ser internalizadas se
quisermos realizar totalmente seus benefícios de longo alcance."330
De acordo com Pascal et al., há diversas disciplinas cruciais.
1. Introduzir uma compreensão intrínseca daquilo que leva ao sucesso or-
ganizacional.
2. Insistir em uma conversa direta sem compromisso.
3. Administrar a partir do futuro.
4. Retribuira responsabilidade criativa.
5. Aproveitar a adversidade pela aprendizagem dos erros anteriores.
6. Promover desconforto implacável.
7. Cultivar a reciprocidade entre o indivíduo e a organização.331
Cada uma das sete disciplinas pode ficar sozinha, porém, uma força
enorme existe no relacionamento entre elas.
COMO, ENTÃO, DEVEMOS VIVER?
Até o agora, para muitos de vocês, sua cabeça está rodando, ou, caso eu não
tenha conseguido ser claro o bastante, muito do que foi dito não foi
compreendido. Peço desculpas por algumas descrições técnicas daquilo que,
para muitos, será um novo paradigma de liderança orgânica e sistemas
vivos. No entanto, acho que você concordará comigo com o fato de essa ser,
pelo menos, uma área frutífera para pesquisa, estudo e novas maneiras de
visualizar as antigas tarefas. Para mim, pesquisar nestes materiais me
enriqueceu, pois me ajudou a perceber o papel da liderança de uma forma
totalmente diferente. Sinto-me muito mais livre para buscar o que passei a
acreditar ao longo dos anos, que a igreja era extremamente parecida com
uma máquina, com seus programas e administração de pessoas, e que
precisava se aproximar da percepção da igreja do NT, com seu etos do
movimento orgânico. Eu não estou sozinho nisso. Lembre-se da estatística de
David Barrett no capítulo 2. É possível também perceber que Deus nunca
pretendeu que seus líderes fossem pessoas com todas as respostas e toda a
visão. Pelo contrário, nosso papel é ajudar o povo de Deus a descobrir as
respostas por eles mesmos por meio da atividade de líderes que despertam

329 Ibid. Eles exploram essas idéias completamente nos capítulos 11 e 12.
330 Ibid.
331 Ibid. Não tentei resumir neste ponto porque não é essencial para a minha tarefa. Novamente, indico 0 livro
original para o leitor. É um alimento de diversas facetas.
sua imaginação e estimulam a investigação. Nossa tarefa não é controlar,
mas, debaixo da liderança do Espírito Santo, tentar tanto aproveitar quanto
direcionar o fluxo. Deixemos de ser administradores para sermos servos ou,
de modo mais específico, cultivadores dos campos ou ambientes onde
determinados comportamentos e ações acontecem (veja o capítulo sobre
Ambiente apostólico).
Vamos fundamentar isso em um estudo de caso envolvendo você, eu e o
cristianismo ocidental.

APAREÇA! UM ESTUDO DE CASO NAS ESTRUTURAS EMERGENTES


É importante que o universo tenha sido formado pelo Espírito de Deus
movendo sobre a situação de caos inicial (Gênesis 1). O "haja..." da história da
criação invoca a vida à existência resultando do caos e constrói algo a partir
do nada. No entanto, em algum sentido, os elementos básicos da vida devem
ter sido criados por Deus antes da criação da vida conforme a conhecemos. A
vida surge a partir de formas de baixa complexidade para formas mais
elevadas de inteligência e complexidade; sendo o homem, a forma de vida
mais elevada, aquele que leva em si a exata imagem de Deus. De modo real,
a criação é a história prototípica do surgimento.
Nós já exploramos o florescer de novas formas de comunidade cristã que
fazem parte do surgimento da igreja missional. A possível pergunta
a ser feita por qualquer um com uma percepção de história é esta: isso é
apenas outra tendência que virá e irá embora? Eu não acredito dessa
maneira. Não é somente uma tendência, mas, na verdade, uma nova forma
(imaginação) de igreja. Essa afirmação se baseia na compreensão de
surgimento como explicado anteriormente. No entanto, um pouco sobre o
passado primeiro:

Deixando o eouilíbrio: o desafío adaptativo


Conforme observado anteriormente, embora a cristandade como força
cultural, religiosa e política atuando a partir do centro da sociedade tenha
sido basicamente eliminada durante o período moderno, nosso conceito atual
de igreja, todavia, continua fundamentalmente o mesmo. No fim do século
20, os melhores pensadores missionais e estrategistas começaram a
reconhecer que a brincadeira acabou. Esse reconhecimento, em parte, se deu
pelo fato de que o cristianismo está em grande declínio no Ocidente, mas, do
modo paradoxal, está em ascensão no mundo em desenvolvimento. Existe
uma sensação de medo de que, de alguma maneira, a igreja em seu modelo
atual e predominante não consiga interromper isso. Como consequência, nas
últimas décadas, tem existido um sentimento de inquietação e um vaguear
das mentes coletivas em busca de novas respostas.
Em termos de sistemas vivos, estamos na clássica situação de adaptar-se ou
morrer. Estamos enfrentando um profundo desafio adaptativo, e existem
sinais de que os segmentos da igreja estejam começando a mudar. O
movimento ainda é marginal, lembre-se, e está, em grande parte, nas
margens da igreja, porém, é exatamente neste lugar onde todos os movi-
mentos de missão começam.
Nem tudo é perigo e ameaça: muito do que está nos rodeando é uma
grande oportunidade; essa é uma das razões da adaptação organizacional,
lembra? Há uma enorme indagação acontecendo em nossos dias e debaixo de
nossos narizes. As pessoas estão bem abertas às questões de Deus, fé,
sentido, espiritualidade, religiões da Nova Era, etc. Esse tipo de abertura
espiritual não existia na sociedade em geral nem na cultura por centenas de
anos. O problema é que, do modo geral, a igreja não está atuando. As pessoas
não estão em fila na frente da nossa porta, estão? Para piorar as coisas, o
provável é que tenhamos somente uma janela limitada de oportunidade.
Devido à natureza consumista da cultura ocidental, a janela se fechará
quando a sociedade ficar saturada das espiritualidades passageiras.
Contudo, não se engane; assim como promover novas oportunidades
profundas para a missão, as questões apresentam para muitas igrejas de-
safios extremamente reais para a sobrevivência real, pois todas as igrejas
muito comuns e as formas pietistas de cristianismo que cultivamos nelas
tendem a se esquivar da esfera pública e não são muito responsi- vas às
questões "de fora". Quando você combina o cenário acima com as massivas
mudanças culturais em nossos dias, independentemente de chamá-lo de
hipermodemismo ou pós-modemismo, nos encontramos em terra estranha
onde os mapas culturais desenvolvidos nas eras anteriores, quando as coisas
eram mais estáveis, simplesmente não funcionam mais. A infinidade de
tarefas parece esmagadora, e deve ser; estamos espiando à beira do caos. No
entanto, não é bom para nós simplesmente negar a realidade. Esse é o nosso
campo missionário e, a não ser que comecemos a recalibrar a igreja levando
tudo isso em consideração, muitas congregações e cristãos serão removidos.
Aqui está o ponto: o modelo básico de cristandade de igreja simplesmente
não é capaz de responder, pois não foi criado para esse tipo de fluidez. A
maioria das igrejas é extremamente institucional e, portanto, muito malfeita
segundo sua forma herdada, para conseguir se adaptar e responder de forma
adequada ao ambiente missional. Uma comparação útil se dá entre um navio
cargueiro e uma lancha. O navio leva muitos quilômetros apenas para parar
e fazer a volta, porém, a lancha maximiza a capacidade de resposta. Nossa
situação requer agilidade e adaptação, e não, solidez e constância. Trata-se da
era da igreja estilo lancha. E está acontecendo... uma nova espécie de
comunidade cristã está nascendo e, para utilizar a frase técnica deste
capítulo, é emergente, bem como adapta- tiva. De forma interessante, o
mesmo processo está ocorrendo no mundo corporativo, Tom Peter observa
que uma estrutura exagerada e volumosa é uma "bomba relógio para
gerenciar" dentro de um ambiente global de rápidas mudanças. As
organizações menores e mais receptivas são aquelas que prosperarão no
novo milênio.332

Rumo à beira do caos


Há sinais de real movimento em andamento. Um dos sinais mais óbvios é o
sentimento de descontentamento santo entre os cristãos de todas as idades e
classes; não são apenas as gerações mais novas que estão fazendo perguntas.
Até mesmo as pessoas nascidas entre as décadas de 50 e 60 estão
questionando: "Tudo foi reduzido a isso? Presença nos cultos da igreja,
entoar louvores a Deus e frequentar grupos de células? O cristianismo
realmente se resume a isso?" Contudo, talvez, ainda mais in- quietante seja o
fato de que existe um grande êxodo da igreja: lembre-se da pesquisa de
David Barret e Todd Johnson que apontava a existência de 111 milhões de
cristãos sem uma igreja local no mundo hoje. Essas pessoas afirmam levar
Jesus a sério, mas não se sentem parte das atuais expressões de igreja. Todos
nós conhecemos alguém assim, não é? Minha experiência própria me diz que
há mais cristãos com idade em tomo dos 20 anos fora da igreja do que dentro,
independentemente da época. As estatísticas e os pressentimentos podem
nos dizer alguma coisa, e eles não são necessariamente pessimistas. O que
nos dizem é que há uma busca acontecendo. Essa busca por alternativas é um
sinal de que o sistema está respondendo, e isso levou a uma experimentação
importante e, por fim, a uma inovação genuína.333
No entanto, há mais coisas: conforme mencionado, os cristãos estão co-
meçando a se unir para estudar as Escrituras e seguir Jesus em alguns lu-
gares estranhos. Muitos deles sequer reconhecem a si mesmos como igreja,
por assim dizer, mas possuem todas as marcas da autêntica comunidade
cristã de acordo com os termos bíblicos. O florescer de novos experimentos
eclesiásticos às margens da igreja está fazendo as igrejas estabelecidas
começarem a prestar atenção. Há todo um novo discurso público aconte-
cendo em blogs334 em todos os novos gêneros de livros a respeito da igreja

332 Peters, Thriving on Chaos, 355.


333 Indico a você meu livro (com Michael Frost) para uma visão geral sobre essas tendências. Uma obra tam-
bém importante nesta área é a de Eddie Gibbs, Para onde vai a igreja: mudanças na maneira de conduzir
ministérios (Curitiba: Esperança, 2012).
334 Para exemplos, veja: http://tallskinnykiwi.com/, http://www.backyardmissionary.com/ ou http:11
jonnybaker.blogs.com/jonnybaker/. Você pode apenas seguir os links nesses sites para descobrir um
mundo inteiramente novo de conversas a respeito da igreja emergente. (Sites em inglês. Acesso em
emergente335, e os seminários estão começando a oferecer cursos sobre os
assuntos da chamada igreja emergente. O mais digno de nota, são as esta-
tísticas mencionadas anteriormente por David Barret em seu livro World
Christian Encyclopedia e a intrigante obra de George Bama, Revolução.336
Não há dúvida de que algo fundamental, até mesmo elementar, está
acontecendo em nossos dias. No entanto, como já observado, você tem que
estar "com os olhos bem abertos", ou então, poderá perder tudo o que se
passa.

24/01/2015)
335 Veja os livros de Brian McLaren, Eddie Gibbs e Gerard Kelly na bibliografia.
336 http://www.gordonconwell.edu/resources/Center-for-the-Study-of-Global-Christianity.cfm/ (Site em inglês.
Acesso em 24/01/2015); e George Barna, Revolução (São Paulo: Abba Press, 2005).
Surgimento e auto-organização
Lembre-se de que surgimento acontece quando os sistemas se tornam ha-
bitados o bastante e adequadamente inter-relacionados; então, as interações
se agrupam em uma nova ordem. A teoria da complexidade sugere que,
quando existe conectividade o suficiente entre os diferentes aspectos do
sistema, o surgimento, provavelmente, ocorrerá de modo espontâneo. Isso é
precisamente o que aconteceu na IME. O resultado final é uma espécie de
organização diferente dos elementos anteriores.
Observe o diagrama a seguir:
A expressão emergente de igreja surgiu precisamente por esse processo

Igreja missional (GOCN) Pentecostalismo

de ‫״‬aumentar a população e os inter-relacionamentos" das pessoas e das


idéias. Surgiu a partir dos movimentos acima dentro da igreja, que começava
a comparar observações e as trocas mútuas.
• A partir da missão urbana entre os pobres, aprendemos sobre a en-
carnação do Evangelho e isso nos lembrou do poder da encarnação
em qualquer contexto.
• A partir da teologia evangélica, aprendemos o valor do Evangelho, o
Evangelho como princípio organizacional central da teologia.
• O pentecostalismo e o movimento carismático nos ensinaram o real valor
dos ministérios apostólico, evangelístico e profético, e a confiança
radical no Espírito de Deus.
• A partir do movimento de discipulado radical da década de 70 (incluindo
movimentos como Jesus People USA337, God's Squad, Sojouners, etc.),
aprendemos que seguir Jesus de forma séria envolve uma mudança
radical no estilo de vida.
• A partir do movimento pós-evangélico e emergente, mesmo controverso
como é, aprendemos que rejeitar as expressões culturais populares do
evangelicalismo não significa heresia.
• A partir de Lesslie Newbigin e seus textos, começamos a adotar uma
posição séria de missões para o mundo Ocidental.
• Isso se ampliou por meio da obra vital, mas de alguma forína teórica,
de Gospel and Our Culture Network, com base principalmente na
América do Norte.
• A partir da teoria dos sistemas vivos (conforme este capítulo), nós re-
descobrimos a natureza orgânica da fé da comunidade e nossa ca-
pacidade nata de nos adaptarmos e responder ao nosso ambiente pela
nossa participação na missão redentora de Deus para o mundo.
• A partir do movimento de igreja nos lares, aprendemos que as unidades
eclesiásticas podem ser pequenas, mas eficientes de modo mis- sional.
Observe a maioria dos fenômenos neoapostólicos.
Cada um desses, em si, não foi emergente, tampouco igual ao desafio
adaptativo como um todo, com o qual estávamos nos deparando. Sim-
plesmente, cada um fez parte de um cenário. No entanto, quando come-
çamos a falar sobre cada um dentro do contexto do fim da cristandade e à
margem do caos, nasceu a IME. Trata-se de um novo fenômeno, contudo, de
alguma maneira é antigo, à medida que reflete o elementar e poderoso
modelo apostólico de igreja que foi utilizado de modo tão profundo por
Deus para mudar o curso da história e trazer milhões de pessoas à fé em
Jesus.
O que ainda está faltando desse fenômeno emergente é a presença pen-
tecostal sustentada e explícita com todo o seu entusiasmo. Embora seja
verdade que o pentecostalismo tenha nos ensinado o verdadeiro valor do
ministério apostólico, os pentecostais não têm sido parte notável de nenhuma
expressão real da IME, até onde sei. Provavelmente, isso ocorra porque o
pentecostalismo ainda esteja desfrutando do relativo sucesso
que a prática de crescimento da igreja lhe trouxe.338 Na Austrália, estamos

337 Comunidade cristã de 400 pessoas baseada ao norte de Chicago, Illinois. Foi fundada em 1972, nascida
do Jesus People Milwaukee no Movimento de Jesus, e é 0 maior dos poucos municípios restantes desse
movimento, (http://jpusa.org/ - site em inglês. Acesso em 24/01/2015). (N. de Revisão)
338 Na realidade, argumentaria que a ênfase pentecostal sobre o ministério apostólico, bem como o evan-
gelístico e profético, sozinhos são responsáveis pelo crescimento contínuo ao longo do ciclo da vida.
começando a atrair a atenção de alguns líderes pentecostais pós-funda-
mentalistas realmente inovadores com a Christian Revival Crusade339 [Cruzada
de Revivificação Cristã], e eles trazem consigo algo, de fato, especial. São, de
forma maravilhosa, abertos a Deus e ao tipo de urgência que, quando ouvem
algo que lhes parece verdadeiro, estão admiravelmente dispostos a tentar.
Como um secreto "pentecostal em missão", oro por isso constantemente, pois
acredito ser esse o link final faltante que irá catalisar o movimento para um
verdadeiro fenômeno no Ocidente.
Assim, termino este anexo mais técnico. Ao lidar com questões sobre
complexidade e mudança organizacional, é muito útil lembrar-se do antigo
provérbio, - é melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão - e
observar que, no decorrer da história do povo de Deus, o fogo dos
movimentos do Senhor começa com pequenas chamas como você e eu.
Venha, Espírito Santo.
GLOSSÁRIO DE TERMOS-CHAVE

A fim de auxiliar o leitor com algumas palavras e frases mais técnicas,


elaborei este glossário em ordem alfabética. Basicamente, trata-se de um
conjunto de definições-chave para o entendimento do livro.

AMBIENTES/CAMPOS
O universo em que vivemos é repleto de campos invisíveis. Por meio do
invisível, os campos afirmam uma influência definitiva sobre os objetos
dentro de sua órbita. Existem campos gravitacionais, campos eletromag-

Apesar de muito da edesiologia pentecostal permanecer basicamente constantina, eles mantêm uma
vigorosa visão de liderança apostólica que faz o movimento continuar crescendo e evita a degeneração
organizacional normal.
339 Denominação pentecostal cristã protestante fundada na Nova Zelândia e na Austrália por Leo Harris. (N. de
Revisão)
néticos, campos quânticos, etc., que fazem parte de toda a estrutura da
realidade. Essas influências invisíveis afetam o comportamento dos átomos,
objetos e pessoas. Contudo, os campos não existem somente na natureza e na
física; eles também existem nos sistemas sociais. Por exemplo, pense sobre o
poder das idéias nos afazeres humanos; uma ideia poderosa não tem
substância, porém, ninguém pode duvidar de sua influência. Observe
também o poder do bem e do mal sobre as pessoas e as sociedades. Eu utilizo
essa ideia para tentar dizer que a liderança por si só cria um campo invisível
no qual determinados comportamentos acontecem. Para tentar conceituar a
liderança como influência, pense em um ímã e seu efeito sobre as tiras de
ferro espalhadas sobre uma folha de papel. Quando as tiras entram na órbita
de influência do ímã, elas formam determinado modelo que todos
reconhecemos desde a época escolar. Acredito que a liderança faça
exatamente a mesma coisa: ela cria um campo, que, por sua vez, influencia as
pessoas de determinada maneira, assim como o ímã "influencia" as tiras de
ferro.
APEPD
Termo utilizado por mim para descrever a fórmula dos cinco ministérios
presentes em Efésios 4. APEPD é um acrônimo para Apóstolo, Profeta,
Evangelista, Pastor, Professor (Didático).

APOSTÓLICO
Utilizo o termo de forma muito específica para descrever, não a teologia da
igreja, mas o modelo da igreja do Novo Testamento; descrever algo a respeito
de sua energia, impulso e genoma, bem como de suas estruturas de
liderança.

ATRATIVOS ESTRANHOS
Segundo a teoria dos sistemas vivos, existe um fenômeno chamado "atrativo
estranho". Basicamente, os atrativos estranhos são aquela força análoga ao
espaço, ou o instinto profundo do animal, que orienta um sistema vivo em
uma direção específica e providencia organismos com o ímpeto de migrar
para fora da zona de conforto.340 Eles se encontram em todos os sistemas vi-
vos, incluindo as organizações humanas. Conforme discutido no capítulo a
respeito da teoria do caos, um sistema que está em equilíbrio está, de modo
inevitável, em declínio e para tornar-se adaptativo precisa se mover em dire-
ção à beira do caos para iniciar sua capacidade latente de se adaptar e, por-
tanto, sobreviver. Assim como nos sistemas biológicos, o papel do atrativo
estranho nas organizações como sistemas vivos é, portanto, crucial para a
capacidade da organização de sobreviver ao desafio adaptativo.

340 Pascale, Millemann e Gioja, Surfing the Edge of Chaos, 69.


CAOS E A TEORIA DO CAOS
A teoria do caos é uma nova disciplina científica que busca explorar a
natureza dos sistemas vivos e como eles respondem ao seu ambiente. Logo,
se aplica não somente aos organismos, mas também, às organizações
humanas, que são consideradas sistemas vivos que operam de modo muito
similar à vida orgânica. Em vista dos sistemas vivos, o caos não
necessariamente é algo negativo, mas pode ser o contexto para uma im-
portante inovação. Entretanto, apresenta uma ameaça aos sistemas vivos que
falham em responder de forma apropriada às condições de caos. Veja
capítulos 3 e 7 para explorações sobre essas idéias.

COMMUNITAS
Termo adotado da obra do antropologista Victor Tumer, que o utilizou para
descrever as experiências que fizeram parte das cerimônias de iniciação dos
jovens meninos africanos (veja liminaridade). Assim como os elemen- tos-
chave do mDNA, as idéias relacionadas de liminaridade e communitas
descrevem as dinâmicas da comunidade cristã inspirada para sobrepujar
seus instintos de "união e aconchego" e, em vez de se formarem em tomo de
uma missão comum que os chama a uma perigosa viagem para lugares
desconhecidos, se formarem em tomo de uma missão que chama a igreja
para sair de sua proteção coletiva e mergulhar no mundo de ação. Lá, elas
experimentarão desorientação e marginalização, mas também encontrarão
Deus e um ao outro de uma nova maneira. Communitas está, portanto, sem-
pre ligada à experiência de liminaridade. Envolve aventura e movimento;
descreve a experiência única da intimidade que realmente acontece apenas
entre um grupo de pessoas inspiradas pela visão de um mundo melhor
tentando, de verdade, fazer alguma coisa a respeito disso.

COMPLEXIDADE
A complexidade está relacionada à situação de caos. Em essência, a teoria dos
sistemas vivos sustenta que os organismos vivos tendem a se organizar, em
níveis de maior complexidade. A complexidade também admite que, quando
estamos lidando com sistemas vivos, de fato, eles são complexos. Por causa
da complexidade, as ações relativamente pequenas podem ter consequências
significativas dentro do sistema.

CONSTANTINISMO
Esta é outra palavra para cristandade, pois ela foi basicamente iniciada pelas
ações constantinas ao trazer a Igreja para o relacionamento oficial com o
Estado. O constantinismo é o tipo de todos os modelos de igreja que
resultaram da fusão entre Igreja e Estado e dominou nossas intenções pelos
últimos 17 séculos.
CRISTANDADE
Descreve a forma padronizada e expressão de igreja e missão criada no
período pós-constantino (312 d.C até o presente). E importante observar que
não foi a forma original na qual a igreja se expressava. A igreja da cris-
tandade é fundamentalmente diferente da igreja do NT, que é formada por
uma rede de comunidades missionais fundamentadas organizadas como
movimento. A cristandade é marcada pelas seguintes características:
1. Seu modo de comprometimento é atrativo contrário ao missional/
envio. Admite certa centralidade da igreja em relação à sua cultura ao
redor. (A igreja missional é do tipo "ir/enviar alguém" e opera no
modo encarnacional.)
2. Mudança de foco para edifícios/lugares dedicados e sagrados de
adoração. A associação dos edifícios com a igreja alterou fundamen-
talmente a maneira pela qual a igreja considera a si mesma. Ela se
tomou mais estática e institucional na forma. (A igreja primitiva não
possuía edifícios reconhecidos e dedicados senão as casas, lojas, etc.)
3. O surgimento de uma classe clerocrática profissional institucional-
mente reconhecida que atuava, em especial, no modelo pastor-mes-
tre. (Na igreja do NT, as pessoas eram comissionadas para a liderança
pelas igrejas locais ou por um líder apostólico. No entanto, isso era
bem diferente da ordenação denominacional ou institucional que
conhecemos na cristandade, que acabou por dividir o povo de Deus
em cristãos profissionais e cristãos leigos. A ideia de um clero
separado, afirmo, é divergente da igreja do NT, pois está presente nos
movimentos de Jesus da igreja primitiva e da China.)
4. O paradigma também é caracterizado pela institucionalização da graça
em forma de sacramentos administrados por um sacerdote autorizado
institucionalmente. (A forma de comunhão da igreja do NT era, na
realidade, uma refeição [diária?] dedicada a Jesus dentro do contexto
da vida do dia a dia e da casa.)

CRISTOCÊNTRICO
Simplesmente, Cristo é o centro. Se alguma coisa é cristocêntrica, então, seu
princípio organizacional é a pessoa e a obra de Cristo.

CRISTOLOGIA/CRISTOLÓGICO
Essencialmente, a cristologia compreende o ensinamento bíblico de e sobre
Jesus, o Messias. Por exemplo, quando digo que a cristologia deve informar
todos os aspectos da vida da igreja e do trabalho, significa que Jesus deve
estar em primeiro lugar e adiante em nossa vida e na autode- finição como
igreja e discípulo. A forma adjetivada simplesmente quer dizer que o
elemento descrito deve ser mencionado principalmente pela nossa
compreensão e experiência com Jesus, o Messias.

DESAFIO ADAPTATIVO
O conceito deriva da teoria do caos. Desafios adaptativos são situações nas
quais o sistema vivo enfrenta o desafio de descobrir uma nova realidade. Eles
provêm de duas fontes possíveis: uma situação de (1) ameaça significativa ou
(2) oportunidade atraente. A ameaça apresenta um cenário de "adaptar-se ou
morrer" no organismo ou organização. A oportunidade atraente pode
simplesmente vir como um cenário do tipo "o alimento é melhor no próximo
vale... vamos mudar!".
Os desafios adaptativos estabelecem o contexto para inovação e
adaptação.

DISTÂNCIA CULTURAL
Um conceito que nos ajuda a experimentar e avaliar como um grupo de pes-
soas se distanciou de um comprometimento sig\iificativo com o Evangelho.
Para fazer isso, temos que construir uma série contínua parecida com esta:

mO ml m2 m3 m4

Cada número com o prefixo m indica uma barreira cultural importante para
a comunicação significativa do Evangelho. Um exemplo óbvio de tal barreira
seria a língua. Se tiver que ultrapassar uma barreira linguística, você tem um
problema. Porém, outros poderíam ser raça, história, religião/visão de
mundo, cultura, etc. Por exemplo, dentro dos contextos islâmicos, o
Evangelho lutou para fazer algum progresso importante porque a religião,
raça e história tomam o comprometimento significativo com o Evangelho, de
fato, muito difícil. Devido às cruzadas, a igreja da cristandade prejudicou
muitíssimo a capacidade do povo mulçumano de entender a respeito de
Cristo, e as populações semíticas têm muitas lembranças. Então, podemos
colocar a missão para o povo islâmico na situação m3 a m4 (religião, história,
língua, raça e cultura). O mesmo é verdadeiro para o povo judeu no
Ocidente. É muito difícil "falar de forma significativa" em ambas as situações.

DUALISMO (PARTICULARMENTE, O DUALISMO PLATÔNICO)


E a visão de que o espírito é bom e qualquer coisa que resistir ao espírito é
necessariamente ruim. A matéria resiste ao espírito e, portanto, é má. A
forma que realmente impactou a igreja veio de Platão. Este acreditava que o
mundo real era, na verdade, o mundo de idéias eternas e essenciais loca-
lizado em uma realidade espiritual invisível, e o mundo da matéria e das
coisas não passa de sua sombra, logo, não tem uma realidade essencial. Uma
sombra é somente um reflexo do real, e não o real em si. O real tinha que ser
encontrado na sua essência de objeto, na ideia dele, e não, na forma como
aparece para nós em nosso mundo. A isso se chamou também dualismo e,
por volta do século 5 d.C, se tomou a visão de mundo predominante na
igreja ocidental. O dualismo, portanto, apoia-se naturalmente na essência em
detrimento da função. A realidade de uma coisa habita em sua ideia ou
essência, e não em sua aparência ou naquilo que faz. O efeito final dessa
doutrina foi dividir o mundo entre o sagrado ou essencial, e o secular ou
funcional/físico, possuindo ramificações massivas na maneira pela qual
fazemos a igreja e estruturamos nossa espiritualidade.

ECLÉSIA
A palavra bíblica predominante traduzida como "igreja" em português. A
forma como a utilizo neste livro destacará algo da ideia antiga da igreja
conforme Deus pretendia.

ECLESIOLOGIA
De forma clássica, refere-se ao ensinamento bíblico a respeito da Igreja.

ECLESIOLOGIA MISSIONAL
Semelhante à missiologia (veja acima), a área de estudo que explora a na-
tureza dos movimentos cristãos e, portanto, da igreja, pois são moldados por
Jesus e sua missão. A atenção é principalmente em como a igreja se organiza
e se expressa quando a missão é o foco central.

ENCARNACIONAL
A Encarnação refere-se ao ato de Deus de entrar no universo criado e na
esfera dos assuntos humanos como homem, Jesus de Nazaré. Quando
falamos de encarnacional em relação à missão, significa incorporar de modo
semelhante a cultura e a vida de um grupo-alvo, a fim de alcançar de
maneira significativa aquele grupo de pessoas a partir de sua cultura.
Também utilizo o termo para descrever o ato missionário de ir em direção ao
grupo-alvo de pessoas em oposição ao convite para vir até nosso grupo
cultural a fim de ouvir o Evangelho.

EVANGELÍSTICO-ATRATIVO
A frase descreve o impulso missional da igreja da cristandade e o do mo-
vimento crescente da igreja. Basicamente, envolve a suposição de que todo
alcance e evangelismo devem levar as pessoas de volta para a igreja a fim de
facilitar seu crescimento numérico. Outra forma de dizer isso é "alcançar e
arrastar". O modo como a utilizo é para apresentá-la como o oposto do
impulso missional-encamacional.
GENOMA APOSTÓLICO
Genoma apostólico é a expressão que desenvolví para tentar conceituar e arti-
cular essa energia singular e força que imbuem os movimentos fenomenais
de Jesus na história. Minhas próprias conclusões são: o Genoma Apostólico é
formado por seis componentes (talvez mais, talvez menos). Cinco deles são o
que eu chamo de mDNA, e o outro tem a ver com sua espiritualidade e
teologia. Na maior parte, concentro-me nos seis elementos do mDNA
quando utilizo o termo. Os cinco elementos são o impulso missional-encar-
nacional, ambiente apostólico, fazer discípulos, sistemas orgânicos e com-
munitas. Carregado no termo Genoma Apostólico está a combinação completa
de todos os elementos do mDNA que, juntos, formam uma constelação,
como eram, cada um emanando luz para os outros. Acredito também que
está latente, ou embutido, na própria natureza do povo evangélico de Deus.
Sugiro que, quando todos os elementos do mDNA estão presentes e em um
relacionamento dinâmico com os demais elementos, e um desafio adaptati-
vo atua como um catalisador, então, o Genoma Apostólico é ativado.
Em forma de diagrama, assemelha-se a isto:

Considero este livro uma tentativa de explorar o Genoma Apostólico e


tentar ajudar a igreja ocidental a recuperá-lo e implementá-lo a fim de
encontrar um novo, embora antigo, caminho de comprometimento em pleno
século 21.
Para uma explicação completa, veja a introdução da seção 1.
HEBRAICO
Diz respeito ao Hebraico bíblico. Essencialmente, a visão de mundo nutrida
principalmente pela Bíblia. Hebraico, em um sentido mais amplo, também
pode significar a visão de mundo do povo judeu como um grupo racial,
bastante influenciado como é pelo judaísmo.

HEBRAICO BÍBLICO
Descreve a visão do mundo que basicamente formou, estruturou e sustenta a
revelação bíblica. Refere-se à visão hebraica do mundo encontrada de forma
específica nas Escrituras. O hebraico, por si só, pode também abranger
percepções do antigo judaísmo.

HELENISMO
Neste livro é utilizado em oposição ao pensamento hebraico. O helenismo
diz respeito às ideologias que moldaram e informaram a visão de mundo
grega. Juntamente com as idéias romanas, formou a base da visão de mundo
do Império Romano e, como a igreja se afastou muito de suas raízes
hebraicas, o helenismo tomou-se a visão de mundo predominante da igreja
da cristandade.

IGREJA ATRATIVA
Essencialmente, a igreja atrativa opera a partir da suposição de que, para
trazer pessoas a Jesus, precisamos, primeiro, trazê-las para a igreja. Descreve
também o tipo ou modelo de comprometimento nascido durante o período
da cristandade da história quando a igreja era considerada a instituição
central da sociedade e, portanto, esperava-se que as pessoas "viessem e
ouvissem o Evangelho" em vez de adquirir o tipo de mentalidade de "ir até
elas". Não deve ser confundida com ser atração cultural.

IGREJA MISSIONAL
Uma igreja missional é uma igreja que se define e organiza sua vida ao redor
de seu propósito real, como um agente da missão de Deus para o mundo. Em
outras palavras, o verdadeiro e autêntico princípio organizacional da igreja é
missão. Quando a igreja está em missão, é a verdadeira igreja. Esta por si só
não é apenas um produto dessa missão, mas é obrigada e destinada a
expandi-la por todos os meios possíveis. A missão de Deus flui diretamente
por meio de cada cristão e cada comunidade de fé que adere a Jesus. Obstruir
isso é impedir os propósitos de Deus em e por meio de seu povo.
IGREJA MISSIONAL EMERGENTE (IME)
Essencialmente, desenvolví o termo para identificar e descrever a nova forma
de eclésia em formação em nossos dias. Da maneira como é utilizada neste
livro, será vista como uma estrutura emergente, uma nova forma de eclésia.
Como tal, não é somente emergente ou missional, mas a combinação desses
dois fatores que criaram uma nova forma de igreja. Eu também utilizo o
termo para descrever o movimento fenomenal que está acontecendo
atualmente. Isso não é para negar a continuidade da IME com o povo de
Deus em todas as épocas, mas para distingui-la em sua forma única.

IGREJA PRIMITIVA
O período da história da igreja que compreende desde a igreja do Novo
Testamento até a era de Constantino em 312 d.C. O modo como utilizo o
termo implica em determinado tipo ou modelo de igreja: o de rede radical e
fundamentada de igrejas e pessoas, organizada como movimento, e em
grande parte, dentro do contexto de perseguição.

INSTITUIÇÃO E INSTITUCIONALISMO
Instituições são organizações estabelecidas inicialmente com a finalidade de
preencher uma função necessária religiosa e social e fornecer certo apoio
estrutural para tudo o que essa função necessita. De muitas formas, esse é o
principal objetivo da estrutura, visto as organizações serem necessárias se
buscamos agir de modo coletivo por uma causa comum, por exemplo, o
propósito original das denominações. O problema acontece quando as
instituições deixam de ser mero apoio estrutural e passam a ser uma espécie
de corpo governante. Minha definição funcional para institucionalização é a
ocorrência dela quando terceirizamos uma função essencialmente de base/local para
uma estrutura/organização centralizada. Com o passar do tempo, a estrutura
centralizada tende a se tornar despersonalizada e restritiva em relação ao
comportamento diferente e à liberdade. Em outras palavras, o institucionalismo
ocorre quando, em nome de alguma conveniência, colocamos outras pessoas
para fazerem o que nós deveriamos fazer. Quando isso acontece, existe uma
transferência de responsabilidade e poder/auto- ridade para o corpo
governante. Nessa situação, a instituição passa a ser o lugar de poder que
utiliza parte desse poder para sancionar os comportamentos de seus
membros que estão fora de sintonia com ela. Toma-se um poder para si
mesma, e começa a defender certa autoridade restritiva em relação a
comportamentos que não estão em conformidade. O problema fica ainda
maior quando, com o passar do tempo, o poder é fortificado na instituição e
cria uma cultura de restrição. Ninguém tem essa pretensão em um primeiro
momento; parece decorrer de nossa condição humana decaída em relação ao
poder. Quando as instituições chegam a esse ponto, elas se tomam
extremamente difíceis de mudar. Visto por esse prisma, todos os grandes
inovadores e pensadores são contra o institucionalismo. Com frequência
observamos retratos da instituição da Igreja Católica Romana na TV e em
filmes que destacam como o institucionalismo religioso pode ser opressivo.
E, embora às vezes eles sejam caricaturas, não se engane: há uma substância
histórica real para esse retrato. A maioria das pessoas não cristãs no Ocidente
vê grande parte das igrejas como instituições repressoras, com alguma
justificação.
Sendo assim, todos os grandes inovadores e pensadores são contrários ao
institucionalismo.

LIDERANÇA ADAPTATIVA
Um líder adaptativo é o tipo de líder que desenvolve organizações de
aprendizagem e administra de modo a ajudar a transição da organização em
diferentes formas de expressão nas quais a agilidade, receptividade, inovação
e empreendedorismo são necessários. Os líderes adaptativos são necessários
em momentos de ameaça significativa, de nova oportunidade considerável,
ou em ambos. Isso tem relevância direta para a nossa situação no início do
século 21. Compare com a liderança operacional abaixo.

LIDERANÇA OPERACIONAL
Em essência, a liderança operacional é aquele tipo adequado para or-
ganizações que estão em ambientes relativamente estáveis, nos quais a
manutenção e o desenvolvimento da programação atual constituem as
principais tarefas da liderança. Essa forma de liderança é formada com base
nas suposições da engenharia social e, portanto, é fundamentada diretamente
em uma visão mecânica do mundo. Ela funciona e é apropriada para algumas
organizações: aquelas que se encontram em situações de estabilidade. A
liderança operacional atua melhor quando os problemas enfrentados podem
ser tratados utilizando um repertório pré-existente e são explorados com
mais rapidez, qualidade ou em maior escala. Geralmente, trata-se de uma
forma de cima para baixo de liderança, na qual a solução é planejada de cima
e vai descendo pela hierarquia. Se uma organização requer demissão,
reestruturação ou redução de custos, se uma execução drástica é a chave para
o sucesso, então a liderança operacional provavelmente seja a melhor opção.
LlMINARIDADE
A liminaridade provém da palavra liminar, que descreve uma situação-li-
mite ou limiar. Da forma como é utilizada neste livro, descreve os contextos
ou condição de onde a communitas pode surgir. Situações de liminaridade
podem ser extremas, em que o participante é literalmente expulso das es-
truturas normais de vida, é humilhado, desorientado e sujeito a vários ritos
de passagem, que, juntos, constituem uma forma de teste para avaliar se lhe
será permitido voltar para a sociedade e passar para o próximo nível na
estrutura social predominante. Liminaridade, portanto, aplica-se a essa si-
tuação em que as pessoas se encontram em e em meio a uma condição mar-
ginal em relação à sociedade ao redor, um lugar de perigo e desorientação.
MATRIZ DA LIDERANÇA
O termo para liderança apostólica, profética, evangelística, pastoral e didática
(ensino) conforme retirado da matriz ministerial (veja a explicação do termo; e
também APEPD). Visto dessa forma, a liderança é um chamado dentro de um
chamado.

MATRIZ MINISTERIAL
O termo é utilizado para descrever os chamados ministeriais da igreja em
termos de ensino presentes em Efésios 4.7ss., ou seja, toda a igreja é com-
posta por pessoas que são apostólicas, proféticas, evangelísticas, pastorais e
didáticas (ensino). Efésios 4.7 indica que foi concedida a cada um de nós e em
4.11ss: E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para
evangelistas, e outros para pastores e mestres. Portanto, o termo matriz ministerial
aplica o modelo APEPD a toda a igreja e não somente à liderança, como a
interpretação mais comum (cf. matriz da liderança)

MDNA
Anexei o m às letras puramente para diferenciá-lo da versão biológica;
significa apenas DNA missional. O que o DNA faz para os sistemas bioló-
gicos, o mDNA faz para os eclesiásticos. O DNA na vida biológica:
• é encontrado em todas as células vivas,
• codifica as informações genéticas para a transmissão das características
hereditárias além daquela do organismo inicial,
• é autorreplicante, e
• transporta informações vitais para a reprodução saudável.
Sendo assim, o mDNA faz o mesmo pela igreja conforme Deus planejou.
Com esse conceito/metáfora, espero explicar por que a presença
de um mecanismo simples, intrínseco, reproduzível e guia central se faz
necessária para a reprodução e sustentabilidade de genuínos movimentos
missionais. Assim como um organismo se mantém junto, e cada célula en-
tende sua função em relação ao seu DNA, também a igreja em determinados
contextos encontra seu ponto de referência em seu mDNA inerente.

MEMES E MEMEPLEXO
Basicamente, um meme é para o mundo das idéias o que os genes são para o
mundo da biologia - ele codifica as idéias em uma forma de fácil reprodução.
Segundo essa teoria, um memeplexo é um complexo de memes (idéias) que
constituem a estrutura interior de uma ideologia ou um sistema de crença.
Assim como o DNA, ele busca replicar-se pela mutação em formas evoluídas
de idéias acrescentando, desenvolvendo ou espalhando memes segundo
requer a situação. Soa estranho, não soa? Por essa ideia ser tão valiosa é que o
memeplexo tem a capacidade de se reproduzir inserindo-se no cérebro do
receptor e passando de lá para outros cérebros por meio da comunicação
humana. Todos nós conhecemos o sentimento de ser capturado por uma
ideia, não é? Somos apanhados em sua vida. De alguma maneira, essa é
exatamente a forma pela qual todos nos envolvemos com o Evangelho e,
assim, adotamos uma visão bíblica de mundo.

MISSIOLOGIA/MISSIOLÓGICO
A missiologia e o estudo sobre missões. Como uma disciplina, busca
identificar os impulsos primordiais nas Escrituras que compelem o povo de
Deus a um comprometimento com o mundo. Tais impulsos envolvem, por
exemplo, a missio Dei (missão de Deus), a encarnação e o Reino de Deus.
Descreve também o comprometimento autêntico da igreja com a justiça
social, retidão relacionai e evangelismo. Assim, a missiologia busca definir os
propósitos da igreja à luz da vontade de Deus para o mundo. Busca também
estudar os métodos para alcançar esses fins, tanto partindo das Escrituras
quanto da história. O termo missiológico é apenas uma forma adjetivada
desses significados.

MlSSIONAL
Termo favorito utilizado por mim para descrever certo tipo ou modelo de
igreja, liderança, cristianismo, etc. Por exemplo, uma igreja missional é aquela
cujo comprometimento principal é com o chamado missionário do povo de
Deus. A liderança missional é a forma de liderança que enfatiza a prioridade
do chamado missionário do povo de Deus, etc.
MlSSIONAL-ENCARNACIONAL
Uma expressão inventada por mim para tentar descrever o ímpeto que faz
parte dos movimentos importantes de Jesus na história. Ao colocar as duas
palavras juntas, espero ligar as duas práticas que, em essência, formam uma
e a mesma ação. Isto é, missional... o impulso inicial dos movimentos de Jesus,
como a disseminação das sementes ou a dispersão das bactérias durante um
espirro. Trata-se de um aspecto essencial da capacidade do cristianismo de
disseminar-se e atravessar barreiras culturais. Está ligado à teologia da missio
Dei (a missão de Deus), na qual Deus envia seu Filho e nós mesmos nos
tornamos o povo enviado.
O lado encarnacional da equação diz respeito à inserção e aprofunda-
mento do Evangelho e da igreja nas culturas locais. Isso quer dizer que, para
relacionar-se e influenciar o grupo local, será necessário fazê-lo a partir de
suas formas culturais e expressões internas. Está diretamente ligado à
encarnação de Deus em Jesus. Veja o capítulo 5.

MODELO
Outra palavra favorita; apenas descreve o método, estilo, maneira a que se
refere. O dicionário online Encarta define modelo como "um modo, maneira
ou forma, por exemplo, um modo de fazer alguma coisa, ou a forma na qual
alguma coisa existe". Logo, o modelo da igreja primitiva descreve sua
metodologia, sua posição, sua abordagem para o mundo, etc.

MOVIMENTO
Neste livro, eu utilizo o termo de forma sociológica para descrever as es-
truturas organizacionais e o etos da igreja missional. Acredito que a igreja do
NT era, em si, um movimento, e não uma instituição (cf. instituição/ins-
titucionalismo, acima). Acho que para ser genuinamente missional, a igreja
deve sempre lutar para manter um estilo de movimento e o etos.

MOVIMENTOS DE |ESUS
Quando me refiro aos movimentos de Jesus (ou substituo esse termo por
"movimentos cristãos ou movimentos apostólicos"), estou me referindo,
principalmente, aos dois casos característicos que adotei, a saber, o da igreja
primitiva e o da igreja clandestina na China. No entanto, a frase também se
refere aos outros maravilhosos movimentos na história em que ocorreram o
crescimento exponencial e o impacto, por exemplo, o reavivamento de
Wesley ou o pentecostalismo no Terceiro Mundo hoje.
PAISAGEM DE APTIDÃO
Basicamente, um contexto que prova a aptidão de um sistema vivo, seja ele
um organismo ou uma organização.

PLANTAÇÃO DE IGREJA
O início e desenvolvimento de novas comunidades de fé orgânicas e mis-
sional-encamacional em múltiplos contextos. Afirmaria que toda verdadeira
missão objetiva o desenvolvimento das comunidades de fé. Logo, a plantação
de igreja é parte essencial de qualquer autêntica estratégia missional.

SURGIMENTO
"O princípio de surgimento foi desenvolvido para explicar as maneiras pelas
quais os organismos se desenvolviam e se adaptavam em diferentes
ambientes. Contrariando as noções populares de que eles se desenvolvem
por meio de uma estratégia de cima para baixo, pré-determinada e bem
planejada, a teoria do surgimento mostra que os sistemas complexos se de-
senvolvem de baixo para cima. Agrupamentos relativamente simples de
células, ou grupos de pessoas, que individualmente não sabem como lidar
com um desafio complexo, quando se unem formam, como resultado das
interações relativamente simples, uma cultura organizacional de maior
complexidade, capaz de lidar com esses desafios. Em outras palavras, as
respostas aos desafios enfrentados pelos organismos e organizações para
mudar os ambientes tendem a surgir de baixo para cima em vez de serem
planejados de antemão de cima para baixo. Essa é a razão pela qual nós
descrevemos a liderança missional como o cultivo de ambientes dentro dos quais
a imaginação missional do povo de Deus pode surgir".341
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ÍNDICE

adoração 46,50, 74,97,99,104, 303


119,148,155,185,190, 201, 216, 234, discipulado 24, 46, 5197 ,74 ,54, ‫־‬
243, 257,260,300 103,107,110,112 ‫־‬116,120,123‫־‬
APEPD 170,172,184,186,189,190,19 125,129235 ,227 ,135,171,174‫־‬,
2,193,265,298,307 249, 295
apostólico 13,28,34, 36,54, 60, distância cultural 63, 65, 6769‫־‬,
,184 283, 116,123,128,129,139,161‫־‬ 301
193, 217, 220,225, 277, 228,
dualismo 104-106, 259301 ,262‫־‬
287,295, 298
atrativo 38,45, 72,120,147,153 eclesiologia 154,155,186, 215, 302
atrativo(s) estranho(s) 255,256, 298 eclesiologia missional 20,122,154,
campos 174,175, 218, 297 302
caos e teoria do caos 3481 ,60 ,35, ‫־‬ encamacional 107,143,145146, ‫־‬
84,189,197, 200, 208, 249, 252253, ‫־‬ 148-149,152,156,160,223, 262,
255, 269,271, 286 ‫־‬273, 277, 282, 284‫־‬ 299, 302
288230‫־‬290, 292, 295, 298‫־‬ espirro 94,141,224, 230-231,234, 309
China/Chinesa 2181 ,77 ,29 ,25‫־‬, Evangelho 23, 25, 28, 30, 34, 36,
83, 87, 93,101,110,113,116,129, ,88 38‫־‬39,41, 55, 57, 64, 72, 84, 87‫־‬
150,162,166,168,193, 202, 205, 209, 93, 94,107‫־‬108,113,116,124‫־‬126,
212, 214, 222, 224, 227, 229, 233, 242, 130,138,141,143‫־‬150,152,154‫־‬
270, 283,300,309 229-, 155,160,163,166,168-169,171,
Cristandade 19, 38,48, 53, 5658, ‫־‬ 257, 267, 176,182, 201, 205, 215, 231
6578,114,120,129,133,141,160, ‫־‬ 234, 236, 239, 243‫־‬244,
163,182, 207, 242, 252, 259, 274, 277, 281, 285, 294, 301, 304, 308
279,285, 286, 291, 295, 299, evangelístico-atrativo 38,139,160,
300 302
Forge Mission Training Network
Cristologia 74, 94,103,109,154, 300 38, 74,116,128,135,142,154,179, 262,
communitas 28, 87,115, 237, 240, 242, 271,285
248,261, 284, 298, 303 Genoma apostólico 20,23,25, 27, 29,
complexidade 23, 30, 78, 94,131, 30, 62, 69, 70, 71, 73, 78,79, 82, 84, 86,
185,196, 236, 269, 273, 274, 277, 92,94,101,109,110,112,
286,288, 290,294, 296, 299 115,116,123,131,136,139,148,
Constantino/constantinismo 20,65, ,210 160,182,193,196, 202, 206‫־‬
232,263,299,305 ,73,21467, 71‫־‬ 214, 217, 218, 223, 225, 228,234‫־‬
desafio adaptativo 83,110,131, 238, 242, 262,265, 266, 279,287,
163,169,178, 231, 234, 242,253, 302
269, 279,283, 291, 295, 298,300, Hebraico 92,95,97,304 Hebraico
bíblico 304 Helenismo 133,134, 304 205,207, 212, 238, 242, 244, 263,
266,270, 277, 300,302303‫־‬,
igreja missional 20, 25, 27,37,42, 309
54‫־‬55, 72, 81, 82, 88‫־‬89,154,163‫־‬ movimento dos primeiros cristãos
,202,218 ,165,176,179,182,190 98,156, 242
,277,290 ,258 ,255 ,253 ,243 ,234
oração 24, 39, 53, 94,115,185,257
299,304,308,309
paradigma/paradigmático 1819, ‫־‬
igreja missional emergente (IME) 27, 29,30, 59, 60, 66, 69, 70, 72, 73,
,228,277 30, 73‫־‬75, 77‫־‬78,169, 227‫־‬ 76, 77,104,133,196,207, 216,253,
287,294‫־‬295,305 300 ,290266, 270‫־‬280, 288‫־‬
igreja nos lares 75,129,205,217,295 Pentecostal(is) 23, 62,147, 208,
igreja primitiva 21, 69, 70, 72, 81, 84, 223, 295, 296, 309
94,100,133,139,165,202, 210,
,227,234 ,225213‫־‬214,222, 224‫־‬ potência/potências 17, 94,196
259,263, 267, 277, 300,305, 309 sistemas vivos 87,189,198200, 202, ‫־‬
233, 250269 ,255‫־‬252, 254‫־‬,
institucionalismo 26, 61 ‫־‬62,203‫־‬
273291‫־‬274, 278‫־‬281,284,288‫־‬,
206,212, 285,305, 306, 309
295, 298299‫־‬
liderança adaptativa 278,280, 281, South Melbourne Restoration
284.306
Community (SMRC) 32, 34, 35,37,
liderança operacional 278,279,
281.306 38,42,45,47,48,50, 52, 54, 55, 67,
liminaridade 163, 240249 ,246, ‫־‬ 190,191,198, 238,283,285, 288, 289
252,254,263,298,299,307 surgimento 198 ‫־‬199, 211, 277, 286‫־‬
matriz da liderança 307 287,290310 ,294 ,291‫־‬
matriz ministerial 307
mDNA 14, 21,23, 2773 ,54 ,38 ,28, ‫־‬
8193,107,110,112,114,116 ,87, ‫־‬
123,136,139,141,151,154,160, 163,165-
172,180181,193,196‫־‬,
,238 ,236 ,233 ,225 200, 213, 224‫־‬
266, 281, 283, 284, 299, 303, 307,
308
memes 227308 ,231‫־‬
Metodista(s) 22,113 missional-
encamacional 27, 28, 38,
,15887,115,137,149,152,153,157‫־‬
160, 226, 228, 261, 309
modelo TEMPT 5354‫־‬
movimento(s) de Jesus 18, 2528, 34, ‫־‬
66, 71, 73, 77, 8189 ,86 ,83, ‫־‬
9295,109,112,116,129,131,136, ‫־‬
138,141,148149,154,160,162, 171, ‫־‬
theforgottenways.org
Visite www.theforgottenways.org para falar com Alan Hirsch a
respeito das idéias que ele apresenta neste livro. Você também
encontrará recursos importantes que lhe ajudarão a implementar
algumas percepções do livro. Um desses recursos é uma
avaliação online sobre o ministério relacionado ao modelo
APEPD conforme articulado por Alan no capítulo 5. Trata-se de
um teste único que envolve uma avaliação de 360° a cada
candidato; uma ferramenta inestimável na tentativa de
compreender como Deus moldou seu ministério e liderança.
Os que estão convencidos a respeito do conceito do Gênio
Apostólico, articulado na seção dois deste livro, e que desejam
utilizar isso como uma avaliação estratégica de sua própria
igreja ou agência, podem submeter-se ao teste de "aptidão
missional" disponível online. Outros recursos também estão
disponíveis.
Formato: 16 x 23
Tipo e tamanho: Palatino Linotype 1 1 / 1 3
Papel: Capa - Cartão 250 g/m2
Miolo - Chambril Avena 70 g/m2
Impressão e acabamento: Imprensa da Fé
Alan Hirsch é o diretor fundador
do Forge Mission Training
Network. Atualmente colidera
Future Travelers, um programa de
aprendizagem inovador ajudando
megaigrejas a se tornarem
movimentos missionais.
Conhecido por sua abordagem
inovadora para a missão e plan-
tação de igrejas para os margi-
nalizados, Hirsch é considerado
um líder influente e estrategista
de missões para as igrejas em todo
o mundo ocidental. É também
coautor de Rejesus; The Shaping
of Things to Come, entre outros.
0 cristianismo passou por incontáveis impactos e choques
nos últimos 200 anos. Em Caminhos esquecidos, Alan Hirsch
não apenas traz novidades sobre os assuntos já tratados
com tanta frequência que estão usados e desgastados; mas
também nos apresenta um vocabulário e uma visão
capazes de ajudar a restaurar o original do cristianismo ao
seu caráter apostólico; que é o resultado líquido da
convergência de seis elementos orgânicos do mDNA (onde
m = missional). "0 que o DNA faz no sistema biológico";
escreve Hirsch; "0 mDNA faz no sistema eclesiástico".
Hirsch tem algumas coisas inquietantes para dizer com
relação à liderança; consumismo; cultura da classe mé-
dia; Al Qaeda; comunidade; seminários e megaigrejas.
Ele nos força a considerar; de modo sério; a situação
missional na qual estamos e; durante o processo; elimina a
frase "igreja missional" do frequente uso incorreto.
Assim como Einstein; que ele gosta de citar; Hirsch des-
cobriu a fórmula que desvenda os segredos do universo
eclesiástico como a simples fórmula de Einstein com três
letras e um número (E=mc2) desvenda os segredos do
universo físico. Há alguns livros bons o bastante para serem
lidos até o final. Há apenas alguns livros bons o bastante
para serem lidos até o final dos tempos. Caminhos esquecidos
é um deles.
Leonard Sweet

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