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1a Serie Apostila Literatura Vol 4 PDF

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LITERATURA 35

Módulo 16 1ª Série

O Arcadismo

Você já ouviu a expressão “Carpe Diem”?


Temática de inúmeras tatuagens, frases nas redes sociais e
campanhas publicitárias, o termo “Carpe Diem” foi escrito pelo
poeta latino Horácio (65–8 a.C). No livro I de “Odes”, Horácio
aconselha uma amiga chamada Leucone a partir da frase “carpe
diem, quam minimum credula postero – que significa “colha o dia
de hoje e confie o mínimo possível no amanhã”. Nesse sentido, uma
das interpretações está associada a viver o agora, pois o amanhã é
incerto. Entretanto, tal lema tem sido erroneamente pano de fundo
de alguns movimentos, como o YOLO – You only live once. Essa

©Robert Couse-Baker/flickr
máxima inglesa está relacionada a um estilo de vida que é mais
comum entre os jovens, em que o mais importante é aproveitar
cada momento. Desse modo, é importante diferenciá-los, já que
YOLO remete a atitudes de riscos não calculados e comportamentos
irresponsáveis – o que não acontece no contexto do Arcadismo.
Objetivos:
Neste módulo, além dos lemas árcades como o “Carpe Diem”,
– Apresentar as características históricas do Arcadismo;
você aprenderá as principais características dessa escola literária C5 – demonstrar como a propagação das ideias iluministas influenciou
que tanto nos influencia até hoje. a estética desse movimento artístico.

1. Contexto histórico saber. Não um saber qualquer, desinteressado (se é que esse tipo de
saber tenha alguma vez existido), mas um saber científico e espe-
Conforme visto nos módulos anteriores, os efeitos da Contrar- cializado. Graças a esse saber, os homens estariam livres do medo
reforma se estenderam do século XVI ao século XVII, criando um e seriam transformados em senhores; seus mitos seriam anulados
cenário propício para o surgimento da arte barroca. Porém, no final e sua imaginação dissolvida; as práticas supersticiosas e a crença
do século XVII, os ventos começaram a soprar em outra direção. cega no feitiço seriam superadas. Mais: a crença na superioridade
Era o início de uma mudança na visão religiosa de mundo e da do outro seria deixada de lado; o conhecimento verdadeiro deveria
vida, que faria o homem passar a buscar na terra – e não no céu – as ser buscado sempre para que as certezas fáceis e não questionadas
explicações para questões que tanto o instigavam. fossem postas em causa. Finalmente – sempre à custa do poderoso
As descobertas de Isaac Newton sobre a gravitação universal instrumento que abriga a superioridade humana – a subordinação
e o movimento dos corpos deram força à pesquisa científica. Com à natureza seria eliminada, a partir de seus próprios exemplos.
isso, a explicação dos fenômenos por meio da religião começou a Assim, a natureza seria colocada a serviço dos homens, o que,
perder espaço, dando lugar à vontade de entender o mundo a partir evidentemente, e no final das contas, permitiria estender esse
de explicações racionais. Além de Newton, filósofos como Spinoza, domínio também aos homens, pois saber também é poder.”
John Locke e Descartes também davam sua contribuição para a MICELI, Paulo. As revoluções burguesas. 2. ed. São Paulo: Ática, 1987. p. 48-9
mudança de mentalidade.
No século XVIII, tal movimento de crença na racionalidade É importante destacar que Deus continuava sendo considerado
ganhou ainda mais força, regendo grandes pensadores como o criador de todo o universo. No entanto, a partir da valorização da
Voltaire, Diderot e Rousseau. Para eles, o homem estava finalmente pesquisa científica, abriu-se a possibilidade de atribuir pequenos
caminhando em direção à luz, depois de ter passado tantos séculos fenômenos a outras causas que não fossem a divina. O que
no obscurantismo e na ignorância. A luz era, portanto, uma aconteceu, consequentemente, foi a valorização do ser humano,
metáfora para o saber, e, por essa razão, esse movimento cultural de alçado à condição de criatura capaz de estudar, compreender e,
valorização do conhecimento científico e da racionalidade recebeu ainda, controlar os fenômenos naturais.
o nome de Iluminismo ou Ilustração. Nesse contexto, a natureza ganhou destaque, pois passou a ser
Sobre ele, é possível ainda ler um pouco mais: considerada exemplo maior de harmonia e equilíbrio. Em oposição
“Contra a tradição e o pensamento autoritário, o Iluminismo à artificialidade das cidades, que estavam se desenvolvendo de
propunha o uso da razão, e uma nova divindade instalou-se no forma cada vez mais intensa e desorganizada, o campo figurava
espaço que os homens sempre possuem para abrigar seus mitos: o como um lugar perdido. Essa nostalgia contribuía ainda mais para
a sua idealização.
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1ª Série Módulo 16

tradição clássica e de formas bem definidas, julgadas típicas de


imitação (Arcádia); b) o momento ideológico, que se impõe no

©Wikimedia Commons
meio do século e traduz a crítica da burguesia culta aos abusos da
nobreza e do clero (Ilustração).”
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 36 ed. São Paulo: Cultrix, 2004.

O nome “Arcadismo” é derivado do termo “arcádia”. Na Grécia


Antiga, Arcádia era uma região montanhosa da parte central do
Peloponeso habitada por pastores. Ela passou a ser vista como
um local ideal, no qual reinava a felicidade provinda de uma vida
simples de comunhão com a natureza, em que trabalho e poesia
andavam juntos.
O termo “arcádia” ganhou novo significado no século XVIII,
passando a nomear também as academias nas quais os poetas se
reuniam a fim de restaurar, por meio da imitação, o estilo dos poetas
clássicos e renascentistas. Essas academias iam declaradamente de
encontro ao estilo barroco e lutavam contra ele por meio da busca
de uma literatura menos rebuscada e artificial.
A arte árcade dá muita importância para a mimesis, conceito que
se baseia na noção de arte como cópia da natureza. Além disso, em
consonância com a ideologia iluminista, ela é vista como o espaço do
Bem e do Verdadeiro, fazendo ecoar em suas manifestações a máxima
do poeta francês Boileau: “só o verdadeiro é belo”.

2.1 Características temáticas


Em suas aulas de Filosofia, você já deve ter ouvido falar Conforme o nome já indica, a literatura árcade é uma tentativa
sobre o filósofo Jean-Jacques Rousseau. Uma de suas obras mais de alcançar o espaço idealizado da Arcádia. Dessa forma, os cenários
importantes é o livro Do contrato social. Nele, Rousseau defende descritos em seus poemas são quase que exclusivamente bucólicos,
a existência de um Estado voltado para atender a vontade geral repletos de árvores, de campos verdejantes e de animais. É a natureza
do povo, tendo sempre em vista o bem comum. em completo equilíbrio e harmonia.
Outra obra que influenciou bastante a mentalidade da

©Wikimedia Commons
época, inclusive dos escritores árcades, é o Discurso sobre
a origem da desigualdade entre os homens. Nela, Rousseau
contrapõe a vida natural e seus valores à vida civilizada e
seus vícios. Ele glorifica também a liberdade de que gozava o
selvagem em seu estado natural, opondo-a aos artificialismos
do homem civilizado. Daí nasce o mito do bom selvagem, que
defende a tese de que o homem nasce bom, mas é corrompido
pela vida em sociedade.

2. O Arcadismo
O século XVIII foi marcado não só por esse momento ideo-
lógico, o Iluminismo, como também pelo momento poético, o
Arcadismo. Como não poderia deixar de ser, ambos apresentavam
muitas características em comum, mas não podem ser confundidos: O pequeno parque, de Jean-Honoré Fragonard.
“Importa, porém, distinguir dois momentos ideais na litera-
tura dos Setecentos para não se incorrer no equívoco de apontar Para manter a coerência com o espaço retratado em seus
contrastes onde houver apenas justaposição: a) o momento poético poemas, os poetas árcades adotavam pseudônimos pastoris,
que nasce de um encontro, embora ainda amaneirado, com a ou seja, passavam a se identificar como pastores. Também eram
natureza e os afetos comuns dos homens, refletidos através da retratadas como tal as musas que apareciam em seus versos. O uso
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Módulo 16 1ª Série

dos pseudônimos não só garantia maior verossimilhança, como 2.1.1 Os lemas árcades
deixava encobertas as origens – nobres ou plebeias – dos escritores.
Lema consiste em uma frase que serve de guia para determinado
Dessa forma, pelo menos no campo artístico, as diferenças sociais
indivíduo ou grupo. No que se refere aos lemas latinos nos quais se
eram dissolvidas.
baseou o estilo árcade, é possível destacar cinco:

Sou Pastor, não te nego; os meus montados


• Fugere urbem
São esses que aí vês; vivo contente
O lema, que quer dizer fuga da cidade, propõe a negação dos
Ao trazer entre a relva florescente centros urbanos, que passam a ser considerados grande fonte de
A doce companhia dos meus gados: mal para o homem. Com isso, a qualidade da vida no campo é
reafirmada.
COSTA. Claudio Manuel da. In: A poesia dos inconfidentes.
Domício Proença Filho (Org.). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996.
Quem deixa o trato pastoril, amado
No plano temático, há ainda a retomada de temas clássicos. Pela ingrata, civil correspondência,
A Antiguidade Clássica é considerada, pelos poetas árcades, um Ou desconhece o rosto da violência,
modelo a ser seguido. Logo, não são raras as referências a elementos
Ou do retiro a paz não tem provado.
da mitologia, bem como a exaltação de características da arte
clássica como a clareza, a simplicidade e a harmonia.
Que bem é ver nos campos transladado

Lira XXVII No gênio do pastor, o da inocência!

A minha amada E que mal é no trato, e na aparência

É mais formosa Ver sempre o cortesão dissimulado!

Que branco lírio, Ali respira amor sinceridade;

Dobrada rosa, Aqui sempre a traição seu rosto encobre;

Que o cinamomo, Um só trata a mentira, outro a verdade.

Quando matiza
Co’a a folha a flor. Ali não há fortuna, que soçobre;

Vênus não chega Aqui quanto se observa, é variedade:

Ao meu amor Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!

COSTA, Claudio Manuel da. In: A poesia dos inconfidentes.


(...) Domício Proença Filho (Org.). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996.

Se não lhe desse,


As críticas direcionadas aos grandes centros urbanos
Compadecido,
continuam em evidência até os dias de hoje. Contudo, cada vez
Tanto socorro mais, o refúgio em áreas verdes tem se tornado difícil, mediante
O Deus Cupido; o conhecido e antigo problema do desmatamento, existente em
Se não vivera nosso país. Promovido, principalmente, por um processo de
urbanização crescente e desordenado e aliado a outros fatores,
Uma esperança
como a poluição e o aquecimento global, ele ocasiona uma série
No peito seu, de danos ambientais, econômicos, sociais e culturais. A luta pela
Já morto estava conscientização de tais malefícios, gerados pela degradação das
O bom Dirceu. áreas verdes, é de todos nós, pelo nosso presente e pelo futuro
de nossas gerações. Muitos artistas contribuem nessa peleja
GONZAGA, Tomás Antônio. In: A poesia dos inconfidentes.
Domício Proença Filho (Org.). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. com textos que nos instigam o pensamento e nos provocam
reflexões sobre nossos hábitos, como o texto a seguir, do poeta
A influência da Antiguidade Clássica também se faz presente Mário Quintana:
por meio da retomada de alguns lemas, representativos e em latim,
que expressam filosofias de vida características dessa época.
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1ª Série Módulo 16

Um pouco meditemos
Poema da circunstância
Na regular beleza,
Onde estão os meus verdes?
Que em tudo quanto vive, nos descobre
Os meus azuis?
A sábia natureza.
O Arranha-céu comeu!
Atende, como aquela vaca preta
E ainda falam nos mastodontes, nos brontossauros,
O novilhinho seu dos mais separa,
nos tiranossauros,
E o lambe, enquanto chupa a lisa teta.
Que mais sei eu...
Atende mais, ó cara,
Os verdadeiros monstros, os Papões, são eles, os arranha-céus!
Como a ruiva cadela
(...)
Suporta que lhe morda o filho o corpo,
Defronte
E salte em cima dela.
À janela onde trabalho
Há uma grande árvore... Repara, como cheia de ternura
Mas já estão gestando um monstro de permeio! Entre as asas ao filho essa ave aquenta,
Sim, uma grande árvore... Como aquela esgravata a terra dura,
Enquanto há verde, E os seus assim sustenta;
Pastai, pastai, olhos meus... Como se encoleriza,
Uma grande árvore muito verde... Ah! E salta sem receio a todo o vulto,
Todos os meus olhares são de adeus Que junto deles pisa.
Como o último olhar de um condenado!
QUINTANA, Mário. In: Antologia poética de Mário Quintana. Rubem Braga (sel).
Que gosto não terá a esposa amante,
Rio de Janeiro:Ed. do Autor, s.d. p. 112.
Quando der ao filhinho o peito brando,
©iStockphoto.com/luoman

E refletir então no seu semblante!


Quando, Marília, quando
Disser consigo: “É esta
De teu querido pai a mesma barba,
A mesma boca, e testa.”

GONZAGA, Tomás Antônio. In: A poesia dos inconfidentes.


Domício Proença Filho (Org.). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. Fragmento

©Wikimedia Commons

• Locus amoenus
Significa lugar ameno, local caracterizado pela tranquilidade.
Contrapõem-se ao espaço urbano, marcado pela desordem. Na
poesia árcade, os amantes geralmente se encontram em um lugar
assim. Nele, podem apreciar a natureza e com ela aprender.

Lira XIX

Enquanto pasta alegre o manso gado,


Minha bela Marília, nos sentemos
À sombra deste cedro levantado. Retrato presumido do artista e de sua mulher Margareth, de Gainsborough
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Módulo 16 1ª Série

• Aurea mediocritas • Carpe diem


Quer dizer mediocridade áurea e simboliza a exaltação da Literalmente, quer dizer colha o dia, metáfora para pregar que
humildade e da vida sem luxo, valorizando as coisas simples e o homem aproveite cada momento. Como é impossível escapar
cotidianas. É uma clara contraposição à ostentação de luxos típica dos efeitos do tempo, o lema evidencia a necessidade de viver
da nobreza nas cidades. intensamente todos os instantes da vida.

Se sou pobre pastor, se não governo Lira XIV


Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes; Minha bela Marília, tudo passa;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes A sorte deste mundo é mal segura;
Passo o verão, outono, estio, inverno; Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça
Nem por isso trocara o abrigo terno
(...)
Desta choça, em que vivo, co’as enchentes
Ah! enquanto os Destinos impiedosos
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Não voltam contra nós a face irada,
Tenho as paixões desse tormento eterno.
Façamos, sim façamos, doce amada,
Os nossos breves dias mais ditosos.
Adorar as traições, amar o engano,
(...)
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Ornemos nossas testas com as flores.
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;
E façamos de feno um brando leito,
Seja embora prazer; que a meu ouvido Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
Soa melhor a voz do desengano, Gozemos do prazer de sãos Amores.
Que da torpe lisonja o infame ruído. Sobre as nossas cabeças,
COSTA, Claudio Manuel da. In: A poesia dos inconfidentes. Sem que o possam deter, o tempo corre;
Domício Proença Filho (Org.). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996.
E para nós o tempo, que se passa,
• Inutilia truncat Também, Marília, morre.
Significa cortar o inútil. Por meio desse lema, o poeta árcade (...)
deixa claro o seu desejo de utilizar uma linguagem simples, sem Que havemos de esperar, Marília bela?
grandes rebuscamentos, eliminando os excessos. Com esse lema, fica
Que vão passando os florescentes dias?
evidente a oposição árcade ao estilo barroco, marcado justamente
pelo exagero. As glórias, que vêm tarde, já vêm frias;
E pode enfim mudar-se a nossa estrela.
Lira V Ah! Não, minha Marília,
Acaso são estes Aproveite-se o tempo, antes que faça
Os sítios formosos, O estrago de roubar ao corpo as forças
Aonde passava E ao semblante a graça.
Os anos gostosos?
Tomás Antônio Gonzaga. In: A poesia dos inconfidentes.
São estes os prados, Domício Proença Filho (Org.). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. Fragmento

Aonde brincava,
Enquanto pastava 2.2 Características formais
O manso rebanho, A linguagem árcade se opõe diretamente à linguagem barroca.
Que Alceu me deixou? Como visto nos módulos anteriores, os textos barrocos estavam
São estes os sítios? cheios de figuras de linguagem e possuíam vocabulário rebuscado.
São estes; mas eu Os poemas árcades, por sua vez, defendem sobretudo a simplici-
dade da linguagem, posicionando-se de forma contrária a qualquer
O mesmo não sou.
artificialidade verbal.
Marília, tu chamas?
Espera, que eu vou.
GONZAGA, Tomás Antônio. In: A poesia dos inconfidentes.
Domício Proença Filho (Org.). Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996. Fragmento
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1ª Série Módulo 16

Sabe-se que o

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movimento árcade no Brasil
teve diretas influências Fatigado de calma se acolhia
dos movimentos literários
Junto o rebanho à sombra dos salgueiros
lusitanos. Em Portugal, o
Arcadismo teve início em E o Sol, queimando os ásperos oiteiros,
1757 quando a “Arcádia Com violência maior no campo ardia.
Lusitana” foi fundada. Essa Claudio Manuel da Costa
era uma sociedade de poetas
que discutiam temáticas 01 Para os poetas árcades, a natureza era, sobretudo, o cenário
relacionadas à arte. perfeito, dentro do qual se podia encontrar a felicidade. Com base
Dentre esses talentosos artistas, está Manuel Maria Barbosa nessa informação e na estrofe acima, indique duas características
du Bocage – que adotou o pseudônimo de Elmano Sadino. tipicamente árcades.
Conhecido por suas incontáveis experiências amorosas e
aventuras nas colônias portuguesas, sua obra reflete aquilo 02 Na estrofe lida, o cenário bucólico está em evidência. Transcreva
que fez parte de suas andanças. Apesar de fazer parte do do poema três palavras que comprovem essa afirmativa.
Arcadismo português, a obra do autor não é totalmente árcade
nem romântica, pois traduz o período de transição do mundo 03 A escolha dos autores por adotarem pseudônimos em suas
no qual viveu – marcado pelo início do romantismo e pela produções poéticas está diretamente relacionada ao fato de:
Revolução Francesa.
(A) serem tímidos, por isso preferiam o anonimato.
Bocage teve sua glória principalmente na Lírica e, em (B) produzirem textos críticos, daí a necessidade de burlar eventuais
virtude disso, foi considerado o melhor escritor português censuras.
do século XVIII e, junto a Camões e Antero de Quental, (C) ser a moda da época, daí a necessidade de segui-la.
é tido como um dos três maiores sonetistas da Literatura (D) conferir maior verossimilhança à personalidade pastoril do eu
lírico.
Portuguesa. Infelizmente, juntou-se às companhias militares,
(E) conceder maior destaque aos seus autores.
lutou na guerra, foi preso e morreu na miséria. Apesar de seu
fim trágico, Bocage marcou a literatura e a própria cultura
04
portuguesa para sempre.
“Torno a ver-vos, ó montes; o destino
Veja abaixo um de seus poemas:
Aqui me torna a pôr nestes outeiros,
Nascemos para amar; a Humanidade Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Vai, tarde ou cedo, aos laços da ternura. Pelo traje da corte rico e fino.
Tu és doce atractivo, ó Formosura, (...)
Que encanta, que seduz, que persuade. Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
Enleia-se por gosto a liberdade;
Que da Cidade o lisonjeiro encanto;”
E depois que a paixão na alma se apura,
Alguns então lhe chamam desventura, As estrofes acima, do poeta brasileiro Claudio Manuel da Costa,
Chamam-lhe alguns então felicidade. ilustram importante característica da poesia árcade: a exaltação da
vida simples como estado ideal a se buscar. Qual nome do lema
Qual se abisma nas lôbregas tristezas, latino que representa esse ideal?

Qual em suaves júbilos discorre,


05 Indique a palavra ou expressão, contida no fragmento acima,
Com esperanças mil na ideia acesas. que melhor representa o menosprezo dos árcades aos valores
encontrados nas grandes cidades.
Amor ou desfalece, ou pára, ou corre:
E, segundo as diversas naturezas,
Um porfia, este esquece, aquele morre.
Bocage, in ‘Sonetos’
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Módulo 16 1ª Série

01 O pensamento do economista Edward Glaeser se contrapõe


nitidamente aos valores artístico-culturais disseminados por
inúmeros artistas, como o poeta português Bocage, e filósofos do
Texto I século XVIII, como Jean Jacques Rousseau, defensor da tese de que o
“Quanto mais gente, melhor” ser humano é bom por natureza, mas é corrompido pela civilização.
Dentre os lemas apresentados pela arte desse período, aquele que
Com a experiência de quem já visitou e estudou quase todas as se opõe à opinião do economista é:
grandes metrópoles do mundo, entre elas São Paulo, o economista
americano Edward Glaeser, 44 anos, se baseia em cálculos e estatís- (A) ora et labora (reza e trabalha) – divisão do tempo entre a oração
e o trabalho, quer seja manual ou intelectual.
ticas para provar que o mais desejável para o ser humano é viver nas
(B) locus horrendus (gosto pelo grotesco) – valorização de
cidades. “Sem elas, a evolução humana jamais teria sido possível. E é elementos macabros.
também nelas que está o futuro da nossa espécie”, afirma. Professor (C) inutilia truncat (cortar o inútil) – contra os exageros, o rebus-
da Universidade de Havard, onde dirige um centro de pesquisas e camento, a extravagância do Barroco.
assessoria em políticas públicas, Glaeser é autor do best-seller Os (D) carpe diem (aproveita o dia) – desejo de fruição dos prazeres
Centros Urbanos: a Maior Invenção da Humanidade, em que demole da vida.
a visão idílica do campo e aponta os benefícios da vida nas grandes (E) locus amoenus (lugar ameno) – a natureza aprazível e dedicada,
único lugar onde o homem poderia ser feliz.
concentrações de gente das metrópoles. Glaeser participa nesta
semana como palestrante do Arq.Futuro, o concorrido encontro
02 Um lema também muito difundido pela arte do século XVIII
dos maiores arquitetos do mundo realizado no Rio de Janeiro. foi o aurea mediocritas, que pregava uma vida medíocre material-
“Como o senhor rebate a turma que o considera um idealista mente, mas rica em realizações espirituais. Ou seja: representava
do indefensável, a qualidade de vida nas grandes cidades?” a idealização de uma vida pobre e feliz no campo, em oposição
à vida luxuosa e triste na cidade. Dentre as opções abaixo, todas
“Ao contrário desses que se se deixam levar por uma visão extraídas de poemas da época em questão, a sequência de versos
romanceada da vida longe das zonas urbanas, eu prefiro olhar os que se opõe ao ideal de ascensão social buscado nas grandes metró-
números. Eles mostram claramente que, sob diversos aspectos poles e defendido pelo economista Edward Glaeser, em entrevista
essenciais para a existência humana, não há lugar melhor para viver concedida à revista Veja, é:
do que em uma grande cidade. Pois é justamente em ambientes
(A) “Quando cheios de gosto, e de alegria / Estes campos diviso
de enormes aglomerações que os mais variados talentos podem florescente, / Então me vêm as lágrimas ardentes / Com mais
conviver e aprender entre si, potencializando ao máximo sua capa- ânsia, mais dor, mais agonia” (Cláudio Manuel da Costa)
cidade criativa e inovadora. Aumentam assim, exponencialmente, (B) “Eu, Marília, não fui nenhum vaqueiro / fui honrado pastor da
as chances de ascender, ganhar mais e ter acesso ao que há de mais tua aldeia; / vestia finas lãs e tinha sempre / a minha choça do
avançado.” preciso cheia.” (Tomás Antônio Gonzaga)
(C) “De que servirão tantas / tão saudáveis leis, sábias e santas, / se,
Veja. 28 de mar. 2012.
em vez de executadas, / forem por mãos sacrílegas frustradas?”
Texto II (Alvarenga Peixoto)
(D) “Se o bem desta choupana pode tanto, / Que chega a ter mais
Já se afastou de nós o Inverno agreste
preço, e mais valia, / Que da cidade o lisonjeiro encanto;”
Envolto nos seus úmidos vapores; (Cláudio Manuel da Costa)
A fértil Primavera, a mãe das flores (E) “Neste bosque alegre e rindo / Sou amante afortunado, / E desejo
ser mudado / No mais lindo Beija-flor.” (Silva Alvarenga)
O prado ameno de boninas veste:
03
Varrendo os ares o sutil nordeste
“Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Os torna azuis: as aves de mil cores
Que viva de guardar alheio gado;
Adejam entre Zéfiros, e Amores,
De tosco trato, de expressões grosseiro,
E torna o fresco Tejo a cor celeste;
Dos frios gelo e dos sóis queimado.
Vem, ó Marília, vem lograr comigo Tenho próprio casal e nele assisto;
Destes alegres campos a beleza, Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Destas copadas árvores o abrigo: Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs de que me visto.
Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Graças, Marília bela,
Quanto me agrada mais estar contigo
Graças à minha estrela!
Notando as perfeições da Natureza!
Disponível em: <www.fredb.sites.uol.com.br> (Adaptado)
BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. O delírio amoroso e outros poemas.
Porto Alegre: L&PM, 2004. P. 27
42 LITERATURA
1ª Série Módulo 16

A análise do trecho permite afirmar que o eu lírico: Com respeito ao texto referido, todas as afirmativas estão corretas,
exceto:
(A) valoriza os trajes ricos da cidade.
(B) despreza a vida humilde. (A) Na Lira XXVII, Dirceu exalta a beleza de Marília e, para fazer
(C) manifesta preocupação religiosa. isso, recorre a personagens da Antiguidade Clássica.
(D) valoriza os benefícios de sua vida no campo. (B) Os versos dessa lira são regulares, formados por sete sílabas
(E) apresenta a vida na cidade como mais desejável do que a vida métricas.
no campo. (C) Com a alusão à tentativa de trazer as “tintas do céu” para
pintar o retrato de Marília, o eu lírico sugere que a beleza dela
04 A beleza da forma física feminina constituiu assunto predileto atinge a esfera do divino, do sublime, transcendendo a beleza
da poesia arcádica brasileira. Leia as seguintes estrofes da Lira encontrada no mundo terreno.
XXVII de Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga: (D) Há uma equivalência de sentido entre os quatro últimos versos
da primeira estrofe e os quatro últimos versos da segunda
Vou retratar a Marília, estrofe.
a Marília, meus amores; (E) O eu lírico tem como interlocutor o Amor, isto é, a divindade
da mitologia clássica que rege o sentimento amoroso.
porém como? se eu não vejo
quem me empreste as finas cores:
05
dar-mas a terra não pode;
Torno a ver-vos, o montes; o destino
não, que a sua cor mimosa
Aqui me torna a por nestes oiteiros;
vence o lírio, vence a rosa,
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
o jasmim e as outras flores.
Pelo traje da Corte rico, e fino.

Ah! socorre, Amor, socorre


Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
ao mais grato empenho meu!
Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Voa sobre os astros, voa,
Vendo correr os míseros vaqueiros
Traze-me as tintas do céu.
Atrás de seu cansado desatino.
[...]
Entremos, Amor, entremos, Se o bem desta choupana pode tanto,
entremos na mesma esfera; Que chega a ter mais preço, e mais valia,
venha Palas, venha Juno, Que da cidade o lisonjeiro encanto;
Venha a deusa de Citera.
Porém, não, que se Marília Aqui descanse a louca fantasia;

no certame antigo entrasse, E o que te agora se tornava em pranto,

bem que a Páris não peitasse, Se converta em afetos de alegria.

a todas as três vencera. Com relação a esse poema, não é correto afirmar que:

Vai-te, Amor, em vão socorres (A) manifesta o contraste entre natureza rústica e sofisticação
ao mais grato empenho meu: cultural.
(B) defende o preceito árcade do fugere urbem, valorizando o
para formar-lhe o retrato bucolismo como ideal de vida.
não bastam tintas do céu. (C) dirige-se a pastora amada pelo eu lírico, como determina a
convenção típica da poesia da época.
Vocabulário (D) revela resquícios de procedimentos característicos da estética
Certame: disputa. barroca, no uso de antíteses e no gosto por oposições.
Juno: deusa da mitologia romana, esposa de Júpiter.
Palas: deusa da mitologia romana, presidia a guerra.
Deusa de Citera: Afrodite, deusa do amor.
Páris: príncipe troiano, responsável por escolher a deusa mais bela do Olimpo.
O Arcadismo LITERATURA 43
Módulo 16 1ª Série

Às vezes saio a caminhar pela cidade


À procura de amizade
Vou seguindo a multidão
Casinha Branca
Mas me retraio olhando em cada rosto
Eu tenho andado tão sozinha ultimamente
Cada um tem seus mistérios
Que nem vejo em minha frente
Seu sofrer, sua ilusão
Nada que me dê prazer
Disponível em: <www.letras.mus.br>
Sinto cada vez mais longe a felicidade
Vendo em minha mocidade
01 Apesar de contemporânea, a letra da canção acima apresenta
Tantos sonhos perecer semelhanças com o ideal árcade, estabelecido nos séculos XVII e
XVIII. Justifique a necessidade de se buscar o fugere urbem proposto
Eu queria ter na vida simplesmente no texto, tendo como base a primeira e a terceira estrofes.
Um lugar de mato verde
02 Além do lema indicado na questão anterior, é possível identi-
Pra plantar e pra colher ficar outros dois lemas árcades, que podem ser relacionados com a
Ter uma casinha branca de varanda segunda estrofe. Que lemas são esses?
Um quintal, uma janela
Para ver o sol nascer

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LITERATURA 44

Módulo 17 1ª Série

Arcadismo no Brasil: Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa

Você acharia estranho que um preso escrevesse


obras poéticas com versos amorosos?
Observe os seguintes versos: “por essas brancas mãos, por essas
faces / te juro renascer um homem novo, / romper a nuvem que
os meus olhos cerra, / amar no céu a Jove e a ti na terra!”. Brancas
mãos, nuvem, amor, céu... nada disso passa a impressão de caos. Esse
trecho faz parte da famosa lira Marília de Dirceu, de Tomás Antônio
Gonzaga. Apesar da calmaria que emana dos versos, o poeta se
encontrava em uma situação bastante turbulenta ao escrevê-los. A
lira em questão foi composta enquanto Tomás estava na prisão da

©iStockphoto.com/visual7
Ilha das Cabras ou na Ordem Terceira de Santo Antônio, ambas no
Rio de Janeiro, provavelmente entre o período de 1789 e 1793. Isso
aconteceu devido ao seu envolvimento na até então mais importante
revolta colonial, a Inconfidência Mineira.
Neste módulo, estudaremos os principais poetas árcades
Objetivos:
brasileiros e você perceberá que questões políticas nas quais estavam
– Conhecer o contexto histórico brasileiro;
envolvidos faziam com que suas vidas fossem muito diferentes do C5 – estudar traços centrais das obras de Cláudio Manuel da Costa e
que pregavam em seus poemas. Tomás Antônio Gonzaga.

1. Contexto histórico do jugo inglês. Isso fez com que muitos jovens brasileiros vislum-
brassem a possibilidade de também alcançar a independência do
O módulo anterior tratou do contexto histórico europeu que Brasil. Dessa forma, ideais revolucionários passam a ser por eles
propiciou o surgimento do Arcadismo. Como o contexto histórico defendidos.
brasileiro guarda algumas peculiaridades, é importante antes de
Quando os Estados Unidos declararam sua independência,
começar a estudar os principais escritores árcades brasileiros,
em 1776, a exploração do ouro no Brasil já estava em declínio,
entender o que acontecia no país no século XVIII.
e vinha sendo substituída pela agricultura. Além do mau
O primeiro ponto a ser destacado é a descoberta do ouro em momento pelo qual estava passando a mineração, a opressiva
Minas Gerais. Com ela, o eixo econômico da Colônia foi transferido política fiscal da Coroa deixava ainda mais descontentes os
do Nordeste – mais especificamente da Bahia e de Pernambuco – habitantes da região. Somados a tudo isso estavam a propa-
para o Sudeste, concentrando-se principalmente na cidade de Vila gação de ideais iluministas, como o de Rousseau, e os ideais
Rica, Minas Gerais. revolucionários que a independência das Treze Colônias norte-
O desenvolvimento econômico dessa região gerou o seu desen- -americanas havia suscitado.
volvimento cultural. Embora grande parte do ouro da região fosse O resultado desse cenário turbulento foi a criação de um
enviado para Portugal, a quantidade que restava fez com que muitos movimento revolucionário em Vila Rica, que ficou conhecido como
mineradores enriquecessem. Muitos deles enviavam seus filhos Inconfidência Mineira. Além de quererem proclamar a República,
para estudar na Europa. Quando regressavam, além da formação tornando o Brasil independente de Portugal, os inconfidentes
acadêmica, traziam para a Colônia uma grande bagagem cultural. defendiam, dentre outras medidas, a fundação da Universidade de
Além dessa mudança, um acontecimento nas Treze Colônias Vila Rica e a libertação dos escravos nascidos no Brasil. Durante
norte-americanas teve grande influência em solos brasileiros. Em os três primeiros anos da República, Tomás Antônio Gonzaga
1776, elas alcançaram sua independência, conseguindo se libertar governaria. Depois disso, seriam convocadas eleições.
Arcadismo no Brasil: Tomás Antônio Gonzaga LITERATURA 45
e Cláudio Manuel da Costa Módulo 17 1ª Série

©Wikimedia Commons
Para Candido, antes do Arcadismo, o Brasil contava apenas
com manifestações literárias. Ou seja: tratava-se não de uma
literatura brasileira, mas de uma literatura feita no Brasil ou
que tinha o Brasil como tema.

©Wikimedia Commons/André Gomes de Melo


Antonio Candido na solenidade de abertura da 9ª Festa Literária Internacional de
Parati (RJ), em 6 de julho de 2011

2. Principais autores

2.1 Cláudio Manuel da Costa


Cláudio Manuel da Costa (1729-1789) é considerado o primeiro
poeta árcade brasileiro. Ele nasceu em Minas Gerais, na cidade
de Mariana. Após ter estudado com jesuítas, foi para Portugal
Tiradentes esquartejado (1893), de Pedro Américo concluir seus estudos, tornando-se advogado. Além da formação
acadêmica, é na Metrópole que Cláudio Manuel da Costa se forma
O movimento foi basicamente organizado pela elite mineira. culturalmente, e é também lá que entra em contato com a Arcádia
Dentre os participantes, além de Tomás Antônio Gonzaga, havia outro Lusitana. Concluídos os estudos, o poeta volta ao Brasil, mais
autor árcade: Cláudio Manuel da Costa. A ligação com a literatura não especificamente para Vila Rica, onde trabalha como advogado e
se reduz a isso: se os inconfidentes conseguissem a independência da como administrador.
Colônia, a bandeira estamparia um verso de Virgílio: “Libertas quae
sera tamen”, que significa “Liberdade ainda que tardia”. Esse movimento pendular entre Colônia e Metrópole
No entanto, o movimento revolucionário foi delatado por empreendido por Cláudio Manuel da Costa é um fator de
um de seus participantes, Joaquim Silvério dos Santos. Com isso, grande influência em sua poética. Ao mesmo tempo que ele tem
Tomás Antônio Gonzaga e os demais líderes foram presos, e o uma formação acadêmica ©Wikimedia Commons

movimento, abafado. realizada na Metrópole,


possui um sentimento que o
prende às terras brasileiras,
Antonio Candido, grande crítico literário brasileiro, em uma grande identificação
seu livro Formação da Literatura Brasileira, distingue literatura com a sua terra natal. Dessa
de manifestações literárias. Para ele, a existência de uma forma, coexistem, em um
literatura pressupõe um sistema composto por três elementos: o mesmo indivíduo, o homem
produtor literário (autor), o receptor (leitores) e um sistema de letrado, cuja formação se deu
transmissão (de modo geral, uma linguagem). Se um deles falta, em Coimbra, e o homem de
o que temos são manifestações literárias, e não uma literatura. berço rústico, cuja infância
foi vivida entre os penhascos
Segundo Antonio Candido, tal sistema só passa a existir no
de Minas Gerais.
Brasil a partir do Arcadismo, já que os autores árcades foram
os primeiros a formar “conjuntos orgânicos” e a manifestar a
vontade de fazer literatura brasileira.
46 LITERATURA
1ª Série Módulo 17

Observe-se como a identificação com a terra natal fica clara O berço em que nasci: oh quem cuidara
nestes versos: Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!”
Torno a ver-vos, ó montes: o destino Soneto XCVIII
Aqui me torna a pôr nesses outeiros,
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros Dessa forma, diferentemente das paisagens mais utilizadas
Pelo traje da Corte, rico e fino. pelos poetas árcades – geralmente compostas por prados e ribeiras
–, Cláudio dá preferência aos montes e vales, o que reforça seu
apego às terras brasileiras.
Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Quando estudante de Direito em Coimbra, Cláudio Manuel da
Os meus fiéis, meus doces companheiros, Costa recebeu uma formação barroca, motivo pelo qual a sua obra é
Vendo correr os míseros vaqueiros tão influenciada pelo Barroco, principalmente no que diz respeito ao
Atrás de seu cansado desatino. estilo. Cláudio ainda utiliza muitas inversões e figuras de linguagem
tipicamente barrocas, como bem demonstra o texto a seguir:

Se o bem desta choupana pode tanto,


Quando cheios de gosto, e de alegria
Que chega a ter mais preço, e mais valia
Estes campos diviso florescentes,
Que, da Cidade, o lisonjeiro encanto,
Então me vêm as lágrimas ardentes
Com mais ânsia, mais dor, mais agonia.
Aqui descanse a louca fantasia,
E o que até agora se tornava em pranto Aquele mesmo objeto, que desvia
Se converta em afetos de alegria. Do humano peito as mágoas inclementes,
Esse mesmo em imagens diferentes
Soneto LXII
Toda a minha tristeza desafia.
Nesse soneto, nota-se o regresso do eu lírico ao seu lugar de
origem (“Torno a ver-vos, ó montes”), nitidamente mais simples Se das flores a bela contextura
do que aquele em que se encontrava. Por meio da oposição entre Esmalta o campo na melhor fragrância,
as vestimentas (“gabões grosseiros” × “traje rico e fino”), percebe- Para dar uma ideia da ventura;
-se que a mudança espacial realizada pelo eu lírico foi do campo
– lugar de origem, ao qual retorna – para a cidade. A felicidade Como, ó Céus, para os ver terei constância,
provinda do regresso (“E o que até agora se tornava em pranto /
Se cada flor me lembra a formosura
Se converta em afetos de alegria”) indica justamente a valorização
do espaço rural em detrimento do espaço urbano, bem ao gosto Da bela causadora de minha ânsia?
Soneto LXXX
dos poetas árcades.
Ao conhecer a biografia de Cláudio Manuel da Costa, fica difícil O texto apresenta algumas antíteses e inversões, como reflexos
não relacionar esse soneto à situação do poeta, que, após deixar imediatos da angústia sentida pelo eu lírico em relação à amada, que
a terra onde nasceu – o campo – para completar seus estudos na acaba por lhe gerar um estado de dúvida e conflito, bem diferente
Metrópole – a cidade –, retorna ao seu lugar de origem, tendo prazer da harmonia e estabilidade pregadas pelos árcades tradicionais.
ao se deparar novamente com a paisagem conhecida. Contudo, o poeta teve a sensibilidade de perceber o fim do barroco,
A paisagem é, aliás, um ponto importante a ser trabalhado na o que o levou a empreender um esforço pessoal para a superação
poesia de Cláudio Manuel da Costa. Nela, está constantemente deste, ainda que mantivesse a sua vocação cultista em muitos
presente a imagem da pedra, que remete o leitor à paisagem monta- momentos.
nhosa do lugar em que o poeta viveu seus primeiros anos. Segundo A manutenção de alguns traços barrocos fica ainda mais
o crítico literário Antonio Candido, a pedra serve justamente de compreensível ao lembrar que Cláudio Manuel da Costa estava
alicerce para o escritor, prendendo-o à terra natal. Ela é também no limiar do Arcadismo brasileiro. É natural que artistas que se
muita utilizada, em seus poemas, para a construção de antíteses, encontram em tal posição apresentem tanto características do
como ocorre nestes versos: movimento literário que já estava em decadência como daquele
que começava.

“Destes penhascos fez a natureza


Arcadismo no Brasil: Tomás Antônio Gonzaga LITERATURA 47
e Cláudio Manuel da Costa Módulo 17 1ª Série

Cláudio Manuel da Costa também se mostrou um homem de sua ida a Portugal. Na época, a jovem tinha apenas 16 anos. Em
atento à realidade da Colônia. Assim, demonstrou uma visão seus poemas, o pseudônimo de Maria Doroteia é Marília, e de Tomás
crítica apurada, sendo, de certa forma, um visionário ao entrever Antônio Gonzaga, Dirceu. O encontro do poeta já vivido, à época
alguns problemas na estrutura da Colônia ou em sua relação com a com mais de quarenta anos, com a ainda adolescente Maria Doroteia
Metrópole que só seriam apontados de forma mais vigorosa alguns contribui para reforçar a consciência da brevidade da vida, fazendo
anos depois. Pode-se citar como exemplo a sua insatisfação com a o poeta recorrer ao carpe diem e à imagem da amada sempre que
derrama, imposto instituído pela Coroa, justamente uma das moti- possível, como consolo para o desgaste empreendido pelo tempo.
vações da Inconfidência Mineira, que só ocorreria 25 anos depois. Isso fica claro nos versos a seguir:

2.2 Tomás Antônio Gonzaga Não vês aquele velho respeitável

Cláudio Manuel da Costa exerceu grande influência sobre os Que, à muleta encostado,
autores árcades pertencentes à geração seguinte à sua, na qual os Apenas mal se move e mal se arrasta?
ideais árcades de fato se consolidaram. Entre os mais influenciados Oh! quanto estrago não lhe fez o tempo,
por ele estão Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga. Este, O tempo arrebatado,
aliás, acabou alcançando muito mais notoriedade que seu prede-
Que o mesmo bronze gasta!
cessor, sendo o mais popular autor árcade do Brasil.
Enrugaram-se as faces e perderam
Tomás Antônio Gonzaga
©Wikimedia Commons Seus olhos a viveza;
(1744-1810) nasceu na cidade do
Porto, em Portugal. Veio para a Voltou-se o seu cabelo em branca neve;
Bahia com a sua família quando Já lhe treme a cabeça, a mão, o queixo,
ainda era criança. Depois de ter
Não tem uma beleza
estudado até a juventude no
Brasil, seguiu um caminho bem Das belezas, que teve.
parecido com o de Cláudio
Assim também serei, minha Marília,
Manuel da Costa: foi estudar
Direito em C oimbra. Em Daqui a poucos anos;
Portugal, teve acesso também Que o ímpio tempo para todos corre.
aos ideais árcades e iluministas. Os dentes cairão, e os meus cabelos,
Assim como Cláudio, quando voltou para o Brasil, passou a morar
Ah! sentirei os danos,
em Vila Rica. Acusado de participar da Inconfidência Mineira,
Que evita só quem morre.
Gonzaga fica encarcerado de 1789 a 1792, quando é degredado para
Moçambique.
Mas sempre passarei uma velhice
Um primeiro ponto a ser analisado na poesia de Tomás Antônio
Muito menos penosa.
Gonzaga é o quanto a sua obra está atrelada às suas experiências
pessoais. Claro que é necessário relembrar alguns conceitos já Não trarei a muleta carregada:
estudados no módulo sobre gênero lírico – que distanciam a figura Descansarei o já vergado corpo
do eu lírico da figura biográfica do poeta – para não achar que as Na tua mão piedosa,
experiências pessoais necessariamente influenciarão a obra dos Na tua mão nevada.
artistas. Porém, no caso de Gonzaga, a vida amorosa do poeta é
certamente importante para entender sua obra. Nas frias tardes, em que negra nuvem

• Marília de Dirceu Os chuveiros não lance,


Ao incorporar a sua experiência pessoal à poesia, Tomás Antônio Irei contigo ao prado florescente:
Gonzaga consegue fazer versos mais emotivos e espontâneos, Aqui me buscarás um sítio ameno,
indicando já o início da transição do Arcadismo para o Romantismo, Onde os membros descanse,
movimento literário que o sucede. A sua poesia lírica, parte mais
E o brando sol me aquente.
conhecida de sua produção, é um dos resultados desse processo. Ela
está reunida no livro Marília de Dirceu, obra mais famosa do artista, Apenas me sentar, então movendo
escrita durante o tempo em que ficou encarcerado.
Os olhos por aquela
As liras que compõem Marília de Dirceu remontam à paixão
Vistosa parte, que ficar fronteira;
que Tomás Antônio Gonzaga sentia por Maria Doroteia de Seixas
Brandão. Ele a conheceu em Vila Rica, ao regressar ao Brasil depois Apontando direi: Ali falamos,
48 LITERATURA
1ª Série Módulo 17

Ali, ó minha bela,


Te vi a vez primeira. A autoria das Cartas chilenas permaneceu desconhecida
Verterão os meus olhos duas fontes, por algum tempo. O poema, incompleto, circulou por Vila Rica
Nascidas de alegria: entre 1787 e 1788. Como a circulação foi interrompida durante
o tempo em que os poetas árcades Tomás Antônio Gonzaga,
Farão teus olhos ternos outro tanto:
Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto estavam presos,
Então darei, Marília, frios beijos constatou-se que era de algum deles a autoria no século XX,
Na mão formosa e pia, foram feitos estudos estilísticos que atribuíram a autoria das
Que me limpar o pranto. Cartas chilenas a Tomás Antônio Gonzaga.
Se levarmos em consideração que o poema ataca dire-
Assim irá, Marília, docemente tamente o governador da capitania de Minas, fica mais fácil
Meu corpo suportando compreendermos por que Tomás Antônio Gonzaga não havia
Do tempo desumano a dura guerra. deixado clara desde o início a autoria.
Contente morrerei, por ser Marília Pelo seu teor satírico, a obra conta com vários disfarces.
Além do governador, o autor também assume um pseudônimo,
Quem, sentida, chorando,
o de “Critilo”, e o seu destinatário é “Doroteu”. O adjetivo
Meus baços olhos cerra.
“chilenas” equivale a “mineiras”, já que Santiago, onde são
Lira XVII assinadas as cartas, representa, na verdade, Vila Rica.
Leia abaixo um trecho de Cartas chilenas:
A obra é dividida em duas partes, sendo que a segunda foi
escrita quando o poeta se encontrava na prisão, por conta de seu Que direi do soberbo, do vaidoso,
envolvimento com a Inconfidência Mineira. A diferença do contexto
Do colérico e de outros vários monstros,
de produção gera consideráveis mudanças em seus versos: se na
primeira parte o tom era otimista e esperançoso, na segunda, a Que freio algum não conhecendo, passam
melancolia e a saudade tomam conta de seus versos. A sustentar no autorizado cargo
Em Marília de Dirceu, é possível também perceber a grande Tudo quanto a paixão lhes dita e manda!
presença do locus amoenus. O cenário construído pelo poeta em seus Não sofre aquele, que o vassalo oculte
versos é habitado pelo gado e por pastores, e a vida nele é tranquila.
os cabedais que à sua indústria deve
Tais características estão presentes nos versos abaixo:
E que a seus filhos e a seus netos, possa
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Deixar, morrendo, uma opulenta herança.
Que viva de guardar alheio gado; Um falso crime lhe figura, aonde
De tosco trato, d’expressões grosseiro, Esgote as forças, que levar procura
Dos frios gelos, e dos sóis queimado. Além das frias, apagadas cinzas.
Tenho próprio casal, e nele assisto; Este medita que a nobreza ilustre
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; Sufocada se veja. A prisão dura,
Das brancas ovelhinhas tiro o leite, O distante degredo é que promete
E mais as finas lãs, de que me visto. Da prevista vingança o fim prescrito.
Graças, Marília bela, Ó senhores! ó reis! ó grandes! quanto
Graças à minha Estrela! São para nós as vossas leis inúteis!
Lira I
Mandais debalde, sem julgada culpa,
• Cartas chilenas Que o vosso chefe, a arbítrio seu, não possa
Além da poesia lírica, Tomás Antônio Gonzaga também Exterminar os réus, punir os ímpios.
escreveu poemas satíricos. As Cartas chilenas, poema satírico É c’os ministros de menor esfera
que circulou pela cidade de Vila Rica entre 1787 e 1788, são o seu
Que falam vossas leis. Nos chefes vossos
principal exemplo. Nelas, o governador da capitania de Minas, Luís
Cunha de Meneses – chamado, no poema, de “Fanfarrão Minésio” Somente o despotismo impera e reina.
–, é satirizado, tendo seus desmandos morais e administrativos GONZAGA, Tomás Antônio. In: PROENÇA FILHO, Domício (org.).
duramente criticados. A poesia dos inconfidentes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996.
Arcadismo no Brasil: Tomás Antônio Gonzaga LITERATURA 49
e Cláudio Manuel da Costa Módulo 17 1ª Série

• Alvarenga Peixoto Vejo as penas e a figura,


Inácio José de Alvarenga Peixoto (1744-1792) produziu tanto Provo as asas, dando giros;
poemas líricos quanto poemas laudatórios (poemas escritos em Acompanham-me os suspiros,
homenagem a alguém). Dentre os homenageados, louvou com
E a ternura do pastor.
sincera admiração Marquês de Pombal, como fica claro nos versos
abaixo:
E num voo feliz ave
Grande Marquês, os Sátiros saltando Chego intrépido até onde
por entre verdes parras, Riso e pérolas esconde
defendidas por ti de estranhas garras; O suave e puro amor.
os trigos ondeando
nas fecundas searas; Deixo, ó Glaura, a triste lida

os incensos fumando sobre as aras, Submergida em doce calma;

à nascente cidade E a minha alma ao bem se entrega,

mostram a verdadeira heroicidade. Que lhe nega a teu rigor.


Toco o néctar precioso,
In: BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 36 ed.
São Paulo: Cultrix, 2004. p. 76. Que a mortais não se permite;

Por ter participado da Inconfidência, Alvarenga Peixoto foi É o insulto sem limite,
preso e desterrado, e morreu em presídio africano. Mas ditoso o meu ardor;

• Silva Alvarenga
Já me chamas atrevido,
Manuel Inácio da Silva Alvarenga (1749-1814) tem como obra
Já me prendes no regaço;
principal Glaura, composta de rondós e madrigais. Nela, aparecem
elementos da fauna e da flora nacionais, como a cobra, a mangueira Não me assusta o terno laço
e o beija-flor, apontando na direção de uma poesia nativista, É fingido o meu temor.
já prenunciando o Romantismo. Os versos abaixo, do poema
“O Beija-flor”, são um bom exemplo disso: Deixo, ó Glaura, a triste lida
Submergida em doce calma;
O Beija-flor
E a minha alma ao bem se entrega,
Deixo, ó Glaura, a triste lida
Que lhe nega o teu rigor.
Submergida em doce calma;
E a minha alma ao bem se entrega, Se disfarças os meus erros,
Que lhe nega o teu rigor. E me soltas por piedade,
Não estimo a liberdade,
Neste bosque alegre e rindo
Busco os ferros por favor.
Sou amante afortunado,
E desejo ser mudado Não me julgues inocente,
No mais lindo beija-flor. Nem abrandes meu castigo,
Que sou bárbaro inimigo,
Todo o corpo num instante
Insolente e roubador.
Se atenua, exala e perde;
É já de oiro, prata e verde Deixo, ó Glaura, a triste lida
A brilhante e nova cor. Submergida em doce calma;
E a minha alma ao bem se entrega,
Deixo, ó Glaura, a triste lida
Que lhe nega o teu rigor.
Submergida em doce calma;
Disponível em: <www.antoniomiranda.com.br>
E a minha alma ao bem se entrega,
Que lhe nega o teu rigor.
50 LITERATURA
1ª Série Módulo 17

03 Nesse fragmento do romance Alteia, de Cláudio Manuel da


Costa, acumulam-se características peculiares do Arcadismo. Releia
o texto que lhe apresentamos e aponte duas dessas características.
01
04 Justifique a resposta da questão anterior com, pelo menos, duas
“Minha Bela Marília, tudo passa;
citações do texto.
A sorte deste mundo é mal segura;
Se vem depois dos males a ventura, 05

Vem depois dos prazeres a desgraça.” Onde estou? Este sítio desconheço:
Quem fez tão diferente aquele prado?
Tomás Antônio Gonzaga
Tudo outra natureza tem tomado;
Estabeleça um paralelo entre os versos acima e o lema latino carpe
E em contemplá-lo tímido esmoreço.
diem.

02 Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço


Lira I De estar a ela um dia reclinado.
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Ali em vale um monte está mudado:
Que viva de guardar alheio gado; Quanto pode dos anos o progresso!
De tosco trato, d’expressões grosseiro,
Árvores aqui vi tão florescentes,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Que faziam perpétua a primavera:
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Nem troncos vejo agora decadentes.
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
Eu me engano: a região esta não era:
E mais as finas lãs, de que me visto.
Mas que venho a estranhar, se estão presentes
Graças, Marília bela, Meus males, com que tudo degenera!
Graças à minha Estrela! COSTA, Cláudio Manuel da. “Soneto VII”. In: RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (Intro., sel. e notas.).
Poesia do outro – Antologia. São Paulo: Melhoramentos, 1964. p. 47.

Justifique o fragmento acima como representativo do Arcadismo.


O estilo neoclássico – fundamento do Arcadismo brasileiro, de que
fez parte Cláudio Manuel da Costa – caracteriza-se pela utilização
Leia o texto e responda às questões 03 e 04. das formas clássicas convencionais, pelo enquadramento temático
em paisagem bucólica pintada como lugar aprazível, pela delegação
da fala poética a um pastor culto e artista, pelo gosto das circuns-
Aquele pastor amante,
tâncias comuns, pelo vocabulário de fácil entendimento e por vários
Que nas úmidas ribeiras outros elementos que buscam adequar a sensibilidade, a razão, a
Deste cristalino rio natureza e a beleza. Dadas essas informações:

Guiava as brancas ovelhas; a. indique qual a forma convencional clássica em que se enquadra
o poema.
Aquele, que muitas vezes b. transcreva a estrofe do poema em que a expressão da natureza
aprazível, situada no passado, domina sobre a expressão do
Afinando a doce avena, sentimento da personagem poemática.
Parou as ligeiras águas,
Moveu as bárbaras penhas;

Sobre uma rocha sentado


01 Leia os seguintes fragmentos de Marília de Dirceu, de Tomás
Caladamente se queixa: Antônio Gonzaga:
Que para formar as vozes, Texto I
Teme, que o ar as perceba. Verás em cima de espaçosa mesa
Cláudio Manuel da Costa. Aldeia. Altos volumes de enredados feitos;
Ver-me-ás folhear os grandes livros,
E decidir os pleitos.
Arcadismo no Brasil: Tomás Antônio Gonzaga LITERATURA 51
e Cláudio Manuel da Costa Módulo 17 1ª Série

Texto II o tempo arrebatado,


Os Pastores, que habitam este monte, que o mesmo bronze gasta!
Respeitam o poder do meu cajado;
Enrugaram-se as faces e perderam
Com tal destreza toco a sanfoninha,
seus olhos a viveza:
Que inveja me tem o próprio Alceste.
voltou-se o seu cabelo em branca neve;
Em qual dos fragmentos o sujeito lírico é caracterizado de acordo já lhe treme a cabeça, a mão, o queixo,
com a convenção arcádica? Explique.
nem tem uma beleza
02 Compare os dois trechos a seguir: das belezas que teve.
Texto I
Assim também serei, minha Marília,
Eu quero uma casa no campo
daqui a poucos anos,
do tamanho ideal
que o ímpio tempo para todos corre.
pau-a-pique e sapê
Os dentes cairão e os meus cabelos.
Onde eu possa plantar meus amigos
Ah! sentirei os danos,
meus discos
que evita só quem morre.
meus livros
e nada mais Mas sempre passarei uma velhice
Zé Rodrix e Tavito muito menos penosa.
Não trarei a muleta carregada,
Texto II
descansarei o já vergado corpo
Se o bem desta choupana pode tanto,
na tua mão piedosa,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
na tua mão nevada.
Que da cidade o lisonjeiro encanto;
Aqui descanse a louca fantasia; As frias tardes, em que negra nuvem
E o que té agora se tornava em pranto, os chuveiros não lance,
Se converta em afetos de alegria. irei contigo ao prado florescente:
Cláudio Manuel da Costa aqui me buscarás um sítio ameno,

Embora muito distantes entre si na linha do tempo, os textos onde os membros descanse,
aproximam-se, pois o ideal que defendem é: e ao brando sol me aquente.

(A) o uso da emoção em detrimento da razão, pois esta retira do Apenas me sentar, então, movendo
homem seus melhores sentimentos.
(B) o desejo de enriquecer no campo, aproveitando as riquezas os olhos por aquela
naturais. vistosa parte, que ficar fronteira,
(C) a dedicação à produção poética junto à natureza, fonte de
apontando direi: — Ali falamos,
inspiração dos poetas.
(D) o aproveitamento do dia presente – o carpe diem –, pois o tempo ali, ó minha bela,
passa rapidamente. te vi a vez primeira.
(E) o sonho de uma vida mais simples e natural, distante dos centros
urbanos. Verterão os meus olhos duas fontes,
nascidas de alegria;
Texto para as próximas 2 questões: farão teus olhos ternos outro tanto;
Leia o poema de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810). então darei, Marília, frios beijos
na mão formosa e pia,
18 que me limpar o pranto.
Não vês aquele velho respeitável,
que à muleta encostado, Assim irá, Marília, docemente
apenas mal se move e mal se arrasta? meu corpo suportando
Oh! quanto estrago não lhe fez o tempo, do tempo desumano a dura guerra.
52 LITERATURA
1ª Série Módulo 17

Contente morrerei, por ser Marília Por eles a alegria derramada


quem, sentida, chorando Tornam-se os campos de prazer gostosos.
meus baços olhos cerra. Em zéfiros suaves e mimosos
Tomás Antônio Gonzaga. Marília de Dirceu e mais poesias. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1982. Toda esta região se vê banhada.
Vinde olhos belos, vinde, e enfim trazendo
03 A leitura atenta desse poema do livro Marília de Dirceu revela
que o eu lírico: Do rosto do meu bem as prendas belas,
Dai alívio ao mal que estou gemendo.
(A) sente total desânimo perante a existência e os sentimentos.
(B) aceita com resignação a velhice e a morte amenizadas pelo amor. Mas ah! delírio meu que me atropelas!
(C) está em crise existencial e não acredita na durabilidade do amor. Os olhos que eu cuidei que estava vendo,
(D) protesta ao Criador pela precariedade da existência humana.
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.
(E) não aceita de nenhum modo o envelhecimento e prefere morrer
ainda jovem. Cláudio Manuel da Costa

04 Expressão do poeta romano Horácio, Carpe diem é popular- 05 Na composição poética árcade, a natureza é tratada:
mente traduzida do latim para “aproveite o dia”. O professor John
Keating, personagem de Robin Williams no filme estadunidense (A) como uma lembrança da pátria da qual foram exilados.
Dead Poets Society, no Brasil “Sociedade dos poetas mortos”, buscou (B) como um refúgio da vida atribulada das Metrópoles do século
motivar seus alunos entusiasmado por tal lema. Ideia presente na XIX.
poesia inglesa dos séculos XVI e XVII, também inspirou poetas (C) como um prolongamento do estado emocional do poeta.
brasileiros, sendo uma das principais características do: (D) como um local em que se busca a vida simples, pastoril e
bucólica.
(A) Barroco. (E) como uma fonte para o retrato crítico às desigualdades sociais.
(B) Arcadismo.
(C) Romantismo.
(D) Simbolismo.
(E) Modernismo.

01
Soneto VI
Romanceiro da Inconfidência
Brandas ribeiras, quanto estou contente
Romance XXI ou das Ideias
De ver-vos outra vez, se isto é verdade!
Quanto me alegra ouvir a suavidade, Doces invenções da Arcádia!
Com que Fílis entoa a voz cadente! Delicada primavera;
Os rebanhos, o gado, o campo, a gente, pastoras, sonetos, liras,
Tudo me está causando novidade: – entre as ameaças austeras
Oh! como é certo que a cruel saudade de mais impostos e taxas
Faz tudo, do que foi, mui diferente! que uns protelam e outros negam
Recebi (eu vos peço) um desgraçado, Casamentos impossíveis.
Que andou até agora por incerto giro, Calúnias. Sátiras. Essa
Correndo sempre atrás do seu cuidado: paixão da mediocridade
Este pranto, estes ais com que respiro, que na sombra se exaspera.
Podendo comover o vosso agrado, E os versos de asas douradas,
Façam digno de vós o meu suspiro. que amor trazem e amor levam...
Cláudio Manuel da Costa
Anarda. Nise. Marília...
As verdades e as quimeras.
Soneto Outras leis, outras pessoas.
Estes os olhos são da minha amada, Novo mundo que começa
Que belos, que gentis e que formosos! Nova raça. Outro destino
Não são para os mortais tão preciosos Planos de melhores eras.
Os doces frutos da estação dourada. E os inimigos atentos,
Arcadismo no Brasil: Tomás Antônio Gonzaga LITERATURA 53
e Cláudio Manuel da Costa Módulo 17 1ª Série

que, de olhos sinistros, velam. os impostos vão crescendo


E os aleives. E as denúncias. e as cadeias vão subindo.
E as ideias. Por ódio, cobiça, inveja,
vai sendo o inferno traçado.
O poema modernista de Cecília Meireles recria uma ambiência
típica do estilo de época literário conhecido por Arcadismo. Os reis querem seus tributos,
Comprove essa afirmativa. – mas não se encontram vassalos.
02 Mil bateias vão rodando,

Romanceiro da Inconfidência mil bateias sem cansaço.

Romance II ou do Ouro Incansável


Mil galerias desabam;
Mil bateias1 vão rodando mil homens ficam sepultos;
sobre córregos escuros; mil intrigas, mil enredos
a terra vai sendo aberta prendem culpados e justos;
por intermináveis sulcos; já ninguém dorme tranquilo,
infinitas galerias que a noite é um mundo de sustos.
penetram morros profundos.
Descem fantasmas dos morros,
De seu calmo esconderijo,
vêm almas dos cemitérios:
o ouro vem, dócil e ingênuo;
todos pedem ouro e prata,
torna-se pó, folha, barra,
e estendem punhos severos,
prestígio, poder, engenho...
mas vão sendo fabricadas
É tão claro! – e turva tudo:
muitas algemas de ferro.
honra, amor e pensamento.
MEIRELES, Cecília. Poesias completas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.

Borda flores nos vestidos,


Vocabulário
sobe a opulentos altares, 1
bateias: peneiras de madeira;
2
redradas: depuradas, selecionadas.
traça palácios e pontes,
eleva os homens audazes, O poema de Cecília Meireles, mais um exemplo da obra Romanceiro
da Inconfidência, apresenta um tom épico em consonância com
e acende paixões que alastram
os grandes eventos ocorridos, no Brasil, no final do século XVIII,
sinistras rivalidades. principalmente no tocante à exploração promovida pelo ciclo da
mineração e às consequências drásticas geradas pelo insucesso
Pelos córregos, definham da Inconfidência Mineira, movimento político do qual alguns
poetas árcades participaram diretamente. Quando lemos um
negros, a rodar bateias. texto, devemos estar atentos, entre outras coisas, à seleção dos
Morre-se de febre e fome substantivos, verbos, adjetivos e conectivos diversos utilizados na
sobre a riqueza da terra: interligação das informações.

uns querem metais luzentes, a. Nas duas primeiras estrofes do texto apresentado, a poetisa
outros, as redradas2 pedras. representa a extração do ouro mediante oito adjetivos, que
formam dois grupos semanticamente contrastantes. Aponte
os adjetivos componentes de cada um desses grupos.
Ladrões e contrabandistas
b. Na última estrofe, narra-se uma sequência de ações que giram
estão cercando os caminhos; em torno da busca de riqueza. O verso “e estendem punhos
cada família disputa severos” expressa, entretanto, um duplo sentido. Explique sua
duplicidade dentro da estrofe.
privilégios mais antigos;
LITERATURA 54

Módulo 18 1ª Série

Arcadismo no Brasil: épicos indianistas

Como você reagiria se alguém entrasse na


sua casa e o obrigasse a mudar todos os seus
costumes e o seu estilo de vida?
Certamente, essa não seria uma situação agradável e é possível
até mesmo que você se revoltasse com ela. Pense, então, o que
sentiram os índios brasileiros na ocasião do Tratado de Madri, em
1750. Tal tratado procurava definir os limites entre as respectivas
colônias sul-americanas de Portugal e Espanha. No entanto, os

©iStockphoto.com/Filipe Frazao
índios que viviam nessas terras não foram sequer considerados
nesse tratado, simplesmente tendo sua “casa” invadida pelo homem
europeu, o que gerou conflitos e combates.
Esse é o enredo de uma importante obra da literatura brasileira
chamada O Uraguai. Neste módulo, veremos que, bem como essa,
outras obras desse período trarão, em tom épico, o embate entre
Objetivo:
esses dois povos, além de apresentar de forma engrandecedora C5 – Apresentar as particularidades dos épicos indianistas, a partir dos
algumas de nossas riquezas naturais e culturais. textos O Uraguai e Caramuru.

1. Os épicos indianistas havia prendido e matado Cacambo, marido da nativa. Lindoia, ainda
sofrendo muito pela morte do marido, não deseja se casar. Entra,
Dois poemas épicos foram escritos no Arcadismo brasileiro: O então, em um bosque e deixa-se picar por uma cobra venenosa.
Uraguai, de José Basílio da Gama, e Caramuru, de Santa Rita Durão.
Ambas as obras giram em torno do índio. Isso, somado à natureza
Não faltava,
exuberante que compõe os cenários, faz com que os épicos árcades
tragam em estado embrionário muitos dos elementos que serão Para se dar princípio à estranha festa,
largamente utilizados pelos escritores românticos. Mais que Lindoia. Há muito lhe preparam
Todas de brancas penas revestidas
1.1 O Uraguai, de Basílio da Gama Festões de flores as gentis donzelas.
Basílio da Gama (1741-1795), nascido em Minas Gerais, Cansados de esperar, ao seu retiro
recebeu educação jesuítica. Por isso, quando a Companhia de Jesus Vão muitos impacientes a buscá-la.
foi expulsa do Brasil por Marquês de Pombal, ele viajou para a Itália
[...]
e para Portugal. Em Portugal, caiu nas graças de Marquês de Pombal
ao escrever um poema em celebração ao casamento de sua filha. Entram enfim na mais remota, e interna

O Uraguai, sua principal obra, conta a história do combate entre Parte de antigo bosque, escuro, e negro,
os índios que habitam as missões dos Sete Povos, no Uruguai, e um Onde ao pé de uma lapa cavernosa
exército formado tanto por portugueses quanto por espanhóis. A Cobre uma rouca fonte, que murmura,
luta é originada pelo Tratado de Madri, que delimitava as fronteiras Curva latada de jasmins, e rosas.
dos territórios na América do Sul. Ele estabelecia que as terras
Este lugar delicioso, e triste,
dos Sete Povos seria de Portugal, e a colônia do Sacramento, dos
espanhóis. Cansada de viver, tinha escolhido
O poema épico de Basílio da Gama é, ao mesmo tempo, uma Para morrer a mísera Lindoia.
louvação a Marquês de Pombal e uma exaltação ao heroísmo dos Lá reclinada, como que dormia,
indígenas. O jesuíta ganha, em Uraguai, o posto de vilão: ele é tanto
Na branda relva, e nas mimosas flores,
o inimigo de Portugal quanto o enganador dos índios.
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
O trecho a seguir foi retirado do Canto IV, no qual são retra-
tados os preparativos para o casamento de Baldeta, filho do padre De um fúnebre cipreste, que espalhava
Balda, com a índia Lindoia. Para conseguir esse casamento, o padre Melancólica sombra. Mais de perto
Arcadismo no Brasil: épicos indianistas LITERATURA 55
Módulo 18 1ª Série

Descobrem que se enrola no seu corpo


Verde serpente, e lhe passeia, e cinge Você deve se lembrar, de suas aulas de História, dos Sete
Pescoço, e braços, e lhe lambe o seio. Povos das Missões, conjunto de sete aldeamentos indígenas,
que foram fundados por jesuítas espanhóis. Eles se localizavam
Fogem de a ver assim sobressaltados,
na região do Continente do Rio Grande de São Pedro, atual
E param cheios de temor ao longe;
Rio Grande do Sul. No século XVIII, o local dos Sete Povos
E nem se atrevem a chamá-la, e temem das Missões ficou sob intensa disputa entre Espanha e Portugal,
Que desperte assustada, e irrite o monstro, estimulada principalmente por causa do Tratado de Madri,
de 1750. Os confrontos armados decorrentes dessa disputa
E fuja, e apresse no fugir a morte.
culminaram na chamada Guerra Guaranítica, conflito em
Porém o destro Caitutú, que treme torno do qual a obra Uraguai gira.
Do perigo da irmã, sem mais demora

©Wikimedia Commons/Halley Pacheco de Oliveira


Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira, e o temor. Enfim sacode
O arco, e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindoia, e fere
A serpente na testa, e a boca, e os dentes

[...]

Leva nos braços a infeliz Lindoia Sítio Arqueológico de São Lourenço Mártir, localizado em São Luiz Gonzaga, RS

O desgraçado irmão, que ao despertá-la


Conhece, com que dor! no frio rosto 1.2 Caramuru, de Santa Rita Durão
Os sinais do veneno, e vê ferido Frei José de Santa Rita Durão (1722-1784) nasceu em Minas
Pelo dente sutil o brando peito. Gerais. Lá, ele estudou com os jesuítas, mas completou seus estudos
Os olhos, em que Amor reinava, um dia, em Coimbra, Portugal, onde se doutorou em Filosofia e Teologia.
Depois disso, passou a fazer parte da Ordem de Santo Agostinho.
Cheios de morte; e muda aquela língua,
Por conta de desavenças no meio eclesiástico, fugiu para a Itália,
Que ao surdo vento, aos ecos tantas vezes voltando para Portugal somente após a queda de Marquês de Pombal.
Contou a larga história de seus males. O Caramuru é um poema épico que segue o modelo camoniano,
Nos olhos Caitutú não sofre o pranto, ou seja, é dividido em dez cantos, compostos em oitava rima.
E rompe em profundíssimos suspiros, Ele conta a história do descobrimento e da conquista da região da
Bahia, empreendidos pelo náufrago Diogo Álvares Correia.
Lendo na testa da fronteira gruta
©Wikimedia Commons

De sua mão já trêmula gravado


O alheio crime, e a voluntária morte.
E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado, e triste,
Que os corações mais duros enternece.
Tanto era bela no seu rosto a morte!

Episódio da vida de Diogo Álvares Correia, o Caramuru


56 LITERATURA
1ª Série Módulo 18

Canto II Observe-se como o exotismo das terras brasileiras é cantado


XII nos versos abaixo:

Caiu com ele junta a bruta gente,


Não são menos que as outras saborosas
Nem sabe o que imagine da figura,
As várias frutas do Brasil campestres:
Vendo-a brandir com a alabarda ingente
Com gala de ouro e púrpura vistosas
E olhando ao morrião, que o transfigura:
Brilha a mangaba e os mocujés silvestres.
Ouve-se um rouco tom de voz fremente,
Com que espantá-los mais o herói procura; (VI, 46)
E porque temam de maior ruína,
Faz-lhe a voz mais horrenda uma buzina. Quais ricas vegetáveis ametistas,
As águas do violete em vária casta,
XIII
O áureo pequiá com claras vistas,
Entanto a gente bárbara, prostrada,
Que noutros lenhos por matiz se engasta;
Tão fora de si está, por cobardia,
O vinhático pau, que quando avistas
Que sem sentido, estúpida, assombrada,
Massa de ouro parece extensa e vasta;
Só mostra viva estar, porque tremia
O duro pau que ao ferro competira
[...]
O angelim, tataipeva, o supopira.
XIV
Mas Diogo, naqueles intervalos, (VI, 52)
Suspendendo o furor do duro Marte,
Esperança concebe de amansá-los
Uma vez com terror, outra com arte: (...) Um filme nacional homônimo à obra de Santa Rita Durão
DURÃO, José de Santa Rita. Carumuru: poema épico do descobrimento da Bahia. também trouxe Diogo Álvares como protagonista. Ele contava,
2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
porém, com um enredo um pouco diferente. Caramuru – A
invenção do Brasil (2001), dirigido por Guel Arraes, conta a
©Wikimedia Commons

história do artista português, interpretado por Selton Mello,


que se envolve em uma confusão com os mapas que seriam
usados na viagem ao Brasil por Pedro Álvares Cabral. Por
perdê-los, Diogo Álvares é deportado para o Brasil. Aqui
chegando, envolve-se em um triângulo amoroso, tendo seu
amor disputado pela índia Paraguaçu e sua irmã, Moema.

01 Caramuru, de Santa Rita Durão, é um poema épico do


Moema (1832), de Victor Meireles, inspirada na personagem de Santa Rida Durão
Arcadismo brasileiro que:

O fragmento apresentado ilustra a famosa passagem em que o (A) se refere, historicamente, à colonização do Brasil, narrando a luta
português Diogo Álvares, sobrevivente de um naufrágio, domina do povo indígena contra a invasão dos holandeses no Nordeste.
um grupo de indígenas com o estrondo de sua arma de fogo, sendo, (B) antecipa, por meio das descrições e exaltação da natureza
brasileira, a temática nacionalista presente no Romantismo.
em seguida, associado por eles ao Caramuru, filho do trovão, isto
(C) narra as aventuras do náufrago português Diogo Álvares
é, dragão do mar. Correia, ressaltando a preocupação do autor com os aspectos
Ao contrário do Uraguai – que, ao exaltar o déspota esclare- verdadeiros dos acontecimentos.
cido Marquês de Pombal, ia ao encontro das ideias iluministas –, (D) se diferencia, quanto à forma, da epopeia camoniana; mas se
Caramuru se volta para um passado jesuítico e colonial. Dessa assemelha, quanto ao conteúdo, às peripécias narradas em Os
forma, embora mais rico de referências à natureza brasileira e aos Lusíadas.
indígenas do que o poema épico de Basílio da Gama, Caramuru (E) contrapõe a religião indígena com a fé católica dos portugueses,
se mostra menos em consonância com o homem americano do defendendo a permanência dos mitos e crenças dos índios
que Uraguai. brasileiros.
Arcadismo no Brasil: épicos indianistas LITERATURA 57
Módulo 18 1ª Série

02 Assinale a alternativa correta em relação a O Uraguai,


de Basílio da Gama:

(A) Trata-se de um poema épico em que o autor ataca o governo 01


português. Texto I
(B) O poema representa um marco importante na passagem do Caramuru – Canto VI
Arcadismo ao Barroco.
(C) No poema, o autor evidencia simpatia para com as atitudes Estrofe XIII
intervencionistas do Marquês do Pombal. Perde o lume dos olhos, pasma e treme
(D) O poema segue a estrutura camoniana de Os Lusíadas,
mantendo o teor tradicional das cinco partes da epopeia. Pálida a cor, o aspecto moribundo;
(E) O poema narra a luta entre os exércitos português e espanhol Com mão já sem vigor, soltando o leme,
pela dominação do território das missões jesuíticas.
Entre as salsas espumas desce ao fundo.
Mas na onda do mar, que, irado, freme,
03 No poema épico O Uraguai, observa-se a ambiguidade ideoló-
gica de Basílio da Gama, que se mostra dividido entre: Tornando a aparecer desde o profundo,
— Ah! Diogo cruel! – disse com mágoa,
(A) a exaltação do indígena e a obediência à Coroa portuguesa.
(B) a exaltação do negro e os interesses dos senhores de escravos. E sem mais vista ser, sorveu-se na água.
(C) a exaltação do indígena e a louvação da catequese jesuítica. DURÃO, Santa Rita. Caramuru: poema épico do descobrimento da Bahia.
(D) a exaltação do negro e a obediência à Coroa portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. p. 87.

(E) a exaltação do negro e do indígena e a louvação da catequese moribundo: que está morrendo
jesuítica. salsas: salgadas
freme: vibra, ruge
04 Alguns estudiosos da literatura defendem a ideia de que
Caramuru representa o nativismo que antecipou no Brasil o Texto II
nacionalismo e o patriotismo pós-independência. Esse argumento
é válido porque:

(A) a obra explora uma lenda local e descreve costumes indígenas.


(B) na obra, não aparece a figura do colonizador.
(C) a obra exalta os valores iluministas pombalinos.
(D) na obra, o índio se distancia de sua cultura pagã.
(E) na obra, o desmatamento das matas nativas é denunciado.

05 Sabendo que o gênero lírico se caracteriza pela expressão


subjetiva, representando a interioridade do sujeito poético,
enquanto o gênero épico é objetivo, expressando predominante-
mente, sob forma narrativa, um episódio heroico, pode-se dizer
que são épicas as seguintes obras do Arcadismo, no Brasil:
MEIRELLES, Vítor. Moema. 1866. Disponível em: <masp.art.br>.
(A) Vila Rica, de Claudio Manuel da Costa, Cartas chilenas, de Acesso em 02 jun. 2014.
Tomás Antônio Gonzaga, e Glaura, de Silva Alvarenga.
(B) Marília de Dirceu e Cartas chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga, Moema, personagem indígena do poema épico Caramuru, apai-
e Caramuru, de Santa Rita Durão. xonada pelo colonizador Diogo Álvares, serviu de inspiração para
(C) O Uraguai, de Basílio da Gama, Prosopopeia, de Bento Teixeira, a pintura de Vítor Meirelles. Pensando nisso e na relação entre a
e Caramuru, de Santa Rita Durão. estrofe e a pintura, é correto afirmar:
(D) Obras poéticas e Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa, e Cartas
chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga. (A) Na pintura e na estrofe, há elementos que remetem à presença
(E) O Uraguai, de Basílio da Gama, Caramuru, de Santa Rita Durão, de Diogo.
e Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa. (B) O contraste entre Moema e a paisagem é forte na estrofe e na
pintura.
(C) A estrofe e a pintura colocam em primeiro plano a figura
feminina.
(D) A posição social de Moema é destacada na estrofe e na pintura.
58 LITERATURA
1ª Série Módulo 18

02 Pra na chuva dançar e andar junto


Lira XV O destino que se cumpriu
Eu, Marília, não fui nenhum vaqueiro, De sentir seu calor e ser tudo
Fui honrado Pastor da tua aldeia; GUEDES, Beto; BASTOS, Ronaldo. In: GUEDES, Beto. Amor de índio. EMI Music, 1978.

Vestia finas lãs, e tinha sempre


São temas presentes nos textos, exceto:
A minha choça do preciso cheia.
(A) bucolismo.
Tiraram-me o casal, e o manso gado, (B) amor idealizado.
Nem tenho, a que me encoste, um só cajado. (C) simplicidade existencial.
(D) desprezo ao trabalho urbano.
[...] (E) Todos esses temas presentes.
Se não tivermos lãs, e peles finas,
03
Podem mui bem cobrir as carnes nossas
Um dos maiores benefícios que o movimento moderno nos
As peles dos cordeiros mal curtidas, trouxe foi justamente esse: tornar alegre a literatura brasileira.
E os panos feitos com as lãs mais grossas. Alegre quer dizer saudável, viva, consciente de sua força, satisfeita
Mas ao menos será o teu vestido com seu destino.
Por mãos do amor, por minhas mãos cosido. Até então no Brasil, a preocupação de todo escritor era parecer
grave e severo. O riso era proibido. A pena molhava-se no tinteiro
Nós iremos pescar na quente sesta da tristeza e do pessimismo. O papel servia de lenço. De tal forma
Com canas, e com cestos os peixinhos: que os livros espremidos só derramavam lágrimas. Se alguma ideia
caía vinha num pingo delas. A literatura nacional não passava de
Nós iremos caçar nas manhãs frias
uma queixa gemebunda.
Com a vara envisgada os passarinhos.
Por isso mesmo o segundo tranco da reação foi mais difícil:
Para nos divertir faremos quanto integração no ambiente. Fazer literatura brasileira mas sem choro.
Reputa o varão sábio, honesto e santo. Disfarçando sempre a tristeza do motivo quando inevitável. Rindo
como um moleque.
[...]
Antonio de Alcântara Machado, Cavaquinho e saxofone.
GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.

Na história da literatura brasileira, encontra-se um conjunto de


Amor de índio obras literárias que formam, consolidam e desenvolvem, por
meio de visões ou interpretações diferentes, a linha temática do
Tudo o que move é sagrado indianismo. A alternativa em que todas as obras indicadas integram
E remove as montanhas essa linha temática é:
Com todo cuidado, meu amor (A) O guarani, Triste fim de Policarpo Quaresma, O ateneu, Jubiabá.
[...] (B) Caramuru, O Uraguai, Iracema, Macunaíma, Quarup, Maíra.
(C) O guarani, Os timbiras, A escrava Isaura, O seminarista, No
Sim, todo amor é sagrado Urubuquaquá no Pinhém, Quarup.
(D) O Uraguai, Iracema, Canaã, Cobra Norato, Tutameia, Campo
E o fruto do trabalho
geral.
É mais que sagrado, meu amor (E) Caramuru, O tronco do ipê, Inocência, Sargento Getúlio,
A massa que faz o pão A pedra do reino.
Vale a luz do seu suor 04 Basílio da Gama, em O Uraguai, de 1769, narra os sucessos da
Lembra que o sono é sagrado expedição militar empreendida por portugueses e espanhóis contra
E alimenta de horizontes os Sete Povos das Missões. Sobre esse poema, de pretensões épicas,
apenas é incorreto afirmar que:
O tempo acordado de viver
(A) se divide em cinco cantos compostos por decassílabos brancos.
No inverno te proteger (B) tenta conciliar a louvação de Pombal e o heroísmo do indígena.
(C) glorifica a ação catequizadora desenvolvida pelo jesuíta junto
No verão sair pra pescar
ao índio.
No outono te conhecer (D) aborda fatos quase contemporâneos à composição da obra.
Primavera poder gostar (E) apresenta passagens líricas que cativaram os leitores ao longo
do tempo.
No estio me derreter
Arcadismo no Brasil: épicos indianistas LITERATURA 59
Módulo 18 1ª Série

05 Observe a pintura e leia o fragmento a seguir para responder Da perfídia de Europa, e daqui mesmo
à questão. Co’s não vingados ossos dos parentes
Se vejam branquejar ao longe os vales,
Eu, desarmado e só, buscar-te venho.

Trecho II
Temos perto o inimigo: aos seus dizia
O esperto General: Sei que costumam
Trazer os índios um volúvel laço,
Com o qual tomam no espaçoso campo
Os cavalos que encontram; e rendidos

MEIRELLES, Victor. Batalha dos Guararapes.


Aqui e ali com o continuado
Disponível em: <www.museus.gov.br>. Acesso em: 24 mar. 2015.
Galopear, a quem primeiro os segue
Vinha logo de guardas rodeado GAMA, Basílio. O Uraguai.

Fonte de crimes, militar tesouro, Após a leitura atenta dos dois trechos, responda: para índios e
Por quem deixa no rego o curto arado portugueses, quem são os vilões?
O lavrador, que não conhece a glória;
02
E vendendo a vil preço o sangue e a vida
Texto I
Move, e nem sabe por que move a guerra.
Canto IV
GAMA, Basílio. “O Uraguai”. In. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira.
43. ed. São Paulo: Cultrix, 2006. p. 67.
Este lugar delicioso, e triste,
Cansada de viver, linha escolhido
Embora O Uraguai seja considerado a melhor realização épica do
Arcadismo brasileiro, nota-se, na obra, uma quebra do modelo da Para morrer a mísera Lindoia.
epopeia clássica. Em termos de conteúdo, tanto no trecho quanto Lá reclinada, como que dormia,
na pintura apresentados, essa quebra se evidencia:
Na branda relva, e nas mimosas flores,
(A) pela representação de situações tragicômicas. Tinha a face na mão, e a mão no tronco
(B) pelo retrato de episódios de bravura e heroísmo.
De um fúnebre cipreste, que espalhava
(C) pela alusão a heróis mitológicos da Grécia Antiga.
(D) pelo questionamento da guerra como algo positivo. Melancólica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço, e braços, e lhe lambe o seio.
01 Os trechos abaixo transcritos foram retirados da obra O Fogem de a ver assim sobressaltados,
Uraguai, de Basílio da Gama. No primeiro, podemos identificar a E param cheios de temor ao longe;
visão que o índio Cacambo tem dos portugueses colonizadores. No
segundo, o ponto de vista presente é o dos portugueses a respeito E nem se atrevem a chamá-la, e temem
dos jesuítas, responsáveis pela catequização dos índios. Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.
Trecho I
BASÍLIO DA GAMA, José. O Uraguai.
E os pés, e os braços e o pescoço. Entrara Rio de Janeiro: Public. da Academia Brasileira, 1941, p. 78-9.
Sem mostras nem sinal de cortesia
Sepé no pavilhão. Porém Cacambo Texto II
Fez, ao seu modo, cortesia estranha, Canto VI, Estrofe XLII
E começou: Ó General famoso, Perde o lume dos olhos, pasma e treme,
Tu tens à vista quanta gente bebe Pálida a cor, o aspecto moribundo,
Do soberbo Uraguai a esquerda margem. Com mão já sem vigor, soltando o leme,
Bem que os nossos avôs fossem despojo Entre as salsas escumas desce ao fundo.
60 LITERATURA
1ª Série Módulo 18

Mas na onda do mar, que irado freme, sicos brasileiros. No primeiro, a índia Lindoia, infeliz com a morte
Tornando a aparecer desde o profundo: do marido Cacambo, deixa-se picar por uma serpente, e falece. No
segundo, enfoca-se a índia Moema que, ao ver partir seu amado
“Ah Diogo cruel!” disse com mágoa, Diogo Álvares, segue a embarcação a nado e se deixa morrer afogada.
E, sem mais vista ser, sorveu-se n’água. Releia os textos e, a seguir, aponte o componente nacionalista de
ambos os poemas:
SANTA RITA DURÃO, Fr. José de. Caramuru. São Paulo: Edições Cultura, 1945, p. 149.

Os textos apresentados correspondem, respectivamente, a frag-


mentos marcantes dos poemas épicos O Uraguai (1769), de Basílio
da Gama, e Caramuru (1781), de Santa Rita Durão, poetas neoclás-

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LITERATURA 61

Módulo 19 1ª Série

O Romantismo

Os franceses inventaram o amor?


Cenário de diversas histórias apaixonantes, a cidade de Paris é
mundialmente conhecida por seu romantismo. Assim, há quem diga
que os franceses inventaram o amor – e isso transparece em muitos

©iStockphoto.com/Steve Lovegrove
dos ambientes de tal país. Envolto em uma atmosfera de desejo e
refinamento, o amor “à francesa” definitivamente não está restrito à
convenções sociais e épocas específicas. Multifacetado, esse universo
essencialmente romântico sobrevive há anos e marca para sempre
a literatura e principalmente a cultura da França como um todo.
Nesse sentido, você saberia dizer o motivo da afirmação “os
Objetivos:
franceses inventaram o amor”? Neste módulo, você descobrirá quais
– Apresentar as características gerais do Romantismo;
são as relações entre França, Romantismo e Literatura e como essa C5 – demonstrar como cenário de ascensão política da burguesia torna
escola literária alcançou o Brasil. propício o surgimento de um movimento artístico.

1. Contexto histórico A Revolução Francesa teve início em 1789, com a Queda da


Bastilha. A Bastilha era uma prisão-fortaleza que representava
Tanto a Revolução Industrial quanto o Iluminismo serviram o poder repressivo da monarquia absolutista, o seu despotismo.
para fortalecer o poder da burguesia. Com esses movimentos, ela Dessa forma, a tomada da Bastilha era sobretudo um ato simbólico.
não só tinha alcançado poder econômico, como também tinha A invasão à prisão, embora tenha beneficiado principalmente a
consolidado os seus valores intelectuais. Faltava-lhe, no entanto, burguesia, contava com o apoio dos populares, como marceneiros,
o poder político, que se encontrava concentrado nas mãos da sapateiros, diaristas e operários.
nobreza. Por conta disso, os embates entre burguesia e as institui- A Revolução Francesa permitiu que a burguesia enfim
ções do Antigo Regime se tornaram cada vez mais frequentes e os alcançasse o poder político, podendo, assim, governar o Estado de
burgueses contavam com o apoio de cada vez mais setores. Esse modo que seus interesses fossem atendidos. As camadas populares
conflito culminou em um dos mais significativos acontecimentos que participaram do processo, na verdade, foram utilizadas em
da História, a Revolução Francesa, que influenciou não apenas a proveito próprio e os pilares em que estava sustentada a revolução
mentalidade da época, mas também a das gerações subsequentes. – liberdade, igualdade e fraternidade – não ganharam grande
espaço fora da teoria. A alta burguesia, quando chegou ao poder,
©Wikimedia Commons

estabeleceu igualdade fiscal para todas as classes, mas não estendeu


a todos a igualdade social e civil, que ficaram restritas ao grupo
dominante.
Houve, porém, alguns avanços para o povo. Após a tomada do
poder pela burguesia, a Assembleia Nacional Constituinte iniciou
a elaboração dos artigos de uma nova Constituição. Um pequeno
grupo de deputados resolveu, então, redigir uma introdução para
a futura Carta francesa, a “Declaração dos direitos do homem e
do cidadão”. Composta por 17 artigos e muito influenciada pelos
escritores iluministas e pelo texto da Declaração de Independência
dos Estados Unidos, ela resumia os direitos básicos da sociedade
moderna. Com a “Declaração dos direitos do homem e do cidadão”,
o homem comum transformou-se em cidadão, passou a ter direitos
e deveres e era, assim como todos os outros, regido por uma lei.

A liberdade guiando o povo (1830), de Eugène Delacroix


62 LITERATURA
1ª Série Módulo 19

Não demorou muito para que os efeitos da Revolução Francesa

©Wikimedia Commons
fossem sentidos no resto da Europa, mexendo também com as estru-
turas de outras monarquias absolutistas europeias. Na Inglaterra, os
ecos da Revolução Francesa serviram para consolidar a mudança
econômica que já vinha lá acontecendo. Assim, no início do século
XIX, a Revolução Industrial se encontrava a plenos vapores em
solos ingleses. Tal movimento, além de alterar significativamente
as relações sociais – de um lado, a burguesia detentora do capital,
de outro, o proletariado, que vende sua força de trabalho –, alterou
também a organização do território: os centros urbanos, redutos das
fábricas, passaram a atrair um grande contingente de trabalhadores.
Houve, portanto, um significativo êxodo rural, seguido por um
crescimento desordenado das cidades.
A Revolução Industrial, a Independência das Treze Colônias
norte-americanas e a Revolução Francesa serviram para pôr um fim
no regime que já vinha mostrando muitos sinais de decadência: o
absolutismo monárquico. Teve início, então, a era do capitalismo.

2. Características gerais
Conforme visto, com a Revolução Francesa, a burguesia
conseguiu finalmente alcançar o poder político. O seu lugar de
destaque na sociedade da época fez com que a arte, até então voltada
para os nobres e sua visão de mundo, passasse a priorizar os valores
burgueses. O burguês, que não se reconhecia nas manifestações
A “Declaração dos direitos do homem e do cidadão” é um artísticas cujo público-alvo era a nobreza, ansiava por uma arte
documento de repercussões grandiosas para nossa história. em que pudesse não só se reconhecer, mas também se distinguir
Ele define que os direitos individuais e coletivos do homem do grupo social recém-deposto.
são universais, e influenciou outros documentos importantes,
como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da O movimento artístico que atendeu a tais desejos foi o Roman-
Organização das Nações Unidas (ONU). tismo. Surgido na Alemanha e na Inglaterra, foi uma reação aos
Leia, a seguir, alguns trechos da “Declaração dos direitos valores éticos e intelectuais clássicos e iluministas:
do homem e do cidadão”: “(...) A visão de mundo romântica surge mais como uma reação
“Art.1.o – Os homens nascem e são livres e iguais em ao novo que como a proposição de algo novo. Todo valor que ela
direitos. As distinções sociais só podem ter como fundamento elege é sempre em oposição a outro que pretende negar. À Razão,
a utilidade comum. o Romantismo opôs o sentimento, à mente o coração, à ciência a
Art. 2.o – A finalidade de toda associação política é a arte e a poesia, ao materialismo o espiritualismo, à objetividade
preservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. a subjetividade, à filosofia ilustrada o cristianismo, ao corpo
Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a segurança e a e à matéria o espírito, ao dia a noite, ao preciso o impreciso,
resistência à opressão. (...)
ao equilíbrio a expansão e o entusiasmo, à vida social ampla a
Art. 4.o – A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não comunhão restrita de gênios e eleitos, aos valores universais os
prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de
particulares e exóticos, ao estático e permanente o movimento,
cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram
aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. ao estável o instável etc.”
Estes limites só podem ser determinados pela lei. (...) RONCARI, Luiz. Literatura brasileira – Dos primeiros cronistas aos últimos românticos. 2 ed. São Paulo:
Edusp/ FDE, 1995.
Art. 6. – A lei é a expressão da vontade geral. Todos os
o

cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de A razão, soberana na arte árcade, passa a dar lugar à emoção.
mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para A maior preocupação do escritor romântico passa a ser a expressão
todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são de suas emoções de forma subjetiva e original. É importante
iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, destacar também que, opondo-se à imitação – um dos pilares
lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra do Arcadismo – o Romantismo preza muito pela originalidade,
distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. (...)” colocando acima da beleza a imaginação.
Disponível em: <www.ambafrance-br.org>. Acesso em: 10 mar. 2014.
O Romantismo LITERATURA 63
Módulo 19 1ª Série

sonhos. Ou ainda para a morte: vista não com medo, mas com

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alívio, ela é a libertação do poeta dessa situação de deslocamento
em que se encontra.
Os versos a seguir, do poema “Meus oito anos”, de Casimiro
de Abreu, é exemplo da evasão temporal, visto que o eu lírico volta
aos seus dias de infância:

“Oh ! que saudades que eu tenho


Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias


Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Viajante acima do mar de nuvens (1818), de Caspar David Friedrich Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
Uma das formas de o Romantismo se direcionar para a divul-
O céu – um manto azulado,
gação dos valores burgueses era por meio da exaltação do indivíduo
e de seus esforços pessoais. Se, para a nobreza, a sua posição social O mundo – um sonho dourado,
lhe era garantida pela origem, para o burguês, isso vinha por meio do A vida – um hino d’amor!
trabalho. Dessa forma, os heróis românticos estarão, a todo momento,
em movimento, superando os mais diversos obstáculos que (...)”
lhe aparecem.
Se, no Arcadismo, a natureza é meramente decorativa, no
É no Romantismo também que ocorrem mudanças signifi-
Romantismo, ela é extremamente expressiva. Na maioria das vezes, ela
cativas no contexto de circulação dos textos literários. Como eles
é extensão daquilo que o eu lírico está sentido. Se ele estiver sofrendo,
passam a ser publicados em veículos de grande circulação, como
sua face sombria será privilegiada: a noite, as tempestades, as ventanias.
jornais e revistas, o número de leitores – antes praticamente restritos
Se o seu estado de espírito for positivo, ela se mostrará em todo o seu
aos nobres e aos outros escritores – aumenta significativamente.
esplendor. Dessa forma, mais do que apenas um elemento que compõe
Consequentemente, o público passa a ser muito mais heterogêneo,
o cenário, a natureza dos textos românticos traz significados.
o que dificulta o entendimento de uma literatura mais rebuscada,
e abre espaço para textos literários voltados para a diversão e o ©Wikimedia Commons

entretenimento dos leitores.

2.1 Características temáticas


Um dos temas mais explorados pelos escritores românticos é o
da fuga da realidade. Ele surge a partir de um desajustamento social
do poeta romântico: por não conseguir resolver seus conflitos com
a sociedade, o eu lírico romântico simplesmente opta pela evasão.
Essa fuga pode ser realizada por mais de uma forma. Ela pode
ser espacial: o sujeito poético foge para paisagens distantes e
desertas ou para o exotismo do Oriente. Pode ser temporal: quando
não recorre ao seu próprio passado, recordando os momentos da
infância, o poeta vai ainda mais longe, revisitando a Idade Média.
Pode ser para o universo onírico, ou seja, para o mundo dos
Cena final de René (1820), de Franz Ludwig Catel
64 LITERATURA
1ª Série Módulo 19

Na literatura romântica, a mulher costuma ser retratada de

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forma idealizada. Ela é geralmente um ser angelical, virginal, que
se encontra em um plano muito superior ao do eu lírico. Por isso,
há um distanciamento entre os dois. Na verdade, a mulher dos
textos românticos é, na maioria das vezes, inalcançável. A estrofe
a seguir, de Álvares de Azevedo, exemplifica isso:

“(...)

Ah! vem, pálida virgem, se tens pena


De quem morre por ti, e morre amando,
Dá vida em teu alento à minha vida,
Une nos lábios meus minh’alma à tua!
Eu quero ao pé de ti sentir o mundo
Na tu’alma infantil; na tua fronte
Beijar a luz de Deus; nos teus suspiros
Sentir as virações do paraíso...
E a teus pés, de joelhos, crer ainda
Que não mente o amor que um anjo inspira,
Que eu posso na tu’alma ser ditoso,
Beijar-te nos cabelos soluçando
E no teu seio ser feliz morrendo!” 2.2 Características formais
No que se refere às características formais do Romantismo,
Além disso, outro aspecto pode-se verificar que os códigos clássicos são substituídos pela
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temático muito marcante no


liberdade de criação. Isso significa dizer que os textos românticos
Romantismo é o naciona-
são marcados pela liberdade formal. As formas clássicas, como os
lismo. Conforme visto, a
Revolução Francesa fez surgir sonetos, as métricas regulares, as rimas, tão comuns no movimento
o conceito de cidadão, com literário anterior, são abandonadas.
isso o indivíduo deixou de ser O trecho abaixo é um fragmento do prólogo do livro Suspiros
um súdito de determinado rei poéticos e saudades, de Gonçalves de Magalhães, verdadeiro tratado
para virar cidadão de determi- da literatura romântica brasileira. Nele, o autor deixa evidente a
nada pátria. Dessa forma, liberdade formal que adotará em seus textos poéticos:
cresceram o apego à terra e a
consciência de que comparti-
“Quanto à forma, isto é, a construção, por assim dizer, material
lhava com outros cidadãos de
das estrofes, e de cada cântico em particular, nenhuma ordem
uma cultura e história em
seguimos; exprimindo as ideias como elas se apresentaram, para
comum. Um bom exemplo de
não destruir o acento da inspiração; além de que, a igualdade dos
poema nacionalista é “Mignon”, de Goethe – poeta alemão – cujos versos, a regularidade das rimas, e a simetria das estâncias produz
alguns versos estão transcritos abaixo: uma tal monotonia, e dá certa feição de concertado artifício que
jamais podem agradar. Ora, não se compõe uma orquestra só com
“Conheces o país onde os limões florescem sons doces e flautados; cada paixão requer sua linguagem própria,
E laranjas de ouro acendem a folhagem seus sons imitativos, e períodos explicativos.”
Para traduzir as emoções do eu lírico, os escritores românticos
Sopra do céu azul uma doce viragem
lançam mão de recursos como intensa adjetivação e pontuação
Junto ao loureiro altivo os mitos adormecem. abundante. Pontos de interrogação, reticências e, principalmente,
Conheces o país? pontos de exclamação são muito frequentes nos textos românticos.
Mais uma vez, o que está em destaque é a subjetividade a ser
É onde, para onde buscada incessantemente pelo homem romântico, até mesmo por
meio dos aspectos formais.
Eu quisera ir contigo, amado! Longe! Longe!”
O Romantismo LITERATURA 65
Módulo 19 1ª Série

Na Europa, o Romantismo se manifestou de forma muito infernos, e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino
forte em três países: Alemanha, Inglaterra e França. Neles, por natureza divino; enquanto os três problemas do século – a
surgiram importantes características desse movimento literário, degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher
como o nacionalismo, o gosto pelo grotesco e a exploração da pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância – não forem
temática social. resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia
O Romantismo alemão deu origem ao nacionalismo social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo
romântico. Foi lá que nasceu o conceito de alma do povo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros
(Volksseele), estabelecido pelo filósofo Herder. Ele defende que como este não serão inúteis.”
“Os Miseráveis” – Prefácio
cada povo – uma unidade natural, produto de um crescimento
natural – é único, e gera, por conseguinte, coisas singulares. As
ideias de Herder influenciaram muitos escritores do Romantismo

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alemão, como Goethe, que cantou as qualidades de sua terra natal
tanto na poesia quanto na prosa.
O Romantismo inglês foi o responsável por introduzir nesse
estilo o gosto pelo excêntrico e pelo grotesco. Nele, muitos poemas
sobre países desconhecidos e exóticos foram escritos. Além disso,
por conta dos romances históricos, valores, temas e gostos da
Idade Média foram resgatados, como o gótico medieval. Dessa
forma, desenvolve-se o gosto por cemitérios, cenários noturnos e
pelo sobrenatural.
Por fim, o Romantismo francês assumiu uma face mais voltada
para as questões sociais, o que pode ser completamente compre-
endido se levarmos em consideração que o país foi o berço da
Revolução Francesa cujos ideais ainda ecoavam. Dentre os autores
românticos franceses, o que mais se destaca é Victor Hugo. A sua
preocupação em tematizar grandes questões sociais da época fica
clara em obras como Os miseráveis, marco na literatura romântica.
Leia abaixo um trecho do prefácio dessa obra e comprove como
a visão social era associada à literatura:
Cosette, uma das principais personagens da obra Os Miseráveis, por Émile Bayard,
“Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição
ilustração da edição original de 1862
social, forçando a existência, em plena civilização, de verdadeiros

01 São características gerais do Romantismo: 03 Acerca das características formais românticas, podemos afirmar
que:
(A) rigor formal, gosto pela escuridão e exaltação da figura feminina.
(B) nacionalismo, erotismo e apreço por lugares ermos. (A) a liberdade formal romântica assegura que cada autor possa se
(C) desejo de evasão, idealização feminina e liberdade formal. expressar de modo único, exaltando a sua individualidade.
(D) consciência social, evasão crítica e exaltação dos valores aristocráticos. (B) o seu rigor formal fez com que a linguagem da literatura
(E) gosto pela escuridão, idealização feminina e rigor formal. romântica se aproximasse árcade.
(C) o apreço à Idade Média fez com que os autores românticos
02 De que forma as revoluções burguesas – Revolução Industrial, recorressem às formas fixas e aos arcaísmos.
Independência dos Estados Unidos e Revolução Francesa – contri- (D) a liberdade formal fez com que a literatura romântica se
buíram para o desencadeamento do movimento romântico? adequasse mais aos nobres cultos do que ao seu público
heterogêneo.
(E) o uso extensivo dos sinais de pontuação indicava contenção
emocional por parte dos autores românticos.
66 LITERATURA
1ª Série Módulo 19

04 Acerca das características temáticas românticas, podemos O adeus, o teu adeus, minha saudade,
afirmar que: Fazem que insano do viver me prive
(A) o nacionalismo, muito presente nos textos românticos, contra- E tenha os olhos meus na escuridade.
riava a noção de cidadão trazida pela Revolução Francesa.
(B) a natureza é pintada de forma tranquila, indo ao encontro do Dá-me a esperança com que o ser mantive!
locus amoenus árcade.
Volve ao amante os olhos por piedade,
(C) os temas que se ligam ao presente histórico são valorizados em
detrimento dos temas medievais. Olhos por quem viveu quem já não vive!
(D) assim como no Barroco, a mulher aparece como um anjo
AZEVEDO, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000.
diabólico, o que provoca o distanciamento do eu lírico.
(E) o poeta opta pela evasão da realidade por conta de seu deslo- O núcleo temático do soneto citado é típico da segunda geração
camento social. romântica, porém configura um lirismo que o projeta para além
desse momento específico. O fundamento desse lirismo é
05 Explique de que forma a mudança nos meios de circulação dos
textos literários provoca modificações significativas na literatura (A) a angústia alimentada pela constatação da irreversibilidade da
romântica, apontando quais são elas. morte.
(B) a melancolia que frustra a possibilidade de reação diante da
perda.
(C) o descontrole das emoções provocado pela autopiedade.
(D) o desejo de morrer como alívio para a desilusão amorosa.
01 (E) o gosto pela escuridão como solução para o sofrimento.
“É bela a noite, quando grave se estende
03 No trecho abaixo, o narrador, ao descrever a personagem, critica
Sobre a terra dormente o negro manto sutilmente um outro estilo de época: o Romantismo.
De brilhantes estrelas recamado;
Mas nessa escuridão, nesse silêncio “Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos;
Que ele consigo traz, há um quê de horrível era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza,
Que espanta e desespera e geme n’alma; a mais voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da
Um quê de triste que nos lembra a morte!” beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance,
Os versos: em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e
espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma
(A) ilustram a característica romântica da projeção do estado de sarda ou espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza,
espírito do poeta nos elementos da natureza. cheia daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a
(B) exemplificam a característica romântica do pessimismo, mal
outro indivíduo, para os fins secretos da criação.”
do século, que vê na natureza algo nefando, capaz de matar o
poeta. ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Jackson, 1957.

(C) exploram a característica romântica do sentimentalismo


A frase do texto em que se percebe a crítica do narrador ao roman-
amoroso, que vê em tudo a tragédia do amor não correspondido.
tismo está transcrita na alternativa:
(D) apontam a característica romântica do nacionalismo, que
valoriza a paisagem de nossa terra. (A) “o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e
(E) apresentam a característica romântica do descritivismo, capaz espinhas”.
de valorização exagerada da natureza. (B) “era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça”.
(C) “Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele
02 feitiço, precário e eterno”.
(D) “Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos”.
Soneto
(E) “o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da
Já da morte o palor me cobre o rosto, criação”.
Nos lábios meus o alento desfalece,
04
Surda agonia o coração fenece, Texto I
E devora meu ser mortal desgosto! Mulher, Irmã, escuta-me: não ames,
Quando a teus pés um homem terno e curvo
Do leito embalde no macio encosto
jurar amor, chorar pranto de sangue,
Tento o sono reter!... já esmorece
Não creias, não, mulher: ele te engana!
O corpo exausto que o repouso esquece...
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!
O Romantismo LITERATURA 67
Módulo 19 1ª Série

As lágrimas são gotas da mentira Não permita Deus que eu morra,


E o juramento manto da perfídia. Sem que eu volte para lá;
Joaquim Manuel de Macedo Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Texto II Sem qu’inda aviste as palmeiras
Teresa, se algum sujeito bancar o Onde canta o Sabiá.
sentimental em cima de você
DIAS, G. Poesia e prosa completas.Rio de Janeiro: Aguilar, 1998.
E te jurar uma paixão do tamanho de um
bonde Texto II
Se ele chorar Canto de regresso à Pátria
Se ele ajoelhar Minha terra tem palmares
Se ele se rasgar todo Onde gorjeia o mar
Não acredite não Teresa Os passarinhos daqui
É lágrima de cinema Não cantam como os de lá
É tapeação
Minha terra tem mais rosas
Mentira
E quase tem mais amores
CAI FORA
Minha terra tem mais ouro
Manuel Bandeira
Minha terra tem mais terra
Os autores, ao fazerem alusão às imagens da lágrima, sugerem que:

(A) há um tratamento idealizado da relação homem/mulher. Ouro terra amor e rosas


(B) há um tratamento realista da relação homem/mulher. Eu quero tudo de lá
(C) a relação familiar é idealizada. Não permita Deus que eu morra
(D) a mulher é superior ao homem.
(E) a mulher é igual ao homem. Sem que volte para lá

05 Não permita Deus que eu morra


Texto I Sem que volte pra São Paulo
Canção do exílio Sem que eu veja a rua 15
Minha terra tem palmeiras, E o progresso de São Paulo
Onde canta o Sabiá; ANDRADE, O. Cadernos de poesia do aluno Oswald. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.
As aves, que aqui gorjeiam,
Os textos I e II, escritos em contextos históricos e culturais diversos,
Não gorjeiam como lá. enfocam o mesmo motivo poético: a paisagem brasileira entrevista
a distância. Analisando-os, conclui-se que:
Nosso céu tem mais estrelas,
(A) o ufanismo, atitude de quem se orgulha excessivamente do país
Nossas várzeas têm mais flores, em que nasceu, é o tom de que se revestem os dois textos.
Nossos bosques têm mais vida, (B) a exaltação da natureza é a principal característica do texto II,
que valoriza a paisagem tropical realçada no texto I.
Nossa vida mais amores.
(C) o texto II aborda o tema da nação, assim como o texto I, mas
[...] sem perder a visão crítica da realidade brasileira.
(D) o texto I, em oposição ao texto II, revela distanciamento
Minha terra tem primores, geográfico do poeta em relação à pátria.
(E) ambos os textos apresentam ironicamente a paisagem brasileira.
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o Sabiá.
68 LITERATURA
1ª Série Módulo 19

02
Ideias íntimas
01 IX
Contranarciso Oh! ter vinte anos sem gozar de leve
em mim A ventura de uma alma de donzela!
eu vejo o outro E sem na vida ter sentido nunca
e outro Na suave atração de um róseo corpo
e outro Meus olhos turvos se fechar de gozo!
enfim dezenas Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhas
trens passando Passam tantas visões sobre meu peito!
vagões cheios de gente Palor de febre meu semblante cobre,
centenas Bate meu coração com tanto fogo!
o outro Um doce nome os lábios meus suspiram,
que há em mim Um nome de mulher... e vejo lânguida
é você No véu suave de amorosas sombras
você Seminua, abatida, a mão no seio,
e você
Perfumada visão romper a nuvem,
assim como
Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
eu estou em você
O alento fresco e leve como a vida
eu estou nele
Passar delicioso... Que delírios!
em nós
Acordo palpitante... inda a procuro;
e só quando
Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimas
estamos em nós
Banham meus olhos, e suspiro e gemo...
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós Imploro uma ilusão... tudo é silêncio!
Só o leito deserto, a sala muda!
LEMINSKI, Paulo. Caprichos e relaxos. São Paulo: Brasiliense. p.12. 1983. Amorosa visão, mulher dos sonhos,
Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto!
No Romantismo, o sujeito lírico tem a marca do egocentrismo.
Verifique se o mesmo acontece no texto contemporâneo de Paulo Nunca virás iluminar meu peito
Leminski, justificando seus comentários com passagens do poema. Com um raio de luz desses teus olhos?
Álvares de Azevedo

No Romantismo, a figura feminina é espiritualizada. As imagens


de “sonhos” (v. 6), “visão” (v. 14) e “ilusão” (v. 21) confirmam essa
característica. Comente a convivência dessas imagens com os
elementos de sensualidade presentes nesse poema.

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LITERATURA 69

Módulo 20 1ª Série

A poesia da primeira geração romântica no Brasil

Será que é possível futebol virar


propaganda política?
Você já deve ter ouvido estes versos: “Noventa milhões em
ação, / Pra frente Brasil, / Do meu coração. / Todos juntos vamos,
/ Pra frente Brasil, / Salve a Seleção!”. Foram eles que embalaram a
campanha da seleção brasileira na Copa de 70, realizada no México,
na qual o Brasil se consagrou tricampeão. O que talvez você não
saiba é que, muito além de um simples canto de torcida, essa música
foi utilizada, sobretudo, como uma propaganda política do regime
militar durante o governo do general e presidente Médici.
A essa altura, você deve estar perguntando: como o futebol foi

©iStockphoto.com/AfricaImages
capaz de virar propaganda política? A resposta é bem simples: isso
só foi possível porque ele é um traço de nossa identidade nacional,
ou seja, a nossa identificação como cidadãos brasileiros tem uma
relação estreita com esse esporte. Trata-se, portanto, de um símbolo
de nossa pátria.
Porém, muito antes de o futebol ser um esporte consolidado e
um símbolo de nosso país, um grupo de escritores já se encontrava
muito interessado na construção de uma identidade nacional e na Objetivos:
– Aprender as características da primeira geração romântica no
escolha de elementos que representassem a pátria. Eram os poetas
da primeira geração romântica, cujo projeto literário será estudado
C5 Brasil;
– compreender o contexto histórico brasileiro à época da produção
neste módulo. de Gonçalves Dias.

1. Contexto histórico
Para compreender como o Romantismo aqui se manifestou, é tanto que nem mesmo a chuva de flores e as ervas aromáticas que
preciso, primeiramente, compreender o contexto histórico brasileiro cobriam a areia da praia, improvisadas na chegada da Família Real,
do início do século XIX. Um primeiro fator muito importante é a conseguiam esconder o cheiro desagradável.
crise pela qual passava Portugal nesse período. Visando à expansão Dentre as consequências diretas da vinda da Família Real
francesa, Napoleão Bonaparte decretou o Bloqueio Continental, isto para o Brasil, algumas podem ser destacadas. Em 1808, os portos
é, proibiu que os países europeus comercializassem com a Inglaterra, brasileiros foram abertos às nações amigas. O Alvará de 1785, que
a fim de desorganizar sua economia. No entanto, desde o século XVII, proibia a instalação de manufatura no Brasil, foi revogado. Signi-
a economia portuguesa estava muito subordinada à inglesa. Por conta ficativas mudanças foram implementadas na paisagem urbana: as
disso, Portugal evitava atender às imposições napoleônicas. ruas foram alargadas, calçadas foram construídas e novos bairros,
Napoleão resolveu, então, intervir: ordenou que tropas como Flamengo e Botafogo, surgiram. Além disso, foram criadas
francesas invadissem as terras lusitanas. Como não houve sucesso escolas e a Imprensa Régia, fazendo com que o Brasil, pela primeira
em nenhuma das negociações diplomáticas, e tampouco podia vez em sua história, tivesse uma imprensa oficial. Esse fato permitiu
Portugal renunciar às transações comerciais com a Inglaterra, a que jornais e periódicos circulassem mais facilmente e, consequen-
Família Real portuguesa transferiu-se, em 1808, para o Brasil. temente, que a produção literária fosse estimulada.
Graças a esse acontecimento, os caminhos que levariam à indepen- Em 16 de dezembro de 1815, para reverter os impasses criados
dência da colônia começavam a ser delineados. pela permanência da corte portuguesa – cuja sede deveria ser o reino
A cidade do Rio de Janeiro – na qual a corte portuguesa se de Portugal – em sua colônia, o Brasil foi elevado a reino. Criava-
instalou – era, no entanto, muito diferente de Lisboa: nitidamente, se, assim, o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Os vários
não havia a infraestrutura necessária para receber os quase 12 mil acontecimentos políticos decorrentes dessa e de outras medidas
portugueses que para cá se deslocaram junto com o rei. Além do da corte culminaram, em 1822, na Proclamação da Independência
problema da falta de moradia (cerca de 2.000 casas foram retiradas política brasileira. Após ter sido colônia e reino unido a Portugal,
de seus donos para que pudessem acomodar os recém-chegados), finalmente o Brasil era, pelo menos do ponto de vista político, uma
as instalações da cidade eram precárias, e as ruas, malcheirosas, nação independente.
70 LITERATURA
1ª Série Módulo 20

Juca-Pirama

©Wikimedia Commons
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos – cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.

São rudos, severos, sedentos de glória,


Independência ou Morte (1888), por Pedro Américo
Já prélios incitam, já cantam vitória,

1.1 Consequências culturais da Já meigos atendem à voz do cantor:


São todos Timbiras, guerreiros valentes!
independência do Brasil
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Mesmo antes da Proclamação da Independência, a vinda da
Condão de prodígios, de glória e terror!
Família Real para o Brasil já havia movimentado bastante a produção
cultural em terras brasileiras. D. João VI trouxera para cá um grupo
de artistas franceses, no qual estavam presentes artistas como Jean- As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,
-Baptiste Debret, Joachin Lebreton e Nicolas-Antoine Taunay. Foi, As armas quebrando, lançando-as ao rio,
inclusive, Joachin Lebreton, chefe do grupo, que criou a Academia O incenso aspiraram dos seus maracás:
Imperial de Belas Artes. Nela, os brasileiros puderam começar a Medrosos das guerras que os fortes acendem,
aprender diferentes ofícios artísticos.
Custosos tributos ignavos lá rendem,
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Aos duros guerreiros sujeitos na paz.


DIAS, Gonçalves. In: Literatura Comentada. São Paulo: Abril Educação, 1982. p. 53-4.

A independência brasileira fez com que intelectuais locais se


sentissem ainda mais estimulados a consolidarem, por meio da arte,
uma identidade nacional. Com isso, eles iam ao encontro do que já
estava sendo produzido e estudado pelos intelectuais estrangeiros,
tanto que os símbolos escolhidos para representar a identidade
brasileira haviam sido apontados anteriormente pelos forasteiros
em suas descrições dos nativos, da fauna e flora.
Nesse contexto, destaca-se

©Wikimedia Commons
a criação da revista Nitheroy,
Revista Brasiliense de Ciências,
Letras e Artes, por alguns escri-
tores conhecidos como o Grupo
de Paris, entre os quais estavam
Gonçalves de Magalhães e Araújo
Porto Alegre, nomes impor-
tantes do primeiro momento
Tucano, William Swaison
do Romantismo brasileiro. Essa
Além da Missão Artística Francesa, várias missões artísticas revista, publicada em Paris, no
de outros países vieram para o Brasil. Como consequência dessa ano de 1836, objetivava tratar
“invasão” de artistas estrangeiros, é possível destacar um fato que de alguns temas de interesse
exerceu grande influência no movimento romântico brasileiro: a nacional. Observe-se, a seguir,
exaltação dos índios e da natureza local exuberante. Não demorou um trecho do texto de Gonçalves
muito para que os nativos fossem alçados à condição de símbolos de Magalhães publicado no primeiro número da revista, intitulado
nacionais, como no poema a seguir, de Gonçalves Dias: “Discurso sobre a história da literatura no Brasil”:
A poesia da primeira geração romântica no Brasil LITERATURA 71
Módulo 20 1ª Série

A literatura de um povo é o desenvolvimento do que ele tem de em 1836, é considerada o marco inicial do Romantismo brasileiro.
mais sublime nas ideias, de mais filosófico no pensamento, de mais Atenção especial deve ser dada ao seu prólogo, no qual é anunciada
heroico na moral e de mais belo na natureza; é o quadro animado a revolução literária que estava por vir. Para que isso fique mais
de suas virtudes e de suas paixões, o despertador de sua glória e claro, segue o trecho abaixo, dele retirado:
o reflexo progressivo de sua inteligência. E, quando esse povo, ou O fim deste livro, ao menos aquele a que nos propusemos,
essa geração, desaparece da superfície da terra, com todas as suas que ignoramos se o atingimos, é o de elevar a poesia à sublime
instituições, crenças e costumes, escapa a literatura aos rigores fonte donde ela emana, como o eflúvio d’água, que da rocha se
do tempo para anunciar às gerações futuras qual fora o caráter precipita, e ao seu cume remonta, ou como a reflexão da luz ao
e a importância do povo, do qual é ela o único representante na corpo luminoso; vingar ao mesmo tempo a poesia das profana-
posteridade. Sua voz, como um eco imortal, repercute por toda ções do vulgo, indicando apenas no Brasil uma nova estrada aos
parte, e diz: em tal época, debaixo de tal constelação e sobre tal futuros engenhos.
ponto do globo existia um povo cuja glória só eu a conservo, cujos
Disponível em: <www.objdigital.bn.br>.
heróis só eu conheço. Vós, porém, se pretendeis também conhecê-lo,
consultai-me, porque eu sou o espírito desse povo e uma sombra
viva do que ele foi.
2.1 Características temáticas
Cada povo tem sua história própria, como cada homem seu A primeira geração romântica, vendo na literatura uma
caráter particular, cada árvore seu fruto específico, mas esta verdade ferramenta de construção nacional, elegeu como principais temas
incontestável para os primitivos povos, algumas modificações, aqueles que exaltassem as especificidades do país. Como um dos
contudo, experimenta entre aqueles cuja civilização apenas é um objetivos principais era justamente produzir uma literatura que fosse
reflexo da civilização de outro povo. Então, como nas árvores enxer- de encontro aos modelos lusitanos, os temas exploravam elementos
tadas, vêm-se pender dos galhos de um mesmo tronco frutos de nativos, concentrando-se principalmente na figura do índio e na
diversas espécies. E, posto que não degenerem muito, os do enxerto natureza nacional exuberante.
brotaram, contudo algumas qualidades adquirem, dependentes da Não é no Romantismo que o índio aparece pela primeira vez
natureza do tronco que lhes dá o nutrimento, as quais os distinguem na literatura. Já foi apontado, em módulo anterior, que ele recebia
dos outros frutos da mesma espécie. (...) grande destaque nos épicos árcades de Santa Rita Durão e Basílio da
Disponível em: <www.nead.unama.br>.
Gama, por exemplo. Além disso, a sua figura também já vinha sendo
explorada pelos artistas das missões estrangeiras que aqui se insta-
laram após a vinda da Família Real. Porém, é na primeira geração
2. Poesia romântica: romântica que ele é alçado à condição de grande protagonista.
a primeira geração Por conta disso, o indianismo é uma das principais características
dessa literatura, fazendo com que ela seja também conhecida como
O contexto histórico brasileiro do século XIX fez com que o
geração indianista. A busca pelo símbolo brasileiro fazia com que
Romantismo que aqui se desenvolveu – além de herdar caracterís-
o índio se tornasse um dos ícones perfeitos da identidade nacional:
ticas do Romantismo europeu, como a reação à tradição clássica
era um elemento nativo, impossível de ser encontrado em terras
– assumisse um evidente caráter anticolonialista e antilusitano.
europeias. É possível notar, no poema abaixo, de Gonçalves Dias,
A literatura produzida na colônia, demasiadamente apoiada nos
a exaltação do elemento nativo por meio da desvalorização das
modelos portugueses, foi, então, rechaçada. Nesse primeiro momento,
características europeias:
a palavra de ordem era o nacionalismo.
Por meio da literatura, os
Marabá
escritores românticos brasi-
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leiros buscavam consolidar Eu vivo sozinha, ninguém me procura!


uma identidade nacional, Acaso feitura
vis ando uma pro dução Não sou de Tupá!
literária que se libertasse
Se algum dentre os homens de mim não se esconde:
das influências da litera-
tura portuguesa. Por conta — “Tu és”, me responde,
desse objetivo principal, essa “Tu és Marabá!”
primeira geração romântica — Meus olhos são garços, são cor das safiras,
também é conhecida como — Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
geração nacionalista.
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
A publicação do livro
— As cores imitam das vagas do mar!
Suspiros poéticos e saudades,
de Gonçalves de Magalhães, Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
72 LITERATURA
1ª Série Módulo 20

“Teus olhos são garços”, Jamais um guerreiro da minha arazoia


Responde anojado, “mas és Marabá: Me desprenderá:
“Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes, Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
“Uns olhos fulgentes, Que sou Marabá!
“Bem pretos, retintos, não cor d’anajá!” DIAS, Gonçalves. In: BARBOSA, Frederico (sel. e org.).
Cinco séculos de poesia: antologia da poesia clássica brasileira. São Paulo: Landy, 2003.

— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,

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— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.

Se ainda me escuta meus agros delírios:


— “És alva de lírios”,
Sorrindo responde, “mas és Marabá:
“Quero antes um rosto de jambo corado,
“Um rosto crestado
“Do sol do deserto, não flor de cajá.”
Marabá, 1882, Rodolfo Amoedo

— Meu colo de leve se encurva engraçado, Além disso, o índio também foi usado como representante dos
— Como hástea pendente do cáctus em flor; valores e princípios que os românticos brasileiros queriam passar
— Mimosa, indolente, resvalo no prado, para seus leitores. Assim, ele ocupava, na literatura brasileira, um
lugar que cabia ao cavaleiro medieval na literatura europeia. A
— Como um soluçado suspiro de amor! — necessidade de ter no índio tanto um símbolo nacional quanto
elemento transmissor de valores fez com que a sua imagem, na
“Eu amo a estatura flexível, ligeira, literatura, condissesse muito mais com a da imaginação do escritor
Qual duma palmeira”, romântico do que com a realidade.
Então me respondem; “tu és Marabá:
“Quero antes o colo da ema orgulhosa,
Há muito que o índio deixou de exercer esse protagonismo em
Que pisa vaidosa, nossa cultura. Ainda hoje, inúmeros abusos são cometidos com
“Que as flóreas campinas governa, onde está.” tribos remanescentes e pouco se sabe sobre seus hábitos, costumes
e sua mitologia. Assim como os primeiros colonizadores, continu-
amos a vê-lo apenas por seu caráter exótico. Ou seja, a figura do
— Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
índio costuma nos despertar interesse apenas pela estranheza que
— O oiro mais puro não tem seu fulgor; pode provocar. Poucas vezes a enxergamos como parte realmente
— As brisas nos bosques de os ver se enamoram integrante de nossa formação cultural. O texto a seguir promove
uma denúncia desse olhar superficial, nos dias de hoje:
— De os ver tão formosos como um beija-flor!

De Dourados a Paris
Mas eles respondem: “Teus longos cabelos,
Haveria um escândalo se as ararinhas-azuis estivessem
“São loiros, são belos, morrendo uma após a outra nos manduvis do Pantanal.
“Mas são anelados; tu és Marabá: Haveria um escândalo talvez ainda maior se uma epidemia
“Quero antes cabelos, bem lisos, corridos, estivesse matando um mico-leão-dourado por dia. Mas não
há escândalo nenhum com a morte – em ritmo quase diário
“Cabelos compridos, – dos indiozinhos que vivem nas aldeias de Mato Grosso do
“Não cor d’oiro fino, nem cor d’anajá,” Sul. Os indiozinhos, todos sabem, estão morrendo de fome ou
de doenças provocadas pela desnutrição, mas isso não parece
E as doces palavras que eu tinha cá dentro despertar interesse, muito menos indignação. (...) Afinal, são só
índios que estão morrendo – e índios, ao que parece, são seres
A quem nas direi?
inferiores, desprezíveis, atrasados. Só são bacanas quando estão
O ramo d’acácia na fronte de um homem mumificados e servem para impressionar francês.
Jamais cingirei:
A poesia da primeira geração romântica no Brasil LITERATURA 73
Módulo 20 1ª Série

etnias que formaram o povo brasileiro, o que leva a crer que sua mãe
Sim, nos suntuosos salões do Grand Palais, em Paris, era cafusa, ou seja, filha de negro e índio. Como tantos outros poetas
acaba de ser inaugurada a exposição “Brasil Índio: as Artes brasileiros, Gonçalves Dias concluiu seus estudos em Portugal, mais
dos Ameríndios”. É uma espetacular coleção de 350 peças especificamente em Coimbra. Lá, ele estudou Leis e teve contato
indígenas. São cocares imensos e coloridos, com aquela viva- com poetas do Romantismo português, como Almeida Garrett e
cidade ímpar que a arte indígena consegue transmitir. São as Alexandre Herculano.
inventivas urnas funerárias, que nos deixaram um testemunho
Quando retornou ao Brasil, em 1845, aproximou-se do grupo
tão eloquente sobre a visão indígena da morte. São as belíssimas
de Gonçalves de Magalhães. Em 1846, lançou os Primeiros Cantos,
cerâmicas marajoaras, que emprestam graciosidade até à dureza
uma das principais obras do Romantismo brasileiro, seguidos pelos
da geometria. A exposição inclui ainda uma esplendorosa
Segundos Cantos (1848), Sextilhas de Frei Antão (1848) e, por fim,
cabeça mumificada pelos índios mundurucus. Tudo isso está
Últimos Cantos (1851). Além de professor e poeta, Gonçalves Dias
exposto num ambiente decorado com sobriedade e elegância,
também foi pesquisador. Na Amazônia, ele estudou etnografia e
num projeto concebido por dois designers brasileiros. A
linguística, escrevendo, inclusive, o Dicionário da Língua Tupi,
julgar pela reação inicial da imprensa francesa – que tem sido
em 1858.
generosa em elogios à exposição –, o evento será um sucesso.
E, nas galerias do Grand Palais, sucesso significa algo como Em sua poesia, o poeta explorou os grandes temas românticos,
uns 6.000 visitantes por dia. como o amor, a natureza e Deus. No entanto, a maior força poética
de Gonçalves Dias encontra-se concentrada na temática indianista.
Por aqui, a galeria a visitar fica no polo indígena de O mito rousseauniano do bom selvagem, que já se mostrava
Dourados, em Mato Grosso do Sul. De acordo com a lista oficial presente na literatura brasileira desde os épicos árcades, fez-se, em
do governo, só naquele local morreram doze indiozinhos neste Dias, verdade artística (Bosi, 94). Poemas como “Juca-Pirama”, já
ano. Todos morreram de fome. lido neste módulo, e “O canto do guerreiro”, transcrito abaixo, são
exemplos de sua poesia indianista e deixam clara a exaltação da
PETRY, André. Revista Veja. 30 mar. 2005.
Disponível em: <veja.abril.com.br>. Acesso em: 26 mar. 2014. imagem heroica dos nativos:

Foi também utilizada como símbolo do caráter nacional a O canto do guerreiro


natureza. Nos poemas da primeira geração romântica, são exaltados I
o seu exotismo e sua exuberância. A celebração da natureza ocorre Aqui na floresta
tanto no plano da realidade, quanto em sua evocação pela saudade, Dos ventos batida,
como acontece no mais famoso dos poemas dessa geração, “Canção Façanhas de bravos
do Exílio”, de Gonçalves Dias.
Não geram escravos,
Que estimem a vida
2.2 Características formais
Sem guerra e lidar.
Embora tenha sido visto, no módulo anterior, que uma das
— Ouvi-me, Guerreiros.
principais características do Romantismo é justamente a sua
liberdade formal, os poemas indianistas configuram uma exceção à — Ouvi meu cantar.
regra. Eles são, na verdade, marcados pelo controle da métrica e por II
versos rimados. Na maioria das vezes, esse rigor formal está a serviço Valente na guerra
da aproximação entre os poemas românticos e os cantos tribais, Quem há, como eu sou?
fazendo com que o ritmo dos versos lembre a batida de tambores. Quem vibra o tacape
É também característica formal da primeira geração romântica Com mais valentia?
o alto teor descritivo presente em seus versos. Na descrição da fauna
Quem golpes daria
e flora locais, prevalece uma grande atenção aos detalhes. Além
disso, como é típico nos poemas românticos em geral, a natureza Fatais, como eu dou?
aparece como extensão do indivíduo – na maioria das vezes, do — Guerreiros, ouvi-me.
índio –, sendo utilizada para expressar seus sentimentos e seus — Quem há, como eu sou?
estados de espírito.
DIAS, Gonçalves. In: Poesia e prosa completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.

2.3 Gonçalves Dias O eu lírico de “O canto do guerreiro” é o primeiro índio a


aparecer na obra de Gonçalves Dias. É possível perceber, então, que,
Antônio Gonçalves Dias (1823-1864) é, sem dúvidas, o maior
desde Primeiros cantos, ele é exaltado, principalmente, por meio de
nome do panorama da primeira geração romântica. Seu pai era
características como honra e bravura (“Quem há, como eu sou?”,
português e sua mãe, mestiça. Ele afirmava ser descendente das três
“Quem vibra o tacape / Com mais valentia?”).
74 LITERATURA
1ª Série Módulo 20

Em seus poemas líricos, temas como o amor romântico e o Minha terra tem palmeiras,
arrebatamento sentimental aparecem, como nos versos abaixo, Onde canta o Sabiá.
retirados de “Se se morre de amor!”:
Minha terra tem primores,
(...)
Que tais não encontro eu cá;
Amor é vida; é ter constantemente
Em cismar – sozinho, à noite –
Alma, sentidos, coração-abertos
Mais prazer encontro eu lá;
Ao grande, ao belo; é ser capaz d’extremos,
Minha terra tem palmeiras,
D’altas virtudes, té capaz de crimes!
Compr’ender o infinito, a imensidade, Onde canta o Sabiá.
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
Não permita Deus que eu morra,
D’aves, flores, murmúrios solitários;
Sem que eu volte para lá;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
Sem que desfrute os primores
E ter o coração em riso e festa;
Que não encontro por cá;
(...)
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto Onde canta o Sabiá.
O ditoso, o misérrimo dos entes:
* “Conheces o país onde florescem as laranjeiras? Ardem na
Isso é amor, e desse amor se morre!
escura fronde os frutos de ouro. Conhecê-lo? – Para lá quisera eu
DIAS, Gonçalves. In: Poesia e prosa completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998.
ir!” (Trad. Manuel Bandeira)
DIAS, Gonçalves. Literatura Comentada. São Paulo: Abril Educação, 1982, p. 11-2.
Está presente na poesia lírica de Dias a natureza exuberante
brasileira, também alçada à condição de símbolo nacional. É o caso
do mais famoso poema de Gonçalves Dias, “Canção do exílio”, um
A “Canção do exílio” é um texto extremamente icônico em
dos principais textos da literatura brasileira.
nossa cultura. Podemos, inclusive, considerá-la uma matriz de
nossa identidade cultural. Ao longo do tempo, são inúmeros os
Canção do exílio textos que dialogam com ela, ora para reforçar o seu sentido
Kennst du das Land, wo die Citronen blühn, ufanista (como os famosos versos: “Nossos bosques têm mais
Im dunkeln Laub die Gold-Oragen Glühn, vida, / Nossa vida mais amores”, do Hino Nacional, canto maior
Kennst du es wohl? – Dahin, dahin! de louvor à pátria), ora para parodiar a idealização romântica,
visando à crítica das mazelas nacionais. O texto a seguir, de
Möcht ich… ziehn.*
Goethe
Fernando Bonassi, enquadra-se nesse segundo caso. Nele, o
autor expressa sua visão a respeito do Brasil de hoje, destacando
Minha terra tem palmeiras, um aspecto político-social de nosso país:

Onde canta o Sabiá;


As aves, que aqui gorjeiam,
Canção do exílio
Minha terra tem campos de futebol onde cadáveres
Não gorjeiam como lá.
amanhecem emborcados pra atrapalhar os jogos. Tem uma
pedrinha cor-de-bile que faz “tuim” na cabeça da gente (...).
Nosso céu tem mais estrelas,
Minha terra tem HK, AR15, M21, 45 e 38 (na minha terra,
Nossas várzeas têm mais flores,
32 é uma piada). As sirenes que aqui apitam, apitam de repente
Nossos bosques têm mais vida, e sem hora marcada. Elas não são mais as das fábricas, que
Nossa vida mais amores. fecharam. São mesmo é dos camburões, que vêm fazer aleijados,
trazer tranquilidade e aflição.
Em cismar, sozinho, à noite,
BONASSI, Fernando. “15 cenas de descobrimento de Brasis”. In: MORICONI, Ítalo (org.). Os cem
Mais prazer encontro eu lá; melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
A poesia da primeira geração romântica no Brasil LITERATURA 75
Módulo 20 1ª Série

Santa Cruz, hoje Brasil;


É uma terra de amores
01 A idealização do índio foi uma das características do Roman-
Alcatifada de flores
tismo no Brasil.
Onde a brisa fala amores
Uma visão crítica em relação a essa idealização está presente em:
Nas belas tardes de Abril.
(A) “É certo que a civilização brasileira não está ligada ao elemento
indiano nem dele recebeu influxo algum.” Tem tantas belezas, tantas,
Machado de Assis
(B) “São todos Timbiras, guerreiros valentes!/ Seu nome lá voa na A minha terra natal,
boca das gentes,/ Condão de prodígios, de glória e terror!” Que nem as sonha um poeta
Gonçalves Dias
(C) “Meus Guainás, bradava, dura guerra/ Temos que sustentar E nem as canta um mortal!
contra os Tamoios,/ Pelo feroz Aimbire comandados.” É uma terra encantada
Gonçalves de Magalhães
(D) “As leis da cavalheria no tempo em que ela floresceu em Europa Mimosa jardim de fada
não excediam por certo em pundonor e brios à bizarria dos Do mundo todo invejada,
selvagens brasileiros”. José de Alencar
Que o mundo não tem igual.
02 “Não permita Deus que eu morra / Sem que eu volte para lá; / Sem
Não, não tem, que Deus fadou-a
que desfrute os primores / Que não encontro por cá; / Sem qu’inda
aviste as palmeiras, / Onde canta o Sabiá.” Aponte um aspecto temático Dentre todas – a primeira:
da poesia lírica de Gonçalves Dias ressaltado no texto. Deu-lhe esses campos bordados,

03 No contexto do fragmento que integra a questão anterior, Deu-lhe os leques da palmeira,


extraído do famoso poema “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, E a borboleta que adeja
onde é “lá”? E onde é “cá”? Sobre as flores que ela beija,
04 A afirmação: “Enquanto, na Europa, os escritores voltavam-se Quando o vento rumoreja
para os tempos da Idade Média, valorizando os heróis que ajudaram Na folhagem da mangueira.
a libertar e construir suas nações, no Brasil desenvolveu-se o
Indianismo é uma das formas significativas assumidas pelo: É um país majestoso
(A) paganismo romântico. (D) nacionalismo romântico. Essa terra de Tupã,
(B) sentimentalismo romântico. (E) racionalismo romântico. Desd’o Amazonas ao Prata,
(C) espiritualismo romântico.
Do Rio Grande ao Pará!
05 Tem serranias gigantes
Minha terra E tem bosques verdejantes
Minha terra tem palmeiras Que repetem incessantes
Onde canta o sabiá Os cantos do sabiá.
Gonçalves Dias
(...)
Todos cantam sua terra, Casimiro de Abreu

Também vou cantar a minha, O nacionalismo foi uma característica romântica que, no Brasil,
Nas débeis cordas da lira ganhou contornos próprios. Partindo do texto, explique como foi
utilizada a natureza, no Romantismo, para marcar a identidade
Hei de fazê-la rainha;
nacional brasileira.

Hei de dar-lhe a realeza


Nesse trono de beleza
Em que a mão da natureza 01
Esmerou-se em quanto tinha. Um elemento importante nos anos de 1820 e 1830 foi o desejo
de autonomia literária, tornado mais vivo depois da Independência.
Correi pr’as bandas do sul: (…) O Romantismo apareceu aos poucos como caminho favorável
à expressão própria da nação recém-fundada, pois fornecia concep-
Debaixo dum céu de anil
ções e modelos que permitiam afirmar o particularismo, e portanto
Encontrareis o gigante a identidade, em oposição à Metrópole (...).
CANDIDO, Antonio. O Romantismo no Brasil. São Paulo: Humanitas, 2004, p. 19.
76 LITERATURA
1ª Série Módulo 20

Tendo em vista o movimento literário mencionado no trecho, e seu Vocabulário:


alcance na história do período, é correto afirmar que: Aimorés: índios botocudos que habitavam o estado da Bahia e do Espírito Santo;
Timbiras: tapuias que habitavam o interior do Maranhão;
(A) o nacionalismo foi impulsionado na literatura com a vinda da Ignavos: fracos, covardes;
Família Real, em 1808, quando houve a introdução da imprensa Piaga: pajé, chefe espiritual;
no Rio de Janeiro e os primeiros livros circularam no país. Maracá: chocalho indígena utilizado em festas religiosas e cerimônias guerreiras;
(B) o indianismo ocupou um lugar de destaque na afirmação das Talados: devastados;
Acerbo: terrível, cruel;
identidades locais, expressando um viés decadentista e cético
Ínvios: intransitáveis.
quanto à civilização nos trópicos.
(C) os autores românticos foram importantes no período por Tendo em vista as estrofes transcritas, é correto afirmar que:
produzirem uma literatura que expressava aspectos da natureza,
da história e das sociedades locais. (A) o índio tupi descreve as vitórias de sua tribo sobre o colonizador
(D) a população nativa foi considerada a mais original dentro do europeu.
Romantismo e, graças à atuação dos literatos, os indígenas (B) o ritual antropofágico é representado como uma manifestação
passaram a ter direitos políticos que eram vetados aos negros. da barbárie indígena.
(C) a submissão das nações indígenas pelo homem branco é
02 considerada um processo natural e desejável para o progresso
No meio das tabas de amenos verdores, da nova nação independente.
(D) o ponto de vista a partir do qual se elabora o poema é o do
Cercados de troncos – cobertos de flores,
europeu português, que condena as práticas bárbaras e violentas
Alteiam-se os tetos d’altiva nação; das nações indígenas brasileiras.
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, (E) as práticas colonizadoras portuguesas que levaram ao quase
Temíveis na guerra, que densas coortes extermínio da nação tupi são julgadas do ponto de vista do
próprio índio.
Assombram das matas a imensa extensão.
DIAS, Antonio Gonçalves. “I-Juca-Pirama” seguido de Os Timbiras. 04
Porto Alegre: L&PM, 1999.
Texto I Texto II
No fragmento acima, não se encontra a seguinte característica
Canção do tamoio Berimbau
romântica:
(...) Porém se a fortuna, Quem é homem de bem
(A) Ufanismo. (C) Ritmo melódico. Traindo teus passos, não trai
(B) Indianismo. (D) Lirismo amoroso.
Te arroja nos laços O amor que lhe quer seu
03 Gonçalves Dias foi considerado um dos maiores expoentes da Do imigo falaz! bem.
literatura romântica brasileira. Procurando seguir os preceitos do Na última hora Quem diz muito que vai
Romantismo, intencionou produzir uma poesia capaz de exprimir Teus feitos memora, não vai
a independência literária do Brasil. Na condição de poeta, dedicou-
Tranquilo nos gestos, E, assim como não vai,
-se a vários gêneros literários, entre eles à poesia lírica e à poesia
indianista. Leia atentamente as estrofes 4, 5, 6 e 7 do canto IV do Impávido, audaz. não vem.
poema “I – Juca Pirama”, de Gonçalves Dias: E cai como o tronco Quem de dentro de si não sai
Do raio tocado, Vai morrer sem amar
Andei longes terras, Aos golpes do imigo
Partido, rojado ninguém,
Lidei cruas guerras, Meu último amigo,
Por larga extensão; O dinheiro de quem não dá
Vaguei pelas serras Sem lar, sem abrigo,
Assim morre o forte! É o trabalho de quem não
Dos vis Aimorés; Caiu junto a mi!
No passo da morte tem,
Vi lutas de bravos, Com plácido rosto,
Triunfa, conquista Capoeira que é bom não cai
Vi fortes – escravos! Sereno e composto,
Mais alto brasão. (...) E, se um dia ele cai, cai bem!
De estranhos ignavos O acerbo desgosto
Gonçalves Dias Vinicius de Moraes e Baden Powell
Calcados aos pés. Comigo sofri.
No fragmento poético de Gonçalves Dias, um pai explica ao filho
E os campos talados, Meu pai a meu lado
como se comporta um guerreiro no momento da morte. Esse
E os arcos quebrados, Já cego e quebrado, conselho demonstra que os românticos viam os índios:
E os piagas coitados De penas ralado,
(A) como retrato de uma sociedade em crise, pois eles estavam
Já sem maracás; Firmava-se em mi: sendo dizimados pelos colonizadores europeus, que tinham
E os meigos cantores, Nós ambos, mesquinhos, grande poder militar.
Servindo a senhores, Por ínvios caminhos, (B) de modo cruel, uma vez que, em lugar de criticar as constantes
Que vinham traidores, Cobertos d’espinhos lutas entre tribos rivais, eles preferiam falar dos aspectos
positivos da violência.
Com mostras de paz. Chegamos aqui!
A poesia da primeira geração romântica no Brasil LITERATURA 77
Módulo 20 1ª Série

(C) de modo idealizado, com valores próximos aos das Cruzadas Só teme fugir;
europeias, quando era nobre morrer por uma causa considerada No arco que entesa
justa.
(D) como símbolos de um país que surgia, sem nenhuma influência Tem certa uma presa,
dos valores europeus e celebrando apenas os costumes dos Quer seja tapuia,
povos nativos da América.
Condor ou tapir.
(E) com base no mito do bom selvagem, mostrando que eles nunca
entravam em conflitos entre si.
III
05 Leia o trecho a seguir. O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
Minha terra tem palmeiras,
De o ver na peleja
Onde canta o Sabiá;
Garboso e feroz;
As aves que aqui gorjeiam
E os tímidos velhos
Não gorjeiam como lá. (...)
Nos graves concelhos,
Não permita Deus que eu morra, Curvadas as frontes,
Sem que eu volte para lá; Escutam-lhe a voz!
Sem que desfrute os primores
IV
Que não encontro por cá;
Domina, se vive;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Se morre, descansa
Onde canta o Sabiá.
Dos seus na lembrança,
Os versos do famoso poema “Canção do exílio” evidenciam um Na voz do porvir.
grande amor à pátria, simbolizada por sua natureza. Criado por
_________ e pertencente à escola _________, o poema revela, em Não cures da vida!
tom _________, um eu lírico que exterioriza sua _________. Sê bravo, sê forte!

A alternativa correta para o preenchimento das lacunas acima é: Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!
(A) Gonçalves de Magalhães – árcade – bucólico – solidão
(B) Gonçalves Dias – romântica – ufanista – saudade DIAS, Antônio Gonçalves. Obras Poéticas. Tomo II.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944. p. 42–43.
(C) Gregório de Matos – barroca – contraditório – ironia
(D) Casimiro de Abreu – indianista – regionalista – nacionalidade
(E) Castro Alves – condoreira – emancipatório – liberdade 01 Juntamente com outros poemas do autor, como “Juca-Pirama”
e “Os timbiras”, a “Canção do tamoio” integra uma das linhas mais
peculiares de Gonçalves Dias e do Romantismo brasileiro.

a. Identifique a linha temática do Romantismo brasileiro que o


poema de Gonçalves Dias revela desde o próprio título.
b. Na “Canção do tamoio”, o eu lírico sugere ao filho assumir
Canção do tamoio
diante dos perigos duas atitudes básicas do guerreiro. Cite-as.
I
Não chores, meu filho; 02
Não chores, que a vida Hino do deputado
É luta renhida: Chora, meu filho, chora.
Viver é lutar. Ai, quem não chora não mama,
A vida é combate,
Que os fracos abate, Quem não mama fica fraco,
Que os fortes, os bravos, Fica sem força pra vida,
Só pode exaltar. A vida é luta renhida,
II Não é sopa, é um buraco.
Um dia vivemos! Se eu não tivesse chorado
O homem que é forte Nunca teria mamado,
Não teme da morte; Não estava agora cantando,
78 LITERATURA
1ª Série Módulo 20

Não teria um automóvel, Não dorme, filho, não dorme,


Estaria caceteado, Se você toca a dormir
Assinando promissória, Outro passa na tua frente,
Quem sabe vendem do imóvel Carrega com a mamadeira.
A prestação ou sem ela, Abre o olho bem aberto,
Ou esperando algum tigre Abre a boca bem aberta,
Que talvez desse amanhã, Chore até não poder mais.
Murilo Mendes
Ou dando um tiro no ouvido,
Ou sem albo, sem ouvido, O “Hino do deputado” constitui uma paródia moderna da “Canção
Sem perna, braço, nariz. do tamoio”, isto é, retoma a estrutura de tal texto, mas com
transformações que revelam a intenção cômica, jocosa e crítica de
Murilo Mendes. Com base nessa observação, mencione dois versos
Chora, meu filho, chora, do “Hino do deputado” que deixam explícita a intertextualidade
Anteontem, ontem, hoje, desse poema com a “Canção do tamoio”; assumindo o ponto de
vista dos princípios de moralidade vigentes, faça um julgamento
Depois de amanhã, amanhã.
dos conselhos que o eu lírico dá ao filho, no “Hino do deputado”.

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