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Literatura Alagoana
Literatura Alagoana
Literatura Alagoana
SUMÁRIO
ATIVIDADE ..................................................................................................................... 18
ATIVIDADE ..................................................................................................................... 37
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 72
2
LITERATURA ALAGOANA
Considerações Iniciais
3
O terceiro e último capítulo exporá alguns autores e obras alagoanos,
compreendendo de que formas Anilda Leão, Carlos Moliterno, Aurélio Buarque,
Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Lêdo Ivo, Jorge Cooper, Ariette Vilela e Heliônia
Ceres alcançaram notoriedade no cenário brasileiro. Serão, evidenciados alguns
conteúdos ficcionais dos autores citados, destacando os seus textos mais
conhecidos.
4
CAPÍTULO I - LITERATURA E MODERNISMO
5
Em pleno século XX, a arte ainda estava restrita a um instrumento de
propaganda da Missão Artística Francesa, academia de artes composta por uma
série de artistas estrangeiros trazidos pelo sistema imperial no ano de 1816, e que
foi responsável pela influência das produções e dos ensinamentos europeus de
modo que não havia uma produção genuinamente brasileira e, tampouco, a
qualificação e a presença de artistas locais.
6
(Oswald manteve contato com os futuristas na Europa), estes artistas resolveram
defender a brasilidade na arte, uma vez que os movimentos tradicionalistas não
abriam espaço para a liberdade, por optarem pelos modelos acadêmicos
estrangeiros.
7
é Leubach na Alemanha, é Iorn na Suécia, é Rodin na França, é Zuloaga
na Espanha. Se tem apenas talento vai engrossar a plêiade de satélites
que gravitam em torno daqueles sóis imorredouros. A outra espécie é
formada pelos que veem anormalmente a natureza, e interpretam-na à
luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes,
surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos de
cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência: são frutos de
fins de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes brilham um
instante, as mais das vezes com a luz de escândalo, e somem-se logo
nas trevas do esquecimento.
Embora eles se deem como novos precursores duma arte a ir, nada é
mais velho de que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranoia
e com a mistificação. De há muitos já que a estudam os psiquiatras em
seus tratados, documentando-se nos inúmeros desenhos que ornam as
paredes internas dos manicômios. A única diferença reside em que nos
manicômios esta arte é sincera, produto ilógico de cérebros
transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas
exposições públicas, zabumbadas pela imprensa e absorvidas por
americanos malucos, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica,
sendo mistificação pura. Todas as artes são regidas por princípios
imutáveis, leis fundamentais que não dependem do tempo nem da
latitude. As medidas de proporção e equilíbrio, na forma ou na cor,
decorrem de que chamamos sentir. Quando as sensações do mundo
externo transformam-se em impressões cerebrais, nós "sentimos"; para
que sintamos de maneiras diversas, cúbicas ou futuristas, é forçoso ou
que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso
cérebro esteja em "pane" por virtude de alguma grave lesão. Enquanto a
percepção sensorial se fizer anormalmente no homem, através da porta
comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá
"sentir" senão um gato, e é falsa a "interpretação" que o bichano fizer um
"totó", um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes. Estas
considerações são provocadas pela exposição da Sra. Malfatti, onde se
notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada no
sentido das extravagâncias de Picasso e companhia. Essa artista possui
talento vigoroso, fora do comum. Poucas vezes, através de uma obra
torcida para a má direção, se notam tantas e tão preciosas qualidades
latentes. Percebe-se de qualquer daqueles quadrinhos como a sua
autora é independente, como é original, como é inventiva, em que alto
grau possui um semi-número de qualidades inatas e adquiridas das mais
fecundas para construir uma sólida individualidade artística. Entretanto,
seduzida pelas teorias do que ela chama arte moderna, penetrou nos
domínios dum impressionismo discutibilíssimo, e põe todo o seu talento a
serviço duma nova espécie de caricatura. Sejam sinceros: futurismo,
cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de ouros tantos
ramos da arte caricatural. É extensão da caricatura a regiões onde não
havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma -
caricatura que não visa, como a primitiva, ressaltar uma ideia cômica,
mas sim desnortear, aparvalhar o espectador. A fisionomia de que sai de
8
uma destas exposições é das mais sugestivas. Nenhuma impressão de
prazer, ou de beleza denuncia as caras; em todas, porém, se lê o
desapontamento de quem está incerto, duvidoso de si próprio e dos
outros, incapaz de racionar, e muito desconfiado de que o mistificam
habilmente. Outros, certos críticos, sobretudo, aproveitam a vaza para
épater les bourgeois. Teorizam aquilo com grande dispêndio de
palavrório técnico, descobrem nas telas intenções e sub-intenções
inacessíveis ao vulgo, justificam-nas com a independência de
interpretação do artista e concluem que o público é uma cavalgadura e
eles, os entendidos, um pugilo genial de iniciados da Estética Oculta. No
fundo, riem-se uns dos outros, o artista do crítico, o crítico do pintor e o
público de ambos. Arte moderna, eis o estudo, a suprema justificação. Na
poesia também surgem, às vezes, furúnculos desta ordem, provenientes
da cegueira sempre a mesma: arte moderna. Como se não fossem
moderníssimo esse Rodin que acaba de falecer deixando após si uma
esteira luminosa de mármores divinos; esse André Zorn, maravilhoso
"virtuose" do desenho e da pintura; esse Brangwyn, gênio rembrandtesco
da babilônia industrial que é Londres; esse Paul Chabas, mimoso poeta
das manhãs, das águas mansas, e dos corpos femininos em botão.
Como se não fosse moderna, moderníssima, toda a legião atual de
incomparáveis artistas do pincel, da pena, da água-forte, da dry point que
fazem da nossa época uma das mais fecundas em obras-primas de
quantas deixaram marcos de luz na história da humanidade. Na
exposição Malfatti figura ainda como justificativa da sua escola o trabalho
de um mestre americano, o cubista Bolynson. É um carvão
representando (sabe-se disso porque uma nota explicativa o diz) uma
figura em movimento. Está ali entre os trabalhos da Sra. Malfatti em
atitude de quem diz: eu sou o ideal, sou a obra-prima, julgue o público do
resto tomando-me a mim como ponto de referência. Tenhamos coragem
de não ser pedante: aqueles gatafunhos não são uma figura em
movimento; foram, isto sim, um pedaço de carvão em movimento. O Sr.
Bolynson tomou-o entre os dedos das mãos ou dos pés, fechou os olhos,
e fê-lo passar na tela às pontas, da direita para a esquerda, de alto a
baixo. E se não o fez assim, se perdeu uma hora da sua vida puxando
riscos de um lado para o outro, revelou-se tolo e perdeu tempo, visto
como o resultado foi absolutamente o mesmo. Já em Paris se fez uma
curiosa experiência: ataram uma brocha na cauda de um burro e
puseram-no traseiro voltado numa tela. Com os movimentos da cauda do
animal a broxa ia borrando a tela. A coisa fantasmagórica resultante foi
exposta como um supremo arrojo da escola cubista, e proclama pelos
mistificadores como verdadeira obra-prima que só um ou outro raríssimo
espírito de eleição poderia compreender. Resultado: o público afluiu,
embasbacou, os iniciados rejubilaram e já havia pretendentes à tela
quando o truque foi desmascarado. A pintura da Sra. Malfatti não é
cubista, de modo que estas palavras não se lhe endereçam em linha reta;
mas como agregou a sua exposição uma cubice, leva-nos a crer que
tende para ela como para um ideal supremo. Que nos perdoe a talentosa
artista, mas deixamos cá um dilema: ou é um gênio o Sr. Bolynson e
ficam riscados desta classificação, como insignes cavalgaduras, a coorte
9
inteira dos mestres imortais, de Leonardo a Steves, de Velásques a
Sorolla, de Rembrandt a Whistler, ou... vice-versa. Porque é de todo
impossível dar o nome da obra de arte a duas coisas diametralmente
opostas como, por exemplo, a Manhã de Setembro, de Chabas, e o
carvão cubista do Sr. Bolynson. Não fosse a profunda simpatia que nos
inspira o formoso talento da
10
Braz Cubas) ora inconscientes (a grande
maioria) foram deformadores da natureza.
Donde infiro que o belo artístico será tanto mais
artístico, tanto mais subjetivo quanto mais
se afastar do belo natural. Outros infiram o que
quiserem. Pouco me importa. (PROENÇA, 2002, p. 230)
Segundo Barreto
11
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
12
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
13
dessa vez, uma autonomia e uma multiplicidade de conteúdos nunca vistas em
toda a sua trajetória, fato que se mantém na contemporaneidade.
Brasil
Para Trolyr
14
Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! Ua! Uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
Sim pela graça de Deus
Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum!
E fizeram o carnaval.
(ANDRADE , apud ABAURRE, 2010, p. 79)
Ode ao burguês
15
1.3. Reflexões regionais: segunda geração modernista
16
A literatura moderna da década de 1930 trouxe novas experiências para o
conteúdo artístico ao se voltar mais profundamente à realidade. Reforçou na
poesia, por exemplo, a linguagem coloquial, irônica e prosaica da década de 1920,
sendo representada por Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de
Lima, Cecília Meireles e Vinícius de Moraes. Eles continuaram o roteiro de
libertação artística da Semana de 22.
17
Nesse aspecto, o romance regionalista representou a contradição gerada
pelas desigualdades ao tematizar o progresso versus o atraso, o Nordeste pobre
em contraposição ao Sul enriquecido, a valorização da tradição cultural versus a
adesão aos valores estrangeiros, além da decadência de um modo de vida
organizado em torno de uma sociedade patriarcal, o problema da seca e a falência
dos engenhos de açúcar e dos grandes latifúndios” (Barreto, 2010, p.103).
ATIVIDADE
1
Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malffati, Vinícius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade.
Disponíveis em: http://www.releituras.com/drummond_bio.asp; http://letras.mus.br/vinicius-de-
moraes/fotos.html;
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anita_Malfatti;http://pt.wikipedia.org/wiki/Oswald_de_Andrade;
http://www.releituras.com/marioandrade_bio.asp
18
POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão
sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
MORTE DO LEITEIRO
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vai deixando à beira das casas
uma pequena mercadoria.
20
mas o leiteiro
estatelado, ao relento,
perdeu a pressa que tinha.
Da garrafa estilhaçada.
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue… não sei
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.
21
CAPÍTULO II - LITERATURA NAS ALAGOAS
22
O primeiro jornal diário em Alagoas foi lançado em primeiro de março de
1858. Em plena ascensão do Romantismo brasileiro, O Diário das Alagoas
publicava um folhetim literário assinado por Sylvius, o qual vinha acompanhado
com uma incipiente crítica. O objetivo de publicar textos literários era interagir a
literatura nacional e a estrangeira. A imprensa escrita alagoana concedia espaço à
literatura aos moldes das demais regiões do país: havia a exposição fragmentada
das obras nos rodapés dos jornais com o intuito de agradar os leitores burgueses.
23
2.2. O florescimento da literatura das Alagoas a partir do modernismo
24
Tendo como inspirações a Semana de Arte Moderna e o Congresso
Brasileiro de Regionalismo de Recife2, no mês de março do mesmo ano, foi
fundado o “Cenáculo Alagoano de Letras”. O grupo defendia a renovação da arte
alagoana por meio de propostas modernistas e tinha como intuito contrapor o
conservadorismo da Academia Alagoana de Letras.
Será uma festa original. Linda e bizarra, como uma cantiga de Jorge de
Lima.
2
O Primeiro Congresso Brasileiro de Regionalismo foi realizado em 1926, na cidade de Recife e se tonou o
movimento responsável pelo engrandecimento da literatura regional, principalmente no Nordeste. Nele, foi
lido o Manifesto Regionalista, cujo objetivo era criticar os grandes centros urbanos e denunciar os valores e
costumes burgueses que supervalorizavam a cultura europeia, valores estes, segundo os idealizadores do
movimento, responsáveis pela perda da identidade local e alienação da sociedade.
25
Uma festa de inteligência, de sonoridade, de in quietude...
26
uma transformação que a levaria ao fortalecimento da arte moderna no estado,
bem como o estímulo à produção e o grande reconhecimento de autores e obras
em todo o país.
Entre as figuras ilustres que se uniram Jorge de Lima são citados José Lins
do Rego, Lúcio Marinho Tavares Bastos, Emílio de Maya, Pontes de Miranda,
Barreto Falcão, Arnon de Melo, Valdemar Cavalcante, Guedes de Miranda, Paulo
Malta Filho, Manuel Diégues Júnior, Aurélio Buarque de Holanda, Raul Lima, Luiz
Lavenère, José Aloísio Vilela, José da Costa Aguiar, Carlos Paurílio, Carlos J.
Duarte, Renato Alencar, Aloísio Branco, Mario Marroquim, Lobão Filho e Alberto
Passos Guimarães.
27
Estimulado pelo êxito literário desse estilo renovador, Manuel Diégues
Júnior – aos quinze anos de idade - fundou um grêmio literário, o qual recebeu o
nome de “Guimarães Passos”. Fez parte de seu grupo o escritor e dicionarista
alagoano Aurélio Buarque de Holanda, um dos admiradores do Modernismo.
Buarque, apud Sant’Ana, considerou o grêmio como um caminho para
“desenvolver a inteligência da gente moça, essa gente que será o futuro do Brasil”
(1980, p.41). Entre os eventos, a “Canjica literária”, reuniu grandes nomes da
literatura daquele período.
Manuel Diégues Júnior: um incentivador da valorização da cultura e da arte literária em Alagoas. Disponível em:
http://www.alagoanos.com.br/?pg=blogs-detalhes&item=marcos-vasconcelos. Acesso em: 12 out.2012.
28
2.3. O teatro nas Alagoas
29
locais. Antes, havia raras encenações no Teatro Maceioense e no Politeama,
lugares ausentes de infraestrutura para a montagem dos textos. À época,
destacou-se a peça Vertigens, de José Guedes Ribeiro Lins, cujo texto se
encontra no Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (DUARTE, 1980, p. 30)
- José Maria Goulart de Andrade (Maceió, 1881-1936) – autor dos dramas Ocaso,
Renúncia, Sonata ao luar (em parceria com o irmão Aristeu de Andrade); fantasia
romântica Numa nuvem; drama histórico Os inconfidentes e comédia Um dia a
casa cai. Suas peças foram reunidas e publicadas em um livro em dois volumes
que recebeu o título Teatro.
A peça O beijo foi levada á cena pelos artistas A. Ramos e Lucila Peres, da
Companhia Arthur Azevedo, em 15 de novembro de 1910, na abertura do Teatro
Deodoro.
30
A peça A tormenta foi encenada no Teatro Deodoro pela Companhia Maria
de Castro que, naquele momento, era elogiada pela crítica brasileira.
31
título A ilha se fez verbo e habitou entre nós e foi encenada pela ATA (Associação
teatral de Alagoas).
PROFILAXIA DA VELHICE
Overture
Vermes
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Guerra á verminose! Guerra!
Tifo
É um portador de bacilo
Evita-se o paludismo
Bacilose
É melhor a prevenção,
Gripe
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Nestes conselhos se encrave,
Artritismo
Fumo
Do cachimbo e do charuto.
Álcool
Sífilis
34
Um tubo de Preventyl.
Casamento
Higiene da habitação
Dentista
2º. Ato
(A casa de ZÉ CULA mostra visíveis sinais de prosperidade. Quando a cortina se abre, ele, entre
nervoso e apavorado, anda de um lado a outro da sala. Por fim vai à janela)
35
CULA – É muito azar! Azarento! O que foi que eu fiz, meu Deus, para merecer este castigo! Tão
boazinhas que as coisas iam correndo! Logo agora! Só pode ter sido o Cirço! Só ele! Só ele! Se eu
descobrir ele nunca mais toca pandeiro na vida dele. Porque outra coisa eu não faço, mas arranco-
lhe as unhas, corto-lhe os dedos, tiro-lhe as mãos, deixo ele cotó, e quero ver ele tocar pandeiro.
(Pausa) Mas, se não foi ele? Foi o belo, aí, aí a coisa muda de figura! Eu que estava pensando que
ia juntar dinheiro! Agora... se foi o Bigodinho! Ele anda tão alegre de ontem prá cá, que dá pra
gente desconfiar... Bigodinho, Bigodinho, se foi você... garanto que você vai mudar essa cara de
rapariga ruim!
BIDU – (Entrou nas duas últimas falas de ZÉ CULA) Que é isso, Cula? Está tresvariando? Está
com febre? Deixa eu ver. (Com o dorso da mão direita, procura sentir a temperatura de Zé CULA).
CULA – Febre, coisa nenhuma! Estou pensando na situação! O que é que eu vou dizer a esse
povo todinho! E olhe aqui, Bidu: Pense bem em que sinuca eu estou metido. Esta não tiro de jeito
nenhum. E nem conheço cabra macho pra tirar.
BIDU – Mas você, Cula, você é o homem mais quenguista que Deus botou no mundo. Você tá
assim, embatucado, mas quando pegar o fio da meada, bota todo mundo prá trás! Não desanime.
CULA – Mas, Bidu, minha santinha, está prá chegar hoje, aqui, os repórteres da Manchete, de
Veja, de uma revista americana, e até a equipe do programa Sílvio Santos. Todos vêm para uma
entrevista coletiva. Quando notarem que eu não tenho nada pra explicar, vão dizer logo: Foi
cascata! E eu, que já estava pensando em pedir a Sílvio uma casinha para o santo! E agora?
BIDU – E eu sei.
CULA – Prá dizer a eles que o Cirço, ou o Belo ou o Bigodinho, me roubaram o santo, eles não vão
acreditar.
BIDU – Esfria a cabeça, Cula. Desse jeito você não arruma saída!
CULA – Então, venha cá. Vamos sentar aqui a matutar os dois juntos.
36
ATIVIDADE
Trabalhando a intertextualidade
37
Asa branca
38
Vidas Secas
Arrastaram-se para lá, devagar, sinhá vitória com o filho mais novo escanchado no quarto
e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, a aió a tiracolo, a cuia pendurada numa
correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra
Baleia iam atrás.
(RAMOS, 1977, p. 9)
39
CAPÍTULO IIII - LITERATURA NAS ALAGOAS
ARTISTAS E OBRAS
40
na poesia; além de crônicas publicadas na obra Olhos Convexos (1989) e Eu em
Trânsito (2003), um livro de memórias.
41
ARRIETE VILELA (Marechal Deodoro, 10/03/1949)
Com uma vasta obra reconhecida, Arriete Vilela recebeu vários prêmios,
como o mérito cultural da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro através
da obra Lãs ao vento. Abaixo, trechos de poemas coletados em 2009, no livro
Obra poética reunida, além do conto “Texto 8”, extraído do livro de contos Grande
baú, a infância.
42
TEXTO 8
Rua acima, rua abaixo, vai a barulhenta corte. O palhaço à frente, engraçado assim, tão.
Diante dos meus olhos, desfilam o homem da perna de pau tão alto que careci a cabeça entortar
quase, modo desconfortável de ver a cara dele risonha , o homem do bumbo, o elefante, as
bailarinas e uma meninada cheia de contentamento.
Espio. Da janela. Alegria num olho, tristeza noutro. Descalça e alegre assim que nem os
meninos queria eu estar. Mas o pai; “bando de maloqueiros!”. Mas a mãe; “Pivetes sem eira nem
beira”!
Entendem-se hoje pai e mãe. Um a palavra do outro endossa. Aveludam-se. Ligeira trégua,
com certeza, mas valida. Aos gritos não os vi. Cara feia nenhuma em casa. Inusitado sossego.
Já ao café da manhã, um mimo: bolachinhas secas, redondas. Quis dizer: “Que bom,
adoro essas bolachinhas!”. Nada não disse, porém. Quieta fiquei na paciente e abstrativa tarefa de
manteiga passar em muitas delas, postas em fileirinhas no meu prato. Boto bastante gosto no
comer uma a uma e, vez por outra do café-com-leite quentinho, um gole. O olho não levantei pro
pai nem pra mãe, riso nenhum não lhes dei, acanhada que estava do embevecimento deles, um
muito gentil com o outro. Inusitado enlevo.
Também a empregada novata muito delicada se mostrou comigo. Deu-me um guardanapo
de pano. Melhor: no meu colo abriu-o: “É pra não cair farelo de bolacha no seus vestidinho,
menina”. Inusitada amabilidade.
(Atenções me encabulam. Encolhida fico, e tão, diante de agrados. Vulnerável, uma coisinha de
nada, bichinho miúdo, tímido.)
À hora do desfile do circo, pelo alegre barulho atraída, pus-me à janela. Ao circo ir, cogitar
não cogitei. Mas quis no meio da folia meter os pés, coro fazer com a molecada: “Tem, sim senhor!
É, sim senhor!”
Mas o pai: “Bando de maloqueiros!”
Mas a mãe: “Pivetes sem eira nem beira!”
Às nove horas, o circo, não quer ir?
O olho de bonito verde da mãe chispa secreta a antiga vontade de ir ao circo, trapezistas
ver, com os palhaços rir.
Mais quem?
Com a menina.
E você, por que não vai também?
Sem vontade, cansado.
Solícito, o pai ajuda no fecho do “tailleur” da mãe, a bolsa azul-marinho lhe traz, dinheiro
mais da conta dentro dela põe: “É pras entradas, o resto compra de rolete e pipoca”.
Igualmente solícita, a empregada novata me arruma: meias brancas até os joelhos, sapatos pretos
de verniz, organdi espetando-me os sovacos.
Por que não vou com o vestido de popeline, de pano molinho?
Ora, menina, o circo é uma festa, uma novidade, vai muita gente, carece se arrumar direito.
Nada não digo. Adiantar não vai. Contrariada, desconfortável e sem graça dentro daquele
vestido seminovo, agarro na mão da mãe e seguimos ladeira acima, rumo à praça da Matriz, onde
armado está o circo.
43
Verdade nas palavras ouvidas em casa: o circo é mesmo uma festa. Cheia de movimento,
de cor, de luzes, de risos, de gentes, de ternura, de suspense. De alegria, espantosa e contagiante
alegria.
A mãe chora, ri. Comove-se, gargalha. Do pai esquecida parece, e completamente, nuvem
nenhuma no claro dos olhos, criança que nem eu, risada solta, gestos soltos, e ambas na pipoca,
no rolete, no refresco.
Pois assim se desatam duas horas, que duas horas num circo se vão às pressas. A mãe e
eu pra casa voltamos, e leves, descontraídas, rindo ainda duma coisa e doutra, parecendo mais
uma menina e outra menina.
Em casa, porém, um outro tipo de espetáculo: unhas, dentes e palavrões não bastam à
mãe ao flagrar o pai e a empregada numa festa de prazer bem particular, muito.
Um prazer que circo nenhum lhes daria.
44
expressão literária no estado de alagoas alcançou extrema relevância social.
Costumava se reunir com intelectuais de seu tempo para discutir, além da
literatura, a história, a gramática, o folclore, a política, e assuntos da atualidade
(CHALITA, 2000, p.2).
Aurélio foi testemunha de uma fase áurea das letras em seu Estado. Ao
lado de Manuel Diégues Júnior, Valdemar Cavalcanti, Passos Guimarães,
Graciliano Ramos e Théo Brandão, fez parte do processo de inovação da arte
literária, alcançando o seu objetivo de promover a valorização das tradições
regionais através da arte. Os seus textos denotavam o amor pela sua terra natal.
No grupo, ele atuou como colaborador e orientador em correções gramaticais.
Nenhum título lhe caiu mais justo do que o de mestre anteposto ao nome
pelas “rodas literárias”. Na verdade, todas as atividades intelectuais que
exerceu, ao correr da vida, estiveram relacionadas com o dom de
ensinar. Na sala de aula, nas conferências, nos encontros informais, no
exercício da crítica, enfim, onde quer que houvesse um ato de
comunicação, oral ou escrita, Aurélio priorizava a transmissão de
conhecimentos gramaticais e literários, o que fazia com inteligência e
simpatia.( 2000, p.4)
45
Itamarati para atuar como professor do curso de Estudos Brasileiros da
Universidade do México, permanecendo até 1955, quando viajou para Estados
Unidos e Europa para apresentar ministrar conferencias sobre literatura brasileira
e língua portuguesa.
Segundo Chalita (2000, p. 4), Aurélio Buarque se tornou uma figura tão
ilustre em nosso país, que chegou a tomar assento em diversas instituições
importante no setor das letras: Academia Alagoana de Letras (1956), Academia
Brasileira de Filologia (1956), Academia Brasileira de Letras (1961), Sindicato dos
Jornalistas Profissionais (1962), Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas
(1962), Pen-Club do Brasil (1963), Academia Pernambucana de Letras (1972),
Spanic Society of America (1975) e Academia de Ciências de Lisboa (sócio-
correspondente -1987).
46
Além de Dois mundos, a obra O chapéu de meu pai se destacou por se
tratar de uma narrativa em que as reflexões sobre as relações humanas são
recorrentes e postas em evidência. Na ficção do Mestre Aurélio são revelados os
fragmentos da vida por meio de situações corriqueiras, transformadas em
experiências especiais e importantes através de tratamento estético e profundo
lirismo.
47
Em 1955, Moliterno tornou membro da Academia Alagoana de Letras, ao
substituir Costa Rego, e durante seis anos consecutivos foi presidente da casa.
Oito anos depois, no dia 02 de dezembro, assumiu a cadeira de número 7 como
sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, cujo patrono era Osman
Loureiro. Reconhecido nacionalmente, no ano de 1976, foi escolhido como sócio-
correspondente da Academia Paulista de Letras.
3
In: BARROS, Reinaldo Amorim de. Ver em referência bibliográfica.
4
Idem
5
Idem.
6
Idem.
7
Idem.
48
e a categoria trabalho, a qual estabelece a unidade contraditória entre
esses polos, bem como todas as consequências negativas (os males
sociais) e positivas (a alteridade humana) da atividade laborativa.
“Invento a Ilha...”. O eu-lírico compõe a dialética entre a “sociedade”
utópica de um único indivíduo (uma Alagoas-Maceió onírica e sugerida
pelo repetido uso de elementos de sua paisagem), perfeita porque
tornada natureza, e a solidão que ele se impôs para construí-la. (2012)
A Ilha
SONETO N° 37
(In:http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/alagoas/carlos_molit
erno.html. Acesso em 10 out. de 2012)
POEMA N. 4
Preciso sempre
ir dentro de mim:
49
confiro-me.
E quando emerjo,
sou rochedo descobrindo-se
com a baixa da
maré.
Poema 14
A Palavra
cria, subverte e celebra
seus simbolismos
suas metáforas
seus confrontos
fracassos
fronteiras
POEMA N. 26
faço-me outra,
e nova.
50
sossegar-me nas trovoadas,
evitar as esporas do vento
nos meus cabelos.
Inútil esforço
Sei. Aos meus olhos
cola-se, diariamente,
uma alma de estopa áspera,
embora rara.
POEMA N. 29
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Graciliano Ramos (27/10/ 1892 – 20/03/1953)
Após o término do segundo grau, o autor de Vidas Secas foi morar no Rio
de Janeiro para trabalhar como jornalista. Em 1915, voltou a Alagoas para residir
em Palmeira dos Índios, com o intuito de colaborar com a empresa próspera do
pai. Nesse mesmo ano, Graciliano se casou com Maria Augusta de Barros, e após
cinco anos de casamento, ela faleceu por complicações no parto, deixando-lhe
quatro filhos.
Em 1927, Mestre Graça (como era conhecido) foi eleito prefeito de Palmeira
dos Índios. O mandato durou apenas dois anos, sendo rompido mediante renúncia
em 10 de abril de 1930.
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acusado de comunista no governo de Getúlio Vargas. No ano de 1936, publicou
Angústia, seguida de Vidas Secas (1938).
Graciliano Ramos também trabalhou como tradutor, uma vez que dominava
o inglês e o francês. Dentre as traduções, há de destacarem as obras: Memórias
de um Negro de Booker, de T. Washington, (1940) e A Peste, de Albert Camus,
(1951)
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ao problema. O que explica a linguagem díspar de Caetés, Angústia,
Vidas Secas, momentos diversos que só terão em comum o dissídio
entre a consciência do homem e o labirinto de coisas e fatos em que se
perdeu. E explica, em outro plano, o trânsito da ficção ao nítido corte
biográfico de Infância e Memó s d á ce e”. (BOSI, 2006, p. 429)
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Sarmento afirma que a obra de Graciliano não se resumiu ao romance
sociológico. Ele salienta que, além da análise das relações sociais, sobretudo,
entre as classes, há o questionamento das relações entre a literatura e a
sociedade, sendo perpassadas pelo conteúdo estilístico.
Mudança
Arrastaram-se para lá, devagar, sinhá vitória com o filho mais novo escanchado no quarto
e o baú de folha na cabeça, Fabiano sombrio, cambaio, a aió a tiracolo, a cuia pendurada numa
correia presa ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a cachorra
Baleia iam atrás.
Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o pequeno
esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se fechou os olhos. Fabiano ainda lhe deu algumas
pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatro cantos,
zangado, praguejando baixo.
Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria
responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário e a
obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas
dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.
Tinham deixado os caminhos, cheios de espinho e seixos, fazia horas que pisavam a
margem do rio, a lama seca e rachada que escaldava os pés.
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acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estômago, frio
como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve pena. Impossível abandonar o anjinho
aos bichos do mato. Entregou a espingarda a Sinha Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se,
agarrou os bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, como cambitos. Sinha Vitória aprovou
esse arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os juazeiros invisíveis.
Ainda na véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia
do rio, onde haviam descansado, à beira de uma poça: a fome apertara demais os retirantes e por
ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a cabeça, os ossos do amigo, e não
guardava lembrança disto. Agora, enquanto parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos
familiares, estranhava não ver sobre o baú de folha a gaiola pequena onde a ave se equilibrava
mal. Fabiano também às vezes sentia falta dela, mas logo a recordação chegava. Tinha andado a
procurar raízes, á toa: o resto da farinha acabara, não se ouvia um berro de rês perdida na catinga.
Sinhá Vitória, queimando o assento no chão, as mãos cruzadas segurando os joelhos ossudos,
pensava em acontecimentos antigos que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas,
novenas, tudo numa confusão. Despertara-a um grito áspero, vira de perto a realidade e o
papagaio, que andava furioso, com os pés apalhetados, numa atitude ridícula, resolvera de
supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que era mudo e inútil.
Não podia deixar de ser mudo. Ordinariamente a família falava pouco. E depois daquele desastre
viviam todos calados, raramente soltavam palavras curtas. O louro aboiava, tangendo um gado
inexistente, e latia arremedando a cachorra.
Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca, subiram uma ladeira, chegaram aos
juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra.
Sinha Vitória acomodou os filhos, que arriaram como trouxas, cobriu-os com molambos. O
menino mais velho, passada a vertigem que o derrubara, encolhido sobre folhas secas, a cabeça
encostada a uma raiz, adormecia, acordava. E quando abria os olhos, distinguia vagamente um
monte próximo, algumas pedras, um carro de bois. A cachorra Baleia foi enroscar-se junto dele.
Estavam no pátio de uma fazenda sem vida. O curral deserto, o chiqueiro das cabras
arruinado e também deserto, a casa do vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono. Certamente o
gado se finara e os moradores tinham fugido.
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murchas, um pé-de-turco e o prolongamento da cerca do curral. Trepou-se no mourão do canto,
examinou a catinga, onde avultavam as ossadas e o negrume dos urubus. Desceu, empurrou a
porta da cozinha. Voltou desanimados, ficou um instante no copiar, fazendo tenção de hospedar ali
a família. Mas chegando aos juazeiros, encontrou os meninos adormecidos e não quis acordá-los.
Foi apanhar gravetos, trouxe do chiqueiro das cabras uma braçada de madeira meio roída pelo
cupim, arrancou touceiras de macambira, arrumou tudo para a fogueira.
Nesse ponto Baleia arrebitou as orelhas, arregaçou as ventas, sentiu cheiro de preás,
farejou um minuto, localizou-os no morro próximo e saiu correndo.
Fabiano seguiu-a com a vista e espantou-se: uma sombra passava por cima do monte.
Tocou o braço da mulher, apontou o céu, ficaram os dois algum tempo aquentando a claridade do
sol. Enxugaram as lágrimas, foram agachar-se perto dos filhos, suspirando, conservaram-se
encolhidos, temendo que a nuvem se tivesse desfeito, vencida pelo azul terrível, aquele azul que
deslumbrava e endoidecia a gente.
Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra de chofre a tampa anilada baixava,
escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente.
Iam-se amodorrando e foram despertados por Baleia, que trazia nos dentes um preá.
Levantaram-se todos gritando. O menino mais velho esfregou as pálpebras, afastando pedaços de
sonho. Sinha Vitória beijava o focinho de Baleia, e como o focinho estava ensanguentado, lambia o
sangue e tirava proveito do beijo.
Aquilo era caça bem mesquinha, mas adiaria a morte do grupo. E Fabiano queria viver.
Olhou o céu com resolução. A nuvem tinha crescido. Agora cobria o morro inteiro. Fabiano pisou
com segurança, esquecendo as rachaduras que lhe estragavam os dedos e os calcanhares.
Sinha Vitória remexeu no baú, os meninos foram quebrar uma haste de alecrim para fazer
um espeto. Baleia, o ouvido atento, o traseiro em repouso e as pernas da frente erguidas, vigiava,
aguardando a parte que lhe iria tocar, provavelmente os ossos do bicho e talvez o couro.
Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, encaminhou-se ao rio seco, achou no bebedouro
dos animais um pouco de lama. Cavou a areia comas unhas, esperou que a água marejasse e,
debruçando-se no chão, bebeu muito. Saciado, caiu de papo para cima, olhando as estrelas, que
vinham nascendo. Uma, duas, três, quatro, havia muitas estrelas, havia mais de cinco estrelas no
céu. O poente cobria-se de cirros e uma alegria doida enchia o coração de Fabiano.
Pensou na família, sentiu fome. Caminhando, movia-se como uma coisa, para bem dizer
não se diferençava muito da bolandeira de Seu Tomás. Agora, deitado, apertava a barriga e batia
os dentes. Que fim teria levado a bolandeira de Seu Tomás?
Seu Tomás fugira também, com a seca, a bolandeira estava parada. E ele, Fabiano, era
como a bolandeira. Não sabia por que, mas era. Uma, duas, três, havia mais de cinco estrelas no
céu. A Lua estava cercada de um halo cor de leite. Ia chover. Bem. A catinga ressuscitaria, a
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semente do gado voltaria ao curral, ele, Fabiano, seria o vaqueiro daquela fazenda morta.
Chocalhos de badalos de ossos animariam a solidão. Os meninos, gordos, vermelhos, brincariam
no chiqueiro das cabras, Sinha Vitória vestiria de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral.
E a catinga ficaria toda verde.
Chegou. Pôs a cuia no chão, escorou-a com pedras, matou a sede da família. Em seguida
acocorou-se, remexeu o aió, tirou o fuzil, acendeu as raízes de macambira, soprou-as, inchando as
bochechas cavadas. Uma labareda tremeu, elevou-se, tingiu-lhe o rosto queimado, a barba ruiva,
os olhos azuis. Minutos depois o preá torcia-se e chiava no espeto de alecrim.
Eram todos felizes. Sinha Vitória vestiria uma saia larga de ramagens. A cara murcha de
Sinha Vitória remoçaria, as nádegas bambas de Sinha Vitória engrossariam, a roupa encarnada de
Sinha vitória provocaria a inveja de outras caboclas.
A Lua crescia, a sombra leitosa crescia, as estrelas foram esmorecendo naquela brancura
que enchia a noite. Uma, duas, três, agora poucas estrelas no céu. Ali perto a nuvem escurecia o
morro.
A fazenda renasceria e ele, Fabiano, seria o vaqueiro, para bem dizer seria dono
daquele mundo.
Uma ressurreição. As cores de saúde voltariam à cara triste de Sinha Vitória. Os meninos
se espojariam na terra fofa do chiqueiro das cabras. Chocalhos tilintariam pelos arredores. A
catinga ficaria verde.
Baleia agitava o rabo, olhando as brasas. E como não podia ocupar-se daquelas coisas,
esperava com paciência a hora de mastigar os ossos. Depois iria dormir.
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Heliônia Ceres (Maceió, 06/07/1927 – 02/02/1999)
Três anos depois, casou-se com Geraldo Motta e teve quatro meninos:
Ceres, Luciano, Maurício e Geraldinho. Ainda na década de 1950, foi professora
de francês no Colégio Santíssimo Sacramento e no Colégio Estadual Moreira e
Silva. Já na década de 1960, tornou-se professora titular de Língua e Literatura
Italiana na Universidade Federal de Alagoas.
Oito anos depois de seu primeiro livro, a contista publica Contos N° 2, com
o qual ganhou o concurso Moinho Nordeste, da Academia Alagoana de Letras. Em
1977 foi lançada a obra de aforismos Reflexões, cujas ilustrações e páginas são
azuis, caracterizando uma obra plena de originalidade. A respeito da obra, Ceres
escreve as seguintes palavras:
Em 1984, Ceres apresentou a obra Rosália das Visões. Cinco anos depois,
publicou A Procissão dos Encapuzados. Foi também em 1989 que ela embarcou
em outro tipo de narrativa com o livro Cabras-Machos (Grande Crônica de Santa
Cruz), obra que assume um contorno social ao criticar o coronelismo, a
impunidade e a luta de classes.
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Jorge Cooper (07/12/1911 – 28/04/1991)
Embora apaixonado pela poesia desde mais jovem, Cooper se tornou autor
de versos somente aos 34 anos, quando escreveu a obra Achados.
Posteriormente, o seu envolvimento com a literatura o levou a escrever um
suplemento em o Jornal de Alagoas, cuja função era de colaborador por fazer
parte de movimentos de renovação literária em Alagoas e que tinham o apoio da
imprensa local.
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médico e também poeta Charles Copper, que definiu o pai como um ser humano
que “assimila a essência de sua luta em seus poemas de linguagem original, de
pontuação sumária afeita somente aos travessões e aos parênteses, transmitindo
a necessidade e a exigência de ser o artista – ele mesmo, só ele” (JÚNIOR, 2000,
p. 3).
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INFÂNCIA TARDIA
POEMA
só morto
o homem enterra o seu passado
cavalga o dorso do tempo
não olha mais para os lados
POEMA
Minha vida
foi um mar sem porto
onde à noite
nem ao menos o olho de um farol
piscou
CONTENDA
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Passei toda a minha vida
a dizer não
ao destino
(contava agarrar minha própria sombra
Com a mão)
E o destino
Num como que arremedo
nem tão ouvido refrão
lá do outro lado me repetia
o seu não menos obstinado não.
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dos professores, Moreno Brandão que, citado pelo pesquisador Douglas Apratto
Tenório, quase desestimulou o futuro poeta ao declarar: “menino, não deve pensar
nessas coisas na sua idade. O tempo não chega para o estudo. Esse negócio de
verso atrasa um bocado” (2000, p. 4).
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Dispondo de uma obra que penetra na complexidade humana, Jorge de
Lima escreveu por meio do uso de uma linguagem poética, de um cuidadoso
vocabulário, no qual se sustentam as suas raízes regionais. Segundo Tenório, os
textos de Jorge Lima revelam uma ambivalência entre o profano e o religioso,
afirmando a obra como algo “complexo, descomunal, contraditório, irreconciliável
nos elementos que se entrecruzam nele, o caos tumultuoso e os horizontes
serenos, o impulso de ascensão e a atração cega para baixo”. (2000, p. 2).
Abaixo, o poema Essa nega Fulô, criação que gerou polêmica tendo em
vista a temática da representação da exploração do negro na literatura:
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
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Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
"minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou".
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Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!
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Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
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Em 1941, aos 17 anos, Lêdo Ivo participou do I Congresso de Poesia do
Recife, sendo considerado, à época, o poeta mais jovem do Brasil. Em 1942, em
Maceió, terminou o curso complementar no Liceu seguido para o Rio de Janeiro,
no ano posterior com o objetivo de estudar na Faculdade Nacional de Direito da
Universidade do Brasil.
Planta de Maceió
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cega a noite dos homens e desbota as corujas.
A ventania lambe as dragas podres,
entra pelas persianas das casas sufocadas
e escalavra as dunas mortuárias
onde os beiços dos mortos bebem o mar.
Mesmo os que se amam nesta terra de ódios
são sempre separados pela brisa
que semeia a insônia nas lacraias
e adultera a fretagem dos navios.
Este é o meu lugar, entranhado em meu sangue
como a lama no fundo da noite lacustre.
E por mais que me afaste, estarei sempre aqui
e serei este vento e a luz do farol,
e minha morte vive na cioba encurralada.
(IVO. http://www.revista.agulha.nom.br/ledo.html#planta. Acesso em 11 out. 2012)
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REFERÊNCIAS
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 47 ed,
2006.
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LEITE, Wolney & SOUZA, Gercino. A história de São Gregório e o fazedor de
santos. Maceió: Edufal/ PROEX, 1998.
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