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Tese Direito Ao Piropo

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Escola de Direito

Universidade Católica Portuguesa – Porto

A NOVA INCRIMINAÇÃO DA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL –


RETORNO AO DIREITO PENAL DOS BONS COSTUMES?

Mafalda Santos Costa

Porto
maio 2016
Escola de Direito
Universidade Católica Portuguesa - Porto

A NOVA INCRIMINAÇÃO DA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL –


RETORNO AO DIREITO PENAL DOS BONS COSTUMES?

Mafalda Santos Costa

Dissertação de Mestrado em Direito Criminal apresentada na Escola


de Direito da Universidade Católica do Porto sob a orientação da Senhora
Professora Doutora Maria da Conceição Cunha

Porto
maio 2016
"Quando se quer mudar os costumes e as maneiras,
não se deve mudá-las pelas leis."
(Montesquieu, 1748)
AGRADECIMENTOS

À Senhora Professora Doutora Maria da Conceição Cunha, os meus mais profundos


agradecimentos pela generosidade e pelo Saber que me foi dedicando e transmitindo ao longo
da realização deste trabalho.

À minha família, com inestimável gratidão.

A todos quantos me acompanharam ao longo desta fase do meu percurso académico, o


meu sincero bem-haja.
ÍNDICE

ABREVIATURAS E SIGLAS ................................................................................ 7

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 10

CAPÍTULO I

Evolução legislativa dos crimes sexuais no Código Penal Português .......... 12

CAPÍTULO II

O tipo legal de crime de Importunação Sexual à luz do bem jurídico 19


tutelado...............................................................................................................
1. Atos de carácter exibicionista .................................................................... 20
2. Constrangimento a contacto de natureza sexual ........................................ 25
2.1. Fronteira com o ato sexual de relevo ............................................ 28

CAPÍTULO III

A nova incriminação do art.º 170.º à luz da trigésima oitava alteração ao


Código Penal pela Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto ....................................... 33
1. Direito Internacional e Comunitário – em particular a Convenção de 33
Istambul .........................................................................................................
1.1. Confronto com o crime de Difamação e de Injúria ....................... 38
2. Adição do termo “propostas de teor sexual” no tipo legal de crime ......... 41
2.1. Criminalização do ‘piropo’? ......................................................... 44

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 50

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 52

WEB BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 58

JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................ 61
ABREVIATURAS E SIGLAS

Ac./acs. Acórdão/acórdãos
Al. Alínea
APAV Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
APMJ Associação Portuguesa de Mulheres Juristas
AR Assembleia da República
Art./arts. Artigo/artigos
BE Bloco de Esquerda
Cap. Capítulo
CDS-PP Centro Democrático Social – Partido Popular
CE Conselho da Europa
Cf. Conferir
CI Convenção de Istambul
CP Código Penal
CRP Constituição da República Portuguesa
CS Código de Seabra
CT Código do Trabalho
CTM Classificação de Transtornos Mentais
DAR Diário da Assembleia da República
Diretiva n.º 2006/54/CE Diretiva n.º 2006/54/CE do Parlamento Europeu e
do Conselho, de 5 de julho relativa à aplicação do
princípio da igualdade de oportunidades e
igualdade de tratamento entre homens e mulheres
em domínios ligados ao emprego e à atividade
profissional
Diretiva n.º 2012/29/UE Diretiva n.º 2012/29/UE do Parlamento Europeu e
do Conselho, de 25 de outubro que estabelece
normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à
proteção das vítimas da criminalidade
DL Decreto-Lei
DL n.º 496/77 Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro
DL n.º 48/95 Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março

7
DN Diário de Notícias
Ed. Edição
EM Estado-membro
GREVIO Group of Experts on Action against Violence
against Women and Domestic Violence
L Lei
L n.º 65/98 Lei n.º 65/98, de 2 de setembro
L n.º 99/2001 Lei n.º 99/2001, de 25 de agosto
L n.º 59/2007 Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro
L n.º 83/2015 Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto que autonomiza o
crime de mutilação genital feminina, criando os
crimes de perseguição e casamento forçado e
alterando os crimes de violação, coação sexual e
importunação sexual, em cumprimento do disposto
na Convenção de Istambul
L n.º 103/2015 Lei n.º 103/2015, de 24 de agosto que cria o sistema
de registo de identificação criminal de condenados
pela prática de crimes contra a autodeterminação
sexual e a liberdade sexual do menor
L n.º 129/2015 Lei n.º 129/2015, de 3 de setembro que estabelece
o regime jurídico aplicável à prevenção de
violência doméstica, à proteção e à assistência às
vítimas
L n.º 130/2015 Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro que altera o
Código de Processo Penal e aprova o Estatuto da
Vítima
L n.º 141/2015 Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro que aprova o
Regime Geral do Processo Tutelar Cível e procede
à primeira alteração da Lei n.º 103/2009, de 11 de
setembro que estabelece o regime jurídico do
apadrinhamento civil
MDEPM Manual de Diagnóstico e Estatística das
Perturbações Mentais
NU Nações Unidas
8
N.º/n.ºs Número/números
PCP Partido Comunista Português
PE Parlamento Europeu
Proc. Processo
Proposta de L 98/X Proposta de Lei 98/X, de outubro de 2006
PS Partido Socialista
PSD Partido Social Democrata
p. e p. Previsto e punido
Rec. 19 Recommendation 19 to the Convention of the
Elimination of all Forms of Discrimination Against
Women
Ss. Seguintes
STJ Supremo Tribunal de Justiça
StGB alemão Código Penal alemão
StGB austríaco Código Penal austríaco
StGB suíço Código Penal suíço
TC Tribunal Constitucional
TRC Tribunal da Relação de Coimbra
TRE Tribunal da Relação de Évora
TRG Tribunal da Relação de Guimarães
TRL Tribunal da Relação de Lisboa
TRP Tribunal da Relação do Porto
UE União Europeia
UMAR União de Mulheres Alternativa e Resposta
Vol. Volume
v.g. Verbi gratia: por exemplo
vd. Vide: veja

9
INTRODUÇÃO

Face à reconhecida atualidade relacionada com o crime de importunação sexual,


previsto no art. 170.º do CP, gerador, aliás, de um particular alarde social por via da nova
incriminação implicada na expressão “formulando propostas de teor sexual”, em
resultado da entrada em vigor da L n.º 83/2015, pareceu-nos pertinente, no âmbito da
nossa Dissertação de Mestrado, abordar o tema, procurando analisar e discutir
criticamente os pressupostos jurídicos que presidiram a uma tal alteração legislativa.

Neste contexto, e tendo sempre presente o bem jurídico que se visa proteger,
começámos por apreciar a evolução legislativa dos crimes sexuais no CP Português e a
forma como as sucessivas alterações sistemáticas foram sendo jurídico-penalmente
contempladas ao longo dos tempos (Cap. I). De seguida, procedemos à análise e
caracterização de duas das três condutas ilícitas deste tipo legal de crime (atos de carácter
exibicionista e constrangimento a contacto de natureza sexual), sem deixarmos de
atender, para cada uma delas, à destrinça entre crime de dano e crime de perigo (Cap. II).
Terminaremos esta parte, depois de uma breve alusão à Convenção de Istambul,
designadamente no que concerne ao assédio sexual e suas implicações em matéria de
crime de importunação sexual, com um conjunto de considerações dedicadas à
incriminação de propostas de teor sexual, como terceira modalidade deste tipo de crime,
refletindo se o seu sentido e alcance se justificam à luz do bem jurídico tutelado (art. 18.º,
n.º2). Esta constitui a finalidade última deste trabalho, sem deixarmos de nos
comprometer com posições pessoais que melhor aprofundaremos no Cap. III.

Temos consciência que a complexidade desta temática, inserida no âmbito dos


crimes sexuais, que tutelam direitos fundamentais como a liberdade e a autodeterminação
sexual, está longe de se esgotar nas considerações tecidas ao longo do nosso trabalho,
onde procuraremos, de forma despretensiosa, contribuir, na medida do possível, para uma
maior consciencialização do que pode estar em causa.

Apesar de toda a “histeria” mediática sobre este assunto, que redundou em


acaloradas discussões estéreis acerca da criminalização do ‘piropo’ em Portugal (para as
mulheres, ainda hoje, “um companheiro habitual nas ruas do nosso país”), será
necessário centrarmo-nos no essencial. Não se trata, na verdade, de criminalizar o
galanteio, mas as palavras ofensivas e humilhantes de teor sexual.

10
Ficamos crentes, sem falsas modéstias, que também nós poderemos, por esta via,
participar na desejável mudança de mentalidades e contribuir para um acordar de
consciências na sociedade portuguesa, contrariando o Direito Penal dos Bons Costumes,
mas defendendo a liberdade e as adequadas relações socioculturais que deverão existir
entre homens e mulheres, sem desrespeito pela sua individualidade e pelo seu direito à
diferença.

11
Capítulo I – Evolução legislativa dos crimes sexuais no
Código Penal Português

Os crimes sexuais têm sido alvo, ao longo dos tempos, de um tratamento dogmático
com múltiplas variantes. Há que reconhecer, como afirma Figueiredo Dias, que
tendencialmente se operou uma “alteração das concepções comunitárias sobre a
dignidade penal dos factos contra a liberdade e autodeterminação sexual, no sentido da
sua maximização.”1
Para uma tal tendência parece ter concorrido não só a divulgação e o alarde social
provocado por situações de criminalidade sexual que, outrora, passavam despercebidas à
generalidade dos cidadãos, de que são exemplos paradigmáticos o caso “affaire Dutroux”
(na Bélgica) ou o processo “Casa Pia” (em Portugal), como igualmente a possibilidade
legítima de se poder recorrer a Organizações Comunitárias e Internacionais, tendo em
vista salvaguardar, em última instância, a proteção de grupos maioritariamente
vitimizados, tais como crianças, mulheres e idosos.
Acresce que o fundado receio de uma utilização abusiva das redes sociais (via
internet), servindo como atração para a prática de atos desta natureza, não terá deixado
de contribuir para uma maior atenção a este tipo de problemática.
De qualquer modo, importa garantir em todos os casos o necessário equilíbrio entre
a proteção efetiva das vítimas e os “exageros fundamentalistas, umas vezes a roçar a
irracionalidade, outras a demagogia.”2

Seja como for, parece-nos fundamental, antes de mais, começar por apreciar
genericamente as alterações legislativas que mais relevaram para a nossa legislação penal,
em matéria de crimes sexuais, particularmente no que ao crime de importunação sexual
respeita, objeto deste nosso trabalho.

Quer no CP de 1852, quer no de 18863, encontramos uma tipologia pouco rigorosa


das incriminações sexuais, inserindo estes crimes nos “Crimes contra a Honestidade”

1
FIGUEIREDO DIAS, 2012, 710.
2
FIGUEIREDO DIAS, 2012, 710 e 711.
3
Em particular no seu art. 27.º que preceituava que “a responsabilidade criminal consiste na obrigação de
reparar o dano causado na ordem moral da sociedade”, in ANTUNES, 2005, 59.
12
(contra a moralidade e os bons costumes), onde o bem jurídico supraindividual tutelado
era a moral social sexual4, e não o indivíduo, enquanto Pessoa.
O legislador preocupou-se em manter a proteção da moralidade e pudor sexuais,
como se objetiva pela individualização dos crimes de ultraje público ao pudor (art. 390.º):
“compreendiam-se as acções imorais (cópula, ação impúdica ou ação indecente)
praticadas por meio de actos, gestos ou atitudes que, não acompanhadas de violência,
ofendessem o pudor público, não sendo consensual a necessidade de uma pessoa certa e
determinada se sentir ultrajada”5, de atentado ao pudor, onde a sua ação se destinava
concretamente a uma pessoa, protegendo-se a honestidade violada em concreto, por
referência a uma vítima específica (arts. 391.º e 398.º), de estupro voluntário e de violação
(art. 392.º), de adultério (art. 401.º) e de lenocínio (arts. 215.º e 216.º).

No Projeto do CP de 19826, no respeitante aos crimes sexuais, tratados ao longo de


dezoito artigos (201.º a 218.º), contrariamente aos vinte e sete que o Anteprojeto
perfilhava7 (contemplados no “Capítulo I - Dos crimes contra os fundamentos ético-
sociais da vida social”, do “Título III - Dos crimes contra os valores e interesses da vida
em sociedade” da Parte Especial), o bem jurídico protegido continuava a ser a moral
social sexual8, tendo sido introduzido, junto com o ultraje público ao pudor, o conceito
de exibicionismo, previsto no art. 212.º, ainda hoje presente no atual art. 170.º do CP,
punindo a prática, em lugar público e em condições de provocar escândalo, de atos que
ofendam gravemente o sentimento geral de pudor ou de moralidade sexual, com pena de
prisão até 1 ano e multa até 100 dias.

Criticamente, Vera Raposo afirma que “em 1982 o novo Código Penal foi incapaz
de romper definitivamente com toda e qualquer ascendência moralista, não se coibindo
de prever os crimes relativos ao pudor”9 enquanto Figueiredo Dias e Costa Andrade
afirmam que se aceita “pacificamente que a liberdade e a autenticidade da expressão
sexual são os únicos bens jurídicos que o direito penal está legitimado a tutelar nesta
área.”10

4
PEREIRA, 1996, 43.
5
ALFAIATE, 2009, 26.
6
RAMOS, 1994.
7
“O abandono da denominação de crimes contra os costumes, que se mantinha no Anteprojecto de
Eduardo Correia, mas que caiu, não surtiu o efeito real do abandono do paradigma de criminalizar como
crimes sexuais as condutas que atentassem contra a moral e os bons costumes” in ALFAIATE, 2009, 31.
8
Entendida como um “padrão rígido de comportamento a nível sexual” in CUNHA, 2002, 351.
9
2003, 934.
10
1997.
13
Foi a partir desta altura que a sociedade não só começou a ver o abuso sexual de
crianças como um problema de interesse público, como também passaram a ser
criminalizados os “Atos homossexuais com Adolescentes” (art. 175.º).

Posteriormente, a Reforma de 1995 veio alterar a inserção sistemática destes crimes


do CP, que passaram a integrar o “Capítulo V - Crimes contra a liberdade e
autodeterminação sexual”, do “Título I - Crimes contra as Pessoas.”
Assim sendo, deixaram de ser crimes contra a sociedade ou contra o Estado ligados
aos “sentimentos gerais de moralidade sexual” (art. 205.º, n.º3 do CP de 1982), para
passarem a crimes contra as pessoas11 e contra um valor estritamente individual, que é o
da liberdade12 e autodeterminação sexual13.
Esta conceção, designada por Figueiredo Dias como “proposição político-criminal,
própria de um Estado de Direito democrático, laico e pluralista”, é penalmente relevante
em matéria sexual, uma vez que só constituem crime as condutas que digam respeito a
relações sexuais não consentidas, a exploração por terceiros e as cometidas contra vítimas
que a lei considera mais vulneráveis. Nos restantes casos, deve sempre prevalecer o
direito à liberdade e à intimidade das pessoas. Entendendo-se, pois, que a punição de
atividades sexuais entre adultos, na esfera da sua privacidade, agindo de livre vontade
“significaria uma intromissão intolerável na vida íntima de cada um.”14
Já não eram a moral ou os bons costumes15 que determinavam a intervenção penal,
mas sim a pessoa do ofendido, sempre que posta em causa a expressão da sua liberdade
sexual, entendida como um direito e uma condição para o seu normal e livre
desenvolvimento.16

O “Capítulo V” é composto por três secções: “Crimes contra a liberdade sexual”,


“Crimes contra a autodeterminação sexual” e, por último, uma secção relativa às
disposições comuns das duas anteriores.

11
“Agora estamos perante a protecção da liberdade sexual das pessoas e já não de um interesse da
comunidade”, in ACTAS CP, FIGUEIREDO DIAS, 1993, 246.
12
Direito constitucionalmente consagrado no n.º1 dos arts. 25.º, 26.º e 27.º da CRP.
13
CUNHA, 2003, 196 e ss.
14
CUNHA, 2002, 351.
15
Por crimes contra os costumes entendiam-se, numa perspetiva estrita, as tipificações do CP de 1886 de
ultraje público ao pudor e ultraje à moral pública e, numa visão mais ampla, “o conjunto de infracções
penais que têm em conjunto a sua estreita relação com a vida sexual e as normas morais que a regem numa
certa colectividade e em dado momento histórico” in FIGUEIREDO DIAS, 1983, 1371.
16
Isto conduziu a que os crimes sexuais se desprendessem da conformação de valores comunitários,
consagrando a regra do carácter semi-público destes crimes.
14
As primeiras duas secções tutelam a esfera sexual da pessoa e, por isso, protegem
tanto a liberdade como a autodeterminação sexual do indivíduo, deixando, assim, de
tutelar a moral ou o pudor sexual. No entanto, o que as diferencia é o facto de na primeira
essa proteção abranger todas as pessoas, sem qualquer aceção de idade, enquanto a
segunda apenas se dirige a menores de certa idade, criminalizando condutas que não
seriam crimes se praticados entre adultos (ou seriam crimes de menor gravidade). Nesta
segunda secção, pelos motivos supra aludidos, acresce ainda o bem jurídico do livre
desenvolvimento da personalidade do menor, em particular na esfera sexual.
Também, em 1995, substituiu-se o conceito de “atentado ao pudor” (art. 205.º, n.º3
do CP de 1982) pelo de “acto sexual de relevo”17, foi criado o crime de importunação
sexual, embora sob a epígrafe de “Actos Exibicionistas” que se manteve até 2007 (art.
171.º), e introduziu-se o abuso sexual de crianças.

Por sua vez, se o DL n.º 48/95 atualizou a criminalidade sexual, passando a proteger
e a autonomizar unicamente como bem jurídico a liberdade e a autodeterminação sexual,
foi com a L n.º 65/9818 que se adaptou o CP às políticas assimiladas pela UE no domínio
da luta contra a pedofilia, criminalizando-se condutas que até então não estavam previstas
no nosso ordenamento jurídico-penal.
Tais alterações legislativas não só vieram equiparar o coito oral à cópula e ao coito
anal, considerados os mais ofensivos atos sexuais de relevo, como autonomizar o crime
de assédio sexual19 (art. 163.º, n.º2 – coação sexual-assédio – e art. 164.º, n.º2 – violação-
assédio).

Por outro lado, a L n.º 99/2001 veio agravar a criminalização de atos sexuais que
envolvessem menores, designadamente no que diz respeito à atuação e utilização dos
mesmos em material pornográfico, em circuitos videográficos e em redes sociais, entre
outros. Alterou, igualmente, os artigos 169.º, 170.º, n.º2, 172.º, 176.º e 178.º da redação
dada pela lei anterior.
Também os crimes de tráfico de pessoas e de lenocínio passaram a ser mais
abrangentes, prescindindo, desde logo, da exploração, pelo agente, da situação de
abandono ou de necessidade da vítima.

17
A doutrina dominante segue uma interpretação objetivista do conceito in FIGUEIREDO DIAS, 2012,
718. Ao invés, GONÇALVES, 2007, 624 considera essencial a intenção libidinosa do agente.
18
Influenciada pelo CP Francês de 1994.
19
Entendido como forma de coação sexual fundada no abuso de autoridade resultante de uma relação de
dependência hierárquica, económica ou de trabalho.
15
Quanto ao crime de importunação sexual, este não sofreu quaisquer alterações com
as duas últimas reformas referidas.

A Revisão do CP de 2007, por força da L n.º 59/2007, foi, sem dúvida, a que
acarretou mudanças mais significativas em praticamente todos os crimes sexuais.
Desde logo, diminuiu o âmbito do conceito de ato sexual de relevo, equiparando a
penetração vaginal e anal com objetos ou partes do corpo à cópula e, desta forma,
subtraindo os atos de penetração com objetos ou partes do corpo ao regime da coação
sexual e submetendo-os a um regime mais grave, como é o da violação.
Passou a ser considerado crime a importunação sexual (art. 170.º), alterando a
epígrafe anterior e alargando o seu âmbito ao constrangimento a contacto de natureza
sexual20 (visando punir atos que não tenham a gravidade e a dignidade própria de ato
sexual de relevo) “praticado contra a vontade da vítima e na presença da mesma ou sobre
esta (que seja constrangida a presenciar ou suportar) e, em tal medida, seja
importunada”21. Consequentemente, configuraram-se “dois ilícitos diferentes: a
importunação de outra pessoa através da prática, perante ela, de actos de carácter
exibicionista, e a importunação de outra pessoa por meio de constrangimento a contacto
de natureza sexual.”22
Criaram-se, também, os crimes de recurso à prostituição de menores (art. 174.º), de
pornografia de menores (art. 176.º) e a incriminação do lenocínio de menores passou a
incluir todos os menores, e não apenas os com idade inferior a 16 anos.
Eliminou-se, finalmente, a diferença punitiva entre atos heterossexuais e
homossexuais com adolescentes, que passaram a estar equiparados23(“Atos sexuais com
adolescentes” previsto no art. 173.º), exigindo-se sempre como requisito o “abuso de
inexperiência da vítima” com mais de 14 anos e menos de 16.24

Na verdade, na versão anterior existiam dois tipos legais (o que era revelador de um
“desvalor especial da homossexualidade” e da convicção de que só as relações
heterossexuais é que eram “normais”25): os heterossexuais (art. 174.º), onde se exigia a
inexperiência da vítima e os homossexuais (art. 175.º), onde não se fazia referência a tal

20
ANTUNES, 2008, 208.
21
Cf. Ac. do TRE de 15-05-2012.
22
RODRIGUES e FIDALGO, 2012, 816.
23
Para mais desenvolvimento MATTA, 2005.
24
FIGUEIREDO DIAS e ANTUNES, 2012, 856 e BELEZA, 1998, 91 e ss.
25
ANTUNES, 1999, 570.
16
inexperiência, o que levou a doutrina maioritária a questionar-se sobre a
constitucionalidade do tratamento diferenciado das referidas condutas.
O TC julgou, então, inconstitucional “por violação dos arts. 13.º, n.º226, e 26.º, n.º127
da Constituição, a norma do art. 175.º do Código Penal, na parte em que pune a prática
de atos homossexuais com adolescentes mesmo que se não verifique, por parte do agente,
abuso da inexperiência da vítima”28 assim como na “parte em que na categoria de atos
homossexuais de relevo se incluem atos sexuais que não são punidos nos termos do art.
174.º do mesmo Código.”29
Desta forma, “estão hoje ultrapassados – mesmo enterrados – todos os
preconceitos que envolviam a homossexualidade e, sobretudo, os comportamentos e
práticas que, preconceituosamente, pretendiam conexionar marginalidade e
homossexualidade.”30

Atualmente, a L n.º 83/2015, embora tenha alargado o âmbito da punibilidade da


importunação sexual com a introdução de “formulação de propostas de teor sexual”,
dando azo a uma acalorada discussão mediática, teve importância, fundamentalmente, na
criação de novas incriminações autónomas, como foi o caso do crime de mutilação genital
feminina (144.º-A e 149.º, n.º3), do crime de perseguição (art. 154.º-A) e do crime de
casamento forçado (art. 154.º-B), tendo também alargado o âmbito dos arts. 163.º (coação
sexual) e 164.º (violação).
De referir, por último, a entrada em vigor da L n.º 103/2015.

Em síntese, percebe-se que não só o conceito de crimes de natureza sexual assumiu


efetivamente, ao longo das épocas jurídico-legislativas31, várias designações - desde
crimes contra a honestidade, crimes contra os costumes32 e crimes sexuais em sentido
estrito (CP de 1982) até aos atuais crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual33
-, como foi longo o caminho percorrido para se valorizarem nos dias de hoje, à luz da lei
e segundo os padrões civilizacionais, todos os comportamentos que, de uma ou de outra
forma, possam violar a expressão da liberdade sexual do indivíduo.

26
“Princípio da Igualdade.”
27
“Outros Direitos Pessoais.”
28
Cf. Ac. do TC de 10-05-2005.
29
Cf. Ac. do TC de 05-07-2005.
30
LOPES e MILHEIRO, 2015, 7.
31
Para mais desenvolvimento BELEZA, 1986, 155 e ss; ANTUNES, 2010, 154 e ss e CUNHA, 2011, 465.
32
Protegendo bens comunitários como a moral e o poder público.
33
Dizem respeito aos “comportamentos que ofendem ou põem em perigo os específicos bens jurídicos que
se inscrevem na esfera sexual das pessoas ofendidas”, in FIGUEIREDO DIAS, 1983, 1376.
17
De facto, a criminalidade sexual, contextualizada no âmbito do Direito Penal, deve
e tem de ser tratada de forma diferenciada da restante criminalidade, uma vez que pode
acarretar (o que não é de todo infrequente) consequências particularmente nefastas e
duradouras para a sua vítima, não lhe dando, enquanto sujeito passivo "a oportunidade
de manifestar a sua vontade sobre o ato de natureza sexual em que se viu envolvida.”34

34
LOPES e MILHEIRO, 2015, 122.
18
Capítulo II – O tipo legal de crime de Importunação
sexual à luz do bem jurídico tutelado

O crime p. e p. no art. 170.º do CP, cuja epígrafe é “importunação sexual” está


consagrado entre nós desde a entrada em vigor da L n.º 59/2007.

Trata-se de um crime de resultado, uma vez que exige que se faça prova35 da
importunação, isto é, que a pessoa se sinta importunada ou incomodada. “Importunar”
significa “ação ou efeito de importunar. Incómodo, aborrecimento, coisa que molesta e
cansa.”36

Propomo-nos, nesta fase, abordar em particular duas das modalidades típicas deste
tipo legal de crime: os atos de carácter exibicionista e os contactos de natureza sexual,
deixando para o Capítulo seguinte a reflexão sobre a problemática gerada, na L n.º
83/2015, da expressão “formulando propostas de teor sexual”, que, no âmbito do art.
170.º, passou também a ser considerada como conduta ilícita.

Para cada uma das três modalidades acima referidas, há que questionar a dicotomia
de classificação existente entre crime de dano e crime de perigo. Ou seja, a importunação
em si mesma limita a liberdade sexual das pessoas? Ou implica um dano para a sua
liberdade de circulação em geral? Ou, ao invés, pressupõe apenas um perigo para a
liberdade sexual?
Ora, assumindo a importância de dar resposta a uma tal questão, através da análise
do tipo legal de crime nas suas várias condutas, como procuraremos fazer de seguida, a
verdade é que, do ponto de vista teórico, a destrinça entre crime de dano e crime de perigo
não parece oferecer dificuldades de maior, uma vez que ela decorre da forma como o bem
jurídico é posto em causa pela atuação do agente.
Assim, quando a “realização do tipo incriminador tem como consequência uma
lesão efectiva do bem jurídico”, estaremos perante um crime de dano, mas quando “a
realização do tipo não pressupõe a lesão, mas antes se basta com a mera colocação em
perigo do bem jurídico”37, tratar-se-á de um crime de perigo.

35
Estamos perante um crime, cujo procedimento criminal depende de queixa (art. 178.º do CP, salvo se for
praticado contra menor ou dele resultar suicídio ou morte da vítima).
36
in a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Não obstante o contexto em que é empregue, pode
também significar “insistência, instância prolongada” ou “exigência e imposição.”
37
FIGUEIREDO DIAS, 2011, 309.
19
Consequentemente, no âmbito da importunação sexual, podemos afirmar que, do
ponto de vista do bem jurídico da liberdade sexual, o crime será de dano, desde que a
pessoa se sinta importunada e o agente a queira importunar (por atuação dolosa, pelo
menos na forma de dolo eventual), pressuposto exigível para preencher este tipo legal de
crime.
Por outro lado, será crime de perigo se se entender que o tipo legal exige que os
atos praticados pelo agente (sejam eles de carácter exibicionista, contactos de natureza
sexual ou propostas de teor sexual) criem o fundado receio de que se sigam outros atos
(mais graves) de natureza sexual.

1. Atos de carácter exibicionista38

A primeira modalidade típica da importunação sexual reporta-se aos atos


exibicionistas, conceito que, como já tivemos oportunidade de referir, intitulava o art.
171.º na versão do CP de 1995, para cuja incriminação interessa distinguir se a vítima
apenas presenciou casualmente esse tipo de comportamentos, se foi coagida a presenciá-
los ou se eles se traduziram num perigo, real ou suposto39, de poder vir a sofrer outros
atos sexuais contra sua vontade capazes de ferir o bem jurídico.

Refira-se, a propósito, que este tipo de crime, em detrimento do previsto na versão


anterior do CP, onde pontuava a proteção da “moralidade”40 ou do “pudor”41 associada
aos bons costumes, passou a lograr o entendimento de que “não é o acto em si que é
passível de punição, mas o perigo42 que representa de constituir uma agressão à
liberdade sexual da pessoa perante a qual é praticado.”43

38
Têm como fonte o artigo 194.º (Exhibitionismus) do StGB suíço, o §183.º (Exhitionistiche Handlugen)
do StGB alemão, na versão anterior a 1998, e o §218.º do StGB austríaco (Sexuelle Belästigung und
öffentliche geschlechtliche Handlungen) in ALBUQUERQUE, 2015, 675.
39
Não obstante, muitas vezes, esse perigo existe mesmo, mas o problema é saber se se tem de provar a
existência desse perigo em concreto.
40
“Ultrapassa a mera imoralidade, constituindo importunação sexual(...)o acto em que o arguido chama
a atenção de menor, de quinze anos de idade, para a sua pessoa e, quando aquela olha na sua direcção,
retira das calças o seu pénis, exibindo-lho”, in Ac. do TRC de 26-02-2014.
41
Deriva do conceito de “atentado ao pudor” que, nos termos do art. 205.º, n.º3 do CP de 1982, se definia
como “o comportamento pelo qual outrem é levado a sofrer, presenciar ou praticar um acto que viola, em
grau elevado, os sentimentos gerais de moralidade sexual”, in FIGUEIREDO DIAS, 2012, 721.
42
Note-se que aqui não se exige que depois se sigam outros atos, é o próprio ato em si que pode pôr em
perigo ou causar um dano à liberdade sexual.
43
RODRIGUES e FIDALGO, 2012, 818.
20
Assim, “o agente pode ser punido por ‘atemorizar’ a vítima, homem ou mulher
(colocando em perigo a sua liberdade de autodeterminação sexual), mas não pela sua
imoralidade intrínseca.”44

Segundo uma interpretação restritiva, os atos de carácter exibicionista traduzem-


-se em atos ou gestos45 relacionados com o sexo, e não em meras palavras proferidas
contra outra pessoa, que a atemorizem ou a levem a recear que, consequentemente, possa
vir a ser vítima de um qualquer ato sexual contra a sua vontade.46
Há quem entenda que o legislador optou pela consagração de um crime de perigo
concreto para a liberdade sexual da pessoa, salvaguardando autonomamente a
incriminação deste género de comportamentos, por se tratar de um crime de resultado
(quanto à forma de consumação), tanto mais que, caso contrário, estaríamos a criminalizar
meros atos ou contingências, digamos que desagradáveis, cuja tutela não teria sentido ser
dirimida em sede de Direito Penal.47
Segundo esta perspetiva, a importunação sexual seria criminalizada como crime de
perigo, quando o agente, mais do que praticar atos exibicionistas (despir-se ou masturbar-
se na via pública, por exemplo, entendido por alguns como bagatelas penais, insuficientes
para alcançar o patamar do bem jurídico protegido), criasse o fundado receio de poder vir
a cometer outros atos de natureza sexual. Tratar-se-ia, então, tal como já referimos, de
um crime de perigo concreto.

Para além disso, é determinante para o preenchimento deste ilícito que ele ocorra
perante a vítima, independentemente de qualquer contacto físico entre agressor e vítima,
bastando que esta seja forçada a observar o ato exibicionista, qualquer que seja o grau de
afetação sexual que uma tal situação lhe suscite. Mas, na verdade, quando referimos que
os atos exibicionistas são praticados perante a vítima, será verdadeiramente a sua

44
RODRIGUES e FIDALGO, 2012, 820. Também Figueiredo Dias, ao afirmar “se é função do direito
penal proteger os bens jurídicos fundamentais da comunidade e só eles, decorre daí o mandamento de
banir do seu âmbito todas e quaisquer excrescências moralistas” in 1976, 78. No mesmo sentido, DÍEZ
RIPOLLÉS, 1985, 20 e 21; NATSCHERADETZ, 1985, 61 e ROXIN, 1976, 23.
45
O gesto obsceno pode constituir ato exibicionista, Cf. ALVES, 1995, 71, RODRIGUES, 1999, LEAL-
HENRIQUES e SANTOS, 2002, 290 e LEITE, 2011, 71.
46
Esta perspetiva tem vindo a ser maioritariamente seguida pela doutrina, face à concordância com a
inserção sistemática do crime e justificação da sua incriminação. Seguem este entendimento, o Ac. do TRP
de 06-05-2009 e o Ac. do TRC de 26-02-2014. No mesmo sentido, RODRIGUES, 1999, 534 e
ALBUQUERQUE, 2008, 468, que sustentam que o ato exibicionista só tem relevância penal se constituir
um perigo a que se lhe siga a prática de um ato sexual que ofenda a liberdade de autodeterminação sexual,
in Acs. do TRP de 16-12-2009 e 09-03-2011.
47
Cf. GARCIA e RIO, 2014, 714 e 715 e Ac. do TRP de 06-05-2009. Contra: Ac. do TRP de 09-03-2011.
21
liberdade de autodeterminação sexual que está em causa, ou antes a sua liberdade pessoal
de ação (esfera pessoal íntima) ou de omissão?

No entanto, há quem defenda a descriminalização deste tipo de atos, perante vítimas


em idade adulta48. Como salienta Muñoz Conde, “a exibição de órgãos genitais não tem
que ser mais desaprovada do que a de outras partes do corpo, salvo quando se realizem
em contexto sexual susceptível de afectar algum bem jurídico de carácter individual,
como a ‘indemnidade’49 sexual de menores ou incapazes.”50
Seja como for, posição na qual nos revemos, o que se pretende proteger é a
liberdade e autodeterminação sexual da vítima.51

Em sequência, importa ainda reter algumas considerações a propósito desta


conduta, nomeadamente no que respeita ao sujeito passivo, elemento do tipo objetivo de
ilícito. Este tanto pode ser do sexo masculino ou feminino, um menor até aos 14 anos (art.
171.º, n.º3, al.a))52 ou com idade compreendida entre os 14 e os 18 anos (art. 172.º, n.º2)
ou um adulto tido como vítima de tais atos praticados contra sua vontade.53 Deverão aqui
ser englobados, também, todos aqueles sujeitos passivos que sejam portadores de
anomalia psíquica, apesar do legislador não ter previsto, no código, qualquer estipulação
específica para este grupo de indivíduos.54

A título de exemplo, não bastará invocar simplesmente o sempre usado caso


clássico do “homem da gabardine”, que se excita ao mostrar os órgãos genitais perante
terceiros ou se masturba em casas de banho públicas ou junto de estabelecimentos de
ensino. É que cada uma destas situações deve justificar uma apreciação jurídica
necessariamente diferenciada, em função dos contextos em que ocorrem, da sua maior ou

48
MENEZES DIAS, 2008, 253 e 257. Também neste sentido FIGUEIREDO DIAS, 2012, que “recusa a
dignidade penal a ‘meros contactos de natureza sexual’ que, por definição não se traduzam em qualquer
ato sexual de relevo, rejeitando ainda fundamento para a incriminação dos actos exibicionistas perante
adultos.”
49
Significa intangibilidade sexual ou falta de capacidade de determinação sexual.
50
MUÑOZ CONDE, 2004.
51
Em conformidade com a exposição de motivos da Proposta de L 98/X ao referir que o crime de
importunação sexual é criado para “garantir a defesa plena da liberdade sexual.”
52
Esta proteção legislativa parece-nos adequada uma vez que as condutas em causa são suscetíveis de afetar
gravemente o desenvolvimento global da vítima.
53
No caso de ser menor é indiferente que o ato exibicionista tenha, ou não, ocorrido contra a sua vontade.
54
Contra este entendimento ALVES, 1995, 72. Note-se que, em Espanha, o delito de exibicionismo e
provocação sexual, no art. 185.º do CP, visa a proteção de menores e incapazes e já não a de adultos.
22
menor previsibilidade, das características da personalidade do agressor e da vítima e da
faixa etária desta, entre outras circunstâncias atendíveis ao mérito da causa.55

Mas, será que a sociedade tem de suportar este tipo de comportamentos? Isto é,
mesmo que não sejam juridicamente ‘perigosos’ no sentido de se seguirem outros atos
sexuais, terão as pessoas/vítimas de restringir a sua liberdade de circulação para não se
sentirem importunadas ou terão de visualizar atos de cariz sexual que lhes são impostos,
tendo consciência de que o direito penal nada pode fazer em relação a isso?
Questão à qual teremos de responder negativamente, à luz dos considerandos já
atrás referidos, relativamente ao crime de dano.

De facto, terá pouco sentido admitir que uma pessoa, no âmbito das suas rotinas
quotidianas (ter de se ausentar da residência, por exemplo), ao ver-se obrigada à
contingência de assistir a este tipo de atos praticados pelo agente, não se sinta incomodada
e/ou importunada. E se o “importunar” é a finalidade/objetivo do crime, tal desiderato é
bastante para que se verifique a incriminação, independentemente de outros atos que
(eventualmente) possam seguir-se.
Uma tal asserção acautela que a punição deste tipo de condutas não deixa de visar
a proteção de um bem jurídico de relevante valor, como seja a tutela da liberdade da
vítima (“importunar”) e não apenas a mera moralidade.
Nunca é de mais sublinhar que não é a questão da tutela da moralidade56 que está
em causa, mas sim a prática, pelo agente, deste tipo de atos perante a vítima desde que
eles, por si só, a importunem, limitando não só a sua liberdade sexual (negativa57), como,
frequentemente, a sua liberdade de circulação (obrigando-a, por exemplo, a mudar de
trajeto), configurando, pois, um crime de dano.

De todo o modo, apesar de os atos exibicionistas de cariz sexual não precederem


qualquer outro ato sexual adicional mais grave, outra questão que aqui também
poderíamos colocar era a de saber se o agente deverá sofrer pena de prisão ou,

55
Ressalvam-se, porém, as situações em que esses sujeitos baixam as calças como sinal de protesto contra
preceitos morais, ou mesmo quando exibem os órgãos sexuais para o público numa bancada de um estádio
de futebol, v.g. Sentença do Tribunal de Nelas referida por LOPES, 2008, 111, por não haver aqui qualquer
finalidade de índole sexual.
56
A propósito do crime de importunação sexual, “estamos, assim, perante uma opção de política criminal,
por parte do legislador, que entendeu que os referidos comportamentos ainda eram dotados de dignidade
punitiva, sendo que a criminalização da conduta em causa não teve na sua base razões ligadas ao domínio
da moral social ou da moralidade sexual, mas sim apenas a proteção da liberdade pessoal, num dos
domínios em que essa liberdade se projeta”, Ac. do TC de 20-02-2013 in ALBUQUERQUE, 2015, 642.
57
No sentido de não ter de presenciar atos de conteúdo sexual contra a sua vontade.
23
preferencialmente, como advogamos, encaminhado para instituições de saúde adequadas
a este tipo de quadros clínicos, independentemente do grau de imputabilidade
judicialmente admitida, em razão de anomalia psíquica, que não teria cabimento
desenvolver neste contexto.

Destarte, uma coisa é saber se estes atos de importunação lesam o bem jurídico
relacionado com a sexualidade da vítima, outra coisa é saber qual o melhor tratamento a
dar como consequência jurídica do crime para este tipo de situações. E mesmo que seja
considerado como crime, tal facto não implica que se venha a aplicar uma pena de prisão,
pois muitas vezes podem ser aplicadas penas suspensas com a obrigação de tratamento
ou de frequência de programas de educação sexual que, na nossa opinião, seriam mais
adequados.
Na verdade, de acordo com os ditames da Medicina, o exibicionismo - enquanto
transtorno de preferência sexual, ao estar incluído no conceito abrangente de parafilia,
que diz respeito a problemas de orientação sexual, anseios, fantasias, comportamentos
sexuais intensos e variantes do erotismo - deverá justificar, sobretudo, uma intervenção
médica (por decisão judicial), mesmo havendo uma finalidade ou tentativa de continuar
uma atividade sexual com estranhos.58

De qualquer das maneiras, “o bem jurídico tutelado pelo tipo legal de crime em
causa é inquestionavelmente dotado de dignidade bastante para ser merecedor de tutela
penal e por outro lado, embora as condutas objeto de criminalização no referido tipo
legal possam estar próximas do limiar mínimo no que respeita à carência de tutela penal,
não nos podemos esquecer que essa ‘menor’ dignidade penal ou menor danosidade de
tais condutas encontra-se refletida na sanção prevista - pena de prisão até um ano ou
pena de multa até 120 dias.”59

58
MDEPM, 2002, 569 e CTM e de Comportamento da CID-10, 1993, 214.
59
vd. Ac. do TC de 20-02-2013, in ALBUQUERQUE, 2015, 642.
24
2. Constrangimento a contacto de natureza sexual

O que está em causa nesta modalidade típica é a prática, no corpo do sujeito passivo,
de um ato de natureza sexual. Assim sendo, estariam excluídos todos aqueles que não
implicassem um contacto físico60 e todas as palavras ou gestos grosseiros de natureza
sexual dirigidos a terceira pessoa. Para além do contacto físico, é ainda necessário que a
vítima seja constrangida, ou seja, que esse mesmo contacto lhe seja imposto, que seja
praticado contra a sua vontade e que não constitua ato sexual de relevo.61
No constrangimento a contacto de natureza sexual, ainda que se possa colocar o
problema de saber se constitui um crime de dano ou um crime de perigo, a verdade é que
já não acarreta a mesma carga semântica comparativamente com os atos exibicionistas,
constituindo também um crime de dano, uma vez que, para todos os efeitos, havendo um
contacto sexual efetivo, resulta clara a desnecessidade do perigo da ocorrência de outros
atos mais graves, que, aliás, dificilmente terão lugar, atendendo à contextualização em
que tais constrangimentos geralmente se verificam.

Relativamente às condutas que poderão ser enquadráveis nesta previsão legal,


encontramos diversos entendimentos que, pese embora diferentes na sua formulação, não
deixam de convergir no essencial.
Destacamos, em primeiro lugar, Mouraz Lopes62 quando afirma que não basta a
existência de contacto de natureza sexual para configurar este tipo de crime, uma vez que
o mesmo “tem que decorrer através de alguma forma de pressão, aperto, compressão
ou coacção que configure um acto que de uma forma inequívoca cerceia a liberdade
sexual da vítima.”
Por seu turno, Ferreira Leite63 salienta que devem caber no âmbito do crime de
importunação sexual “os actos ou gestos que não envolvam contacto físico (pois esta é a
esfera do exibicionismo) ou, quando envolvendo tal contacto, que fiquem aquém do
relevo exigido para que seja praticado o crime de coacção sexual.”

60
Concordamos, neste ponto, com a doutrina maioritária, isto é, o agente tem de tocar no corpo da vítima.
No mesmo sentido, RAPOSO, 2003, 951 e MACRÍ, 2010, 81. Em sentido contrário destacamos LEITE,
2011, 60, quando afirma que “restam dúvidas quanto à exigência de que o contacto tenha natureza física
ou se também abrangerá contactos não corporais, tais como conversações intimidadoras e sexualmente
explícitas.”
61
De acordo com a Proposta de L 98/X que esteve na base da L n.º 59/2007, o tipo legal de crime de
importunação sexual abrange “o constrangimento a contactos de natureza sexual que não constituam actos
sexuais de relevo.”
62
2008, 108 e 109.
63
2011, 71-73.
25
E outros há, como Pinto de Albuquerque64, que entende que “o contacto de natureza
sexual pode incluir o toque (com objetos ou partes do corpo) da nuca, do pescoço, dos
ombros, dos braços, das mãos, do ventre, das costas, das pernas e dos pés da vítima” (...)
e que, apesar de “poder não existir uma interpretação inteiramente coincidente” quanto
às condutas deste tipo legal de crime, este “exige sempre a existência de um contacto do
agente na pessoa da vítima e de natureza sexual.”

Somos de opinião que a conduta punida por lei deverá sempre importunar a vítima
e implicar um contacto sexual com ela, que afete de forma relevante a liberdade sexual
da mesma, sem que assuma, contudo, a gravidade de ato sexual de relevo.
Este crime constitui, pois, um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem
jurídico protegido), onde o “constranger” configura um ato de coação, um impedir de
movimentos, capaz de levar e/ou obrigar, através da surpresa ou outro meio/forma de
constrangimento, determinada pessoa a suportar contacto físico de natureza sexual, que,
ao não ser livre, não poderá ser consentido.65

Por outro lado, a tipificação desta modalidade de crime pode ter lugar por qualquer
meio66, incluindo diversas formas de pressão física ou psicológica, surgindo aqui uma
dificuldade acrescida quanto a saber o que se entende por contacto de natureza sexual
com ou sem relevância penal, cujas consequências serão necessariamente diferentes.

Assim, “não é o constrangimento típico a contacto sexual que vai decidir da


punição, mas sim o facto de a vítima ser importunada por um contacto sexual”67, sendo
indiferente a forma como esse contacto é praticado, uma vez que a vítima tanto pode ser
apanhada desprevenida ou surpreendida por movimentos súbitos, inesperados ou
instantâneos68 levados a cabo pelo agente, como sujeita a abusos, perpetrados por este
(com ou sem uso de violência ou ameaça grave), fruto da autoridade que detém no seio
das relações familiares, tutela, curatela, dependência hierárquica, económica ou de

64
2008, 468-469.
65
Para mais desenvolvimento sobre a matéria do consentimento ANDRADE, 1991, 384 e ss.
66
Também segue este entendimento ALBUQUERQUE, 2010.
67
RODRIGUES e FIDALGO, 2012, 827; MENEZES DIAS, 2008, 260 e 268.
68
“A instantaneidade e a surpresa do contacto de natureza sexual afastam por um lado a relevância desse
contacto e, por outro, afasta a própria noção de constrangimento”, in MENEZES DIAS, 2008, 267. Numa
outra perspetiva, “o facto de o contacto sexual ser súbito, inesperado ou instantâneo não lhe confere
imediatamente o carácter de coactivo, mas também não lhe retira necessariamente esse carácter”, in
RODRIGUES e FIDALGO, 2012, 828.
26
trabalho. De todo o modo, para certos autores ficam desta maneira excluídas as situações
de engano, erro, manobras ardilosas ou fraudulentas ou de abuso de inexperiência.69

Neste contexto, importa, ainda, reter o facto de alguns autores questionarem a não
especificação dos meios que levam ao constrangimento da vítima, por entenderem que, a
ser assim, estaria em causa o principio da tipicidade.70
A este propósito, do nosso ponto de vista (sem nos alongarmos quanto a esta
matéria), estamos em crer que a norma é suficientemente clara para obviar a tais objeções,
desde logo porque a tutela penal não deixará de atender nunca aos contornos colocados
por cada situação em concreto e aos comportamentos assumidos pelos intervenientes em
presença.71

Em suma, poderemos afirmar, como corolário do atrás exposto, que a incriminação


da importunação sexual, através de constrangimento a contacto de natureza sexual,
implica que se verifiquem os seguintes pressupostos: haver contacto sexual sobre a
vítima, por qualquer meio; que esse contacto não tenha a dignidade de ato sexual de
relevo72; e que seja praticado contra a vontade livre daquela.73

Posto isto, urge definir o que entendemos por ato sexual de relevo, de que nos
ocuparemos a seguir, mesmo que, em termos doutrinais, não seja possível estabelecer
uma definição precisa de um tal conceito, que, ainda assim, o legislador sobrelevou
enquanto restrição à liberdade e autodeterminação da vítima, em detrimento do
constrangimento a contacto de natureza sexual e da não tipicidade de atos considerados
inexpressivos.

69
Neste sentido, MENEZES DIAS, 2008, 268 afirmando que “pouco ou nada fica para punir com esta
incriminação”, e RODRIGUES e FIDALGO, 2012, 829. Claro que nos casos de erro e engano, não havendo
dolo (de importunar), não há crime. No entanto, as manobras ardilosas ou fraudulentas, ao serem formas
de pressão sobre a vontade da vítima, podem-nos fazer questionar se são formas de constrangimento.
70
Note-se que isto também sucede no art. 163.º e 164.º, n.º2 do CP. Para mais desenvolvimento MENEZES
DIAS, 2008, 261 e RODRIGUES, 2014.
71
No que respeita ao sujeito passivo, remetemos aqui para as considerações anteriormente invocadas quanto
ao crime de importunação sexual por meio de atos exibicionistas.
72
Contrariamente ao que se afirmava na Proposta de L n.º 80/VII, 1997, 526 e ss.
73
Neste sentido Cf. Ac. do TRE de 15-05-2012.
27
2.1. Fronteira com o ato sexual de relevo74

Ato sexual de relevo75 será “todo aquele (comportamento ativo) que, de um ponto
de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um
significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, por aqui, com a
liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou pratica”, cujo relevo “representa
um entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima.”76. De
acordo com este entendimento, trata-se de “actos graves” e não de um “beliscão
passageiro.”77

Tradicionalmente78 exigia-se uma conotação subjetiva para estes atos, mais


concretamente uma intenção libidinosa (“intenção do agente de despertar ou satisfazer,
em si ou em outrem, a excitação sexual.”). Contudo, consideramos irrelevante o motivo
da atuação por parte do agente, tendo em conta o critério da interpretação objetivista do
conceito.

Já Teresa Beleza alude ao conceito de ato sexual de relevo, referindo-se ao CP


anterior a 95, como tendo uma “conotação de acto que viola a medida socialmente
adequada de pudor, ou de formas aceitáveis de relacionamento sexual, e não de medida
de liberdade.”79

De qualquer maneira, o ato em causa não tutela a moral sexual da sociedade, de um


grupo particular dessa mesma sociedade ou da vítima, pois o seu conteúdo é determinado
segundo uma “perspetiva normativa objetiva própria de uma sociedade democrática,
pluralista e tolerante.”80

74
Conceito inspirado na definição legal do 184.ºc(1) do StGB alemão, in ALBUQUERQUE, 2015, 645.
75
Conceito designado por “acção sexual” no Anteprojeto que esteve na base do Projeto de 1991, que
haveria de ser afastado pela Comissão Revisora.
76
FIGUEIREDO DIAS, 2012, 718 e 719. Esta conceção objetiva de ato sexual de relevo também tem vindo
a ser defendida por autores estrangeiros, tais como Tröndle e Maiwald.
77
In ACTAS CP, FIGUEIREDO DIAS, 1993, 251.
78
Entre nós, Eduardo Correira e Maia Gonçalves.
79
BELEZA, 1994, 51.
80
ALBUQUERQUE, 2015, 640.
28
Deste modo, o ato sexual de relevo abrangerá a cópula81 (quer vulvar, quer
vestibular), o coito anal82, o coito oral83 e a introdução vaginal ou anal com objetos e partes
do corpo (ainda que só toquem a vagina ou o ânus, sem introdução total ou parcial) 84, ao
contrário de comportamentos que se esgotem em meros beliscões ou apalpões.

Importa, ainda que escassamente, no seguimento do que foi referido quanto ao


conceito de ato sexual de relevo, salientar uma questão que nos parece pertinente para o
seu melhor enquadramento.
Existe, entre os artigos 163.º (Coação sexual), 164.º (Violação) e 170.º do CP, uma
gradação respeitante à gravidade dos atos neles inseridos.
O art. 170.º reporta-se a contactos sexuais menos graves, o art. 163.º refere-se ao
ato sexual de relevo e o art. 164.º diz respeito aos ‘atos sexuais de especial relevo’85. Estes
últimos, embora considerados atos sexuais de relevo, assumem um grau de gravidade que
ultrapassa a prevista no art. 163.º.
Por isso, considera-se que os atos sexuais mais graves (cópula, coito anal ou coito
oral e introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos) estão tipificados no art.
164.º, constituindo crime de violação, seguidos pelos atos sexuais de relevo do art. 163.º
que, por sua vez, apesar de já não comportarem a gravidade dos anteriores, têm
obrigatoriamente de ser mais graves do que os contactos de natureza sexual previstos no
tipo legal do 170.º (importunação sexual).
Permitiu-se, assim, uma ampliação do bem jurídico tutelado pela norma jurídica
manifestada quer na inclusão da introdução vaginal ou anal de objetos no âmbito do
conceito de ato sexual de especial relevo (art. 164.º), quer na inserção do constrangimento
a contacto de natureza sexual com outrem, no âmbito do art. 170.º.

Posto isto, concordamos inteiramente com este entendimento, uma vez que o
“apalpão”86 ou até mesmo as situações que ocorrem no dia a dia, como o “roçar” ou
pressionar partes do corpo contra partes do corpo de outrem, por exemplo nos transportes

81
Ato pelo qual o pénis de um homem é introduzido na vagina de uma mulher, haja ou não emissio seminis,
in Ac. do STJ de 24-09-2003.
82
Consiste na introdução, total ou parcial, do pénis de um homem no ânus de outra pessoa, com ou sem
emissio seminis.
83
É a introdução, total ou parcial, do pénis de um homem na boca de outra pessoa, com ou sem ereção, in
Ac. do STJ de 23-09-2004, e com ou sem emissio seminis.
84
V.g. de ato sexual de relevo cf. LOPES e MILHEIRO, 2015, 41 e 42. Também os Ac. do TRC de 05-06-
2013 e 02-04-2014 e o Ac. do TRP de 07-10-2009, sobre a prática de ato sexual de relevo.
85
Ou “especiais actos sexuais de relevo”, na designação de FIGUEIREDO DIAS; ou mesmo “actos sexuais
qualificados”, nas palavras de MENEZES DIAS, 2013, 75.
86
Vd. Ac. do TRP de 28-11-2012.
29
públicos ou em espaços fechados, não podem ser considerados como atos sexuais de
relevo, mas sim simples contactos de natureza sexual. Estes casos, normalmente
englobados no “frotteurismo”87(de frotter), tendem a ser tolerados socialmente, a não ser
que haja da parte do agente um aproveitamento intencional dos mesmos e, neste caso, se
a pessoa se sentir importunada, poderá reagir, hoje, pelo art. 170.º.
Outro tanto se dirá a propósito dos vulgos toques, ainda que também aparentemente
cobertos pela adequação social. Convergimos com o entendimento de Figueiredo Dias,
quando afirma que “é de excluir do conceito de ‘acto sexual de relevo’ não apenas os
actos ‘insignificantes ou bagatelares’, mas também aqueles que não representem
‘entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima’, como por
exemplo, os actos que, embora ‘pesados’ ou em si ‘significantes’, por impróprios,
desonestos, de mau gosto ou despudorados, todavia, pela sua pequena quantidade,
ocasionalidade ou instantaneidade, não entravem de forma importante a livre
determinação sexual da vítima.”88 Apesar destes atos não serem integráveis no ato sexual
de relevo, poderão alguns deles ser enquadrados no art. 170.º.
Também nas palavras de Leal Henriques e Simas Santos, o conceito de ato sexual
de relevo integra “actos que constituam uma séria e grave ofensa à intimidade e liberdade
do sujeito passivo e invada, de uma maneira objectivamente significativa, aquilo que
constitui a reserva pessoal, o património íntimo que, no domínio da sexualidade, é
apanágio de todo o ser humano.”89

E quanto ao “passar as mãos pelas coxas e os seios”? Poderemos considerar este


tipo de ações como atos sexuais de relevo?
Segundo as conceções sociais e culturalmente ainda dominantes, receamos que a
resposta a uma tal questão continue a ser negativa90, pese embora a opinião de alguns
autores, como é o caso de Pinto de Albuquerque, que considera como ato sexual de relevo
o toque em partes do corpo, como sejam os seios, nádegas, coxas e boca. Este autor,
discordando da opinião supra aludida de Figueiredo Dias, afirma que “o simples toque
nas pernas, nos seios ou nas nádegas de outrem afeta gravemente a liberdade sexual da

87
“Frotteurismo ou Frotismo: consiste na obtenção de intenso prazer ao roçar-se em outra pessoa sem seu
consentimento”, in Dicionário das Parafilias, maio, 2009. O comportamento ocorre, geralmente, em locais
de grande concentração de pessoas, o que permite ao sujeito ativo escapar sem qualquer tipo de repreensão.
88
2012, 720.
89
Vd. Acs. do TRC de 09-07-2008, 02-02-2011 e 25-01-2012 bem como os do STJ de 07-01-2010 e 09-
12-2010.
90
PEREIRA, 1996, 46.
30
vítima, que é transformada em objeto do prazer do agente, como se de uma coisa se
tratasse e de que ele pudesse dispor desde que esses atos fossem em ‘pequena
quantidade’, ou ‘ocasionais’ ou ‘instantâneos’. A vítima não tem de ser objeto do ‘mau
gosto’ ou ‘despudor’ do agente.”91

Na nossa perspetiva, em jeito de conclusão, um determinado ato só será considerado


ato sexual de relevo desde que, antes de mais, seja um ato sexual de carácter grave92
(subjacente ao princípio da proporcionalidade plasmado no art. 18.º, n.º2 da CRP),
reconhecido pela vítima como sexualmente significativo, em termos da sua liberdade e
autodeterminação sexual, para cuja apreciação casuística importa atender, entre outras
variáveis, ao circunstancialismo de lugar, tempo e condições envolventes.
Por exemplo, não merecerá uma censura diferente um simples apalpão fugaz nas
nádegas93 ou nos seios94, quando praticado por cima95 da roupa em vez de praticado por
baixo desta? E não será mais grave o toque nos órgãos genitais comparativamente com
toques no ombro, na nuca ou nas pernas96, independentemente do tipo de vestuário usado
pela vítima?
Estamos em crer que tais distinções, que nos parecem pertinentes e sobre as quais
os autores supra-aludidos não são particularmente esclarecedores, terão de ser aqui
trazidas à colação, sob pena de valorizarmos de igual modo comportamentos desiguais, a
que deverão corresponder, sempre em função dos contextos, tipos de incriminação
gradativamente diferentes quanto à sua gravidade.97

Seja como for, não podemos descartar que muitos atos de natureza sexual98, embora
configurando situações que atentem contra os normais sentimentos da vítima na esfera da
sua intimidade, não deverão ser considerados, como típicos atos sexuais de relevo.

91
2015, 646.
92
Vd. Ac. do TRC de 08-09-2010 sobre “o acto de retirar as cuecas da vítima” e o Ac. do STJ de 24-10-
1996 acerca do “acto de esfregar o pénis na vulva de uma menor e no ânus de um menor.”
93
Vd. Ac. do TRL de 25-09-2014 sobre o ato de “apalpar o rabo, de surpresa e contra a vontade da
ofendida.”
94
Vd. Ac. do TRC de 12-01-1996.
95
Vd. o Ac. do TRG de 02-02-2009 em relação a “actos de agarrar as ancas, colocar as mãos no peito por
cima da roupa e apertar os seios.”
96
Vd. Ac. do TRP de 06-05-2009 acerca do toque nas pernas e na zona genital.
97
V.g. “O arguido que agarra a vítima pela cintura, apalpa-lhe o ânus, por duas vezes e tenta tirar-lhe as
calças que vestia, tanto na Lei antiga, como na Lei nova, não pode deixar de ser considerado como acto
sexual de relevo e não mero constrangimento a contacto de natureza sexual” in Ac. do TRC de 22-04-
2009.
98
V.g. simples beijo, ou sua tentativa contra a vontade da vítima. Contrariamente, o Ac. do TRL de 28-05-
1997 sobre “beijos procurados nas zonas erógenas do corpo, como os seios, a púbis, o sexo” cf. GARCIA;
RIO, 2014, 682 e 686. Também, neste sentido, constituindo ato sexual de relevo, o ‘beijo lingual’ ou com
31
Cabem aqui o toque seja com objetos, seja com partes do corpo, na nuca, no
pescoço, nos ombros, nos braços, nas mãos, no ventre, nas costas, nas pernas e nos pés
da vítima. Há quem defenda, ainda, que constitui a modalidade de contacto de natureza
sexual “a aproximação física do corpo do agente ao da vítima de modo que quase se
toquem, incluindo a aproximação frente a frente e da frente do agente às costas da vítima,
mas excluindo a aproximação das costas do agente às costas da vítima.”99

Em suma, todos estes atos, que não configuram atos sexuais de relevo, constituem,
hoje, contactos de natureza sexual a serem enquadrados no art. 170.º do CP, por não
deixarem de afetar, de forma mais ou menos proeminente, a liberdade sexual da vítima.

a ‘carícia insistente’, in FIGUEIREDO DIAS, 2012, 720 e LOPES e MILHEIRO, 2015, 41 e 42, ao
considerarem, como ato sexual de relevo, o “beijo lingual e a excitação do clitóris de uma paciente na
ocasião de um exame ginecológico.”
99
ALBUQUERQUE, 2015, 677.
32
Capítulo III – A nova incriminação do art. 170.º à luz da
trigésima oitava alteração ao Código Penal
pela Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto

1. Direito Internacional e Comunitário – em particular a


Convenção de Istambul

Convirá, antes de mais, manifestarmos a nossa mais profunda preocupação por


continuarmos a assistir a uma diferenciação discriminatória em matéria de direitos
humanos e de direito das mulheres, não obstante todo o percurso nacional e internacional
que tem vindo a ser percorrido e o conjunto de instrumentos legais da UE100 e a nível
internacional que têm vindo a ser aprovados a propósito do assédio sexual, cujo conceito
encerra uma violação clara do princípio da igualdade de tratamento entre homens e
mulheres.

Como é que podemos aceitar que, em pleno século XXI, ainda não tenhamos
conseguido pôr termo a esta sórdida discriminação em razão do género?

A 11 de maio de 2011, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o


Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (doravante, CI101) foi
aprovada pela Resolução da AR n.º 4/2013, de 14 de dezembro de 2012, e ratificada pelo
Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, publicados no DAR, I série, n.º 14, de
21 de janeiro de 2013, entrando em vigor a 1 de agosto de 2014.102
É, sem dúvida, um marco histórico e importantíssimo especialmente no que toca
aos crimes violentos (como são os casos de casamento forçado, assédio sexual, mutilação
genital feminina, perseguição e violências físicas, psicológicas e sexuais, incluindo
violação, aborto forçado e esterilização forçada), e um instrumento jurídico inovador
contra a violência de género no seio do CE pois obriga os Estados (que a ratificaram) a
criminalizar certo tipo de comportamentos e a prosseguirem tal intenção,
independentemente da vontade das vítimas.

100
Nomeadamente a Diretiva 2012/29/UE e a Diretiva n.º 2006/54/EC.
101
Nos trabalhos preparatórios, em sede do CE, apenas estava focada na violência doméstica.
102
Até este momento, 13 Estados ratificaram a CI, tendo sido Portugal o 1.º EM da UE a aderir.
33
Admite (ultrapassando a visão adotada na legislação nacional pela L n.º 112/2009
que não identifica as mulheres como principal grupo alvo de violência) que “a natureza
estrutural da violência exercida contra as mulheres é baseada no género103, e que a
violência contra as mulheres104 é um dos mecanismos sociais cruciais pelo qual as
mulheres são forçadas a assumir uma posição de subordinação em relação aos
homens.”105

Neste particular, importa aludir ao GREVIO, enquanto órgão especializado e


independente, recentemente constituído106, a quem incumbe a responsabilidade do
acompanhamento e monitorização da implementação da CI pelos seus Estados-Parte.
Composto por um mínimo de 1 e um máximo de 15 membros, o GREVIO terá em
conta “uma representação equilibrada de género e uma distribuição geográfica
equitativa, bem como uma especialização multidisciplinar.”107 Tem como objetivos a
elaboração de relatórios de avaliação de medidas legislativas e políticas e outras tomadas
pelas partes, podendo dar início a um procedimento de inquérito especial quando for
necessário evitar um padrão grave de quaisquer atos de violência, assim como a adoção
de recomendações gerais sobre temas e conceitos da Convenção.

Em nosso entender, a CI pretende, entre outros objetivos, combater a violência


doméstica com particular importância para a violência de género exercida contra as
mulheres, impor aos Estados o dever de sancionar diversas formas de violência, enfatizar
as medidas de proteção e apoio às vítimas e prever a articulação com outros instrumentos
internacionais de referência.
Nomeadamente, o art. 49.º impõe a obrigação geral, comum a todas as formas de
violência abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente Convenção, de adotar
medidas de investigação, processuais e de proteção108 das vítimas de violência de género.
Por seu turno, o art. 50.º estabelece que os Estados-Parte devem adotar medidas
legislativas que se revelem necessárias para que as autoridades respondam de imediato
e adequadamente a todos os crimes de violência contra as mulheres, assegurando uma
proteção adequada e imediata às vítimas (n.º1), e empenhar-se na prevenção e na

103
Art. 3.º, al. c) da CI.
104
Art. 3.º, al. d).
105
Preâmbulo da CI.
106
A 4 de maio de 2015.
107
Art. 66.º, n.º2 da CI.
108
CRUZ, 2015, 93.
34
proteção das mesmas, o que inclui medidas operacionais preventivas e de recolha de
provas (n.º2).
No seu art. 51.º impõe-se, ainda, o dever de as partes adotarem medidas quer para
garantir que todas as autoridades competentes avaliem o risco de mortalidade, a
gravidade da situação e o risco de repetição da violência, de modo a gerirem o risco e,
se necessário, garantirem segurança e apoio coordenados (n.º1), quer para que a
avaliação do risco tenha devidamente em conta o facto de os perpetradores de atos de
violência abrangidos pela Convenção possuírem ou terem acesso a armas de fogo, em
todas as fases da investigação e da aplicação das medidas de proteção (n.º2).

A Convenção “reconhece a vida perigosa que as mulheres e as meninas têm de


enfrentar no seu dia-a-dia, na família, na rua, na escola e no trabalho, bem como as
práticas discriminatórias de que são alvo pelo único facto da pertença a um género, o
feminino” e garante o “seu direito a viver sem violência e sem medo.”109
Em Portugal, este assunto não deixou de ser objeto de discussão, no sentido de se
adotar e/ou adequar a nossa legislação à CI, pois na verdade há, tal como salienta Clara
Sottomayor, uma certa dificuldade em criminalizar formas de violência sexual mais subtis
contra as mulheres e cuja incriminação implicaria restrições ao que tem sido considerado
uma liberdade “natural”, até mesmo trivializadas pela cultura ocidental, ou um privilégio
dos homens, como é o caso da punição de condutas previstas no art. 40.º da CI, sob a
epígrafe “Assédio sexual”, que dispõe que “as partes deverão adotar as medidas
legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar que qualquer tipo de
comportamento indesejado de natureza sexual, sob forma verbal, não verbal ou física,
com o intuito ou o efeito de violar a dignidade de uma pessoa, em particular quando cria
um ambiente intimidante, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo, seja passível de
sanções penais ou outras sanções legais.”

Quando praticado em contexto laboral110, o assédio sexual visa condicionar o


próprio acesso ao trabalho, a sua manutenção, eventuais promoções profissionais através
de obtenção de favores sexuais ou até mesmo a criação de um ambiente intimidatório
baseado em comentários não desejados e de natureza sexual, prejudicando o rendimento
profissional.

109
SOTTOMAYOR, 2015, 106.
110
Art. 29.º do CT.
35
O que acontece nestes casos é que a maioria das vítimas não apresenta queixa por
vergonha, medo de perder o emprego ou de represálias. Falamos de um tipo de violência
sobre as mulheres que “integra comportamentos como conversas indesejadas sobre sexo,
anedotas ou expressões com conotações sexuais, contacto físico não desejado,
solicitação de favores sexuais, pressão para ‘encontros’ e saídas, criação de um
ambiente pornográfico, abuso sexual e violação, entre outros.”111

Como entende a UMAR e a APAV, a previsão do assédio moral e sexual no local


de trabalho é insuficiente para a dimensão e gravidade desses comportamentos.
Porém, quando praticado nas ruas, assume características específicas. Neste
contexto, as vítimas são, preferencial e maioritariamente, do sexo feminino e os
assediadores do sexo masculino, o espaço onde ocorre é público e existe contacto facial
entre o assediador e a vítima.112

O assédio sexual (quer entre professores e alunos, empregadores e empregados,


passando pela agressão a que as jovens e as mulheres estão sujeitas na rua, com as
consequências que daí podem advir para o seu equilíbrio emocional/afetivo) “está
legitimado por uma cultura (machista e) sexista permissiva com a agressividade sexual
masculina e que presume a disponibilidade sexual das mulheres para os homens,
transmitindo às adolescentes, que circulam na rua, a sensação de o seu corpo ser um
objeto sexual dos homens.”113 A cultura não pode, de todo, ser invocada para justificar a
violência contra as mulheres. De acordo com o art. 42.º da CI, são justificações
inaceitáveis para estes crimes “a cultura, os costumes, a religião, a tradição ou a pretensa
honra.”

Para além disso, não podemos continuar a aceitar a “normalização”, pois o


“silenciamento e a cultura patriarcal têm contribuído para que o assédio sexual seja uma
prática social com impunidade em Portugal.”114. Na verdade, o que diferencia este tipo
de conduta de outras que implicam uma índole afetiva, é a ausência de reciprocidade,
apresentando-se como um ato que causa constrangimento à vítima que se sente invadida,
ameaçada, agredida, lesada, perturbada e ofendida.

111
ISABEL DIAS, 2008, 13.
112
Baseado em SOTTOMAYOR, 2015, 75.
113
SOTTOMAYOR, 2015, 116.
114
MAGALHÃES, 2011, 107.
36
De facto, a L n.º 83/2015 foi o primeiro passo dado pelo Estado Português por forma
a cumprir a CI, analisando e adequando as medidas em que a lei penal se mostrava
insuficiente para proteger os direitos humanos das mulheres, nomeadamente a sua
liberdade e autodeterminação sexual e integridade pessoal. Com semelhantes
preocupações, podemos referir as leis n.ºs 103/2015, 129/2015, 130/2015 e 141/2015.
No entanto, a recente alteração ao CP decorrente da já referida L n.º 83/2015, apesar
de não ter autonomizado, nos mesmos termos da CI115 e do adotado por outros países116,
o crime de assédio sexual nas ruas e no trabalho, incluiu, dentro do crime de importunação
sexual, a expressão de “propostas de teor sexual”, que abrange algumas formas de assédio
verbal ou gestual.

Concluímos, reconhecendo que, para o combate à violência de género (de que as


mulheres são as principais vítimas), é necessário uma mudança de mentalidades e um
acordar de consciências na sociedade portuguesa através, por exemplo, de ações de
sensibilização nos locais de trabalho, nas escolas e nas universidades, assim como é
necessário que se acelerem os processos judiciais, tornando mais eficazes as medidas de
coação possivelmente aplicáveis aos agressores, por forma a proteger antecipadamente as
vítimas.

E se é certo que muito se evoluiu em Portugal nesta matéria, não é menos verdade
que há ainda um longo caminho a percorrer, uma vez que os casos quer de violência
doméstica, quer de atentados contra mulheres ou de abusos sexuais continuam a acontecer
com frequência inusitada, a que importa dar resposta, comprometendo o Todo Social.
De facto, a igualdade de direitos já consagrada na Lei não só tem de se refletir no
nosso quotidiano e na realidade do quadro social e cultural em que vivemos, como
igualmente implica que cada um de nós, enquanto cidadão, saiba contribuir de forma pró-
ativa para a mudança do status quo instalado.

115
Também a APMJ, em sede de parlamento, sugeriu uma redação para o crime de assédio sexual. Vd. teor
in apmj.pt.
116
V.g. Brasil, Espanha e França.
37
1.1. Confronto com o crime de Difamação e de Injúria

Os crimes de difamação (art. 180.º) e de injúria (art. 181.º) estão contemplados no


Cap. VI – “Dos crimes contra a Honra”, do Título I – “Crimes contra as Pessoas”,
pertencentes ao Livro II do CP.
Ora, parecendo-nos dispensável e até descabido, no contexto deste trabalho, um
desenvolvimento aprofundado deste tipo de crimes, não podemos, ainda assim, deixar de
abordar algumas das noções genéricas que lhes estão implícitas, uma vez que há quem
entenda que estes tipos legais já conferem proteção às vítimas de “assédio de rua.”
Em ambos os casos, é inequívoco que o legislador pretendeu reafirmar a dignidade
penal do valor da honra e da consideração pessoal, já indiciada pela CRP (art. 26.º) como
bem pessoalíssimo e imaterial. E, ao qualificar os crimes contra a honra como crimes
particulares (art. 188.º), “considerou que o inequívoco ‘detentor’ do bem jurídico honra
é o próprio sujeito, a própria pessoa de quem ela é qualidade intrínseca ou atributo.”117

O bem jurídico da honra é, pois, complexo, apresentando distintas definições,


conforme a conceção em que se insere, seja uma conceção fática, normativa ou
interpessoal.118

O que importa reter é que esse mesmo bem jurídico inclui quer o valor pessoal ou
interior de cada indivíduo, enraizado na sua dignidade, quer a própria reputação ou
consideração exterior119, como salientava Figueiredo Dias ao afirmar que “a
jurisprudência e a doutrina jurídico-penais portuguesas têm correctamente recusado
sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídico ‘honra’,
que o faça contrastar com o conceito de ‘consideração’(...)ou com os conceitos jurídico-
constitucionais de ‘bom nome’ e de ‘reputação’. Nomeadamente nunca teve entre nós
aceitação a restrição da ‘honra’ ao conjunto de qualidades relativas à personalidade
moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção
entre opinião subjectiva e opinião objectiva sobre o conjunto das qualidades morais e
sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito quer puramente fático, quer – no outro
extremo – estritamento normativo.”120

117
COSTA, 2012, 905.
118
Para mais desenvolvimento COSTA, 2012, 907-911; ANDRADE, 1996, 79 e SILVA DIAS, 1989, 19.
119
Cf. Ac. do TRL de 17-05-2006.
120
FIGUEIREDO DIAS, Ano 115º, 105.
38
De todo o modo, estes dois tipos legais de crime, não obstante serem crimes
dolosos, distinguem-se entre si uma vez que, enquanto na difamação a violação da honra
é levada a cabo com a intervenção de um terceiro, a injúria se concretiza numa ofensa
que é praticada de forma direta, isto é, perante a vítima, sendo esta uma pessoa
identificável. Para além disso, este último apresenta uma das mais baixas molduras penais
abstratas previstas no CP (pena de prisão até 3 meses ou pena de multa de 120 dias),
tradutora da forma como o legislador valorou o bem jurídico honra, nas suas múltiplas
refracções, embora tal facto não deva constituir prova inequívoca da sua menor
dignidade penal.121

Seja como for, é imperioso proceder à comparação entre estes crimes e o assédio
sexual, nomeadamente o de rua, isto é, verbal, previsto no art. 40.º da CI e no art.170.º do
CP.
Um dos primeiros pontos sobre o qual importa refletir é o conteúdo sexual,
humilhante e invasivo, contido nas palavras usadas para cometer assédio sexual, sem
propriamente levar em linha de conta a defesa do bom nome ou reputação, cuja proteção
se encontra prevista nos crimes de difamação e de injúria. Acresce que o bem jurídico
tutelado por estas normas penais é, como já tivemos oportunidade de referir
anteriormente, o bom nome da pessoa, a sua honra ou consideração, enquanto na
penalização do assédio sexual se protege a liberdade sexual, a autonomia e a livre
circulação, por se tratar de bens jurídicos mais íntimos e integradores da personalidade.122

Tal como afirma Clara Sottomayor, “o assédio sexual atinge direitos fundamentais
mais profundos do que aqueles que são protegidos pela injúria, uma vez que ofende a
integridade psíquica e sexual, a liberdade de ocupar o espaço público, a liberdade de
existir e a liberdade de expandir a personalidade.”123
Segundo a mesma autora, o assédio sexual diferencia-se também destes crimes pela
intencionalidade e significado social em que se consubstancia. Referimo-nos, por
exemplo, à pressão que, maioritariamente, é exercida sobre mulheres, impelindo-as a
evitar o espaço público, remetendo-as para a esfera da vida privada e familiar, numa
manifestação de desprezo pelo simples facto de serem mulheres a quem se atribui o mero
estatuto de objeto sexual124.

121
COSTA, 2012, 937.
122
SOTTOMAYOR, 2015, 119.
123
SOTTOMAYOR, 2015, in mariacapaz.pt.
124
SOTTOMAYOR, 2016, 83.
39
A CI considera o assédio sexual como violência de género125, dirigida sobretudo e
de uma forma desproporcionada às mulheres, por via da desigualdade de poder e de
hierarquia, por regra existentes entre assediador e vítima, contrariamente ao que se
verifica no crime de injúria. Com efeito, este último, para o qual não relevam as questões
de género, tende a ocorrer entre pessoas sem relação de hierarquia entre si e
independentemente do seu conhecimento relacional, como tantas vezes se verifica em
discussões insultuosas ocorridas no âmbito da circulação rodoviária.
Na verdade, há naturalmente palavras que acarretam um desvalor objetivamente
ofensivo quando proferidas em quadros situacionais próprios, as quais não terão,
supostamente, o mesmo significado em contextos socioculturais onde a pessoa está
inserida seja ao nível da sua vivência familiar, seja no âmbito da conjugalidade.

Finalmente, importa sublinhar que a integração do assédio sexual no crime de


injúria, não qualificando o comportamento através de uma linguagem que reflita a
experiência das vítimas, pode perpetuar o silêncio126, ao não permitir aos ofendidos agir
contra o carácter criminoso da conduta de que são alvo, nem ter a noção dos direitos
humanos que estão a ser violados, perdendo-se todo o efeito simbólico que a
criminalização autónoma do tipo legal do assédio sexual pode e deve ter na
comunidade.127

Em suma, podemos concluir que o crime de assédio sexual tem especificidades


significativas relativamente ao crime de injúria e ao de difamação. De facto, as palavras
proferidas no assédio são convites intrusivos e invasivos da intimidade da pessoa,
recorrendo frequentemente a alusões ao seu próprio corpo.
As pessoas, e neste caso referimo-nos essencialmente às do sexo feminino, têm o
direito de não ser importunadas. Esta é, sem dúvida, uma aquisição civilizacional. Como
já defendia Teresa Beleza, “a liberdade de andar nas ruas sem ser molestada devia estar
consagrada na Constituição.”128

125
A autonomização do assédio corresponde a um processo semelhante ao que conduziu à tipificação da
violência doméstica. Este abrange comportamentos já previstos na ofensa à integridade física ou na ameaça,
mas cuja individualização visou refletir a natureza familiar ou parafamiliar da relação entre as partes e o
contexto sociocultural em que o crime é praticado, tornando-o objeto de um juízo de reprovação jurídica
mais intenso, in SOTTOMAYOR, 2016, 84.
126
“A sociedade que impede ou estigmatiza a sua expressão, através de mecanismos subtis de censura e
de uma atitude de incredulidade, pratica uma grave violação dos direitos humanos”, in SOTTOMAYOR,
2007.
127
SOTTOMAYOR, 2015, 117 e 119.
128
1998, 92.
40
2. Adição do termo “propostas de teor sexual” no tipo legal de
crime

Esta alteração teve origem no Projeto de L n.º 661/XII/4ª, apresentado pelo Grupo
Parlamentar do BE (da autoria da Deputada Cecília Honório), que propôs a iniciativa
legislativa de autonomizar o tipo legal de assédio sexual no CP129, abrangendo “desde o
assédio sexual entre professores e alunos, passando pela agressão a que as jovens e
mulheres estão sujeitas na rua, até aos custos para o desenvolvimento da personalidade
de jovens adolescentes, vítimas privilegiadas destes comportamentos.” Esta deputada
começou, desde logo, por sublinhar que os compromissos, por parte de Portugal, com a
CI, no combate a todas as formas de violência de género estão longe de se esgotar na
questão legal, face aos aspetos socioculturais ainda dominantes no nosso país, havendo,
neste particular, um longo caminho a percorrer.
Também a Deputada Isabel Moreira (PS) enfatizou, no âmbito do mesmo Grupo de
Trabalho, a propósito dos Direitos Humanos, que o “livre desenvolvimento da
personalidade tem vindo a ser negado a mulheres e raparigas de uma forma ultrajante.”
No entanto, apesar da insistência por parte do BE, tal iniciativa não conseguiu
alcançar os objetivos pretendidos, por discordância quer do PSD, quer do PS, quer do
CDS-PP, por entenderem que o assédio sexual se encontra abrangido noutros tipos legais
de crime, nomeadamente na proposta de alteração da importunação sexual e na nova
redação prevista para o crime de perseguição130, para além de entenderem que o Direito
Penal só deverá ser chamado a intervir quando uma tal intervenção, suficientemente
ponderada e adequada aos fins em vista, se julgar, de todo, indispensável.

Foi com a entrada em vigor da L n.º 83/2015, que o crime de importunação sexual
foi objeto de um aditamento da expressão “formulando propostas de teor sexual”131, como
nova conduta censurável.

129
Desaparecendo o crime de importunação sexual, que seria consumido pelo crime de coação; este último
passaria a punir todos os atos sexuais não consentidos, sem restrição dos atos sexuais de relevo. Vd. teor in
app.parlamento.pt.
130
Projeto de L 647/XII, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD e CDS.
131
Aprovado com votos a favor do PSD, PS, CDS-PP e PCP e abstenção do BE.
41
Neste contexto, interessa, antes de mais, não só indagar o que se pretendeu
criminalizar e qual o sentido da formulação aprovada, bem assim como se existiriam, ou
não, outras formas mais adequadas para tratamento jurídico-penal do problema em
questão (que vem dando azo a tantas e diversas interpretações), se não mesmo questionar
da importância da sua aplicabilidade prática.

Importa, também aqui, recolocar a questão acerca do crime de dano e do crime de


perigo, tal como por nós foi suscitada anteriormente em relação às outras condutas ilícitas
da importunação sexual. Ora, tratando-se, como se trata, de propostas de teor sexual, urge
que nos interroguemos se tais propostas intrusivas, ouvidas em local público, poderão,
por si mesmas, importunar efetivamente uma pessoa (crime de dano), ou se,
concomitantemente, é necessário que haja o perigo de o agente vir a praticar outros atos
de natureza sexual (crime de perigo).
Por outros palavras, será imperativo que a pessoa receie (e muitas vezes receia),
que o agente prossiga com outros atos mais graves? Ou não se poderá considerar que
constitui conduta ilícita o simples facto de lhe serem dirigidos comentários depreciativos,
humilhantes e até ofensivos sobre o seu corpo (ou partes do corpo), o tipo de vestuário e
o cuidado e arranjo pessoal com que se apresenta?

É do nosso conhecimento empírico que, sociológica e estatisticamente, estas


propostas configuram uma violência de género, uma vez que são praticadas
maioritariamente contra mulheres, ainda que a lei (e bem, em nosso entender) não tenha
estabelecido qualquer tipo de diferenciação em razão do sexo.
Segundo Pinto de Albuquerque, no termo “propostas” estão incluídas “palavras ou
sons exprimidos e comunicados pelo agente, tais como piadas, questões, considerações,
exprimidas oralmente ou por escrito, bem como expressões ou comunicações do agente
que não envolvam palavras ou sons, como por exemplo, expressões faciais, movimentos
com as mãos ou símbolos.”132
Na opinião de André Dias Pereira, a prática de formular propostas de teor sexual
significa “proferir palavras orais ou escritas de convite/incitação/estímulo a práticas,
conteúdos, sentidos semânticos de teor sexual.”133
Concordamos com ambos os entendimentos expressos, julgando enquadráveis
neste novo conceito do crime de importunação sexual, alusões indesejadas, inoportunas,

132
ALBUQUERQUE, 2015, 642.
133
In 2016, capazes.pt.
42
grosseiras, humilhantes e embaraçosas (dirigidas às mulheres), assim como convites
constrangedores, comentários de mau gosto à sua aparência física, conversas indecorosas
sobre sexo, solicitação de favores sexuais e outras formas de pressão para encontros,
saídas, etc.

Em conformidade, somos de opinião que o crime de dano é o que melhor retrata


este tipo de comportamentos, desde que a vítima da importunação se sinta realmente
importunada (só assim será verdadeiramente vítima), sendo certo que a liberdade
individual no plano sexual é, inequivocamente, compaginável com conversas de natureza
sexual, independentemente do seu teor, dos interlocutores que a própria pessoa eleja e
dos contextos espácio-temporais onde esses assuntos possam ser tema de conversa com
maior ou menor intimidade, desde que se trate de condutas não impostas.

Na verdade, isto está em sintonia com o próprio bem jurídico que a norma pretende
tutelar. Por um lado, a liberdade sexual em geral, no sentido de a pessoa poder ouvir
afirmações de teor sexual de quem quiser e onde quiser não fica prejudicada; por outro
lado, a proteção de um direito a estar só, “na esfera íntima da personalidade que
configura a sexualidade e o corpo, mesmo em locais públicos”134, fica salvaguardada.

Finalmente, resulta claro que, seja qual for a modalidade considerada deste tipo de
crime, estaremos sempre perante um crime de dano, porque na afirmação “importunar
outra pessoa” não deixa de estar implícito um dano/incómodo para a vítima, quaisquer
que sejam as intenções do agente no sentido de vir, ou não, a praticar outros atos que
constituam perigo para esta, a que, aliás, a lei não faz referência.
Nas palavras de Dias Pereira, a prática do crime de importunação sexual “ofende a
liberdade sexual, a liberdade de não ser importunado por terceiros, sem solicitação, fora
de um âmbito de adequação social, para uma prática de extrema intimidade e que tem,
na maior parte das vezes, um sentido des-subjetivante, apenas transformando a pessoa,
normalmente uma mulher, num objeto, numa res, à mercê de uma observação do único
sujeito da relação, o que viola o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º da
CRP).”135

134
O bem jurídico tem, desta forma, um carácter misto: “proteção da liberdade sexual, da reserva da
intimidade da esfera sexual, mesmo em espaços públicos, e da integridade moral”, in 2016, capazes.pt.
135
In 2016, capazes.pt.
43
2.1. Criminalização do ‘piropo’?

A ‘criminalização do piropo’ desencadeou um grande alarde social, sobretudo a


partir da publicação no DN de um artigo assinado pela jornalista Fernanda Câncio, em de
28 de dezembro de 2015, intitulado “Piropos já são crime e dão pena de prisão até três
anos”136, sendo que, até essa altura, a alteração legislativa ao CP, em agosto, relativa ao
crime de importunação sexual, tinha passado praticamente despercebida aos olhos do
cidadão comum.
A partir daí, relançou-se o debate suscitado pelo BE, vindo inúmeros jornais online,
a rádio e a TV, blogs e redes sociais a replicar o tema, com atoardas do tipo “um piropo
poder dar cadeia”137 ou “piropos a caminho do tribunal.”138
Este assunto rapidamente deu azo a opiniões que ridicularizavam a situação,
adjetivando-a como “exagero”, “histeria feminina”, “atentado à liberdade de expressão”
ou “fim da sedução”, de tal forma que “a linguagem mediática passa a ser a única
linguagem utilizada, desvirtuando-se mecanismos e institutos processuais com conteúdos
precisos e diferenciados. O que se transmite através de uma linguagem imprecisa,
telegráfica, condicionada pelo tempo da informação, torna-se a ‘realidade’. Os
mecanismos de comunicação real ultrapassam e substituem, de facto, os mecanismos
legítimos de procedimento. E quando isso acontece deslegitima-se o sistema.”139
Em nossa opinião, se é verdade que na base da elaboração dos diversos tipos
criminais se impõe uma rigorosa definição das condutas típicas que os integram, de forma
a que a proteção não deixe de ter uma abrangência adequada e suficiente, afigura-
-se-nos absurdo, ainda assim, que o ‘piropo’ pudesse vir a integrar quer o crime de
assédio, quer o de importunação sexual.140
Com efeito, existe uma clara distinção entre assédio sexual e o que pode ser
considerado ‘piropo’, obrigando à incriminação do primeiro mas já não do segundo141,

136
Vd. dn.pt.
137
Vd. rtp.pt de 28-12-2015.
138
Vd. visão.sapo.pt de 28-12-2015.
139
LOPES e MILHEIRO, 2015.
140
Como afirma Clara Sottomayor “esta alteração(...)abrange uma intenção de proposta ou revelação ou
intenção, de forma que nem todos os assédios sexuais estão englobados.”. Contrariamente, “O assédio
inclui comportamento sexual indesejado como contacto físico ou avanços, comentários sexuais coloridos
e propostas sexuais, seja por ações ou palavras” in Rec. 19.
141
“O medo que os piropos geram nas mulheres é um medo simbólico, irracional, corresponde mais a uma
lembrança do que nos pode faltar, a qualquer momento: a esfera de segurança e de conforto.” in LEITE,
2015, in mariacapaz.pt.
44
mesmo tratando-se de sociedades patriarcais, ainda eivadas por uma cultura machista e
sexista dominante.
Como afirma Ferreira Leite, “o autor do piropo limita-se a fazer um comentário –
que pode ser tão suave que ainda seja visto como um elogio simpático, ou tão ofensivo
que apenas se pode qualificar como uma “ordinarice” indescritível – à distância, ao
passar ou ao aproximar-se de uma pessoa. O autor do assédio acompanha as expressões
verbais – que podem nem existir – de um comportamento invasivo e sexualmente
agressivo.”142

Expressões como “olá princesa!”, “ó jóia, anda cá ao ourives”, “os teus pais devem
ser piratas, és cá um tesouro”, “ó anjo, doeu-te muito quando caíste do céu?”, “acreditas
em amor à primeira vista, ou tenho de passar outra vez?”, são exemplos banais de
‘piropos’ que as mulheres, desde o início da sua adolescência, costumam ouvir
involuntariamente em locais públicos.

Mas será que podemos considerar que o ‘piropo’ possui o carácter de “proposta de
teor sexual” e que, por isso, tem relevância criminal ao ponto de poder vir a dar pena de
prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias? Isto é, poderá o ‘piropo’ ser considerado
como crime de importunação sexual?

Afinal de contas, o que é o ‘piropo’? É uma “expressão ou frase dirigida a alguém,


geralmente para demonstrar apreciação física” ou “palavra ou frase lisonjeira que se
dirige a uma pessoa revelando que se acha essa pessoa fisicamente atraente.”143
Logo, ‘piropo’, entendido como tal, é um galanteio, algo positivo, subtil, por vezes
até criativo, que permite demonstrar de uma forma simples o quanto uma determinada
pessoa aprecia outra, com um mínimo de bom senso exigível. Não raras vezes, relaciona-
se com a cultura ocidental, designadamente com o teatro, a literatura, a música e o cinema.
Será isto que pretendemos evitar e, consequentemente, criminalizar? Certamente
que não, pois dificilmente o inócuo ‘piropo’ ferirá a tutela do bem jurídico individual da
liberdade e autodeterminação sexual.

No entanto, há quem defenda que ninguém deve suportar este tipo de comentários
(por exemplo, “olá borracho!”) na via pública, por parte de desconhecidos, pugnando pela
sua incriminação. Não podemos deixar de considerar exagerada uma tal postura, por

142
Vd. 2015, in mariacapaz.pt.
143
In Dicionário da Língua Portuguesa.
45
coartar, no limite, a liberdade de expressão ou o direito de tentar seduzir outrem por meios
inocentes, que não cria, por isso, uma lesão à liberdade das pessoas, à sua liberdade sexual
e à sua liberdade de circulação em geral.

É que, a não ser assim, poderíamos estar a advogar um retorno ao Direito Penal dos
Bons Costumes, onde imperava um sistema patriarcal de dominação das mulheres,
considerando qualquer comentário reprovável, por mais banal e inofensivo que fosse, o
que está longe de servir os propósitos que vimos assumindo.

Claro está que a ausência de jurisprudência acarreta uma dificuldade acrescida de


interpretar o que deve ou não estar integrado no crime de importunação, que,
seguramente, não deverá abarcar e valorar, de forma arbitrária, as diferentes expressões
que são dirigidas às mulheres.

Consideramos, outrossim, abrangidos pela norma, todos os comentários que, numa


linguagem corporal intimidatória e num tom de voz provocatório, incluam um teor sexual
(“comia-te toda”, “tens boca de broche”, “belas pernas, a que horas abrem?”, “ó estrela,
queres cometa?”), bem como conversas indesejadas sobre sexo, solicitação de favores
sexuais, convites para atos sexuais que, efetivamente, possam implicar consequências
gravosas na autoestima e na própria capacidade de afirmação pessoal, podendo provocar
receios e até mesmo traumas psicológicos para a pessoa.

Ou seja, devemos estar de acordo que as mulheres têm simplesmente de lidar com
o assunto e quedar-se pelo silêncio, cingindo-se ao velho princípio de que “mulher séria
não tem ouvidos”? Ou, ao invés, terem consciência dos impropérios de que são alvo,
denunciando-os e, dessa forma, demandar a aplicação deste novo crime sem pactuar com
a admissibilidade da conduta, em nome da aceitação cultural?
Como afirma Clara Sottomayor, a desigualdade histórica “deve-se ao facto que as
sociedades patriarcais disseram às mulheres, durante milhares de anos, através do
direito, da cultura, das religiões e dos costumes, que o seu corpo era propriedade dos
maridos, que não tinham direito de decidir sobre ele e sobre a sua sexualidade, que não
lhes pertencia. Fazia parte da condição de ser mulher e era imutável como um destino.
Tinha de ser silenciada, sob pena de estigmatização social, ainda hoje visível na
culpabilização sistemática das vítimas ou na desacreditação do seu testemunho.”144

144
2015, 113.
46
E se é verdade que o Direito não deve intervir em áreas que não atinjam uma
gravidade objetiva, sob pena de se confundir com a Moral e de pretender tutelar a
moralidade, com laivos de um puritanismo excessivo, estamos em crer que estas (como
outras) alterações à legislação penal constituirão sempre, que mais não seja, uma forma
de prevenção geral que certamente haverá de facilitar a mudança das relações
socioculturais existentes entre mulheres e homens, com respeito pela sua individualidade
e pelo seu direito à diferença.

Antes de terminar, importa mencionar, ainda que sumariamente, o problema da


idade e da prova.

Quanto à questão da idade, interessa, antes de mais, referir que o bem jurídico é
mais digno e necessitado de tutela quando tratamos de menores 145. A maioridade, ao
tempo do CS, só se atingia aos 21 anos de idade e foi com o DL n.º 496/77 que se
antecipou para os 18. No entanto, em sede de crimes sexuais, dá-se especial enfoque aos
menores de 14, por se entender que até essa idade carecem de uma proteção absoluta.
O art. 171.º, n.º3, agrava a conduta do crime de importunação sexual se praticado
sobre menores de 14 anos, podendo neste caso o autor ser punido com uma pena de prisão
até 3 anos, donde decorre que a tentativa passa a ser punível.
Concordamos inteiramente com esta agravação, onde o bem jurídico que se
pretende tutelar é a liberdade sexual em sentido amplo146, atendendo ao grau de
maturidade e à personalidade, ainda em fase de formação e desenvolvimento, o que torna
estes menores “extremamente vulneráveis a qualquer comportamento sugestivo.”147
Por outro lado, entendemos que em relação aos jovens este tipo de conduta se revela
mais lesiva e prejudicial, uma vez que muitos deles se sentem inseguros em relação ao
seu próprio corpo, sendo de admitir um prejuízo do seu desenvolvimento, sobretudo na
esfera da sexualidade, passível de distorcer o que é, ou deve ser, a vivência de uma
sexualidade saudável, ao serem vítimas de propostas deste tipo.
E ainda que a lei penal, ao longo das suas disposições, faça distinções etárias mais
ou menos discutíveis ou questionáveis, a verdade é que, no âmbito dos crimes sexuais,
assistimos a uma proteção mais abrangente para os menores de 14 e a uma proteção mais
mitigada para as idades compreendidas entre os 14-16 e os 16-18 anos.

145
“Quando se trata de menores está em causa a sua fragilidade, vulnerabilidade e falta de capacidade
para se auto-determinar”, in MENEZES DIAS, 2013, 71.
146
LEITE, 2004, 28 e ss.
147
LOPES e MILHEIRO, 2015.
47
Contudo, não podemos estar de acordo quando a lei, ao prever a agravação apenas
para menores de 14 anos, equipara as jovens de 15-18 anos a mulheres adultas (com idade
superior a 25 anos), quando vítimas deste tipo de crime, por entendermos preferível um
alargamento da idade dos 14 para os 16 anos (ou até mesmo para os 18) pelo prejuízo
para o desenvolvimento da personalidade148, durante o período da adolescência.

Quanto à questão da prova, confrontamo-nos com a dificuldade factual de saber


como é que a vítima, perante propostas obscenas e de teor sexual dirigidas contra si em
local público e sem testemunhas presenciais, poderá fazer valer o seu direito de queixa
relativamente à importunação de que foi objeto e/ou do estado de perturbação
afetiva/emocional daí resultante.

Em todo o caso, importa reter que uma tal constatação não é exclusiva deste tipo de
situações, ocorrendo em muitos dos casos previstos no CP. É importante atualizar aqui as
regras e os pressupostos da doutrina penal e pericial que contribuam para o
esclarecimento da verdade seja relativamente às consequências para a vítima, seja quanto
à autoria material do crime praticado.

Procurámos, assim, expor, quanto à inclusão de “propostas de teor sexual” no artigo


170.º, aqueles aspetos que julgamos mais relevantes em matéria de dignidade149 penal e
do bem jurídico tutelado, recusando-nos a aceitar que a norma possa permitir um regresso
ao Direito Penal dos Bons Costumes, certamente discordante da intenção inicial que
presidiu à sua formulação.

De qualquer maneira, a expressão contemplada na lei não nos parece ter sido a mais
feliz, atendendo ao seu carácter impreciso e ambíguo, passível de diversas interpretações
dúbias, aparentemente pouco consentâneas com os princípios orientadores e
hermenêuticos que presidem ao nosso ordenamento jurídico-penal, devendo ter sido
consideradas outras alternativas, em cumprimento do disposto no art. 40.º da CI.
É que nem todas as propostas de teor sexual podem ser consideradas crime, desde
logo aquelas que estão longe de importunar a vítima. Por outro lado, a verdade é que há
palavras ofensivas, obscenas ou humilhantes dirigidas contra aquela, nomeadamente
sobre o seu corpo que, pese embora não constituam verdadeiras propostas/convi-

148
art. 26.º, 69.º e 73.º, n.º2 da CRP.
149
Para mais desenvolvimento CUNHA, 1995, 217 e ss.
48
tes/sugestões para atos de natureza sexual, deverão, efetivamente, estar contempladas no
tipo legal do crime de importunação.
Aliás, bastaria atentarmos na formulação prevista na CI para evitar muitas das
questões e ambiguidades com que nos confrontamos.
Ainda assim, face à redação vigente, manda a prudência que o Direito, na sua
aplicação prática, saiba acautelar soluções equilibradas e justas para cada caso em
concreto, à luz do bem jurídico em causa e das orientações da CI.

49
CONCLUSÃO

A terminar, expostas que foram as considerações jurídico-penais que, do nosso


ponto de vista, mais relevam para o crime de importunação sexual, importa concluir:

1. A evolução legislativa, em matéria de crimes sexuais, permitiu que se passasse


da tutela da “moralidade”, da “honestidade” e dos “bons costumes”, para a tutela da
liberdade e autodeterminação sexual da pessoa, enquanto bem jurídico integrante dos seus
direitos e liberdades fundamentais;

2. A igualdade de género deverá ser uma realidade efetiva, sendo de louvar que a
nossa legislação criminal tenha vindo a ser, progressivamente, cada vez menos
discriminatória, tratando da mesma forma quer homens, quer mulheres enquanto vítimas
de agressão contra a sua liberdade sexual;

3. A defesa da liberdade na esfera sexual deverá continuar a ser merecedora de


dignidade penal, em sintonia com o seu valor constitucional;

4. As orientações acordadas na Convenção de Istambul, que constituem não só um


marco histórico importantíssimo, como também um instrumento jurídico inovador contra
a violência de género, continuam a justificar abordagens integradas no âmbito dos crimes
sexuais, em detrimento de eventuais alterações isoladas da lei penal e/ou criação de novos
crimes;

5. O bem jurídico tutelado por este conjunto de normas penais, a liberdade e a


autodeterminação sexual, constitui, pois, parte integrante do direito geral da
personalidade, inerente à dignidade humana e ligado à integridade pessoal, que se situa
muito para além de meras questões de proteção da moralidade ou dos bons costumes;

6. Do facto de se classificarem os atos exibicionistas, o constrangimento a contacto


de natureza sexual e as propostas de teor sexual como crimes de dano (ao invés de crimes
de perigo), decorre inequivocamente que o ato de “importunar” é suficiente para
preencher o tipo legal de crime e a sua consequente incriminação;

7. A criminalização do ‘piropo’, apreciada no contexto do crime de importunação


sexual, no direito penal de tutela subsidiária (ou de ultima ratio), não teria qualquer
sentido, desde logo por falta de dignidade e de necessidade de pena;

50
8. A inclusão da nova incriminação do art. 170.º do CP não pode permitir nem um
regresso ao Direito Penal dos Bons Costumes, nem levar ao extremo posturas feministas,
as quais, embora defendidas por alguns, conduziriam a um excesso de criminalização
aleatória e indiscriminada;

9. A aplicação deste crime por parte dos nossos tribunais resulta bastante residual,
exceção feita, eventualmente, em caso de menores;

10. O carácter impreciso e ambíguo da formulação aditada pela L n.º 83/2015 à


importunação sexual, passível de interpretações dúbias, poderia ter sido evitado com
outras formulações;

11. Se por um lado, nem todas as propostas de teor sexual deverão ser objeto de
incriminação, por outro lado, pode haver palavras intrusivas de natureza sexual que, não
sendo verdadeiras propostas, no sentido mais comum do termo, deverão ser abrangidas
por este tipo legal de crime. Em nossa opinião teria sido preferível, pois, precisar melhor
a sua redação, aproximando-a do previsto no art. 40.º da CI, atendendo, desde logo, ao
carácter “intimidante, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo” em causa;

12. No entanto, tendo em conta a formulação pela qual se optou, há que interpretá-
la à luz do bem jurídico, de acordo com a CRP e com a CI, de onde decorre que nas
propostas de teor sexual deverão incluir-se alusões indesejadas, grosseiras e humilhantes
(que são dirigidas maioritariamente às mulheres), assim como convites constrangedores,
comentários ultrajantes à sua aparência física, conversas sobre sexo, solicitação de
favores sexuais e outras formas de pressão que atentam contra a autodeterminação sexual
da vítima.

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 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25-09-2014

Tribunal da Relação de Coimbra


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 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. N.º 28/06.7JACBR.C1, de 09-


07-2008
 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. N.º 23/04.0 TAVNO-C2, de
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 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-09-2010

 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. N.º 889/09.8.TAPBL.C1, de


02-02-2011

 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. N.º 221/10.8 PATNV.S1.C1,


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 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. N.º 204/10.8TASEI.C1, de


05-06-2013

 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. N.º 17/11.0GBAGD.C1, de


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02-04-2014

Tribunal da Relação de Guimarães


 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. N.º 1766/08-2, de 02-02-2009

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