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A CONTRIBUIÇÃO ACADÊMICA DE MÁRIO

HENRIQUE SIMONSEN*

Fernando de Holanda Barbosa**

1. Introdução.

Mário Henrique Simonsen, numa metáfora sugerida pelos sis­


temas dinâmicos, foi um atrator para minha geração de economis­
tas, pelo seu talento imbatível como professor, que dominava como
poucos a arte de transmitir com clareza e perfeição o estado das artes
em economia, seja através da linguagem matemática ou de textos es­
critos para divulgação popular.
Simonsen tornou-se um economista famoso pela sua produção
acadêmica, pela sua participaçâo na política econômica, pelo seu
sucesso no mundo empresarial e pela sua contribuição sistemática
na mídia. As suas opiniões e declaraçôes públicas tornavam-se
manchetes de jornais, o seu escritório no décimo andar da Fundação
Getúlio Vargas era ponto obrigatório de quem queria entender a
economia brasileira. Mas o palco onde este ator excepcional mostrava
todo seu talento era a sala de aula da Escola de Pós-Graduaçã o em
Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas, uma instituição que
ele criou e que foi o ponto de partida do ensino de pós-graduação em
economia no Brasil. Os seus cursos de microeconomia e macroeco­
nomia transformaram-se em livros textos de sucesso, que dissemi­
naram pelo Brasil afora o rigor formal dos modelos econômicos. É
importante salientar que Simonsen nunca quis fazer da EPGE uma
escola-seminário, onde os alunos seriam convertidos a uma nova re­
ligião, e depois saíssem pelo país convertendo os pecadores. A sua
preocupação central como professor era a de equipar os alunos com

* Este artigo foi preparado para a Revista de &onorretria


** EPGE/FGV

R. de Econometria Rio de Janeiro v. 17, nº 1, pp. 115-130 Maio 1997


A Contribuição Acadêmica de Mário Henrique Simonsen

instrumentos analíticos, que lhes permitissem formular de maneira


rigorosa os problemas econômicos, para que as conclusões estivessem
fundamentadas no rigor do método científico. Para Simonsen o
pecado maior era a agressão à lógica e o uso inadequado da teoria
econômica. Ele não usava a sala de aula para doutrinar os alunos nas
suas opções políticas, coisa tão comum no mundo dos economistas.
Embora respeitasse e conhecesse as diversas correntes, ou paradig­
mas, que existem na teoria econômica, a sua experiência como um
economista não acadêmico que também era, levou-o a ser um inte­
lectual pragmático, sem compromisso com nenhum radicalismo, mas
certamente com uma posição bem definida no espectro da corrente
dominante da teoria econômica moderna. A este tema eu volto ao
final deste artigo.
Este trabalho não tem como objetivo analisar todas as con­
tribuições desta personalidade tão rica, complexa e marcante que
foi Mário Henrique Simonsen, mas sim apresentar uma breve re­
senha de suas principais contribuições acadêmicas. É inegável que
toda resenha envolve juízos de valor, e certamente este texto não es­
capa desta regra. Todavia, acredito que três contribuições interrela­
cionadas seriam escolhidas pela maioria de meus colegas economistas.
A primeira é o famoso gráfico do salário real, que deveria se chamar
a curva de Simonsen, que inspirou a política salarial do Plano de Es­
tabilização do Governo Castello Branco (PAEG), e que tem sido uti­
lizada por todos os economistas que analisaram a inflação brasileira
desde que ele a usou pela primeira vez em 1964. A Seção 2 é dedicada
a esta curva.
A segunda contribuição é o modelo de realimentação para ex­
plicar a inflação, publicado no livro Inflação: Gradualismo x Trata­
mento de Choque, onde aparece pela primeira vez na literatura
brasileira a inflação passada como um componente explicativo da
inflação presente. Este componente foi denominado por ele de coefi­
ciente de realimentação, e depois rebatizado por outros economistas
brasileiros, sob inspiração de Tobin (1981), com o nome de inércia.
Este tópico será tratado na Seção 3.

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Fernando de Holanda Barbosa

A terceira contribuição acadêmica de Simonsen, que será revista


aqui, é o trabalho que ele desenvolveu sobre os fundamentos teóricos
que justificam a política de rendas como um dos instrumentos de
um plano de estabilização de combate à inflação. A questão central
que ele procura explicar é como a inflação passada, ao invés da in­
flação fut ura, pode afetar a taxa de inflação presente, num modelo
de expectativas racionais, em que os agentes econômicos não come­
tem erros sistemáticos de previsão. A Seção 4 cuida deste tema. A
Seção 5 finaliza o trabalho com uma breve análise da interrelação
entre as três contribuições.

2. Salário Real e Inflação: a Curva de Simonsen.

Em seu primeiro livro publicado sobre a inflação: A Experiência


Inflacionária Brasileira, Simonsen (1964) num capítulo dedicado a
analisar as raízes sócio-políticas do processo inflacionário, enfatiza
que "à margem da alta crônica dos preços um fenômeno importante
tende a desenvolver-se: o da oscilação das rendas reais dos diferentes
indivíduos" topo cito p.17J. Logo adiante, ele prossegue: "O caso
dos assalariados (globalmente o mais importante) é típico: como os
salários nominais se reajustam descontinuamente e os preços sobem
continuatnente, os níveis de poder aquisitivo entram no movimento
oscilatório: logo após um reajustamento, os salários reais atingem o
seu pico; daí por diante, enquanto a remuneração nominal permanece
fixa, o seu poder aquisitivo vai declinando progressivamente; quando
há um novo reajustamento, o salário salta bruscamente para um
novo pico, e assim por diante." topo cito p.17J. A figura 1 mostra a
curva de Simonsen, com o eixo das abcissas representando o tempo
e o eixo das ordenadas o salário real; a cada pico da curva corres­
ponde um reajuste nominal do salário, com o salário real atingindo
o valor máximo; o salário real atinge o valor mínimo, o ponto do
vale, no Inomento que antecede o reajuste nominal. O poder de
compra médio do salário real é indicado pela média calculada no
intervalo entre reajustes. A figura 1 mostra a evolução do salário
real em vários períodos, com intervalos de reajustes iguais, mas esses

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A Contribuição Acadêmica de Mário Henrique Simonsen

intervalos podiam ser diferentes, como aconteceu ao longo da nossa


história recente.

Salário
Real

pico

média

vale . . . . ...... . . . . . . . ... . . . . . .

tempo

Figura 1. A Curva de Simonsen

Alguns anos atrás eu perguntei ao Simonsen, para satisfazer


minha curiosidade (uma característica de minha personalidade, que
pode ser mal interpretada por quem não me conhece de perto), como
ele tinha chegado à idéia de sua curva do salário real. Ele respondeu­
me que tinha visto algo semelhante num relatório de uma comissão
estrangeira que tinha feito uma análise da inflação chilena na década
dos 50.1 Certamente a falta de referência bibliográfica nos seus
trabalhos iniciais é uma característica da geração de economistas
brasileiros auto-didatas, como Furtado (1972) e Delfim Neto (1965),
que seguem a tradição de ensaístas brasileiros segundo interpretação
da professora Maria Celina de Araújo.2 Na verdade, é bastante co-

1 Este fato foi tarrbérnrelatado pelo Sirronsen ao professor Rubens Penha Cysne, seu co-autor
i [Sirronsen e Cysne (1989)].
no livro de macroeconoma

2 Veja, por exemplo, Fteyre (1968), Jaguaribe (1974), Prado (1997), e Torres (1982).

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Fernando de Holanda Barbosa

nhecido O fato de que algumas contribuições em economia, e possivel­


mente em outras áreas científicas, não levam o nome de quem foi o seu
descobridor, como exemplificam os casos da curva de Phillips e da de­
manda efetiva de Keynes. Todavia, o reconhecimento da contribuição
intelectual deve-se fundamentalmente à capacidade do autor em in­
fluenciar os seus pares na forma de pensarem sobre um assunto, como
o fizeram Phillips e Keynes. Simonsen influenciou, direta ou indire­
tamente, todos os economistas brasileiros que se dedicaram ao estudo
da relação entre salários e inflação, não somente àqueles que seguiam
sua trilha mas também os que dela divergiam, pelo menos por duas
razões.
Em primeiro lugar, pela capacidade do Simonsen em extrair con­
clusões de política econômica a partir de sua curva. Numa economia
de mercado, segundo seu argumento no livro de 1964, a inflação pro­
duz um atitude psicológica nos trabalhadores de estabelecerem como
padrão de referência para os reajustes salariais os picos prévios do
salário real, o que corresponde ao reajuste do salário com base na
inflação passada. Num programa de estabilização, que se pretenda
diminuir a taxa de inflação, este tipo de atitude provocaria um au­
mento do salário real incompatível com o produto real da economia,
que redundaria em aumento do desemprego e(ou) em pressão in­
flacionária de custos. A saída para tal dilema seria uma política
de rendas, com o reajuste do salário nominal baseado na média do
salário real e na inflação prevista, deixando-se de lado a inflação
passada e a recomposição do pico. Este tipo de política de ren­
das foi implementada com sucesso no PAEG do governo Castello
Branco, e gerou grande controvérsia entre os economistas. Alguns
chegaram a afirmar que este tipo de política só poderia ser aplicado
num regime totalitário, com a supressão das liberdades individuais e
de organização sindical. O veredicto da história é outro. Depois da
redemocratização do país, todos os planos de estabilização usaram
mecanismos semelhantes, inclusive o Plano Real, que converteu todos
os salários pela média.

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A Contribuição Acadêmica d e Mário Henrique Simonsen

o segundo motivo pelo qual a curva de Simonsen influenciou


toda uma geração de economistas foi a capacidade desta idéia fo­
mentar o trabalho de pesquisa de seus colegas de profissão, da área
acadêmica, na busca de fundamentos teóricos que levassem a uma
compreensão desta regularidade empírica no mercado de trabalho.
A literatura americana ainda desconhecia os problemas advindos
da não sincronização dos reajustes salariais, mas Simonsen já men­
cionava este problema no seu livro de 1964. Porque os trabalhadores
tomariam como base o pico prévio e não a média nos reajustes dos
salários nominais? Esta atitude refletiria ilusão monetária ou é o
resultado de uma decisão racional, num mundo com informação im­
perfeita? O intervalo entre reajustes é uma variável endógena? E se
este for o caso, quais as variáveis que o determinam? A indexação
dos salários deve expurgar os choques de oferta na sua fórmula?
Qual o grau de indexação ótima numa economia sujeita a choques
nominais e a choques reais? Esta pequena amostra de questões en­
volvidas pela curva de Simonsen, mostra como ela implicava numa
agenda de pesquisas para economistas interessados numa carreira
acadêmica, com temas ligados à realidade de nossa economia, mas
cuja relevância se estende além das fronteiras de nosso pais.

3. Inflação e o Modelo de Realimentação.

Em seu livro Inflação: Gradualismo x Tratamento de Choque,


publicado em 1970, Simonsen apresenta no capítulo 6 seu modelo de
realimentação, que identifica três fatores como determinantes da taxa
de inflação.3 Ele denominou as três componentes de: a) autônoma;
b) realimentação; e c) regulagem de demanda. Estas três compo­
nentes foram definidas, de acordo com suas próprias palavras, do
seguinte modo: "A componente autônoma é, por definição, aquela

3 Quando a EPGE iniciou seu curso de doutorado em 1974, a Congregação da Escola, sem
sua participação, decidiu outorgar o prirreiro título de Doutor ao Simmse n, com base no livro
Inflação: Gradualisrro X 1J:atarrento de Choque, corro sua tese de doutorado. Esta exceção do
regirre nto da Escola só foi usada até hoje neste caso.

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Fernando de Holanda Barbosa

que independe de inflação do período anterior, sendo determinada


por fatores de ordem institucional (reajustes arbitrários de salários,
da taxa de câmbio, de impostos indiretos) ou de natureza acidental
(altas de preços provenientes de más safras, etc.). A componente
de realimentaçâo é definida como aquela que resulta da inflação do
período anterior. Trata-se essencialmente de uma alta de preços
provocada pela tentativa de reconstituição, pelos agentes econômicos,
de uma participação no produto nacional dissolvida pela inflação pas­
sada. Tal componente corresponde às altas de preços resultantes de
reajustes salariais proporcionais ao aumento do custo de vida, às
destinadas a reconstituir as margens de lucro das empresas e, de
um modo geral, a todas as revisões de preços tornadas automáticas
pela legislação sobre correção monetária. Partindo dessas duas com­
ponentes, a alta de preços sofre um efeito regulador de intensidade
da demanda. Se esta cresce em ritmo exagerado em relação à ca­
pacidade produtiva, é provável que a taxa de inflação seja impe­
lida além daquilo que seria justificado pela superposição das compo­
nentes autônomas e de realimentação. Reciprocamente, uma queda
ou talvez um crescimento pequeno da procura amenizará a taxa de
inflação." [Simonsen (1970), p.127-128]. No jargão que se tornou
popular na década dos 80 o modelo de realimentação do Simonsen
supõe que a inflação depende dos choques de oferta, a componente
autônoma, da inércia, a componente de realimentação, e dos choques
de demanda, a componente de regulagem de demanda. Em símbolos:

7r, = O<7r'_1 + fJ (�
Y'-1
-
1 - 1)) + 0<,
onde 7r é a taxa de inflação, y é o nível de demanda, O< é o choque de
oferta, e 0<, fJ e 1) são parâmetros; O< é o coeficiente de realimentação
(ou de inércia), fJ mede o impacto da componente de demanda na
taxa inflação, e 1) é a taxa de crescimento do produto potencial da
econOInla.
Um modelo similar a este foi desenvolvido nos Estados Unidos
por Gordon [(1982), (1997)] no final da década dos 70 e início da

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A Contribuição Acadêmica de Mário Henrique Simonsen

década dos 80, que ele batizou de modelo do triângulo, e que Gor­
don afirma ser um modelo tipicamente keynesiano. Na verdade em
qualquer sistema dinâmico, cada variável endógena do modelo pode
ser escrita como função de sua própria história passada, e de de­
fasagens distribuídas das variáveis exógenas do modelo [ver a este
respeito Barbosa (1983), p.153-160].
No caso do modelo de realimentação, Simonsen não deduziu
sua equação a partir de um arcabouço teórico que identificasse sua
origem, dando margem a diferentes interpretações. Lopes (1979), por
exemplo, interpretou-o como sendo um modelo neo-estruturalista;
Barbosa (1979) mostrou que o modelo de realimentação era um caso
particular do modelo de Friedman (1971), e que seria desprovido
de sentido chamar Friedman de neo-estruturalista. O argumento
de Lopes baseava-se no fato de que o modelo de realimentação ad­
mite uma relação de trocas entre inflação e crescimento do produto
real, quando o coeficiente de realimentação é menor do que um. Bar­
bosa mostrou que o modelo de realimentação é compatível com qual­
quer nível de capacidade ociosa da economia, porque a variável de
demanda é medida pela diferença entre a taxa de crescimento do
produto real e a taxa de crescimento do produto potencial; se o
coeficiente de realimentação for igual a um, o produto real estará
crescendo a uma taxa igual à do produto potencial, mas o nível de
capacidade ociosa é indeterminado.
O modelo de realimentação mostra claramente que a inércia é
o mecanismo de propagação da inflação, mas não é sua causa. Os
choques de oferta são, pela sua própria natureza, acidentais e não sis­
temáticos. A origem do processo está na componente de demanda.
Todavia, não se pode ignorar a inércia num programa de estabi­
lização, sob pena de aumentar-se desnecessariamente os custos soci­
ais de um programa de estabilização. A experiência do período inicial
do PAEG antes da lei salarial, que obrigou o reajuste dos salários
pela média, convenceu o Simonsen da necessidade da política de
rendas. Os críticos da época não entenderam os fundamentos que
justificavam a política implementada. Algumas análises posteriores

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Fernando de Ho landa Barbosa

do PAEG atribuíram de maneira equivocada o sucesso daquele plano


de estabilização à política salarial [ver, por exemplo, Lara Resende
(1982)J. O fracasso do Plano Cruzado, e dos outros planos hete­
rodoxos à la brasileira que se seguiram, foi devido ao erro na con­
cepção dos planos, e não em virtude de problemas de execução [ver, a
este respeito, Barbosa e Simonsen (1989)J. Estes planos heterodoxos
atribuíram ao mecanismo de propagação, a inércia inflacionária, a
origem do processo inflacionário. Não resta dúvida que Simonsen in­
fluenciou intelectualmente a heterodoxia brasileira, pois o PAEG não
foi um plano ortodoxo, e ele sempre recomendou o uso de política
de rendas em programas de estabilização. Mas certamente ele não
pode ser responsabilizado pelo fato de que a heterodoxia da década
dos 80 jogou fora a componente de demanda de seu modelo de re­
alimentação. Os novo-heterodoxos terminaram aprendendo a duras
penas o que ele já aprendera na época do PAEG, e na verdade, do
ponto de vista intelectual, a heterodoxia do Plano Real é a versão
moderna, num ambiente macroeconômico completamente diferente,
das idéias do Simonsen da época da estabilização Campos-Bulhões.

4. Inércia e Política de Rendas: Os Fundamentos Teóricos.

A revolução das expectativas racionais mudou completamente


a macroeconomia nos últimos vinte e cinco anos. Construir mode­
los macroeconômicos sem microfundamentos tornou-se um pecado
capital. Como, neste novo ambiente intelectual, justificar a inflação
passada como uma variável explicativa da inflação atual?
Num mundo em que os agentes econômicos tomam decisões no
presente com base em suas previsões do futuro, usando a informação
atualmente disponível, o passado é irrelevante, a menos que se ad­
mita a existência de contratos ou de previsões, que contenham erros
sistemáticos, ou que as políticas sigam um processo do tipo auto­
regressivo. Simonsen no artigo que ele próprio considerava sua me­
lhor obra acadêmica, "Price Stabilization, Income Policies and Mon­
etary Reforms", publicado como o principal artigo do número 2 de

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A Contribuição Acadêmica d e Mário Henrique Simonsen

1986, da Revista de Econometria, quando eu era seu editor, constrói


um argumento, baseado em microfundamentos, para mostrar que
numa situação de informação imperfeita a decisão ótima do agente
econômico leva em conta o passado.4
O sistema de preços desempenha duas funçôes básicas numa
economia de mercado. Em primeiro lugar, o mercado através do sis­
tema de preços é a mão invisível responsável pela alocação de recur­
sos. Em segundo lugar, o sistema de preços tem o papel fundamental
de transmitir informação para os agentes econômicos tomarem suas
decisões. Num modelo de equilíbrio geral à la Arrow-Debreu, os
agentes econômicos tomam os preços como dados, o leiloeiro wal­
rasiano chega ao sistema de preços que equilibra os diversos merca­
dos, e transmite esta informação para toda a economia.
O arcabouço teórico usado por Simonsen abandona a ficção do
leiloeiro walrasiano, supondo que os agentes têm poder de mercado e
que, portanto, fixam seus preços. Todavia, a informação é imperfeita
porque cada agente ao fixar seu preço tem que supor como os demais
vão se comportar. Esta questão é analisada com as ferramentas da
teoria dos jogos, em que o agente tem que escolher uma estratégia
para tomar suas decisões diante de incerteza, pois sua ação depende
das decisões dos demais parceiros neste jogo. Simonsen menciona
algumas opções para a solução do jogo, que levariam às mesmas
conclusões do ponto de vista qualitativo. Mas, ele prefere resolver o
problema supondo que os jogadores adotam uma estratégia prudente
e conservadora do tipo maxmin, em que cada agente maximiza o
retorno no pior cenário possível. Nesta economia estilizada, com um
número infinito de consumidores e de bens, cada agente fixa o preço
de seu bem de sorte a maximizar o seu bem estar. O preço de cada
bem (Px) depende da renda nominal (R) da economia e do Índice de

4 Este artigo, com um título ligeiran:ente diferente, foi publicado também num livro organi­

zado por Kennet h J. Arrow [Sirmnsen (1988)]. Sirmnsen desejava ampliar o número de leitores
de seu artigo, pois estava interessado em difundir suas idéias.

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Fernando de Holanda Barbosa

preços (P), de acordo com:

1 m
log Px = k+ log R + log P
m+l m+l
--

onde k e m são parâmetros. Esta equação é, na verdade, similar


a uma curva de Phillips, pois a renda nominal é igual ao produto
da renda real pelo índice de preços, e ela se parece com a curva de
Phillips à la Lucas, onde existe o problema da extração do sinaP
No modelo do Simonsen, diferente da questão envolvida na extração
do preço relativo a partir da informação do preço nominal, o agente
determina o preço do seu produto mas ele se defronta com o problema
de prever o comportamento dos demais agentes, para estabelecer sua
posição relativa, num jogo não cooperativo.
Em equilíbrio com expectativas racionais, no sentido de previsão
perfeita (Px P), o preço do bem é proporcional à renda nominal da
=

economia; para aqueles que preferem olhar para o sistema de preços


numa visão distributiva, o agente fixa o preço do seu bem de tal
modo a manter sua participação na renda constante. Esta solução
do jogo, que corresponde a um equilíbrio de Nash, ocorreria se a
informação fosse perfeita. No curto prazo, cada jogador tentará, por
um processo de tentativas e erros, chegar ao equilíbrio de Nash.
Imagine-se agora uma situação em que a renda nominal estava
aumentando a uma taxa constante, e que o governo anuncia que a
partir do próximo período a renda nominal será estabilizada num
valor constante igual a Ro, de acordo com a figura 2.
Se cada agente acreditar que os demais agentes fixarão seus
preços com base na nova renda nominal, o nível de preços da econo·
mia deixará de crescer tão logo a renda seja estabilizada. Todavia, se
cada agente está incerto de qual será o comportamento dos demais,
ele precisa adotar uma estratégia que leve em conta este ambiente.
A estratégia maxmin, usada por Simonsen, admite que cada agente

5 Veja, por e xemplo, Lucas (1973).

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A Contribuição Acadêmica d e Mário Henrique Simonsen

toma sua decisão maximizando o bem estar no pior cenário possível,


que ocorreria se cada um continuasse remarcando seus preços com
base na taxa de crescimento da renda nominal que prevalecia antes
do anúncio da nova política. Nestas circunstâncias, a inflação pas­
sada ainda contribui para a inflação presente, apesar de não haver
erro sistemático de previsão. 6 A questão crucial é que existe uma
falha de coordenação no funcionamento do sistema de preços, em
virtude da incerteza do comportamento de cada agente. Esta falha
de mercado poderia ser corrigida através de uma política de rendas,
com a mão visível do governo guiando a mão invisível do mercado,
isto é, o governo tentaria convencer cada agente que os demais estão
se comportando de acordo com a nova política macroeconômica.

Re nda

(R)

R, .....................,.------

tempo

Figura 2. Estabilização da Renda Nominal

6 Sirmnsen sugere, por exemplo, a seguinte dinâmica para a taxa de inflação:


l
Pe -pt- = m+l (Pt-l-Pt-2)+ m�l (Po-pt-d
onde p é o logaritlID do nível de preços, e Po é o nível de preçes de equilibrio. Isto é, a inflação
atual depende da inflação passada e de um rrecanislID de correção de erro.

126 Revista d e Econometria 17 (1) Maio 1997


Fernando de Holanda Barbosa

5. Conclusão.

A teoria econômica dominante no mundo acadêmico está divi­


dida em duas correntes: a keynesiana e a clássica. As características
básicas que diferenciam uma corrente da outra são três, como sinte­
tizou Mankiw (1992). Um economista keynesiano admite: a) exis­
tência de desemprego involuntário na economia capitalista moderna;
b) rigidez nos salários e(ou) no sistema de preços, e c) não neutra­
lidade da moeda. Os economistas que seguem a tradição clássica
acreditam que o desemprego involuntário é uma categoria teórica
criada por Keynes, mas que não contribui em nada para analisar as
flutuações do emprego observadas no ciclo econômico; os mercados
estão sempre em equilíbrio, não havendo, portanto, necessidade de
apelar-se para a hipótese de rigidez do sistema de preços para enten­
der o funcionamento de uma economia de mercado; e na versão mais
radical do modelo de ciclos reais a moeda não contribui em nada
para entender os ciclos econômicos, sendo meramente passiva.
A conclusão que se chega pela análise das principais con­
tribuições acadêmicas de Simonsen é de que ele era um economista
keynesiano. Em matéria de política econômica, qualquer análise
de seu período como Ministro da Fazenda, no Governo Geisel, e
como Ministro do Planejamento, no Governo Figueiredo, certamente
mostrará que ele era um adepto da política de sintonia fina, e que ele
preferia discricionarismo a regras, que também são duas caracterís­
ticas importantes de um economista keynesiano.
As três contribuições acadêmicas de Simonsen, apresentadas
aqui, demonstram não somente a sua coerência intelectual, mas
também a preocupação de compreender a realidade e fatos objetivos
da economia, diferente da maioria dos economistas com formação
matemática, que em geral procuram na economia fonte de inspiração
para a formulação de teoremas irrelevantes para o mundo reaL Ade­
mais, na tradição dos grandes economistas, ele estava sobretudo
interessado nas implicações de política econômica que podiam ser
derivadas da teoria econômica. Acredito que uma citação longa

Revista de Econometria 17 (1) Maio 1997 127


A Contribuição Acadêmica de Mário Henrique Simonsen

da conclusão do seu trabalho de 1986, da Revista de Econome­


tria, é suficiente para resumir o conteúdo prático de suas principais
contribuições acadêmicas: "In a word, policy-makers and profess
ional economists should agree on some basic principles of an anti­
inflationary code: a) price stabilization cannot be sustained without
aggregate demand management; b) fiscal austerity is the key issue
as far as aggregate demand is concerned, except in a few countries
with excess savings; c) inflationary inertia is a true problem, since
common knowledge can never be so easily spread as assumed in the
rational expectations macroeconomic literature; d) income policies,
therefore, are an essential instrument to fight big infiations; e) there
is no sense in discussing whether inflation should be tackled by the
supply side Or by the demand side, a concerted approach being neces­
sary, at least when the problem is to stop a big infiation; f) stopping
a big infiation involves the design of an equilateral triangle, the ver­
tices of which are fiscal equilibrium, income policies and monetary
reform; g) income policies can hardly be imposed without price con­
trols, the political counterpart of a wage freeze being a general price
freezej h) price freezes may be the poison-pill of a stabilization pack­
age; i) wages, prices and exchange rates should never be frozen out of
relative price equilibrium; j) the effectiveness of income policies can
only be tested after they are abolished." [Simonsen (1986), p.38].

Referências

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128 Revista de Econome tria 17 (1) Maio 1997


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