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Formalismo e Estruturalismo

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Formalismo e Estruturalismo

Adeus à História da Literatura


A Teoria da Literatura herdou o lugar da Poética nos estudos literários.
No início do século XIX, com a reforma do ensino superior, a qual começou
na Alemanha e expandiu-se para outras nações europeias, a universidade
transformou-se no espaço por excelência da ciência e da pesquisa. Embora
a universidade não perdesse de vista a formação de profissionais para o
mercado de trabalho, enquanto instituição ela passou a compreender-se
como vocacionada para a investigação científica e para a produção de co-
nhecimentos inovadores. Essa perspectiva, adotada a partir da reforma do
filósofo e político Wilhelm Humboldt, que reestruturou a Universidade de
Berlim na primeira década do século XIX, passou a identificar desde então
os cursos de graduação e de pós-graduação oferecidos por instituições de
Ensino Superior.

A Poética havia se tornado predominantemente normativa com o


passar dos séculos. A obra de Aristóteles era, em parte, responsável por
esse resultado, já que ele dedica os primeiros capítulos de sua Poética à re-
flexão sobre a natureza da poesia, à identificação das espécies ou gêneros
literários e à valorização da verossimilhança como elemento fundamental
da construção literária, destina as partes subsequentes ao estabelecimen-
to de técnicas e regras que devem ser seguidas por autores, sobretudo os
dramaturgos, a fim de criarem tragédias, comédias ou até epopeias em
que se reconheçam qualidades artísticas (ARISTÓTELES, 1981).

Por causa disso, a Poética não foi alçada aos estudos superiores; seu
lugar foi ocupado pela Teoria da Literatura na condição de uma ciência
focada no conhecimento das obras literárias. No século XIX, ela abrigou
tanto a Filologia e a Crítica Textual quanto a História da Literatura. A Filolo-
gia e a Crítica Textual dirigiram-se a questões linguísticas, associando-se,
na mesma época, à Linguística Histórica, o que as levou ao gradual aban-
dono dos estudos literários – que coincidiram predominantemente com a
História da Literatura e sua gêmea, a Literatura Comparada. A elas cabia o
exercício de duas tarefas complementares:

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 à História da Literatura competia investigar a trajetória de uma literatura


nacional desde suas origens até a atualidade do pesquisador, segundo o
ângulo cronológico;

 à Literatura Comparada competia verificar as proximidades e trânsito de


influências entre duas ou mais literaturas nacionais distintas.

Assim sendo, o que a História da Literatura separava, a Literatura Comparada


reunia, para que o campo literário não se fragmentasse em visões isoladas. Ambas
as áreas de conhecimento, porém, compartilhavam algumas concepções:

 confiante no pensamento positivista e na metodologia determinista, pra-


ticada sobretudo pelo historiador e crítico francês Hippolyte Taine, a His-
tória da Literatura concebia a literatura como o resultado de três fatores: a
raça, o meio e o momento histórico. O historiador brasileiro Silvio Romero,
por exemplo, que escreveu, em 1888, a História da Literatura Brasileira, de-
finiu a literatura do Brasil como

 o produto de fatores raciais – destacando o papel da mestiçagem;

 da influência do meio – chamando a atenção para o efeito da natureza


tropical sobre o comportamento e a mentalidade dos brasileiros; e

 do impacto da época em que eles viveram, seja durante o período colo-


nial, seja após a independência política, durante o regime monárquico.

Só após a caracterização do contexto e do exame dos componentes biológi-


cos e sociais, teria o historiador condições de redigir uma História da Literatura,
como faz H. Taine, em seu livro História da Literatura Inglesa, de 1864, e Sílvio
Romero na mencionada História da Literatura Brasileira (ROMERO, 1902).

 a Literatura Comparada igualmente fundamentava-se na noção de influên-


cia, verificando como uma escola literária ou um autor tinha ascendência
sobre um grupo ou sobre um escritor; se, para a Literatura Comparada os
fatores biológicos poderiam ser ignorados, eram fundamentais elementos
como a educação, formação pessoal, família – enfim, dados de ordem bio-
gráfica, às vezes até componentes psicológicos, que explicavam as obras,
em detrimento dos aspectos inerentes ao texto produzido por um artista.

Em suma, a História da Literatura e a Literatura Comparada, sobretudo a pri-


meira, privilegiavam os elementos externos que condicionavam a criação lite-
rária e artística. Esses elementos externos poderiam ser identificados por meio

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da pesquisa, podendo garantir o estatuto científico do trabalho realizado e ga-


rantindo, por via de consequência, o lugar da Teoria da Literatura (que acolhia a
História da Literatura e a Literatura Comparada) no Ensino Superior.

Quando o século XX começou, a universidade era uma instituição consolida-


da, que dava lugar aos estudos literários e linguísticos, formando pesquisadores
para os dois campos do conhecimento. Os estudos literários, comprometidos
principalmente com a História da Literatura, que de preferência olha para o pas-
sado, não precisavam se preocupar com a atualidade; mas estavam acontecen-
do profundas revoluções, que, como seria de se esperar, repercutiram sobre o
Ensino Superior e sobre a pesquisa com literatura.

No campo político, a Europa passou por uma guerra de grande extensão,


iniciada em 1914 e prolongada até 1918, presenciou a derrubada de regimes
monárquicos consolidados, como ocorreu na Alemanha, na Áustria e na Itália,
e acompanhou a ascensão do bolchevismo, que, sob a liderança de Lênin, der-
rubou o czar Nicolau II e assumiu o poder quase absoluto na Rússia. No âmbito
das artes, eclodiram as diferentes vanguardas, com expressões simultâneas e
radicais:

 nas Artes Plásticas, destacavam-se a pintura abstrata de Vassili Kandinsky,


o Cubismo de Pablo Picasso, e o Dadaísmo de Tristan Tzara;

 na Música, manifestavam-se tanto o Expressionismo de Arnold Schönberg


quanto o primitivismo de Igor Stravinsky;

 no Teatro, diversificavam as teorias da encenação e interpretação, confor-


me as teses de Konstantin Stanislavsky, de Gordon Craig e de Meyerhold;

 na Literatura, o Futurismo de Maiakovski (na Rússia) e de Marinetti (na


Itália) competiam com o impacto da proposta inovadora de Guillaume
Apollinaire, criador dos enigmáticos caligramas.

Os modernismos implodiram os padrões artísticos que se mantinham está-


veis há algumas décadas. Além de se difundirem por todos os meios de expres-
são, esses padrões dividiram-se em ópticas distintas e até opostas, impedindo a
visão unificadora e uniforme. O experimentalismo tomou conta do coração e das
mentes dos artistas, segundo um modo de ser sintetizado por Mário de Andrade
quando conclui o “Prefácio Interessantíssimo” que antecede seu livro de poemas
Pauliceia Desvairada, considerado um dos marcos inaugurais do Modernismo
brasileiro:

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E está acabada a escola poética. “Desvairismo”.

Próximo livro fundarei outra. (ANDRADE, 1987, p. 77).

Tal como Mário de Andrade, os modernistas, adeptos das vanguardas e do


experimentalismo, não se submetiam a regras, nem mesmo às que eles mesmos
tinham acabado de propor.

Essa movimentação não deixou indiferentes os estudos literários, que, mesmo


abrigados sob o teto da universidade, tiveram de reagir às mudanças no campo
artístico. Foram os jovens estudantes das universidades russas de São Petersburgo
e de Moscou os primeiros a anunciar ideias renovadoras. Eles expressaram a im-
portância de se voltar a atenção para as obras literárias, deixando de lado as preo-
cupações históricas, biográficas e contextuais; e registraram que a obra continha
elementos internos suficientes para justificar seu estudo independente. Porque
rejeitaram a História da Literatura e insistiram na importância do processo de
construção dos textos artísticos foram chamados formalistas; porque trabalharam
e redigiram suas obras nas cidades de São Petersburgo e de Moscou, passaram a
ser conhecidos por sua nacionalidade russa. Por isso, a primeira expressão do novo
modo de entender e pesquisar a literatura é conhecida como Formalismo Russo.

O Formalismo Russo
Os intelectuais e artistas russos fizeram sua estreia na modernidade nas duas
primeiras décadas do século XX. Os primeiros quadros não figurativos de Kandinsky
datam de 1910. O pássaro de fogo e A sagração da primavera, de Igor Stravinsky,
datam respectivamente de 1910 e 1913, e nessas obras o compositor rompe com
as regras musicais até então aplicadas para o ritmo, a melodia e a harmonia. Um
ano antes, em 1912, jovens poetas como Vielimir Khlebnikov e Vladimir Maiakovski
publicaram um almanaque provocador, intitulado Bofetada no gosto público, con-
siderado, desde então, o manifesto do grupo futurista na Rússia.

Não surpreende que, em 1914, o jovem estudioso da literatura Vitor Chklovski


tenha escrito um ensaio cujo estilo aproxima-se do manifesto, afirmando que
compete à arte desarticular os processos usuais de percepção, causando estranha-
mento (CHKLOVSKI, 1978). Chklovski recusa, pois, a concepção de que a arte – ou a
literatura, de modo mais específico – mimetiza a realidade, como pensara Aristóte-
les; e afirma que o público não deve esperar que, na obra artística, reencontre algo
previamente conhecido, mas que o veja como se fosse a primeira vez.

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Chklovski vale-se de duas palavras-chave para falar de literatura: procedimen-


to e estranhamento. Ao empregar o primeiro, o autor quer dizer que uma obra
literária lança mão de uma série de técnicas e artifícios para se converter em
objeto independente. O artista utiliza a linguagem verbal, o verso, o ponto de
vista, a personagem, enfim, uma boa quantidade de elementos próprios ao ma-
terial literário, arranja-os e cria uma entidade nova. Eis o ponto que o preocupa:
o resultado deve ser totalmente original, inusitado, desconhecido. Assim, ele se
diferencia dos demais, já que os procedimentos aos quais recorre tornam-no sin-
gular. Graças a essa singularidade, ele provoca o estranhamento, vale dizer, um
impacto que modifica a percepção de quem com ele se depara.

Chklovski dispunha de bons exemplos para mostrar que estava correto; afinal,
seus conterrâneos – os citados Kandinsky, na pintura; Stravinsky, na música; e
Maiakovski, na poesia – recorreram aos materiais mais diversificados para criar algo
inteiramente novo, despreocupando-se se esse novo reproduzia ou não o mundo
conhecido. No caso de Kandinsky, mesmo a representação figurativa desaparecia,
pois sua pintura era abstrata, lidando apenas com formas geométricas desprovidas
de conteúdo. Mas o poeta Vielimir Khlébnikov também podia redigir um poema
em que desaparecesse a preocupação com a comunicação de um significado:

Bobeóbi cantar de lábios

Lheeómi cantar de olhos,

Cieeo cantar de cílios,

Stioeei cantar do rosto

Gri-gsi-gseo o grilhão cantante.

Assim no bastidor dessas correspondências

Transespaço vivia o Semblante.

(KHLÉBNIKOV, 1985, p. 84)

Porém, Chklovski não se limita a reconhecer o fenômeno que caracterizava


a arte moderna e que ele pensava ser próprio a toda a arte literária, do passa-
do e do presente: ele procura também explicar porque isso acontece. Segundo
Chklovski, a linguagem verbal, diariamente utilizada, sempre com finalidades
práticas e imediatas, vai se desgastando, a ponto de não mais nos darmos conta
de sua riqueza e sua variedade. É quando a palavra migra para a poesia que

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todo seu valor aparece, não apenas enquanto imagem e sonoridade, proprieda-
de que as palavras têm, como bem exploraram os simbolistas em poemas como
o de Cruz e Sousa:

Vozes veladas, veludosas vozes,

volúpias dos violões, vozes


veladas,

vagam nos velhos vórtices


velozes

dos ventos, vivas, vãs,


vulcanizadas.

(SOUSA, 1993, p. 91)

Mas também em termos semânticos, já que as palavras podem tematizar seu


próprio significado, como se vê em “A educação pela pedra”, de João Cabral de
Melo Neto, cujos versos finais chamam a atenção para a natureza da pedra, desde
o sentido da palavra até sua função no contexto da vida sertaneja nordestina:

No Sertão a pedra não sabe lecionar,

e se lecionasse, não ensinaria nada;

lá não se aprende a pedra; lá a pedra,

uma pedra de nascença, entranha a alma.

(MELO NETO, 1995, p. 338)

Vitor Chklovski toma, pois, como ponto de partida de suas reflexões, a dife-
rença entre a linguagem empregada na comunicação cotidiana e a linguagem
poética, destacando a importância desta última, que garante “a ressurreição da
palavra”, como intitula um de seus primeiros artigos. (CHKLOVSKI, 1973). A pa-
lavra poética revitaliza, pois, a linguagem como um todo; mas, como pode ser
banalizada ao ser frequentemente utilizada, requer constante renovação, o que
ocorre graças aos procedimentos empregados que a tornam novamente singu-
lar, provocando outra vez o estranhamento.

Um exemplo pode ser extraído da poesia brasileira.

Poucos poemas são tão conhecidos como a “Canção do exílio”, de Gonçal-


ves Dias. Podemos repetir versos como “minha terra tem palmeiras / onde canta

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o sabiá” ou “nosso céu tem mais estrelas”(DIAS, 1998, p. 19) sem nem mesmo
lembrar que foi o poeta maranhense que os escreveu, falando da saudade que
sentia de sua terra natal, quando morava em Portugal e estudava na Universida-
de de Coimbra. Graças à popularidade do poema, palmeiras e sabiás tornaram-
-se sinônimos de Brasil, migrando para as mais diversas formas de manifestação,
verbais e não verbais.

Para recuperar o sentido desses versos, não basta mais repeti-los: é preciso
recriá-los, como fez nosso modernista Oswald de Andrade, que deu conta do
mesmo sentimento de exílio e solidão adicionando o humor e a paródia ao texto
de Gonçalves Dias:

Minha terra tem palmares

Onde gorjeia o mar

Os passarinhos daqui

Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas

E quase que mais amores

Minha terra tem mais ouro

Minha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosas

Eu quero tudo de lá

Não permita Deus que eu morra

Sem que volte para lá

Não permita Deus que eu morra

Sem que volte pra São Paulo

Sem que veja a Rua 15

E o progresso de São Paulo.

(ANDRADE, 1972, p. 82)

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Com outro significado, Carlos Drummond de Andrade, em 1945, igualmente


voltou-se aos versos de Gonçalves Dias, para, em sua “Nova canção do exílio”,
referir-se à nostalgia e à saudade provocadas pelo tempo e pela distância:

Um sabiá na

palmeira, longe.

Estas aves cantam

um outro canto.

O céu cintila

sobre flores úmidas.

Vozes na mata,

e o maior amor.

Só, na noite,

seria feliz:

um sabiá,

na palmeira, longe.

(ANDRADE, 2002, p. 145-146)

Profundamente internalizada em nossa cultura, a “Canção do exílio” preci-


sa ser periodicamente renovada para que se perceba seu caráter poético. Mas,
quando retornam a ela, os artistas, empregam procedimentos originais e provo-
cam novos impactos, próprios à linguagem poética. É o que faz Chico Buarque
de Holanda quando compõe “Sabiá”, canção na qual mais uma vez ecoam, de
modo renovador, as imagens de Gonçalves Dias, como mostram as duas primei-
ras estrofes:

Vou voltar

Sei que ainda vou voltar

Para o meu lugar

Foi lá e é ainda lá

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Que eu hei de ouvir cantar

Uma sabiá

Vou voltar

Sei que ainda vou voltar

Vou deitar à sombra

De um palmeira

Que já não há

Colher a flor

Que já não dá

E algum amor

Talvez possa espantar

As noites que eu não queira

E anunciar o dia.

(HOLANDA, 2007)

Com o foco voltado para o lado sempre desafiador da linguagem poética,


os formalistas puderam suplantar a perspectiva até então dominante na Teoria
da Literatura, projetando rumos que desde então se instalaram nos estudos
literários.

O Estruturalismo Tcheco
Os formalistas russos congregaram pesquisadores associados à Universida-
de de São Petersburgo, entre os quais destacamos Vitor Chklovski. Mas também
professores da Universidade de Moscou compartilharam estudos sobre a lingua-
gem poética, sobre o ritmo na poesia e sobre a narrativa. Alguns voltaram-se so-
bretudo a questões linguísticas, como Roman Jakobson, enquanto outros, como
Vladimir Propp, ocuparam-se com a forma das histórias populares, construin-
do uma tipologia que auxiliou o conhecimento das sequências narrativas nos
contos. Também dedicados aos estudos da literatura foram:

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 B. Eikhenbaum, que pesquisou sobretudo a forma romanesca;

 I. Tinianov, cujas teses versaram sobre a evolução literária e o papel da


paródia;

 O. Brik, que enfocou questões relativas à poesia e ao ritmo;

 B. Tomacheski, que buscou estabelecer uma tipologia dos procedimentos


empregados nos gêneros narrativos.

A atuação desse grupo se estendeu entre aproximadamente 1915 e 1925. Os


ensaios citados, de autoria de Chklovski, foram escritos entre 1910 e 1914, mas a
maioria da obra do grupo, incluindo a do próprio Chklovski, foi elaborada no perí-
odo indicado. Depois de 1925, o grupo passou por problemas políticos, já que não
acompanhava a perspectiva que o Partido Comunista e o governo soviético adota-
vam para descrever e interpretar a literatura. Alguns de seus membros derivaram
suas investigações para questões sociais; outros, preferiram deixar a União Soviéti-
ca, entre os quais se conta o já então renomado linguista Roman Jakobson.

Esse pesquisador rumou inicialmente para a cidade de Praga, na então recente-


mente emancipada Tchecoslováquia. A região onde se localiza Praga, atualmente
República Tcheca, pertencera ao império austro-húngaro até o começo da Primei-
ra Guerra Mundial (1914-1918). Com a derrota da Alemanha e de sua aliada, a Áus-
tria, aquele território emancipara-se, passando a constituir país independente.

Mesmo à época da dominação austríaca, Praga era importante centro cultu-


ral, de que é exemplo a produção literária de Franz Kafka, marco da renovação
do romance contemporâneo. Filósofos se destacavam na libertada Praga dos
anos 1920, bem como intelectuais voltados para as questões estéticas e linguís-
ticas. A esse núcleo agregou-se Roman Jakobson, a que se somarão mais adiante
o teórico da literatura Roman Ingarden, oriundo da Polônia, e René Wellek. Um
novo grupo se constitui e, embora incorpore questões trazidas pelos formalistas,
diferenciar-se-á desses graças à orientação teórica escolhida por seus membros.
Sendo essa orientação de pendor estruturalista, esse é o nome pelo qual eles
serão conhecidos.

O Estruturalismo Tcheco se caracterizou por se preocupar, como o formalis-


mo, com questões relativas à linguagem, admitindo a separação entre seu uso
em situações cotidianas de comunicação e na literatura. Além disso, aprofundou
as pesquisas no campo da Linguística, especialmente no âmbito da Fonologia,
graças ao trabalho do mencionado Roman Jakobson e de Nikolai Trubetzkoi,
também emigrado da Rússia. Formou-se, assim, o Círculo Linguístico de Praga,

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nome pelo qual o grupo ficou conhecido. Mas o Estruturalismo Tcheco notabi-
lizou-se igualmente por estabelecer as conexões entre os estudos literários e a
Estética graças à colaboração de Jan Mukarovski.

A Jan Mukarovski devem-se três conceitos fundamentais do Estruturalismo


enquanto vertente da Teoria da Literatura. O primeiro é a noção que dá nome
ao trabalho do grupo: estrutura. Os formalistas já tinham destacado a impor-
tância da forma enquanto resultado do arranjo das estratégias, técnicas e ar-
tifícios de que o artista se vale para chamar a atenção para a originalidade de
sua criação. Em vez de reproduzir a realidade, como queria Aristóteles, o artista,
segundo os formalistas, criava uma nova realidade desde os materiais postos à
sua disposição.

Com isso, contudo, os formalistas acabaram por cindir uma obra em forma e
conteúdo, como se esses fatores pudessem ser examinados de modo separado.
Foi para tal problema que Mukarovski apresentou uma solução, referindo-se à
noção de que a obra literária é uma estrutura, construída por diferentes elemen-
tos que constituem uma unidade orgânica. Nesse sentido, todos os elementos
estão unidos entre si de modo que a alteração de um deles determina a mudan-
ça do conjunto. No caso da “Canção do exílio”, por exemplo, o fato de Oswald
de Andrade ter trocado a palavra palmeiras, de “Minha terra tem palmeiras’” por
palmares, em “Minha terra tem palmares”, provoca uma imediata transformação
no todo do poema, porque afeta seus significado, ritmo e objetivo. Palmeiras ou
palmares são vocábulos que não representam apenas semelhanças fônicas em
contraposição a sentidos diversos, mas também estabelecem uma relação entre
si e com o conjunto do texto onde aparecem.

Outro conceito importante proposto por Mukarovski foi o de norma estéti-


ca, que ele opôs ao de valor estético (MUKAROVSKI, 1977). Também nesse caso
o pensador tcheco desenvolveu uma noção presente nos formalistas, mas que
requeria tratamento mais coerente e articulado.

Para os formalistas, uma obra artística caracteriza-se por uma série de proce-
dimentos destinados a provocar um efeito sobre seu destinatário. Esses procedi-
mentos serão tanto mais efetivos quanto mais singulares e originais, gerando uma
sensação de estranhamento no público. Tinianov, desenvolvendo a ideia básica de
Chklovski, procurou entender as transformações históricas experimentadas pela
literatura a partir desses critérios: tal como a linguagem da comunicação diária, os
gêneros e estilos se desgastam, determinando a necessidade de modificá-los. A
paródia é o primeiro sinal de desgaste de uma forma, de um estilo, de um tipo de

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personagem, apontando para o processo em andamento de sua renovação ou


substituição (TINIANOV, 1978).

Tinianov afirmou que essa engrenagem caracterizava cada texto literário


como um sistema; Mukarovski, contudo, não ficou muito convencido, preferin-
do uma explicação que desse conta da natureza estruturada das obras. Por isso,
introduziu noções mais funcionais: segundo ele, o sistema literário é dominado
por normas de todo tipo; há normas sociais, relativas aos modos de agir e de
pensar de uma sociedade; normas religiosas, que dão conta do que os grupos
humanos entendem como sagrado e como profano; e há também normas esté-
ticas, que dizem respeito às convenções aceitas pelos criadores, artistas e escri-
tores. Definem-se os gêneros conforme as normas estéticas dominantes, facul-
tando o estabelecimento de distinções entre romance e conto, prosa e poesia,
literatura e não literatura. Se um autor deseja escrever uma narrativa, ele precisa
escolher uma (ou várias) modalidades de narrador, conforme as disponibilida-
des existentes; da mesma maneira, se ele for poeta, provavelmente escolherá
entre rimar ou não rimar os versos, metrificá-los ou não, e assim por diante. Essas
opções se apresentam antes de o criador começar a realizar seu trabalho porque
as normas são preexistentes ao momento de elaboração de uma obra.

Assim, não se trata apenas de recorrer aos procedimentos e técnicas, como


quiseram os formalistas: esses procedimentos e técnicas organizam-se em
normas a serem acolhidas ou não pelos criadores de obras de arte.

Acontece que os artistas podem obedecer passivamente às normas estéti-


cas, recusá-las, contestá-las ou desconstruí-las. Quanto mais o artista se distan-
ciar das normas dominantes, mais desafiadora, inovadora e criativa é sua obra.
Chklovski destacou que o efeito de estranhamento decorre do risco assumido
pelo criador de obras de arte; Mukarovski localizou aí o valor estético. Esse, por-
tanto, é um dado variável, identificável sempre de modo relativo, pois é preciso
que se busque o grau de ruptura presente em cada uma das obras.

Assim, nas diferentes versões da “Canção do exílio” propostas por Oswald


de Andrade, Carlos Drum-mond de Andrade e Chico Buarque de Holanda (esta
última musicada por Tom Jobim), o valor estético está presente, pois, em todas
elas, reconhece-se o rompimento com o padrão que se tornou convencio-
nal após a banalização dos versos de Gonçalves Dias. Contudo, em cada uma
delas o valor localiza-se em aspectos diferentes: na de Oswald, a ruptura com o
modelo levou-o à paródia; na de Drummond, à melancolia; na de Chico Buarque,
à nostalgia.

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Eis um dos importantes méritos do pensamento de Jan Mukarovski: ao invés


de propor que o valor estético é um dado absoluto a que todas as obras devem
chegar, ele chama a atenção para a relatividade e a mutabilidade do conceito.
Reconhece, como ocorre desde a Poética clássica, que as obras literárias têm um
valor; mas recusa-se a explicitar qual é a essência desse valor. Coloca-o, pois, em
uma relação – aquela que se estabelece entre as normas vigentes e as modalida-
des de ruptura propostas por cada texto. Os tipos de rupturas podem variar de
obra para obra, como se viu com os poemas que retomam a “Canção do exílio”;
mas podem mudar dentro de uma mesma obra se as normas também muda-
rem. Afinal, os textos são escritos em uma época e lidos tanto no período em
que são produzidos quanto depois. Além disso, as normas se transformam ao
longo do tempo, de modo que igualmente o valor se modifica, o que assinala
sua paradoxalmente contínua mutabilidade.

Tal como o Formalismo Russo, o Estruturalismo Tcheco incorporou à Teoria


da Literatura noções fundamentais, que necessariamente precisam ser levadas
em conta quando se procura entender o valor de uma obra e sua repercussão no
tempo e na sociedade.

Texto complementar

A arte como procedimento


(CHKLOVSKI, 1978)

Examinando a língua poética tanto nas suas constituintes fonéticas como


na disposição das palavras e nas construções semânticas constituídas por
estas palavras, percebemos que o caráter estético se revela sempre pelos
mesmos signos: é criado conscientemente para libertar a percepção do au-
tomatismo; sua visão representa o objetivo do criador e ela é constituída
artificialmente de maneira que a percepção se detenha nela e chegue ao
máximo de sua força e duração. O objeto é percebido não como uma parte
do espaço, mas por sua continuidade. A língua poética satisfaz estas condi-
ções. [...] L. Jacobinski demonstrou no seu artigo a lei do obscurecimento no
que concerne à fonética da língua poética a partir do caso particular de uma
repetição de sons idênticos. Assim, a língua da poesia é uma língua difícil,
obscura, cheia de obstáculos.

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Assim, chegamos a definir a poesia como um discurso difícil, tortuoso. O


discurso poético é um discurso elaborado. A prosa permanece um discurso
comum, econômico, fácil, correto (Dea Prosae é a deusa do parto fácil, corre-
to, de uma boa posição da criança). Aprofundarei mais no meu artigo sobre a
construção do enredo este fenômeno de obscurecimento, de amortecimen-
to, enquanto lei geral da arte.

Estudos literários
1. Quais foram os conceitos incorporados por V. Chklovski à Teoria da Literatura
e o que eles significam?

2. Que concepção do pensamento de Aristóteles sobre a poesia é contrariada


por Chklovski e pelos formalistas?

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