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E-Book - Multimodalidade Nos Discursos Contemporâneos - GP MultiSemioTics

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Copyright © 2022, MultiSemioTics

Editor-chefe: Gustavo Luz


Arte da Capa e Diagramação: Moisés Batista da Silva
Revisão: Autores

COMITÊ CIENTÍFICO
Moisés Batista da Silva
José Roberto Alves Barbosa
Lúcia Helena Medeiros
Vicente de Lima-Neto

CONSELHO EDITORIAL
Alexandre Alves
Raimundo Leontino Gondim Filho
Gutenberg Costa
Maria Graciele Lima
José Ribamar Alves
1. Ficção : Literatura brasileira B869.3
Todo ponto de vista é um ponto.
Para entender como alguém lê, é
necessário saber como são seus
olhos e qual é sua visão de mundo.
Isso faz da leitura sempre uma
releitura.
A cabeça pensa a partir de onde os
pés pisam. Para compreender, é
essencial conhecer o lugar social de
quem olha. Vale dizer: como
alguém vive, com quem convive,
que experiências tem, em que
trabalha, que desejos alimenta,
como assume os dramas da vida e
da morte e que esperanças o
animam. Isso faz da compreensão
sempre uma interpretação.

BOFF, Leonardo. A águia e a


galinha: a metáfora da condição
humana. 52ª ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2014.
Sumário
APRESENTAÇÃO (11-31)

PARTE I - MULTIMODALIDADE NO DISCURSO


PUBLICITÁRIO

CAPÍTULO 1 (35-67) - Uma análise multimodal de e-


mails promocionais: a tentação consumista dos cupons
e cashback na palma da mão - Maria Geizi Silva Pinto e
José Roberto Alves Barbosa

CAPÍTULO 2 (69-99) - Análise multimodal: um estudo


de cartazes de combate ao tabagismo produzidos pelo
Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA -
Antonia Monaiza da Silva

CAPÍTULO 3 (101-139) - Análise multimodal de


propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o
afro - Luciana Dantas de Souza e Moisés Batista da
Silva

PARTE II - MULTIMODALIDADE NO DISCURSO


FÍLMICO

5
CAPÍTULO 4 (143-177) - Estereótipos e resistência
feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto - Marcela Aianne Rebouças, Iasmim
Cristina de Sousa e Edgley Freire Tavares

CAPÍTULO 5 (179-231) - Atos de fala diretivos e


assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen -
Joilton Garcia do Amaral e Pedro Adrião da Silva
Júnior

CAPÍTULO 6 (233-273) - A representação imagética


nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e Cruella à
luz da Gramática do design visual - Antonia Rayane
Felix Barra, Maria Eduarda Regis Pinto e Rayssa
Rovanya Torquato Carvalho

PARTE III - MULTIMODALIDADE NO DISCURSO


POLÍTICO

CAPÍTULO 7 (277-307) - Gramática do Design Visual:


análise da metafunção interativa em capas da Revista
Veja que retratam figuras políticas do cenário
nacional - Andrea Mikaelly Rebouças de Azevedo e
João Paulo Rocha Silva

CAPÍTULO 8 (309-337) - A representação intertextual


no discurso político em capa de revista: uma

6
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro -
Renatha Rebouças de Oliveira e José Roberto Alves
Barbosa

CAPÍTULO 9 (339-369) - Três momentos do governo


Bolsonaro em três imagens da fotojornalista Gabriela
Biló: uma análise multimodal - Antonia Jackcioneide
Oliveira da Silva, Bruna da Costa Targino, Reinaldo
Lopes da Silva e Moises Batista da Silva

CAPÍTULO 10 (371-405) - A linguagem neofascista no


discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto
Alvim e Goebbels - Clístenes Oliveira da Silva e
Sandson de Souza Costa

PARTE IV - MULTIMODALIDADE NO DISCURSO


HUMORÍSTICO

CAPÍTULO 11 (409-431) - Signos na pandemia: a


crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade - Rodrigo Marques Brito Barbosa e
Moises Batista da Silva

CAPÍTULO 12 (433-459) - A construção dos


significados no espaço visual das charges: uma análise
à luz da metafunção interativa da Gramática do
design visual - Francisco Rangel dos Santos Sá Lima,

7
Aldeci Fernandes da Cunha e Mércia Suyane Vieira
Mendonça

CAPÍTULO 13 (461-487) - A metafunção


representacional em charges que abordam a figura do
jovem negro: uma análise multissemiótica segundo a
Gramática do design visual - João Paulo da Penha
Teodoro, Jocélio Coutinho de Oliveira e Maria Thárgilla
Larissa Silva

CAPÍTULO 14 (489-535) - Multimodalidade em


postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber - Alice
Chaves de Lima, Karliane Gomes da Silva, Antonia
Oziana Batista de Medeiros e José Roberto Alves
Barbosa

PARTE V - MULTIMODALIDADE E LETRAMENTO


CRÍTICO NO DISCURSO ESCOLAR

CAPÍTULO 15 (539-579) - Multimodalidade e


discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa - Fernanda
Alves Cavalcante, Francisco Ebson Gomes-Sousa e
Vicente de Lima-Neto

CAPÍTULO 16 (581-613) - Multiletramentos nas aulas


de Língua Portuguesa: o Facebook como uma

8
ferramenta de ensino - Valéria Batista Costa
Montenegro e Lúcia Helena Medeiros

CAPÍTULO 17 (615-643) - Análise de anúncio em


vídeo na aula de língua materna: por uma prática de
letramento crítico multimodal - Paula Priscilla Mendes
de Carvalho e José Roberto Alves Barbosa

PARTE VI - MULTIMODALIDADE E OUTRAS


ABORDAGENS

CAPÍTULO 18 (647-669) - Os gêneros discursivos


segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas - Débora Brenda Teixeira Silva e José
Roberto Alves Barbosa

CAPÍTULO 19 (671-695) - O discurso sexista nas


indumentárias esportivas de atletas de elite - Vitória
Costa de Jesus e Vicente de Lima-Neto

CAPÍTULO 20 (697-733) - Análise geossemiótica dos


espaços públicos e privados do centro da cidade de
Mossoró - Josielle Raquel Dantas da Silva e Moisés
Batista da Silva

SOBRE OS AUTORES (735-745)

9
Retornar ao Sumário
Apresentação
Nas ciências da linguagem, há muito se discute as
produções de sentido dos textos, mas as discussões
centrais eram em torno da materialidade verbal, salvo
poucas exceções. Apenas na década de 1980, com a
publicação de Social Semiotics (HODGE; KRESS, 1988), a
abordagem multimodal trouxe à tona o estudo do
significado produzido por meio de outros sistemas
semióticos que vão além do verbo. No Brasil, esses
estudos chegaram em fins da década de 1990 e vêm
ganhando força desde então.
Acompanhando o crescimento da área no mundo,
a internet se popularizou e mudou a história da
humanidade. Não é difícil perceber que as produções
textuais em ambientes digitais e todas as discussões que
eles engendraram ao longo dos últimos vinte anos, pelo
menos, são um prato cheio para fomentar a pesquisa
científica da área de Semiótica Social e humanidades
digitais em geral, que são o foco deste livro.
Aqui, o que nós estamos propondo é mais uma
obra que busca contribuir com a área da Semiótica Social
e suas relações com outras áreas, como a Análise Crítica
do Discurso, que lançam luzes sobre temáticas variadas,
como política, humor, cinema, pautas sociais, educação,
entre outros. Trazemos, portanto, vinte textos frutos de

11
pesquisas de iniciação científica e Mestrado produzidas
no Rio Grande do Norte, como forma de enaltecer a
Semiótica Social e seus casamentos teóricos possíveis e
provocar reflexões no leitor, convidando-o a pensar
conosco sobre assuntos que têm sido pauta nos últimos
anos.
Este livro está organizado em seis partes. A Parte
I - Multimodalidade no discurso publicitário é
composta por três capítulos. No Capítulo 1 - Uma
análise multimodal de e-mails promocionais: a
tentação consumista dos cupons e cashback na palma
da mão, Maria Geizi Silva Pinto e José Roberto Alves
Barbosa, com base na Gramática do Design Visual
(KRESS e VAN LEEUWEN, 1996), analisam textos
multimodais de e-mails promocionais, com ênfase em
cupons e cashback. O trabalho, a partir de uma
abordagem qualitativa e interpretativista, mostrou-se
pertinente, tendo em vista a natureza epistemológica,
social e linguística do objeto de estudo de caráter
documental. Nesta pesquisa, os autores observaram que
as imagens são manipuladas na representação dos
participantes (pessoas, produtos e serviços) com vistas a
seduzir o seu leitor à compra. Aliado a isso, os cupons e
cashbacks são recursos promocionais que nem sempre são
tão vantajosos como aparentam ser. Todavia, a conexão
do verbal com o visual opera assediando o leitor,
seduzindo-o ao consumismo. Infere-se, portanto, que a
operacionalização dos significados representacionais e

12
interativos, dentro da composição visual, interage de
forma intencional pelos seus produtores, não apenas
para possibilitar a comunicação, mas também o
convencimento e persuasão de seus leitores a comprar.
No Capítulo 2 - Análise multimodal: um estudo
de cartazes de combate ao tabagismo produzidos pelo
Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA,
Antonia Monaiza da Silva apresenta uma análise
multimodal de cartazes de combate ao tabagismo
retirados do Instituto Nacional de Combate ao Câncer -
INCA. A pesquisa, considerada explicativa de
abordagem qualitativa, foi fundamentada,
principalmente, a partir das contribuições dos seguintes
autores: Kress e van Leewen (2006), Albuquerque,
Carneiro-Leão e Martins (2017), entre outros. Trata-se de
uma pesquisa. Como resultados, a autora encontrou
elementos multimodais em todos os cartazes
selecionados, com uma recorrência maior da metafunção
composicional nas imagens.
No Capítulo 3 - Análise multimodal de
propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o
afro, Luciana Dantas de Souza e Moisés Batista da Silva,
no que se referente aos significados representacionais, da
Gramática do Design Visual, de Kress e van Leeuwen
(2006), realizam análises multimodais de propagandas
de produtos capilares para cabelos femininos, dos lisos
ao processo de transição para o afro. Esta pesquisa, de

13
caráter qualitativo-interpretativo, também dialogou com
as contribuições de Almeida (2021), Soares (2019), Matos
(2016) e Braga (2013), entre outros. Os autores buscam
refletir como as publicidades influenciam no
comportamento do público consumidor feminino, uma
vez que pudemos perceber o quanto o racismo
estrutural, nas propagandas publicitárias de cosméticos
capilares no nosso país, levou muitas mulheres a
modificarem a sua estética capilar para se sentirem
aceitas dentro de um padrão de beleza imposto pela
branquitude. Como resultado, percebemos que as
imagens nos apresentam discursos que não são neutros.
Assim promovem ideologias que estão inseridas em
práticas sociais, políticas e culturais, influenciando nas
escolhas e tomadas de decisões dos sujeitos.
A Parte II - Multimodalidade no discurso
fílmico também é formado por três capítulos.
No Capítulo 4 - Estereótipos e resistência
feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto, Marcela Aianne Rebouças, Iasmim
Cristina de Sousa e Edgley Freire Tavares abordam as
condições histórico-sociais de possibilidade que ditam o
lugar da mulher negra na sociedade brasileira e realizam
uma análise do videoclipe Gueto, da cantora brasileira
Iza. Os autores também descrevem a discursividade
artístico-musical como expressão de manifestação
política, voltando nossa atenção para os aspectos
semióticos e linguísticos do vídeo que materializam um

14
discurso de contra-conduta e resistência aos estereótipos
femininos. Por meio da seleção de elementos visuais e
cenográficos do clipe e aspectos linguísticos recortados
de trechos da letra da canção performada no vídeo, o
percurso analítico articulou a proposta da gramática do
design visual, de Gunther Kress e Theo van Leeuwen
(2006), e as teses de Michel Foucault (1988, 2009, 2014,
2020, 2021) sobre o discurso e a experiência subjetiva
articuladas às formas do saber e do poder. Elencando
categorias de análise de ambas as teorias, portanto, a
pesquisa efetuou uma análise multimodal e discursiva,
apontando, como resultado, que a manifestação artística
analisada se coloca como um modo de romper com os
estereótipos, as normas de conduta e as perspectivas de
vida ditadas ao longo da história para as mulheres
negras, por meio da emergência de um contradiscurso
que materializa novas formas de pensar, imaginar e
viver produtoras de resistência a jogos de saber e de
poder do nosso tempo.
O Capítulo 5 - Atos de fala diretivos e assertivos:
estudos pragmáticos de Searle e a Gramática do design
visual de Kress e van Leeuwen, Joilton Garcia do
Amaral e Pedro Adrião da Silva Júnior relacionam os
estudos da pragmática, com a Gramática do design
visual (GDV), a partir de uma análise dos atos de fala
diretivos e assertivos presentes na série de TV La casa de
las flores. Para tanto, os autores deste capítulo
fundamentam sua pesquisa nas contribuições de

15
Escandell Vidal (1996) e Searle (1990), quanto aos
estudos pragmáticos, como também nos estudos de
Kress e van Leeuwen (2020) e Novellino (2007), quanto à
GDV. No que se refere à metodologia, os pesquisadores
adotaram uma pesquisa qualitativa com fins descritivos
e explicativos, como forma de alinhá-la ao objeto de
estudo. Como conclusão, os autores verificaram que, na
realização dos atos de fala analisados, foram gerados
diversos propósitos comunicativos, como por exemplo,
questionar, recriminar, comprometer, afirmar etc. E
concernente à metafunção interativa, alguns aspectos
ajudam a dar pistas acerca da temática ou de algum fato
da série.
No Capítulo 6 - A representação imagética nos
cartazes dos filmes Malévola, Coringa e Cruella à luz
da Gramática do design visual, Antonia Rayane Felix
Barra, Maria Eduarda Regis Pinto e Rayssa Rovanya
Torquato Carvalho vão afirmam que, hodiernamente, os
filmes centrados na figura de vilões têm conquistado
cada vez mais espaço na mídia cinematográfica,
principalmente aqueles voltados ao universo de super-
heróis e de contos de fadas. Tendo em vista a presente
notoriedade e o estigma associado a esses personagens,
a pesquisa tem como objetivo analisar a representação da
imagem dos vilões Malévola (2014), Coringa (2019) e
Cruella (2021), sob o enfoque da análise visual de seus
respectivos cartazes de filmes. Nesse sentido, utilizou-se
a Gramática do design visual, de Kress e Van Leeuwen

16
(2006), para nortear a análise dos pôsteres dos longas-
metragens das figuras icônicas supracitadas, limitando-
se às metafunções representacional e interativa. Assim,
este estudo mostrou-se importante por quebrar
paradigmas construídos socialmente a respeito da
imagem do vilão e por trazer contribuições da análise
multimodal, apresentando outras possibilidades de
interpretação.
A Parte III - Multimodalidade no discurso
político abarca um total de quatro capítulos.
O Capítulo 7 - Gramática do Design Visual:
análise da metafunção interativa em capas da Revista
Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional,
de Andrea Mikaelly Rebouças de Azevedo e João Paulo
Rocha Silva, apresenta uma investigação que teve como
objetivo estudar os recursos semióticos compostos por
texto verbal e visual nas capas da revista Veja. Para tanto,
os autores selecionaram seis capas de revista, publicadas
entre os meses de agosto de 2021 a janeiro de 2022, e as
analisaram com base na Gramática do design visual, de
Kress e van Leeuwen (2006), mais especificamente no
que diz respeito à presença das categorias da metafunção
interativa. Os resultados obtidos por meio desta
investigação confirmam as ideias dialogadas no aporte
teórico da pesquisa: a escolha dos elementos
multimodais é determinante na semiose global dos
textos, de forma que, para uma leitura aprofundada e

17
crítica das mensagens que são veiculadas nas diferentes
mídias, não se deve ignorar a escolha desses elementos.
O Capítulo 8 - A representação intertextual no
discurso político em capa de revista: uma comparação
dos presidentes Trump e Bolsonaro, de Renatha
Rebouças de Oliveira e José Roberto Alves Barbosa,
também analisam elementos imagéticos presentes em
duas capas de revistas de circulação nacional que trazem
o Ex-presidente norte-americano Trump e o Presidente
Bolsonaro como destaque. Para tal pesquisa, os aportes
teóricos adotados foram a Gramática do design visual
(KRESS E VAN LEEUWEN, 1996; 2006) e suas releituras
(ALMEIDA, 2008, 2009, 2012; DIONÍSIO, 2014;
NASCIMENTO, BEZERRA E HEBERLE, 2011). Os
elementos visuais das capas selecionadas foram
analisadas a partir dos significados interativos,
possibilitando uma leitura das imagens com um viés
crítico, desmistificando, assim, a ideia de neutralidade
semântica e semiótica. Os resultados obtidos
demonstraram que as imagens trazem discursos que
estabelecem sentidos. Além disso, cada elemento, que
compõe as capas, segue um determinado padrão
semiótico que é utilizado de forma estratégica para
evocar significados específicos.
No Capítulo 9 - Três momentos do governo
Bolsonaro em três imagens da fotojornalista gabriela
biló: uma análise multimodal, Antonia Jackcioneide
Oliveira da Silva, Bruna da Costa Targino, Reinaldo

18
Lopes da Silva e Moises Batista da Silva, a partir do
arcabouços teóricos da Gramática do Design Visual
(GDV), de Kress e Van Leeuwen (2006), como também
dos estudos de Almeida (2008), entre outros. analisam a
construção de sentido em algumas imagens do
Presidente Bolsonaro, captadas pela fotojornalista
Gabriela Biló. A partir das metafunções
representacional, interativa e composicional, presentes
nas imagens, os autores também analisam as construções
e representações de mundo contidas nas fotos, bem
como exploram as relações entre essas metafunções e os
recursos visuais adotados por Gabriela Biló,
demonstrando, assim, seu posicionamento político.
O Capítulo 10 - A linguagem neofascista no
discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto
Alvim e Goebbels, de Clístenes Oliveira da Silva e
Sandson de Souza Costa, inicialmente, trata das eleições
presidenciais brasileiras de 2018 que deram
possibilidade de emergência a um governo de extrema
direita que, em seu discurso, flerta com elementos de
uma linguagem neofascista, seja de maneira subjacente,
ou, por vezes, explícita. Tal produção discursiva, junto a
uma série de singularidades que constituem o discurso
da atual gestão do governo federal, segundo os autores,
ganha uma roupagem própria e passa a ser denominada
de bolsonarismo. O capítulo também aborda uma análise
comparativa multimodal entre aspectos da linguagem

19
fascista, presentes no discurso bolsonarista e no discurso
nazista. Para tanto, os autores fundamentam-se nos
estudos discursivos foucaultianos e nas contribuições de
Kress e Van Leeuwen (1996) para análise multimodal de
imagens. O corpus é constituído pelo print do vídeo do
pronunciamento do ex-secretário de cultura Roberto
Alvim, em 2020, a ser relacionado ao discurso e
fotografia de Goebbels, Ministro da propaganda de
Hitler.
A Parte IV - Multimodalidade no discurso
humorístico também é constituído de quatro capítulos.
O Capítulo 11 - Signos na pandemia: a crítica
política em charges sob a ótica da Multimodalidade,
Rodrigo Marques Brito Barbosa e Moisés Batista da Silva
analisam algumas charges que circularam na internet
durante a pandemia, no ano de 2020, sendo guiado pelos
aportes teóricos da Semiótica Social e do instrumento de
análise do texto imagético, a Gramática do design visual
(GDV), de Kress e Van Leeuwen (2006). Devido à
crescente demanda do texto cada vez mais visual em
contexto de mídias sociais e publicitárias, esta
investigação se insere nos trabalhos que tratam o texto
visual como objeto cada vez mais ascendente e utilizado
entre os sujeitos. Para tanto, é proposta uma leitura de
charges recentes que, como veremos, estruturam-se
diante da crítica política no contexto da Covid-19 e como
estes estudos podem contribuir para uma olhar mais
crítico dos signos iconográficos cada vez mais utilizados.

20
O Capítulo 12 - A construção dos significados no
espaço visual das charges: uma análise à luz da
metafunção interativa da Gramática do design visual,
Francisco Rangel dos Santos Sá Lima, Aldeci Fernandes
da Cunha e Mércia Suyane Vieira Mendonça destacam
que as formas de construção de textos visuais estão cada
vez mais presentes nos estudos da linguagem,
considerando que, assim como a linguagem verbal, as
imagens também veiculam valores, ideias e sentidos,
conforme a sua intencional organização e estruturação
interna, visando a provocar uma interação entre
produtores e leitores. Nesse artigo, analisam, por meio
de uma abordagem qualitativa com viés descritivo, a
construção dos significados no espaço visual de duas
charges publicadas pelo jornal Folha de São Paulo, no
ano de 2021, à luz da metafunção interativa da
Gramática do Design Visual, de Kress e van Leeuwen
(1996). Ressaltam que as charges são intrinsecamente
prenhes de cunho sociopolítico, denunciando problemas
sociais que despertam a inquietação e a atenção das
pessoas.
O Capítulo 13 - A metafunção representacional
em charges que abordam a figura do jovem negro: uma
análise multissemiótica segundo a Gramática do
design visual, João Paulo da Penha Teodoro, Jocélio
Coutinho de Oliveira e Maria Thárgilla Larissa Silva
analisam a representação de jovens negros em charges
publicadas na mídia brasileira por meio de uma análise

21
crítica acerca dos mecanismos referenciais presentes no
gênero. Como objetivos específicos, buscam
compreender as contribuições da semiótica social para a
acepção de um novo estatuto de texto, a partir da
multimodalidade; e apontam aspectos multimodais
relevantes para a construção de sentido das charges a
partir da Gramática do Design Visual e avaliaam como a
representação de jovens negros em charges pode
contribuir para a denúncia do racismo estrutural na
sociedade contemporânea. Para tanto, optam pela
abordagem multimodal de análise do texto imagético,
sendo a Gramática do Design Visual o principal aporte
teórico. Quanto à perspectiva conceitual de gênero,
adotam os pressupostos de Bakhtin (2003), Marcuschi
(2008) e outros que tratam de gêneros
textuais/discursivos. Os resultados apontam para uma
denúncia das desigualdades social e racial contra o
negro, evidenciadas através da multimodalidade,
retratando a falta de assistencialismo, inclusão, direitos
e equidade racial para com estes sujeitos representados,
e que a partir de temáticas sociais recentes, exploram de
forma crítica o preconceito e o descaso com as pessoas de
origem racial negra.
O Capítulo 14 - Multimodalidade em postagens
no Instagram: análise das fotos parodiadas de
ostentação no perfil de Celeste Barber, Alice Chaves de
Lima, Karliane Gomes da Silva, Antonia Oziana Batista
de Medeiros e José Roberto Alves Barbosa, analisam

22
como o uso das mídias digitais vem crescendo e
desencadeando uma série de novos comportamentos, e
um deles é a forma de interação comunicativa e a
exposição de si próprio, principalmente exteriorizando
no aspecto ostentação, por meio das mídias sociais. Com
essa nova tendência, os processos imagéticos ganharam
maior relevância, especialmente pelos usuários do
aplicativo Instagram. Com a demanda de postagens que
exaltam o ato de ostentar, identificam um grande
número de trabalhos com finalidade de parodiar esses
tipos de postagens. A pesquisa objetiva analisar cinco
imagens parodiadas do Instagram da comediante
australiana Celeste Barber, e apresentar os significados
representacionais, interativos e composicionais da
Gramática do design Visual (GDV) de Kress e van
Leeuwen (2006), considerando também, a discussão
envolvendo as mídias sociais, o Instagram e a ostentação.
A Parte V - Multimodalidade e letramento
crítico no discurso escolar apresenta três capítulos.
O Capítulo 15 - Multimodalidade e discurso:
uma análise das imagens nas atividades dos livros
didáticos de Língua Portuguesa, Fernanda Alves
Cavalcante, Francisco Ebson Gomes-Sousa e Vicente de
Lima-Neto afirmam que na avaliação a respeito das
capacidades leitoras de jovens com média de 15 anos, o
relatório do Programa Internacional de Avaliação de
Alunos - PISA (BRASIL, 2018) demonstrou que, dentre
os países da Organização para a Cooperação e

23
Desenvolvimento Econômico - OECD, os brasileiros
ainda detêm um dos piores resultados. No tocante às
leituras de gráficos, mapas, diagramas, esse resultado é
ainda pior. Nesse contexto, segundo os autores, é
necessário que a escola direcione para um trabalho mais
assíduo com as novas exigências de leituras que estão
postas. Diante disso, este capítulo tem como objetivo
analisar de que forma as imagens que constituem as
atividades de leitura e produção textual em livros
didáticos de Língua Portuguesa são trabalhadas. Assim,
a pesquisa se caracteriza como uma pesquisa
documental, haja vista ter como objeto de estudo
coleções de manuais didáticos. Para fins de análise, um
corpus foi compilado com amostras de atividades de
livros do 9º ano do Ensino Fundamental e 3º ano do
Ensino Médio. As atividades foram analisadas a partir
das categorias de discurso, de recursos semióticos e de
modos semióticos. Para fundamentar o trabalho, os autores
apoiaram-se nas contribuições de Carvalho (2013), no
tocante às discussões da teoria da Semiótica Social, além
da abordagem multimodal proposta por Kress e Van
Leeuwen (2001, 2003), Dionísio (2014), Gualberto (2019)
e Ribeiro (2018, 2021). Os resultados apontam para uma
prevalência no que diz respeito à discussão dos aspectos
verbais, deixando em segundo plano o trabalho com
recursos e modos semióticos que constituem os textos
que compõem as atividades dos livros didáticos.

24
O Capítulo 16 - Multiletramentos nas aulas de
Língua Portuguesa: o Facebook como uma ferramenta
de ensino, de Valéria Batista Costa Montenegro e Lúcia
Helena Medeiros, trata da utilização das práticas
multiletradas nos contextos sociais de leitura e escrita,
modificando e incorporando novas formas de interação
e usos linguísticos próprios dos ambientes virtuais. Para
as autoras, tendo em vista, a inserção dos educandos na
cultura digital, as práticas de letramento executadas
visam ao desenvolvimento das competências de escrita
multimodais/multimidiáticas, habilitando os discentes a
interagirem com as diversas práticas sociais disponíveis
nos ambientes virtuais. Nesse sentido, a pesquisa elegeu
como objeto de estudo as práticas multissemióticas
desenvolvidas na rede social facebook. Para tanto, as
pesquisadoras estabeleceram como objetivo principal
utilizar o ambiente virtual do facebook como uma
ferramenta no ensino de língua materna,
proporcionando um novo espaço de aprendizagem na
escola. Para alcançar tal objetivo, o trabalho recorreu às
contribuições teóricas de Kleiman (2005; 2008), Soares
(2003), Oliveira (2008), Street (2012), Barton e Hamilton
(2000), Rojo (2009; 2012; 2013; 2015) Dionísio (2006) e
Bakhtin (1997; 2011), dentre outros. Metodologicamente,
a pesquisa é de abordagem qualitativa e insere-se no
campo da pesquisa-ação, a qual propõe uma ação
interventiva no contexto em questão. Os resultados
permitiram perceber que a produção de textos

25
multissemióticos, construídos por meio da
interatividade existente nas relações virtuais,
evidenciam a relevância da inserção da escola no
contexto das novas mídias.
No Capítulo 17 - Análise de anúncio em vídeo na
aula de língua materna: por uma prática de letramento
crítico multimodal, Paula Priscilla Mendes de Carvalho
e José Roberto Alves Barbosa afirmam que os textos
circulam socialmente e são dotados de linguagens
múltiplas, exigindo-se novas práticas de leitura,
compreensão e produção. Dessa forma, vendo o ensino
como uma prática libertadora capaz de auxiliar o aluno
na sua formação política e social, este capítulo aborda
atividades de letramento crítico multimodal realizadas
com alunos do 7º ano do Ensino Fundamental de uma
escola pública de Mossoró-RN. Para análise foi
selecionado o anúncio “Como ficar sagaz na internet”,
divulgado na plataforma YouTube. A escolha do corpus
levou em consideração alguns aspectos relacionados ao
gênero, sua identificação com o público jovem e a
presença de um discurso desempoderador. Ancorados
nos estudos de Freire (1967, 1989, 1996), Fairclough
(1989, 2001, 2003), Kress e van Leeuwen (2006), foram
feitas análises dos aspectos verbais e visuais, como
também das marcas ideológicas-hegemônicas presentes
no anúncio em vídeo e proposto aos alunos a produção
de vídeos nos quais a identidade do jovem fosse
reconstruída por meio de discursos de empoderamento.

26
A Parte VI - Multimodalidade e outras
abordagens compõe-se dos últimos três capítulos desta
obra.
No Capítulo 18 - Os gêneros discursivos
segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas, Débora Brenda Teixeira Silva e José
Roberto Alves Barbosa apontam que, dentre os estudos
da linguagem, muitas são as correntes teóricas que
trabalham com alguma noção de gênero discursivo e sua
relação com a construção de significados no ato
comunicativo. À vista disso, este capítulo, de caráter
essencialmente teórico, tem por objetivo estudar a noção
de gêneros discursivos a partir da vertente dialético-
relacional de Fairclough (2001, 2003). Essa abordagem,
filiada à Análise de Discurso Crítica, percebe a
linguagem enquanto prática social e se propõe a
investigar assimetrias de poder, considerando a relação
dialética existente entre linguagem e sociedade. Este
trabalho foi realizado a partir de uma revisão de
literatura acerca da teoria base, especificando as
informações concernentes ao gênero discursivo. Na
oportunidade, os autores inseriram um compilado de
categorias analíticas associadas a esse elemento da
prática social, que são úteis de serem consideradas em
estudos críticos. A partir dessas reflexões, os
pesquisadores compreendem que o gênero é visto como
meio de ação e interação, apresentando aspectos
ideológicos em sua formação.

27
No Capítulo 19 – O discurso sexista nas
indumentárias esportivas de atletas de elite, Vitória
Costa de Jesus e Vicente de Lima-Neto partem do
pressuposto de que há muitos anos, as mulheres são
sexualizadas e vistas como objeto para a satisfação e
prazer dos homens. segundo os autores, isso ocorre
porque o discurso sexista se mantém hegemônico e,
ainda que muitas mulheres tenham lutado contra isso, é
perpetuado em praticamente todas as áreas de atividade
humana. Por ser algo naturalizado, o sexismo está
presente nas nossas falas, ações e até no que vestimos, de
maneira tão camuflada que se abriga até em regras
esportivas. Levando em consideração tudo isso, o
objetivo deste capítulo é analisar como o discurso sexista
se mantém hegemônico nas indumentárias esportivas
das atletas. Para isso, os pesquisadores ancoram-se na
Análise do Discurso Crítica (FAIRCLOUGH, 2001;
BATISTA Jr. et al, 2018) e na Semiótica Social (KRESS,
2010). Metodologicamente, foram selecionados três
textos para a análise do discurso sexista, que se realiza
sobretudo em vestimentas esportivas de atletas de elite.
Os resultados apontam que o discurso sexista mantém
seu poder de forma velada, legitimado pelas regras dos
esportes e tido como algo naturalizado, portanto,
inofensivo. Logo, acaba por reforçar a ideia de que a
mulher deve ser submissa e sexualizada, mas não de
uma forma tão explícita.

28
Por fim, o Capítulo 20 - Análise geossemiótica
dos espaços públicos e privados do centro da cidade de
Mossoró, Josielle Raquel Dantas da Silva e Moisés
Batista da Silva têm o interesse por investigar como se dá
a construção de sentido que advém da paisagem
linguística do centro de uma cidade, já que é um
ambiente propício à interação de indivíduos com textos
multimodais. De forma mais específica, esta pesquisa
busca responder de que maneira os espaços públicos e
privados no centro da cidade de Mossoró/RN podem ser
lidos, considerando o espaço-tempo e a localização
geográfica de cada construção multissemiótica.
Portanto, os autores têm como objetivo principal analisar
espaços urbanos, públicos e privados, com a intenção de
propor uma estratégia de leitura semiótica para esses
espaços. Para tal feito, a Geossemiótica, proposta por
Scollon e Scollon (2003) foi utilizada como base teórica e
ferramenta analítica. Essa pesquisa explana a
importância de se trabalhar a perspectiva multimodal
dos espaços públicos, pois é uma composição que
sempre fez parte do cotidiano das pessoas. Ademais,
além de cooperar com a gama de estudos
sociossemióticos, tal pesquisa tem também a intenção de
contribuir com a formação da identidade dos cidadãos,
levando-os a conhecer cada vez mais a propagação dessa
forma de comunicar e persuadir.
A ideia da publicação desta obra foi inicialmente
originada a partir das aulas da disciplina “Abordagem

29
de textos multimodais”, componente curricular
ministrado pelos professores José Roberto Alves Barbosa
e Moisés Batista da Silva, no segundo semestre de 2021,
no Mestrado em Ciências da Linguagem (PPCL/Uern),
bem como dos estudos realizados no âmbito do Grupo
de Pesquisa em Multimodalidade, Semiótica Social e
TICs (Multisemiotics).
Este grupo de pesquisa está vinculado ao
Departamento de Letras Vernáculas (DLV) e ao
Departamento de Letras Estrangeiras(DLE), da
Faculdade de Letras e Artes (FALA), como também ao
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem
(PPCL), da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (Uern), em parceria com o Grupo de Pesquisa
Linguagens e Internet (Glinet), da Universidade Federal
Rural do Semi-Árido (Ufersa), na pessoa do Professor
Vicente de Lima-Neto.
O Grupo Multisemiotics tem como objetivo
principal pesquisar as bases, as interfaces, os
desdobramentos e as novas tendências teóricas,
metodológicas e analíticas que surgem a partir das várias
abordagens que tratam a linguagem não só como sistema
semiótico mas também como prática social. Para dar
conta de todas essas abordagens, adotamos o termo
guarda-chuva “Multissemiótica” dentro da qual, a
princípio, pretendemos realizar estudos, discussões e
pesquisas relacionados à Linguística Sistêmico-
funcional, à Análise do Discurso Crítica, à Semiótica

30
social, à Análise do Discurso Multimodal, aos
Multiletramentos e às novas ferramentas e tendências
tecnológicas aplicadas ou não aos espaços acadêmicos e
escolares.
Por isso, basicamente, nossas pesquisas estão
configuradas em duas linhas: A primeira linha de
pesquisa é a Multissemiótica e Novas Tecnologias com
Estudos, pesquisas e análises das múltiplas linguagens,
semioses e letramentos, juntamente com suas interfaces
e vertentes, bem como das novas tendências tecnológicas
aplicadas em espaços escolares e não escolares. A
segunda linha de pesquisa chamada Semiótica Social e
Análise de Discurso Crítica propõe estudos críticos do
discurso, textualmente orientados, para análise dos
gêneros hegemonicamente e ideologicamente marcados.
Os capítulos, ora apresentados nesta obra, tentam
abarcar as nuances, de uma forma ou de outra, dos
pressupostos teóricos e metodológicos subjacentes a
essas tais linhas de pesquisa. Dessa maneira, esperamos
contribuir com os estudos da Multimodalidade, dos
Multiletramentos e da Semiótica Social não só no interior
das nossas universidades, mas também ampliar
criticamente para o âmbito regional e nacional o
horizonte dos discursos contemporâneos cada vez mais
multissemióticos.

Os organizadores.

31
Retornar ao Sumário
Capítulo 1

UMA ANÁLISE MULTIMODAL DE E-MAILS


PROMOCIONAIS: A TENTAÇÃO CONSUMISTA
DOS CUPONS E CASHBACK NA PALMA DA MÃO1

Maria Geizi Silva Pinto


José Roberto Alves Barbosa

Cashback
Consumismo
Cupom
Leitura de Imagens
Multimodalidade

1O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) –
Código de Financiamento 001.

35
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

1 PRIMEIRAS PALAVRAS

A atuação da publicidade está intimamente ligada


com o perfil psicológico do seu leitor, para que o
consumidor se sinta interagido com as peças
publicitárias criadas para atingir o objetivo principal: a
compra (OLIVEIRA, 2012). Para alcançar seus desígnios,
a publicidade se utiliza de diversos meios, considerados
válidos, dentre os quais está o cômico, o lirismo, o show,
a pirueta, o erotismo, a mistificação, a chantagem, o
cinismo, o drama etc. Em uma peça publicitária tudo é
válido, “tudo menos valores ultrapassados como a
poupança (por se opor ao gasto perdulário) ou o pudor
(por se opor à erotização)” (CARVALHO; LINS;
WANDERLEY, 2011, p. 189).
Nesse sentido, a publicidade na sociedade do
consumo atua como força determinante nos modos de
viver, à medida que muitos produtos são lançados
diariamente em um ritmo acelerado, assim, enaltecendo
ainda mais a força emergente da publicidade em uma
sociedade globalizada (OLIVEIRA, 2012).
Neste bojo, ao levarmos em consideração o poder
da linguagem visual, com forte capacidade de atração e
interação, podemos dizer que as imagens são
modalizadas por meio de diversos recursos semióticos
para legitimar o discurso publicitário nos e-mails
promocionais que recebemos diariamente, sobretudo,
após realizarmos uma busca na internet sobre um dado

36
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

produto ou serviço. Assim, o discurso publicitário


estabelece uma certa dominação nas relações sociais, ao
passo que “disputa por consumidores e sedução ao
consumismo, que passa a ser estabelecido como legítimo
e desejável, camuflando as desigualdades sociais e as
relações de poder causadas por ele” (PINTO; BARBOSA,
2021, p. 67).
É salutar que, apesar dos gêneros serem
comumente associados a contextos retóricos e serem
“identificados com base em propósitos comunicativos
compartilhados, com restrições a possíveis contribuições
no uso de formas discursivas e léxico-gramaticais, eles
são construtos dinâmicos” (BHATIA, 2001, p. 105).
Dentro desse contexto, há uma tendência natural dos
gêneros à imbricação e à mescla. Assim, o papel dos
gêneros promocionais tem sido marcado pela mistura de
gêneros. Entre “todos os gêneros profissionais, os
gêneros promocionais, em particular os publicitários,
são os que exibem maior criatividade na construção e no
uso dos recursos genéricos, os demais gêneros podem
ser igualmente manipulados” (BHATIA, 2001, p. 108).
Dessa maneira, compreendemos a importância
que a Gramática do Design Visual (GDV), de Kress e van
Leeuwen (1996[2006]), tem para a análise das estruturas
sintáticas das imagens. O emprego do aporte teórico-
metodológico da GDV para os trabalhos de língua
voltados para os textos midiáticos, como os publicitários
e promocionais, representa uma possibilidade de

37
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

enfrentamento de práticas nocivas para a sociedade,


como o consumismo, fruto do capitalismo, por vezes
ignorado. Ao contrário disso, segundo Bauman (2008, p.
41), é preciso que compreendamos que o consumismo é
um tipo de conjunto social resultante da mistura de
vontades, desejos e anseios humanos diários, mas ao
mesmo tempo permanentes, “neutros quanto ao
regime”.
Isso posto, a pesquisa surgiu a partir do problema
de como o discurso promocional, marcado pelas
ideologias do mercado na sociedade de consumo, ao
incitar o consumismo por meio das mídias, contribui
para instaurar e estabelecer relações sociais cada vez
mais assimétricas. Diante disso, objetivamos analisar
com base na Gramática do Design Visual textos
multimodais de e-mails promocionais, com ênfase em
cupons e cashback.

2 GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL: CONCEITOS


BÁSICOS

A Gramática do Design Visual – Doravante GDV


– de Kress e van Leeuwen (1996) é um redesenho da
Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) de Halliday
(1985), que vislumbra a capacidade comunicativa das
imagens e, portanto, a possibilidade de fazer análise

38
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

sintática das imagens, assim como era possível fazer de


um texto formado por palavras (verbal).
Fernandes e Almeida (2008) ressaltam que as
imagens como qualquer outro tipo de texto, comunicam
e constroem significados com diversos sentidos. Além
disso, quando aliada a um texto verbal, tem a capacidade
de modificar o sentido ou produzir novos, haja vista que
“imagens produzem e reproduzem relações sociais,
comunicam fatos, divulgam eventos e interagem com
seus leitores com força semelhante à de um texto
formado por palavras” (FERNANDES; ALMEIDA; 2008,
p. 11).
Nesse viés, a GDV tem como premissa a ideia de
que estruturas verbais e visuais, compreendidas como
sistemas semióticos, “compartilham características
comuns e constituem meios de representação e de
produção de significados em um contexto cultural; por
isso, analogamente à linguagem verbal, existiria uma
sintaxe da linguagem visual” (CARMO, 2017, p. 91).
Nesse aspecto, é salutar que o pilar da multimodalidade
diz respeito ao fato de que “os sentidos são construídos,
distribuídos, recebidos, interpretados e reconstruídos
pela interpretação de múltiplos modos e não apenas
através da linguagem – seja oral ou escrita” (JEWITT,
2009, p. 14).

39
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

No que concerne a estrutura da GDV, essa segue


a mesma que a LSF, sendo dividida em três metafunções:
a representacional, que corresponde à ideacional,
responsável por descrever as estruturas que constroem o
aspecto visual, a natureza dos eventos e os participantes
envolvidos; a interativa, referente à interpessoal,
responsável pela descrição das relações sócio-
interacionais construídas pela imagem entre os
participantes representados e seus observadores; e, a
composicional, correspondente à textual, que diz
respeito a descrição da combinação entre os elementos
representacionais e interativos da estrutura da
composição visual. Essa divisão encontra-se ilustrada na
Figura 1.
A partir do exposto passamos a detalhar os
significados metafuncionais da GDV. A metafunção
representacional concerne à representação visual dos
participantes que podem ser pessoas, objetos ou lugares.
São considerados participantes interativos aqueles que
“falam, ouvem ou escrevem e lêem, produzem imagens
ou as visualizam” e participantes representados “são o
sujeito da comunicação, ou seja, as pessoas, lugares ou
coisas [...] representados na ou pela fala, ou na escrita, ou
imagem, os participantes sobre os quais [...] produzimos
imagens” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p. 44).

40
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

Figura 1 – Estrutura básica da Gramática do Design Visual.

Fonte: Elaboração de Pinto e Barbosa (2021, p. 68) baseado


em Kress e van Leeuwen (1996).

41
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

Os significados representacionais podem ser


divididos em estruturas narrativas ou conceituais.
Denomina-se representações narrativas quando há
presença de vetores na imagem, evidenciando que os
participantes estão presentes em ações e eventos que
estão sendo realizados (FERNANDES; ALMEIDA,
2008). Quanto ao vetor, é um traço que indica
direcionalidade da ação produzida ou que está sendo
executada pelos participantes representados. Assim,
uma estrutura narrativa pode ser observada a partir de
quatro tipos de processos: ação, reação, verbal e mental
(KRESS; VAN LEEUWEN, 1996).
Para termos um processo de ação é necessário a
presença de um ator, isto é, um participante cuja ação
vetorial parte dele e possui destaque por estar mais
saliente. Este processo pode ser tanto de estrutura não
transacional (quando apresenta apenas um ator na
imagem e não possui meta, o participante alvo da ação a
quem o vetor se dirige), quanto de transacional (quando
há dois ou mais participantes, sendo um o ator e o outro
a meta) (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006). No tocante às
estruturas transacionais, podemos subdividi-las em
unidirecionais (quando somente um participante
assume o papel de ator e o outro o de meta) e
bidirecionais (quando os participantes assumem tanto
papel de ator como de meta, assim, sendo nomeados de
interatores) (FERNANDES; ALMEIDA, 2008).

42
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

O segundo dos processos de estrutura narrativa


representacional é a reação, ocorrida quando a ação
estabelecida por um participante toma por ponto de
partida especificamente o seu olhar rumo a algo ou
alguém. Dessa forma, o participante que olha, em vez de
Ator, é denominado de Reator (KRESS; VAN
LEEUWEN, 2006). Ademais, obrigatoriamente, este
participante precisa ter traços humanos, no qual “ele,
portanto, se realiza através do vetor formado por uma
linha de olhar, pela direção do olhar fixo de um ou mais
participantes”, conforme assevera Fernandes e Almeida
(2008, p. 15). Nessa perspectiva, o processo de reação
também pode ser não transacional – quando não é
possível determinar dentro da composição visual o alvo
do olhar do reator, chamado de fenômeno – e
transacional – quando, dentro da composição visual, é
possível identificar e determinar o fenômeno
(FERNANDES; ALMEIDA, 2008).
Os outros dois processos narrativos
representacionais, verbal e mental, possuem vetores
específicos, como os balões. A diferença é que no
processo verbal, com participante animado (o dizente),
o que é falado no balão é chamado de enunciado,
enquanto no processo mental, com participante
animado (o experienciador), o conteúdo do balão é
chamado de fenômeno (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006).
No que concerne às representações narrativas
conceituais, podemos diferenciá-las facilmente das

43
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

narrativas, pois não há a presença de vetores indicando


a realização de ações. A estas é incumbida a descrição
dos participantes representados na composição
imagética em termos de classe, estrutura ou significação,
em outras palavras, há uma taxonomia, uma
classificação (KRESS; VAN LEEUWEN, 1996).
Tendo em vista essa definição, os autores
anteriormente citados desdobraram em três processos a
estrutura conceitual, a saber: classificacional, analítico e
simbólico. Representação conceitual classificacional: os
participantes (subordinados) fazem parte de uma
categoria superior e mais abrangente (superordinado),
tendo interação de uns com os outros de maneira
taxonômica; representação conceitual analítica:
descrição de uma estrutura que relaciona as várias partes
(atributos possessivos) ao todo (portador), as quais
podem ser classificadas como “estruturadas, quando
apresentam rótulos ou descrições sobre as partes, ou
desestruturadas, quando não especificam a relação entre
a parte e o todo” (FERNANDES; ALMEIDA, 2008, p. 17);
e, representação conceitual simbólica: quando a
“presença de termos que significam ou são e estabelecem
identidade do participante por meio de atributos que
chamam a atenção através do tamanho, da escala de
cores, do posicionamento, do uso de iluminação, entre
outros” (BARBOSA, 2016).
Na sequência, a metafunção interativa realiza a
descrição da relação entre os participantes, na qual os

44
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

elementos visuais vão construindo a natureza das


relações de quem vê a imagem e o que é visto nela. Na
função interativa se estabelecem estratégias de
aproximação ou afastamento entre o leitor da imagem (o
observador ou participante interativo fora da
composição visual) e o participante representado na
imagem. Nesse contexto, usam-se recursos para
descrever tal interação: contato, distância social,
perspectiva e modalidade (KRESS; VAN LEEUWEN,
2006).
No que se refere ao contato, é realizado por um
vetor, ou sua ausência, entre o olhar do participante
representado e o participante interativo. Denomina-se
demanda quando o participante representado estabelece
contato visual diretamente com o seu observador, como
sendo um tipo de convite para interação e envolvimento
pessoal; e oferta quando o participante representado não
olha diretamente para o observador, tornando-se seu
objeto do olhar, para ser contemplado, sem que seja
criada uma relação ou envolvimento com o observador
(FERNANDES; ALMEIDA, 2008).
A distância social trata do nível de detalhes da
imagem e, consequentemente, da intimidade e interação
entre os participantes representados e o observador.
Para tanto, o enquadramento dos seguintes planos é que
mede essa distância: o plano fechado, devido a uma
maior riqueza de detalhes que oferece, já que enquadra
a parte acima dos ombros do participante representado,

45
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

indica uma distância curta com nível de proximidade e


intimidade entre os participantes; o plano médio, uma
vez que o enquadramento oferece menos detalhes, sem
que haja uma grande familiaridade ou ainda um
desconhecimento total, é responsável por estabelecer
uma distância média ou intermediária entre os
participantes representados e o participante interativo; e,
o plano aberto, com caráter de impessoalidade ou
desconhecimento originado por um pequeno número de
detalhes do participante representado, determina uma
distância longa entre os participantes (KRESS; VAN
LEEUWEN, 2006).
No tocante à perspectiva, isto é, ao ângulo ou o
ponto de vista pelo qual os participantes representados
são demonstrados, tem-se: o ângulo frontal no nível dos
olhos dos participantes, que sugere envolvimento entre
o participante representado e o interativo, indicando
proximidade e certo envolvimento; o ângulo oblíquo
que sugere certo alheamento ou um deslocamento; e, o
ângulo vertical que varia de acordo com o
posicionamento da câmera sugerindo relações de poder
ou não entre os participantes, como a câmera no nível do
olhar do participante interativo (insinua igualdade entre
os participantes), a câmera alta (poder para o observador
em relação ao participante representado) e câmera baixa
(poder ao participante representado em relação ao
observador) (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006).

46
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

No que tange à modalidade – cuja concepção em


comunicação visual é relacionada à representação de
pessoas, lugares e coisas como se parecessem reais
(CARDOSO, 2008) – trata-se um recurso empregado que
se utiliza de mecanismos diversos que “ajustam o nível
de realidade que a imagem representa, e que tornam
possível a criação de imagens que representam coisas, ou
aspectos como se não existissem. Vai do mais próximo
possível do real, da objetividade, ao irreal”
(FERNANDES; ALMEIDA, 2008, p. 22). Nesse sentido,
podemos dizer que a modalidade em uma imagem
possui relação com o valor de verdade da informação do
mundo que ela expressa. Todavia, Aquino e Souza (2008)
advogam que as estruturas sociais não meramente fazem
uma reprodução da realidade, mas reproduzem imagens
da realidade que estão ligadas aos interesses de
diferentes instituições sociais, ambiente de circulação,
produção e leitura das imagens, em outras palavras,
podemos afirmar que as imagens são marcadas por
ideologias.
Por fim, a metafunção composicional combina os
elementos visuais representacionais e interativos em
uma organização que faça sentido, por meio de três
sistemas inter-relacionados: valor de informação,
estruturação e saliência (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006).
No que diz respeito ao valor de informação, a
disposição dos elementos dentro da imagem contém
maior ou menor valor informacional para o observador

47
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

da imagem. O dado (esquerda), margem e ideal


(superior) possuem menor valor de informação,
enquanto o novo (direita), centro e real (inferior)
possuem maior valor de informação (KRESS; VAN
LEEUWEN, 2006).
A Saliência é o sistema ênfase (destaque)
conferida(o) a uma dada parte da imagem, por meio da
intensificação ou suavização de cores, contraste de tons,
brilho, plano, tamanho e nitidez (FERNANDES;
ALMEIDA, 2008).
Acerca da estruturação, é entendida pela
presença ou ausência de plano de estruturação que
conecta ou desconecta os elementos de uma imagem. A
conexão é “criada toda vez em que as conjuntas que
marcam como unidades distintas dos textos visuais estão
ausentes” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p. 8 apud
ALMEIDA, 2009, p. 8). Enquanto isso, a desconexão se
dá pela presença de determinada estruturação, por meio
de contrastes de cores e formas salientadas.
Assim, com base nesses significados
metafuncionais é que analisamos os textos imagéticos de
e-mails promocionais, enfatizando a nova cultura dos
anúncios publicitários em torno dos cupons e cashback, à
medida que evidenciamos como os significados
representacionais, interativos e composicionais da
gramática visual vão sendo operacionalizadas para
incentivar o consumismo na relação da composição
imagética com o observador. Dessa forma, na seção

48
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

seguinte apresentamos os procedimentos metodológicos


que conduziram este estudo.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

O estudo trata-se de uma pesquisa documental e


está inserido epistemologicamente na pesquisa com
abordagem qualitativa de cunho interpretativista, à
proporção que objetiva estudar aspectos do social por
intermédio de práticas materiais e interpretativas. Com
o emprego dessa metodologia qualitativa buscamos
compreender as manifestações, práticas e os significados
a elas atribuídos por meio de diversos métodos
interligados (BAUER; AARTS, 2008).
Nessa perspectiva, na pesquisa empreendida,
definimos como gênero digital para ser analisado o “e-
mail promocional”, dentre as diversas possibilidades de
peças e anúncios publicitários, tendo em vista a grande
quantidade de e-mails com os quais somos
bombardeados diariamente após uma simples busca na
internet ou ao frequentar determinados ambientes,
configurado como um recurso “tentador”. Em seguida,
delimitamos dentre os e-mails promocionais aqueles que
enfocam nas novas promoções do mercado, a nova onda
do cupom e do cashback, que constrói a ideia de que o
consumidor tem apenas hoje para aproveitar e comprar
com tantos descontos e ainda ganhar dinheiro de volta.

49
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

Para compormos a amostra da pesquisa,


delimitamos um conjunto com cinco recortes de cinco
exemplares do gênero e-mail promocional recebidos
pelos pesquisadores no período de dezembro de 2021.
Por conseguinte, no tratamento dos dados, realizamos a
análise multimodal dos textos imagéticos, quanto aos
significados metafuncionais da GDV (representacionais,
interativos e composicionais); em seguida, a discussão e
a apresentação das análises se dá a partir da organização
em quadros com núcleos temáticos baseado nos aspectos
multimodais das imagens, conforme as categorias e
subcategorias das metafunções da GDV, averiguando
como esses recursos são operacionalizados dentro da
composição visual para atingir objetivos comerciais, isto
é, seduzir e induzir os leitores ao consumo.
Visto isso, a seguir passamos a apresentar os
textos e os resultados das análises e discussões,
observando como assédio ao consumismo é realizado
por meio dos cupons e cashback nos textos visuais.

4 ANÁLISE MULTIMODAL DE E-MAILS


PROMOCIONAIS

A nossa experiência social na contemporaneidade


tem se tornado cada vez mais multimodal, mas, ainda
assim, são poucas as iniciativas de pesquisa que visam
analisar, de forma sistemática, materiais de comunicação
visual ultrapassando os limites do verbal. Muitas vezes

50
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

isso acontece porque as ferramentas de análise “são


pouco práticas ou se limitam a descrições amparadas em
avaliações estéticas, que têm valor, mas não abrangem
todas as dimensões de produção de sentidos”
(FERNANDES, 2019, p. 184).
Nesse cenário, os estudos sobre a dimensão
multimodal dos sistemas semióticos, como os baseados
na GDV, têm impulsionado a interpretação de seus
elementos constituintes em direção à complexidade das
articulações entre texto o verbal e o não verbal (CALIL;
DEL RE, 2009). Nessa lógica, a GDV busca:

[...] estabelecer uma “sintaxe visual” para a imagem


em que os “participantes” são apresentados através de
uma relação espacial que produz sentido, tanto
interferindo nas possibilidades de interpretação,
quanto garantindo sua “função comunicativa”. A
“gramática” da imagem descreve diferentes
“representações”, “processos”, “funções” que irão
compor formas estabilizadas de articulação entre seus
elementos visuais. A estabilidade e repetição desses
elementos em suas múltiplas relações dentro do
universo imagético estabelecido em qualquer
sociedade são constituídas em relação aos gêneros
discursivos (BAKTHIN,1992) consolidados, cuja
configuração é necessariamente cultural e sócio-
histórica (CALIL; DEL RE, 2009, p. 18-19).

51
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

As categorias e subcategorias específicas das


metafunções da GDV, propostas por Kress e van
Leeuwen (1996), contribuem para a identificação de
possíveis mensagens, ideias, pensamentos e ideologias
que as imagens veiculam e sentidos e efeitos que
potencialmente produzem.
Nessa perspectiva, os “gêneros textuais são
atividades semióticas [...] de produção e consumo de
significados – realizadas através da linguagem e
reconhecidas por sua organização retórica e suas funções
em determinados contextos” (MEURER, 2007, s/n).
Desse modo, os anúncios e peças publicitárias, como os
e-mails promocionais que recebemos continuamente, são
gêneros de amplo consumo, que tendem a ser assumidos
como sendo de fácil leitura devido à pequena
quantidade de conteúdo verbal. Todavia, diferente do
que se possa imaginar, estes anúncios e e-mails
promocionais são gêneros muito complexos por serem
constituídos de “agrupamentos semióticos nos quais
concorrem elementos linguísticos e [...] elementos
visuais” (MEURER, 2002, p. 65).
De agora em diante, passamos discutir os
resultados de nossas análises. Levando em consideração
que os e-mails promocionais de anúncios publicitários
que recebemos diariamente são gêneros textuais longos,
fizemos recortes de cinco e-mails para fins analíticos,
tendo em vista a limitação de espaço. Todos os e-mails
promocionais são das marcas Lojas Americanas e AME.

52
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

Os recortes visam enfocar as promoções em torno do


cashback e do cupom, dois tipos de recursos
promocionais que estão em alta na contemporaneidade.
As referidas publicidades aconteceram no
período da Black Friday, um movimento que teve origem
nos Estados Unidos, no qual as empresas baixam os
preços após a comemoração do Dia de Ação de Graças,
dando início ao período de compras natalino,
movimento esse que se expandiu pelo mundo afora.
Todavia, é importante frisar que, aqui no Brasil, as
promessas de descontos e redução de preços têm sido
marcadas, nesses últimos anos, por inúmeros escândalos
de fraudes que ferem o direito do consumidor com
propaganda enganosa.
No que se refere aos cashbacks, são programas de
recompensas em dinheiro e de incentivo à compra
operados por empresas de cartões de crédito, nos quais
uma porcentagem do valor gasto é devolvido ao titular
do cartão. Essa prática ganhou maior destaque e
expansão com o crescimento e a popularização dos
bancos digitais e aplicativos de compras digitais.
Não são apenas as palavras, o texto verbal, que
operacionaliza a construção de sentidos em torno de
uma “oportunidade única” e “tentadora” de ter parte do
dinheiro investido de volta, as imagens dançam nesse
mesmo ritmo. O diálogo entre verbal e visual faz com
que o leitor, um consumidor em potencial, deixe-se levar
pela sedução visual e pelas chamadas de efeito,

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Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

envolvendo-se totalmente com o falso sentimento de


satisfação em ter parte seu dinheiro de volta e, portanto,
deixando de pesquisar mais por melhores condições,
preços ou adiando a compra para um momento mais
oportuno, que, de fato, se encaixem no seu orçamento.
Outrossim, é salutar que não se trata apenas de
poder ou não pagar por um produto, bem ou serviço. Os
efeitos nocivos do consumismo transcendem esses
aspectos e atingem uma proporção emocional,
psicológica, afetiva, ambiental etc. Mas a publicidade
esconde tal teor piamente. Posto isso, começamos com os
textos das Figuras 2, 3 e 4.

Figura 2 – Texto imagético 1 – cashback.

Fonte: ame@news.amedigital.com

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Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

Figura 3 – Texto imagético 2 – cashback.

Fonte: ame@news.amedigital.com

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Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

Figura 4 – Texto imagético 3 – cashback.

Fonte: news@mkt.americanas.com

Como pode ser visto nas imagens anteriores, a


função representacional aparece frequentemente em
estrutura narrativa com processo de reação
unidirecional, isto é, o participante representado na
imagem (obrigatoriamente com traços humanos) tem
fenômeno (alvo do seu olhar) possível de ser identificado
dentro da composição imagética: o participante
interativo (observador da imagem).
Quanto aos aspectos interativos, o participante
constrói um contato de demanda, olhando diretamente

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Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

para o leitor; em plano médio, criando a ideia de


distância social (intermediária); com ângulo frontal
sugerindo envolvimento entre participantes
representados e leitores; e, com modalidade
naturalística, isto é, aproximando ao máximo a
representação da realidade por meios de modalizadores
como cores e nitidez.
Por outro lado, nos significados metafuncionais
composições, as três imagens apresentam estruturação
de desconexão, ou seja, têm a estruturação forte em
virtude das linhas e cores que separam cada elemento da
imagem. Ademais, no valor de informação, tanto da
Figura 2 quanto da Figura 4, têm suas informações
principais colocadas às margens (subordinadas),
enquanto a Figura 3 tem maior valor de informação na
base da imagem (real). Já a saliência de cada imagem se
faz a partir de vários recursos como tamanho, cores,
brilho e saturação. Nos exemplos vimos que a saliência
está no texto promocional (Figura 2) e nos participantes
representados, os artistas (Figura 3 e Figura 4).
Nesse ponto, podemos observar que nos e-mails
promocionais é comum a representação de participantes
usando a imagem de artistas famosos, a fim de agregar
valor aos produtos, serviços ou marcas e alcançar um
público que tende a imitar personalidades públicas.
Eduardo (2015) nos diz que grandes marcas, empresas e
organizações gastam grandes orçamentos para que as
campanhas consigam gerar euforia no seu público

57
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

receptor, as publicidades precisam ser suficientemente


sedutoras pela novidade e imediatismo e despertar o
apetite consumista. Segundo Trigueiro (2012, p. 22):

A banalização do consumo remete a um


questionamento sobre o papel da mídia na sociedade
moderna. Nos primórdios da publicidade, os
profissionais do ramo se preocupavam apenas em
explicar o que era e para que servia determinado
produto. Hoje isso mudou bastante, como explica Rolf
Jensen [...] ‘Os produtos no futuro deverão apelar para
os nossos corações, e não para nossas cabeças. Quando
isso acontecer, o modelo que prevalecerá não será mais
o da Sociedade da Informação, mas o da Sociedade dos
Sonhos’.

Assim sendo, o desejo de ser uma pessoa famosa,


viver como sendo uma ou possuindo as mesmas coisas
já é sinal dessa sociedade dos sonhos que estamos
reproduzindo ao longo dos anos.
Conjuntamente à essa análise, na Figura 4, o texto
verbal “Andou vendo e não levou? A hora é essa :)” abre
espaço para uma ressalva. Os serviços técnicos dos
cookies fazem uma leitura completa do perfil, interesses e
buscas do cliente, personalizando produtos e serviços
específicos para aquele usuário a partir dos seus dados.
Dessa forma, os e-mails promocionais que recebemos se
tornam ainda mais tentadores, uma vez que são feitos

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Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

“especificamente” para nós, a padronização é feita a


partir do nosso perfil, a partir dos rastros de dados que
deixamos nas redes em ações cotidianas.
Dando seguimento nas análises multimodais das
imagens, a Figura 5 e a Figura 6 apresentam um
significado representacional diferente do que já vimos.
As duas figuras são representadas por uma estrutura
conceitual classificacional. Esse tipo de estrutura não
tem participantes humanos, mas sim objetos. Na
representação conceitual classificacional os participantes
fazem parte de uma categoria superior e mais
abrangente. Na Figura 5 os produtos para cabelo
(subordinados) fazem parte de uma categoria maior, a
de cosméticos (superordinado) e na Figura 6 as cervejas
(subordinados) fazem parte de uma categoria mais
abrangente (superordinado), a de bebidas alcoólicas,
tendo interação de uns com os outros de maneira
taxonômica.

Figura 5 – Texto imagético 4 – cupom.

Fonte: news@mkt.americanas.com

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Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

Figura 6 – Texto imagético 4 – cupom e cashback.

Fonte: ame@news.amedigital.com

No que se refere à relação de participantes


representados com o leitor, observou-se que nos e-mails
promocionais com representação conceitual comumente
os participantes, como as cervejas e produtos para
cabelo, são representados em contato de oferta, sendo
oferecidos para serem contemplados; capturados em
plano aberto criando uma distância, porém, sem caráter
de impessoalidade, pois o objetivo é realmente mostrar
o produto completo; e, com modalidade naturalística

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Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

almejando criar uma reprodução bastante real ou


desejável do produto alvo da publicidade. Quanto aos
significados composicionais, ocorrem exatamente os
mesmos processos detalhados nas Figuras 2, 3 e 4.
Dentro dessa discussão, evidenciamos que as
imagens são manipuladas na representação dos
participantes (pessoas, produtos e serviços) com vistas a
seduzir sempre que possível o seu leitor à compra, à
medida que os aproximam, tornam-se íntimos e os
envolvem. Aliado a isso, os cupons e cashback são
recursos promocionais que nem sempre podem ser tão
vantajosos como aparentam ser, todavia, a conexão do
verbal com o visual funciona seduzindo o leitor,
incitando-o ao consumismo.
O hiperconsumo se caracteriza pela compra
festiva, pela cultura do supérfluo (EDUARDO, 2015).
Dentre desse cenário, Baudrillard (1995, p. 174) explicita
a função social da publicidade no contexto do
consumismo em massa, devendo

[...] apreender-se na idêntica perspectiva extraeconômica


da ideologia do dom, da gratuidade e do serviço. A
publicidade não se manifesta apenas como promoção das
vendas, como sugestão para fins econômicos.
Possivelmente, nem sequer começa por ser tal (cada vez
se levanta mais a pergunta pela sua eficácia económica):
a especificidade do discurso publicitário consiste em
negar a racionalidade económica da troca mercantil sob
os auspícios da gratuidade.

61
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

Nesse bojo, “é no consumo do excedente e do


supérfluo que, tanto o indivíduo quanto a sociedade se
sentem não só existir, mas viver” (BAUDRILLARD,
1995, p. 138), então, é necessário abandonarmos a noção
de que todos os nossos desejos materiais são
necessidades reais e carecem ser supridos. As práticas
consumistas motivadas pelas publicidades como nos e-
mails promocionais ampliam as discrepâncias sociais
alicerçadas nos preceitos do capitalismo moderno. Um
dano estabelecido historicamente no meio social, que
“tem um considerável poder corrosivo, danoso para o
meio ambiente, o emocional humano, a vida em
sociedade, o financeiro pessoal, os valores, as culturas
etc.” (PINTO; BARBOSA, 2021, p. 86).
Destarte, ler imagens buscando compreender
seus objetivos e o impacto que exercem sobre nossas
vidas, refletir sobre os danos da sociedade do consumo
e da vida para o consumismo é essencial para posicionar-
se contrariamente aos modos de viver do capitalismo
moderno.

5 PALAVRAS PARA EFEITO DE FIM

A análise da multimodalidade dos e-mails


promocionais publicitários permitiu-nos concluir que a

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Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

operacionalização dos significados representacionais e


interativos dentro da composição visual interage de
forma intencional pelos seus produtores não apenas para
comunicarem, mas para convencer e persuadir seus
leitores a comprar. Assim, com essa nova onda global
dos cupons e cashbacks, resistir à compra tornou-se ainda
mais difícil.
O diálogo entre verbal e visual intensifica e
desperta ainda mais os desejos consumistas do seu leitor.
E, em razão dos seus efeitos nocivos para diversas áreas
da vida humana, não deve ser ignorado. Portanto, faz-se
necessário que nós professores de língua trabalhemos
com nossos alunos o seu letramento digital e crítico para
leitura de imagens para que possam estar posicionados
para o enfrentamento dessas práticas no seu cotidiano.

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gênero blog. In: ALMEIDA, D. B. L. (Org.).
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blog. João Pessoa: Editora da UFPB, 2008. p. 33-43.

63
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

BARBOSA, J. R. A. A construção identitária de


candidatos: uma análise crítico-visual a partir de
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92-115, 2016.

BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Tradução


de Artur Mourão. Lisboa: Edições 70, 1995.

BHATIA, V. Análise de gêneros hoje. Revista de Letras,


v.1, n. 2, 2001.

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história inventada: o caso da onomatopeia
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CARMO, C. M. Um olhar antropológico sobre a


Gramática do Design Visual: criando um espaço de
interseção com a Antropologia do Movimento. In:
ALMEIDA, D. B. L. (Org.). Novas perspectivas em
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Mercado das Letras, 2017. p. 89-109.

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cupons e cashback na palma da mão

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Paulo: Respel, 2011. p. 187-209.

CARDOSO, J. R. A imagem como um recurso


persuasivo da propaganda. In: ALMEIDA, D. B. L.
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EDUARDO, T. J. P. A consciência, o incentivo e o


método como instrumentos de promoção da
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desenvolvimento clássico: viabilizando a gestão
energética dos resíduos decorrentes do consumismo.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade
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FERNANDES, J. D. C.; ALMEIDA, D. B. L. Revisitando


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PINTO, M. G. S.; BARBOSA, J. R. A. Uma análise


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66
Cap. 1 - Uma análise multimodal de e-mails promocionais: a tentação consumista dos
cupons e cashback na palma da mão

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89, 2021.

TRIGUEIRO, A. Mundo sustentável 2: novos rumos


para um planeta em crise.
São Paulo: Globo, 2012.

67
Retornar ao Sumário
Capítulo 2

ANÁLISE MULTIMODAL: UM ESTUDO DE


CARTAZES DE COMBATE AO TABAGISMO
PRODUZIDOS PELO INSTITUTO NACIONAL DE
COMBATE AO CÂNCER- INCA

Antonia Monaiza da Silva

Multimodalidade
Campanha
Cartazes
Tabagismo
Fumo

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

1 INTRODUÇÃO

Sabemos que o tabagismo é um dos problemas


que também preocupam as autoridades da saúde por se
tornar um fator que ocasiona um dano irreversível para
à saúde. Números apontam que a quantidade de
viciados no cigarro pode aumentar bastante nos últimos
anos e, caso as pessoas não se conscientizem do mal à
saúde que este produto pode causar, podemos
presenciar cada vez mais doenças que são ocasionadas
por este vício. A vista de compreendermos sobre este
assunto, resolvemos realizar uma análise de cartazes
sobre o tabagismo.
Desta maneira, temos como objetivo geral analisar
sobre a ótica multimodal os cartazes sobre o tabagismo
extraídos do INCA. Para realizar essa pesquisa seguimos
os passos a seguir: de início buscamos no site do
Instituto Nacional de Combate ao Câncer- INCA os
cartazes relacionados aos anos de 2018 a 2021, após essa
busca realizamos as análises de acordo com os estudos
dos aspectos multimodais e através destas análises
obtivemos nossos resultados.
Os autores que contribuíram para nosso trabalho
foram: ALBUQUERQUE; CARNEIRO-LEÃO e
MARTINS 2017, BARBOSA 2013, GIL 2008, KRESS e
VAN LEEWEN 2006, MANINI; MARQUES e
MUNIZ 2010, RICHTER; SOUZA e LIMA 2016,
SANTOS 2015, SANTAELLA 2017, SCHERRER 2020, SÉ

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

e AMORIM 2009, WILLEMANN e BURCI 2014. Como


metodologia realizamos uma pesquisa explicativa de
abordagem qualitativa. Esta metodologia nos ajudou a
realizar a coleta das informações contidas nos cartazes
de combate ao tabagismo presentes no site do INCA e
além do mais os métodos utilizados para esta pesquisa
serviu para explicar e descrever os textos e as imagens
que vinham nos cartazes.
Trabalhamos nesta pesquisa a teoria da
multimodalidade, a gramática do design visual, a
linguagem verbal e não verbal, as imagens e o
tabagismo, Destacamos como temas principais o aspecto
multimodal e o tabagismo. Vejamos a seguir os
principais conceitos do elemento multimodal.

2 O ELEMENTO MULTIMODAL

Os estudos sobre o multimodal se iniciaram em


1998 através de dois pesquisadores chamados Hodge e
Kress. Foram estes investigadores que introduziram o
conceito da multimodalidade que muito vem sendo
estudado atualmente. Segundo Souza, Soares, Silveira
(2015) faz aproximadamente duas décadas que os
estudos relacionados a essa temática começaram a
despertar o interesse destes autores e posteriormente de
outros pesquisadores. Desta maneira podemos
compreender que os estudos nesta temática vêm sendo

71
Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

estudado há anos e com isso vem se aprimorando até os


dias atuais.
Nas palavras de Souza, Soares, Silveira (2015) a
multimodalidade está relacionada com o visual e o
sonoro que os textos podem proporcionar aos leitores.
Desta forma, o multimodal analisa vários aspectos que
podem ser encontrados nos textos produzidos. Assim
podemos encontrar a multimodalidade em textos de
vários tipos.
Este campo do saber também serve para
descrevermos as imagens que são vistas em nosso dia a
dia de acordo com Vieira e Silvestre (2015, p. 45) “em
contextos multimodais, as imagens transformam-se em
referências diretas ou indiretas da realidade física e
social [...]”. Desta forma, as imagens funcionam como
um mecanismo de transmissão de pontos de vista que
podem revelar uma crítica sobre os problemas da
sociedade ou podem mostrar também os pontos
positivos que existem nela.
O multimodal contribuiu no estudo de nossa
investigação de forma muito significativa. Segundo
Gualberto, Brito, Pimenta (2021, p.14)

[...] a Multimodalidade não é uma teoria e sim uma


forma de observar, abordar e analisar os textos. Ela
está no olhar interdisciplinar que o pesquisador
lança sobre o texto. Olhar esse que vai guiá-lo (a)
a enxergar as diversas formas comunicacionais

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

presentes, e não apenas as ligadas ao verbal, como


múltiplos modos de comunicação dentro do
processo de semiose.

Desta forma os autores aqui citados evidenciam


que cada texto pode ser usado e analisado de acordo com
o ponto de vista de cada pessoa , pois cada uma delas
tem uma forma de ver o mundo.
O multimodal também está ligado na forma que
interagimos com os demais e de acordo com Leal (2018,
p. 44) " [...] refere-se à presença de diferentes modos
semióticos, verbais e não verbais, em contextos reais
de comunicação" . Ou seja, a multimodalidade pode
estar relacionada com o verbal que são as palavras e com
o não verbal que são os símbolos.

2.1 Gramática do Design Visual

A teoria da gramática do design visual foi criada


a partir dos estudos do autor chamado Halliday. Este
autor criou uma teoria chamada de sistêmico-funcional
através dos seus trabalhos relacionados a física e além da
elaboração desta teoria Halliday elaborou vários livros.
Segundo Sousa (2015 p. 209):

Nas bases da teoria funcionalista de Halliday, a língua


é concebida como um sistema semiótico em que as
escolhas são condicionadas por três fatores: a relação

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

do sujeito com o mundo, a relação do sujeito com o


outro e a relação do sujeito com a língua, ou seja, com
as estruturas linguísticas.

Sendo assim, na concepção de Halliday, para que


a língua funcione, ela necessita conter os três fatores
citados anteriormente. Os estudos feitos por este autor
foram essenciais para os trabalhos de Kress e van
Leeuwen (1996; 2006).
Os estudos relacionados à GDV se iniciaram a
partir de 1996 e a partir deste ano até o presente
momento está se revolucionando constantemente
através de várias pesquisas no mundo todo. De acordo
com Scherrer (2020), os estudos da GDV servem para
fazer as análises das imagens através dos recursos
semióticos. Ou seja, esta teoria busca principalmente
compreender os sentidos que as imagens tentam mostrar
quando estão inseridas dentro dos textos.
Esta área em conjunto com a multimodalidade
pode nos ajudar a entender melhor as imagens sejam as
imagens postadas ou fixadas nos lugares. Segundo
Barbosa (2013 p. 76) “ vivemos em um mundo rodeado
por imagens, e nesse contexto, a Gramática Visual
elaborada por Kress e van Leewen (2006) contribui
significativamente para a identificação e sistematização
das estruturas imagísticas”. Desta maneira com a vinda
e desenvolvimento da internet a gramática do design
visual expandiu e desenvolveu cada vez mais seus

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

estudos devido a web contribuir para a exposição das


imagens de maneira mais rápida.
A metafunção interativa é um assunto que está
dentro da teoria da GDV e foi trabalhado por Kress e Van
Leeuwen no ano de 2006. De acordo com Barbosa 2013
podem ser trabalhados dentro deste campo o contato, a
perspectiva, a distância social e modalidade, cada um
destes pontos podem ser vistos e encontrados
principalmente nas imagens.
Como já foi mencionado anteriormente um dos
elementos que compõem a metafunção interativa é a
distância social dentro deste elemento contém segundo
Barbosa 2013 o plano fechado onde mostra a expressão
facial e o rosto de forma detalhada em imagens. O long-
shot ou plano aberto que mostra as imagens de forma
mais distante e também o plano intermediário que
apresenta a imagem até o joelho ou até a cintura, desta
forma, através destes três planos podemos identificar
nas imagens o que ela quer passar para as pessoas que
irão vê-la.
Outro elemento importante é a modalidade. De
acordo com Barbosa (2013, p. 78) a modalidade é

[...] representado por meio da modalidade naturalista


ou sensorial. A modalidade naturalista se concretiza
através da congruência que existe entre o objeto de
uma imagem e aquilo que se percebe pelo olho
naturalmente. Assim, quanto maior for a

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

correspondência entre a imagem e o real, maior será a


modalidade da imagem.

Desta maneira a modalidade se destaca porque


quando ela está sendo representada em uma imagem o
autor busca mostrar uma aproximação com a realidade.
Hoje em dia tem se tornado cada vez mais presente
imagens que se assemelham ao real.

2.2 A Linguagem verbal

A linguagem verbal é um dos principais tipos de


linguagem que utilizamos para nossa comunicação com
os demais. Este tipo de linguagem é empregado através
das palavras. De acordo com Santos (2015, p.33).

A comunicação verbal é toda a comunicação que


utiliza palavras ou signos. É através da
comunicação verbal que se realiza por palavras,
palavras estas, faladas ou escritas, que o homem
compreende e domina o mundo que o rodeia e
entende, assim os outros”.

Diferente da linguagem não verbal que será


apresentada posteriormente. Como foi posto
anteriormente por Santos, a nossa comunicação é feita a
partir das palavras que se transformam em enunciados e
é através destes enunciados que falamos nossas

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

opiniões, dúvidas etc. Assim utilizamos em nosso dia a


dia principalmente a linguagem verbal .
Para que ocorra a linguagem verbal e
consequentemente a não verbal é necessário que exista
um emissor e um receptor, pois é somente desta forma
que a mensagem será recebida e entendida. Não
podemos deixar de destacar também que a linguagem
verbal está dividida entre a linguagem escrita e oral. Para
Pasqualini (2017, p. 3004) "A linguagem oral é,
portanto, um nexo intermediário entre os objetos do
mundo real e a linguagem escrita". Ou seja, a
linguagem oral pode funcionar como uma ponte para
esses dois mundos.

2.3 A Linguagem não verbal

A linguagem não verbal é uma linguagem que se


diferencia da verbal pelo fato da mesma ter algumas
características distintas segundo Silva et al (2000, p. 53) a
"comunicação não-verbal exerce fascínio sobre a
humanidade desde seus primórdios [...]" . Desta
maneira, podemos entender que a linguagem não-verbal
vem sendo estudada e analisada há bastante tempo isso
se da através dos olhares de vários pesquisadores que
querem entender como esse tipo de comunicação
funciona.
Este tipo de linguagem se manifesta de outra
forma pelo fato de que segundo Silva et al (2000) sua

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

exteriorização ser feita através dos gestos, da postura e


da distância social. Ou seja, nesta linguagem não é
necessário a utilização de frases.
Essa forma de se expressar pode ser utilizada de
várias formas segundo Silva et al (2000, p. 53) “a
linguagem não verbal pode ser observada na pintura,
literatura, escultura, entre outras formas de expressão
humana”. Assim compreendemos que ao estarmos
dentro de um museu estamos rodeados deste tipo de
linguagem.
Estes dois tipos de linguagem aqui expostos são
fundamentais em nossa interação com as demais
pessoas. A multimodalidade estudo que estamos
destacando em nosso trabalho busca analisar também a
linguagem não verbal. Segundo Vezali (2012, p.2), "A
multimodalidade, portanto, configura-se como um
preenchimento dos pressupostos do esquema
linguístico com signos não verbais" . Desta forma
podemos entender que o estudo abordado em nosso
trabalho procura analisar também de antemão a forma
não verbal do objeto analisado.

2.4 As imagens

A utilização das imagens são fundamentais no


nosso dia a dia seja quando estamos andando na rua ou
quando estamos utilizando as redes sociais como o

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

Facebook, WhatsApp e o Instagram. De acordo com


Manini, Marques, Muniz (2010) as imagens existem a
muito tempo, mas foi devido a tecnologia que elas se
expandiram cada vez mais. Assim as tecnologias
funcionaram como um canal de expansão das onde hoje
facilita muito a forma como podemos vê-las.
A utilização das imagens podem nos ajudar a
entender várias situações que ocorrem na sociedade
segundo Manini, Marques, Muniz (2010, p. 99) "As
imagens podem e devem ser utilizadas na construção
do conhecimento, elas remetem as pessoas a uma
abstração, elas trazem lembranças, remetem ao
imaginário, provocam reflexões, interpretações [...]".
Desta maneira as imagens são fontes de várias
informações e é atacado destas informações que
podemos entender o que esta acontecendo em nosso
meio. A interpretação das mesmas irá depender do
daponto de vista de cada pessoa.
As imagens podem ser usadas na educação. De
acordo com Albuquerque, Carneiro-Leão, Martins (2017,
p.2361) "A imagem como recurso didático é empregada
desde os anos iniciais da escolarização até a formação em
nível superior". Ou seja, o uso desse tipo de expressão na
educação escolar seja em qualquer parte de nossa
formação, funciona como um meio de aprendizagem.

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

Como já foi citado as imagens podem funcionar


como forma de aprendizagem na sala de aula. Para os
autores Richter, Sousa e Lima (2016, p.427):

Tendo em vista a importância que as imagens vêm


desempenhando em nossa sociedade, parece
fundamental investir, durante o período de
formação inicial, na sensibilização dos licenciandos
para a leitura imagética, pois quanto mais códigos
eles dominarem e compreenderem, mais poderão
interferir na rede de significação cultural de seus
futuros alunos.

Desta maneira o uso das mesmas para a formação


docente contribuirá para que os futuros professores
possam ensinar a seus alunos a melhor forma de
entendê-las, pois cada imagem utilizada em um
ambiente é usada para mostrar algo ou para um fim
específico.

3 O TABAGISMO COMO PROBLEMA SOCIAL

Sabemos que o tabagismo é um dos assuntos que


mais provoca a preocupação da Organização Mundial
da Saúde, pois o uso do cigarro traz muitos malefícios
para a saúde das pessoas que consomem esse produto.
Segundo Willemann e Burci (2014, p. 29) a "difusão do

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

tabaco teve início no fim do século XV, com Colombo


levando o produto das Américas para a Europa, que
em seguida foi espalhado pelo mundo". Desta forma
podemos perceber que o cigarro entrou no Brasil desde
o início de sua colonização e vem sendo utilizado por
diversas pessoas até hoje.
Apesar de os fumantes terem ciência que o vício
ao tabagismo traz inúmeros malefícios para a saúde, eles
fazem a utilização deste produto por diversos
fatores. De acordo com Willemann e Burci (2014, p. 29)
"O motivo dessa rápida difusão se deve ao fato do
alto poder da nicotina, presente nas folhas da planta,
de causar dependência e reduzir a ansiedade e
tensão" . Ou seja, o uso principal do cigarro está
relacionado ao fato de ele causar nas pessoas uma falsa
sensação de alívio como já foi mencionado na citação
como a redução da ansiedade e da tensão.
Apesar de conter inúmeras campanhas para a
conscientização das pessoas o problema relacionado a
esse vício ainda está longe de ser solucionado. Segundo
Malta et al (2017), a Organização Mundial da Saúde
estima que se algo não for feito em relação ao tabagismo
em 2030 as mortes por esse vício poderão chegar a 8
milhões. Desta maneira caso a quantidade de fumantes

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

não seja contida o tabagismo ocupará quase uma parte


das mortes causadas no mundo.
No Brasil existe uma lei de conscientização
específica para o tabagismo. De acordo com Sé e
Amorim (2009) foi em 1988 que foi criada a lei 7.488 esta
lei e de 11 de junho de 1986 e cria o Dia Nacional de
Combate ao Fumo no dia 29 de agosto. Desta forma
quando chega esta data existem campanhas de combate
à esse vício.
Um dos principais consumidores de cigarros é o
gênero feminino ocupando uma quantidade
significativa nos números de fumantes. Segundo Sé e
Amorim (2009, p. 2), "O empoderamento do gênero
feminino o torna alvo para a indústria do tabaco, que
passou a divulgar o cigarro como símbolo de
independência. Isso acarretou aumento da prevalência
do tabagismo entre as mulheres, principalmente nas
faixas etárias mais jovens". Ou seja, foi através do espaço
alcançado pelas mulheres na sociedade que começou o
consumo do cigarro por parte deste gênero.
Assim podemos compreender que o tabagismo
causou e ainda está causando grandes discussões em
nossa sociedade. Caso seus indicadores não sejam
diminuídos, este vício ainda poderá trazer uma grande
quantidade de mortes.

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

4 METODOLOGIA

Para a análise dos cartazes sobre o tabagismo,


realizamos uma pesquisa explicativa de abordagem
qualitativa, qualitativa porque não utilizamos números
em nossa investigação.
A pesquisa explicativa se tornou necessária neste
trabalho, pois nos ajudou a explicar os principais
elementos dentro dos cartazes que poderiam chamar a
atenção das pessoas que iriam vê-los. Segundo Severino
(2013, p. 106) "A pesquisa explicativa é aquela que, além
de registrar e analisar os fenômenos estudados busca
identificar suas causas [...]". Ou seja, este tipo de
pesquisa contribui para que possamos entender como os
fenômenos acontecem.
Nossa investigação também se enquadra
principalmente em uma pesquisa de abordagem
qualitativa. De acordo com Deslandes (2007, p. 21):

A pesquisa qualitativa responde a questões muito


particulares. [...] Ou seja, ela trabalha com o universo
dos significados, dos motivos, das aspirações, das
crenças, dos valores e das atitudes. Esse conjunto de
fenômenos humanos é entendido aqui como parte da
realidade social, pois o ser humano se distingue não só
por agir, mas por pensar sobre o que faz e por
interpretar suas ações dentro e a partir da realidade
vivida e partilhada com seus semelhantes.

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

Desta forma compreendemos que a pesquisa


qualitativa mostra os aspectos sociais e, além disso,
mostra o porquê que um objeto, uma imagem etc. está
sendo utilizado em um determinado local, Para que
possamos realizar esta pesquisa, utilizamos como
objetivo geral analisar sobre a ótica multimodal os
cartazes sobre o tabagismo extraídos do INCA.
Para a realização de nossa pesquisa realizamos
uma busca no site do Instituto Nacional de Combate ao
Câncer- INCA buscamos os cartazes relacionados aos
anos de 2018 a 2021, após essa busca realizamos a análise
de acordo com os estudos dos aspectos multimodais e
através desta análises obtivemos nossos resultados que
serão descritos posteriormente.

5 ANÁLISE DOS CARTAZES

Este primeiro cartaz foi retirado da campanha


realizada para o dia nacional de combate ao Fumo feito
pelo Instituto Nacional do Câncer-INCA para o dia 29
de agosto de 2018:

a ) Exemplo 1

Neste primeiro exemplo este podemos perceber


que este cartaz foi feito com o intuito de mostrar à

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

população os efeitos causados pelo cigarro em nosso


corpo.

Figura 1 - Cartaz de combate ao tabagismo 2018.

Fonte:https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//
media/document//cartaz-tabaco-doenca-cardiaca-cicatriz-
dia-mundial-sem-tabaco-inca-2018.pdf

No presente cartaz podemos observar que o letreiro


está do lado esquerdo onde geralmente eles se
encontram. Veja que as cores predominantes são o preto
e o vermelho. As letras estão em caixa alta, e isso
demonstra que elas devem chamar a atenção do leitor.
As palavras que mais se destacam são a palavra
“Coração” e “não fume”. A imagem presente no cartaz
mostra uma cicatriz de uma cirurgia feita no coração por
uma pessoa provavelmente do sexo feminino. Desta

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

forma, podemos evidenciar é por conta desta cicatriz que


a palavra coração está em uma letra maior que as demais.
A imagem está em cores vivas e mostra também que ela
foi retirada de muito perto. Destacamos que na imagem
o plano utilizado é o intermediário.

b) Exemplo 2

O segundo cartaz que iremos analisar foi feito


para a campanha realizada no ano de 2019 para o dia 29
de agosto, pois, como já foi citado anteriormente neste
trabalho, este dia é conhecido como o DIA NACIONAL
DE COMBATE AO FUMO:

Figura 2 - Cartaz de combate ao tabagismo 2019.

Fonte:https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//
media/document//cartaz_dia-nacional-de-combate-ao-fumo-
2019.pdf

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

Este cartaz mostra do lado esquerdo a imagem de


um pulmão humano que está danificado por causa do
cigarro, ele está dentro de um recipiente fechado que
pode simular nosso corpo. Do lado direito, podemos ver
um letreiro que está destacado em preto e em letra
maiúscula para chamar a atenção dos leitores o seu
informativo está relacionado ao fato de que o cigarro faz
mal para a saúde.
No primeiro letreiro destacado "NÃO DEIXE O
TABACO " mostra uma primeira introdução ao tema do
cartaz. Esta pausa pode fazer com que as pessoas
acreditem que não se deve deixar o tabaco, caso não se
atente ao enunciado que está logo após a linha. Já o
segundo enunciado mostra a real intenção da imagem do
lado esquerdo "TIRAR SEU FÔLEGO", pois a imagem
mostra um recipiente fechado onde até mesmo o órgão
que é representado que é o pulmão está sem espaço.
Podemos perceber no cartaz que a cor de fundo é
a cinza. Esta cor é neutra e não produz nenhuma
sensação. Desta forma, ela não produz no cartaz uma
sensação de estar se sobrepondo às outras informações
contidas nele. Como podemos ver também na imagem,
os outros letreiros destacados são " ESCOLHA A
SAÚDE. NÃO O TABACO em formato de letra menor
que as anteriores e destaca um conselho para o leitor.
A imagem do pulmão pode representar um
impacto no leitor, pois mostra também um pulmão de
uma pessoa fumante, mas evidencia-se que este impacto

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

é para que as pessoas tenham consciência de como pode


ficar o pulmão delas ao utilizar esse produto. Podemos
ver a imagem em plano aberto, pois, como podemos ver,
a imagem se torna um pouco distante.

c) Figura 3

O cartaz 3 foi feito para a campanha nacional de


combate ao Fumo de 2020, quando estávamos no auge
da pandemia iniciada pelo COVID-19.

Figura 3: Cartaz sobre o tabagismo 2020.

Fonte:https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//
media/document//cartaz-tabagismo-coronavirus-dia-
nacional-de-combate-ao-fumo-2020.pdf

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

Desta forma, o INCA também se sensibilizou com


as pessoas que estavam fumando em meio a essa
enfermidade e o que também poderia causar a eles a
junção destes dois problemas.
Podemos ver neste cartaz que predomina a
diversidade de cores. Podemos ver cores quentes como
o vermelho e o amarelo, cores frias como o azul, o violeta
e o branco. O letreiro maior está na cor amarelo e destaca
"CORONAVÍRUS: MAIS UM MOTIVO PARA VOCÊ
PARAR DE FUMAR" podemos perceber que o
coronavírus pode prejudicar ainda mais a vida das
pessoas que fumam, pois essa doença provoca falta de
ar.
Logo abaixo das letras que estão em maior
destaque podemos perceber mais uma informação que
destaca "Um ambiente livre de tabaco diminui o risco de
câncer e de outras doenças graves como o COVID-19"
onde destaca um conselho para os fumantes.
Podemos entender também que, neste cartaz, não
vemos imagens reais, mas desenhos que mostram que
uma vida saudável é muito melhor. Podemos
compreender também que a informação principal está
do lado esquerdo que são os enunciados.
Do lado direito e no canto inferior estão os
desenhos. Podemos destacar que eles mostram pessoas
jovens do gênero feminino e masculino que tem corpos
diferentes. Mostra também que tem pessoas de pele
branca e negra, mas não percebemos o predomínio de

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

figuras de pessoas idosas. Neste cartaz está


predominando o plano aberto.

d) Exemplo 4

O último cartaz foi retirado do INCA para a


campanha nacional de combate ao Fumo de 2021:

Figura 4: Cartaz sobre o tabagismo 2021.

Fonte:https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//
media/document//poster_comprometa-
se_a3_090_6767_final_amarelo.pdf

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

Podemos ver neste cartaz que ele se diferencia dos


demais pelo fato de que o letreiro está do lado direito e
não do lado esquerdo. Este cartaz mostra a realidade
dividida em dois espaços, do lado esquerdo mostra
pessoas que estão fumando e as cores que predominam
neste ambiente são escuras e tem predomínio do preto e
do cinza. Já do lado direito podemos ver uma jovem em
um ambiente aberto e colorido, as cores que mais
predominam são o verde que estão na grama e nas
árvores.
O letreiro destaca para o leitor a seguinte frase:
"EM QUE MUNDO VOCÊ VIVE?" mostrando que o
mundo dos fumantes é mais triste. A cor destacada no
letreiro é o branco, que é uma cor neutra, logo abaixo tem
outro letreiro, mas o tamanho das letras é menor e
destaca os malefícios do cigarro: "O cheiro é ruim. Seu
hálito não será agradável. Os dedos ficam amarelados e
você ainda queima dinheiro. Quer mais motivos para
começar a usar algo que vai te deixar dependente e
doente?". Neste letreiro, podemos ver que está sendo
feito uma pergunta ao leitor, perguntando se ainda vale
a pena fumar com todos esses defeitos que o cigarro
pode causar. Os participantes são representados pelo
plano aberto.

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

6 CONCLUSÃO

Concluímos que a conscientização do combate ao


Fumo se torna necessário, pois são muitos os agravantes
que este vício pode proporcionar na saúde. Também se
faz necessário salientar que a conscientização sobre este
tema deve ser levada em conta todos os dias.
O aspecto multimodal foi de extrema importância
em nosso trabalho. Para analisar os cartazes aqui
expostos, utilizamos os principais conceitos que este
estudo utiliza. Como resultado, percebemos que cada
cartaz que está presente nas ruas, e nos estabelecimentos
são feitos sempre com um propósito.
Desta maneira, os cartazes que utilizamos em
nossa análise têm um propósito comum, que é a
conscientização das pessoas para que parem de fumar.
Cada detalhe dos mesmos foi investigado e deste modo
sobre a ótica da multimodalidade foi possível descrever
o porquê que alguns componentes na imagem estavam
inseridos nela.
É importante também salientar que o
desenvolvimento de trabalhos sobre a multimodalidade
é importante no âmbito social e acadêmico para que as
pessoas que possam vê-los tenham um olhar mais crítico
sobre o que está vendo e além disso eles também

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
produzidos pelo Instituto Nacional de Combate ao Câncer - INCA

poderão entender a combinação de cores que está sendo


usada e o porquê que aquela imagem está inserida nos
locais.
Apesar de conter inúmeras pesquisas
relacionadas ao campo do saber que estamos utilizando
em nosso artigo, ainda existem figuras, imagens,
tirinhas, vídeos e documentários que ainda devem ser
explorados. Podemos perceber que as imagens aqui
mostradas continham bastante semelhança nas letras
que estavam em maiúscula e também em suas cores que
eram predominantes as cores quentes que são mais
fortes e as cores neutras como o branco ou o preto.
Na maioria das imagens as letras estavam do lado
esquerdo como de costume, e as imagens que se
destacavam mostravam os danos que o cigarro pode
causar na vida das pessoas e no corpo. As imagens são
bastante coloridas, desta forma, podem causar impacto
nas pessoas para que elas possam perceber o dano
causado por este vício. Assim com a ajuda da
multimodalidade podemos entender de forma clara e
objetiva as imagens, figuras etc que estão ao nosso redor.

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Cap. 2 - Análise multimodal: um estudo de cartazes de combate ao tabagismo
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uso do cigarro e seu impact o na sociedade.
Revista Gestão & Saúde, v. 11, p 28-34, 2014.

99
Retornar ao Sumário
CAPÍTULO 3

ANÁLISE MULTIMODAL DE PROPAGANDAS DE


PRODUTOS CAPILARES PARA CABELOS
FEMININOS: DOS LISOS AO PROCESSO DE
TRANSIÇÃO PARA O AFRO

Luciana Dantas de Souza


Moisés Batista da Silva

Gramática do Design Visual


Multimodalidade
Propagandas de produtos capilares
Transição capilar
Consumidor feminino

101
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

1 INTRODUÇÃO

Em um país escravocrata no passado, por causa


da cor da sua pele, o negro resiste e sofre na pele a
injustiça social, histórica, política, econômica, cultural,
estética e ideológica que ecoam até os dias atuais. O
Brasil, país continental, tem, como matizes de
constituição da sua nação, sangue indígena, europeu e
africano, sendo predominante a população negra,
trazida pelos portugueses por meio da migração forçada
pelo tráfico negreiro. Por longos séculos, os negros foram
explorados em um regime de escravidão e, mesmo
sancionada a lei Áurea de 1888, esta etnia ainda sofre
com o preconceito e o racismo estrutural.
Nessa perspectiva, a figura feminina, como
símbolo de beleza, era totalmente estereotipada,
sexualizada e banalizada pelo colonizador branco. Desse
modo, a mulher negra era excluída, sendo vítima desde
muito cedo da violência, do ódio, do preconceito e do
racismo. Assim, o ciclo da rejeição social já se iniciava na
sua infância. E, historicamente, esse ciclo perpetuou
gerações, influenciando a moda, a indústria, as
propagandas, os produtos de beleza. Já o branco
europeu, com o rosto e os olhos claros, nariz afilado,
cabelos lisos e longos foram considerados símbolos de
beleza e feminilidade. Em contrapartida, a cor negra,
olhos escuros, nariz achatado, cabelos crespos,
representava a negação da beleza.

102
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

Para as mulheres negras, a geografia do corpo serve


como um poderoso símbolo da ideologia racista. Um
dos elementos-chave para compreender a relevância
do cabelo como uma marca identitária entre elas é,
justamente, através da história desse imaginário
poderoso e dessas crenças dirigidas à negritude e ao
corpo feminino. Esse apanhado histórico remete ao
processo de colonização, à escravidão negra e à
diáspora africana [...] dramaticamente, como o corpo
feminino negro se tornou a manifestação física de
todas as características negativas associadas à raça
(SOARES, 2018, p. 14).

Neste sentido, de acordo com Gomes (2008),


surge, desde a fase infantil, o desejo de transformação do
corpo e da aparência, levando muitas jovens ao
alisamento capilar. Tudo isso fomentados pela sociedade
racista, pela indústria de produtos de beleza e,
precisamente, pelo preconceito sofrido, marcados por
expressões comuns, como “cabelo duro”, “cabelo ruim”,
“cabelo de negro”, “cabelo pixaim”, atribuindo, dessa
maneira, a ideia de qualidade ao cabelo liso, levando
uma boa parte das mulheres negras a consumirem a
cultura do embranquecimento, como expõe Almeida
(2021, p. 56):

[...] da aparência física de ascendência africana, o


pertencimento de classe explicitado na capacidade de
consumo e na circulação social. Assim, a possibilidade

103
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

de “transitar” em direção a uma estética relacionada à


branquitude, e manter hábitos de consumo
característicos da classe média, pode tornar alguém
realmente “branco”.

Assim, durante muito tempo, a indústria de


produtos capilares incentivou o uso e o consumo de
produtos voltados para cabelos lisos e alinhados sem
volume, impulsionando a maioria das mulheres ao
alisamento químico, pois a falta de incentivo midiático,
e a presença do preconceito e das propagandas
engessadas, fizeram com que essas mulheres não se
reconhecessem, enquanto crespas, cacheadas ou
encaracoladas, afetando, assim, a autoestima e
desenvolvendo problemas de autoaceitação. Um outro
ponto relevante que merece destaque, seria também a
falta e/ou a pouca oferta de produtos capilares que
valorizassem e promovessem o tratamento de cabelos
afros.

O cabelo crespo, acredito, insere-se nessa


dinâmica e, por isso, historicamente os(as)
negros(as) – sendo o foco deste trabalho as
mulheres – se rendem a mecanismos vários para
alisá-lo, “civilizá-lo”. A negação da beleza negra
remonta à escravidão e o cabelo foi e continua
sendo, junto com a cor da pele, um dos principais

104
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

sinais diacríticos da negritude (SOARES, 2018, p.


24).

Contudo, durante os anos 60, surge na academia,


segundo Banks (2000), debates relacionados à
representação e à significação que o cabelo tem para as
mulheres negras. Soares (2019, p. 2) afirma que o
Feminismo Negro, nas universidades nasce como uma
“necessidade de autodeterminação das mulheres negras
sobre a sua própria estética”, valorizando, celebrando e
enfatizando a autonomia do “cabelo natural”, através do
pós-movimento Black Power. Atualmente, a estética
negra vem sendo ressignificada por meio de muita luta
e determinação. O processo de transição capilar
representa uma mudança não só estética, mas também
política de aceitação e de identificação com as próprias
raízes. De acordo com Soares (2018), este fenômeno
transnacional da transição capilar ganha força por meio
da internet, em que milhares de mulheres negras, de
vários países, compartilham, incentivam e ajudam
outras mulheres nesse processo ao retorno do cabelo
natural, impulsionando agora, as indústrias de
cosméticos capilares a repensarem os seus produtos,
para atenderem a esse novo público de mulheres negras
empoderadas.
Neste contexto, esta pesquisa objetiva realizar
análises de textos imagéticos de algumas propagandas
de produtos capilares para cabelos femininos, dos lisos

105
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

ao processo de transição para o afro, no que se referente


aos significados representacionais da Gramática do
Design Visual de Kress e van Leeuwen (2006), buscando
refletir sobre os processos narrativos de ação, reação,
verbal e mental, como também os processos conceituais,
categorizados em classificacional, analítico e simbólico.
Diante do exposto, este trabalho será estruturado da
seguinte forma: a) iniciaremos com um debate de cunho
social, histórico, político, econômico, cultural, estético e
ideológico sobre a beleza negra, discorrendo sobre o
cabelo como símbolo da ressignificação da estética
negra; b) perpassaremos pela discussão sobre a
influência que as propagandas de cosméticos capilares
causa na vida das consumidoras femininas; c)
discorreremos sobre as concepções acerca da
Multimodalidade e da Gramática do Design Visual; d)
apresentaremos os procedimentos metodológicos e
alguma análises das propagandas de produtos capilares
para cabelos femininos; e) e, por fim, exporemos
algumas considerações finais, de maneira crítica e
reflexiva.

2 PROCESSO DE RESSIGNIFICAÇÃO DA
ESTÉTICA NEGRA: DOS LISOS À TRANSIÇÃO
CAPILAR

A estética da mulher negra vem sendo


ressignificada através de muita luta por meio dos

106
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

movimentos feministas negros que, ao longo dos anos,


vêm debatendo e se posicionando frente aos padrões
impostos como símbolo de beleza pela branquitude.
A transição capilar não representa apenas o
retorno aos cabelos naturais, mas é, para muitas
mulheres, símbolo de resistência política pelo
reconhecimento e valorização da sua ancestralidade
estética que foi negada, por séculos, pela sociedade
racista, preconceituosa e escravocrata que negava a
beleza negra. Essa ideologia foi sendo perpassada por
gerações. A negação ao frizz dos cabelos naturais negros
não só afetava ao público feminino, mas, de acordo com
Soares (2018), os homens também negavam por meio de
cortes que deixavam seus cabelos curtos, ou até
utilizavam a raspagem total dos seus cabelos, como
método de eliminar e/ou suprimir as raízes crespas.
Nessa perspectiva, é que desde a infância muitas
meninas cresciam com suas raízes quimicamente
tratadas, para se encaixarem aos padrões de beleza
eurocêntricos impostos desde a colonização. Essa era
uma das maneiras de serem aceitas em uma sociedade
que, até hoje, segundo Matos (2016), usam expressões
“bom” e “ruim”, como formas de qualificação de
texturas capilares. Assim, o “bom” seria a representação
do cabelo liso e o “ruim” a forma de representarem o
cabelo crespo. Desse modo, para fugirem dos estigmas
do cabelo “ruim”, muitos jovens, não só mulheres como
também homens, usavam e usam diversas químicas e

107
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

tratamentos fomentados pela indústria de cosméticos


capilares, pela mídia e por salões especializados.
Entretanto, com o advento das mídias sociais,
como Facebook, Instagram, Youtube, entre outros veículos
de comunicação, a sororidade entre as mulheres vem
crescendo. A internet, por sua vez, tornou-se um
importante canal de reinvindicações e de mudanças
culturais em relação aos padrões estéticos tradicionais
seculares, nas quais vozes desconhecidas acabam se
tornando protagonistas na luta contra o racismo, a
discriminação e o preconceito. A partir dessa rede, surge
o movimento do empoderamento feminino de transição
capilar nos EUA, por meio do ativismo do cabelo, no
qual são postos em reflexão discursos de construção e
aceitação identitária.

Um marco importante a ser tomado como


referência é a publicação do vídeo “transition” da
norte-americana Zina Saro-Wiwa publicado em
2012 pelo canal online do New York Times[...].
Zina também reitera a importância das mídias
sociais na propagação desse movimento. As
mulheres não apenas estão estimulando e
fortalecendo umas às outras a fazer a transição
capilar; elas também estão aprendendo e
divulgando novas maneiras de cuidar de um
cabelo que elas mesmas desconheciam [...]. a sua
propagação atingiu diversos países e, no Brasil,

108
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

também influenciou milhares de mulheres


(SOARES, 2018, p.53).

Assim, por meio da globalização, sujeitos são


conectados em uma ampla rede de informação, na qual
tais sujeitos tecem opiniões que vão para além das telas,
ganhando espaço nas praças e ruas, rompendo
fronteiras, como afirma Matos (2016, p. 8):

[...] numa era de globalização, este modo de


organização extrapola fronteiras isso auxiliado pelo
uso da internet, redes sociais, e-mail, entre outras
ferramentas. As ações desenvolvidas não se
restringem ao mundo virtual, elas ocupam as praças e
ruas em manifestações que visibilizam as suas causas
quebrando também as barreiras entre o virtual e o real.
[...] Globalização e multiculturalismo propicia novos
tipos de ativismo com reivindicações cada vez mais
transversais [...] atores do seu tempo buscando
superar contextos de exclusão. O contato com esses
diversos conteúdos propicia a reconfiguração das
identidades.

Portanto, nesse processo de reconstrução e


identificação da autoimagem, é que mulheres ajudam
outras mulheres, postando e debatendo sobre sua
transição capilar, relatando suas dificuldades e seus
êxitos. E é, nesse momento, segundo Braga, (2013, p. 15)
que “[...] o conceito de beleza negra é reconfigurado por

109
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

uma intensa produção discursiva, baseada em discursos


de autoafirmação e respeito à diversidade”. Nessa
perspectiva, o “negro [...] deixa de ser mercadoria para
ser consumidor” (BRAGA, 2013, p.14). E foi por causa
dessa luta que as indústrias de produtos capilares
passaram a produzir variadas culturas cosméticas para
atender a esse público de cacheadas e crespas,
empoderadas que só aumenta.

3 PROPAGANDAS DE PRODUTOS CAPILARES:


FORTE INFLUÊNCIA NO COMPORTAMENTO DO
PÚBLICO CONSUMIDOR FEMININO

Por trás de um discurso existe um forte


posicionamento ideológico que carrega consigo crenças,
valores, costumes e dogmas que, de um certo modo,
influenciam no comportamento e nas atitudes de um
determinado grupo social. Com base nisso, Pereira e
Rodrigues (2014, p. 2), a partir dos estudos do Círculo de
Bakhtin, discutem sobre a “não neutralidade dos
discursos, uma vez que são sempre marcados pela
valoração de uma dada ideologia”, ou seja, nenhum
discurso é por acaso. Assim, por detrás de uma
exposição há uma intenção na qual apresentará valores
diversos.
Dessa forma, podemos depreender que uma
simples propaganda pode ocultar, persuadir, privilegiar
e interferir nas ações e condutas dos sujeitos que, por sua

110
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

vez, podem ser manipulados pela indústria cultural,


como expõe Rocha (1995, p. 33):

Indústria Cultural, no seu sentido amplo, designa


as produções simbólicas que circulam na
Sociedade Industrial e são veiculadas pelos Meios
de Comunicação de Massa. [...] A comunicação de
Massa só existe na configuração de uma cultura
situada no espaço e datada na história; ela é ímpar
nas escolhas humanas.

Assim, os meios de comunicação de massa


interagem diretamente com a sociedade por meio da
mídia publicitária que, segundo Rocha (1995, p.38), é
“[...] um elemento absolutamente indispensável na
sustentação de todo o edifício simbólico [...]. Ela vive
uma relação de redundância e/ou revezamento com o
Estado na determinação dos destinos das mensagens dos
Meios de Comunicação”. Neste sentido, é que as
indústrias de cosméticos capilares irão promover, por
muito tempo, através da comunicação de massa,
propagandas fomentando os lisos perfeitos, com volume
controlado, negando a beleza dos cabelos crespos e/ou
cacheados volumosos. E será por meio dessas
publicidades que muitas mulheres serão influenciadas a
manterem um cabelo quimicamente tratados, para se
sentirem aceitas nesse grupo social.

111
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

De acordo Santos (2010), culturalmente a estética


capilar era e continua sendo símbolo de comunicação e
interação de um grupo social. Era por meio do cabelo
que as culturas manifestavam seus padrões de beleza e
sua posição na sociedade. Assim, durante os anos de
1960 e 1970, o “Black Power” foi um movimento que
resgatava a herança africana e a cultura negra. Como
afirma Soares (2018), nesse momento, o símbolo de
resistência foi justamente o cabelo crespo que
representava uma coroa de orgulho e poder, como
resgate da identidade cultural que, por séculos, foi
negada pelo colonizador branco.
Atualmente, grupos étnicos afrodescendentes
vêm ganhando visibilidade, por meio de muita luta e
resistência, fazendo com que as empresas de cosméticos
capilares passem a ressignificar os seus produtos para
atender a esse público de crespas e cacheadas. Assim,
algumas marcas já conhecidas, como “Seda”, “Skala”,
“Neutrox”, “Kolene”, entre outras que, durante anos,
apresentavam produtos apenas voltados para cabelos
lisos ou todo tipo de cabelo, vêm desenvolvendo
fórmulas específicas para o tratamento de cabelos
crespos e cacheados. Não somente essas marcas, como
outras também, estão surgindo no mercado com uma
diversidade de produtos para atender a esse público.
Nessa perspectiva, por meio das mídias sociais, o
movimento de transição capilar não só está promovendo
o empoderamento das mulheres negras, como também,

112
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

de certo modo, vem democratizando o acesso a variados


produtos e tratamentos capilares que, até então, eram
escassos a este público.

4 CONCEPÇÕES ACERCA DA
MULTIMODALIDADE E GRAMÁTICA DO
DESIGN VISUAL

Por vivermos em uma sociedade grafocêntrica, o


nosso processo de leitura e comunicação não só ocorrerá
por meio da linguagem verbal que se dá pela fala e/ou
escrita, mas também por meio da linguagem não verbal
que se manifesta através de imagens, pinturas,
ilustrações, placas, posturas, cores, símbolos, gestos,
desenhos etc., como também pelos sinais sonoros, como
as músicas. Nesta perspectiva, Nascimento, Bezerra e
Heberle (2011, p. 2) afirmam que não existem textos
“monomodais” ou “monossemióticos”, uma vez que os
textos verbais se utilizam de recursos visuais, por
exemplo a formatação e tipografia e, até mesmo, as
ilustrações como recurso de compreensão e
interpretação.

Isso implica dizer que as imagens, assim como a


linguagem verbal, devem ser entendidas
enquanto um sistema semiótico, ou seja, um
conjunto de signos socialmente compartilhados e
regidos por determinados princípios e

113
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

regularidades, que utilizamos para representar


nossas experiências e negociar nossa relação com
os outros (NASCIMENTO BEZERRA E
HEBERLE, 2011, p.4).

Assim, ao perceber que as imagens são textos que


denotam discursos, Kress e van Leeuwen (1996)
compartilham da ideia de que é imprescindível analisar
sintaticamente as imagens, uma vez que estes autores
usam o termo “Multimodalidade” para explicar que o
modo, pelo qual nos comunicamos, não é singular, mas
sim plural e acontece por meio de vários modos, através
de combinações de elementos que podem ser sonoros,
visuais, linguísticos, entre outros.
Outro ponto importante é depreender que os
“signos visuais não são neutros” (MACHIN, 2007, p. 14).
Assim, considerando as teorias bakhtinianas que
defendem a ideia da não neutralidade do discurso, não
só os textos escritos/falados perpassam por discursos
ideológicos, culturais, sociais, históricos, econômicos e
políticos, mas também os textos visuais, por exemplo.
Logo, “tanto a linguagem verbal como a visual permitem
construir representações de mundo” (NASCIMENTO et
al, 2011, p.5).
Nesse contexto, Kress e van Leeuwen (2006),
baseando-se na Gramática Sistêmico-Funcional (GSF),
proposta por M.A.K. Halliday (1985), apresentam-nos a

114
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

Gramática do Design Visual (GDV) que versa sobre os


“estudos das estruturas visuais” (SILVA e BARBOSA
2021, p. 5), a partir das três metafunções:
representacional, interativa e composicional. Entretanto,
deixamos claro a diferença entre as duas abordagens, já
que a GSF estuda as estruturas linguísticas em contextos
específicos de uso, por meio da linguagem verbal,
enquanto a GDV investiga não só recursos linguísticos,
mas também os textos, basicamente, imagéticos.
As metafunções da Gramática do Design Visual,
de Kress e van Leeuwen (2006), compõem-se de
categorias e subcategorias. Antes de abordar mais
especificamente sobre a categoria representacional,
como recorte deste artigo, é importante visualizarmos
panoramicamente a estrutura, para compreendermos
como se dá essa divisão e subdivisão da GDV.
Considerando os estudos da GDV, de Kress e van
Leeuwen (2006), neste artigo, será feito um recorte ao
analisarmos propagandas de produtos capilares para
cabelos femininos, por meio dos significados
representacionais da Gramática do Design Visual. Nesta
análise, buscaremos refletir sobre os processos
narrativos de ação, reação, verbal e mental, como
também os processos conceituais categorizados em
classificacional, analítico e simbólico.

115
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

Quadro 1- Estrutura básica da GDV.

Fonte: Baseado em Kress e van Leeuwen (1996)


e adaptado de Silva (2016).

Nessa perspectiva, iremos tecer concepções e


reflexões acerca da metafunção representacional, a partir
dos estudos de Nascimento, Bezerra e Heberle (2011).
Neste sentido, a metafunção representacional estabelece
relação entre os participantes, “quanto à capacidade de
representar a experiência, as imagens podem ser
narrativas ou conceituais” (NASCIMENTO BEZERRA e
HEBERLE, 2011, p. 6). A representação narrativa
apresenta os participantes realizando ações sobre outros
participantes, envoltos em situações e acontecimentos. Já
as representações conceituais “classificam os
participantes na imagem em termos de suas
características individuais, evidenciando sua identidade,
[...] que nos permitem percebê-los enquanto membros de

116
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

um grupo” (NASCIMENTO BEZERRA e HEBERLE,


2011, p. 6).
A representação narrativa, de acordo com Pinto e
Barbosa (2021), decompõem-se em quatro subcategorias:
ação, reação, processo verbal e processo mental. A ação
pode ser transacional ou não-transacional. A
transacional envolve pelo menos dois participantes e um
vetor que é ativo. Já a não-transacional é quando a ação
envolve apenas um participante e um vetor realizando a
ação. Os processos de reação, por sua vez, “caracterizam-
se por um vetor que corresponde sempre à linha do olhar
de um ou mais participantes humanos ou
personificados” (NASCIMENTO, BEZERRA e
HEBERLE, 2011, p. 7). Assim, considerando o processo
de ação, a reação pode ser transacional ou não-
transacional, em relação à composição visual do alvo. A
reação não-transacional ocorre “quando não é possível
determinar dentro da composição visual o alvo do olhar
do reator, o fenômeno”. O transacional é “quando dentro
da composição visual é possível identificar/determinar o
fenômeno” (PINTO e BARBOSA, 2021, p. 5). Os
processos mentais e os processos verbais apresentam
balões como vetores. Os processos mentais são
identificados por meio de um balão de pensamento,
ligado a um participante humano ou a um personagem
personificado/inanimado. Já os processos verbais
“podem ser identificados a partir da fala dos

117
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

participantes da imagem que é expressa pelo uso de


balões de fala” (SILVA e BARBOSA, 2021, p.9).
Entretanto, a representação conceitual se
diferencia da representação narrativa por não haver
presença de vetores, subdividindo-se em
classificacional, simbólico e analítico. “Seu papel é
descrever o participante que está sendo representado na
imagem em termos de classe, estrutura ou significação,
de outra maneira, há uma taxonomia, uma classificação”
(PINTO e BARBOSA, 2021, p. 5). Considerando as
subcategorias da representação conceitual, iniciaremos
com a classificacional na qual seus representantes
podem ser classificados como sendo subordinado ou
superordinado. Os processos analíticos “representam os
elementos na imagem em uma relação parte/todo”
(NASCIMENTO, BEZERRA e HEBERLE, 2011, p. 10) e,
por fim, os processo simbólicos “ocorrem quando há a
presença de elementos na imagem que acrescentam
valor extra, justamente por não serem intrínsecos a ela”
(NASCIMENTO, BEZERRA e HEBERLE, 2011, p. 10).
Diante do exposto, depreendemos que não só o
texto verbal é dotado de sentidos e discursos, mas as
imagens também têm muito a dizer, pois elas
representam uma forma de comunicação, ou seja, são
linguagens, carregando consigo ideologias e
representações culturais, políticas e sociais de um grupo.
Assim, considerando que os elementos visuais denotam
compreensão e interpretação da realidade como forma

118
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

de comunicação, faremos análises de textos imagéticos


de propagandas de produtos capilares femininos, por
meio da GDV, a fim de discutirmos sobre a influência
das propagandas no comportamento do público
consumidor em questão, perpassando também por
questões históricas raciais.

5 METODOLOGIA

Considerando que os sistemas semióticos


(HODGE e KRESS, 1988), propiciam relações de poder
entre grupos sociais e que são dotados de ideologias, este
trabalho pretende realizar uma análise multimodal de
propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos, dos lisos ao processo de transição para o afro,
no que se referente aos significados representacionais da
Gramática do Design Visual, de Kress e van Leeuwen
(2006). Desse modo, buscaremos refletir sobre os
processos narrativos de ação, reação, verbal e mental,
bem como os processos conceituais classificacional,
analítico e simbólico.
Este estudo parte de uma pesquisa qualitativa-
interpretativa, uma vez que iremos realizar análises de
propagandas de produtos capilares femininos, com o
intuito de levantarmos discussões sobre a influência das
propagandas no comportamento deste público
consumidor, quando também discutiremos sobre
questões ético-raciais.

119
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

5.1 Análise das propagandas de produtos capilares na


perspectiva da Gramática do Design Visual

Segundo Novellino (2007), a imagem não só


representa o mundo, de forma abstrata e/ou concreta,
mas também interage com ele, independente de
apresentar textos escritos, pois a imagem, por si só,
constitui-se um tipo de texto, seja ela uma pintura, uma
propaganda, um anúncio, entre outros. Nessa
perspectiva, Novellino (2007, p. 5) afirma que “Kress e
van Leeuwen argumentam que, também visualmente,
há estruturas que possibilitam a construção das
experiências dos indivíduos, e isso ocorre dentro do que
chamam de função representacional das imagens”. A
metafunção representacional da Gramática do Design
Visual, de Kress e van Leeuwen (2006), será utilizada
como categoria de análise das propagandas de produtos
capilares para cabelos femininos.
Assim, iniciaremos com a propaganda de
produtos capilares para cabelos femininos Seda, linha
Keraforce, lançada nos anos 2000, sendo uma das
primeiras linhas para cabelo crespo, porém
quimicamente tratados. Logo de início, é possível
identificar uma ambiguidade na propaganda: a modelo
negra é apresentada com seus cabelos afro, mas esse
tratamento é para cabelos crespos quimicamente
tratados, ou seja, ainda não era valorizado o cabelo
crespo natural. No produto, há uma dualidade: em vez

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Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

de lançarem linhas para cabelos totalmente crespos é,


lançado uma linha para cabelos crespos que deveria
passar por uma química antes.
Atualmente, a própria Seda, além de mudar a sua
política de mercado para atender ao público de
cacheadas do movimento transição capilar, modificou a
fórmula do produto. Hoje, o novo Seda cocriações
Keraforce #juntasarrasamos é uma linha específica para
cabelos crespos, prometendo efeito de fitagem aos fios e
poderosa hidratação. Entretanto, nesse momento iremos
realizar uma análise imagética da publicidade de
produtos capilares Seda Keraforce dos anos 2000, como
é mostrado logo abaixo na figura 1.

Figura 1- Publicidade de produto capilar Seda Keraforce.

Fonte: Novo Milênio. Auto-estima (2003).

Na figura 1, a propaganda de cosméticos capilares


Seda Keraforce, apresenta uma metafunção

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Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

representacional conceitual, em um processo


classificatório explícito, que seria a divulgação dos
produtos capilares para cabelos femininos crespos
quimicamente tratados, e também o processo analítico,
em que o produtor da imagem escolheu focar
exatamente na linha dos produtos que acompanha
shampoo, condicionador, creme para pentear e creme de
tratamento (hidratação). Na imagem dos produtos
capilares, tem-se uma foto de uma mulher negra com o
cabelo afro. A representação imagética seria
representacional narrativa, por meio da reação
transacional, pois há um vetor e um participante.
Todavia a imagem da modelo apresenta pouco destaque,
pois a ideia é a divulgação dos produtos.
Não obstante, na figura 2, é apresentada uma
propaganda de produtos capilares para cabelos
femininos Seda, sendo da linha Anti Sponge, lançada no
ano de 2010, que promete o controle de volume com o
anti-frizz. O que chama a atenção na propaganda é
justamente a presença de dois leões. O leão, à esquerda,
apresenta um cabelo volumoso e com frizz e o leão, à
direita, apresenta um cabelo liso e controlado. Nesta
imagem, é possível identificar a presença do racismo
estrutural que reforça a ideia de que o cabelo Black
Power, característico da etnia negra, seja um cabelo feio,
fomentando novamente a ideologia da branquitude, e de

122
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

que o cabelo liso é um cabelo bonito. Assim, este anúncio


pode influenciar a maioria das mulheres crespas
naturais, ao uso de alisamento químico para se sentirem
aceitas aos padrões de beleza na sociedade atual. E, por
mais que o intuito desta propaganda seja que as
mulheres usem esses produtos, de um certo modo, acaba
induzindo as consumidoras a terem o mesmo cabelo da
propaganda.

Figura 2- Publicidade de produtos capilares


para cabelos femininos Seda.

Fonte: Blog da Biodiversidade (2010).

Quanto à análise imagética, esta propaganda


configura-se em uma metafunção representacional
narrativa, já que indica a presença de participantes que

123
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

podem ser humanos ou não. Nesse caso, são dois leões


que estão em um processo de reação transacional, em
que os leões da imagem interagem com os participantes
interativos. Apesar do plano da imagem ser aberto, a
interação dos vetores com os participantes está sendo
formada pela linha do olhar, identificando o fenômeno.
Também observamos o processo verbal de interação,
com a pergunta “cabelo armado e com frizz?” que indica
um discurso preconceituoso ao insinuar que o frizz dos
cabelos naturais crespos, encaracolados, cacheados é um
problema que precisa ser controlado com este produto.
Considerando a metafunção representacional
conceitual, a propaganda apresenta o processo
classificatório. De acordo com Nascimento, Bezerra e
Heberle (2011, p. 9), os classificatórios seriam “processos
que representam participantes arranjados de forma
relativamente simétrica [...] destacando suas
características em comum, que os definem como
pertencentes a uma determinada categoria”. Ainda
segundo Nascimento, Bezerra e Heberle (2011), a
classificação pode correr de forma explícita ou implícita.
Na propaganda em questão, há um processo
classificatório explícito, no qual o produto capilar é
identificado pela marca, linha e função, como também o
público-alvo.
Na figura 3, é apresentada uma publicidade da
marca de cosméticos capilares TRESemmé da linha

124
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

Selagem Capilar, lançada no ano de 2015. Ao colocar a


seguinte frase de efeito na sua campanha de shampoo e
condicionador para cabelos quimicamente tratados,
“Meu cabelo liso ressalta o melhor de mim. Por isso,
gosto dele forte”, podemos perceber um racismo
estrutural, nessa propaganda. A modelo desta
publicação era uma mulher negra, com os cabelos
quimicamente tratados. Assim, faz-nos depreender que
o melhor da mulher negra seria mudar sua estética
natural para se aproximar do padrão de beleza branca,
negando a sua própria beleza ancestral. Essa campanha,
além de negar a estética negra, ao incentivar o
alisamento químico, mostra-nos o quanto o cabelo
crespo é alvo de rejeição e preconceito.
Ao realizar uma análise imagética desta
propaganda publicitária, percebemos que a
representação narrativa se dá por meio da ação não-
transacional, apresentando apenas um vetor e um
participante. Já o processo de reação é transacional, na
qual a modelo interage através da ação expressa no olhar
com o seu observador (interativo). Logo o processo
verbal na imagem, pode ser identificado pela frase “Meu
cabelo liso ressalta o melhor de mim. Por isso, gosto dele
forte”, dando a entender que essa frase foi produzida
pela modelo da propaganda.

125
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

Figura 3: Publicidade de produtos para


cabelos femininos TRESemmé.

Fonte: Revista Forum (2015).

Não obstante, na figura 4, é apresentando outra


propaganda com caso de racismo. Por causa dessa
propaganda, a empresa veio a público para se retratar e
pedir desculpas pelo equívoco. A linha de cosméticos
capilares TRESemmé, da Unilever, no ano de 2020, teve
sua campanha boicotada na África do Sul, após
propagandas racistas, no qual apresentavam duas
mulheres negras com os cabelos naturais e com frizz,
sendo estereotipadas, como cabelo “prejudicado”,
cabelo “com frizz” e sem “brilho”. Porém, logo abaixo, é
apresentada mais duas modelos sendo estas loiras, com
os cabelos lisos sendo indicado como “normal” e “cabelo

126
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

fino e liso”. Esse tipo de campanha, notadamente racista


gerou uma série de protestos, fazendo com que as
vendas e comercialização destes produtos (marca)
fossem proibidos no país.

Figura 4 - Publicidade racista de produtos para cabelos


femininos TRESemmé.

Fonte: Exame Notícia (2020).

Nesta figura 4, a forma representacional narrativa


se dá pelo processo de reação não-transacional, pois não
conseguimos identificar o objeto de olhar das modelos,
uma vez que a imagem não permite tal identificação. A
ação é considerada também não-transacional por
apresentar apenas um vetor e um participante em cada
quadro. Enquanto categoria conceitual, a imagem
apresenta processos analíticos, pois segundo

127
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

Nascimento, Bezerra e Heberle (2011, p. 10), “os


processos analíticos representam os elementos na
imagem em uma relação parte/todo”. Assim, na imagem,
percebe-se uma comparação, detalhando os cabelos das
quatros modelos, em relação à diferença de textura e cor,
objetivando inferiorizar as mulheres negras de cabelos
naturais crespos, como é apresentada em cada fase nos
quadros. Da esquerda para direita, os quadros
superiores, representados por mulheres negras, temos as
seguintes frases: “cabelo crespo e sem brilho” e “cabelo
seco e danificado” (nossa tradução). Logo, nos quadros
inferiores da esquerda para direita, representados por
mulheres brancas, temos as frases: “cabelo normal” e
“cabelo fino e liso” (nossa tradução). É importante
ressaltar, que todos os cabelos são normais, o que existe
são texturas e curvaturas heterogêneas.
Contudo, uma nova história para a maioria das
mulheres negras do Brasil, e de vários outros países, vem
sendo reescrita através do movimento de transição
capilar que surgiu a partir das plataformas digitais e
promove uma ressignificação da estética negra. Esse
movimento, que vem crescendo de forma exponencial,
incentiva a valorização dos cabelos naturais como
símbolo de resgate da ancestralidade que foi negada.
Para atender a esse novo público de mulheres
empoderadas, várias empresas de cosméticos capilares
passaram a promover uma nova cultura em suas
publicidades, como também a investir nas variedades

128
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

dos seus produtos. Atualmente já é possível o acesso a


produtos para o tratamento de cabelos ondulados,
crespos, encaracolados e cacheados em supermercados
e, com preços acessíveis.

Figura 5- Publicidade da linha de produtos para cabelos


femininos Salon line.

Fonte: RevistaPress (2019).

A figura 5 apresenta a marca de produtos


capilares Salon Line, que lançou no ano de 2019, uma
linha de cosméticos capilares específicos para mulheres
negras, fazendo uma homenagem às maiores
consumidoras do país, considerando que a maior parte
da população brasileira é negra, como reconhece a
própria empresa. Na campanha, a frase marcante
“Nossas raízes são fortes. Na vida e na cabeça”, faz uma

129
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

referência a vida dos negros, constituída de muitas lutas


e de resistência, desde o período escravocrata. Desse
modo, o cabelo seria uma metáfora, por representar um
símbolo de resistência, uma vez que o cabelo comunica
muito sobre uma cultura ética e política.
A imagem da figura 5 apresenta um processo de
reação transacional. Nesse processo, o vetor está se
comunicando através da linha do seu olhar, passando
uma ideia de confiança, empoderamento e firmeza,
demandando oferta. Em relação ao processo verbal, é
apresentado uma frase de efeito “Salon Line Celebrando
rainhas crespas e cacheadas”. Considerando a forma
representacional conceitual, o processo analítico é
observado em relação à posição da modelo negra no
centro da imagem, sendo ela o destaque, enquanto os
produtos da empresa são apresentados em uma posição
ao lado esquerdo da imagem, com menos destaque em
relação à modelo. Outro ponto em destaque na
publicidade são as cores, passando uma ideia de
diversidade.
Na figura 6, temos mais uma campanha
publicitária da Salon Line. Desta vez, a linha de produtos
capilares vem quebrando paradigmas e estereótipos,
valorizando a diversidade não só dos cabelos das
mulheres negras, como também normalizando os
corpos, pois as propagandas publicitárias manipulam a
imagem. Por mais que em tais propagandas sejam com
modelos negras, estas eram, na maioria dos casos,

130
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

sempre apresentadas com corpos magros, nariz fino,


pele homogênea, entre outras características. Entretanto,
sabemos que esse padrão de beleza não corresponde à
realidade de muitas mulheres. Neste sentido, com
intuito de promover a diversidade, a Salon Line, que é
uma empresa pioneira em trazer produtos
especializados para cabelos crespos e cacheados para o
Brasil, no ano de 2020, lança a linha #Todecacho, em
comemoração aos 5 anos de sua existência.

Figura 6 - Publicidade da linha de produtos para cabelos


femininos Salon line.

Fonte: Grandes Nomes na Propaganda (2020).

Na figura 6, apresenta um processo


representacional narrativo, no qual a ação expressa na
imagem se dá através do olhar da modelo, indicando um
processo de reação transacional. Na imagem, apresenta-

131
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

se também um processo verbal, onde a frase de efeito “a


primeira que pensou em você” passa a ideia de diálogo,
da modelo negra com o participante interativo. Percebe-
se também, na publicidade, um processo conceitual
classificatório explícito, ao apresentar, no lado esquerdo
da imagem, vários produtos da linha, sendo
classificados por nomes, cores e funções distintas.
Nessa perspectiva, percebemos que, ao longo das
análises multimodais, que os recursos visuais nos dizem
muito, mesmo sem o auxílio da linguagem verbal. As
imagens, como forma de comunicação, apresentam-nos
discursos que não são neutros. Assim, elas promovem
ideologias e, como símbolo político, registram a
historicidade cultural de uma sociedade.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este presente estudo buscou, de forma reflexiva,


apresentar algumas análises de textos multimodais de
propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos, dos lisos ao processo de transição para o afro,
utilizando, como aporte teórico-metodológico, a
Gramática do Design Visual, de Kress e van Leeuwen
(2006), tentando refletir como as publicidades
influenciam no comportamento do público consumidor
feminino.
Nesse estudo, pudemos perceber como o racismo
estrutural influenciou e ainda influencia nas

132
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

propagandas publicitárias de cosméticos capilares no


nosso país, incentivando muitas mulheres a
modificarem a sua estética capilar, para se sentirem
aceitas dentro de um padrão de beleza imposto pela
branquitude. Não obstante, ao longo de um processo de
muita luta e resistência, o movimento político e social de
transição capilar, que surge nas mídias sociais, passou a
ganhar força e voz, fazendo com que muitas indústrias
de produtos capilares repensassem as suas políticas,
ressignificando as suas propagandas e produtos para
atender a esse público de mulheres empoderadas.
Portanto, por meio da GDV, tivemos a
oportunidade de analisar, imageticamente, propagandas
de algumas marcas de produtos capilares que
carregavam e propagavam discursos racistas e
preconceituosos. Muitas vezes, esses discursos são
neutralizados pela sociedade. Contudo, apresentamos
também análises de empresas que promovem a
valorização e a diversidade da mulher negra, por meio
de propagandas que perpassam desde a sua
heterogeneidade capilar, como também a normalização
de seus corpos.
Assim, ao final dessas análises, pudemos concluir
que, por mais que os elementos visuais não nos digam,
de forma explícita, por meio da linguagem verbal, os
estudos de Kress e van Leeuwen (2006), mostraram-nos
que as imagens são dotadas de significados e de
discursos que não são neutros, representando uma

133
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
femininos: dos lisos ao processo de transição para o afro

forma de comunicação que, de acordo com Silva (2020,


p. 17), “estão inseridos em práticas sociais, políticas e
culturais”, influenciando nas escolhas e tomadas de
decisões dos sujeitos.

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138
Cap. 3 - Análise multimodal de propagandas de produtos capilares para cabelos
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jan. 2022.

139
Retornar ao Sumário
CAPÍTULO 4

ESTEREÓTIPOS E RESISTÊNCIA FEMININA: UMA


ANÁLISE MULTIMODAL E DISCURSIVA DO
VIDEOCLIPE GUETO

Marcela Aianne Rebouças


Iasmim Cristina de Sousa
Edgley Freire Tavares

Videoclipe Gueto
Canção
Estereótipos femininos
Resistência

143
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

1 INTRODUÇÃO

A história nos mostra que o espaço concedido à


mulher na sociedade sempre foi mínimo, resumindo-se
ao cumprimento de papéis específicos – em sua maioria,
voltados para o casamento, atividades domésticas e
satisfação do marido. Ficando em segundo plano, a
mulher era uma figura subalternizada que devia
contentar-se com o silenciamento da sua voz. Aquela que
se contrapunha a tais ideais estabelecidos e os
transgredia era designada como anormal, histérica e/ou
rebelde. Séculos não foram capazes de arrancar pela raiz
essas construções sociais androcêntricas que ainda hoje
justificam a resistência a certas vontades de verdade que
estipulam formas ideais de conduta feminina.
Apesar de muito ter sido conquistado no que
concerne à igualdade de direitos e deveres entre os
sexos, observamos, ainda em nossos dias, o reverberar
de pensamentos machistas que visam oprimir e diminuir
as mulheres. A crítica se faz necessária diante da
remanência de manifestações de linguagem que ainda
atestam o solo frutífero em que se difundem ideias
limitantes, preconceituosas e misóginas, sintomáticas de
relações de saber e poder que buscam ainda hoje validar
desigualdades de gênero e sexualidade. Inspira-nos,
como esperamos mostrar ao longo deste texto, as teses
foucaultianas que provocam uma nova imaginação na
ordem desses discursos e práticas, a exemplo de uma de

144
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

suas máximas que assevera: “onde há poder, há


resistência” (FOUCAULT, 1988, p. 104). É nesta direção
que o presente percurso analítico considera a polissemia
das formas de saber femininas e a possibilidade de
descontinuidade de um discurso androcêntrico e
patriarcal a ser desconstruído por formas discursivas de
contradiscurso e resistência.
Sob este pano de fundo, as manifestações de
linguagem que irrompem da dimensão artístico-musical
nos chamam a atenção e são, neste artigo, o objeto
central. Em concordância com Kress e van Leeuwen
(2006), observamos que a arte articula posicionamentos
ideológicos e políticos em suas manifestações, o que
torna possível estabelecer a crítica dos jogos de saber e
poder do nosso tempo elegendo o discurso da arte como
expressão de contraconduta, racionalidade outra, que
resiste às imposições de sentido e a formas de governar
a vida, as condutas e o pensamento. Por isso,
selecionamos o videoclipe da canção Gueto, da cantora
brasileira Iza para, a partir de alguns recortes,
estabelecer uma crítica discursiva e multimodal por
meio da descrição de cenas do vídeo e de aspectos
linguísticos da letra da composição. Ambicionamos, com
isso, descrever como a audiovisualidade e a letra da
canção fazem uma representação da realidade das
mulheres negras na sociedade brasileira e identificar as
marcas de resistência frente aos estereótipos inscritos
historicamente nos corpos das mulheres. Esperamos

145
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

demonstrar, diante das disparidades sociais, econômicas


e culturais denunciadas no enunciado artístico
analisado, o modo como as mulheres negras precisam se
esforçar muito mais do que os homens ou até mesmo
mais do que suas congêneres brancas para alcançar
reconhecimento e liberdade de escolha.
Kress e van Leeuwen (2006) apontam que
significações são culturalmente construídas,
determinadas pelos quadros de referência simbólicos de
uma época, algo que atesta a dimensão histórica das
formas de representação. Tal fundamento nos interpela
a problematizar a estrutura e o funcionamento da
discursividade do videoclipe da artista brasileira em sua
condição de acontecimento semiológico histórico. Desta
forma assumimos o diálogo teórico entre Kress e van
Leeuwen (2006), que embasam a leitura analítica das
imagens pela gramática visual e o repertório dos estudos
discursivos de matriz francesa, sobretudo as teses de
Foucault (2020), que torna possível interrogarmos as
formas discursivas problematizando as condições
históricas de emergência dos enunciados e da
arquitetura semântica da nossa cultura.
Mostraremos, então, com a análise do videoclipe
Gueto, os efeitos de sentido que se edificam e as formas
históricas que permitem tal significação, ou seja, as
condições sociais e econômicas, de saber e de poder
culturalmente estabelecidas, que possibilitam a
discursividade nas cenas e na letra da composição

146
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

musical. Assim, levamos em consideração o contexto de


produção nacional, enfatizando principalmente o lugar
da mulher negra na sociedade brasileira – estereótipos,
normas de conduta, condições de vida e perspectivas
atreladas a isso – e o relacionamos aos aspectos
comunicacionais (visuais e verbais).
Para a condução da análise foi necessário
estabelecer alguns recortes e delimitar o objeto analítico,
estabelecendo-se com isso, uma concordância com Kress
e van Leeuwen (2006) sobre a análise ser guiada por uma
seleção e uma delimitação. De maneira similar, Foucault
(2020, p. 36) nos diz que é impossível “descrever, sem
limites, todas as relações que possam assim aparecer. É
preciso, numa primeira aproximação, aceitar um recorte
provisório”. Dito de outro modo, nosso percurso
analítico, ao aceitar como premissa que a análise
discursiva é a descrição da dispersão histórica e
enunciativa no arquivo (FOUCAULT, 2020),
circunscreveu a análise à descrição da estrutura e do
funcionamento multimodal e histórico do vídeo Gueto,
recorrendo à associação enunciativa como aspecto
metodológico para estabelecer a relação deste
acontecimento discursivo com outros, perspectiva
analítica a partir da qual pudemos estabelecer uma
crítica a jogos de saber e poder de longa duração que
produziram imagens negativas e limitadoras da
experiência subjetiva feminina.

147
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

Antes de passarmos adiante, cabe esclarecer que


dividimos o artigo em seções, sendo a primeira um
apanhado geral das premissas e fundamentos teóricos e,
as demais, estão centradas na escrita da análise
propriamente dita.

2 ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DE
UMA ANÁLISE MULTIMODAL E DISCURSIVA

No empreendimento de uma análise multimodal,


que descreve aspectos linguísticos e visuais, tomamos
por base a abordagem de Kress e van Leeuwen (2006)
cujo alicerce é composto pelas noções desenvolvidas por
Halliday em sua Gramática Sistêmico-funcional. Em seu
modelo, porém, Kress e van Leeuwen atualizam os
conceitos delimitados pelo linguista e propõem a
Gramática do Design Visual (doravante GDV). Essa
gramática não tem um caráter normativo, mas, ao
contrário, tem o objetivo de servir de base para leituras
semióticas, apontando conceitos que podem ser úteis na
análise das significações, direcionando-as.
Os autores elencam a noção de sign-maker para
definir aquele que produz uma representação. Por trás
de cada representação feita pelo sign-maker há um
interesse influenciado pelo cenário sociocultural do
indivíduo, que convenciona o que é mais apropriado em
determinadas situações (comunicacionais ou não).
Articulando o repertório teórico aqui assumido, a

148
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

cultura é, podemos reiterar, condição de possibilidade


de representações e significações (KRESS, VAN
LEEUWEN, 2006). Intrínseco a cada representação, o
aspecto cultural também impõe limites, similar a uma
voz que ecoa suavemente, ditando as convenções e sua
aceitabilidade em uma região.
Na relação dos significados com uma rede de
potencialidades – cultura, história e relações sociais –
permitindo determinadas leituras e não outras,
percebemos uma convergência entre o pensamento dos
semioticistas e o pensamento foucaultiano. O filósofo
francês, ao tratar do discurso, argumenta com muita
ênfase sobre o primado das condições de possibilidade
para a emergência de certos enunciados. Segundo
Foucault (2020), não se pode dizer tudo a qualquer
tempo ou em qualquer lugar, visto que é preciso
respeitar a ordem do discurso. Essa ordem restringe,
interdita e permite o sentido. “Como apareceu um
determinado enunciado e não outro em seu lugar?”, é o
que Foucault (2020, p. 33) indaga para demonstrar a
necessidade de olhar para o horizonte de acontecimentos
discursivos, suas condições de existência, suas relações e
sua singularidade em meio a outros enunciados.
Nessa trama de relações, vemos estabelecer-se
mais um ponto em comum entre o pensamento
foucaultiano e o de Kress e van Leeuwen. Ao definirem
como semiotic landscape (panorama semiótico) o
horizonte de possibilidades que se abre em torno do

149
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

dizível e do sentido, os semioticistas fazem uma


ilustração: assim como uma região pode apresentar um
tipo de solo fértil e propício para o cultivo de
determinadas plantas, uma cultura pode tornar fecunda
ou não o(s) significado(s) de uma imagem por meio de
seus preceitos e características. Valores culturais e sociais
influenciam as potencialidades de significação,
conforme Kress e van Leeuwen (2006), por isso o feixe de
relações sociais implica o modo como as definições são
realizadas e o modo como os discursos na vida social são
assumidos. Em concordância, podemos lembrar o que
diz Foucault (2020, p. 135) quando assevera que pode
haver “nas condições de emergência dos enunciados,
exclusões, limites, ou lacunas que [...] impedem certas
formas de utilização”. Desse modo, há um limite do que
se pode depreender de uma manifestação ou sequência
discursiva – seja ela verbal ou visual – e isso é
estabelecido pelas condições históricas, sociais e
culturais. Em análise do discurso, há uma
indissociabilidade fundamental entre as práticas
discursivas e as condições históricas de possibilidade,
aspecto que está no cerne da crítica que o linguista faz às
questões sociais relevantes do seu tempo.
As confluências apresentadas aproximam os
teóricos – embora venham de posições distintas –, e
tornam possível uma atualização, neste artigo,
ampliando o escopo analítico de ambas as perspectivas.
Assim, ao longo de nossas considerações analíticas

150
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

estabelecemos um diálogo entre o pensamento


foucaultiano e a GDV. Para isso, nos valemos de algumas
categorias centrais: para a abordagem multimodal, os
conceitos de denotação e conotação, participante,
demanda e oferta, significados das cores e simbolismo
iconográfico; para a abordagem histórico-discursiva, de
inspiração foucaultiana, sobretudo, os conceitos de
enunciado, relações de poder-saber, docilização e
resistência.
A denotação, segundo Kress e van Leeuwen (2006),
relaciona-se com a percepção da realidade. Assim, as
imagens que apresentam um caráter denotativo, não
apresentam uma ideia abstrata, e sim um tom mais linear
ou literal sobre a realidade. Em contrapartida, aquelas
que têm um teor conotativo carregam uma representação
simbólica, como valores e ideias que demandam pensar
para além do sentido usual ou primeiro, forçando a
leitura a associar o iconográfico com uma série de outras
visualidades e ideias correlatas sem as quais o sentido
não se torna possível. Neste segundo nível, o significado
vai além do aspecto visual e dos elementos dispostos na
imagem – há uma associação histórica, social e cultural
que leva a determinadas associações.
Os participantes são categorias de ampla
classificação na GDV, mas em síntese, podemos dizer
que se tratam dos integrantes da imagem – não
necessariamente pessoas, mas o(s) elemento(s) que
recebe(m) maior destaque, pelo tamanho, coloração,

151
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

composição e foco que recebe(m). Quando uma imagem


tem apenas um participante, ele é chamado de ator,
fazendo com que a representação imagética seja
classificada como não-transacional. Uma vez que não há
interação direta ou objetivo para com outro ator por
meio de movimentos (vetores), Kress e van Leeuwen
(2006) comparam esse participante a um verbo
intransitivo, pois, de forma similar, a imagem que
apresenta apenas um participante (ator) tem seu sentido
completo, sem necessitar de outro integrante. Quando
houver dois ou mais participantes, por outro lado, temos
uma representação interacional, em que um participante
é o ator principal e o outro se caracteriza como a
finalidade (no original em inglês, Goal) de uma ação
(vetor) realizada pelo ator. Semelhante a um verbo
transitivo, que precisa de um objeto para completar seu
sentido, o participante secundário dá suporte à
representação por meio de sua interação com o principal
e isso caracteriza a imagem como um processo narrativo.
Contudo, não somente representações com mais de um
participante são classificadas desta forma – na realidade,
o que garante tal classificação é a presença de um vetor,
ou seja, a indicação de um movimento da imagem –,
mesmo as representações com apenas um participante
podem ser caracterizadas como narrativas, desde que
seja apresentado usando o corpo, movimentando-se.
O modo como os participantes são apresentados
nas imagens, para além dos movimentos que nos são

152
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

indicados, contribuem para o nível de interação que o


observador estabelece com eles. Em muitos casos, somos
estimulados a nos relacionar com o participante pelo seu
olhar. Quando a imagem apresenta um ator que nos olha
diretamente, Kress e van Leeuwen (2006) pontuam que
o participante está em demanda, exigindo uma interação
direta com aquele que observa. Por outro lado, se não é
estabelecida uma conexão visual direta – quando o
participante desvia o olhar – os autores o caracterizam
como estando em oferta. Isso põe o participante como
objeto a ser observado e admirado, como uma obra de
arte.
As cores também cumprem um papel importante
na leitura que se realiza de uma imagem. Fortemente
atreladas a construções e valores culturais, elas podem
remeter a significados diferentes. Cores mais claras, na
cultura ocidental, por exemplo, geralmente são
associadas ao bem, enquanto cores escuras ao mau; tons
mais quentes e saturados trazem a ideia de intensidade
e animação, já os tons mais frios, por sua vez, de
brandura e docilidade. Assim como as cores, o
significado que os ícones apresentados na imagem
recebem pode variar, de acordo com a cultura. Os
elementos visuais – sejam logomarcas, bandeiras,
desenhos ou símbolos religiosos – podem representar
ideias, valores e princípios que ampliam o sentido e a
interpretação de uma imagem.

153
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

Todos os conceitos apresentados fazem parte de


apenas uma pequena parcela daqueles que compõem a
Gramática do Design Visual, mas, neste artigo, cumprem
o seu propósito ao ampliar as possibilidades de
descrição da materialidade discursiva tomada como
objeto desta escrita de análise do discurso, com ênfase no
pensamento foucaultiano. Os enunciados, de acordo com
Foucault (2020), são acontecimentos discursivos que
perpassam os aspectos estruturantes da linguagem e sua
analítica implica considerar que é o nível histórico e
semiológico do enunciado que possibilita o
funcionamento dos signos numa frase, ato de fala, numa
imagem ou performance
A emergência do enunciado presume mais que a
materialidade da forma, já que Foucault (2020) sempre
enfatiza que o enunciado é uma função exercida por
meio de regras históricas de um saber ou modo de fazer
culturalmente estabilizado. O enunciado, entre a
estrutura e a função, é de parte a parte histórico,
deslocamento de uma forma de pensar e fazer ver, e sua
compreensão envolve necessariamente a associação com
outros enunciados, acontecimentos e jogos institucionais
outros.
Segundo Foucault (2020), o conjunto dos
enunciados que apresentam uma regularidade formam
os discursos. Nas teses foucaultianas, o discurso tem
sempre uma carga de um saber que se manifesta, ao
passo que o “discurso pode ser, ao mesmo tempo,

154
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

instrumento e efeito de poder” (FOUCAULT, 1988, p.


101), servindo como um vetor de disseminação, ele pode
se caracterizar como objeto de uma luta (FOUCAULT,
2009, 2020) e uma forma de resistência. O poder, no
pensamento foucaultiano, “está em toda parte” e “vem
de todo lugar” (FOUCAULT, 1988, p. 101), isto é,
estabelece-se através de relações, em diversos níveis e
instâncias, discursivas e não discursivas. É por meio das
relações de poder e das relações de saber, visto que as duas
dimensões são indissociáveis, que formas de objetivação
e mecanismos disciplinares são aplicados, visando
tornar os corpos dóceis e úteis (FOUCAULT, 2014).
Frente aos processos de docilização – constituída por
técnicas que ambicionam controlar e tornar os corpos
úteis e predispostos a determinados propósitos – emerge
a resistência. Contrapondo-se às interdições e regras que
definem o lícito e o ilícito, o normal e o anormal, a
resistência é uma reação produtiva, que gera novas
relações de poder e instituir descontinuidades nas
formas de saber que deslegitimam a vida política
democrática (MOUFFE, 2015). Deste modo, como
veremos, o vídeo em análise é a materialização de jogos
de saber e poder outros, que desconstroem imagens e
correlações de força que ofuscam os modos de ser em
liberdade.
Assim, com base nos conceitos acima
mencionados, podemos perceber em alguns enunciados
– como é o caso aqui em estudo – uma discursividade

155
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

que põe em cena as relações de poder-saber em torno da


mulher negra e revela, por meio de sua materialidade
verbal e visual, os processos históricos, sociais e culturais
que se atualizam em nossos dias e tornam necessários os
movimentos de resistência.
Ao empreender, portanto, uma análise histórica,
discursiva e multimodal considerando os efeitos de
sentido no sincretismo entre o verbal e o não verbal
(FOUCAULT, 2020; KRESS & VAN LEEUWEN, 2006),
de forma específica, selecionamos duas cenas do
videoclipe Gueto, disponível na plataforma digital
YouTube. Nesse processo, percebemos, além de questões
de cunho social, a historicidade que se concretiza e pode
ser observada por meio do interdiscurso. Perpassando
barreiras geográficas, esse conjunto de já-ditos evidencia
uma relação de vizinhança enunciativa entre o vídeo da
canção e uma produção cinematográfica da Disney, o
filme Cruella. Conforme feito com o videoclipe,
selecionamos uma cena do longa-metragem e a
incorporamos em nosso percurso analítico.
Aplicando a abordagem metodológica discursiva
e multimodal já mencionada, realizamos também, neste
ponto, um cotejamento. Neste processo comparativo, ao
passo que verificamos semelhanças e diferenças entre as
imagens do videoclipe e do filme, visualizamos também
uma regularidade, pois os resultados apontam para um
conjunto de estereótipos no modo como a figura
feminina é representada na sociedade – mesmo em

156
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

circunstâncias, localidades, faixa-etária e épocas


distintas.

3 A MULHER COMO VILÃ: CONSTRUÇÕES


HISTÓRICO-SOCIAIS E SEU REVERBERAR NA
ATUALIDADE

Ao longo da história, diversos fatores foram


determinantes para definir o lugar concedido a um
indivíduo na sociedade. Gênero, raça e classe eram
elementos que se erigiam como muros intransponíveis,
impossibilitando, além de uma participação efetiva na
vida pública, o direito à voz e à vida digna. Todos os que
não fossem homens brancos e com notório poder
aquisitivo enfrentavam desafios. Historicamente, um
não-lugar se constituiu para aqueles que não
representavam o ideário branco, masculino,
heteronormativo e burguês; também no decurso, apesar
de não termos alcançado uma efetiva disposição política
democrática aberta às diferenças de gênero, classe e raça,
formas de luta e resistência estão se consolidando.
Nesse sentido, a mulher sempre recebeu – em
esfera pública e privada – imposições que designavam
seu papel na sociedade, diferenciando e também
distanciando-as dos homens, que ocupavam os lugares
de destaque e prestígio na vida pública. Essa máxima
incontestável, porém, necessita de um parêntese.
Durante um tenebroso e cruel período da humanidade,

157
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

homens e mulheres negros compartilharam dos mesmos


deveres, sem distinção: o período da escravidão. Se havia
distinção entre os papéis dos senhores de terra e suas
esposas, que tinham sua atenção voltada para a boa
condução do lar devido aos ideais de fragilidade
aplicados às mulheres, por outro lado, a dominação
imposta aos negros não deixava margem para tal
diferenciação. As mulheres negras “eram iguais a seus
companheiros na opressão que sofriam; eram
socialmente iguais a eles no interior da comunidade
escrava” (DAVIS, 2016, p. 35).
Durante a escravatura, os negros eram medidos
pela utilidade de seus corpos. Considerados e tratados
de forma desumana, foram silenciados, torturados e
abusados. A dura servidão que lhes era imposta não
deixava espaço para barreiras de gênero. Assim,
enquanto as mulheres brancas eram cercadas pelos
ideais de feminilidade e pelos saberes que as
resguardavam de atividades pesadas e as tornavam
inferiores em diversos sentidos aos homens, ao corpo
das mulheres negras eram aplicadas cruéis disciplinas.
As punições aplicadas a elas “ultrapassavam em
intensidade aqueles impostos aos homens, uma vez que
não eram apenas açoitadas e mutiladas, mas também
estupradas” (DAVIS, 2016, p.36), o que, por sua vez,
servia como um modo de lembrá-las de seu gênero que,
embora fosse tratado sem distinção no que se referia ao
trabalho forçado, ainda apresentava diferença perante os

158
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

homens. O abuso sexual servia então, na visão dos


estupradores, como um mecanismo de punição e
controle, que visava apagar sua força por lembrar da
distinção estabelecida entre os sexos e barrar formas de
resistências, incutindo uma subjetividade de
passividade e fraqueza. Assim, quando não eram vistas
pela força de trabalho, eram encaradas pela ótica
biológica da reprodução, que as reduzia a meras
procriadoras de mais escravos.
Estabelecia-se então uma diferenciação entre
mulheres brancas e negras, exercida por relações de
poder e dominação, respectivamente. Ambas, nas
diferentes situações que se encontravam, resistiam. Ao
dizer isso, porém, não pretendemos fazer uma
comparação equiparada. As dolorosas experiências das
mulheres negras escravizadas fizeram com que
desenvolvessem traços de personalidade que as
distinguiam da maioria de suas congêneres brancas
(DAVIS, 2016). Embora as mulheres brancas tenham
resistido a diversos exercícios do poder – como as
constantes características de maternidade, feminilidade
e docilidade que eram encorajadas a desenvolver – e sua
luta tenha sido importante e necessária, o jugo imposto
aos negros, no período da escravidão, jamais poderá se
comparar a nenhum outro. Trazemos este exemplo,

159
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

contudo, para demonstrar a raiz da distinção racial que


se firmou e continua a reverberar até nossos dias.
Aos métodos atrozes de dominação, uma forma
de exercício do poder que quase não deixa margem para
luta por seu caráter tão fortemente consolidado, a
resistência se fazia presente. Essas mulheres, que
quebraram correntes e demonstraram uma força sobre-
humana através de sua constante luta, abriram o
caminho para que outras pudessem pensar em modos de
se erguer. Como assevera Davis (2016, p. 41),

Foram essas mulheres que transmitiam para suas


descendentes do sexo feminino, nominalmente livres,
um legado de trabalho duro, perseverança e
autossuficiência, um legado de tenacidade, resistência
e insistência na igualdade sexual – em resumo, um
legado que explicita os parâmetros para uma nova
condição da mulher.

Um dos efeitos da segregação racial que tem sua


raiz no período da escravidão e cujo exercício continua
vigorando, ainda que de maneira menos explícita, refere-
se aos ideais patriarcais que caracterizam e diferenciam
as mulheres, prescrevendo normas de conduta e
demarcando os limites do caminho que podem percorrer
e alcançar – tanto no âmbito privado quanto público. Em

160
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

se tratando de estereótipos, predominou, ao longo do


tempo, um saber ideologicamente sexista que dita
características e traços de personalidade femininos. A
mulher, nessa visão, deve ser doce, meiga, sutil, quieta,
tendo como epítome de sua vida a maternidade e a
dedicação à família. Essa “receita” construída ao longo
dos séculos excluiu, em alguns períodos, a mulher negra.
Encarada como forte e resistente, não sobrava lugar para
a dócil feminilidade imposta às suas congêneres – a luta,
mesmo depois da abolição formal da escravidão,
continuou, dessa vez para derrubar barreiras invisíveis
que impediam direitos justos.
Na canção e videoclipe Gueto, composta cerca de
dois séculos após o que se coloca como fim da
escravatura, percebemos o reverberar do preconceito e,
sobretudo, das dificuldades impostas aos negros.
Especificamente, como veremos neste ponto, as
mulheres negras continuam a enfrentar o peso das
imposições sobre seus corpos – não em relação aos
homens, com os quais outrora foram igualadas,
desconsiderando sua natureza, mas às suas congêneres
brancas. As comparações que se estabelecem têm por
base a construção histórica do que é considerado bom,
belo e aceitável em nossa sociedade, que caracteriza tudo

161
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

aquilo que destoa do padrão como estranho, feio e até


mesmo mau.
Na imagem abaixo, trazemos a cena inicial do
videoclipe.
Figura 1 – Cena inicial.

Fonte: youtube.com/watch?v=GwcvcTVbji0

Na captura de tela do vídeo é apresentada a


cantora Iza como participante (KRESS, VAN LEEUWEN,
2006). Ao chegar no local, que representa uma área
ocupada pelas camadas mais pobres da população – uma
favela ou, tal como sugere o título da canção, um gueto
– dirigindo um Porsche cor-de-rosa, acompanhada por
três cães, percebemos no jogo imagético uma ação
destoante do usual da sociedade capitalista: uma mulher
negra exibe status e sucesso financeiro. Pelo conversível
de luxo em tom pastel e seu valor (avaliado em, no

162
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

mínimo, meio milhão de reais), a participante, que está


em demanda (KRESS, VAN LEEUWEN, 2006),
requerendo pelo olhar uma interação direta com o
observador, põe-se numa posição de autoridade. Pela
sua postura, a cantora exige ser vista, passando uma
mensagem que, pelo viés seguido pela canção (em sua
composição verbal e visual), pode ser lido pela ótica da
mulher que não segue o padrão pré-estabelecido para
ela, uma mulher negra e oriunda de uma região
marginalizada.
Além da imagem, os versos iniciais da canção
(“Olha quem chegou / É fogo na Babilônia) aliam-se para
uma transgressão dos valores de feminilidade – que
desconstroem as imagens de submissão e fragilidade.
Pelo que ecoa através de sua voz, indicando sua chegada
marcante, e pelo modo impetuoso de se posicionar, a
participante se coloca não apenas como alguém que
deseja ser vista e reconhecida pela sociedade, mas
também ouvida. A imagem e seus elementos, então,
remetem à força feminina, característica que,
historicamente, marca a vida das mulheres negras pelas
lutas que travaram em busca de igualdade. Enquanto
suas congêneres brancas batalhavam contra as
características que prescreviam a conduta ideal da
mulher, como a devoção à família e as tarefas do lar, as
negras, a quais tais ideais não se aplicavam (devido aos
resquícios do período da escravidão), precisaram se
contrapor e demonstrar força. A composição verbo-

163
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

visual irá, portanto, atualizar esses efeitos de sentido


historicamente constituídos e agregará outros tons,
outro colorido conotativo da imagem de mulher negra,
livre, forte, culturalmente e financeiramente
estabelecida.
Na imagem, os elementos semióticos dialogam
entre si, nos fazendo perceber o atributo da força sendo
reforçado pelo grafite estampado na parede ao fundo, na
imagem da pantera negra denotando um trabalho sobre
a memória. Representada em posição de confronto,
conforme indicam os vetores (KRESS, VAN LEEUWEN,
2006), e a feição feroz, o elemento deixa margem para
uma leitura que se volta para a condição das mulheres
negras, que precisam estar sempre prontas para lutar
pelo seu espaço. Conforme pontua Davis (2006, p. 232),
no passado, “elas tiveram de se tornar fortes, porque sua
família e sua comunidade precisavam de sua força para
sobreviver”, e hoje não é diferente. A cena inicial
explicitamente produz uma descontinuidade de saber e
de poder, pois atualiza práticas e discursos
historicamente instituídos, fazendo-os girar no presente
de outra forma, tensionando diferenças.
Os fios do interdiscurso também nos permitem
ligar a imagem do animal no videoclipe ao movimento
social que surgiu em 1966, nos Estados Unidos, os

164
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

Panteras Negras2. Diante da ferrenha discriminação


racial, o grupo objetivava confrontar e combater práticas
racistas que discriminavam, segregavam e violentavam
os negros. Sua luta, que inicialmente seguia por vias
físicas de combate, reagia com ferocidade aos ataques –
como era sugerido por seu símbolo: uma pantera. Com o
tempo, o grupo ganhou notoriedade, tornou-se um
partido político e passou a agregar reivindicações para a
população negra, visando sua melhoria de vida, a
ampliação de oportunidades e o exercício da igualdade.
Mesmo tendo sido dissolvido, suas ações e ideais de
referência ainda ecoam e são um registro da resistência
vivaz dos negros – que continua a se fazer presente em
nossos dias, como é o caso demonstrado no videoclipe.
Ainda, ao visualizar a figura 1, a memória
discursiva (ORLANDI, 1999) entra em cena, fazendo
evocar, pelos elementos ali dispostos, uma representação
feminina conhecida por sua conduta desviante: a
personagem dos filmes e desenhos animados, Cruella De
Vil. Segundo as histórias em que a personagem aparece,
Cruella é uma mulher branca de boa posição social e
financeira, a notar por sua vestimenta requintada,
marcada por casacos de pele, pelos automóveis que
dirige e pelo local onde vive.

2Informações disponíveis em:


https://www.ucpress.edu/blog/25139/the-black-panther-partys-ten-
point-program/. Acesso em 02 mai. 2022.

165
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

As histórias narradas nos filmes do universo


cinematográfico da Disney, no entanto, são muitas, e
deixam margem para diferentes leituras. Recentemente,
no ano de 2021, a vilã ganhou um live-action, revelando
outra versão da famosa Cruella (figura 2). No filme,
conhecemos a origem da elegante vilã apresentada nas
demais produções, em que apenas a face má, egoísta e
superficial é revelada. Envolto de flashbacks, o novo
roteiro mostra a dura infância de Estella (nome original
da vilã) que, ao ficar órfã, se vê enfrentando desafios
para sobreviver com seus dois amigos (à esquerda e à
direita, em segundo plano, na imagem acima) nas ruas
de Londres, sob péssimas condições.

Figura 2 – Cruella (2021).

Fonte: https://vejario.abril.com.br/criancas/curiosidades-
cruella-disney/

166
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

Em resumo, a trama demonstra o esforço da


personagem para ter suas habilidades reconhecidas,
alcançar seu sonho e, por fim, mudar de vida. Seu
esforço é compensado em meio a muitos percalços e lhe
custa seus traços de personalidade mais “femininos”.
Por se impor e se empenhar arduamente para conquistar
seus objetivos, Estella é encarada por todos – incluindo
seus amigos, apresentados ao fundo da imagem – como
arrogante, ambiciosa e insensível. Transgredindo o
molde de feminilidade imposto pela sociedade, a
personagem é vista sob a ótica do medo, pois não é
encarada como alguém admirável por suas conquistas,
mas como indócil – o que a faz ser personificada no
arquétipo da vilã cruel.
Embora o filme (figura 2) e o videoclipe (figura 1)
estejam ambientados sob diferentes planos de fundo,
percebemos pontos em divergência e em convergência
que atravessam os aspectos visuais. Em comparação, as
participantes das imagens são de localizações
geográficas e etnias distintas, o que justifica, para citar
um exemplo, a disparidade na vestimenta das duas.
Neste ponto, vale observar que Iza utiliza cores vibrantes
num efeito de contraste com o tom de rosa pastel
presente em suas vestes curtas e no veículo – cor
culturalmente associada ao sexo feminino e sua suposta
fragilidade, mas que, quando se une aos demais aspectos
visuais e verbais da canção, contribui para a construção
de outra imagem de feminilidade no vídeo, diferente da

167
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

usual, demonstrando que as mulheres podem ser fortes,


ambiciosas e ainda assim ser femininas. Em
contrapartida, Estella exibe um look longo e preto, que se
estende para sua maquiagem – carregando seu visual
com um tom negativo, uma vez que a cor preta tem uma
carga visualmente mais pesada, remetendo muitas vezes
à força, medo e mistério, entre outras características. As
cores cumprem então um papel importante nas duas
imagens: no primeiro caso, os tons quentes e vívidos
contribuem para trazer animação à cena – o que condiz
com a modalidade do videoclipe musical que apresenta
um ritmo agitado; no segundo caso, o tom frio
predomina na imagem e é intercalado por cores neutras,
como bege, marrom e branco, contribuindo para a
ambientação de um cenário gélido emocionalmente. Em
junção com a cor preta do traje da participante em
primeiro plano, que está em demanda (KRESS, VAN
LEEUWEN, 2006), o ar insensível se une a uma
atmosfera dura e impiedosa, que arquiteta a construção
de uma mulher cruel e sem sentimentos, a vilã da
história.
Para além da significação que obtemos a partir
dos aspectos visuais das imagens, observamos um ponto
em comum entre as duas representações e suas
significações, o que reforça a dimensão histórica e
semiológica das duas imagens femininas pensadas aqui
em associação e em sua condição de acontecimento.
Ambas as participantes, de origem humilde, precisaram

168
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

se esforçar muito para atingir seus objetivos, conseguir


melhorar de vida e mudar sua situação, segundo as
narrativas. Como a ponte3 da canção de Iza demonstra,
(“Então, olha pro alto onde a gente chegou / Eu sou da zona
norte Rio de Janeiro / Então, olha pro alto onde a gente chegou
/ E eu não vou parar”), não é fácil chegar ao topo da
carreira – principalmente se você pertence a três grupos
minoritários: de gênero, de raça e de classe. Aquela que
resiste, não se conformando com as atribuições que lhe
são conferidas, rejeitando a docilidade que tentam
impor-lhe, vai contra uma série de jogos de saber e
correlações de força. Por não seguir o modelo sexista
estabelecido, não se enquadrando no molde, essas
mulheres são estereotipadas e encaradas pela sociedade
como rebeldes e vilãs, como percebemos através das
representações do videoclipe e do filme.

4 O CONTROLE DO CORPO NEGRO: O CABELO

As técnicas de controle aplicadas aos corpos


femininos variaram ao longo dos séculos e assumiram
especificidades ao redor do mundo, de acordo com os
valores socioculturais de cada região. Apesar do decurso
do tempo, podemos observar ainda hoje o exercício
desse efeito negativo do poder em muitos aspectos. Um

3Como é chamada a parte da canção que é diferente de todo os


demais versos e aparece antes ou depois do refrão.

169
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

deles relaciona-se à aparência física. Por meio de


recursos midiáticos, a sociedade continua a propagar
uma imagem da mulher ideal, que segue determinadas
tendências e os moldes de beleza preconizados. Em
específico, aos corpos negros, observamos uma tentativa
de controle que se baseia no eurocentrismo e tenta
impor-lhes suas características. Dentre os muitos
aspectos desse efeito de poder-saber, daremos atenção,
neste ponto, a um que vemos ser retratado no videoclipe
de Gueto: o controle capilar.
Na performance visual da canção, são
apresentados pela principal personagem variadas
representações e variações de caráter capilar.
Inicialmente retratada com o cabelo liso (ver figura 1),
Iza passa por transformações e aparece ao longo do
vídeo com o cabelo loiro, trançado em diferentes estilos
e até mesmo fazendo uso de perucas – algumas com
material sintético como tampas de garrafas e pérolas.
Uma vez que movimentos em prol do uso do cabelo
natural ganharam força e visibilidade nas mídias nos
últimos anos, essas mudanças apresentadas no
videoclipe podem ter a função de reforçar a liberdade de
escolha que as mulheres têm de usar seu cabelo como
quiserem. Dentre as variações de penteados utilizados
pela cantora Iza, no decorrer do videoclipe, cujo efeito de
sentido denota o direito de escolha de todas as mulheres,
evidenciamos a presença de um dos símbolos mais
representativos para o movimento negro: o cabelo afro

170
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

natural. Na imagem abaixo (figura 3), a participante nos


é apresentada com seu cabelo volumoso e em formato
arredondado, característica do penteado conhecido
como black power.

Figura 3 – Cena 01:34.

Fonte: www.youtube.com/watch?v=GwcvcTVbji0

Tendo surgido em meio às lutas pelos direitos


civis e combate à segregação racial, o penteado utilizado
pela cantora na cena do vídeo é considerado um
elemento muito importante para a resistência negra.
Uma vez que destoava do padrão capilar considerado
belo – liso, sem volume e sem frizz – o cabelo crespo
natural era um ato de afronta que despertava
descontentamento e atitudes racistas. Ao passo que
desobedeciam à referência de beleza, fizeram irromper a

171
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

busca pela mudança comportamental e estética na


comunidade negra, que se via obrigada a passar por
procedimentos de alisamento capilar para tentar se
enquadrar, ser reconhecida e deixar de ser alvo de
preconceito. Com isso, contribuíram para a exaltação da
estética natural, reverenciando e valorizando a herança
africana. Os cabelos crespos se tornaram então um
símbolo de resistência social e política.
Na captura de tela do videoclipe Gueto (ver figura
3), a cantora é apresentada como participante interativa
em um processo de ação não-transacional (KRESS, VAN
LEEUWEN, 2006). Sua mão, que está em destaque e
ornada de joias, se caracteriza como um vetor e também
cumpre um fim específico, alinhando-se à mensagem
principal da canção. O fato de a participante ser uma
mulher negra – que se orgulha e faz uso de elementos de
suas raízes, como o seu penteado – em posição de
destaque, mais uma vez, representa um caso fora da
curva. Conforme mencionado anteriormente na figura 1,
pelo automóvel de luxo, a participante, na figura 3, agora
pelo uso dos acessórios, ostenta bens e uma posição
social que normalmente não é alcançada pelas mulheres
negras na sociedade brasileira desde o período da
escravidão e até nossos dias, em que o preconceito racial
ainda produz muitos efeitos que se edificam como
barreiras difíceis de demolir nos modos de subjetivação
femininos.

172
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

Seu olhar sedutor e empoderado direcionado


para o observador em uma interação direta, a põe em
posição de demanda (KRESS, VAN LEEUWEN, 2006) e
reforça a ideia depreendida das imagens anteriores de
que a mulher pode ser forte, se esforçar pelo seu espaço
e ainda assim continuar sendo feminina – mesmo que
não siga o padrão de feminilidade e fragilidade
difundido na sociedade. Assim, observamos a
resistência emergindo por intermédio de uma “voz”
defendendo que as mulheres podem ser o que
desejarem, não se limitando a apenas uma atribuição ou
função. Na imagem, além da sensualidade, outro aspecto
carregado de sentidos é o cabelo black power da
intérprete, que conforme apontou-se anteriormente, é
sinônimo de resistência e empoderamento feminino
negro. A presença do cabelo na cena manifesta um ato
de exercício positivo de poder (FOUCAULT, 1988; 2009),
isto é, mais um aspecto da resistência em forma de
contradiscurso.
Visualizamos assim uma modificação nos papéis
que foram conferidos à mulher negra ao longo do tempo.
Antes encarada pelo viés da força de trabalho ou do
prazer sexual, as mulheres resistiram e continuam a
resistir, contrapondo-se às construções históricas, sociais
e culturais que visam diminuir e oprimir fazendo uso de
todos os recursos que têm à disposição, o que inclui sons,
palavras e imagens.

173
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O videoclipe da canção Gueto demonstra que os


resquícios do período da escravatura ainda podem ser
observados ao redor de todo o mundo e, especificamente
na sociedade brasileira – mas não sem oposição. Para
todo efeito de exercício negativo de poder sobre os
corpos negros, que podem se dar tanto por meio da
discriminação racial que impõe obstáculos na ascensão
de melhoria e qualidade de vida como por meio da
imposição de padrões de beleza eurocêntricos que
desprezam as características, traços e heranças culturais
africanas, surgem efeitos de desobediência e resistência.
No videoclipe, isso é atestado por elementos visuais
como o cabelo black power e a ostentação de bens de luxo,
contribuindo para a construção de uma participante que
não se curva à receita cultural que vem de um passado
marcado pela servidão e submissão.
Ao escolher exaltar suas raízes por intermédio do
discurso artístico-musical e utilizar artifícios semióticos
que evocam a história e os movimentos históricos de
resistência, a cantora confronta o lugar comum que
geralmente lhe é atribuído desde a escravidão da mulher
negra, periférica, marginalizada e sem valor. E, como
que ouvindo através do tempo, as vozes de notáveis

174
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

mulheres que lutaram para terem suas histórias, valores


e culturas respeitadas, a cantora utiliza-se de sua voz
para fazer ecoar e instigar todas as outras a continuarem
a lutar contra as formas de dominação e discriminação
que, apesar do decurso do tempo, continuam
produzindo efeitos na sociedade contemporânea.
Utilizando uma manifestação artística
impregnada de sentidos em sua composição verbal e
visual, a cantora nos faz perceber que a voz da resistência
circula de muitos modos na sociedade, convidando-nos
a um olhar e uma escuta atenta até mesmo nos discursos
que parecem ter apenas uma função, pois, como
inferimos por meio do videoclipe Gueto, a dimensão
artística é envolta de sentidos políticos.

REFERÊNCIAS

CAPOBIANCO, Marcela. Três curiosidades sobre


Cruella, novo filme da Disney. VEJA RIO, 2021.
Disponível em:
https://vejario.abril.com.br/criancas/curiosidades-
cruella-disney/. Acesso em 10 ago. 2022.

175
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo:


Boitempo, 2016.

FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Forense


universitária: Rio de Janeiro, 2020.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula


inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de
dezembro de 1970. Edições Loyola: São Paulo, 2009.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade 1: a


vontade de saber. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1988.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Paz e


Terra: Rio de Janeiro, 2021.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da


prisão. Editora Vozes: Petrópolis, RJ, 2014.

IZA. Gueto (Videoclipe Oficial). YouTube, 2021. Vídeo


(4 min 5s). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=GwcvcTVbji0.
Acesso em 10 ago. 2022.

176
Cap. 4 - Estereótipos e resistência feminina: uma análise multimodal e discursiva do
videoclipe Gueto

KRESS, Gunther. LEEUWEN, Theo van. Reading


images: the grammar of visual design. New York:
Routledge, 2006.

MOUFFE, Chantal. Sobre o político. São Paulo: WMF


Martins Fontes, 2015

ORLANDI, Eni. Análise de Discurso: princípios e


procedimentos. Campinas: Pontes, 1999.

177
Retornar ao Sumário
Capítulo 5

ATOS DE FALA DIRETIVOS E ASSERTIVOS:


ESTUDOS PRAGMÁTICOS DE SEARLE E A
GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL DE KRESS E
VAN LEEUWEN

Joilton Garcia do Amaral


Pedro Adrião da Silva Júnior

Atos de fala
La casa de las flores
GDV
Pragmática
Multimodalidade

179
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A pragmática examina o comportamento do uso


linguístico, levando em consideração a estruturação da
comunicação oral e os implícitos dela resultantes: as
relações dos emissores com suas falas ou com seus
interlocutores, a situação comunicativa etc. Tendo em
mente o uso da linguagem, um indivíduo, ao falar,
produz atos de fala, sendo estes resultantes de ações
verbais. O falante, ao proferi-los, segue regras, ainda que
ele não tenha conhecimento de que as usa e age
conforme essas regras.
Por outro lado, uma construção visual pode
apresentar um entendimento particular de um dado
contexto social da mesma forma que uma construção
verbal. Ambos entendimentos partem de uma ação, a de
pensar. Desse modo, ao comunicar-nos verbalmente ou
visualmente, produzimos intenções, sejam elas
implícitas ou explícitas, pois transmitimos nossos
conhecimentos, externamos nossas ideologias.
Assim, as formas verbais e seus implícitos podem
ser analisados, pragmaticamente, mediante os atos de
fala. Já as formas visuais, a partir dos postulados da
Gramática do Design Visual (GDV), pois apresentam
elementos multimodais responsáveis por identificá-los.
Diante disso, julgamos pertinente unir essas duas teorias
de forma a aprimorar o presente estudo. Nele,
pretendemos realizar uma análise dos atos de fala

180
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

diretivos e assertivos mediante os aportes pragmáticos


de Searle e a metafunção interacional da GDV de Kress e
van Leeuwen.
Tendo em vista o exposto anteriormente, no
tocante à problemática que norteará nossa investigação,
buscaremos responder às seguintes indagações: 1- Quais
os propósitos comunicativos gerados pelos atos
diretivos e assertivos na série La casa de las flores? 2- A
metafunção interacional da GDV é capaz de identificar
elementos implícitos que sirvam para o entendimento
dos atos de fala diretivos e assertivos?
Com isso, como hipótese, partimos dos seguintes
pressupostos: tais atos de fala podem ser produzidos
com o intuito de dar ordens, apresentar a verdade de um
enunciado, desejar algo etc. Em relação aos aspectos
multimodais da metafunção interacional da GDV,
julgamos que ela é capaz de dar pistas para o
entendimento da mensagem que se pretende transmitir,
tendo em vista que analisa o contexto visual em busca de
aspectos que contribuam para o entendimento da
mensagem, como, por exemplo, a forma na qual os
participantes são representados, o destaque dado a eles,
o contato, dentre outros elementos.
Partindo da nossa problemática, nosso objetivo
geral consiste em realizar uma análise dos atos de fala
diretivos e assertivos presentes na série de TV La casa de
las flores mediante os estudos pragmáticos de Searle e da
metafunção interacional da GDV de Kress e van

181
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Leeuwen. Como forma de atingir nosso objetivo geral,


propomos como específicos: catalogar os atos diretivos e
assertivos da personagem Paulina de La Mora na série
La casa de las flores; interpretar os atos de fala diretivos e
assertivos por meio da classificação dos atos de fala de
Searle; e identificar os elementos multimodais da GDV,
de Kress e van Leeuwen, tendo em vista a metafunção
interacional.
Como metodologia, realizaremos uma pesquisa
com uma abordagem qualitativa. Tendo em vista nossos
objetivos, nossa pesquisa classifica-se, ainda, como
descritiva e explicativa. Está assim classificada, haja vista
que, na nossa análise, interpretaremos os atos de fala em
análise baseados na nomenclatura da classificação de
Searle e descreveremos os frames correspondentes ao
momento de realização dos atos diretivos e assertivos
proferidos pela personagem Paulina por meio da
metafunção interacional da GDV de Kress e van
Leeuwen.
Para nosso aporte teórico, utilizaremos autores
como Escandell Vidal (1996) e Searle (1990), com seus
estudos na área da pragmática; além de Kress e van
Leeuwen (2020), com sua teoria da Gramática do Design
Visual (GDV), e Novellino (2007), com sua pesquisa de
dissertação de mestrado.
Este trabalho justifica-se pelo desejo de unificar a
teoria dos atos de fala com a da Gramática do Design
Visual (GDV), posto que ambas analisam os aspectos

182
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

implícitos existentes na transmissão de mensagens


verbais ou visuais, em diversos gêneros textuais e
distintos contextos comunicativos.

2 APORTES PRAGMÁTICOS

Ao expor sua visão acerca do comportamento da


linguagem e dos sentidos que são criados a partir do que
falamos, Wittgenstein (2014) afirma que uma sentença
tem seu sentido definido de acordo com seu uso
particular em dada comunidade. Dessa forma, “não
pode haver definição ostensiva do significado, isto é, que
o significado não deriva dos referentes das palavras [...].
Em toda comunidade de discurso há regras que são leis
sobre elas próprias” (MUNZ, 1999, p.35).
Dito isso, a pragmática surge com a ideia de
examinar o comportamento do uso linguístico,
preocupando-se em introduzir fatores relacionados à
organização de uma comunicação oral e o que dela são
implicados; focando nos aspectos linguísticos inerentes
ao contexto em uso, além de focar nas ligações existentes
entre os emissores e o que é dito (REYES, 1994).
Tendo como campo de estudo o uso da
linguagem, nos mais diversos contextos, tomando em
consideração a forma de se comunicar entre os falantes,
a pragmática “diz respeito à relação dos signos com seus
usuários e a como estes os interpretam e os empregam”
(SOUZA FILHO, 2006, p. 218).

183
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

O objetivo principal dessa área é estudar as


concepções do uso da língua em seu contexto
comunicativo (ESCANDELL VIDAL, 1996), ou melhor, a
pragmática considera “as condições que determinam
tanto o uso de um enunciado concreto por parte de um
falante concreto em uma situação comunicativa
concreta, como sua interpretação por parte do
destinatário”4 (ESCANDELL VIDAL, 1996, p. 14). Dessa
forma, toma como elementos básicos fatores
extralinguísticos, tais como o emissor, o destinatário, a
situação comunicativa e o enunciado.
Em um sentido mais amplo, Gibert Escofet (2014,
p. 39) classifica a pragmática como “o estudo dos
princípios do uso da língua na comunicação” 5,
afirmando que ela está fundamentada no
estabelecimento de relações entre a linguagem e o
contexto em seus usos comunicativos.
Assim, por todo o exposto, podemos
compreender que há várias classificações acerca da
pragmática, todavia, todas elas estão direcionadas para

4 Todas as traduções foram realizadas pelos autores. Texto original:


las condiciones que determinan tanto el empleo de un enunciado
concreto por parte de un hablante concreto en una situación
comunicativa concreta, como su interpretación por parte del
destinatario.
5 Texto original: el estudio de los principios del uso de la lengua en

la comunicación.

184
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

o fato de que esta área da linguística estuda o uso da


linguagem em contexto.

2.1 Perpassando os atos de fala

Com sua teoria dos atos de fala, Austin (1982)


tentou complementar a linguagem por meio da análise
analítica de seu uso corrente e cotidiano. Dessa forma,
estudou a evolução desse uso linguístico de modo a
observar suas mudanças e futuras adaptações aos
enunciados (TORRE MEDINA, 2004).
A partir de seus estudos, Austin (1982) cria a
diferenciação dos verbos constativos e performativos.
Com isso, após diversos questionamentos sobre a forma
de analisar os enunciados, estabelece os conceitos dos
atos locucionários, ilocucionários e perlocucionários,
mas sem assentar uma classificação fixa e restrita, uma
vez que seu intuito era contribuir com os estudos da
filosofia da linguagem (PAPI, 1996).
Dando continuidade aos estudos de Austin,
Searle (1990) postula sua classificação dos atos de fala
com foco nos atos ilocucionários. Com isso, o autor
afirma que um falante, ao proferir um enunciado, realiza
atos de emissão, proposicionais e ilocucionários
(ESCANDELL VIDAL, 1996). Os atos de emissão são
responsáveis por “emitir sequências de palavras. Os atos
ilocucionários e proposicionais consistem
caracteristicamente em emitir palavras dentro de

185
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

orações, em certos contextos, sobre certas condições e


com certas intenções”6 (SEARLE, 1990, p. 33). Logo, sob
a ótica searleana, falar uma língua consiste em seguir
regras, ainda que o falante não tenha conhecimento de
que usa e age conforme elas. Além disso, o indivíduo, ao
falar, é capaz de produzir atos ao enunciar, ao ordenar,
ao afirmar ou perguntar etc. por meio de regras
linguísticas.
Por conseguinte, ao propor sua classificação dos
atos de fala, Searle (1990) baseia-se nos verbos
performativos. Para ele, produzimos uma ação verbal
pelo mero falar (LEVINSON, 2007), cujas produções se
classificam em atos comissivos, expressivos,
declarativos, diretivos e assertivos. Como nosso objetivo
é analisar os atos diretivos e assertivos, daremos ênfase
a eles, apresentando apenas o conceito dos outros três.
Os atos compromissivos são realizados ao
enunciar um comprometimento futuro, usando verbos
como prometer, ameaçar, oferecer etc.; os atos
expressivos ocorrem quando se expressa a condição
psicológica do emissor mediante estados de felicidade,
desejo, agradecimento, lamentação etc. (PAPI, 1996); já
os atos declarativos sucedem quando há a mudança na

6 Texto original: emitir secuencias de palabras. Los actos


ilocucionarios y proposicionales consisten característicamente en
emitir palabras dentro de oraciones, en ciertos contextos, bajo ciertas
condiciones y con ciertas intenciones.

186
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

realidade de algo por meio de verbos como declarar,


batizar, nomear etc. (LEVINSON, 2007).
Os atos diretivos são produzidos quando o
emissor deseja que seu interlocutor produza uma ação,
seja por meio de ordens, petições, perguntas etc. (PAPI,
1996), demonstrando, em muitos casos, a familiaridade
entre emissor/interlocutor, além de um certo grau de
poder. No enunciado “Por que não atendeu seu
celular?”, o emissor pretende que seu interlocutor
explique o fato de não ter contestado sua chamada,
fazendo com que este produza uma ação ao responder à
pergunta que foi realizada.
Os atos assertivos, por sua vez, ocorrem quando
o emissor se compromete pela verdade que é enunciada,
ao usar verbos como afirmar, poder, supor etc. (PAPI,
1996). Identificamos um exemplo desse ato em “Deve
haver um jeito de não perder a casa”, cujo enunciado
demonstra uma suposição que compromete o emissor,
mas que, tendo em vista o uso do verbo dever com
sentido hipotético, percebe-se que não há conhecimento
de como realizar a ação para que o que é pretendido seja
concretizado. Logo, há um comprometimento na
suposição do emissor.
Dado o aporte teórico acerca da pragmática e dos
atos de fala, daremos continuidade aos estudos sobre a
Gramática do Design Visual (GDV), focando na
metafunção interacional, por questões de delimitação
desta pesquisa.

187
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

3 GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL (GDV)

Para Kress e van Leeuwen (2020), formuladores


da Gramática do Design Visual (GDV), uma construção
visual é capaz de apresentar um entendimento particular
de um dado contexto social, assim como é possível em
uma construção verbal. Ademais, essa estrutura visual
pode expressar um significado linguístico próprio de
determinada comunidade, uma vez que os sentidos
surgem por meio das interações sociais expressas por
seus indivíduos.
O que expressamos verbalmente, por escrito ou
em formato de imagens – como em um outdoor, por
exemplo –, são frutos do nosso conhecimento. Logo,
ainda que essas modalidades de expressão possuam
significados similares, elas serão produzidas de formas
distintas, visto que cada uma possui um propósito
comunicativo delimitado (KRESS e VAN LEEUWEN,
2020). Desse modo, ao comunicar-nos verbalmente,
produzimos intenções, sejam elas implícitas ou
explícitas. Com as imagens ocorrem o mesmo, pois elas
“representam experiências do mundo interior e exterior,
expressam interações sociais e comunicam posições
ideológicas em estruturas visuais” (NEPOMUCENO e
PAES, 2019, p. 310).

188
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

A GDV surgiu apoiada na Linguística Sistêmico-


Funcional (GSF) de Halliday. Dessa forma, Kress e van
Leeuwen aprimoraram essa teoria propondo uma
“análise descritiva e sistemática para estruturas visuais,
de modo que atendesse a uma carência teórica analítica
que fosse além da conotação, denotação ou iconografia
dos níveis de significação das imagens” (ARAÚJO;
PARENTE; ARAÚJO, 2019, p. 715), analisando, assim, o
texto visual em busca dos elementos que servem para a
produção de sentido da mensagem que se quer
transmitir.
A partir disso, Kress e van Leeuwen (2020) 7, em
sua obra Reading images: the grammar of visual design,
reclassificaram as metafunções em representacional,
interacional e composicional. Tendo em vista que nosso
objeto de estudo está voltado para a metafunção
interacional, será dado maior destaque a ela.
A primeira das metafunções é a representacional.
Nela, há a demonstração do nexo existente entre os
participantes que estão postos em um dado arranjo
visual, cujos participantes podem ser classificados em
representados e interativos (KRESS e VAN LEEUWEN,

7Cabe ressaltar que a primeira edição do livro dos referidos autores


é de 1996; utilizaremos, no entanto, a mais recente: a 3° edição de
2020.

189
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

2020). Os interativos são “pessoas reais que produzem e


criam sentido das imagens no contexto de instituições
sociais”8 (KRESS e VAN LEEUWEN, 2020, p. 113); são
integrantes que produzem as habilidades linguísticas da
fala, da escrita, da leitura e da audição. Em relação aos
representados, podem ser caracterizados por
indivíduos, por instrumentos, assim como pelo local
onde a imagem e a produção verbal são realizadas
(SILVA e SILVA JÚNIOR, 2020).
A metafunção interacional apresenta uma
interação entre os participantes. No caso desta função, o
participante representado é aquele representado na
imagem, enquanto o interativo9 é aquele que o observa
de fora; ademais, “os participantes que observam a
imagem e aqueles que a produzem devem ser humanos
ou apresentarem características humanas”
(NOVELLINO, 2007, p. 66). Essa interação ocorre entre
os participantes representados e os interativos mediante
recursos visuais como contato, distância social,
perspectiva e modalidade, da forma que veremos a
seguir.

8Texto original: real people who produce and make sense of images
in the context of social institutions.
9 Neste estudo, usaremos como sinônimos os termos interativo,

espectador, observador e leitor.

190
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

No tocante ao contato, Kress e van Leeuwen


(2020) o classificam em contato de oferta e de demanda.
Neste, “o produtor usa a imagem para fazer algo para o
leitor”10 (KRESS e VAN LEEUWEN, 2020, p. 117), seja de
forma a aproximá-lo ou distanciá-lo. Ainda segundo os
autores, no contato de oferta, os participantes
representados se “oferecem” indiretamente ao
espectador servindo de informação e de admiração,
como se fossem modelos em um mostrador.
A seguir, apresentaremos11, na figura 1, um
exemplo de contato de demanda; na figura 2, de oferta.
No exemplo da figura 1, contato de demanda, os
participantes representados estão olhando diretamente
para o participante interativo, como uma forma de criar
relações com seu espectador e exigir algo dele. Na figura
2, contato de oferta, os participantes representados
apresentam um olhar de oferta, fazendo com que o
participante interativo/espectador o contemple ou o
observe como se estivesse admirando algo em uma
vitrine, assim como afirmam Kress e van Leeuwen
(2020).

10 Texto original: the producer uses the image to do something to the


viewer.
11 Todas as imagens utilizadas no artigo foram retiradas da série em

análise, La casa de las flores, disponível no serviço de streaming Netflix


(2020).

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Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Figura 1 – Contato de demanda.

Fonte: Netflix.

Figura 2 – Contato de oferta.

Fonte: Netflix.

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Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Dando continuidade, Kress e van Leeuwen (2020)


apresentam um segundo aspecto interacional: a
distância social. Para eles, aos interagirmos no dia a dia,
demonstramos, de forma literal ou figurada, o
distanciamento que mantemos das outras pessoas. Desse
modo, “assim como a escolha entre oferta e demanda, a
escolha da distância realiza diferentes relações entre os
participantes representados e os telespectadores”12
(KRESS E VAN LEEUWEN, 2020, p. 123).
Com isso, surgem os conceitos de plano fechado
(close shot ou close-up), plano médio (medium close shot) e
plano aberto (long shot).
No plano fechado, o participante é apresentado
da cabeça aos ombros, dando uma ideia de intimidade;
no plano médio, da cabeça à cintura ou ao joelho,
aproximadamente, com um caráter de distância social;
no plano aberto, é apresentado todo o corpo do
participante, sendo mantido um afastamento das
relações sociais, demonstrando impessoalidade ou
estranhamento (ARAÚJO; PARENTE; ARAÚJO, 2019).

12Texto original: like the choice between offer and demand, the
choice of distance realizes different relations between represented
participants and viewers.

193
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Em seguida, exporemos um exemplo para cada


tipo de plano. A figura 3 apresenta o plano fechado; a
figura 4, o plano médio; a figura 5, o plano aberto.

Figura 3 – Plano fechado.

Fonte: Netflix.

Neste plano fechado, há a demonstração de


intimidade existente entre o participante representado e
seu espectador, uma vez que a câmera é focada no rosto
do representado. A intenção presente no frame da figura
3 é apresentar a reação da personagem no momento que
recebe uma notícia. Quanto ao contexto no qual o frame
está inserido, a notícia está relacionada ao fato de que a
personagem representada ouve a resposta de que sua ex-
esposa aceita casar-se novamente com ela.

194
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Figura 4 – Plano médio.

Fonte: Netflix.

Neste exemplo de plano médio, identificamos um


grau de distância social entre participantes
representados e interativos, uma vez que a cena
apresenta os personagens representados da cintura à
cabeça.
No exemplo do plano aberto, na figura 5, há a
apresentação de todo o corpo do participante
representado, dando uma ideia de impessoalidade. No
frame em questão, não há demarcação de intimidade,
tampouco de uma distância social com o espectador, mas
sim um afastamento das relações sociais. Tendo em vista
o exposto, os limites existentes entre os participantes são
determinados “por configurações de potencialidades

195
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

sensoriais – por se uma certa distância nos permite ou


não cheirar ou tocar a outra pessoa, por exemplo, e por
quanto do sujeito podemos ver com nossa visão central
e quase periférica (60°)”13 (KRESS e VAN LEEUWEN,
2020, p. 124).

Figura 5 – Plano aberto.

Fonte: Netflix.

Dando seguimento a outro aspecto interacional,


temos a perspectiva. Nela, ao ser produzida uma
imagem, apresenta-se – além dos recursos do olhar, do

13Texto original: by configurations of sensory potentialities – by


whether or not a certain distance allows us to smell or touch the
other person, for instance, and by how much of the subject we can
see with our central and near- peripheral (60°) vision.

196
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

tamanho de um quadro ou o do que é exposto nele – “a


seleção de um ângulo, um ‘ponto de vista’, e isso implica
a possibilidade de expressar atitudes subjetivas em
relação aos participantes representados, sejam eles
humanos ou não”14 (KRESS e VAN LEEUWEN, 2020, p.
129). A seleção desse ângulo é feita no modo horizontal
– frontal e oblíquo – e no vertical – nível dos olhos,
superior ou inferior.
No modo horizontal há o ângulo frontal, no qual
a imagem é mais abrangente para o observador,
demonstrando um maior envolvimento por parte dele, e
o participante é apresentado frontalmente, ainda que
esteja com o rosto desviado; no ângulo oblíquo, há pouco
ou nenhum envolvimento do observador, pois o
participante representado está mais deslocado da
imagem e apresentado com o corpo de perfil,
demonstrando um afastamento social (NOVELLINO,
2007).
Sendo assim, “a diferença entre o ângulo oblíquo
e o frontal é a diferença entre o desapego e o

14Texto original: the selection of an angle, a ‘point of view’, and this


implies the possibility of expressing subjective attitudes towards
represented participants, human or otherwise.

197
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

envolvimento”15 (KRESS e VAN LEEUWEN, 2020, p.


135), respectivamente, ou seja, no primeiro há um
afastamento entre os participantes; no segundo,
proximidade.
Seguindo para o modo vertical, no ângulo do
nível dos olhos, os participantes representados e
interativos apresentam um grau de isonomia; no ângulo
superior (representação da imagem feita de cima para
baixo), o observador detém mais poder; e, por fim, no
ângulo inferior (representação da imagem feita de baixo
para cima), quem detém um maior poder é o participante
representado (NOVELLINO, 2007).
Dessa forma, o que difere o ângulo horizontal do
vertical é o fato deste ser representado pelas relações de
poder existentes entre os personagens; aquele, pelo
envolvimento ou não entre os participantes
representados e interativos.
De forma a ilustrar esses tipos de ângulos,
apresentaremos, na figura 6, o ângulo frontal; na figura
7, o ângulo oblíquo; na figura 8, o ângulo do nível dos
olhos; na figura 9, o ângulo superior; e, na figura 10, o
ângulo inferior.

15Texto original: the difference between the oblique and the frontal
angle is the difference between detachment and involvement.

198
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Figura 6 – Ângulo frontal.

Fonte: Netflix.

Figura 7 – Ângulo oblíquo.

Fonte: Netflix.

199
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Figura 8 – Ângulo do nível dos olhos.

Fonte: Netflix.

Figura 9 – Ângulo superior.

Fonte: Netflix.

200
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Figura 10 – Ângulo inferior.

Fonte: Netflix.

A modalidade é o último aspecto interacional. Ela


está relacionada à representação do verossímil, na qual a
imagem é retratada por aspectos reais ou próximos à
realidade ou, até mesmo, imaginários, cujas
performances dividem-se em naturalista, sensorial,
científica e abstrata (PINTO, 2016). Por motivos de
delimitação, não iremos tratar deste aspecto em nossa
análise.
Por fim, a terceira e última metafunção é a
composicional. Nela, há a associação das metafunções
representacional e interacional, cujo cerne está voltado
para a combinação de elementos da imagem e do texto.
Os sentidos produzidos pelas três metafunções
relacionam-se com três sistemas, a saber: valor da

201
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

informação, saliência e enquadramento (TRIVISIOL e


TICKS, 2021).
Como exposto no decorrer desta seção, podemos
observar a gama de elementos nos quais a GDV é capaz
de abarcar em uma análise. Tendo isso em vista, por seu
grande arcabouço teórico, delimitamos a análise a
apenas três aspectos da metafunção interacional:
contato, distância social e perspectiva. Sendo assim, em
seguida, apresentaremos os aspectos metodológicos que
abarcam nossa pesquisa, além da análise dos nossos
dados.

4 ASPECTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE DOS


DADOS

Nesta seção, apresentaremos a classificação


metodológica de nossa pesquisa, o corpus que norteou
nossa investigação, além da forma de como a realizamos
e, por fim, a análise dos dados.

4.1 Classificação da pesquisa

Como metodologia, nossa investigação se


classifica como uma abordagem qualitativa. Esse tipo de
abordagem é utilizado para descrever problemas
complexos, analisar a relação existente entre diversos
fatores, classificar as formas de vida de determinados
grupos sociais, assim como suas mudanças; e entender,

202
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

intrinsecamente, as atitudes dos indivíduos


(RICHARDSON, 2012).
Esta pesquisa está assim classificada tendo em
vista que realizaremos uma análise dos atos de fala
diretivos e assertivos proferidos por uma personagem da
série La casa de las flores. Nessa análise, em relação ao uso
dos atos, levaremos em conta as particularidades da
personagem que os proferem, a linguagem utilizada, a
situação comunicativa que permeia o contexto, a relação
existente entre esses elementos etc.; no tocante aos
aspectos visuais, fundamentaremo-nos na metafunção
interacional da GDV de Kress e van Leeuwen, tendo em
vista os aspectos multimodais utilizados no momento da
realização de tais atos.
Esta investigação caracteriza-se, ainda, como
descritiva e explicativa. Descritiva porque
apresentaremos os aspectos multimodais da metafunção
interacional da GDV de Kress e van Leeuwen;
explicativa porque interpretaremos os atos diretivos e
assertivos mediante a classificação de Searle. Em relação
à pesquisa descritiva, “os fatos devem ser analisados,
classificados e interpretados de maneira que o
pesquisador não interfira neles” (BASTOS, 2009, p. 76).
Já a explicativa se preocupa em “identificar os fatores
que determinam ou que contribuem para a ocorrência
dos fenômenos” (GIL, 2002, p. 44). Contudo, tanto a
interpretação como a identificação dos dados serão

203
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

realizadas por meio das nomenclaturas das duas teorias


utilizadas.

4.2 Corpus e procedimento da pesquisa

Nosso corpus constitui-se de enunciados e frames


de uma personagem da série de TV mexicana La casa de
las flores. Para a análise, escolhemos o capítulo 11 da 3°
temporada, haja vista ser o último da série. Levando em
conta o formato desta pesquisa, delimitaremo-nos à
análise dos atos diretivos e assertivos proferidos pela
personagem Paulina de La Mora, nos últimos oito
minutos do episódio; quanto à GDV, à análise da
metafunção interacional. Ambas as delimitações se
justificam pelo tamanho característico do presente
trabalho e por questões de almejar uma investigação com
foco em classificações específicas, de modo a apresentar
a gama de opções possíveis de se realizar pesquisa com
essas duas teorias em ascensão.
Quanto à série, é uma produção mexicana criada
e dirigida por Manolo Caro, disponível no serviço de
streaming Netflix. Segundo dados do site deste serviço, a
série é caracterizada como de comédia e drama, com
classificação etária de 16 anos. Apresenta temas ligados
à violência, homossexualidade, drogas ilícitas, sexo,
relações familiares etc. A série possui 3 temporadas, com
um total de 33 episódios de 30 minutos de duração,

204
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

aproximadamente, sendo Paulina de La Mora uma das


protagonistas (NETFLIX, 2021).
Dando continuidade, para a análise, realizaremos
os seguintes procedimentos: 1- classificaremos os atos de
fala diretivos e assertivos da personagem Paulina de La
Mora nos últimos oito minutos do episódio 11 da 3°
temporada da série. Além disso, apresentaremos os
frames nos quais os atos são produzidos; 2-
interpretaremos os atos de fala diretivos e assertivos
proferidos pela personagem, tendo em vista a
perspectiva da classificação dos atos de fala de Searle; e
3- identificaremos os elementos multimodais presentes
nos frames mediante a metafunção interacional da GDV
de Kress e van Leeuwen.
Tendo isso em mente, daremos sequência, no
tópico seguinte, à análise dos atos de fala diretivos e
assertivos mediante os estudos de Searle, além dos
aspectos multimodais da metafunção interacional da
GDV de Kress e van Leeuwen.

4.3 Análise do corpus

Para uma melhor estruturação do trabalho,


elaboraremos 9 quadros contendo, em uma coluna, o
enunciado da personagem e o frame correspondente ao
momento da fala; em outra, o tipo de ato realizado, se
diretivo ou assertivo. Em seguida, realizaremos a
interpretação desses atos tendo em vista a perspectiva

205
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

teórica da classificação dos atos de fala de Searle, além


da identificação/descrição dos elementos multimodais
por meio da metafunção interacional da GDV de Kress e
van Leeuwen.

Quadro 1 – Enunciado 1.
Enunciado e frame Ato de fala

¿Te gusta?16

Ato diretivo

Fonte: elaborado pelos autores.

Neste primeiro ato, Paulina está admirando um


quadro da família e seu filho, Bruno, aproxima-se dela.
Na ocasião, ela pergunta a opinião dele sobre o quadro,
produzindo um ato diretivo ao fazer uso de uma
pergunta. Como foi visto no nosso aporte teórico, a
realização de um ato diretivo requer uma atuação por
parte de seu interlocutor por meio de perguntas, ordens,
conselhos etc. (PAPI, 1996). No ato em questão, após

16As traduções dos enunciados para o português foram realizadas


pelos autores: Você gosta?

206
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Bruno contestar a indagação feita pela mãe, ele faz com


que esse ato diretivo produza efeitos, uma vez que a
personagem alcança o que foi pretendido, qual seja ter o
conhecimento da opinião do filho.
Do ponto de vista da metafunção interacional da
GDV, verificamos um contato de oferta, visto que ambos
os personagens estão admirando o supracitado quadro,
servindo de contemplação para o participante interativo.
Quanto ao aspecto da distância social, julgamos ser um
plano fechado, tendo em vista que os participantes são
representados da cabeça ao cotovelo, aproximadamente,
dando uma ideia de que este está mais próximo dos
ombros do que da cintura. No tocante à perspectiva, o
frame apresenta um ângulo horizontal oblíquo, uma vez
que os participantes representados estão mais afastados
na imagem com uma angulação um pouco inclinada; e
ângulo vertical do nível dos olhos, que demonstra
igualdade entre participante representado e
interativo/espectador.
Verificamos, ainda, que a projeção da câmera
representando a cena com sombras de flores registra,
implicitamente, a essência da série, pois sua história
girava em torno da floricultura da família, sendo a maior
de suas tramas relacionadas a ela. Esses mesmos
registros serão observados no frame do quadro 2 e no
frame do quadro 3, pois há a mesma apresentação de
flores desfocadas.

207
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Quadro 2 – Enunciado 2.
Enunciado e frame Ato de fala

Ay, no hables así, por piedad, Bruni.17

Ato diretivo

Fonte: elaborado pelos autores.

Na realização deste ato diretivo, Paulina profere


uma ordem a seu filho para que ele mude a forma de
falar. A intencionalidade presente no enunciado se
encontra no fato do filho ter falado com sotaque
espanhol, rejeitado por Paulina, pois ela prefere o
sotaque mexicano, tendo em vista que seu filho nasceu e
mora no México. O uso desse sotaque se deve ao fato de
que Paulina e seu filho moraram na Espanha e, quando
voltaram para o México, seu filho passou a falar com o
sotaque peninsular. Quanto ao uso do ato, a personagem
atinge seu objetivo, dado que seu filho volta a falar com

17 Não fale assim, por favor, Bruno.

208
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

o sotaque mexicano, ou seja, a realização do seu ato surte


efeitos, uma vez que foi atendido.
Partindo para a GDV, verificamos um olhar de
oferta, dado que não há direcionamento do olhar para o
telespectador, pois os participantes são postos como
forma de admiração, ou melhor, um oferecimento de sua
imagem para os participantes interativos (ARAÚJO;
PARENTE; ARAÚJO, 2019). Assim como no frame do
quadro 1, também julgamos ser um plano fechado, dada
a explicação ali exposta.
Em relação à perspectiva, neste frame do quadro 2,
identificamos um ângulo no nível dos olhos, pois os
participantes são postos nivelados, caracterizando uma
igualdade com seu espectador. Quanto ao ângulo
horizontal, há a presença do frontal e do oblíquo. Este,
porque Paulina está posicionada de perfil ao participante
observador; aquele, pelo fato de Bruno estar de frente
para o participante interativo/espectador, ainda que com
o rosto virado para a mãe. Neste último caso, Kress e van
Leeuwen (2020) consideram que, personagens
representados podem ser representados frontalmente,
ainda que com um olhar desviado, uma vez que, neste
caso, estariam servindo como objeto de reflexão por
parte de seu espectador.

209
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Quadro 3 – Enunciado 3.
Enunciado e frame Atos de fala

Pero tienes razón, luego se pone bien loca.


Vamos.18

Ato assertivo
e diretivo

Fonte: elaborado pelos autores.

Neste exemplo, após Bruno haver falado com o


sotaque espanhol, Paulina o recrimina, mas concorda
com o que ele diz, realizando um ato assertivo, ao
afirmar uma proposição considerada como certa. Por
fim, chama-o para ir ao local onde será celebrado o
casamento e realiza uma ação verbal com o verbo “ir”,
caracterizando um ato de fala diretivo.
A intencionalidade presente na realização do ato
assertivo pode ser percebida caso o espectador tenha
conhecimento da situação comunicativa que permeia a
cena, já que eles estão se referindo ao temperamento

18 Mas você tem razão, ela fica logo louca. Vamos.

210
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

forte de outra personagem da série (José María). Com


isso, se Paulina e Bruno se atrasarem, José María ficará
furiosa pelo sucedido, por isso o uso da expressão se pone
bien loca.
Realizando a análise mediante a metafunção
interacional, verificamos a presença de um contato de
oferta, no qual os participantes representados estão se
olhando, servindo de contemplação para os
participantes interativos.
Quanto à perspectiva, são representados em um
ângulo vertical do nível dos olhos, confirmando a
isonomia que há entre o espectador e os participantes
representados; e um ângulo horizontal frontal (Bruno) e
oblíquo (Paulina), como expomos na análise do quadro
3.
Quanto à distância social, os personagens são
apresentados em um plano fechado, dada a explicação
da análise do quadro 1, qual seja a de que a
representação dos personagens é feita mais próxima aos
ombros do que da cintura, apresentando, como afirmam
Araújo, Parente e Araújo (2019), uma relação de
intimidade entre os participantes representados e seus
espectadores.

211
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Quadro 4 – Enunciado 4.
Enunciado e frame Ato de fala

No, fui a darle un último vistazo a la casa.19

Ato assertivo

Fonte: elaborado pelos autores.

Nesta passagem, Paulina realiza um ato assertivo


ao dar uma explicação pelo fato de ter saído da festa sem
avisar, comprometendo-se com a verdade da proposição
dita. Esse esclarecimento advém da fala de Julián, pois
ele havia dito que achava que sua irmã, Paulina, havia
fugido da celebração de casamento. Neste momento, a
personagem havia ido verificar a casa pela última vez, já
que esta seria vendida, dado que a família não a herdara,
sendo essa a questão que está implícita no enunciado.

19 Não, fui dar uma última olhada na casa.

212
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

No quesito da metafunção interacional,


verificamos um olhar de oferta, assim como os demais
quadros já analisados. No aspecto da distância social, há
o plano médio, já que os participantes representados são
mostrados da cabeça à cintura. Neste caso, como
afirmam Kress e van Leeuwen (2020), nossos contatos
cotidianos determinam a relação de distância (ou não)
que mantemos um dos outros. Sendo assim, os
personagens representados são postos mais distantes do
seu espectador, mantendo uma distância social, uma
ausência de intimidade.
Por fim, em relação ao aspecto da perspectiva, o
frame apresenta um ângulo vertical do nível dos olhos,
caracterizado como forma de manter a igualdade entre
participantes representados e interativos, na qual não
demonstra poder de nenhuma das partes; e um ângulo
horizontal frontal por parte da personagem Paulina –
vestida de branco – e oblíquo por parte de seus irmãos,
já que são postos um pouco de lado para a lateral. Neste
exemplo, a intenção do produtor da cena é que o foco
seja a personagem Paulina, porque o contexto
comunicativo está centrado em suas falas.

213
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Quadro 5 – Enunciado 5.
Enunciado e frame Ato de fala

Entregable sí está.20

Ato

assertivo

Fonte: elaborado pelos autores.

No enunciado do quadro 5, Paulina realiza um ato


assertivo ao expressar sua constatação acerca de como se
encontra a casa, proferindo uma resposta com algo
implícito: ela não quer assumir que a casa está pronta
para ser vendida, pois não está de acordo com a sua
venda.
No que concerne à metafunção interacional,
quanto ao contato, há o uso do de oferta. Em relação ao
aspecto da distância social, observamos o uso do plano
aberto (ainda que os personagens não sejam mostrados
por completo, percebemos que a intenção é essa, pois
eles são apresentados distantes/deslocados na imagem,

20 Sim, está apresentável.

214
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

caminhando atrás de arbustos, além da identificação da


perna de um dos participantes).
Em referência à perspectiva, o frame apresenta um
ângulo vertical do nível dos olhos, além de um ângulo
horizontal oblíquo – haja vista que os participantes
representados estão de perfil e deslocados na imagem,
apresentando um não-envolvimento com os
participantes interativos. Neste último caso, seria o que
Kress e van Leeuwen (2020, p. 124) classificam como
“distância social distante”21, na qual os participantes
interativos admiram os representados enquanto eles
caminham à longa distância.

Quadro 6 – Enunciado 6.
Enunciado e frame Ato de fala

No, bueno, qué modernos me salieron.22

Ato
assertivo

Fonte: elaborado pelos autores.

21 Texto original: far social distance.


22 Não, bom, vocês são tão modernos.

215
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Neste enunciado, Paulina se compromete pela sua


proposição ao afirmar que seus irmãos possuem uma
relação moderna, realizando, assim, um ato assertivo.
O enunciado demonstra uma intencionalidade
implícita, pois sua irmã Elena divide, com o irmão Julián
e o cunhado Diego, a criação de seu filho, uma vez que
ela havia prometido, durante a gestação, que eles seriam
os pais da criança. Neste caso, essa intenção apenas é
percebida caso o espectador tenha conhecimento da
história da série, dado que, por meio do enunciado, não
há como identificá-la.
Passando para a análise da metafunção
interacional, identificamos, de antemão, um ângulo
vertical superior.
Nesse desdobramento do aspecto da perspectiva,
“o participante interativo tem poder sobre o participante
representado – este é visto a partir do ponto de vista do
poder”23 (KRESS E VAN LEEWUEN, 2020, p. 138-139),
ou seja, o participante interativo vê, com superioridade,
ao representado a partir de uma perspectiva de
miniaturas, como se este fosse representado como tais.

23Texto original: the interactive participant has power over the


representad participant – the represented participant is seen from
the point of view of power.

216
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Em relação ao contato, verificamos o de oferta; no


tocante ao plano utilizado, observa-se o aberto, tendo em
vista que nesse tipo de plano o participante representado
é colocado em uma posição que esteja longe da visão do
espectador, mostrando todo seu corpo e o piso que o
rodeia (NOVELLINO, 2007).
Um implícito presente na representação desse
frame associa-se à borda negra, pois demonstra que há
alguém observando os personagens que participam da
cena, assim como será visto no frame do quadro 8.
Geralmente, em cenas de filmes, séries etc., esse recurso
é utilizado como forma de mostrar para o espectador que
alguém está à espreita pronto para realizar alguma ação
contra a pessoa observada.
No caso em análise, é justamente essa a ideia do
produtor da série, pois há um personagem oculto com
uma arma em mãos pronto para atirar na personagem
Paulina.
Isto posto, percebemos que, por meio de recursos
visuais (como a borda negra), é possível identificar a
intencionalidade do produtor em querer avisar ao
participante interativo, de antemão, que algo sucederá.

217
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Quadro 7 – Enunciado 7.
Enunciado e frame Ato de fala
Oigan, ¿ustedes creen que los problemas
se heredan?24

Ato diretivo

Fonte: elaborado pelos autores.

Neste trecho, Paulina realiza um ato diretivo ao


fazer uma pergunta a seus irmãos, recebendo um “não”
de Julián. Já Elena (sua irmã) faz outra indagação, visto
que ela não compreende a que se referem os problemas
perguntados por Paulina. Dessa forma, Paulina não
obtém total êxito em seu ato, já que um dos irmãos
responde, mas o outro não a compreende. Neste caso,
Paulina faz a pergunta em forma de reflexão, uma vez
que ela também não sabe a resposta, e queria apenas
saber a opinião dos irmãos.

24 Escutem, vocês acham que os problemas podem ser herdados?

218
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

A intencionalidade do enunciado está relacionada


ao fato deles terem passado por muitos problemas
(familiares e financeiros) e que seus antepassados
também eram problemáticos (na série, há flashbacks de
cenas do passado demonstrando que a família possuía
problemas semelhantes aos da geração atual). Isso é
confirmado por Escandell Vidal (1996) ao afirmar que
uma frase pode adquirir significados além da mera
exposição das palavras e que para entendê-los há que
levar em consideração os fatores do contexto
comunicativo no qual a frase é dita.
Pela análise da metafunção interacional,
identifica-se um contato de oferta, caracterizado pelo
oferecimento indireto dos participantes representados
para seu público, os interativos. No aspecto da distância
social, há a representação de um plano médio, haja vista
que os participantes representados são apresentados da
cabeça à cintura. Ainda em relação a essa distância,
segundo Kress e van Leeuwen (2020), ela se caracteriza
pela razão de que os participantes podem se tocar com
as mãos ao estenderem os braços, por exemplo, ou seja,
estão em uma distância próxima, social.
Quanto ao aspecto da perspectiva, há o ângulo do
nível dos olhos, caracterizado pela igualdade entre
ambos participantes; e o ângulo oblíquo, dado que os
participantes representados estão de perfil na imagem.

219
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

Quadro 8 – Enunciado 8.
Enunciado e frame Ato de fala

Nunca lo vamos a saber.25

Ato
assertivo

Fonte: elaborado pelos autores.

Neste enunciado, Paulina realiza um ato assertivo


que, nas palavras de Papi (1996), ocorre quando o falante
se compromete pela verdade assinalada. Então, a
personagem afirma que ela e seus irmãos nunca saberão
se suas vidas seriam distintas caso tivessem morado em
outro lugar, pois o implícito dessa mensagem está
associado ao fato de que não há como voltar ao passado
e mudar algo que não saiu como foi planejado. Com isso,
ela se compromete com sua verdade baseada em seu
conhecimento de mundo, visto que ela sabe que não há
forma de viajar ao passado.
No que diz respeito à metafunção interacional,
identificamos, de antemão, um ângulo vertical superior,

25 Nunca saberemos.

220
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

no qual o participante interativo/leitor demonstra deter


o poder sobre os participantes representados, tendo em
vista que são apresentados de cima para baixo, dando
uma ideia de inferioridade. Quanto à categoria do
contato, verifica-se o de oferta; quanto à distância social,
o plano aberto, visto que os participantes representados
são postos em tela da cabeça aos pés, aproximadamente,
ou seja, quase de corpo inteiro, o que demonstra, nas
palavras de Kress e van Leeuwen (2020), um
distanciamento de relações entre participantes
representados e interativos.

Quadro 9 – Enunciado 9.
Enunciado e frame Ato de fala
Nosotros crecimos en esta casa.26

Ato
assertivo

Fonte: elaborado pelos autores.

26 Nós crescemos nesta casa.

221
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

No contexto comunicativo em questão, após


proferir essa afirmação e realizar um ato assertivo,
Paulina vai até o letreiro de venda da casa e baixa uma
placa na qual se verifica o nome “vendida”. Levando-se
em consideração o contexto, percebe-se, de forma
implícita, que o ato de baixar a placa representa que a
personagem a comprou, haja vista que não houve
menção a um possível comprador. No tocante à
realização do ato, percebe-se que, para ela, o legado da
família deve seguir no local onde cresceu com seus
irmãos. Neste exemplo, assim como afirma Leão (2013,
p. 68), “em todo ato de comunicação, deve-se considerar
as circunstâncias em que se efetivou a produção, bem
como a intencionalidade do locutor”.
Dando continuidade à análise, na identificação
dos aspectos multimodais da metafunção interacional,
verificamos os seguintes: contato de oferta do
participante representado, demonstrando sua afeição
pela casa onde cresceu, visto que, enquanto fala, admira-
a com um olhar apenado; representação do participante
por meio do plano médio, tendo em vista que é
apresentado da cabeça até às proximidades da cintura;
quanto à perspectiva, o ângulo horizontal oblíquo e o
ângulo vertical do nível dos olhos.

222
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da escrita deste trabalho, perpassamos


os estudos acerca da pragmática e da teoria dos atos de
fala, tendo em vista, brevemente, a perspectiva de
Austin e focando na de Searle. Com isso, vimos que esta
área da linguística estuda a língua em seu contexto de
uso em busca dos elementos implícitos que surgem
mediante a comunicação.
Em seguida, expomos os estudos da GDV de
Kress e van Leeuwen, de modo a apresentar seus
conceitos, delimitando-nos à apresentação mais
detalhada da metafunção interacional, por haver sido
um dos nossos objetos de estudo. Com isso, vimos que
este campo de análise também investiga os elementos
implícitos existentes em diversas situações
comunicativas, mas tendo em conta os elementos
visuais.
A partir da junção dessas duas teorias em
ascensão, buscamos demonstrar a gama de
oportunidades possíveis para se realizar a pesquisa, pois
ambas apresentam diversas classificações que
podem/devem ser exploradas de forma holística ou
delimitada – como foi o caso desta investigação – já que
delimitamos o estudo nos atos de fala diretivos e
assertivos e em três aspectos da metafunção interacional.
Como questões de pesquisa, buscamos responder
às seguintes indagações: 1- Quais os propósitos

223
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

comunicativos gerados pelos atos diretivos e assertivos


na série La casa de las flores? 2- A metafunção interacional
da GDV é capaz de identificar elementos implícitos que
sirvam para o entendimento dos atos de fala diretivos e
assertivos?
Atendendo a essas questões, como conclusão,
tendo em vista a análise sob a perspectiva pragmática,
vimos que os atos de fala proferidos pela personagem
Paulina de La Mora possuem intencionalidades
diversas, a depender do contexto comunicativo nos
quais são inseridos. Percebemos que, até mesmo com a
ação de baixar uma placa após proferir um enunciado, a
personagem demonstra um implícito, quando
analisamos a fala e a ação em conjunto.
Diante disso, os propósitos comunicativos
verificados nos atos proferidos por Paulina foram os
seguintes: recriminar uma ação praticada por seu
interlocutor; fazer questionamentos e proferir
afirmações; realizar e responder perguntas;
comprometer-se com alguma proposição; saber a
opinião do seu receptor ou dar ordens a ele. Tais
propósitos não foram identificados mediante a análise
da metafunção interacional, como veremos a seguir.
A partir da análise da metafunção interacional,
percebemos que, quanto ao aspecto de contato, em
séries, filmes, novelas etc., o uso do contato de oferta é,

224
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

geralmente, o predominante, visto que a ideia é fazer


com que o público admire o que está sendo assistido e
preste mais atenção aos detalhes que são postos em toda
a cena. Do contrário, caso houvesse um olhar de
demanda, o olhar do espectador estaria, seguramente,
voltado para o do personagem, não mais para os
elementos que o rodeiam. Julgamos, pois, que esse tenha
sido o motivo de não termos identificado olhar de
demanda nos frames que analisamos.
Concernente ao aspecto da distância social,
verificamos o uso dos três tipos de planos, a saber:
aberto, fechado e médio. O primeiro foi utilizado como
um modo de aproximar o participante representado do
seu espectador, mantendo laços de intimidade, como se
este conhecesse aquele, ainda que num mundo
imaginário. O segundo, para revelar a falta de
envolvimento entre os participantes, uma vez que a
distância, na qual o participante representado está,
demarca a falta de interação/intimidade entre eles. O
terceiro, para sinalizar que há envolvimento entre o
personagem representado e o interativo, mas não tão
forte como no caso do plano aberto.
Quanto ao aspecto do ângulo, identificamos
elementos implícitos mediante a representação das
flores desfocadas (frame 1, 2 e 3) e das bordas negras

225
Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
Gramática do design visual de Kress e van Leeuwen

(frame 6 e 8). No que concerne a nossa segunda questão


de pesquisa, percebemos que esses elementos não
contribuem para o entendimento do ato proferido, mas
sim para a compreensão do contexto no qual o ato é
utilizado e da natureza do conteúdo da série.
Em síntese, vimos que as duas teorias aqui
investigadas podem ser trabalhadas em conjunto como
uma forma de ampliar os estudos dos elementos
implícitos existentes nos processos de comunicação,
visto que a teoria dos atos de fala os investiga
textualmente, tendo em mente aspectos como emissor,
interlocutor, contexto comunicativo etc. A GDV, no que
concerne à metafunção interacional, averigua os
elementos implícitos visualmente mediante os aspectos
de contato, distância social, perspectiva e modalidade.
Em outros termos, ambas se valem de aspectos que
contribuem para a análise do que está subentendido.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, S. S.; PARENTE, L. O. S. S.; ARAÚJO, A. D. A


leitura da capa do livro Brincando de inventar na
perspectiva da gramática do design visual. Revista
Brasileira Linguística Aplicada, v. 19, n. 3, p. 711-731,
2019. Disponível em:

226
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Cap. 5 - Atos de fala diretivos e assertivos: estudos pragmáticos de Searle e a
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Francisco, 2014. 350p.

231
Retornar ao Sumário
Capítulo 6

A REPRESENTAÇÃO IMAGÉTICA NOS


CARTAZES DOS FILMES MALÉVOLA, CORINGA E
CRUELLA À LUZ DA GRAMÁTICA DO DESIGN
VISUAL

Antonia Rayane Felix Barra


Maria Eduarda Regis Pinto
Rayssa Rovanya Torquato Carvalho

Gramática do Design Visual


Cartaz de filme
Malévola
Coringa
Cruella

233
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A representação e a construção da personalidade


da (o) vilã (o), a partir de cartazes de filmes, dão aos
telespectadores indícios de como será fundamentada a
narrativa, deixando-lhes a tarefa, nada fácil, de
interpretar as pistas apresentadas. Nesse sentido, a
análise multimodal – focada sobretudo na descrição
crítica de imagens – contribui significativamente para
essa tarefa.
Atualmente, com os avanços tecnológicos e com
o aperfeiçoamento dos profissionais da cinematografia,
as produções fotográficas estão cada vez mais
sofisticadas e interativas. Assim, é possível, em um
simples pôster de filme, identificar elementos que
definem um personagem, o que diz muito do enredo
quando esse personagem tem um destaque diferenciado
na narrativa.
A exemplo, os vilões – Malévola, Coringa e
Cruella – apresentam maior visibilidade em seus
respectivos cartazes, uma vez que são os protagonistas
da trama. Sob esse viés, o presente trabalho tem como
objetivo principal analisar a representação da imagem
dos vilões Malévola, Coringa e Cruella sob enfoque da
análise visual de seus respectivos cartazes de filmes.
A escolha desses vilões se deu por entender que
são criações fílmicas mais atuais, contribuindo, assim,
para uma análise mais contemporânea acerca desses

234
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

personagens icônicos e de como chamam a atenção do


público a partir de seus respectivos cartazes de filmes –
Malévola, Coringa e Cruella. Além disso, todos os vilões
supracitados são adaptações de histórias infantis e
Histórias em Quadrinhos – comumente denominadas
HQ’s – para a mídia cinematográfica, o que torna as
narrativas ainda mais versáteis.
Assim, trazer personagens como esses – fortes,
singulares e contrastantes – requer um olhar
diferenciado para o que se entende por vilão. Torna-se
este, portanto, o diferencial da presente pesquisa:
quebrar paradigmas construídos socialmente a respeito
da imagem do vilão, mostrando que a ilustração, em um
olhar bem atencioso, pode apresentar outras
possibilidades de interpretação quando analisada pelo
viés da Gramática do Design Visual, doravante GDV.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nesta seção, será apresentada uma explanação


geral acerca das principais contribuições que norteiam
esta pesquisa. Por um lado, será dada ênfase aos
aspectos relacionados à Gramática do Design Visual, de
Kress e Van Leeuwen (2006), delimitando-se a uma
breve explicação acerca da GDV, além de apresentar,
dentro dessa gramática, a metafunção representacional,
interativa e composicional. Por outro lado, será
explanado o gênero cartaz de filme e apresentados os

235
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

resumos dos três filmes posteriormente analisados:


Malévola (2014), Coringa (2019) e Cruella (2021).

2.1 A Gramática do Design Visual e suas metafunções

Apresentamos aqui uma breve discussão acerca


dos princípios da Gramática do Design Visual (GDV)
proposta por Kress e van Leeuwen (2006). Essa teoria
baseia-se nos estudos da Linguística Sistêmico-
Funcional (LSF) de Halliday (1994). Na perspectiva
hallidayana, é dado destaque à análise dos aspectos
linguísticos e estruturais, considerando o indivíduo e o
uso que o mesmo faz da língua. Halliday (1994) propõe
categorias, chamadas de metafunções, para que a análise
da linguagem verbal seja desenvolvida. São elas:
ideacional, interpessoal e textual.
Considerando as ideias propostas por Halliday
(1994), Kress e Van Leeuwen (2006) apontam a GDV
como alternativa para interpretar os elementos visuais.
Para a GDV, as estruturas imagéticas são formadoras de
diversos significados, servindo como ferramenta para
guiar o estudo da linguagem visual. Para tanto, Kress e
Van Leeuwen (2006) adotam categorias de análise
baseadas na LSF, na qual as metafunções ideacional,
interpessoal e textual equivalem, respectivamente, às

236
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

metafunções representacional, interativa e


composicional da GDV.
A metafunção representacional, conforme a teoria
apresentada por Kress e Van Leeuwen (2006), subdivide-
se em conceitual e narrativa. A ideia de uma análise mais
pautada nos elementos que caracterizam os personagens
da imagem – observando suas expressões
faciais/corporais e tudo o que isso implica nos outros
elementos que fazem parte da ilustração – aproxima-se
mais do que se denomina como conceitual. Conforme
Nascimento et al (2011), na metafunção representacional
conceitual, a ênfase está nos participantes que compõem
a imagem e nos seus atributos.
Já a análise voltada para o contexto narrativo da
imagem – observando toda a ação que a fotografia
desenvolve e como ela dialoga com o cenário imagético
ao redor – denomina-se como narrativa.
Almeida (2009) sintetiza a metafunção
representacional narrativa como a representação dos
participantes em movimentos de ação. Esses
movimentos trazem efeitos e acontecimentos dinâmicos
para a narrativa imagética.
Para exemplificar a distinção entre a metafunção
representacional conceitual e narrativa, observe os dois
cartazes de filmes apresentados abaixo.

237
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

Na Figura 1, tem-se um exemplo de metafunção


conceitual, pois os personagens estão estáticos, o que
contribui para uma análise mais descritiva e
classificatória, observando características como as
relações de poder entre os super-heróis, o
posicionamento, as expressões, entre outros. Na Figura
2, tem-se um exemplo de metafunção narrativa, já que o
próprio cartaz apresenta o enredo basilar da trama, que
pode ser observado na própria ação de luta envolvendo
os personagens.

Figura 1 - Pôster do filme Homem-Aranha: longe de casa.

Fonte: AdoroCinema (2016).

238
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

Figura 2 - Pôster do filme Versus: de volta ao ringue

Fonte: AdoroCinema (2019).

A metafunção interativa, como o próprio nome


sugere, indica, de modo geral, uma relação de
aproximação – ou distanciamento – entre os personagens
da imagem e o leitor/telespectador, que é perceptível
quando se faz uma análise com base nos recursos
proporcionados pela Gramática do Design Visual de
Kress e van Leeuwen (2006). Nascimento et al (2011, p.
539) definem esses recursos como sendo:

239
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

a) através do contato do olhar entre o participante


representado na imagem e o leitor (contato); b) pela
visualização do participante representado como
estando próximo ou distante do leitor (distância
social); c) pelo ângulo formado entre o corpo do
participante e o leitor no eixo vertical (atitude); e d)
pelo ângulo formado entre o corpo do participante e o
leitor no eixo horizontal (poder).

A Figura 3 apresentada abaixo, com base na


metafunção interativa, constrói uma relação de
aproximação e intimidade com o leitor/telespectador.

Figura 3 - Pôster do filme Marighella

Fonte: AdoroCinema (2021).

240
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

Essa percepção é observada a partir do ângulo


frontal do participante, que transmite uma troca de
olhares com o apreciador da imagem, e do
posicionamento aproximado, que diminui a distância
entre ambos, etc.
A metafunção composicional, por sua vez,
preocupa-se com os aspectos unificados que constituem
o todo da imagem. Conforme Almeida (2009, p. 185),
visa “integrar os elementos visuais das metafunções
representacional e interativa para compor um todo
coerente”. Assim, analisa o valor da informação
(enquadramento da imagem) a saliência (tamanho,
cores, contrastes, plano de fundo) e a estruturação (forte
ou fraca).

Figura 4 - Pôster do filme Deserto Particular

Fonte: AdoroCinema (2021).

241
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

Na Figura 4, é apresentado um cartaz de filme em


que é possível a apreensão da metafunção
composicional, já que permite a análise das cores, dos
contrastes, do plano de fundo, dentre outras
possibilidades de observação.
Desse modo, a Gramática do Design Visual
(GDV) de Kress e Van Leeuwen (2006), com suas
metafunções representacional, interativa e
composicional, contribuem para uma análise mais
significativa dos elementos que compõem os mais
diferentes designs. Vale salientar que essas imagens não
estão restritas apenas aos cartazes de filmes. É possível a
análise de diferentes tipos de imagens além da que
apresentamos neste trabalho, como capas de revista,
tirinhas, iconográficos entre outros. Entretanto, a opção
por apresentar o gênero cartaz de filme se deu por
entender que esse gênero é o teor principal da presente
pesquisa, assim como explicitado na próxima seção.

2.2 O gênero Cartaz de Filme

Compreendemos que imagens podem expressar


inúmeros significados por si só, ao mesmo tempo que
transmitem informações. Um dos meios mais comuns de
propagar tais elementos visuais é o cartaz. Considerando
que o objetivo principal desta pesquisa é analisar a
representação do vilão nos filmes Malévola, Coringa e

242
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

Cruella, detemo-nos aqui apenas aos cartazes desses


filmes.
É através do cartaz do filme que o telespectador
tem um dos primeiros contatos com o filme que espera
assistir. O principal objetivo dos posters é divulgar
informações acerca do filme, contendo referências sobre
os títulos, data de lançamento, elenco, equipe, produtora
e, em alguns casos, possuem frases de efeitos
relacionados à narrativa do filme. Concomitantemente,
aspectos imagéticos estão presentes no cartaz,
manifestados através de imagens que dizem respeito a
alguma cena ou personagens da trama, em diferentes
ângulos, perspectivas e posições, assim como cores que
podem representar sentimentos, ideias, o tema e a
atmosfera da narrativa fílmica.
O cartaz de filme é um exemplo de gênero com
características multimodais, no qual as estruturas
verbais e visuais são passíveis de análise. Dessa forma, a
análise multimodal, por meio da observação dos
elementos imagéticos, permite que o público realize suas
próprias interpretações e tenha uma ideia do filme e dos
temas que serão abordados. Uma das alternativas para a
análise visual do cartaz de filme é a utilização dos
preceitos teóricos-metodológicos da Gramática do
Design Visual (GDV) propostos por Kress e van
Leeuwen (2006), conforme abordamos na seção anterior.
A seguir, sintetizamos informações a respeito dos filmes
e seus respectivos vilões.

243
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

2.3 À guisa de informação: quem são Malévola,


Coringa e Cruella?

Esta seção propõe situar o leitor no contexto das


obras cinematográficas selecionadas para a análise: os
filmes Malévola (2014), Coringa (2019) e Cruella (2021).
Para isso, apresentamos breves discussões a respeito das
narrativas e seus protagonistas.
O filme Malévola recria a história de um famoso
conto de fadas. Os contos de fadas apresentam,
tipicamente, histórias cheias de encantamentos,
personagens fantásticos, como dragões, elfos, fadas,
bruxas e diversos outros tipos. Existem muitas histórias
e, dentre as mais conhecidas em nossa literatura, temos
A Bela Adormecida. Apesar da existência de variadas
versões, a essência da história permanece a mesma. O
enredo acompanha o destino de uma pequena princesa
que é amaldiçoada pela bruxa má logo após o seu
nascimento. É um dos mais conhecidos contos de fadas,
com diversas versões e adaptações cinematográficas,
como o filme Malévola, cuja protagonista é analisada
neste artigo.
O longa-metragem Malévola foi produzido pelos
estúdios Walt Disney e lançado no ano de 2014. O filme
conta a história de uma das maiores vilãs da Disney,
Malévola, que era a madrasta da Bela Adormecida na
versão do conto de 1959, também produzida pelos
estúdios Walt Disney, sendo a vilã a personagem má que

244
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

tem que ser vencida pelo herói e, somente após a vitória,


tem a recompensa de viver felizes para sempre.
Malévola, com “vestes em preto e roxo, seu castelo
rodeado de trevas, seu exército de monstros e seu ‘fiel
escudeiro’ um corvo” (OLIVEIRA, 2015, p. 24), é uma
personagem sombria e, com referências de uma figura
diabólica, representa a verdadeira imagem de uma vilã.
Em Malévola (2014), somos apresentados a uma
versão dos fatos desconhecidos da história de vida da
vilã. A personagem, inicialmente, é uma fada boa,
protetora do reino dos Moors e que desde pequena
mantinha o reino em paz. O destino age, quando um dia
se apaixona, mas é traída por esse grande amor. A partir
daí, Malévola torna-se uma bruxa má, amarga e com
sede de vingança. Malévola consegue realizar sua
vingança ao proferir uma maldição contra a filha do seu
grande amor. A reviravolta da história acontece quando,
aos poucos, Malévola começa a desenvolver afeição à
jovem Aurora. No final, Malévola quebra a maldição
lançada por ela mesma e, aos poucos, abandona a
imagem de vilã, bruxa má e amargurada,
transformando-se, assim, na heroína da história.
O estereótipo da personagem se reconstrói
durante toda sua trajetória no filme. Inicialmente, apesar
de ter asas e grandes chifres, a aparência da Malévola
não era sombria, mas, sim, de uma menina gentil e
inocente. Contudo, mudanças vão acontecendo na
narrativa, a dor da traição a transformam em um ser do

245
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

mal em busca de vingança e seu entorno muda também.


Malévola, envolta em tons sombrios, com vestes longas
e pretas, os chifres pretos e mais pontiagudos, era uma
extensão do próprio mal.
Conforme a história se desenvolve, durante a
trajetória de transformação de vilã a heroína, vemos
Malévola com longas roupas e os chifres, mas envolta de
luz e tons dourados, mostrando certa redenção. Tal
aparência a afastava da imagem de bruxa, de vilã
(AMARAL; SOUZA, 2021). E, assim, no final do conto de
fadas, a personagem encontra a felicidade no “para
sempre”. Em suma, o filme evidencia a desconstrução da
imagem de vilã de Malévola.
Hodiernamente, com frequência, tem-se dado
ênfase a filmes que tentam humanizar a figura dos mais
diferentes vilões, mostrando suas fragilidades e os
motivos que os fizeram tomar atitudes antagonistas. É o
que ocorre no filme Coringa (2019). O personagem
Coringa foi inicialmente apresentado ao público através
de HQ's da editora DC Comics como o antagonista do
herói Batman. Não possuindo habilidades sobre-
humanas e com visão de valores deturpados, o vilão
destaca-se por ser um gênio do crime em que sua figura
é marcada pela loucura, por vezes sendo considerada
seu maior poder, o que torna suas ações imprevisíveis.
O filme Coringa (2019) permite uma observação
do personagem sob outra perspectiva, em primeiro
lugar, por apresentá-lo como protagonista e, em

246
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

segundo lugar, por guiar o telespectador através de sua


trágica jornada, abordando as dificuldades e traumas
vivenciados por ele até o ponto em que se torna o
conhecido vilão.
Em Coringa, somos apresentados a Arthur Fleck,
um homem com problemas mentais que trabalha como
palhaço para sustentar a si mesmo e à sua mãe, uma
senhora também doente. No decorrer da trama, Fleck
vive uma série de acontecimentos que provocam nele
sentimentos de insatisfação, injustiça e raiva, levando-o
a perder o controle e tornando-se o Coringa, personagem
que demonstra características frágeis e típicas de seres
humanos.
Tal proposta de humanizar um vilão
mundialmente conhecido também é encontrada no filme
Cruella (2021). Assim como em Malévola (2014), o longa-
metragem Cruella foi produzido pelos estúdios Walt
Disney, em 2021, sendo uma das produções
cinematográficas mais recentes do estúdio.
Entretanto, a personagem Cruella é apresentada
aos telespectadores muito antes do ano supracitado. Em
1996, com a produção do filme Os 101 Dálmatas pela Walt
Disney, Cruella é apresentada como uma estilista de
moda que tenta sequestrar uma família numerosa de
dálmatas dos recém-casados Anita e Roger, na tentativa
de customizar casacos sofisticados com o pêlo dos
animais.

247
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

25 anos depois, Cruella ganha um filme em que


aparece como protagonista, mostrando sua trajetória
desde criança até ser considerada a já conhecida vilã de
Os 101 Dálmatas. O enredo fílmico apresenta um outro
lado da vida de Cruella: seu drama familiar, que deixou
traumas profundos nas suas relações interpessoais.
Cruella, apesar de viver como órfã nas ruas de Londres,
desenvolve um bom vínculo afetivo com os demais
órfãos com quem convive. No entanto, sua face cruel é
revelada quando começa a conviver com a Baronesa Von
Hellman, estilista admirada no mundo da moda.
O amor pela arte e pelo design não é suficiente
para que Cruella esqueça suas amarguras e seu
sentimento de vingança. É nesse momento que o lado
vilã da protagonista aflora. Conforme a Toalha Nerd27,
Cruella “[..] tem uma personalidade forte que é
especialista em instaurar o caos por onde passa, uma
história que consegue prender o telespectador de
maneira inteligente em trazer uma roupagem madura à
personagem e os motivos para se tornar quem é”. Assim,
a partir do filme, o telespectador consegue compreender
melhor a história da vilã Cruella.
Passamos, a seguir, à discussão do passo a passo
metodológico desta pesquisa.

27Toalha Nerd é um site voltado para a resenha de filmes, séries e


documentários relevantes para o contexto “geek”. Disponível em:
https://www.toalhanerd.com/.

248
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

3 METODOLOGIA

Nesta seção, dedicamos a apresentar os


procedimentos metodológicos utilizados para o
desenvolvimento deste estudo. A presente pesquisa tem
como objetivo analisar a representação da imagem dos
vilões Malévola (2014), Coringa (2019) e Cruella (2021) sob
enfoque da análise visual de seus respectivos cartazes de
filmes. Para este fim, fundamentamo-nos nos aportes
teóricos e metodológicos de análise da Gramática do
Design Visual (GDV), proposta por Kress e Van Leeuwen
(2006), e buscamos evidenciar, especificamente, as
metafunções representacional e interativa das imagens,
por entendermos que tinham mais a agregar à análise
dos cartazes de filmes escolhidos para este trabalho.
A nossa pesquisa se caracteriza como qualitativa,
também chamada de pesquisa interpretativa. Segundo
Paiva (2019), o propósito desse tipo de abordagem é
descrever e explicar diferentes fenômenos sociais, a
partir de diferentes formas, sendo possível a realização
de análises de experiências individuais, de documentos
como textos, filmes ou imagens. Visto que, neste estudo,
a principal característica é a interpretação dos sentidos
abordados nos pôsteres dos filmes, optamos por
trabalhar com a abordagem qualitativa/interpretativa.
Os dados analisados são compostos de três
cartazes de filmes, referentes a cada um dos vilões
abordados. Pesquisas foram realizadas virtualmente e os

249
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

pôsteres oficiais foram encontrados online no site


AdoroCinema28. Assim, nossa pesquisa seguiu as
seguintes etapas metodológicas:

a) definição do gênero a ser analisado –


decidimos pelo Cartaz de Filme, em razão da
importância que esse gênero tem em relação a
prover informações visuais de filmes, servindo ao
meio publicitário, que oferece, inicialmente,
contato com os espectadores e uma atmosfera de
suspense e expectativa entre o enredo do filme e o
que o espectador espera ver. Além disso, com o
pôster de filme, é possível identificar
características dos personagens dos filmes, o que
nos possibilita, com a análise multimodal, realizar
novas releituras desses personagens;
b) seleção dos filmes – a escolha dos filmes
Malévola, Coringa e Cruella se deu em função de
serem adaptações fílmicas de grandes vilões de
contos de fadas, histórias infantis e HQ’s

28 AdoroCinema é um website brasileiro, considerado um dos


principais bancos de informações sobre o mundo do cinema. As
informações são dedicadas aos principais filmes e séries, datas de
estreias, dispondo de resenhas, críticas dos leitores, curiosidades
sobre os atores, diretores e produtores. Além de disponibilizar
pesquisas de horários dos filmes e salas de cinemas no Brasil todo.
Todo material pode ser acessado gratuitamente tanto por um
aplicativo quanto pelo site oficial: https://www.adorocinema.com.

250
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

conhecidos pelos espectadores e que, em seus


respectivos filmes, as histórias desses
personagens ganharam destaques. Sob o olhar de
uma nova releitura da ideia de vilão, propomos a
análise visual dos cartazes desses filmes;
c) seleção dos cartazes – a seleção tinha de seguir
os seguintes critérios: 1) todos os pôsteres tinham
que ser oficiais, lançados pelas suas respectivas
produtoras; 2) as imagens da capa do pôster
tinham de mostrar os personagens Malévola,
Coringa e Cruella;
d) procedimento dos dados – realizamos a análise
multimodal dos textos dos cartazes de filmes, a
partir do aporte teórico-metodológico da
Gramática do Design Visual, buscando analisar
apenas as metafunções representacional e
interativa, visto que contribuíram mais para a
nossa análise;
e) discussão das análises – em texto corrido,
apresentamos o pôster do filme e, em seguida, as
discussões acerca dos aspectos multimodais das
imagens analisadas.

Assim sendo, apresentamos, na seção seguinte, as


análises dos principais significados presentes nos
cartazes dos filmes, segundo as premissas da GDV.

251
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS CARTAZES DE


FILMES

De acordo com as categorias dos significados


representacionais e interativos da Gramática do Design
Visual, proposto por Kress e van Leeuwen (2006), nesta
seção, passamos a analisar o modo como os elementos
visuais dos pôsteres de filmes – Malévola, Coringa e
Cruella – são produzidos e de que forma representam a
imagem de seus respectivos personagens, os vilões.
Apresentamos, a seguir, o cartaz do filme Malévola
e a análise visual, mostrando os principais significados
interpretados.
O pôster do filme Malévola, apresentado na Figura
5, traz a personagem principal em total evidência.
Enquadrada de maneira fechada e com foco em seu
rosto, não mostra presença de outros personagens e nem
muitos detalhes. No pôster, é possível perceber alguns
elementos importantes na construção da vilã. Malévola é
uma adaptação do conto de fadas A Bela Adormecida e
tem a personagem principal conhecida na história
infantil por ser a bruxa má e que tem que ser combatida
pelo herói. Dessa forma, é possível afirmar que o pôster
tenta apresentar ao público, a priori, a imagem dessa
personagem que é má, uma figura diabólica por conta
dos chifres.

252
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

Figura 5 - Pôster do filme Malévola.

Fonte: AdoroCinema (2014)29.

Entretanto, como o título do filme já evidencia, a


trama é contada a partir da visão da vilã. Respeitando a
história clássica, os personagens e os elementos que o
público telespectador já conhece, os espectadores são
envolvidos na vida dela, mostrando os fatos
desconhecidos da história sobre o que havia acontecido

29 Disponível em: https://www.adorocinema.com/filmes/filme-


201429/fotos/detalhe/?cmediafile=21057123. Acesso em 06 de janeiro
de 2022.

253
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

antes e, assim, despertando sentimentos empáticos e de


compreensão ao explicar os motivos das ações que a
transformara em vilã.
A imagem apresentada no pôster de Malévola tem
como foco total a protagonista do filme, aparecendo
parcialmente da cabeça até os ombros e com o adereço
na cabeça. Segundo os preceitos de categorização da
GDV utilizados na nossa análise, o cartaz pode ser
classificado como uma estrutura conceitual.
Considerando as discussões de Kress e Van Leeuwen
(2006), os processos conceituais representam
participantes de maneira estática, não tendo presença de
elementos executando ações. À vista disso, observamos
que Malévola não realiza nenhum movimento, apenas
observa o leitor de maneira fixa.
Um olhar atento aos grandes chifres de Malévola,
que é um elemento inerente à imagem da vilã e
carregado de significados, podemos inferir que esse é
utilizado como uma possível simbologia de poder do
mal, tendo a vilã como uma figura diabólica, uma vez
que, na popular caracterização do diabo, ele também
possui um par de chifres. Kress e van Leeuwen (2006)
acrescentam que as estruturas visuais conceituais podem
ainda ser analisadas e classificadas a partir do elemento
principal, dos seus atributos e identidades. Diante disso,
podemos classificar o processo conceitual como
analítico. Nesse processo, as imagens são construídas

254
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

com uma intrínseca relação entre a parte (os atributos


possessivos) e o todo (o portador).
De acordo com Novellino (2007), as imagens que
apresentam tal processo analítico possibilitam que os
atributos possuídos pelo personagem se relacionem com
o todo. Destarte, podemos afirmar que há uma relação
da personagem Malévola com o atributo analisado, no
caso, os seus chifres. Podemos ainda categorizar esse
processo conceitual analítico como sendo
desestruturado, dado que, no cartaz não especifica qual
a relação do personagem com o atributo. No pôster, não
há presença de legendas ou rótulos, o que permite que o
leitor tenha suas próprias observações e interpretações,
como a que foi realizada aqui.
De forma geral, as imagens não realizam interação
apenas entre os recursos que as compõem, elas também
estabelecem relação entre o produtor da imagem e os
seus observadores. Tal relação entre esses dois
participantes interativos – produtor e observador –
acontece através dos personagens representados na
imagem (NOVELLINO, 2007). O que nos permite
estabelecer interpretações acerca da forma que o
personagem interage com o leitor. Segundo Fernandes e
Almeida (2008) tais recursos são chamados de
estratégias de aproximação ou afastamento e buscam
estabelecer um elo imaginário, neste caso, entre
Malévola e o telespectador. Seguindo com as
observações ao pôster, podemos ver a personagem

255
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

Malévola olhando para frente e diretamente nos olhos do


observador. Um olhar fixo, profundo, que exala a força
de uma poderosa bruxa-feiticeira. Esse tipo de olhar
demonstra uma relação íntima para com quem está
observando que, de acordo com as premissas da GDV,
projeta um contato de demanda.
Um segundo aspecto de interação presente nas
imagens é o que os pesquisadores Kress e Van Leeuwen
(2006) chamam de distância social. Essa função está
relacionada com o enfoque e o enquadramento que é
feito do participante na imagem. O representante na
imagem, quando posicionado “próximo ou distante do
leitor, pode criar uma relação que varia entre níveis de
maior intimidade, de vínculo apenas social ou de maior
impessoalidade” (NASCIMENTO et al., 2011, p. 540). No
pôster do filme, a personagem está enquadrada em uma
distância curta, isto estabelece uma relação íntima e
pessoal entre a participante e o telespectador.
Malévola é mostrada bem de perto e em um
ângulo fechado, seu rosto e ombros estão aparentes,
podendo ser possível ver os contornos mais acentuados
e sombreados do seu rosto. Além disso, sua maquiagem,
os detalhes da boca marcada por um tom de vermelho
vivo e os olhos esfumados dão profundidade aos tons
azuis-esverdeados. A proximidade da imagem expressa
o close up, permitindo que os detalhes do rosto da vilã
sejam evidentes e façam com que o observador obtenha
intimidade com a protagonista.

256
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

A perspectiva que uma imagem é construída


também pressupõe níveis de interação referentes ao
participante e ao leitor. A perspectiva está relacionada ao
ângulo ou ponto de vista que o participante da imagem
é mostrado e, a partir do posicionamento deste, pode
provocar maior ou menor envolvimento entre o
observador e a imagem. Conforme Kress e van Leeuwen
(2006), a disposição do participante acontece através de
três ângulos: frontal, oblíquo e vertical. Na imagem em
análise aqui, há um destaque grande na personagem
principal Malévola, com o corpo posicionado um pouco
de lado, caracteriza um ângulo oblíquo, no qual
poderíamos associar a um menor envolvimento da
personagem com o leitor, e tendo como grande destaque
do cartaz do filme o rosto da personagem posicionado
em um ângulo frontal, que indica que o nível de
envolvimento com o leitor é alto, além de ser direto e de
compartilharem bastante intimidade.
Ao serem colocados de frente um para o outro, o
leitor é convidado a fazer parte do mundo simbolizado
na imagem. Os espectadores já conhecem a história que
é contada nas outras versões do conto de fadas, na qual
Malévola é a bruxa má que propagou uma maldição
contra a mocinha da história, o que ainda não se conhece
são os motivos que levaram a vilã às suas ações.
Em Malévola (2014), inicialmente a personagem é
apresentada com uma personalidade boa, gentil e

257
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

inocente. Conforme a trama se desenvolve, ocorre a


transformação em um ser do mal em busca de vingança.
No pôster do filme, a protagonista aparenta ter sido
construída para não apenas parecer ser uma bruxa má,
mas para simbolizar ser uma extensão do próprio mal.
Após seus momentos de vingança, vemos a
transformação de vilã em uma quase heroína. Apenas ao
assistir ao filme que o espectador é apresentado aos dois
lados da personagem: a sua impetuosidade e a sua
generosidade.
Ainda no que concerne à análise interativa do
pôster do filme Malévola, analisamos o grau de verdade
que a imagem transmite, ou seja, a modalidade. Segundo
Fernandes e Almeida (2008), a modalidade pode ser
conferida através de diferentes mecanismos que ajustam
o nível de realidade representado na imagem, podendo
ser alta ou baixa, dependendo dos meios visuais
utilizados. A partir disso, alguns elementos servem
como marcadores e critérios para modular a realidade,
sendo eles: a utilização de cores, contextualização,
iluminação e brilho.
No cartaz do filme, podemos perceber que
Malévola é apresentada de forma bastante realista e
naturalista. Observamos a imagem da personagem com
cores fortes e escuras, dando ênfase às roupas e aos seus

258
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

chifres. Tais cores acentuam “a maldade e a dor da


personagem, além de demonstrar soberania e elegância”
(OLIVEIRA, 2015, p. 32). Vemos também outras cores
mais vibrantes e saturadas, como a cor azul-esverdeado
destacada nos olhos da protagonista e a cor vermelho
vivo do batom em sua boca.
Quanto à contextualização de um cenário,
podemos observar que Malévola está imersa em
escuridão e contornada pelas sombras. O fundo em total
escuridão pode ser entendido como a extensão do mal,
uma harmonia da própria vilã com os tons sombrios,
tornando-se até difícil determinar com precisão a
personagem no pano de fundo, visto que os detalhes das
roupas se misturam no tom escuro.
A luz e a iluminação somam-se ao cenário, ao
mostrar um feixe de luz no rosto da protagonista do
filme, tão específico que a pele de Malévola quase chega
aos tons cinzas. Posto isto, podemos afirmar que a
modalidade deste cartaz, de acordo com Kress e Van
Leeuwen (2006) é alta, permitindo que o leitor observe a
imagem e perceba grandes semelhanças com a realidade.
O cartaz do filme Coringa (2019) (Figura 6) permite
a análise de outros elementos imagéticos segundo as
metafunções representacional e interativa propostas por
Kress e Van Leeuwen (2006).

259
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

Figura 6 - Pôster do filme Coringa.

Fonte: AdoroCinema (2019)30.

A imagem, no cartaz apresentado na Figura 6,


trata de um recorte de uma cena do filme Coringa (2019).
À guisa de contextualização, após cometer seu primeiro
crime, Arthur Fleck assume a persona do palhaço e, a
caminho para uma entrevista televisiva, em que o

30 Disponível em: https://www.adorocinema.com/filmes/filme-


258374/fotos/detalhe/?cmediafile=21656540. Acesso em 06 de
janeiro de 2022.

260
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

principal objetivo é ridicularizar o personagem, executa


a cena em questão. A dança na escadaria desempenhada
pelo vilão indica um novo estado mental do
personagem, em que este se rende à loucura e à perda do
controle.
Segundo a metafunção representacional, o cartaz
de Coringa (2019) pode ser categorizado como narrativo,
pois “os processos narrativos representam os
participantes visuais em movimento (s) de ação, em
termos de feitos e acontecimentos dinâmicos, visto que
apresenta o personagem realizando uma ação”
(ALMEIDA, 2009, p. 179). O personagem aparece no
centro do cartaz assumindo uma posição voltada para
cima, indicando um sentimento de vitória, liberdade e
aceitação. Tal postura do participante visual corrobora
com a ideia central da cena cuja imagem faz referência,
por indicar triunfo pela perda do controle que o
personagem Arthur Fleck representava.
Os processos narrativos observados podem ser
classificados como não-transacionais, visto que as ações
presentes no cartaz são expressas apenas pela posição do
personagem e os sentimentos que ele revela. Dessa
forma, apesar de aparecer sozinho na imagem, não
apresentando elementos que indiquem uma ação
ocorrendo entre duas ou mais pessoas, essa classificação
pode ser realizada através da leitura do próprio corpo do
participante visual, conforme explica Almeida (2009, p.
179), ao dizer que “se a ação envolve apenas o Ator, sem

261
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

nenhum participante a quem a ação é direcionada, essa


imagem é considerada não transacional”.
As vestes do personagem reforçam a ligação deste
com a profissão que exerce, devido à escolha de
representar a figura do palhaço através de trajes mais
caricatos, com maquiagem e roupas coloridas e
possuindo cabelo verde. Assim, as vestes apresentadas
no cartaz reproduzem os trajes que Fleck utiliza em seu
local de trabalho e, por ser assim, possuem teor mais
cômico.
Outro aspecto pertinente para análise é a paleta de
cores do plano de fundo. Enquanto o personagem
apresenta cores vivas e saturadas, o ambiente a sua volta
possui tons mais opacos de amarelo e marrom. Tais
escolhas dão a ideia de sujeira e caos na cidade, que é um
dos assuntos abordados no filme, e trazem para o cartaz
aspectos sombrios.
O Coringa se encontra entre dois prédios e, no
centro deles e imediatamente atrás do personagem,
encontra-se o céu, onde é possível observar novamente a
ação da paleta de cores opaca. Dessa forma, no lugar de
tons de azul, a representação do céu é construída por
meio de tons de cinza, apresentando um céu nublado, o
que traz novamente à tona a atmosfera mais obscura do
filme. Observa-se também que a luz do dia está presente
no cartaz, embora seja quase imperceptível. Ao contrário
do que se é esperado, esta, por sua vez, está envolta em
tons mais opacos do que luminosos.

262
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

Ao compararmos a escolha da paleta de cores do


Coringa e do mundo à sua volta, podemos compreendê-
los como elementos contrastantes. Assim, enquanto o
mundo se encontra em meio ao caos, o Coringa se
encontra em plenitude, livre da culpa e do medo no
centro da fotografia. Isso reforça a ideia inicialmente
proposta de que o personagem apresentado no cartaz se
rende à loucura e à perda do controle.
Segundo a metafunção interativa de Kress e Van
Leeuwen (2006), é possível analisar outros elementos
imagéticos do cartaz de Coringa (2019), tais como o
contato, a distância social, a perspectiva e a modalidade.
Através da observação do olhar do vilão, a
primeira categoria da metafunção interativa revela-se ser
a de oferta. Isso significa dizer que o participante da
imagem não faz contato visual com o leitor do cartaz,
estando de olhos fechados e voltados para cima. Essa
observação revela que tal escolha foi feita para que o
vilão se apresentasse como objeto de contemplação. Seu
sentimento de plenitude é, portanto, colocado em
evidência.
Quanto à distância social apresentada no cartaz,
observa-se o plano aberto, visto que o Coringa se
encontra no centro da imagem com todo seu corpo e o
ambiente a sua volta visível para o observador. Por estar
colocado dessa forma, o cartaz pretende dar mais
atenção às ações do Coringa do que à sua personalidade
propriamente dita. Isso se relaciona com a ideia de que

263
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

na cena do cartaz o vilão está totalmente alheio ao


mundo a sua volta, não procurando estabelecer uma
relação de intimidade e familiaridade com o espectador.
Na categoria perspectiva ou ponto de vista,
observa-se que a fotografia do participante visual do
cartaz é apresentada de baixo para cima, o que revela um
ângulo baixo. Para Almeida (2009, p. 184), quando o
participante da imagem é capturado dessa forma, “ [...]
dizemos que o participante na imagem é quem detém o
poder em relação ao seu observador”. Isso expressa o
sentimento de grandeza e liberdade do personagem na
cena retratada, pois este sente que está acima de tudo e
todos. Outro elemento que reforça essa suposição, é a
escolha de posicionar o vilão no topo da escadaria,
simbolizando o percurso do personagem Arthur Fleck
em se tornar o Coringa, que parece o levar ao êxtase.
O cartaz de Coringa (2019) apresenta alta
modalidade, sendo categorizado como naturalista.
Desse modo, a imagem se trata de um recorte de uma
cena do filme, trazendo cores variadas e saturadas e
apresentando um plano de fundo, aspectos estes que
marcam a modalidade naturalista.
Assim como em Malévola (2014) e Coringa (2019),
o cartaz do filme Cruella (2021) também apresenta
aspectos sombrios. Entretanto, é possível uma análise
distinta quanto aos significados imagéticos apresentados
(Figura 7), tendo como base a metafunção

264
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

representacional e interativa, de Kress e Van Leeuwen


(2006).

Figura 7 - Pôster do filme Cruella.

Fonte: AdoroCinema (2021)31.

Sob o viés da metafunção representacional,


apresentada por Kress e Van Leeuwen (2006), pode-se
classificar o pôster de Cruella (2021) como conceitual,
uma vez que não apresenta vetores, ou seja, ações

31 Disponível em: https://www.adorocinema.com/filmes/filme-


224395/. Acesso em 06 de janeiro de 2022.

265
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

realizadas na ilustração que transmitam um enredo


narrativo. Ao contrário, Cruella aparece sozinha na capa,
com alguns acessórios e expressões que denotam poder
e domínio. Assim, “Nos chamados processos
conceituais, pessoas, lugares e objetos são definidos,
analisados ou classificados, inclusive seres abstratos”
(ALMEIDA, 2009, p. 181).
A princípio, a vilã aparece no centro segurando
um bastão preto, símbolo associado à ideia de
autoridade. Assim como os reis e a alta nobreza –
representada pelo clero –, no século XX, apresentavam
um cetro, indicando sua posição de destaque e de
liderança, Cruella também constrói essa imagem de
mulher no comando. Essa classificação é denominada
como implícita por Kress e Van Leeuwen (2006), pois
“[...] não há legendas na imagem orientando a respeito.
Temos que inferir [...]” (NASCIMENTO, 2011, p. 537).
Suas vestes, da mesma forma, indicam um pouco
da personalidade da vilã. A modelagem diferenciada e o
caimento do vestido condizem com a imagem autêntica,
criativa e estilosa que Cruella quer transmitir. Ademais,
o corte de cabelo nada convencional e o contraste entre o
preto e o branco também são formas de chamar a atenção
por meio da aparência, que remete até mesmo à
profissão da vilã, uma vez que ela é estilista.
Outro fator relacionado ao uso das cores está na
escolha do contraste entre o plano de fundo e o cabelo de
Cruella. A partir do processo simbólico defendido por

266
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

Kress e Van Leeuwen (2006) – “[...] quando há a presença


de elementos na imagem que acrescentam valor extra,
justamente por não serem intrínsecos a ela”
(NASCIMENTO, 2011, p. 539) –, é perceptível como há
uma confusão entre a representação cultural-histórica do
branco (que está associado à luz, à pureza, à santidade e
à paz) e do preto (que indica o mal, a morte, o cenário
sombrio). O lado do cabelo branco da vilã está mesclado
ao plano de fundo preto, e o lado do cabelo preto da vilã
está mesclado ao plano de fundo branco.
Essa confusão entre duas cores tão
representativas dá margem ao diálogo entre o bem e o
mal, sendo essa uma problemática demonstrada no filme
Cruella (2021). A oposição entre bem e mal é denominada
como maniqueísmo e está enraizada na sociedade há
muito tempo. Conforme Lima (2001, p. 2):

O maniqueísmo é uma forma de pensar simplista em


que o mundo é visto como que dividido em dois: o do
Bem e o do Mal A simplificação é uma forma primária
do pensamento que reduz os fenômenos humanos a
uma relação de causa e efeito, certo e errado, isso ou
aquilo, é ou não é. A simplificação é entendida como
forma deficiente de pensar, nasce da intolerância ou
desconhecimento em relação à verdade do outro e da
pressa de entender e reagir ao que lhe apresenta como
complexo.

267
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

Assim, para entender todo o teor distópico e a


construção imagética da Figura 7, é necessário
desprender-se dessas visões simplistas enfatizadas por
Lima (2001). Nesse sentido, é preciso reconhecer as
pessoas, e também os personagens vilões, como seres
complexos, que vão além de classificações taxativas.
Sob o viés da metafunção interativa de Kress e
Van Leeuwen (2006), é possível analisar aspectos como o
contato, o ponto de vista, a distância social e a
modalidade no pôster do filme de Cruella (2021). Esses
aspectos, assim como enfatiza Almeida (2009),
estabelecem vínculos entre o observador da imagem e a
imagem em si.
Quanto ao contato, o olhar da vilã é definido
como um “olhar de demanda” – termo definido por
Kress e Van Leeuwen (2006) –, pois Cruella olha
fixamente nos olhos do observador, demonstrando uma
aproximação entre ambos. Vale salientar que o contato
visual da protagonista, além de ser provocativo, traz um
ar de sensualidade e de sedução.
Quanto ao ponto de vista e à distância social,
respectivamente, Cruella aparece em um ângulo frontal
– que indica maior envolvimento e proximidade do
personagem com o observador –, mas, ao mesmo tempo,
em um plano aberto – já que mostra todo o seu corpo em
uma perspectiva mais distante do observador. Essa
dicotomia entre distância e proximidade demonstra um
pouco da complexidade da vilã: ora transpira confiança

268
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

e acessibilidade, ora transpira introspecção e


distanciamento.
Por fim, quanto à modalidade, embora a
saturação seja baixa, isto é, muito voltada ao preto e
branco, é considerada naturalista, o que significa dizer
que “[...] é definida com base na congruência que existe
entre o objeto de uma imagem e aquilo que se vê a olho
nu” (ALMEIDA, 2009, p. 184). Isso ocorre porque a
modalidade naturalista documenta e se aproxima mais
do real, fugindo das ilustrações que representam um
cenário fictício, como os apresentados em desenhos
animados.
Nesta seção, discutimos sobre os elementos
imagéticos por meio das metafunções representacional e
interativa e como tais aspectos constroem a figura do
vilão nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e Cruella.
A seguir, apresentamos as considerações finais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presente pesquisa, foram realizadas leituras e


interpretações das estruturas visuais apresentadas nos
cartazes das produções cinematográficas de Malévola
(2014), Coringa (2019) e Cruella (2021), sob o viés dos
princípios teóricos-metodológicos da Gramática de
Design Visual de Kress e van Leeuwen (2006). O objetivo
principal foi investigar a representação e construção da
figura do “vilão” nos cartazes dos respectivos filmes.

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Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

O cartaz de filme faz uso da linguagem visual para


entreter e envolver o telespectador, visto que, é a partir
do pôster que o público tem o primeiro contato com o
filme que deseja assistir. Tais imagens realizam diversas
interações com o observador, permitindo-lhe realizar
suas próprias observações e construir interpretações
acerca do conteúdo do filme.
Com base nas discussões realizadas, constatamos
que a representação do vilão nos cartazes analisados é
construída sobre elementos que demonstram aspectos
sombrios dos protagonistas e retratam-nos como figuras
imponentes e poderosas. No cartaz do filme Malévola
(2014), a vilã é representada envolta por cores
predominantemente escuras e com grandes chifres. O
visual da personagem aparenta ser a própria extensão do
mal, formando assim, a imagem de uma verdadeira vilã.
Embora o cartaz do filme Coringa (2019) apresente
paleta de cores mais diversas, é possível observar a
atmosfera sombria da imagem através do contraste entre
o personagem e o plano de fundo em que ele está
inserido. Assim, enquanto o Coringa se encontra no
centro da imagem em uma posição de triunfo, envolto
em cores vivas e saturadas, o mundo a sua volta é
representado em tons mais opacos, representando o caos
e a desordem na cidade abordadas no filme.
Assim como em Malévola e Coringa, o cartaz do
filme Cruella (2021) também apresenta elementos
sombrios. A protagonista é apresentada com expressões

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Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

que denotam poder e domínio, com objetos que reforçam


a ideia de autoridade. A vilã é exposta em uma
dualidade de cores, ora o preto, culturalmente
relacionado ao mal, à morte e remete a um cenário
sombrio; ora branco, associado à luz, à pureza, à
santidade e à paz.
Considerando a análise proposta nesta pesquisa,
podemos concluir que a ilustração visual de um cartaz
de filme nos diz muito sobre a trama do filme, dos
personagens e toda a atmosfera da narrativa, uma vez
que nos oferece inúmeras possibilidades de significados,
a depender de quem realiza as análises.
Afinal, “os elementos presentes nas imagens
ganham significado ao serem interpretados pelos
diferentes leitores, cujas percepções dependem do
contexto cultural em que estão inseridos e do
conhecimento de mundo que trazem para a sua leitura”
(MAGALHÃES, 2013, p. 22). Compreendemos também
que a Gramática do Design Visual (GDV) é apenas uma
das alternativas de analisar os elementos imagéticos no
gênero cartaz de filme.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Danielle Barbosa de. Do texto às imagens:


as novas fronteiras do letramento visual. Linguística
aplicada: um caminho com diferentes acessos. São
Paulo: Editora Contexto, p. 173-202, 2009.

271
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

AMARAL, Marcos Roberto dos Santos; SOUZA,


Fernanda do Nascimento. Dos contos de fadas ao filme
Malévola: um olhar sobre o ser vilão sob a perspectiva
dialógica do discurso. Littera Online, Maranhão, MA,
v. 12, n. 22, p. 118-145, 2021.

FERNANDES, José David Campos; ALMEIDA,


Danielle Barbosa Lins. Revisitando a gramática visual
nos cartazes de guerra. IN: Danielle Barbosa Lins
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UFPB, p. 11-31, 2008.

HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood. An


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LIMA, Raymundo de Oliveira. Maniqueísmo: o Bem, o


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MAGALHÃES, Célia Elisa Alves. Cartazes de filmes:


um exercício de letramento visual. Pesquisas em
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272
Cap. 6 - A representação imagética nos cartazes dos filmes Malévola, Coringa e
Cruella à luz da Gramática do design visual

NASCIMENTO, Roseli Gonçalves; BEZERRA, Fábio


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Multiletramentos: iniciação à análise de imagens.
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OLIVEIRA, Paula Guimarães. O figurino enquanto


parte da linguagem cinematográfica: a cor como
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MG, 2015.

PAIVA, Vera Lúcia Menezes de Oliveira. Manual de


pesquisa em estudos linguísticos. 1. ed. São Paulo:
Parábola, 2019.

273
Retornar ao Sumário
Capítulo 7

GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL: ANÁLISE DA


METAFUNÇÃO INTERATIVA EM CAPAS DA
REVISTA VEJA QUE RETRATAM FIGURAS
POLÍTICAS DO CENÁRIO NACIONAL

Andrea Mikaelly Rebouças de Azevedo


João Paulo Rocha Silva

Gramática do Design Visual


Metafunção interativa
capa de revista
Veja
multimodalidade

277
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta uma análise das


representações construídas por meio da imagem na capa
de seis edições da revista Veja. A pesquisa desenvolveu-
se no âmbito da disciplina de Abordagens de Textos
Multimodais, componente optativo do Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte – PPCL/ERN. E faz,
para efeitos do escopo do artigo, referência aos
resultados de investigação que analisou a metafunção
interativa em capas de edições da revista Veja.
Nosso trabalho se propõe, portanto, a estudar os
recursos semióticos, compostos por texto verbal e texto
visual, no corpus selecionado, uma vez que a metafunção
interativa expõe o modo como as pessoas, os objetos e os
lugares representados imageticamente interagem com os
observadores.
A pesquisa se baseia no fato de que, na
atualidade, as pessoas recebem um alto volume de
informações por meio dos mais variados veículos de
comunicação, e isso tem despertado o interesse pelos
estudos voltados à multimodalidade. O mundo da
comunicação tem passado por notáveis mudanças, tanto
no âmbito tecnológico, quanto no âmbito social. Todos
os dias, sofremos estímulos por uma grande quantidade
de imagens que circulam em diversas práticas sociais.

278
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

Dessa forma, a linguagem visual ganha cada vez mais


destaque.
Os textos tradicionais, que costumavam abordar
uma modalidade semiótica por vez, deram lugar a textos
que apresentam, em suas composições, duas ou mais
representações semióticas. Podemos, assim, perceber a
dinamização da comunicação na sociedade
contemporânea, na qual utilizamos diferentes formas de
refletir o mundo.
Expandimos, portanto, a noção de texto,
passando a entendê-lo, conforme nos afirma Kress (1995,
p. 7), como “um ‘tecer junto’, um objeto fabricado que é
formado por fios ‘tecidos juntos’ – fios constituídos de
modos semióticos”. Podemos compreender esses modos
como sendo formas convencionais e sistemáticas de
comunicação, de maneira que um texto pode conter
vários modos semióticos, como palavras e imagens, por
exemplo. Isso posto, chegamos à noção de
multimodalidade.
Tendo em consideração a oratória do autor sobre
a tessitura do texto, a multimodalidade possibilita aos
produtores e leitores dos textos a potencialidade para
imprimir significação dos modos ou meios semióticos.
Desse modo, faz-se indispensável estabelecer novos
caminhos de pesquisa para os estudos em semiose
humana no que tange à comunicação e à representação.
O aporte teórico-metodológico adotado para a
análise das imagens representadas nas capas da revista

279
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

Veja é uma das abordagens da Semiótica Social: a


Gramática do Design Visual, proposta por Gunther
Kress e Theo van Leeuwen (2006). Tal abordagem,
desenvolvida com base nos princípios da Linguística
Sistêmico-Funcional, tem se mostrado eficiente na
investigação de significados socialmente construídos.
À vista disso, este trabalho é organizado em seis
seções distintas. Na primeira seção, encontra-se um
apanhado introdutório; na segunda seção, é feita uma
explanação acerca do gênero multimodal abordado; na
terceira, é realizada a exposição do referencial teórico-
metodológico que dá suporte ao estudo; na quarta,
apresentam-se o corpus e a metodologia para sua
análise; na quinta, analisam-se e discutem-se os dados
obtidos por meio do procedimento de análise adotado,
na quinta seção, apresentam-se os resultados e, por fim,
na sexta seção, encontram-se as considerações finais da
pesquisa.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O GÊNERO CAPA DE


REVISTA

Nesta seção, apresentaremos a noção de gênero a


que nos vinculamos, bem como teceremos algumas
considerações acerca do gênero capa de revista.

280
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

2.1 Os gêneros do discurso

É inquestionável que todas as atividades de


comunicação humana ocorrem mediante um gênero
discursivo. Nessa lógica, Bakhtin (2011) afirma que as
diversas esferas da sociedade têm em comum a
utilização da linguagem, a qual se concretiza na forma
de enunciados. Tais enunciados, para o teórico russo, são
produzidos sempre em determinados campos sociais, o
que os condicionam às finalidades específicas de tal
campo. Sob essa perspectiva, o autor reitera que:

O emprego da língua efetua-se em forma de


enunciados (orais e escritos) concretos e únicos,
proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo
da atividade humana. Esses enunciados refletem as
condições específicas e as finalidades de cada referido
campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo
da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos
lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas
acima de tudo, por sua construção composicional
(BAKHTIN, 2011, p. 261).

No viés do pensamento bakhtiniano, portanto,


esses três elementos – o conteúdo, o estilo e a estrutura
composicional estão relacionados, de forma intrínseca,
no enunciado, o qual é determinado pela instância de
atuação humana a que está vinculado. Nesse viés, para

281
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

Bakhtin (2011, p. 262), os vários campos da atuação


humana, ao utilizarem a língua, produzem “seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, os quais
denominamos de gêneros do discurso” (BAKHTIN,
2011, p. 262, grifos do autor). Nessa perspectiva,
comunicamo-nos a todo momento por meio de algum
gênero do discurso presente em determinada esfera da
sociedade.
Para Marcuschi (2010, p. 19), por sua vez, os
gêneros configuram-se “como eventos textuais
altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos”. Nesse
prisma, reafirmando o que já mencionado por Bakhtin
(2011), o autor aponta que os gêneros emergem mediante
as necessidades e atividades sociocomunicativas de
determinados segmentos da atividade humana.
Confinante a isso, Marcuschi (2010) ressalta que, além de
surgirem por intermédio de determinadas instâncias
sociais, os gêneros também despontam das inovações
tecnológicas, fato perceptível se levarmos em
consideração a quantidade de gêneros existentes hoje.
É importante salientar que esses gêneros
provenientes do avanço das novas tecnologias da
informação e comunicação, atendendo às exigências da
sociedade contemporânea, tendem a ser dinâmicos e a
utilizarem mais de uma modalidade de linguagem em
sua composição. Nessa lógica, Dionísio (2011) afirma
que, se as práticas sociais são multimodais,
consequentemente, os gêneros orais e escritos também

282
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

são multimodais, uma vez que, ao se escrever ou falar,


faz-se uso de, pelo menos, dois meios de representação.
Situada a noção de gêneros que adotamos neste
estudo, na próxima seção, teceremos algumas
considerações acerca do gênero capa de revista, o qual,
em sua composição, dispõe de signos verbais e não
verbais, que devem ser observados ao analisá-lo.

2.1.1 O gênero capa de revista

Para Silva e Cabral (2015), o gênero capa de


revista requer um complexo processo de elaboração,

em que vários elementos participam numa integração


significativa, tais como fotos ou imagens, letras com
variações de tamanho, compondo títulos e subtítulos, e
outras informações pontuais que também caracterizam o
gênero, como assinatura, data, números de edição, logotipo
da empresa (SILVA; CABRAL, 2015, p. 6).

Além desses recursos, as autoras também


salientam a necessidade de lembrar que o enunciador da
capa de revista corresponde a uma equipe de produção,
a qual é incumbida de anunciar matérias comunicadas
em cada edição.
De acordo com Puzzo (2009), é preciso analisar as
capas de revista, de uma forma mais completa, no que
diz respeito à linguagem verbo-visual. Além disso,
segundo a autora, as capas de revista consistem num

283
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

gênero circulante das esferas jornalística e publicitária e,


nesse prisma, atuam tanto na informação, quanto na
persuasão. Conforme Scalzo (2006, p. 62), uma capa
“precisa ser o resumo irresistível de cada edição, uma
espécie de vitrine para o deleite e a sedução do leitor”.
Nesse sentido, as capas de revista fazem uso de recursos
retóricos que atuam na conquista de leitores.
No que tange à instância informativa, os leitores
realizam uma predição do conteúdo das revistas, nesse
viés, Puzzo (2009, p. 130) afirma que:

De certo modo, a expectativa geral do público leitor


das revistas de informação é que sejam imparciais,
restringindo-se apenas à apresentação dos fatos.
Entretanto, essa é uma ilusão que precisa ser desfeita,
principalmente no que tange às capas das revistas,
tendo em vista que passam por um processo de
composição em que os elementos são tratados
expressivamente.

Nesse panorama, recursos como fotos, que


poderiam representar a realidade de forma mais fiel,
apresentam apenas um recorte dessa realidade. Isso
porque tais enunciados nunca serão neutros, pelo
contrário, expressam sempre a ideologia do enunciador
(BAKHTIN, 2011), isto é, evidenciam a opinião do canal
midiático ao qual servem, mascarando, pervertendo ou
relevando somente parte dos fatos, (CHARAUDEAU,

284
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

2013). Na composição do enunciado, à vista disso, a


seleção dos modos semióticos que o constituem reflete o
interesse de determinado veículo de comunicação.
Na constituição das capas, segundo Puzzo (2009),
um dos elementos mais significativos diz respeito às
fotos de personagens públicos da esfera política e
cultural que, impressos nas capas das revistas,
empreendem força persuasiva (PUZZO, 2009). Essa
persuasão, de acordo com Doni (1997), decorre do fato
de as fotografias colocarem os espectadores diante
daquilo que seria uma representação perfeita da
realidade, trazendo credibilidade aos fatos associados a
elas. Vale ressaltar, todavia, que a expressividade desses
recursos dependerá exclusivamente da organização
estilística destes no enunciado. Nesse sentido, são
articulados signos verbais a signos não verbais, a fim de
produzir efeitos de sentido específicos nos leitores,
persuadindo-os.
Após tecermos algumas considerações acerca da
noção de gênero que adotamos e a respeito do gênero
capa de revista, na próxima seção, abordaremos a
Gramática do Design Visual proposta por Kress e Van
Leeuwen (2006).

3 A GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL

Adaptada das metafunções de Halliday e


produzida por Kress e Van Leewen (2006), a Gramática

285
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

do Design Visual – GDV tem atuado como recurso eficaz


no estudo dos sentidos socialmente construídos,
contribuindo “significativamente para a identificação e
sistematização das estruturas imagísticas” (BARBOSA,
2013, p. 76). Isso porque, segundo Kress e van Leeuwen
(2006), na comunicação visual, elementos como cores ou
outras estruturas podem auxiliar na construção de um
texto significativo e coerente. Nessa lógica, para Barbosa
(2013, p. 76), a análise dessas estruturas “pode incluir
pessoas, lugares ou objetos na forma de participantes
representados que podem estar organizadas em
diferentes níveis de complexidade”.
Nesse sentido, no prisma da teoria funcional das
imagens, proposta por Kress e van Leeuwen (2006), as
metafunções visuais são: representacional, interativa e
composicional. Nas próximas seções, discutiremos
acerca de cada uma das metafunções apresentadas pelos
autores.

3.1 Metafunção representacional

A metafunção representacional, para Kress e van


Leeuwen (2006), é aquela responsável pelas estruturas
que formam visualmente as experiências dos sujeitos.
Nessa perspectiva, Barbosa (2013, p. 76) afirma que essa
função

286
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

diz respeito à relação estabelecida entre os participantes


internos de uma composição de imagem. Isso porque a
imagem é realizada por elementos denominados vetores, os
quais correspondem à categoria de ação na linguagem
verbal (processos).

Nas imagens, a função representacional é,


portanto, percebida a partir da relação estabelecida entre
os participantes representados, os quais podem ser
pessoas, objetos ou lugares.
De acordo com Kress e van Leeuwen (2006),
existem dois tipos de participantes envolvidos em cada
ato semiótico: participantes interativos, aqueles das
atividades comunicativas – os participantes que falam e
ouvem, escrevem e leem ou produzem imagens e as
veem; e participantes representados, aqueles que
constituem o sujeito da comunicação, isto é, as pessoas,
lugares e coisas representadas por meio da fala, escrita
ou imagem, os participantes dos quais falamos,
escrevemos ou produzimos imagens32.

32 No original: “are two types of participant involved in every


semiotic act, interactive participants and represented participants.
The former are the participants in the act of communication – the
participants who speak and listen or write and read, make images
or view them, whereas the latter are the participants who constitute
the subject matter of the communication; that is, the people, places
and things (including abstract ‘things’) represented in and by the
speech or writing or image, the participants about whom or which

287
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

As representações narrativas apresentadas por


Kress e van Leeuwen (2006), por seu turno, de acordo
com Barbosa (2013), classificam-se pelas circunstâncias
ou pelo contexto em que o participante se insere e seus
complementos, como: artefatos, ferramentas e figuras
secundárias, que, juntos, formam os significados das
imagens.

3.2 Metafunção interativa

Na metafunção interativa, para Kress e van


Leeuwen (2006), existe uma relação social particular
entre o produtor, o espectador e objeto representado.
Nessa lógica, Barbosa (2013) aponta que nela “aspectos
como contato, distância social, perspectiva e modalidade
têm papel fundamental na identificação da relação entre
leitor/observador da imagem e a imagem propriamente
dita”. Ainda segundo o autor, baseando-se em Kress e
van Leeuwen (2006),

O contato é representado quando o participante olha


diretamente nos olhos do leitor/observador,
estabelecendo um contato de demanda, convidando o
leitor/observador para participar da interação,
olhando-o de forma sedutora, agressiva ou

we are speaking or writing or producing images” (KRESS; VAN


LEEUWEN, 2006, p. 48).

288
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

imperativa. Mas se o participante não olha


diretamente nos olhos do leitor/observador ocorre um
contato de oferta (BARBOSA, 2013, p. 77).

Outro aspecto evidenciado por Kress e van


Leeuwen (2006) é a distância social. De acordo com os
autores, a distância sugere diferentes relações entre os
participantes representados e espectadores. Nesse
sentido, os autores apresentam os planos em close-up,
ou plano fechado, em medium shot, ou plano médio, e
em long shot, ou plano aberto. O plano fechado (close-
up) compreende o enquadramento que vai da cabeça aos
ombros do participante; o plano médio (médium shot)
representa o participante até a cintura ou o joelho; e o
plano aberto (long shot), por sua vez, mostra a figura
completa do participante.
No que concerne à perspectiva ou ponto de vista,
os autores levam em consideração os ângulos frontais,
oblíquos e verticais. Sob essa perspectiva, Barbosa (2013,
p. 78), partindo dos postulados de Kress e van Leeuwen,
aponta que:

a utilização do ângulo frontal está associada à atitude de um


envolvimento entre o leitor/observador e o participante. O
ângulo oblíquo conduz a um sentido de desligamento ao
apresentar o participante em perfil, deixando subentendido
que a representação não pertence ao nosso mundo. O
ângulo vertical e suas variantes (alto, baixo ou de nível

289
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

ocular) apontam para as diversas relações de poder


representadas entre o participante e o leitor/observador.

Um último elemento trata-se da modalidade ou


valor de realidade, que é representado por meio da
modalidade naturista ou sensorial, conforme aponta
Barbosa (2013). Nesse sentido, segundo o autor, quanto
maior a relação da imagem com o real, maior será a
modalidade da imagem.

3.3 Metafunção composicional

A metafunção composicional é responsável pela


estrutura e formato do texto. Isso porque, para Kress e
van Leeuwen (2006), qualquer modo semiótico deve ser
capaz de formar textos. Nessa função, segundo os
autores, a gramática visual disponibiliza uma série de
recursos: diferentes arranjos para permitir a realização
de diversos significados textuais.
Para isso, de acordo com Barbosa (2013, p. 78), ela
“envolve o valor da informação, que se refere à
disposição dos elementos dentro da composição visual,
disponibilizados nas seguintes dicotomias da zona
pictográfica: esquerda/direita; topo/ base;
centro/margem”.

290
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

4 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Nesta seção, evidenciaremos como se deu a


constituição do corpus desta pesquisa e apresentaremos
o percurso metodológico realizado para efetivação deste
estudo.

4.1. Constituição do Corpus

O corpus deste trabalho é composto por capas de


edições dos meses de agosto, setembro, novembro e
dezembro de 2021, e janeiro de 2022 da revista Veja, uma
publicação com periodicidade semanal direcionada,
principalmente, ao público que tem interesse pelo
cenário político nacional e global, sendo atualmente
produzida pela Editora Abril. A escolha da revista Veja
como objeto de pesquisa foi determinada pelo grande
alcance social que ela tem no cenário brasileiro,
dispondo de grande destaque no mercado editorial
nacional.
De forma resumida, a Veja é a revista de maior
circulação no país, o que significa dizer que é com as
representações dessa revista que a maioria das pessoas
que leem revistas de informação no Brasil entram em
contato. Dentre as revistas circulantes de mesma
abordagem que a Veja, são as suas representações que
têm maiores chances de fazer parte de rodas de
conversas entre amigos/familiares. Dessa maneira, é o

291
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

que a Veja representa em sua semiótica que pode vir a


contribuir com a forma como essa população leitora
deste tipo de mídia compreende os fatos da atualidade.
Ou seja, essas representações podem vir a construir,
manter ou transformar as crenças e valores daqueles que
a consomem.
Definido o periódico, selecionamos, a partir de
alguns critérios, quais edições da revista seriam
analisadas no período compreendido de agosto de 2021
a janeiro de 2022. Dentro do período citado, fizemos um
recorte, tomando como base as capas da revista. As
edições selecionadas retratam figuras do atual cenário
político, entre estas figuras, o atual presidente da
república, alguns de seus oponentes e cúmplices, e
aqueles cotados à próxima corrida presidencial.
O nosso interesse reside em investigar os
significados construídos pelas capas da revista Veja
quanto à metafunção interativa, entendendo que a
análise do componente visual faz-se indispensável, dado
que o modo semiótico visual, juntamente com o verbal,
transmite significados que são socialmente motivados e,
portanto, atravessados por ideologias, como apontam os
teóricos Kress e van Leeuwen. Além do mais, o papel das
imagens ante a sociedade contemporânea é crucial, uma
vez que estão presentes na constituição da maioria dos
textos circulantes na mídia – cada vez mais multimodais.

292
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

4.2 Passos metodológicos

O primeiro passo para a realização deste trabalho


foi a seleção do corpus, que se deu de acordo com os
critérios supracitados na seção 4.1. Dessa forma, o passo
seguinte foi compilar as capas escolhidas em uma mídia
digital. Tais capas encontram-se reproduzidas na seção
5, juntamente de suas respectivas análises.
Posteriormente, deu-se início à etapa descritiva da
pesquisa. Para tal, aplicamos ao componente visual das
capas selecionadas o instrumental proposto por Kress e
van Leeuwen (2006) para a análise dos significados
interativos em imagens, mais especificamente voltando-
se esta pesquisa para a metafunção interativa, que leva
em consideração o estabelecimento das relações sociais
entre as personalidades representadas e o receptor da
imagem. Nesse sentido, o produtor tem, à sua
disposição, as seguintes variantes: sistemas do contato,
da distância social, da atitude e da perspectiva. Além
disso, o produtor ainda dispõe, à sua vontade, do
sistema da modalidade para codificar o valor de verdade
que ele tenciona que o espectador venha a atribuir à
imagem.
Após essa etapa descritiva do presente trabalho,
passou-se à fase de interpretação e análise dos dados
obtidos. Os resultados dessa investigação encontram-se
na seção seguinte, ao longo da análise, juntamente com
a discussão de dados.

293
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Nesta seção, apresentamos a análise das capas da


revista Veja que constituem nosso corpus. Ademais,
discutiremos os dados obtidos por meio das análises
empreendidas. Passemos à análise.

Figura 1 – Capa da Revista Veja - 04/08/2021.

Fonte: Veja (2022)33

Na capa da edição de 4 de agosto de 2021 (figura


1), pode-se observar, na sua configuração, a relação dos

33 Disponível em: <https://veja.abril.com.br/edicoes-veja/2749/>.


Acesso em: 6 jan. 2022.

294
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

significados interativos, a partir da escolha de estruturas


conceituais que visam realçar o olhar impositivo, a
posição altiva e a imponência do político Ciro Nogueira.
Com efeito, pode-se constatar que esse sentido é
anunciado por meio do componente textual que compõe
essa semiose apoiada no termo “primeiro-ministro”.
Em relação aos fatores da metafunção interativa,
o participante é retratado com um contato de demanda
que, segundo Kress & van Leeuwen (2006, p. 20), ocorre
quando “o olhar do participante demanda algo do
observador, demanda que o observador entre em algum
tipo de relação imaginária com ele ou ela”. A expressão
facial de Ciro Nogueira representa sua posição de
superioridade em relação ao observador. A distância
social está em um plano fechado (close-up), que coloca o
político numa codificação mais ou menos intima com o
leitor, uma vez que os governantes tendem a querer
passar uma imagem de proximidade com seus possíveis
eleitores. Quanto à perspectiva, temos um ângulo onde
cria-se, virtualmente, uma relação de hierarquia, em que
o participante tem poder simbólico sobre o leitor. Já na
modalidade, o participante está representado sobre um
plano de fundo neutro.
Em 18 de agosto de 2021, a capa do periódico
(figura 2) traz o participante Alexandre de Moraes. Aqui,
a disposição dos elementos semióticos expõe estruturas
conceituais que evidenciam a seriedade, sobriedade e
integridade do representado. Em uma postura ereta, é

295
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

possível focar em sua respeitabilidade. Os elementos que


compõem o texto expõem o demonstrado na imagem,
usando o adjetivo “impetuoso” para descrever
Alexandre. Quando partimos para os fatores que
compõem a metafunção interativa, percebemos um
contato de demanda, conceito já abordado
anteriormente.

Figura 2 – Capa da Revista Veja – 18/08/2021.

Fonte: Veja (2022)34

Ademais, há uma distância social de plano médio,


que busca manter aproximação e distanciamento ao

34 Disponível em: <https://veja.abril.com.br/edicoes-veja/2751/>.


Acesso em 6 jan. 2022.

296
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

mesmo tempo. O observador nem está próximo de forma


íntima, nem distante de forma a ser desconhecido. O
representado está em um ângulo vertical, de cima para
baixo, ofertando a impressão de que o leitor possui certo
poder sobre o participante, o que confere com a
comunicação dos elementos verbais, que o coloca como
um “defensor da democracia”. É uma imagem que
possui modalidade naturalística, portanto, possui um
alto valor de verdade.

Figura 3 – Capa da Revista Veja – 29/09/2021

Fonte: Veja (2022)35

35 Disponível em: <https://veja.abril.com.br/edicoes-veja/2757/>.


Acesso em 6 jan. 2022.

297
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

Em uma das capas da revista Veja de setembro de


2021 (figura 3), o participante é o atual presidente do
Brasil: Jair Messias Bolsonaro, político que possui uma
trajetória contraditória dentro do poder público,
somando mais de 30 anos de carreira e pouquíssimos
feitos favoráveis à população. Em um mandato envolto
a polêmicas, o representado dessa edição estampa
muitas manchetes diariamente nas diversas mídias
circulantes no país e no mundo. O periódico em análise
neste trabalho é uma mídia que se posiciona a favor dos
partidos mais conservadores, conhecidos popularmente
como “de direita”.
Nesse viés, é possível observar, na estrutura
conceitual dessa capa, que o representado está em uma
posição que indica apaziguamento, portando um olhar
tenro, mas que sustenta certa soberania em relação ao
observador. Igualmente às capas que trouxemos
referentes ao mês de agosto, existe nesta um contato de
demanda: o olhar solicita que o espectador se relacione
com a imagem. O plano médio sugere que há certa
distância social, mas que também há abertura para uma
proximidade, como um convite a uma prosa. A
perspectiva escolhida foi um ângulo vertical, levemente
configurado numa posição de baixo para cima, que
sugere a hierarquia que o presidente tem sobre o povo.
A contextualização da imagem mostra um cenário
naturalístico, que exprime alto valor de verdade.

298
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

Figura 4 – Capa da Revista Veja - 24/11/2021.

Fonte: Veja (2022)36

Em um dos editoriais de novembro de 2021


(figura 4), a revista Veja traz como principal elemento
semiótico a reprodução da tela de uma urna eletrônica
com os possíveis presidenciáveis à eleição de 2022. Na
reprodução, os participantes são o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, o atual presidente Jair Messias
Bolsonaro e o ex-ministro da justiça do atual governo
Sérgio Moro. Todas as figuras estão envolvidas em
grandes escândalos políticos, que são de conhecimento

36 Disponível em: <https://veja.abril.com.br/edicoes-veja/2765/>.


Acesso em: 6 jan. 2022.

299
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

mundial. A imagem selecionada do ex-presidente Lula é,


propositalmente, uma em que o olhar do representado
está baixo, como se desviasse do observador, de modo
que atrela distanciamento e desconfiança ao estímulo
visual recebido pelo leitor. A ideia tendenciosa é de que
essa figura não merece credibilidade e confiança, e
também não é amigável; fato que está confirmado pelos
elementos textuais, os quais colocam como possível novo
eleito aquele “menos odiado”, deixando claro que isso
não é o ideal para o país. Atualmente, todas as pesquisas
indicam que Lula está à frente de seus concorrentes em
2022. 37
Já para o atual presidente, foi selecionada uma
imagem de olhar direto, que causa maior aproximação
com o observador, em uma postura sisuda. Para Sérgio
Moro, percebe-se uma imagem que contém certo
descrédito em sua expressão, que parece estar com um
sorriso de escárnio.
Há um contato de demanda e, ao mesmo tempo,
de oferta, pois consideramos aqui os três representados.
Há uma distância social de plano aberto, distanciando
representado e observador. O eixo horizontal com
ângulo oblíquo sugere distância e alheamento entre os
três participantes. A imagem em preto e branco indica
um não pertencimento ao tempo presente, tendo,
portanto, pouca modalidade.

37Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pesquisa-


quaest-para-presidente-lula-tem-44-e-bolsonaro-32/>.Acesso:
05/08/2022.

300
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

Figura 5 – Capa da Revista Veja – 08/12/2021.

Fonte: Veja (2022)38

Na figura 5 - capa da edição de dezembro de 2021


- observa-se, na configuração, em relação aos
significados interativos, a escolha de estruturas
conceituais que buscam destacar: o olhar afável e cortês
do representado, em uma posição complacente do
político João Dória, anunciado por meio do componente
textual que compõe essa semiose como “vitorioso”. Em
relação aos fatores da metafunção interativa, o
participante é retratado com um contato de demanda,

38 Disponível em: <https://veja.abril.com.br/edicoes-veja/2767/>.


Acesso em: 6 jan. 2022.

301
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

estabelecendo relação de proximidade com o


observador. Por vez, a expressão facial de João Dória
transmite amistosidade. A distância social está em um
plano fechado (close-up), que coloca o político numa
codificação intimista com o leitor. Quanto à perspectiva,
temos um ângulo onde cria-se, virtualmente, uma
relação de igualdade.
Conforme Kress e van Leeuwen (2006, p. 129), o
ponto de vista em que os participantes são captados
“implica a possibilidade de expressar atitudes subjetivas
com respeito aos participantes representados, humanos
ou não”. Já na modalidade, o participante está
representado sobre um plano de fundo neutro, com
cores vivas em alto contraste, causando na modalidade
uma impressão naturalística.
Nesta edição de janeiro de 2022 (figura 6), temos
o ex-juiz Sergio Moro, possível candidato à presidência
da república brasileira nas eleições de 2022. No que
tange a aspectos de composição, a capa mostra um
participante representado de forma a evidenciar um
olhar condescendente, em uma postura que busca maior
interação e afinidade com o leitor. O significado
imagético condiz com a composição textual, ligando-se
com a escolha lexical, que significa, a grosso modo: “ele
é a alternativa certa para salvar o povo”. Dessa maneira,
o contato é de demanda.

302
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

Figura 6 – Capa da Revista Veja – 19/01/2021.

Fonte: Veja (2022)39

Quanto ao distanciamento e ao enquadramento


da imagem, o participante é apresentado em quadro
fechado (close-up), estabelecendo uma relação social com
o participante interativo. Já o plano vertical retrata o
representado no mesmo nível do olhar do espectador,
procurando gerar uma relação de igualdade entre as
partes. Quanto à modalidade, percebemos que os traços
do participante são bem definidos e correspondem ao
que visualizamos na realidade, sendo uma imagem,
portanto, naturalística.

39 Disponível em: <https://veja.abril.com.br/edicoes-veja/2772/>.


Acesso em: 19 jan. 2022.

303
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A produção de textos multimodais combinando


elementos imagéticos e elementos vocabulares
transformou-se em um ato cada vez mais frequente nas
práticas sociais de comunicação na contemporaneidade.
É notável a crescente circulação de gêneros multimodais
apoiados nos mais diferentes tipos de suporte. Em todos
eles, podemos perceber combinações chamativas,
multifacetadas e, por muitas vezes, ousadas.
A análise multimodal dos textos permitiu a
investigação no que diz respeito às maneiras como os
modos semióticos são arranjados na produção de
significados. As análises revelam como as escolhas
lexicogramaticais e visuais denotam padrões
significativos na veiculação do discurso. Cientes da
importância desse fenômeno, pesquisamos a
multimodalidade nas capas da revista Veja.
Por conseguinte, encontramos, em nossa análise
de capas de teor político, uma escolha lexicogramatical
que manifesta ora discurso que busca atestar, ao povo, o
homem público como amigável e confiável, e ora
procura formar, aos olhos do interlocutor, a figura de um
homem impreciso e divergente. Torna-se evidente,
portanto, que os elementos lexicogramaticais são

304
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

componentes utilizados pela imprensa para a


manipulação da opinião pública, podendo provocar
aceitação ou rechaçamento de um estadista.
Os resultados obtidos nesta pesquisa confirmam
as ideias dialogadas no aporte teórico da nossa
investigação: a escolha dos elementos multimodais é
determinante na semiose global dos textos, de forma que
para uma leitura aprofundada e crítica das mensagens
que são veiculadas nas diferentes mídias não se deve
ignorar a escolha desses elementos.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad.


Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2011.

BARBOSA, José Roberto Alves. Linguística: outra


introdução. Mossoró: Queima-Bucha, 2013.

CHARAUDEAU, Patrick. Introdução. In:


CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias.
Tradução de Angela M.S. Corrêa. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2013.

305
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

DIONISIO, Angela Paiva Gêneros textuais e


multimodalidade. In: KARWOSKI, A. M;
GAYDECZKA, B; BRITO, K. S (Orgs.). Gêneros
textuais: reflexões e ensino. 4. ed. São Paulo: Parábola
Editorial, 2011.

DONDIS, Donis. Sintaxe da linguagem visual. Trad.


Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.

KRESS, Gunther. Writing the Future: English and the


Making of a Culture of Innovation, Self-field: NATE,
1995.

KRESS, Gunther; VAN LEEUWEN, Theo. Reading


images: the grammar of visual design. London; New
York: Routledge, 2006.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais:


definição e funcionalidade. In: DIONISIO, Angela
Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria
Auxiliadora (Orgs.). Gêneros textuais e ensino. São
Paulo: Parábola Editorial, 2010.

306
Cap. 7 - Gramática do Design Visual: análise da metafunção interativa em capas da
Revista Veja que retratam figuras políticas do cenário nacional

PUZZO, Miriam Bauab. A linguagem verbo-visual das


capas de revista e os implícitos na constituição de
sentido. Revista Intercâmbio, São Paulo, v. 20, p. 125 -
138, 2009.

SCALZO, Marília. Jornalismo de revista. São Paulo:


Contexto, 2006.
SILVA, Lourdes Cardoso e; CABRAL, Luís Rodolfo.
Construção de sentidos: análise do gênero capa de
revista. Littera Online, [s.i], v. 6, n. 10, 2015. Disponível
em:
<http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/l
ittera/article/view/3562/1598>. Acesso em: 18 dez. 2021.

307
Retornar ao Sumário
Capítulo 8

A REPRESENTAÇÃO INTERTEXTUAL NO
DISCURSO POLÍTICO EM CAPA DE REVISTA:
UMA COMPARAÇÃO DOS PRESIDENTES TRUMP
E BOLSONARO

Renatha Rebouças de Oliveira


José Roberto Alves Barbosa

Gramática do Design Visual


Gênero capa de revista
Donald Trump
Análise multimodal

309
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

1 INTRODUÇÃO

A necessidade atual de compreender os sentidos


expostos nos mais diversos meios discursivos faz com
que os estudos linguísticos levem em consideração os
textos multimodais, tão presentes no nosso cotidiano
(por meio da TV, internet, outdoors, revistas, dentre
outros). Sendo assim, ignorá-los seria uma maneira
limitada de perceber as diversidades discursivas.
A teoria da leitura de imagens, proposta pela
GDV, é pertinente para que possamos entender como a
mídia nacional utiliza estratégias visuais para dar mais
relevância e/ou menos relevância aos presidentes do
EUA e do Brasil, Trump e Bolsonaro.
Com o objetivo de estudar como a linguagem
relaciona os textos escritos com as imagens, isto é, como
a língua se integra aos recursos visuais, sonoros e
lexicais, surge a partir dos anos 1980, a teoria multimodal
do discurso que, segundo Vieira e Silvestre (2015), dá-se
por meio das pesquisas a respeito da Multimodalidade
de Gunther Kress e Theo van Leeuwen (1996, 2006) e de
Robert Hodge e Kress (1988), e da Linguística Sistêmico
Funcional de Halliday (1985, 1994).
Rompendo com os paradigmas dos estudos
linguísticos que levavam em consideração apenas os

310
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

textos escritos e falados, os estudos multimodais


passam, portanto, a investigar como outros elementos
semióticos significam nos diversos contextos sociais,
pois como afirmam Kress e Leeuwen (1996; 2006), os
textos multimodais são aqueles que apresentam mais de
uma forma de leitura e de significação.
Partindo desse entendimento da leitura de
imagens, contrariando a ideia de neutralidade, e
pensando em ler de forma crítica os elementos que
compõem os textos visuais, selecionamos duas capas de
revistas da IstoÉ que trazem dois presidentes
representados de maneira bastante polêmica. Essa
pesquisa, que traz como suporte teórico principal a
Gramática do Design Visual (GDV), especificamente o
significado interativo de Kress e Van Leeuwen (1996;
2006) busca, dentre outras coisas, identificar as
estratégias discursivas que as imagens trazem, com o
objetivo de desmistificar a ideia de que as imagens são
neutras, sem ideologia e sentidos (ALMEIDA, 2008).

2 GDV: UMA BREVE EXPLANAÇÃO SOBRE OS


SIGNIFICADOS VISUAIS

Os estudos multimodais do discurso recebem, no


final do século XX, as contribuições de Gunther Kress e
Theo van Leeuwen (1996; 2006), fundadores da

311
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

Gramática do Design Visual (GDV). Essa teoria nasce no


campo da semiótica social como ferramenta crítico-
analítica para investigar as imagens com o objetivo de
identificar e interpretar os significados ideológicos
presentes nesse tipo de texto. Em outras palavras,
Almeida (2012) nos apresenta a GDV como uma teoria
que se propõe a identificar nos textos imagéticos os
significados sociais, culturais e políticos relacionados.
Para que fosse possível identificar a representação
de pessoas, lugares e coisas em uma imagem, isto é,
interpretar os elementos que constituem as estruturas
visuais, Kress e van Leeuwen (1996; 2006) apresentam as
três categorias analíticas da GDV, que tem como base as
metafunções de Halliday (1985). Entretanto, na GDV
essas metafunções aparecem com o propósito de analisar
os elementos imagéticos, servindo, portanto, como
ferramentas de investigação para a leitura visual com o
intuito de desmistificar a ideia de que as imagens são
códigos desprovidos de ideologias (ALMEIDA, 2008).
O três significados da GDV são os significados
representacional, interativo e composicional. De uma
maneira geral, Almeida (2008), considera os significados
representacionais como sendo aqueles responsáveis
pelas relações entre os participantes representados. Já os
significados interativos relacionam o produtor e leitor,
seja para aproximá-los ou afastá-los. E por fim, os
significados composicionais interligam os elementos da

312
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

imagem, “integram os elementos representacionais e


interativos em uma composição para que ela faça
sentido” (ALMEIDA, 2008, p.23).
Cada significado proposto pela GDV, de Kress e
van Leeuwen (1996; 2006), apresentam subdivisões,
contudo apenas o significado interativo será detalhado
mais a frente, pois ele será o fundamento teórico para a
análise proposta nesta pesquisa. Dessa forma,
abordaremos a seguir o significado interativo e suas
subdivisões, explicando cada processo e as estruturas.

2.1 Significado interativo

A segunda metafunção proposta por Kress e van


Leeuwen (1996; 2006) é a metafunção de interativa, na
qual podemos identificar como os personagens da
imagem interagem com os leitores. Conforme citado
anteriormente, a metafunção interativa ou de interação
vai se deter à investigação dos elementos presentes na
imagem a partir da perspectiva do leitor, isto é, analisa
os recursos a partir da interação entre o leitor e o
produtor do texto imagético e não mais na representação
dos participantes representados.
Ainda de acordo com os autores supracitados e
reforçado por Almeida (2009), a metafunção de
interativa subdivide em quatro categorias:

313
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

Esquema 1 – Categorias da metafunção Interatica.

Fonte: Kress e van Leewuen (1996; 2006).

As categorias acima servem como recursos


visuais para que o leitor possa interagir com os
participantes da imagem. Kress e van Leeuwen (1996;
2006) nos mostram como o olhar dos participantes, a
distância em que esses participantes são retratados na
imagem, o ângulo em que a imagem foi projetada e o
grau de congruência que ela estabelece com a realidade
são elementos importantes para que haja a percepção da
interação entre o observador e os participantes de um
texto imagético. Nessa perspectiva, Almeida (2009, p.
309) elabora alguns questionamentos:

Os participantes internos interagem diretamente


com o leitor através do olhar ou apenas se
‘oferecem’ como objetos de contemplação? O
participante é representado em plano aberto, médio
ou fechado? São retratados em ângulo frontal, oblíquo

314
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

ou vertical? O que tais escolhas sugerem? E a


distância, ela favorece uma relação de
proximidade ou de afastamento entre os
participantes representados e os interativos?

Kress e van Leeuwen (1996; 2006) procuraram


responder aos questionamentos supracitados por meio
de explicações e exemplificações, mostrando como cada
um desses recursos são utilizados nas imagens para
promover a interação entre os participantes da imagem
e quem os observa, que serão detalhados a seguir.

2.1.1 Contato

O primeiro processo foi denominado pelos


fundadores da GDV de contato. Nele observa-se o olhar
entre os participantes representados na imagem e o
leitor. Quando há a presença de contato ocular entre eles,
classifica-se como uma relação pessoal, na qual o
participante da imagem parece requisitar algo ao leitor
(NASCIMENTO, BEZERRA e HEBERLE, 2011). Esse
olhar que o participante direciona aos olhos do leitor é
um convite à interação e trata-se de um olhar de demanda
(ALMEIDA, 2009), pois quando há o contato olho a olho
há uma interação direta do leitor com o participante.
O contato de demanda foi bastante delimitado
por Kress e van Leeuwen (1996; 2006) como uma

315
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

estratégia que faz a diferença no processo de interação.


Isso porque é no contato frente a frente que se estabelece
uma relação imaginária entre o participante interno e o
externo à imagem, ou seja, participante interativo
(FERNANDES E ALMEIDA, 2008). A forma como o
olhar do participante interno se direciona ao participante
interativo é que vai definir a afinidade entre eles e criar
uma interpretação de quem é o observador e qual o
objetivo do olhar. Por exemplo, um olhar que demanda
sedução será representado de uma forma diferente
daquele que demanda compaixão ou amizade.
Entretanto, quando o personagem não está
olhando para o leitor classifica-se essa relação como
impessoal, na qual o personagem está apenas sendo
exposto para que o interlocutor o observe, o contemple.
Nesse caso, Kress e van Leeuwen (1996; 2006) classificam
esse contato como oferta. O contato de oferta é, portanto,
aquele no qual o personagem não interage com o leitor,
apenas se oferece.
Com relação ao olhar do participante, podemos,
então, concluir que o contato permite uma maior ou
menor impessoalidade do personagem representado
com o leitor. A seguir, trataremos da Distância Social,
que trata da relação de intimidade entre o personagem e
quem o observa.

316
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

2.1.2 Distância Social

Outro processo fundamental que parte da


perspectiva do leitor da imagem para o participante
representado é o que Kress e van Leeuwen (1996; 2006)
chamou de distância social. Nele observamos o
posicionamento do personagem em relação ao leitor, se
está distante ou próximo a ele. Esse recurso aparece
como uma maneira de criar uma relação de intimidade
ou de distanciamento do leitor.
O efeito causado pela proximidade ou
distanciamento do leitor foi observado pelos fundadores
da GDV como um ponto importante a ser analisado na
imagem. Isso porque a distância social é estabelecida
pelos participantes da imagem através dos detalhes
visuais que a aproximação ou distanciamento
proporciona. Dessa forma, quanto mais próximo o
personagem estiver do receptor mais íntima a relação se
configura.
Kress e van Leeuwen (1996; 2006) utilizam
basicamente três planos de enquadramento, que,
segundo Fernandes e Almeida (2008) foram baseados
nos planos do cinema, para a formatação de sua
linguagem, que podem ser sintetizados da seguinte
forma: plano fechado (close shot), plano aberto (long shot)
e plano médio (médium shot).
O plano fechado (close shot) é aquele no qual o
personagem é enquadrado da cabeça até os ombros, isto

317
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

é, de perto. Nesse enquadramento, o efeito causado é de


aproximação, intimidade. Segundo Almeida (2009), a
aproximação dos personagens permite que traços da
personalidade sejam representados na imagem, isso
porque, no plano fechado, cada detalhe do rosto dos
personagens é capturado, desde marcas até expressões
faciais.
Diferentemente do que acontece no plano
fechado, no plano aberto (long shot), o personagem é
enquadrado de longe, da cabeça aos pés. O efeito
provocado por essa captura é, segundo Almeida (2009),
o distanciamento entre o personagem e o leitor.
O plano aberto não permite que detalhes do rosto
como expressões, marcas ou traços da personalidade
sejam identificados. Há, nesse caso, um menor
envolvimento ou uma menor intimidade entre o
personagem e quem o observa.
Já o plano médio (médium shot) é aquele em que o
personagem é enquadrado da cintura ou joelho até a
cabeça. Ele é, segundo Almeida (2009, p. 183), “aquele
que se situa entre a mais íntima das relações e a mais
distanciada ou ausente”. É o plano intermediário entre o
fechado e o aberto, que possui efeito diferente dos
apresentados anteriormente.
A consequência provocada por essa captura é de
relação social, não sendo nem de uma relação íntima
(ângulo fechado), nem de uma impessoal (ângulo
aberto). O personagem representado em plano médio

318
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

não é capturado com detalhes que o torne íntimo do


leitor, nem com total distanciamento que indique
impessoalidade, mas com uma certa relação social.
Na Distância Social verificamos como o
personagem é capturado na imagem, a partir da
aproximação ou distanciamento com o leitor. Essa
captura, que pode ser feita através de ângulo aberto,
fechado ou médio é que permite que o receptor se sinta
mais ou menos íntimo do personagem. A seguir,
observaremos como o personagem é representado em
sua relação com o interlocutor a partir do seu
posicionamento, da sua perspectiva.

2.1.3. Perspectiva

As estruturas visuais podem também ser


interpretadas a partir da posição que o personagem da
imagem ocupa. Desse modo, o conceito de perspectiva
diz respeito à interação que o personagem da imagem
tem com o leitor, provocada a partir do posicionamento
daquele, que pode, por sua vez, projetar maior ou menor
envolvimento com este (NASCIMENTO, BEZERRA e
HEBERLE, 2011).
Kress e van Leeuwen (1996; 2006) estabelecem
essa relação a partir de três ângulos: frontal, oblíquo e
vertical, os quais se referem a como o personagem está
disposto na imagem e qual a representatividade dessa
organização para a interação com o interlocutor.

319
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

O ângulo frontal é, segundo os autores, aquele em


que o personagem está de frente para o leitor, o que
possibilita um maior envolvimento entre eles. Almeida
(2009) completa ainda que, no ângulo frontal, o leitor é
convidado a fazer parte do mundo retratado na imagem,
tendo em vista a proximidade entre ambos.
O ângulo obliquo é aquele em que o personagem
está posicionado de lado, dirigido para algo ou alguém
que não é o leitor. A utilização dessa posição de lado está
associada a um menor envolvimento entre o
personagem e o leitor. Almeida (2006) cita Kress e van
Leeuwen (1996; 2006) afirmando que quando o ângulo
obliquo é utilizado está implícito que o receptor não faz
parte do mundo em que o personagem está
representado.
Por sua vez o ângulo vertical possui três variantes
identificadas por Kress e van Leeuwen (1996; 2006) como
sendo determinantes para o estabelecimento das
relações de poder: ângulo alto, ângulo baixo e ângulo
linear.
Esse recurso serve para valorizar ou desvalorizar
o leitor através do ângulo em que a câmera se projeta e
do efeito visual causado por essa projeção. No ângulo
alto, a câmera se projeta de cima, representando o
personagem de cima para baixo na imagem. Já no ângulo
baixo, a lente é projetada de baixo, representando o
personagem de baixo para cima. No ângulo linear ou

320
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

nível ocular é projetada no mesmo nível do olhar do


personagem, representando-o no mesmo plano de visão.
Entretanto, a posição da câmera, e
consequentemente da imagem, não são escolhidas de
forma aleatória. Segundo os teóricos da GDV, cada
posição adotada causa um efeito de relação de poder
diferente. No ângulo alto há um maior poder do leitor
sobre a imagem, que vê tudo de cima. No ângulo baixo,
há um maior poder por parte do personagem da imagem
em relação ao leitor, pois nesse caso o personagem está
representado de baixo para cima, dando-lhe mais poder
simbólico. Já no ângulo linear, no nível do olhar, há um
grau de igualdade entre o leitor e a imagem, no qual o
personagem e o leitor são representados no mesmo
patamar de poder.
A perspectiva permite, assim, o empoderamento
e/ou desempoderamento do personagem representado
por meio do ângulo em que ele está projetado. A seguir
trataremos, contudo, de outro elemento bastante
importante na relação entre o leitor e o personagem, que
é o grau de verdade dos indivíduos representados nas
imagens.

2.1.4 Modalidade

Na leitura de imagens quando se utiliza o termo


modalidade é para se referir a algum participante
representado nela como se fosse real (KRESS e VAN

321
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

LEEUWEN, 1996). Nessa categoria, o objetivo é


determinar o valor da representação, que pode ter maior
ou menor grau de verdade a depender dos recursos
visuais utilizados (cor, detalhes, fundo, etc.).
Kress e van Leeuwen (1996; 2006) afirmam que a
modalidade pode ser alta ou baixa. Eles consideram alta
aquelas imagens que estão mais contextualizadas e
próximas da realidade, e de baixa modalidade aquelas
que estão mais próximas do irreal. A partir disso,
algumas demarcações são utilizadas para modalizar as
imagens, que, segundo Fernandes e Almeida (2006,
p.22), são:

utilização de cor - saturação / diferenciação /


modulação da sombra à cor plena.
contextualização – sugestão de profundidade –
técnica de perspectiva (da ausência do cenário ao
cenário mais detalhado).
iluminação – grande luminosidade até quase a
ausência desta.
brilho – luminosidade em um ponto específico (nível
máximo de brilho até os tons de cinza). (grifos dos
autores).

Kress e van Leeuwen (1996; 2006) ainda


acrescentam que existem outros marcadores de
modalidade, que seriam, além dos mencionados acima
por Fernandes e Almeida (20016), a representação e a

322
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

profundidade, totalizando, segundo os autores, 08 (oito)


marcadores de modalidade. Essa quantidade se dá
porque, conforme eles, a saturação, a diferenciação e
modulação da sombra seriam cada um, também, um tipo
de marcador de modalidade.
Para critérios de classificação da modalidade,
Kress e van Leeuwen (1996; 2006) denominam as
modalidades como naturalistas ou sensoriais. As
primeiras são aquelas imagens que apresentam maior
concordância com a realidade vista a olho nú. Nesse
sentido, o uso de cores saturadas ao invés do preto e
branco; cores diversificadas em vez de monocromáticas;
a contextualização da imagem; dentre outros são
elementos que aumentam a modalidade de uma imagem
(ALMEIDA, 2009).
Já quando as imagens são retratadas provocando
no leitor efeitos que fogem do real, ou efeitos mais que
real, através de impactos sensoriais, Almeida (2009)
afirma que a modalidade naturalista diminui, dando
espaço ao que Kress e van Leeuwen (1996; 2006)
classificou como modalidade sensorial.
Almeida (2009) traz ainda mais dois tipos de
modalidade: a científica e a abstrata. Essas modalidades
não estão preocupadas em estabelecer uma verdade
visual de similaridade, mas de equivalência de verdade
na representação do que está sendo exposto. Nelas se
enquadram os mapas, planta baixa, gráficos, dentre
outros.

323
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

O significado interativo será abordado na prática


mais adiante com a análise das suas capas de revista de
grande circulação nacional que possuem Trump e
Bolsonaro como elemento de destaque. Nessa análise
tomaremos todos os processos acima descritos para
identificar a interação entre os elementos presentes na
imagem e os leitores.

3 METODOLOGIA

Esse estudo trata-se de uma pesquisa de natureza


qualitativa/interpretativista sob o enfoque da análise
visual das duas capas da revista brasileira IstoÉ que
evidenciaram as imagens de dois presidentes bastante
polêmicos, Donald Trump e Bolsonaro. A base teórica
desta pesquisa foi a Gramática do Design Visual (GDV)
de Kress e Van Leeuwen (1996; 2006) e os seus
pressupostos.
Após realizar a pesquisa bibliográfica, foram
selecionadas duas capas da revista IstoÉ que fizeram
associação da imagem dos presidentes a Hitler. Essas
capas causaram bastante polêmica e possuem elementos
significativos para que pudéssemos perceber as
representações de Donald Trump e Bolsonaro na mídia
impressa nacional.
Essa análise se dá a partir da observação das
imagens e de como a revista associa suas ações políticas
a atitudes similares ao regime nazista. Desta maneira,

324
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

percebemos como os presidentes são valorizados ou


desvalorizados nestas representações visuais. Para tanto,
as capas selecionadas são detalhadamente analisadas
com base na interação dos presidentes com o leitor. Por
esse motivo a base desta análise é a categoria interativa.
Na subdivisão da categoria interativa,
identificamos os principais significados presentes na
capa, realizando a leitura da imagem de maneira a
revelar os sentidos nas estruturas visuais.

4 ANÁLISE DAS CAPAS DE REVISTA

A revista IstoÉ publica duas capas (C1 e C2) que


abordam respectivamente a figura de Trump, presidente
dos Estados Unidos e a figura de Bolsonaro, presidente
do Brasil. Contudo C1 foi publicada logo após o
resultado das eleições norte-americanas, enquanto C2 foi
publicada durante o mandato de Bolsonaro, em um
contexto de pandemia da Covid-19.
As capas da IstoÉ podem ser consideradas
bastante polêmicas, especialmente por fazer referência a
Hitler, insinuando que os dois presidentes
poderão/estão agindo com similaridades ao regimente
nazista, o qual teve Hitler como figura de maior
representatividade. As associações com Hitler são
confirmadas ao observarmos o lugar estratégico em que
foram inseridas as escritas “E AGORA?” e
“GENOCIDA”, em C1 e C2 respectivamente.

325
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

Figura 1 - C1 – Capa 1 - Revista IstoÉ.

Fonte: https://istoe.com.br/edicao/edicao-2457/

Figura 2 - C2 – Capa 2 - Revista IstoÉ.

Fonte: https://encurtador.com.br/sAGP3

326
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

Ao observarmos a interação que os presidentes


têm com os leitores, podemos identificar alguns recursos
visuais utilizados nas capas. Em C1, percebemos que
Trump está posicionado com muita proximidade ao
leitor. Seu rosto está explícito na capa com muitos
detalhes, e com um olhar direto (contato ocular). Por
meio dessa estratégia, o leitor sente-se mais íntimo do
personagem, pois através de um olhar de demanda,
Trump nos convida a encará-lo de frente, demonstrando
muito mais interação com quem o olha.
Já em C2 podemos perceber que Bolsonaro não
está representado com tanta proximidade como Trump.
É possível identificar que em C2 o presidente não encara
o leitor. Ele tem um olhar levemente direcionado a algo
que não conseguimos identificar, extra-imagem, mas
temos certeza de que não é para nós, leitores. Nesse
olhar, classificado como olhar de oferta, é perceptível que
existe uma interação muito menor entre Bolsonaro e o
leitor, se comparado a Trump. Nesta estratégia,
Bolsonaro está colocado para ser observado, e não para
nos encarar.
Por meio do olhar em C1 e C2, podemos observar
que existem diferenças na representação dos presidentes
pela IstoÉ. Trump olha para o leitor com um semblante
de força e de poder por meio de uma fisionomia séria,
com pouca expressão facial. Já Bolsonaro é representado
por um olhar que demonstra mais insegurança, menos
força e, portanto, menos poder. Enquanto em C1 Trump

327
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

não esboça nenhuma expressão, C2 mostra Bolsonaro


com expressões faciais que remetem a uma fisionomia
insana. A capa pode estar insinuando, a partir da seleção
desta imagem, que o presidente brasileiro não aspira
confiança, e que seus atos são inconsequentes e
perigosos.
A proximidade dos rostos nas capas também são
estratégicos. A maneira como os presidentes são
enquadrados nas capas são diferentes em C1 e C2, e essa
estratégia, chamada de distância social, permite mais
intimidade com Trump do que com Bolsonaro.
Ao trazer apenas o rosto de Trump em C1 de
forma bastante aproximada, a IstoÉ permite que o
personagem fique muito íntimo do leitor. Essa
intimidade se dá pela possibilidade visual que esse
enquadramento fechado permite. Em C1 é possível
enxergar as linhas de expressão de Trump, bem como
traços de sua face que em um enquadramento mais
aberto não seria possível. Os olhos bastante azuis, as
sobrancelhas e a face envelhecida, são alguns exemplos
dos detalhes que essa aproximação permite visualizar.
É pertinente, ainda, observar que, como a IstoÉ
associa a imagem de Trump a Hitler, podemos
compreender que a distância social em plano fechado é
uma estratégia utilizada pela edição para que o leitor
associe as características físicas do presidente como
pertencente a raça ariana, privilegiada entre os nazistas.
Neste caso, os olhos bastante azuis e a pele branca são

328
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

retratados de maneira bastante evidente e com muito


destaque, reforçando a similaridade com Hitler.
Em C2, Bolsonaro também está em um plano
fechado, porém mais aberto do que em C1. Esse
enquadramento permite algumas observações quanto a
proximidade do presidente brasileiro com o leitor.
Enquanto em C1 prevaleceu a identidade de Trump por
meio de características que o associam a uma raça ariana,
portanto privilegiada, em C2 a IstoÉ inclui na fisionomia
de Bolsonaro outro atributo que o associa a Hitler além
do bigode, o cabelo.
Comparando C1 com C2 no que se refere a
distância social, é possível perceber que a referência ao
nazismo nas capas é diferente. Trump é associado ao
nazismo pelo bigode, que foi originado por uma
pergunta, ou seja, uma dúvida a respeito do futuro do
país. Não há uma confirmação, mas uma dúvida. A
pergunta que deu origem a uma estratégia visual que
simulou o bigode de Hitler demonstra a desconfiança da
edição sobre a ideologia do presidente dos EUA.
É possível, portanto, refletir que C1 pode reforçar
alguns discursos proferidos pelo presidente no que se
refere a polêmicas envolvendo preconceito racial e
xenofobia. Ao trazer Trump de forma tão aproximada e
destacando principalmente a cor dos olhos e a cor da
pele, associado a um contexto nazista, podemos
interpretar que a IstoÉ representa Trump enquanto um

329
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

individuo privilegiado (de raça ariana) que poderá agir


de maneira similar aos alemães durante o nazismo.
Diferente acontece com Bolsonaro em C2. A
edição mostra o presidente brasileiro com outras
características físicas similares a Hitler. Nesta capa, não
há dúvidas que a associação que foi feita entre eles se deu
de forma estratégica. Os atributos acrescidos a Bolsonaro
(cabelo e bigode) afirmam que, assim como Hitler,
Bolsonaro também está cometendo um genocídio no
país. A palavra “genocida” é claramente o elemento que
mais pode confirmar essa associação, acrescida do texto
localizado em destaque, no qual denomina o presidente
de “mercador da morte”.
Outra característica marcante em C1 é a da
perspectiva em que Trump é apresentado. Aqui ele está
posicionado em uma relação de interação direta com o
leitor. Isso pode ser explicado pela posição em que a foto
foi retirada, que está em uma posição linear, em ângulo
frontal. Percebe-se que Trump está posicionado de frente
para o leitor, dando a impressão que eles estão se
olhando, cara a cara. Essa estratégia de enquadrar
Trump em ângulo frontal pode ser entendida como uma
maneira de tornar o leitor mais identificado com ele, de
forma que perceba seu olhar, sua fisionomia e, desta
forma, participe da situação imagética que a capa
propõe.
A posição que o personagem da imagem é
colocado em relação ao leitor é muito importante,

330
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

segundo Kress e van Leeuwen (1996; 2006). Há, em C1,


um destaque muito grande à Trump, mas tal ênfase é
avaliada pela revista de maneira negativa. Por ser um
candidato ao cargo máximo da política de uma grande
potência mundial, Trump já possui um poder inerente
da posição que ocupa, entretanto a capa em questão está
identificando esse poder de forma que o desfavoreça
ideologicamente. Ao associá-lo a um ditador, ao
enquadrá-lo em ângulo frontal e em contato de
demanda, a IstoÉ consegue fazer com que o leitor tema
o resultado das eleições. Associado à imagem, o texto
verbal reforça e endossa esse sentimento de medo ao
questionar “E agora?” e afirmar, logo abaixo, “Para onde
Trump levará o mundo”, originado em um fundo preto,
similar a um buraco negro.
Em C2, entretanto, a perspectiva em que
Bolsonaro é representado é em um ângulo oblíquo, no qual
ele está posicionado mais de lado, sem estar direcionado
ao leitor. Nessa estratégia está implícito que o receptor
não faz parte do mundo em que o personagem está
representado. Bolsonaro, em C2, não se dirige ao leitor
nem dialoga com ele. O envolvimento entre eles é bem
menor do que em C1.
Como mencionado anteriormente, existe uma
interação de Bolsonaro com algum elemento extra-
imagem. Aparentemente o presidente está conversando
com alguém, que não é o leitor. A fisionomia do
presidente brasileiro é de insegurança e insanidade. Essa

331
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

estratégia evidencia que a IstoÉ, por não confiar e não


apoiar as atitudes de Bolsonaro, não permite que o seu
público-alvo dialogue com o presidente. Desta maneira,
Bolsonaro não dirige a fala aos leitores da IstoÉ, mas a
algum elemento não representado na capa.
Com relação ao grau de verdade que as imagens
transmitem, a sua modalidade, é bem fácil perceber que,
embora possuam atributos que não são naturais de
Trump e Bolsonaro, ambos são representados de
maneira bastante real. Não é possível negar que se
tratam de fotografias reais dos presidentes, com tons
fortes e cores mais vibrantes.
As cores utilizadas em C1 são saturadas, dando
ênfase na cor azul, que destaca os olhos de Trump. Além
disso, podemos observar que Trump surge do escuro,
sem que haja um cenário para dividir a atenção, e sem
que seja possível ver toda sua cabeça. C1 apresenta
apenas a face de Trump, deixando encoberto pela
sombra negra o seu cabelo, que é uma característica
marcante do presidente norte-americano.
Ainda a respeito do fundo negro de onde surge
Trump, podemos observar que a frase localizada abaixo
da sua face, na base da capa, não termina com uma
interrogação. A frase, então, afirma para onde Trump
levará o mundo, que, pela estratégia visual pode ser
interpretada que é para um buraco negro, uma
profundidade obscura.

332
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

Em C2, Bolsonaro possui menos saturação nos


olhos e na pele se comparado a Trump. As cores
presentes em C2 estão mais aproximadas da cor real do
presidente, havendo apenas uma mudança na
tonalidade do seu cabelo, que naturalmente são mais
grisalhos. A tonalidade mais escura e a forma do
penteado, que não é natural do presidente, reforça a
referência ao cabelo de Hitler.
A ausência de um fundo para as imagens em C1 e
C2 é uma estratégia que pode ser entendida como uma
maneira de não permitir que Trump e Bolsonaro
dividam espaço com outros elementos visuais. Apenas
os textos verbais estão fazendo parte da construção
visual das capas, permitindo que a ideia de negatividade
seja transmitida tanto pela escolha da imagem, quanto
pelos efeitos visuais provocados pela iluminação, pelo
brilho utilizado e pelas cores editadas pelos profissionais
que elaboram as capas das revistas. Dessa forma,
podemos afirmar que a modalidade de C1 e C2 é alta,
permitindo que o leitor perceba verdade nas imagens.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A GDV tem contribuído significativamente para


compreender que as imagens não são desprovidas de
criticidade e de significados, sendo essa abordagem
fundamental para os estudos do discurso. Entender
como uma revista brasileira de grande circulação

333
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

nacional tal como a IstoÉ fez uso de estratégias visuais


na elaboração de suas capas, associando a imagem de
dois Presidentes da República a um nazista, é de
bastante relevância para os estudos críticos do discurso.
Ao analisarmos as capas com base na GDV,
podemos perceber como a teoria pode ser aplicada de
forma prática e crítica, não sendo, como acreditavam
alguns estudiosos do discurso, categorias meramente
descritivas. Foi possível comprovar que as associações
de Trump e Bolsonaro a Hitler não foram feitas por mera
casualidade. De modo que acreditar numa neutralidade
semântica das estruturas imagéticas seria negar as
mudanças sociais em que os discursos estão imersos.
A categoria do significado interativo, utilizada
para análise nesta pesquisa, foi bastante pertinente,
tendo em vista que o objetivo desta análise foi perceber
como Trump e Bolsonaro foram representados, com
maior ou menor relevância, a partir da interação que
estes fizeram com quem os observavam, isto é, com o
leitor.
A seleção das duas capas de revistas permitiu que
pudéssemos perceber a diferença e similaridade na
abordagem de duas figuras públicas, de acordo com o
posicionamento adotado. Assim como em um texto
verbal, o texto imagético possibilita que uma edição
selecione estratégias de convencimento para que o
público que pactua com suas ideias possa consumir o
produto noticiado.

334
Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

Os casos expostos na análise das capas, que se


deteve a uma única categoria analítica, serviram para
demonstrar como um leitor pode perceber as associações
que uma revista conseguiu fazer ao comparar Hitler com
dois políticos distintos. A partir desta análise crítica das
imagens representadas, foi possível identificar quais
foram as estratégias utilizadas e quais os sentidos que
determinados posicionamentos adquiriram ao ser
representados nas referidas imagens.

REFERÊNCIAS

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imagens: as novas fronteiras do letramento visual. In:
PEREIRA, R. C.; ROCA, P. (orgs.) Linguística Aplicada
– um caminho com diferentes acessos. São Paulo:
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_________. Perspectivas em análise visual: do


fotojornalismo ao blog. João Pessoa: Editora de UFPB,
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_________ . Refazendo os percursos da gramática
visual. In. Sintaxe em foco.– Recife: PPGL / UFPE, 2012.

FERNANDES, José David Campos; ALMEIDA, Barbosa


Lins de Almeida. Revisando a Gramática Visual nos
cartazes de guerra. In: ALMEIDA, Daniele Barbosa Lins

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Cap. 8 - A representação intertextual no discurso político em capa de revista: uma
comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

de (Org.). Perspectivas em análise visual: do


fotojornalismo ao blog. João Pessoa: Editora da UFPB,
2008.

HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood. An


Introduction to functional grammar. London: Arnold,
1985.

HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood. An


Introduction to Functional Grammar. 2ª ed. London:
Edward Arnold, 1994

HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood. HASAN,


Ruqaiya. Language, context and text: Aspects of
language in a social-semiotic perspective. 2ª ed. Oxford:
Oxford University Press, 1989.

KRESS, Gunther; VAN LEEUWEN, Theo. Reading


Images: the Grammar of visual design. London/New
York: Routledge, 1996

____________. Reading Images: the Grammar of visual


design. London/New York: Routledge, 2006

NASCIMENTO, Roseli Gonçalves do; BEZERRA, Fábio


Alexandre Silva; HEBERLE, Viviane Maria.
Multiletramentos: iniciação à análise de imagens.

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comparação dos presidentes Trump e Bolsonaro

Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 14, n. 02, p. 529-552,


jul./dez. 2011.

VIEIRA, Josenia; SILVESTRE, Carminda. Introdução à


Multimodalidade: Contribuições da Gramática
Sistêmico-Funcional, Análise de Discurso Crítica,
Semiótica Social. Brasília, DF: J. Antunes Vieira, 2015.

337
Retornar ao Sumário
Capítulo 9

TRÊS MOMENTOS DO GOVERNO BOLSONARO


EM TRÊS IMAGENS DA FOTOJORNALISTA
GABRIELA BILÓ: UMA ANÁLISE MULTIMODAL

Antonia Jackcioneide Oliveira da Silva


Bruna da Costa Targino
Reinaldo Lopes da Silva
Moises Batista da Silva

Gramática do Design Visual


Multimodalidade
Metafunções
Fotografia
Bolsonaro

339
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Com o advento das mídias digitais, tem sido cada


vez mais forte a presença de imagem no auxílio ou no
protagonismo da notícia jornalística por passar, às vezes,
uma síntese do que vai ser desenvolvido no noticiário
escrito. Há até um ditado popular que diz: uma imagem
vale por mil palavras. Pensando nesse aspecto,
decidimos analisar todo conteúdo que pode ser
trabalhado numa foto de uma forma explícita ou
implícita sob a ótica da Gramática do Design Visual
(doravante GDV). Como recorte de nossa pesquisa,
decidimos então analisar três imagens captadas do
Presidente Jair Bolsonaro em diferentes eventos pela
fotojornalista Gabriela Biló. Abordaremos muito mais
do que simples registros do que o Presidente fez em cada
foto, ou seja, quais foram os sentidos que a jornalista
tentou passar para o seu público ao escolher
determinados enquadramentos das imagens analisadas?
Tentaremos responder isso em nossas análises.
A questão do uso da imagem, juntamente com um
texto, serve para reforçar uma informação ou até atrair
mais a atenção do leitor para o que é informado. No
âmbito do jornalismo, quanto à questão do uso da
imagem, segundo Burmester (2006), “durante a maior
parte de sua história, a imagem fotográfica foi observada
através de uma postura conceitual carregada de uma
forte preocupação com a objetividade e o realismo. Isso

340
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

fez com que a subjetividade [...] da fotografia ficasse em


segundo plano”. No entanto, há muito tempo se vem
discutido, nas academias, sobre o impacto que uma
imagem tem além da mera descrição da realidade de
forma objetiva, como foi muito feito no passado, através
de reportagens escritas ou lidas juntamente com
imagens. Isso porque ao captar uma imagem, temos que
levar em conta as percepções de seu realizador, de suas
ideologias e de suas convicções, pois uma pessoa, ao
tirar uma foto, não faz isso de forma aleatória, mas sim
seguindo uma intenção comunicativa de retratar algo
para o outro através de escolhas: de ação e de
enquadramento da imagem etc. Assim como a
linguagem verbal dispõe de uma estruturação lexical,
morfológica e sintática para se entender as suas funções
ideológicas de produção enunciativa, as imagens
também têm uma série de funções que Kress e Van
Leeuwen descrevem na GDV, para que qualquer pessoa
entenda as lógicas comunicativas contidas nelas.
Para entendermos uma imagem no sentido mais
amplo do que a mera descrição do que se tem nessa
imagem, temos que ativar uma série de informações
como mensagem simbólica vinculada à sociedade, à
história, à ideologia de quem a produz e de quem a vê.
Defendendo essa dinâmica de signos e sentidos
produzidos pela fotografia, Joly (1996) atenta para o fato
de que “as imagens não são as coisas que representam,
elas servem para falar de outras coisas” (JOLY, 1996, p.

341
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

84). Isto é, a imagem não é uma reprodução da realidade,


mas por meio da subjetividade tal meio de expressão e
comunicação confere aos elementos representados um
sentido singular e plural ao mesmo tempo.
Corroborando com tudo isso, Kossoy (2002)
aponta para essa diversidade de discursos implícitos
numa imagem, enfocando as condições históricas e
sociais que marcam os significados da fotografia. Ainda
para Kossoy (2002, p.38):

“a realidade da fotografia não corresponde


(necessariamente) à verdade histórica, apenas ao
registro expressivo da aparência [...] a realidade
da fotografia reside nas múltiplas interpretações,
nas diferentes leituras que cada receptor faz dela
num dado momento [...]”.

A captação desses múltiplos sentidos, que uma


foto passar ao leitor, é o que Kress e van Leeuwen(1996,
2006), vão explicar através da Gramática do Design
Visual por meio das três metafunções que abordaremos
a seguir neste capítulo por meio da análise de cada foto
selecionada para esta pesquisa.

2 A GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL

De acordo com a Gramática do Design Visual, de


Kress e Van Leeuwen (1996), uma imagem pode ser lida,

342
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

basicamente, por meio de três metafunções:


representacional, interativa e composicional.
Explicaremos cada uma delas a partir de agora.
Conforme Almeida (2008, p. 11), “O código visual,
assim como o da linguagem verbal, possui formas
próprias de representação, constroem relações
interacionais e constituem relações de significado a
partir de sua composição, de sua arquitetura”. Ou seja,
diferente de alguns autores, Kress e Leeuwen trabalham
uma análise gramatical das imagens, considerando os
aspectos multimodais que vão além do texto verbal.

Quadro 1- As metafunções de Halliday e


de Kress e Van Leeuwen.

Fonte: ALMEIDA (2008 p.12).

343
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

Para refletirmos mais sobre isso, foram escolhidas


3 fotos para análise em que serão representadas as
metafunções elaboradas por Kress e Leeuwen. Vale
ressaltar que a Gramática de Design Visual faz uso de
uma abordagem baseada nos estudos de Halliday (1994).
Segundo Rebouças (2019 p.25), “As metafunções
de Halliday (1985) servem, contudo, de base para as
categorias de análise das imagens de Kress e van
Leeuwen (1996)”.
No tocante à função representacional, as imagens
podem ser narrativas ou conceituais. Será narrativa
quando se tiver uma impressão de movimento entre o(s)
participante(s) da imagem. Nessa categoria, o processo
pode ser transicional quando se tem a impressão de
movimento(s) do(s) vetor(es) através do(s) gesto(s) do(s)
ator(es) ou reator(es) do fenômeno imagético registrado.
Já o não transacional é quando a ideia de movimentação
ocorre somente por um ator na cena, ou seja, não existe
um outra pessoa na imagem para quem a ação é
direcionada.
Quando na imagem não há registro de
movimentação por parte de alguém, temos o processo de
estrutura conceitual. Esse processo consiste em apenas
registrar a pose de quem foi captado na cena ou até
mesmo uma representação de um objeto inanimado.
Cabe ressaltar que, no processo conceitual, a
pessoa capturada na imagem tem suas características
definidas através das relações representadas pelos

344
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

atributos simbólicos como cores, tamanhos ou


enquadramentos que se associam a outras configurações
visuais no que diz respeito às nossas experiências
individuais ou coletivas de leitura da imagem vista.
Também podemos ver como se desenvolvem as
relações entre os participantes da imagem fotografada na
metafunção interativa. Nesse quesito, pode-se analisar
as categorias como contato, distância social, perspectiva
e modalidade do(s) personagem(ns) da cena. No tocante
ao contato pelo olhar entre o ator e o leitor, quando isso
é feito de forma direta, segundo a GDV, temos um
contato de demanda. Quando o olhar do ator da cena
não é direcionado ao observador da imagem, dizemos
que se trata de um contato de oferta.
Na categoria distância social, basicamente, temos
as seguintes possibilidades: o plano fechado ou close-up
demonstra mais proximidade ou intimidade com o
observador. Já o plano aberto ou long shot representa
uma maior distância entre o observador da cena e o
personagem dela. Existe ainda o plano médio ou medium
shot onde os participantes aparecem retratados até a
cintura ou joelho. Nesse plano médio, a relação
estabelecida entre quem observa e quem atua na cena dá-
se de forma social.
No que se refere à perspectiva ou ponto de vista,
temos a possibilidade de a imagem ser captada por três
ângulos: o frontal, o oblíquo e vertical. Cada um desses
ângulos quer demonstrar algo na relação entre o

345
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

participante da cena e o observador. O ângulo frontal


quer significar um envolvimento entre o observador e o
participante da cena registrada. No ângulo oblíquo, o
atuante da cena demonstra-se para o observador de
forma perfilada, ou seja, tendo seus olhos desviados da
direção do leitor/observador, proporcionando assim um
certo grau de distanciamento e impessoalidade à cena.
No que se refere ao ângulo vertical, temos a
possibilidade de demonstração de poder entre quem
atua na cena fotografada e quem a observa. Se a cena foi
captada num ângulo alto (Plongée), isso quer
estabelecer um maior poder ao observador. Agora se a
imagem foi registrada num ângulo baixo (contra-
plongée), isso quer dizer que o participante fotografado
tem maior poder em relação ao observador. Existe ainda
a possibilidade de a foto ser captada no mesmo nível
ocular de quem a observa. Nesse caso, existe uma
equivalência de poder entre quem atua e quem observa.
A modalidade ou valor de realidade se dá pelo
fato da imagem estar mais próxima ou não das
características reais do que são apresentadas ao
observador na imagem. Nesse ponto, são analisadas
questões como cor e plano de fundo (background) para se
classificar essa imagem como sendo naturalista ou não.
De acordo com Kress e Van Leeuwen (1996), na
metafunção composicional, a disposição dos elementos
que compõem uma imagem lhes confere “valores
informativos específicos”. Portanto, devemos estar

346
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

atentos a tudo o que é mostrado na imagem, pois cada


elemento permite entender a natureza social, cultural ou
ideológica de seus produtores.
Segundo Kress e Van Leeuwen (1996), na cultura
ocidental, temos o costume de ler a informação da
esquerda para a direita e de cima para baixo. Isso
contribui para nossas decodificações e leituras do que
vemos ou lemos. Além disso, eles descrevem na GDV
que as informações que estão do lado esquerdo são já
conhecidas do leitor e as que estão do lado direito são
chamadas de informações novas.
Quanto às informações que estão na posição
superior da imagem, Kress e Van Leeuwen (1996)
denominam-nas de ideal, pois esses elementos tentam
trabalhar a nossa subjetividade, enquanto que as
informações que estão na parte inferior da imagem são
tidas como concretas, práticas e reais. Além disso, não
podemos esquecer do centro da imagem, pois Kress e
Van Leeuwen reservaram esse ponto como sendo o
núcleo da informação.

3 ANÁLISE DE ALGUMAS IMAGENS


CAPTURADAS PELA FOTOJORNALISTA
GABRIELA BILÓ

Uma imagem pode contribuir muito no


entendimento do leitor de uma reportagem. No entanto,
na maioria das vezes, as pessoas dão mais créditos ao

347
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

texto escrito em si por ver uma foto como uma mera


coadjuvante do jornalismo. Para desmistificar isso, os
estudos da GDV vem mostrando que qualquer imagem
contém elementos riquíssimos na construção dos
sentidos do objeto em si mostrado ao leitor. Isso pode se
resumir em uma simples cena que pode retratar uma
matéria extensa sobre o mesmo assunto abordado e é
isso que faremos a seguir através da escolha de três fotos
capturadas por Gabriela Biló que acompanha a vida do
Presidente da República já algum tempo.

3.1 A relação entre corrupção e o governo Bolsonaro

Bolsonaro foi fotografado por diversos repórteres


que estavam em um evento sobre combate à corrupção,
ocorrido em 5 de julho de 2020 em Brasília. À primeira
vista, a cena passa uma ideia de que Bolsonaro apoia a
corrupção ao invés de combatê-la. Pensando nesse
sentido, retomamos (Kress e Van Leeuwen, 1996, p.178)
quando eles dizem que: “[...] uma análise
sociossemiótica visual parte do paradigma de que
imagens não apenas reproduzem estruturas da
realidade, mas se interligam com os interesses das
instituições sociais que as produzem, as fazem circular e
as leem [...]”.
Diante disso, cabe fazermos um apanhado rápido
sobre o histórico de Bolsonaro no quesito corrupção. Ele
e sua família estão cercados de investigações sobre

348
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

suspeita da prática de corrupção conhecida como


rachadinha, ou seja, a subtração do dinheiro de seus
assessores parlamentares. Essas investigações não
avançam devido às posições que eles ocupam neste
momento: Jair Bolsonaro, atualmente filiado ao Partido
Liberal, desde o dia 30 de novembro de 2021, para pode
concorrer ao cargo de presidente da República do Brasil
novamente; Carlos Eduardo, como deputado Federal e
Flávio Bolsonaro, como senador Federal ambos filiados
ao Partido Liberal também e Carlos Bolsonaro, como
vereador pelo estado do Rio de Janeiro, filiado ao
Republicano. Todos eles estão protegidos pelas
imunidades parlamentares que só permitem
investigações pelos parlamentos a que cada um está
submetido ou pelo Supremo Tribunal Federal.
Resta à imprensa acompanhar o andamento
dessas investigações e tentar desmistificar essas figuras
como sendo incorruptíveis, já que Bolsonaro ganhou as
eleições de 2018 segundo a ótica de combate à corrupção
em nosso país. No entanto, suas atitudes, como a
tentativa de controlar a Polícia Federal, acabou
resultando no afastamento do seu ex-ministro da Justiça
Sérgio Moro, de seu governo, como também o
enfraquecimento da operação Lava Jato através do seu
indicado à Procuradoria Geral da República, Augusto
Aras. Tudo isso são sinais claros de que Bolsonaro não
combate à corrupção propriamente dita.

349
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

Agora, entramos propriamente nas discussões


das imagens escolhidas para este artigo. Cabe aqui
ressaltarmos que faremos algumas interpretações dos
elementos que compõem as estruturas visuais segundo
as ideais de Kress e van Leeuwen (2006).
De acordo com esses autores, a Gramática do
Design Visual (GDV), possui três categorias de análise
que têm como base as metafunções de Halliday (1985), a
partir dos estudos da Linguística Sistêmico Funcional
(LSF). Entretanto, na GDV, essas metafunções aparecem
com o propósito de analisar os elementos imagéticos,
servindo, portanto, como ferramentas de investigação
para a leitura visual com o objetivo de desmistificar a
ideia de que as imagens são códigos desprovidos de
ideologias (ALMEIDA, 2008).

Figura 1 - Bolsonaro "Corrupção 2020".

Fonte: https://www.instagram.com/gabriela.bilo/.

350
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

No caso da Figura 1, temos que registrar,


primeiramente, que Gabriela Biló quis passar uma ideia
de que Bolsonaro não combate à corrupção devido ao
que está contido na imagem através de seu
enquadramento, ou seja, cortando boa parte do título do
evento e capturando somente a palavra corrupção 2020
e o gesto “positivo” de Bolsonaro com um sorriso.
Conforme Fairclough (2009, p.35), “o discurso é
uma forma de se manter ou alcançar a hegemonia –
liderança, poder - uma vez que, em grande medida,
discursos são reforçados até atingirem o senso comum,
tornando-se assim incontestáveis”. No caso dessa
imagem de Bolsonaro, Gabriela quis demonstrar ao seu
público que, na verdade, o presidente não combate à
corrupção, mas sim sinaliza positivamente para quem as
realiza, ou seja, os corruptos.
Essa ideia pode ser trabalhada de forma explícita
ou implícita como Nascimento, Bezerra e Heberle (2011,
p.43) dizem:

Nas formas explícitas, há uma presença de legenda


para classificar os elementos em um grupo
determinado. Diferentemente ocorrem nas formas
implícitas, que essas identificações se fazem por meio
da assimilação e da inferência dos elementos, que
permitem classificá-los em uma categoria
determinada.

351
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

Cabe aqui explicar a tática da jornalista em passar


a ideia: Bolsonaro é a favor dos corruptos, sem o risco de
ser processado por isso. A interpretação dessa foto fica
ao critério do leitor, pois não há legenda ratificando essa
ideia. Caso o Presidente resolvesse processar Gabriela
por questões de danos morais, ela poderia alegar que
essa imagem é normal como qualquer outra, tirada pelos
vários colegas que acompanham o presidente em seus
eventos sociais.
Analisando agora sobre a ótica da GDV, temos a
metafunção representacional como sendo não-
transacional porque faltam vetores que indiquem ideias
de movimentação em relação às outras pessoas que estão
no evento, mas não aparecem na imagem de Biló.
Além disso, temos a figura de Bolsonaro não
olhando para o leitor de forma direta, mas sim para
outras pessoas que não aparecem na foto. Essa posição
representa a metafunção interativa que demonstra uma
relação impessoal, na qual o personagem está apenas
sendo exposto para que o leitor o observe e contemple.
Nesse caso, Kress e Van Leeuwen (1996; 2006)
classificam esse contato como oferta.
A segunda metafunção é representada pela
interação que não ocorre de forma explícita na foto entre
Bolsonaro e os participantes do evento devido ter
somente o Presidente da República do Brasil no
enquadramento da imagem analisada. No entanto, cabe
aqui mencionar que essa imagem do Presidente está na

352
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

posição de oferta segundo a teoria da GDV e o ângulo


fechado, ao qual o personagem está submetido a quem o
ver, permite associá-lo a um maior envolvimento entre o
personagem e o leitor no quesito de concordar ou não
sobre os aspectos de combate a corrupção realizada por
Bolsonaro. Essa categoria diz respeito à questão do
distanciamento social que há entre Jair Bolsonaro e quem
o vê nessa foto analisada até este momento, seja por
aspectos sociais ou ideológicos.
Diante de tudo que foi dito antes, podemos
constatar que essa imagem passa uma ideia de Bolsonaro
sendo a favor da corrupção e não o contrário, pois os
gestos e sorriso possibilitam essa interpretação.
Analisando a metafunção composicional, vamos
ver o valor informacional de uma imagem no que se
refere à colocação dos elementos dentro da composição
visual. Dependendo de onde são colocados dentre as
dicotomias da zona pictórica - esquerda/direita;
topo/base, esses elementos são dotados de informações
distintas.
Na imagem captada por Gabriela, a palavra
corrupção 2020 está escrito acima da cabeça de Bolsonaro
como sendo o ideal a ser alcançado e o gesto positivo
feito pelo presidente na parte inferior da imagem como
sendo o real praticável por qualquer pessoa numa
sociedade hipócrita, ou seja, a corrupção é comum a
qualquer pessoa. É triste vermos o presidente da

353
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

república do Brasil passar essa imagem de hipocrisia


frente às lentes jornalísticas, mas isso só vem a estimular
a imprensa a tentar levar ao público leitor, seja
linguístico ou visualmente, uma imagem de Bolsonaro
como um símbolo de corrupção.
Para Kress e van Leeuwen (1996), nos processos
simbólicos, como aqueles nos quais são acrescidos
elementos que não são naturais da imagem em si por
meio de simbolismos, os elementos aparecem para dar
um valor extra na imagem e podem se apresentar por
meio de cores, tamanhos, posição, dentre outros. Isto é,
os processos simbólicos estabelecem o que os
participantes de uma imagem significam e para isso
acrescem elementos extras a imagem, dando-lhes
simbolismos.
No caso da foto analisada, os elementos extras são
a palavra corrupção e o ano de 2020. Esses itens, da
forma como foram captados no enquadramento da
imagem escolhida por Gabriela, tentam passar uma ideia
de que Bolsonaro é a favor da corrupção atualmente por
meio de todos os elementos da imagem. Cabe ressaltar
que a foto poderia ter uma amplitude maior, aparecendo
o nome do evento todo, mas isso não ocorreu devido à
vontade da jornalista em passar essa ideia de que o
Presidente é corrupto, por meio do recorte da imagem.

354
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

3.2 A ruptura da aliança de Jair Bolsonaro e Sérgio


Moro

A Lava Jato unificou uma grande porção do poder


judiciário, Ministério Público bem como a mídia que se
encarregou de divulgar o andamento das operações da
Polícia Federal e do judiciário através de conteúdos
exclusivos para uma emissora, por exemplo. Tal atitude
permitiu a construção de um novo herói da nossa pátria,
o juiz Sérgio Moro. Esse cenário possibilitou o
enfraquecimento dos partidos tradicionais,
principalmente os que já eram alvos das investigações
por questões de corrupção, como o PT, o PSDB, o MDB
etc., fortalecendo assim aqueles que estavam à frente das
operações da Lava Jato, como Sérgio Moro e os
procuradores de Curitiba. Além disso, foi se abrindo um
espaço para grupos de militantes engajados na
popularização do “antipetismo”, assinalado por ataques
ao ex-presidente Lula, e o discurso anti sistema, além de
ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Bolsonaro atraiu esse último grupo a partir do
período em que ele apoia tanto o antipetismo quanto o
roteiro anticorrupção como elementos primordiais de
crítica ao sistema político, dando início a uma aliança
política com Sérgio Moro, proporcionando uma grande
força para a candidatura e, como sabemos, a vitória no
pleito eleitoral do ano de 2018. No entanto, o que se
acredita que tenha sido uma tentativa do Presidente, de

355
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

proteger os filhos de investigações da Polícia Federal


sobre a questão do escândalo da rachadinha, acabou por
se tornar início do rompimento entre o Ministro da
Justiça Sérgio Moro e Bolsonaro.
Neste sentido, por meio de uma fotografia
captada pela Gabriela Biló, pretendemos analisar o
momento relacionado ao menciondo acima, em
consonância com a teoria da GDV, buscando entender
quais aspectos da imagem apresentam a ruptura do
Presidente Bolsonaro e do ex-ministro da Justiça Sérgio
Moro.
A imagem apresentada, na Figura 2, foi feita
durante uma cerimônia de hasteamento da bandeira, no
dia 15 de outubro de 2019, no Palácio da Alvorada. A
imagem em questão chegou a ser a capa do Jornal Estado
de São Paulo, no dia seguinte. A foto dá a entender que o
Presidente Jair Messias Bolsonaro está fazendo o
emblemático gesto de arma com a sua mão direita
apontada para a cabeça do então Ministro da Justiça
Sérgio Moro. Essa imagem é complementada pela figura
de Paulo Guedes, aparentemente sorrindo. De acordo
com a fotojornalista, Gabriela Biló, em uma declaração
no seu perfil do Instagram, a imagem é fruto de uma
sequência de várias fotos de quando o presidente
empunhava sua “arma” como gesto de saudação a sua
comitiva. No entanto, o enquadramento da fotografia
permite uma percepção diferente.

356
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

Figura 2 - O fim de Bolsonaro e Moro.

Fonte: https://www.instagram.com/gabriela.bilo/

Segundo Kress e van Leeuwen (2006), a


metafunção representacional está relacionada à
competência de representar coisas e suas conexões no
meio exterior ao sistema representacional. Os
participantes são representados na contextura
multimodal, configurando concepções de mundo
através da relação entre os participantes. Desta forma,
podemos dizer que, quanto à função representacional na
imagem selecionada, é possível afirmar que se trata de
uma narrativa transacional, visto que nos é passada a
impressão de movimento de uma “arma” sendo
apontada para cabeça de alguém, o que se configura
como sendo o vetor em questão, visto que a partir de
então é compreendido que acontece o movimento da

357
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

mão de um dos participantes, do mesmo modo que o ato


de baixar a cabeça por parte de um segundo participante.
Como vimos antes, na metafunção interativa,
Kress e van Leeuwen (2006) destacam quatro
subcategorias: o Contato, a Distância Social, a
Perspectiva e Modalidade. Através desses recursos, é
pretendido estabelecer significados das relações sociais a
partir dos recursos visuais.
De acordo com Almeida (2008), o sistema de
Contato de demanda se encarrega de construir uma
relação imaginária, através da troca de olhar entre os
participantes em questão, bem como com o leitor, que se
torna um participante interativo. Podemos observar
ainda que, quando o participante não fita diretamente o
olhar para o leitor, denominamos essa relação de oferta,
o que significa que o leitor apenas observa o participante
de modo impessoal. Esta relação ocorre na imagem em
questão, visto que somente observamos a figura do
presidente Bolsonaro de perfil, do mesmo modo que o
ex-ministro Moro.
No que se refere ao recurso da distância social,
constatamos a relação de um plano aberto, posto que é
possível observar o corpo quase por inteiro dos
representantes, o que revela um maior distanciamento
social do leitor. No tocante à Perspectiva, recurso que
corresponde aos ângulos nos quais os participantes
representados são capturados na imagem, estes ângulos
podem ser Frontais, Oblíquos e Verticais. Em nossa análise,

358
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

podemos verificar que na imagem selecionada, o ângulo


é oblíquo. Já que quando a angulação é oblíqua, o
participante representado é retratado de modo
perfilado, determinando, um maior nível de
deslocamento para com o leitor.
Por fim, a metafunção composicional, que
funciona como um agente responsável pelo arranjo e
reconhecimento dos elementos visuais. Essa metafunção
nos viabiliza a descrição e a composição dos
componentes representados conforme a posição e o
espaço que tomam na imagem ou na organização
multimodal. Na Figura 2, podemos observar que os
participantes representados estão distribuídos de modo
que é possível perceber uma leve saliência na figura do
presidente em relação ao ex-ministro, o que pode ser
compreendido como uma relação de superioridade.
Então, é possível constatar que a imagem
apresenta aspectos visuais capazes de significar um
enfraquecimento na relação entre os participantes. O que
fora consumado tempos depois, após a demissão do juiz
de seu cargo de Ministro da Justiça, tornando-se, então,
mais um adversário político do Presidente.

3.3 Governo Bolsonaro e o negacionismo a pandemia


do Covid-19

A pandemia começou no finalzinho do ano de


2019, na China e se espalhou pelo mundo em seguida,

359
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

devido ao intenso trânsito de mercadorias e pessoas


entre esse país asiático e o restante do mundo. Aqui, no
Brasil, o primeiro caso de Covid-19 foi registrado em
março de 2020, mas o vírus já circulava com intensidade,
principalmente, em São Paulo, que é a maior porta de
entrada para várias nacionalidades do mundo. Ao longo
de 2020, muitas pessoas morreram em várias partes do
globo, pois ainda não se tinha uma vacina para combater
o Coronavírus. Desde então, fomos orientados pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), que deveríamos
usar máscaras e álcool em gel para nos protegermos do
vírus.
No entanto, o presidente do Brasil Jair Bolsonaro
nunca levou a sério essa problemática da pandemia,
devido a questões econômicas, já que muitos países
tiveram que diminuir a circulação de pessoas em seus
territórios para que se evitassem as propagações desse
novo vírus entre as pessoas. Consequentemente, essa
atitude prejudicou e muito a balança comercial de quem
teve que tomar esse tipo de atitude. Além disso, teve a
questão da necessidade de bancar o auxílio emergencial
para os mais vulneráveis. Tudo isso fez criar em nosso
presidente uma aversão a essa situação enfrentada por
causa da pandemia da COVID-19.
A solução criada para contornar essa
problemática da pandemia, frente aos danos econômicos
que o mundo inteiro sofreu, foi uma aposta num

360
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

remédio chamado Cloroquina. Esse medicamento já é


conhecido pela comunidade médica, mas para outros
problemas, como a malária. Bolsonaro, durante muito
tempo, tentou vender essa ideia de que bastaria tomar
essa medicação para solucionar a questão dos danos
causados pelo vírus do Covid-19. A OMS juntamente
com alguns laboratórios pelo mundo começaram a
estudar a eficácia da Cloroquina quanto ao combate ao
Covid-19 e chegaram à conclusão de que esse
medicamento não serve para o enfrentamento da nova
doença respiratória. Mesmo assim, Bolsonaro não se
rendeu ao conhecimento científico e continuou a
propagar essa ideia e a negar a gravidade da pandemia
na tentativa de que se voltasse tudo ao normal, ou seja,
as pessoas retomassem suas rotinas como se não
houvesse o risco de contaminação do Covid-19.
Como forma de demonstrar uma normalidade
para o seu público, Bolsonaro quase sempre aparecia em
diversos lugares sem utilizar a máscara. Fora esse mal
exemplo, ele também resistiu em comprar as vacinas da
Pfizer, entre outras durante um bom tempo. Só começou
a comprar as vacinas devido ao empenho de alguns
senadores do Congresso Nacional que elaboram um
documento, dando todo o respaldo para aplicação da
Pfizer e dos outros imunizantes, já que a principal

361
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

alegação de Bolsonaro seria a possível cobrança na


justiça por alguém, aqui no Brasil, que vinhesse a sofrer
alguma reação adversa a qualquer vacina comprada pelo
seu governo.
Aliás, as negações, frente à situação causada pela
pandemia, sejam nos momentos mais graves ou não,
podem ser vistas desde a famosa frase: “está morrendo e
daí”, dita quando um repórter indagou o presidente
sobre os altos índices de morte que o país vinha
enfrentando. Fora isso, há até pequenas atitudes como
não apertar as mãos, para evitar a propagação do vírus,
que as pessoas adotaram o soquinho entre as mãos, mas
que Bolsonaro não admitia.
Diante dessa ação simples, mas que Bolsonaro
insistiu em não aderir, analisamos mais uma foto do
Presidente Jair Bolsonaro, tirada pela fotojornalista
Gabriela Biló.
Desse modo, avaliamos essas imagens levando
em consideração a Gramática do Design Visual (GDV)
que está relacionada com a multimodalidade presente
nas imagens e suas metafunções, propostas por Kress e
van Leeuwen (1996): metafunção representacional
(descreve os participantes em uma ação), a metafunção
interativa (descreve as relações sócio interacionais

362
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

construídas pela imagem) e a metafunção composicional


(que combina seus elementos).

Figura 3 - Bolsonaro e o negacionismo


da pandemia do Covid-19.

Fonte: https://www.instagram.com/gabriela.bilo/

Como é possível perceber, na Figura 3, uma


pessoa não identificada está cumprimentando o
Presidente com um soquinho. Esse gesto foi adquirido
durante a pandemia para evitar o contato diretamente
com as mãos, como uma maneira de prevenir a infecção
pela COVID –19. No entanto, o Presidente fazia questão
de abrir a mão e não socar as mãos para demonstrar que
estava tudo normal e que também era contra esse novo
tipo de cumprimento.

363
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

Considerando a metafunção representacional na


imagem, percebe-se a presença do presidente em
destaque participando de um evento, no Palácio do
Planalto e usando máscara. Podemos perceber também a
presença de vetores na imagem, já que existem ações
sendo realizadas como o aperto de mão. Nesse caso, dá-
se o nome de representação narrativa. Provavelmente, o
cumprimento parte do ator, nesse caso, não identificado
e a ação está sendo direcionada ao presidente que é a
meta. Como existem dois participantes, aquele a quem
o vetor se dirige é a meta, logo essa estrutura é chamada
de transacional.
Já a função interativa tem como objetivo
destacar a interação entre os indivíduos da imagem.
Nesse caso, como já vimos, é levado em consideração
quatro recursos: o contato, a distância social, a
perspectiva e a modalidade (ALMEIDA, 2008). Em
relação ao contato, na imagem, podemos perceber que o
olhar do Presidente é de oferta, pois ele não olha
diretamente para o observador. Já a distância social se dá
em plano fechado, pois dá para ver somente o rosto e os
ombros do Presidente. A perspectiva da imagem é
oblíqua, já que o Presidente está sempre de lado na
sequência de imagens. Em relação à metafunção
composicional, Na Figura 3, temos a linguagem não

364
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

verbal, ou seja, as dos gestos de cumprimento entre os


participantes da imagem. O primeiro contato pode
passar uma imagem de discordância em relação a regra
de etiquetas em vigor no momento devido ao risco de
contaminação da pandemia, mas que para o presidente
pouco importa, pois ele quer passar uma imagem de
normalidade em suas ações. O que fica difícil, pois na
mesma cena ele adere a outra regra imposta pela
pandemia que é o uso de máscara, ou seja, para se evitar
o risco de contágio pelo vírus do Covid-19 não só basta
aderir a um ou outro protocolo, mas sim a todos os
rituais para que se evitem as mínimas chances de
adquirir uma doença ainda não controlada e
imprevisível quanto aos seus resultados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da grande demanda e necessidade da


utilização de textos multimodais, veiculados sobretudo
pelas mídias eletrônicas, em especial pelas redes sociais,
também pela imprensa, assimilar essas categorias de
análise é indispensável para compreender os
significados de um texto como um todo. A imprensa
midiática hoje utiliza muito da linguagem visual para
sintetizar o que será abordado nos textos jornalísticos.

365
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

Isso ocorre porque a leitura de uma imagem pode ser


feita de uma forma sucinta ou expansiva.
De forma resumida, o leitor entenderá a principal
ideia que será trabalhada com mais detalhe no noticiário
escrito que vem junto com a foto. Por outro lado, uma
leitura mais detalhada da imagem buscará entender
todos os aspectos constitutivos dela, ou seja, a sua
estrutura através da atuação dos presentes na cena como
também cores, tamanho, ângulo etc.
A análise de fotos por meio desses aspectos é de
fundamental importância para que se entendamos as
ideias que estão por trás da exposição de uma imagem.
Isso se deve à intenção comunicativa que o produtor da
imagem quer passar aos leitores.
Pensando nisso, decidimos selecionar para o
corpus de nosso artigo três fotos da jornalista Gabriela
Biló que trabalha a figura do presidente Bolsonaro de
uma forma a questionar as ideias do Presidente frente às
suas ações registradas em fotografias que podem ser
lidas, às vezes, como contraditórias. As explorações das
imagens vinculadas ao instagram têm tido muito
destaque, uma vez que, os usuários têm acessado cada
vez mais as redes sociais. Nelas encontramos todos os
tipos de conteúdo, logo a internet tem sido uma

366
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

ferramenta comum na produção de informações para os


usuários.
Portanto, faz-se necessário, para quem deseja
trabalhar com a leitura e análise da linguagem visual,
que possa conhecer os princípios abordados por Kress e
Van Leeuwen (1996). Aqui, as metafunções e suas
categorias foram a base para as análises de imagens que
retratam três momentos do governo Bolsonaro, a partir
do olhar da jornalista Gabriela Biló.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, D. B. L. (Org.). Perspectiva em análise


visual: do fotojornalismo ao blog. João Pessoa: UFPB,
2008. p. 11-31.

BURMESTER, D. E. Fotografia do analógico para o


digital- um estudo das transformações no campo da
produção de imagens fotográficas. 2006. Dissertação
(mestrado) – escola de comunicação e artes –
universidade de São Paulo.

FAIRCLOUGH, Norman. A dialectical-relational


approach to critical discourse analysis in social

367
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

research. In: WODAK, R.; MEYER, M. (Ed.). Methods


for Critical Analysis. 2. ed. London: Sage, 2009.

HALLIDAY, M. A. K.An introduction to functional


grammar. London: Edward Arnold, 1985.

HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional


grammar. London: Arnold, 1994.

JOLY. Y, M. Introdução à análise da imagem. São


Paulo: Papirus, 1996

KOSSOY, B Realidades e ficções na trama fotográfica.


São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.
KRESS, VAN Leeuwen, T Reading imagens: the
Grammar of visual Design London: Routledge. 1996.

KRESS, Gunther; van LEEUWEN, Theo.Reading


image: the grammar of visual design. 2. ed. London:
Routledge, 2006.

NASCIMENTO, Roseli Gonçalves do; BEZERRA, Fábio


Alexandre Silva; HEBERLE, Viviane Maria.
Multiletramentos: iniciação à análise de imagens.

368
Cap. 9 - Três momentos do governo Bolsonaro em três imagens da fotojornalista
Gabriela Biló: uma análise multimodal

Linguagem & Ensino, Pelotas, v. 14, n. 02, p. 529-552,


jul. / dez. 2011.

REBOUÇAS. Renatha de Oliveira. A representação de


Donald Trump na mídia brasileira: uma análise visual
de capas de revistas nacionais. Dissertação apresentada
à Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN) – Campus Central, como parte das exigências
dо Programa dе Pós-Graduação Ciências da Linguagem
(PPCL), para obtenção do título de Mestre em Ciências
da Linguagem. Mossoró, 2019.

369
Retornar ao Sumário
CAPÍTULO 10

A LINGUAGEM NEOFASCISTA NO DISCURSO


BOLSONARISTA: UMA ANÁLISE MULTIMODAL
COMPARATIVA ENTRE OS PRONUNCIAMENTOS
DE ROBERTO ALVIM E GOEBBELS

Clístenes Oliveira da Silva


Sandson de Souza Costa

Discurso
Linguagem
Neofascismo
Bolsonarismo

371
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

1 INTRODUÇÃO

O cenário político brasileiro dos últimos anos, deu


possibilidade de emergência a uma série de discursos e
práticas que se associam a elementos do discurso e
conjuntura neofascista. Tanto como estratégia para
eleição nas agitações das massas quanto na atuação o
governo bolsonarista partiu/parte de uma racionalidade
baseada em discursos extremistas entrelaçados a pautas
ultraconservadoras e neoliberais para o exercício
político. Visando a destruição das questões de cunho
social e políticas defendidas pela esquerda no país, a
extrema direita mostra sua força e sua estratégia eficaz.
Dentro desse liame, instaurou-se uma política de
segregação – defendem-se os valores conservadores os
quais a direita bolsonarista tomou para si desde os
primeiros momentos da campanha nas eleições de 2018,
elegendo como seus antagonistas os governos de
esquerda anteriores. Esses, que por sua vez, não apenas
representariam uma oposição ideológica política, mas
também um mal a ser eliminado da sociedade.
Para Stanley (2018) um elemento marcante do
fascismo é a divisão da população e instaurar uma
política de segregação, elegendo um inimigo em comum.
O autor ressalta que, seja por distinções de etnias,
religiosas ou raciais, objetiva-se consolidar uma divisão
e demarcar sua ideologia e desumanizar parcelas
minoritárias da população através da retórica de que é

372
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

necessária uma limpeza ou purificação social. No Brasil,


com a ascensão do bolsonarismo e consolidação do seu
governo pudemos presenciar explicitamente esse caráter
segregacionista no exercício político.
A linguagem utilizada nessa produção discursiva
para fins políticos mostra-se uma ferramenta eficiente,
na medida em que insere as noções de verdadeiro e falso
na esfera pública – dá-se um status de legitimidade aos
discursos que coadunam com seus ideais e caracterizam
como falso, e assim inaceitáveis quaisquer discursos que
divergem dessa racionalidade legitimada. Com isso, a
linguagem como tática política atravessa as diversas
estratégias discursivas, e é esse atravessamento entre os
discursos que mantém certo nível de movimentação da
linguagem utilizada sem um distanciamento da sua
forma, visto que a linguagem é meio e conteúdo do
exercício político. Para Bustamante (2021, p. 8),

De modo prático, é o conteúdo necessário advindo da


política na linguagem formando-se a todo o momento.
Não é casual a possibilidade de verificar o que é
política fascista, pois as balizas são dadas
explicitamente em uma noção separada de aparência e
o que efetivamente pretende obter como objetivo e
interesse.

Nesse sentido, a linguagem como estratégia


funciona com a necessidade de marcas que a dê

373
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

pertencimento a certo discurso empregado. É nesse


sentido – e sobretudo –, que a linguagem fascista
encontra palco para construção de resultados. A política
fascista faz uso de múltiplos discursos, como afirma
Stanley (2018): um passado mítico, propaganda, anti-
intelectualismo, irrealidade, vitimização, ansiedade
sexual, patriotismo entre outros aspectos. Assim, a
linguagem utilizada precisa ter presença forte sobre os
interesses a serem realizados.
Tendo em vista que, pela ótica da direita radical
brasileira, a esquerda afronta seus valores ao apoiar
pautas como aborto, sexualidade, gênero etc., associa-se
teorias políticas como o socialismo e comunismo a um
ataque direto à sua visão de mundo, à normatização da
conduta estabelecida, isto é, uma agressão aos valores
morais por eles definidos. Logo, apresenta-se aí um
inimigo social comum. Nesse caso, a linguagem como
estratégia é fundamental para que essa divisão seja
efetuada com sucesso. Ela deve estar presente nas
discussões sociais assiduamente para que, não só a
divisão seja efetivada, mas que seja efetivada pelo
confronto discursivo.
No entanto, considerando a enorme dispersão e
heterogeneidade da moral/ideologia do bolsonarismo,
bem como a produção discursiva da direita no Brasil,
como tratar certo número de práticas e discursos na
esfera política como fascismo? Ou mais ainda: como
caracterizar uma linguagem fascista no discurso do

374
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

bolsonarismo nas estratégias do embate político?


Partindo dessas problematizações, este artigo tem como
objetivo descrever e analisar a presença de uma
linguagem fascista no discurso bolsonarista no discurso
do ex-secretário de cultura do Governo bolsonarista
Roberto Alvim a partir de uma análise discursiva e
multimodal comparativa. Para tanto, fundamentamo-
nos nos Estudos Discursivos Foucaultianos, elegendo
como categorias de análise os conceitos de formação
discursiva e governamentalidade. Quanto à abordagem
multimodal na análise de imagens, traremos as
contribuições de Kress e Van Leeuwen (1996).

2 FORMAÇÃO DISCURSIVA E
GOVERNAMENTALIDADE BOLSONARISTA

Foucault (2015) nos apresenta o conceito de


formação discursiva que pode nos servir no percurso dessa
problematização, na medida em que se possa
compreender o conceito como sistemas de dispersões e
regularidades. Tais formações produzem saberes em seu
interior, dentro de relações de poder envolvidas e há
nelas “uma ordem em seu aparecimento sucessivo,
correlações em sua simultaneidade, posições
assinaláveis em um espaço comum, funcionamento
recíproco, transformações ligadas e hierarquizadas”
(FOUCAULT, 2015, p. 46). Assim, as formações discursivas
são desenhadas numa multiplicidade de relações, sendo

375
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

essas heterogêneas, mas que demarcam uma


regularidade discursiva nos diversos enunciados
presentes nos discursos que as constituem. Com isso,
podem ser definidas da seguinte maneira:

No caso em que se puder descrever, entre um certo


número de enunciados, semelhante sistema de
dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos
de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se
puder definir uma regularidade (uma ordem,
correlações, posições e funcionamentos,
transformações), diremos, por convenção, que se trata
de uma formação discursiva (FOUCAULT, 2015, p. 47).

Ou seja, nos enunciados os quais podemos


observar uma regularidade – seja de uma maneira mais
simples ou mais complexa – e sistemas de dispersão
específicos os quais se possa descrever em seu
funcionamento, certa ordem discursiva, podemos assim
concluir que se trata de uma formação discursiva. No que
diz respeito ao nosso trabalho, a linguagem fascista no
discurso bolsonarista no exercício político brasileiro
atual.
Considerando que na Idade Média ou na
antiguidade greco-romana havia tratados sobre a
maneira de exercer poder fundamentados por sua
religiosidade, buscavam-se conselhos na moral religiosa
para a eticidade na formação de leis. Segundo Foucault

376
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

(1986), entre o início do século XVI até o final do século


XVIII desenvolve-se tratados que refletem uma arte de
governar. Esta problemática emerge no século XVI sob
diversos aspectos: o governo de si mesmo, das almas e
das condutas, sobre o tema da pastoral católica e
protestante e do governo das crianças. Tal problemática
em sua heterogeneidade segue marcada como ponto
histórico na convergência do sistema feudal para o
princípio da formação de Estados baseados na
administração territorial, bem como se relaciona com o
período de reflexão sobre a espiritualidade durante a
Reforma e, por conseguinte, a Contra-Reforma.

Todos estes problemas, como a intensidade e


multiplicidade tão características do século XVI, se
situam na convergência de dois processos: processo
que, superando a estrutura feudal, começa a instaurar
os grandes Estados territoriais, administrativos,
coloniais; processo inteiramente diverso, mas que se
relaciona com o primeiro, que, com a Reforma e em
seguida com a Contra-Reforma, questiona o modo
como que se quer ser espiritualmente dirigido para
alcançar a salvação (FOUCAULT, 1986, p. 278).

Para Foucault a noção de governamentalidade


afasta-se da representação do poder como coisa ou
posse, identificadas como pertencentes a um poder
soberano ou até mesmo de uma instituição como Estado.

377
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

A representação do poder se dá de forma contínua no


tecido societário, sedimentado na confluência de forças
plurais consonantes a situações estratégicas. O poder “é
o nome dado a uma situação estratégica complexa numa
determinada sociedade” (FOUCAULT, 1988, p. 123).
Esta noção de poder implica convergir o sentido da
noção clássica de um poder baseado nas apropriações de
uma localização territorial para a detecção operacional
de suas redes, negando seu lugar de origem ou alvo
privilegiado (FOUCAULT, 1999, p. 26).
Foucault (1986) sublinha que a influência das
leituras de Maquiavel se deu no século XVI, havendo
uma revalorização no início do século XIX ao passo que
se desenvolveu uma literatura anti-Maquiavel com
textos de função negativos, porém um caráter positivo,
pois “tem objeto, conceitos e estratégia” (FOUCAULT,
1986, p. 279). Cita-se sobre esta leitura Le miroir politique
(1576), de Guillaume La Perrière, em que diferente de
Maquiavel aponta para uma multiplicidade política.
Neste ponto, o termo “governante” atribui-se à
pluralidade de agentes em que “governar” pode
designar sobre o governo do lar, das almas, das crianças,
ou de si mesmo, pois seria uma arte de governar. Para
uma analítica do poder com Foucault, essa
multiplicidade das formas de governo, apontam artes de
governar e suas formas de poder, opostas as teorias da
soberania.

378
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

Para ilustrar formas de governo, que se cruzam e


se mesclam na sociedade e no Estado, Foucault (1986)
procura fazer “a tipologia das diferentes formas de
governo”, considerando que especificamente “trata-se
de definir qual é a forma particular que se aplica a todo
Estado”. (FOUCAULT, 1986, p. 280). Assim, seguindo
uma tipologia das diferentes formas de governo,
encontra-se em La Mothe Le Vayer uma série de escritos
referindo-se à formas específicas de saberes científicos
sobre governos como: “o governo de si mesmo, que diz
respeito à moral; a arte de governar adequadamente
uma família, que diz respeito à economia; a ciência de
bem governar o Estado, que diz respeito à política”. Isto
mostra que esta tipologia das artes de governar em seu
espectro político tem sua singularidade, o que para La
Mothe Le Vayer, demonstra uma divergência com a
teoria jurídica do soberano. Enquanto estas últimas
leituras sobre a doutrina do príncipe marcariam “uma
descontinuidade entre o poder do príncipe e as outras
formas de poder”, por sua vez, ”as teorias da arte de
governar procuram estabelecer uma continuidade”.
(FOUCAULT, 1986, p. 280-281). Os textos de La Mothe
Le Vayer exprimem nas artes de governar uma
continuidade ascendente e outra descendente:

(...) entre o governo moral de si mesmo, o governo


econômico da família e o governo político do
Estado. Ascendente, porque quem quiser

379
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

governar o Estado, primeiro precisa saber


governar a si próprio e ainda tratar
adequadamente sua esposa e seus filhos. A
pedagogia da formação dos príncipes assegura
essa continuidade ascendente derivada das
demais formas de governo. Continuidade
também descendente, posto que, ao ser um
Estado bem governado, também os pais de
família saberão governar adequadamente suas
famílias, seus bens e propriedades, assim como
quaisquer pessoas se governarão como convém
(CANDIOTTO, 2010, p. 6).

Esses dois casos demonstram a imanência


identificada entre estas formas de governo para uma
analítica do poder com Foucault, sobretudo acerca da
gestão estatal concernente aos “indivíduos, os bens, as
riquezas no interior da família”. Esta “introdução da
economia no exercício político será o papel essencial do
governo” durante o século XVI, presente também no
século XVIII já atestado no “artigo Economia Política, de
Rousseau” (FOUCAULT, 1986, p. 281). Entretanto, esta
forma de gerir a relação dos habitantes convém uma
forma de vigilância, uma forma de governar os
comportamentos, de governar as riquezas, exercendo o
poder através de um modelo de economia. Portanto, esta
ideia de como se governa os grupos individuais ou
coletivos, “vem da economia em referência ao modelo de

380
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

pai que governa a família”, pois “já estava presente no


pensamento político do século XVI” (CANDIOTTO,
2010, p. 37). Neste momento, faz-se necessário
considerar:

A palavra economia designava no século XVI uma


forma de governo; no século XVIII, designará um
nível de realidade, um campo de intervenção do
governo, através de uma série de processos
complexos absolutamente capitais para nossa
história. Eis portanto o que significa governar e
ser governado (FOUCAULT, 1986, p. 282).

Para tanto, na decorrente transformação das ações


nas artes governamentais em seu percurso histórico,
observa-se como são as táticas de governo que se
caracterizam por aquilo “que é da competência do
Estado”, ou não, daquilo “que é público ou privado”.
Deste modo, precisamos levar “em conta as táticas gerais
da governamentalidade” para compreendermos como o
Estado foi paulatinamente governamentalizado
(FOUCAULT, 2008, p. 145).
No bolsonarismo, é recorrente a alusão tanto à
verdade quanto à produção de sentidos visando causar
efeitos de verdade: enunciados que têm por finalidade
dar status de verdadeiro ao seu discurso. Como acontece
no uso da passagem bíblica “Conhecereis a verdade e a

381
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

verdade vos libertará”40, para referenciar o texto sagrado


e nisso atrair a atenção dos eleitores cristãos, para
demarcar sua posição sujeito41 e, sobretudo, para tratar
seu discurso como verdadeiro e colocar o discurso da
oposição como “mera ideologia”. No seu partido estaria
a libertação do país das garras de seu inimigo ao trazer a
nação de volta à tradição conservadora cristã.
Ainda há muito para discutir acerca do que o
Bolsonarismo representa ou de que de fato, ele se
constitui. No entanto, podemos encontrar algumas
regularidades discursivas que podem nortear sua
pertença, sua formação discursiva. Um dos aspectos que
nos são visíveis nesses discursos é o revisionismo
histórico. Segundo Ribeiro (2020, p. 471) os

“argumentos” bolsonaristas mobilizam uma


determinada concepção de história e de sociedade
ao declararem que a escravidão acabou faz tempo,
inexistindo, consequentemente, racismo, ou que
os militares foram responsáveis pela salvaguarda
da democracia contra “subversivos”, “terroristas”
e “comunistas” em 1964.

João 8:32.
40

Posição vazia, a qual pode ser ocupada por qualquer


41

indivíduo ou grupo de indivíduos enunciativos que compõem um


determinado discurso (FOUCAULT, 2014).

382
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

Para Stanley (2018) o fascismo teve sua própria


conjuntura histórica e, da mesma forma, não
pretendemos colocar aqui o bolsonarismo, o fascismo de
Mussolini ou o nazifascismo de Hitler em pé de
igualdade. Stanley, por exemplo, se volta para investigar
uma política fascista. Ou seja, o modus operandi de uma
racionalidade política fascista. Do mesmo modo, nos
propomos a diagnosticar alguns aspectos dessa forma
fascista de fazer política no bolsonarismo.
Com isso, discutiremos elementos que constituem
o que pode vir a ser o bolsonarismo. Ribeiro (2020)
aponta pelo menos 6 desses elementos: a) apologia à
ditadura; b) base fundamentalmente no evangelismo
para sustentar seus ideais normativos e tomar atitudes
reacionárias quanto as minorias; c) ódio à arte, à cultura
no geral d) apelo à violência física; e) desprezo ao
comunismo e culto ao americanismo; f) fetiche pela
privatização; g) por fim, extrema dificuldade em fazer
autocrítica.
De acordo com Silva Jr. e Fargoni (2020, p. 3) “o
bolsonarismo é uma faceta do autoritarismo brasileiro
ou um autêntico populismo de direita que se articula
com o neoliberalismo, porque suas características são
testemunhadas no cotidiano social do Brasil,
produzindo uma pedagogia cotidiana do populismo à
direita.”. Além disso, os autores ressaltam que o
bolsonarismo se desenvolve de uma maneira muito
parecida com o fascismo europeu. Assim, elenca alguns

383
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

aspectos: idolatria às tradições, reacionarismo, Anti-


intelectualismo, autoritarismo, aversão à pluralidade,
pacto com as elites, nacionalismo servil, militarismo,
meritocracia.
Com base nesse contexto, antes de seguirmos para
análise do nosso corpus, discutiremos as metafunções na
composição de imagens apresentadas por Kress e Van
Leeuwen (1996) de modo a descrever as categorias
analíticas por nós selecionadas para este estudo.

3 METAFUNÇÕES NA COMPOSIÇÃO DE
IMAGENS

Para Barthes (2001) conceitos, coisas, sons etc.


podem ser representados por ícones que de forma
arbitrária se normatizam na sociedade. Nesse sentido,
podemos dizer que valores, ideais e vontades de verdade
fomentam um determinado discurso: saberes sobre
sujeitos, que espaços carregam significado à imagens,
por exemplo. Isso dentro de uma cultura ou sociedade
específica, na medida em que cada sociedade constrói
historicamente sua cultura e vice-versa. Numa
investigação acerca dos limites do sentido na imagem
Barthes (1990, p. 27) se pergunta

Ora, mesmo – e sobretudo – se imagem é, de uma


certa maneira, limite do sentido, permite-nos, no
entanto, voltar a uma verdadeira ontologia da

384
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

significação. Como o sentido chega à imagem?


Onde termina o sentido? E, se termina, o que
existe além dele?

Tais questionamentos servem para submeter uma


imagem a uma análise das mensagens que aí podem
estar contidas.
De acordo com Kress e Van Leeuwen (1996),
assim como em todo sistema semiótico, o aspecto visual
deve considerar vários requisitos representacionais e
comunicacionais. Para tanto, dispuseram-se do conceito
de metafunção adotado de Halliday (1994). Com isso,
trazem as concepções de três metafunções distintas:
representacional, interativa e composicional. Vejamos como
cada uma delas funciona.
Toda composição semiótica deve ser capaz de
representar aspectos da realidade que possam ser – ou
tenham sido –, de alguma forma, experienciadas pelo ser
humano. Nesse sentido, os elementos presentes na
imagem, devem estar dispostos, de maneira a empregar
sentido na estruturação, a causar certos efeitos de
sentido referentes a essas experiências. Isso, levando em
consideração as possibilidades de escolhas dos
participantes, a forma como estão distribuídos,
posicionados e a maneira como podem ser relacionados
uns com os outros. Assim, temos a metafunção
representacional.

385
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

Para Almeida (2009) a relação de vetores que


associam os participantes – sejam eles participantes
interativos ou representados – que compõem
determinada imagem pode ser descritas por processos
narrativos e conceituais. Para nosso trabalho, compete-
nos o processo narrativo verbal. Diz respeito “ao
desdobramento de ações e eventos, de processos de
mudanças” (ALMEIDA, 2009, p. 179). Nesses processos
temos os participantes dizentes – aqueles que se
expressam, que falam. Outra concepção dentro desse
tipo de processo é a de circunstância de meios. Essa, por
sua vez, relaciona a aplicação de objetos como artefatos,
para construção de sentidos.
A segunda metafunção, a função interativa, diz
respeito à capacidade do modo semiótico de engendrar
relações entre um produtor de um signo e o receptor
desse signo (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996). Isso quer
dizer que o modo semiótico deve ter condições de
manifestar uma relação interpessoal entre quem compõe
o objeto, o espectador do objeto e o próprio objeto que
está sendo representado, visando estabelecer ligações
socioculturais entre produtor e receptor.
Nessa metafunção temos os aspectos contato,
distância social e perspectiva. O contato é relativo à relação
estabelecida entre o olhar do participante e do

386
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

observador. No caso em que o participante olha


diretamente nos olhos do observador, pode-se dizer que
é efetuada uma “relação de afinidade social”
(ALMEIDA, 2009, p. 182). A isso, dá-se o nome de
demanda.
Segundo Almeida (2009) a distância social
corresponde à relação que se quer estabelecer entre o
participante e o observador: close-up, na medida em que
o enquadramento visual está em plano fechado, que vai
da cabeça aos ombros, propondo-se uma relação mais
íntima. Já o long shot – plano aberto –, permite visualizar
o plano de fundo e uma maior área do corpo.
Ainda, temos a concepção de perspectiva. A
imagem também envolve uma seleção de ângulos “e isso
implica a possibilidade de expressar atitudes subjetivas
em relação aos participantes representados, humanos ou
não” (KRESS e VAN LEEUWEN, 1996, p. 129) (tradução
nossa). O ângulo frontal, por exemplo, pode-se dizer que
implica uma atitude convidativa, de envolvimento, entre
observador e participante. O ângulo vertical, por sua
vez, possui algumas variações como alto, baixo e nível
ocular. Tais variações podem expressar níveis diferentes
de poder na relação participante/observador:

387
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

quando a imagem do participante representado é


capturada de baixo para cima, em ângulo baixo,
dizemos que o participante na imagem é quem
[exerce] poder em relação ao seu observador.
Finalmente, se a imagem se posiciona em nível
ocular em relação ao seu leitor/observador,
dizemos tratar-se de uma relação de poder
igualitária [...] (ALMEIDA, 2009, p. 184).

Por fim, a metafunção composicional trata-se de


inserir e posicionar elementos visuais das metafunções
representacional e interativa de modo a dar coerência à
composição do objeto. Isto é, dispor os participantes
numa conjuntura visual, enquanto articulação que
objetiva uma determinada lógica. Assim, “todo modo
semiótico deve ter a capacidade de formar textos,
complexos de signos que relacione tanto internamente
uns com os outros quanto externamente com o contexto
em que e para o qual eles foram produzidos” (KRESS e
VAN LEEUWEN, 1996, p. 43).
Nessa metafunção composicional temos o conceito
de valor de informação. Diz respeito às posições as quais
certos elementos estão dispostos: esquerda e direita,
topo e base, centro e margem. Para Kress e Van Leeuwen
(1996, p. 186) “a parte superior tende a fazer algum tipo
de apelo emotivo e a nos mostrar ‘o que poderia ser’; a

388
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

seção inferior tende a ser mais informativa e prática”.


Isto é, no topo da imagem se busca causar um efeito de
ideal, de modelo ou exemplo. Já na base, dispõem-se os
elementos indicativos.

4 ANÁLISE DOS ENUNCIADOS:


REGULARIDADES, GOVERNAMENTALIDADE E
METAFUNÇÕES NOS PRONUNCIAMENTOS DE
ALVIM E GOEBBELS

Para a análise das materialidades, selecionamos


um print do vídeo pelo qual Roberto Alvim
compartilhou seu pronunciamento e uma fotografia de
Goebbels para que possamos fazer uma relação do
conjunto de participantes que compõem as imagens
entre os dois momentos. Da mesma forma, faremos uma
comparação entre aspectos da linguagem utilizada por
ambos. Para a análise discursiva trabalharemos o
conceito de formação discursiva e governamentalidade
desenvolvidos anteriormente. Para a análise da
composição visual, bem como sua relação com o dito,
elegemos como categorias de análise: a) processos
narrativos e suas circunstâncias de meios da metafunção
representacional; b) contato, distância social e perspectiva
da metafunção interativa; e c) valor de informação da
metafunção composicional.

389
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

Figura 1 – Pronunciamento de Roberto Alvim.

Fonte: <www.youtube.com/watch?v=3>.
Acesso em: 18 de janeiro de 2022.

Figura 2 – Pronunciamento de Goebbels.

Fonte:<cultura.estadao.com.br/noticias/geral>.
Acesso em: 18 de janeiro de 2022.

390
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

Apesar da singularidade dos enunciados, há


também regularidades na composição verbal. Na
categoria processos narrativos da metafunção
representacional podemos situar tanto Alvim quanto
Goebbels como dizentes42 na medida em que falam,
expressam-se verbalmente no enunciado. Para a análise
das falas em comparação no nosso trabalho, trouxemos
trechos dos pronunciamentos que complementam
mutuamente os sentidos extraídos dos elementos não
verbais.
Roberto Alvim, enquanto secretário especial da
Cultura do Brasil anunciava aquilo que seria o “Prêmio
Nacional das Artes” no qual ocorreria de novembro de
2019 até janeiro de 2020. Aludia isto ao cumprimento de
um desejo do presidente da República, Jair Bolsonaro,
em promover uma cultura “que não destrua, mas que
salve a nossa juventude”.
A retórica atenta para uma cultura que não lhe é
própria, pois estaria perdida, por isso solicita pela
nobreza dos “mitos fundantes”. No discurso há
regularidades quanto às escolhas temáticas e linguagem
utilizada. O discurso de Joseph Goebbels, ministro de
Adolf Hitler da Propaganda da Alemanha Nazista disse:
“A arte alemã da próxima década será heroica, será
ferreamente romântica, será objetiva e livre de
sentimentalismo, será nacional com grande páthos e

42 ALMEIDA, 2009.

391
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

igualmente imperativa e vinculante, ou então não será


nada”43. Roberto Alvim em seu anúncio demonstra
parafrasear certos pontos semelhantes: “A arte brasileira
da próxima década será heroica e será nacional; será
dotada de grande capacidade de envolvimento nacional
e será igualmente imperativa, posto que profundamente
vinculada às aspirações urgentes do nosso povo – ou
então não será nada”.
Este trecho que despertou uma repercussão
negativa do anúncio, gerando comparações entre
Roberto Alvim e Joseph Goebbels, destaca-se por
coadunar com a estética aparentemente da Alemanha
nazista, a forma de falar em que se levantavam dúvidas.
A partir disto, torna-se mais evidente pelo ato de
parafrasear apenas trocando as nacionalidades, porém
atendendo às similitudes no uso dos adjetivos e as
colocações em promessas dos feitos. Precisa-se destacar
que o significado pode alterar-se pela divergência entre
época, lugar e sujeitos, mas ainda assim revela uma
intenção de aproximar-se destes elementos. Pode-se
perceber na oferta de opções entre “imperativa”, “ou
então não será nada”, o uso de superlativos nos termos
característicos da linguagem nazista.

43Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/01/em-video-
alvim-cita-goebbels-e-provoca-onda-de-repudio-nas-redes-
sociais.shtml>.

392
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

Pode-se dizer que esta é a forma linguística mais


usada pela LTI44, o que é fácil de compreender,
pois o superlativo é o melhor instrumento à
disposição do orador e do agitador, a forma
propagandística por excelência (KLEMPERER,
2009, p. 335).

Segundo Klemperer, "Império", seria uma forma


como se referiam os nazistas ao Reich, assim como se
mostra no título de seu livro em sigla (LTI). Já em “posto
que profundamente vinculada às aspirações urgentes do
nosso povo”, nos faz refletir sobre de qual povo se trata,
considerando que este é ignorado sobre sua pluralidade
cultural, sobreposta por um ideal próximo ao Alemanha
nazista. Os dizeres que reforçam a nacionalidade
denotam o período militar ditatorial no Brasil em que se
clama por um envolvimento nacional na promessa de
um heroísmo.
A Pátria, Deus e a família ancoram seus objetivos
para a produção cultural na qual promove uma
identidade conservadora, apontando um resgate ao
passado que já foi sadio. Portanto, designa-se uma
“cultura” como produção de arte intelectual, base da

44 “Língua Tertii Imperii” ou “Linguagem do Terceiro Reich” em


tradução livre.

393
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

pátria que uma vez estando adoecida, adoeceria o povo.


Neste ponto, a família aparece em sua estrutura como
base e espelho de um contexto tradicional que não
abarcam outros modelos de família atuais. A citação à
Pátria oferece elementos que se relacionam com o apreço
ao governo atual, assim como no passado período da
Ditadura Militar. Do mesmo modo, está vinculado ao
processo de militarização para lutar contra possíveis
opositores do governo. Segundo Piovezani e Gentile
(2020, p. 196),

uma narrativa alicerça [...] praticamente todas as


falas de Bolsonaro e dos bolsonaristas: uma
origem idílica, em nosso reino, tudo eram flores,
até que com o correr dos tempos os inimigos ali se
infiltraram e produziram uma decadência ética
[...].

Isto coaduna com a regularidade relacionada à


nostalgia pelo passado mítico presente nos discursos
fascistas apontada por Stanley. Por sua vez, Deus está
vinculado à ideia messiânica do caminho correto, o que
se exibe na intenção em busca de legitimar um espaço
cultural, interpolando o que seria conseguido através de
uma política de salvação da juventude. Para Federico
(2020, p. 42),

394
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

os fascistas se apropriavam, como faz Bolsonaro,


de metáforas e pensamentos religiosos. Essa
crença numa forma de verdade sagrada tem claras
conotações teológicas cristãs [...]. Os que não
acreditam na verdade de Deus são literalmente
demonizados.

Dito de outro modo, para a formação discursiva


bolsonarista e seu modo de governar, a pureza social, a
inocência da juventude foram desonradas, maculadas e
necessitam de purificação. Há estratégia de linguagem
de segregação, da política do nós e eles.
As representações narrativas ainda podem ser
caracterizadas por sua circunstância de meios. Essa
circunstância está “relacionada o uso de objetos
discretos, artefatos e ferramentas” na construção de
significados da imagem (ALMEIDA, 2009, p. 180).
Assim, diz respeito ao cenário da composição imagética
e seus complementos.
Roberto Alvim está sentado e enquadrado no
centro do vídeo, à direita encontra-se a bandeira nacional
e à sua esquerda uma Cruz de Lorena. No centro e acima
de sua cabeça está a foto oficial do presidente Jair
Bolsonaro – assim como na figura 2, está a foto do Fuhrer
–. O discurso segue acompanhado por uma música de
Richard Wagner (1813-1883) ao fundo, reconhecida

395
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

como o prelúdio de Lohengrin. Wagner foi importante


compositor do romantismo alemão, preferido de Hitler e
que, seguia uma prática antissemita. Para Kress e Van
Leeuwen (1996, p. 177) “a integração de diferentes
modos semióticos é a operação de um código cujas
regras e significados fornecem ao texto multimodal a
lógica de sua integração. [...] ritmo, o modo de
composição temporal [...] – por exemplo, fala, música”.
Nesse caso, o uso da música de Wagner, pode-nos dizer
que se trata de uma referência artística: a arte idealizada
mencionada em seu discurso ou até mesmo, pode-nos
outro aspecto de seu “flerte” com o nazifascismo.
Outro ponto que pode se atribuir a esta
preferência pelo compositor como exemplo condiz com
a simpatia do povo alemão refletidos em seus ideais de
uma arte que retrate o passado glorioso do país em sua
magnitude mitológica. Apesar do vídeo de Alvim
pretender anunciar as novas diretrizes de políticas
públicas de incentivo à arte e à cultura, somente a
bandeira nacional faz referência à cultura do Brasil. Não
há nenhum outro signo referente à herança cultural
brasileira em sua diversidade étnica. Destacam-se
símbolos europeus, como a cruz e a música alemã. A
primeira endereça a visão cristã, enquanto a segunda, a
“alta cultura” e as ideias de Wagner. Portanto, esta

396
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

produção audiovisual, idealiza ao seu público-alvo uma


superioridade da cultura europeia, reafirmando um
passado, seja pela influência de suas raízes ibéricas ou
pretensamente declarando um modo de ser da cultura
alemã. Isto demonstra neste anúncio seu preconceito
xenofóbico, étnico, um reflexo de antinacionalidade em
apelo por uma proposta de reformulação cultural, o que
também demonstra a percepção de uma mentalidade
colonizada. Considerando parte de suas declarações em
análise textual:

A Cultura é base da Pátria. Quando a Cultura


adoece, o povo adoece junto. É por isso que
queremos uma Cultura dinâmica e, ao mesmo
tempo, enraizada na nobreza de nossos mitos
fundantes. A Pátria, a família, a coragem do povo
e sua profunda ligação com Deus amparam
nossas ações na criação de políticas públicas. As
virtudes da fé, da lealdade, do auto sacrifício e da
luta contra o mal serão alçadas ao território
sagrado das obras de Arte45.

45Disponível em:
<https:www.youtube.com/watch?v=3lycKFW6ZHQ>. Acesso em:
18/01/2022.

397
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

Aqui, a tantas vezes mencionada "pátria" traz sua


ênfase também nas cores da bandeira nacional brasileira,
tanto ao lado de Alvim, como no peito e plano de fundo
do retrato do Presidente. Os valores cristãos defendidos
estão representados também pela cruz à mesa.
Na metafunção interativa, podemos situar o
contato visual, visto que ambos os participantes, das
figuras 1 e 2, estão em demanda, isto é, estão olhando
diretamente para os olhos do observador e, nesse
sentido, visa-se causar efeito de afinidade nessa
interação. A distância social, quanto às figuras 1 e 2,
circunscreve long shot: os dizentes nas duas figuras estão
posicionados em plano aberto, dando ênfase, não apenas
aos oradores, mas também à todo o cenário. No entanto,
em determinado momento, quando Alvim fala sobre seu
ideal de arte nacional em devir, direcionando seu
discurso “aos anseios da imensa maioria da população
brasileira”, a distância social é alterada para close-up.
Esse movimento pode ser relacionado à tentativa de
causar um efeito de familiaridade e intimidade, levando
em consideração a ênfase que é dada à aproximação do
dizente e o observador.
Quanto à perspectiva, que para Kress e Van
Leeuwen (1996) diz respeito ao ponto de vista, ao ângulo
que relaciona os participantes e interlocutores, nas

398
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

figuras temos o ângulo frontal, de nível ocular, que pode


ser associado à tentativa de firmar uma atitude de
envolvimento entre o observador e, nesse caso, quem
fala, está criando a sensação de equivalência, de
igualdade. Já em relação aos líderes nas fotografias no
topo da imagem, o ângulo vertical alto passa a sensação
de soberania e de poder em relação ao observador.
Com a metafunção composicional, traremos a
categoria de valor de informação. A posição do quadro do
Presidente no topo da composição tem sua função: assim
como na figura 2, a figura 1 toma seu líder como ideal,
como representação dos ideias ali defendidos, bem como
para causar um efeito de hierarquia, posta sua imagem
acima de toda a composição. Na figura 1 a bandeira
brasileira está à direita do participante central e a cruz
está à esquerda. Isto, por sua vez, pode endossar os
sentidos produzidos em seu discurso de culto à pátria e
defesa dos valores cristãos. Sua posição não parece
construir uma significação de superioridade uma em
relação a outra, visto que sua fala ressalta inúmeras
vezes ambos os temas.
A presença desses temas em seu discurso aponta
para a concepção de formação discursiva bolsonarista
discutida anteriormente, tais como apreço à ditadura,
sustentação dos ideais normatizantes para tomar

399
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

atitudes reacionárias quanto as minorias com base na


moral cristã, rejeição à arte e à cultura, desprezo às
pautas de esquerda46. Posto dessa forma, sob a ótica
foucaultiana acerca do conceito de governamentalidade,
o pronunciamento de Alvim se fundamenta numa
racionalidade e modo de exercer política fascista, vistos,
não apenas os discursos que aí se atravessam, a
linguagem usada, mas também uma ligação clara e
explícita ao nazifascismo europeu.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para efeito de fim, este artigo apresentou uma


investigação acerca do uso de elementos de uma
linguagem fascista no discurso de Roberto Alvim, ex-
secretário da cultura do Governo Bolsonaro, como
ferramenta de estratégia política na comunicação com
massas. A conjuntura histórica singular que deu
possibilidade de emergência a tal pronunciamento
encontra um certo nível de regularidade no discurso do
bolsonarismo, visto que o autor do discurso busca
delimitar sua pertença às formas da atual gestão do
Governo Federal, à racionalidade bolsonarista. Isto é,
não diz respeito ao fascismo como o italiano ou o

46 RIBEIRO (2020).

400
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

nazifascismo alemão, mas em sua acontecimentalização,


chamamos de neofascismo por trazer aspectos de uma
política fascista para a conjuntura política Brasileira.
Para tanto, desenvolvemos uma análise
comparativa entre o discurso do ex-secretário com o
pronunciamento de Goebbels – tanto a nível discursivo
quanto da composição visual. A análise apontou o uso
de uma linguagem neofascista como estratégia política
de agitação e massas, bem como de segregação social, a
fim de interditar discursos outros que divergem de sua
verdade. Tais discursos estão revestidos por efeitos
imperativos de verdade. A comparação mostrou
aspectos discursivos dentre saberes e dispositivos de
poder que se assimilam. A alusão ao discurso de
Goebbels no pronunciamento de Roberto Alvim é
explicitamente reforçado em diversos níveis, seja a
linguagem utilizada, por vezes com paráfrases, ou pela
composição visual e até mesmo sonora em sua
exposição. Nesse sentido, não é uma alusão apenas ao
discurso ou uso da linguagem fascista, mas também uma
referência clara ao nazismo.

401
Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

REFERÊNCIAS

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https://opiniaofilosofica.org/index.php/opiniaofilosofica
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Cap. 10 - A linguagem neofascista no discurso bolsonarista: uma análise multimodal
comparativa entre os pronunciamentos de Roberto Alvim e Goebbels

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FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade (curso


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403
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FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A


vontade de saber. Tradução: Maria Thereza da Costa
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Disponível em:

404
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https://www.revistacontinentes.com.br/index.php/conti
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STANLEY, J. Como funciona o fascismo: a política do


“nós” e “eles”. Tradução: Bruno Alexander. Porto
Alegre: L&PM, 2018.

405
Retornar ao Sumário
Capítulo 11

SIGNOS NA PANDEMIA: A CRÍTICA POLÍTICA


EM CHARGES SOB A ÓTICA DA
MULTIMODALIDADE

Rodrigo Marques Brito Barbosa


Moisés Batista da Silva

Multimodalidade
Semiótica Social
Charge
Gramática do Design Visual

409
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho toma como principal objetivo


enxergar as formas pelas quais os textos imagéticos
podem ser utilizados para reformulação e sistematização
de vários signos sociais, enxergando como estes textos
não verbais compõem sentidos políticos pela
estruturação de elementos visuais. Para isso, foram
utilizadas as contribuições da Semiótica Social e da
Gramática do Design Visual, ambas correntes de estudo
presentes no arcabouço teórico da Multimodalidade.
Esta pesquisa desenvolve-se em influência da crescente
propagação de elementos não verbais que se
responsabilizam por sentidos que antes eram
desempenhados apenas pelo texto verbal.
Assim, notamos nas comunicações midiáticas,
atualmente, a troca uso dos itens lexicais, do texto apenas
escrito, pelo uso recorrente, por exemplo, do emoji, ou
mesmo memes que interligam aspectos visuais ao verbal,
gerando significados cada vez mais amplos. Tais
desenvolvimentos nas comunicações geram cada vez
mais signos sociais que possuem a capacidade de
carregar ideologias e propósitos, muitas vezes,
ordenados pela externalização de pensamentos pessoais,
culturais ou posicionamentos políticos que acabam se
tornando objetos de estudo para a Semiótica Social e a
Multimodalidade, como preconiza Santos e Pimenta
(2014).

410
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

Portanto, este trabalho toma como objeto de


análise algumas charges políticas compartilhadas no ano
de 2020, durante a pandemia mundial causada pela
Covid-19. Após introduzir aspectos necessários dos
estudos da Semiótica Social e da Gramática do Design
Visual, veremos como as charges, guiadas pela crítica ao
governo bolsonarista, estruturam-se visualmente,
determinando o que defende Kress e Van Leeuwen
(2006) ao proporem que a comunicação por meio de
imagens também pode estabelecer inferências histórico-
sociais e ideológicas.

2 A SEMIÓTICA SOCIAL

A semiótica social é uma teoria que foi originada


sob necessidade de estudar os diversos modos que a
linguagem adotou no decurso do tempo, observando
como os textos ainda seguem se ampliando cada vez
mais. Esta abordagem vai além de uma investigação
baseada na linguística estruturalista saussuriana que
estuda o processo da linguagem verbal, sem se
aprofundar, entretanto, nos aspectos contextuais e nos
textos não verbais.
Hodge e Kress (1988) definem a Semiótica como o
estudo das mais diversas formas de propor signos,
atrelada às relações sociais dos indivíduos que são
grandes influentes na construção de sentidos, tanto na
produção quanto na recepção de textos, como um ciclo

411
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

interacional que organiza inferências históricas,


psicológicas e sociais dos sujeitos. A semiótica social,
mais especificamente, direciona sua investigação para os
comportamentos humanos e a construção de sentido que
estes desenvolvem entre si: “Os significados sociais são
construídos por meio de uma série de formas, textos e
práticas semióticas de todos os períodos da história da
sociedade humana” (HODGE e KRESS, 1988, p. 261, apud
SANTOS, 2011, p. 2).
Nesse sentido, a semiótica social é uma teoria
utilizada para a investigação de fenômenos
comunicacionais em seus diferentes modos (verbais e
não verbais), inseridos em determinado contexto sócio-
político, que são ferramentas para o desempenho de
leitura dos atos semióticos. “Os signos são, pois, a base
do pensamento humano e da comunicação. Eles podem
ser qualquer marca; movimento corporal, símbolo, etc.,
usados para expressar pensamentos, informações,
ordens, etc.” (MAGALHÃES, 2001, p. 186). Seguindo
essa lógica, autor e leitor confluem-se nas mobilizações
de sentidos que são influenciados pelo momento
histórico em que estão inseridos ou que ambos tenham
conhecimento enciclopédico, uma vez que a lógica dos
signos necessita da movimentação de informações
externas da proposição textual. Dessa forma, uma
interpretação não será construída corretamente caso
algum dos interlocutores não tenha domínio das
informações mobilizadas no texto.

412
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

Para uma visão ampla e sintética dos processos


interacionais da semiótica social, Santos e Pimenta (2014)
elencam três máximas que destacam as principais
características nos signos semióticos, são elas:

1) a noção de escolha do sistema de linguagem; 2)


as configurações de significado a partir do
contexto; e 3) as funções semióticas da linguagem
segundo a Linguística Sistêmico-Funcional -
ideacional, interpessoal e textual (SANTOS e
PIMENTA, 2014, p. 5).

Em suma, analisar os signos sob a aparato da


Semiótica Social significa enxergar como o texto
constrói-se através das escolhas modais (se é uma
linguagem verbal, corporal, imagética etc.). Tenta ver
qual a intenção do autor diante do que seja possível
fomentar por meio do texto e, com a interferência do
leitor em determinado contexto, quais ideias são
originadas nesta comunicação interpessoal.

3 MULTIMODALIDADE E GRAMÁTICA DO
DESIGN VISUAL

Tendo em vista que o objetivo deste trabalho


pressupõe a análise de textos apresentados por diversas
semioses, dá-se como necessária uma breve
demonstração do que significa a multimodalidade.

413
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

Como o próprio vocábulo anuncia, nesta área, o texto é


observado como um elemento que possui múltiplos
modos, ou seja, mais de uma semiose está atribuída na
elaboração de um texto - verbal ou não verbal - o que
significa que é possível observar mais de um elemento
em sua composição. Em imagens, por exemplo, temos a
escolha de cores, templates, layouts e traços, em função
da intenção comunicativa da imagem elaborada. Esse
pensamento sobre multimodalidade defende o fato de
que não existe texto monomodal, como afirma
Descardeci:

Qualquer que seja o texto escrito, ele é multi-


modal, isto é, composto por mais de um modo de
representação. Em uma página, além do código
escrito, outras formas de representação como a
diagramação da página (layout), a cor e a
qualidade do papel, o formato e a cor (ou cores)
das letras, a formatação do parágrafo etc.
interferem na mensagem a ser comunicada.
Decorre desse postulado teórico que nenhum
sinal ou código pode ser entendido ou estudado
com sucesso em isolamento, uma vez que se
complementam na composição da mensagem
(DESCARDECI, 2002 p. 20).

A Gramática do Design Visual (GDV) é um


estudo recente, formulado por Gunther Kress e Van

414
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

Leeuwen (1996). Tal abordagem é construída para


cumprir a necessidade que os autores enxergaram na
investida sistemática perante a composição de elementos
textuais, principalmente os que compõem imagens, pois,
na maioria das vezes, atuam de forma mais ampla que o
texto verbal em signos imagéticos. O estudo da GDV é
influenciado pelo aporte teórico da Linguística
Sistêmico-funcional de Halliday (1970).
A análise de textos visuais sob a óptica da
Gramática Visual também determina que a confecção de
elementos não verbais são frutos de significações sociais
e estão sujeitas aos sentidos mobilizados por
determinado momento histórico e/ou lugar geográfico.
Dessa forma, a investigação do fenômeno imagético
implica a inferência de grupos e suas ideologias. Assim,
tais textos não verbais, como se verá adiante, são
linguagens representacionais do mundo social.
Mas, apesar de se basear na sistematização dos
estudos verbais enunciativos propostas por Halliday
(1970), a Gramática Visual destaca a necessidade de se
observar como os elementos visuais também armazenam
informações culturais e ideológicas, por meio de uma
composição que pode ser estudada através da
organização das cores, ângulos, traços, organização
hierárquica dos elementos, interação entre os
representantes da imagem e o leitor, entre outras
motivações (KRESS e VAN Leeuwen 2006, apud
ARAÚJO, 2011). Para isso, e motivados pelas

415
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

metafunções (ideacional, representacional e textual), de


Halliday (1970), Kress e Van Leeuwen (2006) elencam
três metafunções que regulam a GDV, sendo elas:
representacional, interativa e composicional.
A metafunção representacional responsabiliza-se
pela análise dos participantes de uma imagem como
retrato simbólico dos comportamentos e significados
que temos da realidade sobre os seres e os objetos. Esta
metafunção divide-se em dois conceitos estruturais:
estrutura narrativa e conceitual. A narrativa demonstra os
participantes de uma imagem de forma mais dinâmica,
representando atos e ações que observamos
cotidianamente. As imagens, para Kress e Van Leeuwen
(2006), podem ser constituídas por vetores e metas, em
que há a ação do participante da imagem, seguida da
finalidade a qual o participante pretende obter (KRESS;
VAN LEEUWEN, 2006, apud. ARAÚJO 2011, p. 74). A
estrutura conceitual, por outro lado, nos mostra um
participante mais estático, que poderá ser lido como
“não fazendo nada”. Ambas as representações possuem
a possibilidade de obter sentidos intencionais ou
demandas dos autores da fotografia ou imagem,
intenções essas que serão mostradas nas próximas
metafunções.
A metafunção interativa aplica-se na análise de
como os representantes da imagem mobilizam-se na
codificação dos textos imagéticos que serão recebidos e
interpretados pelos leitores, sob o grau de proximidade

416
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

na relação entre imagem e observador. Para isso, será


visto como é realizado o contato visual entre participante
e leitor (se é uma relação direta ou indireta); nível de
aproximação, basicamente, se o participante está em
close-up (em plano fechado, com rosto mais destacado),
em medium shot (um pouco mais distante, mostrando o
participante do ajoelha a cima) ou em long shot (o
participante aparece mais distante, apresentando o
corpo inteiro como numa relação mais social, pouco ou
nada intima).
A metafunção composicional revisita as duas
primeiras, mas foca na construção e desempenho dos
objetos que se interligam internamente na imagem,
originando significações e demandas para o observador.
Nesta última metafunção, investiga-se o valor de
informação, onde será observado a forma que os
elementos são colocados. Seja no topo, na base, nas
margens ou no centro da imagem, sempre na tentativa
de destacar determinadas mensagens para o leitor.
Temos também a saliência quando, muitas vezes é
atribuída por meio da amplitude em que são colocados
os objetos, traços, cores fortes ou cores opacas. A
saliência também pode se apresentar a partir de um
plano de fundo (se estão em primeiro ou segundo plano)
e da escolha de representantes culturais (como veremos
mais adiante nas charges políticas que ilustram o

417
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

presidente Bolsonaro), a fim de atingir sentimentos,


mobilizando inferências presentes na cognição dos
leitores. E por último, a estruturação que observa a
coerência constitucional dos recursos agrupados. Nesta,
propõe-se a leitura de como é o enquadramento e a
linearidade dos elementos são organizados no espaço da
imagem.
Em suma, as categorias da GDV procuram
reorientar uma melhor visualização das diversas
semioses que as imagens carregam. Os estudiosos Kress
e Van Leeuwen (1996) foram motivados pela intenção de
comunicar que textos visuais também são arcabouços
para materializações ideológicas e suporte para
posicionamentos políticos. Portanto, as metafunções,
propostas pelos autores, servem de direcionamento para
análise dos signos imagéticos. São instrumentos de
interação e, no caso deste trabalho, fonte de investigação
para o entendimento das semioses construídas sobre
influências sociais, históricas e políticas. Vale ressaltar
que todas as metafunções apresentadas acima possuem
diversas outras subdivisões, que foram fragmentadas
pelo perfil objetivo deste trabalho. A seguir,
demonstramos como podemos utilizar as categorias da
Gramática do Design Visual, a partir de algumas
charges.

418
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

4 ALGUMAS ANÁLISES DE CHARGES POLÍTICAS


NA PANDEMIA

Por causa da pandemia do novo coronavírus,


iniciada no final de 2019, pessoas do mundo inteiro
precisaram reorganizar suas vidas para se adaptarem ao
contexto e defenderem-se dos riscos contaminantes da
"nova" doença, a Covid-19. Diante disso, algumas crises
políticas no Brasil tiveram destaque durante esses meses
pandêmicos. E sendo alvo de muitas críticas, o governo
Bolsonaro foi acusado de mau desempenho no que se
refere à tomada de medidas para evitar resultados
negativos em decorrência dos crescentes casos de
contaminação e mortes por covid-19. Nesse contexto,
algumas opiniões sobre o desempenho do presidente
durante a pandemia foram propagadas. E para
analisarmos alguns desses textos recorrentes nas mídias
sociais, foram selecionadas quatro charges que contém
múltiplas significações e posicionamento crítico a
respeito do atual gerenciamento do presidente da
república em relação aos números negativos resultantes
do coronavírus.
Na figura 1, observamos uma caracterização
sardônica na representação do presidente Bolsonaro que
aparece trajado de uma vestimenta que consideramos
referenciar um "bobo da corte", principalmente ao
observar a construção do monumento no plano de fundo
da imagem que parece a transfiguração de um castelo

419
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

(principal local onde atua o bobo da corte). Um dos


principais elementos da imagem é a presença de uma
figura que evidencia a vestimenta dos médicos na
pandêmia histórica que hoje conhecemos como "Peste
Negra".

Figura 1 - Retrospectiva 2020: Daniel Lafayette

Fonte: Instagram 47

47Disponível em:
instagram.com/p/CJUPYR9nVNY/?igshid=YmMyMTA2M2Y=.
Acesso: 10 nov. 2021.

420
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

A simbologia do médico, que foi personalidade


de outro contexto pandêmico (século XIV), retorna nesta
charge como uma denúncia aos casos de contaminação
alarmantes no Brasil, uma vez que estes médicos só eram
convocados para cidades europeias que obtivessem um
número alarmante de ocorrências causadas pelo vírus.
Como cita Descardeci (2002, p. 20):

A palavra escrita, enquanto originária de um


sistema de sinais, é apenas parte da mensagem
composta, quando atualizada em um processo de
comunicação. Juntamente com ela, outros
elementos, advindos de outros sistemas
simbólicos, compõem o corpo da mensagem como
um todo.

Desse modo, a representação do médico é apenas


um dos sinais que faz parte de uma conjunção
organizacional da charge, que possui uma finalidade
discursiva ao confluir todos estes elementos
simultaneamente. Seguindo com o que orienta a
Gramática do Design Visual, notamos que a imagem
materializa dois representantes que se inter-relacionam,
guiados pelo processo verbal reproduzido pela
caracterização de Bolsonaro: "Que exagero! é só uma
pestezinha, talkey?!". Esta verbalização por si só já

421
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

carrega múltiplos sentidos da realidade, sendo


influenciado por falas e "bordões" marcantes do
Presidente que foram amplamente criticados pela sua
oposição, sobre a fala que pressupõe a pandemia global
uma "gripezinha", colocada nesta charge como
"pestezinha" para criar um paralelo entre a Peste Negra
e o posicionamento de Bolsonaro sobre os sintomas da
Covid-19.
Na figura 1, portanto, inferimos a relação dos
representantes imagéticos com a realidade a partir dos
traços que podem ser interligados com o real. Por
exemplo, ao observarmos a máscara pontiaguda do
participante de chapéu e capa preta, acreditamos ser
claramente uma referência ao médico que presenciou a
Peste Negra. Assim como a monocelha, o cabelo grisalho
e o texto verbal do segundo participante nos leva a
pensar que seja o retrato do presidente brasileiro atual.
Os participantes não fazem contato com o leitor, o que
significa que a intenção comunicativa da imagem limita-
se a relação de oferta, onde o observador apenas assiste
os acontecimentos da charge sob uma distância definida
em close-up (plano fechado) para que as expressões dos
participantes comuniquem ao leitor sua emoção dentro
daquela realidade imagética.

422
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

Figura 02 - Retrospectiva 2020: Daniel Lafayette

Fonte: Instagram48

A figura 2 nos mostra a ilustração de Bolsonaro


com traços idênticos à primeira charge, por terem a
mesma origem autoral. Nesta segunda charge, apesar de
parecer ter menos elementos que a anterior, ela carrega
muitas informações que apenas o leitor ciente do
contexto sócio-político e historiográfico do Brasil
conseguirá decodificar. O presidente da república, nesta
imagem, é ilustrado com seu traje mais formal e

48Disponível em:
instagram.com/p/CKKda1AnNfo/?igshid=YmMyMTA2M2Y=.
Acesso: 10 nov. 2021.

423
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

corriqueiro, aparecendo com um capacete de soldado


que referencia o passado militar do governante, mas que
neste caso toma forma do vírus da Covid-19. No
"capacete", outros elementos podem ser observados,
como a frase em inglês "nascido para matar", e a caixa de
remédio que relembra o discurso do presidente ao sair
em defesa de alguns medicamentos para o tratamento do
vírus, que são cientificamente comprovados ineficazes.
Mais isolada e não menos perceptível, no
capacete, também há a ilustração da suástica,
majoritariamente conhecida por ser um símbolo do
governo ditatorial de Adolf Hitler, na Alemanha,
durante a primeira metade do século XX. O símbolo é
assinalado nesta charge pois alguns membros da
oposição ao governo Bolsonaro enxergam na atual
administração resquícios de um mandato fascista,
opressor e negacionista. Trata-se de uma
interdiscursividade, muito comum em charges de teor
crítico. Ao citar o estudo de Orlandi (1987), Romualdo
relembra que: “De acordo com a autora, levar em conta
a intertextualidade, no processo de leitura, é ter em
mente que o(s) sentido(s) de um texto se estabelece(m)
pela relação que ele mantém com outros textos”
(ROMUALDO 2000, p. 66). Todos os elementos da
imagem representam, portanto, signos originados por
meio das falas do presidente, ou que podem ser
relacionados a ele, guiados pela consequente crítica
trazida pela charge.

424
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

Além disso, a charge da figura 2 nos apresenta um


participante em close-up (plano fechado) e que, junto ao
contato visual direto com o observador, cria uma maior
aproximação com o leitor, onde, influenciado pela
demanda, sente-se mais persuadido a integrar-se aos
elementos que não se movimentam, estando apenas em
modo conceitual como uma demonstração estática, no
estado de exposição.

Figura 3 - “Histeria, gripezinha, respriadinho”.

Fonte: Carlos Latuff - Brasil de Fato49

49 Disponível em: brasildefato.com.br/2020/12/31/relembre-as-


charges-que-marcaram-2020-no-brasil. Acesso: 10 nov. 2021.

425
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

A figura 3 transfigura a imagem do líder brasileiro


em uma ação verbal, como se estivesse declamando uma
fala para determinado público. E, como característica
marcante do gênero charge, a imagem do personagem é
formada por meio de uma caricatura: pescoço
exageradamente longo; traços marcados por uma
ilustração de membros avantajados, como a sobrancelha
grossa, olhos e nariz grandes, como também a boca
muito aberta com o objetivo de indicar o comportamento
agressivo do presidente ao se comunicar com a
imprensa. A esse fato, Romualdo (2000, p. 38) comenta
que:

Por meio da perícia do caricaturista ao desenhar,


a caricatura nos faz ver além do simples referente.
Carregada de subjetivismo, apresenta, pela
deformação, informações subjacentes que nos
levam a um julgamento de valor. Utilizando do
ridículo como arma, a caricatura, antes de apenas
nos fazer rir, também nos faz pensar.

O participante aparece em posição oblíqua,


guiado pelo vetor que é o texto verbal. Sem direcionar-se
diretamente com o leitor da imagem, a figura do
presidente se mostra interagindo com um público que
não está sendo mostrado na imagem. Dessa forma,
configura-se com uma narrativa não-transacional,
porque a meta (que seria os interlocutores do presidente

426
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

ouvindo o texto verbal) construída pela ação do


participante, está fora do campo de visão do leitor.
Abaixo das palavras “HISTERIA!”, “GRIPEZINHA!” e
"RESFRIADINHO!", são ilustrados objetos em formas de
caixão, pressupondo que a significação que o presidente
dá ao coronavírus por meio dessas palavras
supracitadas, resultou no grande número de mortos no
Brasil em 2020.

Figura 4 - “Applaus für Bolsonaro”.

Fonte: Luff – Jornal alemão Stuttgarter Zeitung (2020).

A figura 4 ilustra uma maior quantidade de


participantes, todos apresentados em long shot (plano
aberto), para dar maior espaço aos sentidos construídos
na imagem. Esta charge foi criada por uma cartunista
alemã, repercutindo dentro e fora do Brasil. Posicionada
mais à frente da charge, há uma imagem caricaturesca

427
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

do presidente Bolsonaro verbalizando a frase em


alemão: “isso é tudo histeria e conspiração”. Assim como
na terceira charge, esta parece tentar representar o
presidente à frente de ouvintes, também de modo não-
transacional, com uma interação narrativa, pois os
participantes do texto são desenvolvidos realizando uma
ação dentro da imagem, não fazendo contato direto com
o leitor. Atrás do presidente, duas figuras, sozinhas,
aplaudem a fala do chefe de Estado. O participante de
capa preta e com uma foice remete à imagem da “Morte”
que representa o ser místico responsável pelas almas das
pessoas mortas. Ao lado, com um design mais
maquiavélico, é exibido um representante com o formato
do vírus da Covid-19, também aplaudindo o discurso do
presidente. Além do presidente, estes dois participantes
que aparecem na figura 4 reforçam a tese defendida
pelas outras charges, ao insinuar que os casos de
contaminação e mortes por covid-19 são resultantes
também do desdém mostrado pelo presidente da
república no contexto da pandemia, no Brasil, iniciada
em 2020.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das disposições teóricas e da análise feita


através das charges visitadas, foi possível estabelecer
uma demonstração de como estes elementos visuais (em

428
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

alguns momentos, juntamente com palavras) são


capazes de gerar sentidos diversos.
Vimos que a linguagem tem a capacidade de
proporcionar pensamentos e informações dispondo
apenas de elementos ilustrativos e traços de design,
favorecendo a ideia de Kress e Van Leeuwen (2006)
quando definem que a leitura de textos imagéticos são
tão importantes e discursivas quanto à leitura de texto
verbal. E como é previsto na abordagem da Semiótica
Social, nos deparamos também com os aspectos de
escolhas atreladas ao objetivo comunicativo. Dessa
forma, ao analisar as charges, é possível notar a
disposição de cada objeto que cumprem uma mensagem
dada pelos autores, que utilizam símbolos sociais,
revisitando não apenas informações do contexto atual,
mas relacionando com outras semioses do passado. Este
arranjo heterogêneo significa a complexidade que se faz
dentro destes textos, que surgem mediante a tentativa
de, mais que uma externalização artística, propor um
posicionamento crítico e consciente sobre o
enquadramento social que se vive durante a criação.
Ademais, reforça-se a premissa de que os atos
linguageiros permitem, mesmo que implicitamente, a
comunicação entre os sujeitos através de textos
compostos de ilustrações, traços, cores, símbolos
históricos etc. Vimos, por meio das figuras, a maneira
como é posta a personificação do presidente Bolsonaro
que, em uma composição caricaturesca, intertextual e

429
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

sensorial, as possibilidades de sentidos apresentam-se


extremamente sensíveis aos conhecimentos
enciclopédicos do leitor.
Em ressalva, observa-se também a plataforma que
se cria através destes textos multimodais que
representam, em muitos casos, a externalização de ideais
pessoais ou de uma comunidade inteira. Fica evidente a
complexidade que se faz dentro dessas comunicações
interpessoais, guiados por vivências e saberes
amplamente sociais, sem que signifique o apagamento
da participação individual dos sujeitos no fazer
interpretativo, por intermédio de múltiplas inferências
que determinam o grau de aceitação e entendimento
dessas semioses.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Rosilma Diniz. Gramática Visual: trazendo à


Visibilidade Imagens do Livro Didático de LE. Estud.
Ling., Londrina, n. 14/2, p. 61-84, dez. 2011.

DESCARDECI, Maria Alice Andrade de Souza. Ler o


mundo : um olhar através da semiótica social. ETD –
Educação Temática Digital, Campinas, v.3, n.2, p.19-26,
jun. 2002.

430
Cap. 11 - Signos na pandemia: a crítica política em charges sob a ótica da
multimodalidade

KRESS, G., VAN LEEUWEN, T. Reading images: the


grammar of visual design. 2nd ed. London: Routledge,
2006.

MAGALHÃES, Cecília Maria (org). A semiótica e a


semiótica do Discurso de Kress. In: Reflexões sobre a
análise crítica do discurso / Belo Horizonte: Faculdade
de Letras, UFMG, 2001. 228 p - (Estudos Linguísticos -
2).

ROMUALDO, Edson Carlos. Charges Jornalísticas:


intertextualidade e polifonia: um estudo de charges da
Folha de São Paulo. Maringá: Eduem, 2000.

SANTOS, Záira Bomfante dos. A concepção de texto e


discurso para semiótica social e o desdobramento de
uma leitura multimodal. 2011.

SANTOS, Záira Bomfante dos; Oliveira PIMENTA,


Sônia Maria Oliveira. Da semiótica social à
multimodalidade: a orquestração de significados.
CASA: Cadernos de Semiótica Aplicada, v.12, n.2, 2014,
p. 295-324. Disponível em:
http://seer.fclar.unesp.br/casa.

431
Retornar ao Sumário
Capítulo 12

A CONSTRUÇÃO DOS SIGNIFICADOS NO


ESPAÇO VISUAL DAS CHARGES: UMA
ANÁLISE À LUZ DA METAFUNÇÃO
INTERATIVA DA GRAMÁTICA DO
DESIGN VISUAL

Francisco Rangel dos Santos Sá Lima


Aldeci Fernandes da Cunha
Mércia Suyane Vieira Mendonça

Gramática do Design Visual


Metafunção interativa
Multimodalidade
Semiótica Social
Charge

433
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em face da necessidade de nos munirmos de


instrumentos e recursos indispensáveis à interpretação e
à leitura crítica de imagens, emerge a Gramática do
Design Visual (doravante DGV), de Kress e van
Leeuwen (1996), baseada nas metafunções da
Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), de Halliday
(1994).
A GDV, longe de apresentar-se como uma
proposta normativa, oferece-nos recursos voltados ao
letramento visual, uma vez que há muito tempo os
estudos das estratégias de análise de textos
circunscreviam-se à escrita, ao código verbal. Sendo
assim, configura-se como uma resposta à demanda cada
vez mais crescente do exercício da competência
multiletrada, que apenas se concretiza com o
entendimento consciente dos mais diversos sistemas
semióticos (AQUINO; SOUZA, 2008).
A ideia de linguagem, antes erroneamente restrita
ao léxico, é estendida às imagens, que passam a ser vistas
como portadoras de sentidos e significados dentro de
um determinado contexto sócio-ideológico. Suas
estruturas e regularidades podem ser descritas, assim,
tendo como base as metafunções para a análise visual,
haja vista que a linguagem não verbal possui uma
sintaxe própria, com suas determinadas regras de
combinação e organização, sendo passível de análise. A

434
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

GDV favorece, desse modo, ‘‘subsídios para uma análise


mais completa dos aspectos multimodais da linguagem’’
(ALMEIDA, 2009, p. 174), uma vez que é imprescindível
saber ler e interpretar imagens em um mundo cada vez
mais multissemiótico, no qual nos comunicamos e
interagimos por meio de emoticons, figuras, fotos,
videochamadas, videoconferências, lives, postagens nas
redes sociais etc.
No mundo contemporâneo, as imagens estão
presentes em todos os momentos, muitas vezes
articulando-se com palavras, como suporte, para formar
um todo coerente. Outras vezes, no entanto, elas
próprias são a informação mais importante de um texto.
Assim, não podem ser vistas como neutras, desprovidas
de cunho ideológico. Pelo contrário, são influenciadas
pelos valores das ‘‘instituições sociais que as produzem,
as fazem circular e as leem’’ (KRESS; VAN LEEUWEN,
1996, p. 45 apud ALMEIDA, 2009, p. 178).
Nessa compreensão, este estudo tem como
objetivo analisar a construção dos significados no espaço
visual da charge. Para sua realização, adotamos os
princípios da pesquisa qualitativa, por compreendermos
que tal perspectiva de pesquisa atende ao objetivo
proposto. A metodologia de análise, de modo a articular-
se com a discussão sobre a GDV, em especial, com a
metafunção interativa, adota uma abordagem descritiva,
sempre tendo como foco uma descrição interpretativa da
ação e/ou dos fenômenos analisados.

435
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

Neste sentido, recorrendo ao aporte teórico da


GDV, analisamos duas charges publicadas no jornal
Folha de São Paulo, em 2021, nos meses de abril e
outubro, respectivamente, à luz da metafunção
interativa, tentando evidenciar aspectos pertinentes à
sua interpretação por meio dos recursos de análise visual
oferecidos pela mencionada metafunção, proposta por
Kress e van Leeuwen (1996).
Sendo assim, o presente artigo está organizado da
seguinte maneira: na seção Considerações iniciais, tecemos
algumas considerações introdutórias sobre a GDV, sua
importância para análise de textos visuais, bem como
apresentamos o objetivo, a abordagem e os autores
utilizados na pesquisa; na seção A Gramática do Design
Visual, apresentamos as metafunções da GDV e suas
respectivas categorias; em A charge como elemento
discursivo multimodal, discutimos, sucintamente, acerca
das características e da multimodalidade presentes nesse
gênero; em Metodologia, apresentamos a metodologia
utilizada na pesquisa; em Análise e discussão dos dados,
realizamos uma análise qualitativa de duas charges
publicadas no jornal Folha de São Paulo, em 2021, à luz
da metafunção interativa da GDV; por fim, na seção
Considerações finais, arrematamos com nossas
ponderações finais.

436
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

2 A GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL

As metafunções de Halliday, a saber: ideacional,


interpessoal e textual, usadas para analisar,
funcionalmente, a linguagem verbal, na adaptação para
a GDV, para analisar a linguagem não verbal, passam a
ser chamadas de: representacional, que diz respeito à
relação interna estabelecida entre os participantes de
uma estrutura visual, às ações e reações efetuadas entre
eles em um determinado evento; interativa, que diz
respeito à interação entre produtor da imagem,
participantes e observadores; e composicional, que se
relaciona à distribuição e à estruturação dos elementos
em um determinado espaço imagético, podendo variar
em termos de ênfase e valor de informação
(FERNANDES; ALMEIDA, 2008). A seguir,
apresentaremos, de forma mais detalhada, cada uma das
três metafunções supracitadas e suas respectivas
categorias, embasando-nos em diversos estudiosos que
se detiveram em analisar textos visuais à luz da GDV.

2.1 Metafunção representacional

Na metafunção representacional, temos a


presença de participantes que podem ser interativos –
quando leem, falam, ouvem, escrevem, veem ou
produzem imagens –, sendo, portanto, sujeitos da
comunicação, ou representados – quando constituem o

437
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

objeto da comunicação. Enquanto que, necessariamente,


os participantes interativos assumem características
humanas, os representados podem ser lugares, coisas ou
pessoas ‘‘sobre os quais falamos ou escrevemos ou
produzimos imagens’’ (KRESS & VAN LEEUWEN,
1996, p. 44 apud ALMEIDA, 2009, p. 179). Também
chamada de significado representacional, ‘‘considera os
aspectos internos que compõem a imagem, não levando
em consideração aquilo que é externo a ela’’ (SILVA &
BARBOSA, 2021, p. 97).
Segundo Silva e Barbosa (2021), o significado
representacional pode ser classificado em estrutura
narrativa ou estrutura conceitual. Na estrutura
narrativa, temos a presença de participantes em
movimento, em ação (atores), por meio de vetores
(linhas imaginárias que conectam a ação ao seu objeto)
em direção a uma meta (objeto da ação). Essa estrutura
admite quatro tipos de processos: processos de ação,
processos de reação, processos mentais e processos
verbais.
Em relação aos processos de ação, estes podem
ser transacionais, não-transacionais ou bidirecionais.
Quando é possível detectar, em um espaço imagético, a
presença de um ator e de uma meta bem definidos,
temos um processo de ação transacional. Quando há o
ator, mas não é possível identificar a meta, estando fora
do alcance do observador, temos um processo de ação
não-transacional. Por outro lado, quando há a presença

438
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

de atores e de metas que alternam os seus papéis entre


si, temos um processo de ação bidirecional (SILVA;
BARBOSA, 2021).
Nos processos de reação, do olhar dos
participantes parte o vetor, os quais são chamados de
reatores. O alvo desse olhar (fenômeno) pode, no
entanto, estar ou não presente na imagem. Quando o
fenômeno é identificado, estamos diante de um processo
de reação transacional. De outra forma, quando não
podemos identificar o alvo do olhar do reator, estamos
nos referindo a um processo de reação não-transacional
(SILVA; BARBOSA, 2021).
No que concerne aos processos verbais e
mentais, os primeiros manifestam-se através das falas
(enunciados) de participantes (dizentes) em balões de
fala. Já os segundos representam os pensamentos
(fenômenos) dos participantes (experenciadores) em
balões de pensamento (SILVA; BARBOSA, 2021).
Por seu turno, nas estruturas conceituais, não
temos a presença de vetores. Não há o dinamismo
presente nas estruturas narrativas. Pelo contrário, os
participantes são apresentados com o intuito de
expressar suas identidades e características, de modo
estático. Além disso, ‘‘seu papel é descrever o
participante que está sendo representado na imagem em
termos de classe, estrutura ou significação, de outra
maneira, há uma taxonomia, uma classificação’’ (PINTO;
BARBOSA, 2021, p. 69).

439
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

Ainda, de acordo com Oliveira e Barbosa (2020),


as estruturas conceituais são classificadas em três tipos
de processos, cada um com suas particularidades:
classificacionais, que pressupõem a hierarquização de
elementos conforme seu pertencimento à determinada
classe ou grupo; analíticos, nos quais ‘‘as imagens são
construídas com a relação parte/todo’’, evidenciando-se
‘‘determinada parte da imagem em detrimento do todo’’;
e simbólicos, que podem ser atributivos ou sugestivos
(OLIVEIRA; BARBOSA, 2020, p. 43).
Nos processos simbólicos atributivos, a
identidade do participante (portador) é reforçada
através de simbolismos (elementos que acrescentam um
valor à significação da imagem), tais como contraste de
cores, variação nos tamanhos, disposição dos elementos
na imagem etc. De uma forma contextualizada, atributos
são associados ao portador, visando enfatizar a sua
identidade. No tocante aos processos conceituais
sugestivos, não temos a presença de atributos. A
imagem é menos contextualizada, ‘‘muitas vezes
apresentando apenas a sombra ou o contorno do
participante com o objetivo de representar traços
intrínsecos ao portador’’, isto é, sua essência’’
(OLIVEIRA; BARBOSA, 2020, p. 44).

440
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

2.2 Metafunção interativa

A metafunção interativa, utilizada por nós, nesta


pesquisa, como instrumento de análise visual de
charges, refere-se às relações estabelecidas entre ‘‘o
leitor/observador da imagem e a imagem propriamente
dita’’ de acordo com estratégias de aproximação ou
distanciamento entre ambos, utilizadas pelo produtor do
texto (ALMEIDA, 2009, p. 182). Para Almeida (2009), esta
metafunção oferece determinados recursos a serem
utilizados na análise das comunicações visuais, tais
como o contato, a perspectiva, a distância social e a
modalidade.
De acordo com Ouverney (2008), quando o
contato entre reator e leitor se dá de forma direta, por
meio do olhar do participante direcionado ao seu
espectador, temos um processo de demanda,
caracterizado pela atenção solicitada por parte do reator
ao seu observador, proporcionando um envolvimento
íntimo entre ambos. Por outro lado, quando o reator não
interage com o leitor por meio do olhar, fixando-o em
direção a um fenômeno não identificado na imagem, em
ângulo oblíquo, por exemplo, estamos diante de um
processo de oferta. Na oferta, o reator oferece-se à
apreciação visual do seu observador, sem interagir com
ele, promovendo uma esfera de distanciamento e
alheamento.

441
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

Em relação à perspectiva, um texto visual pode


estabelecer relações de poder entre participantes e
leitores, por meio dos ângulos em que os participantes
são captados/apresentados na imagem. Conforme
Cardoso (2008), esta categoria se manifesta, basicamente,
a partir de três diferentes ângulos, a saber: ângulo
frontal, no qual o participante está posicionado frente a
frente em relação ao seu observador, expressando
envolvimento, igualdade e intimidade entre eles; ângulo
oblíquo, no qual o participante, captado em posição de
perfil, contribui para um distanciamento em relação ao
leitor; e ângulo vertical, que, por sua vez, pode se
manifestar por meio dos níveis alto, baixo e ocular.
Em conformidade com Buriti e Silva (2020), uma
fotografia feita, por exemplo, em nível alto, capta os
participantes de cima para baixo, atribuindo ao leitor um
poder sobre eles, superioridade. Inversamente, uma
fotografia feita em nível baixo, ou seja, de baixo para
cima, confere poder aos participantes representados.
Ainda, uma fotografia feita em nível ocular, na qual
participantes e leitores encontram-se frente a frente,
favorece uma possível sensação de igualdade e
envolvimento.
A categoria distância social diz respeito ao
posicionamento dos participantes na imagem, visando
estabelecer relações de proximidade ou distanciamento
em relação aos seus leitores. A disposição dos
participantes é efetuada ‘‘por meio do tipo de plano de

442
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

fundo escolhido para captar a imagem: plano fechado


(...), plano médio (...) e plano aberto (...)’’
(NASCIMENTO; BEZERRA; HERBELE; 2011, p. 540).
Desta maneira, o enquadramento em plano fechado,
captando o participante da cabeça aos ombros, ‘‘(...)
representa os participantes de forma íntima, e permite a
visualização de emoções, e à medida que vai ampliando,
torna-se mais distante, mais estranho’’ (FERNANDES;
ALMEIDA, 2008, p. 20).
Para findarmos nossas explanações acerca da
metafunção interativa, aludimos à categoria
modalização (ou valor de realidade), que diz respeito,
sucintamente, ao ‘‘maior ou menor grau de proximidade
e contextualização da imagem com o real’’. Contribui,
pois, ‘‘para a identificação da modalidade naturalística
(...). Quanto mais cores, saturações ou modulações,
maior a sua modalidade naturalista’’ (CÂMARA, 2008,
p. 77). Ao contrário, na modalização sensorial, por
exemplo, há um distanciamento em relação ao real.

2.3 metafunção composicional

A metafunção composicional, mesclando as


categorias das metafunções representacional e
interativa, diz respeito à organização estrutural dos
textos imagéticos, à disposição de seus elementos no
espaço, à (des)conexão estabelecida entre eles para
formar um todo harmônico, evidenciando informações

443
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

importantes e secundárias à leitura. Com o objetivo de


combinar os elementos da imagem, de acordo com sua
sintaxe própria, a metafunção composicional dispõe de
três categorias, a saber: valor de informação, saliência e
estruturação, conforme Silva e Silva (2020).
A categoria valor de informação confere valor aos
elementos de acordo com a sua disposição nos eixos do
espaço imagético. E esses valores atribuídos aos
elementos, conforme seu posicionamento, variam de
acordo com a cultura. Kress e van Leeuwen (1996)
esclarecem que as estratégias de interpretação oferecidas
pelas metafunções da GDV refletem os valores das
sociedades ocidentais. Sendo assim, nas sociedades
ocidentais, elementos posicionados à esquerda, no eixo
horizontal, correspondem às informações já conhecidas
pelo leitor. Contrariamente, elementos posicionados à
direita, no eixo horizontal, correspondem às informações
novas, que despertam a curiosidade e o interesse do
espectador.
Em se tratando da disposição de elementos no
eixo vertical da imagem, os elementos posicionados no
topo correspondem à informação ideal, ou seja, a
idealizada, influenciada por valores ideológicos,
‘‘opondo-se, portanto, à parte real, que, ao se localizar na
parte inferior da imagem [na base], é apresentado como
informação concreta e verdadeira’’ (KRESS; VAN
LEEUWEN, 1996, p. 193 apud SILVA; SILVA, 2020, p.
128). Os valores informativos podem variar, ainda, por

444
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

conta da sua disposição no centro ou nas margens do


espaço imagético. Quando ocupam o centro, relacionam-
se à informação nuclear do texto, ou seja, a mais
importante. De outro modo, quando ocupam as
margens, relacionam-se às informações complementares
ou secundárias (SILVA; SILVA, 2020).
Quanto à categoria saliência, resumidamente,
refere-se à ênfase dada a determinados elementos,
provocada por meio da exploração da variação de
tamanho, da coordenação entre as cores utilizadas, da
visualização em primeiro plano etc. (NASCIMENTO;
BEZERRA; HERBELE, 2011). Outrossim, vale ressaltar
que a saliência imprime uma certa hierarquização dos
elementos dispostos em uma imagem, subalternizando
‘‘aquilo que tem menor importância dentro do texto,
bem como enfatizando o que deve ser considerado como
mais importante para o leitor’’ (SILVA; SILVA, 2020,
p.128).
A última categoria referente à metafunção
composicional é a estruturação, segundo a qual os
elementos podem estar interligados, separados ou
segregados, conforme explicam Nascimento, Bezerra e
Herbele (2011). Quando os elementos estão interligados,
não há linhas divisórias entre eles, suscitando a ideia de
que ‘‘devem ser compreendidos a partir de sua inter-
relação com os demais elementos que compõem o texto
visual’’ (NASCIMENTO; BEZERRA; HERBELE, 2011, p.
544). A separação implica a presença das linhas

445
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

divisórias entre os elementos, ressaltando, assim, suas


particularidades, enquanto, na segregação, eles estão
totalmente separados, ressaltando-se o seu
distanciamento.

3 A CHARGE COMO ELEMENTO DISCURSIVO


MULTIMODAL

A charge, gênero jornalístico amplamente


disponível na internet, é carregada dos valores
ideológicos daquele que a produz, o chargista, bem
como da instituição que a veicula, uma vez que é
essencialmente crítica, levando o leitor a refletir e a se
questionar acerca de problemas de ordem política ou
social, por meio de uma denúncia (SILVA; BARBOSA,
2021). No entanto, vale ressaltar, a charge está a serviço
dos interesses dos seus produtores e veículos.
A utilização da charge, como gênero discursivo e
multimodal, vem ao longo dos tempos se tornando
elemento ou recurso de análise nos estudos da
linguagem, por permitir ou possibilitar uma leitura mais
criativa e dinâmica, sem perder a reflexão crítica sobre a
leitura dos fatos sociais a que fazem referência.
A charge possui toda uma organização estrutural
e semântica que possibilita ao leitor a realização de uma
leitura que contribui para uma discussão crítica,
favorecendo, também, uma relação prazerosa entre o
leitor e os participantes envolvidos. O gênero charge

446
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

ainda contribui para o incentivo à formação do leitor,


pois a sua forma organizacional e estrutural oportuniza
uma maneira criativa de compreender os fatos.
Em linhas gerais, a charge possui determinadas
características: oferece uma reflexão acerca de
acontecimentos/fatos contemporâneos; representa os
personagens e/ou as situações de modo exagerado; tem
um caráter cômico; fomenta uma discussão social e
política, expressado, assim um posicionamento; articula
elementos em linguagem verbal e não verbal.
Silva e Barbosa (2021) nos mostram que a charge
é compreendida como um gênero discursivo que nasce
das discussões políticas e que está sempre voltada para
possibilitar ao leitor uma nova forma de ler os
acontecimentos políticos e sociais que estão em
evidência na sociedade. Assim, por apresentar uma
leitura que envolve tantos os aspectos verbais como não
verbais, a charge também é vista como um gênero
discursivo multimodal.
A compreensão da charge como gênero
multimodal permite-nos compreender que toda sua
organização estrutural e semântica, com uma linguagem
verbal e não verbal, está articulada a uma diversidade de
elementos, sejam eles representacionais, interacionais e
composicionais, que permitem a realização de uma
leitura mais dinâmica, reflexiva e crítica.

447
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

4 METODOLOGIA

O presente trabalho tem como aporte teórico


estudos que se detiveram em análises de textos
multissemióticos, à luz da GDV, de Kress e van Leeuwen
(1996). Deste modo, nos valemos de Fernandes e
Almeida (2008), Aquino e Sousa (2008), Ouverney (2008),
Cardoso (2008), Câmara (2008), Almeida (2009),
Nascimento, Bezerra e Herbele (2011), Oliveira e Barbosa
(2020), Buriti e Silva (2020), Silva e Silva (2020), Souza e
Barbosa (2020), Pinto e Barbosa (2021), Silva e Barbosa
(2021) etc.
Munidos destes subsídios teóricos, realizamos
uma pesquisa do tipo qualitativa, de cunho descritivo,
com ênfase na metafunção interativa da GDV,
especificamente. Nosso corpus é constituído por duas
charges publicadas no jornal Folha de São Paulo, nos
meses de abril e outubro de 2021, respectivamente.
Quanto à abordagem utilizada, coadunamos com
Silveira e Córdova (2009) ao esclarecerem que "a
pesquisa qualitativa não se preocupa com a
representatividade numérica, mas, sim, com o
aprofundamento da compreensão de um grupo social,
de uma organização, etc.’’, na qual o pesquisador,
‘‘sujeito e objeto da pesquisa’’, pretende "explicar o
porquê das coisas, exprimindo o que convém ser feito’’,
valendo-se de distintas abordagens (SILVEIRA;
CÓRDOVA, 2009, p. 31).

448
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

No que tange à escolha do jornal Folha de São


Paulo, justifica-se por ser um veículo de informação de
grande circulação nacional, com publicações diárias de
notícias. Quanto à escolha do gênero, ressaltamos que a
charge é um gênero discursivo da esfera jornalística,
constituída por elementos verbais e não verbais –
multimodal – que utiliza o humor e a ironia como
ferramentas de crítica social. Assim, a nosso ver, é
oportuno analisar como se dá a interação entre
produtores e leitores por meio das construções visuais
nelas presentes.
Para atingirmos o objetivo inicial desta pesquisa,
os procedimentos de análise envolvem a descrição do
texto visual de acordo com a metafunção interativa da
GDV (contato, a perspectiva, a distância social e a
modalidade).

5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Como já vimos, as representações interativas


apresentam relações entre o produtor e o observador da
imagem. Quando a imagem produz uma relação de
contato visual (olhos nos olhos) imaginário entre o
participante e o observador, há o que chamamos de
demanda. Quando esse contato não ocorre, temos, então,
a oferta. Como vemos na figura 1, não há contato entre
os participantes. O reator “se oferece” como objeto de

449
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

contemplação, ou seja, está estabelecendo um contato de


oferta (ALMEIDA, 2009).

Figura 1 – Charge 1.

Fonte: MARZ, Marília. Outubro/2021. Disponível em:


https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/171238151673797
2-charges-outubro-2021. Acesso em 10 dez. 2021.

Na figura 1, por exemplo, diante de um


participante como objeto de observação, podemos
perceber o participante que representa, no mundo real, o
presidente da República, Jair Messias Bolsonaro,
procurando, em um baú, de tamanho desproporcional,
uma ‘‘desinformação’’ para utilizar como assunto de sua
live. A charge sugere, assim, que os conteúdos das lives
de Bolsonaro são repletos de desinformação, o que pode
ser observado nas falas.
Um outro aspecto da metafunção interativa é a
perspectiva, que é uma das maneiras por meio das quais

450
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

os participantes representados e os espectadores se


relacionarem. Na charge em questão, os participantes
são visualizados em ângulo vertical, ou seja, eles são
capturados em ângulo alto, o que implica dizer que nesse
tipo de representação o poder encontra-se nas mãos dos
observadores, em uma relação de superioridade. Os
participantes da imagem encontram-se diminutos. Ao
optar por este ângulo o chargista evidencia que são os
observadores que detêm o poder. Neste caso, os
personagens são desempoderados.
Sobre a modalidade, esta categoria fornece
elementos que dimensionam o caráter maior ou menor
de uma mensagem visual, ou seja, seu valor de verdade.
A figura 1 apresenta algumas cores escuras: preto,
marrom, cinza etc. A ausência de cores pode denotar
desesperança, falta de vida, de sentido. Podemos
perceber que a iluminação é mais baixa nesse texto.
De acordo com Kress e van Leeuwen (1996), a
ausência de detalhes diminui a modalidade. Isso inclui a
contextualização, que diz respeito ao plano de fundo.
Podemos perceber que não há muitos detalhes na figura
1. Mostrados em um vazio, os participantes
representados se tornam genéricos, um ‘exemplo típico’,
em vez de particular, dispostos em um local específico e
em um momento específico no tempo. Desse modo, a
imagem apresenta baixa modalidade. No entanto,
traduz as características genéricas do presidente.

451
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

Por último, temos a distância social. Na figura 1,


os participantes são apresentados num plano aberto,
pois é possível capturar o corpo inteiro (apesar de
vermos apenas as pernas da figura do presidente). A
escolha de utilizar uma distância social longa auxilia a
construção negativa do governo. Pela escolha do tipo de
distância social utilizada na charge, podemos verificar e
compreender as intenções e sentidos produzidos pelo
chargista, fornecendo-nos pistas sobre seu
posicionamento ideológico.
Vejamos, agora, uma outra charge que nos
oportuniza uma análise à luz da metafunção interativa.

Figura 2 – Charge 2.

Fonte: MARZ, Marília - Abril/2021. Disponível em:


https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/169589019075778
6-charges-abril-2021. Acesso em 10 dez. 2021.

452
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

A charge, presente na figura 2, retrata a política


do país que esconde, joga para debaixo do tapete as
mazelas provocadas pelo modelo de gestão do governo.
A figura/charge nos revela a existência de um governo
que está a todo tempo promovendo crimes de corrupção
e de abandono. Mas, ao mesmo tempo, mostra-nos que
não existe algo que possa coibir seus feitos, existindo
sempre uma maneira de ‘‘colocar debaixo do tapete’’. De
modo específico, traz-nos a reflexão de que o tipo de
governo que comanda o país não tem condições morais,
éticas e políticas para atender aos problemas que
assolam a sociedade, em especial, aqueles decorrentes da
pandemia do novo coronavírus, que atingem
diretamente a saúde pública.
Quanto ao contato entre participante e leitor, este
se materializa em forma de oferta, haja vista que o leitor,
sem ter contato direto (olho a olho) com o participante,
apenas aprecia a sua ação. Podemos inferir que o
participante representa, no mundo real, o presidente Jair
Messias Bolsonaro, mas apenas partes do seu corpo
aparecem no espaço imagético. O participante está em
oferta, ou seja, coloca-se à observação do leitor, sem ter
contato direto com ele. Esse tipo de contato não é
aleatório: se a intenção é denunciar a negligência
governamental em relação à pandemia, com a ação de
minimizar os impactos da Covid 19 na saúde pública,
colocando-os debaixo do tapete, o sujeito da ação não
deve aparecer, embora possamos inferi-lo. Um contato

453
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

por demanda sugere olho no olho, que, por vezes, dá


ideia de transparência e clareza. Algo que não existe na
ação do participante representado na charge.
Analisando a figura 2 a partir da categoria
perspectiva, que representa uma outra forma
multimodal de promover a participação e/ou
relação/interação entre participantes e leitores, vemos
que o participante é captado por meio de um ângulo alto,
conferindo o poder ao observador. A intenção pode ser
a de mostrar que, por mais que existam as ações de
negligência e descaso em relação à pandemia por parte
do governo, cobertas por um tapete, é o cidadão que
detém o poder de modificar o estado das coisas, através
do voto consciente, por exemplo.
No que toca à distância social, o participante
representado encontra-se em plano fechado, visto que
apenas as mãos, o joelho esquerdo e o pé direito do
participante são apresentados na charge, ocultando a sua
identidade. No entanto, essa estratégia pode revelar a
intenção de mostrar que a ação de colocar algo por baixo
do tapete pressupõe o desejo de o sujeito da ação não ser
descoberto, embora saibamos, por inferência, a quem se
refere o participante representado.
Para findar nossa análise, no que se refere à
modalização, a charge apresenta o vírus da Covid 19 em
tamanho desproporcional, exagerado. Sabemos que os
vírus são invisíveis a olho nu. Sendo assim, portanto,
quanto ao seu valor de verdade, o texto em questão tem

454
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

um elevado valor de verdade. Ao representar o vírus em


tamanho desproporcional, a ideia é explicitar o descaso
do governo quanto às questões da saúde pública, em
especial as decorrentes da pandemia.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

À luz da GDV, de Kress e van Leeuwen (1996),


esta pesquisa teve como objetivo analisar como a
metafunção interativa se manifesta em duas charges
publicadas no jornal Folha de São Paulo, recorrendo,
assim, às discussões de autores que realizaram pesquisas
tendo essa teoria como aporte.
A discussão proposta, neste estudo, nos
possibilitou pensar sobre a contribuição da GDV para os
estudos na área da Educação, das Letras, do Jornalismo
e afins, para a reflexão e/ou compreensão crítica dos
diversos fatos e fenômenos vivenciados nos diversos
contextos políticos, sociais e econômicos manifestados
nos textos multimodais, considerando que as imagens
também comunicam, expressam discursos e ideologias.
Nas charges que constituíram o corpus desta
pesquisa, verificamos, com um olhar crítico, munidos
das estratégias de interpretação oferecidas pela GDV, o
quanto os recursos visuais são carregados das intenções
daquele que as produz. É o produtor quem define como
deverá se dar o contato entre participantes e
observadores, o ângulo em que os participantes serão

455
Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

apresentados, a distância ou aproximação deles em


relação ao leitor, o seu grau de correspondência à
realidade. Ou seja, será ele quem decidirá como ocorrerá
a interação entre participantes e leitores.
Desse modo, para cumprir com o propósito de
evidenciar e denunciar um problema social,
demandando do leitor uma visão crítica, essa definição
não é ingênua ou aleatória. O leitor, ressaltamos, pode
ter uma compreensão da denúncia social evidente na
charge quando conhece as estratégias das quais se valem
os produtores desse gênero jornalístico para despertar
uma reflexão acerca dos fatos por parte dele.
Em nossa análise, portanto, pudemos mostrar
exemplos de como realizar uma leitura multimodal
amparada por sólidos recursos interpretativos
imagéticos, trazendo à lume as intenções dos
produtores.

REFERÊNCIAS

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fronteiras do letramento visual. In: R.C.M. PEREIRA e
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Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
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CARDOSO, J. R. A imagem como recurso persuasivo da


propaganda. Perspectivas em análise visual: do
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FERNANDES, J. D. C; ALMEIDA, D. B L. Revisitando a


gramática visual nos cartazes de guerra. In: ALMEIDA,
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HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional


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KRESS, G; VAN LEEUWEN, T. Reading images: The


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OLIVEIRA, R. R; BARBOSA, J. R. Representação de


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cerveja: venda de mulheres ou de bebidas?
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Cap. 12 - A construção dos significados no espaço visual das charges: uma análise à
luz da metafunção interativa da Gramática do design visual

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109.

SILVA, T. S; SILVA, M. B. Multimodalidade no Enem:


uma análise dos sentidos composicionais nas questões
de Língua Portuguesa. In: SILVA, M. B; BARBOSA, J. R.
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p. 121-137.

SILVEIRA, D. T.; CÓDOVA, F. P. A pesquisa científica.


In: GERHARDDT, T. E. e SILVEIRA, D. T. (org.).
Métodos de Pesquisa. Porto Alegre: Editora de UFRGS,
2009. P. 31 -42.

459
Retornar ao Sumário
Capítulo 13

A METAFUNÇÃO REPRESENTACIONAL
EM CHARGES QUE ABORDAM A FIGURA
DO JOVEM NEGRO: UMA ANÁLISE
MULTISSEMIÓTICA SEGUNDO A
GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL

João Paulo da Penha Teodoro


Jocélio Coutinho de Oliveira
Maria Thárgilla Larissa Silva

Gramática do Design Visual


Metafunção representacional
Multimodalidade
Charge

461
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

É fato que os estudos da linguagem avançaram


significativamente durante a segunda metade do século
XX. Dentre essas conquistas, podem-se citar as
contribuições da linguística sistêmico-funcional de
Halliday (1985) para o desenvolvimento de pesquisas
sob novas perspectivas. Nesse cenário, Kress e van
Leeuwen propõem um novo paradigma para a análise
de textos imagéticos, a partir das categorias de
metafunções descritas por Halliday na obra An
introduction to functional grammar para a análise do texto
linguístico.
Algumas décadas depois da publicação desses
trabalhos, muitas pesquisas foram desenvolvidas
ancoradas nessas “lentes”. Isso, certamente, contribuiu
para a reivindicação de um novo estatuto do texto que
prega a consideração das várias semioses na análise dos
efeitos de sentido de uma prática social de linguagem.
Outro fator que contribuiu para a disseminação
desse novo olhar para os textos foi, inegavelmente, um
aumento vertiginoso do uso das Tecnologias Digitais de
Comunicação e Informação em diversas culturas, o que
gerou um proporcional aumento da circulação de textos
multimodais, portanto, multissemióticos em ambientes
cibernéticos.
Com o advento da internet e da popularização
dos editores de texto, a ideia do layout como partícipe da

462
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

construção de sentido do texto ganhou força. As quatro


gerações da internet, vivenciadas nos últimos anos,
proporcionaram, aos textos, formatos variados e o uso de
múltiplos sistemas de linguagem. Com a popularização
dos editores de texto, a formatação de textos com fontes
de diversas cores e estilos e inclusão de imagens com
diversas possibilidades de brilho, transparência,
saturação, entre outros recursos tornou-se algo
relativamente simples.
Nesse contexto, alguns gêneros discursivos, como
a charge, ganharam ou diversificaram os suportes e,
também, em alguns casos, deram origem a outros
gêneros, como a vídeo-charge, no ambiente on-line.
Concomitantemente, encontra-se, na mídia brasileira, a
frequente representação de jovens negros em textos
humorísticos diversos.
Assim, esta pesquisa tem como objetivo geral
identificar a representação de jovens negros em charges
publicadas na mídia brasileira. Como objetivos
específicos, almeja-se compreender as contribuições da
semiótica social para a pactuação de um novo estatuto
de texto que considere aspectos multimodais
constitutivos dos gêneros, apontar aspectos multimodais
relevantes para a construção de sentido das charges a
partir da Gramática do Design Visual e avaliar como a
representação de jovens negros em charges publicizadas
na mídia brasileira pode contribuir para a denúncia de

463
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

um possível racismo estrutural na sociedade


contemporânea.
Como referencial teórico, essa abordagem ancora-
se, entre outros autores, em Marcuschi (2005; 2008) e
Bakhtin (2003), ao tratar de texto e de gêneros
textuais/discursivos e em Dionísio (2008), Kress e van
Leeuwen (2006 [1996]) e Ribeiro (2021), ao se debruçar
sobre os pressupostos multimodais do texto.
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa
que constituiu textos do gênero charge como corpus de
análise, publicados na mídia brasileira nos últimos 20
anos. Adiante, serão apresentadas algumas discussões
basilares sobre texto, multimodalidade e gêneros
textuais/discursivos, além de uma breve descrição sobre
o gênero charge e o principal aporte teórico deste estudo:
a Gramática do Design Visual (GDV).

2 UM NOVO ESTATUTO DO TEXTO E A


GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL

Considerando o escopo da presente pesquisa, faz-


se importante explicitar, a princípio, alguns
pressupostos que constituirão as lentes pelas quais as
análises ora propostas serão realizadas. Assim,
apresentar-se-ão escolhas teóricas concernentes ao que
se entende como texto, multimodalidade e gênero
discursivo.

464
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

Nesse panorama, serão enfatizadas, a seguir, as


propriedades constitutivas do gênero charge e as
contribuições da Gramática do Design Visual (KRESS e
VAN LEEUWEN, 2006) para a viabilização de um novo
estatuto do texto a partir de estudos oriundos no âmbito
da linguística sistêmico-funcional, amplamente
difundidos como constitutivos da semiótica social.

2.1 Texto, Multimodalidade e Gênero


Textual/Discursivo

Inicialmente, é preciso confrontar uma percepção


tradicional do signo “texto”, já em desuso, com outras
relacionadas a esse “novo estatuto” ora mencionado. A
definição apresentada no dicionário Aurélio representa
muito bem a primeira, ao afirmar que o texto é um “S. m.
1. Conjunto de palavras, de frases escritas: o texto de um
livro, de um estatuto, de uma inscrição” (FERREIRA,
1988, p. 634). Por sua vez, Beaugrande (1997:10 apud
MARCUSCHI, 2008) compreende que o texto é “um
evento comunicativo no qual convergem ações
linguísticas, cognitivas e sociais”.
Essa segunda compreensão dialoga com as
concepções que não limitam a noção de texto ao aspecto
linguístico, ao uso da palavra. Poder-se-ia contemplar,
portanto, as produções não verbais e verbo-visuais.
Conforme Marcuschi (2008), isso gera diversas
implicações, dentre elas, o fato de que “o texto é

465
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

constituído numa orientação de multissistemas, ou seja,


envolve tanto aspectos linguísticos, como não
linguísticos no seu processamento (imagem, música) e o
texto se torna em geral multimodal” (MARCUSCHI,
2008, p. 80).
Texto multimodal é aquele que possui
multimodalidade como uma propriedade constitutiva.
Esta, por sua vez, é o uso de diversos modos semióticos
no design de um produto ou evento semiótico (KRESS,
2001, apud RIBEIRO, 2021). Além de Marcuschi (2008),
diversos autores compreendem a multimodalidade
como parte constitutiva da linguagem humana, falada e
escrita. Como exemplo, registre-se Dionísio (2008, p. 121)
que argumenta:

(i) as ações sociais são fenômenos multimodais;


(ii) gêneros textuais orais e escritos são
multimodais;
(iii) o grau de informatividade visual dos gêneros
textuais da escrita se processa num contínuo;
(iv) há novas formas de interação entre o leitor e o
texto, resultantes da estreita relação entre o discurso e
as inovações tecnológicas.

Com base nos pressupostos acima, fica claro que


um “novo estatuto do texto” declara a inexistência de
textos monomodais ou apenas linguísticos, por exemplo,
sendo necessário considerar um maior ou menor grau de

466
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

informatividade visual. Além disso, a globalização, as


transformações culturais e inovações tecnológicas têm
contribuído com o aumento de informações visuais nos
textos diversos. Portanto, se toda ação humana é
multimodal, a comunicação oral e a escrita, que também
são ações humanas, também são multimodais.
Nessa perspectiva, os textos “verbais” também
são multimodais, uma vez que as produções possuem
layout, são disponibilizados visualmente por meio de
algum suporte, com uma letra ou fonte no tamanho e na
cor escolhidas mediante uma intencionalidade
discursiva. Para utilizar as palavras de Ribeiro (2021, p.
44), a “seleção de um modo de apresentação do texto
(verbal, grifo nosso) já implica uma escolha prévia, um
projeto gráfico, nem que seja embrionário”. Tal
argumento corrobora com Dionísio (2008) quando
aponta que todo texto é multimodal, mas pode ser
constituído por graus diferentes de multimodalidade,
que se processa num contínuo.
No que se refere aos gêneros textuais/discursivos,
fica claro que também são artefatos multimodais
necessários para a concretização das práticas sociais de
linguagem, contendo, da mesma maneira, maior ou
menor grau de informatividade visual. Ao se debruçar
sobre a perspectiva discursivo-semiótica de Gunther
Kress para os gêneros, Balocco (2005, p. 65) afirma,
portanto, que “é preciso analisar a forma como
linguagem e elementos visuais articulam-se num texto,

467
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

funcionando como ancoragens para leituras


ideologicamente marcadas”.

2.2 Propriedades constitutivas do Gênero Charge

Partindo do pressuposto de que gêneros são


“tipos relativamente estáveis de enunciados”
(BAKHTIN, 2003, p. 262), caracterizados por um
conteúdo (temático), por um estilo de linguagem e por
uma construção composicional, com o gênero charge
essa premissa não é diferente.
Quanto ao conteúdo, aborda assuntos diversos de
relevância social, pertencente a um determinado tempo
e lugar, a exemplo de assuntos políticos, violência e
outros problemas sociais. Quanto ao estilo, possui uma
linguagem carregada de significados por meio da qual o
autor satiriza algum acontecimento ou fato de grande
magnitude social.
Quanto à composição, trata-se de um gênero
multimodal, em grau facilmente identificável, devido às
escolhas quanto à disposição dos elementos linguísticos
no suporte, - quando há texto verbal – e à seleção de
cores e inserção de destaques diversos. A presença de
sistemas semióticos não verbais também contribui para
o sentido do discurso, com destaque para o uso da
linguagem imagética. Em ambiente virtual, pode ocorrer
uma variação que inclui sons e movimentos, quando
também são chamadas de vídeo-charge.

468
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

Para Barbosa (2019, p. 23), “divergente da charge


estática (de suporte impresso), a vídeo-charge se
caracteriza por apresentar em sua composição o
dinamismo, os sons e a interatividade”. Assim, pode-se
deduzir que a vídeo-charge é uma variação da charge em
ambiente virtual com grau de multimodalidade ainda
maior, por possibilitar, em sua composição, a interação
de sistemas semióticos em maior quantidade.
Apesar das características do gênero charge no
plano da expressão, é preciso compreender que a
definição de um gênero não se dá apenas por seus
elementos formais, mas em última instância pela função
ou propósito crítico-comunicativo do gênero
(MARCUSCHI, 2008). Isso porque, geralmente, possui a
função de promover uma reflexão ou crítica político-
social, podendo haver ainda a presença de humor
satírico. Outrossim, trata-se de um texto de circulação, a
princípio, na esfera jornalística, que ecoa, com humor e
ironia, os temas mais relevantes abordados nas páginas
de notícias.

2.3 Breve descrição da Gramática do Design Visual

A obra Reading images: the grammar of visual design


(1996), de Kress e van Leeuwen, baseia-se, inclusive, nas
metafunções da Linguística Sistêmico-funcional de
Halliday (An introduction to functional grammar, 1994),
para o contexto dos textos multissemióticos, com

469
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

destaque para a análise de textos imagéticos. Assim,


essas metafunções de Halliday foram retomadas na obra
de Kress e van Leeuwen sob nova perspectiva, para as
análises com os gêneros multimodais imagéticos.
Elaboramos, para fins de melhor compreensão, um
quadro comparativo entre a GDV e a Linguística
Sistêmico-funcional de Halliday:

Quadro 1 – Comparativo entre a LSF e a GDV.


LSF de Halliday GDV de Kress e van Leewen
Metafunções Metafunções
Interpessoal Interativa
Ideacional Representacional
Textual Composicional
Fonte: Autoria própria.

É importante frisar que, assim como Halliday


propôs na LSF, Kress e van Leeuwen também
consideram que os significados estão relacionados às
ideologias e às relações de poder, nas quais cada texto se
insere, partindo ambas as propostas, de um olhar
voltado para o viés social de comunicação. Sobre isso,
Nascimento; Bezerra e Heberle (2011) convergem com
Halliday, considerando que:

Tanto a linguagem verbal como a visual permitem


construir representações de mundo (função de
representação), atribuir papéis aos participantes
representados – pessoas, objetos, instituições – e

470
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

estabelecer diferentes relações entre os participantes


no texto, bem como entre esses e o leitor (função de
interação), e ainda organizar esses sentidos na forma
de um todo que entendemos por texto (função de
composição) (NASCIMENTO; BEZERRA e HEBERLE,
2011).

O dito pelos autores acima expõe claramente as


intenções de cada metafunção proposta pelas duas
abordagens, unindo, pois, os objetivos de ambas dentro
da análise da língua(gem) enquanto fator social de
interação.
Visando a construção de um panorama didático
sobre a GDV, apresenta-se, a seguir, um quadro
resumitivo, conforme proposta de Silva (2016).

Quadro 2 – Resumo da GDV - Kress e van Leeuwen (2006).

Fonte: Autoria própria.

471
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

Considerando que muitas são as possibilidades


de análise verbo-imagética, conforme as metafunções
propõem e, dada a finalidade deste trabalho, far-se-á, a
seguir, um recorte descritivo da função representacional
da GDV, tendo em vista o escopo desta pesquisa, ao
focar a metafunção representacional.

2.3.1 A metafunção representacional

Para Kress e van Leeuwen, a realidade pode ser


representada através de estruturas verbais ou visuais,
sendo a metafunção representacional a junção desses
dois modos semióticos, e caracteriza-se principalmente
pela retratação da realidade através da representação
visual ideologicamente escolhida.
Dentro do espaço semiótico de textos
multimodais, a metafunção representacional divide-se
em dois processos distintos: o processo narrativo e o
processo conceitual, determinados pela presença ou
ausência de vetores, isto é, de ações e movimentos
presentes na cena representada. Divide-se, então, a partir
da presença ou não de vetores, em estruturas narrativas
ou conceituais.
As estruturas narrativas são aquelas que possuem
a estrutura: ator → vetor → meta. Ator seria quem
determina ou executa a ação, enquanto o vetor é o
posicionamento, objeto ou linha que indique a direção
do vetor. A meta, é o objetivo direcional do vetor. Além

472
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

da presença de vetores, divide-se em quatro processos:


ação, reação, processo mental e processo verbal.
A ação é determinada pela presença de um ator e
pode gerar dois processos, o transacional, quando há
uma meta a ser alcançada, e o não-transacional quando
há apenas o ator, sem uma meta definida. A reação,
como o próprio nome adianta, corresponde ao retorno,
como a meta reage à ação, podendo ser um olhar voltado
ao ator ou algo que indique a própria reação da ação
inicial. É pertinente destacar que quando há a presença
de dois sujeitos representados, a estrutura transacional
pode ser unilateral ou bidirecional. Unilateral quando há
apenas um ator, e bidirecional quando dois atores
praticam ações diferentes.
Por conseguinte, os processos verbais da presente
metafunção designam as falas ou pensamentos dos
sujeitos. Quando há a presença de falas externadas,
dentro de balões, essas são características do processo
verbal. Ou seja, há a presença de fala oral, o sujeito que
as reproduz é chamado de “dizente” e sua voz constitui-
se em um “enunciado”. Já quando se identifica na
imagem somente o balão de pensamento, sem a
exteriorização oral, corresponde a um processo mental e
o sujeito pensante é denominado aqui de
“experienciador” de modo que seu pensamento é
chamado de “fenômeno”.
As estruturas conceituais são o oposto das
narrativas por não haver vetores ou ações. Os sujeitos

473
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

são o centro e podem ser representados de maneira


classificatória, estruturada ou significada. De forma
geral, os sujeitos aparecem classificados de forma
superordenada. As estruturas conceituais dividem-se
em processos classificatórios, simbólicos e analíticos.
O primeiro processo (classificatório) expõe o
sujeito com base em algum ordenamento visual, de
modo a separar e categorizar seus personagens
representados. O simbólico é representado por meio de
cores, tamanho das formas ou algum outro recurso que
remete instantaneamente a algo real, por isso é
denominado como tal. O terceiro e último processo da
estrutura conceitual, o processo analítico, se dá por meio
do destaque do autor do texto para alguma parte
específica de algo, uma figura, uma imagem, por
exemplo, para que o leitor possa, assim, interpretar
alguma nuance ou ideologia pretendida com isso. Os
processos analíticos podem ser divididos em
estruturados e não-estruturados, sendo o primeiro
portador de descrição da imagem/figura destacada,
enquanto que no segundo (não-estruturado) acontece o
contrário, isto é, a ausência do conteúdo descritivo.
Dentro da metafunção representacional, ainda
cabe falar sobre os sujeitos – parte determinante para
nossa análise - que por sua vez, podem ser classificados
como participantes ativos ou representados. O
participante ativo, como sua nomeação já adianta, é

474
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

aquele que executa ações, que escreve, fala, atua dentro


da paisagem semiótica.
Diante do exposto, enfatiza-se a necessidade de
um olhar atento, voltado aos sujeitos representados,
assim como o contexto da charge, motivo pelo qual
foram elaborados procedimentos metodológicos
sistemáticos, descritos a seguir.

3 CAMINHOS PARA A COMPREENSÃO DA


REPRESENTAÇÃO DE JOVENS NEGROS EM
TEXTOS MULTIMODAIS

Esta pesquisa propõe a descrição da


representação imagética do jovem negro e, para atender
ao objetivo do trabalho, organizam-se os procedimentos
em duas etapas: a constituição do corpus, com a pesquisa
e seleção de charges que atendem ao perfil do estudo na
mídia brasileira no recorte temporal dos últimos 20 anos
e, posteriormente, a realização das análises conforme a
metafunção representacional propostas pela GDV de
Kress e van Leeuwen, visto que comporta o intuito de
analisar a imagem do jovem negro, bem como o
tratamento dado a ele, representado nas charges objeto
de apreciação.
Por conta dos procedimentos de análise dos
dados, esta pesquisa possui um caráter descritivo e
interpretativo, ao dissertar sobre a composição das
charges por meio de metafunções da GDV. Outrossim,

475
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

encaixa-se no método qualitativo de pesquisa, visando


contribuir para os estudos que exploram a análise crítico-
imagética presente no gênero chargístico, assim como
em outros gêneros multimodais verbo-visuais ou não
verbais. A seguir, apresentam-se as análises
organizadas, destacando a temática de cada charge,
contextos sociais identificados, os sujeitos
representados, as estruturas e o(s) processo(s) que
compõem a metafunção representacional.

4 JOVENS NEGROS EM CENA: DA


DISCRIMINAÇÃO RACIAL À NEGAÇÃO DE
DIREITOS

Esta análise consistiu prioritariamente em


apresentar a cena representada, descrever algum
contexto temporal ou social (quando houve) para depois
iniciar a descrição semiótica segundo os elementos
narrativos ou conceituais das charges, bem como a
presença ou a ausência de vetores, assim como os
sujeitos representados. Cada charge foi intitulada,
sequencialmente, por charge 1, charge 2, charge 3 e
charge 4.
A charge 1 tematiza a malcriação de crianças e,
principalmente, a reação e tratamento dos adultos em
relação à punição, que aparece em graus de seriedade
maiores, quando a criança é negra.

476
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

Charge 1 - Consequência da malcriação do rico e do pobre

Fonte: http://www.juniao.com.br/

Vale destacar que a charge esteve inserida na


época da votação da maioridade penal, a ser votada
inicialmente em 2015 que, se aprovada, reduziria a
maioridade penal de jovens para 16 anos de idade. A
crítica sobre a desigualdade racial no Brasil é clara e se
torna evidente na charge através dos discursos
pejorativos e discriminatórios contra a criança de cor
negra, mostrando que a idade não impede que o
tratamento dado a ela seja o mesmo que o de um adulto
criminoso, enquanto que para a criança de raça diferente,

477
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

a situação é amenizada e sem muita relevância para o


adulto.
Em relação à análise representacional, conforme a
GDV, é bastante evidente na charge o processo narrativo,
que a partir de ações e movimentos determinam a
direção dos vetores (os braços apontados) para as
crianças, que se tornam a meta da ação, e respondem
com o olhar de medo, sendo classificados também como
reatores da ação. O processo verbal também se faz
presente através da fala dos dizentes (adultos) que
sugerem a punição devida a cada uma das crianças.

Charge 2 - Rolezinho dos jovens negros.

Fonte: latuffcartoons.wordpress.com

478
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

Contextualizando a charge 2, destacamos, para


um maior entendimento, o vocábulo “rolezinho” que se
refere à saída de um grupo de jovens para os shoppings,
em busca de diversão e namoros, regrados sempre a
muita música. No entanto, essa diversão entre os jovens,
notadamente os de origem mais humilde, é motivo de
violência policial.
A partir dessa compreensão, observa-se que a
charge contempla dois momentos diferentes, sendo eles
a entrada e a saída dos mesmos jovens no local, que, pela
estrutura, deve ser um grande shopping. Vários jovens
chegam juntos ao lugar, sendo, então, sujeitos interativos
na imagem, pois conversam uns com os outros e falam
ao telefone.
A ação de entrada dos jovens (ao lado esquerdo
da imagem) marca o primeiro vetor de ação, enquanto a
fala do segurança ao atestar a entrada deles foca o
primeiro processo verbal da charge. Além disso, dentro
do processo verbal citado, há o chamamento pejorativo
“bando de neguinho”, o que permite a leitura de que o
preconceito racial foi determinante para o segurança
intervir na permanência dos jovens dentro do shopping.
O segundo plano de enquadramento da charge
mostra a consequência da ação preconceituosa do
segurança, participante interativo que aparece no
segundo momento, já apreendendo os mesmos jovens
negros. A crítica maior da charge se dá a partir da fala
dos dizentes 1 (segurança) e 2 (policial) que, a partir da

479
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

forma como agem e falam, configuram práticas racistas


e discriminatórias contra os adolescentes.
Outro elemento forte na imagem é a corda
utilizada para envolver o pescoço dos rapazes, que, ao
contrário do primeiro enquadramento, agora aparecem
tristes e em posição de inferioridade perante a figura do
policial que denuncia pelo rádio uma “formação de
quadrilha”, referindo-se ao montante de jovens
apreendidos no shopping.

Charge 3 – O extermínio dos jovens negros durante a


pandemia da Covid-19.

Fonte: http://www.juniao.com.br/

A recente pandemia da Covid-19 trouxe à tona


para os grandes jornais um número crescente de vítimas
mortais do vírus. A charge três aborda criticamente a
imagem do negro que, infelizmente, por fatores de

480
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

ordem social e financeira, acabou sendo uma das


principais vítimas do vírus. A vulnerabilidade social,
financeira, empregatícia e higiênica de negros pobres e
moradores de periferias fez com que o número de
mortos, em uma grande somatória, fosse correspondente
a essas pessoas.
O único participante representado nessa charge é
um jovem negro, que não realiza nenhuma ação, e que
por isso é, conforme a metafunção explicitada, um
participante representado. Apesar de não haver
interação de vetores por parte do jovem, seu olhar
funciona como um reator às balas e ao vírus (vetores)
que vão em sua direção. Os vetores se dirigem a ele, o
que configura um processo narrativo transacional.

Charge 4 – Feriado: dia da consciência negra.

Fonte: Folha de São Paulo - 20/11/2006.

481
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

Antes de iniciar a análise da quarta charge


intitulada “Feriado: dia da consciência negra”, do
cartunista Angeli, faz-se necessário um recorte histórico
da formação social em meio ao trabalho escravo no
Brasil.
O tráfico negreiro, realizado entre os séculos XV e
XIX, configura a intensidade empregada na economia
colonial, na produção do açúcar, seu valor
mercadológico e geração de riquezas para o europeu
explorador, contudo, sendo uma atividade escrava e
violenta para os povos africanos transportados ao Novo
Mundo, de forma desumana.
O trabalho escravo reforçou a visão do negro
como uma mercadoria ou propriedade em condições
sub-humanas. Caso o escravo contrariasse os interesses
de seu senhor, entrariam em cena os atos punitivos
aplicados em vias públicas. Assim, a escravidão, de
maneira opressora, constituiu marcas danosas para o
desenvolvimento da sociedade brasileira, com
consequências que alcançam a contemporaneidade.
Na charge 4, o texto extraído da Folha de São
Paulo e também utilizado em questão discursiva do
Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes
(ENADE), realizado no ano de 2017, busca o diálogo
entre a charge “Feriado: Dia da consciência negra”, do
cartunista Angeli, e o poema “Essa nega fulô”, do
escritor Jorge de Lima. A charge mencionada constitui-
se como um instrumento de denúncia contra o

482
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

preconceito e discriminação racial existentes em nosso


meio social.
Partindo da análise visual da estrutura narrativa
presente na charge, visualizam-se as ações de jovens
negros representados na imagem em posição inferior aos
turistas brancos que aproveitam a data de 20 de
novembro, isto é, há uma classe social privilegiada no
feriado nacional em alusão à consciência negra,
enquanto aquelas, as pessoas lembradas no dia,
continuam trabalhando de sol a sol nas praias do país
para garantir seu sustento. Diante da realidade
alicerçada no percurso histórico já mencionado,
comprova-se que os jovens negros ocupam, realmente,
ofícios sem proteção social, recebem salários baixos ou
são autônomos para conseguir o “pão de cada dia”.
Na charge, lê-se a legenda “Feriado: dia da
consciência negra”, contudo, não há processo verbal, ou
seja, não consta a presença de falas entre enunciado e
dizente. Percebe-se, ainda, vetores no olhar exaustivo
dos jovens vendedores da imagem em contraste com o
pouco caso da classe média, o que configura como
processo de reação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista que o principal escopo de trabalho


consistiu em fazer uma análise crítica da representação
do jovem negro no gênero charge, a teoria escolhida,

483
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

bem como todo o suporte teórico-metodológico atendeu


às necessidades descritivas e exploratórias para a
presente pesquisa.
Nessa perspectiva, os objetivos foram alcançados,
visto que os aspectos multimodais indispensáveis à
compreensão das charges foram descritos e as imagens
foram exploradas como mais um modo semiótico que se
soma-se ao do texto verbal. Destaque-se ainda, o fato de
que, tanto a linguagem verbal quanto a visual
permitiram e foram capazes de construir representações
do mundo (função representacional), a partir das
escolhas dos discursos, dos participantes e cenas
representadas, construindo uma leitura verbo-visual
contextualizada e multimodal da realidade do jovem
negro.
De uma forma mais geral, foi citada a urgência da
expansão dos estudos contendo gêneros multimodais
verbo-visuais e não verbais também na escola, visto que,
muitas vezes, é o único ambiente onde se lê e se discute
mais atentamente sobre os textos que circulam em
sociedade. As exigências sociocomunicativas atualizam-
se corriqueiramente de modo a exigir do leitor o
desenvolvimento de novas habilidades leitoras
envolvendo o letramento visual, a multimodalidade
como um todo e suas nuances ideológicas e
argumentativas.
Considerando as quatro charges escolhidas, é
possível concluir que inúmeras problemáticas envolvem

484
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

a qualidade de vida, segurança e equidade racial dos


negros representados que, mesmo constituindo uma
grande massa da população brasileira e mundial, não
possuem direitos básicos assegurados. As charges
escolhidas denunciam, ainda, a falta de eficácia do
Estado com as questões de saúde e de proteção contra
qualquer tipo de doença ou violência, o que se configura
em uma realidade opressora e menos digna à população
negra como um todo.
Nesse ínterim, textos contemporâneos ou aqueles
mais tradicionais na escola, como a charge, a tira e os
quadrinhos, são objetos de análise imagética, ricos e
pertinentes para os estudos da multimodalidade,
vocábulo que emergiu por conta da necessidade de se ler
o texto em sua integridade composicional, sendo a
imagem um dos principais constituintes da análise
multimodal.

REFERÊNCIAS

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BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BALOCCO, A. E. 2005. A perspectiva discursivo-


semiótica de Gunther Kress: o gênero como um recurso
representacional. In : Meurer, J. L.; Bonini, A.; Motta-

485
Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
negro: uma análise multissemiótica segundo a Gramática do design visual

Roth, D. (orgs.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São


Paulo: Parábola Editorial, 2005.

BARBOSA, A. M. A vídeo-charge na escola: uma


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Disponível em: http://www.juniao.com.br/ . Acesso em
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em: http://www.juniao.com.br. Acesso em 30 nov.
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Cap. 13 - A metafunção representacional em charges que abordam a figura do jovem
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KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Reading images: the


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gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial,
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NASCIMENTO, R. G.; BEZERRA, F. A. S.; HEBERLE,


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Linguagem & Ensinos, Pelotas, v. 14, n. 2, p. 529-552,
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RIBEIRO, A. E. Multimodalidade, textos e tecnologias:


provocações para a sala de aula. São Paulo: Parábola,
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BARBOSA, J. R. A; SILVA, D. B. T. Gramática do


Design Visual: uma análise da metafunção
representacional em charges acerca do racismo. In:
Revista Colineares, Mossoró/RN, v. 8, n. 2, Jan./Jun,
2021, p.90-109.

487
Retornar ao Sumário
Capítulo 14

MULTIMODALIDADE EM POSTAGENS
NO INSTAGRAM: ANÁLISE DAS FOTOS
PARODIADAS DE OSTENTAÇÃO NO
PERFIL DE CELESTE BARBER

Alice Chaves de Lima


Karliane Gomes da Silva
Antonia Oziana Batista de Medeiros
José Roberto Alves Barbosa

Multimodalidade
Gramática do Design Visual
Discurso humorístico
Ostentação
Instagram

489
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Diante da expansão que as mídias sociais vêm


estabelecendo no nosso dia a dia, diversos usuários
aproveitam esses recursos para apresentarem momentos
das próprias rotinas. Muitas das postagens seguem um
fluxo desenfreado de exaltação à ostentação, e esse tipo
de comportamento vem perpassando em todos os
âmbitos da sociedade, seja de forma discreta ou explícita.
Atualmente, uma das principais ferramentas
midiáticas é o Instagram. Por ser um aplicativo de fácil
acesso e bem aceito pelo público, muitos artistas
vinculam-se a esse meio de comunicação a fim de ganhar
visualizações. Um dos recursos utilizados é a paródia ―
encontrada nos vídeos e imagens digitais ―, e que
passou a chamar atenção do público pelo uso do humor
através da imitação das postagens de alguns famosos.
Celeste Barber, comediante australiana, vem se
destacando nesse aplicativo com suas paródias de fotos
e vídeos de famosas ostentando seus estilos de vida
privilegiados.
Além de atuar na comédia, Barber também é atriz
e escritora. É importante ressaltar, no entanto, que este
artigo se delimita apenas no que tange os trabalhos
envolvendo suas paródias no Instagram. Tendo em vista
que o ato de parodiar, além do teor humorístico, também
desencadeia um olhar criterioso e que em muitas

490
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

situações manifesta a criticidade diante de padrões


estabelecidos pela sociedade.
Segundo Cavalcante (2011, p. 29), “O gênero
paródia é uma maneira de retornar a outros textos, onde
há um rompimento com as ideologias incutidas e por
isso é objeto de interesse para os pesquisadores da língua
e das artes”. Ou seja, esse gênero recorre a um
posicionamento antagônico de um determinado grupo
social que, em muitos casos, é favorecido por um padrão
ou estilo de vida.
Consoante ao exposto, este projeto tem como
objetivo analisar cinco imagens parodiadas do
Instagram da comediante Celeste Barber e apresentar os
significados representacionais, interacionais e
composicionais da Gramática do design Visual (GDV) de
Kress e van Leeuwen (2006) presente nelas. Para isso, no
primeiro momento abordaremos os conceitos que
envolvem a GDV, uma vez que, se faz necessário analisar
e discutir a relação entre os elementos semióticos
presentes nas imagens e os discursos que podem ser
gerados; no segundo momento, apresentaremos
brevemente a distinção a respeito dos conceitos
envolvendo o humor, a sátira e a paródia;
posteriormente, no terceiro momento, apontaremos para
os recurso midiáticos e as novas possibilidades
comunicativas, sendo assim, um novo espaço
pretensioso de ostentações que tem uma grande
movimentação por meio de usuários do aplicativo

491
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

Instagram, e para finalizar, no quarto momento deste


artigo, mostraremos os processos metodológicos, assim
como, a leitura dos dados.

2 A GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL

Por volta da década de 1990 os linguistas Teun


van Dijk, Gunther Kress, Ruth Wodak, Theo van
Leeuwen e Norman Fairclough se juntaram em um
simpósio em Amsterdam para discutirem suas visões
acerca da linguagem, relacionando-a com outras teorias
e metodologias. Diante do empenho pela
“transformação social em busca de formas de
sociabilidade menos pautadas pela desigualdade e pela
opressão” (MELO, 2018, p. 29), surgiram diversas
perspectivas teórico-metodológicas. Em vista disso,
Kress e van Leeuwen se propuseram a estruturar uma
abordagem de estudos críticos da linguagem visual
desenvolvida a partir da Linguística Sistêmico-
Funcional (LSF) de Halliday, e a denominaram de
Gramática do Design Visual (GDV).
Diante de uma perspectiva multimodal, a GDV
analisa os aspectos semióticos de um texto, pensando
nos elementos verbais (escritos ou falados) e não-verbais
(imagens, sons etc.) para criar significado que irá refletir
as escolhas de seus autores. Além disso, Melo (2018, p.
30) explica que essa abordagem de análise crítica visual

492
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

se preocupa, ainda, em estudar “os propósitos


comunicativos, os efeitos de sentido e a manipulação
ideológica nos sistemas de imagem existentes na
sociedade atual”. Isso se dá por um interesse em
compreender como a utilização desses recursos
contribuem para a construção do sentido de uma
perspectiva social.
A GDV faz uso das funções da linguagem da LSF
de Halliday ao adaptá-las na elaboração do seu aparato
teórico para a interpretação dos elementos visuais de um
texto. Para Kress e van Leeuwen (2006), as metafunções
de Halliday se tornariam: metafunções representacional,
interativa e composicional.

Quadro 1 – Linguística Sistêmico Funcional e


Gramática do Design Visual.

Fonte: Silva (2016).

493
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

No Quadro 1, podemos observar como são


estruturados a LSF e a GDV. Logo após, outro quadro
com o foco apenas na GDV apresenta as metafunções,
com suas respectivas categorias e subcategorias.

Quadro 2 – Estrutura da Gramática do Design Visual.

Fonte: Silva (2016).

494
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

Levando em consideração as metafunções, segue


uma descrição mais detalhada de suas categorias e
subcategorias de forma a compreender suas
aplicabilidades na prática.

2.1 A metafunção representacional

A metafunção representacional se trata da relação


existente entre os participantes de uma imagem e se
divide em duas, podendo ser narrativa ou conceitual. No
primeiro, os participantes têm a possibilidade de se
engajar em ações e eventos por meio de vetores que
emanam de seus corpos. (KRESS; VAN LEEUWEN,
2006)
Na representação narrativa há, ainda, quatro
subdivisões: ação, reação e processos verbal ou mental. Na
ação, deve existir o ator e a meta, estando interligados por
um vetor. Quando a imagem retrata uma ação entre
participantes, trata-se de uma estrutura transacional, que
pode, ou não, ser bidirecional, se ocorrer a alternância
entre ator e meta. Quando, no entanto, não há meta,
trata-se de uma estrutura não-transacional. (KRESS; VAN
LEEUWEN, 2006)
Em outras situações pode ocorrer de a ação ser
realizada através do olhar dos participantes, sendo
chamada de reação. Nesse caso, o reator direciona seu
olhar para o fenômeno. Pode também ser transacional ou

495
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

não-transacional dependendo se há na imagem o foco


desse olhar (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006).
Nas representações narrativas classificadas de
verbais ou mentais, os participantes são chamados de
dizentes ou enunciadores, e podem ser observadas na
imagem balões de fala ou de pensamento que
representam os enunciados (ALMEIDA, 2013).
Já as representações conceituais são caracterizadas
pela ausência desses vetores, sendo formados pelo
próprio corpo do participante representado, ou seja, não
há uma ação. Pode ser dividida em três processos:
classificacionais, analíticos e simbólicos.
Nas estruturas classificacionais há uma
organização dos elementos de forma a relacioná-los.
Almeida (2013, p. 181) determina que nesse tipo de
imagem “os participantes são representados em um tipo
de estrutura taxonômica hierárquica, na qual um ou
mais participante(s) superordinado(s) é relacionado a
outro(s), subordinado(s)”. Dessa forma, existe uma
ordem perceptível na formação visual, onde alguns
pertencem a uma categoria superior a outros
dependentes destes.
O processo analítico também faz essa relação entre
o todo e suas partes, chamando o primeiro de portador e
o segundo de atributos possessivos. Quando existe alguma
descrição nas partes é estruturado; já quando não há uma
ligação entre os elementos é chamada de desestruturada
(ALMEIDA, 2013).

496
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

Por último, tem-se o processo simbólico, onde se


pode determinar a identidade do participante através de
características como iluminação, cor e tamanho, tendo
em mente que se trata de utilizar esses atributos de
forma consciente, ou seja, trata-se de escolhas nítidas.
A seguir, será feita uma exposição a respeito da
metafunção interativa e suas categorias de análise.

2.2 A metafunção interativa

Na metafunção interativa o foco trata-se da


relação entre a imagem e o observador. Pode haver
participantes que olham diretamente para o observador
(participante interativo), ou que olham para outro
participante representado na imagem, não
estabelecendo um vínculo direto com o espectador. Está
dividida em quatro categorias: contato, distância social,
perspectiva e modalidade.
Para determinar o tipo de contato em uma imagem
deve-se observar para onde o personagem está olhando,
se diretamente para o leitor/observador ou não. Caso seja
a primeira situação, Kress e van Leeuwen (2006)
chamam de contato de demanda onde o participante
convida a observá-lo. Caso seja a segunda, trata-se de
contato de oferta, como se o participante se oferecesse
para o observador.
A categoria da distância social em uma imagem
tem a ver com o nível de proximidade que se deseja

497
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

estabelecer entre o participante e o leitor/observador,


quanto mais próxima, mais íntima a relação, quanto mais
distante, mais impessoal. No plano fechado, onde o
participante é retratado até os ombros, irá detalhar mais
seu rosto; no plano médio, será até a cintura ou joelho; já
no plano aberto, pode-se ver o participante de corpo todo
(ALMEIDA, 2013).
A perspectiva condiz com o ângulo pelo qual o
participante é apresentado, podendo ser frontal, oblíquo
ou vertical. No primeiro ângulo, vemos o participante de
frente podendo estabelecer um certo envolvimento com
o leitor/observador. No oblíquo, no entanto, percebe-se
um certo alheamento, como se não fosse possível ser
convidado para participar do que acontece na imagem.
Por último, tem-se o ângulo vertical caracterizado pela
relação de poder e onde se analisa o uso de câmera alta,
dando um certo domínio do observador sobre o
participante; a câmera baixa, onde o oposto acontece; e a
câmera no nível dos olhos, com a relação de igualdade.
A última categoria da metafunção interativa
chama-se modalidade e está relacionada ao nível de
realidade que se deseja atingir numa determinada
imagem e divide-se em naturalística ou sensorial. No
primeiro tipo o nível de modalidade estará relacionado
com a harmonia entre a imagem e o real. Quanto maior
for essa correspondência, maior a modalidade. Como
afirma Almeida (2013), isso pode ser realizado através de
menor manipulação das cores e fazendo uso de planos

498
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

de fundo. Já a modalidade sensorial irá modificar a


imagem para se atingir um objetivo específico. Quanto
mais manipulada, menor a modalidade.
Por fim, apresenta-se a metafunção composicional
e suas categorias de análise.

2.3 A metafunção composicional

O papel da metafunção composicional é


organizar/combinar os elementos visuais de uma
imagem, ou seja, integrar os elementos representacionais
e interativos em uma composição para que ela forme um
todo coerente (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006). Está
dividida em três categorias: valor da informação,
estruturação e saliência.
O valor da informação em imagem refere-se a onde
estão dispostos os elementos da imagem e os separa em
três formas diferentes: ideal/real (topo/base), onde o
primeiro nos oferece a informação idealizada e a
segunda o que realmente é; dado/novo
(esquerda/direita), onde o primeiro se trata daquilo que
já conhecemos e o segundo da informação nova;
centro/margem (preponderante/subordinado), onde o
primeiro irá conter a informação que se destaca e o
segundo atuará de forma secundária dependente do que
houver no centro.
Uma imagem onde os elementos trabalham de
forma interligada ou não está relacionada à categoria de

499
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

estruturação. Quando parece que a imagem toda se une


de modo a formar uma identidade só, utilizando cores
semelhantes, ocorre uma conexão e trata-se de uma
imagem de estruturação fraca. O oposto, ou desconexão,
acontece quando é possível perceber individualidade e
diferença entre os elementos internos, formando uma
estruturação forte (ALMEIDA, 2013).
Por último, tem-se a saliência, que nada mais é do
que o elemento de destaque em uma imagem. Almeida
(2013) aponta que isto poderá ser feito através de
manipulação de cores e tamanhos e trabalhando com a
disposição nos diferentes planos, seja na frente ou no
fundo da imagem.
Levando em conta o que foi exposto, as
representações de mundo produzidas por meio de textos
multimodais podem ser elaboradas através de cada uma
das diferentes metafunções mencionadas (KRESS; VAN
LEEUWEN, 2006). Em seguida, iremos discorrer sobre os
conceitos de humor, sátira e paródia.

3 O HUMOR, A SÁTIRA E A PARÓDIA

O humor, como afirma Zepeda, Franco e Preciado


(2014), seria aquilo que traria leveza à realidade humana.
Algo necessário para contrabalançar com as tristezas e a
tragédia da vida. Em outros contextos, a compreensão a
respeito do humor aponta ainda para sua função
enquanto instrumento de criticidade, desafiando o

500
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

poder e as normas impostas (ZEPEDA; FRANCO;


PRECIADO, 2014). Os atributos tanto de leveza quanto
de crítica, contribuem para um entendimento do humor
em suas diferentes utilizações, tais como na sátira e na
paródia.
A sátira possui, necessariamente, uma natureza
política. É descrita, também, como uma arma de
denúncia que “se impõe como uma forma de
ridicularizar, diminuir, depreciar tudo aquilo que foge
ao dito padrão estabelecido.” (CORREIA, p. 190, 1997).
Nesse sentido, percebemos que a sátira observa os
desvios da sociedade e utiliza o humor para provocar a
reflexão.
Outra nuance do humor é encontrada na paródia.
Diferentemente da sátira, ela trabalha a partir de um
texto original para realizar uma releitura. Bakhtin (1983,
p. 473) aponta para as diversas possibilidades de se
trabalhar esse recurso:

A paródia permite uma variedade considerável.


Pode-se parodiar o estilo do outro como estilo;
pode-se parodiar o modo característico de
observar, pensar e falar típico, social ou
individualmente. Além disso, a paródia pode ser
mais ou menos profunda: pode-se limitar a
parodiar as formas que constituem a superfície
verbal, mas também pode-se parodiar até os
princípios mais profundos da palavra do outro.

501
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

Ademais, a paródia em si mesma pode ser


empregada de várias maneiras pelo autor: pode
ser um fim em si mesma (por exemplo, a paródia
literária como gênero), ou pode servir à realização
de outros fins positivos (como o estilo parodístico
de Ariosto ou de Puchikin).

Dessa maneira, faz-se a distinção entre sátira e


paródia principalmente no que concerne seus objetivos,
onde a primeira atua enquanto crítica, e a segunda
enquanto imitação. Ambas, porém, operam por meio do
humor como recurso fundamental. No tópico seguinte,
iremos compreender a relação entre o advento das
mídias sociais no contexto atual e sua relação com o
consumismo e a ostentação.

4 A ERA DA COMUNICAÇÃO DIGITAL E OS NOVOS


GÊNEROS

Um novo conceito de socialização vem ganhando


espaço por intermédio dos aparelhos tecnológicos e esse
tipo de comportamento circunscreve em todas as
atividades sociais (XAVIER, 2011). Essa socialização
midiática cria e recria, aceleradamente, inúmeros fatores
sociais, entre tantos outros, podemos destacar o
surgimento de novos gêneros discursivos, como
também, uma adaptação dos gêneros antigos. Visto que,
já defendido por Bakhtin (2010), a ideia de que os

502
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

gêneros adquirem inúmeras faces e exercem múltiplas


funções, uma vez que, “são inesgotáveis as
possibilidades da multiforme atividade humana”
(BAKHTIN, 2010 p. 262).
Tendo essa noção da relação entre as atividades
humanas e os gêneros, fica claro entender que é
impossível desvinculá-los, e que consequentemente, a
linguagem seria o intermediário desse processo.
Marcuschi (2017), já nos mostrava a relação indissociável
entre comunicação e gênero, o que reforça a ideia de que
utilizamos os gêneros para realizar atividades e que
essas ações são apresentadas por meio da linguagem.
A comunicação sempre foi uma ferramenta
primordial para a evolução da humanidade e a inserção
dos elementos que foram e são inseridos para que ela seja
executada a torna singular. Do papel aos aparelhos
midiáticos, a linguagem ganhou mais cor, som e até
mesmo movimento, e isso vem sendo perpassado por
meio dos elementos semióticos que estão ganhando mais
espaço através dos recursos tecnológicos. Assim, sobre a
relação linguagem e semiótica podemos ressaltar que

A linguagem teve e tem, portanto, um papel


determinante para a eclosão da evolução tecnológica
pelo qual passou, passa e passará a humanidade.
Trata-se de uma disposição da natureza humana para
se comunicar com outros humanos por diferentes
signos formatados de variadas maneiras como

503
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

fonemas, grafemas, gestos, imagens, ou seja, tudo que


possa ser semiotizado para executar a necessidade de
expressão. (XAVIER, 2010, p. 6).

Dessa forma, compreendemos o papel e a


relevância que a linguagem vem exercendo e as suas
diversas maneiras de se manifestar por meio das
semioses. O que nos remete ao pensamento de
Marcuschi (2004), que já apontava para as diversas
combinações semióticas que os gêneros podem propiciar
para os textos tanto verbais como não-verbais, assim é o
caso dos gêneros que circulam através das redes sociais.
Sendo assim, as redes sociais e/ou mídias sociais,
conceitos que iremos discutir logo após, disponibiliza os
diversos tipos de textos que circulam no universo
midiático. Os termos “mídia social” e “rede social”,
apresentam conceituação bem semelhantes e em muitos
casos são utilizados como sinônimos. Dessa forma, para
melhor entendimento, se torna necessário a distinção
entre os termos. O conceito de mídia social “numa
perspectiva sociológica, pode ser descrito como bens
coletivos produzidos através da mediação do
computador e por ação coletiva” (ARAGÃO et al., 2016,
p.133). De acordo com os autores,

as mídias sociais foram apresentadas por Kietzmannet


et al. (2011) como mídias que empregam mobilidade e
tecnologia de base web para criar plataformas de alta

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Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

interatividade, através das quais os indivíduos e as


comunidades compartilham, cocriam, discutem e
modificam conteúdos criados pelos usuários.
(ARAGÃO et al., 2016, p. 133).

Já no que tange o conceito de redes sociais, os


autores Aragão et al., (2016), buscaram os estudos de
Recuero (2009), que direcionam para uma descrição mais
voltada para os atores ou instituições que realizam a
prática e relações de conexão com tudo que possa estar
vinculado ao meio social. Assim, percebemos que o
sentido do termo mídia social está vinculado ao contexto
geral, como as plataformas ou comunidades; já o sentido
de redes sociais é voltado para os sujeitos que exercem
as ações. Cientes dessas definições, será discutido em
seguida alguns conceitos que elucidam a respeito do
consumo nesse contexto midiático e por consequência a
ostentação.

4.1 A ostentação nas mídias sociais

A sociedade atual é marcada por inúmeros fatores


que corroboram para o consumo, entre tantos outros
podemos apontar a globalização, o crescimento das
indústrias e a disseminação da tecnologia. A união dos
recursos tecnológicos com as mídias sociais demarca um
impulso para o exibicionismo. Enquanto a tecnologia
busca cada vez mais inovar e ser atrativa em seus

505
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

produtos e serviços, as mídias sociais vem contribuindo


para um consumismo desenfreado.
A necessidade que o homem tem de consumir e,
consequentemente, expor os seus produtos, implica
numa situação em que o sujeito cria um espaço
competitivo, atraente e mutável. Observando a fluidez
desses comportamentos, nos voltamos aos estudos de
Bauman (2001), tendo em vista sua obra Modernidade
Líquida. Nela, o autor afirma que “A vida organizada em
torno do consumo, por outro lado, deve se bastar sem
normas: ela é orientada pela sedução, por desejos sempre
crescentes e quereres voláteis — não mais por regulação
normativa”. (BAUMAN, 2001, p. 74). Dessa forma, o
filósofo evidencia a relação que o consumo tem nas vidas
dos sujeitos e que isso pode gerar sensações e conduzir a
comportamentos inconscientes.
Rocha (2005) também enfatiza o sentimento
prazeroso que o consumo tende a proporcionar aos
sujeitos. O desejo frenético pela busca e, em
consequência, por possuir, gera um contentamento tanto
pessoal quanto social. O autor compara o sentimento de
consumir como uma “espécie de passaporte para a
eternidade, consumir freneticamente é ter a certeza de
ser um peregrino em viagem ao paraíso” (ROCHA, 2005,
p. 127). Isso reforça a ideia de ostentação que é abordada
pelos autores Arnould, Price e Zinkhan (2004), eles
afirmam que o fator principal para a exibição e escolhas
dos produtos influenciam na própria forma que o sujeito

506
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

se vê socialmente, ou seja, isso demarca em qual


classificação na sociedade — status — o consumidor está
(DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004). Portanto, comprova-
se a excessiva necessidade pelo consumo e quais fatores
ideológicos podem ser vistos através destes atos,
podendo, assim, afirmar que não há apenas o desejo pelo
que está sendo consumido, mas que isso também reforça
o desejo pelo reconhecimento ou a necessidade de uma
autoafirmação social.
A constante demanda pelo exibicionismo e a
busca pela demarcação do status configuram-se de
diversas formas, tais como, o uso de marcas famosas, o
local da compra, o valor do objeto e até mesmo quem já
adquiriu o produto. Assim, o indivíduo acaba
recorrendo para algumas dessas formas a fim de obter
sucesso e reconhecimento. Segundo Solomon (2008),
essa vaidade vai além do “eu”, ou seja, dos prazeres
internos e da posição social; isso também reflete na
maneira como os demais o enxergam e o idealizam.
Consequentemente, aquele que o observa se prende
somente naquilo que é possível ser notável, isto é, nos
objetos de luxo.
Portanto, as mídias sociais vêm sendo abarcadas
por usuários — anônimos ou não — que enfatizam a
ostentação por meio das próprias postagens. Seja no dia
a dia ou em eventos especiais, tais postagens são
encontradas com maior naturalidade e com o grande
poder de sedução, sendo assim, um agravante na

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Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

persuasão para muitos seguidores. Logo, nota-se uma


relação indissociável entre o consumir, ostentar e
sociabilizar midiaticamente.
Posto isto, uma rede social vem se destacando nos
últimos anos, o Instagram. Trata-se de uma das
ferramentas digitais mais utilizadas pelos usuários
brasileiros e segundo a notícia veiculada pelo site G1
(2020), é o 5º aplicativo mais popular mundialmente. Isso
pode estar vinculado com as funcionalidades que
proporcionam entretenimento, tais como a possibilidade
de criação, compartilhamento e edição de fotos e vídeos.
Ademais, o aplicativo promove a interação entre os
usuários através do acompanhamento dos perfis, onde é
possível comentar e curtir fotos, bem como, enviar
mensagens diretamente para a pessoa.
Dessa forma, a maioria dos usuários do Instagram
busca manter um elo de relação com outros perfis e entre
inúmeras formas, a exposição do consumo, ou em
muitos casos, a ostentação, vem se destacando nas
publicações. Mediante ao crescimento dessas postagens,
muitas empresas investem excessivamente no
marketing, assim estabelecendo e otimizando interação
em suas divulgações, e em muitos casos, levando para
espaço virtual uma idealização de um estilo de vida
aparentemente ostentativo.
O homem com a sua imensurável necessidade de
se expor, busca através das mídias formas de mostrar
seus bens de consumo a fim de se destacar socialmente.

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Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

Seja através do corpo, aparelhos, meios de transportes,


acessórios, viagens, armas e entre outros; esse “novo
conceito” vem se estereotipando e atribuindo novos
fluxos de poderes. As mídias vão moldando novas
tendências e comportamentos. De acordo com Bucci &
Kehl (2004), há uma grande relação entre a mídia e o
mercado, visto que, “A mídia produz os sujeitos de que
o mercado necessita” (BUCCI & KEHL, 2004, p. 64).
Dessa forma, a busca pela ostentação ganhou uma nova
tendência, sendo alvejada por aqueles que idealizam
quem ostenta ou pelo que é ostentado; e os meios sociais
virtuais potencializam essa nova postura.
Sendo assim, a ostentação promovida nas redes
sociais, mais especificamente no Instagram, combina
fatores que se relacionam, desde a linguagem ao
comportamento, daquilo que é moldado até a sua forma
final e assim divulgado pelas mídias, uma vez que,
também somos vítimas e responsáveis por tais práticas.
Em seguida, iremos explanar a respeito dos aparatos
metodológicos a serem utilizados na análise do corpus da
pesquisa, os posts satíricos no perfil do Instagram da
comediante Celeste Barber que fazem referência à
ostentação.

5 METODOLOGIA

A presente pesquisa pode ser definida como


qualitativa, pois tem como interesse analisar fatores

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Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

sociais, o que possibilita também a “subjetividade do


pesquisador, bem como daqueles que estão sendo
estudados, tornam-se parte do processo de pesquisa”.
(FLICK, 2009, p. 25). Além de contar com uma
metodologia explicativa, que tem o intuito não só de
expor, como também de explicar e interpretar os dados
recolhidos como forma de entender o porquê das coisas
(PAIVA, 2019).
O primeiro passo foi procurar algum padrão nos
tipos de fotos parodiadas pela comediante. Percebeu-se
que ela realizava seu trabalho a partir de fotos e vídeos
postados em redes digitais por mulheres que, de certa
forma, expunham um estilo de vida ostentoso,
mostrando os tipos de luxos pelos quais estavam
cercadas. Essas personalidades, comumente chamadas
de influenciadoras digitais, são admiradas pelos seus
corpos esbeltos, suas casas luxuosas, patrocínios com
marcas famosas, viagens e festas. Dessa forma, foi
decidido trabalhar com a temática de “ostentação”, dado
o seu poder de influência sobre a população que faz uso
dessa mídia.
Em seguida, foram selecionadas as fotos que
condizem com essa temática e foi feita a seleção de cinco
delas para a análise do presente artigo. Dois desses posts
são com a empresária norte-americana Kylie Jenner,
conhecida pela sua participação no reality show “Keeping
up with the Kardashians” e por sua famosa marca de
cosméticos “Kylie Cosmetics”. Outro post selecionado foi

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Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

da meia-irmã da empresária, Kourtney Kardashian.


Outros dois posts escolhidos foram os da cantora norte-
americana Mariah Carey.
Após a seleção das fotos, foi feita a análise
descritiva de cada uma das imagens a partir da
abordagem teórico-metodológica da GDV através das
metafunções representacional, interativa e composição;
sendo utilizados quadros que sintetizam e simplificam o
entendimento.
Tendo em mente que o propósito da análise visual
seguindo os ensinamentos de Kress e van Leeuwen
(2006), é de abordar as imagens através de uma
perspectiva crítica, foi realizada uma descrição das
análises juntamente com o aspecto reflexivo sobre o fator
ostentação nas mídias digitais.

6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

Machin e Mayr (2012) destacam a importância da


GDV como sendo a de expor estratégias ideológicas em
escolhas linguísticas e visuais que aparentam ser
neutras, com o propósito de manipular as formas de
representação tanto de pessoas quanto de eventos com a
intenção de atingir seus interesses particulares. Sendo
assim, foi feita uma análise de cinco postagens diferentes
no perfil do Instagram da comediante australiana,
Celeste Barber, com o intuito de compreender como as
imagens nas mídias sociais são apresentadas de forma a

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Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

aparentar um estilo de vida de ostentação e como Celeste


faz uso do humor para parodiar as postagens de
famosas.

Figura 1 – Paródia de foto da empresária e influencer norte-


americana Kylie Jenner posando com sacolas e bolsas de
marca.

Fonte: @celestebarber.

A Figura 1 segue uma estrutura narrativa em


ambas as fotos podendo ser observado que as
participantes visuais estão posando de forma a
representar uma ação, isto é, estão sentadas e tocando os
cabelos. No que concerne ao aspecto interativo das duas
imagens, as participantes olham diretamente para o
observador demandando sua atenção de forma a seduzi-

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Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

lo. A escolha pelo plano aberto trata-se de uma estratégia


utilizada na esquerda para promover a marca em
questão, passando uma sensação de impessoalidade e
juntamente com a câmera baixa trabalhando em
conjunto para estabelecer o poder da empresária. Afinal,
não são todas as pessoas que podem adquirir os
produtos que ela está mostrando. Já na imagem à direita,
a comediante busca reproduzir essa intenção
parodiando ao posar com sacolas e bolsas comuns e com
um ângulo frontal há uma sensação de envolvimento e
igualdade com o observador, diferente das bolsas caras
da esquerda.
No aspecto da modalidade vê-se que a foto de
Kylie Jenner foi feita uma manipulação das cores para
haver uma uniformidade e para vender o produto, isso
faz com que a imagem possua, ainda, uma estruturação
fraca ao conectar os elementos. A própria participante se
veste de marrom como que para se misturar entre os
outros elementos, dando a impressão de que ela é como
a marca. Machin (2007), afirma que esse tipo de uso das
cores remete à função ideacional das mesmas. Na foto, é
possível notar que a foto é mais natural, não havendo
nenhuma manipulação perceptível. Juntamente com isso
há, também, a utilização de cores variadas que contribui
para uma fotografia mais próxima da realidade e para
uma estruturação forte com essa desconexão.
Através da categoria valor de informação,
observa-se que as sacolas e bolsas, nas duas fotos, são os

513
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

elementos subordinados às imagens centrais, ou seja, às


participantes. Logo após, o Quadro 3 apresenta de forma
sintetizada as análises dos significados das metafunções
da GDV da Figura 1.

Quadro 3 – Análise metafuncional (GDV) da Figura 1.


KYLIE JENNER CELESTE BARBER
Representacional Representacional
Narrativa: Narrativa:
Reação: transacional Reação: transacional

Interativo Interativo
Contato: Demanda Contato: Demanda
Distância Social: Impessoal: Distância Social:
plano aberto: Impessoal: plano aberto
Perspectiva: Perspectiva: Envolvimento:
Câmera baixa: poder ângulo frontal
Modalidade: Sensorial Modalidade:Naturalística

Composicional Composicional
Valor de Informação: Valor de Informação:
Centro: Preponderante Centro: Preponderante
Estruturação: Conexão: Estruturação: Desconexão:
estrutura fraca estrutura forte
Saliência: Reator Saliência: Reator
Fonte: Autoria Própria.

Levando em consideração os aspectos reflexivos e


tendo em mente o conceito de paródia defendido por

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Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

Cavalcanti (2011), na Figura 1 é possível observar que


Barber busca reproduzir a foto de Jenner, porém, com
um tom cômico. Nessa releitura estão evidenciadas tanto
as personagens quanto o plano de fundo das imagens. A
pose da empresária na escada é parodiada pela
comediante principalmente com o uso das suas mãos,
que demonstram uma ausência de naturalidade. Nesse
ponto observa-se também as roupas e maquiagem, que
na esquerda foram cuidadosamente pensadas para
alinhar com a tonalidade geral do ambiente, enquanto
que na direita não há essa preocupação. As bolsas na foto
de Jenner foram colocadas com o intuito de promover
uma marca cara, mas Barber caçoa da condição abastada
da empresária ao utilizar sacolas de plástico que
condizem com sua própria realidade.
A Figura 2 apresenta uma estrutura narrativa
estabelecendo uma reação não-transacional, visto que, as
participantes aparecem inertes em suas cadeiras ao
tomar “banho de sol”. No que aborda o aspecto
interativo da Figura 2, o contato é de oferta, pois as
participantes não dispõem de uma interação visual com
o observador, pois há uma inclinação das cabeças para
cima, o que não permite identificar o fenômeno.

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Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

Figura 2 – Paródia de foto da empresária e influencer norte-


americana Kylie Jenner posando na praia.

Fonte: @celestebarber.

As participantes são expostas por completas, o


que revela ser um plano aberto e segundo Kress e van
Leeuwen (2006), esse tipo de plano demonstra uma
interação menos íntima com o observador. Embora haja
uma relação impessoal entre as participantes e o
observador, o ângulo é frontal, evidenciando que o
poder é de igualdade para ambos. A modalidade se
manifesta por meio da naturalização dos elementos que
constituem o cenário.
No que espera do significado composicional, a
influencer é tida como o dado, por situar-se do lado
esquerdo da imagem, permitindo entender que é uma

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Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
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pessoa reconhecida por seu envolvimento artístico,


econômico, como também, pelo “padrão de beleza”
imposto pela sociedade. Já a humorista é classificada
como novo, por permanecer do lado direito, fazendo a
alusão de que essa participante não é tão reconhecida
socialmente quanto a influencer.
Os elementos que compõem a imagem
apresentam uma estruturação forte, nota-se que há uma
desconexão nas cores, pois cada elemento que é utilizado
na imagem estabelece um tipo de contraste que não
permite interligar os elementos. Com essa desconexão, a
saliência gira em torno das participantes devido à
denotação dos corpos.
Assim como na análise anterior, na Figura 2
Barber busca recriar a foto da esquerda utilizando
recursos do seu cotidiano e tendo como objetivo o tom
de divertimento. Enquanto a empresária posa de forma
sensual em uma praia paradisíaca, exibindo um estilo de
vida luxuoso e que não é realidade para grande parte das
pessoas, a comediante brinca com essa comparação entre
as diferentes vivências entre elas, e posa em uma cadeira
de plástico dentro de uma piscina de criança. Algo que
se destaca na imagem da direita e que não existe na foto
de Jenner, é o vinho e a taça na mão de Barber. Uma
possível interpretação para essa escolha pode ser que
essa seria uma forma de poder aproveitar o momento
dentro das suas limitações ou até mesmo para imaginar
que ela também é rica e está em uma praia. Na análise

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Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

seguinte veremos as paródias com foto da cantora


Mariah Carey.
Abaixo, o Quadro 4 apresenta, de forma
sintetizada, as análises dos significados das metafunções
da GDV da Figura 2.

Quadro 4 – Análise metafuncional (GDV) da Figura 2.


Representacional Representacional
Narrativa: Narrativa:
Reação: Não-transacional Reação: Não-transacional

Interativo Interativo
Contato: Oferta Contato: Oferta
Distância Social: Distância Social:
Impessoal: plano aberto Impessoal: plano aberto
Perspectiva: Envolvimento: Perspectiva: Envolvimento
ângulo frontal ângulo frontal
Modalidade: Modalidade:
Naturalística Naturalística

Composicional Composicional
Valor de Informação: Valor de Informação:
Dado: Esquerda Novo: Direita
Estruturação: Estruturação:
Desconexão: Estrutura forte Desconexão: Estrutura forte
Saliência: Reator Saliência: Reator
Fonte: Autoria Própria.

518
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

Na Figura 3 a categoria narrativa é novamente


identificada, entretanto, dispõem de uma reação
transacional, visto que, as participantes demonstram
interagir por meio do olhar que está direcionado para
quem as observam, ou seja, nós. Adentrando na
metafunção interativo, o contato é feito imediatamente,
e esse tipo de relação foi possível de identificar, mais
uma vez, por meio do olhar, tanto a cantora quanto a
humorista demonstram um tipo de “interesse” por uma
conexão diretamente com elas, portanto, sendo
classificada de demanda.

Figura 3 – Paródia de foto da cantora norte-americana


Mariah Carey posando com uma árvore de Natal.

Fonte: @celestebarber.

519
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

O plano aberto é identificado em ambas, o que


mostra uma distância social, retratando menos
intimidade para quem as observa. De acordo com a
perspectiva, as participantes são apresentadas por
ângulos variados. Na imagem que traz a cantora Mariah
Carey, o ângulo é tido com câmera alta, revelando assim,
que o poder é estabelecido para o observador. Já o
ângulo da humorista é frontal, que traz o poder de forma
igual com quem a observa. A modalidade é apresentada
de forma naturalística, em razão de que não foram
utilizados elementos fictícios ou qualquer outro recurso.
No que aborda a metafunção composicional, o
valor de informação traz o mesmo conceito apresentado
na Figura 2. Em razão de que, a cantora norte americana
é vista como o dado, por estar situada no lado esquerdo,
assim, entende-se como uma pessoa que já é
familiarizado no nosso cotidiano, pelas músicas,
entrevistas e, consequentemente, pela fama; e a
humorista é classificada como novo, por localizar-se ao
lado direito, subentende-se que ela não é tão reconhecida
socialmente em comparação com a cantora. Nos
elementos que compõem a estruturação, o contraste de
ambas se mostra individualizado, sendo assim,
estabelecendo uma estrutura forte. A saliência gira em
torno das árvores de Natal, uma retrata uma grande
saliência (árvore da cantora), enquanto a outra exibe o
oposto (árvore da humorista). Por fim, o Quadro 5

520
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

exemplifica de forma sintetizada as análises dos


significados das metafunções da GDV da Figura 3.
Quadro 5 – Análise metafuncional (GDV) da Figura 3.
MARIAH CAREY CELESTE BARBER
Representacional Representacional
Narrativa: Reação: Narrativa: Reação:
transacional transacional

Interativo Interativo
Contato: Demanda Contato: Demanda
Distância Social: Impessoal: Distância Social: Impessoal:
plano aberto plano aberto
Perspectiva: Poder do Perspectiva: Envolvimento
observador: câmera alta ângulo frontal
Modalidade: Naturalística Modalidade: Naturalística

Composicional Composicional
Valor de Informação: Valor de Informação:
Dado: esquerda Novo: direita
Estruturação: Desconexão: Estruturação: Desconexão:
estrutura forte estrutura forte
Saliência: Árvore de Natal Saliência: Árvore de Natal
Fonte: Autoria Própria.

Dando seguimento às análises, Barber recorre


novamente à paródia para proporcionar um
entretenimento em relação às duas imagens na Figura 3.
Por mais que haja semelhanças nos objetos parodiados
(botas, camisetas e o piso do chão), a comediante utiliza

521
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

uma pequena árvore natalina para empregar o humor.


Dessa forma, a humorista expõe uma distinção entre as
duas situações, na qual, uma é composta por elementos
grandes e brilhantes, enquanto a outra apresenta uma
ausência desses fatores.
Outro ponto observado é a expressão facial e
postura entre as personagens. Carey (conhecida pelo seu
talento vocal, como também pela popularidade das suas
canções natalinas) apresenta-se sorridente e sedutora
para a câmera, em contrapartida, Barber aparenta uma
certa tristeza e melancolia, o que vai contra justamente
as festas comemorativas que envolvem essa época do
ano.
Assim, compreende que Celeste recorre a todos
esses elementos, criando um diálogo e contribuindo para
a construção do humor.
Na Figura 4, observa-se uma diferença entre as
duas imagens. A esquerda se trata de uma representação
narrativa onde a personagem encontra-se posando de
forma estática, caracterizando uma reação não-
transacional, no sentido de que não há um vetor ou troca
de ações. Já a imagem ao lado apresenta a Celeste
utilizando seu dedo que atua como vetor para realizar
uma ação, ou seja, apontar para cima.

522
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

Figura 4 – Paródia de foto da cantora Mariah Carey posando


em um jatinho particular.

Fonte: @celestebarber.

Quando é feita a associação com o aspecto


composicional da imagem, há de se destacar o valor de
informação das duas fotos. Mariah Carey está
posicionada no centro indicando um valor de
preponderância com relação aos outros elementos
imagéticos; já à direita, nota-se que o topo, ou o plano de
fundo, é a parte com maior destaque.
Outra diferença que é possível perceber refere-se
a distância social quanto na perspectiva, sendo a
primeira num plano aberto indicando impessoalidade e
na câmera baixa, assim, contribuindo para demonstrar
justamente o poderio da personagem na sua ostentação.
Logo após, o Quadro 6 apresenta de forma sintetizada as

523
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

análises dos significados das metafunções da GDV da


Figura 4.

Quadro 6 – Análise metafuncional (GDV) da Figura 4.


MARIAH CAREY CELESTE BARBER
Representacional Representacional
Narrativa: Narrativa:
Reação: não-transacional Ação: não-transacional

Interativo Interativo
Contato: Não é possível Contato: Não é possível
observar observar
Distância Social: Distância Social:
Impessoal: plano aberto Intimidade: plano fechado
Perspectiva: Poder do Perspectiva: Igualdade:
participante: câmera baixa Nível ocular
Modalidade: Naturalística Modalidade: Naturalística

Composicional Composicional
Valor de Informação: Valor de Informação:
Centro: propriedade Topo: ideal
Estruturação: Desconexão: Estruturação: Desconexão:
estrutura forte estrutura forte
Saliência: Reator Saliência: Plano de fundo
Fonte: Autoria Própria.

Dentre as imagens selecionadas para análise,


essa é a única onde a comediante não tenta recriar com
características semelhantes. Ao invés, foca diretamente

524
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

no tom crítico mais adequado à paródia, sem deixar de


lado, no entanto, o cunho humorístico das suas
postagens. Na imagem à esquerda, vemos Carey
ostentando com uma bolsa e roupas de marca enquanto
embarca em um jatinho particular, enquanto que à
direita o destaque não é na comediante, e sim, onde ela
se encontra, em um aeroporto lotado. Isso foi feito para
evidenciar ainda mais as diferenças entre as realidades.
A próxima figura encerra as análises multimodais deste
trabalho.

Figura 5 – Paródia de foto da empresária e influencer norte-


americana Kourtney Kardashian posando em um museu.

Fonte: @celestebarber.

525
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

As fotos da Figura 5 possuem algumas


semelhanças, dentre elas pode-se destacar a
estruturação, onde ambas demonstram uma conexão
entre as cores utilizadas. Enquanto a empresária posa em
um ambiente que aparenta ser um museu e com tons
mais dourados, a comediante recorre a paródia com um
traje prateado que condiz com o lugar onde se encontra.
Essa utilização das cores dialoga com a modalidade das
imagens, caracterizando a da esquerda como sensorial
por haver manipulação nos tons; e a da direita como
naturalística, por se aproximar mais da realidade.
(MACHIN, 2007).
Outro aspecto importante, assim como na Figura
4, é o valor da informação, que nas fotos da esquerda
tiveram como foco o centro que é onde está a
celebridade, já na direita o foco está no topo da imagem.
Na Figura 5, Celeste coloca papéis na parede no plano de
fundo e escreve “arte”, “arte cara” e “mais arte”;
claramente uma crítica à postagem da empresária ao
mostrar que a utilização de um ambiente culto como um
museu, não passa de ostentação do estilo de vida dela.
Logo após, o Quadro 7 apresenta de forma sintetizada as
análises dos significados das metafunções da GDV da
Figura 5.

526
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

Quadro 7 – Análise metafuncional (GDV) da Figura 5.


MARIAH CAREY CELESTE BARBER
Representacional Representacional
Narrativa: Reação: Não- Narrativa: Ação: Não-
transacional transacional

Interativo Interativo
Contato: Oferta Contato: Oferta
Distância Social: Impessoal: Distância Social: Social:
plano aberto plano médio
Perspectiva: Envolvimento: Perspectiva: Envolvimento:
ângulo frontal Ângulo frontal
Modalidade: Sensorial Modalidade: Naturalística

Composicional Composicional
Valor de Informação: Valor de Informação: Topo:
Centro: preponderante ideal
Estruturação: Conexão: Estruturação: Conexão:
estrutura fraca estrutura fraca
Saliência: Reator Saliência: Reator
Fonte: Autoria Própria.

O humor na Figura 5 é trabalhado pela


comediante na foto à direita através, principalmente, de
três elementos: as cores, as artes e as expressão faciais
das personagens. A foto da empresária é preenchida por
tons dourados que remetem ao ouro e ao luxo e está
visível nas paredes, no chão, na roupa dela e até mesmo

527
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

na própria pele da personagem. Na releitura feita por


Barber ela escolhe tonalidades como branco, cinza e
prateado, como se fosse para evidenciar a baixa
qualidade do seu ambiente em comparação ao de
Kardashian. Na foto à esquerda, a releitura feita pela
comediante quanto às “artes” faz referência à fama de
superficialidade da empresária, onde o que parece
importar é mais aparentar o interesse do que de fato
apreciar esse universo artístico. Por último, podemos
observar que Barber busca replicar a expressão facial
séria da outra personagem, mas, ao mesmo tempo, com
um certo exagero, o que acaba por contribuir para a
construção da paródia.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante às análises dos dados, foi possível


compreender que o uso das mídias sociais estabelece
uma conotação que perpassa do simples ato de
estabelecer comunicação. Em muitos casos, este acesso
midiático evidencia inúmeros fatores sociais e pessoais
dos usuários, principalmente na exibição de recursos
imagéticos que envolvem a ostentação. Seja através de
uma viagem, procedimentos estéticos, comidas, roupas,
objetos ou transporte pessoal, os perfis dos usuários

528
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

buscam sempre manter um elo e agregar a uma vida de


luxo.
Toma-se também como conhecimento que a
paródia é mais um gênero que se fundiu com a internet,
estabelecendo inúmeros elementos semióticos. Tendo
convicção desse comportamento, buscou-se auxílio na
Gramática do Design Visual de Kress e van Leeuwen
(2006), que contribuiu na leitura de recursos imagéticos,
visto que, “estruturas visuais não simplesmente
reproduzem as estruturas da realidade, pelo contrário,
elas produzem imagens da realidade que estão ligadas
aos interesses das instituições sociais nas quais as
imagens circulam […]” (AQUINO & SOUZA, 2008, P.
34).
Desta forma, pode-se concluir que as imagens não
são apenas representações do mundo, elas também
exercem valores, interesses e posicionamentos
ideológicos. Essas implicações “ocultas”, em muitos
casos, despertam o interesse e estimulam os usuários a
agirem de forma semelhante, pois é vivenciado um
comportamento excessivo por meio das mídias digitais
que retratam o sujeito a um estilo de vida no qual se
destaca por algo que é chamativo, assim tornando-se
uma nova “influência”.

529
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

REFERÊNCIAS

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530
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

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CAVALCANTI, V.S. Composição de paródias: um


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CORREIA, A. O humor, a sátira, o macarrônico, o


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532
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533
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
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SOLOMON, M. R. O comportamento do consumidor


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XAVIER, A.C. A retórica (digital) nas redes sociais. In:


SIMPÓSIO HIPERTEXTO E TECNOLOGIAS NA
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XAVIER, Antonio Carlos et al. (Org). Hipertextos &
cibercultura: links com literatura, publicidade, plágio e
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534
Cap. 14 - Multimodalidade em postagens no Instagram: análise das fotos parodiadas
de ostentação no perfil de Celeste Barber

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Acesso em: 21 abr. 2022.

535
Retornar ao Sumário
Capítulo 15

MULTIMODALIDADE E DISCURSO: UMA


ANÁLISE DAS IMAGENS NAS
ATIVIDADES DOS LIVROS DIDÁTICOS
DE LÍNGUA PORTUGUESA

Fernanda Alves Cavalcante


Francisco Ebson Gomes-Sousa
Vicente de Lima-Neto

Multimodalidade
Imagens
Livro didático
Língua portuguesa

539
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A linguagem que perpassa a contemporaneidade


tem compreendido modos verbais e não verbais nas
diversas esferas de atuação social. Assim, torna-se
necessário que os falantes dominem habilidades
envolvidas na leitura não só nos textos verbais, os quais
são regularmente trabalhados nos espaços escolares,
como também as envolvidas nos textos imagéticos.
Nesse sentido, a multimodalidade, enquanto
“abordagem interdisciplinar que entende a comunicação
e a representação como envolvendo mais que a língua"
(DIONÍSIO; VASCONCELOS; SOUZA, 2014, p. 48)
possibilita uma nova roupagem, pois amplia o
entendimento da língua para além do modo verbal,
instrumentalizando o aluno para agir socialmente a
partir de textos diversos.
No último relatório do PISA a respeito das
capacidades leitoras (PISA, 2018), dentre os países da
OECD, analisada uma faixa etária de jovens com média
de 15 anos, os brasileiros, apesar de um aumento de
percentual, ainda detêm um dos piores resultados nas
capacidades de leitura. Segundo Rojo (2012), no tocante
às leituras de gráficos, mapas, diagramas, esse resultado
é ainda pior. Nesse contexto, é perceptível que há, ainda,
uma limitação nas capacidades de leitura de outros
modos semióticos, o que requer da escola um trabalho

540
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

mais assíduo com as novas exigências de leituras que


estão postas.
Como assegura a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), “Os jovens têm se engajado cada vez
mais como protagonistas da cultura digital, envolvendo-
se diretamente em novas formas de interação
multimidiática e multimodal” (BRASIL, 2018, p. 61), o
que direciona professores a instigarem os alunos a

Refletir sobre diferentes contextos e situações


sociais em que se produzem textos orais e sobre as
diferenças em termos formais, estilísticos e
linguísticos que esses contextos determinam,
incluindo-se aí a multimodalidade e a
multissemiose (BRASIL, 2018, p.79).

A partir dessas considerações, a pesquisa objetiva


analisar de que forma as imagens que constituem as
atividades de Língua Portuguesa são trabalhadas, tendo
como objetivos específicos: descrever de que forma as
atividades de leitura e produção de textos que envolvem
imagens são trabalhadas nos LDLP; identificar quais os
discursos atravessam os LDLP acerca do uso de imagens
no conteúdo didático. Visando, portanto, responder
alguns questionamentos: de que forma o trabalho com a
multimodalidade, especificamente com as imagens, é
realizado nos livros didáticos de Língua Portuguesa?

541
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Quais discursos atravessam as imagens que incorporam


essas atividades?
Para tanto, além desta seção, o trabalho será
estruturado da seguinte maneira: nas segunda e terceira
seções, apresenta-se a teoria da Semiótica Social,
partindo para uma discussão das concepções adotadas
no tocante à abordagem multimodal, relacionando,
ainda, com o que se compreende enquanto discurso. Na
quarta seção, será apresentado o percurso metodológico
realizado para que se chegasse aos resultados; na seção
cinco, por seu turno, discutiremos os resultados obtidos
a partir das análises, traçando, portanto, as
considerações finais.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A SEMIÓTICA


SOCIAL E A ABORDAGEM MULTIMODAL

Ao longo da história dos estudos linguísticos, a


concepção de língua foi passando por reformulações e,
com ela, a concepção de texto, que, na sociedade pós-
moderna e à luz de estudos funcionalistas da linguagem,
não compreende apenas os elementos estritamente
linguísticos, como assim o era nos estudos formalistas.
Como pontua Cavalcante (2019), o texto, enquanto
enunciado, acontece como evento singular, compondo
uma unidade de comunicação e sentido em contexto,
expressa por uma combinação de sistemas semióticos.

542
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Nessa perspectiva, como aponta Carvalho (2013),


três vertentes da Linguística, a partir do
desenvolvimento da teoria semiótica, atentaram para o
estudo dos modos não- verbais de comunicação. A
primeira diz respeito à semiótica estruturalista de
Saussure, conhecida, ainda, por Escola de Genebra, que
estendeu os estudos em moda, fotografia, cinema e
música. A segunda vertente, que surge quase
concomitante à estruturalista de Saussure, é a semiótica
funcionalista da Escola de Praga, cujos trabalhos foram
desenvolvidos pelos formalistas russos no campo da
arte.
A terceira vertente, onde emerge a Semiótica
Social, respaldo da presente pesquisa, se constitui com
base na Linguística Sistêmico-Funcional, formulada por
M. A. K. Halliday, e busca sistematizar métodos para
análise de recursos semióticos, que estão para além dos
modos verbais no processo de comunicação e
representação (CARVALHO, 2013). A Semiótica Social,
portanto,

focaliza a semiose humana, compreendendo-a como


um fenômeno inerentemente social em suas origens,
funções, contextos e efeitos. Os significados sociais são
construídos, segundo esta visão, por meio de uma
série de formas, textos e práticas semióticas de todos
os períodos da história da sociedade humana
(CARVALHO, 2013, p. 9).

543
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Assim, como pontua Kress (2010), é


imprescindível que se observe a linguagem a partir de
uma visão satélite, distanciada. Ao se observar a Terra
do espaço, percebe-se todos os seus limites,
compreendendo-a como parte de um sistema maior. Do
mesmo modo quando se atenta para a linguagem a partir
dessa concepção, contempla-se a linguagem verbal como
um modo entre tantos outros que são acionados para
produção de significado. Em consonância com este
pensamento, Kress e Van Leeuwen (2001, p.28)
asseguram que “todos os aspectos da materialidade e
todos os modos reunidos em um objeto/fenômeno/texto
multimodal contribuem para o significado”.
A multimodalidade, portanto, que tem base no
livro Social Semiotics (HODGE; KRESS, 1988) e cujas
origens remetem à Linguística Crítica, de fins da década
de 1970, “é uma abordagem interdisciplinar que entende
a comunicação e a representa
ção como envolvendo mais que a língua”
(DIONÍSIO; VASCONCELOS; SOUZA, 2014, p. 48). E,
apesar de suas concepções surgirem na década de 80, no
Brasil, os estudos só emergiram a partir dos anos 2000,
compreendendo, no entanto, a multimodalidade não
enquanto teoria, mas como uma característica inerente a
todos os textos (GUALBERTO; SANTOS, 2019, p. 6).
Ao apresentarmos a multimodalidade como uma
característica constituinte de todos os textos, a fazemos
porque todo texto dispõe de uma estrutura específica,

544
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

isto é, apresenta layout, cores, fontes, linhas. Contudo, é


pertinente distinguir o que tomamos enquanto texto
multimodal do que apresentamos enquanto texto
multissemiótico.
No exemplo da Figura 1, temos um texto que se
apresenta através da escrita, mas que se constitui com
uma fonte específica, numa estrutura particular, com
cores selecionadas, ou seja, multimodal.

Figura 1 - Texto multimodal.

Fonte: Instagram.

545
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

No exemplo da Figura 2, por seu turno, observa-


se o recorte de um documentário que se constitui de
imagens, sons, texto escrito e gestos, de forma que todos
os modos atuam simultaneamente no processo de
significação, isto é, multissemiótico. Dessarte, alinhados
à Rojo e Moura (2012), frisamos que o texto
multissemiótico é constituído de muitos modos e
semioses que são acionados conjuntamente para
compreensão do texto, exigindo capacidades e práticas
de compreensão de cada uma delas.

Figura 2 - Texto multimodal.

Fonte: Netflix.

546
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Os modos, segundo Paiva (2021), dizem respeito


às materialidades – fala, escrita, imagem, gestos – com as
quais se pode produzir signos, sendo, pois, “recursos
semióticos que permitem a realização simultânea de
discursos e tipos de (inter)ação” (RIBEIRO, 2021, p.26).
A figura 3 é um recorte de uma série da Netflix,
na qual os modos são combinados para produzirem
sentido. Nesse texto, a fala, a escrita, através das
legendas, a imagem e, ainda, os gestos, são as
materialidades que constituem o texto, sendo, portanto,
os modos acionados para significação.

Figura 3 - Modos semióticos e recursos semióticos.

Fonte: Captura de tela da série Ponto Cego (Netflix).

547
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Cada modo, pois, utiliza os recursos que lhe são


mais propícios. Nesse sentido, os recursos semióticos,
ainda em consonância com Paiva (2021), referem-se aos
elementos que estão disponíveis no ambiente, tais como
linhas, cores, sons, espaços. No exemplo apresentado, no
modo imagético, vários recursos são acionados para que
o significado fosse gerado em sua completude, tais como
as cores em tons de azul e preto para indicar o teor de
mistério apresentado pela série.
Para além disso, segundo Jewitt (2003, apud
DIONÍSIO; VASCONCELOS; SOUZA, 2014), há três
pressupostos teóricos que estão subjacentes à
abordagem multimodal. Primeiro, a abordagem
pressupõe que a comunicação e a representação sempre
consideram os múltiplos modos, enquanto geradores de
significado. Em segundo lugar, os recursos são
modelados socialmente pelo tempo, a fim de gerarem
significado, sendo, pois, respostas aos requerimentos de
diversas comunidades. Por fim, a multimodalidade
pressupõe indivíduos que, através de uma seleção e
configuração de modos, coadunem o sentido, dada a
importância da interação entre eles. Assim,

Não podemos mais esperar compreender os textos


escritos olhando apenas os recursos da escrita sozinha.
Eles precisam ser vistos no contexto da escolha de
modos que foi feita, os modos que aparecem junto com

548
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

a escrita, e também no contexto dos modos que não


foram escolhidos. (KRESS, 2003, p. 11). 50

Ainda nesse viés, é necessário considerar que os


jovens participam de contextos sociais particulares e
plurais, de modo que os discursos produzidos nesses
espaços precisam ser trazidos e considerados nos
espaços escolares. Conforme asseverou Kress e van
Leeuwen (2001), os significados podem ser construídos
em quatro domínios da prática - discurso, design,
produção, distribuição- do qual entendemos o discurso
como uma construção inerente a uma multiplicidade de
práticas e uma multiplicidade de recursos que moldam
e são moldados a partir de contextos sociais específicos.
O discurso se configura, pois, como elemento
central para a discussão proposta, visto que, como
asseveram Hodge e Kress (1998), o local no qual as
formas sociais se organizam aos sistemas de signos para
produção de textos, reproduzindo ou modificando o
conjunto de significados e valores que constituem
determinada cultura é o discurso.
Diante dessa perspectiva, o conceito de texto se
amplia para que dê conta das mudanças sociais no que
diz respeito à linguagem enquanto produtora de
significado e à análise dos modos que a constituem. É
imprescindível, portanto, que se discuta a

50 Tradução nossa.

549
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

multimodalidade dos textos, assim como se


ressignifique o ensino para que as novas exigências de
leitura, produção e significação dos textos sejam
contempladas (OLIVEIRA; COSTA; SILVA, 2020).

3 MULTIMODALIDADE E ENSINO

Compreendendo a multimodalidade enquanto


recurso constitutivo de todos os textos, há, como
afirmam Oliveira, Costa e Silva (2020), uma sofisticação
na produção desses textos, visto que não compreendem
apenas um modo, mas se inserem numa
heterogeneidade semiótica. A natureza multimodal
desses textos, sejam digitais ou impressos, precisa ser
explorada na sala de aula, essencialmente nas aulas de
línguas, haja vista uma urgência para que os alunos
sejam instrumentalizados a agirem socialmente a partir
das multiplicidades de modos e para realizarem leituras
mais aprofundadas dos textos que estão para além da
linguagem verbal.
Como assegura Hoff (2005 apud BETHÔNICO,
2008), a escola deve acompanhar, ou mesmo antecipar,
estas demandas contextuais, visto que cabe a ela
proporcionar um espaço privilegiado de reflexão e de
muitas possibilidades de leitura do mundo, investindo
na formação de cidadãos socialmente solidários, críticos,
competentes e letrados.

550
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Desse modo, a imagem, enquanto recurso


semiótico é, muitas das vezes, trabalhada nas aulas de
línguas enquanto recurso que simplesmente auxilia o
texto verbal ou como recurso meramente ilustrativo, sem
que se considere a imagem enquanto constitutiva,
também, da significação do texto como um todo.
Contudo, como assegura Carvalho (2014):

As imagens, enquanto recurso para a representação,


demonstram regularidades culturalmente produzidas
que são comuns a todos os seres humanos no processo
de construção de significados, assim como a escrita,
podendo ser, portanto, objeto de descrição formal por
meio de uma gramática. Cada modo semiótico tem
suas próprias possibilidades e limitações no que
concerne à realização de significados (CARVALHO,
2013, p. 12).

Desse modo, é necessário que os espaços escolares


não enrijeçam a supremacia do texto verbal em
detrimento do imagético. Em consonância com Kleiman
(2005), a imagem faz parte do conjunto de recursos
necessários para que se ensine a leitura e, embora a
escola privilegie a linguagem verbal, “não faz sentido
relegar a um segundo plano os conhecimentos sobre os
textos multimodais que os alunos já têm” (KLEIMAN,
2005, p. 50).

551
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Como apresentado pela BNCC, as práticas de


linguagem contemporâneas não só envolvem novos
gêneros ou textos multissemióticos e multimidiáticos,
como também novas formas de produzir, de replicar e
de interagir. Assim

Não se trata de deixar de privilegiar o escrito/impresso


nem de deixar de considerar gêneros e práticas
consagrados pela escola, tais como notícia,
reportagem, entrevista, artigo de opinião, charge,
tirinha, crônica, conto, verbete de enciclopédia, artigo
de divulgação científica etc., próprios do letramento
da letra e do impresso, mas de contemplar também os
novos letramentos, essencialmente digitais (BRASIL,
2018).

Ribeiro (2018, p. 67) corrobora com esse


pensamento quando frisa que “uma imagem precisa ser
lida, também, à maneira de um conjunto de palavras”,
embora sua gramática e sintaxe sejam diferentes.
Também nessa perspectiva, Ferraz e Castro (2016, p. 146)
defendem que

[...] não há mais como desconsiderar a


multimodalidade para os estudos linguísticos e
mesmo para a formação de docentes de língua, pois
esses profissionais devem ser capazes de lidar com
esse tipo de material, de maneira estruturada e

552
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

consciente e não mais como apenas uma


“complementação” em suas aulas [...].

Assim, compreende-se não apenas a necessidade


de que as práticas pedagógicas insiram um trabalho
aprofundado das imagens, considerando as cores, os
ângulos e a forma como esses e outros recursos
contribuem para o significado, mas também que os
manuais didáticos tragam, em suas atividades, um
trabalho satisfatório da imagem, bem como de outros
modos semióticos, enquanto recursos de significação.
O livro didático, de acordo com Bezerra (2020), é
um livro composto por unidades com conteúdos
preparados a serem seguidos por alunos e professores,
principalmente nos espaços escolares. Esse “constitui-se,
se não o único material de ensino/aprendizagem, o mais
importante em grande parte das escolas brasileiras”
(DIONÍSIO; BEZERRA, 2020, p.47). E, como frisa
Marcuschi (apud DIONÍSIO; BEZERRA, 2020), 51 é válido
supor que, apesar de vivenciarmos uma época marcada
pela comunicação eletrônica e pelo advento de novas

51O texto diz respeito a um capítulo do livro “Livro Didático de


Português: Múltiplos olhares”, no qual se apresenta uma versão
modificada de “O livro didático de língua portuguesa em questão:
o caso da compreensão de texto”, publicado no Caderno do I Colóquio
de Leitura do Centro-Oeste. Goiânia, Universidade Federal de Goiás,
1997, p. 38-71.

553
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

tecnologias, o livro didático continuará sendo uma peça


importante no ensino.
Desse modo, não se trata de “contestar a
existência do livro didático, trata-se de ver como anda
ele hoje em dia e como poderia ser se o quiséssemos
ainda melhor” (DIONÍSIO; BEZERRA, 2020, p.67).
Vejamos no exemplo abaixo:

Figura 4 - Proposta de atividade.

Fonte: Ottoni (2010).

554
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

A atividade exposta acima é um recorte da


pesquisa apresentada por Ottoni (2010), em que se
discute o trabalho com a multimodalidade nos livros
didáticos de Língua Portuguesa. A proposta da
atividade sugere que se leia a tira com atenção e
responda às alternativas que seguem. O gênero tira,
como pontua Vergueiro (2014, apud SANTIAGO, 2020),
diz respeito a um sistema narrativo no qual modos
verbais e imagéticos se articulam para produção de
sentido, de modo que cada um desses ocupa papel
especial no quadrinho. Nessa perspectiva, para que a tira
acima fosse compreendida em sua totalidade, os
recursos verbais e imagéticos precisariam ser,
conjuntamente, discutidos.
Contudo, a atividade dá atenção especial ao texto
verbal e se distancia das discussões a respeito do texto
imagético. A tira discute alguns pontos que tocam a
noção de gênero, tais como o uso da bolsa por parte das
mulheres, bem como da cor rosa. Entretanto, a narrativa
se apresenta em preto e branco, de modo que não se
evidencia a própria discussão que está sendo proposta.
Como assevera Ottoni, outros questionamentos
poderiam ser colocados em pauta para que se
compreendesse o texto em sua inteireza, como a posição
das personagens, a expressão facial que representa a

555
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

menina, os tamanhos entre uma personagem e outra,


podendo, ainda, suscitar a reflexão sobre as questões de
gênero expostas na tira.
Dado o exposto, na seção que segue
explicitaremos o percurso metodológico adotado para
que fosse feita a coleta do corpus, além de apresentar os
procedimentos de análise adotados para esta pesquisa.

4 PERCURSO METODOLÓGICO

Em função do objetivo geral, analisar de que


forma as imagens que constituem as atividades de
Língua Portuguesa são trabalhadas em contexto escolar,
que aqui se propõe, a pesquisa se enquadra no campo
dos estudos qualitativos que, de acordo com Neves
(1996, p.5), busca compreender um conjunto de
diferentes técnicas interpretativas que visam descrever e
decodificar os componentes de um sistema complexo de
significados.
Dentre as abordagens de natureza qualitativa,
esta pesquisa assume um caráter documental e
descritivo, considerando que o objeto de análise é o livro
didático de Língua Portuguesa. A subseção que segue
tratará de apresentar o corpus compilado e os
procedimentos de análise adotados.

556
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

4.1 Corpus da pesquisa e procedimentos de análise

A pesquisa foi realizada a partir das análises de


duas coleções de livro didático de Língua Portuguesa: Se
liga na língua (ORMUNDO; SINISCALCHI, 2018) e
Português: Trilhas e Tramas (SETTE et al, 2016). A figura
5 explicita as capas dos manuais da coleção.

Figura 5 - Coleção de livro didático Se liga na língua.

Fonte: Ormundo; Siniscalchi (2018).

A coleção Se liga na língua, apresentada acima, é


de autoria de Wilton Ormundo e Cristiane Siniscalchi,
ambos mestres em Letras pela Universidade de São
Paulo (USP) e professores de escolas de Ensino Médio há
mais de 20 anos. A produção dos livros é da editora
Moderna e aprovados pelo PNLD no ano de 2018. A
coleção é composta por quatro unidades que se voltam,
essencialmente, ao Ensino Fundamental II,
compreendendo os 6º, 7º, 8º e 9º anos.

557
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Figura 6 - Coleção de livro didático Trilhas e Tramas.

Fonte: Travalha; Ribeiro; Starling (2016).

A coleção Português: Trilhas e Tramas, por sua vez,


é de autoria de Graça Sette, Márcia Travalha, Ivone
Ribeiro e Rozário Starling, todos graduados em Letras,
com experiências como professores de Língua
Portuguesa e produtores de livros didáticos e
paradidáticos. A produção dos livros é da editora Leya e
diz respeito à segunda edição, do ano de 2016. A coleção
exposta volta-se para o Ensino Médio, compreendendo,
portanto, os 1º, 2º e 3º anos.
Para fins de análise, selecionamos um corpus,
dentre os materiais do 9º ano do EF e do 3º ano do EM,
visto que compreendem o final de dois ciclos escolares,
com 10 propostas de atividades, sendo 5 atividades

558
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

retiradas da coleção de livros para o EF e 5 atividades da


coleção do livro para o EM. Na coleção do 9º ano, a
escolha se deu nas seções intituladas leitura 1, leitura 2,
meu gênero na prática que apresentam um trabalho com
gêneros como tirinha, charge e, ainda, atividades que
trabalham com pinturas, gravuras e esculturas. As
seções selecionadas não utilizam os textos como suporte
para o trabalho com aspectos gramaticais, mas tem como
centro da discussão a leitura e, ainda, a produção textual.
Cada capítulo se estrutura da seguinte maneira:

Quadro 1 - Subseções dos capítulos do livro do 9º ano.


Leitura 1 Textos em conversa
Leitura 2 Mais da língua
Páginas especiais Expresse-se
Se eu quiser aprender mais Entre saberes
Meu (gênero em estudo) na Biblioteca cultural e
prática expansão
Fonte: Elaboração própria.

Na coleção do 3º ano, por seu turno, a seleção se


deu na seção intitulada Literatura e leitura de imagens, a
partir dos mesmos critérios expostos acima. As seções
selecionadas apresentam textos imagéticos e verbo-
imagéticos que se constituem de elementos
multissemióticos requeridos no processo de significação,
haja vista serem seções que se referem à leitura. Cada
capítulo dessa seção se estrutura da seguinte forma:

559
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Quadro 2 - Subseções dos capítulos do livro do 3º ano.


Na bagagem Palavras na lupa
Nas trilhas do texto Passos largos
Panorama
Fonte: Elaboração própria.

No tocante à análise dos dados, estes foram


tratados a partir dos conceitos de modos semióticos,
recursos semióticos e discurso apresentados em seções
anteriores.

5 A MULTIMODALIDADE NA CONSTITUIÇÃO
DO LIVRO DIDÁTICO

A coleção do livro didático Se liga na língua,


especificamente o material do 9º ano do Ensino
Fundamental, se estrutura da seguinte maneira:

Quadro 3 - Estruturação do livro a partir dos capítulos.


9º ANO
1 - Poema-Protesto
2 - Carta aberta
3 - Romance
4 - Biografia
5 - Charge
6 - Conto psicológico
7 - Conto e romance de ficção científica
8 - Artigo de divulgação científica
Fonte: Elaboração própria.

560
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

O livro se divide em oito capítulos, de modo que


cada um abarca uma sequência de trabalho com
determinado gênero textual. A problemática se
apresenta desde a sua estrutura, visto que os gêneros
focalizam a materialidade linguística, embora se
reconheça que todos eles se constituem
multimodalmente. Ao fim de cada capítulo, há a
proposta de produção textual, contudo, o gênero
produzido diz respeito àquele que foi discutido durante
todo o capítulo, o que nos assegura que as produções
textuais dos alunos são, também, em sua maioria,
verbais. Assim, há, como apresentado, o trabalho com
apenas um gênero de natureza multissemiótica (charge)
e, consequentemente, apenas uma produção de texto
multissemiótico. Para além disso, cada capítulo se
divide, majoritariamente, em 10 subseções, das quais
focalizamos apenas nas seções de leitura e produção
textual, visto que as seções de análise linguística têm
outros objetivos ao utilizarem imagens e gêneros de
naturezas diversas.
No tocante às atividades propostas, a primeira
atividade é composta por um anúncio publicitário
produzido pelo governo do Rio Grande do Sul que tem
o intuito de conscientizar a população a respeito da
necessidade do cuidado com as pessoas idosas.

561
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Figura 8 - Proposta de atividade 1.

Fonte: Ormundo; Siniscalchi (2018).

As questões que seguem o anúncio se voltam,


especialmente, à análise do texto verbal. Os comandos
das atividades centralizam-se na frase apresentada, no

562
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

duplo sentido proposto pelo jogo de palavras, de modo


que apenas as alternativas e e f – e) Descreva os elementos
que compõem a imagem do anúncio e relacione-os ao texto
verbal.”; f) Além da figura representada, que outros recursos
não verbais contribuem para o impacto do anúncio sobre o
leitor?” – direcionam o aluno para a discussão dos
recursos semióticos utilizados no modo imagético.
Contudo, tais questionamentos não são suficientes para
apreender o que está sendo apresentado.
Outras questões poderiam ser levantadas: de que
forma as cores em tons de preto contribuem para o
significado do texto? De que forma o recurso bengala se
relaciona com o objetivo da campanha? De que forma a
posição em que a bengala está colocada faz referência ao
slogan do anúncio? Qual a motivação da escolha do ator/
personagem em detrimento de outros? Por que há, na
materialidade linguística, diferença nos tamanhos das
fontes para sentenças apresentadas?
O anúncio publicitário é um gênero de natureza
multissemiótica, sendo assim, tanto as imagens,
considerando todos os recursos, como o texto verbal
precisam ser conjuntamente discutidos a fim de que se
compreenda o anúncio em sua inteireza. Nesse sentido,
é notório que a atividade não trabalha satisfatoriamente
com os modos não verbais que compõem o texto,
enrijecendo a supremacia do verbal em detrimento ao
imagético e fortalecendo esse discurso que sempre

563
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

pairou na academia brasileira e na escola, mas que agora


merece ser revisto e combatido
A segunda proposta diz respeito à análise de um
anúncio publicitário em que se trabalha com o conceito
de intertextualidade. A atividade foi retirada de uma das
seções de leitura e objetiva levar os educandos a
perceberem, também, a problemática que envolve o
abandono e maus-tratos às pessoas idosas.

Figura 9 - Proposta de atividade 2.

Fonte: Ormundo; Siniscalchi (2018).

564
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

É perceptível que a atividade preza pela relação


entre texto verbal e imagem, contudo não há uma
discussão aprofundada dos modos e recursos semióticos
que estão postos.
Nesse contexto, a informação do texto é dada ao
leitor, principalmente, através das imagens, de modo
que as questões poderiam considerar a discussão de
alguns recursos em particular. As cores apresentadas no
texto são todas em tons de marrom e preto, justamente
as cores do lobo, de que forma isso contribui para o
sentido do anúncio? O que a posição dos personagens
indica? O lobo representa quais figuras sociais?
Para além disso, o discurso suscitado no anúncio
é uma campanha de sensibilização contra a violência à
pessoa idosa. A atividade poderia direcionar, ainda, a
questões que fizessem o aluno se posicionar e agir
criticamente a partir do que está sendo exposto. Não
basta apenas considerar os recursos que compõem o
texto, é necessário fazer o aluno pensar, através de todos
eles, no que o texto representa socialmente e de que
forma ele age diante disso. Como assegurado por Santos
(2019), as representações imagéticas são também
representações sociais, as quais se atribui grande
ideologia.

565
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

A terceira proposta de atividade é analisada na


seção de leitura em que se trabalha com o gênero charge,
única seção que trabalha com um gênero de natureza
multissemiótica e, consequentemente, com a produção
desse gênero.
Nesta parte do livro, há um trabalho satisfatório
com os modos não verbais, pois eles são tomados como
significadores e não como recurso ancilar ao verbal.
A atividade trata de uma charge, na qual se
discute as relações trabalhistas, a partir de um contexto
específico. A proposta mescla nas discussões entre os
elementos que estão colocados na imagem,
direcionando, ainda, o aluno para pensar no discurso
que está sendo suscitado a partir do gênero.
Na primeira questão, os alunos irão identificar
todos os recursos que compõem a imagem, o espaço,
personagens, as roupas. No segundo momento, os
alunos irão pensar de que forma esses recursos se
referem às relações trabalhistas. A atividade trata de
maneira satisfatória os variados modos.
Na coleção Português: Trilhas e Tramas, por seu
turno, a estrutura se configura da seguinte maneira:

566
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Figura 10 - Estrutura do livro.

Fonte: Elaboração própria.

O livro se divide em três grandes áreas, das quais


uma delas se volta para a literatura e leitura de imagens.
A área apresentada se propõe a fazer um trabalho de
leitura com as imagens, especificamente, o que sugere
que não há prevalência dos modos verbais na
composição e, principalmente, na discussão das
atividades propostas. Contudo, o livro assume grande
foco para o preparo dos alunos para a prova do Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM), de modo que há
muitas questões de vestibulares e do próprio ENEM que
utilizam imagens, ou ainda outros textos
multissemióticos, que não são explorados no tocante à
sua composição imagética.

567
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Figura 11 - Proposta de atividade 1.

Fonte: Travalha; Ribeiro; Starling (2016).

As imagens apresentadas em ambas as atividades


revelam várias problemáticas sociais que perpassam a
nossa formação enquanto sujeitos. Entretanto, as
atividades não direcionam os alunos a pensarem na
constituição imagética, na forma como a imagem dialoga
com o período histórico ou na forma como a imagem
representa um período da literatura, ou, ainda, na forma
como as cores contribuem para o significado.

568
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Figura 12 - Proposta de atividade 2.

Fonte: Travalha; Ribeiro; Starling (2016).

Por serem questões retiradas dos exames, o


livro não direciona para que oprofessor traga outras
discussões para o momento em sala. Na seção, é
perceptível, também, que há um trabalho exacerbado

569
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

com as temáticas da literatura, mas que não há,


igualmente, atividades que direcionem os alunos a
leitura de imagens, assim como sugerido pelo manual.
Como assegura Descaderci (2002 apud OLIVEIRA, 2019)
há, naverdade, uma limitação da leitura, tendo em vista
que não há proveito das composições multimodais
presentes nas atividades.
Ademais, no tocante à seção de produção de textos
orais e escritos, como sugerido pelo título, não há
nenhuma produção de texto que envolva o verbal e o
imagético em sua constituição. Os gêneros trabalhados
são:

Quadro 4 - Gêneros trabalhados na produção de textos.


Artigo de opinião Miniconto
Ficha de leitura Editorial
Redação para Enem e
Mesa-redonda
vestibulares
Relatório
Fonte: Elaboração própria.

Como apresentado, é notório que o livro dá


grande atenção, em todas as seções, ao trabalho com
gêneros que se voltem, essencialmente, para as provas
finais, tomando como segundo plano o trabalho com
outros textos e, consequentemente, com outros modos
acionados para significação. Em nenhuma das propostas

570
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

de produção há o direcionamento para que se utilizem


imagens ou outros modos semióticos que estão para
além da materialidade linguística. Contudo, a produção
de textos, faz parte da nossa constituição enquanto seres
sociais que interagem nos mais variados contextos. Em
consonância com Ribeiro (2016 apud OLIVEIRA, 2019)
não é distante da realidade dos sujeitos e, especialmente,
dos educandos, a produção, edição e compartilhamento
de textos que integram palavras, imagens e outras
linguagens.
Em suma, ambas as coleções não trabalham
satisfatoriamente com outros modos semióticos,
especialmente com o modo imagético. Embora se
reconheça a inserção de textos multissemióticos na
composição de todo o livro, desde o layout assumido até
as imagens postas nas atividades, não há exploração
desses modos e recursos semióticos que compõem as
atividades, eles atuam, majoritariamente, como suporte
ao texto verbal.
A respeito disso, feita uma análise quantitativa de
todos os textos multissemióticos que compõem o livro,
foi observado, no livro do 9º ano, que os textos que são
formados por imagens, gráficos, tirinhas, charges,
memes estão colocados nas seções que trabalham com
análise linguística.

571
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

Gráfico 1 - Textos imagéticos como suporte


para o trabalho de análise linguística.

Fonte: Elaboração própria.

Assim, o livro insere variados textos, mas enrijece


o discurso de que as imagens, os gráficos, as tirinhas,
charges e os variados gêneros que se apresentam numa
composição multissemiótica funcionam como auxiliares
para o trabalho com o texto verbal, ou ainda, para o
trabalho de análise linguística.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendendo as dificuldades dos educandos


no que concerne a leitura de gráficos, imagens, mapas e
diagramas e, ainda, entendendo o lugar privilegiado que
o modo verbal sempre assumiu no contexto escolar, sem
que se considerasse as mudanças sociais que influenciam
diretamente nas formas de comunicação, dentro e fora

572
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

da escola, é que procuramos analisar neste trabalho de


que forma as imagens são incorporadas nas atividades
do livro didático de língua portuguesa, a fim de
identificar se funcionam como recurso ancilar ao texto
verbal ou enquanto modo que é analisado como
constituinte da significação do texto. Identificando, pois,
se há trabalho com os pressupostos da multimodalidade
nos manuais em análise.
Para alcançar os objetivos propostos, foi feita uma
análise em dois manuais didáticos, sendo um do 9º ano
do EF e um do 3º ano do EM, mais precisamente nas
seções de leitura e produção textual, nas quais se
constituíam de textos verbais e textos multissemióticos.
As investigações tratadas neste artigo revelaram
inúmeros desafios no que diz respeito à sistematização
de processos de ensino que instrumentalizem os jovens
a se relacionar e agir criticamente a partir dos textos
multissemióticos que já fazem parte das suas relações
sociais. Sendo perceptível, portanto, que os manuais,
apesar de sua evolução, ainda tomam o modo verbal
como principal formação dos aprendizes, tomando como
segundo plano o trabalho com outros modos.
Assim como assegurou Kress (apud RIBEIRO,
2021), a noção do senso comum de que o significado se
revela na linguagem verbal ou que é a linguagem verbal
a maneira de representar e que tudo que foge disso é
‘extralinguístico’ não pode ser defensável. À despeito
disso, e entendendo, ainda, que não se trata de

573
Cap. 15 - Multimodalidade e discurso: uma análise das imagens nas atividades dos
livros didáticos de Língua Portuguesa

culpabilizar o livro didático, mas de analisá-lo para


apreender de que forma ele deveria se constituir para
que se torne ainda melhor, faz-se necessário que outras
pesquisas sejam realizadas com o intuito não apenas de
diagnosticar suas faltas, mas de propor estratégias
capazes de preencher as lacunas encontradas.
Entendendo as limitações de nossa pesquisa, em
virtude do tempo e da extensão do trabalho aqui
explanado, pesquisas posteriores podem ser realizadas
com propostas de produção de materiais didáticos para
orientar os professores em sala de aula, estudos que
realizem um compilado de atividades para dar conta
dessas demandas e, ainda, pesquisas que apliquem os
materiais didáticos que já foram produzidos, a fim de
observar de que forma os alunos se comportam perante
essas abordagens.

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579
Retornar ao Sumário
Capítulo 16

MULTILETRAMENTOS NAS AULAS DE


LÍNGUA PORTUGUESA: O FACEBOOK
COMO UMA FERRAMENTA DE ENSINO

Valéria Batista Costa Montenegro


Lúcia Helena Medeiros

Multiletramentos
Ambiente virtual
Interação
Multissemiótica
Ensino de Língua Materna

581
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

1 INTRODUÇÃO

Com o crescimento do acesso às mídias digitais, as


formas de interação se modificaram e foram transportadas
para os ambientes virtuais, os quais proporcionam e
estimulam constantemente ao indivíduo - por meio do
uso da linguagem - a expor, criticar, argumentar e
comentar os sentidos produzidos em diferentes gêneros,
apresentando assim novas formas de utilização e
socialização da leitura e da escrita.
Neste contexto de hipermodernidade (ROJO,
2015), os textos são produzidos e redimensionados a
partir das práticas letradas instituídas em rede,
mobilizando os conhecimentos e recursos disponíveis na
cultura digital, os quais são distribuídos e partilhados
nos espaços virtuais, processo que desencadeia inúmeras
formas de interação.
Desse modo, reconhecendo a contribuição dos
multiletramentos para o desenvolvimento de novas
habilidades de leitura e escrita em diferentes espaços
digitais, o presente artigo propõe como objetivo geral
utilizar o ambiente virtual do facebook como uma
ferramenta no ensino de língua materna,
proporcionando um novo espaço de aprendizagem na

582
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

escola, buscando desenvolver as habilidades de escrita


multimodal, por meio de práticas multiletradas.
Para tanto, recorreremos às contribuições teóricas
de Kleiman (2005; 2008), Soares (2003), Oliveira (2008),
Street (2012), Barton e Hamilton (2000) com os estudos
sobre os letramentos; Rojo (2009; 2012; 2013; 2015)
delimitando os aspectos da pedagogia dos
multiletramentos; Dionísio (2011) e Lemke (2010) com a
multimodalidade e universais semióticos; Bakhtin (1997;
2011) e Bazerman (2011) na abordagem sobre os gêneros
discursivos e Araújo (2007) quanto aos ambientes
virtuais. Quanto aos aspectos metodológicos,
especificamos a contextualização da pesquisa,
abordagem, instrumentos, participantes, seleção do
corpus e os procedimentos de análise, apresentando o
espaço de atuação do pesquisador e as ações
desenvolvidas em turmas de 9º ano do Ensino
Fundamental.
Na sequência, apresentamos o corpus gerado para
este trabalho de pesquisa, o qual é composto por contos
multimodais, produzidos pelos discentes, de forma
colaborativa, no ambiente virtual do facebook. Expomos
também alguns resultados e contribuições das práticas
multiletradas na escola, favorecendo o ensino de Língua
Portuguesa em novos espaços de produção e interação.

583
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

O advento da era digital e as inovações


tecnológicas mudaram, significativamente, o processo
de interação nas relações sociais, sejam no trabalho, na
família, na escola. Novas práticas foram instituídas e os
espaços comunicativos redimensionados, promovendo,
de maneira mais intensa, o acesso à informação e à
transmissão de conhecimentos.
Reconhecendo as práticas de letramento como
práticas sociais situadas historicamente (BARTON e
HAMILTON, 2000), percebemos a necessidade de
promover atividades de leitura e escrita que contemplem
os usos concretos da linguagem na função comunicativa
e interacional.
Situando as práticas letradas ao contexto de uso,
nos deparamos com os aparatos tecnológicos que
disponibilizam novos formatos de comunicação,
proporcionando inúmeras possibilidades de interação,
as quais redimensionam as práticas sociais. Como
ressalta Recuero (2012, p. 17), os novos modos de
interação “tratam-se de novas formas de ‘ser’ social que
possuem impactos variados na sociedade
contemporânea a partir das práticas estabelecidas no
ciberespaço”.
Na tentativa de compreender as ressignificações
das práticas sociais, por meio do uso dos ambientes
virtuais, faremos um breve percurso pelos estudos sobre

584
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

letramentos, dando ênfase, ao letramento digital e aos


recursos multisemióticos e interacionais que compõem
os gêneros produzidos no contexto das novas
tecnologias, em especial, nos ambientes virtuais.
O termo letramento, que corresponde ao vocábulo
literacy (expressão já existente em língua inglesa), é
muito mais, para os estudos da linguagem do que a mera
capacidade individual de codificação e decodificação do
código escrito. Percebe-se que “implícita nesse conceito
está a ideia de que a escrita traz consequências sociais,
culturais, políticas, econômicas, cognitivas, linguísticas.”
(SOARES,2003, p. 17). Então, fica claro que o letramento
nomeia as práticas de uso da leitura e da escrita em
diferentes contextos sócio históricos, ou seja, nos espaços
escolares e não escolares. Como explica Kleiman (1995,
p. 19), “Podemos definir hoje o letramento como um
conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto
sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos
específicos, para objetivos específicos”. Diferentemente
do processo de alfabetização, que sempre restringiu o
aprendizado e usos linguísticos apenas à sala de aula.
No entanto, as práticas de letramento ultrapassam
os limites escolares e, como mostra Tavares (2008, p. 22),
é “um processo contínuo que começa muito antes de o
sujeito passar pela escolarização e pela alfabetização e
continua mesmo depois dessas duas fases, ou ainda,
sobrevive e se faz presente mesmo na falta delas”. Por
isso, ressaltamos que as práticas de letramento se

585
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

realizam bem antes de chegarmos ao ambiente escolar,


pois o simples contato com os gêneros orais como um
pequeno diálogo, uma prece ou a escuta (pelas crianças)
dos contos infantis, já correspondem a situações
concretas de uso da linguagem em contextos sociais e
com objetivos específicos.
Para compreendermos essa prática tão recorrente
no meio social, as autoras Souza, Corti e Mendonça
(2012, p.15) definem as práticas de letramento como
sendo: “Todo esse conjunto de usos sociais da leitura e
da produção de materiais escritos, de usos orais
baseados em discursos escritos (práticas orais letradas),
estando qualquer um desses usos associados ou não a
signos não verbais”.
As práticas de letramento são ações estabelecidas
por grupos sociais (instituições), com propósitos
definidos conforme a situação de produção e os objetivos
sociais (BARTON E HAMILTON, 2000).
Como se percebe, as práticas de letramento são os
papéis sociais que desempenhamos regularmente, as
quais são promovidas por eventos de letramento, sendo
assim, os eventos são as situações concretas, das quais
emergem as práticas de letramento (OLIVEIRA,
TINOCO e SANTOS, 2014)
Deste modo, os eventos de letramento inserem os
indivíduos em atividades sociais, que mobilizam
habilidades individuais em função de um objetivo

586
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

comum à coletividade, como bem esclarece Kleiman


(2007, p.2), ao abordar o tema afirmando que

uma atividade que envolve o uso da língua escrita


(um evento de letramento) não se diferencia de
outras atividades da vida social: é uma atividade
coletiva e cooperativa, porque envolve vários
participantes, com diferentes saberes, que são
mobilizados segundo interesses, intenções e
objetivos individuais e metas comuns.

Os eventos de letramento são, portanto, situações


reais de execução das práticas sociais que utilizam a
leitura e a escrita com um propósito, sendo inúmeras as
situações cotidianas que exigem uma compreensão e
interação por meio da leitura e da escrita, ficando,
portanto, impossível determinar todas as práticas de
letramento existentes, pois elas estão o tempo todo ao
nosso redor, em todos os contextos sociais, o que as
tornam complexas e diversificadas.
Nesse ponto, Street (2012) defende a ideia de que
não existe somente uma prática denominada
“letramento”, portanto é inapropriado o uso do termo no
singular e de forma autônoma (independente), pois essa
percepção determinaria que “o contato (escolar) com a
leitura e a escrita, pela própria natureza da escrita, faria
com que o indivíduo aprendesse gradualmente

587
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

habilidades que o levariam a estágios universais de


desenvolvimento (níveis)” (ROJO, 2009, p. 99).
Assim, as habilidades de leitura e escrita
adquiridas no contexto escolar seriam determinantes
para o desenvolvimento das atividades sociais. Para
contrapor esse pensamento, Street (2012) propõe os
novos estudos do letramento (NEL/NLS), defendendo a
alteração do modelo autônomo para o ideológico,
propondo uma visão do letramento mais abrangente,
variando de acordo com o contexto de interação. Esse
enfoque introduz a concepção dos “múltiplos
letramentos”, e a utilização do vocábulo no plural, ou
seja, “LETRAMENTOS”.
Segundo Street (2012, p. 82),

as práticas de letramento variam com o contexto


cultural, não há um letramento autônomo,
monolítico, único, cujas consequências para
indivíduos e sociedades possam ser inferidas
como resultados de suas características
intrínsecas. Como argumentei anteriormente, em
lugar disso há ‘letramentos’, ou melhor, ‘práticas
de letramento’, cujo caráter e consequências têm
de ser especificados em cada contexto.

Portanto, os múltiplos letramentos representam


os saberes que possuímos sobre o meio em que estamos

588
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

inseridos, para podermos desenvolver determinadas


atividades em nosso cotidiano. Cada uma das
habilidades que possuímos está restrita a um
determinado contexto de letramento, como, por
exemplo, o letramento escolar, quando o sujeito lê um
livro para um trabalho escolar; o letramento musical,
quando se compreende e/ou se executa notas musicais; o
letramento literário, quando se compõe versos e contos;
letramento comercial, quando se compra, vende e faz
cálculos relativo aos valores; letramento digital, quando
se acessa conteúdo online, dentre outros, pois, o homem
busca a cada dia novas formas de organizar as suas
relações interpessoais aprimorando o processo de
comunicação.
Logo, a contextualização das práticas letradas no
mundo contemporâneo exige a revisão e ampliação dos
conceitos básicos no âmbito da interação e do
processamento textual, uma vez que as relações sociais
mudam conforme a necessidade de cada sociedade
(DIONISIO, 2011). Sendo assim, para definir as novas
formas de letramentos, organizados em meio a inúmeros
recursos tecnológicos, foi necessário empregar termos
mais abrangentes, como o conceito dos multiletramentos
que inclui todas as formas de multiplicidade no processo
de interação.

589
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

Para Rojo (2013, p. 14) os multiletramentos


apontam

[...] por meio do prefixo “multi”, para dois tipos de


“múltiplos” que as práticas de letramento
contemporâneas envolvem: por um lado, a
multiplicidade de linguagens, semioses e mídias
envolvidas na criação de significação para os
textos multimodais contemporâneos e por outro, a
pluralidade e a diversidade cultural trazidas pelos
autores/leitores contemporâneos a essa criação de
significação.

Como declara Rojo, o conceito dos


multiletramentos engloba significados imprescindíveis
para o processo de produção e circulação de textos na
sociedade contemporânea, pois o advento da tecnologia
aliado às novas mídias proporcionaram a inserção de
uma “multiplicidade de linguagens” no processo de
comunicação. Dentre essas formas de linguagens
encontramos “um amplo sistema semiótico, no qual são
combinados os signos, os símbolos, as imagens, as
palavras e os sons” (CARVALHO, 2012, p. 229).
Com a apropriação das inúmeras ferramentas
digitais, disponíveis nos aplicativos e ambientes virtuais,
representamos por meio de imagens, sons, vídeos e
animações, uma variedade de práticas sociais e culturais,
abrangendo assim, o segundo “multi”, que corresponde

590
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

à multiplicidade de culturas, ou seja, à pluralidade e


diversidade cultural dos autores (ROJO, 2013).
Ao buscarmos reconhecer a diversidade textual e
compreendermos a função social de cada enunciado, nos
deparamos com a teoria dos gêneros discursivos ou
textuais, que buscam conceituar e categorizar os
discursos, ampliando as relações entre linguagem e
práticas sociais. Os gêneros discursivos são definidos
pelo teórico Mikhail Bakhtin (2011 [1992]) como o uso da
língua em forma de enunciados (orais e escritos), que são
construídos por diversos campos da atividade humana,
os quais refletem as condições específicas de produção e
as finalidades comunicativas de cada campo,
apresentando-se em estruturas relativamente estáveis.
Desse modo, percebe-se que os gêneros
discursivos compõem todo o nosso repertório de
práticas linguísticas desenvolvidas por meio de ações
comunicativas que apresentam conteúdo, estilo e
finalidades específicas para cada situação comunicativa,
sendo inúmeras as possibilidades de criação e utilização
dos gêneros, pois estão sempre atrelados às necessidades
das relações sociais que crescem e se modificam a cada
momento. Por isso, Marchuschi (2002, p.19) caracteriza
os gêneros como sendo “eventos textuais altamente
maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados
a necessidades e atividades socioculturais”.
Levando em consideração esse processo,
Marcuschi (2011, p.22) enfatiza a ideia de que “os novos

591
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

gêneros surgem como desmembramento de outros, de


acordo com as necessidades ou as novas tecnologias
como o telefone, o rádio, a televisão, e a internet”,
permitindo assim, a relação entre as práticas linguísticas
e os novos espaços de interação social.
Dessa forma, torna-se visível a correlação entre os
estudos dos gêneros e as práticas de letramento, pois os
gêneros são os enunciados que se concretizam para
interagir com as práticas sociais e o letramento
corresponde à ação social realizada por meio da
linguagem, ou seja, dos enunciados, por isso Tavares
(2008, p.36) afirma que o estudo dos gêneros “são de
grande valia para complementar os estudos em
letramento, afinal, não há estudos de letramento sem se
abordar os gêneros”.
Com isso, o contexto tecnológico e as diferentes
formas de comunicação propõem o surgimento dos
gêneros eletrônicos, os quais se adaptam às novas
formas de interação e despertam o desenvolvimento de
novas habilidades comunicativas. Logo, esse novo
espaço nos apresenta um modo de letramento
contemporâneo, no qual não podemos ignorar a
importância e a relevância no processo de comunicação,
visto que os novos eventos de letramentos exigem
usuários competentes no contexto das novas tecnologias,
com habilidades que lhes possibilitem interagir nesse
espaço virtual.

592
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

Essa reconfiguração dos espaços de comunicação


e interação, permitiu a inserção de recursos que vão
muito além do mero uso do signo verbal, os quais
representam a expressão individual e social por meio das
mais diversas linguagens. E a partir dessa multiplicidade
de elementos discursivos surgem os gêneros
multimodais.
Sabemos, no entanto, que a multimodalidade não
se resume apenas aos gêneros eletrônicos. Segundo
Dionísio (2011, p. 139), nossas “ações sociais são
fenômenos multimodais”, pois grande parte das
situações de interação exige, no mínimo, dois elementos
distintos de representação. Sendo assim, a
multimodalidade discursiva pode ser caracterizada por
meio do uso de diferentes formas de enunciação, como a
associação da palavra (oral ou escrita) a outros modos de
representação, tais como “palavras e gestos, palavras e
entonações, palavras e imagens, palavras e tipográficas,
palavras e sorrisos, palavras e animações etc.”
(DIONISIO, 2011, p.139).
Mas, apesar de encontramos a multimodalidade
nas mais diversas ações sociais, é inegável que a grande
expansão desses recursos se deu nos meios digitais, pois
as inovações tecnológicas e o uso da internet
proporcionaram uma explosão de novos gêneros
discursivos e estabeleceram diferentes formas de
comunicação, tanto na oralidade como na escrita.
(MARCUSCHI, 2002).

593
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

Lemke (2010) reforça essa afirmação ao explicar


que, embora todas as formas de expressão sejam
multimidiáticas (formadas por diferentes códigos e
recursos), as inovações tecnológicas transformaram o
processamento textual instituindo novas possibilidades
e recursos às práticas de interação, como “as habilidades
de autoria multimidática e análise crítica
multimidiática” que correspondem às “habilidades
tradicionais de produção textual e de leitura crítica”
(LEMKE, 2010, p. 461).
Essas novas habilidades são determinadas por
Lemke (2010), como sendo a utilização dos elementos
semióticos52 em diferentes contextos midiáticos, tendo a
competência para produzir textos aliando os diferentes
recursos linguísticos disponíveis no ciberespaço.
A partir dessas novas tendências textuais, Lemke
(2010) propõe que o trabalho com a linguagem seja
direcionado ao aperfeiçoamento das habilidades
multimidiáticas, tanto na produção textual, quanto no
desenvolvimento da capacidade interpretativa.
Afirmando que “tanto as habilidades de autoria, quanto
as habilidades críticas e interpretativas voltadas à

52Segundo Santaella (1983, p. 13) “A Semiótica é a ciência que tem


por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja,
que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e
qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e
de sentido”.

594
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

multimídia transformam potencialmente não apenas a


forma como estudantes e professores comunicam suas
ideias, mas também as formas como aprendem e
ensinam” (LEMKE, 2010, p.463).
De acordo com esse novo formato textual, Lemke
(2010) formula uma teoria para categorizar as funções
semióticas na produção de textos multimidiáticos,
fundamentadas em três princípios: apresentação
(representação do mundo), orientação (elementos que
norteiam as percepções do leitor) e organização (ligação
entre as partes textuais), por meio dos quais é possível
analisar e avaliar as novas práticas de escrita na
contemporaneidade.
Reconhecendo esses pressupostos como um
caminho possível para a ressignificação do trabalho com
a escrita, situamos as práticas de letramento realizadas
nessa pesquisa, como uma experiência no
desenvolvimento das habilidades multimidiáticas,
possibilitando associação dos recursos tecnológicos aos
variados processos de ensino e aprendizagem
(LENARTOVICZ, 2012).
Em seguida, apresentaremos as práticas de
letramentos realizadas nas aulas de Língua Portuguesa,
com alunos de nonos anos, de uma escola pública da
cidade de Mossoró/RN, explicitando o contexto
metodológico da pedagogia dos multiletramentos.

595
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

3 METODOLOGIA

No sentido de propor meios para um trabalho


efetivo com a linguagem, o nosso trabalho foi
desenvolvido (entre os anos de 2013 e 2015) com base nos
métodos da pesquisa qualitativa, buscando estratégias
para investigar, descrever, interpretar e intervir no
processo de formação dos usuários do sistema
linguístico, contemplando a diversidade de práticas
sociais associadas à leitura e à escrita. Desse modo, nossa
pesquisa enquadra-se nos métodos da pesquisa-ação por
empreender uma ação interventiva, a partir da
identificação de uma situação problema no contexto
escolar.
Os participantes da pesquisa foram selecionados
conforme o método de pesquisa, que consiste em uma
intervenção no nosso espaço de atuação docente, assim
sendo, os sujeitos envolvidos foram os nossos próprios
alunos. Esses alunos cursavam o 9º ano do ensino
fundamental, de uma escola municipal de Mossoró-RN,
divididos em duas turmas, uma com 17 (dezessete) e a
outra com 33 (trinta e três), totalizando 50 (cinquenta)
alunos, com faixa etária entre 13 e 15 anos.
Como propõem os projetos de letramento, as
práticas letradas não devem ficar apenas entre as
“quatro paredes” do espaço escolar, mas enquanto
prática social deve assumir a função comunicativa para
a qual foi produzida. Diante disso, nossas atividades

596
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

tiveram dois cenários para o desenvolvimento das


atividades, um presencial e outro virtual, que
correspondem ao ambiente escolar e ao ambiente virtual
do facebook, respectivamente.
Durante todas as etapas do projeto os ambientes
foram utilizados tanto em momentos distintos, quanto
de forma simultânea, pois o acesso ao espaço virtual se
dava por meio de inúmeros recursos tecnológicos, os
quais, por serem portáteis, permitiam a conexão em
diferentes espaços.
Um dos instrumentos (artefato) mais utilizado foi
o celular (smartphone), por dispor de inúmeros recursos,
como câmera fotográfica, editor de fotos, acesso à
internet, aplicativos do facebook, entre outras opções. Com
esse dispositivo os alunos produziram suas próprias
imagens, publicaram-nas no grupo virtual e ainda
interagiram com outras postagens. Até mesmo alguns
contos foram redigidos com o auxílio do celular, por ser
um recurso digital que todos possuíam.
As produções foram realizadas em diferentes
momentos e espaços, tendo o auxílio da conexão em
rede. Os alunos produziam, coletivamente, textos
verbais e não-verbais, de acordo com os comandos e
solicitações disponíveis na página do grupo e em sala de
aula. Dessa forma, os alunos tiveram a oportunidade de
construir o “conhecimento em colaboração com os

597
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

outros e a sala de aula é focalizada como uma


comunidade de aprendizagem em que o professor
assume o papel de maestro das interações” (OLIVEIRA,
TINOCO e SANTOS, 2014, p. 96).
A proposta objetivava ressignificar as formas de
escrita por meio da rede social facebook, propondo como
tema central das produções: Quem sabe eu te conto? Do
miniconto ao conto multimodal.
A seleção do corpus da pesquisa se deu a partir de
prints das publicações disponibilizadas na página do
facebook seguindo as etapas de execução do projeto.
Diante da grande quantidade de textos produzidos em
cada etapa de atividades, e da impossibilidade de
contemplarmos todos esses textos no decorrer da nossa
análise, selecionamos três publicações com textos
verbais ou não-verbais, correspondentes às etapas do
projeto.
Este trabalho se realizou com o propósito de
analisar como as novas práticas de escrita foram
instituídas a partir da inserção das ferramentas digitais
no contexto escolar, como também a importância de
desenvolvermos nos educandos novas formas de
produção de sentidos, utilizando os recursos disponíveis
na cultura digital.

598
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

4 RESULTADOS

As práticas de letramento se transformam e novas


formas surgem relacionadas à utilização dos recursos
digitais, permitindo “novas formas de produção,
configuração e circulação dos textos, que implicam
multiletramentos” (ROJO, 2013, p. 19).
Nesse novo contexto, a representação do mundo
por meio da linguagem é possível a partir da combinação
entre os diferentes recursos linguísticos (letras, símbolos,
códigos, cores, imagens) que integrados, apresentam,
orientam e organizam a mensagem que se deseja
transmitir (LEMKE, 2010).
Sendo assim, neste trabalho propomos a
utilização dos elementos característicos da
multimodalidade (junção de signos diversos),
especialmente os disponíveis nos meios digitais, para a
produção de textos que expressem diferentes sentidos
por meio da harmonia entre os elementos linguísticos,
habilitando os discentes para as práticas multiletradas.
Conforme ressalta Dionísio (2011, p.139), “Na
sociedade contemporânea, a prática de letramento da
escrita, do signo verbal, deve ser incorporada à prática
de letramento da imagem, do signo visual”. Assim,
tomamos como relevante a produção de atividades no
ambiente virtual do facebook, por ser um espaço digital
propício à construção de práticas multiletradas, pois faz
parte da referência cultural do alunado, dispõe de

599
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

gêneros, mídias e linguagens por eles conhecidos,


envolve a agência de textos/discursos que ampliam o
repertório cultural, além de propor outros letramentos
(ROJO, 2012).
Na atividade 1, solicitamos que os alunos
utilizassem as ferramentas tecnológicas de pesquisa e
publicação de imagens no meio digital, estimulando o
compartilhamento de imagens que evidenciassem
aspectos característicos das temáticas para a produção
do gênero narrativo conto. Entre as sugestões
destacamos romance, drama, ação, mistério e comédia.

Figura 1- Recorte das imagens publicadas 1.

Fonte: Acervo da pesquisa.

Nessa etapa os participantes demonstraram


conhecimentos característicos da organização textual

600
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

multimodal por apresentarem imagens que


despertavam no leitor a percepção dos acontecimentos
que seriam apresentados na história, como também o
domínio das ferramentas digitais.
Na primeira imagem, figura 1, os participantes
buscaram retratar aspectos da natureza, representados
pelo verde do campo e por um brilho ao fundo que
evidencia o pôr do sol e, nesse espaço, há um menino
solitário brincando com sua pipa. Todo esse cenário
aparece sobre um gramado que parece representar um
livro aberto, despertando a imaginação de quem lê essa
imagem. Nesse ponto, os elementos visuais revelam ao
leitor o mundo que será desvendado na narração, ou
seja, os recursos visuais integram-se às formas verbais
para expressar um significado (LEMKE, 2002).
Esse recurso da multimodalidade amplia as
possibilidades de produção de sentidos, pois os
elementos imagéticos caracterizam a apresentação do
tema, situação ou evento retratado, permitindo que o
leitor reconheça as circunstâncias de produção (LEMKE,
2002). Além disso, propõe novas habilidades de autoria,
as quais possibilitam o acesso aos conteúdos (imagens)
por meio das pesquisas, como também a interação e
socialização dos conhecimentos com os demais
participantes da rede.
Por meio das cores, formatos e expressões, a
imagem de um menino brincando com sua pipa, refletia
para os alunos/autores uma realidade reconhecível no

601
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

seu contexto social e histórico, permitindo a expressão


da “pluralidade e diversidade cultural trazidas pelos
autores/leitores contemporâneos a essa criação de
significação” (ROJO, 2013, p. 14). (Grifo do autor).
Diante das diferentes possibilidades de produção
de sentidos provocados pelas imagens, a associação
entre a linguagem verbal e não verbal tornam-se
indispensáveis para “a construção real do significado”
(LEMKE, 2010, p. 464), pois ao incorporarmos diferentes
modalidades semióticas, integramos os elementos
necessários para compor os universais semióticos
propostos por Lemke (2010) apresentação do mundo
(imagem), a orientação da visão do mundo (signo verbal)
e a organização do texto final. Assim, na criação dos
minicontos multimodais, os alunos/autores
desenvolveram o aspecto orientacional da teoria
multimidiática, concedendo indícios do enredo que seria
construído.
Na figura 2, os elementos verbais e visuais se
uniram ampliando os sentidos produzidos no texto,
constatando que, no trabalho multimidiático, uma forma
de representação não anula a outra, pelo contrário “o
texto significa mais quando justaposto à figura, e da
mesma forma a figura quando colocada ao lado de um
texto” (LEMKE, 2010, p. 462).
Multiplicando os significados produzidos pelas
imagens (LEMKE, 2010), os minicontos direcionaram a
compreensão dos leitores, orientando o caminho

602
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

narrativo apresentado no texto visual, contemplando ou


não as expectativas do leitor.

Figura 2 - Publicação de miniconto multimodal 1.

Fonte: Acervo da pesquisa.

Nesse sentido, o texto da figura 2 descreve o


mundo imaginário do personagem de uma história
construída sobre as páginas de um livro, mostrando sua
satisfação ao descobrir que, mesmo na solidão daquelas
páginas, ele tinha vida, e podia desfrutar os momentos
de aventuras, sabendo que sua história acabaria no
passar de uma página.
Ao assumirem a postura de narrador
personagem, os contistas (alunos) apresentam uma visão
introspectiva do protagonista da história, declarando
que enquanto eu estava com minha pipa sem ligar para o

603
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

mundo a fora eu estava feliz esse fragmento se une à


imagem para expressar o prazer do garoto ao brincar
com sua pipa em seu “mundo de papel”, sem se
preocupar com “o mundo a fora” vida além da ficção, e
em seguida revela a fugacidade de sua história, ao
constatar que, ao virar a página, ele voltaria ao silêncio e
vazio, momentos de solidão dentro do livro.
Com base no texto produzido, percebemos que a
escolha da imagem no ambiente digital não foi aleatória,
mas sim fruto de um desejo de expressão motivado pela
“imersão do aluno em um universo repleto de textos
multimodais e multissemióticos” (DIAS, 2012, 121), esse
recurso amplia as possibilidades de produção e autoria,
uma vez que cada modalidade expressiva integra um
universo de significados possíveis (DIAS, 2012).
Diante do reconhecimento dos aspectos
multimodais apresentados nos minicontos produzidos,
nessa etapa, os participantes foram instigados a
construir textos multimodais partindo de representações
imagéticas próprias, possibilitando assim, a expressão
subjetiva de identidades, sentimentos e anseios.
No primeiro momento, os participantes
utilizaram os artefatos disponíveis (câmera fotográfica
dos smartphones; aplicativo para edição de fotos) para
produzir entre eles, imagens que apresentassem em
aspectos figurativos o conteúdo temático que desejavam
retratar. Com base nesse propósito de representação, os
alunos construíram as imagens ressaltando as cores

604
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

próprias do contexto retratado, olhares, gestos,


movimentos corporais e expressões faciais.
Como as produções eram colaborativas, os
membros de cada equipe reproduziam os traços
característicos dos personagens que figuravam nas
narrativas idealizadas.

Figura 3 - Imagens produzidas pelos alunos


para os contos multimodais 1.

Fonte: Acervo da pesquisa.

Na figura 3, os participantes interpretam um


movimento específico da modalidade de dança balé,
evidenciado na posição dos pés e no brilho do cenário a
magia própria dos espetáculos de balé. Mesmo diante de
expressões características da dança, percebemos que as
bailarinas estão fora do espaço de execução dos passos,

605
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

uma vez que os aspectos visuais mais representam um


sonho, do que propriamente, a atuação de bailarinas em
palco. As roupas impróprias também realçam a distância
entre realidade e imaginação.
Por meio dos elementos destacados na imagem,
os alunos apresentam o trajeto temático que seria
construído, mobilizando os conhecimentos linguísticos,
sociais e culturais que contribuem para a produção de
sentidos.
Ampliando os possíveis significados provocados
pela imagem, os alunos concedem novas pistas
semânticas ao incluir informações verbais que
complementam o sentido reproduzido na cena. Quando
analisamos o trecho um sonho perdido pode ser encontrado...
relacionando-o aos elementos imagéticos, confirmamos
a separação existente entre o sonho (desejo) de ser
bailarina e a participação efetiva na dança, mas, apesar
disso, a expressão verbal mostra que os sonhos são
alcançados com persistência e determinação, aspectos
destacados no enunciado “basta busca-lo”.
Nesse caso, percebemos que o sentido verbal se
integra ao visual para direcionar a compreensão do
leitor, uma vez que “não se trata de apenas pôr juntas
palavras e imagens num texto, mas sim de se observarem
certos princípios de organização de textos multimodais”
(DIONISIO, 2011, p. 150), aspectos presentes nos textos
analisados.

606
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

Nesse processo de autoria multimodal, os alunos


utilizam as inúmeras possibilidades representativas, não
apenas para multiplicar os significados produzidos na
interação entre a linguagem verbal e visual (LEMKE,
2010), mas também para suscitar a busca por novos
sentidos, auxiliando no processo de ressignificação das
práticas de escrita.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das práticas de leitura e escrita instituídas


a partir da interação nos espaços virtuais, os estudos da
linguagem buscam formas possíveis de implementar
ações pedagógicas que contemplem a diversidade
linguística presente nas novas práticas sociais de leitura
e de escrita. Desse modo, o objetivo geral dessa pesquisa
foi utilizar o ambiente virtual do facebook como uma
ferramenta no ensino de língua materna,
proporcionando um novo espaço de aprendizagem na
escola, com vistas a promover habilidades de escrita
apropriadas às práticas sociais que emergem nos
ambientes virtuais.
Com esse propósito, empreendemos, neste
trabalho, uma abordagem teórica sobre os estudos em
letramentos contemplando as práticas de leitura e escrita
nos diferentes espaços sociais, contextualizando as ações
desta pesquisa entre as práticas multiletradas
desenvolvidas nos ambientes virtuais. Em seguida,

607
Cap. 16 - Multiletramentos nas aulas de Língua Portuguesa: o Facebook como uma
ferramenta de ensino

situamos esse estudo no campo das pesquisas


qualitativas de natureza interventiva, delineando as
propostas de ação executadas no espaço de atuação
docente. Por fim analisamos um recorte das atividades
desenvolvidas na pesquisa.
Percebemos por meio dos resultados alcançados
que a inserção das novas tecnologias em sala de aula
promove uma grande motivação entre os educandos, os
quais demonstraram grande satisfação ao participarem
das práticas de letramento promovidas por meio da
utilização dos artefatos digitais.
Dessa forma, constatamos que são inúmeras as
possibilidades de uso produtivo das ferramentas
digitais, uma vez que contemplam diferentes formas
comunicativas disponíveis na hipermodernidade e se
fazem presentes nas diversas práticas sociais. Isso torna
praticamente impossível excluir esse recurso do
processo de ensino aprendizagem.

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87/1/LHMCT05062013.pdf

613
Retornar ao Sumário
Capítulo 17

ANÁLISE DE ANÚNCIO EM VÍDEO NA


AULA DE LÍNGUA MATERNA: POR UMA
PRÁTICA DE LETRAMENTO CRÍTICO
MULTIMODAL

Paula Priscilla Mendes de Carvalho


José Roberto Alves Barbosa

Letramento crítico
Análise do Discurso Crítica
Gramática do design visual
Redesenho

615
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

1 INTRODUÇÃO

De acordo com Freire (1989), pensar a educação


de forma crítica é refletir sobre a questão do poder. A
educação não deve ser uma prática neutra em que se
reproduz a ideologia dominante, mas uma negação (ou
desvelamento) daquela ideologia. Nesse sentido, a
compreensão crítica do texto só será alcançada se
estabelecermos a sua relação com o contexto e
entendermos como as relações de poder são operadas
por meio dos recursos linguísticos (FAIRCLOUGH,
2003).
No contexto das novas Tecnologias de
Comunicação e Informação (TIC’s), novos letramentos
surgem e novas formas de conhecimento precisam ser
inseridas em sala de aula (ROJO, 2012). “Tal mudança de
paradigma pressupõe a integração entre os campos da
linguística e da semiótica visual, a fim de promover o
desenvolvimento de uma abordagem mais crítica e
complexa que contemple modos semióticos não
verbais...” (RESENDE; RAMALHO, 2006, p. 9). Desse
modo, a Gramática do Design Visual (GDV), de Kress e
van Leewen (2006), constitui uma ferramenta de análise
crítica e analítica dos códigos semióticos de um
determinado gênero.
Nesse cenário de novas tecnologias, sobretudo no
contexto da publicidade, a mídia faz circular diferentes

616
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

formas simbólicas por meio das quais o consumo é


incitado.
Pensando nisso, decidimos selecionar anúncios
cujas narrativas abordam a venda de internet de banda
larga móvel por YouTubers. Dentre a seleção feita,
optamos por trabalhar com um anúncio da empresa Oi
com o YouTuber Whindersson Nunes. A escolha do
corpus levou em consideração alguns aspectos
relacionados ao gênero, sua identificação com o público
jovem e a presença de um discurso desempoderador.
Este estudo é parte da dissertação de mestrado no
Profletras e foi realizada com alunos do 7º ano, do Ensino
Fundamental, de uma escola da rede pública municipal
de Mossoró-RN. O objetivo geral é: promover o
Letramento Crítico Multimodal de alunos do 7º ano do
Ensino Fundamental, de uma escola pública de Mossoró-
RN, por meio da análise de anúncio em vídeo de banda
larga com o YouTuber Whindersson Nunes.
A partir do objetivo geral traçamos três objetivos
específicos: (i) analisar o anúncio em vídeo sobre a venda
de banda larga móvel com o YouTuber Whindersson
Nunes, identificando os aspectos verbais e não verbais e
suas marcas ideológico-hegemônicas; (ii) aplicar as
teorias da Gramática do Design Visual (GDV) e da
Análise do Discurso Crítica (ADC) com vistas ao
Letramento Crítico Multimodal de estudantes do 7º ano
do Ensino Fundamental; (iii) propor a produção de

617
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

vídeos visando o redesenho da identidade exibida no


contexto do anúncio em vídeo.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Letramento (s) e Letramento Crítico

Considerando os diferentes textos que circulam


socialmente, a escola deve assumir o papel de
intermediar conhecimentos necessários à plena
participação do aluno como cidadão crítico capaz de ler,
interpretar e produzir textos nas mais variadas situações.
Diante disso, uma palavra ganha destaque nos estudos
da Educação e Ciências da Linguagem: letramento53. De
acordo com Kleiman (2005, p. 22) o letramento vai além
do processo de alfabetização, abrange o uso da língua
escrita em contextos sócio-históricos.

O letramento abrange o processo de desenvolvimento


e o uso dos sistemas da escrita nas sociedades, ou seja,
o desenvolvimento histórico da escrita refletindo
outras mudanças sociais e tecnológicas, como a
alfabetização universal, a democratização do ensino, o

53 Etimologicamente, a palavra literacy vem do latim littera (letra),


com o sufixo -cy, que denota qualidade, condição, estado, fato de
ser. Literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende
a ler e escrever (SOARES, 2004, p. 17).

618
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

acesso a fontes aparentemente ilimitadas de papel, o


surgimento da Internet.

Kleiman (2008) defende que o ensino de leitura,


tendo em vista a multimodalidade dos textos, hoje em
dia, exige do professor o conhecimento em outros
campos da comunicação não verbal, que o levará a
compreender criticamente os textos que rodeiam o
cotidiano de seus alunos.
Os estudos de Paulo Freire, um dos maiores
educadores e pensadores do século XX, trouxeram uma
ampla contribuição à abordagem Crítica do Letramento,
à medida que adota uma perspectiva de educação que
vai além do aprendizado de certas habilidades
instrumentais, como ler e escrever. O seu trabalho
pedagógico visa a uma prática libertadora cujo ofício
esteja “[...] destinado a desenvolver em cada educando
uma mente reflexiva, uma amorosa sensibilidade, um
crítico senso ético e uma criativa vontade de presença e
participação da pessoa educada na transformação de seu
mundo” (BRANDÃO, 2005, p. 21).
Dessa forma, a escola deve propor atividades de
práticas de Letramento Crítico associadas à ideia de
empoderamento54. Isso se dá quando os sujeitos são

54Empoderamento, do inglês empowerment, é um termo amplamente


utilizado na Educação e nas Ciências Sociais que deriva das ideias
de reflexão, ação e libertação dos homens na obra de Freire.

619
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

posicionados em categorias sociais, tais como gênero,


raça, classe, sexualidade, etnicidade, religião e
habilidade.

2.2 Análise de Discurso Crítica

A Análise de Discurso Crítica (ADC) tem como


pressuposto teórico-metodológico o discurso como
prática social. Os analistas de discurso investigam como
os sistemas linguísticos funcionam na representação de
eventos; na construção, estruturação, contestação e
reafirmação de hegemonias presentes nas relações
sociais. Opõe-se, assim, à linguística formal e centra seus
estudos na perspectiva funcionalista da linguagem
(RESENDE; RAMALHO, 2006).
O termo “Análise de Discurso Crítica” foi adotado
por Norman Fairclough, um linguista britânico da
Universidade de Lancaster. Segundo Resende e Ramalho
(2006), a ADC se consolidou como disciplina no início da
década de 90 e é em Fairclough que se concentram as
principais contribuições da teoria. Seus estudos
representam uma grandiosa contribuição para o debate
de questões ligadas ao racismo, à violência, à identidade
nacional, à autoidentidade e à identidade de gênero, a
exclusão social, entre outros eventos presentes nas
práticas sociais (MAGALHÃES, 2005).
É no discurso, historicamente situado, que
podemos perceber a internalização de ideologias e

620
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

relações sociais. Analisar a linguagem, suas funções


sociais e organização do sistema linguístico, são pontos
centrais da ADC, que orienta-se nos estudos da
Linguística Sistêmica Funcional (LSF) de Halliday. A
teoria vê a linguagem como um sistema aberto a
mudanças socialmente orientadas, o que lhe permite
criar significados múltiplos e variados (RESENDE;
RAMALHO, 2006, p. 56).

2.3 Gramática do Design Visual

Os textos que circulam, nos espaços sociais


contemporâneos, são múltiplos e variados. Além da
palavra há as imagens que os compõem e contribuem
para a construção dos seus significados, por isso é
necessário que o leitor saiba compreender e produzir os
textos de forma significativa. Dessa forma, tanto a
linguagem verbal quanto a não verbal necessitam de um
olhar especial e, portanto, de abordagens mais críticas e
complexas. Nesse sentido, surge a Gramática do Design
Visual (GDV) de Kress e van Leeuwen, elaborada em
1996, cujo propósito é:

[...] suplantar algumas das dificuldades em se analisar


sistematicamente estruturas visuais e outros códigos
semióticos do gênero , dado que, até então, os paradigmas
de investigação de estruturas visuais enfocavam o “léxico”
das imagens e não iam além da camada denotativa,

621
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

conotativa e/ou iconogáfica de seus níveis de significação


(ALMEIDA, 2008, p. 09).

O estudo da Gramática do Design Visual,


proposta por Kress e van Leeuwen (2006), aborda a
imagem como um texto carregado de significados e com
características específicas. Almeida (2008) ressalta que as
imagens comunicam e interagem com o leitor, assim
como um texto formado por palavras. Ler a linguagem
visual, além da linguagem verbal, possibilita que o
receptor da mensagem compreenda a intenção daquele
que a produziu, favorecendo o processo de
comunicação.

[...] o que a Gramática Visual de Kress e van Leeuwen


advoga é a conscientização das imagens não como
veículos neutros desprovidos de seu contexto social,
político e cultural, mas enquanto códigos dotados de
significado potencial, imbuídos de estruturas
sintáticas próprias. [...] assim como a linguagem
verbal, a linguagem visual é dotada de uma sintaxe
própria, [...] (ALMEIDA, 2008, p. 9).

Barbosa (2015, p. 53) ressalta que a identificação


dos elementos que compõem a imagem, durante o
processo de Letramento Crítico do aluno, contribui ao
Letramento Visual do educando, que é orientado a
perceber os discursos ideológicos presentes, não só nos
textos verbais, mas também nos não verbais, auxiliando-

622
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

o na compreensão e interpretação das relações de poder


nas imagens.

3 METODOLOGIA

3.1 Contexto da pesquisa-ação

Em consonância com os propósitos interventivos


do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS),
este estudo classifica-se como um tipo de pesquisa-ação,
definida, de acordo com Thiollent, (2005, p. 16) como

[...] um tipo de pesquisa social com base empírica que é


concebida e realizada em estreita associação com uma ação
ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os
pesquisadores e os participantes representativos da
situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo.

A pesquisa-ação, na área educacional, caracteriza-


se como uma estratégia capaz de auxiliar os docentes no
aperfeiçoamento de suas práticas pedagógicas e,
consequentemente, intervir de modo positivo no
aprendizado dos educandos. Tal proposta nos foi
apresentada no início das aulas do Mestrado Profissional
em Letras (PROFLETRAS) na qual nossa
responsabilidade seria a de desenvolver uma proposta
intervencionista a partir da investigação de problemas
detectados no cotidiano escolar, com vistas à

623
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

transformação, tanto dos alunos como do professor-


pesquisador.
Com base nos aportes teóricos que permeiam
nosso estudo, esta pesquisa foi realizada numa escola55
da rede municipal de ensino da cidade de Mossoró – RN.
As atividades foram desenvolvidas em duas turmas de
7º anos do ensino fundamental. O motivo da escolha por
duas turmas se deu pelo fato de serem pouco numerosas,
contando com apenas 15 alunos, em uma, e 17 alunos,
em outra. Dessa forma, com o total de alunos, teríamos
um quantitativo maior de dados a serem coletados,
confrontados, selecionados e analisados.

3.2 Descrição metodológica das etapas de intervenção


da pesquisa-ação

3.2.1 Etapa I - Apresentação do projeto de pesquisa e de


questionário pré-teste

Nesse primeiro momento, apresentamos a


proposta pedagógica da pesquisa e, após tomarem
conhecimento da proposta, os alunos mostraram-se
bastante curiosos em saber o que significavam os termos
Letramento Crítico Multimodal e Redesenho,
esclarecidos conforme a faixa etária e nível das turmas.

55A instituição participante não será identificada para evitar


exposição da escola e dos alunos.

624
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

“[...] Este processo supõe que os pesquisadores adotem


uma linguagem apropriada” (THIOLLENT, 2005, p. 81).
A primeira atividade proposta foi assistir ao
anúncio em vídeo “Como ficar sagaz na internet”, por
meio do qual os alunos puderam compreender melhor o
objetivo da pesquisa-ação.

Quadro 1 - Questionário pré-teste.

Fonte: elaborado pela autora.

A primeira atividade, denominada pré-teste56 (ver


quadro 1), objetivava, além de uma leitura interpretativa
do vídeo, sondar os conhecimentos prévios dos alunos
sobre o gênero anúncio em vídeo e os recursos
linguísticos (verbais e não verbais) que o compõe, além
do produto vendido - internet de banda larga móvel - e

56 As perguntas do questionário foram exibidas por meio de slides.

625
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

o protagonista Whindersson Nunes. Formado por 10


questões discursivas, o questionário foi orientado a ser
respondido individualmente e, caso o aluno não
soubesse as respostas, nas aulas posteriores, iriam ser
esclarecidas as dúvidas apresentadas.

3.2.2 Etapa II - Prática de leitura e análise de anúncios

Nesta etapa, retomamos a temática e principais


características do anúncio em vídeo exibido na aula
passada. Logo em seguida, os alunos assistiram a mais
um anúncio com o mesmo perfil do anterior: venda de
internet de banda larga móvel por empresas que usaram
YouTubers. O fator diferencial é que o segundo é
caracterizado como comercial, que, segundo Costa
(2008), pode ser anúncio, banner, classificado,
propaganda, reclamo transmitido em rádio e televisão.
Uma mensagem publicitária exibida nos intervalos da
programação regular ou dentro de um programa.
Intitulado “Selfies com seus fãs”, com Christian
Figueiredo, o comercial da empresa Claro tem duração
de 30 segundos e foi exibido na televisão, bem como no
YouTube, em 2016, alcançando, na plataforma, mais de 2
milhões de visualizações.
Após assistirem ao comercial, o professor-
pesquisador sondou o que os alunos sabiam sobre os

626
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

YouTubers Whindersson Nunes Christian Figueiredo. A


primeira resposta foi que ambos têm milhares de
seguidores na internet. Durante a discussão, a maioria
dos alunos mostrou preferência por Whindersson
Nunes, dizendo ser mais engraçado, tanto em seus
vídeos caseiros, como no contexto do anúncio57 exibido
em sala.
Esquematizando as questões abordadas no pré-
teste, e como mais um auxílio à análise dos resultados do
processo de Letramento Crítico, o professor-pesquisador
sugeriu que os alunos respondessem, de forma escrita,
alguns pontos relevantes sobre o anúncio em vídeo com
Whindersson Nunes (ver quadro 2).

Quadro 2 - Atividade 2 de análise do vídeo “Como ficar


sagaz na internet”.

Fonte: Elaboração própria.

57 O professor-pesquisador, diante da preferência dos alunos e


percebendo que o vídeo “Como ficar sagaz na internet já
comportava todas as categorias a serem analisadas, optou por
utilizar somente o anúncio com o YouTuber Whindersson Nunes.

627
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

Dessa vez, solicitamos, entre outras informações


do questionário pré-teste, para que os alunos
especificassem os elementos verbais e não verbais 58
empregados no anúncio.

3.2.3 Etapa III - Apresentação das teorias da ADC e da


GDV

As teorias da Análise do Discurso Crítica (ADC) e


da Gramática do Design Visual (GDV) foram explicadas
por meio da análise do corpus, utilizando, na prática, o
que defendem as teorias.
Iniciamos pelas características do gênero anúncio
em vídeo do YouTube e o produto anunciado, a internet
de banda larga, que não era bem conhecido dos alunos.
Os aspectos verbais empregados no anúncio em
vídeo foram analisados por meio de frases proferidas
pelo YouTuber, nas quais pôde-se perceber o discurso
hegemônico da mídia responsável pelo
desempoderamento dos jovens.
O Letramento Visual dos alunos foi o que mais
necessitou ser trabalhado. Eles atentaram para alguns
aspectos não verbais, como o fato do YouTuber estar de
camisa (já que, habitualmente, não usa em seus vídeos)

58No pré-teste a pergunta relacionada a esse item dizia: Que recursos


utilizados pelo anunciante do vídeo mais lhe chamaram atenção? Por quê?.

628
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

e o quarto em que o anúncio em vídeo foi exibido,


afirmando estar um pouco diferente, pois Whindersson
gravava, na maioria das vezes, em um quarto de hotel.
Porém ressaltaram que o YouTuber manteve-se tão
engraçado e performático, como em seu canal, atuando
na imitação de diversos personagens.
Após as discussões, o professor-pesquisador
ampliou os conhecimentos dos alunos por meio da
identificação de elementos que compunham as imagens
do anúncio em vídeo. Dessa forma, os discentes foram
sendo estimulados a perceberem os discursos
ideológicos também presentes nos textos não verbais e
as relações de poder neles imbricadas.

Figura 1 - Análise não verbal: ambiente escolhido


pelo anunciante.

Fonte: Elaboração própria.

629
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

Seguindo uma ordem de análise, primeiro,


abordamos o enredo escolhido pela empresa anunciante,
que, como já mencionado, preferiu preservar as
características dos vídeos compartilhados pelo YouTuber,
fator que garantiu um aspecto de naturalidade ao
anúncio (ver figura 1).
A ação do comediante foi o que mais envolveu os
alunos na mensagem do anúncio em vídeo, que
interpretou diversos personagens, como “O rei da praia”
e “O sagaz da internet” (ele mesmo).

Figura 2 - Análise não verbal: ação do protagonista.

Fonte: Elaboração própria.

As metafunções da GDV foram exploradas,


durante o processo de Letramento Crítico Multimodal,
sem o uso de nomenclatura. Por meio da análise de

630
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

trechos do anúncio, foram abordados os principais


elementos de representação visual do protagonista.
Tendo em vista que a atividade final era a
produção de um vídeo pelos alunos, eles consideraram
bastante pertinentes as informações compartilhadas
sobre os mecanismos usados pela mídia para a venda
dos seus produtos.

Figura 3 - Processo de interação com o público-alvo.

Fonte: Elaboração própria.

O processo de interação do YouTuber com o


público-alvo (ver figura 3) apontando o dedo, olhando
fixamente para a câmera e sorrindo, inicialmente, eram
gestos que não tinham nenhum significado diferente
para os alunos. Quando reveladas as intenções por trás

631
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

de cada um, os alunos puderam ter um novo olhar sobre


o anúncio.
A forma como a câmera é posicionada também foi
ressaltada pelo professor-pesquisador. Como observado
na imagem anterior, o YouTuber conversa com o
telespectador por meio de um plano fechado, em que
ficam à mostra somente a cabeça e ombros, revelando
uma certa intimidade. Além disso, o ângulo da câmera
busca mantê-lo no mesmo nível do jovem consumidor,
filmando-o com a câmera no mesmo nível do seu olhar.

Figura 4 - Análise das cores utilizadas no anúncio em vídeo.

Fonte: Elaboração própria.

Quando questionados sobre as cores utilizadas no


anúncio em vídeo, um aluno, prontamente, respondeu
que o Whindersson estava usando uma cor de camisa

632
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

que lembrava a marca Oi. Outros observaram a


predominância das cores laranja e azul, mas não
souberam justificar o porquê. Após a explicação de que
as cores laranja e azul, provavelmente, retomavam a
ideia de sol e mar, o professor-pesquisador exibiu
novamente o vídeo para que os alunos tivessem um
olhar diferente.
Por fim, a posição do participante, que mantém-
se do lado direito da imagem no momento de interação
com o público, também revela uma informação
importante, pois representa, segundo Kress e van
Leeuwen (2006), algo em que se deve ter mais atenção
(ver figura 5).

Figura 5 - Posição do participante no anúncio.

Fonte: Elaboração própria.

633
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

3.2. 4 Etapa IV - Aplicação do questionário (pós-teste)

Nesta etapa, o professor-pesquisador aplicou o


mesmo questionário (pré-teste) a fim de avaliar a leitura
e a análise crítica multimodal dos alunos, após o contato
com as teorias-base da pesquisa. O questionário,
denominado pós-teste, foi respondido individualmente
e sem consultas para melhor avaliação do aprendizado
das teorias.

3.2.5 Etapa V – Orientação, planejamento e execução da


atividade final

A etapa V foi destinada à orientação da atividade


final: produção de vídeos. Tomando por base o anúncio
corpus desta pesquisa e por meio do contato com as
teorias, os alunos foram orientados a produzirem vídeos
que criticassem o discurso hegemônico da mídia e
mostrassem perfis de jovens que não têm acesso à
internet de banda larga. Por meio disso, empregassem
um discurso empoderador, mostrando diferentes
identidades próximas da realidade e do contexto social
em que estão inseridos, utilizando, para isso, os
conceitos estudados da ADC e GDV.
Como foram escolhidas duas turmas pequenas, o
professor-pesquisador optou por serem produzidos dois
vídeos, um em cada sala. Assim, cada aluno foi
assumindo a tarefa com a qual tinha mais afinidade

634
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

(roteiro, ator, iluminação, cenário, figurino, editor…).


Para produzir o roteiro do vídeo, foi levado um modelo59
simples e prático, bem como as etapas a serem seguidas:
planejamento, conteúdo, produção e revisão.
Após a orientação do script, os alunos
apresentaram diversas ideias para o enredo do vídeo, as
quais foram postas em votação. Escolhida a narrativa, os
alunos responsáveis pela organização do roteiro foram
digitando e os demais colegas visualizando no datashow
e dando suas contribuições.
Os dois vídeos oficiais60 foram executados e
concluídos em tempos diversos, devido às características
de cada enredo e eventualidades do cotidiano escolar. A
turma 1 demorou, em média, um mês. A narrativa
apresentava três cenas gravadas em diferentes
ambientes da escola (como mostra o quadro 3). Tendo
em vista que as gravações ocorreram no período normal
de aulas, as cenas precisavam ser interrompidas e
refeitas várias vezes, em função dos ruídos, trânsito de
alunos e outros imprevistos.

59 Disponível em: <http://sambatech.com/blog/insights/roteiro-de-


video/> Acesso em: out. 2017
60 Termo adotado pelo professor-pesquisador para se referir aos dois

vídeos produzidos pelos alunos dentro da proposta de prática


textual. Posteriormente, sentimos a necessidade de gravar mais um
vídeo para esclarecer à comunidade a temática que seria abordada
nos vídeos: a internet de banda larga móvel.

635
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

Quadro 3 - Práticas de letramento crítico: vídeos da turma 1.

Fonte: Elaboração própria.

A turma 2 escolheu narrar duas situações de


jovens em uma boate e, para isso, necessitaram de
cenário (como mostra o quadro 4). A organização do
espaço da sala de aula e gravação do vídeo foi feita no
mesmo dia, durante o tempo de 5h/a.

Quadro 4 - Práticas de letramento crítico: vídeos da turma 2.

Fonte: Elaboração própria.

636
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

A edição dos vídeos foi realizada pelos alunos


que tinham habilidade para a tarefa. Ficou a critério
deles a seleção do programa com o qual seria feita a
edição. Os colegas deram sugestões e o professor-
pesquisador auxiliou aqueles que apresentaram
dificuldades em se reunir, encontrar um espaço
apropriado, os materiais e recursos necessários, como
notebook e internet.
Ao finalizar as etapas de edição dos vídeos,
sentimos a necessidade de esclarecer ao público a
temática criticada: consumo à internet de banda larga
móvel. Por causa disso, propomos aos alunos que
produzissem um vídeo curto explicando o conceito de
banda larga.

4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 Questionários pré e pós-teste

As atividades de leitura e produção textual foram


planejadas em duas turmas. Num total de 32 alunos, dos
quais uma aluna portadora de deficiência múltipla
(autismo e síndrome de Down)61, o professor-
pesquisador sentiu a necessidade de selecionar amostras

61 A aluna não pôde participar da gravação do vídeo da turma


(atividade que estaria apta a realizar), pois, por problemas de saúde,
não compareceu as aulas.

637
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

de observação de uma parte representativa da


comunidade participante (THIOLLENT, 2005).
Foram escolhidos 10 (dez) questionários, bem
como atividades de investigação dos elementos verbais
e não verbais, para análise da prática de leitura e
compreensão do anúncio em vídeo. A seleção inicial se
deu a partir de critérios, como assiduidade e
participação dos alunos durante as aulas de Letramento
Crítico Multimodal. Além disso, foram investigados
aqueles que apresentaram divergência nas respostas aos
questionários pré e pós-teste, fator relevante no
confronto de ideias e investigação da aprendizagem na
pesquisa educacional.
O uso de questionário, de acordo com Thiollent
(2005), é uma das técnicas individuais adotadas pelo
pesquisador na captação de informações da pesquisa-
ação. Assim, analisamos e confrontamos as respostas
dadas por 10 (dez) alunos aos questionários da fase pré
e pós-teste, a fim de comparar o nível de letramento
multimodal crítico dos alunos antes e depois do contato
com as teorias da Análise de Discurso Crítica (ADC) e da
Gramática do Design Visual (GDV).
Diante disso, verificamos que os alunos, na fase
pré-teste, apresentaram, no geral, respostas satisfatórias
quanto aos aspectos gerais evidenciados nas questões

638
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

(características do gênero anúncio em vídeo; produto


ofertado; protagonista), apresentando um pouco mais de
dificuldade na identificação dos aspectos multimodais
relacionados às metafunções da GDV, quanto aos
participantes, o cenário como elemento da sintaxe da
imagem e o discurso desempoderador do anúncio em
vídeo na venda da banda larga móvel.

4.2 Atividades de produção textual: vídeos

A atividade de produção textual propôs que os


alunos produzissem vídeos com vistas ao
empoderamento. Dessa forma, foram produzidos vídeos
com perfis de jovens que não têm acesso à internet de
banda larga móvel.
Inicialmente, as turmas produziram,
coletivamente, os roteiros dos vídeos, totalizando três
vídeos. O professor-pesquisador sugeriu que o roteiro
fosse digitado e exposto em datashow para que todos
pudessem dar suas sugestões e contribuições. Os alunos-
roteiristas ficaram com a função da digitação e
organização do texto.
A partir da leitura dos roteiros percebemos que os
alunos conseguiram aplicar a teoria da ADC na
produção crítica dos textos. Os significados acional

639
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

(gênero), representacional (discurso) e identificacional


(identidade), postulados por Fairclough (2003), foram
utilizados de forma satisfatória pelos alunos.
As turmas elaboraram, de maneira variada e
criativa, a mensagem a ser empregada, posteriormente,
em um evento discursivo concreto. Os alunos levaram
em consideração o gênero proposto (vídeo), bem como o
público-alvo (jovens) e o meio de divulgação (YouTube).
Para Fairclough (2003) o importante é que o gênero seja
reconhecido como um tipo de linguagem próprio de um
domínio discursivo.
Na produção das falas, os alunos utilizaram o
confronto de discursos e posições ideológicas na
discussão da temática. Segundo Resende e Ramalho
(2006, p. 71) “Um mesmo texto pode envolver diferentes
discursos, e a articulação da diferença entre eles pode
realizar-se de muitas maneiras, variando entre a
cooperação e a competição.”
Diante das análises, percebemos que os alunos
utilizaram os recursos semióticos variados na
reconstrução (redesenho) da identidade mostrada no
anúncio em vídeo analisado. Por meio disso, foram
criadas possibilidades de adoção a uma postura reflexiva
e de transformação social (JANKS, 2010).

640
Cap. 17 - Análise de anúncio em vídeo na aula de língua materna: por uma prática
de letramento crítico multimodal

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blog. João Pessoa: Universitária, 2008.

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social. In: CARVALHO, A. M. de; TAVARES, L. H. M.
da C; SILVA, M. B. da. (Org.). De linguagem e de
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BRANDÃO, C. R. Paulo Freire, educar para


transformar: fotobiografia. São Paulo: Mercado
Cultural, 2005.

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Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.

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sociedade brasileira em transição. Rio de Janeiro, Paz e
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. A importância do ato de ler: em três artigos que


se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez,
1989. Disponível em: <https://goo.gl/SYA4yd > Acesso
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JANKS, H. Literacy and power. Routledge: New York,


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KLEIMAN, A. B. Preciso “ensinar” o letramento? Não


basta ensinar a ler e a escrever? Coleção Linguagem e
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Ministério da Educação. Cefiel/IEL. UNICAMP, 2005-
2010.

. Os estudos de letramento e a formação do


professor de língua materna. In: Linguagem em
(Dis)curso – LemD, v. 8, n. 3, p. 487-517, set./dez. 2008.
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KRESS, G.; VAN LEEWEN, T. Reading images: the


grammar of visual design. London: Routledge, 2006.

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RBLA, Belo Horizonte, v.10, n. 2, p. 325-345, 2010.
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ROJO, Roxane. Alfabetização e Letramento:


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THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação.


14. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

643
Retornar ao Sumário
Capítulo 18

OS GÊNEROS DISCURSIVOS SEGUNDO A


ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA:
CONCEPÇÕES TEÓRICO-ANALÍTICAS

Débora Brenda Teixeira Silva


José Roberto Alves Barbosa

Análise de Discurso Crítica


Gênero discursivo
Categorias analíticas

647
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Por ser compreendido como recurso primário à


comunicação humana, o gênero discursivo é
considerado um aspecto de estudo basilar para
diferentes ramos da Linguística. Tendo isso em
consideração, neste artigo, destacamos a Análise de
Discurso Crítica como abordagem teórico-metodológica
para reflexão do gênero sob um viés crítico.
Diante disso, o presente trabalho, de cunho
teórico, tem por objetivo verificar como os gêneros
discursivos são operados pela ADC de vertente
faircloughiana. De modo específico, buscamos: a)
realizar uma revisão bibliográfica da teoria base,
destacando seu olhar para os gêneros discursivos; e b)
apontar possibilidades analíticas a partir do gênero
discursivo artigo de opinião. No que tange à
fundamentação teórica, baseamo-nos especialmente nas
contribuições de Bakhtin (2003), Bazerman (2005),
Fairclough (2001, 2003), Gramsci (1971), Magalhães
(2005), Resende e Ramalho (2006, 2011) e Thompson
(2011).
Tendo em vista seu caráter teórico, trata-se de um
estudo de abordagem qualitativa, que se constitui de
uma pesquisa predominantemente bibliográfica. Desta
forma, este artigo está dividido em dois momentos
centrais. No primeiro momento, apresentamos insumos
teóricos da abordagem dialético-relacional de

648
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

Fairclough (2003); no momento seguinte, versamos sobre


percursos analíticos da ADC direcionados a gêneros
discursivos, utilizando um artigo de opinião como
recorte exemplificativo de investigação. Para finalizar,
apresentamos breves considerações finais.

2 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA: REFLEXÕES


TEÓRICAS

A Análise de Discurso Crítica (doravante ADC) é


um tipo de análise de discurso que estuda a linguagem
em contextos específicos, tendo preocupação central com
a relação entre linguagem, sociedade e poder. Cunhada
em 1985 pelo pesquisador Norman Fairclough
(MAGALHÃES, 2005), a ADC é entendida como uma
abordagem teórico-metodológica que possui diferentes
vertentes, as quais possuem a característica comum de
buscar o desvelamento de relações assimétricas de poder
(BATISTA JR; SATO; MELO, 2018). Neste trabalho,
destacamos a abordagem dialético-relacional de
Fairclough (2001, 2003).
De acordo com esse autor, a linguagem relaciona-
se de forma contínua com a sociedade. Nas palavras de
Fairclough (2003, p. 2), a abordagem dialético-relacional
“está baseada na suposição de que a linguagem é parte
irredutível da vida social, dialeticamente interconectada

649
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

com outros elementos da vida social”62. Ou seja, a


linguagem relaciona-se com o meio social de modo a ser
afetada por ele, bem como também o afeta. Caro para a
ADC faircloughiana são as noções de hegemonia e
ideologia.
À vista disso, a ADC trabalha com a noção de
poder a partir dos escritos de Gramsci (1971). Nesse
sentido, a hegemonia é uma forma de poder que se
naturaliza em sociedade, de modo a ser entendida como
consensual. Dessa forma, compreendemos que a relação
dominadores-dominados atinge status de senso comum
por meio de ações ideológicas. Inerente a essa noção é a
percepção de que o poder enquanto hegemonia é
instável, o que favorece a possibilidade de mudanças em
meio social através de lutas hegemônicas que são
travadas pelo discurso (FAIRCLOUGH, 2001).
A ideologia, por sua vez, é trazida para reflexão a
partir de Thompson (2011) e se constitui como
“significações/construções da realidade (o mundo físico,
as relações sociais, as identidades sociais) que são
construídas em várias dimensões das formas/sentidos
das práticas discursivas” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 117).
É uma noção compreendida como essencialmente
negativa, já que mantém relações desiguais de poder. Em

62Todas as traduções são de nossa autoria. No original: is based upon


the assumption that language is an irreducible part of social life,
dialectically interconnected with other elements of social life.

650
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

vista disso, Ramalho e Resende (2011, p. 25) entendem a


ideologia como “um instrumento semiótico de lutas de
poder, ou seja, uma das formas de se assegurar
temporariamente a hegemonia pela disseminação de
uma representação particular de mundo como se fosse a
única possível”.
É importante frisar que “a ADC não está
interessada em investigar a unidade linguística em si,
mas em estudar fenômenos sociais que são
necessariamente complexos e, portanto, requerem uma
abordagem multidisciplinar e multimetódica”63
(WODAK; MEYER, 2009, p. 12). Desse modo,
compreendemos que o objeto de estudo para a ADC é o
texto, seja este oral, escrito, visual e/ou multimodal.
Isto posto, Magalhães (2005, p. 3) afirma que a
“ADC estuda textos e eventos em diversas práticas
sociais, propondo uma teoria e um método para
descrever, interpretar e explicar a linguagem no contexto
sóciohistórico”. Assim, vemos que esse campo de estudo
tem caráter transdisciplinar, que serve a diversas
ciências. A seguir, versamos sobre o papel do gênero
discursivo para essa teoria/método.

63 No original: CDA is therefore not interested in investigating a


linguistic unit per se but in studying social phenomena which are
necessarily complex and thus require a multidisciplinary and
multimethodical approach.

651
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

3 ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA: O GÊNERO


NA PRÁTICA SOCIAL

A abordagem de Fairclough (2001, 2003) pode ser


compreendida como uma análise de discurso
textualmente orientada (ADTO), posto que considera o
texto como um elemento caro à vida em sociedade.
Nesse sentido, Fernandes (2014, p. 42) afirma que “a
ADTO atribui relevância às caraterísticas linguísticas
presentes nos textos, pois é investigando os textos que a
ADC analisa os discursos que circulam socialmente.”
Para Fairclough (2001), a semiose pode ser
investigada a partir de um modelo tridimensional, que
se estrutura em texto, prática discursiva e prática social
(Figura 1).

Figura 1 - Modelo tridimensional do discurso.

Fonte: Fairclough (2001).

652
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

À vista disso, Gonçalves-Segundo (2018) explica


que qualquer tipo de discurso se realiza por meio de
texto, sendo processado pelo nível da prática discursiva
e situado em uma prática social. De acordo com
Fairclough (2003), a prática social é a entidade
responsável por mediar os níveis das estruturas e dos
eventos sociais, sendo constituída por ordens do
discurso. Segundo o mesmo autor, essas ordens são
entendidas como gêneros, discursos e estilos.
Nesse contexto, Ramalho e Resende (2011)
pontuam que, ao utilizarmos a linguagem, fazemos uso
de gêneros para agir e interagir, de discursos para
representar o mundo ao nosso redor, bem como de
estilos para identificar a si mesmo e ao outro. É relevante
frisar que, nessa perspectiva, o discurso pode ser
compreendido de dois modos: abstrato e concreto.
Abstratamente, o discurso é visto como um momento da
prática social e, concretamente, o discurso é
compreendido como uma forma de representação do
mundo à nossa volta. Neste trabalho, focamos no gênero
enquanto modo de ação e interação na perspectiva
faircloughiana e, por isso, nele nos demoramos.
Ramalho e Resende (2011, p. 64-65) fazem uma
escolha terminológica por gêneros discursivos e não
textuais, posto que entendem que esse termo se adequa
melhor à abordagem utilizada. Elas afirmam que “o
termo ‘gênero discursivo’ é mais adequado do que
‘gênero textual’, já que o conceito de ‘texto’ pressupõe a

653
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

ideia de ‘evento discursivo’”. Isso explica o fato de


adotarmos a nomenclatura gênero discursivo neste
trabalho.
Para Fairclough (2003), a ação e a interação
realizadas por meio da linguagem são atribuídas aos
gêneros. Para esse autor, “quando analisamos um texto
ou uma interação em termos de gênero, estamos
investigando como ele figura e contribui para a ação e
interação em eventos sociais” (FAIRCLOUGH, 2003, p.
65)64. Recordamos, então, a visão de Bakhtin (2003, p.
262) acerca desse elemento quando afirma que “cada
campo de utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, os quais
denominamos gêneros do discurso.”
Para Fairclough (2003), os gêneros variam
consideravelmente no quesito estabilidade, posto que,
em meio a diferentes práticas sociais, temos aqueles que
são composicionalmente mais rígidos e outros que
apresentam uma flexibilidade maior em sua
constituição. Associado a essa questão, é importante
considerar que a própria nomenclatura dos gêneros
evoca precaução, já que há aqueles que são bem
conhecidos socialmente e outros que não possuem a
mesma posição. A exemplo disso, podemos mencionar

64No original: when we analyse a text or interaction in terms of genre, we


are asking how it figures within and contributes to social action and
interaction in social events.

654
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

os gêneros artigo, anúncio, bilhete, telefonema e


conversa, que são facilmente reconhecidos e nomeados.
O mesmo não acontece com alguns gêneros da mídia
digital, por exemplo, que, por serem recentes, ainda não
são largamente conhecidos, caso de vlogs e fanfics.
Para Fairclough (2003), os gêneros também
variam de acordo com o nível de abstração. Diante disso,
o autor britânico sugere as seguintes classificações: pré-
gênero, gênero desencaixado e gênero situado. Nesse
sentido, pré-gênero é uma terminologia resgatada de
Swales (1990) e se constitui como uma categoria mais
abstrata da constituição textual do gênero, sendo a
narração e a descrição exemplos dessa categoria. À vista
disso, na Linguística Textual, Marcuschi (2008, p. 154)
chama esses aspectos linguísticos de “tipos textuais”.
No que tange ao gênero desencaixado, ele é
entendido como um elemento menos abstrato do que o
pré-gênero. Nas palavras de Ramalho e Resende (2011,
p. 63), gêneros desencaixados “correspondem a
potenciais para realizações linguísticas concretas que
transcendem redes particulares de práticas.” Como
exemplo, as autoras mencionam o gênero entrevista que
carrega o potencial de se situar diferentemente em
diversas esferas. É por essa razão que falamos em
entrevista acadêmica e entrevista médica, por exemplo.
No que concerne ao gênero situado, este diz
respeito à materialidade concreta do texto em
determinada prática social, como exemplo podemos

655
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

mencionar o relatório de estágio e o relatório financeiro.


Desse modo, o relatório pode ser classificado com um
gênero desencaixado que possui a potência de ser
construído de formas distintas, a depender do meio
social em que se estabelece. Nesse sentido, quando em
uma prática social acadêmica, por exemplo, surge o
relatório de estágio, este texto já figura um gênero
situado.
Diferentemente dos pré-gêneros que existem em
quantidade limitada, os gêneros situados são diversos,
heterogêneos, de nomenclatura definida ou não. Desse
modo, gêneros situados podem reunir diferentes tipos
textuais. A exemplo disso, temos o gênero relatório que
pode apresentar os pré-gêneros descrição, narração e
argumentação em sua composição. Esse gênero na
qualidade de desencaixado representa ainda a
potencialidade de, a depender da prática social que se
associa, ser compreendido como um gênero situado.
Fairclough (2003) destaca ainda que os gêneros
podem se relacionar de forma hierárquica, podendo
haver um gênero principal e um subgênero em uma
mesma prática social. Para melhor explicar esses termos,
pensemos no gênero aula como um exemplo de gênero
principal, e as anotações, fichamentos, seminários e
resumos, que se dão nessa mesma prática social, como
exemplos de subgêneros. Desse modo, entendemos que
“os gêneros discursivos são o modo pelo qual as pessoas

656
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

participam ativamente no seio de uma prática


específica” (BESSA; SATO, 2018, p. 132).
É importante salientar que a ADC proposta por
Fairclough (2003) adota uma visão multifuncional acerca
do texto, indicando três tipos de significados aos
elementos que constituem a ordem do discurso. Desse
modo, ao discurso e ao estilo, atribuem-se os significados
representacional e identificacional, respectivamente, ao
passo que ao gênero, atribui-se o significado acional.
Tendo em vista que ao estudar um gênero
criticamente tem-se o objetivo de investigar as ações e
interações operadas pelas pessoas, Fairclough (2003)
salienta a importância de se observar nessas análises as
categorias atividade, relações sociais, tecnologia empregada,
bem como a intertextualidade. Na próxima seção,
versamos acerca de possibilidades analíticas a partir do
gênero artigo de opinião, momento em que explicitamos
de forma prática como uma análise crítica se sucede no
nível do gênero discursivo.

4 O GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO À LUZ DA


ADC FAIRCLOUGHIANA

Nesta seção, destacamos o gênero discursivo


artigo de opinião com o intuito de apontar
possibilidades analíticas sob a perspectiva da ADC
faircloughiana. Para tanto, tomamos o artigo de opinião
publicado em janeiro de 2022, no jornal Folha de S.

657
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

Paulo, como objeto de estudo. Nesse sentido, é


importante salientar, ainda que de forma sucinta, sobre
o que o texto trata. À vista disso, o artigo, assinado pelo
antropólogo Risério (2022), tece argumentos em prol de
afirmar a existência do racismo reverso de negros contra
brancos.
Tendo em vista que nos propomos a refletir sobre
a constituição genérica do texto frente a práticas sociais,
neste trabalho, não abordamos os efeitos ideológico-
hegemônicos do discurso em questão. Diante disso, é
importante compreender como esse gênero se define. A
esse respeito, Castellani e Barros (2018, p. 203) afirmam
que "o gênero textual ‘artigo de opinião’ é um gênero
opinativo, característico da esfera jornalística, que
permite ao seu autor explicitar e defender sua opinião
sobre um determinado assunto polêmico de ordem
social.”
Considerando que o gênero, nessa abordagem de
estudo, é visto como um elemento que possibilita ação e
interação em meio a práticas sociais (FAIRCLOUGH,
2003), entendemos que o artigo de opinião oferece meios
de o ator social expressar um ponto de vista, de modo a
convencer seu leitor da legitimidade de sua perspectiva.
Desse modo, recordamos a perspectiva sociorretórica de
Bazerman (2005, p. 31) ao apontar que “os gêneros
tipificam muitas coisas além da forma textual. São parte
do modo como os seres humanos dão forma às
atividades sociais.”

658
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

De acordo com o aparato analítico da ADC,


podemos realizar uma investigação sobre gêneros a
partir dos níveis de abstração, traçados por Fairclough
(2003). Dessa forma, percebemos que o artigo de opinião,
por ser um texto opinativo, apresenta principalmente em
sua composição o pré-gênero argumentação, agindo de
modo a se estabelecer de forma concreta na esfera
discursiva como um gênero situado. À vista disso,
Resende e Ramalho (2006, p. 63) destacam que “gêneros
situados [...] são categorias concretas, utilizadas para
definir gêneros que são específicos de uma rede de
prática particular”.
Notamos com isso que o artigo de opinião se situa
concretamente no domínio discursivo jornalístico e se
constitui a partir do pré-gênero argumentação que
favorece o possível convencimento (ação) do leitor em
potencial. Além de apontar esses aspectos mais abstratos
da formação do gênero, podemos analisá-lo também
com base na observação dos aspectos atividade, relações
sociais, tecnologia empregada, assim como a
intertextualidade (FERNANDES, 2014).
A categoria atividade diz respeito àquilo que é feito
discursivamente. Ao explicar esse aspecto, Fairclough
(2003, p. 70)65 afirma que “quando pensamos em eventos
sociais, estamos preocupados com as atividades de

65No original: When we think of social events, we are concerned with


activities overall, in their non-discoursal as well as discoursal aspect.

659
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

modo geral, em seu aspecto não discursivo, bem como


discursivo”. Desse modo, o autor pondera que podemos
identificar a atividade realizada por determinado gênero
a partir da observação de seu propósito comunicativo,
seja este explícito ou implícito. Apesar disso, é
importante nos atentarmos para o alerta que Fairclough
(2003) estabelece com relação ao propósito. De acordo
com o autor, ainda que seja um aspecto relevante de se
considerar, é necessário não o ver como tendo um fim
em si mesmo, posto que, em alguns gêneros, o propósito
não é bem evidente e nem por isso deixa de exprimir
uma ação (atividade social).
No que toca ao exemplar de gênero aqui
analisado, podemos perceber que ele funciona de modo
a permitir que o autor expresse sua visão acerca de um
tópico específico. Nele, o autor realiza a atividade de
apontar a existência do racismo reverso, utilizando como
argumento que o identitarismo favorecido com o
discurso antirracista levantado pelo movimento negro é
um incentivador e acobertador do racismo praticado por
negros.
Percebemos com isso uma atividade de
deslegitimação da pauta antirracista, que contribui para
o desmerecimento da real posição do negro em
sociedade. Nesse sentido, Ramalho e Resende (2011, p.
66) pontuam que “o estudo dos gêneros deve superar a
limitação de seu aspecto meramente textual, para

660
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

assumir a relevância de seu papel nas práticas sociais,


seu aspecto relacional”.
Desse modo, Fairclough (2003, p. 71)66 argumenta
que “perceber a hierarquia de propósitos é um modo de
ver como um texto ou interação figura dentro de redes
de práticas”. Desse modo, vemos que um gênero pode
desempenhar atividades distintas, além daquela(s)
usualmente esperada(s).
No que tange à categoria relações sociais, esta
concerne às relações estabelecidas entre os partícipes do
discurso, que são evidenciadas pelo gênero,
considerando o papel desse elemento na interação social.
Afinal, o gênero não somente é ação, mas também é
interação. Segundo Fairclough (2003), essas relações
sociais são aquelas que se dão entre diferentes agentes
que estão envolvidos em determinada prática social,
podendo ocorrer entre organizações, grupos e
indivíduos, por exemplo.
Diante disso, a abordagem dialético-relacional
aponta que as relações sociais podem transitar entre as
dimensões poder/solidariedade e hierarquia/distância
social. Tendo em vista o artigo aqui pesquisado,
percebemos que as relações são postas em meio a
dimensão hierarquia e distância social.

66No original: looking at hierarchies of purposes is one way in which to


see how a text or interaction figures within networks of practices.

661
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

Dessa forma, considerando que o artigo de


opinião é assinado por um antropólogo, verificamos que
essa pessoa assume um papel social que lhe garante
alguma autoridade na opinião expressada. Tal opinião
recebe anuência política/editorial do jornal Folha de S.
Paulo, que é um espaço jornalístico respeitado. Assim,
vemos nessa relação social uma hierarquia de poder
entre o autor do texto, as pessoas representadas em seu
discurso, o jornal, bem como com seus leitores, havendo
também uma distância social entre o jornal que veicula o
gênero e o público.
Com relação à categoria tecnologia empregada,
Fairclough (2003) pontua que os gêneros podem ser
mediados pela tecnologia. Desse modo, o autor
considera que a interação pode se dar por meio de mão
dupla mediada ou não mediada e mão única mediada ou
não mediada. Para Fairclough (2003, p. 77)67, observar a
tecnologia empregada em determinados textos é
importante, posto que “o desenvolvimento de novas
tecnologias de comunicação acompanha o
desenvolvimento de novos gêneros”.
Nesse sentido, entendemos que o artigo de
opinião em questão é um exemplo de gênero mediado
em mão única, já que chega ao leitor através da internet
(mediação tecnológica), característica que aumenta o

67No original: the development of new communication technologies goes


along with the development of new genres.

662
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

alcance de possíveis leitores. O texto se dá em mão única,


uma vez que, no gênero, somente o autor fala e qualquer
reação ao exposto será realizada em outro espaço/tempo
mediante uso de outro gênero, em outro momento
discursivo.
A intertextualidade, por fim, é outra importante
categoria de análise do significado acional do gênero. À
vista disso, Fairclough (2001, p. 114) conceitua essa
noção como uma “propriedade que têm os textos de ser
cheios de fragmentos de outros textos, que podem ser
delimitados explicitamente ou mesclados e que o texto
pode assimilar, contradizer, ecoar ironicamente, e assim
por diante.” Nesse sentido, podemos afirmar que os
textos possuem a característica de se constituírem de
outros textos, evocando outras vozes em seus discursos.
Tendo em vista as noções de dialogicidade e
polifonia discutidas por Bakhtin (2003), Resende e
Ramalho (2006), com base em Fairclough (2003),
entendem que a intertextualidade apresenta essa
combinação de vozes através de citações, paráfrases e
resumos, por exemplo. Em ADC, busca-se verificar as
vozes presentes e as vozes excluídas, assim como suas
implicações para a formação do discurso, já que a
observação das escolhas textuais em determinado
gênero permite perceber o comprometimento do autor
com relação ao enunciado dito (RESENDE; RAMALHO,
2006).

663
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

Diante disso, vemos que o artigo de opinião


apresenta uma dinâmica de vozes que varia entre a voz
do autor do texto e vozes terceiras, as quais são
atribuídas a negros e a apoiadores do movimento
antirracista. É importante destacar que essas outras
vozes são evocadas com o único intuito de suportar o
discurso que coloca negros como também racistas.
No trecho destacado entre aspas, a seguir,
notamos que o autor do artigo parafraseia um discurso
que comumente deslegitima a noção e aplicação de
racismo reverso de negros contra brancos: (1) “O dogma
reza que, como pretos são oprimidos, não dispõem de
poder econômico ou político para institucionalizar sua
hostilidade antibranca. É uma tolice” (RISÉRIO, 2022).
Vemos nesse excerto que o autor do artigo enquadra essa
voz contrária à sua como dogma, usando-a para
desvalidá-la.
A esse respeito, Resende e Ramalho (2006, p. 66)
ponderam que “a relação entre essas vozes pode ser
harmônica, de cooperação, ou pode haver tensão entre o
texto que relata e o texto relatado.” À vista disso,
percebemos que o autor do artigo de opinião utiliza o
recurso de citar diretamente falas atribuídas a pessoas
negras quando elas expressam violência contra pessoas
brancas, como observado nos trechos: (2) "Vamos matar
todos os brancos!" e (3) “Foi um pacto que todos fizemos.
Só [machucar] gente branca" (RISÉRIO, 2022).

664
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

Trechos iguais a esses constroem uma


representação de negros como violentos racistas, o que
colabora para a naturalização dessas características e tira
de foco o racismo estrutural que oprime o negro na
sociedade. Diante disso, vemos que as vozes que o autor
do texto apresenta caracterizam pessoas negras como
detentoras de poder, violentas e racistas, e que a pauta
antirracista do movimento negro é desmerecida e
silenciada. A seguir, apresentamos algumas
considerações finais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das reflexões levantadas, vimos que a


Análise de Discurso Crítica proposta por Fairclough
(2001, 2003) se constitui como teoria e método que, entre
outras finalidades, busca desnaturalizar assimetrias de
poder considerando a relação dialógica entre linguagem
e sociedade. De acordo com esse autor, as práticas sociais
são constituídas e operadas por meio de três elementos
formadores da ordem do discurso: gênero discursivo,
discurso e estilo.
Neste capítulo, estudamos a noção de gênero
discursivo a partir da ADC de vertente faircloughiana.
Na oportunidade, apontamos categorias próprias do
significado acional que são possíveis de serem utilizadas
em pesquisas críticas. Nesse sentido, compreendemos
que, para Fairclough (2003), o gênero é ação e interação.

665
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

Nessa perspectiva, o texto é visto como a unidade


mínima que carrega significado, logo toda pesquisa em
ADC parte de um gênero específico.
Ao ponderarmos acerca de como proceder
análises a partir desse elemento, além de apontar
algumas categorias analíticas, trazemos o gênero artigo
de opinião como objeto exemplificativo. Nesse sentido,
notamos que o gênero pode ser observado inicialmente
a partir de seus níveis de abstração – pré-gênero, gênero
desencaixado e gênero situado (FAIRCLOUGH, 2003) –,
verificando como essas informações se articulam em
determinada prática social.
Além disso, compreendemos que é possível
verificar como se dá, ainda, a atividade, relação social e
tecnologia empregada, bem como as relações
intertextuais construídas. Essas categorias, quando
observadas nos gêneros, podem contribuir para a
percepção daquilo que de fato é operado através deles.
Para Ramalho e Resende (2011, p. 126), “como
modos relativamente estáveis de agir e de se relacionar
em práticas sociais, gêneros discursivos envolvem
diretamente atividade, pessoas e linguagem”. Em suma,
entendemos que o gênero é um elemento importante de
ser estudado sob o viés dos estudos críticos, já que reúne
aspectos textuais e sociais em sua formação,
contribuindo para a compreensão daquilo que é
realizado por meio da linguagem.

666
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

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Fortaleza, v. 8, n. 2, p. 196-214, maio/ ago. 2018.

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Tradução: Izabel Magalhães. Brasília: Editora
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668
Cap. 18 - Os gêneros discursivos segundo a Análise de Discurso Crítica: concepções
teórico-analíticas

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de


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WODAK, R.; MEYER, M. (ed.). Methods of critical


discourse analysis. 2. ed. London: Sage, 2009.

669
Retornar ao Sumário
Capítulo 19

O DISCURSO SEXISTA NAS


INDUMENTÁRIAS ESPORTIVAS DE
ATLETAS DE ELITE

Vitória Costa de Jesus


Vicente de Lima-Neto

Discurso sexista
Indumentárias
Resistência

671
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em julho de 2021, jogadoras norueguesas foram


multadas por não aceitarem usar biquíni em um
Campeonato Europeu de Handebol68, e, em vez disso, as
atletas vestiram shorts, afirmando que o biquíni as
deixava com o corpo muito exposto e desconfortáveis. A
regra sobre os uniformes vem da Federação
Internacional da modalidade, que afirma que os
uniformes femininos devem ser justos e adequados ao
corpo, entretanto, a modalidade masculina tem a
autorização para usar shorts pelas regras da federação, o
que levanta a questão do porquê das atletas femininas
não terem o mesmo direito sobre sua vestimenta como
os atletas masculinos. Além desse episódio, nas
Olimpíadas de Tóquio de 2020, ginastas alemãs levaram
à discussão o assunto sobre vestirem o que quiserem,
utilizando um uniforme diferente do habitual, que expõe
menos os seus corpos, em forma de protesto contra o
sexismo.69

1Disponível em:
https://www.google.com.br/amp/s/exame.com/mundo/jogadoras-
da-noruega-sao-multadas-por-nao-aceitar-uniforme-biquini/amp
69Diponível em:

https://www.google.com.br/amp/s/g1.globo.com/google/amp/fanta
stico/noticia/2021/07/25/uniforme-longo-da-equipe-alema-de-
ginastica-e-protesto-contra-a-sexualizacao-no-esporte.ghtml

672
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

Tomando como introdução essas narrativas,


voltamos nossa atenção, neste trabalho, para o discurso
sexista, ajustando a lupa para as tentativas de
manutenção do poder do machismo por meio de
indumentárias femininas. Partimos do pressuposto de
que a sociedade que conhecemos hoje foi construída
sobre uma base patriarcal, onde ser homem é ter o poder
sobre todas as coisas, inclusive sobre as mulheres.
Apesar disso, a luta pelo poder sempre se fez presente,
uma vez que os discursos, sejam hegemônicos ou não,
travam uma batalha pela hegemonia.
Segundo Fairclough (2001), o discurso é
importante para a construção de identidades sociais e
representa a sociedade como ela é, além disso, também
permite transformá-la. Sendo assim, é importante nos
atentarmos para mecanismos discursivos que se
apresentam nos textos e que apontam para
determinados discursos, os quais podem manipular e
controlar uma sociedade, submetendo-a a uma
dominação política e cultural. À luz de uma análise
discursiva crítica (FAIRCLOUGH, 2001; BATISTA JR. et
al, 2018), entende-se que os discursos estão em constante
luta hegemônica, buscando a detenção do poder através
da naturalização de práticas e não somente pelo simples
ato de dominação.
Sustetamos a tese de que, na sociedade em que
estamos inseridos, o discurso sexista é um discurso
hegemônico, portanto, dominante, utilizando a

673
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

linguagem como prática social, colaborando para a


reprodução e manutenção desse poder nas mais
diferentes esferas sociais. Além de estar presente, por
exemplo, nas leis, nas profissões e no meio artístico,
também se faz presente em práticas esportivas, como em
campeonatos de diversos esportes, no mundo inteiro. A
prática discursiva (produção, distribuição e consumo) e
a interpretação de texto contribuem para a manutenção
e reprodução da ordem do discurso e, por provocar a
naturalização de práticas, a maioria das pessoas não
enxerga a problemática social presente nesse discurso,
não buscando, portanto, mudanças sociais.
Isso nos fez refletir sobre como o discurso sexista
se sustenta nas entrelinhas e como influencia nas
indumentárias das atletas olímpicas. Ainda à luz da
Análise do Discurso Crítica (ADC), consideramos que
nenhum sujeito é passivo, mas sim ativo e que, quanto
mais esclarecidos forem os cidadãos, mais perceberão
quando estão sendo controlados e mais resistentes se
tornarão aos processos de dominação (MACEDO;
VIEIRA, 2018). Portanto, é importante a análise das
relações estruturais, transparentes ou veladas, de
discriminação, de poder e de controle que se manifestam
no discurso (MACEDO; VIEIRA, 2018) para que os
sujeitos fiquem cientes e menos passíveis de
manipulações culturais e políticas, de forma a dar voz a
quem ainda não tem.

674
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

Diante dos acontecimentos recentes e por


considerar a relação dialética entre discurso e sociedade,
levantamos a seguinte questão: como o discurso sexista
se mantém hegemônico através das indumentárias
esportivas das atletas? Este trabalho tem por objetivo
analisar como o discurso sexista opera nas
indumentárias das atletas esportivas para a manutenção
do poder. Para isso, organizamos este trabalho em três
tópicos, além destas considerações iniciais: um teórico,
em que explicamos a Análise do Discurso Crítica e o que
chamamos de discurso sexista; um metodológico, onde
mostramos como recortamos um corpus para análise; e
um analítico, em que tentamos mostrar a manutenção do
poder do discurso sexista legitimado em regras de
esportes variados.

2 DA ADC AO DISCURSO SEXISTA

Nesta seção, discutimos os principais conceitos


que ancoram nossa pesquisa. Primeiro, tratamos das
noções básicas da Análise do Discurso Crítica, cujos
conceitos de discurso e de poder serão apresentados,
depois ajustamos a lupa para tratar do discurso sexista e
machista, conceito que nos é caro para operacionalizar
nossos dados.

675
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

2.1 Sobre Análise do Discurso Crítica

A ADC propõe uma reflexão teórica sobre o


funcionamento da linguagem como prática social e
propõe métodos para análise de textos, considerando
que os textos incorporam práticas sociais e culturais de
um grupo social, revelando suas crenças, seus valores,
seus contextos e suas ideologias. Tem como principal
objetivo analisar as relações estruturais, que se mantêm
transparentes ou veladas, de discriminação, de poder e
de controle manifestadas no discurso (MACEDO;
VIEIRA, 2018). À luz de uma análise discursiva crítica –
ADC (FAIRCLOUGH, 2001; BATISTA JR. et al, 2018),
consideramos que as relações de poder podem ser
mudadas, superadas e invertidas, devido à dialética da
relação entre discurso e sociedade (MACEDO; VIEIRA,
2018). Aqui, o conceito de poder, atrelado ao de
hegemonia, traz uma noção de dominação, porém a
hegemonia se estabelece mais pela construção de
alianças e pelo consentimento do que pela simples
dominação. Podemos citar um exemplo prático disso,
como a relação do branco-negro, em que há um sistema
de dominação racial que se estrutura através de práticas
inconscientes dos indivíduos, onde a segregação racial se
manifesta de maneira institucional ou estrutural, no
ambito profissional, escolar e até nas palavras e
expressões que usamos. Essa prática de reprodução do
racismo inconsciente revela uma relação de dominação

676
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

baseada no consentimento que envolve a naturalização


de práticas. Apesar disso, a luta contra o racismo persiste
tentando desconstruir essa naturalização. Sendo assim,
estabelece-se no campo da linguagem um espaço para
uma luta hegemônica, uma luta pelo poder e pela
dominação de um grupo social sobre outro grupo.

Fairclough (1992, 2001), com base em Gramsci, define


hegemonia como liderança e dominação econômica,
política, cultural e ideológica consensuais, mas
relativamente instáveis devido à dialética entre
discurso e sociedade, o que abre possibilidades de
mudança” (VIEIRA; MACEDO, 2018, p. 58).

Dentre as relações estruturais estudadas pela


ADC, estão temas como o racismo, a linguística queer, a
decolonialidade, a gordofobia, a homofobia e o assunto
que nos interessa, o discurso sexista, sobre o qual nos
debruçaremos na próxima subseção.

2.2. O discurso sexista/ machista

O sexismo é um ato de discriminação, onde quem


o comete reduz uma pessoa ou um grupo de pessoas
apenas pelo gênero, normalmente associado ao ato de
discriminação do homem contra a mulher. O sexismo
aqui é entendido, conforme Smigay (2002), como
expressão correlata de violência, “uma posição, ou uma

677
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

postura misógina [...]. Sexismo é uma atitude de


discriminação em relação às mulheres” (SMIGAY, 2002
apud dos SANTOS COSTA, 2019, p. 140), pois, na
sociedade em que vivemos, onde homens dominam
mulheres de todas as formas, é impossível afirmar que
os homens sofrem ou sofreram com o sexismo, inclusive
até hoje não há documentação que comprove a opressão
de mulheres sobre homens, apenas o oposto. Segundo
Cabral (2018),

Tanto o termo sexismo quanto machismo nos remetem a


problematizar as relações de desigualdades entre homens e
mulheres no contexto social. São produções culturais que se
ancoram nas assimetrias produzidas pelas relações de
gênero e que contribuem para a subjugação da mulher e do
considerado como feminino (CABRAL, 2018).

Dito isso, o discurso sexista é a materialização


desse sexismo nas práticas sociais, principalmente pelos
homens contra as mulheres, estabelecendo relações de
poder e de dominação de um grupo social sobre outro
grupo social. Consideramos que, apesar de o discurso
sexista ser hegemônico e dominante, está em uma
constante luta para a manutenção do poder e pode ser
superado. Exemplos disso são os sucessos de
desnaturalização desse discurso ao longo da história,
como a conquista do voto pela mulher, a liberação
sexual, a criação de leis que protegem as mulheres, a

678
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

conquista por altos cargos do governo e/ou de empresas


pelo público feminino etc. Entretanto, a prática
discursiva (produção, distribuição e consumo) e a
interpretação textual ainda contribuem para a sua
reprodução e manutenção nas diferentes esferas sociais,
naturalizando-o e o tornando passível de consentimento
das massas dominadas.
Uma das questões pouco problematizadas ao
longo do tempo, por conta da naturalização, diz respeito
às vestimentas do público masculino e feminino. Vestir-
se é também uma representação discursiva. Veja-se, por
exemplo, o uso da burca, uma roupa que cobre todo o
corpo, inclusive o rosto, sempre preta ou azul, utilizada
por mulheres muçulmanas ou pelas que vivem em
territórios dominados por governos religiosos e
autoritários. Trata-se de uma representação discursiva
dos valores e ideologias de uma cultura religiosa que
retira das mulheres o direito de escolha das roupas, por
exemplo. No Brasil, o uso de calças compridas por
mulheres, por exemplo, também é muito recente, uma
vez que essa vestimenta sempre foi símbolo de poder
masculino. Mais uma vez, o discurso sexista apresenta-
se materialmente pelas indumentárias.
Ainda há questionamentos acerca dos direitos das
mulheres, sobre o que devem fazer, o que usar ou como
se portar. Durante anos, as mulheres vêm lutando pelo
seu lugar na sociedade, reivindicando e conquistando
seus direitos e, apesar do esporte ter sido feito pelos

679
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

homens e para os homens (PFISTER, 2003), as lutas


sociais permitiram a inserção das mulheres nos jogos,
não apenas para diversão, mas também como
profissionalização, como diz Cabral (2018):

[...] as constantes modificações sociais, entre elas, as lutas


por representação social, possibilitaram com que as
mulheres reivindicassem o esporte como meio de expressão
e profissionalização. Cada vez mais mulheres começam a
praticar esportes, tornando-se atletas profissionais com
visibilidade em diferentes competições, inclusive nos Jogos
Olímpicos (CABRAL, 2018).

Contudo, a conquista no esporte não significa a


conquista do respeito e da não sexualização, muito pelo
contrário, a sexualização dos corpos das atletas são cada
vez mais evidentes, uma vez que são submetidas à
obrigatoriedade de usar roupas desconfortáveis que
expõem os seus corpos em prol de satisfazer os desejos
masculinos.
A manutenção dessa regra nas normas
regulamentadoras é resultado de uma naturalização, que
sustenta o poder do discurso sexista e o mantém
hegemônico. No que diz respeito ao direito de competir,
os únicos que podiam participar dos jogos olímpicos
eram os homens. Todavia, um dia após a primeira
olimpíada da era moderna, uma mulher correu o
percurso da maratona “no dia seguinte à corrida oficial
dos homens, como forma de protesto para mostrar que

680
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

mulheres também podiam participar dos Jogos


Olímpicos” (SAE DIGITAL, 2021). Quatro anos depois,
em 1900, as mulheres conseguiram participar das
olímpiadas de forma extra-oficial em algumas provas
que não envolviam contato físico e, ao passar dos anos,
foram conquistando o seu lugar nas competições,
passando a serem vistas como atletlas e não apenas como
participantes.
A fim de compreender como o poder se mantém
através do discurso sexista nas indumentárias das
atletas, podemos considerar a naturalização da
sexualização das mulheres para suprir os desejos dos
homens e que essa naturalização, principalmente nas
indumentárias femininas olímpicas, advém da
necessidade de reprimir e transformar o que foi
conquistado (o direito de competir) em falsas conquistas,
como diz Santiago e Lima-Neto (2020, p.80):

Sendo assim, a função feminina, em seu meio social,


reduz-se a sua sexualidade, a mulher torna-se um
simples objeto de consumo, as funções
desempenhadas por elas se revelam como falsas
conquistas, de modo que o resultado de sua atuação
não aponta para outros caminhos que não os de
satisfazer os interesses masculinos.

Portanto, não é exagero afirmar que, de um certo


ponto de vista, a conquista das mulheres em participar

681
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

dos jogos olímpicos se torna uma falsa conquista a partir


do momento em que elas se tornam, dentro dos jogos,
objeto de satisfação para os homens, onde seus
uniformes, que expõem seus corpos, servem para
satisfazer interesses masculinos, resultado da
sexualização do corpo feminino. Tentaremos mostrar
isso na análise de dados, não sem antes expor os passos
metodológicos.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Essa é uma pesquisa descritiva que tem por


finalidade aprofundar o conhecimento sobre a atuação
do discurso sexista em indumentárias esportivas e servir
como base estratégica para trabalhos futuros
correlacionados ao sexismo e a linguagem como prática
social. Através de uma abordagem qualitativa, a análise
se deu a partir dos textos publicizados na internet sobre
a temática sexista, que especificamos a seguir. Coleta dos
dados de duas postagens da página no Instagram
Quebrando o Tabu e de um vídeo no YouTube da
emissora Jovem Pan, que repercutiram em 2021 e que
trouxeram o sexismo como tema de discussão. onde os
estudamos de forma ampla considerando o contexto
social e as características da sociedade em que os
mesmos estão inseridos, levando em conta o método
indutivo, por acreditarmos que a partir da análise desses
casos podemos concluir algo.

682
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

3.1 Coleta de dados

O corpus desta pesquisa recai em cinco textos


publicados em redes sociais: duas postagens da página
Quebrando o Tabu, no Instagram70 e três comentários de
internautas num vídeo publicado pelo canal da Jovem
Pan, no Youtube71. Todos os textos abordaram o mesmo
assunto – a sexualização da mulher por meio de
indumentárias, mas defendendo seus respectivos pontos
de vista. Sendo assim, para a primeira parte da coleta do
nosso corpus, escolhemos o Instagram como plataforma,
uma vez que as respectivas páginas têm alcance de
milhões de seguidores. A página do Quebrando o Tabu
tem mais de oito milhões de seguidores. A primeira
postagem traz a notícia sobre a multa que as atletas
norueguesas receberam por não estarem usando biquíni
durante uma competição. Já a segunda postagem serve
como amparo, pois reforça o discurso de resistência e
levanta algumas questões sobre a sexualização presente
nas regras regulamentadoras.
Os outros três textos analisados são oriundos de
um excerto do vídeo do programa Morning Show, do dia

70 Disponível em:
https://instagram.com/quebrandootabu?igshid=YmMyMTA2M2Y=
. Acesso em: 13 abr. 2022.
71 Disponível em: https://youtube.com/c/morningshow. Acesso em:

13 abr. 2022.

683
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

28 de julho de 2021, da emissora Jovem Pan, em que os


apresentadores discutem sobre a exposição dos corpos
das atletas. tratando o protesto como algo banal,
naturalizando a sexualização feminina.

4 DISCURSO SEXISTA EM INDUMENTÁRIAS


ESPORTIVAS

A análise está organizada em dois momentos: no


primeiro, debruçamo-nos sobre as publicações da página
Quebrando o Tabu, no Instagram.
Na segunda seção, trazemos a postagem da Jovem
Pan e os comentários derivados. Vejamos agora o
primeiro texto, publicado em 21 de julho de 2021.
A primeira coisa que se percebe neste texto é que
se trata de um repost da página Quebrando o Tabu de
uma matéria jornalística da BBC Brasil, acrescida de uma
legenda, onde mostra como a instituição se posiciona.
Traz-se para discussão a multa que o time de handebol
da Noruega recebeu após não usar biquíni durante uma
competição. A página citada, que tem um viés
progressista, costuma trazer assuntos que estão em alta
para propagar seus discursos de resistência, seja em
formato de vídeo ou texto verbal/ multissemiótico.

684
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

Assim, por conhecer o que a página defende, a


publicação por si denuncia a problemática em questão.

Figura 1 - Postagem do Quebrando o Tabu.

Fonte: Quebrando o Tabu, 2021. Disponível em:


https://www.instagram.com/p/CRm1mvkFjq1/?igshid=YmM
yMTA2M2Y=. Acesso em: 29 abr. 2022.

No primeiro momento, o post nos traz um


questionamento sobre o porquê de as atletas estarem

685
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

sendo multadas por usarem shorts, se os homens podem


usar as suas bermudas para competir. Essa publicação
acusa um discurso sexista, utilizando um discurso de
resistência a favor das mulheres, salientando a
importância das atletas terem reagido diante das
imposições sobre seus corpos e ainda reforça a
problemática que é a sexualização dos corpos das
mulheres presente nas normas regulamentadoras. A
resposta a essa indagação gera certa indignação, pois
temos consciência sobre a desigualdade entre homens e
mulheres, mas, mesmo assim, nos perguntamos como
uma regra como essa, que obriga as atletas a usarem
biquíni nas competições, permanece até hoje.
O Quebrando o Tabu continua a discussão em
um outro post, onde traz a comparação entre os
uniformes femininos e masculinos.
Mais uma vez o que é colocado em questão é o
real objetivo do esporte e a sexualização do corpo da
mulher em comparação à liberdade do gênero
masculino, que tem um uniforme coberto e confortável.
A publicação, que faz alusão à postagem da
@midianinja72, se posiciona contrariamente a essas
questões, que, a priori, deveriam estar apenas no âmbito
esportivo, mas podem ser problematizadas, por dizer
respeito à figura da mulher.

72 https://instagram.com/midianinja?igshid=YmMyMTA2M2Y=

686
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

Figura 2 - Diferença de indumentárias.

Fonte: Quebrando o Tabu, 2021. Disponível em:


https://www.instagram.com/p/CRq7MR_twkd/?igshid=Ym
MyMTA2M2Y=. Acesso em 29 abr. 2022.

687
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

Em contraponto a esse discurso de resistência,


milhares de comentários se seguiram, ora reverberando
o combate ao sexismo, ora sustentando a tese de que se
trata de algo muito pequeno, o que claramente consolida
a ordem do discurso sexista.
Na mesma época, em 28 de julho de 2021, o
programa Morning Show publicou um vídeo em que se
debate a questão.

Figura 3 - Morning Show.

Fonte: Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=fH8yy-B_Zj0.
Acesso em: 29 abr. 2022.

A partir dos 3:08 do vídeo, é possível ver o


debatedor Adriles Jorge dizendo o seguinte:

688
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

não vejo nenhum tipo de problema em explorar uma


sensualidaade maior [...] eu, por exemplo, vejo jogos de vôlei
e adoro ver as coxinhas das meninas lindas, esbeltas,
maravilhosas, corpulentas, opulentas [...]. Isso não quer
dizer que elas sejam diminuídas em sua categoria [...].

É curioso que o mesmo debatedor, já conhecido


nas mídias digitais pela defesa de discursos misóginos e
preconceituosos, acaba por deliberadamente tomar
conta de praticamente todo o vídeo e, quando da
oportunidade de ouvir outros debatedores, atropela-lhes
o turno, dando pouca chance para o debate de ideias. É
natural, portanto, que a temática, polêmica, não tenha
consenso nem mesmo com os apoiadores do programa,
que têm tradicionalmente um perfil mais conservador.
Muitos de seus espectadores não reagiram bem ao se
depararem com a naturalização da sexualização
feminina exposta no programa:

Figura 4 - Comentário de leitor.

Fonte: Morning Show, 2021. Disponível em


https://youtu.be/fH8yy-B_Zj0. Acesso em: 29 abr. 2022.

689
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

O comentário acima, que teve 155 curtições e seis


comentários, se posiciona contrariamente ao discurso de
Adriles, que defende a naturalização da sexualização,
sendo, portanto, um discurso de resistência. Tal posição
também julga ser inconcebível que as práticas sejam
mantidas, uma vez que a questão já passa do limite
aceitável socialmente. Mesmo assim, não se trata de uma
posição consensual dos leitores:

Figura 4 - Comentário de leitor.

Fonte: Morning Show, 2021. Disponível em:


https://youtu.be/fH8yy-B_Zj0. Acesso em: 29 abr. 2022.

Percebemos que o indivíduo usa outros discursos


como um amparo para seu discurso sexista. O uso do
termo viralizado “lacrar”, que significa, segundo Stein
(online), “uma forma crítica irônica sobre quem
promove um discurso extenso de defesa de minorias”, é
utilizado pelo internauta, que alega que é este o principal
objetivo das jogadoras que se sentiram ofendidas com a
multa recebida: ganhar atenção. Veja que, ao falar que as
atletas só querem lacrar, o indivíduo vela o seu discurso

690
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

sexista, deslegitimando o protesto das atletas com a


desculpa de que tudo hoje se resume a querer aparecer.
A presença de discursos contrários e,
principalmente, discursos de resistência que batem de
frente com discursos conservadores constroem uma luta
hegemônica, uma luta pelo poder, em vias de
naturalização (FAIRCLOUGH, 2001):

Figura 5 - Comentário de Leitor.

Fonte: Quebrando o Tabu, 2021. Disponível em:


https://www.instagram.com/p/CRq7MR_twkd/?igshid=Ym
MyMTA2M2Y=. Acesso em: 29 abr. 2022.

Nesse comentário, por exemplo, ao falar “vão


problematizar isso agora?”, o indivíduo demonstra uma
ideia naturalizada de ações sexistas, onde não se vê
problema das atletas serem obrigadas a usarem biquínis,
mesmo que isso as deixem desconfortáveis. São
posicionamentos como esse que mostram que a ordem
do discurso é o machismo, que busca, de todas as formas,
consolidar seu poder em diferentes esferas da vida,
escalando diferentes estruturas do poder, como as que
legitimam as regras de atividades esportivas. Como já

691
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

citado, o poder é instável e é por isso que encontramos


comentários sexistas mesmo em publicações de uma
página progressista e vice versa, pois há sempre uma
luta pela hegemonia.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho buscamos responder como o


discurso sexista se mantém hegemônico nas
indumentárias esportivas das atletas. Para isso, depois
de todo o arrazoado, os resultados encontrados apontam
que o discurso sexista mantém seu poder de forma
velada e se sustenta no esporte através das normas
regulamentadoras das vestimentas. Aqui procuramos
defender a tese de que esse discurso sexista é
naturalizado e colocado como algo inofensivo para
reforçar a ideia de que a mulher deve ser submissa e
sexualizada.
Este trabalho é fruto de uma pesquisa preliminar,
em que aprofundamos o conhecimento sobre o discurso
sexista nas indumentárias esportivas, mas que deixa
brechas para futuros trabalhos, a fim de servir como base
para outras pesquisas correlacionadas. Sugere-se
ampliar o escopo e verificar se regras como as esportivas
também aparecem, na mesma proporção, em outras
esferas da vida, como no trabalho, nas instituições de
ensino ou nos templos religiosos, por exemplo.

692
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

REFERÊNCIAS

BATISTA JR; J.R.L.; SATO, D. T. B.; MELO, I. F. Análise


do discurso crítica para linguistas e não linguistas. São
Paulo: Parábola, 2018.

CABRAL, Vitória Teixeira. Gênero e esporte: análise


de reportagens sobre a participação de mulheres nos
jogos olímpicos do rio de janeiro. 2018. 38 f. Trabalho
de Conclusão de Curso (Graduação em Educação
Física) - Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia, 2018.

DOS SANTOS COSTA, N. P. O discurso sexista e a


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Sociedade e Linguagem, n. 10, p. 124-145, 3 jun. 2020.

FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social.


2. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2001.

GLOBO. Fantástico. Uniforme longo da equipe alemã


de ginástica é protesto contra a sexualização no
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rme-longo-da-equipe-alema-de-ginastica-e-protesto-
contra-a-sexualizacao-no-esporte.ghtml. Acesso em: 18
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693
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

GLOBOPLAY. É de casa. Contra sexualização das


mulheres, ginastas alemães se apresentam de
macacão. Globoplay, [S. l.], p. 1-7, 31 jul. 2021.
Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/9731322/.
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MORNING SHOW. Equipe de handebol feminina se


recusa a jogar de biquíni e Pink se oferece para pagar
multa. 28 jul, 2021. Disponível em:
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NORWAY vs Spain | Women’s Beach Handball


EURO 2021 3rd Place | Full Match Highlights.
Youtube.com: [s. n.], 2021. Disponível em:
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Acesso em: 18 nov. 2021.

PFISTER, G. Líderes femininas em organizações


esportivas – Tendências mundiais. Movimento, Porto
Alegre, v. 09, n. 2, p. 11-35, mai./ago. 2003.

QUEBRANDO O TABU. Time de Handebol da


Noruega é multado em R$ 9,2 mil po não usar biquíni.
São Paulo, 21 jul, 2021. Disponível em:
https://www.instagram.com/p/CRm1mvkFjq1/?igshid=
YmMyMTA2M2Y=. Acesso em: 29 abr. 2022.

694
Cap. 19 – O discurso sexista nas indumentárias esportivas de atletas de elite

RIBEIRO, Bianca; FELIPE, Marcello; SILVA, Marcelo;


CALVO, Adriano. Evolução histórica das mulheres
nos Jogos Olímpicos. EFDPORTES.COM, 2013.
Disponível em:
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RIVEIRA, Carolina. Jogadoras da Noruega são


multadas por não aceitar uniforme biquíni. EXAME,
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SANTIAGO, L. N.; LIMA-NETO, V. Discursos


machistas e homofóbicos e suas repercussões nas redes
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VIEIRA, Josenia; MACEDO, Denise. Conceitos-chave


em análise de discurso crítica. In: SATO, D. T. B.;
MELO, I. F; BATISTA JR, J. R. L. Análise do discurso
crítica para linguistas e não linguistas. São Paulo:
Parábola, 2018. cap. 3, p. 48-77.

695
Retornar ao Sumário
Capítulo 20

ANÁLISE GEOSSEMIÓTICA DOS


ESPAÇOS PÚBLICOS E PRIVADOS DO
CENTRO DA CIDADE DE MOSSORÓ

Josielle Raquel Dantas da Silva


Moisés Batista da Silva

Paisagem semiótica
Geossemiótica
Ordem de interação
Semiótica visual
Semiótica do lugar

697
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

1 INTRODUÇÃO

Com os novos meios midiáticos de comunicação,


que surgiram com a explosão das novas tecnologias, as
metrópoles e os centros das cidades ganharam muitos
aparatos textuais distintos: cartazes, panfletos, placas,
outdoors, fachadas, letreiros, pichações e grafites deram
espaço para a modernização tecnológica com cartazes e
fachadas eletrônicas, designs personalizados, entre
tantos outros. Essas tais multiformas de linguagens são
consideradas multimodais. De acordo com Kress e Van
Leeuwen (2001), um texto torna-se multimodal a partir
do momento que se utiliza de diferentes modos
semióticos em sua construção de sentido, como as cores,
as fontes das letras, a utilização de imagens, o tamanho
dos elementos dispostos no texto etc. Com os centros
urbanos cada vez mais cheios com esses múltiplos
textuais, espera-se da população uma adaptação social a
esses elementos, de forma que compreendam o contexto
e a importância das informações que estão sendo
transmitidas. Espera-se ainda que a população seja capaz
de interagir com os discursos dispostos em áreas
urbanas, podendo opinar, ser influenciado ou
influenciar os textos multimodais que estão ao seu
alcance no dia a dia.
Perante essa breve explanação, pode-se indicar
como principal motivação para o desenvolvimento desse
estudo o interesse em investigar como se dá a construção

698
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

de sentido que advém dessa paisagem linguística nos


ambientes de maior acesso populacional, o centro de
uma cidade, já que é um ambiente propício à interação
de indivíduos com textos multimodais, que por sua vez,
são produzidos ora por empreendedores e órgãos
governamentais, ora pelos próprios cidadãos. Diante
disso, esta pesquisa é motivada pelos seguintes
questionamentos: de que maneira espaços públicos e
privados no centro da cidade de Mossoró/RN podem ser
lidos, considerando a descrição de textos
multissemióticos que ali se apresentam e a relação que
eles estabelecem com o espaço-tempo?
Na busca por respostas para os questionamentos
levantados na pesquisa, temos como objetivo principal
analisar alguns espaços urbanos, públicos e privados do
centro da cidade de Mossoró/RN, com a intenção de
propor uma estratégia de leitura semiótica, levando em
consideração que parte da interpretação de um texto
visual se dá pelo espaço e localidade ao qual está situado.
Para tal feito, utilizaremos como ferramenta analítica a
teoria Geossemiótica, descrita por Ron Scollon e Suzie
Wong Scollon (2003), que servirá de base para explicar a
relação entre os textos multimodais e sua conexão com o
espaço-tempo.
Uma pesquisa desse porte, além de fornecer
construtos teóricos para que os cidadãos possam
interpretar os textos multimodais com os quais estão em
constante interação, ainda descreve como o texto se

699
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

relaciona com o ambiente e com o leitor/observador,


possibilitando aos membros sociais da comunidade
compreenderem as intenções que estão por trás de um
texto, o porquê de estarem em espaço e não em outro.
Esses conceitos vão auxiliar no entendimento da
paisagem linguística da cidade situada.
Tendo em vista essa breve contextualização, este
capítulo se estrutura nas seguintes seções. O item 2 vai
discorrer sobre o estudo Geossemiótico: as semioses do
espaço físico; o item 3 vai tratar da metodologia da
pesquisa e o item 4 abordará as discussões e análises
realizadas, seguindo, as considerações finais.

2 GEOSSEMIÓTICA: AS SEMIOSES DO ESPAÇO


FÍSICO

A Geossemiótica surgiu a partir das pesquisas


sobre multilinguismo, tendo como intuito inicial checar
a ocorrência de estrangeirismo em determinados
espaços. No entanto, percebeu-se que a construção de
sentido que advinha desses textos se interligavam com o
local onde estavam expostos. Em vista disso, a teoria se
ajustou, unindo três linhas de pesquisas a um mesmo
construto que discutiremos adiante. À luz da
Geossemiótica, muitas pesquisas foram desenvolvidas,
entre as quais podem-se destacar os trabalhos de
Rainbird & Rowsell (2011), Nichols (2011), Pahl & Allan
(2011), Hult (2013) e Scheifer (2014).

700
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

Desenvolvida por Scollon e Scollon (2003), a


Geossemiótica faz parte de uma gama de estudos que
têm como interface principal analisar a intencionalidade
de se expor uma semiose do mundo físico em uma
determinada área. Na descrição dos fundadores da
teoria, “Geossemiótica é o estudo dos sistemas de
significado pelos quais a linguagem está localizada no
mundo material” (SCOLLON & SCOLLON, 2003, p. 11.
Grifos dos autores, tradução nossa).73 Logo, o enfoque
desta teoria é analisar não apenas um tipo de linguagem
ou o que é exposto a partir de um texto, mas o ambiente
físico em que este se encontra, levando em consideração
todas as possíveis formas de construção de significados.
Scheifer (2014, p. 103, grifos do autor), em concordância
com os autores supracitados, acrescenta: “[...] trata-se de
uma teoria que reúne insights da geografia cultural, da
comunicação e da sociologia para estudar o sentido
social da locacionalização material dos signos, discursos
e ações no mundo vivido”. Dessa forma, é levado em
consideração não apenas a figura de um momento, mas
todas as ações que fazem parte do acontecimento; o local,
as pessoas, as ações, o mundo, tudo torna-se a própria
imagem, um discurso a ser interpretado.
Segundo Nichols (2011, p.169, tradução nossa), a
proposta da Geossemiótica “incorpora os conceitos de

73 Geosemiotics is the study of the meaning systems by which


language is located in the material world.

701
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

lugar/espaço e significação, e é uma abordagem para


entender os textos existentes”74. Nesse caso, é válido
dizer que parte do significado de um texto sofre
influência do momento da história que está sendo
colocado, do texto propriamente apresentado e do local
físico ao qual está inserido. Por exemplo, uma placa com
o aviso “proibido comer”, dentro de um restaurante, não
faz sentido, ou aviso “não pise na grama” dentro de um
hospital também não haverá uma compreensão coerente
do texto. Nesse caso, ele não terá valor ou significado
algum. Dessa forma, “todos os sinais e símbolos tomam
uma parte importante de seu significado de como e onde
eles são colocados - naquela esquina da rua, naquele
momento da história do mundo”75 (SCOLLON e
SCOLLON, 2003, p. 17, tradução nossa).
Os estudos iniciais da Geossemiótica, como já
mencionado, surgiu a partir dos estudos do
multilinguismo, mas ganhou outro patamar sob os
olhares de Scollon & Scollon (2003). Para estes autores,
um indivíduo pode perceber a linguagem no mundo
material de três formas: (I) a partir da ordem de
interação que faz menção a comunicação de pessoa para

74 Incorporates the concepts of place/space and signification, and is


an approach to understanding texts in place.
75 All of the signs and symbols take a major part of their meaning

from how and where they are placed – at that street corner, at that
time in the history of the world.

702
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

pessoa, seja de forma oral, escrita ou gestual; (II) através


da semiótica visual, a relação entre texto e imagem e (III)
por intermédio da semiótica do lugar. Nesse caso, temos
a união de todos os demais símbolos que de maneira
direta, ou não, podem apresentar algum tipo de
linguagem, conforme Scollon & Scollon (2003). Dessa
forma, podemos concluir que a “geossemiótica analisa os
sistemas semióticos entre os quais atuamos no mundo.
Nesse sentido, está intimamente relacionado a uma
perspectiva de ação sobre como os significados são
feitos” 76 (SCOLLON & SCOLLON, 2003, p. 13, tradução
nossa).
Na figura 1, conforme Scheifer (2014), pode-se
observar, em síntese, as teorias que abarcam o estudo da
Geossemiótica e os autores que serviram de base para o
desempenho de cada categoria analítica. A ordem
interacional foi embasada nos estudos de Goffman
(1981), que busca tratar das formas de conversação, ou
seja o modo que as pessoas se comunicam e se
relacionam. De acordo com Nunes (2007), os estudos de
Goffman têm sido referência para análise de diversos
tipos e em diferentes níveis de comunicação.

76Geosemiotics analyzes the semiotic systems among which we take


actions in the world. In that sense it is closely related to an action
perspective on how meanings are made.

703
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

A semiótica visual é inspirada nos estudos de


Kress & Van Leeuwen (1996; 2006) que fazem menção ao
aspecto multimodal da linguagem, levando em
consideração tanto os elementos verbais quanto não-
verbais de textos visuais. Enfim, a semiótica do lugar vai
agregar as duas construções anteriores ao espaço de
interação dos indivíduos, possibilitando uma análise de
percepção total de significações da construção de sentido
dessas áreas, pois considerar-se-á os indivíduos, os
textos que os rodeiam e o lugar onde ambos estão
inseridos.

Figura 1 - As três abordagens da Geossemiótica.

Fonte: Adaptado de Scheifer (2014, p. 103).

Em essência, são essas três vertentes que norteiam


os estudos da Geossemiótica. Para uma melhor
compreensão de cada categoria teceremos mais
discussões a respeito de cada uma nos tópicos a seguir.

704
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

2.1 Ordem de Interação

Ao observarmos o meio social, podemos perceber


que vivemos em um espaço-tempo discursivo, ou seja,
existe um espaço social e formas de um indivíduo se
comunicar com outro, do mesmo modo que há
ferramentas que auxiliam no processo de comunicação
que podem ser usadas em um período e serem
esquecidas ao longo do tempo. Por exemplo, as cartas
foram muito utilizadas ao longo da história pela
sociedade, mas, com o avanço tecnológico, foram
substituídas por outras ferramentas mais práticas e
rápidas de comunicação. Com isso, queremos dizer que
os discursos produzidos por agentes sociais em um
determinado período fazem parte de uma ordem
interativa de comunicação. “Essa ordem de interação
consiste no conjunto atual, contínuo, ratificado (mas
também contestado e negado) de relações sociais que
assumimos e tentamos manter com as outras pessoas
que estão em nossa presença”77 (SCOLLON &
SCOLLON, 2003, p. 16, tradução nossa).
De acordo com Nichols (2011), a ordem de
interação faz menção à forma com que as pessoas
interagem em um determinado espaço. Por exemplo,

77This interaction order consists of the current, ongoing, ratified (but


also contested and denied) set of social relationships we take up and
try to maintain with the other people who are in our presence.

705
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

quando chamadas a um tribunal, as pessoas se vestem e


agem de uma determinada forma, diferente de quando
se encontram no conforto de suas casas. Ou quando um
grupo de indivíduos se encontram casualmente num
casamento, agem de uma forma e quando se encontram
num velório, agem de outra. Com isso, é cabível dizer
que tanto as ações quanto os atos que tomamos,
enquanto membros da sociedade, são guiados por
aspectos sociais do mundo físico que nos rodeiam.
Todavia, não podemos esquecer que o espaço-tempo
onde nos encontramos também influencia o processo de
interação que podemos desenvolver naquele momento
da história. Se compararmos a forma que as mulheres
agiam e se expressavam no século passado para os
tempos atuais, podemos perceber mudanças
significativas no processo de interação.
Com essa visão, tendo por base os estudos de
Goffman, Scollon & Scollon (2003) apresentam diferentes
estruturas de interação social que estão divididos em
espaços, como o visual, o auditivo, o olfativo, o térmico
e o tátil. Tudo isso tem a ver com os sentidos que
desempenhamos ao nos encontramos em um
determinado espaço. Uma conversa na cafeteria de um
shopping pode acontecer de uma forma se houver
poucas pessoas no espaço e de outra se o espaço estiver
lotado. A diferença não estará no assunto que é falado,
mas no atravessamento dos outros discursos no local. Ao
discutir esse parâmetro, Scollon & Scollon (2003, p. 17,

706
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

tradução nossa) atestam o real interesse do estudo


voltado a ordem de interação:

Estamos interessados nas maneiras como essas


diferentes estruturas de interação social são usadas
pelas pessoas para produzir discursos no local - onde
elas se sentem confortáveis para ter um bate-papo e
com quem, e como essas estruturas de interação social
são elas mesmas parte do 'mundo' para outros que
estão nesse mesmo espaço físico? [...]. Todos esses
sistemas semióticos que encontramos ‘no lugar’ são
parte do equipamento de signos que podemos e
usamos para produzir nossas ações no mundo. 78

Desse modo, as sensações e emoções que


construímos em uma determinada situação podem ser
associadas às impressões de sentidos daquele momento,
ou seja, o que foi ouvido, os aromas e fragrâncias que
foram perceptíveis, o que foi visto, tocado e sentido.
Contudo, podemos concluir as discussões em relação à
ordem de interação, ressaltando que a forma como
agimos e nos comunicamos com outros agentes sociais

78 We are interested in the ways these different structures of social


interaction are used by people to produce discourses in place –
where do they feel comfortable having a chat and with whom, and
how are these structures of social interaction themselves part of the
‘world’ for others who are in that same physical space? [...]. All of
these semiotic systems which we find ‘in place’ are part of the sign
equipment we can and do use to produce our actions in the world.

707
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

são influenciados pelo ambiente que estamos no


momento da interação e com os acontecimentos e
indivíduos que estão ao entorno.

2.2 Semiótica Visual

A semiótica visual tenta “examinar como os


objetos são constituídos como conjuntos visuais, sejam
imagens bidimensionais ou figuras esculpidas, na
semiótica do espaço visual” 79 (SCOLLON & SCOLLON,
2003, p. 17, tradução nossa). Em essência, o conceito de
semiótica visual que os fundadores da teoria apresentam
é embasado nos pressupostos da Semiótica Social, de
Kress & Van Leeuwen (1996), ou seja, de como os
artifícios visuais podem ser combinados para serem
utilizados ao comunicar alguma coisa, ao mesmo tempo
em que busca interagir com o leitor/observador na
tentativa de fazer parte da realidade do indivíduo
através de simbologias semióticas.
Conforme Nichols (2011), a semiótica visual se
refere ao modo que os textos e as imagens são vistas,
quer dizer, as construções de sentido que advém do
relacionamento entre o leitor/observador e a imagem.
Para tanto é levado em consideração os artifícios

79we examine how objects are constituted as visual wholes, whether


two-dimensional pictures or sculpted figures, in the semiotics of
visual space.

708
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

imagéticos que buscam persuadir o leitor, como as cores,


a saliências dos elementos do texto/espaço, o tamanho
das letras, os recursos e artifícios que chamam a atenção
do leitor (KRESS, 2010).
Para Scollon & Scollon (2003), os elementos que
fazem parte de uma paisagem semiótica não ocupam
uma determinada área por acaso e os artifícios visuais
têm uma finalidade que é ocasionar a interação entre o
observador e o texto imagético exibido. Diante dessas
considerações, Scollon & Scollon (2003, p. 18, tradução
nossa) ainda afirmam:

os sistemas, modalidades e composição dos


participantes representados ajudam a formar a
paisagem semiótica das imagens visuais e, assim,
moldam as interpretações da experiência pessoal e da
interação social. Nosso interesse em semiótica visual
está em como a ordem de interação é representada
visualmente, por um lado, e como a colocação de
símbolos visuais afeta sua interpretação, por outro.80

80Represented participant systems, modality, and composition all


help make up the semiotic landscape of visual images and thus
shape interpretations of personal experience and social interaction.
Our interest in visual semiotics is in how the interaction order is
represented visually on the one hand and in how placement of
visual symbols affects their interpretation on the other.

709
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

Desse modo, a principal intenção dos estudos da


semiótica visual é analisar de que forma se dá o processo
de interação visual do leitor/observador para com a
paisagem semiótica social de um espaço, para assim,
averiguar como os símbolos influenciam na interação do
indivíduo com a imagem no espaço que ele ocupa.

2.3 Semiótica do Lugar

O terceiro componente dos estudos


geossemióticos é a semiótica do lugar. Essa vertente
considera que o espaço físico de um acontecimento
também faz parte da construção de sentido de um texto
que é exposto ou de uma interação que é feita, já que toda
e qualquer ação que é realizada por um agente social se
localiza em algum espaço do mundo físico. Dessa forma,
“a semiótica do lugar ressalta a importância de
considerar o espaço não apenas como o contexto do uso
da linguagem, mas também como um veículo semiótico
em si”81 (LEE & LOU, 2019, p. 190, tradução nossa).
A semiótica do lugar leva em consideração a
leitura do espaço como um todo e, ao mesmo tempo,

81Place semiotics underscores the importance of considering space


not simply as the context of language use but also a semiotic vehicle
in itself.

710
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

influencia na construção de sentido e na exposição dos


textos e ações realizadas no local (NICHOLS, 2011). Ou
seja, esse ponto vai relacionar a interação do indivíduo
com o outro, a forma como ele vê a imagem e como o
espaço geográfico influencia na interpretação dessas
semioses, apresentando assim a conexão entre o sujeito a
imagem e o espaço.
Em síntese, a união dessas três vertentes, ordem
de interação, semiótica visual e semiótica do lugar, faz
da Geossemiótica uma ferramenta importante nos
estudos da linguagem, pois reúne pressupostos que se
dedicam à análise dos efeitos de sentido que um texto
produz no ambiente em que é exposto e apresentam
ainda como essa ligação influencia as escolhas dos
transeuntes que cruzam com esses textos. Em parceria
com a Gramática do Design Visual (GDV), a
Geossemiótica relaciona os textos multimodais, por
exemplo, à intencionalidade do local onde foram
expostos. Na quarta seção deste capítulo, veremos, na
prática, como essa teoria se aplica, ao analisarmos os
textos multimodais que fazem parte da paisagem
linguística/semiótica do centro da cidade de
Mossoró/RN.

711
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

3 CAMPO DE PESQUISA, PROCEDIMENTOS E


INSTRUMENTOS

O campo de pesquisa escolhido foi o Centro da


cidade de Mossoró que está localizada na região Oeste
do Estado do Rio Grande do Norte. Mossoró é
conhecida como a cidade do sol e teve o seu território
marcado pelas atividades do cangaço. A figura 2
demarca a localização do estado no país, do município
no estado e, dentro da cidade, especificamos com um
ponto o local onde se deu a coleta dos textos
multimodais, o centro da cidade.

Figura 2 - Localização da cidade de Mossoró/RN.

Fonte: Adaptado do Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatísticas (IBGE, 2010).

712
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

A primeira etapa desse estudo se deu de forma


online através da ferramenta Google Maps que nos
auxiliou na demarcação das áreas de coleta. Devido à
grande extensão do centro da cidade, essa medida foi
necessária. Ao escolher os espaços para a coleta,
consideramos os seguintes quesitos: (I) locais de grande
acesso populacional e que são muito visitados82; (II)
espaços de renome social e cultural, com base nas
descrições expostas no site oficial da cidade 83; (III) áreas
que o Google Maps reconheceu como fazendo parte do
centro da cidade.
Com os locais selecionados, a segunda etapa foi
dedicada à visitação desses espaços. Para tanto, realizou-
se uma caminhada fotográfica nas áreas alocadas
(públicas e privadas) para a coleta dos textos
multimodais. Ao todo, foram coletados 109 textos
multimodais dos mais diversos gêneros.
O gráfico 1 descreve, de forma geral, os tipos de
textos multissemióticos que constituem a paisagem
semiótica do centro de Mossoró. Esse levantamento
apresentou uma variedade dos textos visuais presentes
no cotidiano mossoroense.

82 Informações baseadas na matéria Mossoró: a terra do sol com muita


qualidade de vida em exposição no blog Tuaterra. Link de acesso:
<https://blog.tuaterra.com.br/lugares-incriveis-mossoro/>.
83 Link de acesso ao site da prefeitura municipal de Mossoró:

<https://www.prefeiturademossoro.com.br/cultura/>.

713
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

Gráfico 1 - Identificação das tipologias multimodais.

Fonte: Elaboração própria.

Com os textos coletados e catalogados, a terceira


etapa do estudo, para este trabalho, teve por finalidade
escolher dois textos (um texto de um espaço público e
um outro texto de uma área privada) para serem
analisados à luz da Geossemiótica, como proposto
inicialmente. Os textos selecionados para a realização
das análises foram escolhidos pelos seguintes quesitos:
a) relevância cultural e social desses espaços, tendo
como respaldo os estudos de Lucena (2007) e a descrição
da cidade apresentada no site oficial da prefeitura84, b)

84Link de acesso ao site da prefeitura municipal de Mossoró:


<https://www.prefeiturademossoro.com.br/cultura/>.

714
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

maior índice de visitação e acesso populacional das


áreas.85

4 DISCUSSÕES E ANÁLISES GEOSSEMIÓTICAS

É importante lembrar que, ao analisarmos a


disposição de textos imagéticos de alguns espaços do
centro da cidade de Mossoró/RN, temos o intuito de
propor estratégias de análises imagéticas para que
moradores e turistas da cidade tenham a possibilidade
também de interpretar estrategicamente não só a
paisagem geossemiótica da cidade como também o lugar
onde cada vive e mora como ambiente multimodal.

4.1 Análise do texto 1

O primeiro texto imagético que utilizaremos


como ferramenta analítica nesta pesquisa é um painel em
alto relevo, em exposição na figura 3 em uma área
pública, que está retratado na lateral de um prédio
antigo onde funciona, atualmente, uma empresa que
atua no ramo de correspondente bancário (figura 4). Ao
certo não se sabe que artista plástico emoldura tal obra,
pois sua assinatura é bastante impessoal, sendo assinado

85Informações baseadas na matéria Mossoró: a terra do sol com muita


qualidade de vida em exposição no blog Tuaterra. Link de acesso:
<https://blog.tuaterra.com.br/lugares-incriveis-mossoro/>.

715
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

apenas pelo sobrenome “Varela”. Seja homem ou


mulher, o artesão de tal obra merece nosso
reconhecimento por tal feito.

Figura 3 - Fachada do Edifício de atendimento bancário


logmais e lateral do edifício com pintura em alto relevo
intitulada “Coleção mossoroense”.

a b

Fonte: Imagens capturadas pelos pesquisadores.


De antemão, vale salientar que o painel em
formato de xilogravura apresenta os quatro

716
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

acontecimentos que marcaram o município de Mossoró


e testificou a cidade como terra da liberdade; I) a
representação do primeiro voto feminino no Brasil; II) o
motim das mulheres, movimento feminino que
reivindicava a participação de seus companheiros na
guerra do Paraguai; III) a libertação dos escravos de
Mossoró anos antes da sanção da Lei Áurea e IV) o
conflito entre lampião e guarda mossoroense que teve
como desfecho a morte do cangaceiro Jararaca86.
O edifício em questão se localiza no centro da
cidade de Mossoró/RN, próximo ao mercado público
municipal e a catedral de Santa Luzia. Logo é uma área
onde circulam muitas pessoas que diariamente se
deparam com tal pintura em relevo. Com isso,
reconhecendo a importância social, cultural e histórica
desse espaço para seus habitantes, vejamos como se dá o
processo de interação pessoal, visual e geográfica dessa
área a partir dessa obra artística.
Antes da análise propriamente dita, vale salientar
mais uma vez que a Geossemiótica leva em consideração
três categorias analíticas: a ordem de interação, focada
em analisar os tipos de relações que se estabelecem entre
os indivíduos em um determinado espaço; a semiótica
visual, que trata dos níveis de interação do sujeito com o

86Informações baseadas na descrição cultural e histórica da cidade


de Mossoró expostas no site oficial da prefeitura. Link de acesso:
<https://www.prefeiturademossoro.com.br/cultura/>.

717
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

texto imagético em exposição; e a semiótica do lugar, que


avalia a forma que o ambiente, ao qual o texto está
exposto, influência nas ações desempenhadas pelos
indivíduos e na leitura do próprio texto. Com esses
pressupostos, pretendemos investigar como se
estabelece a relação do texto e do sujeito com o lugar de
exposição das semioses multimodais.
Desse modo, a ordem de interação tem como
objetivo investigar como se dar o processo de interação
entre os indivíduos, considerando o ambiente e o espaço-
tempo que ocupam em um dado momento, levando em
consideração as sensações físicas (visual, olfativo,
auditivo, térmico e tátil) que um agente social ativa
quando se está interagindo com outro (NICHOLS, 2011).
Para esta análise, não podemos desconsiderar o
edifício onde se encontra o painel a ser analisado. Por
isso, dividimos a figura 3 na parte “a” para destacar a
fachada do prédio e a parte “b” para fazer referência a
pintura em relevo.
A parte “a”, da figura 3, faz referência ao edifício
onde foi esculpido a obra que é objeto de análise nesta
pesquisa. Levando em consideração o atual ambiente e
os fins para os quais ele é utilizado, nesse caso, uma
empresa de correspondência bancária, é um ambiente
propício a intensas interações sociais. Percebam que por
se tratar de um estabelecimento privado e de uso social
público, as pessoas agem e se vestem de uma
determinada forma. Nesse caso, a interação de sujeito

718
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

para sujeito ocorre mais constantemente por troca de


olhares e expressões faciais e corporais, considerando
que a maior parte dessas pessoas estão se encontrando
pela primeira vez neste ambiente.
Já a parte “b”, da figura 3, é a imagem de uma
pintura em alto relevo que apresenta os quatro
acontecimentos históricos da cidade de Mossoró. Essa
obra está na lateral do prédio onde funciona a franquia
“Logmais”.
Pelas condições do tempo e da exposição ao sol, a
imagem capturada revela que a obra, pelo menos nesse
momento, está com aparência desgastada e, em grande
parte, apagada, contribuindo, assim, para não ser tão
percebida. Além disso, podemos enfatizar que as
pessoas que circulam por esse espaço, na correria da vida
cotidiana, estão mais centradas em resolver suas
demandas, em seu benefício próprio, como por exemplo,
pagar uma fatura, realizar um saque ou depósito e,
talvez, também por estar tão “escondida” que os
transeuntes nem percebam que é uma obra de arte que
está lá para ser admirar, bem como produzir sentidos da
história local.
Por esse motivo, cabe em nossa análise, a
colocação de que os indivíduos que passam por esse
espaço não percebem com profundidade, atualmente, o
que significa essa obra que retrata os acontecimentos
históricos da cidade. Ou seja, às vezes, ao passarem por
conveniência ao lado, muitos sequer notam a presença

719
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

do painel, já que seu intuito é, primordialmente, utilizar


a franquia que está em funcionamento no prédio. Neste
caso, a maneira como o sujeito social age, está mais
relacionado ao ambiente privado/público ao qual deseja
ir para efetuar uma demanda cotidiana do que focado
nos elementos semióticos com os quais cruza pelo
caminho, embora o painel continue lá, também
produzindo por si, e à espera de novos significados.
A segunda categoria é a semiótica visual que
busca analisar a forma como os textos são vistos pelos
indivíduos. Como vimos anteriormente, na figura 3, a
parte “a” retrata, de forma implícita, a necessidade dos
indivíduos realizarem ações cotidianas, por exemplo,
fazer um pagamento, depósito ou saque. Por isso, podem
procurar um estabelecimento que efetue tais ações, Já a
parte “b” traz à tona momentos históricos que
acarretaram profundas mudanças sociais na cidade,
mas, às vezes, suscetível a ficar no passado e a cair no
esquecimento, como a falta de cuidado ao painel revela.
Se levarmos em consideração as categorias
analíticas da semiótica visual, de Kress & Van Leeuwen
(1996), podemos destacar, na paisagem visual, dos
ambientes expostos: um mais saliente que o outro. Ou
seja, a parte “a” chama mais à atenção dos agentes sociais
devido à construção harmônica de cores fortes e
vibrantes da fachada, enquanto parte “b”, embora traga
o retrato histórico da cidade, não chama mais à atenção

720
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

dos transeuntes, pois o painel em relevo se deteriorou ao


longo dos anos e deixou de ser chamativa.
Por fim, temos o enfoque na semiótica do espaço
que vai tratar do tipo de relação que se estabelece entre
o texto, o sujeito e o seu lugar de exposição. O retrato
desses momentos históricos representam uma
simbologia para a cidade de Mossoró. Sua exposição na
lateral de um prédio antigo localizado na rua 30 de
setembro tem a intenção de consolidar Mossoró como a
cidade da liberdade. Retratar acontecimentos como a
libertação dos escravos, o primeiro voto feminino, a luta
das mulheres e a expulsão do bando de lampião da
cidade, numa rua intitulado 30 de setembro (data em que
a cidade liberta os escravos antes da sanção da da Lei
Áurea) não é uma coincidência, mas sim é uma tentativa
de representar Mossoró como a terra de um povo livre.
Todavia, não podemos desconsiderar o
espaço/tempo de exibição desses acontecimentos.
Atualmente, o edifício está com placa de venda,
funcionando temporariamente como uma franquia de
correspondência bancária, mas não foi sempre assim. No
ano de sua construção e pintura, o painel foi colocado
com um determinado propósito. Possivelmente, esse
edifício, anteriormente, tenha sido uma residência ou
mesmo uma repartição pública. Na figura 4, temos uma
ideia como o painel era inicialmente.

721
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

Figura 4 - Coleção mossoroense anos atrás.

Fonte: Lucena (2007, p. 56).

Percebemos o painel com cores chamativas e


vibrantes, como se tivesse acabado de ser pintado.
Certamente, esse espaço chamava mais a atenção de seus
habitantes no período de sua criação. Durante nosso
estudo, realizamos algumas entrevistas com pessoas
responsáveis pelas criações artísticas da cidade com o
intuito de agregar informações a nossa análise, no
entanto, nesse caso, não conseguimos descobrir o artista
criador de tal obra, nem o que realmente funcionava
neste edifício no período de sua inauguração. Essas
informações iriam contribuir mais ainda com as nossas
análises centradas na Geossemiótica, pois as construções

722
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

de significados a partir dos elementos visuais deste


espaço, na atualidade, podem não moldar as mesmas
construções se considerarmos o seu espaço/tempo na
história e no passado.
Perante o exposto, embora alguns passantes não
notem a presença do texto retratado na parte “b”, da
figura 3, visto o estado atual de conservação desse lugar
de interação, o painel, mesmo assim, busca se conectar
com o povo, para que os indivíduos tenham na sua
consciência o discurso das lutas que foram travadas por
antepassados mossoroenses. Desse modo, o texto
multimodal exposto descreve a história do povo de
Mossoró e retrata o orgulho que o povo tem por seu
passado, embora por vezes, esquecidos pelos agentes
sociais e pelos próprios governantes.

4.2 Análise do texto 2

O segundo texto multimodal analisado trata-se de


um estabelecimento privado, o edifício Pax que também
faz parte de um trajeto de história e luta na cidade de
Mossoró, pois a área no entorno desse estabelecimento é
ponto de encontro para protestos e reivindicações
populares.
Hoje em dia, no prédio, funciona uma loja de
departamentos. Mas, em tempos passados, o Cine Pax foi
um dos primeiros cinemas da cidade. Situado em uma
das esquinas mais movimentadas do centro da cidade de

723
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

Mossoró, o edifício localiza-se em frente à Praça Rodolfo


Fernandes que se popularizou, no decorrer dos anos,
como a praça do Pax87.

Figura 5 - Edifício Pax na atualidade - loja Marisa.

Fonte: Captura própria.

87Informações baseadas na matéria: A repórter Luiza Gurgel faz um passeio


no tempo de Mossoró, cidade dos cinemas. Disponível em:
https://defato.com/cultura/86160/reprter-luiza-gurgel-faz-um-passeio-no-
tempo-de-mossor-cidade-dos-cinemas.

724
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

Além de funcionar como cinema, o Pax serviu de


palco para grandes atrações musicais e teatrais. Roberto
Carlos, Vicente Celestino e o frei e cantor mexicano José
Mijoca fizeram parte dessa história. No entanto, por
problemas estruturais, o Cinema fechou as portas às
vésperas de seu aniversário de 65 anos de
funcionamento88. Reconhecendo a importância social e
cultural desse espaço, vejamos como se dá o processo de
interação pessoal, visual e geográfica desse lugar.
Como vimos, a categoria ordem de interação vai
tratar da maneira como as pessoas interagem umas com
as outras em um determinado espaço (NICHOLS, 2011).
Para isso, levamos em consideração as sensações físicas
que ativamos quando estamos em contato com o outro
(SCOLLON & SCOLLON, 2003).
Por isso, cada ser humano tem uma forma de lidar
com o ambiente ao qual está exposto. Embora não haja
muita interação entre indivíduos no espaço apresentado
na figura 5, ver as lojas abertas é um indicativo de que
esse espaço é propício a interações sociais. A pouca
frequência de pessoas nas ruas foi devido à pandemia
instaurada pelo COVID-19. No entanto, mesmo em meio
a um cenário pandêmico, os donos de alguns

88Informações baseadas na matéria: Cine Pax fecha as portas às vésperas de


completar 65 anos de existência. Disponível em:
https://nominuto.com/noticias/ciencia-e-saude/cine-pax-fecha-as-portas-
as-vesperas-de-completar-65-anos-de-existencia/10360/ .

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Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

estabelecimentos optaram por continuar em


funcionamento, com algumas prevenções, do que
fecharem suas totalmente portas, como fizeram outros
estabelecimentos. Percebemos que, mesmo assim, a
clientela foi praticamente escassa.

Figura 6 - Cine pax – um recorte da história.

Fonte: registrado por Hemilky Souza. Disponível em:


<encurtador.com.br/ANU05>.

Desse modo, a interação, nesse caso, foi restrita a


poucos. Assim sendo, podemos constatar que a
pandemia limitou a interação tanto de indivíduo para

726
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

indivíduo quanto para com o sujeito e o lugar de


interação. Ademais, a maneira que interagimos pode ser
influenciada também pelo seu espaço/tempo, como
também pelas coisas que estão acontecendo em um
determinado momento da história.
Para uma melhor compreensão, observemos, na
figura 6, a composição imagética do Pax em relação ao
seu espaço/tempo.
A imagem da fachada do Pax, na Figura 6, de
certo modo, é diferente da imagem apresentada na
Figura 5. Na primeira, temos um retrato atual do Pax,
sendo atualmente uma loja de departamento de roupas,
mas, no momento da captura da foto, não estava em
funcionamento devido ao isolamento social no auge da
Pandemia, ou seja, nesse período de tempo houve sérias
restrições que impediram o contato mais próximo entre
as pessoas. Dessa forma, a interação se deu de maneira
mais contida e afastada, quando possível.
Na segunda imagem, temos a representação do
mesmo espaço, mas num tempo diferente. Nesse
contexto, podemos perceber que o tipo de interação, em
comparação com a atualidade, é diferente, já que o
espaço em questão não possui o mesmo significado.
Quem frequentou esse espaço na antiguidade o fez com
o intuito de apreciar a arte, a cultura, através da tela do
cinema. Hoje em dia, quem visita esse espaço consome
um tipo de produto diferente, como vestimentas e
artigos de moda.

727
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

Concernente à semiótica visual, podemos


ressaltar a forma como os indivíduos interagem com a
exposição de textos multimodais nas vias públicas e
privadas da cidade. Podemos perceber que as técnicas de
marketing de cada um dos estabelecimentos da Figura 6
tem um público alvo que deseja persuadir, ou seja, esses
textos foram criados na intenção de influenciar as nossas
decisões como sujeitos sociais, de forma que escolhemos
um produto e outro não. O grau de envolvimento entre
o sujeito observador e o aspecto visual que o rodeia,
influencia na forma que as pessoas atuam nas vias
públicas e privadas.
Já a semiótica do lugar agrega a interação dos
clientes e a persuasão do texto multimodal à área de
localização desse espaço. No caso da Figura 5, podemos
perceber que os estabelecimentos em aberto, mesmo
estando em via pública (nas calçadas), cada um deles é
tido por privado, pois possui um proprietário em
potencial. Notemos também que a maior parte das
barracas de camelôs se encontram na frente de franquias
populares no âmbito social. Sabendo que algumas lojas
são mais acessíveis que outras, os comerciantes
aproveitam a deixa para explorar esse público em
potencial.
Ademais, percebemos também como esse
ambiente influencia tudo o que está ao seu entorno. Por
exemplo, a praça Rodolfo Fernandes, que se localiza em
frente ao Pax, possui um nome próprio. No entanto, na

728
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

visão de seus habitantes, passou a ter outra referência,


como a praça do pax. Portanto, as ações que são
desempenhadas em um espaço têm a ver com o
significado que ele apresenta cultural e socialmente.
A partir de uma análise geossemiótica, podemos
constatar que um texto não é exposto por acaso em um
determinado lugar. Mas sim, haverá sempre uma
intenção por trás de cada exposição, um propósito a ser
alcançado. Como o processo de interação social engloba
todo um repertório textual que vai desde a exposição do
texto multimodal até o seu local de exibição, o modo
como os agentes sociais agem e interagem com outros e
com os aspectos visuais disponíveis em cada local pode
influenciar, portanto, os tipos de comportamento que
cada indivíduo desempenha como também as formas
como produzimos discursos nos lugares.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa proposta, aqui, foi mostrar uma nova


perspectiva de análise para textos multimodais em
espaços públicos e instituições privadas, considerando o
arcabouço teórico das categorias analíticas da
Geossemiótica. Ademais, essa pesquisa aponta a
importância de se trabalhar com essa perspectiva
multimodal dos discursos nos lugares, pois sempre
fizeram parte do cotidiano das pessoas,
independentemente de status ou classes sociais. Os

729
Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
de Mossoró

textos multimodais estão em todos os lugares, inclusive


nos espaços públicos, mesmo que, por vezes, as pessoas
não saibam que essa construção é multimodal.
Este estudo trouxe à tona como o texto se
relaciona com o ambiente e com o leitor/observador,
possibilitando aos membros sociais da comunidade
compreenderem as intenções que estão por trás de um
texto multimdal, o porquê de estarem em um espaço e
não em outro. Ou seja, como os leitores podem
interpretar os textos multimodais com uma nova forma
de ver e entender o espaço/lugar que nos cerca e os
discursos por este produzidos.
Tudo isso pode propiciar aos sujeitos
empoderamento, tornando-os mais capazes de interagir
com múltiplas semioses, seja a forma escrita, oral e/ou
imagética, por exemplo, em qualquer espaço físico
(público ou privado), na paisagem sociossemiótica e
linguística de qualquer lugar.

REFERÊNCIAS

GOFFMAN, E. Forms of Talk. Philadelphia: University


of Pennsylvania Press, 1981. Disponível em:
<encurtador.com.br/clvKU>. Acesso em: 15 julho 2020.

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Cap. 20 - Análise geossemiótica dos espaços públicos e privados do centro da cidade
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10.1080/14790718.2019.1575837

LUCENA, F. C. de. “Negros” misturados: um estudo


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RN, 2007. Dissertação (mestrado em antropologia
social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.

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SCHEIFER, C. L. Espaço-temporalidade,
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<http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/2694
55/1/Scheifer_CamilaLawson_ D.pdf>. Acesso em: 12
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SCOLLON, R.; SCOLLON, S. W. Discourses in place:


language in the Material World. London: Routledge,
2003.

733
Retornar ao Sumário
Sobre os Autores
Aldeci Fernandes da Cunha - Estudante do Programa
de Pós-graduação em Ciências da Linguagem (PPCL) da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
E-mail: fernandescunha@uern.br

Alice Chaves de Lima - Mestranda no Programa de Pós-


Graduação em Ciências da Linguagem (PPCL) pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN). Pós-graduada em Ensino de Língua Inglesa
pela Faculdade única de Ipatinga. Atuou como aluna
pesquisadora pelo Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (PIBIC, 2014-2016), participando
atualmente como integrante voluntária de grupo de
estudo vinculado ao Grupo de Pesquisa em
Multimodalidade, Semiótica Social e Tics
(MultiSemioTics - UERN).
E-mail: msalicechaves@gmail.com

Andrea Mikaelly Rebouças de Azevedo - Graduada em


Letras – Língua Portuguesa e Respectivas Literaturas,
pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN), e Mestranda em Ciências da Linguagem, pelo

735
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem
(PPCL/UERN). E-mail: andreareboucas@outlook.com.br

Antonia Jackcioneide Oliveira da Silva - Mestranda no


Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem
(PPCL/UERN). E-mail: antoniajackcioneide@alu.uern.br

Antonia Monaiza da Silva - Mestranda em Ciências da


Linguagem PPCL - UERN .
E-mail: antoniasilva@alu.uern.br

Antonia Oziana Batista de Medeiros - Mestranda no


Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem
(PPCL) pela Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN). Graduada em Letras Inglês pela UFERSA
no Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em
Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Candido
Mendes e em Linguística e Formação de Leitores pela
Faculdade da Região Serrana. Atuou como aluna bolsista
pelo Programa Residência Pedagógica - UFERSA (2018-
2019), participando atualmente como integrante
voluntária de grupo de estudo vinculado ao Grupo de
Pesquisa em Multimodalidade, Semiótica Social e Tics
(MultiSemioTics - UERN).
E-mail: ozianamedeiros@alu.uern.br

736
Antonia Rayane Felix Barra - Mestranda no Programa
de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem (PPCL)
pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN). E-mail: rayanebarra@outlook.com

Bruna da Costa Targino - Mestranda no Programa de


Pós-Graduação em Ciências da Linguagem
(PPCL/UERN). E-mail: brunatargino@alu.uern.br

Clístenes Oliveira da Silva - Mestrando em Ciências da


Linguagem pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da
Linguagem (UERN). E-mail: clistenes.o.s@gmail.com

Débora Brenda Teixeira Silva - Graduada em Letras –


Língua Inglesa e respectivas Literaturas pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN, 2020). Mestrado em andamento pelo Programa
de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem (PPCL) da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN). E-mail: deborateix94@gmail.com

Edgley Freire Tavares - Docente da Universidade do


Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Mossoró, RN,
Brasil. E-mail: edgleyfreire@uern.br

Fernanda Alves Cavalcante - Graduanda em Letras-


Português pela Universidade Federal Rural do Semi-
Árido (UFERSA). E-mail: nandax.cavalcante@gmail.com

737
Francisco Ebson Gomes-Sousa – Professor do DLCHda
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA).
E-mail: ebson.gomes@ufersa.edu.br

Francisco Rangel dos Santos Sá Lima - Estudante do


Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem
(PPCL) da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte. E-mail: salima@alu.uern.br

Iasmim Cristina de Sousa - Mestranda do Programa de


Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN), Mossoró, RN, Brasil.
E-mail: yasmimchristinna@gmail.com

João Paulo da Penha Teodoro - Licenciado em Letras


Espanhol pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte – UFRN, Docente da Rede Estadual de Educação
do Rio Grande do Norte.
E-mail: joao_paulo-teodoro@hotmail.com

João Paulo Rocha Silva - Graduado em Letras – Língua


Portuguesa e Respectivas Literaturas, pela Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), e Mestrando
em Ciências da Linguagem, pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Linguagem (PPCL/UERN).
E-mail: joaopaulo-rocha@outlook.com.br

738
Jocélio Coutinho de Oliveira - Mestre em Linguística e
Ensino pela Universidade Federal da Paraíba (2015);
Especialista em Educação Profissional integrada à
Educação de Jovens e Adultos pela Universidade
Federal da Paraíba (2010) e em Metodologias Ativas
como práticas inovadoras na educação pela
UNINASSAU (2021); Graduado em Licenciatura Plena
em Letras pela Universidade Estadual da Paraíba (2004).
Atua como Técnico em Assuntos Educacionais da UFPB
desde 2011.
E-mail: jocelio@lendoeargumentando.com.br

Joilton Garcia do Amaral - Mestrando no Programa de


Pós-Graduação em Ciências da Linguagem
(PPCL/UERN). E-mail: joiltongarcia@hotmail.com

José Roberto Alves Barbosa - Doutor em Linguística


pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em
Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). É professor e pesquisador do
Departamento de Letras Estrangeiras (DLE/FALA) da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN), atuando também no Mestrado Profissional em
Letras UERN/Mossoró e no Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Linguagem (PPCL/UERN) nas áreas de

739
Teorias Linguísticas, Análise de Discurso Crítica e
Letramento Crítico Multimodal.
E-mail: josealves@uern.br

Josielle Raquel Dantas da Silva - Graduada em Letras -


Língua Portuguesa, Mestra em Ciências da Linguagem
pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte –
UERN. E-mail: josielleraquelsilva@gmail.com

Karliane Gomes da Silva - Mestranda no Programa de


Pós-Graduação em Ciências da Linguagem (PPCL) pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN). Graduada em Letras-Língua Inglesa e suas
Respectivas Literaturas pela UERN (2017). Atuou como
aluna bolsista pelo Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência (PIBID, 2014-2017), participando
atualmente como integrante voluntária de grupo de
estudo vinculado ao Grupo de Pesquisa em
Multimodalidade, Semiótica Social e Tics
(MultiSemioTics - UERN).
E-mail: karlianegsilva@gmail.com

Lúcia Helena Medeiros - Doutora em Linguística pelo


Programa de pós-graduação em Linguística –
PROLING, João Pessoa/PB; Faculdade de Letras e Artes

740
(FALA); Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN).
E-mail: helenamedeiros@uern.br

Luciana Dantas de Souza - Mestranda no Programa de


Pós-Graduação em Ciências da Linguagem (PPCL) pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN). Especialista em Língua Espanhola, Literatura e
Tradução pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN) (2017). Graduada em Letras Língua
Portuguesa e Respectivas Literaturas pela UERN (2021)
e Letras Língua Espanhola e Respectivas Literaturas pela
UFRN (2016).
E-mail: profesoralucianadantas@gmail.com

Marcela Aianne Rebouças - Mestranda do Programa de


Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN), Mossoró, RN, Brasil.
E-mail: marcelaareboucas@gmail.com

Maria Eduarda Regis Pinto - Mestranda no Programa de


Pós-Graduação em Ciências da Linguagem (PPCL) pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN). E-mail: rayanebarra@outlook.com

741
Maria Geizi Silva Pinto - Mestranda no Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Linguagem (PPCL) pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN); especialista em Linguística Aplicada e Ensino
de Línguas pela Universidade Federal do Mato Grosso
do Sul (UFMS), em Ensino de Língua Portuguesa e
Matemática em uma Perspectiva Transdisciplinar pelo
Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e em
Mídias na Educação pela UERN. É pesquisadora nas
seguintes correntes teóricas: Análise de Discurso Crítica,
Multimodalidade e Gramática do Design Visual.
E-mail: pintogeizi@gmail.com

Maria Thárgilla Larissa Silva - Mestranda em Ciências


da Linguagem, pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN); Especialista em Ensino de
Língua Portuguesa e Matemática em uma perspectiva
transdisciplinar pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN
(2021); Licenciada em Letras - Habilitação em Língua
Portuguesa e suas respectivas Literaturas – UERN
(2018). E-mail: thargillalarissa@gmail.com

Mércia Suyane Vieira Mendonça - Estudante do


Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem
(PPCL) da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte. E-mail: merciamendonca@alu.uern.br

742
Moisés Batista da Silva - Doutor e Mestre em
Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
É Professor e Chefe do Departamento de Letras
Vernáculas, da Faculdade de Letras e Artes
(FALA/UERN). Docente Permanente do Mestrado
Profissional em Letras - PROFLETRAS (Unidade
Mossoró) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Linguagem (PPCL/UERN), atuando, na linha de
pesquisa "Estrutura e funcionamento da Linguagem".
Também é Líder do Grupo de Pesquisa em
Multimodalidade, Semiótica Social e Tics
(MultiSemioTics - UERN).
E-mail: moisesbatista@uern.br

Paula Priscilla Mendes de Carvalho - Mestre em Letras


pelo Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS,
Mossoró/RN; Faculdade de Letras e Artes- FALA;
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN). E-mail: pri.m1985carvalho@gmail.com

Pedro Adrião da Silva Júnior - Professor Adjunto do


Departamento de Letras Estrangeiras na Faculdade de
Letras e Artes (FALA/UERN). Doutor em Análisis del
Discurso y sus Aplicaciones.
E-mail: pedroadriao@uern.br

743
Rayssa Rovanya Torquato Carvalho - Mestranda no
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem
(PPCL) pela Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN). E-mail: eduardaregis@hotmail.com

Reinaldo Lopes da Silva - Mestrando no Programa de


Pós-Graduação em Ciências da Linguagem
(PPCL/UERN). E-mail: reinaldosilva@alu.uern.br

Renatha Rebouças de Oliveira - Graduada em Letras -


Língua Portuguesa, Mestra em Ciências da Linguagem
pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte –
UERN. E-mail: renathareboucas@uern.br

Rodrigo Marques Brito Barbosa - Graduando em


Letras, habilitação em Língua Portuguesa e Respectivas
Literaturas na Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN). Email: rodrigobrito@alu.uern.br

Sandson de Souza Costa - Mestrando em Ciências da


Linguagem pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da
Linguagem (UERN). E-mail: sandson314@gmail.com

Valéria Batista Costa Montenegro - Mestre em Letras


pelo Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS,
Mossoró/RN; Faculdade de Letras e Artes- FALA;

744
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN). E-mail: valeriabc_vip@hotmail.com

Vicente de Lima-Neto - Professor do DLCH da


Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e
Líder do Grupo de Pesquisa GLINET.
E-mail: vicente.neto@ufersa.edu.br

Vitória Costa de Jesus - Graduanda em Letras –


Português na UFERSA. Integrante do Grupo de Pesquisa
GLINET. E-mail: jesusvitoriac@gmail.com

745
Retornar ao Sumário
Nas ciências da linguagem, há muito se discute as produções de
sentido dos textos, mas as discussões centrais eram em torno da
materialidade verbal, salvo poucas exceções. Apenas na década de
1980, com a publicação de Social Semiotics (HODGE; KRESS, 1988), a
abordagem multimodal trouxe à tona o estudo do significado
produzido por meio de outros sistemas semióticos que vão além do
verbo. No Brasil, esses estudos chegaram em fins da década de 1990
e vêm ganhando força desde então.
Aqui, o que nós estamos propondo é mais uma obra que busca
contribuir com a área da Semiótica Social e suas relações com outras
áreas, como a Análise Crítica do Discurso, que lançam luzes sobre
temáticas variadas, como política, humor, cinema, pautas sociais,
educação, entre outros. Trazemos, portanto, vinte textos frutos de
pesquisas de iniciação científica e Mestrado produzidas no Rio
Grande do Norte, como forma de enaltecer a Semiótica Social e seus
casamentos teóricos possíveis e provocar reflexões no leitor,
convidando-o a pensar conosco sobre assuntos que têm sido pauta
nos últimos anos.
A ideia da publicação desta obra foi inicialmente originada a partir
das aulas da disciplina “Abordagem de textos multimodais”,
ministrada em 2021, no Mestrado em Ciências da Linguagem
(PPCL/Uern), bem como dos estudos realizados no âmbito do
Grupo de Pesquisa em Multimodalidade, Semiótica Social e TICs
(Multisemiotics/Uern).
Esperamos contribuir com os estudos da Multimodalidade, dos
Multiletramentos e da Semiótica Social não só no interior das nossas
universidades, mas também ampliar criticamente para o âmbito
regional e nacional o horizonte dos discursos contemporâneos cada
vez mais multissemióticos.

Apoio:

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