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37662-Texto Do Artigo-126820-1-10-20190812

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http://dx.doi.org/10.23925/2594-3871.

2019v28i1p125-149

Psicologia e políticas públicas de


enfrentamento à violência contra mulheres:
experiências de universitárias
Psychology and public policies to cope with violence
against women: university student experiences
Psicología y políticas públicas para combatir la violencia
contra las mujeres: experiencias de universitarias

Maria Clara Guimarães Souza*


Tatiana Machiavelli Carmo Souza**

Resumo
O estudo investigou as experiências de universitárias do curso de Psicologia
junto às políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulheres (VCM)
em um município do sudoeste goiano. Foi realizada pesquisa de campo, com
metodologia qualitativa, partindo das premissas da Psicologia Sócio-histórica.
A amostra foi composta por 10 estudantes de psicologia. Os dados foram
obtidos por meio de entrevistas. Foi desenvolvida análise dos dados por meio
dos núcleos de significação. Os dados deram origem a três eixos de análise:
Conceito de gênero e VCM; Políticas Públicas: práticas, atuações e interven-
ções no enfrentamento da VCM; Formação em psicologia e VCM. Verificou-se
dificuldades em identificar as categorias gênero, VCM e políticas públicas,
assim como precário conhecimento sobre a rede intersetorial de atendimento
às mulheres. Percebeu-se fragilidades no processo de formação profissional
para o enfrentamento da VCM. Exceto pelas atuações no campo da justiça,
notou-se práticas insipientes nas demais políticas. Notou-se muitos obstáculos

*
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGP-UFG). E-mail:
mariaclarags.psi@gmail.com
**
Curso de Psicologia da Universidade Federal de Catalão, Programa de Pós-graduação em
Psicologia da Universidade Federal de Goiás. E-mail: tatimachiavelli@yahoo.com.br

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ideológicos, políticos, institucionais, sociais e econômicos em relação às práticas


sobre a VCM por parte das participantes, elementos que dificultam a atuação
frente aos problemas de gênero.
Palavras-chave: violência de gênero; política social; formação profissional.

Abstract
The study investigated the experiences of psychology course university students
in terms of public policies to cope with violence against women (VCM) in a
municipality in southwest Goiás. Field research was carried out, with a quali-
tative methodology, based in Socio-historical Psychology. The sample consisted
of 10 psychology students. The data was obtained through interviews. Data
analysis was developed through the meaning nuclei. The data gave rise to three
axes of analysis: Concept of gender and VCM; Public Policies: practices, actions
and interventions in confronting VCM; Training in psychology and VCM. There
were difficulties in identifying the categories gender, VCM and public policies,
as well as precarious knowledge about the intersectoral network of care for
women. There were perceived weaknesses in the process of professional trai-
ning to confront VCM. Policies in the justice field are quite active, but policies
from other fields are still developing.. There were many ideological, political,
institutional, social and economic obstacles to participants’ practices in terms
of VCM , which made it difficult to deal with gender issues.
Keywords: Gender violence; social policy; professional training.

Resumen
Este estudio investigó las experiencias de universitarias del curso de Psicología,
así como las políticas públicas de combate a la violencia contra las mujeres
(VCM) en un municipio del suroeste Goiano. Se realizó una investigación de
campo, con metodología cualitativa, partiendo desde las premisas de la Psico-
logía Socio-histórica. La muestra fue compuesta por 10 estudiantes de psicología.
Los datos fueron obtenidos por medio de entrevistas. El análisis de los datos
fue realizado a través de los núcleos de significación. Los datos dieron origen a
tres ejes de análisis: Concepto de género y VCM; Políticas Públicas: prácticas,
actuaciones e intervenciones en el combate de la VCM; Formación en psicología
y VCM. Fue verificado dificultades en identificar las categorías género, VCM y
políticas públicas, así como el precario conocimiento sobre la red intersectorial
de atención a las mujeres. Se percibió fragilidades en el proceso de formación
profesional para el combate de la VCM. Excepto por las actuaciones en el campo
de la justicia, se notó prácticas insípidas en las demás políticas. Se notaron
muchos obstáculos ideológicos, políticos, institucionales, sociales y económicos en
relación a las prácticas sobre la VCM por parte de las participantes, elementos
que dificultan la actuación frente a los problemas de género.
Palabras clave: violencia de género; política social; formación profesional.

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REVISÃO DE LITERATURA

A violência contra mulheres (VCM) advém das relações de desigual-


dade de gênero e poder, fruto de construção histórica, social e cultural do
papel feminino e masculino (Schraiber, D’Oliveira, Falcão e Figueiredo,
2005). O movimento feminista, a partir da década de 1960, possibilitou a
reinvindicação dos direitos das mulheres e a desnaturalização da violência.
A VCM passou a ser considerada um problema público e mundial, de modo
que tratados, convenções, pesquisas, políticas públicas e serviços foram
implementados (Brasil, 2011a, 2013; Schraiber et al., 2005; Souza & Sousa,
2015).
O feminismo, enquanto movimento social, foi pioneiro no uso da
palavra gênero como “organização social da relação entre os sexos” (Scott,
1995, p. 72), contribuindo para o entendimento das desigualdades entre
homens e mulheres como relações de poder interdependentes entre as cate-
gorias de classe, raça e sexo (Scott, 1995). Essas categorias se relacionam e
interagem de forma assimétrica e hierárquica no processo constituinte das
identidades dos indivíduos por meio da norma social vigente. Nessa relação,
reproduz-se a opressão, a subordinação e a violência. As intersecções são
dinâmicas e variáveis decorrentes da realidade histórica, cultural e social
de sociedade (Hirata, 2014), portanto, é preciso localizar as categorias
sociais em que a VCM acontece, pois, as diferenças entre elas vão tornar
as mulheres mais ou menos suscetíveis à violência.
A VCM demanda ações do estado e dos movimentos sociais para
empoderamento das mulheres nas esferas públicas e privadas. No Brasil,
as primeiras políticas públicas para as mulheres ocorreram nas áreas da
segurança pública e saúde com a implementação de Delegacias Especia-
lizadas no Atendimento à Mulher (DEAMs) e do Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher (CNDM), criados em 1985, e do Programa de Assistência
Integral à Saúde da Mulher (PAISM), em 1983. Essas políticas estavam
direcionadas à geração de renda, educação, questão agrária, habitação,
saúde e inserção das mulheres na política (Couto & Gomes, 2012; Conselho
Federal de Psicologia, 2013).

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Com a institucionalização da concepção de gênero enquanto cons-


tructo social e histórico, as políticas públicas buscaram descentralizar os
serviços ofertados para as mulheres; criar campanhas e programas de
prevenção e conscientização da população no enfrentamento à desigual-
dade de gênero; promover a autonomia das mulheres; ampliar e fortalecer
a institucionalização das ações nos poderes executivos federais, estaduais,
distritais e municipais; capacitar e qualificar as/os agentes públicas/os que
trabalham no enfrentamento da VCM; produzir e disseminar estudos sobre
gênero (Brasil, 2013).
No âmbito da segurança e justiça, a criação da lei federal nº
11.340/2006, popularmente conhecida como Maria da Penha, representou
grande avanço para o enfrentamento da VCM. A lei criou mecanismos para
erradicar, punir e prevenir a violência doméstica e familiar contra mulheres
(Brasil, 2006). Além dos aspectos jurídicos sobre a punição do autor da
agressão1 e a proteção das mulheres em situação de violência, avançou ao
ressaltar o papel da prevenção da VCM e educação dos profissionais e da
população, a fim de coibir a violência por meio de atuações integradas entre
as diversas políticas públicas já existentes. Desse modo, a lei Maria da Penha
alterou a forma de punição do autor da agressão, não permitindo a aplicação
de penas pecuniárias como cestas básicas e multas (Santos, 2008). Ademais,
a implementação da lei permitiu a constituição de serviços, fomentando a
elaboração da rede intersetorial como: Centros de Referência da Mulher,
promotorias, casas-abrigo, Central de Atendimento à Mulher (disque 180);
além de instituições governamentais e não-governamentais fiscalizadoras
e executoras de políticas para mulheres (Brasil, 2011b).
A VCM afeta as várias dimensões da vida das mulheres, causando
consequências sociais, físicas e psicológicas. No campo da saúde, diante das
graves implicações e custos em decorrência da VCM, em 1984, foi criada a
Política Nacional de Assistência à Saúde da Mulher (PAISM), possibilitando
retirar da esfera moral a reprodução e a sexualidade feminina abordada
como direito social (Brasil, 2009). Após trinta anos do PAISM, em meio

1 Embora o texto tenha escrita gendrada, optou-se pela manutenção do gênero masculino
no uso da expressão “autor de agressão” já que, majoritariamente, ele diz respeito a um homem
com vínculo íntimo de afeto junto à mulher/vítima.

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a lacunas, limitações e dificuldades na implementação do programa no


enfrentamento à VCM foi criada a Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde da Mulher (PNAISM). Esta atua nos princípios de equidade, inte-
gralidade e universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS), no combate
à violência doméstica e sexual, nos direitos reprodutivos e sexuais das
mulheres, na busca da prevenção e tratamento da saúde feminina, utilizando
os marcadores de raça/etnia, sexo/gênero, idade e classe (Brasil, 2013).
Diante da desigualdade social e econômica no mercado de trabalho,
foram desenvolvidas políticas públicas de geração de renda para a qualidade
de vida, sobrevivência e autonomia das mulheres (Brasil, 2013). Devido
às disparidades entre os gêneros, a Política de Transferência de Renda e a
Política Nacional de Assistência Social (PNAS) priorizam a mulher como
titular dos programas, de modo a promover o empoderamento e autonomia,
seja financeira ou de conhecimento sobre suas possibilidades de produzir
e criar condições de vida. Entre os equipamentos da assistência social que
lidam diretamente com a VCM destacam-se os Centros de Referências
de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializado de
Assistência Social (CREAS). Estes oferecem serviços não-especializados de
atendimento às mulheres; não atendem somente este público, contudo, é
um dos primeiros locais de procura de informações e ajuda das mulheres
em situação de violência (Brasil, 2011b).
Frente a esse contexto, um dos grandes desafios do estado é articular
e monitorar as políticas públicas de enfrentamento à VCM (IPEA, 2015).
De modo geral, há dificuldades na interação das diferentes frentes de inter-
venção, como: precariedade de recursos, sobrecarga de atividades, falta
de profissionais, tratamentos e intervenções inadequadas, preconceitos e
representações tradicionais sobre gênero nas instituições e por parte das/os
agentes de trabalho, falta de espaços apropriados e tempo para intervir, falta
de capacitação e a banalização da violência pelas/os próprias/os usuárias/
os, profissionais e instituições (CFP, 2013; Hanada, D’Oliveira & Schraiber,
2010; Souza & Sousa, 2015).
Na realidade do sudoeste goiano, Souza e Sousa (2015) destacam
a carência de recursos, programas, profissionais, adesão do público aos
serviços existentes e dos equipamentos com espaços físicos inadequados

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para o enfrentamento da VCM. Assim, é importante aprimorar os mapea-


mentos institucionais, planejar campanhas de conscientização, ampliar
a interação entre profissionais com foco na construção e consolidação
de serviços de enfrentamento à VCM nas cidades interioranas do Brasil
(Hanada et al., 2010; IPEA, 2015; Souza & Souza, 2015).
Dada a complexidade do fenômeno, a atuação frente a VCM demanda
conhecimento multidisciplinar e diálogo intersetorial entre as/os profissio-
nais das diversas áreas de atuação, como saúde, assistência social, segurança
pública e justiça, entre outras. Quanto à Psicologia, as práticas são norteadas
pelo Código de Ética da profissão e pelos Conselhos Federais e Regionais,
com base nas diretrizes dos direitos humanos (CFP, 2013). A formação
das/os psicólogas/os brasileiras/os, contudo, não tem privilegiado o estudo
dos conceitos de gênero, sexualidade e identidade, acarretando discursos
permeados por princípios individualistas e biologicistas, apesar de ser
profissão composta majoritariamente por mulheres (Melo & Barreto, 2014).
Ademais, a formação tem sido direcionada para uma psicologia clínica tradi-
cional e individualizada em detrimento de outros modelos de intervenções
sociais, não contemplando disciplinas sobre gênero e sexualidade.
A psicologia trabalha em diversos serviços que atendem diretamente
as mulheres em situação de violência, geralmente compostos por equipe
multidisciplinar, como Centros de Referências da Mulher, CRAS, CREAS,
Unidades de Saúde, hospitais, Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher e DEAMs. O Conselho Federal de Psicologia (CFP) em 2016,
por meio da nota técnica de orientação profissional, reiterou o compromisso
social e ético da profissão, prevendo a quebra do sigilo em casos de VCM
considerados graves, a notificação compulsória e a comunicação externa
para os órgãos de proteção às mulheres (CFP, 2016). Nesse contexto, é
importante a oferta de espaço de acolhimento e escuta qualificada, tanto
para as mulheres quanto para os autores da agressão (CFP, 2013). A
problemática demanda que a Psicologia repense práticas e intervenções,
buscando analisar o conceito de gênero como constructo social e aliando
os conhecimentos psicológicos às perspectivas sócio-históricas.
Partindo desses aspectos, o estudo investigou as experiências
de universitárias do curso de Psicologia junto às políticas públicas de

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enfrentamento à violência contra mulheres (VCM) no âmbito da saúde,


assistência social, segurança e justiça em um município do sudoeste goiano.
De modo específico, buscou-se compreender o conceito de gênero e de VCM,
bem como suas relações com o contexto cultural, político, histórico e social
no Brasil; problematizar a atuação e formação das/os estudantes de psico-
logia nos serviços de atendimento à VCM e a implementação das políticas
públicas brasileiras de prevenção, enfrentamento e combate à VCM.

MÉTODO

Trata-se de pesquisa de campo, com metodologia qualitativa, reali-


zada em um município do sudoeste goiano, com caráter exploratório,
partindo das premissas da Psicologia Sócio-histórica como referencial de
análise (Bock, Gonçalves & Furtado, 2015). O estudo conta com aprovação
do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás sob
parecer de número 1.919.180.
Dado conhecimento sobre a realidade do munícipio em que a
pesquisa foi desenvolvida, optou-se pela investigação junto a estudantes de
psicologia, já que a maioria dos equipamentos púbicos de saúde, assistência
social, segurança e justiça não contava com psicólogas/os formadas/os no
quadro de profissionais e sim com estagiárias/os dessa área. Participaram
da pesquisa dez estudantes de psicologia de uma universidade pública
do estado de Goiás. Foram selecionadas/os aquelas/es com maioridade
penal, regularmente matriculadas/os a partir do 6º período acadêmico
e que tiveram experiência em estágio curricular obrigatório/básico e/ou
projeto de extensão em equipamentos que compõem a rede intersetorial
de enfrentamento à VCM. A amostra foi composta por participantes do
sexo feminino2, com etnias branca (n= 4, 40%) e parda (n= 6, 60%), idade
entre 18 e 24 anos, solteiras (n= 9, 90%) e união estável (n= 1, 10%); sem
filhos e vínculo empregatício; com renda advinda de pais e/ou cônjuges
entre meio a oito salários.

2 A partir daqui as participantes serão referidas sempre no gênero feminino.

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Para obtenção de dados, foram realizadas entrevistas semidirigidas,


de forma presencial, registradas por meio de áudiogravação e, posterior-
mente, transcritas na íntegra. Realizaram-se nos locais de escolha das
participantes buscando resguardar o sigilo. Com o intuito de preservar a
identidade delas foram utilizados números. A anuência foi obtida por meio
do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O instrumento de obtenção
de dados tangenciou a atuação e formação das estudantes de psicologia
frente à VCM, a concepção de gênero, as formas de intervenção, os recursos
institucionais, as demandas de serviço, o trabalho multidisciplinar e as
percepções pessoais sobre a VCM.
Os dados foram analisados de forma qualitativa de acordo com os
núcleos de significação (Aguiar & Ozella, 2013), interpretados em diálogo
com as teorias sobre gênero e com os eixos estruturantes das políticas
públicas de enfrentamento à VCM. Os dados deram origem a três eixos de
análise: Conceito de gênero e VCM; Políticas Públicas: práticas, atuações e
intervenções no enfrentamento da VCM; Formação em psicologia e VCM.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conceito de gênero e VCM

Verificou-se nos discursos das participantes confusão conceitual


e dificuldade em nomear a categoria gênero, interpretada erroneamente
como identidade, orientação afetiva-sexual e sexo biológico, visão restrita
ao binarismo feminino/masculino. Ao conceituar o gênero de acordo com o
sexo biológico, constatou-se redução da categoria à perspectiva biologicista,
na qual o sexo determina os papéis sociais masculinos e femininos, descon-
siderando outras formas de ser que não se enquadram nestes dois pólos
(Scott, 1995). É importante desnaturalizar as categorias que atravessam a
concepção de gênero e sexualidade, de modo a compreender os elementos
históricos e sociais que afirmam papéis, formas de se relacionar e ser entre
homens e mulheres dadas como corretas, únicas e comuns.

É uma definição de sexo construída socialmente (5, Assistência Social).

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Gênero pra mim é o sexo da pessoa, feminino, masculino e vários outros


né. Eu acho que abrange também como a pessoa se identifica [...] se ela se
identifica com mulher, homem, homossexual (10, Saúde).

Notou-se que, embora as participantes conhecessem o conceito de


violência de modo amplo, apresentaram dificuldade na identificação da
ocorrência de VCM em seu local de prática profissional (estágio ou campo de
extensão) por não saberem caracterizar o fenômeno. Identificar a VCM está
ligado ao (re)conhecimento de formas sutis de violência e a compreensão
sobre o contexto social e histórico que proporciona a desigualdade entre
os gêneros (Schraiber et al., 2005).
Como meio de enfrentamento da VCM, as participantes apontaram
o processo de empoderamento, ferramenta pela qual as mulheres podem
se conscientizar sobre os papéis sociais que lhe são impostos, compreender
como a violência se constitui e romper com o que as mantém nessa situação.
“Empoderar-se, equivale em um nível bem expressivo do combate, a possuir
alternativa(s), sempre na condição de categoria social” (Saffioti, 2015,
p.121), ou seja, construir recursos que ofereçam potências paras as mulheres
elaborarem diversas formas de viver. Conforme aponta essa posição teórica,
as participantes afirmaram que empoderar-se não é processo restrito ao
público feminino, mas sim aos gêneros nas intersecções com raça/etnia,
classe e geração.

[...] por conta desta questão histórica é necessário que algumas políticas ...
que são chamadas de políticas públicas pra tentar corrigir essa falha que a
cultura e a história deixou [...] (2, Justiça).

Nessa construção de gênero no Brasil ainda coloca a mulher como submissa...


pra mim não faz sentido tratar a VCM e pegar só a mulher pra ser colocada
nesse processo de empoderamento, mas tem que ser todo mundo, princi-
palmente acho que o público infantil que vai constituindo uma nova geração
(4, Assistência Social).

As especificidades de cada área investigada possibilitaram que


determinadas formas de violência fossem evidenciadas, como a violência
obstétrica na área da saúde; os relacionamentos abusivos, abandono da/o
parceira/o com filhas/os e imposição do poder do homem sobre a mulher

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na área da assistência social; violência/assédio sexual no ambiente univer-


sitário; e violência moral na área da justiça. Foi ressaltada, também, a
violência institucional em todas as áreas.
Na saúde, frisou-se a violência obstétrica. Foram ressaltados abusos,
desrespeito, maus tratos que as mulheres sofrem, denotando a invisibili-
dade e naturalização dessa violência na prática das/os trabalhadoras/es.
Apesar das diretrizes delineadas na PNAISM questionarem ideais médicos
baseados em concepções moralistas e focados em práticas disciplinares
sobre a reprodução feminina, há negligência, estranhamento e diferentes
ideologias sobre as relações de gênero na atuação das/os profissionais de
saúde (Diniz et al., 2015).
Violência obstétrica mesmo, ... do sentido da fala da enfermeira com
aquela mãe aquela que está prestes a ter o neném sabe, reclamando de dor,
ou até do médico [...] a anestesia não pegou, e ela avisou o médico que não
pegou, mas ele ainda chegou a cortar a primeira camada dela (3, Saúde).

[...] as pacientes chegaram a relatar alguma violência durante o parto ou


exame de toque que elas comentaram que sentia dor e não é normal sentir
dor no exame de toque, ou desrespeito mesmo durante o trabalho de parto.
Que elas reclamavam muito, gritavam de dor ou alguém da equipe de saúde,
tantos enfermeiros, técnicos ou médicos chegavam a falar para elas ‘na hora
de fazer não doeu, agora está reclamando’ (10, Saúde).

Na justiça, as participantes utilizaram as tipificações presentes da


Lei 11.340 para definirem os tipos de VCM, descreveram-na como qual-
quer dano físico, patrimonial, moral, sexual e psicológico às mulheres. A
violência física foi apontada como a mais reconhecida pelas/os usuárias/os
dos serviços. Conforme os discursos, a falta de informação sobre a VCM gera
descrédito e desconhecimento sobre outras formas de agressão para além
da física. Pasinato (2015) esclarece que a justiça e a sociedade reconhecem
a violência física como de superior gravidade, de modo que as medidas
punitivas são aplicadas com maior vigor ao autor de agressão nestes casos.

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Que a gente encontra no Juizado são todas, mas a mais identificada é a


física, principalmente quando a gente pensa em denúncia. Não por ser a
mais comum, mas porque é o que as pessoas classificam como violência em
si (8, Justiça).

Eu acredito que é muito pela falta de informação, da mulher não reconhecer


que está sendo violentada, porque ainda hoje a gente tem a ideia de que
violência é só quando a pessoa te bate né e você machuca, ela não tem
conhecimento sobre outros tipos de violência que ela vivencia e também um
descaso muito grande dos profissionais (1, CREAS).

As entrevistadas apontaram que a manutenção das mulheres em rela-


cionamentos violentos decorre da dependência afetiva, mas não souberam
explicar os elementos que impossibilitam o rompimento com a situação de
violência. A relação violenta entre homens e mulheres se constrói em um
ciclo de violência, composto por três fases, impedindo com que elas rompam
com as agressões: a tensão, o ataque violento e os pedidos de desculpa e
reconciliação. Durante o ciclo, as diversas violências ocorrem simultanea-
mente, causando graves consequências à saúde psicológica e física (Saffioti,
2015; Pasinato, 2015). O ciclo de violência e o contexto sócio-cultural que
(re)afirma papéis femininos baseados na desigualdade entre os gêneros,
contribui para a instauração de dependências emocionais, sociais e econô-
micas nos relacionamentos afetivos das mulheres (Schraiber et al., 2005).
A gente percebe que todas elas vêm acompanhadas de violência
psicológica e principalmente patrimonial (8, Justiça).

[...] às vezes o mesmo homem que agride, que humilha, que constrange,
é aquele que proporciona momentos de prazer de é, acolhimento, que é
romântico (4, Assistência Social).

Na compreensão das participantes, o judiciário deveria ofertar


recursos assistenciais a partir da articulação com as políticas públicas -
creches públicas, transporte, alimentação e moradia -, de modo a amparar
e oferecer meios para que as mulheres rompam com a dependência finan-
ceira e a situação de vulnerabilidade. Assim, as entrevistadas retrataram

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a carência na efetivação das diretrizes sócioassistenciais apontadas pela


Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (Brasil,
2011a) na construção da autonomia financeira.

[...] o estado se preocupasse mais com algum auxílio financeiro, ou trabalho


[...] porque existe a dependência financeira que faz com que essas mulheres
não consigam sair de casa. Muitas vezes elas têm filhos, elas pensam ‘onde eu
vou morar com meus filhos, como que eles vão comer?’, ela não pode deixar
o filho sozinho para trabalhar [...] (2, Justiça).

[...] pensando em mulheres que são donas de casa ou que tem prejuízos
financeiro por causa desse rompimento com esse parceiro ... o juiz oferecer
medidas protetivas para ela, ela não vai poder aceitar realmente essas
medidas porque ela ainda está com o parceiro, e não vê perspectiva sem ele,
não tem como ela sair de casa [...] (8, Justiça).

Conhecer a VCM como problema social e de saúde implica na criação


de meios para a erradicação da violência. Trata-se de intenso desafio,
pois, como fenômeno multifacetado, requer a implementação de políticas
públicas que perpassem diversas áreas governamentais e não-governamen-
tais, com o objetivo de efetivar o combate, a prevenção, a assistência e a
garantia de direitos às mulheres.

Políticas Públicas: práticas, atuações e intervenções


no enfrentamento da VCM

As políticas públicas surgiram na sociedade capitalista para superar


os conflitos e desigualdades entre as classes. Nessa lógica, o estado é respon-
sável pela garantia dos direitos sociais, afirmados e reconhecidos por lei de
acordo com as necessidades da população (Gonçalves, 2010). As entrevis-
tadas associaram o significado das políticas públicas com a promoção de
direitos, proteção, segurança, acolhimento, orientação e desnaturalização
da violência de gênero, contudo, não foi apontado como resposta estatal às
demandas de grupos de mulheres ou movimentos feministas. Nessa direção,
a Lei Maria da Penha foi retratada como ferramenta que possibilitou a

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problematização da VCM, naturalizada nas relações afetivas no âmbito


doméstico e familiar, de modo a torná-la questão visível e reconhecida
socialmente, retirando-a da esfera privada para o âmbito público.
Não tem como a gente dizer que não existe VCM, o poder público é
responsável por elas com uma lei própria para isso (8, Justiça).

Acho que foi o número de anúncios em relação a VCM, porque antes era algo
que era totalmente calado, excluído, mas que acontecia e ninguém dava voz
(6, Assistência Social).

Percebeu-se desconhecimento das entrevistadas sobre as implicações


da lei Maria da Penha na qualidade de política pública, em relação à rede
intersetorial, como estratégia de combate à VCM. A referida lei foi descrita
como mecanismo de denúncia e punição, ofertando segurança e proteção
na forma de defesa às mulheres. A criminalização sobre a VCM presente
nos discursos, foi apontada como meio de remediar a violência efetivada,
sendo pouco destacada o papel da rede de enfrentamento à violência quanto
à dimensão protetiva.
Com relação ao enfoque na criminalização da VCM, a DEAM foi
ressaltada como órgão integrante da rede intersetorial de atendimento às
mulheres, responsável por acolhê-las, orientá-las e protegê-las por meio
de assistência integral. As demais unidades específicas de atendimento às
mulheres como Centros Especializados de Atendimento à Mulher, Serviços
de Abrigamento, Promotorias Especializadas, Núcleos de Gênero dentre
outros, não apareceram nas falas das entrevistadas. O destaque à DEAM
pode dar-se em virtude de ter sido a primeira instituição especializada de
atuação frente a VCM, o que contribuiu com a ampliação e divulgação dos
serviços no Brasil (Santos, 2008).
No país, a rede intersetorial, atualmente, é composta por nove-
centos e setenta e quatro serviços ofertados às mulheres, com aumento
de 161,75% entre 2003 e 2011 (Brasil, 2011b; 2013). Contudo, há somente
uma DEAM e um Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher, recém-criado em 2016 no município lócus da pesquisa. Souza e
Sousa (2015) problematizam a precarização de serviços especializados e
recursos institucionais para mulheres em situação de violência, na região

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do sudoeste goiano, delineada também pela inexistência de casas abrigos.


Essa realidade foi evidenciada pelas entrevistadas que apontaram a falta de
serviços que favoreçam a efetivação dos direitos das mulheres nas regiões
interioranas do país.

Você não pode falar: olha nós temos uma casa apoio, uma casa abrigo para
você, vamos te colocar lá, lá você vai ter comida, vai ter como trabalhar e vai
ter como ter seus filhos, colocar seus filhos lá também (2, Justiça).

A gente não consegue acessar tudo, tudo que ela tem direito, a gente não
tem casa abrigo ... no caso da nossa cidade. .... Então, mesmo sabendo dos
diversos direitos que ela tem eu não realmente vou conseguir efetivar todos,
ou dispor tudo aquilo que ela poderia receber (8, Justiça).

Partindo da perspectiva de que a VCM requer a efetivação de rede


integral de atendimento, estudos apontam que a prática das/os profissionais
no enfrentamento da violência não se articula com as diretrizes da Política
Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres devido à falta
de preparação teórica e metodológica (Brasil, 2011a; Hanada et al., 2010;
Santos, 2015; Schraiber, 2012; Porto & Bucher-Maluschke, 2012). Esse
cenário foi contemplado especialmente pelas participantes da área da saúde
e assistência social ao relatarem a carência de capacitação nos serviços, falta
de comunicação entre equipes multidisciplinares, dificuldade na efetivação
das diretrizes delineadas nas políticas, inexistência de protocolos específicos
para atendimento de mulheres em situação de violência e desconhecimento
sobre a rede intersetorial.
Existe uma política pública para atender pessoas em situação de
vulnerabilidade que eu presenciei, mas não é voltado para a questão da
mulher ..., porque se isso é colocado dessa maneira impede né, que seja
tratado como deve ser tratado (4, Assistência Social).

[...] eu não tenho conhecimento dessa rede. .... Em relação a rede interse-
torial de atendimento à mulher eu acho que aqui nós temos uma falha, não
existe efetivamente, há uma Delegacia e um Juizado que se comunicam um
pouco. .... Sinto a dificuldade de não ter essa rede intersetorial ... de as vezes
você vê que a mulher não pode voltar pra a casa e estar com aquele homem
agressor [...] (2, Justiça).

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Psicologia e políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulheres 139

No âmbito das políticas, a vertente multidisciplinar e intersetorial


busca estruturar as práticas das equipes que lidam diretamente com a VCM
nos órgãos da justiça, assistência social e saúde (Brasil, 2011a, 2011b). De
acordo com os discursos das participantes, na área da assistência social,
a equipe era composta por psicólogas/os, assistentes sociais, educadoras/
es sociais, recepcionistas e digitadoras/es e a atuação limitava-se à oferta
de informação e inserção nos benefícios e serviços sociais, e à fiscalização
e acompanhamento da realidade familiar por meio de visitas domiciliares.
Na área da justiça, relataram que os atendimentos psicossociais tinham o
objetivo de ofertar espaço de escuta, acolhimento e orientação às mulheres
por intermédio de equipe multidisciplinar composta por advogadas/os e
psicólogas/os. Na área da saúde, descreveram que a equipe multidisciplinar
era composta por psicólogas/os, médicas/os, enfermeiras/os, nutricionistas,
fisioterapeutas, técnicas/os e assistentes sociais e os atendimentos tinham
foco nos processos de adoecimento. Verificou-se a inexistência de protocolo
de atendimento para casos de VCM nas áreas da saúde e assistência social
que pudessem direcionar as práticas profissionais.
Dentre os modos de comunicação entre os órgãos que atendem casos
de VCM, encontra-se o encaminhamento realizado pelas/os profissionais
conforme as necessidades das mulheres. As participantes que atuavam na
área da justiça utilizavam desse recurso para informar e ampliar o acesso
aos direitos das mulheres. Ao retratar as práticas de encaminhamento, as
participantes na área da saúde ressaltaram o papel das/os assistentes sociais
em situações de VCM em detrimento da atuação da psicologia, já que elas/
es eram responsáveis pela comunicação entre o hospital e outros serviços.

Normalmente quando ocorre algum caso mais sério lá que precisa de acom-
panhamento é a assistente social que é sempre acionada, ela que cuida desse,
dessas questões lá (10, Saúde).

Tem uma assistente social no hospital, então tudo que acontece, é, de, de,
que precisa assim dela ela já entra em contato com o paciente, entra em
contato com a equipe de saúde, pessoal da extensão e já encaminha para
outro serviço (9, Saúde).

Psic. Rev. São Paulo, volume 28, n.1, 125-149, 2019


140 Maria Clara Guimarães Souza, Tatiana Machiavelli Carmo Souza

A centralidade na família na PNAS orienta os serviços e ações em


prol de evitar a individualização do atendimento (Brasil, 2011a). Apesar da
política criar estratégias para não culpabilizar as mulheres frente a situação
de vulnerabilidade, a partir da visão ampliada de família, direciona-se a
responsabilização das problemáticas sociais para a matriz familiar. Deste
modo, as participantes apontaram que centrar as ações, no âmbito da
assistência social, para a preservação do vínculo familiar, pode resultar na
responsabilização das mulheres pelas violências sofridas. Logo, quando a
família falha no amparo e proteção de seus membros, o estado também
não cumpre esse papel.

Então, o abandono do pai em relação ao filho era praticamente unânime ...


era raro o homem que chegava lá procurando o serviço (4, Assistência Social).

E outra coisa que é um problema é essa questão do conceito de família


ainda ser muito importante para o estado, e a falta também de acolhimento
fora dessa família, porque também as instituições elas trabalham de forma
muito impessoal, como eu falei no serviço de assistência. .... Porque o que
esse tipo de serviço prioriza: vínculo familiar, então qualquer coisa que eles
consigam manter a pessoa no vínculo familiar, principalmente a criança e
também a mulher que tem o papel central na família de cuidar dos filhos,
eles fazem o possível para isso não se tornar uma responsabilidade do estado
(4, Assistência Social).

Referente às dificuldades relatadas pelas participantes, em virtude


do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher estar em
processo de estruturação, verificou-se a falta de graduadas/os na área de
Psicologia e Serviço Social, já que o trabalho era desenvolvido apenas por
estudantes. A ausência de psicólogas/os pode indicar a banalização da
problemática pelo aparato jurídico e a “resistência do setor em incorporar
as questões de desigualdade de gênero” (Hanada et al., 2010, p.49). Dentre
outras limitações, na área da assistência social, afirmaram que a delimi-
tação de fronteiras entre as práticas das/os psicólogos e das/os assistentes
sociais muitas vezes não são compreendidas, seja pela multiplicidade de
metodologias ou pela precariedade dos serviços. Além disso, constatou-se

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que as/os profissionais de psicologia ocuparam mais de uma atividade,


incluindo funções burocráticas na área da saúde e assistência social, reve-
lando sobrecarga de trabalho e acúmulo de função.

[...] a psicóloga e a assistente social realizam o mesmo trabalho, então você


não vê, não existe diferença ali clara, do que o que cada uma deveria desen-
volver dentro da sua área, isso não é feito (4, Assistência Social).

[...] a psicóloga na verdade ocupava duas funções, ela era psicóloga e coor-
denadora, ela ficava associada ao trabalho burocrático e quase não realizava
a atuação de psicóloga (6, Assistência Social).

Percebeu-se distanciamento entre diretrizes propostas pelas políticas


públicas para mulheres e a respectiva efetivação dada pela precariedade na
formação e carência de recursos. Esse descompasso compromete o reconhe-
cimento e intervenção sobre a VCM, pois, as metodologias, as intervenções
e as ideologias se contradizem nas diversas perspectivas de trabalho. Dessa
forma, faz-se necessário a criação de pontes para o diálogo entre as equipes
multidisciplinares de cada área, de modo a favorecer as práticas em prol
da erradicação e prevenção da violência de gênero.
Outros obstáculos tangenciam a crise política e econômica que o
Brasil enfrenta, materializados na extinção de recursos, órgãos e do Minis-
tério das Mulheres no governo do presidente Michel Temer (Brasil, 2016).
O contexto político e econômico brasileiro demonstra pouca abertura
ao desenvolvimento, execução e financiamento de ações frente a VCM.
Há permanências e retrocessos no âmbito das políticas públicas para as
mulheres, conjuntura que se altera conforme as prioridades e ideologias
políticas de cada governo e da sociedade civil (Santos, 2008, 2015).

Formação em psicologia e VCM

Verificou-se obstáculos na efetivação das políticas públicas para


mulheres no sudoeste goiano, contexto que desafia a atuação profissional
em psicologia nas áreas da saúde, justiça, segurança e assistência social.
Atender situações de VCM requer que as/os agentes institucionais agre-
guem novas práticas frente a complexidade e multidimensionalidade do

Psic. Rev. São Paulo, volume 28, n.1, 125-149, 2019


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fenômeno por meio de intervenções psicossociais articuladas em equipe


multidisciplinar (CFP, 2013). As participantes descreveram que o papel
da psicologia, nesse contexto, estava atrelado à capacidade de informar,
acolher, ter escuta ativa, orientar, apoiar e contribuir para a efetivação da
rede intersetorial de atendimento às mulheres.
A formação em psicologia se desenvolveu no campo das ciências
humanas e biológicas. fundamentada por análises subjetivas sobre a reali-
dade. As concepções sobre o comportamento humano produziram verdades
sobre a vida humana que não estão conectadas ao contexto cultural e social,
o que corrobora com a produção de saberes a-históricos (Melo & Barreto,
2014). Logo, as concepções teóricas em psicologia – muitas vezes diversas
e opostas – configuram diversidade de práticas e produção de verdades
(Hanada et al., 2010).
Ao reconhecer esse contexto, os Conselhos Regionais e o Conselho
Federal de Psicologia afirmaram o compromisso social da profissão ao
assumir sua responsabilidade perante as políticas públicas por meio de
ações e estratégias atuando nos três níveis de organização política – muni-
cipal, federal, distrital. Partindo da concepção de VCM como fenômeno
social, a psicologia assume posicionamento ético-político frente essa questão
social seguindo as premissas da Declaração Universal de Direitos Humanos,
de modo a contribuir, intervir e denunciar as transformações nas condi-
ções de vida (CFP, 2013). Esse compromisso social favorece a inserção da
psicologia nas políticas públicas de enfrentamento à VCM. As participantes,
entretanto, apontaram que o processo de formação não tem acompanhado
e incorporado essas mudanças ocorridas no bojo da categoria profissional.

[...] eu acho que existe uma falha na formação em relação a isso, até pelo
fato de eu não saber assim como eu vou encaminhar essa pessoa (6, Assis-
tência Social).

Então, eu acho que na formação de psicologia, principalmente na universi-


dade, a gente deveria ser mais informado sobre políticas públicas, sobre ....
dos locais que as mulheres podem procurar se estão passando por algum
tipo de violência, sobre o que que nós como psicólogos vamos auxiliar nisso,
não apenas auxiliar elas, mas também ajudar a informar mais a sociedade
sobre a violência (10, Saúde).

Psic. Rev. São Paulo, volume 28, n.1, 125-149, 2019


Psicologia e políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulheres 143

A história social da ciência psicológica mostra que ela foi utilizada


para interesses de determinados grupos sociais, reforçando e mantendo
formas e padrões de existência, modelo que ocultou as condições sociais,
econômicas e culturais que permeavam as práticas elitistas (Bock et al.,
2015; Gonçalves, 2010). Dentre as diversas abordagens em psicologia, a
tradição médica sobre a qual a ciência psicológica originou-se, proporcionou
que a profissão fosse reconhecida pelos atendimentos clínicos individuais
em consultório. As participantes destacaram o conflito entre as abordagens
centradas no indivíduo e as no social, havendo pouco diálogo entre um
pólo e outro.
Faz se necessário compreender a pessoa de modo integral e em
diálogo com os aspectos singulares e sociais que constituem sua subjeti-
vidade, não excluindo ou favorecendo nenhum dos aspectos (Bock et al.,
2015; Gonçalves, 2010). Os discursos revelaram a necessidade de formação
crítica, que ofereça além de recursos para a identificação da VCM, elementos
teórico-metodológicos que possibilitem meios de intervenção nos diversos
espaços de atuação profissional.

Acho que a gente tinha que, a gente como alunos e a faculdade tinha que
preocupar com essas questões da VCM, tanto no consultório, ou no social,
na escola (9, Saúde).

Tem contribuído para reconhecer, agora essa questão de intervir eu acho


que ainda é pequena (3, Saúde).

[...] talvez não intervir ainda, porque eu não passei por essa situação de ter
que intervir em um caso de VCM. Mas de reconhecer e as vezes pensar melhor
sobre algumas atitudes, é no caso do estágio em social também. Que já volta
na limitação do assunto, quem não faz parte de um projeto de extensão e
etc., você não estuda (5, Assistência Social).

Apesar de terem a oportunidade de trabalhar frente a VCM, em todas


as áreas, as participantes relataram sentirem-se despreparadas. Estudos
apontam a inexistência de capacitação institucional acerca das políticas
públicas para mulheres, assim como precária formação acadêmica sobre a
temática nos cursos de psicologia, serviço social e direito onde não há disci-
plinas sobre gênero e VCM (Gonçalves, 2010; Hanada et al., 2010; IPEA,

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2015; Lisboa, 2014; Santos, 2008, 2015; Souza & Sousa, 2015). A defasagem
de disciplinas obrigatórias e discussões sobre gênero e políticas públicas na
grade curricular obrigatória dos cursos de psicologia gerou sentimento de
despreparo nas entrevistadas. Diante dessa realidade, é importante que os
profissionais de psicologia atualizem seus conhecimentos por outros meios.

Eu mesmo nem estou na parte do estágio ainda, estou ali tentando ajudar
essas mulheres, eu me sinto um tanto despreparada [...] (2, Justiça).

[...] lá chega casos de várias formas de todos os tipos, e não existe uma
preparação, nem pra VCM ou por exemplo para casos de suicídio, não existe
uma preparação prévia (3, Saúde).

[...] a gente percebe que essa temática foi abarcada em projetos de extensão
ou atividades extracurriculares. A gente não tem na grade. Olha a psicologia
não vê as questões de gênero, não que ela não vê, mas aqui [...] a gente não
tem uma preocupação (8, Justiça).

Com a criação das políticas públicas específicas para o enfrentamento


da VCM, abriu-se espaço para que as relações de gênero fossem abordadas
em diversas áreas, contudo, há muitos obstáculos ideológicos, políticos,
institucionais, sociais, econômicos e culturais em relação às concepções
e práticas sobre os problemas de gênero entre os profissionais de saúde,
justiça, segurança e assistência social (Hanada et al., 2010; Schraiber, 2012;
Souza & Sousa, 2015; Pasinato, 2015).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo investigou as experiências de universitárias do


curso de psicologia junto às políticas públicas de enfrentamento à VCM, no
âmbito da saúde, segurança, assistência social e justiça, em um município
do interior goiano. Embora as últimas décadas possam revelar a ampliação
no processo de criação e implementação das referidas políticas, há descom-
passos e entraves na atuação da psicologia nesse campo. Essa realidade foi
reiterada pela inexistência de tais profissionais nos equipamentos públicos,
fazendo com que a efetivação da pesquisa somente fosse possível com as/
os estudantes que têm ocupado esses espaços.

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Psicologia e políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulheres 145

Verificou-se diversos obstáculos de ordem ideológica, política,


institucional, social e econômica em relação às práticas das participantes
no enfrentamento à VCM, elementos que impactam negativamente a
atuação frente aos problemas de gênero. Exceto pelas práticas realizadas
no âmbito da justiça, constatou-se experiências insipientes nos outros
campos de atuação margeadas por dúvidas, desconhecimento, fragilidade
teórico-prática. Nesse sentido, percebeu-se a precariedade dos serviços; o
pouco conhecimento das participantes sobre as relações de gênero, sobre o
conceito de VCM e sobre a rede intersetorial de atendimento às mulheres; a
banalização e naturalização da violência nos serviços; a falta de discussões
e formação profissional precária quanto à relação entre gênero e políticas
públicas.
Partindo desses aspectos, com investimento teórico, metodológico
e relacional, acredita-se que as experiências de estágios em psicologia
possam se constituir em espaço privilegiado para a construção de práticas
inovadoras e comprometidas com a efetivação dos direitos das mulheres,
notadamente aquelas em situação de violência. Para isso, é urgente a incor-
poração das diretrizes sobre a atuação em contextos de violências de gênero
apontadas pelos Conselhos Regionais e Federal no processo de formação
profissional, as discussões sobre as Teorias de Gênero, bem como a ressig-
nificação de práticas pautadas em modelos biologicistas e/ou médicos.
O desenvolvimento de atuação politicamente engajada e teórico-me-
todologicamente comprometida frente à VCM também permeia o forta-
lecimento da rede intersetorial com vistas à solidificação dos serviços já
existentes e a criação de novas áreas de atendimento. Por fim, é imperativo
garantir a transformação social frente a ideologia patriarcal que vigora na
sociedade, de forma a proporcionar a construção de relações igualitárias e
equitativas entre homens e mulheres nesse momento de desmonte político
e retrocessos nos direitos.

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146 Maria Clara Guimarães Souza, Tatiana Machiavelli Carmo Souza

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