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Mentalismo e Organicismo de 1830 A 1859 (PDFDrive)
Mentalismo e Organicismo de 1830 A 1859 (PDFDrive)
Mentalismo e Organicismo de 1830 A 1859 (PDFDrive)
CAMPINAS
2016
CARLOS FRANCISCO ALMEIDA DE OLIVEIRA
CAMPINAS
2016
BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO
CARLOS FRANCISCO ALMEIDA DE OLIVEIRA
MEMBROS:
Agradecimentos especiais também faço aos Profs. Antônio Pimentel de Lima (UFPI)
e Francisco Caminha Aguiar (Colégio Diocesano), por terem me ensinado a arte de
estudar.
E, sobretudo, a Deus, por ter ficado ao meu lado esse tempo todo.
RESUMO
The author presents, in this study, a critical review on medical treatments to alienism
in Brazil in the nineteenth century, focusing on the 1830’s, 1840’s, and 1850’s. The
introduction chapter mainly aims to explain the binomial mentalism versus organicism,
incorporated into the Brazilian texts on alienist therapy concerning that period.
Following, the prologues of treatments to behavioral and mental problems in Brazil are
covered highlighting the treatments provided by the Jesuits. Next, the organization
process of alienism asylum spaces in the source countries reflected in Brazilian
asylums. Then, texts with a preponderance of “moral treatment” received and partly
given in Brazil and literature with protagonism of “medical therapy” in the country, are
analyzed. In the discussion, intertextuality is used as a resource to make a critical
assessment of the progressive predominance of organicist medical therapies in Brazil
during the nineteenth century. Then, they are analyzed by referring to Pinel in the
processes of relationships between the studied doctors and patients. The author
concludes that the organicist predominance process in the Brazilian texts about alienist
therapy was parallel to the one occurred in the countries that exported this medical
culture. Despite such a great importation, there were some particularities as to the
reception of these currents in the Brazilian medical and intellectual context and also in
the sociopolitical reality of Brazil in the nineteenth century.
Key Words: Psychiatry, History, Brazil; Mental disorders, Therapy; Moral treatment.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ..............................................................................................................11
Métodos e Procedimentos da Pesquisa .........................................................................37
CAPÍTULO 1 ......................................................................................................................43
1. OS PRÓLOGOS DOS TRATAMENTOS MENTAIS NO BRASIL: AS CURAS DOS
PADRES DA COMPANHIA DE JESUS NO CORPO E NA ALMA DOS
HABITANTES DO BRASIL COLONIA .........................................................................43
CAPÍTULO 2 ......................................................................................................................63
2. A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS DO ALIENISMO PARA A RECEPÇÃO DO
“TRATAMENTO MORAL” E DA “THERAPEUTICA MEDICA” NA PRIMEIRA
METADE DO SÉCULO XIX ........................................................................................63
2.1 EUROPA E ESTADOS UNIDOS: PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX ...........63
2.2 OS PRIMÓRDIOS DO ALIENISMO NO BRASIL OITOCENTISTA: O
PENSAMENTO LIBERAL, OS ALOJAMENTOS DOS ALIENADOS E A
THESE DE ANTONIO LUIZ DA SILVA PEIXOTO, COMO REPRODUÇÃO
DO ALIENISMO FRANCÊS, NO MEIO ACADÊMICO BRASILEIRO. .................71
2.3 O “HOSPICIO PEDRO II”: A “PEDRA ANGULAR” PARA OS
TRATAMENTOS DO ALIENISMO BRASILEIRO NO SÉCULO XIX ....................85
CAPÍTULO 3 ......................................................................................................................91
3. O PROTAGONISMO DO “TRATAMENTO MORAL” DE PINEL E ESQUIROL NA
ASSOCIAÇÃO MÉDICA, NAS THESES DE CONCLUSÃO DOS CURSOS DE
MEDICINA E NA MEDICINA DO HOSPÍCIO NO BRASIL DO SÉCULO XIX..................91
CAPÍTULO 4 ....................................................................................................................113
4. O PROTAGONISMO DA “THERAPEUTICA MEDICA” NA ALIENAÇÃO MENTAL
NA ASSOCIAÇÃO MÉDICA, NAS THESES DE CONCLUSÃO DOS CURSOS DE
MEDICINA E NA MEDICINA DO HOSPÍCIO NO BRASIL DO SÉCULO XIX................113
2. DISCUSSÃO ................................................................................................................138
3. CONCLUSÕES .............................................................................................................156
4. REFERÊNCIAS .............................................................................................................158
5. GLOSSÁRIO TERAPÊUTICO ........................................................................................176
11
1. INTRODUÇÃO
Catroga (2015) cita o sociólogo David Émile Durkheim (1858 - 1917) para
diferenciar no âmbito da história as narrativas de memória e as narrativas históricas,
13
Antes de 1800, o cérebro era visto tão somente como uma outra víscera,
que somente tinha destaque por se localizar na caixa craniana. A localização cerebral,
como sede funcional das vesanias, levou tempo para ser suficientemente aceita,
prevalecendo por longo período a noção de simpatia de François-Joseph-Victor
Broussais (1772-1838). Ele asseverava serem as vísceras, sobretudo as gástricas, a
sede natural das loucuras e que, por simpatia nervosa, chegaria ao cérebro. Para
Berrios, portanto, o dualismo mentalista e organicista não pode, necessariamente, ser
epistemologicamente delimitado. Isso porque as imbricações entre fatores mentais e
orgânicos se alternam, ou mesmo se confundem durante o século XIX, nas tentativas
de explicitação sobre cognição, memória, emoções, paixões, afetividade etc. (ibid).
contextos sociais e políticos, desde o Brasil Colônia até os primeiros anos do Brasil
República.
Estudos de história dos saberes, este livro tem por objetivo dar conta do
nascimento de um tipo de medicina característico da sociedade capitalista.
Analisa os conceitos básicos da medicina social e da psiquiatria brasileiras;
mas não se limita a uma abordagem interna: pretende refletir sobre esses
saberes como prática social. [...] A análise evitou princípios explicativos muito
gerais que viessem sujeitar o documento à exigência de uma interpretação
totalizadora; privilegiou as fontes primárias porque melhor serviram à
reconstituição da trajetória médica e de sua articulação com a gestão política
dominante da vida urbana (ibid, p. 12, 14).
como fatores de intervenção social na cultura médica científica atrelada aos ditames
da medicina social:
sociedade. [...] Não existe, nem em Esquirol, nem nos médicos brasileiros,
nenhuma nostalgia de um estado selvagem onde o homem, vivendo a
inocência de suas paixões primitivas, estaria ao abrigo dos males do
progresso. Ao contrário, a civilização é a plenitude da humanidade, o
coroamento de uma teleologia da razão (ibid., p.416 - 419).
Além dêstes sinais se seguem outros mais perniciosos, como são: delírios,
frenesis, espasmos e acidentes, como de gôta-coral, naiscidos, ou das
fumaças grossas, e malignas que do fervor do sangue sobem à cabeça, ou
já de alguma poção de humor maligno, que a natureza manda para ela [...] O
principal, e mais eficaz remédio com que se acode à primeira indicação, ou
tenção curativa, que é evacuar os humores sobejos, de que as veias estão
cheias, e para também abrandar o fervor do sangue, e dos outros humores
de que nascem as Bexigas, é o remédio único, e geral, e que todos os
doutores aprovam o das ‘sangrias’ (MORÃO apud ANDRADE, [1683], 1956,
p. 82, 91).
Pacheco & Silva ([1976] 2008) realça da these de Antonio Luiz da Silva
Peixoto o libelo condenatório contra os “métodos bárbaros” na assistência aos
“insanos” e os “ouvidos moucos” das autoridades. Pacheco e Silva classifica o trabalho
27
Oda (2013), acerca dos plágios nas theses de conclusão dos cursos de
medicina no Brasil oitocentista, detalha semelhanças e diferenças entre os trabalhos
acadêmicos de Antonio Peixoto e Joaquim Manoel de Macedo. Nos dois casos há
“cópia” de extensos trechos de dicionários médicos franceses, o que já caracterizaria
o plágio. Porém, na these de Macedo, a autora destaca que esse doutorando tem
também participação autoral, à medida que concretiza um direcionamento em termos
de objetivo para sua these, uma defesa escravagista com medidas protetivas aos
negros, enquanto vistos como valores monárquicos. De outra forma, a these de
Peixoto, apesar das críticas ao “depósito de alienados” na Santa Casa de Misericordia
31
e dos relatos acerca das terapêuticas ali praticadas, não atinge a condição de um
trabalho autoral. Nessa dissertação, essas críticas e comentários de Peixoto são
somente periféricas ao núcleo plagiado do trabalho.
Para Ana Oda, não há justificativa acadêmica para os plágios nas theses
dos formandos, haja vista que os “conceitos de propriedade literária” eram
suficientemente conhecidos, já que advindos do século XVIII. Nesse sentido, cita o
exemplo dos dicionários de medicina francesa mencionados que, após a descrição de
cada “verbete”, continham as referências bibliográficas utilizadas naquele construto
científico. De outro modo, acentua que autores do alienismo francês como Esquirol e
Fovile lançavam mão de um instrumento aceito pelo meio acadêmico que eram a
síntese e a apropriação de fontes médicas, devidamente referenciadas em seus
trabalhos (ibid).
Oda (2013) destaca que uma das obras constantes na relação citada trata-
se do já referenciado Dictionnaire de Médecine et de Chirurgie Pratiques. Tal assertiva
ganha importância historiográfica no sentido de facilitar a compreensão do acesso dos
jovens médicos formandos aos clássicos literários da medicina, sobretudo francesa.
já representava o novo e como tal era aceita e valorizada, por outro lado, a exigência
de originalidade ganharia dimensão no Brasil somente a partir da década de 1930.
primeiro padre jesuíta a aportar na Bahia, em 1549, foi Manuel da Nóbrega (1517-
1570). Nessa esquadra, comandada por Tomé de Sousa (1503 -1573?) também
constavam: um médico (físico-cirugião), um arquiteto, um mestre de obras e
numerosos operários artesãos.
Nesta tese, optou-se pela avaliação das fontes primárias, de tal forma que
a relevância dos temas nosológicos tenha sido priorizada em lugar dos aspectos
evolutivos nas terapêuticas alienísticas oitocentistas, evitando-se, dessa forma, o risco
da “circularidade”. Metodologicamente, foi dada ênfase aos processos de leitura,
releitura, interpretações, além da desconfiança de evidências nos conteúdos
históricos estudados acerca da terapêutica alienística, praticada no Brasil entre as
décadas de 1830 a 1850. Por facilitação didática para o alcance dos objetivos, a ordem
narrativa de apresentação dos conteúdos históricos obedeceu ao critério cronológico
(ibid).
Manuel Ali (1914), filólogo brasileiro, refere que o século XIX foi também
marcante para a língua portuguesa, em virtude das construções sintáticas que
sofreram grande influência dos “galicismos” nos escritos em português no Brasil, em
período histórico adjacente ao Iluminismo, à Revolução Francesa e à invasão
napoleônica em Portugal.
Capítulo 1
no cômputo geral, por ambas as partes na troca de valores culturais, mesmo com a
existência de violentos conflitos que retrataram a intensa resistência dos nativos
indígenas em absorver os ditames da colonização portuguesa no Brasil. Para esse
fim, o Estado Português valeu-se da grande capacidade de comunicação que
possuíam os padres da Companhia de Jesus:
Agostinho tinha apreço pelos livros de Platão (428-348 a.C.) assim como
os cristãos que acolhiam nos escritos platônicos a estética presente na descrição do
universo espiritual. Porém, os platônicos pagãos não aceitavam de bom grado o mito
redentor do cristianismo (encarnação, crucificação e ressurreição). A diferença
primordial nas ideias agostinianas em relação à filosofia platônica viria a influenciar
todo o processo filosófico-religioso no catolicismo. Agostinho admitia ser a
contemplação interiorizada de Platão insuficiente e que, somente com a contemplação
exteriorizada ou participada se alcançaria a calmaria dos espíritos. Assim ele entende
45
Pombal fez assignar pelo regio manequim uma lei declarando-os rebeldes,
traidores e havendo-os por desnaturalisados e proscriptos. No correr do anno
seguinte foram embarcados para o reino as centenas de successores de
Nobrega encontrados no Brasil. Durou duzentos e dez annos a sua actividade
em nossa terra, e sua influencia deve ter sido considerável (ABREU, 1907,
p.172).
Lopes Rodrigues (1934) afirma que a medicina brasileira muito deve aos
padres jesuítas, tendo a sua contribuição ultrapassado os limites da “enfermeiragem
sagrada das endemias e das epidemias” (ibid, p.25), classificando-os como os
“primeiros naturalistas médicos” que descreveram as virtudes terapêuticas das “floras
invioladas da terra”.
O Brasil, não por acaso, foi chamado inicialmente de “Terra de Vera Cruz”,
como acentua a Carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra descobridora,
ao Rei de Portugal creditando o “achamento da Terra Nova” aos desígnios de Deus
sob o símbolo da cruz, em clara alusão à missão colonizadora jesuítica (HOLANDA et
al., 1981). Os jesuítas fizeram descrições de diagnósticos e tratamentos médicos
realizados na nova colônia portuguesa, como atestam as cartas dos padres José de
Anchieta (1534-1597) e Simão de Vasconcellos (1596-1671) (LOPES RODRIGUES,
1934). Gurgel (2010) relata que os jesuítas ao tomarem para si a função de cuidadores
de doentes no Brasil colonial, tornaram-se para as comunidades indígenas os “novos
pajés”.
realizado pelo Pe. Manuel da Nóbrega, pioneiro dentre os padres das batinas negras
em terras brasileiras, em uma mulher pecadora que havia vivenciado desejos carnais
com um eclesiástico por vários anos:
Foi chamado o Padre Nobrega pera huma mulher peccadora, que estava em
ansias da morte: tinha gastado grande parte da vida em máo estado, publica,
e escandalosamente, com hum Ecclesiastico. Chegou o Padre, applicou os
remedios, que em taes casos seu espirito lhe dittava; e depois de grandes
resoluções, lagrimas, e mostras de arrependimento, veio a ouvil-a de
confissão, e absolvel-a; porém com esta comminação, que visse o que fazia
dalli em diante; porque se agora achava propicia a misericordia de Deos;
retrocedendo em peccados de tanto escandalo, acharia depois rigorosa a
divina justiça (VASCONCELLOS, 1663, p. 168).
[...] o interesse público não pode sofrer que uma companhia não somente
recomendável por sua piedade, mas célebre por sua doutrina, como é a dos
jesuítas, seja privada de uma função da qual pode encarregar-se com grande
utilidade para o público [...] é verdade que não se poderia dar aos jesuítas o
encargo da educação completa dos meninos sem expor-se a dar-lhes um
poder tanto mais suspeito ao Estado quanto todos os cargos e os graus de
que se lhe desse o manejo (RICHELIEU, 1709, parte I, cap.I, seção X).
Silva (2008) refere que nos colégios fundados pelos jesuítas existiam
farmácias, “boticas”, onde, além do arsenal medicamentoso importado da metrópole
52
Lopes Rodrigues (1934) acentua que o Brasil ingressa no século XVIII com
total dependência do trabalho “médico” desenvolvido pelos padres jesuítas, já então
espalhados do Sul ao Norte do País. Matheus Saraiva, presidente da Academia dos
Felizes, em carta datada de 1742 ao abade Barbosa Machado informava não haver
na América Portuguesa nenhum professor na arte de curar doenças.
As libras de botica de coisas líquidas têm doze onças; cada uma destas onças
é uma medida de metal que levará pouco mais, ou menos, tanto como um
ovo de galinha ordinário [...] As mãos cheias, em que tenho falado e hei de
falar, é, regularmente, quanto pode abranger uma mão com os dedos. Ε a
palavra dose, ou doses, é o mesmo que uma porção; tudo o mais é o comum
(FERREIRA, 2002, p.247-248).
54
Ainda no Erário Mineral, o autor faz uma ponte entre os saberes médicos
apreendidos da escola médica portuguesa e as terminologias populares, sobretudo
quando as referências se voltam para os tratamentos. No caso das doenças no campo
mental, ele as inclui no capítulo Tratado III - Da miscelânea de vários remédios, assim
experimentados e inventados pelo autor, como escolhidos de vários para diversas
enfermidades. Essa partição indica que não havia sistematização para o tratamento
das doenças mentais, que compreendiam da impotência sexual a distúrbios
relacionados à menstruação, alucinações etc. Outra constatação é a de que os
tratamentos comportamentais ou farmacoterápicos obedeciam a um primitivo
culturalismo adaptado ao tempo e ao espaço, precedentes do alienismo acadêmico
no Brasil, que viria a se sistematizar com a criação das sociedades médicas no século
XIX:
Aqueles que, sendo moços robustos e mui potentes para com suas
mancebas, casando-se se acharão incapazes de consumar o matrimônio,
estes, diz o doutor Curvo na ‘Observação 101’, que se defumem as suas
partes vergonhosas com os dentes de uma caveira postos em brasas [...]
Aqueles que, sendo discretos e de boa índole, passaram de repente a serem
tolos e furiosos, ou fugiram da companhia das gentes, andando uns sempre
rindo, outros chorando sempre, se curarão com vomitórios e depois com a
infusão do heléboro negro, feito em água de erva-cidreira (ibid, p.421-422).
Enfim, quando o dogma ímpio da infalibilidade papal veio elar, com a maior
das mentiras contra a fé, contra a espiritualidade cristã, contra a dignidade
humana, contra a concepção suprema de Deus, essa lenta paganização do
cristianismo, que, há dez séculos, absorve Roma, o estigma deste espírito
eminentemente religioso (i.e., de Alexandre Herculano) feriu no rosto a
sacrílega especulação do jesuitismo (BARBOSA In SCHULER, 2002, p.258).
A única doença mental de que ouvi falar deveria ser comparada com a
licantropia, isto é, com a alienação, na qual o indivíduo corre ao ar livre, imita
a voz e os modos do cão ou do lobo transformando-se em lobisomem [...] O
índio, pálido, taciturno, interiorizado, com o olhar fixo e certo, vagueia, ou se
isola de todo o convívio. Depois do sol posto, repentinamente irrompe nele
uma sede insaciável de sangue humano. [...] Corre pela aldeia, e quem quer
que o encontre se expõe a ser atacado; uivando se dirige para os lugares
onde há cadáveres enterrados. [...] Esse fato se pode observar,
epidemicamente, nos homens e nas mulheres, e isso depois de contínua
licenciosidade, embriaguez, danças e excitações de outra natureza. Os índios
acreditam que a feitiçaria seja causadora disso (ibid, p.111-112).
“eléboro” (Veratrum) é uma planta, com uso médico relatado desde a Grécia Antiga.
O heléboro era usado para o tratamento de doenças, como: eleborismo (intensa
agitação mental); alienação mental; reumatismos; gota; epilepsia; vertigens;
paralisias; hipocondria e câncer. Espanet acresce que seu uso como medicamento foi
sendo abandonado gradativamente pela medicina alopática, em virtude dos potentes
efeitos colaterais dessa substância, cabendo a Samuel Hahnemann (1755– 1843) a
sua reintrodução na clínica médica, mediante preceitos homeopáticos.
Carlson & Simpson (1963) afirmam que o ópio para Cullen era,
efetivamente, um narcótico com simples efeito sedativo e a excitação produzida pela
droga se explicaria como uma resposta do corpo na tentativa de superar esse efeito.
Entretanto, para alienistas como John Brown (1735-1788), que fora discípulo de
Cullen em Edimburgo, na Escócia, assim como também para Benjamin Rush (1746-
1813), que sequencialmente fora discípulo de Brown, estabeleceu-se uma divergência
com a base teórica de William Cullen acerca do mecanismo de ação do ópio. Para
Brown e Rush, tanto o ópio quanto o álcool eram considerados estimulantes e o efeito
60
Capítulo 2
Samuel Tuke (1784-1857) era filho de Henry Tuke (1755-1814). Henry foi
também um comerciante e filantropo que juntamente com seu pai, William Tuke III
(1732-1822), foi fundador do Retiro de York, em 1792. A família Tuke era composta
de membros integrantes da Sociedade Religiosa dos Amigos, um grupo protestante
denominado Quakers, protestantes dissidentes ou não-conformistas, profundamente
ligados às várias correntes ou seitas protestantes não-anglicanas (SOARES, 2001).
Tal ideário estava inserido nas ações de Pinel tanto como Diretor dos Asilos
de Bicêtre e Salpêtrière quanto como autor do Traité Médico-Philosophique sur
L’aliénation Mentale ou La Manie (1801). Além disso, havia dimensão política na
associação com os revolucionários franceses, permitindo uma extraordinária difusão
dos renovados conceitos pinelianos (ibid).
escritor Stefan Zweig (1881-1942), serve bem para descrever o fascínio exercido por
Mesmer na sociedade francesa do último quarto do século XVIII (STONE, 1999;
ALEXANDER & SELESNICK, 1980).
dessa linha da qual Tuke e Rush foram precursores na associação entre alienismo e
protestantismo (STONE, 1999).
do Interior francês, em que narra uma situação asilar muito semelhante àquela
encontrada na Alemanha no início do século XIX:
O Retiro de York, criado por William Tuke e seus Irmãos Quakers, foi
planejado e construído para ser uma edificação voltada para o “tratamento moral”, ao
passo que os Asilos de Bicêtre e Salpêtrière foram adaptados por Pinel e seu gestor
escudeiro, Jean-Baptiste Pussin (1746-1811). Samuel Tuke descreve, portanto, os
processos iniciais do “Retiro de York”, evidenciando a presença médica desde o
princípio na instituição e o planejamento arquitetônico, que deveria acoplar-se à
segmentação, preconizado no “tratamento moral” de Philippe Pinel:
Nava (1948) relata que José Maria Bomtempo (1774 -1843) foi um
professor egresso de Portugal que veio para o Brasil quando da fundação da Escola
Médico-Cirúgica Fluminense. Ele foi lente de “química”, “matéria médica” e “farmácia”,
sendo autor de Compêndios de Medicina Prática de 1815, onde define como
referência teórica principal a sistemática clínica de Philippe Pinel, construindo,
portanto, uma conexão de entrada para a medicina francesa no Brasil. Dessa forma,
no primeiro quartel do século XIX no Brasil, a a incipiente ciência médica torna-se
muito dependente das ações do estado português implantado em terras brasileiras,
quando da criação dos Colégios de Cirurgiões.
e clareza como comunicador da nova prática terapêutica que incluía até mesmo
“homens desprovidos do saber”, como Pussin, o “vigia de Bicêtre” (ibid, p.33).
Dr. José Maria Bomtempo acerca do tratamento de um paciente com respaldo social.
Dirige-se, então, o Dr. Sigaud ao Dr. Bomtempo:
Não he por arte magica, como o Sr. diz em forma de pergunta, que eu fiz a
idéa dos seus princípios, mas sim pela leitura das suas obras de Medicina,
que não tem nada de magicas. Se o Sr. Bomtempo tivesse limitado o seu
trabalho à tradução da Nosographia de Pinel, ou ao seu tratado de materia
medica, que medico instruido ousaria repreendel-o? pelo contrario
relativamente a isto eu lhe testemunho huma resplandecente justiça; e ainda
que o Sr. tenha mutilado Pinel e sua Nosographia, estou convencido com tudo
que os fragmentos, que apresentou em sua tradução podem ser lidos com
fructo (O Propagador das Sciencias Medicas, 1827, p.266-267).
Nesse encontro foi lançada pelo Dr. Xavier Sigaud o plano de um novo
jornal médico, Semanário de Saúde Pública (SSP), que viria a ser o divulgador das
atividades da entidade, sempre aos sábados, com as seguintes sessões: Boletim da
Sociedade, Boletim Universal das Ciências Médicas e Correspondências Particulares
(FERREIRA, 2004).
Muitas vezes a causa da molestia existe no seio da familia; ella tira a sua
origem das dissensões e desgostos domesticos, e por isso, a presença dos
parentes e amigos, estando em relação com as causas que a provocárão,
irritão o mal e entretêem o delirio por mais tempo [...] Nos seus momentos em
que elles se acharem menos agitados, podem reflectir nas extravagancias
dos seus companheiros, e d’ahi tirar meios proveitosos para curar-se de seus
erros. Sobre este ponto, alguns autores insistem ainda contra o isolamento
[...] Mas outros muitos, e entre elles Mr. Esquirol, a quem não se póde negar
muitos conhecimentos e pratica na cura destas molestias, diz que tem colhido
vantagem com este systema. (ibid, p.30).
O meu digno pratico, o Sr. Dr. Cardozo, quando estabeleceu nesta côrte hum
hospital particular, tambem recebia doentes affectados da loucura, e este
pratico tinha um jardim bem plantado que servia de recreio aos Alienados, do
que colhia vantagens. He para lastimar que o Sr. Dr. Cardozo se visse na
impossibilidade de continuar a manter o seu estabelecimento, que alguns
bens promettia, talvez por não encontrar outros companheiros que com elle
quizessem encarregar-se de huma tão ardua tarefa, qual he a da drecção de
hum hospital (ibid, p. 31)
deixando elles de estar em contacto com a causa que produzira a loucura, podem com
mais facilidade recobrar a rasão” (ibid, p. 35).
Seguindo-se esta pratica, póde acontecer que hum acesso de mania, por
exemplo, ou de melancolia aguda, que cederia promptamente a hum
tratamento ativo, degenera em hum estado de demencia incuravel. Não
dissimularemos, entretanto, que, no estado actual da sciencia, o medico
encontra muitas vezes casos de alienação sem indicações therapeuticas bem
precisas, que o levão, ou a nada fazer, ou a lançar mão ás apalpadellas de
alguns meios reputados como especiaes d’esta molestia (ibid, p. 36).
As sangrias têem sido reprovadas por alguns médicos, Mr. Pinel as julga
prejuduciaes no maior numero de casos [...] Mr. Esquirol diz que vio a loucura
80
O Sr. Dr. de Simoni diz que usa de hum methodo espectante, tendo conhecido
pela experiência que o tempo he o melhor modificador das vesanias, e que
elle por si só cura muitas sem auxilio da therapeutica. Quando o delírio se
exacerba pelo tratamento antiphlogistico, não insiste nelle: em muitos casos
usa das embrocações de água fria e dos banhos de mar com successo. [...]
A camisola de força, prisões em quarto fechado, a do pé no tronco [...] a
diminuição da comida são os meios repressivos de que pode fazer uso.
Quanto ao moral, o Sr. Dr. de Simoni diz que procura conversar com elles,
interrompel-os com perguntas destacadas e alheas do objecto do seu delírio
[...] procura sempre fazer-lhes crer que pratica isto obrigado por huma
autoridade superior (ibid, p.40).
Antonio Peixoto pontua sua these como um relato opositor aos métodos de
tratamento do alienismo conduzidos na Santa Casa de Misericordia, elegendo o Dr.
De Simoni como artífice maior dos desmandos e ineficiências dos tratamentos dos
pacientes alienados:
Não podemos concordar com o meio de repressão adoptado pelo Sr. Dr. de
Simoni em fazer metter os doudos no tronco: além de importar isso a
exasperal-os mais, tem ainda o incoveniente de fazel-os perder o estimulo:
nem se diga que elles não estão em estado de poder avaliar os actos de
degradação que com elles se pratica, porque, apesar do desarranjo de suas
faculdades intellectuaes, elles têem a consciência de si e do que os cerca.
Sabemos que he talvez a lei da necessidade que leva o Sr. Dr. de Simoni a
usar de semelhante meio, por isso que o estabelecimento não offerece
proporções algumas para pôr em pratica outros mais dóceis e racionaes (ibid,
p.40).
Em novembro de 1837 o Sr. ‘Dr. Antonio Luiz da Silva Peixoto’, na sua these
inaugural, sustentada perante a Faculdade de Medicina desta Corte,
censurou tambein muito o uso do tronco na Santa Casa, expressando-se de
hum modo que parece imputar á nossa vontade a adopção desse meio de
repressão, ainda que diga que ‘talvez’ a isto eramos levado pela lei da
necessidade, por isso que o estabelecimento não offerecia proporções
algumas para pôr em pratica outros mais doceis e racionaes. [...] contra o uso
desse meio tão condemnável; mas que a pesar dos nossos clamores, e da
publicação dos da Comissão da Sociedade de Medicina no ‘semanário de
saúde pública’, apesar da tese do Sr. Silva Peixoto, o uso do tronco tem
continuado na Santa Casa nas enfermarias dos alienados (ibid, p.248-249).
84
uma forte imagem. O imperador Dom Pedro II (1825-1891) era ainda um adolescente,
quando da opção imperial pelo asilo:
Seja dito para honra da classe médica que Jobim e De Simoni sempre
protestaram contra tão tremendo estado de coisas. Provedor que os ouvisse
só houve, porém, José Clemente que, em 1839, em seu relatório à mesa da
Santa Casa, afirmou a urgência de serem atendidas as reclamações dos
homens de ciência que eram as da humanidade. No relatório do ano seguinte,
apresentado a 26 de julho, dizia José Clemente: ‘Não sei que espírito de
providência me inspira: a chácara do vigário geral há de um dia converter-se
em hospício de alienados’ (MOREIRA [1905], 2011, p. 731-732).
(ANEXO 5), marca a adesão política do monarca brasileiro. Esse fato deu respaldo a
todas as subscrições quer sejam dos ministérios imperiais ou da sociedade civil do
Rio de Janeiro (ibid).
Nesse sentido, nem mesmo a lei de 1838 que matriciou todo o arcabouço
de proteção e tratamento aos doentes mentais no ocidente foi suficiente para impedir
a criação de ordens religiosas voltadas para a inserção nos asilos e,
consequentemente, para o desenvolvimento assistencial nos cuidados de
enfermagem pelas irmãs de caridade católicas (ibid).
Santo et al. (2011) relatam que desde a sua criação, o Hospício de Pedro
II contou tanto na parte administrativa quanto no setor assistencial com o concurso
das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo. Esse processo só viria a alterar-se
no início do período republicano, com as influências positivistas anticlericais no
sentido da separação entre Estado e Igreja e, de modo consequente, com a
“laicização das instituições”.
Até fins de 1878 eram elles asylados no hospicio de Pedro II; os alienados
indigentes sómente podiam contar em sua desditosa sorte com setenta
logares mantidos no hospicio de Pedro II pela Provincia. [...] Estabelecendo-
se um pequeno asylo com enfermarias annexas a um hospital, sem os
caractéres peculiares a um hospicio de alienados, sem que se pudessem
tornar effectivas a sequestração, a classificação delles, sem officinas nem
instrumentos de trabalho, sem jardins, hortas e pateos, sem os meios
especiaes de balneação (porque é escasso o elemento principal – a água fria
ou quente) sem os meios de tratamento em summa, pois tudo isto
impreterivelmente importa o tratamento, era claro que não se resolvia a
questão – adiava-se a resolução (ibid, p.4-5).
Capítulo 3
Ce que nous avons dit de la manière dont tout organe irritable passe de l’état
de susceptibilité extrême à l’état de maladie, à la suíte de l’accouchement,
chez une femme qui ne nourrit pas, peut aussi être applicable au cerveau,
instrument de la pensée, en supposant toutefois que des causes morales
aient rendu cet organe três-impressionnable dans le sens de ses fonctions
spéciales; en effet, que l’on examine le nombre des femmes retenues dans
les différons établissemens destinés aux aliénés, toutes choses égales
d’ailleurs, on trouvera, parmi celles qui ont été mères, que le nombre de celles
92
qui n’ont pas allaité est infiniment supérieur à celui des autres (MAIA, 1833,
p.15-16).
Jacó-Vilela (2008) analisa a dicotomia feita por Jaimi entre affectos d’alma
e as paixões. Nessa interpretação, os affectos teriam uma base racional, cartesiana,
e, ao se degenerarem em paixões, passariam a ter efeitos mórbidos na moral e,
consequentemente, no corpo humano. Porém, Jaimi admite a coexistência fisiológica
entre essas duas funções mentais enquanto as paixões estejam subordinadas
hierarquicamente aos affectos d’alma.
de França intitulou-se Essai sur I'influence des Aliments et des Boissons sur La Moral
de I'Homme.
these de Rosario. Ressalte-se que essa pequena extensão filosófica não está contida
na these de Eduardo França:
Celui dont les passions sont violentes trouvera dans la diète végétale un
moyen puissant de les réprimer; celui, au contraire, dont les passions
manquent du degré nécessaire d'énergie, doit avoir recours surtout au régime
animal (Eduardo Ferreira França, 1834, p.41).
As intimas amizades, por que se ligão as da mesma idade, nada menos fazem
que entretê-las em huma perigosa conversação a respeito de seus
pensamentos mais secretos, exasperando cada vez mais sua perturbação.
As horas consedidas ao repouso, e as que se passão na immobilidade
physica, favorecem eminentimente a exaltação da intelligencia a respeito da
tendencia dominante nesta época [...] Na casa paterna, deve portanto, a joven
passar a puberdade menos exposta a semelhantes perigos (ibid, p.22-23).
Eu poderia, escrever a história de meu país, desde 1789 até os nossos dias,
pela observação de alguns alienados, cuja loucura tinha por causa ou por
caráter algum acontecimento político notável neste longo período de nossa
história (ESQUIROL apud MACEDO [1844], 2004, p.26).
O nosso fito vae alem de indicar o estado moral como causa de molestias, ou
grave complicação das mesmas; resta-nos ainda estudar os meios de
combattel-o, e desdobral-o para os curativos dos males d’elle provenientes.
A medicina lhe deve curas inesperadas d’affecções, contra os quaes todos
os meios therapeuticos tinham soçobrado (ibid, p.41-42).
Desse modo, o Dr. Antonio José Pereira das Neves passava a ter o seu
nome inscrito na historiografia psiquiátrica brasileira. A esse respeito, em 1895, o
médico e historiador Augusto Victorino Alves Sacramento Blake (1827-1903) assim
descrevia a viagem de estudos do Dr. Antonio Neves:
Peloquin (1898) discorre que a terapia ocupacional foi um dos pilares para
implementação do “tratamento moral” citando o Dr. Thomas Kirkbride (1809-1883)
com a conjectura de que a “terapia ocupacional”, então adotada no Pennsylvania
Hospital for the Insane desde 1841, seria importante fator para “moldar a mente para
a cura”.
Cumpre que o medico ainda seja inteiramente activo e quanto ao que diz
respeito ao futuro do alienado, deve ter um duplo fim. Os meios therapeuticos
não devem ser totalmente abandonados, mas não serão considerados senão
como secundarios. O tratamento moral formará ponto de partida, de onde
tudo nascerá, e centro para onde tudo se convergirá. É aqui que o medico
tem necessidade daquele tacto e habilidade que o fará superior á outros (ibid,
p. 22).
Admitto que até o presente nem um facto demonstre, que chegado á este
estado negativo, o cerebro fosse ainda susceptivel de qualquer
desenvolvimento intelectual, porém depois que se acaba de vêr o que se
passa na escola dos idiotas, em Bicêtre, em Salpêtrière e outras, o medico
que despresasse de instituir uma similhante escola no estabelecimento de
alienados confiado aos seus cuidados, seria indigno de sua missão [...]
estabelecendo-se uma escola elementar completa no hospicio de alienados,
dividindo-se os doentes em differentes cathegorias para dar a cada um a
instrucção apropriada á sua capacidade de um lado; e á natureza de sua
molestia do outro (ANNAES DE MEDICINA BRASILIENSE, 1848, ed.1, p.24).
Augusto Sacramento, citando Roche e Sanson, discorre que as affecções moraes são
as causas que mais produzem nevroses e, dentre essas afecções, hierarquiza como
principais os “pezares” sobrevindo em alienações e hysterias, como consequência da
perda de um “objecto amado”.
No tratamento das nevroses todo o cuidado será para o moral dos doentes:
sabe-se que os espectaculos, as festas brilhantes repetidas, superexcitão sua
sensibilidade natural por emoções vivas os tornão effeminados por uma vida
ociosa e frivola; si é mulher aparece-lhe o desejo de agradar; e este desejo
não tarda a produzir n’ellas o amor, o ciume, o despeito e as paixões, que
fatigão, e esgotão as forças moraes (ibid, p.7).
Capítulo 4
Após várias discussões entre 1834 e 1836, o projeto foi aprovado na Câmara,
mas não no Senado. Em 1851, propôs-se novamente o sistema métrico
114
decimal na Câmara, sem êxito. Batista de Oliveira não desistiu: entre 1857 e
1861, publicou, na Revista Brasileira, criada e dirigida por ele, textos sobre
metrologia, nos quais defendeu o sistema métrico decimal. Outros intelectuais
e ‘politécnicos’ importantes foram, na época, defensores da mesma ideia. [...]
Finalmente, em 26 de junho de 1862, inspirada na proposta de Batista de
Oliveira e em pareceres e manifestações de outros defensores, a implantação
do sistema métrico decimal virou lei (n° 1157) (MOREIRA & MASSARINI,
1997, p. 6).
Pode-se considera-lo como uma especie de educação que tem por fim fazer
o doente pensar racionalmente, e dirigir as suas acções independentemente
e por si, devendo o medico portar-se para com estes doentes com toda a
paciencia, amizade e condescendencia, porém tambem com muita
severidade, e ser sempre consequente nos seus actos, e ás vezes mesmo
recorrer a certo rigor. A persuasão e as contrariedades em geral nada valem;
por isso deve o medico procurar influir sobre o lado mais são da organisação
psychologica, e tirar partido por este meio, servindo às vezes de entrada para
isto o amor á vida, á liberdade, e para com certas pessoas e ocupações,
ambição, sentimentos de religião, actividade, etc (ibid, p.714,715).
Foi esse o caso do médico José Maria de Noronha Feital (1818-1873), que
concluiu seu curso de medicina em 1839 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
apresentando a these intitulada Algumas Proposições em Medicina. A these se
constituiu em trabalho peculiar, inclusive para os padrões da época, por conter
somente “aforismos médicos”, feita provavelmente apenas para cumprir a etapa
burocrática de conclusão do curso de medicina. No tocante à “therapeutica medica”,
Feital reproduz o seguinte pressuposto:
como sede natural de causa ou influência para a maioria das doenças, quer sejam
mentais ou orgânicas:
A theoria do cerebro, dos nervos e das faculdades desses orgãos é por tanto
a chave da medicina pratica. Dous systemas nervosos existem na economia
animal; o nervoso cerebral, e o nervoso ganglionar. O primeiro destinado a
perceber as sensações, produz e transmitte as vontades; o segundo
distribue-se e preside ás funcções da assimilação, thaes como a digestão,
respiração e circulação. [...] está incontestavelmente demostrado, que o
cérebro é o mais essencial das viceras, que é o instrumento e o centro das
operações intellectuaes (CHAVES, 1839, p.3-5).
Espalhada por todo universo, uma matéria subtilissima sem a qual os seres
existentes não teriam actividade alguma: esse fluido, por meio de um fluxo e
refluxo, não só entretinha as relações de todos os corpos da natureza, como
tambem os modificava; elle era desiguinado com o nome de ‘Magnetismo’. O
homem, como parte integrante do universo, tambem o possuia, e era por meio
delle que obrava sobre os seus similhantes, produzindo alterações em seu
organismo. A esta influencia de homem á homem chamou Mesmer --
Magnetismo Animal--(ibid, p.9).
Em geral o diagnostico da hysteria é facil; mas como ella, além dos pontos
de contacto que tem com a hypocondria, epylepsia, etc., coincide muitas
vezes com estas affecções, julgamos indispensavel o estudo do diagnostico
differencial. E foi sem duvida esta circumstancia que levou Sydenham a
confundir a hysteria com a hypocondria (ibid, p.20-21).
127
He a hysteria tão frequente nas mulheres [...] dahi nascerão essas multidões
de opiniões, esse grande número de synonymias: hysteria, hystericismus,
hysteriasis, hystericum malum, morbus hystericus, uteri adscensus, morbus
strangulatorius, suffocation uterine, hysteralgia, passio hysterica, uteri dolor,
vapores uterine, dispnaea hysterica, strangulatio vulvae, strangulatio
hysterica, asthma uteri, etc., etc (GONSALVES, 1846, p.3).
Nos intervalos dos acessos de mania, José Barbosa cita a prevalência dos
quadros de monomania e indica para esse período da moléstia o “trabalho” como parte
integrante do “tratamento hygienico” claramente associado ao “tratamento moral”. O
132
médico do hospício impõe limites ao “trabalho” para que não seja cansativo,
cumprindo principalmente a função de propiciar “distracção”, “noites tranquilas” e
“repouso das funções intellectuaes”. Citando Pinel e Esquirol, Barbosa sugere
também atividades ocupacionais e de lazer, como “costura”, “exercícios físicos”,
“passeios na chácara” e “musica”.
O opio é util nas nevralgias e em todas as nevroses [...] Pelo que temos dito,
vê-se que a acção physiologica e therapeutica do opio é narcótica, [...]
calmante, anodyna, hypnotica, etc. Mas em que consiste a virtude narcotica
do opio? Não sabemos. E saber que não sabemos, é sciencia, disse um dos
mais bellos ornamentos da Eschola de Leybe, um professor illustre e chimico
distincto, Boërhaave (COSTA, 1857, p.9-10).
É ainda por sua acção hyposthenisante, que tem a agoa fria prestado
immensos serviços ao tratamento da maior parte das nevroses. É geralmente
conhecida a grande efficacia de suas applicações ‘intus et extra’ na choréa,
134
De dois generos são os meios a que recorrem para tratar a alienação mental.
– Uns levão sua acção sobre diversas partes do corpo com fim de
modificarem indirectamente o estado do cerebro, é o tratamento medico. – os
outros obrão sobre este órgão modificando sua acção como agente das
135
2. DISCUSSÃO
organicista, que se valeu dessa cultura médica europeia e propôs algumas tentativas
adaptativas nessa recepção.
O embate das ideias, acerca das causas e dos tratamentos das doenças
mentais, entre a nascente medicina alienística e o pensamento secular católico seria
praticamente perene por todo o século XIX. Sobretudo na França, a oposição clerical
ao alienismo pineliano e esquiroliano ganharia reforço de parte da imprensa e das
instâncias jurídicas.
virada do século XVIII para o XIX, como ciência foi também um reflexo das
transformações de um mundo que saía de um tempo inquisitorial para uma época da
ilustração.
mentais. Por vezes, esse tratamento se voltava para uma complexa tentativa de
estimulação das mentes hipoativas. O resultado terapêutico era, no mínimo, limitado,
proporcionando, quando bem sucedido, simples amenização das crises e adiamento
do desfecho dos quadros patológicos.
Além disso, vale ressaltar que Foville, um dos autores plagiados na these
de Antonio Peixoto, seria aceito como membro correspondente em sessão da AIM
(REVISTA MEDICA FLUMINENSE, 1838, ed.1). Outro ponto digno de nota diz
respeito à inexistência de penalidades previstas por plágios nos artigos e parágrafos
sobre as teses, tanto na Lei de Criação das Faculdades de Medicina de 1832 (ANEXO
2) quanto no Projecto de Estatutos para a Escola de Medicina da Bahia de 1834
(ANEXO 3).
Pelos itens relacionados é possível supor que tanto o corpo médico da AIM
tinha suficiente conhecimento das obras dos autores franceses quanto também os
147
O mesmo Sr. Dr. Jobim, que com tanto ardor e com palavras tão enérgicas
clamou contra o tronco no relatorio da Commissão da Sociedade de Medicina,
acabou por calar-se e fazer-se tolerante; e o mesmo faria o Sr. Dr. Silva
Peixoto, se fosse hum dia medico da Santa Casa, depois de muito ter em vão
gritado, e conhecido pela experiencia a quanto ali chega a alçada, e influencia
de hum medico (REVISTA MEDICA FLUMINENSE, 1839, ed.6, p.249).
Essas duas obras, tendo sido inclusive apoiadas pelo imperador D. Pedro
II (1825 – 1891), foram inicialmente direcionadas para o público leigo e da área rural
distante da assistência médica, considerando-se aqui as altas frequências de
analfabetismo naquele contexto. Tais obras acabariam, entretanto, por ter impacto
significativo sobre os profissionais da medicina. A absorção dessas obras como livros
textos para a medicina alienística revela a incipiência tanto da formação acadêmica
quanto da assistência médica no Brasil oitocentista.
3. CONCLUSÕES
4. REFERÊNCIAS
THESES
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FRANÇA, E. F. - Essai sur I'influence des Aliments et des Boissons sur La Moral
de I'Homme. Thése soutenue à la Faculté de Médicine de Paris. Paris: Impr. de Didot
le Jeune, 43p. 1834. Disponível em:
<http://www.biusante.parisdescartes.fr/ppn?095936386>
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173
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5. GLOSSÁRIO TERAPÊUTICO
ALOES ou AZEBRE – “sumo espesso extrahido das folhas das muitas espécies do
gênero Aloes”. Planta também conhecida como herva babosa. Citada como princípio
ativo de diversos medicamentos: “o elixir de Garus, as pílulas escossezas, os grãos
de saúde do Dr. Frank, as pílulas angélicas e as pílulas gulosas ou grãos da vida”.
Utilizadas como “estimulantes do apetite”, “tonificantes” do tubo digestivo, “secretores”
do fígado e, na dose de “cincoenta centigrammas a um gramma usado como purgante”
(CHERNOVIZ, 1851, vol.1, p.170). Internamente, indicava-se usualmente o “aloes” na
dosagem de “2 a 4 grãos em 24 horas”. Para se atingir um “effeito drastico”
aumentava-se a dose para “12 a 36 grãos” (LANGGAARD, 1865, vol.1, p.104). Atua
como purgante drástico que deve ser administrado em pequenas doses
(PANCKOUCKE, 1812, vol.1). “O modo de ação da aloe varia de acordo com a dose
em que é prescrito: em pequenas doses, ele age como um tônico, em doses mais
elevadas, é um purgante drástico, mas cuja ação é mais concentrada no intestino
grosso” (ANDRAL, 1829, vol.2, p. 62).
apresentam uma preocupação exagerada com a sua saúde. “É uma afecção que
parece consistir numa irritação do sistema nervoso” (PANCKOUCKE, 1818, vol.23,
p.108). Andral (1833, vol.10) menciona grande debate entre correntes médicas acerca
da definição da hipocondria. Como consensual, refere que a hipocondria estaria
associada a um sentimento de tristeza, melancolia, desespero e com angústia
semelhante à histeria. Ele relaciona teoria médica que defende ser a hipocondria de
causa orgânica, uma doença do “cérebro”, “sistema nervoso” e “tubo digestivo”.
PAIXÕES – Chernoviz (1851, vol.3, p.154) define como “todo sentimento violento,
toda affecção excessiva, toda preoccupação viva e teimosa do espírito”. Esse autor
divide “paixão” em duas categorias: “agradaveis”, “alegres”, “excitantes”; e “tristes”,
“dolorosas”, “depressivas”. Quanto às “paixões tristes” ou nocivas, elas poderiam
derivar para “melancolia”, “hypochondria”, “hysterismo” ou outra moléstia nervosa. O
tratamento teria que incidir sobre a nevrose de base, de modo a não evoluir para
doenças orgânicas, tais como: “cancro”, “tísica”, “aneurisma” etc. (CHERNOVIZ, 1851,
vol. 3). Panckoucke (1819) também associa as paixões com doenças orgânicas.
PEDELUVIOS – escalda-pés; banho dos pés. “empregão-se frios ou quentes [...] frios
para prevenir a inflamação nas torceduras [...] o pediluvio quente é usado em muitas
moléstias cerebrais, nas vertigens e dôres de cabeça” (CHERNOVIZ, 1851, vol.1,
p.187). Diz respeito ao banho dos pés, quando quente dilata os vasos sanguíneos
facilitando a circulação (PANCKOUCKE, 1819). Andral (1829) faz referências
semelhantes, apenas acentuando o caráter revulsivo desse banho quente.
utilizado nas alienações mentais foi o heléboro, um potente drastico com propriedades
toxinológicas, um “veneno vegetal”. Outros vomitivos frequentemente utilizados na
clínica geral oitocentista foram “tartaro emetico, ou tartrato de potassa e de antimônio”
(LANGGAARD, 1865, vol.2, p.38).