Science">
Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Mentalismo e Organicismo de 1830 A 1859 (PDFDrive)

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 193

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

CARLOS FRANCISCO ALMEIDA DE OLIVEIRA

ESTUDO HISTORIOGRÁFICO DOS


TRATAMENTOS PSIQUIÁTRICOS NO BRASIL:
MENTALISMO E ORGANICISMO DE 1830 A 1859

CAMPINAS
2016
CARLOS FRANCISCO ALMEIDA DE OLIVEIRA

ESTUDO HISTORIOGRÁFICO DOS


TRATAMENTOS PSIQUIÁTRICOS NO BRASIL:
MENTALISMO E ORGANICISMO DE 1830 A 1859

Tese apresentada à Faculdade de Ciências Médicas


da Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP
para obtenção do Título de Doutor em Ciências
Médicas, Area de Concentração: Saúde Mental.

ORIENTADOR: PROF. DR. PAULO DALGALARRONDO

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE


DEFENDIDA PELO ALUNO CARLOS FRANCISCO ALMEIDA DE
OLIVEIRA, ORIENTADO PELO PROF. DR. PAULO DALGALARRONDO.

CAMPINAS
2016
BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO
CARLOS FRANCISCO ALMEIDA DE OLIVEIRA

ORIENTADORA: PROF. DR. PAULO DALGALARRONDO

MEMBROS:

1. PROF. DR. PAULO DALGALARRONDO

2. PROF. DR. TÁKI ATHANÁSSIOS CORDÁS

3. PROF. DR. MARCO ANTÔNIO ALVES BRASIL

4. PROF. DR. CLÁUDIO EDUARDO MULLER BANZATO

5. PROFA. DRA. ANA MARIA GALDINI RAIMUNDO ODA

Programa de pós-graduação em Ciências Médicas de Faculdade de Ciências Médicas da


Universidade Estadual de Campinas

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora


encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

DATA DA DEFESA 18/03/2016


DEDICATÓRIA

Para Cláudia, muito especialmente, e também para Geraldo, Walkíria,


César, Lena, Paulinho, Nana, Maula e Tia Otávia
que, nos momentos de escuridão,
me iluminaram com seu olhar.
A vida marca,

Não com rancor,

Mas com precisão e candura.

Não somos ocaso,

Nem somos acaso.

Somos apenas homens,

A lutar até que o sol se ponha.

Com a esperança de que a próxima manhã seja linda.

(Antônio César Almeida de Oliveira)


AGRADECIMENTOS

Agradecimentos eu os faço ao Prof. Paulo Dalgalarrondo (UNICAMP), à Profª. Ana


Maria Galdini Raimundo Oda (UNICAMP), ao Prof. Viriato Campelo (UFPI), ao Prof.
Carlos Evandro Martins Eulálio (ICF/IDB), ao Prof. Samuel Robson Moreira Rêgo
(UFPI/SIMEPI), ao Prof. Ediwyrton de Freitas Morais Barros (HU/UFPI), ao Prof.
Alexandre Barbosa Nogueira (UFPI), ao Enfº. Caio Moraes Nunes (UFPI), à Gestora
em Recursos Humanos Maria Rita Soromenho Santos de Oliveira (ISEG – Portugal),
à Nutricionista Andressa Ruanny Lira Ribeiro (UNINOVAFAPI), à Drª. Maria das
Graças Ernesto Martins (HAA/UFPI), à Profª e Tradutora Arneth Rodrigues Ribeiro
(CAISM/UNICAMP), ao Prof. Carlos Alberto Lombardi Filgueiras (UFMG), à Profª Ana
Maria Jacó Vilela (UERJ), à Profª e Bibliotecária Maria das Graças Miranda Ribeiro
(BIBGM/UFBA), à Profª Osmailda Pereira da Silva (UFPI), ao Prof. Zózimo Tavares
Mendes (APL/UFPI) e ao Dr. Marcondes Martins Santos Moura (SMS/UFPI). Todos,
absolutamente importantes na construção do trabalho.

Agradecimentos especiais também faço aos Profs. Antônio Pimentel de Lima (UFPI)
e Francisco Caminha Aguiar (Colégio Diocesano), por terem me ensinado a arte de
estudar.

E, sobretudo, a Deus, por ter ficado ao meu lado esse tempo todo.
RESUMO

O estudo versa sobre os tratamentos médicos do alienismo no Brasil, no século XIX,


com foco nas décadas de 1830, 1840 e 1850. O capítulo introdutório tem como
objetivo principal explicitar o binômio mentalismo versus organicismo, incorporado aos
textos brasileiros acerca da terapêutica alienística, concernentes a esse período. Na
sequência, são abordados os prólogos dos tratamentos de problemas
comportamentais e mentais no Brasil, com ênfase nos tratamentos realizados pelos
jesuítas. A seguir, o processo de organização dos espaços asilares do alienismo nos
países fontes, com reflexos nos hospícios brasileiros. Em seguida, são analisados os
textos com preponderância do “tratamento moral” recepcionado e em parte, praticado
no Brasil e os escritos com protagonismo da “therapeutica medica” no País. Na
discussão, utiliza-se a intertextualidade como recurso para se fazer uma avaliação
crítica da predominância progressiva das terapêuticas médicas organicistas no
oitocentismo brasileiro. É também abordada nos processos estudados a manutenção
do referencial pineliano no papel dos médicos alienistas no período delimitado.
Conclui-se que o processo de predomínio organicista nos textos brasileiros acerca da
terapêutica alienística, no período estudado, foi semelhante ao ocorrido nos países
exportadores dessa cultura médica. A despeito dessa majoritária importação, houve
particularidades na recepção das correntes mentalista e organicista inseridas no
contexto médico e intelectual brasileiro e também na realidade sóciopolítica do Brasil
no século XIX.

Palavras-Chave: Psiquiatria, História, Brasil; Transtornos mentais, Terapia;


Tratamento moral
ABSTRACT

The author presents, in this study, a critical review on medical treatments to alienism
in Brazil in the nineteenth century, focusing on the 1830’s, 1840’s, and 1850’s. The
introduction chapter mainly aims to explain the binomial mentalism versus organicism,
incorporated into the Brazilian texts on alienist therapy concerning that period.
Following, the prologues of treatments to behavioral and mental problems in Brazil are
covered highlighting the treatments provided by the Jesuits. Next, the organization
process of alienism asylum spaces in the source countries reflected in Brazilian
asylums. Then, texts with a preponderance of “moral treatment” received and partly
given in Brazil and literature with protagonism of “medical therapy” in the country, are
analyzed. In the discussion, intertextuality is used as a resource to make a critical
assessment of the progressive predominance of organicist medical therapies in Brazil
during the nineteenth century. Then, they are analyzed by referring to Pinel in the
processes of relationships between the studied doctors and patients. The author
concludes that the organicist predominance process in the Brazilian texts about alienist
therapy was parallel to the one occurred in the countries that exported this medical
culture. Despite such a great importation, there were some particularities as to the
reception of these currents in the Brazilian medical and intellectual context and also in
the sociopolitical reality of Brazil in the nineteenth century.

Key Words: Psychiatry, History, Brazil; Mental disorders, Therapy; Moral treatment.
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ..............................................................................................................11
Métodos e Procedimentos da Pesquisa .........................................................................37
CAPÍTULO 1 ......................................................................................................................43
1. OS PRÓLOGOS DOS TRATAMENTOS MENTAIS NO BRASIL: AS CURAS DOS
PADRES DA COMPANHIA DE JESUS NO CORPO E NA ALMA DOS
HABITANTES DO BRASIL COLONIA .........................................................................43
CAPÍTULO 2 ......................................................................................................................63
2. A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS DO ALIENISMO PARA A RECEPÇÃO DO
“TRATAMENTO MORAL” E DA “THERAPEUTICA MEDICA” NA PRIMEIRA
METADE DO SÉCULO XIX ........................................................................................63
2.1 EUROPA E ESTADOS UNIDOS: PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX ...........63
2.2 OS PRIMÓRDIOS DO ALIENISMO NO BRASIL OITOCENTISTA: O
PENSAMENTO LIBERAL, OS ALOJAMENTOS DOS ALIENADOS E A
THESE DE ANTONIO LUIZ DA SILVA PEIXOTO, COMO REPRODUÇÃO
DO ALIENISMO FRANCÊS, NO MEIO ACADÊMICO BRASILEIRO. .................71
2.3 O “HOSPICIO PEDRO II”: A “PEDRA ANGULAR” PARA OS
TRATAMENTOS DO ALIENISMO BRASILEIRO NO SÉCULO XIX ....................85
CAPÍTULO 3 ......................................................................................................................91
3. O PROTAGONISMO DO “TRATAMENTO MORAL” DE PINEL E ESQUIROL NA
ASSOCIAÇÃO MÉDICA, NAS THESES DE CONCLUSÃO DOS CURSOS DE
MEDICINA E NA MEDICINA DO HOSPÍCIO NO BRASIL DO SÉCULO XIX..................91
CAPÍTULO 4 ....................................................................................................................113
4. O PROTAGONISMO DA “THERAPEUTICA MEDICA” NA ALIENAÇÃO MENTAL
NA ASSOCIAÇÃO MÉDICA, NAS THESES DE CONCLUSÃO DOS CURSOS DE
MEDICINA E NA MEDICINA DO HOSPÍCIO NO BRASIL DO SÉCULO XIX................113
2. DISCUSSÃO ................................................................................................................138
3. CONCLUSÕES .............................................................................................................156
4. REFERÊNCIAS .............................................................................................................158
5. GLOSSÁRIO TERAPÊUTICO ........................................................................................176
11

1. INTRODUÇÃO

A tese, inscrita no programa acadêmico do DINTER (Doutorado


Interinstitucional) entre a UNICAMP (Universidade de Campinas) e a UFPI
(Universidade Federal do Piauí), tem por base a dissertação de mestrado que se
concluiu em 2003, no MINTER (Mestrado Interinstitucional), entre as mesmas
instituições. A dissertação teve como título Evolução das Classificações Psiquiátricas
no Brasil: Um Esboço Histórico, concernente à história dos diagnósticos no rol do
alienismo brasileiro, referente ao período oitocentista. A continuidade desse processo
historiográfico se refletiria, subsequentemente nesta pesquisa, com a pertinência dos
relatos acerca dos tratamentos alienísticos no decorrer do século XIX.

O trabalho apresenta como hipótese principal o fato de que as notificações


textuais acerca da evolutiva tendência organicista, tal como ocorrera principalmente
na França e Alemanha, no decorrer do século XIX, foram subsequentemente inseridas
nos relatos médicos voltados para a terapêutica da alienação mental, presentes nas
práticas descritas pelos médicos alienistas brasileiros. Tais textos são acessíveis na
sua maior parte nas theses de conclusão dos cursos de medicina das Faculdades de
Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, nas memorias médicas, instrumento de
requisito para ingresso na Academia Imperial de Medicina (AIM), nos relatórios
médicos dos diretores ou chefes dos espaços asilares oitocentistas brasileiros e nos
relatos extraídos das sessões da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (SMRJ),
posteriormente denominada de AIM.

De modo acessório, este trabalho propôs verificar a hipótese de que as


bases teórico-práticas estabelecidas por Philippe Pinel (1745-1826) e continuadas por
seu seguidor Jean-Étienne Dominique Esquirol (1772-1840), no direcionamento das
questões relacionais entre médico e paciente, referentes ao “tratamento moral”, foram
importadas e mantidas como embasamento terapêutico em textos médicos
alienísticos no Brasil do século XIX. O “tratamento moral” estaria presente, mesmo
12

onde havia preponderância de relatos terapêuticos, com direcionamento organicista


no âmbito do alienismo brasileiro, inserido entre as décadas de 1830 a 1850.

O período estudado compreende os marcos do início da medicina


acadêmica no Brasil, coincidente com a criação da SMRJ (Sociedade de Medicina do
Rio de Janeiro) em 1829 e, logo a seguir, com a criação das Faculdades de Medicina
da Bahia e do Rio de Janeiro, em 1832. Na outra ponta, considerou-se o período
posterior à inauguração do Hospicio Pedro II, em 1852 e, consequentemente, ao maior
incremento no intercâmbio estimulado pelo segundo império aos médicos alienistas,
com atuação no Brasil com os preceitos da medicina alienística, sobretudo, francesa
e alemã.

Como embasamento teórico, com vistas à análise da narrativa acerca


desse período da história do alienismo oitocentista no Brasil, utilizam-se, nesta tese,
construtos e focos que dão ênfase a uma historiografia interna ou internalista do saber
médico. Não obstante, também se consideram, (embora com menor ênfase)
contextualizações sociais acerca do alienismo no século XIX, ou seja, uma
historiografia externa ou externalista (social, cultural, política, sócio-econômica) que
aqui são tomadas como complementares à compreensão do desenvolvimento da tese.

Martins (2004) faz importante distinção entre os conceitos de “história” e


“historiografia”, relacionando a historiografia à “produção dos historiadores” e, quanto
à história, conceitua: “um conjunto de situações e acontecimentos pertencentes a uma
época e a uma região, que é o objeto de estudo dos historiadores” (ibid, p.115). A
história existe com ou sem historiadores, enquanto a historiografia requer um método
que possa caracterizar um texto como obra de um historiador.

Fenelon (1993) refere que o debate entre narrativas históricas e


historiográficas reflete uma “hegemonia das construções históricas”, ressaltando a
importância maior que essa disputa a dos posicionamentos adotados nos resultados
da historiografia ou no ensino da história. O significado acadêmico do termo
historiografia comporta diversidade, pluralidade e inserção política da história, sendo
esse o embasamento intelectual que distinguiria a historiografia do simples movimento
da história.

Catroga (2015) cita o sociólogo David Émile Durkheim (1858 - 1917) para
diferenciar no âmbito da história as narrativas de memória e as narrativas históricas,
13

compreendidas como “historiografia”, porquanto uma “operação intelectual crítica, que


desmistificaria e secularizaria as interpretações” de modo que, através das narrações,
haja o convencimento que a representação do passado seja verdadeira.

Oliveira & Silva (2011), mais especificamente acerca da historiografia das


ciências, explicitam que ela “analisa os episódios históricos da ciência, e tem como
ponto de partida documentos e fatos relacionados” (ibid, p.3). Após a delimitação do
fato e do período histórico a ser estudado, surgem as possíveis abordagens
historiográficas na história das ciências que serão definidas pelos historiadores, ao
estabelecerem seus objetivos como sendo internalistas ou externalistas no âmbito do
campo de pesquisa (ibid).

A definição entre o que é abordagem internalista ou externalista da história


da ciência não é um tema simples e possui diferentes pontos de vista. Nesse artigo
as autoras fazem uma análise cronológica e evolutiva desses conceitos, a qual se
inicia com Thomas Kuhn (1922-1996) que defendia que fatores sociais têm influência
determinante nas construções científicas ao longo da história, fato esse que o coloca
como um dos “primeiros seguidores da abordagem Externalista da História das
Ciências” (ibid, p.3).

Bird (2012) referencia que Thomas Kuhn é um historicista, portanto alguém


que defende a história com contextualização social, mas que não pode
necessariamente ser definido como um autor externalista puro na construção das
narrativas históricas e sociais. Kuhn seria um externalista, ao defender que a
compreensão avaliativa de uma ideia científica deve, necessariamente, ater-se ao
contexto histórico-social. Porém, Kuhn também sustentava que, para se desenvolver
uma análise socialmente contextualizada dos fatos históricos, o externalismo requer
uma análise internalista no sentido das “causas das mudanças científicas” (ibid,
p.167).

Para Thomas Kuhn, o que define uma narrativa internalista ou externalista


no âmbito da filosofia ou da historiografia científica se prende ao objeto estudado, aos
objetivos do historiador, assim como ao conhecimento prévio relacionado com as
culturas consolidadas acerca da ciência, ou parte dela a ser estudada (ibid).

Santos (2006) relaciona e contrasta, como opostos, os filósofos da ciência


Karl Popper (1902-1994) e Thomas Kuhn. Para Popper, os aspectos internalistas da
14

história se sobrepõem aos externalistas. Se para esse filósofo um novo problema


sempre ocorre, quando uma expectativa se torna frustrada pelo preceito da
“falibilidade”, de outro modo, para Kuhn, existiria a possibilidade de assimilação parcial
dessa frustração científica com base na comparação paradigmática. Nesse sentido,
revela-se em Popper a predominância da razão no processo evolutivo da ciência,
enquanto para Kuhn haveria a possibilidade de flexibilidade da razão científica em
associação com variáveis culturais ou sociais.

Mattedi (2006), concernentemente à problemática do conhecimento


inserida nas investigações filosóficas, delineia que Karl Popper, a partir dos seus
enunciados epistemológicos, é um dos autores de proa nas posições internalistas,
enquanto Thomas Kuhn é um dos próceres dentre os autores com posição externalista
referente ao processo do conhecimento científico.

Para o desenvolvimento deste trabalho, foram consideradas duas obras


como referências de base historiográfica sobre as formas narrativas da história da
psiquiatria e, consequentemente, do alienismo: Uma História da Psiquiatria Clínica,
de German Berrios e Roy Porter e Danação da Norma, de Roberto Machado, Angela
Loureiro, Rogerio Luz e Katia Muricy.

German Elias Berrios, médico psiquiatra e filósofo, e Roy Sydney Porter,


historiador, são autores e organizadores de A History of Clinical Psychiatry. The Origin
and History of Psychiatric Disorders (1995), uma coletânea em três volumes acerca
da História da Psicopatologia, com tradução para o português em 2012, cuja
concepção se deu a partir da criação do periódico “History of Psychiatry” (1990), tendo
como editores German Berrios e Roy Porter.

German Berrios define essa obra como “um conjunto colaborativo de


historiadores e de historiadores clínicos da psiquiatria” (BERRIOS & PORTER, 2012,
p. 28). Mais especificamente, Berrios e Porter afirmam com referência ao livro que o
trabalho biunívoco entre historiadores e médicos clínicos pode resultar em boas
pesquisas “aos historiadores profissionais que há valor em investigar a história dos
transtornos mentais e neuropsiquiátricos; e aos clínicos que seu conhecimento por
familiaridade é essencial para produzir bons históricos clínicos” (ibid, p. 31).

Pereira (2010), ao fazer uma crítica às escolas historiográficas em


psiquiatria, refere que não se deve compreender a história da psiquiatria em termos
15

exclusivamente médicos, haja vista que os critérios diagnósticos e terapêuticos se


alteram com a cultura, a sociedade, ou com a época histórica considerada. Ele define
German Berrios como o “mais qualificado representante” da chamada Escola de
Cambridge no Reino Unido e considera que essa escola “tem advogado e praticado
uma história conceptual da psiquiatria, uma história dos sintomas de feição
predominantemente internalista, com grande repercussão e importância” (ibid, p. 12).

Em contraponto, o autor relaciona os que mantiveram um olhar que


privilegia uma abordagem externalista acerca da historiografia psiquiátrica. O filósofo
Michel Foucault, com sua obra de 1961, Histoire de la Folie à l’Age Classique, propõe
uma historiografia sobre a institucionalização dos doentes mentais, com uma inegável
postura crítica contra-hegemônica às instituições médicas e psiquiátricas, com certo
clima do movimento antipsiquiátrico europeu (ibid).

Berrios (1996), acerca da historiografia da psicopatologia e dos sintomas


mentais, refere que suas pesquisas traduzem as mudanças progressivas, ao longo do
século XIX, e estabeleceram nessa área a incorporação dos conceitos organicistas,
em “ruptura” com os conceitos mentalistas na primeira metade oitocentista. O
“discurso sobre a insanidade” seria ao longo do século XIX substituído pela
“linguagem dos sintomas mentais”. Esse código linguístico psicopatológico, segundo
Berrios, foi sedimentado paulatinamente pelo alienismo oitocentista com o maior
domínio dos diagnósticos situados entre a clínica alienística e os exames de necropsia
feitos pelo mesmo grupamento médico.

Berrios & Porter (2012), ao dimensionarem o seu campo de pesquisas


relativas à historiografia psiquiátrica coberto por seu livro, afirmam: “para manter a
extensão do livro dentro de proporções administráveis, inevitavelmente certas áreas
da psiquiatria clínica ficaram inexploradas (por exemplo, tratamentos psiquiátricos e
subespecialidades)” (ibid, p. 32).

Este trabalho tem, portanto, como principal objetivo explicitar, na evolução


cronológica das terapêuticas do alienismo no Brasil oitocentista, a incorporação do
binômio dialético mentalismo versus organicismo. Também se procura preencher,
parcialmente, a lacuna existente em publicações sobre a terapêutica alienística, em
narrativa preponderantemente internalista. Trata-se, portanto, de um estudo que
prioriza descrições das terapêuticas médicas, voltadas para as doenças abordadas
16

pelo alienismo no Brasil do século XIX e, de forma acessória, com contextualizações


externalistas relevantes.

Pessotti (1995) afirma que os conceitos ainda implícitos de mentalismo e


organicismo têm origem na antiguidade grega, quando as motivações, aprendizagem,
sensações, memória e emoções seriam todas atividades orgânicas do thymos (timo)
e, por outro lado, a psyche como entidade mental nada sentiria, motivaria ou
perceberia, sendo tão somente uma ponte com o espírito.

A virada para uma concepção mentalista das doenças psíquicas somente


vem a ocorrer com Cláudio Galeno (131-200) para quem as doenças do sistema
nervoso residiam no cérebro, considerado por esse autor “princípio diretor da alma”
(ibid).

Heron (1965) relata que os termos “endógeno” e “exógeno” datam de 1813,


a partir de citações do médico e botânico suíço De Candolle, referenciando uma
estratégia dicotômica para relatar “insolúveis problemas” de “interacionismo” e
“paralelismo” no âmbito das descrições naturalistas de espécies vegetais.

O conceito dualista “endógeno – exógeno” aparece em psiquiatria através


do psiquiatra alemão Paul Julius Moebius (1853 - 1907), embasado na teoria
organicista da degenerescência, advinda da década de 1850, que propugnava as
doenças mentais como decorrentes de um “germe de plasma” que seria passado entre
gerações pelo atavismo hereditário (ibid).

Esse modelo dialético de tradução das doenças do alienismo no século


XIX, observado no binômio endógeno e exógeno, é subsequente aos conceitos
mentalistas e organicistas de Pinel, para quem não existem correlatos orgânicos para
a alienação mental, e Esquirol acrescenta conceitos organicistas relacionados aos
diagnósticos e tratamentos da alienação assim como amplia a visão mentalista das
doenças da mente ao introduzir as ideias de “paixão depressiva” e “paixão expansiva”
(PESSOTTI, 1995).

No contexto do embate entre mentalismo e organicismo, Berrios (2012)


propõe que o delirium seja visto como um bom exemplo de divisor de águas na
17

compreensão psicopatológica entre essas duas correntes do alienismo,


crescentemente observada no decorrer do século XIX.

O delirium, no início do século XIX, considerado uma categoria nosológica


autônoma, seria uma excitação mental que resultaria em alteração orgânica, conforme
Berrios: “um estado de comportamento excitado acompanhado de febre (frenite)”. Ao
longo desse século, o delirium se tornaria, para o autor, “transtorno da consciência,
da atenção da cognição e da orientação”, decorrente de uma doença orgânica (ibid,
p.39).

A crescente compreensão organicista que se tornaria hegemônica na


ciência alienística ao longo do século XIX, segundo Berrios, traz,
anatomopatologicamente, a hierarquização do cérebro como um fator de referência
fundamental na transição entre mentalismo e organicismo (ibid).

Antes de 1800, o cérebro era visto tão somente como uma outra víscera,
que somente tinha destaque por se localizar na caixa craniana. A localização cerebral,
como sede funcional das vesanias, levou tempo para ser suficientemente aceita,
prevalecendo por longo período a noção de simpatia de François-Joseph-Victor
Broussais (1772-1838). Ele asseverava serem as vísceras, sobretudo as gástricas, a
sede natural das loucuras e que, por simpatia nervosa, chegaria ao cérebro. Para
Berrios, portanto, o dualismo mentalista e organicista não pode, necessariamente, ser
epistemologicamente delimitado. Isso porque as imbricações entre fatores mentais e
orgânicos se alternam, ou mesmo se confundem durante o século XIX, nas tentativas
de explicitação sobre cognição, memória, emoções, paixões, afetividade etc. (ibid).

Berrios destaca que o delirium se tornaria um precursor epistemológico da


ciência psiquiátrica nas definições de neuroses e psicoses. No ano de 1892, Chaslin
apresentaria no Congresso de Blois, na França, comparação entre confusão mental e
delirium que ampliou a compreensão sobre alucinações, estupor, delírios e sintomas
físicos. Essa nova síndrome, a confusão mental, distinguia-se, portanto, das
anteriores definições da mania, melancolia, delírio crônico e do próprio delirium febril
(ibid).

Machado et al. (1978) escrevem o livro Danação da Norma, dividido em


três partes: A Arte de Curar os Males da Colônia, Melhor Prevenir que Remediar e A
Medicina do Comportamento, relatando e associando a medicina brasileira aos
18

contextos sociais e políticos, desde o Brasil Colônia até os primeiros anos do Brasil
República.

Nesse livro, os autores priorizam como narrativa a historiografia


externalista, referentemente às descrições e análises da medicina alienística no
século XIX, embora utilizem também a historiografia internalista, sobretudo nos relatos
psicopatológicos das incorporações pelo alienismo brasileiro do alienismo europeu
(ibid). Logo na “apresentação”, os autores explicitam a dupla orientação da narrativa
externalista e internalista, com clara ênfase para a primeira:

Estudos de história dos saberes, este livro tem por objetivo dar conta do
nascimento de um tipo de medicina característico da sociedade capitalista.
Analisa os conceitos básicos da medicina social e da psiquiatria brasileiras;
mas não se limita a uma abordagem interna: pretende refletir sobre esses
saberes como prática social. [...] A análise evitou princípios explicativos muito
gerais que viessem sujeitar o documento à exigência de uma interpretação
totalizadora; privilegiou as fontes primárias porque melhor serviram à
reconstituição da trajetória médica e de sua articulação com a gestão política
dominante da vida urbana (ibid, p. 12, 14).

No tocante às descrições psicopatológicas, caracterizadoras da construção


do conceito de alienação no Brasil, os autores lançam mão de detalhamentos
internalistas contidos nas theses de conclusão de formandos do curso de medicina
nas Faculdades da Bahia e Rio de Janeiro. Acerca desses trabalhos e em relação à
análise dos conteúdos voltados para a preponderância mentalista ou organicista no
direcionamento teórico das theses, tem-se:

Importação maciça de teorias, sem grande cuidado com as distinções


estabelecidas por um mesmo teórico ou com as diferenças entre um
pensador e outro, não há nelas uma coerência que possa definir o perfil de
um determinado período, algo de original ou uma posição própria em torno
da qual se organizem. Caracterizadas pela repetição do saber estrangeiro,
onde o que muda é a predominância de um autor sobre os outros, elas
retomam certos conflitos teóricos – por exemplo, o da natureza puramente
orgânica ou não da doença mental. (ibid, p. 383).

Em outro sentido, os autores acentuam a influência dos saberes médicos


contidos nos trabalhos dos acadêmicos de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro,
19

como fatores de intervenção social na cultura médica científica atrelada aos ditames
da medicina social:

Tanto no que concerne à consolidação e prestígio do ensino e da profissão,


quanto em relação ao movimento da medicina social que, ao intervir na
sociedade, percebe no louco um elemento de desordem e periculosidade
urbanas e prevê um lugar para sua correção. (ibid,p. 384).

Com relação à aspiração do asilo pela corrente médica em atuação no


alienismo na primeira metade do século XIX no Brasil, os autores de Danação da
Norma enfatizam como relevantes aspectos associados ao processo de criação do
Hospicio Pedro II, também inseridos no contexto médico social:

Desde 1830, quando aparecem os primeiros protestos médicos contra a


situação dos loucos no Hospital da Santa Casa de Misericórdia, propõe-se a
criação de um hospício de alienados. A argumentação é clara: tal como está
organizado, o hospital não cura, não possibilita o domínio da loucura. Pode
segregar o louco, retirá-lo do convívio social quando se mostra perigoso – e
neste sentido o louco está no hospital como em uma prisão – mas é incapaz
de atingir sua loucura. No hospital, o louco não é considerado como doente,
muito menos como doente específico; não recebe tratamento físico e moral
condizente com a natureza de sua doença (ibid, p. 423-424).

Concernentemente ao tratamento nos espaços do alienismo no Brasil, os


autores desse livro traduzem, criticamente, a inadequação asilar configurada após a
inauguração do Hospicio Pedro II. O “isolamento” do paciente não poderia ser
extremo, como na Enfermaria da Santa Casa de Misericordia, mas, por outro lado,
deveria ser efetivo suficientemente para a aplicação das terapêuticas médicas, quer
sejam morais, físicas, biológicas ou químicas. Entretanto, o hospicio inaugurado não
respeitava, na prática, a adequada compartimentalização associada às espécies da
loucura, sendo eficaz tão somente a divisão de gênero e classes sociais entre os
pacientes (ibid).

O hospicio manteve, até a década de 1880, a prática de uma cultura


classificatória própria, baseada na arquitetura e no comportamento dos doentes. Eles
eram classificados em: “tranquilos”, “agitados”, “limpos”, “imundos” e “afetados de
moléstia contagiosa”. A absorção das classificações científicas viria com a criação da
cadeira de Psiquiatria, em 1881, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e com
20

a transformação republicana do Hospicio Pedro II em Hospicio Nacional de Alienados


(OLIVEIRA, 2003; MACHADO et al., 1978; PORTOCARRERO, 1980).

A narrativa tanto da organização dos espaços do alienismo no Brasil quanto


das formas terapêuticas médicas propriamente caracterizadas, são abordadas por
Machado et al. (1978), em termos historiográficos, com conteúdo majoritariamente
externalista, pois há notoriamente uma associação crítica com causas e
consequências sociais e políticas no Brasil, sobretudo no século XIX. Esta tese propõe
de modo complementar e original pela lacuna historiográfica, desenvolver a narrativa
das terapêuticas médicas, no âmbito do alienismo oitocentista brasileiro, entre as
décadas de 1830 a 1860, com ênfase historiográfica internalista e, adicionalmente,
fazer uso das inserções externalistas básicas que auxiliem a compreensão textual
acerca dos processos históricos abordados.

Nesse processo narrativo, prioritariamente internalista acerca do alienismo


brasileiro no século XIX, busca-se incorporar método semelhante daquele utilizado,
sobretudo por German Berrios, nas descrições historiográficas sobre a história da
psicopatologia.

Pessotti (1995) detalha acerca de Pinel e de sua obra mais importante no


âmbito do nascente alienismo francês, no início do século XIX, o Tratado Médico-
Filosófico Sobre a Alienação Mental ou a Mania, com publicação original em 1801 e
na segunda edição em 1809. Atendo-se à segunda edição, Pessotti refere que essa
obra “inaugurou a Psiquiatria” como uma especialidade médica, ao fazer uma ponte,
ainda que precária, entre diagnóstico e tratamento da doença mental, ao optar pela
abordagem mentalista tanto na etiologia identificada nas paixões violentas quanto na
terapêutica majoritariamente caracterizada pelo “tratamento moral”.

A ênfase na observação clínica dos doentes mentais é tema básico e


recorrente no “Tratado” de Pinel. Não há, portanto, qualquer possibilidade de sucesso
terapêutico do “tratamento moral” sem que haja um alicerce diagnóstico que possa
nortear nas suas vertentes espaciais, temporais ou de intensidade, as intervenções
morais que objetivavam a educação ou reeducação da mente lesionada (ibid).

Para tanto, era indispensável a presença do paciente alienado em um


ambiente espacialmente apropriado tanto às sucessivas e detalhadas observações
clínicas pelos médicos alienistas quanto ao necessário isolamento familiar. Isso seria
21

propício à especificidade da dimensão terapêutica do “tratamento moral” de forma a


incluir todo o arcabouço para o domínio médico hierárquico tanto junto ao doente
quanto aos recursos humanos de apoio terapêutico (ibid).

Pessotti (1996) prossegue enfatizando a importância do manicômio como


instrumento de cura no sentido de que, entremeado ao mentalismo de Pinel, existiria
crescentemente um organicismo clínico. Esse, por sua vez, seria melhor diferenciado
em Esquirol, um discípulo pineliano, que também requereria um espaço e um tempo
de atuação específicos para as práticas médicas alienísticas.

Pessotti (1995) faz importante associação entre a moral intrinsecamente


inserida no “tratamento moral”, ao abordar as medidas higiênicas de contenção dos
impulsos sexuais em pacientes manifestamente maníacos que porventura viessem a
contaminar outros pacientes internados. Para Pinel esses graves vícios se constituíam
em impedimentos tanto para a recepção da terapêutica médica asilar quanto para a
consequente reeducação mental voltada para o convívio social. Pessotti conclui
assim o seu raciocínio a respeito dessa questão: “Desde que a reforma dos costumes
do paciente se afigure impossível, a competência clínica cessa. Resta ao louco o
confinamento definitivo” (ibid, p. 50).

Outra visão bastante esclarecedora de Pessotti a respeito do diagnóstico


da “loucura”, segundo Pinel, condição básica para a adoção eficaz da terapêutica
moral, é a de que “a loucura é uma doença essencialmente mental” cuja causa
principal seria a imoralidade em excesso ou exagero. Essa peculiar tradução das
violentas paixões reforça a compreensão da tonalidade moralista nos sintomas
etiológicos da alienação mental e, subsequentemente, também em seus tratamentos
médicos (ibid).

O caráter moralista do Tratado de Pinel, no que diz respeito ao tratamento,


é mais detalhadamente dimensionado por Pessotti nas relações do doente com seu
círculo familiar, conforme atesta Pinel com o uso da expressão “um eterno contraste
em vício e virtude”, para se referir tanto às causas quanto à manutenção das melhoras
decorrentes do período de tratamento asilar (ibid).

No tocante à estratégia terapêutica de remodelação de um prévio ambiente


familiar desviado da moral, Pinel justifica o período de internação como necessário
para a aplicação do “tratamento moral” que objetiva a moldagem moral e mentalista
22

das mentes desvirtuadas em maior ou menor intensidade, conforme o imperioso


julgamento classificatório médico:

Um hospício de alienados pode reunir as vantagens do sítio àquelas de um


vasto recinto e de um local espaçoso e cômodo; mas falta-lhe um objeto
fundamental se, por sua disposição interna, não se mantém as várias
espécies de alienados de certa forma isoladas. [...] É na mesma fonte que o
médico observador pode obter as regras fundamentais do tratamento,
aprender a discernir as espécies de alienação que cedem mais ou menos
prontamente ao tempo e ao regime, as que opõem mais obstáculos para a
cura; as que enfim reclamam imperiosamente o uso de certos medicamentos
(PINEL [1800], p. 189 – 190, 2007).

O “tratamento moral” pineliano não se encerrava com o intervalo de tempo


entre a baixa e a alta dos pacientes no asilo, havendo uma perspectiva de que o
paciente retornasse ao meio sóciofamiliar, com uma sustentação moral que garantisse
um ordenamento mental suficiente para suportar esta convivência:

A esperança bem fundamentada de devolver à sociedade homens que


parecem perdidos para ela deve excitar a supervisão mais assídua e
infatigável sobre a classe numerosa de convalescentes ou daqueles que se
encontram em intervalos lúcidos; classe que se deve isolar com cuidado em
local particular do hospício, para evitar todas as causas ocasionais de
recaídas, e submetê-los a uma espécie de educação moral própria a
desenvolver e a fortalecer as faculdades do entendimento (ibid, p. 199).

Pessotti (1995) ressalta que o “tratamento moral” de Pinel representa uma


tarefa de reeducação que possibilite enquadrar o “comportamento desviante” do
alienado, dentro de uma faixa que corresponda a padrões éticos, inseridos
hierarquicamente em categoria social elevada e, concomitantemente, atuar na
correção dos vícios morais. Segundo esse autor, a terapêutica pineliana estaria
dotada de forte doutrina moralista e voltada para uma correição social que
assegurasse ao paciente pós-tratado a garantia de manutenção do estado de
normalidade e o impedimento policialesco a qualquer forma de recaída:

Trata-se então de uma reeducação, que um severo preceptor poderia


conduzir com tanta eficácia como a de um psicoterapeuta? O contexto do
‘Traité’ permite admitir que sim. A formação médica não é um requisito
essencial para a prática reeducadora. Ela é essencial para assegurar a
competência do julgamento diagnóstico, em todas as suas fases. [...] A
preocupação moralizante tem, mais, um sentido de profilaxia da loucura. Isso,
na medida em que os maus costumes constituem um destempero passional,
capaz de lesar as funções mentais (ibid p. 160).
23

Em termos embrionários, destaca-se, portanto, a preocupação precípua de


Pinel no contexto do “tratamento moral” com os aspectos relacionais entre médicos e
pacientes, desde a fase de recenseamento, isto é, na entrada dos pacientes no asilo,
passando pelas intervenções terapêuticas moralizantes e prosseguindo com uma
planificação de remodelamento sóciofamiliar ou, pelo menos, dotando esses
pacientes com instrumentos mentais básicos que lhes permitissem um convívio
moralmente aceitável, segundo as regras sociais.

Pessotti (1995), ao citar as causas da mania enunciadas por Pinel, ressalta


o cuidado em particularizar a distinção etiológica entre fatores mentais e orgânicos
que sempre incidiriam em “lesão das faculdades da mente”. Essa definição
diagnóstica se traduz nas diferentes abordagens do núcleo terapêutico pineliano,
centrado no “tratamento moral” em tratamentos puramente “psicoterápicos” ou
“sócioterápicos”, ou associado a tratamento farmacoterápico nos casos de etiologia
orgânica. Ao associar na sua clínica diagnóstico e tratamento relacionados a uma
pretensa individualização dos pacientes e suas doenças, Pinel define um critério
relacional entre médico e paciente que viria a influenciar, de algum modo, todo o
alienismo ocidental no decorrer do século XIX:

A natureza ou essência da alienação é a lesão das funções mentais,


principalmente intelectuais; as causas podem ser orgânicas ou ‘morais’ e
nesse termo se incluem paixões, conflitos, frustações, hábitos, vícios: a
repressão do desejo pode induzir à alienação, mas não como causa
determinante e sim como predisposição para hábitos e inquietações que
podem, essas sim conduzirem à mania ou à melancolia (ibid, p. 165).

Machado et al. (1978), ao descreverem os substratos de Esquirol acerca


das causas da alienação mental e, subsequentemente, a sua incorporação nas theses
dos autores brasileiros, relacionam, portanto, fatores de causalidade com possíveis
intervenções sociais da medicina do alienismo. O tratamento teria extensão social e
poderia ir além do círculo familiar, no qual vivia o paciente a ser tratado. O
ordenamento histórico do alienismo de Esquirol e dos médicos brasileiros é
“teleológico”:

Para Esquirol, portanto, os costumes públicos ou privados que exaltam a


imaginação e as paixões e uma educação que não as discipline pelo bom
senso e pela moderação são causas que determinam o maior número de
alienados nas sociedades civilizadas. [...] A corrupção é, nas classes
inferiores, mais geral, mais terrível, responsável por quase todos os males da
24

sociedade. [...] Não existe, nem em Esquirol, nem nos médicos brasileiros,
nenhuma nostalgia de um estado selvagem onde o homem, vivendo a
inocência de suas paixões primitivas, estaria ao abrigo dos males do
progresso. Ao contrário, a civilização é a plenitude da humanidade, o
coroamento de uma teleologia da razão (ibid., p.416 - 419).

Pessotti (1995) classifica Esquirol como sendo o “sucessor mais brilhante


de Pinel”. Com Esquirol já se observa a segmentação das paixões em alegres e tristes
que ficariam associadas aos delírios, agora entendidos como parciais ou
generalizados. Relacionados a esses pressupostos psicopatológicos, distingue-se na
classificação nosológica mental de Esquirol a busca, ainda que restrita, dos substratos
orgânicos para a compreensão das doenças do alienismo.

Porém, no tocante aos aspectos terapêuticos do alienismo, Esquirol


permanece um mentalista convicto, ao relacionar que, para um alienista organicista,
a atuação dos serventes em nada alteraria a dinâmica da doença mental. Por oposto,
defende que os efeitos emocionais, decorrentes dessa atividade paramédica, em
muito poderiam interferir nos processos de cura, provenientes da ação de alienistas
mentalistas (PESSOTTI, 1996).

Essa alternância mentalista e organicista é uma constante nas descrições


da alienação mental pelos autores. Isso não deve ser confundido com os sítios de
origem da loucura tanto nas vísceras quanto no cérebro. Esquirol amplia a
compreensão sobre a alienação mental, a partir da teoria pioneira de Pinel, reforçando
o axioma pineliano: “E Pinel entende a loucura, literalmente, como lesão do intelecto
ou da vontade, embora manifestada por sintomas orgânicos e comportamentais”
(PESSOTTI, 1999, p. 57).

Esse processo de alternância de compreensão médica da loucura no Brasil


sempre se apresentou dialeticamente em sístoles e diástoles que expressavam o
mentalismo e o organicismo. O mentalismo se faz presente de forma protagonista nos
escritos médicos alienistas, na primeira metade do século XIX, como reflexo no corpo
das paixões doentias.

De outro modo, observam-se traços organicistas rudimentares no livro do


médico Simão Pinheiro Morão (1620 – 1686), Trattado Unico das Bexigas e Sarampo,
primeira publicação médica escrita no Brasil e publicada em Portugal, ainda no século
XVII, em 1683. Essa obra era discorrente sobre as influências dos maus humores que
25

iam do corpo à mente. Das manifestações mentais, advindas dessas doenças


orgânicas estudadas por Morão, tem-se como terapêutica relacionada o expurgo dos
“espíritos malignos”:

Além dêstes sinais se seguem outros mais perniciosos, como são: delírios,
frenesis, espasmos e acidentes, como de gôta-coral, naiscidos, ou das
fumaças grossas, e malignas que do fervor do sangue sobem à cabeça, ou
já de alguma poção de humor maligno, que a natureza manda para ela [...] O
principal, e mais eficaz remédio com que se acode à primeira indicação, ou
tenção curativa, que é evacuar os humores sobejos, de que as veias estão
cheias, e para também abrandar o fervor do sangue, e dos outros humores
de que nascem as Bexigas, é o remédio único, e geral, e que todos os
doutores aprovam o das ‘sangrias’ (MORÃO apud ANDRADE, [1683], 1956,
p. 82, 91).

Machado et al. (1978), mais detalhadamente, explicitam o substrato


organicista na etiopatogenia descrita por Morão para a loucura. O delírio seria
decorrente de um feixe de “vapores” emanados das áreas corporais atingidas, sendo,
por conseguinte, a causa para as alterações mentais de origem orgânica e somente
subsequentemente os “sentidos” seriam atingidos pelo envio de “fumaças viciadas e
depravadas” da cabeça. O processo explicativo de Morão para a dinâmica mental era
essencialmente médico e internalista, não havendo espaço para formulações
ampliadas que envolvessem uma etiologia moral e social do delírio, portanto, em uma
amplitude externalista.

A primeira these de conclusão dos cursos de medicina tanto do Rio de


Janeiro quanto da Bahia a abordar o tema da alienação mental aparece em 1837, por
ocasião da formatura da primeira turma de medicina da Faculdade do Rio de Janeiro.
Nesse trabalho, o autor Antonio Luiz da Silva Peixoto descreve de forma
surpreendente para um formando a doença mental nos seus aspectos de “etiologia”,
“symptomatologia”, “diagnostico”, “prognostico”, “anathomia pathologica”, “sede e
naturesa da alienaçao mental” e “tratamento”.

Peixoto fez, dessa forma, história na Psiquiatria brasileira. Quanto ao


processo historiográfico do alienismo no Brasil e, mais precisamente acerca da these
de Antonio Luiz da Silva Peixoto, tem-se em diferentes períodos o referenciamento da
obra como valiosa contribuição histórica.

Desse modo, Juliano Moreira, em 1904, adjetiva a these de Peixoto como


“inaugural sobre a alienação mental”, além de relacionar que o trabalho versava sobre
26

a precária “assistência aos loucos” e, também, trazia um protesto contra o uso do


“tronco”, pedindo providências urgentes (MOREIRA, [1905] 2011, p. 731).

A referência de Juliano Moreira, um importante autor da historiografia


psiquiátrica brasileira à these pioneira de Antonio Luiz da Silva Peixoto, reveste-se de
importância histórica, haja vista que não era fato comum citações de autores nacionais
até as primeiras décadas do século XX.

Paim (1975) faz uma descrição pormenorizada do trabalho de conclusão


do curso de medicina do doutorando Antonio Peixoto. A despeito da reprodução dos
conteúdos médico-científicos de Pinel e Esquirol e em linhas filosóficas de Pierre Jean
Georges Cabanis (1757-1808), o autor apresenta alguns relatos clínicos observados
na Enfermaria dos Alienados, na Santa Casa de Misericordia:

Referindo-se ao problema das alucinações, cita o exemplo de um paciente


do Hospital da Santa Casa de Misericórdia, que vivia com os ouvidos e o nariz
obturados, para evitar os maus odores e as vozes que o acostumavam a
perseguir. [...] Desse modo, verifica-se que o Dr. Luiz Peixoto procurava
registrar fenômenos psicopatológicos observados em seus pacientes, sem
levantar hipóteses, nem construir teorias explicativas em torno dos mesmos
(PAIM, 1975, p. 14 - 15).

Williams (2002) afirma que, desde os prolegômenos, a clínica médica


francesa se volta para a observação do indivíduo. Para tanto, cita Cabanis, em sua
obra Observations Sur Les Hôpitaux (1790), no sentido da valorização das
“instituições de pequena escala” e do “atendimento domiciliar”, como formas
facilicitadoras dessa prática clínica individualizada.

Cabanis havia baseado a sua atividade clínica com o pressuposto da


“infinita variabilidade” das patoplastias quanto à idade, sexo, temperamento,
constituição, clima, ocupação laboral e outros fatores similares que concorriam para a
diversidade sintomatológica. A resposta terapêutica seria tão mais adequada quanto
a delimitação dos espaços médicos e da organização dos prontuários clínicos.

Pacheco & Silva ([1976] 2008) realça da these de Antonio Luiz da Silva
Peixoto o libelo condenatório contra os “métodos bárbaros” na assistência aos
“insanos” e os “ouvidos moucos” das autoridades. Pacheco e Silva classifica o trabalho
27

de Peixoto como “bem elaborada memória”, com “judiciosas considerações”, no


sentido de “minorar os sofrimentos dos insanos”.

Machado et al. (1978) mantêm um olhar diverso acerca da these de Antonio


Luiz Peixoto, enfatizando a reprodutibilidade dos conceitos alienísticos, sobretudo de
Esquirol, com os quais o doutorando compôs seu trabalho. Os autores retratam o
argumento esquiroliano de que a “sociedade civilizada, desenvolvida, capitalista” não
teria influência direta sem que sofresse o filtro de um indivíduo que também se
desenvolveu nos seus aspectos de humanismo e racionalidade. Antonio Silva Peixoto
formula esse argumento com imbricações dos instintos humanos com os desejos
relacionados às paixões advindas da sociedade da época.

Os autores enunciam o trabalho do médico Silva Peixoto como pioneiro


sobre a alienação mental, ressaltando que há explicitamente orientações nas ideias
de Esquirol. Dessa forma, a alienação mental é escrita como moléstia apirética
cerebral, na maior parte das vezes de longa duração, com perturbações contínuas ou
eventuais das faculdades intelectuais e afetivas:

O fenômeno da alienação mental torna-se possível a partir de um lugar


específico, termo médio entre o desenvolvimento da inteligência e da
sociedade, ponto de comutação, centro de transmissão entre o individual e o
social e que, conjugando esses dois aspectos, constitui o homem como objeto
da psiquiatria: Este lugar de honra é ocupado pelas paixões. É verdade que
não se trata de uma formulação originária da psiquiatria brasileira. E como
quase tudo em Silva Peixoto, ele foi buscar em Esquirol essa teoria das
paixões como condição de possibilidade da alienação mental (MACHADO, et
al., 1978,p.419).

Oda (2013) apresenta importante trabalho analítico acerca da these de


Antonio Luiz da Silva Peixoto, inserindo-a na reforma do ensino médico que
transformou os chamados colégios de cirurgiões, criados em 1808 por D. João VI, nas
Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro em 1832.

Teixeira & Edler (2012) referenciam gradativa e evolutivamente a


organização profissional e a regulamentação do ensino médico no Brasil,
contextualizando-as como um abandono das práticas terapêuticas por “barbeiros”,
“sangradores”, “cirurgiões práticos” e “curandeiros”. A tradição clínica da medicina
brasileira tem como marco inicial, segundo esses autores, os cursos de cirurgia e
anatomia nos hospitais militares de Salvador e Rio de Janeiro. Esse fato caracteriza
28

um diferencial na dinâmica de construção do saber médico brasileiro, no século XIX,


em comparação com os países exportadores de cultura médica que já viviam outra
realidade.

O médico e historiador Alexandre José de Mello Moraes, formado pela


Faculdade de Medicina da Bahia, no início dos anos 1840 do século XIX, reproduz
integralmente na sua obra Corographia Historica do Imperio do Brasil de 1863, a “carta
de lei”, datada de 3 de outubro de 1832 (ANEXO 2), chancelada pela Regência
Imperial que trata da criação dos cursos de medicina nas Faculdades da Bahia e do
Rio de Janeiro, trazendo no seu “Titulo III; Arts. 26 e 27” a regulamentação para
aplicação das theses de conclusão dos referidos cursos:

A regencia em nome do imperador o senhor D. Pedro II, faz saber á todos o


subditos do imperio que a assembléa geral legislativa décretou, e ella
sancionou a lei seguinte:[...] Titulo III; Dos Estudantes [...] 26. Passados todos
os exames, o candidato não obterá o tílulo de doutor, sem sustentar em
publico uma these, o que fará, quando quizer. As faculdades determinaráõ
por um regulamento a fórma destas theses, que serão escriptas no idioma
nacional, ou em latim, impressas á custa dos candidatos; os quaes assim
como os pharmaceuticos e parteiras, pagaráõ tambem as despezas feitas
com os respectivos diplomas. 27. Os exames seráõ publicos, e sobre as
materias do ponto, que o examinando tirar por sorte. Os estatutos
determinaráõ a sua distribuição e fórma (MORAES, 1863, p.430, 432)

Desse regulamento, supõe-se que a forma da these seria definida por


estatuto próprio de cada Faculdade. Quanto ao conteúdo, o doutorando seria inquirido
sobre itens constituintes do tema da dissertação. Mais uma vez, cabendo, nesse caso,
a autonomia da Faculdade sobre como seria a avaliação desse trabalho de conclusão
do curso de medicina.

No Brasil, a AIM de 1835, anteriormente chamada de SMRJ, em 1829,


representou, segundo Teixeira e Edler, o “maior fórum de debates sobre o ensino
médico e a saúde pública, como também a principal trincheira voltada a defender a
necessidade de implantar o modelo anatomoclínico francês”. A transformação das
academias médico-cirúrgicas, de 1808, em Faculdades de Medicina, teria sido
consequência dos debates médico-científicos na SMRJ, depois AIM (TEIXEIRA &
EDLER, 2012, p. 104).

Digno de nota é a adoção de premiações, pela AIM, a trabalhos médicos


desenvolvidos no Brasil. Como exemplo dessa ação integradora das ciências médicas
29

em território nacional, tem-se a escolha, em 1836, da memoria do Dr. Antonio Luiz


Patricio da Silva Manso, residente na província do Pará, denominada Enumeração
das substancias brasileiras, que podem promover a catarse. Huma descripção das
substancias indigenas empregadas vulgarmente como purgantes.

A partir da década de 1830, a atuação médica acadêmica no Brasil passou


a exercer um papel de filtragem das produções científicas, sobretudo da França e
posteriormente da Alemanha tanto na etiologia quanto na terapêutica circunscritas às
questões climáticas. Ressalta-se, portanto, que os saberes médicos na primeira
metade do século XIX necessitavam de revalidação do país receptor dos
conhecimentos para aplicação médica (TEIXEIRA & EDLER, 2012).

O decreto que criou as Faculdades de Medicina da Bahia e do Rio de


Janeiro (ANEXO 2), no seu Titulo I, previa a seleção prioritária de “lentes nacionais”
para ministrarem as cadeiras acadêmicas. Os “lentes estrangeiros” seriam chamados
somente em casos de jubilações, quando da inexistência de “lentes substitutos” que
pudessem ocupar as vagas dos titulares.

Posteriormente, as Faculdades de Medicina passariam a ter autonomia


para criar seus próprios estatutos (ANEXO 3) e, de forma semelhante as produções
científicas, a ter também filtros no sentido da valorização dos “lentes acadêmicos”
nacionais e dos substitutos para que tivessem prioridade aqueles formados na própria
escola médica.

A caracterização da tentativa de valorização dos recursos didáticos e


docentes correspondia à necessidade do estabelecimento de uma linguagem médica
voltada para resultados terapêuticos. A premissa de que os conhecimentos médicos
não poderiam ser livremente transferidos refletiu-se nas noções de particularidade
acerca de diagnóstico, prognóstico, etiologia e terapêutica. Desse modo, reforça-se o
ideário de Pinel quanto à necessidade das individualizações nos primórdios de uma
embrionária relação entre médicos e pacientes (TEIXEIRA & EDLER,2012).

Oda (2013) faz uma análise consistente e pormenorizada do primeiro


trabalho acadêmico sobre a alienação mental no Brasil, na these de conclusão do
curso de medicina da Faculdade do Rio de Janeiro, em 1837, Considerações Geraes
Sobre a Alienaçao Mental, do aluno e concludente da primeira turma de médicos
30

dessa instituição, Antonio Luiz da Silva Peixoto. Já no título, Peixoto enuncia um


trabalho generalista e voltado para conceitos acerca da alienação mental.

O referido artigo desenvolve um corte epistemológico, ao elucidar que a


these de Antonio Peixoto, sempre classificada como um surpreendente trabalho para
um formando, trata-se de um plágio elaborado a partir de traduções. Como a dos
“verbetes” aliénation mentale, de Achille-Louis-François Foville (1799-1878), inserido
no Dictionnaire de Médecine et de Chirurgie Pratiques, editado por Gabriel Andral e
colaboradores, entre 1829 e 1836, além de folie de Esquirol no Dictionnaire des
Sciences Médicales, publicado pela editora Panckoucke entre 1812 e 1822 (ibid).

Chartier (2012) advoga que a “invenção do direito do autor” coincide


temporalmente com a Revolução Francesa e com a supressão de privilégios dos
livreiros impressores sobre textos autorais no “antigo regime”. Ou seja, as noções de
plágio literário já eram conhecidas no meio acadêmico médico brasileiro das
Faculdades de Medicina da Bahia e Rio de Janeiro.

Oda (2008) acrescenta que um expediente semelhante de plágio é também


usado na these de Joaquim Manoel de Macedo Considerações Sobre a Nostalgia, de
1844, apresentada como conclusão do curso de medicina na Faculdade do Rio de
Janeiro. Nesse trabalho, a autora referencia que Macedo reproduziu trechos
significativos do Dictionnaire des Sciences Médicales no seu “verbete” nostalgie,
assinado na obra pelos médicos militares franceses Pierre-François Percy (1754–
1825) e Charles-Nicolas Laurent (1777-1838). Esses autores franceses escreveram
também sobre a nostalgia durante a Revolução Francesa. Essa doença, na
historiografia médica da França, é amplamente notificada como exacerbação do
patriotismo durante o período revolucionário francês (NAQVI, 2007).

Oda (2013), acerca dos plágios nas theses de conclusão dos cursos de
medicina no Brasil oitocentista, detalha semelhanças e diferenças entre os trabalhos
acadêmicos de Antonio Peixoto e Joaquim Manoel de Macedo. Nos dois casos há
“cópia” de extensos trechos de dicionários médicos franceses, o que já caracterizaria
o plágio. Porém, na these de Macedo, a autora destaca que esse doutorando tem
também participação autoral, à medida que concretiza um direcionamento em termos
de objetivo para sua these, uma defesa escravagista com medidas protetivas aos
negros, enquanto vistos como valores monárquicos. De outra forma, a these de
Peixoto, apesar das críticas ao “depósito de alienados” na Santa Casa de Misericordia
31

e dos relatos acerca das terapêuticas ali praticadas, não atinge a condição de um
trabalho autoral. Nessa dissertação, essas críticas e comentários de Peixoto são
somente periféricas ao núcleo plagiado do trabalho.

Para Ana Oda, não há justificativa acadêmica para os plágios nas theses
dos formandos, haja vista que os “conceitos de propriedade literária” eram
suficientemente conhecidos, já que advindos do século XVIII. Nesse sentido, cita o
exemplo dos dicionários de medicina francesa mencionados que, após a descrição de
cada “verbete”, continham as referências bibliográficas utilizadas naquele construto
científico. De outro modo, acentua que autores do alienismo francês como Esquirol e
Fovile lançavam mão de um instrumento aceito pelo meio acadêmico que eram a
síntese e a apropriação de fontes médicas, devidamente referenciadas em seus
trabalhos (ibid).

Oda & Porto (2009), na apresentação da tradução brasileira da obra de


1844, Du Climat et des Maladies du Brésil – ou statistique médicale de cet empirei de
Joseph François Xavier Sigaud (1796-1856), referenciam esse trabalho como uma
ampla compilação documental de obras médicas europeias e norte-americanas
complementada com contribuições da própria experiência clínica do autor.

É importante acrescentar que, no caso do nascente alienismo brasileiro,


estavam os formandos submetidos aos ditames da Carta de Lei Regencial de Criação
dos Cursos de Medicina das Faculdades do Rio de Janeiro e da Bahia de 1832
(ANEXO 2) e aos Estatutos para as Escolas de Medicina de 1834 (ANEXO 3). Eles
nada continham no seu teor referências à proibição de que os trabalhos de conclusão
dos cursos de medicina apresentassem qualquer forma de plágio. Mesmo no Estatuto
da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (ANEXO 1), depois tornada Academia
Imperial de Medicina, os pré-requisitos relacionados para a admissão de “membros
honorários, titulares e sócios correspondentes”, requeriam a apresentação de um
trabalho científico, porém sem menções à originalidade ou a qualquer tipo de plágio.

Lobo (1982) aponta as vicissitudes da Faculdade de Medicina do Rio de


Janeiro, na década de 1830, em conseguir junto ao Império a compra de obras
médicas que mantivessem a Biblioteca atualizada. Nesse sentido, cita a criação de
uma comissão de “lentes” da Faculdade de Medicina, formada em 1834 pelos
professores Valladão Pimentel, Francisco Júlio Xavier e José Martins da Cruz Jobim,
com o intuito de fazerem uma lista atualizadora das obras para consulta da
32

comunidade médico-científica e que deveriam ser adquiridos pela Regência Imperial.


No rol dessas indicações, constam assuntos e meios de difusão médicos: Chimie
medicale et mineralogie, Physique Medicale, Botanique et Zoologie, Anatomie,
Physiologie, Accouchments et Maladies des Enfants, Higiene et Historie de la
Medicine, Pharmacie et Matiére Médicale, Pathologie et Clinique Externe, Pathologie
et Clinique Interne, Medicine Legale, Journaux et Diferrents Ouvrages.

Oda (2013) destaca que uma das obras constantes na relação citada trata-
se do já referenciado Dictionnaire de Médecine et de Chirurgie Pratiques. Tal assertiva
ganha importância historiográfica no sentido de facilitar a compreensão do acesso dos
jovens médicos formandos aos clássicos literários da medicina, sobretudo francesa.

Esse raciocínio torna-se provável a ser feito também em relação aos


“lentes” da Faculdade de Medicina que bem poderiam conhecer essas obras.
Ressalte-se também que ao final de cada these havia o “visto” de um professor
escolhido como Presidente da Sustentação com os seguintes dizeres: “Esta these
está conforme aos Estatutos”, vindo abaixo a data, local e nome completo do
preceptor.

É importante acrescentar que no processo que vai da escolha do tema até


à defesa perante a banca examinadora de uma these, no modelo de Estatuto para as
Faculdades de Medicina no Brasil, na década de 1830, havia um condicionante social.
Estabelecia-se que o conteúdo desses trabalhos não atentasse “contra a moral e os
bons costumes”, havendo omissão quanto à exigência de originalidade e qualquer
forma de penalização nos casos de plágio (ANEXO 3).

Esse fato histórico abre espaço para compreensão de que a tradução de


uma obra, inserida ipsis litteris em uma these de algum formando, não retiraria por
completo o seu valor historiográfico. Oda (p. 636-637, 2013), a respeito do trabalho
plagiado de Antonio Luiz da Silva Peixoto, afirma: “A despeito dos plágios que
identificamos ao cotejar a tese e os dois dicionários médicos franceses, a monografia
de Peixoto segue tendo seu valor como documento histórico”.

Mello (1963) descreve o “desenvolvimentismo” no Brasil como sendo


decorrente da formação cultural do país desde o século XIX. Nesse sentido, avalia
que durante o século XIX se tornou necessária a importação da cultura europeia em
seu estado original, isto é, sem maiores questionamentos nacionalistas. A importação
33

já representava o novo e como tal era aceita e valorizada, por outro lado, a exigência
de originalidade ganharia dimensão no Brasil somente a partir da década de 1930.

Outro caso de plágio em these brasileira, relacionado com o conteúdo dos


diagnósticos e tratamentos morais diz respeito ao trabalho do formando Alexandre
José do Rosario cuja dissertação de conclusão do curso na Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro, em 1839, com o título Dissertação sobre a influência dos alimentos
e bebidas sobre o moral do homem, vem a ser uma reprodução quase integral, com
variações apenas na parte introdutória da these de conclusão do curso de medicina
na Faculdade de Paris, desenvolvida pelo doutorando baiano Eduardo Ferreira França
(1809 – 1857) cujo título original era Essai sur I'influence des Aliments et des Boissons
sur La Moral de I'Homme, em 1834.

Essa atmosfera de trabalhos que inclusive lançavam mão de plágios estava


contextualizada em um ambiente médico-acadêmico influenciado pela corrente
filosófica do ecletismo de Victor Cousin (1792 – 1867). Esse movimento foi fortemente
difundido na década de 1830, no Rio de Janeiro, pelo Frei Francisco de Mont´Alverne
(1784 – 1858) e pelo seu principal discípulo Domingos José Gonçalves de Magalhães
(1811 – 1882). Com o passar dos anos, desde a década de 1830 até meados de 1840,
o crescente predomínio dos conteúdos organicistas nas theses de medicina alienística
no Brasil surge em contraponto com a preponderância dos conteúdos mentalistas.
Esse processo se desenvolve concomitantemente com maior influência de
Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798 – 1857). O cientificismo e o
positivismo, postulados por esse filósofo, perpassam os trabalhos médicos como
sustentação filosófica a partir da segunda metade da década de 1840 (HOLANDA et
al. 1976).

O médico formado em Paris e posteriormente professor da Faculdade de


Medicina da Bahia, Eduardo Ferreira França, é considerado um autor eclético tanto
no ordenamento organicista quanto na vertente primordial mentalista de sua these
acadêmica. Também iria se inserir na esfera mentalista sua principal obra,
Investigações de Psicologia, publicada na Bahia em 1854 (ibid).

O ecletismo e o positivismo foram as duas linhas filosóficas predominantes


nos textos acadêmicos e científicos do Brasil oitocentista. As primeiras ideias
positivistas de Comte no Brasil, embora ainda de forma periférica, surgem na these
34

de Justiniano da Silva Gomes (1808-1882) Plano e Método de um Curso de Fisiologia,


sustentada na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1844 (ibid).

Esta tese deste DINTER tem como estrutura de desenvolvimento os


seguintes capítulos: Os Prólogos dos Tratamentos Mentais no Brasil; A Organização
dos Espaços do Alienismo para a Recepção do “tratamento moral” e da “therapeutica
medica”, na primeira metade do século XIX; O Protagonismo do “tratamento moral”,
de Pinel e Esquirol, nas Associações de Medicina, nas theses de conclusão de curso
de medicina e na medicina do hospício, no Brasil do século XIX; O Protagonismo da
“therapeutica medica”, na Alienação Mental nas Associações de Medicina, nas theses
de conclusão dos cursos de medicina e na medicina do hospício, no Brasil do século
XIX.

Os jesuítas foram atores significativos no período que precede a


emergência do alienismo no Brasil e por isso aspectos de suas obras sobre o
sofrimento mental foram incluídos nesta tese.

Massimi (2001), acerca da explicitação do que denomina de “psicologia


jesuítica”, a compreende como resultante das construções teóricas e das aplicações
práticas da “medicina da alma”. O trabalho missionário dos jesuítas, no campo da
saúde mental e orgânica, seria algo previsto e expresso em cartas jesuíticas de Inácio
de Loyola (1491-1556), fundador da Companhia de Jesus. Nesses documentos, ele
mencionava a importância dos seus discípulos missionários conhecerem e adotarem
nas práticas de cura a interpretação dos “temperamentos” dos nativos que estivessem
sob os cuidados dos membros dessa ordem religiosa.

No relato da história das ideias psicológicas jesuíticas, a estruturação dos


saberes estaria condicionada não somente à natureza filosófica de pensamentos
colonizadores mas também à abordagem prática, no sentido do tratamento dos reinóis
e nativos sujeitos às práticas de doutrinamento e cura por parte dessa elite intelectual
do clero. Os inacianos se ocupavam, dentre outras funções, dos tratamentos
orgânicos e mentais como tarefas missionárias. Nessa última forma de tratamento,
Massimi se refere a uma espécie de “medicina da alma”, tal qual àquela da tradição
hipocrática, na sua dimensão “religiosa e espiritual” (ibid).

Serafim Leite (1890-1969) ([1953], 2008), padre jesuíta com grande


produção historiográfica, relata acerca da Companhia de Jesus no Brasil que o
35

primeiro padre jesuíta a aportar na Bahia, em 1549, foi Manuel da Nóbrega (1517-
1570). Nessa esquadra, comandada por Tomé de Sousa (1503 -1573?) também
constavam: um médico (físico-cirugião), um arquiteto, um mestre de obras e
numerosos operários artesãos.

Os jesuítas, pioneiros em trabalhos de saúde no Brasil colonial, eram


chamados “irmãos enfermeiros”. Dentre eles destacou-se o padre José de Anchieta
(1534-1597), com atuação na Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. A “função médica”
viria a ser ocupada e desempenhada pelos religiosos da Companhia de Jesus, até
meados do século XVIII em terras brasileiras. As ações terapêuticas desenvolvidas
pelos padres jesuítas viriam a influenciar, em parte, a medicina alienística no Brasil
oitocentista, sobretudo com formulações medicamentosas adaptadas da flora
brasileira (ibid).

No contexto da organização dos espaços do alienismo, são abordados


fundamentos relacionados aos recursos físicos, sobretudo arquitetônicos e humanos
quanto à aplicabilidade do “tratamento moral” de Pinel, especialmente no Reino Unido
e na França. Esse desenvolvimento historiográfico torna-se importante referência para
a compreensão do ambiente crítico que se estabelece no meio médico alienístico
oitocentista brasileiro. Toda a crítica à insuficiência das instalações físicas e dos
parcos recursos humanos focalizados na década de 1830, na Enfermaria dos
Alienados da Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro, tem por base a
experiência europeia de funcionamento dos seus asilos.

A abordagem sobre as fontes originais que tratam da terapêutica do


alienismo no Brasil, no século XIX, obedece a uma divisão entre os construtos teóricos
das instituições médicas que apresentavam como proeminente o uso do “tratamento
moral” nas descrições terapêuticas mentalistas. Por outro lado, detalham-se os
construtos que utilizavam a “therapeutica”, métodos físicos, químicos e biológicos, que
objetivavam a cura organicista das doenças mentais no Brasil oitocentista.

Esse paralelismo serve para a comparação com os direcionamentos


mentalistas ou organicistas nas terapêuticas do alienismo brasileiro no século XIX,
entre os anos de 1830 a 1850. A narrativa desse período estudado é primordialmente
médica e internalista, tal como fundamentada por German Berrios em seus relatos
historiográficos acerca da psicopatologia. As inserções externalistas desta tese
36

historiográfica têm um caráter complementar de facilitação para o entendimento dos


contextos sociais e políticos concernentes ao período de tempo estudado.
37

Métodos e Procedimentos da Pesquisa

Parte das fontes primárias (theses, memorias, relatórios provinciais e das


diretorias médicas dos asilos), relacionadas com o alienismo no Brasil, foram oriundas
da pesquisa que culminou com a conclusão, em 2003, da dissertação de mestrado
em programa MINTER (Mestrado Interinstitucional - UNICAMP/UFPI), intitulada
Evolução das Classificações Psiquiátricas no Brasil: Um esboço histórico semelhante
a este presente programa DINTER (Doutorado Interinstitucional – UNICAMP/UFPI).
Os principais locais de coleta do material para essa dissertação foram: Biblioteca
Nacional, Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Biblioteca do Centro de Filosofia e
Ciências Humanas (CFCH - UFRJ), Biblioteca do Instituto de Psiquiatria (IPUB -
UFRJ), Biblioteca do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF - UFRJ),
Biblioteca do Sanatório Meduna (Teresina – Piauí), Biblioteca da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP), obras do acervo do Departamento de Psiquiatria
e Psicologia Médica (UNICAMP), à época sob a direção do Prof. Dr. Paulo
Dalgarrondo, além de obras cedidas pela Profª. Drª. Ana Maria Galdini Raimundo Oda,
do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica (UNICAMP).

Para esta tese do programa DINTER, ampliou-se a coleta de fontes


primárias e consultaram-se obras direcionadas para a terapêutica do alienismo
oitocentista no Brasil e nos países europeus fornecedores da cultura científica
alienística brasileira. A pesquisa se desenvolveu, principalmente, nos seguintes sítios:
Biblioteca do Sanatório Meduna (Teresina – Piauí), Bibliotheca Gonçalo Moniz da
FMB (BIBGM - FMB), acervo pessoal do Prof. Dr. Walmor João Piccinini de Psiquiatria
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acervo do Núcleo Clio-
Psyché - Estudos e Pesquisas em História da Psicologia Programa de Pós-Graduação
em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), sob a
coordenação da Profª. Drª. Ana Maria Jacó-Vilela, acervo pessoal do Prof. Dr. João
Romildo Bueno do Instituto de Psiquiatria (UFRJ), acervo pessoal da Profª. Drª. Ana
38

Maria Galdini Raimundo Oda (UNICAMP), além de fontes primárias disponíveis em


endereços eletrônicos que estão citados nas referências bibliográficas.

Como referências bibliográficas complementares, esta pesquisa foi


acrescida de fontes secundárias que viessem a dotar de maior significação a
compreensão, o aprofundamento e o estudo paradigmático dos processos
terapêuticos, relacionados ao alienismo oitocentista brasileiro nos prolegômenos, nas
concorrências e nos períodos proximamente posteriores ao intervalo de tempo
delimitado na tese.

Importante núcleo das fontes primárias foram theses de conclusão dos


cursos de medicina nas Faculdades da Bahia e Rio de Janeiro, no decorrer do século
XIX até início do século XX. Esse processo de pesquisa seguiu o protocolo
predeterminado pela Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) em associação com a
BIBGM.

Em junho de 2011, foi protocolada solicitação de pesquisa junto ao Diretor


da FMB – Universidade Federal da Bahia (UFBA) e, posteriormente, foi enviada para
a bibliotecária chefe da BIBGM a relação prévia das theses da Bahia, selecionadas
com direcionamento para o tema do trabalho a partir do artigo Teses Doutorais de
Titulados pela Faculdade de Medicina da Bahia, de 1840 a 1928, na Gazeta Médica
da Bahia (GMB) (MEIRELLES et al., 2004). Inicialmente, foram pré-selecionadas 206
(duzentas e seis) theses de conclusão do curso de medicina, na Faculdade da Bahia,
entre os anos de 1840 a 1928. O período de pesquisa foi realizado entre os dias 01 a
03 de agosto de 2011.

Após essa primeira etapa de coleta de theses na BIBGM da FMB, foi


agendada com a bibliotecária-chefe nova visita para o ano seguinte, após a conclusão
da catalogação, à época em curso das theses disponíveis de conclusão do curso de
medicina na Faculdade do Rio de Janeiro. Em virtude da não publicação dessa lista
de theses na GMB, a seleção foi realizada in loco, no período de 30/05/2012 a
01/06/2012, tendo sido avaliadas theses do Rio de Janeiro, entre as décadas de 1830
a 1920. Nessa ocasião, foram também acrescidas ao acervo mais 8 (oito) theses de
concurso para lentes da FMB no século XIX.

Para o trabalho de digitalização das theses, procedeu-se o protocolo da


BIBGM, sob orientação da bibliotecária-chefe, constando as seguintes etapas:
39

higienização dos documentos históricos, utilizando-se máscaras, luvas e pincéis de


limpeza, posicionamento dos documentos em modo panorâmico para permitir o
enquadramento adequado da fotografia digital, sem deixar bordas ou quaisquer outros
efeitos que comprometessem a leitura. O processo da digitalização foi realizado em
equipe, de modo a garantir a integridade dos documentos. O enquadramento foi feito,
colocando sempre duas páginas na cena, a fim de facilitar a leitura. Após cada
fotografia digitalizada, reiniciava-se a limpeza das páginas seguintes a serem
fotografadas pela câmera.

Sequencialmente, foi construído e anexado em relatório de tese à


UNICAMP um inventário confeccionado em software Excel, contendo as seguintes
colunas: ano, título, autor da these, naturalidade do formando e origem da faculdade
(Bahia ou Rio de Janeiro). O inventário das teses possibilitou uma visão panorâmica
dos trabalhos, assim como foi um facilitador para as delimitações qualitativas
demandadas nos objetivos e hipóteses a serem estudadas.

Bardin (2011) relata que, no processo de averiguação de hipóteses em uma


pesquisa, a busca das fontes inicia-se com uma “flutuação das leituras”. Para uma
pesquisa qualitativa, faz-se necessária a contextualização dos conteúdos a serem
inseridos. Além disso, definem-se a importância da elaboração de deduções
específicas sobre um acontecimento e as frequências temáticas que possibilitem a
seleção de índices, não direcionados para o todo do problema, mas que permitam
uma compreensão adequada dos objetivos.

Nesta tese, optou-se pela avaliação das fontes primárias, de tal forma que
a relevância dos temas nosológicos tenha sido priorizada em lugar dos aspectos
evolutivos nas terapêuticas alienísticas oitocentistas, evitando-se, dessa forma, o risco
da “circularidade”. Metodologicamente, foi dada ênfase aos processos de leitura,
releitura, interpretações, além da desconfiança de evidências nos conteúdos
históricos estudados acerca da terapêutica alienística, praticada no Brasil entre as
décadas de 1830 a 1850. Por facilitação didática para o alcance dos objetivos, a ordem
narrativa de apresentação dos conteúdos históricos obedeceu ao critério cronológico
(ibid).

Para a realização do presente estudo, utilizou-se como principal técnica o


sequenciamento de processos racionais, de modo a se obter um refinamento dos
conteúdos a serem trabalhados. Inicialmente, foi realizada uma leitura prévia das
40

theses de conclusão dos cursos de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, no decorrer


do século XIX e início do século XX, observando-se as descrições terapêuticas das
doenças do alienismo, de modo a contemplar no estudo os níveis de atenção
preventivos e curativos.

Posteriormente, com base nos objetivos e hipóteses a partir das narrativas


estudadas, delimitou-se um intervalo de tempo que fosse suficiente para a
caracterização fenomenológica da ocorrência dos conteúdos mentalistas e
organicistas contidos nesses textos acadêmicos.

Em etapa seguinte, realizou-se a escolha das theses a serem incluídas no


estudo, considerando-se como critério principal a seleção de itens nosográficos que
apareceram com maior frequência nos títulos e, subsequentemente, a observância
das temáticas desenvolvidas acerca dessas doenças que nesses textos acadêmicos
qualitativamente mais se adequaram aos objetivos e às hipóteses previamente
definidas.

Complementarmente, para atender à hipótese acessória, foram destacadas


as narrativas referentes tanto nas theses com predominâncias mentalistas quanto
organicistas aos aspectos relacionais entre médicos e pacientes, com embasamento
nos preceitos do “tratamento moral” de Philippe Pinel.

Após o processamento de filtragem dessas theses, efetivou-se o acréscimo


de fontes primárias (relatórios, documentos, sessões da AIM, memórias, textos em
jornais e livros), de modo a permitir o aprofundamento em temas, sabidamente
abordados nas theses por formandos em medicina cujo valor científico e
historiográfico dos trabalhos é relativizado por superficialidades, panfletagens
voluntariosas e mesmo plágios, comuns no período de tempo e espaço estudado.
Nesse sentido, optou-se pela indicação referencial das theses em vez dos nomes dos
autores, em razão do não asseguramento da originalidade das autorias.

Sendo esta tese essencialmente um trabalho descritivo, analítico e


qualitativo, com narrativa historiográfica predominantemente médica e internalista,
procedeu-se a utilização de fontes secundárias, visando a contextualização social dos
fenômenos abordados, através de narrativa historiográfica externalista.

Bardin (2011) discorre ser possível a aplicação de técnicas qualitativas,


compreendidas como um leque de estratégias em estudos documentais. Nos seus
41

primórdios, a análise de conteúdo documental prendia-se mais a aspectos


quantitativos engessados em cientificismo e objetividade que restringiam essa forma
de pesquisa a estudos meramente descritivos, com variáveis somente determinadas
pelas frequências. Com a evolução, a análise de discurso passa a fornecer
possibilidades de simbolizações ou traduções dos textos instrumentalizados na
pesquisa, buscando-se também, dessa forma, o desvendamento dos fragmentos
linguísticos com seus componentes subjetivos inseridos nas descrições a serem
igualmente relatadas. Esta tese, portanto, denota um trabalho descritivo, analítico e
qualitativo dentro do instrumental teórico relacionado.

Um aspecto relevante nesta pesquisa diz respeito às citações de fontes


originais que, neste caso, optou-se pela manutenção das grafias em português
arcaico, para que se preservasse o teor linguístico das ideias de cada texto.

A escolha pela manutenção das citações na sua forma original também


encontra respaldo no momento histórico e peculiar do Brasil no século XIX, quando o
léxico português aqui praticado recebia forte influência de um sentimento nacionalista,
pós-independência e de afirmação de um império autônomo. Esse sentimento
projetava-se no uso de uma língua apropriada que procurava emancipar-se dos
vínculos da metrópole. Portanto, a adoção do português no Brasil refletia-se na escrita
de fragmentos catatímicos, inseridos nas narrativas textuais. Em 1826, “o deputado
José Clemente propôs que os diplomas dos médicos no Brasil fossem redigidos em
‘linguagem brasileira’” (ORLANDI, 2005, p.29).

Manuel Ali (1914), filólogo brasileiro, refere que o século XIX foi também
marcante para a língua portuguesa, em virtude das construções sintáticas que
sofreram grande influência dos “galicismos” nos escritos em português no Brasil, em
período histórico adjacente ao Iluminismo, à Revolução Francesa e à invasão
napoleônica em Portugal.

Nos anexos desta tese, elaborou-se um glossário de termos históricos dos


temas abordados, como ferramenta auxiliar, a fim de facilitar o entendimento de
terminologias médicas referentes ao alienismo, presentes nas fontes primárias
pesquisadas. O processo construtivo desse glossário, para melhor assimilação,
consistiu no exame do léxico específico dos Dicionários Médicos consultados no
Brasil, caso do Diccionario de Mecidina Domestico e Popular de Theodoro Johanis
Henrique Langgard (1865) e o Diccionario de Medicina Popular e das Sciencias
42

Accessorias, de Pedro Luiz Napoleão Chernoviz (1890). Para termo comparativo


foram também utilizados os Dicionários franceses: Dictionnaire dês Sciences
Médicales de Panckoucke, com tomos de 1812 a 1822, e o Dictionnaire de Médecine
et de Chirurgie Pratiques, de Gabriel Andral et. al. com tomos de 1829 a 1836,
frequentemente utilizados como referências bibliográficas em trabalhos acadêmicos
acerca do alienismo no Brasil oitocentista.
43

Capítulo 1

1. OS PRÓLOGOS DOS TRATAMENTOS MENTAIS NO BRASIL: AS CURAS DOS


PADRES DA COMPANHIA DE JESUS NO CORPO E NA ALMA DOS HABITANTES
DO BRASIL COLONIA

Oliveira (1958) referencia que as relações entre a Santa Sé e o Estado


Português se fortaleceram a partir do século XV com a missão dos “núncios
apostólicos” junto às monarquias. Eram, portanto, diplomatas da Santa Sé com a
missão de estabelecer vínculos com os estados que tivessem “carácter de
estabilidade”.

Nesse contexto histórico, em 1534, é fundada a Companhia de Jesus, com


a utilização das “pregações de sacerdotes tão doutos e exemplares” (ibid, p.245),
inseridas na política consonante entre a Santa Sé e o Estado Português, tanto no
sentido do movimento da contrarreforma do clero quanto na política colonizadora da
monarquia.

Formada em 1540, por iniciativa de Inácio de Loyola,a Companhia de Jesus


se configurou como uma ordem-modelo de um novo momento da cristandade
na Europa [...] Desenhava-se, assim, um amplo projeto de cristianização das
massas, de reordenação social e moral, ancorado nos valores legitimamente
cristãos, e a Companhia de Jesus surgia neste contexto (CALAINHO,
2005,p.62).

O médico e historiador Alexandre José de Mello Moraes (1816-1882), um


enciclopedista, monarquista convicto, na sua obra Corographia historica,
chronographica, genealogica, nobiliaria e politica do Imperio do Brasil, com o primeiro
volume editado em 1858, expõe uma miscelânea de assuntos. Interligados ou não,
eles atestam o trabalho dos padres jesuítas no campo da saúde no Brasil Colônia a
partir de 1549, com a chegada da Companhia de Jesus à Bahia (MELLO MORAES,
1863).

Naturalistas por ofício, os Jesuítas encontravam na ciência das curas um


vasto e propício campo de atuação. Suas descrições de espécimes vegetais foram
minuciosas no Brasil. Sua aproximação catequética com os índios foi bem assimilada,
44

no cômputo geral, por ambas as partes na troca de valores culturais, mesmo com a
existência de violentos conflitos que retrataram a intensa resistência dos nativos
indígenas em absorver os ditames da colonização portuguesa no Brasil. Para esse
fim, o Estado Português valeu-se da grande capacidade de comunicação que
possuíam os padres da Companhia de Jesus:

Os jesuítas pelo systema de restricção, e mesmo de oppressão que vião


exercer a metropole para com o Brasil, limitavão-se a propagação do
Evangelho, como meio de que podião dispôr para a civilisação dos Indios, e
ao ensino de algumas faculdades aos filhos do paiz. Elles sentião a
necessidade da imprensa, como meio rápido e fácil à diffusão dos
conhecimentos, porém não lhes era permitido o uso della, porque a metropole
portugueza não consentia (ibid, p.118).

Oliveira (2004) refere que a intelectualidade inaciana no Brasil, assim como


nas demais colônias portuguesas, tinha a função principal de estabelecer vínculos
com a cultura da metrópole, através dos artifícios religiosos inspirados na
Contrarreforma e materializados nas ações de catequese. O espaço para a atuação
educacional no Brasil fora facilitado pela inexistência na colônia da concorrência do
protestantismo; as ações jesuíticas foram muito além das educacionais, sempre
usando os colégios como centros administrativos da ordem, procederam curas sob a
“doutrina escolástica tomista” que pressupunha o dualismo mente-corpo. Os jesuítas
de Coimbra, em Portugal, haviam participado ativamente da retomada acadêmica das
teorias de São Tomás de Aquino (1225-1274). As doutrinas tomistas, embasadas nas
ideias de Aurélio Agostinho de Hipona (Santo Agostinho) (354-430), são encontradas
em cartas jesuíticas no Brasil (AGNOLIN, 2001).

Agostinho tinha apreço pelos livros de Platão (428-348 a.C.) assim como
os cristãos que acolhiam nos escritos platônicos a estética presente na descrição do
universo espiritual. Porém, os platônicos pagãos não aceitavam de bom grado o mito
redentor do cristianismo (encarnação, crucificação e ressurreição). A diferença
primordial nas ideias agostinianas em relação à filosofia platônica viria a influenciar
todo o processo filosófico-religioso no catolicismo. Agostinho admitia ser a
contemplação interiorizada de Platão insuficiente e que, somente com a contemplação
exteriorizada ou participada se alcançaria a calmaria dos espíritos. Assim ele entende
45

que a terapia platônica, autossuficiente, necessita de um médico invisível, ou seja, de


Deus, para que possa completar-se o tratamento da alma (BROWN, 2008, p.123-139).

Nouvel (2013) realça que a ponte melhor estruturada entre filosofia e


teologia ocorreu no Século XIII com a obra de Tomás de Aquino. Nessa obra, o
sistema de Aristóteles baseado na razão torna-se aproximado do pensamento cristão
sustentado na fé. Para São Tomás de Aquino, fé e razão não se contradizem se, mas
complementam como criações de Deus, sendo a filosofia uma “criada” da teologia.

Esses preceitos, que de alguma forma ligavam a mente à alma,


deturparam-se e radicalizaram-se na “teoria demonista” expressa em obras, como o
Malleus Maleficarum, de 1484, e o Compendio de Menghius, de 1576 (PESSOTTI,
1995, p.127-129).

O processo evolutivo, não necessariamente minorativo ou amenizador da


Santa Inquisição revela-se na tentativa de manutenção dos diagnósticos relacionados
com a heresia e os tratamentos exorcizantes sob o domínio do clero. A desobediência
clerical junto ao Rei, mesmo com os sucessivos acordos entre as monarquias e a cúria
romana e o texto dos compêndios inquisitoriais que se estenderam até o Século XVIII,
são reveladores do poder majoritário exercido pela Igreja (BETHENCOURT, 2000).

Um dos últimos “dicionários de heresias” publicado em 1773 por François


Pluquet mantém uma “taxonomia cumulativa” orientada no sentido da afirmação da
não existência de novos conteúdos heréticos, mas de outro modo, tão somente de
novas formas de heresia cujos tratamentos permaneceriam os mesmos de séculos
anteriores (ibid).

O modelo greco-romano de alienação mental, como sendo consequente a


uma doença ou perversão moral, havia sido alterado pela “cristandade” com outra
convicção, a da “loucura religiosa” decorrente de um “contágio diabólico”, sendo
passível de cura somente pelo tratamento purgativo da alma através dos “Santos
Ofícios” (PORTER, 2006, p. 249).

Os padres da Companhia de Jesus, elite intelectual do clero nessa época,


exerceram a arte de “curar” até sua expulsão do Brasil, em 1759, por Sebastião José
de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699–1782). Nesse sentido, João
Capistrano Honório de Abreu (1853 – 1927), na obra Capitulos de Historia Colonial,
46

avaliza a importância da presença jesuítica no Brasil e a rejeição pombalina a essa


história construída ao longo de anos:

Pombal fez assignar pelo regio manequim uma lei declarando-os rebeldes,
traidores e havendo-os por desnaturalisados e proscriptos. No correr do anno
seguinte foram embarcados para o reino as centenas de successores de
Nobrega encontrados no Brasil. Durou duzentos e dez annos a sua actividade
em nossa terra, e sua influencia deve ter sido considerável (ABREU, 1907,
p.172).

Gurgel (2010) afirma que, apesar do envio de integrantes do clero regular


(franciscanos, carmelitas e beneditinos) para o Brasil, nos primeiros anos da
colonização portuguesa, foi somente no governo geral de Tomé de Sousa, em 1549,
com a vinda dos padres jesuítas, que se iniciou o aculturamento religioso através da
cristianização indígena, da educação dos filhos dos colonos e dos cuidados dos
doentes (ibid, p.107).

Lopes Rodrigues (1934) afirma que a medicina brasileira muito deve aos
padres jesuítas, tendo a sua contribuição ultrapassado os limites da “enfermeiragem
sagrada das endemias e das epidemias” (ibid, p.25), classificando-os como os
“primeiros naturalistas médicos” que descreveram as virtudes terapêuticas das “floras
invioladas da terra”.

Muito embora as “curas jesuíticas” tenham sido aplicadas às doenças do


corpo, havia sempre a associação com a alma: “O médico é o místico creador. A
abnegação do segundo não modifica a essência do primeiro sacerdócio” (ibid, p.147).
Em episódio de tratamento do padre Manuel da Nóbrega pelo padre José de Anchieta
da mesma irmandade, Lopes Rodrigues acentua que a “medicina” praticada por esse
jesuíta e com seus pares era “corporal e espiritual”. As curas praticadas pelos
inacianos no Brasil eram, por preceito, indistintas em relação a gêneros de pessoas,
nacionalidades ou condições sociais. Mesmo intervenções organicistas mais
profundas como as “sangrias” mantinham, na concepção dos padres curadores, uma
associação terapêutica com as “coisas da alma” (ibid).

Edler (2006) descreve as relações que os físicos, cirurgiões e boticários


portugueses tiveram no Brasil, durante o século XVIII, com os demais agentes de cura
(mezinheiros, pajés e curandeiros africanos). É importante ressaltar que entre físicos
e cirurgiões, nomeados pelo império português, constatou-se a lenta e difícil absorção
no cotidiano terapêutico de vegetais nativos, como o cajá (antifebril), caju (antifebril e
47

antiácido), imbaúba, copaíba e noz do andá (cicatrizante e purgante), parreira brava


e malvisco (antipeçonhento), língua-de-vaca e camará (cicatrizante de pele),
maçaranduba, camará e olhos da salsaparrilha (para doenças venéreas), erva-santa
ou tabaco (para doenças da cabeça e antiasmático), ananás (quebra de pedras
urológicas), jenipapo e ipecacuanha (antidiarreico). Todos esses itens do herbolário
indígena haviam sido incorporados pelos jesuítas em seus processos de cura no
Brasil.

Fonseca ([1933] 1972) discorre que Bernardino Antônio Gomes (1768-


1823) foi um médico português que integrou a comitiva de D. Leopoldina, em 1817,
como seu médico particular, por ocasião do casamento da arquiduquesa com D. Pedro
I. Bernardino Gomes estivera no Brasil em 1798, com o propósito de estudar a vasta
flora brasileira em seu uso medicinal. Ao tempo de suas pesquisas sobre a botânica
médica, esse autor escreve em 1798 o trabalho Memoria Sobre a Canella do Rio de
Janeiro, publicado em 1809 pela impressão régia. Nesse trabalho, o Dr. Bernardino
faz uma referência acerca do vegetal estudado, considerando a planta como exótica
e atribuindo aos jesuítas a sua introdução no Brasil (GOMES, 1809).

Valle (1972) explicita que Bernardino Gomes desenvolveu seus estudos em


um período no qual a categorização farmacológica ainda não havia sido codificada.
Essa pesquisa em botânica médica fora classificada como colecta, empírica, e não de
selecção da matéria médica, como viria acontecer no século XIX, somente com o
aprofundamento dos trabalhos em medicina experimental e farmacodinâmica.

Bernardino Antônio Gomes, no escrito Observações Botanico-Medicas


sobre algumas Plantas do Brazil, de 1812, faz grande defesa dos recursos vegetais
do Brasil com relevante potencial de uso na medicina. Ele utiliza o termo Botanica
Medica para situar as suas pesquisas e faz referências a estudos anteriores realizados
no Brasil nesse campo:

As sementes do Andáaçú são conhecidas, e famosas no Brazil pela sua


virtude purgante de tempo immemoravel: Este medicamento porém não foi
conhecido na Europa, nem mesmo (com vergonha o digo) em Portugal, senão
depois que os dois Holandezes Pisão, e Marcgrave escrevêrão ‘Historia
Natural do Brazil: ambos estes escritores fazem menção da qualidade de
purgante destas sementes (ibid, p. 112).

No campo da saúde, Calainho (2005) denota a atuação do grupamento dos


padres jesuítas no Brasil, que foram das descrições classificatórias naturalistas das
48

espécies vegetais curativas aos tratamentos da “terapêutica jesuítica” praticados no


País:

Além de trabalharem incansavelmente na difusão da fé cristã, os jesuítas


também foram uma grande âncora da saúde na colônia, atestada pela
vastíssima documentação das correspondências que mantiveram com seus
irmãos em Portugal e no Brasil. Alguns deles vinham de Portugal já formados
nas artes médicas, mas a maioria acabou por atuar informalmente como
físicos, sangradores e até cirurgiões (ibid, p.64-65).

Os padres jesuítas, expoentes da elite intelectual da Igreja Católica no


século XVI, através da sua erudição, ampliaram os saberes no campo da medicina
acadêmica, à medida da necessidade da atuação catequética e colonizadora a serviço
do clero romano e da coroa portuguesa:

A escassez de médicos leigos, formados por escolas de medicina na Europa,


pelo menos até o século XVIII, fez dos jesuítas os responsáveis quase que
exclusivos pela assistência médica no primeiro século de colonização do
Brasil. Ao longo do tempo, foram aperfeiçoando seus conhecimentos
mediante contatos com os profissionais leigos residentes na colônia, e ainda
pela leitura de importantes obras de medicina, encontradas em muitas das
bibliotecas de seus colégios. (ibid, 64-65).

O Brasil, não por acaso, foi chamado inicialmente de “Terra de Vera Cruz”,
como acentua a Carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra descobridora,
ao Rei de Portugal creditando o “achamento da Terra Nova” aos desígnios de Deus
sob o símbolo da cruz, em clara alusão à missão colonizadora jesuítica (HOLANDA et
al., 1981). Os jesuítas fizeram descrições de diagnósticos e tratamentos médicos
realizados na nova colônia portuguesa, como atestam as cartas dos padres José de
Anchieta (1534-1597) e Simão de Vasconcellos (1596-1671) (LOPES RODRIGUES,
1934). Gurgel (2010) relata que os jesuítas ao tomarem para si a função de cuidadores
de doentes no Brasil colonial, tornaram-se para as comunidades indígenas os “novos
pajés”.

Não há registro historiográfico de tratamentos específicos dos religiosos da


Companhia de Jesus no campo da doença mental. Entretanto, há registro, sobretudo
nos exorcismos, da presença de componentes terapêuticos que entremeavam
tentativas de curas espirituais em processos descritos com sintomatologias mentais
difusas. Nesse sentido, tem-se o registro do Pe. Simão de Vasconcellos (1663), em
sua obra Chronica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil, de um tratamento
49

realizado pelo Pe. Manuel da Nóbrega, pioneiro dentre os padres das batinas negras
em terras brasileiras, em uma mulher pecadora que havia vivenciado desejos carnais
com um eclesiástico por vários anos:

Foi chamado o Padre Nobrega pera huma mulher peccadora, que estava em
ansias da morte: tinha gastado grande parte da vida em máo estado, publica,
e escandalosamente, com hum Ecclesiastico. Chegou o Padre, applicou os
remedios, que em taes casos seu espirito lhe dittava; e depois de grandes
resoluções, lagrimas, e mostras de arrependimento, veio a ouvil-a de
confissão, e absolvel-a; porém com esta comminação, que visse o que fazia
dalli em diante; porque se agora achava propicia a misericordia de Deos;
retrocedendo em peccados de tanto escandalo, acharia depois rigorosa a
divina justiça (VASCONCELLOS, 1663, p. 168).

Na sequência, o Padre Vasconcellos faz a narrativa evolutiva desse


tratamento entremeada de sinais possessivos, que evidenciam a associação, embora
desordenada, da ação religiosa com frustrada tentativa de persuasão mental e moral
empreendida pelo Pe. Manuel da Nóbrega:

Passárão os tempos, mas não passou a vigilancia do pai da sensualidade;


bastou o discurso daquelles para fazer crer ao povo, que estava já confirmada
a mercê de Deos, mas não bastou para apagar naquelle coração o incendio
antiguo de Satanás: tornou ao vomito com o maior secreto que pode, mas
com deshonestidade maior. [...] «He verdade que por estar eu amancebada
por vinte annos com hum Ecclesiastico me hei de condemnar?» E respondia
ella mesma : Sim, repetindo isto tres vezes concimo dizendo: «Pois eu creio
que Belzebú criou os Ceos, e a terra, e o mar e as areas, e a elle me entrego.»
(ibid, p.168).

O Pe. Simão de Vasconcellos conclui a descrição, extraída de relatos


anteriores nas cartas dos irmãos da ordem, desse tratamento jesuítico atribuído ao
Pe. Manuel da Nóbrega em uma paciente afeita aos cuidados medicamentosos e
espirituais:

Aqui ficámos (continuárão os relatores) atonitos, e pasmados; acodimos-lhe


com um crucifixo, o qual regeitou com escandalosas visagens; e neste estado
mandámos chamar a V. Reverencia. » Entrou o Padre em seu costumado
fervor de espirito, e applicou aqui todas as traças de que usára com o
salteador, por ver se podia tirar da mão de Satanás aquella triste alma.
Bradava ao Ceo, multiplicava lagrimas, suspiros, orações, applicava reliquias,
imagens, exorcismos : porém todos estes remedios não bastárão (ibid,
p.168).
50

Gurgel (2010) destaca que os cuidados médicos nos núcleos jesuíticos


foram sistematizados nos “aldeamentos”, em 1574, pela intervenção do jesuíta Inácio
de Tolosa (1533-1611) que determinou a criação de “casas isoladas” no perímetro dos
colégios inacianos. A argumentação para a autorização dos trabalhos de cura,
incluindo as sangrias, deu-se por Inácio de Loyola, o próprio fundador da ordem, tendo
em vista o caráter de “redenção da alma” tanto para cuidadores quanto para os
enfermos.

A Companhia de Jesus, com seus padres cientistas, desempenhou papel


fundamental na pesquisa, na transmissão dos conhecimentos e aplicabilidade das
“curas da alma”. Essa crescente influência política gerava insatisfação e resistências
na corte portuguesa de tal modo, que a monarquia lusitana, embora se ancorasse no
trabalho de catequese da Companhia de Jesus, proibia a esses padres, sabidamente
grandes difusores de conhecimento, a faculdade da “imprensa”, primazia restrita
diretamente ao império. Nesse sentido, foram frequentes as “expulsões” de jesuítas
das colônias portuguesas e espanholas a partir do século XVI (LOPES RODRIGUES,
1934; MELLO MORAES, 1863).

Armand Jean du Plessis, o Cardeal Duque de Richelieu (1585-1642), em


seu Testamento Político (1709), assim expressava a importância dos jesuítas para a
monarquia francesa, com a notória ressalva dos limites a serem impostos à
Companhia de Jesus pelo Rei da França, utilizando-se da sua imponente condição de
Primeiro Ministro:

[...] o interesse público não pode sofrer que uma companhia não somente
recomendável por sua piedade, mas célebre por sua doutrina, como é a dos
jesuítas, seja privada de uma função da qual pode encarregar-se com grande
utilidade para o público [...] é verdade que não se poderia dar aos jesuítas o
encargo da educação completa dos meninos sem expor-se a dar-lhes um
poder tanto mais suspeito ao Estado quanto todos os cargos e os graus de
que se lhe desse o manejo (RICHELIEU, 1709, parte I, cap.I, seção X).

Filgueiras (1999) reitera a profusa produção intelectual no campo da saúde


pelos padres jesuítas, avalizando que esses doutos religiosos, além do saber médico
tradicional, possuíam o pendor para a pesquisa e comunicação nesse campo.

Catão (2007), em referência à ação antijesuítica no Brasil, mais


especificamente em Minas Gerais, província que concentrava grande parte da riqueza
mineral no Brasil Colônia, relata aprisionamentos sofridos pelos Padres inacianos.
51

Esses fatos evidenciavam o incômodo da Coroa Portuguesa com o crescente poder


social dessa ordem da igreja em terras brasileiras.

Serafim Leite (1943) explicita que o trabalho terapêutico desenvolvido pelos


padres jesuítas sempre buscava agregar a cura corporal com a cura espiritual. Esse
aspecto fica bem caracterizado em uma “ordenação” oficiada pelo Padre jesuíta
Antônio Vieira (1608-1697), em missão na província do Maranhão como “Visitador
Geral” da Companhia de Jesus, nos mandamentos aos “irmãos” que lá atuavam nas
comunidades indígenas como “médicos jesusítas”:

O Padre Více-Provincial determinará conforme as circunstâncias dos tempos,


e lugares, o que se há de fazer sôbre o haver nas Aldeias Hospital ou
Enfermaria, perto da casa dos Missionários, aonde se curem todos os
enfermos da Aldeia com tôda a caridade a quem não têm suas casas por sua
extrema miséria, e pouca caridade dos seus, a qual os nossos procurarão
suprir não só espiritual, mas também corporalmente como se costuma,
socorrendo-os com os medicamentos, sustento e regalo, quanto a nossa
pobreza der lugar, e tendo cuidado que lhes não falta quem os sirva, e a êste
fim visitarão todos os dias a enfermaria, havendo-a, e a Aldeia ao menos duas
vezes na semana. (Pe. ANTÔNIO VIEIRA, 1680, apud SERAFIM LEITE,
1943, p.109)

Em fac-símile de 2008 da obra Artes e Ofícios dos Jesuítas no Brasil,


Serafim Leite (1953) observa que a aproximação dos jesuítas com a medicina
tradicional ocorreu nos Colégios fundados no Brasil, sempre que havia um médico
disponível. As barreiras aos legados dos trabalhos terapêuticos jesuíticos,
posteriormente observadas na medicina brasileira no século XIX, não tiveram
contrapartida no exercício de cura feito pelos jesuítas em séculos anteriores que
aceitavam a divisão de tarefas com médicos acadêmicos:

Os médicos dos Colégios eram profissionais externos, que prestavam


serviços clínicos ou por amizade ou mediante remuneração. Um ou outro foi
estrangeiro, como o Dr. Júlio Mário, médico francês, falecido no Recife em
1685, que deixou um legado ao Colégio, e o Dr. Francisco Poflitz, médico do
Colégio do Pará em 1692. A maior parte, contudo, eram portugueses e dum
ou outro se conserva alguma referência nos documentos da época [...] Alguns
Padres e Irmãos haviam estudado medicina ou antes de entrar ou depois
(SERAFIM LEITE, 1953, p.84-85).

Silva (2008) refere que nos colégios fundados pelos jesuítas existiam
farmácias, “boticas”, onde, além do arsenal medicamentoso importado da metrópole
52

e de livros médicos vindos de Portugal, havia também manufatura própria de remédios


mediante matéria prima encontrada no Brasil.

Acerca da imbricação da terapêutica jesuítica com a medicina tradicional


ou iatroquímica, quanto às manufaturas de medicamentos, Serafim Leite pormenoriza
a adoção dos medicamentos pelos padres da Companhia de Jesus tanto de remédios
trazidos e estocados do Reino Português quanto de itens elaborados nas “boticas”
alojadas nos próprios colégios. Nesse sentido, observa-se que os colégios
extrapolaram da sua função precípua na educação e passaram a servir de asilos aos
doentes nativos:

A principio os medicamentos vinham do Reino já preparados. Mas as


piratarias do século XVI e as dificuldades da navegação impediam com
frequência a vinda dos navios de Portugal, e era preciso reservar grandes
provisões. [...] Nóbrega e os seus Padres e Irmãos ocupavam-se não apenas
na catequese [...] Como são sangrias de alguns necessitados, que, se os de
casa não fossem, morreriam à mingua: isto é comumente na escravaria, que
como anda nua, ora com calmas, ora com frios, sempre tem necessidade [...]
A necessidade local obrigou pois os Jesuítas a terem abundante provisão de
medicamentos; e também logo a procurarem os que a terra podia dar, com
as suas plantas medicinais, que começaram a estudar e a utilizar em receitas
próprias (SERAFIM LEITE, 1953, p.85-86).

Lopes Rodrigues (1934) acentua que o Brasil ingressa no século XVIII com
total dependência do trabalho “médico” desenvolvido pelos padres jesuítas, já então
espalhados do Sul ao Norte do País. Matheus Saraiva, presidente da Academia dos
Felizes, em carta datada de 1742 ao abade Barbosa Machado informava não haver
na América Portuguesa nenhum professor na arte de curar doenças.

O panorama da ação dos jesuítas através da educação pedagógica é


definido pela atividade catequética que foi fator fundamental para o ingresso no mundo
indígena, com acesso às suas construções sociais, incluindo crenças e cultos
religiosos, saberes e linguagens primitivas, hábitos rudimentares de caça e pesca e a
“medicina dos pajés”: “Tudo acabou por resumir-se na alternativa dos recursos por
eles tirados a esmo entre os elementos da natureza rude e os fundamentos
espiritualistas da fé no acesso rudimentar aos seus cultos e ás suas idolatrias” (ibid,
58-59).

Essa aliança terapêutica entre jesuítas e indígenas, embora nem sempre


pacífica, foi suficiente para assegurar o acesso aos tratamentos com aprendizado
53

mútuo. A Carta sobre a Paz de Iperuí, de José de Anchieta, em 8 de janeiro de 1565,


dirigida ao Vigário Geral Diogo Lainez da provincia de São Vicente, revela curas nas
quais o religioso associava métodos que abrangiam um direcionamento mentalista e
organicista, difuso e primitivo:

De maneira que os índios me tinham muito crédito, ‘maxme’ porque eu lhes


ocorria a suas enfermidades, e como algum enfermava logo me chamava,
aos quais eu curava a uns com levantar a espinhela, a outros com sangrias e
outras curas, segundo requeria sua doença, e com o favor de Cristo Nosso
Senhor achavam-se bem (MANUEL DA NOBREGA & JOSÉ DE ANCHIETA,
1978, p.113-114).

Thomaz (1981, p. 163-165) classifica o trabalho catequético como


sistemático com as ações em saúde nos colégios e detalha outra carta de José de
Anchieta, em 1554, escrita aos “irmãos enfermos de Coimbra”, onde esse inaciano diz
da satisfação pela larga conversão obtida nas enfermarias improvisadas, através dos
tratamentos prestados.

Paralelamente às ações das curas jesuíticas, o início do século XVIII no


Brasil é marcado pela chegada de outros profissionais da arte de curar. Luís Gomes
Ferreira (1686-1764) foi um “cirugião-barbeiro”, nascido e licenciado em Portugal, veio
ao Brasil em 1708 com fins de mineração. Estando em Minas Gerais e, devido à
grande e crescente demanda, passa a atuar conforme o seu ofício original de
cirurgião. O seu profícuo trabalho na província mineira gerou uma extensa obra, Erário
Mineral, editada pela primeira vez em Lisboa, em 1735, sendo um dos primeiros
tratados de medicina brasileira escrito em língua portuguesa (CARNEIRO, 2002).

Gomes Ferreira (2002), em sua obra Erário Mineral, publicada


originalmente em 1735, apresenta um importante detalhamento acerca das medidas
então utilizadas no Brasil, um país agrário, nas formulações medicamentosas,
chamando a atenção para as distorções no uso do “grão” como principal medida
envolvida nas dosimetrias dos remédios:

As libras de botica de coisas líquidas têm doze onças; cada uma destas onças
é uma medida de metal que levará pouco mais, ou menos, tanto como um
ovo de galinha ordinário [...] As mãos cheias, em que tenho falado e hei de
falar, é, regularmente, quanto pode abranger uma mão com os dedos. Ε a
palavra dose, ou doses, é o mesmo que uma porção; tudo o mais é o comum
(FERREIRA, 2002, p.247-248).
54

Ainda no Erário Mineral, o autor faz uma ponte entre os saberes médicos
apreendidos da escola médica portuguesa e as terminologias populares, sobretudo
quando as referências se voltam para os tratamentos. No caso das doenças no campo
mental, ele as inclui no capítulo Tratado III - Da miscelânea de vários remédios, assim
experimentados e inventados pelo autor, como escolhidos de vários para diversas
enfermidades. Essa partição indica que não havia sistematização para o tratamento
das doenças mentais, que compreendiam da impotência sexual a distúrbios
relacionados à menstruação, alucinações etc. Outra constatação é a de que os
tratamentos comportamentais ou farmacoterápicos obedeciam a um primitivo
culturalismo adaptado ao tempo e ao espaço, precedentes do alienismo acadêmico
no Brasil, que viria a se sistematizar com a criação das sociedades médicas no século
XIX:

Aqueles que, sendo moços robustos e mui potentes para com suas
mancebas, casando-se se acharão incapazes de consumar o matrimônio,
estes, diz o doutor Curvo na ‘Observação 101’, que se defumem as suas
partes vergonhosas com os dentes de uma caveira postos em brasas [...]
Aqueles que, sendo discretos e de boa índole, passaram de repente a serem
tolos e furiosos, ou fugiram da companhia das gentes, andando uns sempre
rindo, outros chorando sempre, se curarão com vomitórios e depois com a
infusão do heléboro negro, feito em água de erva-cidreira (ibid, p.421-422).

O manejo dos compostos biológicos também é abordado por Gomes


Ferreira, no caso específico das alterações mentais. Há referência digna de nota na
desconstrução supersticiosa do uso do “sangue mensal” (menstrual) para enfeitiçar
homens casados. No Brasil, nas terapêuticas do século XVIII, o conteúdo moral era
inserido nos tratamentos como forma de sugestionar pacientes:

Por utilidade do bem comum, quero advertir aos ignorantes e às mulheres


depravadas que o sangue mensal está tão fora de conciliar e granjear o amor
dos homens que, antes os faz tontos, loucos, furiosos e os mata (ibid, p.423).

Os tratamentos contidos no Erário Mineral concernentes ao campo mental


afunilavam-se com o uso dos “feitiços” descritos para alucinações auditivas e visuais,
em um período de raríssimas intervenções médicas nas sensopercepções, em
contraposição à vasta descrição dos tratamentos espirituais nas curas jesuíticas:

Diz o doutor Curvo que os feitiços se podem dar em diferentes iguarias e


bebidas [...] porque alguns viram enfeitiçados ou endemoninhados, que se
queixavam viam vários fantasmas em figuras de cavalos, elefantes, perus,
serpentes e dragões; a alguns destes curou, fazendo-lhe trazer ao pescoço e
55

nos pulsos dos braços alambres brancos, e a outros mandando-os defumar


com a semente da erva antérico, trazendo-a também ao pescoço; assim o
dizem Escrodero, Crolio e outros autores (ibid, p-423).

Mendonça (1960) relata em livro a diáspora ocorrida entre a Corte


Portuguesa, constituída e representada pelo Marquês de Pombal, e a Companhia de
Jesus em todas as colônias portuguesas. Pombal, um déspota esclarecido com
pensamento iluminista, entendia que o estado secular não poderia mais sofrer
nenhuma ameaça de poder da teocracia. Nessa lógica, Pombal edita o alvará de 3 de
setembro de 1759, ordenando a total expulsão dos jesuítas, que até então se achavam
tolerados nos domínios de D. José I, Rei de Portugal.

A perseguição de Pombal aos jesuítas no Brasil estendeu-se por vários


anos, através de rígidas ordenações aos Vice-Reis do Brasil. Em Carta Instrutiva,
expedida em 20 de junho de 1767, Pombal reiterava o cuidado com as mantidas
incitações pelos jesuítas aos ingleses a fazerem “contrabandos e invasões” no Brasil
(ibid, p.46).

Esse sentimento antijesuíta ganharia corpo no final do século XVIII e no


decorrer do século XIX. Rui Barbosa (1849-1923), político e intelectual brasileiro de
grande respaldo, cita em discurso de 1877 um libelo positivista com forte descrédito
ao jesuitismo, à época considerado um termo pejorativo:

Enfim, quando o dogma ímpio da infalibilidade papal veio elar, com a maior
das mentiras contra a fé, contra a espiritualidade cristã, contra a dignidade
humana, contra a concepção suprema de Deus, essa lenta paganização do
cristianismo, que, há dez séculos, absorve Roma, o estigma deste espírito
eminentemente religioso (i.e., de Alexandre Herculano) feriu no rosto a
sacrílega especulação do jesuitismo (BARBOSA In SCHULER, 2002, p.258).

Esse mesmo diapasão do cientificismo, contrário aos jesuítas, estaria


presente em relatório de 1888 enviado ao diretor do Hospital de São João Baptista,
Dr. Manoel Pereira da Silva Continentino (1841-1912), pelo Dr. Domingos Jacy
Monteiro Junior (1853-?), médico do Hospicio Annexo a esse hospital. Nesse
documento, ele traça um perfil histórico, retrospectivo da “assistencia a alienados no
Brazil”, contestando a medicina religiosa, praticada no século XVIII pela comunidade
jesuítica:

Quando se cuidou de dar assistencia a alienados no Brazil nos meiados deste


seculo, isso se fez como satisfação a uma idéa humanitaria, como caridade,
mas sem firmar-se sobre a base de uma lei geral de assistencia, sem a
56

determinação dos deveres da sociedade para com o louco que continuou


protegido accidentalmente por alguns artigos dos codigos [...] Habituados
desde os tempos coloniaes a ver os mais custosos hospitaes mantidos por
Ordens Terceiras, Irmandades (Instituições de mão morta), reminiscencias de
antigas instituições monasticas donde provieram e á cuja sombra viveram)
fomos declinando dos deveres de assistencia publica, aliás preenchidos por
aquellas Ordens (MONTEIRO,1888, p.3).

Em 1759, para a expulsão dos jesuítas, o marquês de Pombal acercou-se


de um rosário de denúncias que iam da conspiração contra a Coroa Portuguesa à
posse ilícita de terras e escravização dos indídenas. A medicina indígena brasileira
somente voltaria a ser visitada e estudada em expedição chefiada pelo naturalista Karl
Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), em sua viagem pelo Brasil de 1817 a 1820.
Von Martius veio para o Brasil na comitiva da Imperatriz D. Leopoldina (1797-1826),
primeira esposa de D. Pedro I (PATRÍCIO, & PEREIRA, In DE POMBAL, MARQUÊS,
2008; ARRUDA, 2003; SILVA In VON MARTIUS, 1979).

Em livro decorrente dessa expedição científica, que viria a ser publicado


em 1844, Von Martius transcreve o processo artesanal de manufatura, envolto em um
ritual nativo, dos medicamentos pelos brasilíndios. Ele faz interessantes descrições
de tratamentos de doenças mentais ritualizados “xamanisticamente” pelos pajés,
médicos feiticeiros da tribo indígena:

O índio atribui virtude medicamentosa às substâncias feculentas, quando


triturada e misturada com água; por isso, é muito comum essa manipulação
[...] Os selvagens brasileiros rarissimamente são sujeitos às doenças-
mentais. Suas idéias apáticas, mania melancólica, inteligência circunscrita,
em relação a tudo que diz respeito à mais alta e requintada vida espiritual,
explica por que lhes são estranhas as alienações da psique, que entre nós
provêm das extremadas emoções e das imaginações mórbidas. Se
excluirmos o delírio passageiro da embriaguez, a raiva do ciúme ou do ódio,
quase não existe paixão que possa levar o índio a um desarranjo mental.
Porém, muita vez, se notam: demência e idiotia, provavelmente
conseqüências de traumatismos graves (ibid, p.111, 175).

A medicina indígena voltada para as doenças mentais, conforme descreveu


Von Martius, seria muito pouco afeita a diagnósticos e direcionada por seus “pajés”
aos tratamentos. O expedicionista particulariza, descritivamente, uma modalidade de
57

alienação mental cujo tratamento estaria a cargo de missionários religiosos e consistia


no isolamento do indígena doente:

A única doença mental de que ouvi falar deveria ser comparada com a
licantropia, isto é, com a alienação, na qual o indivíduo corre ao ar livre, imita
a voz e os modos do cão ou do lobo transformando-se em lobisomem [...] O
índio, pálido, taciturno, interiorizado, com o olhar fixo e certo, vagueia, ou se
isola de todo o convívio. Depois do sol posto, repentinamente irrompe nele
uma sede insaciável de sangue humano. [...] Corre pela aldeia, e quem quer
que o encontre se expõe a ser atacado; uivando se dirige para os lugares
onde há cadáveres enterrados. [...] Esse fato se pode observar,
epidemicamente, nos homens e nas mulheres, e isso depois de contínua
licenciosidade, embriaguez, danças e excitações de outra natureza. Os índios
acreditam que a feitiçaria seja causadora disso (ibid, p.111-112).

Quanto à medicina iatroquímica voltada para a farmacopeia das doenças


mentais, historicamente apresentou uma trajetória de eleição para determinados
fármacos que tiveram o seu uso disseminado em inúmeras entidades etiológicas ou
sintomas variados correspondentes à alienação mental. Assim se deu com o uso
exagerado e indiscriminado desde os tempos hipocráticos do heléboro(plantas do
gênero veratrum). No início do século XIX, o termo heleborismo definia uma síndrome
já clinicamente conhecida, descrita e tratada acerca da intoxicação helebórica. Dessa
forma, Pinel descrevia esse quadro sintomático:

Aconteciam acidentalmente perigos de sufocação, um retraimento


espasmódico da garganta, um violento soluço, síncopes, o delírio? Todas as
finezas do heleborismo eram tão desdobradas; balançar as camas
suspensas; fomentação, clisteres, uso de esternutatórios, inúmeros
expedientes para facilitar os esforços do estômago e fazer cessarem os
sintomas (PINEL [1800], 2007, p.46).

William Guillermo Cullen (1710–1790), primeiro médico britânico na


Escócia, descreve em 1789, no seu Treatise of the Materia Medica, a potente ação
vomitiva e diarreica do heléboro (Veratrum). Com potentes propriedades vagotônicas,
esse medicamento, conforme Cullen foi causa de muitos atos iatrogênicos, haja vista
que se buscava sua ação como “emenagogo” (substância que provoca menstruação),
uma ação de sangria que somente era conseguida com altas doses da tintura-mãe
desse vegetal.

O padre e médico homeopata francês Alexis Espanet (1811-1886), no seu


Tratado de Matéria Médica e Terapêutica Homeopática, em 1861, ressalta que o
58

“eléboro” (Veratrum) é uma planta, com uso médico relatado desde a Grécia Antiga.
O heléboro era usado para o tratamento de doenças, como: eleborismo (intensa
agitação mental); alienação mental; reumatismos; gota; epilepsia; vertigens;
paralisias; hipocondria e câncer. Espanet acresce que seu uso como medicamento foi
sendo abandonado gradativamente pela medicina alopática, em virtude dos potentes
efeitos colaterais dessa substância, cabendo a Samuel Hahnemann (1755– 1843) a
sua reintrodução na clínica médica, mediante preceitos homeopáticos.

Acerca do percurso histórico do heleborismo, Philippe Pinel, em 1800, faz


outra importante observação no seu Tratado médico-filosófico sobre a alienação
mental ou a mania (2007, p.46): a de que a natureza da substância é tão importante
quanto às suas dosagens, formas de administração e absorção pelos pacientes.
Assim, Pinel compara o difícil uso do heléboro com os complexos cuidados junto aos
pacientes com novas necessidades de abordagem para os casos de mania:

O exemplo e os erros dos tempos passados, os caminhos equivocados


trilhados e a progressão metódica e regular seguida por todas as ramificações
da história natural impõem atualmente que se retome a mania sob o olhar da
observação, abandonado durante tantos séculos [...] Fazer ingerir o heléboro
para curar a mania ou outras doenças crônicas, saber escolhê-lo, prepará-lo,
orientando o seu uso, era na antiga Grécia a obra máxima da sagacidade do
homem ou do empirismo mais laboriosamente combinado. [...] Outro tema
grave de discussão dizia respeito aos alimentos a serem ingeridos na véspera
de seu uso, sobre o estado preliminar de vacuidade do estômago, sobre as
bebidas adequadas a favorecer sua ação emética. (PINEL [1800], 2007, p.45-
46).

A descrição feita por Pinel tanto da necessidade de atenção aos efeitos


colaterais no uso medicinal do heléboro quanto da imperiosidade de uma clínica da
observação revela aprofundamento da medicina, quanto às respostas individuais dos
pacientes tratados.

Fenômeno semelhante seria também observado no decorrer do século XIX,


com o uso médico abusivo e indiscriminado do ópio nas alienações mentais.
Caracterizando-se, portanto, exemplo da dificuldade da substituição do “tratamento
moral” pelos tratamentos químicos na imposição do desejado organicismo, devido à
59

parca disponibilidade de fármacos com ações mentais mais incisivas. Assinala-se a


panacéia opiácea no decorrer do século XIX:

Diferentes tipos do ópio eram aplicáveis a uma variedade de doenças físicas


e mentais. Foi amplamente prescrito para chamadas doenças espasmódicas,
que incluiu formas de loucura, histeria, hipocondria, distúrbios convulsivos,
hidrofobia e tétano. Devido a seu suposto efeito sobre os processos
fisiológicos básicos, médicos do século 18 tendiam a considerar o ópio como
uma panacéia, e encontram-se recomendações para o seu uso para todos os
tipos de condições: doenças infecciosas tais como a varíola, tuberculose,
cólera, disenterias diversas, sífilis e coqueluche; bem como hidropisia, gota,
dores de cabeça, palpitações, abortos, e cálculos urinários (CARLSON &
SIMPSON, 1963, p.113).

O ópio já fazia parte como ingrediente em muitas das preparações


medicamentosas utilizadas na Europa, desde o início do Renascimento, o que ficou
bastante evidenciado com os textos de Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus
Von Hohenheim, vulgo Paracelso (1493-1541), quando o uso do ópio foi melhor
delimitado para os casos de mania (loucura geral), hipocondria e histeria. Há dúvidas,
porém, se, efetivamente, Paracelso utilizou o ópio no preparo do seu láudano, um
composto à base de ópio próprio daqueles chamados alquimistas (ibid).

No Treatise on the Materia Medica, em 1789, William Cullen afirmava que


o ópio suspenderia o fluxo de transmissões dos nervos para o cérebro e vice-versa,
ocasionando uma suspensão de toda a sensibilidade dolorosa ou qualquer forma de
irritabilidade advinda do sistema nervoso. Cullen também fez referência ao efeito
paradoxal do ópio que poderia provocar um efeito excitatório inicial, embora tivesse
uma preponderante ação sedativa. Essa discussão a respeito da ação sedativa ou
excitatória do ópio se apresentava nas descrições sobre os efeitos terapêuticos desse
medicamento.

Carlson & Simpson (1963) afirmam que o ópio para Cullen era,
efetivamente, um narcótico com simples efeito sedativo e a excitação produzida pela
droga se explicaria como uma resposta do corpo na tentativa de superar esse efeito.
Entretanto, para alienistas como John Brown (1735-1788), que fora discípulo de
Cullen em Edimburgo, na Escócia, assim como também para Benjamin Rush (1746-
1813), que sequencialmente fora discípulo de Brown, estabeleceu-se uma divergência
com a base teórica de William Cullen acerca do mecanismo de ação do ópio. Para
Brown e Rush, tanto o ópio quanto o álcool eram considerados estimulantes e o efeito
60

sedativo dessas duas substâncias sobreviria com a exaustão corporal. Tomando-se


por base os preceitos teóricos de Galeno, que subdividia as substâncias entre aquelas
com ação “quente”, “fria”, “seca” ou “úmida”, em correspondência com a teoria
hipocrática dos humores e seus elementos “fogo”, “ar”, “terra” e “água” no organismo
humano, para alguns autores o ópio teria ação fria no corpo e para outros, uma ação
quente. Estabelecia-se no século XVIII uma oposição entre correntes para a
explicação farmacodinâmica do ópio, o que evidenciava ainda muito ceticismo no uso
desse medicamento para doenças mentais. Assim, o “tratamento moral” de Pinel viria
a ocupar esse vazio terapêutico.

O século XIX inicia-se com as práticas médicas voltadas para as doenças


mentais no Brasil, assim como na medicina geral com grande influência da
farmacopeia portuguesa estruturada, com protagonismo nas seguintes publicações
farmacêuticas: Farmacopeia Lusitana: Método Prático de Preparar e Compor os
Medicamentos na forma Galênica com todas as receitas mais usuais, de autoria de D.
Caetano de Santo Antônio, boticário do Real Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e
publicada no início do século XVIII. Pouco tempo depois, em 1711, seria publicada
uma nova edição dessa farmacopeia, incorporando conceitos de “iatroquímica”
(FILGUEIRAS, 1999).

Pavía-Ruz et al.(1998) definem que a “iatroquímica” ou a química voltada


para a medicina foi a parte da ciência médica que traduziu a passagem de uma
medicina excessivamente teórica ou incomodamente religiosa para uma medicina
pragmática, voltada prioritariamente para os tratamentos baseados nos ensinamentos
de Paracelso:

Já no século XVII, a Iatroquímica ou química medicinal, um nome que foi dado


à fusão da alquimia, medicina e química praticada pelos seguidores de
Paracelso a partir do século XVI. Jan Baptista Van Helmont (1577-1644) foi o
principal Iatroquímico paracelsiano. Médico graduado, insatisfeito com a
medicina teórica galênica que se praticava nas escolas, iniciou uma carreira
de investigação médica própria. Sua oposição às doutrinas médicas
estabelecidas e aos ensinamentos médicos dos clérigos lhe causou conflitos
com a Inquisição Espanhola que o perseguiu boa parte de sua vida. Van
Helmont defendeu quantificação e experimentação. (PAVÍA-RUZ et al., 1998,
p. 197).

Mesmo dentro do universo iatroquímico, que se propunha acadêmico e


manipulador de fórmulas que o diferenciariam de uma prática médica estritamente
61

empírica, tal qual a terapêutica jesuítica, havia divergências quanto às formas de


tratamento. O médico alemão Christian Friedrich Samuel Hahnemann (1755-1843)
inicia divergências com os princípios medicamentosos alopáticos definidos por
Galeno, defendendo a ação homeopática dos remédios. Em 1790, Samuel
Hahnemann, a partir da tradução do livro Materia Medica de William Cullen,
acrescenta notas pessoais acerca da experimentação da quina (quinino) em si próprio,
descrevendo assim o princípio básico da homeopatia (GALHARDO, 1936).

O processo de expansão geográfica da homeopatia é rápido, como na


difusão para o Brasil, onde José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838),
personagem de larga influência na primeira metade do Brasil oitocentista, se constitui
em entusiasta e divulgador das ideias de Samuel Hahnemann, fato esse que
possivelmente teve reflexo na escolha da homeopatia como tema de várias theses de
medicina no decorrer do século XIX:

Samuel Hahnemann, que acabava de defender sua these inaugural na


Universidade de Erlangen, era um apaixonado pelos estudos de Physica,
Chimica e Historia Natural, especialmente pela Mineralogia. Devido á sua
capacidade e proficiencia na Chimica e na Mineralogia, relacionou-se com
grande numero de estudiosos destas sciencias em todos os paizes, inclusive
em nosso Brasil. José Bonifacio de Andrada e Silva, o ‘Patriarcha da
Independencia’, era o maior dos nossos mineralogistas, em sua epoca, como
sabemos, circumstancia que o approximou do genial Hahnemann, á procura,
provavelmente, de esclarecimentos e pesquizas chimicas de alguns dos
mineraes brasileiros (ibid, p.23).

Durante sessão realizada na SMRJ (Sociedade de Medicina do Rio de


Janeiro), em 07 de junho de 1833, publicada na Revista Medica Fluminense em abril
de 1835, o então Presidente Joaquim Cândido Soares de Meirelles (1797-1868) faria
um retrospecto histórico da medicina geral no Brasil. Retratando a passagem da
influência da medicina inglesa preponderante no Brasil, durante o século XVIII, para a
influência da medicina francesa no início do século XIX, Joaquim Meirelles cita como
expoentes maiores dessa afirmação da medicina científica, iatroquímica,
respectivamente quanto à cronologia, William Cullen e Philippe Pinel:

Desd’a descoberta do Brasil até a emigração de D. João VI a medicina, que


se exercia, era puramente ‘Ingleza’. [...] A revolução, que Portugal soffreo em
todos os seus habitos pela influencia de Napoleão [...] nos troxe o gosto da
litteratura franceza e consequentemente o das suas Artes e Sciencias. Então
fundou-se a Escola Medico Cirurgica do Rio de Janeiro e Bahia, e ahi pelos
62

Regulamentos forão adoptados por compendios os Classicos Francezes.


Desd’essa época [...] a nossa medicina tem sido a ‘medicina Franceza’. A
escola, que influio na França até a epoca do domínio da Escola da ‘medicina
physiologica’, foi a de Pinel: essa foi tão bem a nossa desd’a creação da
Escola Medico-Cirurgica até 1824, não obstante os exforcos, que se fizerão
para influir a de Cullen (REVISTA MEDICA FLUMINENSE, 1835,ed.1, p.10).

A medicina para se estabelecer como acadêmica necessitava cortar laços


com qualquer prática empírica de cura, quer fossem realizadas por barbeiros,
sangradores, curandeiros, e até mesmo por jesuítas que possuíam inegável saber
terapêutico distinto daquele da medicina oficial.
63

Capítulo 2

2. A ORGANIZAÇÃO DOS ESPAÇOS DO ALIENISMO PARA A RECEPÇÃO DO


“TRATAMENTO MORAL” E DA “THERAPEUTICA MEDICA” NA PRIMEIRA
METADE DO SÉCULO XIX

2.1 EUROPA E ESTADOS UNIDOS: PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX

Até o final do século XVIII, não havia significativa diferenciação entre


doentes hospitalizados e não hospitalizados físicos ou mentais (diferenciações que se
tornaram significativas no século XX). A diferença se dava no tipo da assistência
prestada aos alienados por instituições tidas como mais ou menos humanas na
Bélgica, Suíça, Escandinávia, Espanha e “em lugares dirigidos pelos ‘Quakers’”. A
essência dessa inspiração humanitária assistencial aos alienados no século XVIII
vinha do “espírito racional e objetivo” de Descartes (1596 – 1650) e das influências da
Reforma Protestante (século XVI). Isso propiciou em países chaves o
desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas e arquiteturas específicas, no
âmbito do alienismo setecentista (STONE, 1999, p. 62 - 63).

Samuel Tuke (1784-1857) era filho de Henry Tuke (1755-1814). Henry foi
também um comerciante e filantropo que juntamente com seu pai, William Tuke III
(1732-1822), foi fundador do Retiro de York, em 1792. A família Tuke era composta
de membros integrantes da Sociedade Religiosa dos Amigos, um grupo protestante
denominado Quakers, protestantes dissidentes ou não-conformistas, profundamente
ligados às várias correntes ou seitas protestantes não-anglicanas (SOARES, 2001).

Philippe Pinel se notabilizou como médico no último quarto do século XVIII,


sobretudo pelo seu projeto terapêutico nas alienações mentais, calcado no abandono
da teoria humoral e no entendimento das paixões intoleráveis, como fatores causais
prepoderantes nessas doenças. Pinel não foi o criador do “tratamento moral”; há
relatos de intervenções desse tipo com semelhante abordagem terapêutica, em
séculos anteriores, por médicos árabes e espanhóis. Bem mais próximo a Pinel houve
a experiência exitosa de Joseph Daquin (1733-1815), no Asilo de Chambéry a partir
64

de 1787, na aplicação aos pacientes de um tratamento moralizante. Nesse caso, o


conceito de moral se conectava a campos semânticos que incluem o normativo moral
e comportamental, o disciplinar, o humano (como atitude de preservar a dignidade
humana) e o interpessoal (no sentido moderno de relação entre dois sujeitos dotados
de maior ou menos autonomia). O sentido de seu “tratamento moral” está em sua obra
La Philosophie de la Folie de 1791. Pinel, contudo, foi um sintetizador exemplar da
associação entre a filosofia médica e a medicina acadêmica, o que propiciou a extensa
difusão e influência do “tratamento moral” no mundo ocidental (STONE, 1999, p. 69-
70).

Tal ideário estava inserido nas ações de Pinel tanto como Diretor dos Asilos
de Bicêtre e Salpêtrière quanto como autor do Traité Médico-Philosophique sur
L’aliénation Mentale ou La Manie (1801). Além disso, havia dimensão política na
associação com os revolucionários franceses, permitindo uma extraordinária difusão
dos renovados conceitos pinelianos (ibid).

Os preceitos de Pinel para a organização dos espaços asilares foram


teoricamente absorvidos como instâncias basilares de um tratamento fincado em
preceitos morais do Iluminismo Europeu. Rouanet (1993, p. 151) afirma que uma das
características éticas da “ilustração” ou iluminismo repousava no “individualismo”: “A
ilustração foi violentamente individualista. O homem era visto como um átomo, como
uma mônada. Essas mônadas deveriam unir-se num contrato para constituírem a vida
social”. A busca pelos espaços individuais e disciplinadores era característica
precípua para o “tratamento moral”, organizado por Pinel:

Essa distribuição metódica tem ainda uma importante vantagem ao


estabelecer a ordem constante no serviço dos hospícios e concorrer para o
trabalho de restabelecimento dos alienados, uma vez que eles devem ser
divididos em grupos distintos e isolados para evitar aos convalescentes a
comunicação nociva e, por assim dizer, contagiosa, pelo espetáculo dos atos
de delírio e extravagância. As regras de vigilância e de policiamento interno
nesses hospícios devem concluir essas considerações e servir para
direcionar o tratamento médico, uma vez que essas regras não assegurem a
ordem constante e invariável. (PINEL, [1800] 2007, p.73-74).

Paralelamente a Pinel, nesse período na França, outro alienista ganha


grande dimensão social. Trata-se do médico austríaco Franz Anton Mesmer (1734-
1815) que, com suas curas baseadas na indução psíquica, mediante o “magnetismo
animal”, fez grande corrente de seguidores. A “mesmeromania”, termo criado pelo
65

escritor Stefan Zweig (1881-1942), serve bem para descrever o fascínio exercido por
Mesmer na sociedade francesa do último quarto do século XVIII (STONE, 1999;
ALEXANDER & SELESNICK, 1980).

Alexander & Selesnick (1980) afirmam que o movimento originalmente


europeu de humanização dos tratamentos do alienismo teve por base, na França, a
“filosofia da libertação”, na Alemanha, o “conceito da racionalidade” e, na Inglaterra, a
força motriz estava fincada na “reforma religiosa”.

Na Inglaterra, em 1788, por ocasião de uma “psicose depressiva” do Rei


George III, estabelece-se uma discussão acerca dos tratamentos mentais, se
efetivamente deveriam ater-se aos aspectos repressores, tanto biológicos ou químicos
quanto sociais, ou se deveriam agregar vertentes motivacionais ao tratamento. A
questão foi decidida por um consenso de moralistas religiosos, os quacres, liderados
por William Tuke (1732-1822): “Tuke admirava muito Pinel e seguia suas ideias,
criando para seus pacientes uma atmosfera impregnada de benevolência, conforto e
simpatia” (ibid, p.168).

O “tratamento moral” proposto por Philippe Pinel teve, dessa forma,


considerável aceitação na Inglaterra e nos Estados Unidos cujo processo reformatório
na atenção aos doentes mentais foi introduzido, respectivamente, por William Tuke,
um filantropo comerciante de especiarias e Benjamin Rush, um médico cirurgião e
clínico, signatário da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América
(1776). Não por acaso, tanto Tuke, na Grã-Bretanha quanto seu seguidor Rush, nos
Estados Unidos, são produtos da doutrina evangélica, fato que influenciou
decisivamente a adaptação do “tratamento moral”, organizado por Pinel na estratégia
de gestão e prática médica nos asilos e retiros destinados aos alienados mentais
nesses dois países (ALEXANDER & SELESNICK, 1980).

Porém, não estavam sozinhos com seus pensamentos protestantes


reformistas dos costumes tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos. Amariah
Brigham (1798-1849), também um administrador de um retiro para doentes mentais,
autor de Remarks on the Influence of Mental Cultivation upon Health (1832), faria um
apanhado de casos de morte violenta atribuídas ao “fanatismo religioso”, decorrente
66

dessa linha da qual Tuke e Rush foram precursores na associação entre alienismo e
protestantismo (STONE, 1999).

Nesse livro, Amariah Brigham cita a experiência de René Théophile


Hyacinthe Laennec (1781-1826), durante um trabalho de dez anos como médico em
uma instituição religiosa para mulheres. Segundo Brigham, os relatos de Laennec
fazem uma associação entre paixões deprimentes, severidade religiosa e mortes
precoces (BRIGHAM, 1832, p. 110).

Benjamin Rush, em seu tratado médico Medical Inquiries and Observations,


Upon the Diseases of the Mind (1812), reproduz um quadro estatístico das causas da
alienação mental, creditando-as mais a causas mentais (morais) do que a causas
orgânicas (corporais). Nesse sentido, ele cita Pinel, muito embora tenha tido formação
organicista através de William Cullen na Faculdade de Medicina de Edimburgo, na
Escócia, onde Cullen cunhou o termo nevrose para designar afecções do cérebro e
sistema nervoso (STONE, 1999).

Reiss (2008) destaca a influência de Wiliam Tuke, um fervoroso religioso


Quaker, nas ideias de Benjamin Rush, um médico com ascendência familiar
presbiteriana, quanto ao planejamento e adaptação dos hospitais, asilos e retiros para
o bom desenvolvimento do “tratamento moral” de Pinel:

Assim, as atividades culturais e sociais dos pacientes eram alimentadas ou


cuidadosamente monitoradas sob o olhar atento do superintendente do asilo.
O movimento ‘tratamento moral’ ganhou sistematicidade nos asilos do Século
XIX. (ibid, p.4).

Pessotti (1996) descreve as influências doutrinárias de Pinel no


entendimento e na condução clínica dos seus discípulos, nos aspectos relacionais
com pacientes alienados. André Marie Ferrus (1784-1861), um discípulo de Pinel na
doutrina, foi um contestador organicista quanto ao “tratamento moral”. Ele considerava
que o “tratamento moral” não passava de um “recurso terapêutico” auxiliar, sem
efetivas alterações curativas no cérebro. Por outro lado, Pessotti observa: “De seu
lado, Esquirol manteve e desenvolveu a doutrina e a terapêutica de Pinel, o que se
revela também na obra de seus discípulos mais importantes como, Leuret, Falret,
Georget e Moreau de Tours” (ibid, p.138).

Mesmo dentre estes, há importantes diferenças na atitude clínica de cada


um. François Leuret (1797-1851) teria sido o mais cético, quando propõe que a
67

alienação mental é independente de alterações orgânicas crânio-cerebrais, partindo


do pressuposto de que as autópsias nada revelaram de consistente quanto a uma
causa orgânica, o mesmo ocorrendo com os sentimentos que seriam indiferentes para
o tratamento, cabendo ao doente cumprir regras, exercitando, dessa forma, o
pensamento no sentido da cura (ibid).

Pierre Falret (1794-1870) foi um organicista inovador, ao considerar que o


pensamento seria um fenômeno regido pelo organicismo, porém com vertente
mentalista, quanto à necessidade de certa mudança na interação social para a cura.
Falret foi o criador dos termos alienado e alienista, tendo ressaltado a observação
minuciosa da “loucura”, tais como o modo de escrever dos pacientes, seu estilo e
sinais pessoais, como forma de captar as simbolizações e permitir a intervenção
terapêutica individualizada. Em outra visão, Jean Etienne Georget (1795-1828)
concordava com o fato de que o “tratamento moral” pudesse provocar alterações
cerebrais na direção da cura das alienações mentais (ibid).

Jacques Joseph Moreau de Tours (1804-1884) foi um importante e original


autor na medicna francesa do século XIX, postulando que haveria uma importante
ponte entre o sonho e realidade, entre os estados oníricos da intoxicação e a loucura.
Para ele “O sonho seria uma alucinação transitória do homem são. O louco é um
homem que ‘sonha acordado’; ele não vê a realidade” (ibid, p.139). A contribuição de
Moreau de Tours no entendimento da alienação mental se estenderia mais tarde ao
que viria a ser chamada de personalidade, permitindo uma ampliação da visão do
alienado, um alargamento no campo da terapêutica alienista.

Dunkel (1983) descreve a difusão e adaptação doutrinária do “tratamento


moral” nos Estados Unidos, na primeira metade do século XIX (1830 a 1855), a partir
da experiência de Pinel em Bicêtre (Paris/França) e das adaptações introduzidas por
William Tuke, um filantropo inglês, no Retiro de York (Inglaterra), para o “tratamento
humanizado” de doentes mentais, incluindo sofisticações como “serviços de
biblioteca”.

O processo expansionista da arquitetura organizacional pineliana inserida


no “tratamento moral” influenciaria a reforma nos cuidados aos doentes mentais nos
Estados Unidos, no decorrer do século XIX, com importantes inovações. Tais
inovações teriam caráter disciplinador, higienizador e de defesa de uma certa visão
de dignidade humana. Elas incluíam: asilos e retiros construídos em locais calmos,
68

aprazíveis e campestres, onde os pacientes pudessem ficar afastados do meio


urbano, dos maus tratos, das crueldades e das negligências sociais, dos isolamentos
familiares em sótãos e dos maus tratos sofridos em celas. Na nova norma terapêutica,
os doentes tinham acesso a “tarefas úteis”, a uma nova vida disciplinada e saudável,
aos serviços religiosos e a atividades recreativas, sendo também encorajados a
receber visitas (ibid.).

Grob (2009) conclui que os pacientes nas novas instituições norte-


americanas, no século XIX, eram estimulados a desenvolver meios próprios de
restrições, concomitantemente ao trabalho persuasivo de supervisores, no sentido da
mudança de comportamento e do reforço negativo à ociosidade. Juntamente ao labor
terapêutico, havia atividades recreativas e de relaxamento que incluíam palestras e
leitura.

Quanto à especificidade terapêutica nos espaços asilares, Dunkel (1983, p.


274-275) referencia um artigo histórico sem autor definido do American Journal of
Insanity, de 1847, intitulado The moral treatment of insanity. Nessa exposição é
indicado o “tratamento moral” para a “classe dos incuráveis”, mais responsivos aos
trabalhos manuais e, para a “classe dos curáveis”, atividades que envolvessem a
atenção com ampliação das faculdades mentais e morais. Os asilos deveriam ser bem
estruturados com livros, mapas e aparatos ilustrativos de diferentes ciências.

Aproximadamente em 1923, o médico psiquiatra alemão Emil Kraepelin


(1856-1926) publicou o livro Cem Anos de Psiquiatria. Nesse trabalho, Kraepelin
discorre sobre o “estado de choque” que permeou toda a Europa, durante o século
XVIII, quando os “lunáticos” eram encarcerados em “celas”. Para exemplificar os
tratamentos aplicados nesse período, Emil Kraepelin reproduz o pensamento de
Johann Christian Reil (1759-1813), em 1803, acerca da absoluta inadequação
arquitetônica do Asilo de Halle na Alemanha: “Nós trancamos essas criaturas
desafortunadas em ‘celas de lunáticos’, como se fossem criminosos” (REIL, 1803,
apud KRAEPELIN, 1923, p.10).

Ainda com relação às más condições asilares na Europa, é feito um relato


da citação de Esquirol, em 1818, em Paris. Nesse documento, ele escreve ao Ministro
69

do Interior francês, em que narra uma situação asilar muito semelhante àquela
encontrada na Alemanha no início do século XIX:

Eu vi pacientes nus, com apenas um pano ou absolutamente nada que os


protegessem do frio. Eu os vi privados de ar fresco para respirar, de água
para matar a sede, das necessidades básicas da vida. Eu vi os pacientes, se
encolherem para se proteger da agressividade dos ‘carcereiros’. Eu os vi
‘acorrentados’, em buracos apertados e úmidos, sem ar e sem luz [...] isso foi
o que quase sempre observei na França, e essa é a maneira como a ‘doença
mental’ é tratada em toda a Europa (KRAEPELIN, 1923, p.11)

No rol de descrições das condições asilares no primeiro quarto do século


XIX, Kraepelin referencia também o renomado tratadista e higienista alemão, Johann
Peter Frank (1745-1821). Em 1804, ele adjetiva um asilo em Viena, onde trabalhou
como médico sanitarista de 1795 a 1811 (Encyclopaedia Britânica): “verdadeiramente
assustador [...] ouvir gritos misturados de excitação e de desespero e depois pensar
que vieram de seres humanos, dotados de talento e sensibilidade” (FRANK, 1804,
apud KRAEPELIN, 1923, p.11).

Em relação às condições asilares na Alemanha, também em 1804, Emil


Kraepelin reproduz palavras de um autor chamado “Hoch”: “Em asilo de Berlim
aqueles que têm fortes ataques de loucura são isolados de acordo com a duração das
crises; eles ficam trancados nus em pequenas celas ou gaiolas, com comida e água
introduzidas por buraco” (HOCH, 1804, apud KRAEPELIN, 1923, p.11-12). Segundo
Kraepelin, Hoch defendia que os asilos deviam ser estabelecidos em lugares remotos
e isolados, de modo a criar um distanciamento entre a comunidade de “loucos”, dos
seus choros e uivos, e a comunidade de “homens sãos”, tal como orientava Pinel no
âmbito do “tratamento moral”, em relação às construções espaciais.

O olhar de Pinel vislumbrava a necessidade da adaptação espacial ao


contexto temporal da medicina alienística, que fundamentava sua base terapêutica na
crença de que o “tratamento moral” seria capaz de modificar biológica e psiquicamente
a doença mental que fora criada por um meio social desvirtuado da razão:

Sabe-se que as disposições do local são próprias a secundar os efeitos do


tratamento médico e os cuidados esclarecidos e paternais da vigilância. De
um lado, uma casa espaçosa e de distribuição diversificada, celas cômodas
e adequadas para isolar as diversas espécies de alienados, lugares
particulares para tomarem-se os banhos e as duchas, e um reservatório
mesmo de água fria para o que se chama de ‘banho surpresa’, um terreno
próprio ao cultivo de toda espécie de vegetais, lugares para passeios
70

particulares e um terraço muito elevado, onde se descortina um horizonte


imenso; e enfim, a proximidade do rio Marne (PINEL, [1800] 2007, p.243).

Nesse mister, Pinel advoga que hospícios planejados para o “tratamento


moral” apresentam estatísticas mais favoráveis de cura e menor taxa de mortalidade.
Para tanto, relaciona como exemplos de espaços melhor adequados à recepção do
“tratamento moral” o Hospício de Charenton, em Saint-Maurice, no subúrbio de Paris,
na França, e o Hospício de Bethlehem, em Londres, na Inglaterra, com resultados
terapêuticos melhores que o asilo de Bicêtre, em Paris, do qual era diretor.

Samuel Tuke fez uma descrição pormenorizada de todo o processo de


criação do Retiro de York, uma instituição familiar fundamentada na religião Quaker,
na sua obra Description of The Retreat, an Institution near York, for Insane Persons of
the Society of Friends (1813). Nesse livro, Samuel relaciona um modelo de espaço e
tempo terapêuticos influenciados por Philippe Pinel, quer seja na arquitetura asilar ou
no paralelismo temporal do “tratamento moral” entre França e Inglaterra.

O Retiro de York, criado por William Tuke e seus Irmãos Quakers, foi
planejado e construído para ser uma edificação voltada para o “tratamento moral”, ao
passo que os Asilos de Bicêtre e Salpêtrière foram adaptados por Pinel e seu gestor
escudeiro, Jean-Baptiste Pussin (1746-1811). Samuel Tuke descreve, portanto, os
processos iniciais do “Retiro de York”, evidenciando a presença médica desde o
princípio na instituição e o planejamento arquitetônico, que deveria acoplar-se à
segmentação, preconizado no “tratamento moral” de Philippe Pinel:

Um arquiteto e um construtor eminente em Londres, foram imediatamente


consultados projetando o edifício, e os seus planos e orçamentos foram
discutidos antes, em uma reunião, para avaliar os custos de acordo com os
fundos que eram ainda, despesas a serem constituídas. [...] Um médico,
residente e atuante na cidade, foi nomeado para a casa, embora não tenha
sido a pessoa indicada para o importante cargo de superintendente. [...] O
Retiro, definitivo, ficava a uma distância de cerca de um quilômetro do portão
leste da cidade de York. Situado em local muito agradável, estendendo-se,
ao sul, tanto quanto o olho pode alcançar, ao longo de uma arborizada e fértil
planície. (TUKE, 1813, p.41, 46).

O “tratamento moral”, com suas adaptações, diversidades e


distanciamentos entre teoria e prática, chegaria ao Brasil no início do século XIX,
carreando na figura de Pinel bem mais que um reformador da terapêutica mental. Ele
71

expressaria um modelo de médico revolucionário para uma medicina que caminhava


juntamente com o país e sua bandeira pela independência.

O “tratamento moral” de Pinel aporta no Brasil com todas as nuances de


adaptações espaciais, impregnações morais propriamente ditas, aproximações entre
o mentalismo hegemônico e o organicismo auxiliar. Além do mais, nas tentativas da
criação de laços relacionais entre médicos alienistas e pacientes, encontraria no Brasil
um ambiente de fertilidade para essas ideias. Ao mesmo tempo, havia extrema
dificuldade de aplicabilidade pela própria desorganização social e política do estado.
Outro empecilho dizia respeito a uma medicina acadêmica ainda primária em suas
resolutividades.

2.2 OS PRIMÓRDIOS DO ALIENISMO NO BRASIL OITOCENTISTA: O


PENSAMENTO LIBERAL, OS ALOJAMENTOS DOS ALIENADOS E A THESE DE
ANTONIO LUIZ DA SILVA PEIXOTO, COMO REPRODUÇÃO DO ALIENISMO
FRANCÊS, NO MEIO ACADÊMICO BRASILEIRO.

Holanda et al. (1976) descrevem no cenário intelectual brasileiro do início


do século XIX uma atmosfera que, embora em nação monárquica e escravocrata, de
alguma forma recebe as ideias do iluminismo e da Revolução Francesa, onde se nota
um ambiente já muito influenciado pelo pensamento francês talvez até mais do que
português, cabendo à França uma missão: “acordar, instruir e guiar as nações” (ibid,
p.179). A influência do pensamento francês era vigente também em Portugal, desde
o reinado de D. João V. Grande parte dessa influência luso-francesa era trazida aos
meios intelectuais por brasileiros que iam estudar em Coimbra, Portugal, e em Paris,
França.

José Bonifácio de Andrada e Silva constituía-se no melhor exemplo de


intelectual brasileiro sob as novas diretrizes da “Universidade Reformada” e da
“Ilustração”, reforçadas após os “agravos” aos jesuítas pelo Marquês de Pombal no
século XVIII, promovendo a ruptura do intelectualismo escolástico, aristotélico-
tomista, para outro ilustrativo acadêmico (ibid).

No Brasil, assim como em outras colônias europeias na América, grassava


o desejo de autonomia. A vinda da família real portuguesa, em 1808, para o Rio de
Janeiro e a abertura dos portos para nações estrangeiras responderam a esse ímpeto
72

pelo progresso vigente no país, com a fundação de escolas: de medicina, de marinha,


de guerra, do comércio, uma “Imprensa Régia”, uma livraria, um museu e um “Jardim
Botânico” (ibid).

Gomes (2007) descreve como turbulenta a transferência da sede do


império português para o Brasil com a consequente e difícil aculturação social e
política no traslado do núcleo de um poder ainda excessivamente centralizado na
figura do Rei, diferentemente de outros países da Europa, como a Holanda e a
Inglaterra, já com Parlamentos atuantes.

Alexandre Jose de Mello Moraes, em sua obra Corographia historica,


chronographica, genealogica, nobiliaria e politica do Imperio do Brasil (1860) relata
que os primórdios do ensino médico no Brasil foram institucionalizados por decretos
imperiais, criando em 1808 o Collegio Medico-Cirurgico da Bahia e, em 1810, o do Rio
de Janeiro. Apesar da ressalva de Mello Moraes de que essas duas instituições
funcionaram de modo precário nos seus primeiros anos de existência, o debate
médico já era suficiente para suscitar demandas por melhorias e motivar jovens
estudantes a buscarem o complemento da sua incipiente formação na Europa.

Nava (1948) relata que José Maria Bomtempo (1774 -1843) foi um
professor egresso de Portugal que veio para o Brasil quando da fundação da Escola
Médico-Cirúgica Fluminense. Ele foi lente de “química”, “matéria médica” e “farmácia”,
sendo autor de Compêndios de Medicina Prática de 1815, onde define como
referência teórica principal a sistemática clínica de Philippe Pinel, construindo,
portanto, uma conexão de entrada para a medicina francesa no Brasil. Dessa forma,
no primeiro quartel do século XIX no Brasil, a a incipiente ciência médica torna-se
muito dependente das ações do estado português implantado em terras brasileiras,
quando da criação dos Colégios de Cirurgiões.

Gomes (2010) referencia, porém, que o processo de Independência do


Brasil do Reino de Portugal, em 1822, tornou-se atribulado pela retomada
constitucionalista dos portugueses do seu próprio país, após os conflitos com França
e Inglaterra. A pressão dos liberais portugueses pelo retorno da família real a Portugal
faz inicialmente com que D. João VI eleve o Brasil à categoria de Reino Unido de
Portugal e Algarve, em 1815, e, posteriormente, deixa o caminho aberto para que o
73

filho D. Pedro I proclamasse a independência do Brasil, resistindo às forças liberais


lusitanas que tencionavam retornar o Brasil à condição de Colônia portuguesa.

Edler (2011), ao descrever a constituição acadêmica da medicina tropical


brasileira oitocentista, detalha que a formação do médico no primeiro quarto do século
XIX, em todo o ocidente e no Brasil, seguiu uma lógica externalista que vinculava os
ramos da medicina à clínica médica e à higiene.

A afirmação da cultura médica passaria a depender dos consensos


acadêmicos, somente a partir daí, possibilitando os diálogos médicos aceitos em
conjunto. As “crenças”, “valores” e “técnicas” médicas formariam uma “constelação
interiorizada” que necessitariam ser acordadas com preceitos gerais da “medicina
anatomoclínica e higienista”. Por esse caminho, o “eixo médico-paciente” se desvia
para o trilho associativo consensualizado (ibid).

Foucault (1980) determina o nascimento da medicina moderna nos últimos


anos do século XVIII. Essa medicina é essencialmente voltada para o olhar e,
consequentemente, tem um objetivo classificatório, agrupador de espécies de
doenças provenientes das categorizações naturalistas botânicas. Nesse sentido, os
aspectos relacionais entre médicos e pacientes ficam comprometidos diante da
necessidade de enquadramentos nosográficos acadêmicos, para que o médico sinta-
se autorizado a intervir. A Clínica nasce como anatomopatológica geral e como
medicina das epidemias.

Mesmo que as descrições clínicas de Pinel, um mentalista, sejam


consideradas superficiais em comparação, por exemplo, com as detalhistas
descrições de Marie François Xavier Bichat (1771-1802), um organicista, havia
convergência em um ponto: a tentativa de sequenciamento terapêutico após o ritual
diagnóstico. Dessa forma, os laços relacionais entre médico e paciente estavam
assegurados (ibid).

Bercherie (1980) enfatiza que, efetivamente, Pinel não foi um notável


clínico no sentido das descrições de sinais e sintomas e nem tampouco protagonista
quanto ao “tratamento moral”, antes uma criação de uma “época inteira” que instaurou
esse novo modelo humanista de tratamento, caso de Tuke, Vincenzo Chiaruggi
(1759–1820) e Daquin. O que diferenciou Pinel para se tornar o grande difusor do
“tratamento moral” para o mundo ocidental foi a sua singularidade como sintetizador
74

e clareza como comunicador da nova prática terapêutica que incluía até mesmo
“homens desprovidos do saber”, como Pussin, o “vigia de Bicêtre” (ibid, p.33).

Em janeiro de 1827, o médico francês, radicado no Brasil, já com o nome


abrasileirado de José Francisco Xavier Sigaud, funda na cidade do Rio de Janeiro o
jornal O Propagador das Siencias Medicas, ou Annaes de Medicina, Cirurgia, e
Pharmacia; Para o Imperio do Brasil. (SIGAUD,1827, p.6).

Xavier Sigaud, “redactor principal” do Propagador das Siencias Medicas,


no primeiro número da “Collecção Periodica”, escolhe como publicação principal a
tradução de uma Memória de Antoine Laurent Jessé Bayle (1799-1858) que versa
sobre a doença mental e intitula-se Sobre as Allucinações dos Sentidos. Nesse
trabalho, Bayle descreve as diversas formas de illusões ou allucinações dos sentidos,
definidas como falsas percepções que acometiam “alienados e pessoas que gozão de
toda sua rasão” e estratificadas quanto aos sentidos em: a vista, o ouvir, o tocar, o
olfato, o gosto e as sensações internas (ibid, p.9-10).

Na sequência da publicação da memoria de Bayle, Sigaud acrescenta


como comentários a seção “Observações” e, com referência à “therapeutica” utilizada
em diversas doenças, ele cita Pinel como importante referencial teórico no processo
evolutivo dos tratamentos medicamentosos com a defesa da manutenção da
utilização dos purgantes, relacionados na memoria de Bayle. Nessa análise crítica,
Sigaud relata que, muito embora os purgantes, como evacuantes ou revulsivos
estivesem em desuso para muitos autores que passaram a defender também a
exclusão das sangrias, a medicina ainda se devia ater aos preceitos clínicos de Pinel:

O nosso veneravel Pinel, ainda que solidista reforçado, fallava mui


philosophicamente de impurezas gastricas, de saburras biliosas, que
convinha expelir do tubo intestinal, e na minha noviça experiencia parecia-me
que meus mestres não deixavão de approvar que se usasse, com
discernimento em seus doentes destes agentes therapeuticos [...] huma
medicação, que se bazifique sobre o emprego dos purgantes evacuantes, he
logo taxada de reprovação por hum grande numero de Doutores mui
estimáveis, do mesmo modo que a prodigalidade de emissões sanguinêas
locaes (SIGAUD, 1827, p.51).

Ainda com referência à presença de Pinel como um norteador clínico dos


médicos com atuação no Brasil nas primeiras décadas do século XIX, Dr. Sigaud
descreve no mesmo jornal, também em 1827, um embate médico-ideológico com o
75

Dr. José Maria Bomtempo acerca do tratamento de um paciente com respaldo social.
Dirige-se, então, o Dr. Sigaud ao Dr. Bomtempo:

Não he por arte magica, como o Sr. diz em forma de pergunta, que eu fiz a
idéa dos seus princípios, mas sim pela leitura das suas obras de Medicina,
que não tem nada de magicas. Se o Sr. Bomtempo tivesse limitado o seu
trabalho à tradução da Nosographia de Pinel, ou ao seu tratado de materia
medica, que medico instruido ousaria repreendel-o? pelo contrario
relativamente a isto eu lhe testemunho huma resplandecente justiça; e ainda
que o Sr. tenha mutilado Pinel e sua Nosographia, estou convencido com tudo
que os fragmentos, que apresentou em sua tradução podem ser lidos com
fructo (O Propagador das Sciencias Medicas, 1827, p.266-267).

A sessão da SMRJ, realizada em 21 de Outubro de 1830, contou com a


presença dos Sócios Fundadores os Drs.: Luiz Vicente De-Simoni (1792-1881),
italiano, o francês Joseph François Xavier Sigaud e o brasileiro, José Martins da Cruz
Jobim (1802-1878), juntamente com outro médico brasileiro Joaquim Cândido Soares
de Meireles (1797-1868), e com o médico francês Jean Maurice Faivre (1795-1858),
todos com atuação na Corte Imperial do Brasil.

Nesse encontro foi lançada pelo Dr. Xavier Sigaud o plano de um novo
jornal médico, Semanário de Saúde Pública (SSP), que viria a ser o divulgador das
atividades da entidade, sempre aos sábados, com as seguintes sessões: Boletim da
Sociedade, Boletim Universal das Ciências Médicas e Correspondências Particulares
(FERREIRA, 2004).

O “tratamento moral” de Pinel e seu corolário de regras viriam a ser


recepcionados na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro logo na sua primeira
turma de formandos em 1837. Dr. Antonio Luiz da Silva Peixoto, na sua these
Considerações Geraes Sobre a Alienação Mental, faz uma compilação de textos
traduzidos do alinenismo francês de Foville e Esquirol de forma plagiada, além de
periféricas observações clínicas da Enfermaria dos Alienados na Santa Casa de
Misericordia, Hospital Escola, com críticas difusas acerca do distanciamento prático
na aplicabilidade do tratamento pineliano.

A these de Peixoto situa inicialmente a terapêutica do alienismo em um


contexto compatível com a atitude clínica de Pinel que procurava abranger diferentes
correntes de causalidade e a amplitude no uso dos recursos do tratamento:

O tratamento da alienação mental, assim como o das outras moléstias, tem


sofrido todas as vicissitudes das theorias medicas. Os antigos fazião-no
76

consistir no uso do elléboro. Aquelles que consideravão como causa da


loucura o transporte de sangue ao cérebro, usavão prodigamente das
sangrias. Os humoristas, julgando a bílis e atrabilis fonte dos desarranjos
intellectuaes, lançarão mão exclusivamente dos evacuantes (PEIXOTO,
1837, p.27).

A relevância clínica terapêutica na these de Peixoto é direcionada para o


“tratamento moral” de Pinel, que havia sido avalizado e endossado na sua efetividade
pelo discípulo e seguidor pineliano, o alienista francês Jean-Étienne Dominique
Esquirol. A doutrina ao “tratamento moral” é explicitada como sendo superior às outras
formas de tratamento, quer sejam químicas, físicas ou biológicas.

Antonio Peixoto, que se define como um discípulo de Esquirol, reproduz no


seu trabalho a clássica divisão entre mentalismo e organicismo, observada desde o
princípio na clínica alienista francesa, para referenciar as duas correntes no
tratamento das doenças mentais:

Para curar a alienação mental, o medico põe em pratica dous meios de


tratamento: hum consiste em obrar directamente sobre o cérebro, isto he,
modificar o órgão pelo exercício mesmo de suas funcções; he este tratamento
chamado intellectual ou moral: o outro obra indirectamente, e he fornecido
pela therapeutica, he este o tratamento physico ou medico propriamente dito
(ibid, p. 28).

Essa dissertação expõe o “tratamento moral” na sua amplitude social e


humanística, ao passo em que desfere críticas às condutas junto aos pacientes da
Santa Casa de Misericordia em linguagem coloquial, evidenciando notório contraste
com as descrições compiladas dos autores franceses:

O bárbaro costume de castigar os doudos e carregal-os de cadêas. [...] se


acha proscripto nos paizes em que mais se tem adiantado o estudo da
alienação mental; He depois que Mr. Pinel elevou a voz a favor desses
infelizes, que tão inhumano modo de tratamento vai sendo abandonado; e
hoje a experiência mostra que a doçura he mais poderosa que os ferros e
azorrague. No hospital da Misericordia, desgraçadamente ainda segue-se
este bárbaro modo de tratamento; talvez que não faltássemos a verdade se
disséssemos ser este, quase exclusivamente, o que ali (‘casa dos doudos’)
enfermeiros ignorantes empregão nos alienados, frustrando quiçá as
determinações dos professores encarregados do seu tratamento (ibid, p. 28)

No Brasil, a these de Antonio Peixoto advoga o isolamento como um


importante núcleo do tratamento pineliano-esquiroliano, sem mencionar alguma forma
77

de ordenação, mesmo caótica, desse recurso no âmbito da Santa Casa de


Misericordia:

Muitas vezes a causa da molestia existe no seio da familia; ella tira a sua
origem das dissensões e desgostos domesticos, e por isso, a presença dos
parentes e amigos, estando em relação com as causas que a provocárão,
irritão o mal e entretêem o delirio por mais tempo [...] Nos seus momentos em
que elles se acharem menos agitados, podem reflectir nas extravagancias
dos seus companheiros, e d’ahi tirar meios proveitosos para curar-se de seus
erros. Sobre este ponto, alguns autores insistem ainda contra o isolamento
[...] Mas outros muitos, e entre elles Mr. Esquirol, a quem não se póde negar
muitos conhecimentos e pratica na cura destas molestias, diz que tem colhido
vantagem com este systema. (ibid, p.30).

No sentido de tornar o isolamento efetivo terapeuticamente, a these


defende imperiosamente que as instituições devem prover ao paciente “conforto,
vigilância e aceio”. Para tanto, relata uma pálida e isolada experiência em instituição
privada na cidade do Rio de Janeiro:

O meu digno pratico, o Sr. Dr. Cardozo, quando estabeleceu nesta côrte hum
hospital particular, tambem recebia doentes affectados da loucura, e este
pratico tinha um jardim bem plantado que servia de recreio aos Alienados, do
que colhia vantagens. He para lastimar que o Sr. Dr. Cardozo se visse na
impossibilidade de continuar a manter o seu estabelecimento, que alguns
bens promettia, talvez por não encontrar outros companheiros que com elle
quizessem encarregar-se de huma tão ardua tarefa, qual he a da drecção de
hum hospital (ibid, p. 31)

A these de Peixoto reitera quanto ao “tratamento moral” como fatores


causais para as doenças mentais as desordens do pensamento que, segundo o
ordenamento terapêutico de Pinel, seriam passíveis de cura pela repetição
moralizante:

No tratamento moral, reduzem-se a tres principios todas as modificações que


convém fazer apparecer no exercicio da intelligencia dos insensatos: 1º, não
excitar as idéas ou paixões dos doentes no sentido do seu delirio; 2º, não
combater directamente suas idéas e opiniões erroneas, pelo racioccinio,
contradicção, gracejo ou gritaria; 3º, procurar fixar sua attenção sobre
objectos estranhos ao delirio, e communicar a seu espirito idéas e affectos
novos por impressões diversas (ibid, p. 32)

Esse trabalho reproduz quanto ao “tratamento moral” o detalhamento das


ações preventivas às recaídas das doenças mentais, justificando-as como importantes
78

nas fases posteriores às internações no sentido da recuperação moral dos indivíduos


acometidos em seu ambiente sociofamiliar:

Huma parte importante do tratamento moral consiste em prevenir as


recahidas, ou seja durante a convalescencia ou seja depois da cura, quando
os doentes são novamente restituidos á sociedade. Elles, logo que se curão,
recordão-se da posição em que se achárão, das causas que os privarão da
rasão, das inquietações e desgostos que causárão ás suas familias, da perda
da sua fortuna, etc (ibid, p. 33)

Na these apresentada por esse formando, são relacionados como


tratamento preventivo os “meios hygienicos”, correlacionando-os em “regimen
alimentar, vestuário, habitação, cuidados da limpeza, aos exercicios, distracção e
clima” (ibid, p. 33). Há sempre nas descrições da these de Antonio Luiz da Silva
Peixoto uma preocupação com as individualizações das ações do tratamento médico
das alienações. Tem-se, portanto, para alienados agitados a recomendação de
“alimentos de fácil digestão” ou “privação alimentar”, conforme a necessidade de
manutenção de vias excretoras livres e monitoramento na intensidade da agitação.
Quanto ao “vestuário”, o uso de roupas quentes para melancólicos, de modo a
favorecer a transpiração e “habitação secca”, onde haja calor e circulação de ar. Os
exercícios físicos são elencados como importantes: “elles não só servem a distrahir o
delirio dos alienados, mas ainda a transpiração, que tantas vezes concorre para sua
cura” (ibid, p.34).

Quanto aos “cuidados da limpeza”, referendam-se tanto os cuidados com


a limpeza externa quanto os cuidados pessoais dos doentes. Quando se refere ao
lazer como instrumento preventivo às recaídas nas alienações mentais, Peixoto faz a
advertência, em conformidade com Esquirol que, embora não haja dúvida do benefício
dos “meios de distracção” como eficientes, eles são contraindicados nos casos em
que “exaltão a imaginação e as paixões” e conclui: “Mr. Esquirol diz não ter colhido
vantagens com o emprego da música [...] os espectaculos, em geral, não podem
convir aos alienados” (ibid, p. 34-35). Finalizando, a these de Antonio Peixoto ressalta
as vantagens de “mudança de clima”, principalmente para “alienações intermittentes”,
citando: “ellas não só offerecem objectos de distracção aos doentes, mas ainda,
79

deixando elles de estar em contacto com a causa que produzira a loucura, podem com
mais facilidade recobrar a rasão” (ibid, p. 35).

A these retrata o escopo da clínica alienística de Esquirol, já mais


intervencionista que a de Pinel, no sentido de que sempre haja intervenção médica no
curso das alienações mentais, ressaltando a medicina expectante como favorável,
sobretudo para casos refratários aos meios de tratamentos usuais, porém, mesmo
para esses casos, referencia que se devem variar de métodos e nunca “abandonar o
organismo ás suas proprias forças” (ibid, 35), sob pena de a “marcha natural da
molestia, em resultado, ter huma terminação funesta” (ibid, 36). Desse modo, relata a
advertência esquiroliana quanto à importância da intervenção médica:

Seguindo-se esta pratica, póde acontecer que hum acesso de mania, por
exemplo, ou de melancolia aguda, que cederia promptamente a hum
tratamento ativo, degenera em hum estado de demencia incuravel. Não
dissimularemos, entretanto, que, no estado actual da sciencia, o medico
encontra muitas vezes casos de alienação sem indicações therapeuticas bem
precisas, que o levão, ou a nada fazer, ou a lançar mão ás apalpadellas de
alguns meios reputados como especiaes d’esta molestia (ibid, p. 36).

Bercherie (1989) relata adjetivamente que as descrições clínicas de


Esquirol são “muito mais” completas que as de Pinel, além de embasadas na “escola
espiritualista eclética”. Para Foucault (1980), a evolução dos tratamentos médicos
sustentava-se nos avanços da medicina geral que englobava e arrastava a medicina
mental.

Em relação à “therapeutica” praticada no Brasil, em 1837, a these de


Peixoto faz alusão a certa psicofarmacoterapia e aos tramentos físicos empregados
no Hospital de Misericórdia, o qual funcionava como um Hospital Escola da Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro, sob a responsabilidade do “Sr. Dr. De Simoni”, médico
da Enfermaria dos Alienados desse hospital da Corte Imperial.

Relativamente aos tratamentos do alienismo no âmbito da “therapeutica


medica” em uso corrente na França, a these de Antonio Peixoto de 1837 faria em
tentativa comparativa “hum resumo do que o Sr. Dr. de Simoni, médico da Enfermaria
dos Alienados do hospital da Misericordia desta Côrte, tem posto em pratica com mais
vantagem” (ibid, p. 36):

As sangrias têem sido reprovadas por alguns médicos, Mr. Pinel as julga
prejuduciaes no maior numero de casos [...] Mr. Esquirol diz que vio a loucura
80

augmentar depois de regras abundantes, e de huma, duas ou mais sangrias.


Entretanto, este autor não proscreve o emprego deste meio, julga-o mesmo
indispensável nos alienados plethoricos, e ameaçados de congestões
cerebrais. [...] nos casos de excitação e congestão cerebral, as emissões
sanguineas devem se combinar com applicações refrigerantes sobre a
cabeça e com a acção de agentes revulsivos, devem-se preferir as sangrias
locaes ás geraes. [...] as sangrias locaes, feitas com prudência, offerecem a
vantagem de poder ser repetidas por muitas vezes sem inconvenientes,
mesmo nos indivíduos fracos (ibid, 36).

Com referência à água e aos banhos, a these de Antonio Peixoto repassa


referências do seu emprego como uso externo e interno de relevante auxílio como
terapias associadas aos fármacos e com indicações seletivas quanto aos estados
clínicos dos alienados :

A água tem sido empregada de todos os modos, em banhos tépidos, frios e


semibanhos, em pedeluvios, em embrocações, bebidas e clysteres. Os de
surpresa e immersão, tão preconisados pelos antigos, hoje estão proscriptos,
os tépidos são os que mais geralmente se empregão. [...] Em geral, os
alienados têem muita sede, he mister não os privar dos meios de a saciar.
Alguns autores aconselhão o uso da agua pura bebida abundantemente para
combater a inclinação ao suicídio; parece-nos que este meio só não poderia
bastar para curar esta damnosa inclinação. (ibid, p. 36-37).

Na these de Antonio Peixoto há referências ao uso ainda mantido na


“therapeutica” de vomitivos evacuantes para o tratamento da “loucura”. Vomitivos são
tidos como medicamentos de ação geral e rápida para as alienopatias. Por sua vez,
os evacuantes, subdivididos em categorias clinicamente definidas, são medicamentos
de ação mais progressiva, portanto, menos afeitos aos controles das crises de
agitação ou catatonia:

Os autores modernos aconselhão os vomitivos; elles convém em algumas


melancolias com estupor, e aos indivíduos cuja sensibilidade se acha
imbotada e que parecem atacados de atonia: mas, deve-se evitar o seu uso
quando ha plethora cerebral. Os purgativos são aconselhados no maior
numero de casos por todos os médicos; a sua escolha, porém, não he
indifferente: deve-se preferir humas vezes os drásticos, outras os vermífugos,
e outras os ecoproticos. [...] Os mais commummente empregados são, o
elléboro, a gomma gutta, a bryonia, o aloés, o muriato de mercúrio, o tartarato
antimoniado de potassa e as aguas mineraes purgativas: está na pericia do
medico lançar mão delles segundo as circunstancias (ibid, 37).

Com relação aos agentes terapêuticos especificamente tentados como


psicotrópicos propriamente ditos, a these do médico brasileiro revela a parca
81

disponibilidade do arsenal medicamentoso disponível à época no Brasil. Esse trabalho


salienta a necessidade da individualização terapêutica e destaca o início do uso
corrente do ópio ainda classificado como medicamento heroico e, nesse sentido, uma
opção secundária ao regime nutricional e à ocupação laboral:

A canfora, digitalis, quina, o musgo, ferro, antimônio, e o mercúrio têem sido


propostos como específicos para combater a loucura. Estes medicamentos
são uteis, mas sua utilidade he individual [...] applical-os a todos os alienados,
seria prejudicial. [...] O ópio tem sido aconselhado como hum remédio heroico
por alguns autores de credito; todavia Mr. Esquirol assegura que os
narcóticos são mais nocivos que uteis, muito principalmente se ha plethora
sanguinea, e congestão para a cabeça. Se o ópio administra-se aos alienados
para obstar á imsomnia que elles sofrem, em tal caso he mais prudente
empregar o regimem, trabalho exercícios que não acarretão perigo algum, do
que fazer uso de hum medicamento que a pratica diária confirma ser
prejudicial aos alienados (ibid, 37-38).

A dissertação de Antonio Peixoto alude muito sucintamente aos


tratamentos physicos, classificando-os como menos empregados, excluindo qualquer
explicitação aos tratamentos biológicos com as sanguessugas, em uso corrente na
Enfermaria dos Alienados:

Os sedenhos, moxas, cautério actual, visicatorios, ventosas e fricções


irritantes têem sido empregados: o seu uso deve estar em relação com as
circunstancias individuaes. O visicatorio, ventosas e as applicações irritantes,
são proveitosas quando ha hum metástase; na loucura, em consequencia de
partos; e na demência quando não ha complicação de paralysia ou
convulsões. Tem-se proposto involver a cabeça de emplastros epispasticos,
e outras composições irritantes: deve-se convir que estes meios não são
sempre proveitosos, pois que augmentão o eretismo, atormentão os doentes,
irritão-os, e os fazem persuadir que isso se pratica por supplicio. (ibid, 38).

Antonio Peixoto apresenta sua these perante a sociedade médica da


província do Rio de Janeiro como um libelo transformador de padrões e costumes,
demarcando em oposição às praticas médicas adotadas pelo “Sr. Dr. De Simoni”, na
Enfermaria dos Alienados da Santa Casa de Misericordia:

O Sr. Dr. de Simoni communicou-nos, que as circunstancias do local da casa


dos doudos no hospital da Misericordia desta Côrte, não offerecem os
commodos necessários, antes são as mais contrarias ao tratamento, quer
moral, quer physico; todavia que ellas são menos adversas a este do que a
aquelle, que quase de nenhum modo pode applicar-se. O tratamento physico
geralmente empregado pelo Sr. Dr. de Simoni, he o antiphlogistigo directo
ou indirecto. Consiste este nas sangrias geraes do pé e do braço; locaes do
82

anus, períneo, epigástrio, nuca, apophyses mastoideas, pôr bixas ou


ventosas, associadas ao uso repetido e prolongado de laxantes eccoproticos,
e as vezes catharticos; revulsivos, epispasticos ás extremidades inferiores e
á nuca. (ibid, p.39-40).

A these de Antonio Peixoto traduz-se em “manifesto panfletário”,


identificador fragmentário do novo grupamento médico acadêmico de recém-formados
no Brasil, ao criticar o “methodo espectante”, sinônimo do atraso terapêutico como
sendo a forma de tratamento prioritária no serviço do Dr. De Simoni no Hospital da
Misericórdia. A descrição atribuída por Peixoto ao Dr. De Simoni para delinear os
estados de delirio é imprecisa e não conclusiva:

O Sr. Dr. de Simoni diz que usa de hum methodo espectante, tendo conhecido
pela experiência que o tempo he o melhor modificador das vesanias, e que
elle por si só cura muitas sem auxilio da therapeutica. Quando o delírio se
exacerba pelo tratamento antiphlogistico, não insiste nelle: em muitos casos
usa das embrocações de água fria e dos banhos de mar com successo. [...]
A camisola de força, prisões em quarto fechado, a do pé no tronco [...] a
diminuição da comida são os meios repressivos de que pode fazer uso.
Quanto ao moral, o Sr. Dr. de Simoni diz que procura conversar com elles,
interrompel-os com perguntas destacadas e alheas do objecto do seu delírio
[...] procura sempre fazer-lhes crer que pratica isto obrigado por huma
autoridade superior (ibid, p.40).

Antonio Peixoto pontua sua these como um relato opositor aos métodos de
tratamento do alienismo conduzidos na Santa Casa de Misericordia, elegendo o Dr.
De Simoni como artífice maior dos desmandos e ineficiências dos tratamentos dos
pacientes alienados:

Não podemos concordar com o meio de repressão adoptado pelo Sr. Dr. de
Simoni em fazer metter os doudos no tronco: além de importar isso a
exasperal-os mais, tem ainda o incoveniente de fazel-os perder o estimulo:
nem se diga que elles não estão em estado de poder avaliar os actos de
degradação que com elles se pratica, porque, apesar do desarranjo de suas
faculdades intellectuaes, elles têem a consciência de si e do que os cerca.
Sabemos que he talvez a lei da necessidade que leva o Sr. Dr. de Simoni a
usar de semelhante meio, por isso que o estabelecimento não offerece
proporções algumas para pôr em pratica outros mais dóceis e racionaes (ibid,
p.40).

Paim (1975) ressalta o trabalho de Antonio Peixoto em sintonia com o


alienismo francês da época e, destacando a peculiaridade da análise crítica dos
métodos terapêuticos então empregados no alienismo brasileiro. Até então a these de
83

Peixoto era considerada um trabalho original e qualificada como um trabalho


“atualizado sobre tudo o que se havia publicado na França [...] No ‘Tratado médico-
filosófico da alienação mental’, de Pinel, nos estudos clínicos de Esquirol e, do ponto
de vista filosófico em Cabanis (1757-1808)” (ibid, p. 13-14).

A these de Antonio Peixoto ganhou dimensão e crítica no meio médico


acadêmico do Rio de Janeiro, Corte Imperial do Brasil, com artigo do Dr. Luiz Vicente
De-Simoni (1792-1881), apresentado à AIM e, posteriormente, publicado na Revista
Medica Fluminense, em 1839. O então médico da Enfermaria dos Alienados na Santa
Casa de Misericordia não só repete as denúncias de Peixoto sobre péssimas
condições de tratamento dos pacientes, mas também as amplia em minuciosa
descrição da lúgubre arquitetura do local, mencionando a grande dificuldade de
acesso, em virtude dos labirintos a serem percorridos pelos médicos às “salas dos
alienados”, descritas como cubículos com doentes amontoados, corriqueiramente
despidos e alguns, mais agitados, acorrentados ao “tronco”, símbolo maior da
incapacidade terapêutica dos alienistas brasileiros desse período (REVISTA MEDICA
FLUMINENSE, 1839).

De Simoni rechaça as críticas que Antonio Peixoto lhe fizera quando da


publicação de sua these, dois anos antes. Embora não discorde dos conteúdos
dessas denúncias acerca da absoluta impossibilidade da aplicação de tratamentos
dóceis e racionaes, reitera que denúncias nesse sentido já haviam sido feitas pela
“Comissão de Salubridade” da SMRJ em 1830:

Em novembro de 1837 o Sr. ‘Dr. Antonio Luiz da Silva Peixoto’, na sua these
inaugural, sustentada perante a Faculdade de Medicina desta Corte,
censurou tambein muito o uso do tronco na Santa Casa, expressando-se de
hum modo que parece imputar á nossa vontade a adopção desse meio de
repressão, ainda que diga que ‘talvez’ a isto eramos levado pela lei da
necessidade, por isso que o estabelecimento não offerecia proporções
algumas para pôr em pratica outros mais doceis e racionaes. [...] contra o uso
desse meio tão condemnável; mas que a pesar dos nossos clamores, e da
publicação dos da Comissão da Sociedade de Medicina no ‘semanário de
saúde pública’, apesar da tese do Sr. Silva Peixoto, o uso do tronco tem
continuado na Santa Casa nas enfermarias dos alienados (ibid, p.248-249).
84

De Simoni explicita nesse relatório a absoluta inadequação dos aposentos


para os alienados mentais no Hospital da Misericordia. Ele faz minuciosa descrição
dos espaços do alienismo na incipiente medicina mental no Brasil, na década de 1830:

A repartição dos homens consiste em hum andar térreo do pequeno braço do


hospital. [...] No andar superior há huma enfermaria, que, durante o anno
lectivo da escola medica, serve para clinica interna, e no tempo das ferias
torna a fazer parte da repartição de medicina do hospital. Os alienados ficão
assim separados dos doentes do hospital somente por hum assoalho de
taboas sem forro; e facil he ver-se quando a bulha daquelles deve ser
prejudicial a estes, bem como quanto as pizadas dos estudantes, serventes,
e outras pessoas que andão por cima devem ser incommodas aos alienados,
que ficão em baixo, e perturbar muitas vezes o silencio tão necessario para
elles. (ibid, ed.6, p.5-6).

Heise (2007) descreve que Luis Vicente De Simoni nasceu em Novi


(Gênova), em 24 de setembro de 1792, formando-se em medicina pela Universidade
de Gênova, havendo chegado ao Rio de Janeiro no ano de 1817. De Simoni foi um
médico do império brasileiro com relevante atuação também junto às letras e sua
erudição se exemplifica na primeira tradução do poeta italiano Dante Alighieri (1265-
1321).

Antonio Peixoto, um recém-formado, ignorou em sua these a consistente


formação médica do Dr. De Simoni em atuação no Brasil desde 1817, quando se
empregou durante dois anos como médico-ajudante do Hospital da Misericórdia. Pelo
reconhecimenro real, De Simoni, em 1819, é nomeado Físico-mor da capitania de
Moçambique em importante missão a serviço da Monarquia Portuguesa. Dessa
viagem, ele compôs o Tratado Medico Sobre Clima e Enfermidades de Moçambique
(RODRIGUES, 2005).

De Simoni era um vitalista, e, como tal, acreditava que medicamentos e


alimentos sofriam ação orgânica de um princípio vital, somente passando a ter
influência na dinâmica metabólica individual de cada ser. As ações entre órgãos
induzidos por essa força vital eram regidas por simpatia, porém afirmava também que
as condições sociais eram fatores que modificavam essa sinergia entre os órgãos. A
saúde ou a doença seriam consequências do equilíbrio de forças entre o vitalismo dos
organismos e as condições externas (clima, alimentação, temperamentos raciais,
graus de salubridade/insalubridade ambiental). Essas forças poderiam suplantar as
85

barreiras vitais, individualizadas, e ocasionar a doença por uma “alteração nas


moléculas” produzidas pelos órgãos, sem a ação preponderante da força vital (ibid).

2.3 O “HOSPICIO PEDRO II”: A “PEDRA ANGULAR” PARA OS TRATAMENTOS


DO ALIENISMO BRASILEIRO NO SÉCULO XIX

Juliano Moreira (1873-1932), em 1905, descreve que o tratamento dos


alienados em todo o período colonial brasileiro era definido conforme as “posses” dos
doentes. Ele assim hierarquizou todo esse processo com contextualização
externalista com crítica indireta ao tratamento jesuítico:

Os abastados, se relativamente tranquilos, eram tratados em domicílio e, às


vezes, enviados para a Europa. [...] Se agitados, punham-nos em algum
cômodo separado, soltos ou amarrados, conforme a intensidade da agitação.
Os mentecaptos pobres tranquilos vagueavam pelas cidades, aldeias ou pelo
campo entregues às chufas da garotada, mal nutridos pela caridade pública.
Os agitados eram recolhidos às cadeias onde barbaramente amarrados e
piormente alimentados muitos faleceram mais ou menos rapidamente. A
terapêutica de então era de sangrias e sedenhos, quando não de exorcismos
católicos ou fetichistas. Excusado é dizer que os curandeiros e ervanários
tinham também suas beberagens mais ou menos desagradáveis com que
prometiam sarar os enfermos (MOREIRA, 1905, p.730).

Leme Lopes (1965) atribui em relação ao desembarque no Brasil do


“tratamento moral” um misto de influência da filosofia das luzes e da medicina do
romantismo que chega com certo atraso. Entretanto Leme Lopes, em termos gerais,
não diferencia de forma significativa a situação promíscua do “louco” tanto no Brasil
quanto no restante do mundo ocidental, em países já em franco desenvolvimento
capitalista no século XIX:

Os loucos, propriamente ditos, eram colocados nas cadeias, com


vagabundos, criminosos ou indiciados. Essa promiscuidade de nenhum modo
foi privativa da Colônia, do Vice-Reinado ou do Primeiro Império. Era
universal. Contra ela é que se gravou o artigo 24 da Lei Francesa de 1838,
que foi e continua a ser a matriz de toda a legislação sobre alienados. Na
Regência a situação nesta cidade, quanto ao cuidado e assistência aos
doentes mentais, não era das melhores (LOPES, 1965, p.1).

Leme Lopes não atribui a decisão da monarquia brasileira pela criação do


Hospicio Pedro II como resposta a qualquer ato político ou social de cunho liberal.
Mesmo se tratando de um período de regência sem a presença de um Imperador com
86

uma forte imagem. O imperador Dom Pedro II (1825-1891) era ainda um adolescente,
quando da opção imperial pelo asilo:

No Brasil e no Rio de Janeiro foi esse movimento renovador e caritativo que


levou o Conselho do Império a sugerir, entre outras medidas, que
celebrizassem a maioridade do Imperador e a construção do Hospício Pedro
II. Não se pode incluir nessa decisão, como querem alguns intérpretes da
história da psiquiatria, como índice de uma intolerância da sociedade, em
transformação pela revolução industrial, em face do alienado. [...] O Hospício
nasceu do coração. [...] A iniciativa é governamental em sua origem, emana
da Coroa e deverá permanecer. [...] sua anexação ao ‘Hospital da Santa Casa
de Misericórdia desta Corte’ (ANEXO 4) (ibid, p.1-2).

Essa incômoda situação social era motivo de manifestações frequentes dos


membros da SMRJ no decorrer da década de 1830. Oda & Dalgalarrondo (2005)
transcrevem referência do médico francês Joseph-François-Xavier Sigaud, acerca dos
problemas causados pelo livre transitar de vários “tipos humanos bizarros e
amalucados” pelas ruas do Rio de Janeiro, em 1835:

E quantos idiotas, velhas enfermas e imbecis, não tereis visto de tempos a


tempos nos lugares populosos, nos arrabaldes, nos estabelecimentos
públicos e nas igrejas? Nós não tratamos aqui dos mendigos, dos leprosos,
nem dos bêbados; só lembramos a classe desgraçada dos loucos (SIGAUD
[1835] apud ODA & DALGALARRONDO, 2005, p.984).

Juliano Moreira, em 1905, sobre a criação do Hospicio Pedro II, realça a


necessidade do tratamento humanizado como condição permanente em todo o
processo, desde as discussões médicas até a intervenção essencial do Provedor da
Santa Casa de Misericordia, o jurista José Clemente Pereira:

Seja dito para honra da classe médica que Jobim e De Simoni sempre
protestaram contra tão tremendo estado de coisas. Provedor que os ouvisse
só houve, porém, José Clemente que, em 1839, em seu relatório à mesa da
Santa Casa, afirmou a urgência de serem atendidas as reclamações dos
homens de ciência que eram as da humanidade. No relatório do ano seguinte,
apresentado a 26 de julho, dizia José Clemente: ‘Não sei que espírito de
providência me inspira: a chácara do vigário geral há de um dia converter-se
em hospício de alienados’ (MOREIRA [1905], 2011, p. 731-732).

Juliano Moreira transcreve o ofício do Provedor da Santa Casa de


Misericordia (ANEXO 4), dirigido ao então Ministro do Império, com vasta justificativa
no sentido da adequação asilar aos enfermos psiquiátricos. Em relação à resposta, o
contraofício de “S. M. o Imperador Pedro II”, três dias após o ofício do Provedor
87

(ANEXO 5), marca a adesão política do monarca brasileiro. Esse fato deu respaldo a
todas as subscrições quer sejam dos ministérios imperiais ou da sociedade civil do
Rio de Janeiro (ibid).

Dowbiggin (1991) descreve que a apropriação dos espaços asilares pelos


médicos alienistas franceses ao longo do século XIX, sobretudo na sua primeira
metade, nada teve de pacífica. O alienismo francês teve quase sempre a oposição do
clero e das instâncias jurídicas que se colocavam como porta-vozes de uma opinião
pública ainda severamente crítica e incrédula tanto com os diagnósticos mentais que
tendiam, evolutivamente, para um sítio cerebral da loucura quanto com as
terapêuticas médicas que objetivavam a substituição das abordagens religiosas,
eminentemente católicas, na resolução dos transtornos mentais supostamente
espirituais para essas forças sociais.

Nesse sentido, nem mesmo a lei de 1838 que matriciou todo o arcabouço
de proteção e tratamento aos doentes mentais no ocidente foi suficiente para impedir
a criação de ordens religiosas voltadas para a inserção nos asilos e,
consequentemente, para o desenvolvimento assistencial nos cuidados de
enfermagem pelas irmãs de caridade católicas (ibid).

Santo et al. (2011) relatam que desde a sua criação, o Hospício de Pedro
II contou tanto na parte administrativa quanto no setor assistencial com o concurso
das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo. Esse processo só viria a alterar-se
no início do período republicano, com as influências positivistas anticlericais no
sentido da separação entre Estado e Igreja e, de modo consequente, com a
“laicização das instituições”.

Em contraposição à essa associação conflituosa observada na


estruturação dos espaços do alienismo e, consequentemente, no desenvolvimento
das terapias tanto na França quanto no Brasil, processo oposto ocorre na Inglaterra,
Estados Unidos e Canadá, ao longo do século XIX.

Shortt (2010) relaciona a absorção e adequação do “tratamento moral” no


Retiro de York no Reino Unido, de modo simpático pelos protestantes Quakers que
admitiram a partir da sua crença uma aliança com médicos alienistas, o que resultou
88

em uma profícua composição entre administradores e médicos assistentes na


amplitude do tratamento dos doentes mentais.

A tradução para a língua inglesa do Tratado de Pinel, feita pelo próprio


autor, e a favorável recepção e aplicação da obra pela família Tuke no Retiro de York
é prova da popularidade e prestígio do “tratamento moral” em território britânico (ibid).

A partir de 1815, muito embora o trabalho da Comissão de Seleção de


Manicômios tenha sustentado proposta organicista pela suposta inabilitação técnica
dos leigos religiosos, tal como ocorreu no Asilo de Bethlem sob direção do Dr. William
Lawrence, que se prolongaria como forte oposição à corrente mentalista até meados
da década de 1840. Entretanto, a constatação de que somente cinco asilos haviam
excluído a contenção física foi o suficiente para que a prática do “tratamento moral”
ganhasse novo crédito e permanecesse como majoritária frente à “therapeutica”
médica também adotada (ibid).

John Haslam (1764-1844) foi superintendente do Bethlem Mental Asylum


de 1795 a 1816, período em que buscou transformar as sombrias estruturas
arquitetônicas, além de tentar empreender na realização de pesquisas nos exames
de autópsias cerebrais de insanos falecidos no hospital. Haslam, sendo um
organicista, criticava o excesso mentalista de Pinel, ao tentar moldar de forma
moralizante a personalidade dos pacientes, ao invés de permitir a manifestação do
caráter. Ele, porém, associou-se à família Tuke no entendimento de que a doutrina
pineliana criaria bases humanistas quanto aos aspectos relacionais entre médicos
alienistas e pacientes (ALEXANDER & SELESNICK, 1980; SHORTER, 1997).

Scull (1991) edita e faz a introdução da publicação What Asylums Were,


Are, and Ought to Be de 1837 do Dr. William Alexander Francis Browne (1805-1885).
Browne foi expoente da renovação voltada para o “tratamento moral” em território
britânico, expressada nessa publicação. Nessa obra, ele propõe ampliações ao
tratamento pineliano desde uma revisão do papel do médico superintendente,
benevolente, porém autocrático, até estudos sobre a recepção dos tratamentos
asilares na comunidade escocesa em consonância com o trabalho renovador nos
asilos ingleses capitaneado pelo médico alienista John Conolly (1794 –1866).

A mudança pendente para o alienismo organicista de Haslam é


subsequente ao declínio do prestígio do “tratamento moral”, inserido pela família Tuke
89

no Retiro de York em anos anteriores. A posterior tentativa de renovação do


“tratamento moral”, já sob forte influência de Esquirol, de Conolly e Browne se
apresentaria com pilares organicistas bem definidos quanto à causa da alienação
mental. Esse processo oscilatório nos tratamentos do alienismo inglês, na primeira
metade do século XIX, revelava a baixa resposta terapêutica clinicamente observada
pela exiguidade dos meios disponíveis (ibid).

O pensamento mentalista pineliano aproximou-se, portanto, mais da crença


protestante do que do credo católico mais afeito às intervenções organicistas,
sobretudo a partir de Morel, que não questionavam a doutrina espiritualista nas
doenças mentais professada pelo clero apostólico romano.

Em fins de 1878, seria criado na cidade de Niterói, vizinha cidade do Rio


de Janeiro, um pequeno Hospicio de Alienados, anexo ao Hospital de São João
Baptista, que funcionava nos moldes da Santa Casa de Misericordia do Rio de Janeiro.
No relatório anual, enviado ao diretor do Hospital de São João Baptista, Dr. Manoel
Pereira da Silva Continentino (1841-1912), o Dr. Domingos Jacy Monteiro Junior
(1853-?) faz um arrazoado histórico de motivos que caracterizariam o processo de
organização dos espaços asilares no Brasil. Esse processo teria evoluído com muitas
carências que distanciavam esses espaços do “tratamento moral”, preconizado por
Pinel e Esquirol, além da insuficiência na aplicação da “therapeutica” médica então
vigente. O rápido e crescente processo de superlotação dos espaços asilares no Brasil
é pormenorizado nesse relatório:

Até fins de 1878 eram elles asylados no hospicio de Pedro II; os alienados
indigentes sómente podiam contar em sua desditosa sorte com setenta
logares mantidos no hospicio de Pedro II pela Provincia. [...] Estabelecendo-
se um pequeno asylo com enfermarias annexas a um hospital, sem os
caractéres peculiares a um hospicio de alienados, sem que se pudessem
tornar effectivas a sequestração, a classificação delles, sem officinas nem
instrumentos de trabalho, sem jardins, hortas e pateos, sem os meios
especiaes de balneação (porque é escasso o elemento principal – a água fria
ou quente) sem os meios de tratamento em summa, pois tudo isto
impreterivelmente importa o tratamento, era claro que não se resolvia a
questão – adiava-se a resolução (ibid, p.4-5).

A inadequação dos espaços asilares no Brasil foi uma característica que


perduraria por todo o século XIX, adentraria o século XX e, historicamente, não
encontraria solução, consensualmente razoável, no início do século XXI. A história da
90

arquitetura dos hospícios no Brasil encontra concepções teleológicas e sociopolíticas


ambiciosas, porém, na prática, mostrando-se severamente limitada pelos modestos
resultados terapêuticos associados também às ambientações inapropriadas.
91

Capítulo 3

3. O PROTAGONISMO DO “TRATAMENTO MORAL” DE PINEL E ESQUIROL NA


ASSOCIAÇÃO MÉDICA, NAS THESES DE CONCLUSÃO DOS CURSOS DE
MEDICINA E NA MEDICINA DO HOSPÍCIO NO BRASIL DO SÉCULO XIX

Em these de 1833, defendida na Faculdade de Medicina de Paris,


denominada Essai sur les dangers de l'allaitement par lês nourrices, o médico baiano
Emílio Joaquim da Silva Maia apresenta na dissertação um proclamo moralista que
se sobrepõe aos preceitos do “tratamento moral”, advindo de Pinel e Esquirol. O objeto
da these de Maia é a amamentação no Brasil, sendo reiterada na dissertação, por
diversas vezes, a necessidade preventiva da exclusão das “nutrizes”. A respeito
dessas “amas de leite” escravas, negras ou mulatas, a these tem a finalidade precípua
de alertar o contágio degenerado pelo atavismo. Esse trabalho tem também o objetivo
acessório de demonstrar a função protetora da amamentação contra doenças como
câncer e alienação mental. Maia assevera a contemporaneidade desse tema médico,
referindo discussão acerca dessa questão na Royal Society of Medicine de Londres.

No caso específico do tratamento das alienações mentais pelas medidas


higiênicas relacionadas à amamentação, Joaquim Maia enfatiza que bebês
amamentados por “escravas” ou “nutrizes mercenárias” poderiam sofrer um
desenvolvimento com “desvios morais”. No tocante às mães, o estímulo à
amamentação seria indispensável para a prevenção da “alienação mental”. Para
tanto, cita observação de que em diferentes asilos de alienadas, dentre as pacientes
mães, aquelas que não amamentaram os filhos têm uma frequência significativamente
maior nas internações do que aquelas que os amamentaram. Emilio Maia assim
descreve esse fato:

Ce que nous avons dit de la manière dont tout organe irritable passe de l’état
de susceptibilité extrême à l’état de maladie, à la suíte de l’accouchement,
chez une femme qui ne nourrit pas, peut aussi être applicable au cerveau,
instrument de la pensée, en supposant toutefois que des causes morales
aient rendu cet organe três-impressionnable dans le sens de ses fonctions
spéciales; en effet, que l’on examine le nombre des femmes retenues dans
les différons établissemens destinés aux aliénés, toutes choses égales
d’ailleurs, on trouvera, parmi celles qui ont été mères, que le nombre de celles
92

qui n’ont pas allaité est infiniment supérieur à celui des autres (MAIA, 1833,
p.15-16).

Supostamente, as recomendações médicas higiênicas tinham alcance


limitado em um meio social essencialmente agrário e escravagista, ainda com noções
de urbanidade bastante diferenciadas de uma cidade-metrópole como Paris, local de
origem da these de Emílio Maia.

Outra these de 1836 apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de


Janeiro teve a finalidade de revalidação do diploma do médico Manoel Ignacio de
Figueiredo Jaimi. A these discorre sobre o tema As Paixões, e Affectos D’alma em
Geral, e em Particular Sobre o Amor, Amizade, Gratidão, e Amor da Pátria.

Esse trabalho atendia aos preceitos da Ley de 3 de Outubro de 1832 em


cujo teor lia-se: “impõe aos Medicos formados em Paiz extrangeiro, sejão Nacionaes
ou Extrangeiros, o dever de submeter-se á provas de capacidade perante as
Faculdades Medicas do Brasil” (REVISTA MEDICA FLUMINENSE, 9 de agosto de
1834, p.5).

Jacó-Vilela (2008) analisa a dicotomia feita por Jaimi entre affectos d’alma
e as paixões. Nessa interpretação, os affectos teriam uma base racional, cartesiana,
e, ao se degenerarem em paixões, passariam a ter efeitos mórbidos na moral e,
consequentemente, no corpo humano. Porém, Jaimi admite a coexistência fisiológica
entre essas duas funções mentais enquanto as paixões estejam subordinadas
hierarquicamente aos affectos d’alma.

Especificamente para o tratamento das paixões, a these de Manoel Jaimi


faz uma associação entre os “affectos d’alma” e as “paixões” com o “amor”. No tocante
à “therapeutica medica”, voltada para os transtornos da afetividade transformada em
paixão, inserida como distúrbio do amor, preconiza-se:

Para o amor, quando seja só o amor sensual, convirão muito os


anaphrodisiacos, o exercício, huma dieta vegetal com exclusão de todos os
excitantes, como licores alcoólicos, comidas adubadas com especiarias
irritantes, comidas de má digestão, como óvos, e principalmente o peixe
considerado afrodisíaco com justa razão, as fructas acidas, e agridoces, o
exercicio a cavallo [...] em casos desesperados as limonadas de cremor de
tartaro com perfuzão (JAIMI, 1836, p.22).

Como possibilidades terapêuticas concernentes ao “tratamento moral”,


considerado mais incisivo e eficaz aos excessos amorosos, ou mesmo das paixões, a
93

these de Jaimi referencia atitudes moralistas, no sentido do bem-estar como


tergiversantes das paixões mórbidas:

Quando o padecimento he moral como no amor infeliz, no ciume, na auzencia


&c, então os meios therapeuticos quasi nada aproveitão, ter-se-ha então
recurso dos divertimentos, á caça, á pesca, algum jogo da inclinação do
individuo, á dança, á muzica; porem sobre tudo sera indispensavel a
companhia de hum amigo [...] poder-se-ha recorrer a auzencia, como meio
curativo [...] manda buscar-se outro objecto que seja tão amavel, ou mais
ainda do que aquelle, por quem o individuo padece [...] aos Pais cumpre dar
huma boa educação por meio da contrariedade das vontades, insinando
assim a serem os filhos soffredores, e a mão formar senão desejos justos.
[...] de que não devem comprar por grandes sacrificios, e as vezes com
quebra da honra momentaneos prazeres (ibid, p.22-23).

Já com atuação profissional, a these do médico Manoel Ignacio de


Figueiredo Jaimi denota uma sensível diferença estrutural para outras teses de
formandos em medicina. Sobretudo nas afirmações de cunho pessoal do autor tanto
nas referências diagnósticas quanto nas indicações terapêuticas.

No ano de 1839, em these apresentada à Faculdade de Medicina do Rio


de Janeiro, José Antonio Murtinho apresenta Dissertação Sobre a Hypocondria e no
prólogo ressalta a dificuldade em estabelecer limites clínicos para essa doença,
associando aspectos mentalistas a outros organicistas:

A palavra hypocondria quer dizer em sua etymologia huma enfermidade


situada nos hypocondrios; mas não se pode hoje determinar com exactidão
o que ella significa. Exprime este vocábulo huma affecção existente nos
hypocondrios, bem que não seja facil a demonstrar; e muitos medicos desta
maneira descrevendo desordens (aliás as mais diversas em suas causas e
formas) nenhuma duvida pozerão em denomina-las hypocondria; qualquer
desarranjo por tanto no exercicio das funcções organicas, acompanhado de
sentimento habitual de tristeza, de pezar ou de desesperação basta para
caracterizar a hypocondria do maior numero dos autores (MURTINHO, 1839,
p.5).

Com referência às causas predisponentes da hypocondria, a these sintetiza


que não se pode atribuir somente às questões climáticas, regiões temperadas, frias e
úmidas, a predisposição para essa doença, tendo em vista que a inserção humana
englobava aspectos relacionados com a religião, estado de civilização, forma de
governo, nos quais os conflitos sociais seriam preponderantes. Nesse aspecto
particular, a these de Murtinho apresenta como exemplo maior o caso da Inglaterra e
94

o seu “febril movimento industrial”, associado à grande incidência de hipocondria por


um estado de “immenso amor do ganho”. Esses fatores predisponentes, segundo a
dissertação de José Murtinho, encontrariam correspondência em aspectos morais da
personalidade como causas determinantes para que então ocorresse o
estabelecimento completo da síndrome.

Relativamente à symptomatologia da hypocondria, a these apresenta


divisão da doença em três fases que mantêm entre si uma coerência na evolução, no
prognóstico e no tratamento. Para tanto, o trabalho considera como níveis de estímulo
e resposta, o corpo, o cérebro e a alma:

Dividiremos os phenomenos da enfermidade em tres periodos; no primeiro


notaremos a direcção, ou applicação viciosa das faculdades intellectuaes; no
segundo nevrose dos diversos orgãos porem mais particularmente dos
abdominaes; no terceiro em fim numerosas alterações organicas. A invasão
desta doença, qualquer que seja a violencia das causas determinantes jamais
costuma ser repentina: a alma em suas operações he somente modificada
pela influencia das idéas, que a tocão (ibid, p.10).

Quanto ao tratamento da hypocondria, o trabalho de Murtinho também


sequencia as intervenções, conforme os três períodos da doença. Fica evidente que
o tratamento das alienações nas theses brasileiras, próximas à metade do século XIX,
tendiam a associar o “tratamento moral”, mentalista, e a “therapeutica”, organicista.
Nesse trabalho, particularmente, o “tratamento moral” evidenciava-se com
protagonismo para essa doença:

Dividiremos o tratamento da hypocondria em tratamento do primeiro, segundo


e terceiro periodo. He evidente que no primeiro deverá ser todo moral e
intelectual. No Segundo deve-se recorrer ao mesmo tempo ao tratamento
moral e á huma medicação propria para suspender a nevroses, quer affectem
as vias digestivas, quer perturbem as funcções circulatórias ou de outros
apparelhos: o tratamento moral será o mesmo, que no primeiro periodo. No
terceiro he precizo alem do tratamento moral outro empregado em combater
as diversas lesões orgânicas (ibid, p.29).

Quanto aos tratamentos delineados na these de Antonio Murtinho,


relativamente ao primeiro período clínico da hypocondria, apresenta-se uma
associação entre o “tratamento moral” e os aspectos relacionais; entre o médico
alienista e o paciente hipocondríaco:

O tratamento do primeiro período ou moral consiste na bôa direcção dada ás


nossas faculdades mentaes, ou para melhor dizer á intelligencia [...] Aqui o
95

fim do medico não he somente desvanecer estas idéas do pensamento dos


hypocondriacos, he preciso ainda que elle se esforce para que outros
objectos firão e chamem toda a sua attenção, quer por meio da conversação,
quer pelo da meditação, e em epochas differentes do dia; taes são em parte
as vantagens, que se pode esperar igualmente dos diversos modos de
distracção, de frequencia nas sociedades, dos espectaculos, das viagens,
dos passeios, da leitura dos livros agradaveis, e proprios a substituir o temor,
ou a tristeza por affecções doces e mais convenientes (ibid. p.29).

No tocante aos tratamentos relacionados ao segundo e terceiro período da


doença, quando se agregava o uso da therapeutica médica, a these de Murtinho
demonstra aquilo que se observa em outros trabalhos desse período temporal, ou
seja, a pouca disponibilidade farmacêutica para intervenções medicamentosas que
pudessem, efetivamente, alterar o curso dessa doença:

O tratamento moral do primeiro período tem ainda applicação no segundo.


Neste deve o medico mui particularmente abster-se de reputar as idéas dos
doentes, e suas sensações como cousas chimericas, ou extravagâncias da
imaginação: o enfermo neste estado soffre huma moléstia verdadeira, e
assim carece de tratamento regular, encaminhado ao moral e ao physico [...]
O terceiro período, como ja deixámos entrever, exige hum tratamento contra
as diversas lesões orgânicas porem jamais devemos perder de vista o moral,
por isso que ainda tudo continúa debaixo do imperio da intelligencia
viciosamente affectada e sem regra. (ibid, p.37-38).

A opção preferencial pelo “tratamento moral”, nesse período da história do


alienismo no Brasil, dava-se também pela precariedade do arsenal terapêutico
medicamentoso, ainda muito dependente das custosas importações das fontes
europeias, sobretudo portuguesas.

Uma these associativa entre saberes médicos e nutricionais, com o título


Dissertação sobre a influência dos alimentos e bebidas sobre o moral do homem, é
apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1839, por Alexandre
José do Rosario. Ele faz uma tradução plagiada em sentido geral com algumas
adaptações de outra these, que havia sido defendida na Faculdade de Medicina de
Paris em 1834, por Eduardo Ferreira França, um médico baiano que retornaria a
Salvador e assumiria a carreira docente na Faculdade de Medicina da Bahia. A these
96

de França intitulou-se Essai sur I'influence des Aliments et des Boissons sur La Moral
de I'Homme.

O trabalho de Rosario mantém em tópicos toda a estrutura geral da these


de Eduardo França, reproduzindo as influências do processo nutricional cotidiano nas
características de personalidade do “homem são” e o monitoramento dos alimentos,
dosados em maior ou menor ingesta como forma de “tratamento moral”.

Ainda no preâmbulo a dissertação de Alexandre Rosario, tal como


encontrado na these de Eduardo França, apresenta comparativo entre as questões
climáticas e as diferentes escolhas nutricionais por alimentos do reino animal ou
vegetal:

Talvez ainda se nos objecte – que ao clima se deve attribuir éstas


modificações que apresenta o homem no seu moral – Bem longe estamos de
negar aos climas essa influencia, como já em outro lugar fizemos ver, porêm
o que não podemos admittir é que elles sejam causa única e constante; e
estamos persuadido que a alimentação exclusivamente animal contribue, e
de uma maneira bem característica para a produção destas modificações de
que falamos (ROSARIO, 1839, p.7).

A these de Alexandre José Rosario cita a divisão dicotômica, a mesma


existente na these de Ferreira França, entre alimentos do reino animal e vegetal.
Dessa divisão primeva, poderiam ser adaptadas as dietas como terapêutica
nutricional, contendo mais ou menos alimentos de cada reino, em conformidade com
os aspectos individuais das personalidades, considerados como aspectos “moraes”:

Uma grande diferença, sem dúvida, se nota em os indivíduos que se


alimentam de substâncias animaes e aquelles que se alimentam de
substâncias vegetaes. Os primeiros são dotados de energia, corajosos na
guerra, teimosos em as suas interpresas, superiores aos segundos em as
artes que demandam muita energia e maiores impulsões; excessivos em
suas paixões [...] o regime vegetal, pelo contrário, tende a diminuir a força de
todas as funcções, e após si acarreta a fraqueza. Ora, os individuos desta
maneira modificados tornam-se irresolutos, pusillanimes, preguiçosos e
incapazes de engendrar acções que exigem firmeza e resolução [...] Este
regime tambem torna os homens supersticiosos, credulos e demasiado
timidos: e com effeito a experiencia nos mostra a verdade desta proposição
(ibid, p.5,8).

Como frequente em these de formandos brasileiros no século XIX, Pierre


Jean Georges Cabanis (1757-1808) é citado como referência médico-filosófica na
97

these de Rosario. Ressalte-se que essa pequena extensão filosófica não está contida
na these de Eduardo França:

Cabanis, em sua obra – Relações do physico sobre o moral do homem – diz:


‘Que muitos fundadores de ordens religiosas tiveram o formal intento de
debilitar os seus religiosos, proibindo-lhes absolutamente o uso da carne:
aquelles que elles mais pretendiam enfraquecer, a estes prohibiam-lhes ao
mesmo tempo o uso do peixe’ (ibid, p.8).

Tanto na these de Eduardo Ferreira França quanto na de Alexandre


Rosario, respectivamente, observa-se na conclusão uma orientação nutricional com
reflexos mentalistas que se associa às paixões mais ou menos frequentes no homem:

Celui dont les passions sont violentes trouvera dans la diète végétale un
moyen puissant de les réprimer; celui, au contraire, dont les passions
manquent du degré nécessaire d'énergie, doit avoir recours surtout au régime
animal (Eduardo Ferreira França, 1834, p.41).

As pessoas de paixões violentas devem evitar o abuso de substâncias


animaes, os de paixões pouco energicas e aphaticas devem se abster do uso
exclusivo dos vegetaes (Alexandre José do Rosario, 1839, p.43).

Dessa maneira, em um meio acadêmico médico ainda carente de


bibliografias importadas, as produções científicas próprias valiam-se de diversas
formas de plágio, sejam nas traduções de autores principalmente franceses, ou nas
apropriações de trabalhos discentes desenvolvidos em anos anteriores tanto fora do
Brasil quanto no próprio país no Rio de Janeiro e na Bahia.

Outra vertente temática, as questões de gênero, são pedagogicamente


abordadas na these de João das Chagas e Andrade de 1839, na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro. A orientação literária da dissertação A Puberdade da
Mulher é notadamente “moral”. Novamente o arcabouço filosófico e médico nesse
trabalho baseia-se nas ideias de Pierre Cabanis, buscando associar as mudanças
anatomofisiológicas desse período etário com as comportamentais da personalidade
e, consequentemente, com a proposição do “tratamento moral” nos seus aspectos
hygienicos. Andrade então cita Cabanis:

O homem, destinado para os grandes trabalhos, para com a energia de sua


intelligencia fazer conquistas nas artes e nas sciencias, não devia ter huma
organisação em tudo igual á da mulher, porque os fins destinados a elle em
grande parte differem dos destinados á mulher. ‘Em quanto o homem, diz
Cabanis, obra sobre a natureza e os outros entes animados pela força de
seus orgãos ou pelo ascendente de sua intelligencia, a mulher deve obrar
98

sobre o homem pela seducção de suas maneiras e pela observação continua


de tudo que póde lisongear seu coração ou cativar sua imaginação. Se a
fraqueza dos musculos da mulher, diz ainda Cabanis, a prohibe de descer ao
gymnasio e ao hipodrómo, as qualidades de seu espirito lhe prohibem mais
imperiosamente ainda de se apresentar no Licêo ou no Portico’ (ANDRADE,
1839, p.4-5).

Na these de João Andrade, a puberdade é vista por si só como um fator de


cura e de proteção para várias enfermidades adquiridas na infância. E, como tal,
observam-se os seus efeitos fisiológicos inclusos em importante área da terapêutica,
o “tratamento expectante”:

Se a época da puberdade he aquella em que hum novo rythimo dado á


marcha da economia disperta todos os systemas e activa os differentes
orgãos nos exercícios de suas funcções, ella deve ser considerada como
huma panacèa benefica que vem pôr termo ás enfermidades da infância, que
até então tem resistido á força de todos os medicamentos; he assim que se
tem observado, em ambos os sexos desapparecer repentinamente a
epilepsia, determinada nos primeiros annos por hum susto ou outra causa
accidental, ou entretida por huma excitação ataxica do systema nervoso, as
convulsões idiopathicas, a dança de São Guido, a catalepsia, o
somnambulismo, &c (ibid, p.21).

Quanto às “regras hygienicas” concernentes ao “tratamento moral”, afirma


que elas devem ser postas em prática durante o desenvolvimento da puberdade. A
these de João das Chagas Andrade apresenta enfaticamente a necessidade das
ações coercitivas nas paixões adolescentes como medidas higiênicas, assemelhadas
a medidas preventivas:

As intimas amizades, por que se ligão as da mesma idade, nada menos fazem
que entretê-las em huma perigosa conversação a respeito de seus
pensamentos mais secretos, exasperando cada vez mais sua perturbação.
As horas consedidas ao repouso, e as que se passão na immobilidade
physica, favorecem eminentimente a exaltação da intelligencia a respeito da
tendencia dominante nesta época [...] Na casa paterna, deve portanto, a joven
passar a puberdade menos exposta a semelhantes perigos (ibid, p.22-23).

Gradativamente, as doenças relacionadas às questões de gênero


ganhavam espaço nos temas das these brasileiras, que mantinham um padrão
99

frequentemente comparativo entre mulheres e homens, com terapêuticas


diferenciadas tanto no mentalismo quanto no organicismo.

Nesse sentido, Antonio da Fonseca Vianna defende these em 1842,


intitulada Considerações Hygienicas e Medico-legaes Sobre o Casamento
Relativamente a Mulher, perante a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Esse
trabalho revela perfis de moralidade no Brasil oitocentista, como instrumentos para
justificar e aplicar o “tratamento moral”, algo próximo de um aconselhamento familiar,
conforme é descrito na obra:

Poucos são os pontos de hygiene publica, em que a estatistica tennha de


hum modo tão positivo tomado quasi o caracter de demonstração, como
quando trata da superioridade do estado de ‘casado’ ao celibato, pelo que diz
respeito aos casos de longevidade [...] as razões das vantagens ligadas ao
estado de casado não estão acaso sufficientemente provadas com os
soccorros mútuos e consolações recíprocas, que compensão com usura
todos os trabalhos da vida; com a certeza de achar-se hum amigo, ou amiga,
quando toda a espécie de vínculos não apresenta mais que hum vão
simulacro de amizade; com os cuidados delicados , que se prodigalisão em
todas as enfermidades (VIANNA, 1842, p.10).

Nesse trabalho acadêmico de Vianna, observa-se que se aliam às questões


intrínsecas do “tratamento moral” medidas higiênicas, relativas ao tratamento
preventivo hereditário. Nesse caso, tem-se a reprodução de uma regra padrão nos
trabalhos acadêmicos sobre as doenças mentais que diz respeito à presença do
ecletismo terapêutico mentalista e organicista:

Quanto ás uniões entre consaguineos tanto as reprova a natureza, como


aquelle sentimento de pudor reconhecido do consentimento quasi unanime
do gênero humano. Os legisladores prohibindo o casamento entre parentes,
não tinhão em vista sómente ligar os membros da especie humana entre si,
e incorporar familias humas ás outras; mas pensavão ainda com razão, que
as relações estabelecidas desde a mais tenra infancia, a amizade fraternal
por exemplo, diminuem infallivelmente, em quasi todas as circunstancias, o
amor physico, o qual he muito mais vivo entre entes novos hum para outro:
além d’isso não he geralmente reconhecido, que as uniões entre membros
proximos da mesma familia só produzem pelo tempo adiante filhos fracos, ou
viciosamente organizados ( ibid, p.11).
100

Acerca dos benefícios terapêuticos do casamento sobre a moral tanto do


homem quanto da mulher a these do Dr. Antonio Vianna, nesse aspecto particular,
relaciona aproximação do conceito de moral ao conceito de mente:

O moço tendo amôr mostra com franqueza, ou dissimula com difficuldade os


sentimentos, de que está possuído: a moça pelo contrario occulta os seus
com cuidado por mais violentos que sejão; o pudor os esconde a todos os
olhos; Ella quer agradar a todos os homens, e ao mesmo tempo occultar-lhes
o que sente por hum só: d’onde nasce para ella a necessidade de dissimular
com arte [...] As consequencias, que tirei da maior parte das dissertações,
que li sobre os effeitos da continencia, são, que a privação completa dos
prazeres do amôr he menos supportavel no homem que na mulher; mas o
celibato, ou o estado de ‘não casado’, he mais penoso para esta ultima (ibid,
p.12-13).

A preocupação com a amplitude do tratamento, abrangendo as questões


morais com os consequentes e respectivos sintomas físicos, acompanhava a
tendência claramente manifesta nas theses do período em associar causas
diagnósticas e manifestações clínicas voltadas ao mesmo propósito. Nesse sentido,
na these de Fonseca Vianna, é descrito um quadro clínico, orgânico e mental para a
“continência sexual” derivada do celibato:

A ‘chlorosis’ he muitas vezes a primeira molestia, que se apresenta em scena


[...] as regras se supprimem ou tornão-se summamente irregulares; mas o
utero não he o unico orgão, sobre cujas funcções este estado morbido de
predominancia nervosa exerce huma accção desfavorável; o estomago
adquire algumas vezes huma irritabilidade tal, que não podendo supportar a
presença do menor corpo [...] O coração he quasi sempre tambem o orgão
sobre que a susceptibilidade nervosa se reflecte de preferencia á todos os
outros; (ibid, p.15).

Na these de Viana é referenciado que o distúrbio das paixões encontra espaço


corporal no cérebro, nesse caso especificado como sede dinâmica das “funcções
especiaes” como tentativa de compartimentalização das alterações inclusas no campo
da psicopatologia:

Em algumas circunstancias a alteração do cerebro não se limita á aquella de


suas partes, que presidem á inclinação amorosa; a paixão dominante
perturba o exercicio dos outros actos intelectuaes, e produz hum estado de
loucura propriamente dito; molestia, que jamais se encontra antes da
puberdade como asseverou o illustre Pinel (ibid, p.15-16).
101

Em uma atmosfera social, com predomínio explícito da concretização das


ideias iluministas advinas do século XVIII, era notório nas theses brasileiras o
sentimento anticlerical, sendo, portanto, o celibato visto como um fator etiológico de
doença mental que precisaria ser tratado com o casamento, relacionado ao benefício
da não continência sexual, assim como é pontuado na these de Fonseca Vianna.

Com a evolução da clínica alienística no Brasil do século XIX, a associação


terapêutica entre o “tratamento moral” e a “therapeutica medica” ganhava contornos
melhor delimitados, denotando uma crescente ocupação de espaço pelo organicismo,
muito embora os preceitos morais de Pinel e Esquirol permanecessem com forte
presença nos aspectos relacionais entre médicos e pacientes.

Conforme o exposto, apresenta-se a these de Alexandre de Araujo Ribeiro,


Dissertação Sobre a Nymphomania, defendida na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, em 1842. A questão moral inseria-se a partir da conceituação terminológica
de nymphomania, escolhida pelo autor para caracterizar a doença:

A palavra nymphomania derivada de duas outras gregas ‘moça novamente


casada’ e de mania exprime o appetite venereo levado a ponto de perturbar
a rasão e constituir a loucura [...] Muitas tem sido as denominações que os
diversos autores tem dado a molestia que faz objecto deste trabalho, assim
huns a chamarão uteromania, erotomania, andromania, outros a chamarão
de furor uterino, hysteromania, clitorimania, lipatia, gyraicomania, tentigo
venerea, prurido uterino, salacitas etc., nomes que são huns derivados da
supposta natureza, séde e causa desta affecção, e outros dos symptomas
mais salientes a que dava-se muita importancia (RIBEIRO, 1842, p.9).

Clinicamente, a these de Ribeiro relaciona uma pedagógica divisão da


ninfomania em três períodos, caracterizando a gradação sintomática que se
adequariam às formas de tratamento específicas para cada fase. A these referencia
uma evolução psicopatológica, mentalista, para o seu agravamento conjuntamente
com uma etiopatogenia, organicista, de deterioração anatômica uterina pela presença
de “substancias nocivas”:

Os symptomas da nymphomania são mui pouco desenvolvidos no seu


primeiro periodo [...] manifesta-se por desejos insolitos por huma linguagem
mais animada brilhantismo e vivacidade dos olhos, coincidindo com calor no
ventre e seios. [...] Si os vislumbres primordiaes da nymphomania não tem
sido proptamente combatidos, os seus phenomenos vão-se tornando mais
notáveis [...] No segundo período; então já he inutil procurar os traços
delicados da face em uma moça accommettida desta afecção. [...] Neste
102

terceiro periodo observa-se o cortejo dos symptomas mais atterradores; a


doente tem perdido todo o sentimento de pudor, apresenta-se magra com a
face decomposta, cabellos desgrenhados. [...] lança-se ao primeiro homem
que se lhe apresenta; si elle a despresa (ibid, p.11-14).

Para o tratamento da nymphomania, em correspondência com as três fases


clínicas de complexidade crescente da doença, torna-se necessário ao pratico intervir
em condições gerais que possam alterar o curso e a intensidade da doença. Essas
intervenções seriam: a privação dos objetos de agravação, modificação das
sensações na paciente e a “therapeutica” com agentes removedores da lesão
orgânica que se associassem às desordens morais. A dissertação de Alexandre
Ribeiro propõe exclusivamente o “tratamento moral” nas duas fases, inicial e
intermediária, dessa entidade nosológica:

O tratamento do primeiro periodo he sobre tudo dirigido as faculdades moraes


e intellectuaes, fasendo com que objectos extranhos ao delírio das doentes
firão e chamem a sua atenção [...] o que se consegue dando-lhes huma
occupação seria e continua [...] Cumpre apartar as doentas dos seios das
grandes cidades, faser-lhes renunciar os espectaculos theatraes, e as leituras
romanescas [...] Consistindo nymphomania em hum desarranjo notavel da
intelligencia no segundo periodo, o tratamento moral deve ser
constantemente empregado (ibid, p.18-20).

No tocante às alterações mais agravadas no quadro clínico da


nymphomania, o trabalho do autor sugere, então, a associação com a “therapeutica”
e medidas mais drásticas denominadas de “palliativas”, assim como eram
classificadas as intervenções médicas urgenciais para a época. A these de Ribeiro
disserta que quase nunca a nymphomania atinge um terceiro período, sendo curável
pelos tratamentos preconizados nos dois períodos anteriores:

Com tudo offerecendo a therapeutica mui valiosos soccorros, deve-se muitas


veses recorrer a ella, por quanto he com a acção dos seos agentes, que
obtem-se a cura de differentes lesões sobrevindas nos orgãos sexuaes,
assim como o embotamento de sua sensibilidade, cuja reacção para o
cerebro aggrava incessantemente a nymphomania. Assim prescrevem-se
injeções refrigerantes, emollientes e narcoticas feitas de cozimentos de althea
e de malvas. Applicão-se ás partes sexuaes panos de linho molhados nestes
mesmos cozimentos, e sanguexugas ao anus e as apófises mastoideas. [...]
Tendo a Nymphomania tocado este terceiro período [...] porem coesistindo
com moléstias mais graves deve-se recorrer aos meios que a pathologia
recomenda para taes enfermidades (ibid, p.20).
103

A these de Ribeiro se constitui em um modelo representativo da ampliação


das temáticas passíveis de receberem o “tratamento moral”. Nesse caso, mesmo a
“therapeutica medica” é também direcionada para uma compreensão moral de que
órgãos do corpo, quando doentes, afetariam a compleição moral do paciente e,
portanto, precisariam ser tratados.

Essa miscelânea mentalista-organicista buscava espaços de atuação em


temáticas que chegavam ao limite da interface social e política, na qual estava inserido
o Brasil oitocentista. Em tese de 1844, atualizada gramaticalmente para o português
em 2004 e defendida na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Joaquim Manoel
de Macedo (1820-1882) conclui um estudo que denomina Considerações Sobre a
Nostalgia.

Na these de Joaquim Manoel de Macedo são relacionados,


combinatoriamente, o pensamento de Esquirol com a história da civilização ocidental.
Para tanto, reproduz palavras do alienista francês em associação da monomania com
a Revolução Francesa:

Eu poderia, escrever a história de meu país, desde 1789 até os nossos dias,
pela observação de alguns alienados, cuja loucura tinha por causa ou por
caráter algum acontecimento político notável neste longo período de nossa
história (ESQUIROL apud MACEDO [1844], 2004, p.26).

No mesmo diapasão, a tese acadêmica de Macedo procura manter


implicitamente a referência velada que permeia todo o seu trabalho: a descrição da
lipemania, saudade dos negros da mãe África. Depreende-se que o antiescravagismo
de Macedo não era ideológico, mas higiênico, com interesses voltados para os
proprietários de escravos, os senhores da economia rural. Não há na tese de Macedo
qualquer significado humanitarista, sendo esse trabalho direcionado para a defesa da
economia rural brasileira: “o importante seria salvar a agricultura dos escravos
perdidos pela saudade da pátria”. Para Macedo, a nostalgia ameaça a lavoura, tendo
forte possibilidade de se propagar entre os escravos (LOPES & POLITO, 2004, p.133-
134).

Para o tratamento da nostalgia, compreendida como uma variação da


lipemania, na these de Macedo há orientação para intervenções apropriadas aos três
104

períodos sintomatológicos da doença. Um primeiro período, “pirexia”, caracterizado


por tristeza acentuada e grandes recordações da “terra natal”.

O segundo período, “colapso”, é definido como mais grave, onde se


utilizando da teoria de estimulação ou desestimulação nervosa dos órgãos junto ao
cérebro: “Nota-se compressão em todos os órgãos: o estômago e o diafragma, não
sendo estimulados como no estado normal pelos nervos pneumogástricos, caem em
um estado de estupor” (MACEDO [1844], 2004, p.74).

No terceiro período, “astenia”, a these relata a “prostração de forças” e


alegoriza o quadro sindrômico: “O nostálgico geme: o brilhante colorido da vida tem
cedido seu posto à palidez precursora da morte [...] ou exala o derradeiro suspiro com
o nome da chorada pátria” (ibid, p.79). A these de Macedo distingue as formas de
“tratamentos morais” relativas à nostalgia, ressaltando a ênfase nos aspectos
relacionais entre médico e paciente na sugestão a jogos, festas, saraus, ginástica,
equitação, música e o amor conjugal, definido como único capaz de digressar:

Declarada a nostalgia, há, em nosso entender dois caminhos a seguir para


salvar um enfermo: um pronto e seguro, mas nem sempre possível de ser
tomado, e outro difícil e sempre espinhoso. No primeiro, a satisfação dos
ardentes desejos de tornar à pátria fará para logo desaparecer a moléstia e
salvará por certo o doente, senão em todos os casos, ao menos quando não
tiver chegado ao último período. Às vezes, porém, é impossível fazer realizar
tais desejos, e então resta trilhar o segundo caminho e ir apagar no espírito
do enfermo este anelo fatal. É aqui que se abre vasto campo à habilidade do
médico (ibid, p.91).

Quanto à “therapeutica medica”, chamada na these de Joaquim Macedo de


Tratamento Particularmente Farmacêutico em relação a cada um dos períodos da
nostalgia, a obra o descreve como sendo “tratamento acessório”, já que afirma em
conformidade com Esquirol: “O tratamento moral é a base da terapêutica da nostalgia”.
Sendo assim, a these cita:

No primeiro período (pirexia), convém desencher os vasos da cabeça por


meio de sangrias diretas e derivativas. [...] Aplicar ventosas sobre os
hipocôndrios, epigastro e regiões dorsais, e segui-las com emborcações
oleaginosas canforadas. [...] No segundo período (colapso), é necessário
suster as forças do enfermo com ligeiros estomáquicos. [...] No terceiro
período (astenia) a arte pouco ou nenhum auxílio prestará, a menos que a
natureza só não possa operar crises salutares [...] Hoje o heléboro está com
justiça posto de lado. Os vomitivos e purgantes provaram o mesmo destino:
105

seria ligeireza, porém desterra-los absolutamente da prática do tratamento da


nostalgia (ibid, 44-45).

Outra diversificação acerca dos assuntos que buscavam relacionar a


dinâmica das doenças com o status moralis observa-se na these de Ernesto Frederico
Pires de Figueiredo Camargo, em 1845, apresentada à Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro e denominada Considerações Medico-Philosophicas sobre a Influencia do
Estado Moral na Produção, Marcha e Tratamento das Molestias, e como Contra-
Indicação ás Operações Cirurgicas. Nesse trabalho, a sustentação no bojo da
dissertação tem bases médico-filosóficas de Pierre Cabanis, com respeito ao
diagnóstico e ao tratamento das moléstias, ressaltando a influência do “pratico” no
“animo nas enfermidades”:

A influencia do estado moral sobre a Etiologia, e Tratamento das molestias


não é novidade em Medecina, bem como, segundo pensa Cabanis, a magna
influencia do que se chama moral sobre o phisico é um facto indisputavel.
Abra-se á esmo qualquer Tratado de Pathologia, e veremos jorrarem sem n.º
de provas do estado moral originar, ou por mil modos varios conturbar a
molestia, que nos incumbe curar, em quase todos os pontos do quadro
nosologico (CAMARGO, 1845, p.9).

O texto de Camargo delineia as paixões que supõe terem indubitável


influência na etiopatogenia das doenças e, mais uma vez, cita Cabanis para discorrer
que elas só podem ser explicadas ou tratadas pela medicina com o auxílio
indispensável da filosofia:

De certo é, e todos reconhecem que a imaginação escaldada, a tristesa, os


dissabores, a alegria, o amor, a colera, a saudade, a ambição, a avaresa, e
todos os affectos, que aninha o coração do homem, subindo de ponto
conturbam pasmosamente os phenomenos da intelligencia ou desinvolvem
outro qualquer soffrimento organico por forma tal, que sabem todo o mundo
os effeitos deploraveis da superexcitação dos sentimentos mais brandos [...]
Assim é, que fala Cabanis: — ‘É facto que a acção dos orgãos pode ser
excitada, sobrestada, ou invertida conforme o estado do espírito, a differente
naturesa das ideas, e das affecções moraes’ (ibid, p.10).

A these de Ernesto Camargo define dentro do estado moral os afetos:


"Paixões para nós sam as diversas commoções, que levantam-se na alma humana, e
que se renovam e variam successivamente" (ibid, p.15). A partir desse pressuposto,
a these propõe a manipulação dos sentimentos primordiais como forma de “tratamento
106

moral”, influenciando a forma, curso e conteúdo das moléstias quando da ineficácia


da “therapeutica”:

O nosso fito vae alem de indicar o estado moral como causa de molestias, ou
grave complicação das mesmas; resta-nos ainda estudar os meios de
combattel-o, e desdobral-o para os curativos dos males d’elle provenientes.
A medicina lhe deve curas inesperadas d’affecções, contra os quaes todos
os meios therapeuticos tinham soçobrado (ibid, p.41-42).

No Brasil, a tentativa de implantação de uma sistematização para os


tratamentos alienísticos prosseguia com o processo de criação do Hospicio Pedro II.
Tanto no “tratamento moral” quanto na “therapeutica medica”, tentava-se alcançar
uma pretensa reconstituição moral do homem alienado. Juliano Moreira, em 1905, cita
a iniciativa do Provedor de Saúde da Santa Casa de Misericordia, o magistrado José
Clemente Pereira, em enviar, em 1845, o médico Dr. Antonio José Pereira das Neves
(1814-1882) para a Europa, com a finalidade de estudar o funcionamento dos asilos
e aplicar esse conhecimento no Rio de Janeiro:

Aos 19 de março de 1845, resolveram a Mesa e Junta da Misericórdia enviar


à Europa o Dr. Antonio José Pereira das Neves, para ali estudar o tratamento
dos alienados, com obrigação de visitar os hospitais mais acreditados e
relatar o que visse e observasse (MOREIRA [1905], 2011, p.735).

Desse modo, o Dr. Antonio José Pereira das Neves passava a ter o seu
nome inscrito na historiografia psiquiátrica brasileira. A esse respeito, em 1895, o
médico e historiador Augusto Victorino Alves Sacramento Blake (1827-1903) assim
descrevia a viagem de estudos do Dr. Antonio Neves:

Foi á Europa com uma subvenção de 50$000 mensaes, marcada pelo


provedor da santa casa de misericórdia, o conselheiro José Clemente
Pereira, afim de estudar o tratamento dos alienados e o serviço dos
respectivos hospitaes, e de volta ao imperio exerceu o cargo de medico
legista privativo da policia da corte, no qual se aposentou em 1881; era
cavalleiro da ordem de Christo, membro honorario da academia imperial de
medicina (BLAKE, 1883, p.220).

Paim (1975), também em relação ao retorno do médico Antonio José


Pereira das Neves ao Brasil, acrescenta que o médico fez extenso relatório com
narrativas que incluíam desde o grande interesse pela “terapia ocupacional” nos asilos
107

europeus até, de modo evoluído para a época, o tratamento associado à educação de


“crianças retardadas”.

Peloquin (1898) discorre que a terapia ocupacional foi um dos pilares para
implementação do “tratamento moral” citando o Dr. Thomas Kirkbride (1809-1883)
com a conjectura de que a “terapia ocupacional”, então adotada no Pennsylvania
Hospital for the Insane desde 1841, seria importante fator para “moldar a mente para
a cura”.

Nesse relatório dirigido ao provedor do Hospital da Misericódia, Dr. José


Clemente Pereira, o Dr. Antonio José Pereira das Neves faz um arrazoado de
justificativas para investimentos a serem empregados no Hospicio Pedro II, com vistas
à implantação pela ordem de importância do “tratamento moral” de Pinel e Esquirol e
da “therapeutica medica”, a partir dos detalhamentos das visitas feitas nos asilos de
Charenton, Salpetrière e Bicètre:

‘Um grande melhoramento teve lugar na quinta divisão de Bicètre, que é a


dos alienados; quero fallar da creação de varias officinas de trabalho para os
alienados e da Fèrme de Sainte Anne, vasto terreno de cultura onde os loucos
se exercitam em trabalhos, empregados para melhorar sua sorte. E por
ventura não será o trabalho o mais efficaz meio contra a alienação mental?’
(ANNAES DE MEDICINA BRASILIENSE, 1848, ed.1, p.15).

Há nesse relatório a descrição de necessidades imperiosas relacionadas


pelo Dr. Antonio Neves ao provedor, no tocante aos recursos físicos e farmacológicos
para a adequada aplicação do “tratamento moral” e da “therapeutica medica”. Para os
atos médicos no âmbito do Hospicio Pedro II, esse documento contempla importante
descrição acerca das doenças do alienismo e dos seus tratamentos estudados,
sobretudo nos asilos da França:

Cumpre que o medico ainda seja inteiramente activo e quanto ao que diz
respeito ao futuro do alienado, deve ter um duplo fim. Os meios therapeuticos
não devem ser totalmente abandonados, mas não serão considerados senão
como secundarios. O tratamento moral formará ponto de partida, de onde
tudo nascerá, e centro para onde tudo se convergirá. É aqui que o medico
tem necessidade daquele tacto e habilidade que o fará superior á outros (ibid,
p. 22).

Isaías Paim conclui que a tentativa de implantação das socioterapias por


Antonio Neves sofreu interrupção, o que efetivamente observou-se na substituição
desse médico na função de “primeiro médico do Hospicio Pedro II” pelo Dr. Manoel
108

José Barbosa. Antônio das Neves assume a direção do Hospício em 8 dezembro de


1852 e deixa o cargo em 5 de fevereiro de 1853:

Com justiça, pode ser considerado o primeiro psiquiatra brasileiro, não só


pelo fato de já ter alguma experiência de lidar com os doentes internados no
Hospital da Santa Casa, como, principalmente, pelo curso de capacitação que
fez em hospitais de alienados de Paris (PAIM, 1975, p.21).

O relatório de Antonio Neves reveste-se de grande importância por revelar


a visão in loco de um médico brasileiro quanto à arquitetura, diagnósticos e
tratamentos nos asilos europeus. O entusiasmo de Neves é perceptível na conclusão
desse documento de 1845, quando referencia providências a serem adotadas no
Hospicio Pedro II, com amplitude de ações que possibilitem o processo de cura dos
alienados, incluindo pacientes com deficiência mental:

Admitto que até o presente nem um facto demonstre, que chegado á este
estado negativo, o cerebro fosse ainda susceptivel de qualquer
desenvolvimento intelectual, porém depois que se acaba de vêr o que se
passa na escola dos idiotas, em Bicêtre, em Salpêtrière e outras, o medico
que despresasse de instituir uma similhante escola no estabelecimento de
alienados confiado aos seus cuidados, seria indigno de sua missão [...]
estabelecendo-se uma escola elementar completa no hospicio de alienados,
dividindo-se os doentes em differentes cathegorias para dar a cada um a
instrucção apropriada á sua capacidade de um lado; e á natureza de sua
molestia do outro (ANNAES DE MEDICINA BRASILIENSE, 1848, ed.1, p.24).

Em 1905, Juliano Moreira faz referência às ações do Dr. Manoel José


Barbosa em 1854, segundo diretor do Hospicio Pedro II, como tendo dado
prosseguimento às ações socioterápicas que haviam sido planejadas no âmbito do
“tratamento moral” pelo Dr. Antonio Neves:

Aos 27 de janeiro de 1854, o Dr. Manoel Barboza conseguiu que fossem


criadas oficinas de sapateiro, alfaiate, marceneiro, florista e de desfiar estopa.
Quando foram criadas as de alfaiate e sapateiro havia no Hospício sete
sapateiros e cinco alfaiates, e havendo também quatro músicos ordenou José
Clemente lhes fossem fornecidas uma rabeca, uma flauta, uma clarineta e
uma requinta como meio de distração e talvez de cura. (MOREIRA, 1905,
p.737)

Sendo trabalhos originais ou plagiados, havia particularidades que


revelavam algum ordenamento nas theses de conclusão dos cursos de medicina no
Rio de Janeiro e Bahia. Em 1849, Augusto Victorino Alves Sacramento apresenta a
dissertação Breves Reflexões Sobre a Saudade, sustentada perante a Faculdade de
109

Medicina da Bahia. No trabalho é feito um mosaico psicopatológico da saudade,


definida como um item da afetividade, como também ensaios terapêuticos para esse
distúrbio afetivo transformado em paixão, uma síntese da doença moral.

O autor inicia seu trabalho relatando as dificuldades de um jovem médico


para a conclusão de uma these, legalmente necessária para a obtenção do título de
“Doutor em Medicina” (ANEXOS 2 e 3). Nessa questão expõe de sua lavra um rosário
de queixas subjetivas e uma crítica objetiva ao regulamento da Faculdade que
permitiria a dissertação somente em forma de “proposições”, tipos de trabalhos feitos
sem nenhum esmero de pesquisa científica ou sem qualquer rigor ou acurácia:

Uma these!... Para um rapaz de 23 annos e que alem de mesquinho de


inteligencia, lêo apenas, preguiçoso, os compendios de cada aula, esta ideia
assusta!... A ideia de apresental-a ao publico, que é muitas vezes tão injusto...
que basta sò conhecer desde menino o pobre moço para logo dizer – ‘não
presta, é uma creança d’outro dia, não pode ser bom medico, etc. [...] Mas de
quem valem taes considerações? É dever, é ley... e por tanto era-me preciso
fazer algumas rabiscas, (que couza digna de ler-se não farei eu em tempo
algum) e a estas chamar por muita condescendencia – these. Lembrei-me de
fazer umas proposições; mas acho tão sem razão essa ley, que permitte as
theses assim!... Lembrei-me de escrever sobre uma molestia; mas ahi ha
tantos compendios excellentes de Pathologia (SACRAMENTO, 1849, p.5-6).

Na descrição psicopatológica e semiológica da saudade, Sacramento


enuncia como causas dessa síndrome o “amor e a auzencia ou falta d’um objecto
querido”. Na composição sintomatológica da saudade, cita-se na these: “ella é um
composto de tres sentimentos bem distinctos – melancolia, recordação, e esperança,
tres sentimentos, que se resumem n’um só, abrangendo presente, passado, e futuro
da existência” (ibid, p.10).

Augusto Sacramento, citando Roche e Sanson, discorre que as affecções moraes são
as causas que mais produzem nevroses e, dentre essas afecções, hierarquiza como
principais os “pezares” sobrevindo em alienações e hysterias, como consequência da
perda de um “objecto amado”.

Essa these referencia o “tratamento moral” para a saudade, baseado em


princípios relacionados ao papel autoritário do médico no tratamento da alienação.
Essa conduta se traduz na capacidade do médico em repassar ao paciente o
sentimento da esperança: “Quando porem se não poder dar uma esperança ao
doente, ou enganal-o, então se deve fazel-o esquecer o objecto amado [...] são
110

convenientes as occupações serias, em que tenham parte tanto o phisico, como o


moral” (ibid, p.17).

Augusto Victorino Alves Sacramento acrescentaria ao seu nome, assim


como foi acrescentado também aos nomes de seus pais, o sobrenome “Blake”, e viria
a se tornar um historiador e dicionarista dos mais célebres no século XIX. Sua
mudança de Salvador para o Rio de Janeiro ocorre após importante participação como
médico cirurgião do Corpo de Saúde do Exército Brasileiro, na Campanha Platina
(Uruguai), proximamente anterior à Guerra do Paraguai. A sua obra Diccionario
Bibliographico Brazileiro, com sete volumes e edições entre 1883 e 1902 foi
amplamente estimulada e avalizada pelo Imperador do Brasil, D. Pedro II (REIS,
1970).

Ainda sobre aspectos dos primórdios relacionais, incluindo médicos e


pacientes inserido no contexto do “tratamento moral”, a these de 1853 apresentada
na Faculdade de Medicina da Bahia pelo doutorando Julio Cezar da Silva tem o título
de Breves Considerações Sobre a Natureza de Algumas Affecções Nervosas, e de
Seu Tratamento. Na “Introducção” desse trabalho faz-se a ressalva de que ele não é
original, mas que segue a regra da Faculdade da Bahia: “concorreo para que ella
sahisse muito aquem dos nossos desejos; mas como não ostentamos de autor, e sim
obedecemos á lei, que rege esta escola, para obtermos o honroso titulo de Doutor em
Medicina” (SILVA, 1853, p. 1).

A these de Cezar da Silva elege o “tratamento moral” como a terapêutica


prioritária para as nevroses, fazendo inclusive uma associação dessa modalidade de
tratamento com os fatores predisponentes decorrentes da “moral social”:

No tratamento das nevroses todo o cuidado será para o moral dos doentes:
sabe-se que os espectaculos, as festas brilhantes repetidas, superexcitão sua
sensibilidade natural por emoções vivas os tornão effeminados por uma vida
ociosa e frivola; si é mulher aparece-lhe o desejo de agradar; e este desejo
não tarda a produzir n’ellas o amor, o ciume, o despeito e as paixões, que
fatigão, e esgotão as forças moraes (ibid, p.7).

Na these de Julio Cezar da Silva, o “tratamento moral” das moléstias


nervosas, embora seja considerado como o de escolha não é descrito como único,
havendo referência à “therapeutica medica” como tratamento acessório, subdividindo-
a em “tratamento hygienico” e “prescripções pharmaceuticas”. Há na these o
111

pressuposto da afirmação imperiosa do médico em relação ao paciente no sentido do


convencimento curativo:

É então que se declarão a hysteria, a gastralgia,a hypochondria, &c. eis aqui


molestias que um medico habil pode prevenir, e para chegar a este fim, é
preciso muito tacto e discernimento; é preciso que elle tenha em vista não só
o temperamento, mas ainda o caracter de seus doentes, e que se familiarise
com elles não só pelas suas palavras, como pelo seu tratar; é preciso que
seja sempre firme, e severo com os que tem necessidade de serem
dominados; brando e persuasivo com os que deppositão n’elle toda a
confiança: assim o medico será para todos um amigo sincero: nunca se deve
revestir d’este grande ar doctoral (ibid, p.7).

Quanto aos medicamentos usados nas nevroses, a these de Julio Cezar


da Silva traz somente uma descrição superficial acerca dos “generos de remedios”,
classificando-os nos seguintes grupos: “analépticos”, “tônicos”, “excitantes”,
“calmantes”, “antispasmodicos” e os “derivativos”.

Ainda sob o manto do mentalismo pineliano e esquerioliano, a these A


Monomania, de Francisco Julio de Freitas e Albuquerque, em 1858, enraizada nas
descrições dos tipos clínicos das monomanias, extraídos do manancial teórico de
Esquirol, é apresentada perante a Faculdade de Medicina da Bahia.

A these de Silva descreve a “symptomatologia” de variados exemplos da


monomania, tais como: monomania ambiciosa ou de orgulho (orguilomania),
monomania alegre (aménomania), monomania triste (lipémania), monomania suicida
- toedium vitae - (autoctonomania), monomania furiosa (manicomania), monomania
religiosa (ascetismo), monomania narcisa, monomania erotica (erotomania),
monomania do casamento (gaménomania), monomania do roubo (kléoptomania),
monomania incendiaria (pyromania) e monomania homicida (androphonomania).

Contrariamente aos exageros diagnósticos presentes para as monomanias


esquirolianas, a these de Albuquerque apresenta sucinto e repetitivo repertório
terapêutico para essa doença, havendo restritas orientações quanto ao “tratamento
moral”. Para o “tratamento physico” há limitação de recursos, sendo limitado aos
ditames preventivos e higiênicos, além da simples citação de grupos
farmacoterápicos:

Podemos applicar o entendimento, e as paixões dos doentes á sua cura, e


lançar mão dos poderosos meios moraes, bem como: o isolamento relativo
ou absoluto, os passeios, jogos, o trabalho, as viagens, a conversação, a
112

leitura, a musica, os exercicios de memoria, a reunião no momento das


comidas, os subterfugios, os estratagemas, o constrangimento, a intimidação,
&c. [...] Para o tratamento physico, estão compreendidos: um local secco e
bem ventilado; os exercicios corporaes; as emissões sanguineas; os
vomitivos, os purgativos, os narcoticos, os antispasmodicos, os tonicos, os
mercuriaes, e finalmente a electicidade (ALBUQUERQUE,1858, p.28).

É importante ressaltar, com relação às theses tanto do Rio de Janeiro


quanto da Bahia, que referenciavam como prioritário o “tratamento moral” e como
acessória a “therapeutica medica” que, embora esses tratamentos alienísticos
descritos fossem restritos e pouco consubstanciados cientificamente, eram
representativos de modelos semelhantes àqueles empregados, sobretudo na Europa.
113

Capítulo 4

4. O PROTAGONISMO DA “THERAPEUTICA MEDICA” NA ALIENAÇÃO MENTAL


NA ASSOCIAÇÃO MÉDICA, NAS THESES DE CONCLUSÃO DOS CURSOS DE
MEDICINA E NA MEDICINA DO HOSPÍCIO NO BRASIL DO SÉCULO XIX

Após a absorção dos conceitos de dose e efeito, e a criação do “laudano”,


como solução, de Paracelso no século XVI, a medicina colonial brasileira ingressa no
século XIX ainda com dificuldades de dosimetria nos fármacos utilizados na clínica,
de forma semelhante ao que ocorria em Portugal.

Lopes (2005) relata que o processo de adoção do sistema métrico decimal


francês por Portugal não foi pacífico, ficando sujeito a demandas de interesse de
diversos matizes, estando inclusas as de ordem política, jurídica e social. No que se
refere às dosagens da farmacopeia médica, as unidades utilizadas de “grãos” e
“onças” somente foram alteradas de forma definitiva para as unidades decimais, após
a Revolução Francesa, em 1795 na França, e, em 1852 em Portugal, por força de um
decreto régio de lei. É importante salientar que as tentativas de mudança do sistema
métrico português para o francês iniciaram-se em 1802, com estudos primevos que
ainda mantinham a nomenclatura em português para as novas medidas propostas
pela França.

No Brasil, as dificuldades encontradas pelos médicos com atuação na


colônia, desde o início do século XIX, foram ainda maiores quanto à imprecisão nas
dosagens medicamentosas. Moreira & Massarini (1997) atribuem ao trabalho
incansável de Cândido Baptista de Oliveira (1801-1865) a implantação do sistema
métrico decimal francês em terras brasileiras. Oliveira teve uma trajetória política
bastante diversificada no Brasil Império. Foi deputado, senador, ministro e
embaixador. Como engenheiro de formação fez curso em Paris voltado para a
metrologia na École des Ponts et Chaussées. O périplo histórico das ações de Baptista
de Oliveira pela reordenação e regulamentação do sistema métrico brasileiro é assim
referenciado:

Após várias discussões entre 1834 e 1836, o projeto foi aprovado na Câmara,
mas não no Senado. Em 1851, propôs-se novamente o sistema métrico
114

decimal na Câmara, sem êxito. Batista de Oliveira não desistiu: entre 1857 e
1861, publicou, na Revista Brasileira, criada e dirigida por ele, textos sobre
metrologia, nos quais defendeu o sistema métrico decimal. Outros intelectuais
e ‘politécnicos’ importantes foram, na época, defensores da mesma ideia. [...]
Finalmente, em 26 de junho de 1862, inspirada na proposta de Batista de
Oliveira e em pareceres e manifestações de outros defensores, a implantação
do sistema métrico decimal virou lei (n° 1157) (MOREIRA & MASSARINI,
1997, p. 6).

Embora houvesse uma previsão de dez anos para a implantação da Lei nº


1157, não foi efetivamente na prática o que se observou no tocante às dosagens de
fármacos medicinais citados nas theses brasileiras. Após 1872, ainda se percebem
abundantes referências nesses trabalhos acadêmicos a unidades de medidas de peso
como “grãos” e “onças” nas diluições prescritas. Essa imbricação das administrações
médicas de fármacos com a cultura popular estaria oficializada com a publicação de
obras, respaldadas pelo império e conhecidas como Dicionários Populares de
Medicina.

No Brasil, esse processo de popularização e aceitação da medicina na


primeira metade do século XIX, é constatado por Moreira (1996) que edita fac-smile
do Formulario e Guia Medico, decima nona edição (1920), de Pedro Luiz Napoleão
Chernoviz (1812-1881). Essa foi a última atualização desse manual originariamente
escrito para “boticários” no século XIX, a partir da 1ª edição em 1841, e com
atualizações após a morte do autor, para farmacêuticos até a segunda década no
século XX.

Piotr Ludwik Napoleon Czerniewicz, polonês de nascimento, aportuguesou


seu nome para Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, quando da sua emigração para o
Brasil, em 1840, após conclusão da formação médica em Montpellier na França, onde
teve breve atividade médica. Chernoviz teve imensa aceitação e prestígio no Brasil
Imperial tanto na categoria médica quanto no governo e na sociedade em geral, com
o lançamento do Formulario e Guia Medico e do Diccionario de Medicina Popular e
das Sciencias Accessorias, além de obras voltadas para história natural dos vegetais
e de outras para o público infantojuvenil. Quanto ao “Diccionario Popular”, Sacramento
Blake, em 1902, a ele se referia: “descreve, em linguagem accommodada ás pessoas
115

extranhas á arte de curar, os signaes, as causas e o tratamento das moléstias; os


soccorros que se devem prestar nos accidentes graves e súbitos” (ibid, p.47).

O Formulário ou Guia Médico, obra destinada prioritariamente aos


boticários (farmacêuticos), com atuação em todo o Império brasileiro é lançado em
1841. O Dicionário Médico, por sua vez, teve publicações entre 1842 e 1890, sendo
essa última edição republicada em fac-smile, até meados do século XX. A obra teve
aceitação e difusão mundial com as edições a partir de 1855, tendo da França a
supervisão de Pedro Chernoviz, para onde retornou após 15 anos de estada no Brasil.
Pela intimidade com que leigos, médicos, farmacêuticos etc., ou seja, pessoas de
diferentes culturas e variadas classes sociais utilizaram o livro, ele passou a ser
popularmente chamado de Manual do Chernoviz. O “Chernoviz” também serviu como
subsídio para autodidatas e pessoas leigas que exerceram ofícios de cura (BLAKE,
1902; GUIMARÃES, 2005).

A publicação do Formulario e Guia Medico de Chernoviz, já em sua sexta


edição de 1864, antecipava a manipulação dos medicamentos com a utilização do
sistema métrico decimal francês. Ele passou a ser adotado majoritariamente em
trabalhos médicos acadêmicos oitocentistas no Brasil, somente a partir da década de
1870. Dessa forma, Chernoviz traduzia a metragem da farmacopeia francesa para a
brasileira em sua obra:

Figura 1: Pesos e Medidas (CHERNOVIZ, 1864, p.61)


116

A mudança de atitude da metrópole portuguesa como um todo, em relação


à sua principal colônia, o Brasil, na virada do século XVIII para o XIX, havia sido
extensiva a maior estímulo ao desenvolvimento das ciências e, consequentemente, a
um menor distanciamento entre a ciência da corte e o povo. A Coroa Portuguesa
promoveu pesquisas botânicas, estimulou a criação de sociedades científicas e
organizou expedições mistas, entre cientistas reinóis, brasileiros e estrangeiros, com
a finalidade de acumular conhecimento e domínio sobre suas colônias (GUIMARÃES,
2013).

Nesse sentido, surgiria então mais uma iniciativa de um médico


estrangeiro, adotado pela medicina brasileira, com uma proposta de criação de um
manual médico semelhante ao editado por Pedro Chernoviz, o Diccionario de
Mecidina Domestico e Popular, de Theodoro Johanis Henrique Langgard (1813-1883).

Langgard forma-se em medicina em Copenhague, na Dinamarca, obtendo


também o título de doutor em medicina, na cidade de Kiel, Alemanha. Ele emigra para
o Brasil em 1842 e passa a residir por longos anos, até 1870, em Campinas, São
Paulo. Em 1846, Langgaard, após aproximação pessoal e científica com o Dr. Cruz
Jobim, defende these para revalidação do seu diploma perante a Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro. Em 1865, Langgaard publica o Diccionario de Mecidina
Domestico e Popular, numa edição revisada e ampliada em 1872-1873.
Posteriormente, em 1868, lança o Formulario Medico e Pharmaceutico ou
Vademecum Medicum em mais duas edições revisadas e ampliadas em 1873 e 1880
(BLAKE, 1902; GUIMARÃES, 2005).

Nos verbetes relativos à “alienação”, tanto o dicionário de Chernoviz, 1851,


quanto o de Langgaard, 1865, traduzem esse termo como “loucura”, mantendo
terminologia descritiva, popularmente adotada desde as primeiras décadas do século
XIX, nas publicações voltadas para o público leigo. Nas orientações relativas aos
“tratamentos da loucura”, o livro de Langgaard mantém texto mais elaborado do que
o de Chernoviz, com maior aproximação da linguagem médica:

Os loucos devem estar isolados, separados de todas as pessoas com quem


vivião, e postos de maneira que possão ser facilmente vigiados. É necessario
tomar todas as precauções para impedir que se matem, se elles tem
inclinação ao suicídio, ou que se entreguem ao onanismo. [...] O tratamento
da loucura é difficil e complicado, e é quasi impossível que as famílias possam
fazer o que convem a respeito dos alienados. Só a presença das pessoas e
117

cousas habituaes é um grande obstáculo á sua cura. Interesses de muitos


gêneros combinam-se para determinar as famílias a encerrar os alienados
nos estabelecimentos públicos ou particulares (CHERNOVIZ, 1851, p.491-
492).

Os lugares mais apropriados para o tratamento destes doentes são


inquestionavelmente os estabelecimentos e hospicios próprios e creados
para este fim, muito principalmente por sahirem os doentes das suas relações
anteriores, onde muitas vezes se deve procurar a causa da loucura [...] Em
um hospicio de alienados encontra-se ordinariamente como auxiliares
indispensaveis, enfermeiros e guardas peritos [...] e muitas outras
commodidades que em uma casa particular é impossivel reunirem-se
(LANGGAARD, 1865, p.710).

Quanto às indicações terapêuticas propriamente ditas, a lógica é mantida.


Langgaard faz um detalhamento com linguagem mais aproximada dos trabalhos
acadêmicos, enquanto Chernoviz utiliza linguagem direta e de mais fácil
compreensão, que seria mantida em edições posteriores:

Se se pudesse obter dos doudos um trabalho mecânico quotidiano de muitas


horas e ao ar livre, as curas seriam muito mais numerosas [...] não ha cousa
melhor para refrear a actividade das idéias do que os exercícios physicos
perseverantes, prolongados e até um pouco penosos, como a agricultura, as
artes mecanicas, a caça, etc [...] emfim, o exercicio dispõe ao somno, que é
um grande beneficio para muitos doudos (CHERNOVIZ, 1851, p.494-495).

O tratamento póde-se dividir em somatico ou physico, e em psychologico; o


seu emprego depende das causas. O primeiro tem em vista combater as
causas e complicações organicas: o segundo occupa-se sómente das
funcções intellectuaes alteradas. (LANGGAARD, 1865, p.711).

O dicionário de Langgaard, uma síntese representativa das substâncias,


compostos e poções utilizadas como fármacos nos tratamentos médicos, no século
XIX, foi elaborado conforme descrição do próprio autor, na “prefação” de sua obra
entre 1842 e 1865, como resultado de andanças do médico pelo interior do Brasil. Na
obra, ele faz referência ao cuidado com a utilização equilibrada de termos médicos
acadêmicos e de outros, populares, que pudessem ser absorvidos por leigos (ibid).

Quanto aos itens da “therapeutica medica”, Langaard cita como relevante


o “tratamento prophylactico”, curativo e preventivo, “antes que a loucura faça a sua
118

explosão” (LANGAARD, 1865, p.711). Nesse caso, faz a individualização dos


tratamentos em “somaticos”, “especiais” e “psychologico”.

Quanto ao “tratamento somatico” na alienação mental, Langgaard afirma


como objetivo “combater causas organicas, sem, porém, perder de vista os
desarranjos intellectuais” (ibid, p.711). Para doentes mentais que cursam com estado
congestivo ou plethorico exige-se um “tratamento antiphlogistico” e uma dieta
eminentemente vegetal. Para os pródromos da congestão, “sangrias moderadas”,
“laxantes brandos” (sal de Glauber, cremor de tartaro, limonada de citrato de
magnésia, cremor com leite ou flôr de enxofre). Para a irritabilidade nervosa,
Langgaard preconizava: “tintura arsenical de Fowler”, contra o orgasmo da circulação,
“quarto fresco”, “agua fria em quantidade”, “banhar a cabeça”, “ether sulphurico sobre
a cabeça depois de rapada”, “calomelanos”, “nitro”, “louro-cerejo” e “revulsivos”, tais
como “tartrato neutro de potassa”, “camphora com vinagre destillado ou com opio”
(ibid).

Nos casos de mania, o dicionário de Langgaard orientava: “almiscar”,


“assafetida”, “valeriana”, “belladona”, “estramonio” e “chlorophormio”. Já nos casos de
vitalidade deprimida, Theodoro Langgaard indicava: “remedios incitantes” (tartaro
emetico, em doses irritativas estomacais), “ar fresco”, “luz”, “claridade”, “calor do sol”,
“banhos geraes mornos e aromaticos”, “galvanismo”, “electricidade”, “ether”,
“essencias ethéreas”, “phosphoro”, “fricções da pelle”, “alimentação e bebidas
nutrientes”, “exercicios ao ar livre” e “distracções agradaveis e alegres” (ibid).

Langgaard faz especial menção a medicamentos poliutilizados para


diferentes formas de alienação mental durante o século XIX. Para tanto, cita o exemplo
do “opio” como um remédio em desuso, sendo progressivamente substituído pelo
“extracto de estramonio”, uma planta com ação semelhante à da “digitalis”, ambas
inclusas no grupo dos “narcoticos”. Outra menção especial diz respeito aos
“emmenagogos”, utilizados quando a alienação fosse proveniente da supressão da
menstruação. Os casos de mania puerperal tratavam-se com “camphora com
vinagre”. Especialmente para os casos de mania nos estados agressivos, o Dr.
Theodoro Langgaard preconizava cuidado especial com a alimentação, no sentido de
119

se evitar o “excesso no comer” e optar pela alimentação durante a crise, em porções


menores e repetidas vezes por dia (ibid).

Quanto aos tratamentos especiais, após o que Langgaard chama de


“explosão da mania”, é inicialmente feito com “uma sangria de 12 a 15 onças, sendo
no pé ou na perna”. Após esse ataque terapêutico e sem resposta clínica, recorre-se
a uma segunda “sangria”, até se manifestar “syncope” na sequência e, em conduta
expectante, deve-se esperar (ibid).

Quanto ao “tratamento psychologico”, Langgaard referencia que ele


consiste em influir sobre a “intelligencia e espirito” e que deve “andar de mãos dadas”
com o “tratamento somatico”. Esse tratamento assemelha-se ao “tratamento moral”
de Pinel e Esquirol, com algumas orientações comportamentais diferenciadas, e assim
definia-se no “Manual de Langgaard”:

Pode-se considera-lo como uma especie de educação que tem por fim fazer
o doente pensar racionalmente, e dirigir as suas acções independentemente
e por si, devendo o medico portar-se para com estes doentes com toda a
paciencia, amizade e condescendencia, porém tambem com muita
severidade, e ser sempre consequente nos seus actos, e ás vezes mesmo
recorrer a certo rigor. A persuasão e as contrariedades em geral nada valem;
por isso deve o medico procurar influir sobre o lado mais são da organisação
psychologica, e tirar partido por este meio, servindo às vezes de entrada para
isto o amor á vida, á liberdade, e para com certas pessoas e ocupações,
ambição, sentimentos de religião, actividade, etc (ibid, p.714,715).

As dificuldades dos médicos gerais, quanto à “therapeutica” com atuação


nas três primeiras décadas do século XIX, refletiam-se principalmente no reduzido
cabedal de formas terapêuticas. Esses itens terapêuticos eram utilizados
associativamente nas doenças da mente, quer fossem esses tratamentos químicos,
físicos ou biológicos.

Nesse sentido, em ata lavrada pelo secretário da Sociedade de Medicina


do Rio de Janeiro, Dr. Luiz Vicente De Simoni, relativa às “conferencias verbaes” na
sessão de 7 junho de 1833, com publicação posterior na Revista Medica Fluminense
em abril de 1835, é apresentado um painel demonstrativo das formas terapêuticas
disponíveis para os tratamentos praticados no Hospital da Misericordia. Na mesma
sessão foi abordada a necessidade de pesquisas próprias no Brasil, como alternativas
de menor custo e maior eficácia no controle curativo das doenças. São importantes
120

as intervenções dos Drs. Joaquim Vicente Torres Homem (1800-1858), Joaquim


Cândido Soares de Meirelles e José Martins da Cruz Jobim:

O Sr. Torres, louvando a communicação acima feita pelos sócios, e insistindo


na necessidade, e vantagem de se substituirem, quando he possivel, os
remedios indigenas aos exoticos para enriquecer a matéria medica Nacional,
chamou tambem a attenção da Sociedade sobre as propriedades
epispasticas, e visicatoriaes de huma planta, que vulgo de Campos, sua
pátria, empregada com vantagem como vesicatorio, socando as folhas della
com vinagre, e formando hum erithema, que applicado á pelle, produz em
poucas horas huma vesícula igual á que produzem as cantharidas (REVISTA
MEDICA FLUMINENSE,1835, ed.I, p.5)

Os vesicatórios, já citados como alternativas de tratamento aos estados de


agitação e agressividade da mania, eram fonte de observação científica a possíveis
medicamentos menos onerosos e mais duráveis do que as tinturas-mãe ou sais
importados da Europa, conforme enfatiza o Dr. Torres Homem na transcrição da
sessão feita pelo Secretário Dr. De Simoni:

He segundo elle hum pequeno arbusto que cresce em abundancia no districto


de Campos, e que como elle pensa pode muitas vezes ser substituido ás
cantharidas da Europa, que muitas vezes chegão aqui alteradas, ou se achão
caras, e escaças no commercio. Esta planta segundo asseverou o Sr.
Meirelles chama-se vulgarmente ‘Louco’, e he da familia das Jasmineas de
Jussieu, e cresce tambem na Ilha de Paquetá, aonde elle a colheo em 1829
(ibid, p.5).

A mesma lógica observa-se quanto aos tratamentos biológicos com as


“bichas” (sanguessugas), referenciadas como abundantes em águas fluviais
brasileiras, mais fixadoras na pele e com sugações menos dolorosas. Assim, o
Secretário relata essa outra alternativa também utilizada no tratamento das alienações
mentais em internos da Santa Casa de Misericordia:

O mesmo Sr. Torres, insistindo na substituição dos remedios indigenas aos


exoticos, chamou a attenção dos Socios sobre o emprego das sanguixugas
do paiz, que abundão execessivamente nos rios, e sobre tudo no de Campos,
e Parahiba, e que são desprezadas para se comprarem a caro preço as
importadas da Europa, pagando-se assim hum tributo espantoso ao
estrangeiro, pelo grande consumo que se faz destes vermes na therapeutica.
As bichas nacionaes , segundo elle, pegão muito bem mergulhando os
membros em agoa, ou fazendo pequenas cisuras na pelle com lanceta, ou
molhando a parte com algumas gotas de sangue: ellas saõ isentas dos
incovenientes que se lhes attribuem, e podem-se alcançar mui facilmente por
preços mui baratos (ibid, p.6).
121

O Dr. José Martins da Cruz Jobim, diretor da Faculdade de Medicina do Rio


de Janeiro, em palavras transcritas na mesma reunião pelo Dr. De Simoni, expressa
de forma clara e objetiva o desejo da categoria médica, sobretudo acadêmica, de
rechaçar qualquer influência da fitoterapia indígena e absorver os tratamentos com
vegetais, no âmbito da botânica médica europeia:

O Sr. Jobim estimando muito estas communicações tendentes ao augmento


da matéria medica Brasileira disse, que o zelo de illustrar e descobrir
remedios indigenas não devia distrahir a attenção dos Socios, e mais
Facultativos Nacionaes do préstimo dos extranhos, quando dotados de
eminentes virtudes; e a este proposito entreteve a Sociedade com algumas
observações suas relativamente a hum da Europa, conhecido desde os
primeiros tempos na medicina, e talvez injustamente abandonado pelos
modernos (ibid, p.7).

Neste campo da Botânica Médica, Emilio Joaquim da Silva Maia apresenta


“memoria”, intitulada Sobre o Tabaco, para ingresso na Sociedade de Medicina do Rio
de Janeiro nas Sessões de 6 e 18 de dezembro de 1834. Posteriormente, ela seria
publicada na Revista Medica Fluminense, nas edições de abril, maio, junho e julho de
1835.

Quanto aos efeitos terapêuticos mentais do “tabaco”, Maia discerne que o


seu uso como estimulante deve ser moderado e monitorado. Citando o Dr. Benjamin
Rush, em artigo no periódico Journal of Health, como referencial teórico que
sustentasse a validade do princípio ativo do tabaco, assim como a necessidade de
acompanhamento dos pacientes quanto ao grau de dependência que poderia advir
em “pessoas delicadas” e de “temperamento nervoso”, afirma:

No entretanto o habito do tabaco, sendo moderado he util, com tanto que se


não misture com elle outros ingredientes; pois he necessario notar, que o
abuso deste habito pòde ser nocivo, como acontece com o abuso de todos
os excitantes. [...] O tabaco convem às pessoas de hum temperamento
lymphatico, de huma constituição molle, e nos paizes quentes, onde quase
todos os nossos tecidos orgânicos são dotados de huma atonia particular
(REVISTA MEDICA FLUMINENSE,1835, ed.III, p.33).

A busca cientificista que caminhava junto ao ideal organicista da medicina


geral, inclusa a medicina alienística, ainda cedia espaço às excessivas flexibilizações
122

dos regulamentos das Faculdades de Medicina, que permitiam a simplória


apresentação de theses em forma de “proposições”.

Foi esse o caso do médico José Maria de Noronha Feital (1818-1873), que
concluiu seu curso de medicina em 1839 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,
apresentando a these intitulada Algumas Proposições em Medicina. A these se
constituiu em trabalho peculiar, inclusive para os padrões da época, por conter
somente “aforismos médicos”, feita provavelmente apenas para cumprir a etapa
burocrática de conclusão do curso de medicina. No tocante à “therapeutica medica”,
Feital reproduz o seguinte pressuposto:

A therapeutica não consiste sómente no conhecimento do modo geral de agir


dos medicamentos: o ubi (onde), unde (de onde), cur (por que), quandó
(quando), quomodó (como), et quantum (e quanto), são os principaes
segredos da arte de administrar os medicamentos [...] o estado geral do
individuo, a causa productora da moléstia, sua séde, e a natureza dos
symptomas, é que devem dirigir-nos na escolha destes meios (FEITAL, 1839,
p.4-5).

No Brasil, as theses e as sessões da Academia Imperial de Medicina, ao


se aproximarem da metade do século XIX, refletiriam predominantemente no discurso
médico a virada do alienismo franco-germânico, de majoritariamente mentalista para
o oposto organicista. Esse organicismo em sua fonte europeia teria o processo
demarcatório mais nítido com as teorias hereditárias de Prosper Lucas (1808-1885),
na obra Traité philosophique et physiologique de l'hérédité naturelle, de 1847, e de
Moreau de Tours (1804-1844) com o trabalho De la prédisposition héréditaire aux
affections cérébrales. Existe-t-il des signes particuliers auxquels on puisse reconnaıtre
cette prédisposition e, sobretudo, de Bénédict Augustin Morel (1809-1873) com a
“Teoria da Degenerescência”, explicitado no seu Traité des dégénérescences
physiques, intellectuelles et morales de l’espèce humaine, em 1857 (OLIVEIRA,
2003).

Assim é que, em 1839, Luiz Antonio Chaves, um concludente da Faculdade


de Medicina do Rio de Janeiro, desenvolve trabalho acadêmico que nomeia
Dissertação Sobre o Opio. Nesse particular, a these apresenta o “systema nervoso”
123

como sede natural de causa ou influência para a maioria das doenças, quer sejam
mentais ou orgânicas:

A theoria do cerebro, dos nervos e das faculdades desses orgãos é por tanto
a chave da medicina pratica. Dous systemas nervosos existem na economia
animal; o nervoso cerebral, e o nervoso ganglionar. O primeiro destinado a
perceber as sensações, produz e transmitte as vontades; o segundo
distribue-se e preside ás funcções da assimilação, thaes como a digestão,
respiração e circulação. [...] está incontestavelmente demostrado, que o
cérebro é o mais essencial das viceras, que é o instrumento e o centro das
operações intellectuaes (CHAVES, 1839, p.3-5).

As ações terapêuticas do ópio na clínica alienística são relacionadas por


Luiz Chaves, dentro das ações gerais e muito diversificadas desse medicamento,
exemplificando que a ação do ópio em todo o sistema nervoso propiciaria o seu uso
como panaceia para diversificadas doenças quer fossem orgânicas ou mentais. Assim
relaciona a these do autor:

De todos os medicamentos narcoticos o opio é o mais energico; ao menos é


aquelle cujos effeitos são mais conhecidos, cujo emprego, por conseguinte,
é o mais seguro; e esta substancia parece que é dotada de uma acção mui
especial sobre as propriedades vitaes do cerebro e nervos: a sua utilidade
em medicina está na razão da importancia extrema destes orgãos na
economia animal (ibid, p.4, 19).

No trabalho de Luiz Chaves, há uma importante sintetização do objetivo da


ação dos fármacos na alienação mental. Como regra geral, buscava-se o
enfraquecimento da doença, mesmo que isso implicasse um processo de astenia,
generalizado a todo o organismo.

O opio parece obrar diminuindo a energia vital do cerebro, interrompendo as


comunicações e relações sympathicas deste orgão com os outros,
interceptando de alguma sorte as vias pelos quaes se propagava a dôr [...] É
sem duvida porque o opio entorpece as forças vitaes, que elle encadêa, por
assim dizer, as faculdades sensiveis e irritaveis e que por suas qualidades
narcoticas, torna o corpo humano menos accessivel ás differentes doenças;
e muitos factos demonstrão que aquelles que fizerem um uso moderado
desta substancia, raras vezes contrahem a affecção syphilitica (ibid, p.27, 30-
31).

Quanto ao tratamento específico das alienações mentais, o trabalho de Luiz


Antonio Chaves admite um uso muito restrito do ópio. Para tanto, cita tratamentos
empíricos com parcos resultados referentes aos casos da epilepsia e hysteria. Em
124

uma these eminentemente voltada para a “therapeutica”, a dissertação de Antonio


Chaves, diferentemente dos trabalhos de cunho mentalista, revela cuidados no
detalhamento das contraindicações do ópio como medicamento de ação
viscerocerebral ou cerebral, inclusive em aspectos ilusórios quanto aos efeitos
observados na resposta do paciente e no excesso de confiança do médico:

Desgraçadamente são mui numerosos os inconvenientes e perigos deste


medicamento, e seria-nos difficil decidir, se o opio tem sido mais prejudicial
que util; porem o mesmo poderemos dizer da sangria, de todas as forças, e
de todos os agentes os mais energicos da natureza; quanto mais a força pode
produzir bons effeitos, tanto mais ella está apta a ser nociva [...] o maior perigo
que o opio pode ter sobre a economia não resulta da influencia mortal, porém
da illusão em que ele intretem o doente e o medico. Elle combate, e acalma
as dores, a agitação, os spasmos, e outros phenomenos pathologicos [...] elle
domina o moral, e a imaginação, enche a alma de coragem, e esperança á
ponto do doente e o medico ignorar o verdadeiro estado das cousas, occultar-
o perigo (ibid, p.41).

A sífilis, cujo agente etiológico o treponema pallidum só viria a ser isolado


em 1905, foi tema recorrente das theses no século XIX. Ela aparece inicialmente no
meio acadêmico brasileiro, em these de 1839, de Domiciano da Costa Moreira,
intitulada Considerações Geraes Sobre a Syphilis e apresentada à Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro. Nesse trabalho, expõe-se, a necessidade de demarcar o
que era mental ou orgânico na syphilis. No decorrer do século, essa doença se tornaria
simbólica pela busca incessante do micróbio, particularmente chamado na these de
Domiciano Moreira de “virus syphilitico”:

Quanto ás affecções do systema nervoso, tem-se considerado que a syphilis


podia determinar a surdêza, a amaurose, a apoplexia, paralysia, e diversas
alienações mentaes, como a hypocondria, melancolia, mania, &c.; porém nós
duvidamos que a syphilis só por si, possa ser causa de semelhantes males,
e muito menos de alienações mentaes; apezar de fazer nascer em hum
grande numero de doentes, e entre muitos medicos huma inquietação de
espirito, que os faz acreditar ver huma syphilis patente, disfarçada, ou mesmo
degenerada em todas as doenças obscuras, que se lhes oferecem
(MOREIRA,1839, p.23).

Quanto ao tratamento da syphilis, a dissertação de Moreira relata o uso do


mercúrio como sendo marco histórico evolutivo de grande importância, por se associar
ao novo olhar organicista diagnóstico e, consequentemente, terapêutico:

O tratamento da syphilis tem variado com os diversos systemas adoptados,


ou rejeitados alternativamente. Os sudoríficos, os diuréticos, os purgativos
125

forão ao principio empregados: porém depois, quando se considerou a


syphilis como devida a hum virus, todos os esforços dos medicos dirigiram-
se para a neutralisação, ou decomposição deste virus [...] nenhum se julgou
então mais proprio, para destruir este virus, do que o mercurio: [...] huma
doença era ou não venerea, conforme cedia, ou não ao mercurio (ibid, p.33).

Assim como observado no âmbito do mentalismo, a amplitude dos


trabalhos de cunho predominantemente organicista também se diversificava.
Guilherme Antunes Marcello, em 1843, em sua these de conclusão do curso de
medicina, na Faculdade do Rio de Janeiro, intitulada Considerações Sobre o
Magnetismo Animal, expõe a preocupação em dotar o magnetismo de bases
supostamente científicas. Pela dimensão temporal, percebe-se que os encantos do
mesmerismo perduraram como temática no incipiente alienismo brasileiro, ávido por
respostas clínicas. O trabalho de Marcello assim tentava explicar a ação do
magnetismo animal, apoiado na teoria de Mesmer:

Um fluido cujas correntes eram communicadas pelas chapas ao corpo do


homem; e que este fluido, que elle acreditava existir espalhado pelo universo
e obrar sobre todos os corpos, podia, dirigido pela vontade, excitar no
microcosmo morbido um fluxo e refluxo similhante ao do oceano, e produzir
assim effeitos salutares (ibid, p.4).

Para explicitar o tratamento através do magnetismo animal, a dissertação


de Antunes Marcello procura traduzir o que seria essa força vital. Esse trabalho,
organicista em sua essência, é representativo de que as temáticas do organicismo
expressavam maior elaboração do que aquelas predominantemente mentalistas:

Espalhada por todo universo, uma matéria subtilissima sem a qual os seres
existentes não teriam actividade alguma: esse fluido, por meio de um fluxo e
refluxo, não só entretinha as relações de todos os corpos da natureza, como
tambem os modificava; elle era desiguinado com o nome de ‘Magnetismo’. O
homem, como parte integrante do universo, tambem o possuia, e era por meio
delle que obrava sobre os seus similhantes, produzindo alterações em seu
organismo. A esta influencia de homem á homem chamou Mesmer --
Magnetismo Animal--(ibid, p.9).

A these de Guilherme Antunes Marcello, em um processo melhor elaborado


textualmente, descreve o contraponto de autores que apenas consideravam o
magnetismo animal como sendo reflexo de induções psicológicas.

Outra exemplificação da diversidade nos assuntos das theses se observa


no trabalho de Antonio Felix Martins intitulado Dissertação Sobre a Irritabilidade e o
126

Principio Activo dos Nervos, em 1843, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.


Nessa dissertação, Felix Martins tenta descrever a etiopatogenia da irritabilidade dos
nervos quais fossem mecânicas, térmicas, químicas ou elétricas. No caso específico
das irritações nervosas decorrentes das ações das substâncias “reactivas” gerais ou
locais, nos tratamentos com “emeticos”, a these busca descrever o efeito convulsivo,
colateral, dessa classe de medicamentos:

Outros reactivos porem, como o acido sulfurico, chlorhydrico, azotico, o


chlorureto de antimônio, o deuto-chlorureto de mercurio, e o alcool só
determinão convulsoens, quando empregados sôbre os musculos mesmos
[...] O facto de que o emetico injectado na veia, ou applicado á uma ferida,
produz o vomito, assim como quando esta é tratada pelo chlorureto de bario
&c., serve de faser crer que os irritantes levão tambem sua acção aos nervos
por meio do sangue (MARTINS, 1843, p.12).

A these de Antonio Felix Martins, inserida na fisiopatologia clínica e


experimental, apontava para uma característica frequentemente presente nos
trabalhos de cunho organicista do alienismo brasileiro. No bojo do organicismo, havia
preocupação com os efeitos colaterais clinicamente observados nos tratamentos
inseridos na “therapeutica”.

Na these de 1844, Dissertação Sobre a Hysteria, Joaquim Antão de Sena


apresenta trabalho que relaciona essa doença historicamente, desde a teoria causal
hipocrática até a aceitação da prevalência da hysteria também no sexo masculino:

Os antigos forão optimos observadores, porém baldos em conhecimentos


exactos de anatomia e physiologia, commettêrão erros innumeros; e
desejosos de tudo explicar, inventárão theorias as mais absurdas: assim para
a hysteria elles admittirão, que o utero deslocando-se viajava pelo ventre e
peito, ia até á garganta produzir a suffocação: esta opinião garantida por um
nome illustre (Hippocrates), foi geralmente adoptada, e por tanto a hysteria
tida como propria e exclusiva da mulher (SENA, 1844, p.4-5).

Acerca da caracterização clínica da hysteria, a these de Sena utiliza


recursos de diferenciação diagnóstica, evidenciando cuidado comparativo a fim de
possibilitar uma estratégia clínica e terapêutica melhor especificada para a doença:

Em geral o diagnostico da hysteria é facil; mas como ella, além dos pontos
de contacto que tem com a hypocondria, epylepsia, etc., coincide muitas
vezes com estas affecções, julgamos indispensavel o estudo do diagnostico
differencial. E foi sem duvida esta circumstancia que levou Sydenham a
confundir a hysteria com a hypocondria (ibid, p.20-21).
127

Quanto à estratégia terapêutica, a dissertação de Joaquim Sena referencia


que as intervenções devem obedecer à intensidade e ao curso da doença, havendo
referência também à compleição física da paciente acometida desse mal. Para o
tratamento da hysteria, a these de Joaquim Antão de Sena preconiza medidas
“therapeuticas” e “moraes”, de acordo com a intensidade e o curso da doença,
subdividindo-a nas categorias “recente” e “antiga”, reforçando, desse modo, o
ecletismo terapêutico sempre predominante. O trabalho do autor conclui com a
afirmação de que o casamento não atua, perenemente, como um “calmante” do útero:

Os ante-espasmodicos, ante-flogisticos, revulsivos e tonicos; taes são os


meios de que o pratico póde lançar mão para combater a hysteria [...]
conforme a mulher fôr fraca natural ou accidentalmente e d’um temperamento
lymphatico, ou d’uma constintuição forte e temperamento sanguineo, etc. [...]
Muitos autores apontão o casamento como meio, por excellencia, capaz de
curar a hysteria, por observarem que as fucções do utero se regularizão
depois deste acto, desapparecendo conjuctamente os ataques hystericos que
tinhão lugar antes dele (ibid, p.24-25).

A hysteria foi tema recorrente nas theses da década de 1840, pela


congruência de aspectos mentalistas e organicistas imbricados nas descrições
polissintomáticas dessa doença. Portanto, em these subsequente de 1846, com o
mesmo título Dissertação Sobre a Hysteria, Rodrigo José Gonsalves apresenta à
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro um estudo com particularidades na
hierarquização clínica e, consequentemente, terapêutica da hysteria. De início, a
these de Gonsalves relaciona os sinônimos:

He a hysteria tão frequente nas mulheres [...] dahi nascerão essas multidões
de opiniões, esse grande número de synonymias: hysteria, hystericismus,
hysteriasis, hystericum malum, morbus hystericus, uteri adscensus, morbus
strangulatorius, suffocation uterine, hysteralgia, passio hysterica, uteri dolor,
vapores uterine, dispnaea hysterica, strangulatio vulvae, strangulatio
hysterica, asthma uteri, etc., etc (GONSALVES, 1846, p.3).

Em relação à “séde da hysteria”, Gonsalves cita autores que sustentam ser


o útero a origem da doença, de acordo com Hipócrates, Areteus da Capadórcia e
Haller. Outros, acompanhando Galeno, defendiam que a hysteria seria uma
consequência dos “vapôres malignos”. Um terceiro grupo aceitava a teoria de Georget
de ser o cérebro a sede funcional dos fenômenos histéricos. Finalmente, um quarto
grupo, baseado nas noções de simpatia nervosa, admitia que a hysteria seria sediada
128

no “systema nervoso em geral” (sistema nervoso periférico). A dissertação de


Gonsalves defende esse último modelo.

A these é concluída com a afirmação de que o tratamento teria que


obedecer à lógica da relação de causa e efeito entre as vísceras toracoabdominais e
o cérebro, em uma alternância de irritabilidades. Com efeito, a “therapeutica” para a
doença, assim como para o grupo das alienações mentais, é estabelecida nos dogmas
e no empirismo.

Na sequência cronológica que apontava para a predominância da


compreensão organicista para as alienações mentais, dez anos após a these de
Antonio Luiz da Silva Peixoto, um trabalho que mostrava síntese em termos
diagnósticos e terapêuticos no “tratamento moral”, surge um novo estudo voltado
especificamente para o mesmo tema. Em 1847, Agostinho José da Costa Figueiredo
defende na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro a these Breve Estudo sobre
Algumas Generalidades a Respeito da Alienação Mental.

Nesse trabalho, semelhante ao de Peixoto quanto à abordagem generalista


da alienação mental, Agostinho Figueiredo utiliza argumentos calcados na
multifatoriedade. A these é organicista tanto nos aspectos diagnósticos, com ênfase
na “anatomia pathologica”, quanto nas possibilidades de tratamento, enfatizando a
“therapeutica” na descrição dos remédios para os alienados:

Desnecessario he dizer que a therepeutica destas affecções tem suffrido


muitas alterações: que tem variado como as diversas theorias que se tem
dado para explical-as; assim os humoristas tem aconselhado em grade
escala os evacuantes para expellirem a bile, e atrabile a cuja alteração
referião o apparecimento desta enfermidade; os que a consideravão um
effeito de affluencia de sangue ao cerebro, a sangria derão como muito
efficaz, assim como os exuctorios; e por fim o empirismo tem por seu turno
aconselhado diversos meios; medicamentos chamados expecificos, banhos
quentes, ou frios em todo o corpo (FIGUEIREDO, 1847, p.14-15).

No caso dos tratamentos químicos, a these de Costa Figueiredo traça uma


maior explanação e caracterização do arsenal medicamentoso, disponível à época
para o tratamento das “vesânias”, em comparação com outros trabalhos feitos a partir
de 1837, data das primeiras turmas das Faculdades de Medicina:

Os purgativos quando o estado e apparelho digestivo os não contra-indicarem


deverão ser applicados, como poderosos auxiliares da resolução desta
enfermidade. [...] O emetico, não sendo em casos de melancolia, deve não
129

ser applicado, para não augmentar a congestão cerebral. Os vesicatorios que


sendo applicados distantes da cabeça dão resultados beneficos, quando
perto desta parte produzem grande agitação, a maior parte das vezes
funestissimas. Os narcoticos tem sido empregados: o opio, o acetato de
morphina, meimendro, stramonio &c (ibid, p.15).

Quanto ao “tratamento moral”, apenas uma discreta menção é feita,


mantendo-se a tendência de maior frequência descritiva dos meios terapêuticos
farmacológicos em textos do alienismo brasileiro, na metade do século XIX,
comparativamente aos meios morais:

Para darmos fim a este capitulo faremos menção do tratamento moral;


consiste em fazer diversão as idéas dos alienados, já pondo em jogo suas
paixões, e affectos [...] a fecundidade deste meio depende da perícia do
pratico e nem he possivel dar preceito para dirigil-o já que se tornarião muito
fastidiosos (ibid, p.15).

Um outro tema recorrente nas theses brasileiras acerca do alienismo,


aparece em 1852, com título de A Hypocondria, apresentada na Faculdade de
Medicina da Bahia pelo formando Joaquim Marcellino de Britto Junior. Essa these
expõe um conceito organicista dessa moléstia, evidenciando menor direcionamento
aos aspectos mentalistas anteriormente voltados para essa doença:

A hypocondria he uma affecção eminentemente nervosa, que parece consistir


em uma irritação ou maneira de ser particular do systema nervoso, e
principalmente d’aquelle que vivifica os órgãos digestivos; os symptomas
essenciaes, que lhe pertencem, são numerosos. [...] succeção rápida de
fenômenos morbidos, que simulão a maior parte das moléstias; estado real
porem variado de sofrimentos diversos (BRITTO JR, 1852, p.10).

Quanto aos tratamentos da hypocondria, a dissertação de Britto Junior


expõe que os autores têm sobrecarregado a “therapeutica” com intensa alternância
de “formulas”: “Com efeito nenhuma afecção mórbida tem apresentado tantas
viscicitudes em seo tratamento, sendo-se muitas vezes obrigado a prohibir agora, o
que há pouco havia-se aconselhado” (ibid, p.21).

A these acrescenta meios morais de tratamento através da: “captação da


confiança do doente”; “bom humor”; “meios de distracções”; “visitas renovadas, porém
não prolongadas”; “conversações variadas e alegres e severidade no controle das
emoções vivas”. A these de Joaquim Britto faz ainda referência aos “metodos
130

hygienicos”, preventivos de novas crises, tais como “exercicios ao ar livre” e “banhos


tépidos quentes ou frios”, segundo a “disposição individual” (ibid, p.21-23).

Com relação à “therapeutica medica”, a these do autor descreve como


importantes as “sangrias” para “hypochondriacos” com constituição “sanguinea”
(emocional). Para “hypochondriacos” com constituição “nervosa e irritável” (colérico,
bilioso amarelo), preconizavam-se: “adocicantes”; “diluentes”; “antispasmodicos” e
“opiaceos em baixas doses”. Ao temperamento “bilioso negro” (melancólico)
indicavam-se: “diluentes”; “acídulos”; “laxativos”; “fructos ácidos” e “regimen vegetal”.
Para aqueles com temperamento “lymphatico” (racional, debilitado) sugeriam-se:
“ferruginosos”; “carnes assadas”; “vinho”; “amargos”; “genciana”; “quina” e “todos os
tônicos” (ibid, p. 25).

O protagonismo das terapêuticas organicistas também ocupava espaço


nos relatórios dos diretores médicos do meio asilar. Esse é o caso do “relatorio clinico
e estatistico”, que abrange o período de 1º de julho de 1854 a 30 de junho de 1855,
publicado nos Annaes Brasilienses de Medicina de julho de 1856. Nele, o “primeiro
médico” do Hospicio Pedro Segundo, Dr. Manoel José Barbosa, traça um quadro
estatístico classificatório das doenças do hospicio e faz uma descrição detalhada dos
meios de tratamento aos “doentes alienados mentais”, dividindo-os em “tratamento
medico ou therapeutico” e “tratamento hygienico”.

Relativamente ao “tratamento hygienico” praticado no hospicio com


inserção também do “tratamento moral”, ele relaciona como ações importantes, porém
referencia a “therapeutica” como sendo, na sua visão, o tratamento prioritário. Barbosa
cita os modelos terapêuticos já parcialmente individualizados para cada moléstia
mental, diferindo, em termos, da medicação geral e indiscriminada, com efeito
“revulsivo”, aplicada às alienações mentais.

No caso das manias agudas plethoricas, Barbosa propõe a ação das


“sangrias”; “banhos geraes mornos”; “emborcações frias sobre a cabeça”;
“sanguessugas às jugulares e atrás das orelhas”; “ventosas sacrificadas à base do
crâneo” e, tardiamente, “evacuações sanguineas locaes como supplementares às
evacuações suprimidas” (ibid).

Quanto à intervenção nas manias, o Dr. Barbosa defende o uso racional


das “sangrias” somente para casos em que essa modalidade de doença viesse
131

acompanhada de “irritação ou inflamação do cerebro e suas membranas”, como no


caso das “phlegmasias”, pelo acúmulo de sangue no cérebro, ocasionando “furor e
actos violentos do alienado”. O ataque a essas causas da mania tinha o objetivo de
combater o estado inflamatório e a ação preventiva, em relação às alterações
orgânicas que pudessem produzir a “demencia” (mania crônica) considerada
incurável.

Manoel Barbosa, caracteristicamente um organicista, relata casos de mania


orgânica em que a loucura geral seria decorrente de estados ou outras doenças
reconhecidamente de causa orgânica, tais como: o puerperio e a gotta, que viessem
a ocasionar transtornos alienatórios:

Se a mania se apresenta depois de um parto, tendo havido supressão rápida


do leite, os laxativos, os clysteres purgativos, os vesicatorios são as vezes
sufficientes para cural-a.[...] Os drásticos têm sido empregados, e não ha
talvez substancia purgativa que se não tenha tentado no tratamento de taes
molestias. [...] Muitos medicos ingleses e particularmente o Dr. Locher, que
por muito tempo esteve à testa do hospital de alienados de Vienna
preconizaram a digitalis (ANNAES BRASILIENSES DE MEDICINA, 1856,
ed.5, p.104).

O relatório de Manoel Barbosa referencia, portanto, o uso do “digitalis”, na


época já largamente utilizado como cardiotônico e antiarrítmico, desde o início do
século, com a indicação de regulação do ritmo cardíaco, gerando, dessa forma, um
possível menor afluxo de sangue para o cérebro. No mesmo documento, registra-se
também o continuado uso do “opio” como “antimaníaco”, porém, já com restrições
marcadamente observadas quanto aos possíveis acidentes causados por graves
efeitos colaterais:

Este meio, como é sabido, não produz a calma, a indiferença e o somno,


senão depois de ter produzido, no aparelho circulatório e nas funcções
intellectuaes, um estado de exaltação, que de alguma maneira se assemelha
àquella que é produzida pela ingestão de bebidas espirituosas no estomago.
Segue-se, portanto, que, desde que o individuo fôr plethorico e com
symptomas de congestão para a cabeça, o opio poderia dar lugar a acidentes
graves, ou excitando o systema sanguíneo, ou augmentando a energia das
funções intellectuaes e das paixões (ibid, p.104).

Nos intervalos dos acessos de mania, José Barbosa cita a prevalência dos
quadros de monomania e indica para esse período da moléstia o “trabalho” como parte
integrante do “tratamento hygienico” claramente associado ao “tratamento moral”. O
132

médico do hospício impõe limites ao “trabalho” para que não seja cansativo,
cumprindo principalmente a função de propiciar “distracção”, “noites tranquilas” e
“repouso das funções intellectuaes”. Citando Pinel e Esquirol, Barbosa sugere
também atividades ocupacionais e de lazer, como “costura”, “exercícios físicos”,
“passeios na chácara” e “musica”.

Dos medicamentos utilizados na alienação mental no Brasil, a partir de da


década de 1840, o ópio passou a ter largo uso em soluções orais diluídas em água ou
leite, ou em injeções intravaginais. Em these de 1857, defendida na Faculdade de
Medicina da Bahia, Luiz José da Costa apresenta o tema Acção Physiologica e
Therapeutica do Opio. Nesse trabalho, o “opio” é definido como um medicamento
universal, para várias doenças e em várias dosagens, desde o “alchymista” Paracelso,
na idade media até o século XIX. Especificamente no tocante ao tratamento das
nevroses, na these de Luiz Costa há referência ao efeito polivalente com
desconhecido mecanismo de ação desse fármaco:

O opio é util nas nevralgias e em todas as nevroses [...] Pelo que temos dito,
vê-se que a acção physiologica e therapeutica do opio é narcótica, [...]
calmante, anodyna, hypnotica, etc. Mas em que consiste a virtude narcotica
do opio? Não sabemos. E saber que não sabemos, é sciencia, disse um dos
mais bellos ornamentos da Eschola de Leybe, um professor illustre e chimico
distincto, Boërhaave (COSTA, 1857, p.9-10).

A these de Luiz José da Costa acentua que a escolha dos medicamentos


nos tratamentos do alienismo baseava-se em uma ciência empírica, exemplificando o
uso difuso e indiferenciado do ópio nas doenças mentais quando a “narcose” era o
alvo a ser atingido, propiciando um freio temporário no curso das agitações.

No âmbito da “therapeutica” voltada para as doenças do alienismo no


Brasil, os tratamentos com utilização da água sempre estiveram presentes no
transcurso do século XIX. Em these de 1858, apresentada na Faculdade de Medicina
da Bahia e intitulada Da Medicação Hydrotherapica, de autoria de Manoel Francisco
Teixeira, essa prática organicista é delineada. Nela se insere um correspondente
filosófico: “Sobre a Therapeutica se há escripto, depois que a medicina trilha a senda
do positivismo, admira-se um poderoso methodo curativo que, tendo por primeiro
133

agente a agoa fria, se denomina – ‘Medicação Hydrotherapica’” (TEIXEIRA, 1858,


p.1).

Especificamente em relação ao tratamento das nevroses, a these de


Manoel Francisco Teixeira faz alusão ao fato de que para que se possa atingir um
efeito “sedativo” (hyposthenisação) ou “excitante” (hypersthenisação) com o uso
externo da água, deve levar-se em conta variáveis como “temperatura”, situada para
efeito terapêutico fora do intervalo de 25ºC a 30ºC, “calorificação individual”, “clima”,
“estação do anno”, “idade”, “temperamento”, “constituição e quantidade de exercicio
que faz” (ibid).

O trabalho de Francisco Teixeira declina em relação às “applicações


internas da agoa” os estados de força e atividade orgânica, relacionando condições
de hiperestenia ou hipoestenia, conforme não somente às propriedades físicas da
água mas também àquelas decorrentes do tempo e da dose de uso.

A these de Teixeira descreve de forma elaborada o “effeito diaphorético”


dos “suadouros”. A medicação sudorífera somente se caracterizaria se envolvesse
uma associação entre esses medicamentos diluídos e entremeados com o uso da
água nas suas ações “tonicas” ou “calmantes” acessórias.

Quanto às observações relativas às nevroses, a these de Manoel Teixeira


ressalta, de forma geral, a importância da “hydrotherapia” no tratamento dessas
moléstias, sobretudo pela ausência de efeitos colaterais, como os observados no uso
dos anti-inflamatórios para esse mal:

Os antiflogísticos, então geralmente empregados, são meios poderosos,


porém perigosos, porque abatendo a molestia abatem o doente; porque,
como dizem MM. Trousseau e Pidoux, não tendo uma acção directa sobre o
elemento dynamico da molestia, elles não fazem mais que, modificando o
sangue, roubar o seu alimento á essa força interna, que constitue a unidade
da moléstia (ibid, p.11).

De modo específico, a these de Manoel Teixeira direciona-se em seletivos


pontos relacionados à terapêutica de diferentes nevroses que cursavam com
excitações, sempre ressaltando o efeito hidroterápico que propiciava a acalmia das
agitações mentais:

É ainda por sua acção hyposthenisante, que tem a agoa fria prestado
immensos serviços ao tratamento da maior parte das nevroses. É geralmente
conhecida a grande efficacia de suas applicações ‘intus et extra’ na choréa,
134

na hysteria, na epilepsia, no delirio nervoso, nas affecções espasmodicas, na


dispnéa e tosse ditas nervosas etc., etc. Disse Broussais uma grande
verdade, quando denominou a agoa-fria – o sedativo por excellencia. As
affecções mentaes são admiravelmente tratadas pelas applicações frias (ibid,
p.15).

Em outra modalidade de tratamento físico, tem-se a these de 1859, de


Virgilio Climaco Damazio, sob o título Emprego Therapeutico da Electricidade, e do
Galvanismo, apresentada na Faculdade de Medicina da Bahia.

A these de Virgilio Damazio é extensa, com 245 páginas, o que difere do


padrão de outros trabalhos apresentados para conclusão do curso de medicina. Nessa
dissertação, detalha-se uma longa introdução com aspectos filosóficos e históricos
acerca da eletricidade e do magnetismo e seu auxílio diagnóstico e terapêutico na
medicina.

É relevante ressaltar na these de Damazio, no capítulo referente às


nevroses, que o autor referenciado é o neurologista francês Guillaume Benjamin
Amand Duchenne (1806-1875). Nela são descritos os seguintes agrupamentos
clínicos passíveis de tratamento eletromagnético: “exagerações desordenadas da
motilidade”, “paralysações da motilidade”, “exagerações da sensibilidade”,
“enfraquecimento e abolição da sensibilidade e as epilepsias” (ibid).

Avaliando os últimos anos dos recursos físicos e humanos do Hospicio


Pedro II, o “medico director” Dr. Manoel José Barbosa expõe a situação do hospicio
ao então provedor da Santa Casa de Misericordia, Marquez de Abrantes, Miguel
Calmon du Pin e Almeida (1796-1865). A Santa Casa era ainda detentora do controle
administrativo desse estabelecimento para doentes mentais, e o relatório é datado de
15 de agosto de 1862, publicado na Gazeta Medica do Rio de Janeiro.

Nessa exposição, há várias queixas acerca da sobrelotação, má


qualificação e remuneração dos enfermeiros e excesso de trabalho dos médicos.
Todos esses fatores são referenciados por Barbosa como limitantes para uma
adequada resposta terapêutica dos alienados. No tocante aos tratamentos médico-
alienísticos praticados no hospício, Barbosa divide-os da seguinte forma:

De dois generos são os meios a que recorrem para tratar a alienação mental.
– Uns levão sua acção sobre diversas partes do corpo com fim de
modificarem indirectamente o estado do cerebro, é o tratamento medico. – os
outros obrão sobre este órgão modificando sua acção como agente das
135

faculdades affectivas e intellectuaes; é o tratamento moral. O primeiro é


applicavel a alguns casos de mania aguda e á demencia, quando esta possa
ainda oferecer algumas probabilidades de cura. O segundo é aplicável á
mania e ás diversas especies de monomania, com ou sem hallucinações
(GAZETA MEDICA DO RIO DE JANEIRO, 1862, ed.7, p.6).

As explicações farmacodinâmicas buscavam atender a uma lógica


prioritária organicista. Esse ordenamento ocupava cada vez mais espaços na
amplitude clínica alienística brasileira e visava a resolução dos casos agudos, já
elencados como demandas prioritárias no asilo.

A respeito do uso da “sangria”, como meio terapêutico biológico, Manoel


Barbosa faz uma síntese bem estruturada da ação geral dos meios terapêuticos nas
doenças do alienismo. Historicamente, o relatório cita a resistência parcial ao uso
desse método pela escola francesa de Pinel e Esquirol, assim como a adesão ao
método pelas escolas inglesa, norte-americana e austríaca, destacando-se como
defensores Halam, Rhus e Franck respectivamente (ibid).

Barbosa faz um julgamento próprio de que a “sangria” devia ser utilizada


“na mania, quando o individuo é forte e plethorico, e n’aquelles casos em que o delírio
é acompanhado de irritação ou inflamação das membranas do cérebro” (ibid, p.79).
Nesse particular, o Dr. Barbosa acentua que as “sangrias” teriam não somente um
efeito curativo como também uma ação antipletórica nas vísceras como efeito
preventivo à alienação mental congestiva (ibid).

Quanto à “hydrotherapia”, Manoel Barbosa esclarece que o uso das


“duchas” no hospicio limitava-se à ação moral, “como meio de correcção, ou para
intimidar os doentes”. No caso do uso dos “purgativos” e “emeticos”, o uso era
progressivamente descontinuado pelos incômodos de fortes efeitos colaterais, sendo
dado preferência aos agentes mercuriais: “é muito difficil ás vezes fazer com que os
doentes tomem remedios, e sobretudo os purgativos: administramos nestes casos de
preferencia os calomelanos em doce ou qualquer substancia alimentar” (ibid, p.7).

A supressão dos tratamentos agressivos dava-se não somente pelo


desconforto aos pacientes, mas também pela ausência de respostas clínicas
convincentes. Um exemplo da manutenção dos tratamentos enérgicos, identifica-se
na descrição de Barbosa quanto aos métodos ditos “exutorios” para “mulheres cuja
loucura dependa da supressão da menstruação”. A descrição desse método
136

“revulsivo” revela a manutenção da lógica de que alienações mentais resistentes


cederiam somente a violentas intervenções desviantes, de cunho eminentemente
organicista:

Quando a moléstia não tem cedido a estes meios, de que já falámos,


aproveitão ás vezes os exutorios [...] nestes casos são elles applicados á
parte interna das coxas. Preferimos o cauterio ao sedenho, por isso que
depois da applicação da potassa caustica sobrevem um trabalho particular
destinado a separar a parte morta dos tecidos vivos, e que é um poderoso
meio de revulsão: além disto o sedenho tem o inconveniente de ocasionar
dôres violentas, que os doentes não pódem suportar (ibid, p.7).

No caso do “opio”, Manoel José Barbosa descreve o desuso desse


medicamento no tratamento da loucura pela ação colateral de favorecimento às
“congestões cerebraes”. Diante disso, optava-se pelo uso dos “opiáceos”, derivados
naturais do ópio:

Temos empregado o sulfato e o chlorydrato de morphina e a codeina como


sedativo e com o melhor resultado em alguns doentes de um temperamento
nimiamente nervoso e muito irritaveis. Para os casos de ‘delirium tremens’, já
temos dito mais de uma vez; a morphina é para nós quasi um especifico,
acompanhando o seu emprego de banhos geraes mornos e emollientes (ibid,
p.7).

É importante ressaltar que os tratamentos concernentes à “therapeutica


medica” são então direcionados a uma desaceleração orgânicocerebral, com meios
terapêuticos que provocassem sedação, fraqueza, adinamia, hipotonia, astenia ou
apatia. No caso do “tratamento moral”, Barbosa elucida um resgate histórico, no
sentido da tentativa de Pinel e de seus discípulos possibilitar aos pacientes uma
adequação mental que permitisse um controle das descompensações humorais ou
afetivas, dentro das realidades individuais:

Até então os medicos contentavão se em sangral-os, purgal-os e precipital-


os n’agua fria; feito o que erão reputados incuraveis e atirados ás prizões,
onde não só não recebião os cuidados, de que tinham direito, mas erão pelo
contrario tratados barbaramente. Foi a um medico francez, ao illustre Pinel,
tornamos a dizel-o; que os alienados deverão os melhoramentos, que
sucessivamente se forão creando á sua desgraçada posição, não só em
França, mas tambem em todas as nações civilisadas (ibid, p.7).

Em referência específica ao “tratamento moral”, Barbosa mantém a


necessidade básica do afastamento do doente do seu meio de convívio, com vistas à
adoção de um comportamento moralmente diferenciado daquele vivenciado
137

anteriormente. Era então indicado ao paciente uma reeducação para adaptar-se ao


convívio familiar e social.

Os tratamentos no Hospicio Pedro II, centro difusor maior da cultura médica


alienística no Brasil oitocentista, oscilaram entre o mentalismo pineliano e o
organicismo fundado na perspectiva anatomopatológica. O organicismo no alienismo
médico brasileiro propiciava uma aproximação corporal e moral com as demais áreas
da medicina.
138

2. DISCUSSÃO

A história da psiquiatria, desde os tempos antigos, oscila entre sístoles e


diástoles, mentalistas e organicistas, abrangendo mente e corpo, não
necessariamente em comunhão, sendo que a própria noção de mente e corpo varia
consideravelmente nos distintos contextos históricos. A historiografia psiquiátrica
movimenta-se também em pêndulo externalista e internalista, em conformidade com
necessidades, ideologias e conflitos sociais e humanos que balizam os tempos. A
busca aos fatos históricos dos tratamentos do alienismo oitocentista e a narrativa
desses acontecimentos necessitam ser incluídas nas premissas da subjetividade
interpretativa. Não há como escapar disso. Nesse sentido, o espaço para a amplitude
discussiva é mantido, por todo o texto, como imperioso para a atestação da validade
da pesquisa.

As descrições médicas mentais internalistas no Brasil oitocentista visam


possibilitar uma análise dialética entre o mentalismo e o organicismo. Para tanto, os
textos médicos escritos no Brasil acerca do alienismo foram escolhidos de modo a
permitir comparação entre noções do mentalismo e do organicismo médicos
brasileiros, concernentes às formas de tratamento voltadas para o alienismo,
utilizando-se recursos da intertextualidade.

As citações dos textos mantidas em português arcaico tencionam permitir


análise crítica por parte do leitor em temas gerais ou específicos, que não possuem
entendimento consensualizado. Ou seja, não há uma transposição direta para
conhecimentos psiquiátricos contemporâneos.

A análise dos textos brasileiros requer compreensão dos legados históricos


acerca do pensamento médico alienístico matricial europeu. Este viria influenciar
hegemonicamente o alienismo no Brasil, primariamente mentalista e, posteriormente,
139

organicista, que se valeu dessa cultura médica europeia e propôs algumas tentativas
adaptativas nessa recepção.

Com referência aos pilares da medicina no continente europeu, Nouvel


(2013) explicita a “Escolástica” como a forma encontrada por São Tomás de Aquino,
no curso do século XIII, para unir a ciência aristotélica à fé católica, com a raiz histórica
nas ideias de Santo Agostinho. Bethencourt (2000) sintetiza que essa tentativa de
aproximar a fé católica à ciência seria, em grande parte, rompida com a criação do
Santo Ofício no século XV. Em última instância cabia ao clero o poder diagnóstico e
curativo, restando à medicina medieval o papel de avalista às intervenções religiosas
sobretudo no campo das doenças mentais, instigadoras dos questionamentos entre
os limites da mente e do espírito.

Toda manifestação científica que não conviesse à igreja majoritária e ao


estado hegemônico passava a ser interpretada como “crença desviante”. A medicina
teria, portanto, nos séculos XVIII e XIX, a missão de se impor científica e socialmente.
Para tanto, o artifício a ser usado como ponte nessa transição entre o saber medicinal
religioso e o conhecimento médico acadêmico seria de caráter moral sobrepujante.

O embate das ideias, acerca das causas e dos tratamentos das doenças
mentais, entre a nascente medicina alienística e o pensamento secular católico seria
praticamente perene por todo o século XIX. Sobretudo na França, a oposição clerical
ao alienismo pineliano e esquiroliano ganharia reforço de parte da imprensa e das
instâncias jurídicas.

Esse embate só seria amenizado a partir da década de 1850 com a Teoria


da Degenerescência de Augustin Morel. Com essa tese, o alienismo europeu ganharia
status médico, tendo por base científica uma etiologia de cunho moralizante que se
aproximava do pensamento católico.

No Brasil, esse processo se reproduziria de modo semelhante e com certa


particularidade. Em 1757, a expulsão dos jesuítas do território brasileiro pelas
reformas pombalinas provocou um hiato na assistência médica que até então vinha
sendo majoritariamente desenvolvido pelos padres inacianos. Tal fato histórico
somente se compensaria, em parte, no ano de 1808, com a chegada da família real
portuguesa ao Brasil. A medicina brasileira teve, portanto, uma solução de
continuidade que ocasionou atrasos e maior necessidade de importação das práticas,
140

principalmente europeias, dentre as quais as terapêuticas voltadas para as doenças


mentais.

Mesmo com essa ruptura entre o clero e a medicina acadêmica no Brasil


setecentista, a Igreja Católica nunca se afastou das estruturas asilares e a provedoria
geral da Santa Casa de Misericórdia, instituição matricial do Hospício de Pedro II, viria
a estar outorgada pelo Imperador a um jurista católico praticante, o Dr. José Clemente
Pereira, quando da estruturação desse hospício.

A influência católico-cristã na assistência aos doentes mentais se


estenderia, de modo relevante no Brasil, aos interiores dos asilos até mesmo após a
primeira metade do século XX. Manter-se-iam as irmãs de caridade com hierarquia
considerável nos espaços da psiquiatria brasileira, distribuídos nas cinco regiões do
País.

Há um ponto comum tanto em relação ao Brasil quanto aos países


exportadores da cultura médica alienística, na passagem do século XVIII para o XIX,
em relação aos movimentos históricos sociais determinantes de mudanças nas
abordagens médicas voltadas para a questão das doenças mentais, simbólicas de
estruturações de políticas públicas e cidadania.

Nesse sentido, é perceptível que todos os grandes formadores ou


reformadores do alienismo, entre o final do século XVIII e o início do século XIX,
estiveram diretamente ligados ao “zeitgeist” das transformações políticas, econômicas
e sociais, em seus países de origem. Dessa forma, é que William Tuke, na Inglaterra,
um dos próceres do ramo mais refinado do protestantismo, a religião “Quaker”,
alinhava-se ideologicamente, sendo um comerciante em grande harmonia com as
ideias capitalistas do “liberalismo econômico” de Adam Smith (1723-1790), seu
contemporâneo.

Nesse mesmo diapasão, Pinel, um médico simpático aos ideais


revolucionários da França, a partir de Pierre Cabanis, seu protetor político e importante
ativista partidário, um “Deputado do Povo”, cria um atalho aproximando-se dos
ideólogos da Revolução Francesa. No “Novo Continente”, Benjamin Rush faz parte da
cúpula do movimento pela independência dos Estados Unidos e como um dos
signatários da “Declaração de Independência”, desencadeia um processo de
modificações na cultura do alienismo norteamericano. Nesse contexto, o alienismo da
141

virada do século XVIII para o XIX, como ciência foi também um reflexo das
transformações de um mundo que saía de um tempo inquisitorial para uma época da
ilustração.

Essa tentativa, por vezes utópica, de tentar-se impor ideologias


externalistas aos processos intrínsecos internalistas da medicina do alienismo teve
pouco aproveitamento na prática, não somente em países como o Brasil, um império
nascente no início do século XIX, como também em países europeus já com sistemas
políticos e administrativos sedimentados.

Emil Kraepelin, em 1922, ao fazer uma análise dos tratamentos do


alienismo científico europeu, desde o início do século XIX, discorre que a crença
médica no Asilo de Berlim, na primeira década do século, era a de que pacientes
“estúpidos” ou “mentalmente deficientes” eram insensiveis ao frio, à fome e à dor, pela
própria natureza da doença. A oposição a essa falácia já oriunda de Pinel, na França,
e William Tuke, na Inglaterra, é demonstrativa que a dinâmica das terapêuticas
alienísticas obedeceu a um lento processo de absorção nas mudanças
paradigmáticas.

A influência da personalidade de Pinel seria marcante por todo o século


XIX. É digno de nota a trajetória do médico alienista inglês, Dr. Richard Maurice Bucke
(1837-1902), filho de um pastor protestante que migrou com a família para o Canadá,
então colônia inglesa. Influenciado pelo ideário do “tratamento moral” e de suas
adaptações no Asilo de York, na Inglaterra, onde assumiria a direção do Asilo de
Alienados da cidade de Londres no Estado de Ontário no Canadá, em 1877,
mantendo-se no cargo até o ano da sua morte em 1902 (SHORTT, 2010).

Bucke implantaria um regime de tratamento que radicalizava as ações do


“tratamento moral”, de forma claramente influenciada pela doutrina do protestantismo.
Nesse sentido, propõe que sejam reduzidas as utilizações de fármacos, por entender
a “alienação mental” como uma doença incurável, restringindo a grade
medicamentosa do Asilo de Londres aos seguintes fármacos: sulfato de magnésio,
ópio, brometo de potássio e hidrato de cloral (ibid).

Essa força de difusão espacial e de extensão temporal do “tratamento


moral” de Pinel, durante todo o século XIX, deve-se não somente ao seu código
terapêutico mas também ao código moral preponderante nesse século. Rouanet
142

(1993), analisando a filosofia moral da “ilustração”, postula que a ética iluminista é


cognitivista e preconiza uma sociedade justa que não dependa dos ensinamentos da
religião. O “tratamento moral”, como correspondente biunívoco do iluminismo, poderia,
pelos seus pressupostos, chamar-se “tratamento social” ou “tratamento mental”,
porém a escolha lexical pelo termo “moral” não se deu ao acaso. Nesse sentido, o
“tratamento moral” foi absorvido pela cultura médica oitocentista como uma bandeira
moralizante e moralizadora de desenhos e cores científicas e políticas.

A esse contexto agrega-se o núcleo filosófico das ideias de Locke e


Condillac na formação da consciência a partir da vivência de fenômenos extra e
intrassensoriais, respectivamente, compondo a “mente” frequentemente utilizada
como sinônimo de “consciência” ou “alma” (WILLIAMS, 1983).

É significativo que o pensamento médico de Pinel seja introduzido no Brasil


a partir das suas concepções clínicas, na obra do médico clínico José Maria
Bomtempo, Compendios de Medicina Prática, de 1815, à época sede provisória da
monarquia portuguesa. Nava (1948) acentua que a escolha de Bomtempo, como autor
de um livro-texto de clínica do colégio de cirurgiões do Rio de Janeiro, tendo Pinel
como referencial teórico, evidencia certo refinamento pelos postulados associativos
entre a filosofia, a medicina clínica e medicina mental.

Um aspecto particularmente importante, que marca temporalmente a


chegada do ideário pineliano ao Brasil, diz respeito à ruptura entre a medicina
acadêmica e as práticas de curas jesuíticas. Havia no País um distanciamento da
medicina acadêmica a todo e qualquer vestígio de conhecimento terapêutico, advindo
das práticas dos padres inacianos.

Os padres jesuítas haviam desenvolvido intenso trabalho na área de saúde


por cerca de duzentos anos no Brasil. A partir do conhecimento empírico da própria
ordem da Companhia de Jesus e daquilo adquirido das práticas indígenas,
desenvolveram um valioso arsenal terapêutico com ação geral nas doenças. No caso
específico das terapias mentais e comportamentais, elas se davam sempre como
tratamentos da alma em associações terapêuticas de atos religiosos, exorcistas, com
o uso concomitante de remédios. De acordo com os textos médicos estudados, houve
143

pouco aproveitamento do legado da farmacopeia e da terapêutica jesuítica pela


medicina no Brasil do século XIX.

O artigo do Dr. Bernardino Antonio Gomes, Observações Botanico-Medicas


sobre algumas Plantas do Brazil, de 1812, é significativo para referenciar que o estudo
da ação das plantas medicinais no Brasil, um país com “riquíssima flora”, foi
amplamente negligenciado pela medicina acadêmica. Gomes admite com “vergonha”
que somente os pesquisadores holandeses, o médico Guilherme Piso e o naturalista
George Marcgraf escreveram obra sobre o tema, a partir de expedições no nordeste
brasileiro entre 1637 e 1644.

O Discurso pronunciado na Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, na


sessão de 30 de junho de 1835, durante defesa da memoria Sobre o Tabaco, pelo Dr.
Emilio Joaquim da Silva Maia, especialista em botanica medica, trata-se de um
arrazoado de justificativas para explicitar que os estudos e tratamentos nessa área,
no Brasil, ainda careciam de aprofundamento no arcabouço da literatura médica
europeia. A adoção das “plantas” para fins medicinais necessitariam, portanto, de
atestação científica que as fizessem inclusas na “botanica medica” acadêmica.

Alguns rudimentos da pesquisa médica nacional apareciam como


pretensão no âmbito das instituições médicas. Fato relevante é que as premiações a
memorias pela AIM, já na década de 1830, normalmente eram conferidas a trabalhos
originais. Nesse sentido, a premiação em 1836 do trabalho do Dr. Manso, residente
na província do Pará, é reveladora de uma tentativa de pesquisa original no Brasil.

Ela estendeu-se por vários anos em províncias do Norte e Centro-Oeste do


Brasil e foi realizada nas comunidades indígenas e rurais dessas regiões. No trabalho,
são descritas as ações purgativas de várias espécies pertencentes aos reinos animal,
mineral e, sobretudo, vegetal. A pesquisa do Dr. Manso volta-se, essencialmente, para
as descrições dos espécimes e das suas ações farmacoterápicas, com a observação
clínica de que os purgantes quer fossem drásticos, catárticos ou laxantes, conforme a
intensidade decrescente de ação, seriam úteis para praticamente todas as
modalidades de doenças orgânicas ou mentais.

Via de regra as proposições de tratamento alienístico descritas nos textos


brasileiros voltam-se, essencialmente, para uma fragilização do indivíduo e,
consequentemente, do rebaixamento da sensibilização à dinâmica das doenças
144

mentais. Por vezes, esse tratamento se voltava para uma complexa tentativa de
estimulação das mentes hipoativas. O resultado terapêutico era, no mínimo, limitado,
proporcionando, quando bem sucedido, simples amenização das crises e adiamento
do desfecho dos quadros patológicos.

Exemplo significativo é a utilização ambivalente do tartaro emetico, em


doses mais intensas para quadros de mania e em doses menores, irritativas, para
quadros de vitalidade deprimida.

O singular entendimento para a ação nas alienações mentais do ópio é


repercurtido na tese de Luiz Antonio Chaves, em 1839, Dissertação Sobre o Opio.
Esse medicamento teria uma ação de diminuição na sensibilização nervosa das
vísceras que, por sua vez, reduziria desse modo os aportes simpáticos ao cérebro dos
agentes patogênicos da loucura. Esse fragmento representativo terapêutico nas
doenças mentais, ainda no final da década de 1830 no Brasil, sinalizava que a
mudança para o organicismo como foco hegemônico estava em curso obedecendo
ao direcionamento do que ocorria nas matrizes culturais médicas europeias. Mesmo
assim, a tese de Chaves mantém a mescla eclética ao fazer ponte entre as “paixões
desvirtuadas”, mentalistas, e as respostas viscerais acentuadas na causa da
alienação.

Antes mesmo de saírem as primeiras turmas de formandos das Faculdades


de Medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, em 1837, o discurso médico brasileiro já
havia se instituído na SMRJ, desde 1829, com a sua criação estatutária (ANEXO 1).
Ele mostrava uma certa tendência liberal e inclinação à participação compartilhada
com os atos do governo imperial voltados para a saúde. No caso específico da saúde
mental, as iniciativas quanto ao tratamento moralmente aceitável dos doentes mentais
revelavam influência pineliana na aspiração e no condicionamento da criação do asilo
de alienados para a efetividade das ações.

O discurso de 1835 do médico Xavier Sigaud da SMRJ, em prol de um


espaço asilar, reitera a frustração com os parcos resultados do alienismo no Brasil,
atribuindo a falta de resolutividade terapêutica à inexistência do asilo, então incrustado
como pensamento mágico, como ideologia preponderante, na idealização da cura
mental.

Quem acreditará que o número de tais infelizes é considerável e que as


famílias ricas que os têm em suas casas nunca tiveram a lembrança de
145

fundar, por uma associação, um asilo em que as regras da higiene pudessem


auxiliar com vantagem as prescrições da terapêutica? (SIGAUD [1835] apud
ODA & DALGALARRONDO, 2005, p.984).

Xavier Sigaud ([1844], 2009) refere que o alienismo brasileiro quanto ao


tratamento somente apresentou mudanças após a fundação da SMRJ, em 1828. A
mobilização da categoria médica por melhores condições terapêuticas no Hospital da
Misericórdia e o discurso contra o encarceramento dos doentes mentais das ruas
propiciaram as mínimas bases para o aprofundamento acerca das escolhas
terapêuticas desse grupo de doenças.

Mesmo estruturada em outros autores europeus e norte-americanos, a obra


de Sigaud abre espaço para constatações próprias sobre a dinâmica dos tratamentos
do alienismo no Brasil até 1844, como por exemplo, a que diz respeito à violenta
intervenção de guardas nos “acessos de fúria ou de delírio” dos doentes mentais
através de “atrozes castigos” com consequente influência negativa nos processos
relacionais entre médicos alienistas e pacientes muito pouco receptivos no âmbito da
Enfermaria dos Alienados.

No mesmo período, Sigaud faz importante contraponto à visão ainda


corrente no alienismo europeu, de que as vesânias, como a epilepsia no Brasil,
embora sofressem algumas influências pelo clima, em nada diferiam no seu cerne
tanto moral quanto orgânico das apresentações clínicas em outros países.

As originalidades terapêuticas nos textos acerca do alienismo no País, no


período estudado, revelam-se escassas, muito embora esses documentos
mantenham importante valor histórico como postulados identificadores das recepções
da ciência alienística importada de países fontes para o Brasil.

A esse respeito é importante ressaltar na referência ao processo de criação


do Hospício de Pedro II, que o Hospício foi um derivativo de ação da Coroa Imperial,
impondo um modelo europeu, e não de pressões sociais, denotando uma sociedade
ainda pouco influente e afeita às importações, via realeza, também na cultura médica.

Por outro lado, é relevante acerca das importações culturais no Brasil


Império a constatação de que as recepções médicas do alienismo tanto na construção
dos seus espaços quanto na elaboração dos seus escritos obedeceu a uma lógica
desenvolvimentista esperada para países cujos regimes monárquicos, desde o início
146

do século XIX, ainda careciam de unidade político-administrativa e que tinham,


portanto, frágil sistema político.

A these de Antonio Luiz da Silva Peixoto, em 1837, é bastante


representativa desse processo importador ao circunscrever o seu trabalho com a
diretriz clínica preponderante do “tratamento moral” de Pinel e cópias teóricas de
Esquirol e Foville. De modo complementar busca reproduzir, através do ecletismo
terapêutico, noções da “therapeutica medica” como acessória. As limitadas
contribuições originais restringem-se a críticas superficiais acerca dos tratamentos
mentais praticados na Santa Casa de Misericordia.

A these retrata bem montada do alienismo francês, busca reforçar a


autoridade médica a partir dos preceitos pinelianos. Na crítica aos costumes médicos
empregados pelo Dr. De Simone, na Enfermaria dos Alienados da Santa Casa de
Misericórdia, observam-se traços da influência de Pinel e Esquirol quanto ao fato da
ausência da “autoridade cândida” na figura do médico alienista, em detrimento da
redução no tratamento à força bruta dos enfermeiros.

Em relação à these de Peixoto, primeiro trabalho acadêmico no Brasil


direcionado para o alienismo, é importante acentuar a atuação de uma comissão
formada por professores, na Faculdade de Medicina Do Rio de Janeiro, em 1834, que
listou livros e periódicos a serem adquiridos para a Biblioteca e disponibilizados para
os alunos (FERREIRA, FONSECA, EDLER 2001, apud ODA, 2013). Nessa lista
incluía-se o Dictionnaire de Médecine et de Chirurgie Pratiques, que continha o
“verbete” Alienação Mental, escrito por Foville e plagiado por Peixoto em sua these
(LOBO, 1982).

Além disso, vale ressaltar que Foville, um dos autores plagiados na these
de Antonio Peixoto, seria aceito como membro correspondente em sessão da AIM
(REVISTA MEDICA FLUMINENSE, 1838, ed.1). Outro ponto digno de nota diz
respeito à inexistência de penalidades previstas por plágios nos artigos e parágrafos
sobre as teses, tanto na Lei de Criação das Faculdades de Medicina de 1832 (ANEXO
2) quanto no Projecto de Estatutos para a Escola de Medicina da Bahia de 1834
(ANEXO 3).

Pelos itens relacionados é possível supor que tanto o corpo médico da AIM
tinha suficiente conhecimento das obras dos autores franceses quanto também os
147

lentes acadêmicos. Possivelmente eles toleravam a prática dos plágios científicos, ou


não tinham caracterizada a atitude condenatória em relação à tradução literal de
conteúdos nas theses de autores, sobretudo franceses.

Outra observação importante nesse contexto diz respeito aos


chancelamentos contidos na última página das theses por um “director” ou “lente” das
Faculdades de Medicina, com os seguintes dizeres: “Esta these está conforme aos
estatutos”, sugerindo que os plágios porventura praticados pelos concludentes
poderiam ser do conhecimento do corpo docente.

Além desses fatos, fazia parte do pensamento médico oitocentista


brasileiro a cultura das recepções dos conteúdos das matrizes europeias. Era parte
integrante da Revista Medica Fluminense, órgão oficial de divulgação da Academia
Imperial de Medicina, a seção das traducções, na década de 1830, de memorias,
artigos e formulas pharmacologicas extraídas principalmente da literatura médica
francesa.

Mesmo incipiente, a medicina alienística na década de 1830 gerou uma


importante discussão no Brasil, oriunda da oposição de ideias contidas na these de
Antonio Luiz da Silva Peixoto, em 1837, e em contraposição ao discurso do Dr. Luiz
Vicente De Simoni, na Academia Imperial de Medicina, em 1838, acerca das precárias
condições na Enfermaria dos Alienados na Santa Casa de Misericórdia.

Dois pensamentos médicos, parcialmente antagônicos quanto aos


tratamentos do alienismo no Brasil estão presentes nesse debate. De Simoni, um
médico atrelado ao Primeiro Império do Brasil e Antonio Peixoto, um jovem formando
em pleno período de Regência Imperial cujo Imperador não atingira ainda a
maioridade, o que significava diante disso que o atrelamento ao poder político era
difuso, descentralizado.

Ressalte-se que a resposta no discurso do Dr. De Simoni defendendo a


SMRJ não se dirige somente aos arroubos de um jovem médico, com discurso
clinicamente superficializado. A crítica é também voltada para o Dr. José Martins da
Cruz Jobim, professor e ex-diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, um
ilustre representante do meio médico acadêmico. De Simoni, um médico da
assistência, direciona críticas à dura realidade da falta de tratamento minimamente
148

humanizado e, nesse contexto, critica a passividade do meio acadêmico, fazendo


certa alusão ao reducionismo teórico:

O mesmo Sr. Dr. Jobim, que com tanto ardor e com palavras tão enérgicas
clamou contra o tronco no relatorio da Commissão da Sociedade de Medicina,
acabou por calar-se e fazer-se tolerante; e o mesmo faria o Sr. Dr. Silva
Peixoto, se fosse hum dia medico da Santa Casa, depois de muito ter em vão
gritado, e conhecido pela experiencia a quanto ali chega a alçada, e influencia
de hum medico (REVISTA MEDICA FLUMINENSE, 1839, ed.6, p.249).

De Simoni, médico da Enfermaria da Santa Casa de Misericordia, se


apresentava como pragmático no campo do alienismo, embora também tivesse
notória atividade intelectual erudita, tal como noticiado na seção “Noticias Particulares”
do Diario do Rio de Janeiro, de 21 de agosto de 1835: “O conselho da Sociedade
‘Amante da Instrucção’ nomeou ao conscipuo e philantropico Sr. Doutor Luiz Vicente
De Simoni, Director das aulas na mesma Sociedade” (DIARIO DO RIO DE JANEIRO,
1835, ed.0100014, p.2).

Por outro lado, no transcurso da historiografia do alienismo brasileiro, o destino


de Antonio Peixoto sempre foi incerto. Oda (2013) referencia que, após a formatura,
ele publica anúncio no Diário do Rio de Janeiro, em 1838, informando atendimento
em consultas na residência, situada na Rua Nova de São Bento, especificando
atendimentos filantrópicos aos “indigentes”, das 7 às 8 horas da manhã, no verão, e
das 8 às 9 horas, no inverno.

Anúncios subsequentes na imprensa comum reafirmam a sua atuação


como médico liberal, restrita ao setor privado, com ações filantrópicas alinhadas à sua
prática clínica. As comunicações ao público de Peixoto são feitas no jornal O
Despertador – Commercial e Politico, na seção “annuncios”, respectivamente em 2 de
agosto de 1839, 18 de janeiro de 1840 e 19 de maio de 1840:

Antonio Luiz da Silva Peixoto, doutor em Medicina, mudou a sua residencia


para o largo de Santa Rita n. 26, onde se prestara a todos os misteres de sua
profissão, e dará consultas gratis em sua casa ás pessoas indigentes, no
verão, das 7 ás 8 horas da manhã, e no inverno, das 8 ás 9.; (O
DESPERTADOR, 1839, ed.394, p.4)

Antonio Luiz da Silva Peixoto, doutor em Medicina, achando-se de volta a


esta corte, donde se havia ausentado para tratar de sua saúde, continua a
residir no largo de Santa Rita n. 26, onde se prestara a todos os misteres de
sua profissão; (O DESPERTADOR, 1840, ed.533, p.4)
149

Antonio Luiz da Silva Peixoto, doutor em Medicina, mudou a sua residencia


para a rua da Prainha n. 108, onde continua a prestar-se a todos os misteres
da sua profissão, e dará consultas gratis á pobreza, das 6 ás 8 horas da
manhã (ibid, ed.654, p.4).

Outro termo comparativo que fornece algum indício de que o pensamento


e o conhecimento médico dos recém-formados expresso nas theses retratavam uma
incipiente formação, mesmo com a utilização dos plágios, reconhece-se na
comparação com trabalhos desenvolvidos por médicos já formados. Estes se
apresentavam estruturalmente com melhor coerência e com impressões autorais mais
nítidas. Esse é o caso da these de Manoel Ignacio de Figueiredo Jaimi, As Paixões, e
Afectos D’alma em Geral, e em Particular Sobre o Amor, a Amizade, Gratidão, e a
Amor da Pátria. Esse trabalho de 1836, visando revalidação de diploma no Brasil,
possui particularidade terapêutica de cunho mentalista, evidenciando pela
fundamentação moral a substituição do “objeto da paixão” como fator de cura da
alienação mental.

Conforme os textos do alienismo oitocentista brasileiro, a passagem de


uma terapêutica mentalista para uma farmacoterapia organicista esbarrava em
resistências. Havia o receio, por vezes descrito, das dúvidas nos efeitos das doses
dos medicamentos que ainda eram administrados em grãos e onças. O sistema
decimal francês, na prática, seria adotado lentamente no País.

Essa insegurança clínica na adoção da “therapeutica”, como artifício de


tratamento, contribuiu para o atraso na utilização de itens do arsenal farmacêutico, já
com maior uso na França nas décadas de 1830 e 1840. Em seu relatório de 1844, o
Dr. Antonio Neves alertaria o provedor da Santa Casa de Misericordia acerca dessa
desigualdade temporal terapêutica em relação aos hospícios europeus visitados.

Essa dificuldade na reprodutibilidade terapêutica alienística no Brasil do


século XIX também se observava nas terapias não medicamentosas como as
ocupacionais, também destacadas no relatório do Dr. Neves dirigido ao provedor da
Santa Casa de Misericordia, o jurista Clemente Pereira, diferentemente do que ocorria
em faixa temporal semelhante, nas terapias ocupacionais asilares embasadas no
cerne do “tratamento moral” nos Estados Unidos.

Nesse País, elas encontravam foco terapêutico preferencial a pacientes


das classes mais abastadas. A doutrina e a prática religiosa Quaker nos asilos,
150

também propiciavam atenções terapêuticas ocupacionais, de cunho religioso,


direcionadas a pacientes de classes mais baixas.

No caso do Brasil, o império era incipiente, as ordens religiosas católicas,


através das irmãs de caridade, agregar-se-iam aos asilos paulatinamente, de modo
difuso, e o mentalismo não tinha recepção favorável no catolicismo, por manter a
crença na “autonomia individual” dos pacientes.

Um elo se faz comum em trabalhos acadêmicos estudados, quer sejam de


tendência mentalista ou organicista. Trata-se da manutenção do eixo do ideário de
Pinel acerca dos aspectos relacionais entre médicos e pacientes, com todo o conteúdo
ideológico que a proposta pineliana contém em referência à necessidade da hierarquia
médica. A these de 1839, de José Antonio Murtinho, denominada Dissertação Sobre
a Hypocondria, exemplifica essa tendência ao condicionar o sucesso terapêutico ao
bom manejo relacional do médico no processo de convencimento do paciente.

Tanto para intervenções morais quanto para as físicas ou químicas,


literalmente, o trabalho de Murtinho cita como ações médicas a “conversação” e a
“meditação” que se inserem nos preceitos clínicos de Pinel, estruturados na
observação detalhada e no pressuposto teórico da individualização dos atos médicos
terapêuticos.

Os pendores ora mais mentalistas, ora mais organicistas nas definições


sobre quais métodos terapêuticos seriam utilizados, não eram excludentes entre si.
Nesse sentido, a influência pineliana e esquiroliana fazem-se marcadamente
presentes pela implícita enunciação da soberania clínica sobre os métodos. A these
de Guilherme Antunes Marcello, de 1843, intitulada Considerações Sobre o
Magnetismo Animal, evidencia parca tentativa de sustentação científica, de cunho
organicista para uma suposta energia de efeito magnético entre os corpos.

Nesse trabalho que privilegiava um vago empirismo clínico é importante


ressaltar a preocupação em apresentar contrapontos que pudessem expor a
desconfiança científica acerca desse tema. Nesse aspecto, os textos das theses de
cunho organicista no Brasil oitocentista, via de regra apresentavam maior espaço para
151

as dúvidas acerca das fundamentações teóricas em comparação com os trabalhos


mais voltados para o mentalismo, mais fundamentados no credo pineliano.

Esse aspecto mais inflexível do mentalismo, advindo de Pinel e Esquirol,


era proveniente também da necessidade precípua de se obterem resultados
terapêuticos mais rápidos, em um contexto histórico que assim exigia da prática
alienista. Seguidores de Pinel e Esquirol manteriam a filosofia pineliana como centro
dessas ações terapêuticas, porém, com o passar do tempo divergiriam dos mestres
pela demanda populacional crescente e pela carência efetiva de curas. No Brasil, esse
processo se reproduziria ainda mais lentamente pelos diferentes requisitos sociais e
econômicos, vivenciados em um império em fase embrionária sem espaços
minimamente condizentes para o tratamento mental.

Mesmo nessas condições desfavoráveis, o exercício das práticas


terapêuticas do alienismo brasileiro não se tornou impeditivo para o debate acerca das
formas de tratamento. Gradativamente, por exemplo, surgia e ganhava força no esteio
do mentalismo a questão da mulher como temática das theses acerca dos
tratamentos alienistas no Brasil.

Esses trabalhos, voltavam-se amplamente para matizes moralistas e


moralizantes. Esse contexto seria majoritário, por exemplo, nas theses de João das
Chagas e Andrade, de 1839, e de Antonio da Fonseca Vianna de 1842,
respectivamente intituladas A Puberdade da Mulher e Considerações Hygienicas e
Médico-legaes Sobre o Casamento Relativamente a Mulher.

Relativamente ao “tratamento moral”, preconizado nos dois trabalhos, as


orientações terapêuticas se refinam e voltam-se para postulados higiênicos,
preventivos. A puberdade é tida como fator de proteção curativa para doenças
adquiridas na infância, tal como a epilepsia, considerada preventiva pela sua própria
reação fisiológica. Além disso, o “tratamento moral” torna-se ação coercitiva das
paixões adolescentes, buscando preservar mentalmente esse período etário. Quanto
ao casamento como terapia moral, há indicação nos quadros de “chlorosis”, astenia
física e psíquica, com alerta para os riscos da consanguinidade nos casamentos.
Como visto, os preâmbulos da hereditariedade, ápice maior do organicismo,
152

apareceram nos textos brasileiros ou adaptados do alienismo francês atrelados a


postulações mentalistas.

Por outra forma, exemplo significativo da passagem da terapêutica restrita


ao “tratamento moral” para a preponderância da “therapeutica”, que dizia respeito aos
tratamentos físicos, químicos e biológicos, nos textos médicos acadêmicos brasileiros,
é observado nas theses sobre a hysteria, na década de 1840. Historicamente, desde
Pinel, a histeria foi uma doença primordialmente associada às paixões doentias e,
como tal, tipicamente sujeita ao “tratamento moral” pineliano.

Porém, a these de Joaquim Antão de Sena de 1844, Dissertação Sobre a


Hysteria, e a de Rodrigo José Gonsalves de mesmo título, em 1846, apresentam uma
inversão hierárquica no sentido de colocar a “therapeutica”, já chamada de tratamento
ou arte médica, como tratamento de escolha, e o “tratamento moral”, ainda
relacionado como importante, como terapia assessória. Assim, o texto da these de
Sena reflete a importação da tendência de se admitir essa doença também no sexo
masculino, o que iria alterar a histórica compreensão hipocrática da histeria.

Ao se estabelecer o diagnóstico diferencial da histeria com a hipocondria


como fundamento básico para o adequado tratamento, a vertente organicista se
imporia sobre questões de cunho moral. Além disso, de modo complementar a esse
raciocínio, a these de Gonsalves expõe a patogenia da doença pela simpatia nervosa
periférica fundamentada por Georget, com os agentes patogênicos, deslocando-se de
vísceras toracoabdominais para o cérebro.

Historicamente o alienismo brasileiro, acadêmico, somente no início da


década de 1830, diferenciou-se do europeu na sua formação anterior à criação das
Faculdades. Muito embora tenha adotado forte influência do “tratamento moral” de
Pinel e Esquirol, nas décadas de 1810 e 1820, o alienismo brasileiro floresce sob o
espectro do tratamento social na corte imperial. Nesse sentido, a SMRJ, criada em
1829, passa a ser responsável pelos “mappas dos falecidos” e pelos “relatorios da
comissão de consultas gratuitas” como também das discussões sobre os maus tratos
dos doentes mentais. Nesses quadros estatísticos observam-se diagnósticos mentais
como causas de morte. Essa condição histórica da medicina no Brasil, a partir do
153

biênio 1830/1831, permitiria maior incorporação organicista subsequente nas formas


terapêuticas do alienismo pela demanda social (OLIVEIRA, 2003).

O contraponto mentalista frente ao organicismo se faria presente nos textos


acadêmicos brasileiros acerca da alienação mental, nos quais era exigida explanação
terapêutica com melhor ordenamento da evolução clínica das doenças, permitindo
maior clareza terapêutica quanto às fases descritas de um quadro diagnóstico. Esse
processo, por exemplo, faz-se notar na these de Joaquim Manuel de Macedo, de
1844, Consideração Sobre a Nostalgia. As três fases dessa forma de lipemania são
discriminadas com os dois períodos menos graves da doença, associados à
“therapeutica medica” e a um terceiro período mais grave, somente afeito às
intervenções do “tratamento moral”, mais complexo e mais dependente da atuação
médica, na abordagem relacional com o paciente.

Paralelamente às theses de medicina e às transcrições das sessões da


AIM, outro processo influenciaria a prática e a absorção das terapêuticas relacionadas
com as doenças mentais, a partir da década de 1840. Tratou-se da difusão e
popularização do Diccionario de Medicina Popular e das Sciencias Accessorias de
Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, com seis edições brasileiras publicadas com
intervalos aproximados de uma década (1842-1843; 1851; 1862; 1870; 1878; 1890) e
do Diccionario de Mecidina Domestico e Popular, de Theodoro Johanis Henrique
Langgard, desenvolvido a partir da década de 1840 e editado em três tomos, em 1865,
com uma segunda edição no Brasil, em 1872-1873.

Essas duas obras, tendo sido inclusive apoiadas pelo imperador D. Pedro
II (1825 – 1891), foram inicialmente direcionadas para o público leigo e da área rural
distante da assistência médica, considerando-se aqui as altas frequências de
analfabetismo naquele contexto. Tais obras acabariam, entretanto, por ter impacto
significativo sobre os profissionais da medicina. A absorção dessas obras como livros
textos para a medicina alienística revela a incipiência tanto da formação acadêmica
quanto da assistência médica no Brasil oitocentista.

Como termo comparativo da tendência de afirmação do organicismo nos


textos brasileiros em relação aos escritos mentalistas, tem-se que dez anos após a
apresentação da these generalista a respeito da alienação mental de Antonio Peixoto,
seguida de outras, notadamente mentalistas, surge outro trabalho também
generalista, porém voltado para a concepção orgânica das doenças mentais: A these
154

de Agostinho Jose da Costa Figueiredo, intitulada Breve Estudo sobre Algumas


Generalidades a Respeito da Alienação Mental, divide os tratamentos conforme a
etiopatogenia aceita como humorista, vascular ou empírica. Quanto ao “tratamento
moral”, é somente citado como auxiliar em todo o escopo generalista do texto.

O ecletismo nos tratamentos é descrito, de forma mais clara, nas theses da


década de 1840 no Brasil. Exemplo dessa mescla terapêutica, encontra-se na
dissertação de Ernesto Frederico Pires de Figueiredo Camargo, de 1845, com o título
Considerações Medico-Philosophicas Sobre a Influencia do Estado Moral na
Produção, Marcha e Tratamento das Molestias, e como Contra-Indicação ás
Operações Cirurgicas. A enfatização da influência orgânica nos diversos estados
morais propiciam assertivas terapêuticas sobre as paixões como produtos da alma
que alterariam o corpo, também sujeito a cuidados.

A partir de 1852, com o Hospicio Pedro II passando a ser principal centro


difusor da cultura alienística no Brasil, os relatórios dos seus diretores médicos não
se limitavam a ser simples prestações de contas ou mera exposição de carências
materiais e humanas. Eles também continham explicitações clínicas acerca de
diagnósticos firmados e dos tratamentos praticados no âmbito asilar. Esse é o caso
do relatório que contempla o período de 1854 a 1856. Nele o Dr Manoel José Barbosa,
primeiro médico do hospício, apresenta um arrazoado acerca dos “tratamentos
moraes”, citados como importantes medidas higiênicas, porém, relaciona o arco
terapêutico de cunho orgânico dos asilos franceses, para defender a “therapeutica
medica” como indissociável e dar respostas clínicas satisfatórias nos casos de
urgência. Barbosa, no seu relatório, mantém a importância hierárquica de Pinel como
modelo de autoridade médica a ser adotado.

No percurso estudado dos textos produzidos no Brasil, no século XIX, nas


décadas de 1830, 1840 e 1850, há um ponto comum na quase totalidade desses
escritos. Direta ou indiretamente, através do “tratamento moral”, Pinel e Esquirol são
instados à condição de referências teóricas fundamentais nos aspectos relacionais
primevos entre médicos e pacientes. Nesse contexto, a these de Julio Cezar da Silva,
de 1853, chamada de Breves Considerações Sobre a Natureza de Algumas Affecções
155

Nervosas, e de Seu Tratamento, é ressaltada a necessidade imperiosa da influência


médica sobre o paciente quanto à assimilação de qualquer forma curativa.

Um dado frequente nos escritos alienistas brasileiros, no período estudado,


diz respeito à presença de citações filosóficas com vistas à sustentação das
fundamentações teóricas médicas. Nesse sentido, os fragmentos filosóficos mais
evidenciados nos textos derivam-se do ecletismo de Victor Cousin e do positivismo de
Auguste Comte. Holanda et al. (1976) consideram que o ecletismo, bem mais que o
positivismo, desenvolveu extensas e profundas raízes no contexto brasileiro,
possivelmente por certa adequação ou identificação a elementos socioculturais desta
nação, indo até o fim do império e adentrando o período republicano.

No entanto, a pretensa associação da terapêutica alienista mais voltada


para o mentalismo com o ecletismo e, por outro lado, dos textos com predominância
dos tratamentos organicistas com o positivismo, não podem ser feitas no Brasil. Isso
porque o processo de absorção e de reprodução dessa cultura médico-filosófica,
sobretudo francesa, teve influências culturais no País cujos médicos possuíam
peculiaridades na formação cultural e aspirações científicas e profissionais
parcialmente diferenciadas dos pares com formação nos países exportadores da
cultura médica alienística.
156

3. CONCLUSÕES

Considerando-se as limitadas mudanças nas intervenções terapêuticas do


alienismo no Brasil, ao longo do século XIX, esse processo consistiu
preponderantemente em reproduzir a lenta dinâmica dos mesmos processos
terapêuticos em ambiente europeu, principal fonte exportadora da cultura médica
alienística para o Brasil. Mesmo no caso das teses de conclusão dos cursos de
medicina que incorporaram plágios de trabalhos europeus, elas mantêm valor
historiográfico por contribuírem para a compreensão dessa representação das
tendências terapêuticas europeias e, até mesmo, em raras oportunidades, por
revelarem tentativas próprias adaptativas nas assimilações ao alienismo europeu.

Embora as práticas terapêuticas não pudessem ter sido comprovadas pela


falta de acesso aos prontuários médicos da época, a intertextualidade entre os
escritos mentalistas e organicistas do período estudado sugere que os tratamentos do
alienismo no Brasil se mantiveram ecléticos, a despeito da crescente recepção
organicista europeia que se intensificou com a agregação dos pressupostos do
positivismo, estruturante filosófico da biologia organicista, direcionado para curas
quiméricas das causas anatomopatológicas.

Entre as décadas de 1830 e 1850, a visão de um arco relacional


embrionário entre médicos e pacientes, fundamentado pelos alienistas franceses Pinel
e Esquirol, manteve-se conforme a sua construção ideológica, embasada na
postulada soberania da clínica observacional e da autoridade médica sobre todos os
processos relacionados ao tratamento. O núcleo empírico pineliano, no tocante aos
tratamentos do alienismo, foi, portanto, consideravelmente absorvido no Brasil
oitocentista.

Assim como na matriz europeia, o alienismo organicista sobrepõe-se


crescentemente nas fontes teóricas ao mentalista no Brasil. Ele se fundamenta como
arte médica propriamente dita, em consonância cronológica ao aparecimento e
157

incremento das tentativas de explicação da hereditariedade, no decorrer da década


de 1850.

Mesmo de forma fragmentada, o alienismo médico terapêutico brasileiro


não deve ser classificado como mero reprodutor nos seus textos de práticas e teorias
consagradas nas matrizes europeias. Esse processo de importação do embate entre
mentalismo e organicismo também ocorreu no Brasil e teve traços importantes de
peculiariedade no desdobramento eclético nessas terras.
158

4. REFERÊNCIAS

THESES

MAIA, E. J. S. - Essai sur les dangers de l'allaitement par les nourrices. Thése
soutenue à la Faculté de Médicine de Paris. Paris: Impr. de Didot le Jeune, 1vol. (19p.).
1833. Disponível em: <http://www.biusante.parisdescartes.fr/ppn?133425592>

FRANÇA, E. F. - Essai sur I'influence des Aliments et des Boissons sur La Moral
de I'Homme. Thése soutenue à la Faculté de Médicine de Paris. Paris: Impr. de Didot
le Jeune, 43p. 1834. Disponível em:
<http://www.biusante.parisdescartes.fr/ppn?095936386>

JAIMI, M.I.F. - As Paixões, e Affectos D’alma em Geral, e em Particular Sobre o


Amor, Amizade, Gratidão, e Amor da Patria. Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, 1836.

PEIXOTO, A.L.S. - Considerações Geraes Sobre a Alienação Mental. Faculdade


de Medicina do Rio de Janeiro, 1837.

ANDRADE, J.C.e. - Dissertação Sobre a Puberdade da Mulher. Faculdade de


Medicina do Rio de Janeiro, 1839.

CHAVES, L.A - Dissertação Sobre o Ópio. Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro,


1839.

FEITAL, J.M.N. - Algumas Proposições em Medicina. Faculdade de Medicina do


Rio de Janeiro, 1839.

MOREIRA, D.C. - Considerações Geraes Sobre a Syphilis. Faculdade de Medicina


do Rio de Janeiro, 1839.

MURTINHO, J.A. - Hypocondria. Faculdade de Medicina da Bahia, 1839.

ROSARIO, A.J. - Dissertação Sobre a Influência dos Alimentos e Bebidas Sobre


o Moral do Homem. Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1839.

RIBEIRO, A.A. - Dissertação Sobre a Nymphomania. Faculdade de Medicina do Rio


de Janeiro, 1842.
159

VIANNA, A.F. - Considerações Hygienicas e Medico-legaes sobre o Casamento


Relativamente a Mulher. Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1842.

MARCELLO,G.A. - O Magnetismo Animal. Faculdade de Medicina do Rio de


Janeiro, 1843.

TORRES, M.J.R. - As Causas e Séde do Suicidio. Faculdade de Medicina do Rio de


Janeiro, 1843.

MARTINS, A. F. - Dissertação Sobre a Irritabilidade, e o Principio Activo dos


Nervos. Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1843.

MACEDO, Joaquim Manuel de; - Considerações Sobre a Nostalgia. [1844] Editora


Unicamp, 2004.

SENA, J.A. - Dissertação sobre a hysteria. Faculdade de Medicina do Rio de


Janeiro, 1844.

CAMARGO, E.P.F. - A Influencia do Estado Moral na Producção, Marcha e


Tratamento das Moléstias e como Contra-Indicação às Operações Cirúrgicas.
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1845.

GONSALVES, R.J. - Dissertação sobre a hysteria. Faculdade de Medicina do Rio


de Janeiro, 1846.

FIGUEIREDO, A.J.I.C. - Breve estudo sobre algumas generalidades a respeito da


alienação mental. Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1847.

SACRAMENTO, A.V.A. - Breves Reflexões Sobre a Saudade. Faculdade de


Medicina da Bahia, 1849.

BRITTO JR., J.M.B. - A Hypochondria. Faculdade de Medicina da Bahia, 1852.

SILVA, J.C. da - Breves Considerações Sobre a Natureza de Algumas Affecções


Nervosas, e de Seu Tratamento. Faculdade de Medicina da Bahia, 1853.

COSTA, L.J. da - Acção Physiologica e Therapeutica do Opio. Faculdade de


Medicina da Bahia, 1857.

ALBUQUERQUE, F.J.F. - A monomania. Faculdade de Medicina da Bahia, 1858.

TEIXEIRA, M. F. – Da Medicação Hydrotherapica. Faculdade de Medicina da Bahia,


1858.

DAMAZIO, V.C. – Emprego Therapeutico da Electricidade, e do Gauvanismo.


Faculdade de Medicina da Bahia, 1859.
160

MEMORIAS

BAYLE, A. L. J. - Memoria Sobre as Allucinações dos Sentidos. Tradução e Edição J.


F. Xavier Sigaud. O Propagador das Siencias Medicas, 1° Ano, Tomo Primeiro, n.1.
p.9-39, Rio de Janeiro: Thypographia de P. Plancher-Seignot. 1827. Disponível em:
<http://hemerotecadigital.bn.br>

MAIA, E. J. S. - Memoria Sobre o Tabaco, apresentada à Sociedade de Medicina do


Rio de Janeiro, em 6 e 18 de dezembro de 1834. Revista Médica Fluminense, n.01,
p.29-32; n.02, p.23-31; n.03, p.33-35; n.04, p.34-46. 1835. Disponível em:
<http://hemerotecadigital.bn.br>

MANSO, A. L. P. S. - Memoria Sobre a Enumeração das substancias Brasileiras, que


podem promover a catarse. Huma descripção das substancias indigenas empregadas
vulgarmente como purgantes, apresentada à Sociedade de Medicina do Rio de
Janeiro, em 1836. Revista Médica Fluminense, n.01, p.319-327; p.345-354; n.10,
p.404-431; n.04, 1838. Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br>

FONTES PRIMÁRIAS

ALLEMÃO, F.F. - Relatorio sobre a Memoria do Dr. M. Lavacher. Revista Médica


Fluminense, Ed.10, p. 22-44, 1836. Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br>.
Acesso em: out. 2013.

ANDRAL, G. Dictionnaire de médecine et de chirurgie pratiques vol. 1 (A-ALIEN),


vol. 2 (AMU – BAN), vol. 3 (ANIM – BAIN) . Paris: Imprimerie de Cosson, 1829. p. 62,
83, 410. Disponível em: http://www.biusante.parisdescartes.fr/
histmed/medica/dictionnaires.htm. Acesso em: abr. 2014.

ANDRAL, G. Dictionnaire de médecine et de chirurgie pratiques vol. 4 (BALA -


CARV), vol. 5 (CASC – CUIV) . Paris: Imprimerie de Cosson, 1830. p. 83. Disponível
em: http://www.biusante.parisdescartes.fr/histmed/medica/
dictionnaires.htm. Acesso em: abr. 2014.

ANDRAL, G. Dictionnaire de médecine et de chirurgie pratiques vol. 7 (ELE -


EXU), vol. 6 (DAC - DES) . Paris: Imprimerie de Cosson, 1831. p. 02. Disponível em:
http://www.biusante.parisdescartes.fr/histmed/medica/dictionnaires.htm. Acesso em:
abr. 2014.

ANDRAL, G. Dictionnaire de médecine et de chirurgie pratiques vol. 9 (GANG -


HERP), vol. 10 (HMOE - KYST) . Paris: Imprimerie de Cosson, 1833. p. 220, 370.
Disponível em: http://www.biusante.parisdescartes.fr/histmed/
medica/dictionnaires.htm. Acesso em: abr. 2014.
161

ANDRAL, G. Dictionnaire de médecine et de chirurgie pratiques vol. 11 (LAI -


NEN), vol. 12 (NEPH - PHTH) . Paris: Imprimerie de Cosson, 1834. p. 93, 95, 302.
Disponível em:
http://www.biusante.parisdescartes.fr/histmed/medica/dictionnaires.htm. Acesso em:
abr. 2014.

ANDRAL, G. Dictionnaire de médecine et de chirurgie pratiques vol. 13 (PHTH -


PYR) . Paris: Imprimerie de Cosson, 1835. p. 667. Disponível em:
http://www.biusante.parisdescartes.fr/histmed/medica/dictionnaires.htm. Acesso em:
abr. 2014.

ANDRAL, G. Dictionnaire de médecine et de chirurgie pratiques vol. 14 (QUAR -


SPLEN). Paris: Imprimerie de Cosson, 1835. Disponível em:
http://www.biusante.parisdescartes.fr/histmed/medica/dictionnaires.htm. Acesso em:
abr. 2014.

ANDRAL, G. Dictionnaire de médecine et de chirurgie pratiques vol. 15 (SQUINE


- ZINC). Paris: Imprimerie de Cosson, 1836. Disponível em:
http://www.biusante.parisdescartes.fr/histmed/medica/dictionnaires.htm. Acesso em:
abr. 2014.

ANNAES DE MEDICINA BRASILIENSE (1848). Hospitaes de Alienados. Edição 01;


vol 4º. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br> Acesso em:
dez. 2013.

ALEXANDER, F. G, SELESNICK S. T. História da psiquiatria: uma avaliação do


pensamento e da prática psiquiátrica desde os tempos primitivos desde os
tempos primitivos até o presente. 2ª Edição – São Paulo: IBRASA, 1890.

BARBOSA, M.J. - Relatorio e Estatistica do Hospicio de Pedro Segundo. Annaes


Brasilienses de Medicina, Ed.05, pag.98-104; Ed.06, pag.118-121, 1856. Disponível
em: <http://hemerotecadigital.bn.br>. Acesso em: out. 2013.

BARBOSA, M.J. - Relatorio do Serviço Sanitario do Hospicio de Pedro II. Gazeta


Medica do Rio de Janeiro, Ed.06, pag.63-66; Ed.07, pag.79-81; Ed.08, pag.87-89,
1862. Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br>. Acesso em: nov. 2013.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo – São Paulo: Edições 70, 2011.

BRIGHAM, A. – Remarks on the Influence of Mental Cultivation upon Health,


Ed.Hartford F.J, Huntington, 1832.

CARTA DE LEI REGENCIAL CRIANDO FACULDADES DE MEDICINA (1832) In:


MORAES, A.J.M. - Corographia historica, chronographica, genealogica,
nobiliaria, e politica do imperio do Brasil. Vol. 1. Typ. americana de J. Soares de
162

Pinho, 1863. p. 430-437. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/


handle/id/179475. Acesso em: set. 2013.

CHERNOVIZ, P. L. N. - Diccionario de Medicina Popular e das Sciencias


Accessorias. 2 ed.; 1 v.; v.2 & v.3: vi, Rio de Janeiro: Casa dos editores proprietarios
Eduardo e Henrique Laemmert. Chernoviz, 1851. p. 170, 199, 256, 319, 6, 87, 137,
187, 196, 403, 306, 290, 297, 404, 407, 33, 87, 88, 154, 166, 187, 306, 307, 398.
Disponível em:http://books.google.com.br/books/
about/Diccionario_de_medicina_popular_A_C.html?id=iPAyAQAAMAAJ&redir_esc=y
. Acesso em: jan. 2014.

CHERNOVIZ, P. L. N. - Formulario ou guia medico. Em casa do autor, Paris, 1864.


Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=
xAbrAAAAMAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&
cad=0#v=onepage&q&f=false. Acesso em: out. 2013.

CHERNOVIZ, P. L. N. - Diccionario de Medicina Popular e das Sciencias


Accessorias. 6 ed.; 2 v.; v.1 & v.2: vi, Paris: A. Roger& F. Chernoviz, 1890.p. 18, 189,
190, 376, 377, 941, 1080. Disponível em:
http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00756310. Acesso em: jan. 2014.

CULLEN, W. - A treatise of the materia medica. Vol. 2. Elliot, 1789. Disponível em:
http://books.google.com.br/books/about/A_Treatise_of_the_Materia_
Medica.html?id=SG9AAAAAcAAJ&redir_esc=y. Acesso em: set. 2013.

DE SIMONI, L. V. - Importância da criação de hum manicômio ou estabelecimento


especial para o tratamento dos alienados. Revista Médica Fluminense, V(6), 241-
62, 1839. Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br>. Acesso em: set. 2013.

DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO (1835) - Noticias Particulares. Edição 17. Rio de


Janeiro: Thypographia do Diário, 1835. Disponível em:
<http://hemerotecadigital.bn.br>. Acesso em: jan. 2014.

ESPANET, A. - Traité méthodique et pratique de matière médicale et de


thérapeutique: basé sur la loi des semblables. J.-B. Baillière et fils, 1861.
Disponível em: http://www.worldcat.org/title/traite-methodique-et-pratique-de-matiere-
medicale-et-de-therapeutique-base-sur-la-loi-des-semblables/oclc/402189369 .
Acesso em: ago. 2013.

FALRET, J. P. - Des maladies mentales et des asiles d aliénés: leçons cliniques


et considerations generales [1863]. Revista Latinoamericana de Psicopatologia
Fundamental, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 307 – 317, junho, 2010.
163

FERREIRA, L.G. - Erário mineral [1735]. Organização de Júnia Ferreira Furtado.


Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais;
Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Editora FIOCRUZ, 2002. 821 p. Disponível
em: http://static.scielo.org/scielobooks/ypf34/pdf/ferreira-9788575412404.pdf. Acesso
em: nov. 2013.

LANGGAARD, T.J.H. Diccionario de Medicina Domestica e Popular. 3 tomos, v. 1,


v. 2, v. 3. Laemmert, Rio de Janeiro, 1865. p. 38, 199, 104, 178, 616, 90, 184, 157,
571, 576, 16, 33, 111, 176, 182, 348, 412, 433. Disponível em:
<http://books.google.com.br/books?id=pgAHAAAAcAAJ&hl=pt-
PT&source=gbs_book_other_versions > . Acesso em: fev. 2014.

MAIA, E. J. S. - Sciencias Accessorias. Revista Médica Fluminense, Edição:06,1835.


Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br>. Acesso em: dez. 2013.

MEIRELLES, J.C.S de - Introdução. Revista Médica Fluminense, Edição:01,1835.


Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br> Acesso em: out. 2013.

MELLO MORAES, A.J. - Corographia historica, chronographica, genealogica,


nobiliaria, e politica do imperio do Brasil. Rio de Janeiro: Typ. Brasileira de J. J. do
Patrocício, Vol. 1, p. 118, 1863. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/179475>. Acesso em: set. 2013.

MELLO MORAES, A.J. - Corographia historica, chronographica, genealogica,


nobiliaria, e politica do imperio do Brasil. Rio de Janeiro: Typ. Americana de J.
Soares de Pinho, Vol. 2, p. 348-349, 1858. Disponível em:
http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/179475 . Acesso em: set. 2013.

MONTEIRO, D. J., Jr. - Relatorio do Medico do Hospicio Annexo ao Diretor do


Hospital de S. João Baptista de Nictheroy. Universidade de Chicago, 1886. p.S8-1
- S8-21 Disponível em <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/820/> . Acesso em: ago. 2013.

MONTEIRO, D. J., Jr. - Relatorio do Medico do Hospicio Annexo ao Diretor do


Hospital de S. João Baptista de Nictheroy. Universidade de Chicago. 1888, p.S13-
1 - S13-17 . Disponível em < http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/822/> Acesso em: ago. 2013.

MORÃO, S. P. - Trattado Unico das Bexigas e Sarampo [1683] – In: Morão, Rosa &
Pimenta – Notícia dos três primeiros livros em vernáculo sobre a medicina no
Brasil: estudo crítico de Gilberto Osório de Andrade, Pernambuco: Arquivo Público
Estadual, 1956.

NEVES, A. J. P. [1845] In: PAIM, Isaías. - Primórdios da Psiquiatria no Brasil.


Thematika, Brasília: 1(1): p.21, 1975. Disponível em:
<http://scad.bvs.br/php/index.php> . Acesso em: dez. 2013.
164

O DESPERTADOR - Annuncios. Edição 394;. Rio de Janeiro: Thypographia da


associação do Despertador, 1839. Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br.
Acesso em: jan. 2014.

O DESPERTADOR - Annuncios. Edições 533; 654;. Rio de Janeiro: Thypographia


da associação do Despertador, 1840. Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br.
Acesso em: jan. 2014.

O RIO DE JANEIRO (1886). - Noticiário. Edições 179; 185; 192; 195; 213; 215. Rio
de Janeiro: Thypographia do Jornal, 1886. Disponível em:
<http://hemerotecadigital.bn.br>. Acesso em: nov. 2014.

PANCKOUCKE, C. L. F. Une Société de Médecins et de Chirurgiens. Dictionnaire


des sciences médicales. vol. 1 (A - AMP), vol. 3 (BAN – CAC), vol. 4 ( CAN-CHA),
vol. 49 (RIC – SAP), Paris: 1812. p. 199, 482. Disponível em:
http://www.biusante.parisdescartes.fr/histmed/medica/dictionnaires.htm. Acesso em:
abr. 2014.

PANCKOUCKE, C. L. F. Une Société de Médecins et de Chirurgiens. Dictionnaire


des sciences médicales. vol. 8 (DAC - DES), vol. 9 (DES - DIS), vol. 10 ( DIS-EAU),
vol. 49 (RIC – SAP), Paris: 1814. p. 251. Disponível em:
http://www.biusante.parisdescartes.fr/histmed/medica/dictionnaires.htm. Acesso em:
abr. 2014.

PANCKOUCKE, C. L. F. Une Société de Médecins et de Chirurgiens. Dictionnaire


des sciences médicales. vol. 11 (EAU - EMO), vol. 13 (EPI - EXC), Paris: 1815.
Disponível em: http://www.biusante.parisdescartes.fr/
histmed/medica/dictionnaires.htm. Acesso em: abr. 2014.

PANCKOUCKE, C. L. F. Une Société de Médecins et de Chirurgiens. Dictionnaire


des sciences médicales. vol. 23 (HYG - ILE), vol. 27 (KAL - LET), Paris: 1818.
Disponível em: http://www.biusante.parisdescartes.fr/
histmed/medica/dictionnaires.htm. Acesso em: abr. 2014.

PANCKOUCKE, C. L. F. Une Société de Médecins et de Chirurgiens. Dictionnaire


des sciences médicales. vol. 32 (MED-MES), Paris: 1819. Disponível em:
http://www.biusante.parisdescartes.fr/histmed/medica/
dictionnaires.htm. Acesso em: abr. 2014.

PANCKOUCKE, C. L. F. Une Société de Médecins et de Chirurgiens. Dictionnaire


des sciences médicales. vol. 48 (RESP - RHU), Paris: 1820. p. 381 Disponível em:
http://www.biusante.parisdescartes.fr/histmed/medica/
dictionnaires.htm. Acesso em: abr. 2014.

PANCKOUCKE, C. L. F. Une Société de Médecins et de Chirurgiens.


Dictionnaire des sciences médicales. vol. 53 (STT - SYMPA ) vol. 56 (TRIF-VAP),
165

Paris: 1821. Disponível em:


http://www.biusante.parisdescartes.fr/histmed/medica/dictionnaires.htm. Acesso em:
abr. 2014.

PINEL, Philippe. - Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a mania


[1800]. Tradução de Joice Armani Galli. Porto Alegre: UFRGS, 2007.

REVISTA MEDICA FLUMINENSE. 13ª Sessão da Academia Imperial de Medicina


de 9 de agosto de 1834. ed 07. p. 06. Rio de Janeiro: Thypographia Imparcial de
Brito, 1835. Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br> . . Acesso em: nov. 2013.

REVISTA MEDICA FLUMINENSE. Conferencias Verbaes. Edição 01; vol II. Sessão
de 7 de junho de 1833, p.10. Rio de Janeiro: Thypographia Imparcial de Brito, 1835.
Disponível em: http://hemerotecadigital.bn.br. Acesso em: jan. 2014.

REVISTA MEDICA FLUMINENSE (1838). 8º Sessão. Edição 01; abril; vol IV. Rio de
Janeiro: Thypographia Imparcial de Brito, 1836. Disponível em:
<http://hemerotecadigital.bn.br> . . Acesso em: jan. 2014.

RICHELIEU, Cardeal de, Armand Jean du Plessis. - Testamento politico [1709] Trad.
David Carneiro. Ed. Eletrônica Ridendo Castigat Mores, 2002, parte I, cap.I, seção X.
Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/
richelieu.html>. Acesso em: dez. 2014.

RUSH, B. - Medical Inquiries and Observations upon the Diseases of the Mind.
Philadelphia: Kimber & Richardson, 1812. Disponível em:
<http://books.google.com.br/books/about/Medical_Inquiries_and_Observations_Upon
.html?id=l-oRAAAAYAAJ&redir_esc=y>>. Acesso em: set. 2014.

SACRAMENTO BLAKE, A.V.A. - Diccionario Bibliographico Brazileiro. Rio de


Janeiro: Imprensa Nacional, v. 3, 1883-1902. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/221681> . Acesso em: out. 2013.

SCULL, A. The Asylum as Utopia (Psychology Revivals): WAF Browne and the
Mid-Nineteenth Century Consolidation of Psychiatry. Routledge, 2014.

SEMANARIO DE SAUDE PUBLICA (1831). Boletim da Sociedade de Medicina do


Rio de Janeiro. Edição 05; janeiro; Rio de Janeiro: Thypographia Imperial de E.
Seignot-Plancher, 1831. Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br> . Acesso em:
dez. 2013.

SEMANARIO DE SAUDE PUBLICA (1834).Projecto de Estatutos para a Escola de


Medicina da Bahia. Edição 65; Rio de Janeiro: Thypographia Nacional, 1834.
Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br> . Acesso em: dez. 2013.
166

SIGAUD, J. F. X. - Introdução. O Propagador das Siencias Medicas, 1° Ano, Tomo


Primeiro, n.1. p.5-8, Rio de Janeiro: Thypographia de P. Plancher-Seignot. 1827.
Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br>. Acesso em: nov. 2013.

SIGAUD, J. F. X. - Observações. O Propagador das Siencias Medicas, 1° Ano,


Tomo Primeiro, n.1. p.51-57, Rio de Janeiro: Thypographia de P. Plancher-Seignot.
1827. Disponível em: <http://hemerotecadigital.bn.br>. Acesso em: nov. 2014.

SOUZA, J.F. Relatório Clínico das Enfermarias de Alienados do Hospital de S.


João Baptista de Nictheroy. 1879/1880. p. S8-1 - S8-21 Universidade de Chicago.
Disponível em < http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/812/ >. . Acesso em: jan. 2013.

TUKE, Samuel. Description of The Retrat, an Institution near York, for Insane
Persons of the Society of Friends. London (York), 1813. Disponível em:
https://archive.org/details/2575045R.nlm.nih.gov . Acesso em: ago. 2014.

VASCONCELLOS, Simão de. Crônica da Companhia de Jesus do Estado do


Brasil. [1663] 3. Ed. Lisboa: A. J. Fernandes Lopes, 1945/ Rio de Janeiro: Typ. J. I da
Silva, 2ª Ed./ Petrópolis: Vozes, p. 8, 1977. Disponível em:
http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01827710#page/1/mode/1up. Acesso
em: nov. 2013.

VON MARTIUS, Karl Friedrich Philip. - Natureza, doenças, Medicina e remedios


dos indios brasileiros [1844]. Guarulhos-SP: Companhia editora nacional, v. 154.
1979.

FONTES SECUNDÁRIAS

ABREU, João Capistrano de. - Capítulos de história colonial (1500-1800). Rio de


Janeiro: M. Orosco & C., 1907, p. 172. Disponível em:
<http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00157600>. Acesso em: dez. 2013.

AGNOLIN, A. - Jesuítas E Selvagens: O Encontro Catequético No Século XVI. /


Revista de História 144: Universidade de São Paulo – USP, 2001.

ALI, M. S. - Dificuldades da Língua Portuguesa. O Purismo e o Progresso da Língua


Portuguesa, v.5: Academia Brasileira de Letras, p. 230-255, 2005. Disponível em: <
http://www.joaquimnabuco.org.br/abl/media/memoria9.pdf>. Acesso em: jan. 2014.

ARRUDA, M. I. M. - Cartas inéditas de Friedrich von Martius. XI Congresso da


Associação Latino-Americana de Estudos Germanísticos: Universidade de São Paulo
– USP, 2003. Disponível em: <
http://bc.ufpa.br/site/images/DocumentosPDF/CARTAS_INEDITAS_VON_MARTIUS.
pdf. Acesso em: out. 2013.
167

BERCHERIE, P. - Os Fundamentos da Clínica: História e Estrutura do Saber


Psiquiátrico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 13-78,1989.

BERRIOS, G.E. - The history of mental symptoms: descriptive psychopathology


since the nineteenth century. Cambridge University Press, 1996.

BERRIOS, G. E. & PORTER, R. - Filosofia das Ciências. São Paulo: Editora Escuta
Ltda, 2012.

BETHENCOURT, F. - História das Inquisições: Portuga, Espanha e Itália; Séculos


XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

BIRD, A. La Filosofía de la Historia de la Ciencia de Thomas Kuhn. Cauca:


Discusiones Filosóficas, 21, 2012, p. 167-185.

BROWN, P. Santo Agostinho: uma bibliografia. 5. Ed. Rio de Janeiro: Record,


2008, p.123-139.

CALAINHO, D.B. - Jesuítas e Medicina no Brasil colonial. Tempo, Rio de Janeiro,n.


19, p. 61-75, 2005. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/tem/v10n19/v10n19a05.pdf . Acesso em: ago. 2013.

CARLSON, E. T.; SIMPSON, M. M. - Opium as a tranquilizer. The American journal


of psychiatry, 120: p.112-117, 1963. Disponível em:
http://ajp.psychiatryonline.org/article.aspx?articleID=149170. Acesso em: ago. 2013.

CARNEIRO, R, P. Apresentação. In: FURTADO, JF., (org.), FERREIRA, GF. - Erário


mineral [1735]. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos
Históricos e Culturais; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Editora FIOCRUZ,
2002. 821 p. Disponível em: http://static.scielo.org/scielobooks/ypf34/pdf/ferreira-
9788575412404.pdf. Acesso em: nov. 2013.

CATÃO, L.P. - As andanças dos jesuítas pelas Minas Gerais: uma análise da
presença e atuação da Companhia de Jesus até sua expulsão (1759). Horizonte,
Belo Horizonte, v. 6, n. 11, p. 127 ‑ 150, dez. 2007. Disponível
em:<http://www.pucminas.br/documentos/horizonte_11_andancas_jesuitas.pdf?>.
Acesso em: ago. 2013.

CATROGA, F. - Memória, História e Historiografia. Rio de Janeiro: Editora FGV,


2015, p. 54 e 55.

CHARTIER, R. – O que é um autor? Revisão de uma Genealogia. Tradução


Luzmara Curcino; Carlos Eduardo de Oliveira Bezerra. São Carlos: EdFScar, 2012. p.
13.
168

DA NÓBREGA, Manuel; DE ANCHIETA, José. - Nóbrega e Anchieta: antologia.


Coordenação e Seleção Pe. Helio Abranches Viotti, S. J. São Paulo: Edições
Melhoramentos, 1978, p.113-114.

DE POMBAL, Marquês (org.); DE PROVIDÊNCIA LITERÁRIA, Junta. (org);


PATRÍCIO, M. F.; PEREIRA, J. E. - Compêndio Histórico da Universidade de
Coimbra. Campo das Letras, Porto, 2008. Disponível em:<
http://www.lusosofia.net/textos/20111031-marques_de_pombal_compendio_ historico
_da_universidade_de_coimbra.pdf>. Acesso em: set. 2013.

DOWBIGGIN, I. Inheriting Madness Professionalization and Psychiatric


Knowledge in Nineteenth-Century France. University of California Press. Oxford,
England, 1991.

DUNKEL, L. - Moral and humane: patients’ libraries in early nineteenth-century


American mental hospitals. Bulletin of the Medical Library Association, 71, p.274–
81, 1983. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/
PMC227192/pdf/mlab00067-0046.pdf. Acesso em: ago. 2013.

EDLER, F. C. Boticas & pharmacias: uma história ilustrada da farmácia no Brasil.


Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2006, p. 18.

EDLER, F. C. A Medicina no Brasil Imperial: clima, parasitas e patologia tropical.


Ed. Fiocruz, Rio de Janeiro, 2011.

FAGUNDES, B.F.L. (org.); PAULA, S.G. de. (org.); PORTO, A.; FURTADO, J.F.;
CERQUEIRA, R.; LAMARE, V. de; Glossário. In: FERREIRA, L.G. - Erário mineral
[1735]. Organização de Júnia Ferreira Furtado. Belo Horizonte: Fundação João
Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais; Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo
Cruz, Editora FIOCRUZ, 2002. 821 p. Disponível em:
http://static.scielo.org/scielobooks/ypf34/pdf/ferreira-9788575412404.pdf. Acesso em:
nov. 2013.

FENELON, Déa Ribeiro. Cultura e história social: historiografia e pesquisa.Projeto


História. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, v. 10,
1993.

FERREIRA, L. O. Negócio, política, ciência e vice-versa: uma história institucional do


jornalismo médico brasileiro entre 1827 e 1843. Hist. cienc. saude-Manguinhos,
2004, vol.11. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010459702004000400005&script=sci_arttext.
Acesso: jan. 2016.

FILGUEIRAS, C.A.L. - D. Pedro II e a Química. Quím. Nova, Belo Horizonte: v. 2, n.


11, 210-214, 1988. Disponível em: http://quimicanova.sbq.org.br/qn/
qnol/1988/vol11n2/v11_n2_%20(9).pdf. Acesso em: set. 2013.
169

FILGUEIRAS, C.A.L.. - A influência da Química nos saberes médicos acadêmicos


e práticos do século XVIII em Portugal e no Brasil. Quím. Nova, São Paulo , v. 22,
n. 4, p. 614-621. July 1999 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
40421999000400022> . Acesso em: set. 2013.

FONSECA, O. – in GOMES, B. A. - Plantas Medicinais do Brasil. São Paulo: Editora


da Universidade de São Paulo, [1933], 1972, p.11.

FOUCAULT, M. O Nascimento da Clínica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p.


1-230,1980.

GALHARDO, J. E. R. - Iniciação Homeopathica. Rio de Janeiro: Typ. Henrique M.


Sondermann, 1936.

GOMES, L. - 1808. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.

GOMES, L. - 1822. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2010.

GOMES, B. A. - Memoria sobre a Canella do Rio de Janeiro - in - Plantas


Medicinais, São Paulo: Universidade de São Paulo, [1809], 1972.

GROB, G. N. - Mental Institutions in America: Social Policy to 1875, Ed.


Transactions Publishers, 2009.

GUIMARÃES, M. R. C. - Chernoviz e os manuais de Medicina popular no Império.


Hist. ciênc. saúde-Manguinhos, 12.2: 501-514, 2005. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v12n2/16.pdf>. Acesso em: nov. 2013.

GUIMARÃES, M. R. C. - Os manuais de Medicina popular do Império e as doenças


dos escravos: o exemplo do ‘Chernoviz’. Revista Latinoamericana de
Psicopatologia Fundamental, 11.4: 827-840, 2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v20n1/19.pdf . Acesso em: nov. 2013.

GUIMARÃES, M. R. C. - A primeira viagem científica brasileira: a Comissão


Científica do Império. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20,
n.1, jan.-mar., p.332-336, 2013. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v20n1/19.pdf. Acesso em: nov. 2013.

GURGEL, C. - Doenças e Curas: o Brasil nos primeiros séculos. São Paulo:


Contexto, 2010.

HEISE, P. F. - A introdução de Dante no Brasil: o Ramalhete poético do parnaso


italiano de Luiz Vicente de Simoni, São Paulo, 2007. Dissertação (Mestrado)

HERON, M. J. - A note on the concept endogenous – exogenous. Brit. J. Med.


Psychol. v. 38, 241, 1965.
170

HOLANDA, S.B; IGLÉSIAS, F; SOUSA, IA; OBERACKE IR, C.H; SCHORER, P;


GOLDMAN, F; COSTA V.E; IANNIZO; BEIGUELMt\ P; COSTA, IC. SOUZA, AC.M;
LACOMBE, P.J; LANGE, F.C; BARATA, M; SCHADEN, E; PEREIRA, J.B.B; PINTO,
OMO; FILHO, L.S. - História Geral da Civilização Brasileira, Brasil Monárquico,
Reação e Transações, Tomo II, Vol 03, 3a Ed. São Paulo-Rio de Janeiro: DIFEL,
1976.

HOLANDA, S.B; BARRETO, C. B.; CAMPOS, P. M.; COSTA, J. C.; CUNHA, P. O.C.;
OBERACKER, C.; PANTALEÃO, O.; PAULA, E. S.; VIEIRA, D. T. - História Geral da
Civilização Brasileira, Brasil Monárquico, Processo de Emancipação, Tomo II,
Vol 01, 4a Ed. São Paulo-Rio de Janeiro: DIFEL, 1976.

HOLANDA, S.B. de; AB'SABER, AN; ALMEIDA, AF. P; CAMPOS, P.M; CARVALHO,
L.R de; ELLIS, M; FERNANDES, F; MATOS, O.N. de; MELO A.R de; MELLO, J.A.G.
de; PANTALEÃO,O; PRADO, J.F.P; REIS, A.C.F. - História Geral da Civilização
Brasileira, A Época Colonial, Do Descobrimento à Expansão Territorial, Tomo I,
Vol 01, 6a Ed. São Paulo: DIFEL, p. 15-34; 113; 138, 1981.

KRAEPELIN, E. [1917] - One hundred years of psychiatry. New York, Philosophical


Library, p.163. 1962.

LEITE, Serafim S.J. - Artes e ofícios dos Jesuítas no Brasil, 1549-1760 [1953].
Natal-RN: Sebo Vermelho, 2008, p.84-90.

LEITE, Serafim S.J. - História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro:


Imprensa Nacional, Tomo IV, Obra e assuntos gerais. Séculos XVII-XVIII. 1943, p.109.

LEME LOPES, J. - A psiquiatria eo velho hospício. Jornal Brasileiro de Psiquiatria


14.1-2 (1965): 117-30. Disponível em:
http://www.congressoabpbrasil.org.br/historia/galeria/a_psiquiatria_e_o_velho_hospi
cio.pdf. Acesso em: out. 2013.

Livro de Registros do 7º Congresso Internacional de Medicina Tropical e Malária


- exposição histórica bibliográfica, Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro, 1963. Disponível em:
http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon1285843.pdf. Acesso em: set.
2013.

LOBO, F. B. A Biblioteca da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no Império.


Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro: 334 1982.

LOPES, L.S. - A cultura da medição em Portugal ao longo da história. Educação


e Matemática, nº 84, Associação de Professores de Matemática, p. 42-48, 2005.
Disponível em: <http://www.spmet.pt/medidas_edimat.pdf>. Acesso em: set. 2013.
171

LOPES RODRIGUES, H. - Anchieta e a Medicina. Belo Horizonte: Edições Apollo,


1934, p.57-58.

MACHADO, R; LOUREIRO, A; LUZ; R; MURICY, K. - Danação da Norma - Medicina


Social e Constituição da Psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, p.17-492, 1978.

MARTINS, R.A. - Ciência versus historiografia: os diferentes níveis discursivos nas


obras sobre história da ciência. In: ALFONSO-GOLDFARB, A.M.; BELTRAN, M.H.R.
(orgs). Escrevendo a História da Ciência: tendências, propostas e discussões
historiográficas. São Paulo. EDUC/Livraria Editora da Física/Fapesp, 2004. p.115-
145. 229 p.

MATTEDI, M. - Sociologia do Conhecimento: introdução à abordagem


sociológica do problema do conhecimento. Chapecó: Editora Argos, 2006.

MENDONÇA, M.C. de. - O marquês de Pombal e o Brasil. São Paulo: Companhia


Editora Nacional, 1960, p.46.

MOREIRA I.C. de. & MASSARINI L. - Cândido Batista de Oliveira e seu papel na
implantação do Sistema Métrico Decimal no Brasil. Revista da SBHC, D. 18, p. 03-
16, 1997. Disponível em: <http://www.mast.br/arquivos_sbhc/68.pdf>. Acesso em:
out. 2013.

MOREIRA, Juliano. - Notícia sobre a evolução da assistência a alienados no


Brasil [1905]. Rev. latinoam. psicopatol. fundam, vol.14, n.4, p. 728-768. 2011.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v14n4/v14n4a12.pdf> . Acesso em: out.
2013.

MOREIRA, V. In: CHERNOVIZ, P. L. N. - A Grande Farmacopéia Brasileira:


Formulário e Guia Médico. Belo Horizonte–Rio de Janeiro: Itatiaia, 1996 (fac-smile
de 1920).

NAVA, P. Capítulos de história da medicina no Brasil. Brasil Médico Cirúrgico, 10:


181 – 216 - 218,1948.

NAQVI, N. in: The Nostalgic Subject. A Genealogy of the ‘Critique of Nostalgia’.


Messina: Universitá Degli Studi di Messina, 2007. Disponível em : <
http://books.google.com.br/books?id=R26XcPLrEAAC&pg=PA16&lpg=PA16&dq=La
urent+et+Percy+medecins+militaires+pendant+revolucion&source=bl&ots=XL9HNU4
ZFS&sig=ktDOkbwL7wAA4c1E-T0xHt8Tf0U&hl=pt-
BR&sa=X&ei=rW8HVMfIJYbPggSt84GYCw&ved=0CCAQ6AEwAA#v=onepage&q=p
endant&f=false>. Acesso em: out. 2014.

NAVA, P. - Capítulos da história da Medicina no Brasil. Brasil médico-cirúrgico, nº


10 e 11, p. 209-10, 1948/1949.
172

NOUVEL, P. - Filosofia das Ciências. Campinas: Papirus, 2013.

ORLANDI E. P. - A Língua Brasileira, Ciência e Cultura v.57.2, 2005, p. 29-30.


Disponível em: < http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v57n2/a16v57n2.pdf>. Acesso
em: out. 2014.

SANTOS, N.B. - A aprendizagem segundo Karl Popper e Thomas Kuhn. Revista


do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca, p.62-74, 2006.

SANTO, T.B.E; OGUISSO, T. ; FONSECA, R.M.G.S. A profissionalização da


enfermagem brasileira na mídia escrita no final do século XIX: uma análise de
gênero. Rev. Latino Americana. Enfermagem [Internet]. set. – out. 2011.

SCHULER, A. - Dicionário Enciclopédico de Teologia, Canoas: Editora Concórdia,


2002. Disponível em: <
http://books.google.com.br/books?id=9MIZEhXWJngC&pg=PA258&lpg=PA258&dq=j
esuitismo+dicion%C3%A1rio&source=bl&ots=jWot6EU7eI&sig=luWHuQJGrSq5Dxw
JQUJbr5ncOz8&hl=pt-
BR&sa=X&ei=rX8lVKnxNIS3yASxnIHABQ&ved=0CDYQ6AEwBDgK#v=onepage&q&
f=false>. Acesso em: out. 2013.

SIGAUD, J. F. X. Do clima e das doenças do Brasil ou estatística médica deste


império; tradução Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.

STONE, M. C. – A Cura da Mente: A história da Psiquiatria da Antiguidade até o


Presente, Porto Alegre: Artmed, 1999.

ODA, A.M.G.R.; DALGALARRONDO, P. - O Início da Assistência aos Alienados no


Brasil ou Importância e Necessidade de Estudar a História da Psiquiatria. Rev.
Latinoam. Psicopat. Fund, 7.1: 128-141,2004. Disponível em:
http://www.psicopatologiafundamental.org/uploads/files/revistas/volume07/n1/o_inicio
_da_assistencia_aos_alienados_no_brasil.pdf. Acesso em: nov. 2013.

ODA, A.M.G.R.; DALGALARRONDO, P. - História das primeiras instituições para


alienados no Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.12, n.3, Set. - dez.
2005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v12n3/19.pdf. Acesso em: nov.
2013.

ODA, A.M.G.R. & DALGALARRONDO, P. Apresentação. In: PINEL, P. - Tratado


médico-filosófico sobre a alienação mental ou a mania. Tradução de Joice A. Galli.
Porto Alegre: Ed. da UFGRS, 2007.

ODA, A.M.G.R. - A primeira tese brasileira sobre alienação mental: leituras, plágios e
ciência, Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, 16(4), 630-641, dez. 2013.
173

ODA, A.M.G.R. & PORTO, A. Apresentação In: SIGAUD, J. F. X. Do clima e das


doenças do Brasil ou estatística médica deste império [1844]; tradução Renato
Aguiar. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.

OLIVEIRA, C. F. A. de. Evolução das Classificações psiquiátricas no Brasil: um


esboço histórico. Campinas, 2003. (Dissertação de Mestrado, Universidade
Estadual de Campinas).

OLIVEIRA, R. A.; SILVA, A. P. B. A História da Ciência no ensino: diferentes


enfoques e suas implicações na compreensão da ciência. In: Encontro Nacional
de Pesquisa em Educação em Ciências, 8, 2011, Campinas. Atas. Campinas:
ABRAPEC, 2011.

OLIVEIRA, M. M. As Origens da Educação no Brasil: da hegemonia católica às


primeiras tentativas de organização do ensino. Ensaio: Avaliação de Políticas
Públicas da Educação, v. 12, n. 45, p. 945-958, 2004, Rio de Janeiro. Disponível em:
< http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v12n45/v12n45a03.pdf >. Acesso em: set. 2013.

PAIM, Isaías. Primórdios da Psiquiatria no Brasil. Thematika, Brasília: 1(1): p. 9-


31, 1975. Disponível em: <http://scad.bvs.br/php/index.php>

PAIM, Isaías. O hospital psiquiátrico: as origens, as transformações e o seu


destino. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, vol.25, nºs 2 e 3 – p. 147-280, 1976.

PAVÍA-RUZ, N.; CEBALLOS-QUINTAL, J. M.; MEDINA-ESCOBEDOÊ, C.;


ORDOFIEZ-DURÁNÊ, A.; RICS-RODRÍGUEZÊ, H. - Magia, Religión y
Medicina. Rev Biomed, 9: 192-198 1998.

PELOQUIN, S. M. Moral Treatment: context considered. American Journal of


Occupational Therapy, 43(8) 537-544, 1989.

SILVA, A. C. P. A proteção aos insanos no Segundo Reinado. Rev. Psiquiatria


Clínica, vol 36(5):208-15, 2009.

PEREIRA, J, M. Apresentação. In: PEREIRA, A. L. & PITA, J. R., (org.) - I Jornadas


de História da Psiquiatria e Saúde Mental [2010]. Coimbra: Centro de Estudos
Interdisciplinares do Séc. XX da Universidade de Coimbra – CEIS20 – Grupo de
História e Sociologia da Ciência – GHSC, p. 9-13; Disponível em: <
http://www.ces.uc.pt/myces/UserFiles/livros/1097_I%20JHPSM%202010.pdf#page=9
> Acesso em: ago. 2014.

PESSOTTI, I. - A Loucura e as Épocas. Rio de Janeiro: Ed. 34, p.127-129,1995.

PESSOTTI, I. - O Século dos Manicômios. Rio de Janeiro: Ed. 34, p.17-294,1996

PESSOTTI, I. - Os nomes da loucura. São Paulo: Ed. 34, p.17-294,1999.


174

PICCININI, W. Psiquiatria Forense no Brasil a partir das suas publicações (II).


Psychiatry on-line Brasil [periódico on-line] Vol 07; n. 06; jun, 2002. Disponível em:
<http://www.polbr.med.br/ano02/wal0602.php> . Acesso em: dez. 2013.

POLITO, R.; LOPES, M.B. Posfácio. In: MACEDO, Joaquim Manuel de; -
Considerações Sobre a Nostalgia. Editora Unicamp, 2004.

PORTER, R. - História da Medicina. Cambridge: Cambridge University Press, p. 249,


2006.

PORTOCARRERO, V.M. - Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da


Psiquiatria. Diss Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Ago,
p. 1- 154, 1980

RODRIGUES, E. Alimentação, Saúde e Império: o físico-mor Luís Vicente de


Simoni e a nutrição dos moçambicanos. Arquipélago-História, 2ª. Série, IX – X.
Ponta Delgada: Universidade dos Açores. p. 621-660, (Separata), 2005. Disponível
em: https://repositorio.uac.pt/handle/10400.3/436. Acesso em: nov. 2013.

REIS, A.C.F. Apresentação. In SACRAMENTO BLAKE, A.V.A. - Diccionario


Bibliographico Brazileiro. Brasília: Conselho Federal de Cultura, v. 1, 1970.
Disponível em:
http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00295710#page/1/mode/1up. Acesso
em: nov. 2013.

REISS, B. - Theaters of Madness: Insane Asylums and Nineteenth-Century


American Culture. Chicago and London: University of Chicago Press, p. 237, 2008.

ROUANET, S.P. Dilemas da Moral Iluminista. In.: NOVAES, Adauto. Ética. São
Paulo: Companhia das Letras, 1993.

RODRIGUES, H.L. - Anchieta e a Medicina. Belo Horizonte: Edições Apollo, 1934.

SHORTT, S.E.D. - Victorian Lunacy: Richard M. Bucke and the Practice of Late
Nineteenth-Century Psychiatry. New York: Cambridge University Press, 2010.

SILVA, L.A.G. - As bibliotecas dos Jesuítas: uma visão a partir da obra de


Serafim Leite, Perspectivas em Ciéncia da Informação, v.13: p. 219-237, 2008.
Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/pci/v13n2/a14v13n2.pdf>. Acesso em: ago.
2013.

SILVA, P. da In VON MARTIUS, Karl Friedrich Philip. - Natureza, doenças, Medicina


e remedios dos indios brasileiros [1844]. Guarulhos-SP: Companhia editora
nacional, v. 154. 1979.
175

SOARES, L. C. - Ciência, religião e Ilustração: as academias de ensino dos


dissentes racionalistas ingleses no século XVIII. Revista Brasileira de História
21.41. 173-200, 2001. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rbh/v21n41/a10v2141.pdf. Acesso em: ago. 2014.

TEIXEIRA, L. A, EDLER, F. C. História e cultura da medicina no Brasil. São Paulo:


AORI Produções Culturais, 2012.

THOMAZ, J. - Anchieta. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1981, p. 163-


165.

VALLE, J. R. – in GOMES, B. A. - A Propósito das Observações Botânico-Médicas


de Bernardino Antonio Gomes. Plantas Medicinais do Brasil. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1972, p.21.

WILLIAMS, Elisabeth A. - The Physical and the Moral – Antropology, Physiology,


and Philosophical Medicine in France, 1750-1850 Cambridge: Cambridge
University Press, 2002.
176

5. GLOSSÁRIO TERAPÊUTICO

O glossário da tese foi organizado para a explicitação dos significados de


“termos médicos” (doenças, medicamentos, formas de tratamento etc.), que compõem
o vocabulário corrente no perímetro cronológico estudado no século XIX. Ele foi
elaborado a partir de conceitos extraídos do Diccionario de Medicina Popular e das
Sciencias Accessorias de Pedro Luiz Napoleão Chernoviz, com as edições brasileiras
de 1851 e de 1890, para explicitar conceitos não constantes na edição de 1851. Mais
uma fonte de referência brasileira para este Glossário foi o Diccionario de Mecidina
Domestico e Popular, de Theodoro Johanis Henrique Langgard, editado em três tomos
em 1865, construídos a partir da década de 1840.

Esses verbetes estruturados no Brasil foram acrescidos nos itens deste


glossário com extratos de significados dos dicionários médicos franceses Une Société
de Médecins et de Chirurgiens. Dictionnaire des sciences médicales e Dictionnaire de
médecine et de chirurgie pratiques, respectivamente organizados pelo editor Charles-
Louis-Fleury Panckoucke (1780 -1844), edições de 1812 a 1822 e pelo médico
patologista Gabriel Andral (1797-1876), edições de 1829 a 1836.

Esses dicionários tiveram larga utilização no meio médico oitocentista


brasileiro. A inclusão nesse glossário terapêutico de terminologias francesas objetiva
construir, de modo comparativo, noções da importação dos conceitos utilizados na
linguagem dos médicos brasileiros nas narrativas acerca da alienação mental.

ABLUÇÕES – “lavagens da pele com água fresca”, com o objetivo terapêutico de


serem “medidas hygienicas” para o asseio corporal, com a ressalva de que nem
sempre ele era feito de forma adequada. Especificamente na linguagem médica
terapêutica são citados como vantagens do asseio do corpo: esfoliação das “parcellas
epidérmicas”, a exclusão dos “cheiros fétidos” e dos acúmulos sebáceos
(CHERNOVIZ, 1890, p.18). Purificar, lavar o corpo inteiro ou partes do corpo.
Inicialmente associado a práticas religiosas antes do culto, mas é considerado
177

também muito útil na prevenção de doenças contagiosas (PANCKOUCKE, 1812, vol.


1). Deve-se aos religiosos que transformaram as abluções em “obrigação religiosa” o
hábito que preveniria inúmeras doenças contagiosas (ANDRAL, 1829, vol. 1).

AGONIA – a “agonia”, para ser caracterizada, deveria estar associada a sintomas


orgânicos que designassem falência dos sinais vitais (CHERNOVIZ, 1851). É definida
como estado limítrofe entre a vida e a morte, em que os sintomas mentais estão
presentes na forma de “desarranjo das faculdades intelectuais” que advêm em
“extinção”, ausência de “concepção ou associação de idéas, os sentidos parecem
insensiveis ás impressões” (LANGAARD, 1865, vol.1, p.38). “Última luta travada pelo
paciente contra a morte, último esforço de vida” (PANCKOUCKE, 1812, vol.1, p.199).
Andral associa aos conceitos de luta e de combate: “um conjunto de fenômenos que
são praticamente passagem entre a vida e a morte” (ANDRAL, 1829, vol.1, p.410).

ALOES ou AZEBRE – “sumo espesso extrahido das folhas das muitas espécies do
gênero Aloes”. Planta também conhecida como herva babosa. Citada como princípio
ativo de diversos medicamentos: “o elixir de Garus, as pílulas escossezas, os grãos
de saúde do Dr. Frank, as pílulas angélicas e as pílulas gulosas ou grãos da vida”.
Utilizadas como “estimulantes do apetite”, “tonificantes” do tubo digestivo, “secretores”
do fígado e, na dose de “cincoenta centigrammas a um gramma usado como purgante”
(CHERNOVIZ, 1851, vol.1, p.170). Internamente, indicava-se usualmente o “aloes” na
dosagem de “2 a 4 grãos em 24 horas”. Para se atingir um “effeito drastico”
aumentava-se a dose para “12 a 36 grãos” (LANGGAARD, 1865, vol.1, p.104). Atua
como purgante drástico que deve ser administrado em pequenas doses
(PANCKOUCKE, 1812, vol.1). “O modo de ação da aloe varia de acordo com a dose
em que é prescrito: em pequenas doses, ele age como um tônico, em doses mais
elevadas, é um purgante drástico, mas cuja ação é mais concentrada no intestino
grosso” (ANDRAL, 1829, vol.2, p. 62).

ANTIPHLOGISTICOS – classificados dentro do “grupo terapêutico” de ações anti-


inflamatórias para combater as “phlogoses”, por meio físico, químico ou biológico, a
saber: “sangrias” (emissões de sangue), “bichas”, “ventosas sarjadas”, nas “bebidas
aquosas, mucilaginosas ou acidulas”: a “infusão de linhaça, o cozimento de cevada,
limonada de limão, de laranja etc, calomelanos (medicamentos à base de mercúrio),
178

banhos tepidos, cataplasmas de linhaça e abstinência mais ou menos completa das


comidas” (CHERNOVIZ, 1890, vol.1, p.189). Os “antiphogisticos” eram indicados para
várias doenças que se supunham provocassem inflamações, sobretudo nas vísceras.
Durante muito tempo receitado para as alienações mentais, que sobreviessem com
“pletora cerebral” (LANGGAARD, 1865, vol.1). Drogas que tratam estados
inflamatórios (PANCKOUCKE, 1812, vol.2). Medicamentos indicados na cura de
inflamações (ANDRAL, 1829, vol. 3).

ANTISPASMODICOS – são “medicamentos que servem para modificar algumas


perturbações do systema nervoso, conhecidas pelos nomes de espasmos, nevroses,
nevralgias etc”. Como esperada ação terapêutica, são citados a diminuição dos
“movimentos convulsivos”, quando estes precedessem a “inflammação cerebral”.
Como exemplo de “antispasmodicos”, são relacionados: “ether, camphora, assafetida,
almiscar, castoreo, suecino, valeriana, folhas de laranjeira” (CHERNOVIZ, 1890,
p.190). Em um sentido mais específico, consideravam-se: “substancias que obrão
directamente sobre o sistema nervoso, acalmando e diminuindo os movimentos
convulsivos dos musculos, a agitação, desassocego e dôr” (LANGGAARD, 1865,
vol.1, p.178). Medicamentos que têm por fim controlar espasmos musculares
involuntários que, geralmente, têm origem em problemas no sistema nervoso
(PANCKOUCKE, 1812, vol.2). São os medicamentos que fazem cessar os espasmos,
sejam mais ou menos intensos (ANDRAL, 1829, vol.3).

BELLADONA - atropa belladona. “Esta planta é mui frequentementemente


empregada na medicina como um poderoso narcótico”, com recomendação para uso
em: “colicas espasmódicas, tosse nervosa, coqueluche, convulsões e epilepsia. Em
alta dóse a beladona é um veneno narcótico acre”. (CHERNOVIZ, 1851, vol.1, p.199).
Ministrada em pequenas doses tem um efeito muito semelhante ao dos narcóticos,
agindo sobre as moléstias relacionadas com o sistema nervoso (PANCKOUCKE,
1812, vol.3). “Conhecida pelos seus efeitos imediatos sempre que utilizada
adequadamente” (ANDRAL, 1830, vol.4, p. 83), objeto de importantes estudos da
“indústria química” relativamente aos seus efeitos colaterais semelhantes a
envenenamento (ibid).
179

BICHAS ou SANGUESUGAS – Chernoviz preconizava que as “sanguessugas” que


seriam mais afeitas à “mordedura” da mucosa anal, se restringiam àquelas
provenientes da Europa (CHERNOVIZ, 1851, vol.3). Relacionadas três espécimes do
“verme” para uso medicinal: “sanguesugas verde, cinzenta e vermelha”, sendo a
última a preferida nas importações do continente europeu. Para a drenagem
sanguínea com a finalidade de descongestão de órgãos diversos ou por extensão ao
cérebro (LANGGAARD, 1865, vol.1). Havia um debate no meio médico brasileiro que
sustentava que sanguessugas de algumas regiões no Brasil, “pegavam” melhor e
eram bem menos “caras”, conforme defendido pelo Dr. Torres Homem em 1833
(REVISTA MEDICA FLUMINENSE,1835, ed.I, p.6). Verme utilizado na medicina para
retirada de sangue humano. Na aplicação, evitam-se os lugares onde deixam marcas;
podem ser aplicadas: nas laterais da testa, atrás das orelhas, pescoço, peito, costas,
abdômen, ânus, vulva, parte interna das coxas, pernas, parte interna do tornozelo
(PANCKOUCKE, 1820, vol.49).

BRYONIA ou NORÇA BRANCA – bryonia dioica. “Planta trepante da Europa; em


Portugal habita freqüente pelos tapumes nos arredores de Coimbra, e outras partes”.
O suco da bryonia era utilizado pela sua ação cáustica, como vesicatório na pele e
ingerido como um “purgante violento” nas nevroses; “raiz secca em pó na dose de 1
a 2 grammas; suco espresso 46 a 20 grammas” (CHERNOVIZ, 1890, vol.1, p.376-
377). A sua raiz em forma de pó ou suco, produz um violento efeito purgante; a sua
raiz fresca pode ser esmagada e aplicada sobre a pele produzindo efeito vesicatório
(PANCKOUCKE, 1812, vol.3). É uma planta trepadeira com uma raíz grande, carnuda
e suculenta que é a parte mais estudada da planta e que tem propriedades energéticas
(ANDRAL, 1830, vol.4).

CALMANTES - chamavam-se calmantes, “os medicamentos narcoticos e


antispasmodicos” (CHERNOVIZ, 1851, vol.1, p.256). Termo largamente utilizado para
caracterizar a função distributiva dos afetos sobre os órgãos e vice-versa. Designados
também como “sedativos”, “anodynos”, “narcóticos”. Como exemplos dessa classe
medicamentosa são hierarquizados: “o ópio, o chlorhydrato de morphina, a agua de
flores de laranjeira, a digital, a belladona, o chloral, o chloral de Follet, o chloral
bromuretado de O. Dubois, o bromureto de potássio etc” (ibid). Chernoviz apresenta
uma expressiva fórmula de um composto com propriedades calmantes:
180

Chá de folhas de laranjeira.................................... 2 onças.


Laudano de Sydenham........................................ 20 gottas.
Ether Sufurico...................................................... 20 gottas.
Assucar................................................................. 1/2 onças.

“Esta poção administra-se ás colheres de sopa, nos espasmos, enxaquecas,


hysterismos e outras molestias nervosas” (ibid). Medicamentos que “restauram a ação
natural do sistema nervoso” (PANCKOUCKE, 1812, vol.3, p.482). São os meios
adequados para aliviar a dor, insônia ou nervosismo de pacientes (ANDRAL, 1830,
vol.4).

CATHARTICO – da classe dos purgativos, potencialmente menos efetivos que os


drásticos e mais que os laxantes na “evacuação imediata”. “Assim se chamam os
purgantes que nem são fortes nem fracos” (CHERNOVIZ, 1851, vol.1, p.319). A
solução catártica usual continha: “sulfato de soda ou sal de Glauber, sulfato de
magnesia ou sal d'Epsom, cremor de tartaro, magnésia calcinada, sene, rhuibarbo”
(CHERNOVIZ, 1851, vol.3, p.307). Etimologicamente, o termo cathartico é
considerado “genérico” (LANGGAARD, 1865, vol.1). Chamados também de
“purgantes moderados” (PANCKOUCKE, 1812, vol.4). Medicamentos que provocam
evacuações alvinas, fazem parte da grande classe de purgativos e está entre os
purgantes e os drásticos. (ANDRAL, 1830, vol.5).

CHOQUES ELECTRICOS, ELECTRICIDADE e GALVANISMO – utilizado como


termo médico de forma sinônima aos “tratamentos por electricidade”. Havia quatro
formas de administração da “electricidade” como formas de terapêutica médica. A
primeira, com a utilização da “maquina electrica”, com energia gerada caoticamente a
partir de um dínamo, sem que houvesse um controle mínimo da corrente elétrica no
organismo humano. Já não se citava esse método na década de 1830 do século XIX.
A segunda, com utilização de corrente contínua gerada através das “pilhas de Galvani”
ou “Volta”, com geração de energia por um processo eletroquímico, gerado pela
diferença de potencial entre dois metais, produzindo alta corrente elétrica com baixa
voltagem. Esse método foi utilizado principalmente como agente estimulante local,
muscular ou circulatório. O galvanismo é empregado em: “paralysias”, “dores
rheumaticas e nervosas”. A terceira, caracterizada pela utilização de corrente
181

alternada, intermitente, podendo-se atingir uma maior voltagem excitatória na


“economia dos órgãos”. Esse método é citado como de escolha nos tratamentos das
“paralysias do movimento”. Um quarto método, na verdade uma variante do terceiro,
consistia na utilização de corrente alternada com o doente submerso em uma banheira
cheia de água, reduzindo-se dessa forma a resistência elétrica do corpo e,
consequentemente, aumentando-se a intensidade da corrente elétrica a ser utilizada
como meio estimulante. As doenças citadas em 1890 eram passíveis de melhora com
o uso da eletricidade. São, portanto, neurológicas, sem a manutenção da indicação
da “electricidade” para nevroses, como foi o caso da hysteria na década de 1830 do
mesmo século. Clinicamente, a “electricidade” é associada similarmente aos efeitos
do “galvanismo” e do “magnetismo” (LANGGAARD, 1865, vol.2; CHERNOVIZ, 1890,
vol.2). “A influência da eletricidade da atmosfera sobre os seres humanos é conhecida
[...] o mal-estar, a depressão e a ansiedade em clima de tempestade é prova disso [...]
mas esse fenômeno não é claro para a ciência ainda” (ANDRAL, 1831, vol.7, p.2). As
primeiras experiências com cadáveres haviam gerado uma série de teorias, sobretudo
porque os cadáveres, através da eletricidade, apresentavam movimentos reflexos e
acreditou-se que de certa forma a eletricidade poderia ser o meio para revivê-los (ibid).

CLYSTERES – forma terapêutica de uso facilitador ou substituto dos “evacuantes”


sob via retal. São descritas formas no uso dos clysteres: “simples”, com a injeção de
um líquido, geralmente “onças de agua”, para provocar defecações; “alimentarios”,
com finalidade nutricional, ou “medicamentosos” (dissoluções, infusões e cozimentos)
(LANGGAARD, 1865, vol.1). A introdução do “vinagre”, por via retal, é citada como
medicação “revulsiva” para casos de “affecções do cérebro” (CHERNOVIZ, 1851,
vol.1). Nos dicionários franceses de Panckoucke (1813) e Andral (1834), as definições
ainda se limitavam às ações orgânicas dos clysteres na constipação intestinal.

DELIRIO – conceituado como desordem das faculdades intellectuaes” (CHERNOVIZ,


1851, vol.2, p.6). “Desordem do entendimento que faz com que o doente associe idéas
incompatíveis [...] ligadas como reaes; [...] desordem das faculdades intellectuaes,
com ou sem alteração das faculdades moraes [...] agudo, chronico, febril ou sem febre”
(LANGAARD, 1865, vol.1, p.616). Alucinações seriam as causas do delírio, ele
aconteceria quando o homem se afastasse das “regras da razão”, quando seus
sentimentos não estivessem relacionados com os objetos externos, as ideias com os
seus sentimentos e os juízos e determinações com as suas ideias. “Quando suas
182

ideias, julgamentos e determinações estão além de seu controle” (PANCKOUCKE,


1814, vol.8, p.251). Desordem das faculdades intelectuais, contínua ou intermitente,
com ou sem perversão das qualidades morais (ANDRAL, 1831, vol.6).

DIAPHORETICOS – derivado do conceito de diaphorese. Trata-se de uma


transpiração mais intensa. Os medicamentos diaphoreticos ou sudorificos eram
utilizados, eventualmente, como coadjuvantes na terapêutica da alienação mental,
mais especificamente nos casos de mania (CHERNOVIZ, 1851, vol. 3). Drogas que
aumentam o efeito das glândulas sudoríferas e fazem com que o indivíduo transpire
abundantemente, indicado em casos de acidentes nervosos e espasmos
(PANCKOUCKE, 1814, vol.9). “Agente terapêutico que causa transpiração” (ANDRAL,
1831, vol.6, p.282).

DRASTICOS – chamados os purgantes, que com pequenas doses atingiam efeito


evacuante rápido e acentuado pela ação de “uma verdadeira irritação intestinal”
(CHERNOVIZ, 1851, vol.3, p.307). Nas nevroses, os drasticos agiriam por um
mecanismo de “revulsão”, ou seja, de desvio de uma moléstia (apoplexia ou
inflamação) originada do cérebro, através da ação medicamentosa nas vísceras que,
simpaticamente fossem acometidas secundariamente a essa “moléstia” primaria.
“Drasticos” eram também chamados de “purgantes enérgicos” e se utilizavam as
seguintes plantas ou substâncias: “jalapa, escamoéa, coloquintidas, gomma-gutta,
aloés, oleo de cróton tiglium, tajuja, pinhão paraguay, anda-açú, johannesia e
purgante de Le Roy” (LANGGAARD, 1865, vol.1, p.698). Chamado de purgativo
violento. Em pequenas doses, atingiria efeito muito agressivo (PANCKOUCKE, 1814,
vol.10). “São a classe de purgativos mais violentos” (ANDRAL, 1835, vol.13, p.667).

ELLÉBORO ou HELLÉBORO – planta comum nos Alpes, inexistente no Brasil, que


foi usada durante vários séculos em monoterapia para várias doenças, pelo seu efeito
drástico nas evacuações. Utilizava-se o helléboro branco (veratrum album) ou negro
(veratrum nigrum), sendo a espécie branca dotada de maior efeito evacuante,
enquanto o similar negro era usado para o “effeito drastico”. (LANGGAARD, 1865,
vol.2; CHERNOVIZ, 1890, vol.2). Planta cuja raiz seria utilizada em medicina,
defendida como um poderoso remédio especialmente no tratamento da loucura
(PANCKOUCKE, 1815, vol.11). Raiz utilizada em medicina para diversos males e cujo
“uso remonta aos primórdios da medicina” (ANDRAL, 1833, vol.9, p.370).
183

EMBORCAÇÃO – por vezes utilizada como sinônimo de “embrocação”. Citado como


meio enérgico de tratamento para doentes internados. “O doente é mantido em
banheira cheia de água morna, por meio de uma tampa que apresenta uma
chanfradura destinada a abraçar o pescoço, sem entretanto comprimi-lo”
(CHERNOVIZ, 1851, vol.2, p.87). Emborcação quando utilizado como sinônimo de
embrocação, respectivamente, para o primeiro refere-se a tratamentos cujo líquido
usado é aquoso e o segundo é oleoso (LANGAARD, 1865, vol.2).

EMBROCAÇÃO – assim se chamava a aplicação sobre a pele, em especial sobre a


testa, de “oleo de amêndoas, de oleo camphorado ou de algum outro liquido
oleaginoso” (CHERNOVIZ, 1890, vol.1, p.941). Aplicação em um tecido de um
remédio líquido a ser aplicado em diversas partes do corpo do doente por forma a
aliviá-lo (PANCKOUCKE, 1815, vol.11).

EMPLASTRO – forma medicamentosa com administração por via epidérmica através


de “aderentes” ou “adesivos”. A utilização nas nevroses tinha por finalidade a ação
“vesicatoria” ou “visicatoria”, que viesse a provocar pela ação cáustica um choque
inflamatório por irritação química. Da febre proveniente da ação do emplastro
sobreviria uma sedação (LANGGAARD, 1865, vol.2). São exemplos de emplastros:
“emplastro adhesivo ou diachylão gomado”, “cantharidas”, “confortativo”, “mercurial de
Vigo” etc (CHERNOVIZ, 1851, vol.2). Mistura de várias substâncias medicamentosas
com textura pastosa que aderem à pele. São aplicados sobre a pele perto da parte
doente e têm efeito curativo e relaxante (PANCKOUCKE, 1812, vol.4).

EPILEPSIA ou GÔTA-CORAL – trata-se de “molestia nervosa que se manifesta por


ataques, mais ou menos aproximados, com movimentos convulsivos, perda dos
sentidos e escuma na bocca” (CHERNOVIZ, 1851, vol. 2, p. 137). Quanto ao
tratamento, no momento das crises havia indicação de folga nas vestimentas e
liberação das vias aéreas superiores, incluindo limpeza das secreções e
“desembaraço da língua”. Nos intervalos das crises, preconizava-se a prevenção com
evitação das “impressões moraes vivas”, de modo a evitar-se as excitações do cérebro
(ibid). Desde Esquirol, havia indicação de intervenção medicamentosa com “valeriana”
e “nitrato de prata”, por exemplo, mesmo com o desconhecimento tanto da doença
quanto do modo de ação dos remédios. Admitia-se, somente, que os medicamentos
tinham a função de acalmar a dinâmica cerebral (ANDRAL, 1831, vol.7).
184

EPISPASTICOS – diz-se das substâncias utilizadas nos emplastros, ou seja,


daquelas que produzem dor, calor e rubor, após aplicação sobre a pele. Como
exemplos das substâncias “epispasticas” são citadas: “cantharidas, couro de sapo,
semente de mostarda” (LANGGAARD, 1865, vol.2, p.90).

METHODO EXPECTANTE – nos primórdios do alienismo, era utilizado para


enfermidades mentais complexas, nas quais não havia terapêutica acessível. Sempre
houve correntes contrárias que defendiam que o médico deveria sempre intervir. Na
segunda metade do século XIX, restringe-se o seu uso: “Segue-se este methodo nas
enfermidades simples e benignas, e consiste mais na attenção de remover tudo o que
póde perturbar os saudaveis esforços da natureza do que na aplicação de remedios,
ainda os mais simples” (LANGGAARD, 1865, vol.2, p.184).

ESTOMACHICOS ou ESTOMÁTICOS – classe de medicamentos utilizados como


compensatórios gástricos, com ação alopática ou homeopática, após o tratamento
com “vomitivos”. Definidos como medicamentos que “despertão a acção enérgica do
estomago ou que o fortificam” (LANGGAARD, 1865, vol.2, p.157). Dentre eles: “quina,
genciana, losna, rhuibarbo, macella galega, aloes, luparo, quassia e chicória”
(CHERNOVIZ, 1851, vol.2, p.196). “Substâncias ministradas para curar as várias
enfermidades que podem afetar o estômago” (PANCKOUCKE, 1821, vol.53, p.18).

EVACUANTES – grupo de substâncias relacionadas a “vomitórios” ou “purgantes”.


Sua atuação farmacológica voltava-se para o aumento de secreções do estômago e
dos intestinos, com a finalidade clínica de promover uma “revulsão” ou “desviação
intestinal” com objetivo purgativo dos maus humores (CHERNOVIZ, 1890,vol.1).
Como medicamentos de ação difusa e, muitas vezes, intensa, os evacuantes dividiam-
se em classes no tocante às suas ações diretas ou acessórias (colaterais): 1º
eméticos: causando vômitos; 2º purgativos: evacuações alvinas; 3º sudoríficos ou
diaforéticos: produção de suor; 4º diuréticos: secreção mais abundante de urina; 5º
expectorantes: excreção brônquica; 6º emenagogos: regulação do fluxo menstrual; 7º
espermatogênicos: influência sobre o aparelho genital masculino; 8º galactorreicos:
aumento na secreção de leite; 9º sialogogos: maior produção de saliva; 10º secretores
nasais: mesmo efeito nas narinas (PANCKOUCKE, 1815, vol.13).
185

EXUTORIOS – grupo de terapias cirúrgicas que incluíam os “vesicatorios”, definidos


como supurações causadas e restritas à pele, assim como também os “cautérios”,
“mosca”s e “sedenhos”, “exutorios profundos”, que ulceravam a pele e o tecido celular
subcutâneo com intuito de ação revulsiva (CHERNOVIZ, 1890, vol.1, p.1080).

FRICÇÕES – conceituada como ação estimulante de esfregar várias partes do corpo.


No caso das “fricções secas”, feitas com “as mãos, baeta ou escova”, a indicação
seria, dentre outras, para acalmar ou pelo menos para suspender as dores locais
(CHERNOVIZ, 1851, vol.2). As “fricções húmidas” se faziam com pedaço de pano
embebido em óleo medicamentoso com indicação clínica para “reumatismo, gota,
inflammações do ventre e febres intermitentes” (LANGGAARD, 1865, vol.2).

GOMMA-GUTTA – dentre as diversas espécies de “gomma”, visgo proveniente de


plantas nativas da Índia, a mais citada nos tratamentos do alienismo foi a “gomma-
gutta”. Classificada como um potente evacuante, “drástico”, por ocasionar em doses
fora da faixa terapêutica “cólicas”, “vômitos” e “inflammação dos intestinos”
(CHERNOVIZ, 1851, vol.2;LANGGAARD, 1865, vol.2). “Tem um forte efeito drástico
de ação purgativa” (ANDRAL, 1833, vol.9, p.220).

HYPOCHONDHRIA – Chernoviz (1851, vol.2, p.403-404) assim caracterizava essa


doença: “moléstia especialmente caracterizada por uma preocupação constante,
inquieta, não motivada, ou exagerada, ás vezes delirante, sobre a própria saúde”. Na
conceituação de Langgaard (1865, vol.2, p.571), uma moléstia caracterizada por
“perturbações na esphera espiritual”, aqui caracterizada como alterações
psicopatológicas, com comprometimento da “intelligencia, do physico do doente, do
apparelho digestivo e systema nervoso”. Para ele, o tratamento da hypochondria
partia da condição básica da confiança do paciente no seu médico. Por outro lado,
Chernoviz afirmava que o preponderante no tratamento da hypochondria relacionava-
se com a remoção da causa, porém com a ressalva de que o agente etiológico da
doença seria muitas vezes indecifrável. O método terapêutico proposto no “Manual de
Langgaard” seria o “revulsivo”, com o deslocamento dos sintomas psicológicos ou
físicos para direções mentais ou orgânicas. Chernoviz defende que a mudança na
forma de vida, das ocupações e dos costumes dos doentes seria o meio mais eficaz
de oposição aos males dessa doença (CHERNOVIZ, 1851, vol. 2). Doença que se
verificaria em qualquer classe social, afetando tanto homens como mulheres que
186

apresentam uma preocupação exagerada com a sua saúde. “É uma afecção que
parece consistir numa irritação do sistema nervoso” (PANCKOUCKE, 1818, vol.23,
p.108). Andral (1833, vol.10) menciona grande debate entre correntes médicas acerca
da definição da hipocondria. Como consensual, refere que a hipocondria estaria
associada a um sentimento de tristeza, melancolia, desespero e com angústia
semelhante à histeria. Ele relaciona teoria médica que defende ser a hipocondria de
causa orgânica, uma doença do “cérebro”, “sistema nervoso” e “tubo digestivo”.

HYSTERIA ou HYSTERISMO – conceituada como perturbações sensoriais ou


intelectuais, com sintomatologia difusa: “affecção nervosa no apparelho gerador da
mulher, que se manifestava em acessos apyreticos com sensações de estrangulação,
bola epigastrica (globo hysterico) e convulsões” (LANGGAARD, 1865, vol.2, p.576).
O tratamento consistia em ação sobre a molestia nervosa de base e os sintomas
histéricos. Classes de medicamentos envolvidos: “anti-hystericos”; “anti-chloroticos”;
“anti-rheumaticos”; “anti-scrophulosos”; “anti-plethoricos” e “antiflogísticos” (ibid).
Digno de nota é a atualização feita entre o Diccionario Medico de Chernoviz de, 1851
ao de 1890. Em 1851, o termo utilizado era hysterismo “molestia propria das mulheres”
(CHERNOVIZ, 1851, vol. 2, p.407). Já em 1890, uma “affecção hereditária que
acommette muito mais as mulheres do que os homens” (CHERNOVIZ, 1890, vol.2,
p.187). Um ataque histérico provocaria sensação de calor, pressão no corpo,
assemelhando-se a um orgasmo venéreo, dificuldade em respirar e palpitações.
Temperamento nervoso e constituição pletórica, dismenorreia e amenorréia seriam
causas predisponentes da histeria, além de amor frustrado, ciúme, leituras, conversas,
abuso de masturbação e o excesso de regras morais (ANDRAL, 1833, vol. 10).

LAXANTES ou MINORATIVOS – na classe dos “purgantes”, são aqueles mais


brandos, definidos como os que exerceriam na “economia” orgânica uma ação pouco
“revulsiva” (LANGGAARD, 1865, vol.2). Alguns exemplos dessa categoria são os
seguintes: “mel de abelhas, cannafistula, manná, oleo de amêndoas doces, os
tamarindos, ameixas passadas e o oleo de rícino” (CHERNOVIZ, 1851, vol.2, p.306).
São medicamentos purgativos mais brandos (PANCKOUCKE, 1818, vol.27). “São
agentes com ação purgante muito baixa”, tido como exemplos: tamarindo, ameixas
secas, soro de leite etc (ANDRAL, 1835, vol.13, p.667).
187

MAGNETISMO ANIMAL – relacionado à “reunião de ‘phenomenos’ nervosos


particulares produzidos pela influencia de um indivíduo sobre outro” (CHERNOVIZ,
1851, vol.3, p.3). O “Magnestismo Animal”, portanto, não seria decorrente de uma
ação direta sobre um organismo, mas sim, por uma ação indireta que esse fenômeno
produziria no próprio corpo alvo dessa terapêutica e da ação sinérgica que alcançaria
outro corpo. Dos atos fisiológicos que naturalmente provocassem o “magnetismo” são
destacados: “a modorra, o somno, a suspensão completa do exercício dos sentidos
[...] e o somnambulismo” (ibid). Através do magnetismo animal, admitiam-se curas
reais ou aparentes de doenças que porventura não tivessem boa resposta terapêutica
aos remédios (PANCKOUCKE, 1818, vol. 27). Forma de tratamento praticamente
admitido como mera indução de cura, onde “Curar [...] cercar-se de todos os poderes
que podem levá-lo a seu objetivo, desde que, no entanto, eles não firam a moralidade”
(ANDRAL, 1834, vol.11, p.302).

MAGNETISMO MINERAL – explicitado como a ação direta sobre o organismo de um


“iman ou magnete natural e artificial” (CHERNOVIZ, 1890, vol.2, p.356). Os minerais
utilizados para gerar esse estímulo elétrico na medicina seriam: o “ferro”, o “nickel” e
o “cobalto” (ibid). Dessa forma, tem-se o detalhamento da varinha de Mesmer.

MEIMENDRO – “planta natural da Europa, introduzida nas regiões temperadas do


Brasil” (LANGAARD, 1865,vol.3, p.16). Duas variedades do “meimendro” são
relacionadas, o Branco (Hyosciamus albus) e o Negro (Hyosciamus niger), sendo que
o “meimendro branco” sem uso medicinal e o “negro”, para uso clínico em nevroses
como “narcótico” e “calmante”. A advertência era feita sobre as doses pelo potencial
efeito como veneno (CHERNOVIZ, 1851, vol.3).

MERCÚRIO, AZOUGUE, CALOMELANO ou HYDRARGYRO – usos em medicina


descritos na “confeição dos barometros e thermometros” (LANGGAARD, 1865, vol.3,
p.33). Como medicamento, era indicado para, dentre outras doenças, as affecções
nervosas (“paralysias e até a loucura”), sempre com a finalidade de acalmia
(CHERNOVIZ, 1851, vol.3). São feitas considerações acerca de seus graves efeitos
colaterais, com particular alerta aos tratamentos do “charlatanismo" e doses
excessivas iatrogênicas (ibid). Panckoucke (1819, vol.32) não refere consenso quanto
ao uso do mercúrio como laxante, assim como outros utilizados nas alienações
mentais. Portanto, ainda não há essa indicação clínica no dicionário.
188

MOCHAS ou MOXAS – tratamentos feitos com pequenos copos ou cilindros


semelhantes às “ventosas”, com a finalidade de promover uma ação “revulsiva”
através do calor provocado por uma “cauterização” na pele, atingindo o sistema
nervoso periférico e ocasionando uma derivação da sede natural de uma nevrose para
uma doença menos complexa (LANGGAARD, 1865, vol.3).

NEVROSES (MOLÉSTIAS DOS NERVOS ou MOLÉSTIAS NERVOSAS) –moléstias


que se distinguiam de outras pela ausência de “lesão material apreciável aos sentidos”
(CHERNOVIZ, 1851, vol.3, p.87). Chernoviz faz a seguinte advertência: “a classe das
affecções nervosas é justamente aquella em que os charlatães achão uma mina rica
para explorarem; n'ella sobretudo os homeopathas vão buscar exemplos de curas
maravilhosas” (CHERNOVIZ, 1851, vol.3, p. 87-88). O verbete “nevrose” é
considerado um sinônimo com exemplificações para doenças tais como: “enxaqueca,
asthma, ataque dos nervos, câimbra, cólica, convulsões, enxaqueca, gota coral,
hysterismo, hypochondria, melancolia, nevralgia, etc” (ibid). Os doentes portadores de
nevroses são muitas vezes chamados de “doentes imaginários” ou “scismaticos” por
não terem, supostamente, lesões anatomopatológicas detetáveis em exames de
necropsia. Os remédios para as nevroses são agrupados como “calmantes”,
“excitantes” ou “revulsivos” (LANGGAARD, 1865, vol.3). Panckoucke (1819, vol.35)
referencia nevrose como uma difusa doença nervosa que afetaria todos os sentidos
do indivíduo e afirma a inexistência de alterações orgânicas que possam comprovar a
sua especificidade. Andral (1834, vol.12) faz uma descrição mais organicista
fundamentada em uma alteração cerebral que levaria o raciocínio a relacionar-se com
algum distúrbio do sistema nervoso ou com qualquer segmento desse sistema. Para
ele, as doenças orgânicas e as nevroses poderiam confundir-se, sendo muito
importante, portanto, o diagnóstico diferencial.

NYMPHOMANIA ou FUROR UTERINO – definida como uma moléstia feminina que


se caracterizava pelo seu principal sintoma: “uma tendencia immoderada para o coito
da parte da mulher”. Havia um consenso entre os diversos autores que a
nymphomania teria como causa uma “lesão nas faculdades intellectuaes”, como
“symptoma de loucura”. O tratamento medicamentoso dessa doença era considerado
inócuo, sendo citada a intervenção cirúrgica para casos graves em que havia a crença
189

da localização genital da moléstia (extirpação de clitóris demasiadamente


desenvolvido); para casos mentais com sintomas de continência excessiva
recomendava-se o casamento seguido de gravidez (LANGGAARD, 1865, vol.3,
p.111). Segundo Chernoviz (1851, vol. 2, p. 296-297), a nymphomania seria “o desejo
violento e insaciável dos prazeres venéreos da mulher [...] que faz esquecer todo o
sentimento de pudor, e constitui uma verdadeira loucura”. Panckoucke (1819, vol. 36,
p.561) define a ninfomania como uma espécie de alienação mental, uma variante da
monomania. Seria a “compilação de histeria e mania” e surgiria geralmente na altura
da puberdade, acompanhando o período de vida sexual ativa da mulher. Embora não
seja caracterizada doença exclusivamente feminina, não há denominação para esse
mal quando afeta os homens. Para Andral (1834, vol. 12, p. 93, 95) não há consenso
quanto ao tratamento, devido à imprecisão da sede natural da moléstia se no útero ou
no cérebro. Como sintoma dominante é citado o “sentimento exagerado de amor ou
necessidade do coito”, que incluiria exaltação do desejo sexual, delírios, respiração
acelerada, palpitações violentas, bruxismo etc. O “tratamento moral” seria “o mais
valioso recurso” para a ninfomania.

PAIXÕES – Chernoviz (1851, vol.3, p.154) define como “todo sentimento violento,
toda affecção excessiva, toda preoccupação viva e teimosa do espírito”. Esse autor
divide “paixão” em duas categorias: “agradaveis”, “alegres”, “excitantes”; e “tristes”,
“dolorosas”, “depressivas”. Quanto às “paixões tristes” ou nocivas, elas poderiam
derivar para “melancolia”, “hypochondria”, “hysterismo” ou outra moléstia nervosa. O
tratamento teria que incidir sobre a nevrose de base, de modo a não evoluir para
doenças orgânicas, tais como: “cancro”, “tísica”, “aneurisma” etc. (CHERNOVIZ, 1851,
vol. 3). Panckoucke (1819) também associa as paixões com doenças orgânicas.

PALPITAÇÕES – no caso da palpitaçao nervosa, pessoas com temperamentos


nervosos e sanguíneos as palpitações tenderiam a ceder com “uma sangria no braço
ou a uma applicação de bichas no peito” (CHERNOVIZ, 1851, vol.3, p.166). Como
farmacoterápico para as palpitações (“coração apressado dando 100 a 150 pancadas
por minuto”) são recomendados remédios em três grupos: “refrigerantes, narcoticos
ou antispasmodicos”. Dentre os refrigerantes: “pannos embebidos em agua fria,
apliccado sobre o coração associado préviamente a uma pequena sangria”. Como
narcóticos: “agua de louro-cerejo e opio”. Como antiespasmódicos: “assafetida;
190

valeriana; almíscar; castoreo; banhos mornos, sinapismos (cataplasmas de


mostarda), etc.” (LANGAARD, 1865, vol.3, p.176, 182). Panckoucke (1819) refere um
conceito ampliado de palpitação não restringindo esse termo genérico somente ao
coração, mas atribuindo a qualquer sensação de pulsação no corpo. Andral (1834)
define essa condição como movimentos agitados, fortes, frequentes e tumultuosos do
coração. Há referência destacada ao tempo de duração do sintoma, podendo durar
minutos ou persistir durante horas.

PEDELUVIOS – escalda-pés; banho dos pés. “empregão-se frios ou quentes [...] frios
para prevenir a inflamação nas torceduras [...] o pediluvio quente é usado em muitas
moléstias cerebrais, nas vertigens e dôres de cabeça” (CHERNOVIZ, 1851, vol.1,
p.187). Diz respeito ao banho dos pés, quando quente dilata os vasos sanguíneos
facilitando a circulação (PANCKOUCKE, 1819). Andral (1829) faz referências
semelhantes, apenas acentuando o caráter revulsivo desse banho quente.

PLETHORA – estado clínico definido por “superabundancia de sangue no corpo”.


Caracterizado por: “vermelhidão do rosto, pulso forte, augmento de calor do corpo,
tendência ás hemorrhagiás, etc” (CHERNOVIZ, 1890, vol.2, p.753). O tratamento da
plethora consiste no seu início no uso de bebidas refrigerantes, purgantes ou
pequenas sangrias, através de bichas. Para os casos mais graves, preconizavam-se
sangrias mais abundantes (LANGGAARD, 1865, vol.3). Para Andral (1835)
reconhece-se o indivíduo pletórico pelas cores avermelhadas e brilhantes da pele do
rosto, dureza do pulso, hemorragias nasais e tendência para o sono. Na grande
maioria dos casos, optam-se pelo tratamento de sangrias por sanguessugas e,
eventualmente, purgativo.

PURGATIVOS ou PURGANTES – classe de medicamentos que produziam


evacuações alvinas (CHERNOVIZ, 1851, vol.3, p.306; LANGAARD, 1865, vol.3,
p.348). Manipulados, na sua maioria, por extratos do reino vegetal, por vezes do reino
mineral e nunca do reino animal. Classificados “segundo o grao de seo efeito” em:
“laxativos, catharticos e drásticos” (LANGAARD, 1865, vol.3, p.348).

REVULSIVOS ou DERIVATIVOS – seriam os “meios que a medicina emprega para


desviar o elemento de uma moléstia, um humor, para uma parte mais ou menos
afastada” (CHERNOVIZ, 1890, vol.2, p.892). Também chamados de “derivativos” os
191

agentes revulsivos atuam em “sinapismos” e “vesicatórios” (LANGAARD, 1865, vol.2).


Como revulsivos, citam-se: “sangrias”, “sanguessugas”, “pedilúvios”, “banhos
mornos”, “cáusticos”, “cautérios”, “sedenhos”. Utilizados também como estimulantes
para aumentar as forças vitais, sendo nesse caso exemplificado o uso do mercúrio na
sífilis (CHERNOVIZ, 1890, vol.2; LANGAARD, 1865, vol.2). Os revulsivos produzem
propositadamente uma inflamação, ou seja, uma “doença artificial” fazendo com que
o paciente transfira o foco da afecção mental para a irritação provocada. Os revulsivos
podem ser externos ou internos: internos: os purgativos; externos: bolhas, emplastros
de mostarda, cauterizações, ventosas, moxas, escalda-pés, banhos etc. “Os
calmantes são ministrados em casos de condições agudas, os derivativos em casos
crônicos” (PANCKOUCKE, 1820, vol. 48, p.381).

SANGRIAS – descrita como “operação que consiste em abrir os vasos sanguineos


para deles evacuar o seu conteúdo” (LANGAARD, 1865, vol.3, p.412). Quando a
incisão fosse arterial chamava-se “arteriotomia”, nas veias, “flebotomia”, e, nos vasos
capilares, “sangria capilar”. Mais frequentemente, as incisões eram feitas nos braços
e nos pés. A quantidade de sangue retirada normalmente em uma “sangria de adulto”
correspondia de 10 a 16 onças (aproximadamente de 300 a 500 ml). Indicada para
síndromes que cursassem com “pulso forte, duro e cheio” (CHERNOVIZ, 1851, vol.3,
p.398) e frequência cardíaca aumentada. Panckoucke (1820, vol.48) alerta para a
“panaceia” que envolve os tratamentos de sangria por sanguessugas, muitas vezes
utilizado de forma abusiva ou mesmo cronificados. Andral (1835, vol.14) orienta que
as sangrias utilizadas para distúrbios cerebrais não devem ser realizadas na cabeça
assim como ocorre nos casos de exoftalmia, angina e dor pleural que requeriam
sangramentos tópicos. O autor também refere o inquestionável benefício das sangrias
como tratamentos revulsivos e derivativos tal como preconizavam Pinel e Frank.

SEDENHO – uma forma de terapia “revulsiva” e “vesicatoria”. Consistia na introdução


intradérmica de substâncias irritativas e esfoliantes. A solução a ser utilizada nos
“sedenhos” provinha de decocções de vegetais que depois viriam a ser aplicados,
geralmente na nuca, em forma de mechas untadas com esse produto supurativo. No
tocante ao tratamento das nevroses, a ação farmacoterápica dos “sedenhos”
supostamente se estabeleceria através da ação de “divertir os humores da cabeça
nos affectos soporosos” (LANGGAARD, 1865, vol.3, p.433). Os humores nas
192

nevroses desviariam-se para a região artificialmente inflamada (CHERNOVIZ, 1890,


vol.2).

TEMPERANTES – sinônimo de “refrigerantes” e “antiflogístico”, com a especificidade


de agir nos processos inflamatórios do corpo na diminuição do calor. Nas doenças
relacionadas com as alterações mentais, eram utilizados naquelas que cursassem
com “plethora” (LANGGAARD, 1865, vol.3; CHERNOVIZ, 1890, vol.2).

VALERIANA – planta herbácea proveniente da Europa. Largamente utilizada no


tratamento das nevroses por todo o século XIX. O efeito farmacoterápico da
“valeriana” era definido como “nervinho”, “antispasmodico” e “sedativo”. Como
indicações clínicas preferenciais, citam-se: hysterismo, epilepsia, febres intermitentes
e ataxias (CHERNOVIZ, 1851, vol.2; LANGGAARD, 1865, vol.3; CHERNOVIZ, 1890,
vol.3). Especialmente indicada para o tratamento das nevroses agindo dobre o
sistema nervoso, reduzindo as suas desordens (PANCKOUCKE, 1821, vol.56;
ANDRAL, 1836, vol.15)

VENTOSA – “pequenos vasos” utilizados para tratamentos “revulsivos”, através da


irritação ou “escarificação” sobre a pele, com a finalidade de desviar o sangue do local
da doença para o local da aplicação. Diferentemente das “moxas”, nessa forma de
tratamento utilizava-se somente o vácuo gerado por uma combustão produzida
artificialmente, a fim de promover a sucção na pele (LANGGAARD, 1865, vol.2;
CHERNOVIZ, 1851, vol.3).

VESICATORIO ou CÁUSTICO – nome dado aos “emplastos”, compostos cáusticos


aplicados através de panos, com a finalidade de produzir reações inflamatórias mais
acentuadas na pele, como por exemplo bolhas e vesículas. O objetivo do tratamento
seria a “revulsão” das moléstias, transferindo o núcleo do miasma da sede natural da
doença para a inflamação artificializada no tegumento (LANGGAARD, 1865, vol.1;
CHERNOVIZ, 1851, vol.1). Andral (1836, vol.15) acentua a ação revulsiva rápida e
enérgica dos vesicatórios, em comparação com outros tratamentos derivativos.

VOMITIVOS ou VOMITORIOS – todas as substâncias medicamentosas capazes de


provocar vômitos (CHERNOVIZ, 1851, vol.3). Foram progressivamente substituídos
pelos evacuantes que provocavam menor debilidade orgânica. O vomitivo mais
193

utilizado nas alienações mentais foi o heléboro, um potente drastico com propriedades
toxinológicas, um “veneno vegetal”. Outros vomitivos frequentemente utilizados na
clínica geral oitocentista foram “tartaro emetico, ou tartrato de potassa e de antimônio”
(LANGGAARD, 1865, vol.2, p.38).

Você também pode gostar