Ebook InovacaoESG
Ebook InovacaoESG
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O MOTOR DO ESG
ORGANIZADORES:
CARLOS ARRUDA
CARLOS BRAGA
DALTON SARDENBERG
EDGARD PITTA
ERIKA BARCELLOS
HEIKO SPITZECK
STEPHANIA GUIMARÃES
PATROCÍNIO REALIZAÇÃO
INOVAÇÃO:
O MOTOR DO ESG
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca Walther Moreira Salles
Fundação Dom Cabral
I58
Inovação: o motor do ESG / Carlos Arruda, Carlos Braga, Dalton Sardenberg,
Edgard Pitta, Erika Barcellos, Heiko Spitzeck, Stephania Guimarães
(organizadores). - Nova Lima: Fundação Dom Cabral, 2022.
ISBN: 978-65-994597-8-8
CDD: 658.4
APOIO EDITORIAL
Camila Cavalini Pedroso
Talia Santiago
FUNDAÇÃO DOM CABRAL
RETORNAR AO SUMÁRIO
Sumário
PREFÁCIO: INOVAÇÃO, O MOTOR DO ESG 10
INTRODUÇÃO: COMO ANTECIPAR O FUTURO QUE QUEREMOS VIVER?
ANTONIO BATISTA DA SILVA JUNIOR 14
SEÇÃO 1:
O QUE É ESG E COMO SE DIFERENCIA DA SUSTENTABILIDADE?
EDITOR: HEIKO SPITZECK 16
A SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA MORREU? VIDA LONGA AO ESG
HEIKO SPITZECK 17
ESG: UMA EVOLUÇÃO NO MODELO DE NEGÓCIO NAS EMPRESAS
JEAN JEREISSATI 24
ESG, PORTANTO, É MAIS DO QUE UMA AGENDA, É UMA CULTURA
HORÁCIO PIVA 29
EMPODERANDO PESSOAS QUE CONSTROEM O FUTURO: COMO
A GERDAU ATRELOU COMPROMISSOS ESG À META DOS SEUS
EXECUTIVOS
CAROLINE CARPENEDO 32
COMO ENGAJAR UMA EMPRESA CÉTICA NA CAUSA ESG?
ENTREVISTA DE CLARISSA LINS 35
COMO ESTÁ A EVOLUÇÃO DO MODELO DE SUSTENTABILIDADE DAS
EMPRESAS?
ENTREVISTA DE MALU PINTO E PAIVA 42
ESG: VALOR COLETIVO PARA NEGÓCIOS, PESSOAS E PLANETA
JANETE VAZ 48
COMO DESENVOLVER UMA AGENDA ESG QUE GERE IMPACTO PARA A
EMPRESA E PARA O PAÍS?
SONIA CONSIGLIO FAVARETTO E GLAUCIA TERREO 52
CASO MOVIDA:
UMA EMPRESA FAMILIAR COM DNA ESG
EDITORES: STEPHANIA GUIMARÃES E CARLOS BRAGA 60
Sumário
SEÇÃO 2:
ESG: UM OLHAR DO MERCADO FINANCEIRO PARA A
SUSTENTABILIDADE
EDITOR: CARLOS BRAGA 78
COMO O ESG ESTÁ MUDANDO O MERCADO FINANCEIRO?
CARLOS BRAGA 79
O QUE SÃO E COMO FUNCIONAM OS FUNDOS ESG?
CARLOS TAKAHASHI 83
QUAL A RELAÇÃO DO ESG E AS FINANÇAS CORPORATIVAS?
ODIVAN CARGNIN 93
QUAL O PAPEL DOS FAMILY OFFICES NA AGENDA ESG?
ROGERIO ZANIN 99
ESG NA ESTRUTURA DE CAPITAL DAS EMPRESAS
MARIA EUGÊNIA BUOSI 106
O QUE É INVESTIMENTO DE IMPACTO E COMO FUNCIONA?
JEAN-PHILIPPE DE SCHREVEL 112
PANORAMA DOS INVESTIMENTOS SUSTENTÁVEIS NO BRASIL E NO
MUNDO
ENTREVISTA COM FERNANDA CAMARGO 119
“COMO FUNCIONA A GESTÃO DO RISCO ESG NO MERCADO BANCÁRIO
E CORPORATIVO?”
VINICIO STORT E CARLOS BRAGA 127
ESG: E HÁ NECESSIDADE DE UM MARCO REGULATÓRIO?
LEONARDO PEREIRA 136
TÍTULOS TEMÁTICOS ESG: MITOS E DESCULPAS QUE ATRAPALHAM O
CRESCIMENTO NO BRASIL
MARCELO SARKIS 146
O SETOR FINANCEIRO COMO MOTOR DA TRANSFORMAÇÃO PARA
UMA ECONOMIA SUSTENTÁVEL
ALBANO DE OLIVEIRA CORREA 152
CASO BDMG:
INDUZINDO A AGENDA ESG EM MINAS GERAIS
EDITORES: ERIKA BARCELLOS, CARLOS BRAGA E CARLOS ARRUDA 156
Sumário
SEÇÃO 3:
O PAPEL DAS EMPRESAS NA PAUTA AMBIENTAL DO ESG
EDITOR: CARLOS ARRUDA 189
INOVABILIDADE
CARLOS ARRUDA 190
COMO MEDIR E GERIR O IMPACTO AMBIENTAL REAL DAS EMPRESAS?
FELIPE BITTENCOURT 195
BIODIVERSIDADE: A TEIA QUE (AINDA) SUSTENTA A VIDA
JOËL BOELE, CAROLINA SACRAMENTO E MARINA TAVARES 200
CARBONO NEUTRO: UM COMPROMISSO INADIÁVEL PELO
FUTURO DO PLANETA
CLAUDIA FURINI 208
INOVAÇÃO SUSTENTÁVEL – A INTERSEÇÃO ENTRE PROPRIEDADE
INTELECTUAL E ESG
GABRIEL DI BLASI 212
INDICADORES ESG
FABIANA BRANT E MARCELO DE SOUZA 222
MODELOS DE NEGÓCIOS BASEADOS NA ECONOMIA CIRCULAR E O
GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS INDUSTRIAIS
GUILHERME BRAMMER E LEON TONDOWSKI 228
COMO INCORPORAR O SANEAMENTO NA AGENDA ESG?
OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS DE RECUPERAÇÃO ENERGÉTICA A
PARTIR DE RESÍDUOS SÓLIDOS NO BRASIL
MAURICIO SOUZA, REBECA STEFANINI E ISABELA BUENO OJIMA 234
ENERGIA RENOVÁVEL: UM INVESTIMENTO URGENTE, SEGURO
E QUE DÁ RETORNO
FLAVIO SUCHEK 240
MUDANÇAS CLIMÁTICAS – MERCADO DE CARBONO
LINDA MURASAWA 244
SUZANO PAPEL E CELULOSE::
INOVABILIDADE A PARTIR DE ÁRVORES PLANTADAS
EDITORES: ERIKA BARCELLOS, CARLOS BRAGA 252
Sumário
SEÇÃO 4:
PRÁTICAS DE INOVAÇÃO SOCIAL
EDITORA: STEPHANIA GUIMARÃES 278
UM OLHAR SOBRE O ASPECTO SOCIAL NO BRASIL
STEPHANIA GUIMARÃES 279
A ESCOLHA DO PÓS-GUERRA: NOSSO ATRASO EDUCACIONAL E SUAS
CONSEQUÊNCIAS
SAMUEL DE ABREU PESSOA 284
CAPITALISMO DE STAKEHOLDERS: COMO ENGAJAR AS PARTES
INTERESSADAS NA AGENDA ESG
DANIELA CAVALCANTE PEDROZA E ONARA LIMA 295
NOVAS RELAÇÕES ENTRE EMPREGADOS E EMPREGADORES
RAISSA URZEDO E ELIAS TEMPONI 299
O PAPEL DO BANCO NA AJUDA A PESSOAS VULNERÁVEIS:
MUITO ALÉM DO BÁSICO
ANA PAULA TARCIA 304
O DESAFIO DA EQUIDADE RACIAL NAS EMPRESAS
ENTREVISTA COM MAURÍCIO PESTANA 309
COMO PROMOVER A DIVERSIDADE LGBTI+ NAS EMPRESAS?
ENTREVISTA COM MARCIO ORLANDI 317
EXECUTIVAS BRASILEIRAS E IBÉRICAS, UM PANORAMA ELUCIDATIVO
MARIA EUGENIA BIAS FORTES 324
PAPEL SOCIAL DAS MÉDIAS EMPRESAS
ENTREVISTA COM MARCELO PATRUS 332
MÉTRICAS DE ESG COMO CRITÉRIOS DA REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
DOS EXECUTIVOS
GISELA DA SILVA FREIRE E DARIO ABRAHÃO RABAY 337
A LGPD COMO INSTRUMENTO DE ESG: A PROTEÇÃO DE DADOS NO
IMPACTO SOCIAL DAS EMPRESAS
LUIZ FELIPE DI SESSA E FELIPE ROCHA DA SILVA 341
O LEGISLATIVO PODE SER UM ALIADO EFETIVO NO ESFORÇO DAS
EMPRESAS EM SUAS AÇÕES QUE BUSQUEM O IMPACTO SOCIAL?
LUCIANO SOUZA E BEATRIZ CARVALHO 345
CASO GRUPO FLEURY:
CONSTRUINDO O MAIOR ECOSSISTEMA SUSTENTÁVEL DE
SAÚDE DO BRASIL
EDITORA: STEPHANIA GUIMARÃES 349
Sumário
SEÇÃO 5:
O G DO ESG: A GOVERNANÇA DEVE SER A BASE DO ESG
EDITOR: DALTON SARDENBERG 368
A GOVERNANÇA COMO PILAR DE SUSTENTAÇÃO DO ESG
DALTON PENEDO SARDENBERG 369
ESG NA VALE NA VISÃO DE SEU CHAIRMAN
JOSÉ LUCIANO PENIDO 377
O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO DO ESG
LILIANE ROCHA 385
COMPLIANCE E O ESG
PEDRO SUTTER 389
O LEGADO EM ESG DO CEO
RICARDO GARCIA 395
ASPECTOS RELEVANTES DO ESG NA NOVA ECONOMIA
JÚLIA BELISÁRIO 399
A IMPORTÂNCIA DA IMPLEMENTAÇÃO SISTÊMICA DA GESTÃO DE
RISCOS, FRENTE AOS ASPECTOS DO ESG
RAQUEL FILGUEIRAS VARONI 404
ESG EM EMPRESAS COM CONTROLE ESTATAL
PAULO SPENCER UEBEL 409
GOVERNANÇA CORPORATIVA NA NOVA ECONOMIA: UM TEMA TABU
MILTON NASSAU RIBEIRO 417
ESG COMO FERRAMENTA DE VALORIZAÇÃO DO NEGÓCIO PELA
CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA DE RELACIONAMENTO ENTRE
EMPRESAS, MERCADO, ESTADO, ADVOGADOS E SOCIEDADE EM GERAL
HENRIQUE DE ARAÚJO GONZAGA E REBECA STEFANINI PAVLOVSKY 426
DUE DILIGENCE COMO MECANISMO DE IMPLEMENTAÇÃO DE
POLÍTICAS ESG
RAFAEL BALERONI E ISABELA POLLARI 431
CASO IRANI:
GOVERNANÇA, O PILAR DA ESTRATÉGIA ESG
EDITORES: CARLOS BRAGA, DALTON SARDENBERG, EDGARD PITTA E
MILTON NASSAU 435
CASO VEDACIT:
A IMPORTÂNCIA DOS VALORES EM UMA EMPRESA FAMILIAR –
OU COMO SER UM BOM ACIONISTA
EDITORES: HEIKO SPITZECK E ELISA ALT 454
A ideia deste e-book começou em um webinar organizado pela Salesforce, em que um dos de-
batedores argumentava que a sustentabilidade seria o novo motor da inovação. Essa frase me
fez refletir sobre os anos de estudos e aprendizados no Núcleo de Inovação e Empreendedoris-
mo da Fundação Dom Cabral e das inúmeras reuniões das nossas comunidades de empresas
inovadoras (CRIs). Em diversas ocasiões e em diferentes estudos chegamos à conclusão de que
inovação nunca deve ser um fim nas empresas, mas um meio para realizar seus objetivos es-
tratégicos. Inovar é o motor que leva as empresas ao crescimento. É o motor que transforma
as organizações ao longo do tempo, ajustando-se às mudanças econômicas, tecnológicas e
comportamentais. É o motor que transforma a economia; o meio através do qual se exploram
a mudança como oportunidade para um negócio ou uma oferta diferenciada de valor (parafra-
seando Peter Drucker).
Com base nestas reflexões, convidei os colegas Erika Barcellos e Carlos Braga para pesquisar-
mos experiências de empresas que estavam estrategicamente comprometidas com as pautas
da sustentabilidade e do ESG para avaliarmos se a inovação estava sendo usada como “motor”
destes objetivos estratégicos e como essas empresas estavam se transformando e transfor-
mando o seu ecossistema para atingir esses objetivos.
Para tratar de temas tão diversos, muitas vezes distantes da nossa base de conhecimento, con-
vidamos dois colegas, professores da FDC, Dalton Sardenberg e Heiko Spitzeck, para tratar das
questões mais específicas sobre governança e sustentabilidade, respectivamente, e dois con-
sultores e especialistas, Stephania Guimarães e Edgard Pitta, que completaram o time de orga-
nizadores e editores deste primeiro e-book. Aproveito a oportunidade para agradecê-los pelo
empenho e dedicação a esse projeto.
Com apoio da equipe de parcerias da FDC, liderada pelo Rodrigo Campello, buscamos apoia-
dores que topassem não apenas patrocinar essa iniciativa, mas também contribuir com sua
experiência e conhecimento. A Ambipar e a Cescon Barrier, por sua experiência e interesse
específico no tema, logo aderiram ao projeto, seguidos da Julius Baer Family Office e do Banco
BV, a quem agradeço a confiança e o apoio.
10
Graças a esses patrocinadores, estamos disponibilizando toda a produção deste projeto: artigos,
entrevistas, casos e vídeos das lives realizadas no site http://esg.fdc.org.br.
A estrutura proposta para este e-book seguiu uma ordem lógica. Iniciamos com um debate so-
bre ESG e sustentabilidade. O editor da sessão, o Professor Heiko Spitzeck, abre o debate com
a provocação: A Sustentabilidade Corporativa morreu? Vida longa ao ESG! Para respondê-lo,
um time de especialistas, empresários e executivos debatem a inclusão do ESG na agenda
dos conselhos, nas estratégias empresariais e fundamentalmente na cultura organizacional.
“O ESG ajuda a proteger e criar valor para as organizações”; “Ter uma agenda ESG é algo mais
profundo. É preciso estar na essência do negócio”; “E, para isso, a inovação vai ao encontro da
agenda ESG”; “O papel da liderança é fundamental” – afirmam os autores desta sessão e da live
que acompanha esta sessão (https://youtu.be/5WltfJ1ZSmk)1. Como nas demais sessões deste
e-book, cada capítulo se completa com a apresentação de um estudo de caso. Nesta primeira
sessão, apresentamos o caso Movida: uma empresa familiar com DNA de ESG.
Em seguida, o conselheiro, professor e consultor Carlos Braga coordena uma rica troca de
opiniões com especialistas no setor financeiro. Abrindo o debate com a pergunta: “ESG está
mudando o mercado financeiro?”, Carlos convida gestores de fundos, CFOs e consultores a
analisarem como o mercado financeiro está atuando como indutor da agenda ESG. “A susten-
tabilidade se tornou parte no dia a dia dos negócios, especialmente em investimentos”. “Como
identificar se os recursos investidos estão de fato alinhados com os propósitos de impacto am-
biental, social e de governança?” E os riscos envolvidos nesta agenda? “Geralmente, a porta
de entrada do ESG nas organizações é pela agenda do risco”. “Empresas comprometidas com
o ESG têm menor risco associado, pois possuem uma agenda mais intensa e preocupada de
compliance”. “O olhar para essa agenda requer a atenção das lideranças e a articulação entre
empresas, governos e setor financeiro”. Essas e outras afirmativas e provocações foram feitas
pelos autores deste capítulo e da live coordenada pelo Carlos Braga (https://youtu.be/qCXZRe4_
vkA). Para ilustrar essas ideias com um exemplo, apresentamos o caso do BDMG: Induzindo a
agenda ESG em Minas Gerais.
A terceira sessão, coordenada por mim, aborda a agenda ambiental e o papel das empresas.
Editado durante o período da COP26, esse capítulo procura tratar os diferentes aspectos de
influência e atuação ambiental das empresas, seja mitigando o impacto direto e indireto
das suas atividades no meio ambiente e no clima, seja atuando de forma assertiva na gera-
ção de energia renovável, na recuperação da biodiversidade e no aproveitamento das opor-
tunidades geradas por mudanças na regulamentação, como o marco legal do saneamento
básico, ou no mercado, como as oportunidades geradas no mercado de carbono. “No nível
mais alto de maturidade de gestão de impacto ambiental, o foco está nas oportunidades
e na mitigação de riscos ambientais”; “Há uma janela de oportunidade para agir imediata-
mente, de forma coordenada, unindo o setor privado, com seu alcance e sua habilidade para
direcionar tendências de consumo e as organizações da sociedade civil” – afirmam alguns
dos autores desta sessão.
11
sessão (https://youtu.be/NYCnIp_lbVc). Como nos demais capítulos, fechamos essa sessão com
o Caso Suzano: Inovabilidade a partir das árvores plantadas.
A quarta sessão, elaborada pela Stephania Guimarães, focou na pauta social, reconhecendo que
a pandemia provocada pela Covid-19 mudou a perspectiva das questões sociais do ESG, tornan-
do-as ainda mais evidentes. Segundo Stephania, a crise sanitária mundial destacou fraquezas,
como a desigualdade social (...) e riscos que a sociedade não conhecia foram evidenciados. Nes-
ta sessão, os temas da diversidade (de gênero, raça, orientação sexual) são tratados de forma
direta por especialistas que lidam com o desafio de transformar o discurso em práticas nas
empresas e na sociedade como um todo, lutando contra os vieses conscientes e inconscientes.
Em uma retrospectiva às vezes histórica, a desigualdade social se evidencia na educação e na
necessidade de atualização do marco legal do trabalho e das relações sociais.
“A educação é o nosso grande desafio para garantir as condições de longo prazo de nosso
crescimento” (...) “há muito espaço para que (...) o setor privado (...) colabore com o setor públi-
co no aprimoramento da qualidade do ensino básico de nossos jovens.” “Os consumidores es-
tão cada vez mais interessados em saber sobre os esforços de responsabilidade social de suas
marcas ou empresas preferidas.” “É tão somente uma questão de tempo até alcançarmos o
equilíbrio de gênero nas empresas. Mas até que isso aconteça, muitas organizações deverão
começar a aplicar medidas concretas de diversidade e Inclusão e, em alguns casos, até de for-
ma compulsória, e terão de saber conviver, com tolerância, a ainda atual escassez de talento
preparado para posições de liderança.” “No Brasil, até o momento, de forma estruturada, não
há uma atuação entre concorrentes de forma a construir soluções junto ao Legislativo que
possam impactar o lado social.” Essas são algumas das ideias e recomendações abordadas
pelos autores nesta sessão.
Como nos demais capítulos, apresentamos o Caso Fleury: Construindo o maior ecossistema
sustentável de saúde do Brasil e realizamos a live com alguns dos autores e entrevistados, de-
batendo e respondendo as perguntas da audiência sobre o tema (disponível no Youtube https://
youtu.be/PBv8cDTusNw e no site http://esg.fdc.org.br).
12
o respeito às práticas de ESG é uma obrigação legal, que deve ser implementada pelos seus
administradores. As agendas de ESG, portanto, devem ser parte permanente das discussões
das Diretorias e dos Conselhos das empresas de controle estatal. Se não são ainda, precisam
ser o quanto antes.”
O capítulo se encerra com a apresentação do caso Irani Papel e Celulose: Governança, o Pilar
da Estratégia ESG e com um intenso debate durante a live coordenada pelo professor Dalton e
convidados (https://youtu.be/AqL1vY-Yrg8).
O e-book conclui abrindo a discussão sobre o futuro do ESG, com a transcrição e síntese do de-
bate promovido com os coeditores: Carlos Braga e Heiko Spitzeck. Neste debate, com a partici-
pação de interessados no tema, reconhecemos o papel da liderança e da cultura organizacional
na definição de estratégias de ESG baseadas não apenas na matriz de materialidade, mas na
intencionalidade dos controladores e investidores em gerar impacto na sociedade e no planeta,
deixando legados em pautas específicas. Destacamos também a importância da inovação e do
desenvolvimento de um ecossistema ESG com a participação voluntária e/ou induzida dos di-
versos stakeholders. O mercado de carbono é apontado como uma das pautas relevantes para
os próximos anos e uma oportunidade para o Brasil.
Estamos agora publicando este e-book com 54 artigos e entrevistas, cinco estudos de caso, sete
lives e 65 autores e entrevistados.
Encerro agradecendo aos meus colegas coeditores, aos patrocinadores, aos autores, entrevis-
tados, aos executivos das empresas que nos deram acesso para apresentarmos nos casos suas
experiências e conhecimentos. Um agradecimento especial para os colegas da FDC: Antônio
Batista, Paula Simões, Luciana Faluba, Rodrigo Campello, Camila Pedroso, Krishina Carreira,
Rita Fontanez, Talia Santiago Prado, Valeska Diláscio, Vanessa Freitas, Euler Rios, Rodrigo Araú-
jo, Washington Magalhães e todos que contribuíram para a realização do projeto.
Um último agradecimento aos leitores e participantes das diversas lives: é para vocês que esse
trabalho foi realizado, com votos de sucesso na implementação de inovação e de ESG em suas
organizações.
13
Introdução:
Como antecipar o futuro
que queremos viver?
ANTONIO BATISTA DA SILVA JUNIOR
É certo que CEOs e dirigentes empresariais da atualidade enfrentam um cenário cujos desa-
fios e nível de exigência atingiram patamares inéditos. A pressão por entrega de resultados
financeiros – que sempre existiu para quem está no comando – vem acompanhada pelo acir-
ramento da competição e, com ênfase especial, por uma cobrança dos diferentes grupos de
stakeholders para a geração de valor social. Afinal, se ao longo do século passado o capitalismo
produziu resultados relevantes para a sociedade, parece indiscutível que uma lacuna foi criada
em relação ao progresso e ao papel das lideranças e das organizações.
Como construir, portanto, esse caminho para que as organizações sejam mais competitivas,
éticas e responsáveis? Uma pergunta que não tem respostas prontas e fáceis, e que toca vá-
rias dimensões da liderança e da gestão empresarial. Mas, certamente, o caminho passa pela
capacidade de inovação das empresas e os critérios ESG constituem a bússola dessa liderança
comprometida e mobilizada para atuar como agente do progresso na construção de um mun-
do melhor.
É nesse contexto que a série Inovação & ESG, do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da
Fundação Dom Cabral, pretende contribuir. Esperamos que as reflexões e práticas apresenta-
das nesta iniciativa iluminem as trilhas dos gestores e liderança que estão atentos aos sinais dos
tempos e dispostos a antecipar um futuro que seja mais próspero, socialmente justo, produtivo
e ambientalmente responsável.
14
ANTONIO BATISTA DA SILVA JUNIOR
15
SEÇÃO 1:
O QUE É ESG E COMO
SE DIFERENCIA DA
SUSTENTABILIDADE?
EDITOR: HEIKO SPITZECK
A Sustentabilidade Corporativa
morreu? Vida longa ao ESG
HEIKO SPITZECK
O rei está morto; vida longa ao rei. Essa frase foi usada pela primeira vez na coroação de Carlos
VII da França, em 1422, e desde então virou ritual na sequência da subida ao trono de um novo
monarca. Hoje, ESG é o novo monarca, seus antecessores se chamam sustentabilidade cor-
porativa, valor compartilhado, responsabilidade social corporativa, entre outras terminologias.
ESG pode ser declarada como uma nova nomenclatura para a mesma coisa – integrar consi-
derações sociais e ambientais na tomada de decisão de empresas. Só que o novo rei é mais
poderoso – ele vem direto do mercado financeiro. Com isso, sustentabilidade deixou de ser um
conceito periférico e chegou no cerne do negócio.
Por isso tem que olhar além das nomenclaturas atuais. Jean Jereissati, CEO da Ambev, es-
creveu no seu capítulo “... o verdadeiro valor por trás de uma sigla está em uma atuação que
vai além da temporalidade dos termos.” Ou, nas palavras da Janete Vaz, Co-fundadora e Pre-
sidente do Conselho de Administração do Grupo Sabin: “Ter uma agenda ESG é algo mais
profundo”.
O NASCIMENTO DE ESG
ESG – em inglês environment, social, governance – descreve do ponto de vista financeiro a qua-
lidade do desempenho social, ambiental e do sistema de governança de uma empresa. O ter-
mo demorou para pegar. Seu primeiro uso foi no relatório “Who Cares Wins” (Quem se importa
ganha), publicado pela iniciativa Princípios de Investimentos Responsáveis das Nações Unidas
em 2006. Mas, somente mais de 10 anos mais tarde, entre 2019-2020, o termo conquistou o
mundo por causa de vários fatores:
As famosas cartas aos acionistas do Larry Fink, CEO da BlackRock – um dos maiores investido-
res globais com USD 8,68 trilhões de ativos, em 2020. Nelas, ele chama atenção aos riscos finan-
ceiros de mudanças climáticas e apoia uma governança que respeita a todos os stakeholders
de uma empresa.
Em agosto de 2019, a Business Roundtable – associação que representa mais de 180 CEOs de
empresas como Apple, JPMorgan, Chase & Co., Johnson & Johnson entre outras – se despede
da primazia dos acionistas e redefine o propósito de uma empresa nos Estados Unidos para
promover uma “economia que cria valor para todos os americanos”.
17
Em setembro de 2019, o Financial Times lança uma nova abordagem editorial com o lema: Ca-
pitalism. Time for a Reset. (Capitalismo. Hora de Reiniciar), demandando que empresas tenham
um propósito além do lucro.
As Big 4 empresas de contabilidade (Deloitte, PwC, KPMG e E&Y) apresentaram no Fórum Eco-
nômico Mundial de 2020, em Davos, um conjunto de indicadores padronizados para avaliar o
desempenho ESG das empresas. 1
Com isso, o novo rei ESG vem mais poderoso que seus antecessores. Não é mais uma discussão
de especialistas em sustentabilidade à parte do negócio. Responsável para o relacionamento
com investidores da Gerdau, Rafael Mingone viu, até pouco tempo atrás, primeiro uma avalia-
ção de analistas de vendas e depois outra de um analista de ESG. Sustentabilidade era separada
da essência do negócio. Isso mudou. Hoje, os analistas de venda estão incorporando questões
ESG nas suas modelagens. ESG é o termo que o mercado financeiro deu para a sustentabilida-
de e, consequentemente, sustentabilidade chegou no cerne do negócio e entrou na agenda de
diretorias executivas como também nos Conselhos de Administração.
Por que o mercado financeiro está, de repente, olhando para questões sociais e ambientais?
Você se deve perguntar. A resposta é relativamente simples: ESG ajuda a proteger e criar valor!
Inspirado por uma pesquisa da Boston Consulting Group e do MIT, faço as seguintes perguntas
em todas as minhas aulas de sustentabilidade na Fundação Dom Cabral: 1. Qual empresa você
considera líder em sustentabilidade e por quê? 2. Que vantagem competitiva a empresa tem
por ser considerada líder em sustentabilidade? Nos últimos 11 anos, passaram mais que 5.000
executivos por minhas aulas. E em todas – sem exceção – alguém levantou a mão e falou: Natu-
ra. É impressionante ver como a empresa criou essa reputação ao longo dos anos. Mas vamos
direto para a segunda pergunta. Na discussão com os executivos, consegui identificar as se-
guintes 9 alavancas de valor tangível que vou explicar em mais detalhe a seguir:
1 https://www.weforum.org/stakeholdercapitalism
18
Figura 1: 9 Alavancas de Valor Tangível
Poder de Precificação: Produtos mais sustentáveis ajudam a justificar preços premium, como
no exemplo de produtos orgânicos. O açúcar da Native custa quase o dobro que o açúcar da
União e descobri, em conversas com executivos do varejo, que a margem também é o dobro.
Redução de Custos: Quem não quer reduzir custos? Investimentos em eficiência energética
têm, em alguns casos, um retorno de investimento de menos de 12 meses, como por exemplo
na implementação de iluminação LED. Se você vai com uma sugestão dessa para o seu CFO,
ele vai ficar feliz.
Atração e Retenção de Talentos: Contratar, desenvolver e desligar pessoas são caros no Brasil.
A Natura tem 50% da taxa de rotatividade voluntária do setor de beleza, ajudando a área de
pessoas a economizar dinheiro.
Incentivos Fiscais: Programas como a Lei Rouanet e isenção de IPVA para carros elétricos po-
dem ser usados para financiar atividades sociais ou para reduzir emissões.
Cofinanciamento: A Coca-Cola e Ambev colaboram com a ONG The Nature Conservancy para
restaurar e recuperar bacias hidrográficas no projeto “Coalizão Cidades pela Água”. No final, não
dá para produzir nem Coca nem cerveja sem água.
Participação no Mercado: Com o lançamento do plástico verde, a Braskem aumentou sua par-
ticipação no mercado de bioplásticos, além de cobrar um preço premium.
19
Acesso ao Mercado de Capital: Demonstrar práticas mais elevadas de gestão de ESG permite
acessar taxas mais baratas que reduzem o custo de capital da empresa.
Poucas empresas sabem fazer esse trabalho melhor que a Natura. Se compararmos o valor
da Natura na bolsa desde que a empresa abriu o seu capital, em 2004, até o começo de 2021,
vemos que o iBovespa aumentou quase 500%, enquanto a Natura subiu mais que 4000%. Ob-
viamente, toda essa diferença não se dá por causa da sustentabilidade, mas se você concorda
com só algumas das alavancas detalhadas encima, certamente uma parte do valor da empresa
vem de um trabalho consistente ao longo dos anos em sustentabilidade.
O olhar dos investidores para questões ESG é principalmente um olhar de gestão de risco. Como
mostra a figura 3, a lógica é a seguinte: se meu cliente não administra bem questões ESG, ele
tem um risco aumentado de interrupção de operações (exemplo: Rhodia, na crise hídrica de
2014-20152), pode pagar multas (exemplo: Volkswagen3, Vale e Petrobras), pode perder market
share (exemplo: energia fóssil) ou perder valor no mercado (exemplo: BP depois da Deepwater
Horizon, que perdeu nos primeiros meses 50% do seu valor4). Esses riscos respingam na insti-
tuição financeira. Ela pode ser responsabilizada pela conduta do cliente (exemplo: o Santander
foi multado em R$ 47,5 milhões pelo Ibama, em 2016, por financiar grãos plantados em áreas
embargadas5), a inadimplência pode aumentar (exemplo: agricultores afetados pelas secas),
garantias podem perder valor (exemplo: casas inundadas) além de correr riscos reputacionais.
2 https://www.istoedinheiro.com.br/o-fantasma-da-seca/
3 https://www.ft.com/content/0c594b02-6f91-4b9d-bab7-11992f116316
4 https://www.theguardian.com/business/2010/jun/01/billions-wiped-bp-market-value
5 https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,ibama-multa-o-santander-em-r-47-5-milhoes,10000083694
20
Figura 3: Riscos ESG para uma Instituição Financeira
Por isso, cada vez mais instituições financeiras estão integrando aspetos ESG na sua tomada de
decisões onde investir e quais taxas a aplicar.
Como vimos, os investidores estão principalmente preocupados com a gestão de riscos ESG.
Por isso, o Bradesco faz um ranking ambiental e quem tem nota melhor representa risco menor
e, consequentemente, pode desfrutar de taxas mais econômicas. Porém, vimos nas alavancas
de valor que há outras boas razões pelas quais vale a pena profissionalizar a gestão da susten-
tabilidade. Um dos argumentos foi a atração de talentos. As novas gerações demandam um
propósito além do lucro e não aceitam mais perder vida no escritório pelo salário que chega
na conta ao final do mês. Se sua empresa depende de talentos, seria fatal só olhar para a de-
manda dos investidores. Tem que entender melhor quais são os fatores sociais e ambientais,
qual o propósito inspirador consegue atrair talentos. O mesmo argumento aplica para outras
das alavancas de valor. Por isso, recomendo olhar as alavancas para definir quais delas são mais
alinhadas com a estratégia corporativa vigente. Com essa priorização, você garante que suas
ações de sustentabilidade agregam valor à sua estratégia de negócio. Repetindo as palavras da
Janete Vaz: com isso, sua organização vai embarcar numa jornada “mais profunda” de susten-
tabilidade, uma jornada que consegue melhorar o desempenho socioambiental e financeiro
ao mesmo tempo.
Além disso, tem ainda uma grande variedade de questionários aplicados no Brasil e cada banco
está criando sua própria metodologia. Vai demorar anos até o mercado brasileiro chegar a um
acordo de quais são os padrões para aplicar na avaliação ESG de empresas de diferentes seto-
res. O mercado internacional já é mais avançado. Para quem quer aprofundar, recomendo olhar
os padrões definidos pelas Big 4 no Fórum Econômico Mundial 2020 e os indicadores setoriais
do SASB (Sustainability Accounting Standards Board), que definiu prioridades ESG (com indi-
cadores concretos) para mais que 70 setores econômicos.
21
PRIORIZA E DEPOIS MMBB
Aposto que a maioria das inovações que envolvem novos modelos de negócio, produtos e servi-
ços mais sustentáveis nascem do propósito da empresa e de um entendimento da organização
dentro do ecossistema no qual opera, com o intuito de criar valor para vários stakeholders. Por
consequência, essas empresas têm uma resposta mais convincente para a pergunta: por que
crescer? A Natura&Co quer trazer o bem-estar para mais gente. A Ambev quer cuidar da água
e unir pessoas por um mundo melhor. A Danone quer levar saúde por meio da alimentação ao
maior número de pessoas. Essas respostas inspiram aos colaboradores a participar no processo
de inovação e atraem talentos, parceiros e, no final – também –, investidores. Porém, requer
uma jornada mais profunda do que simplesmente aprender a responder aos questionários ESG
que vêm do mercado financeiro.
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HEIKO HOSOMI SPITZECK
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ESG: uma evolução no modelo
de negócio nas empresas
JEAN JEREISSATI
ESG. Quem diria que essas três letras, combinadas, seriam um dia tão poderosas e necessárias
para o mundo?
Aos poucos, as letras foram se juntando, depois de a história ter registrado alguns de seus epi-
sódios mais emblemáticos, como o vazamento de óleo no Golfo do México, em 2010, ou o movi-
mento “Ocupe Wall Street”, nas ruas de Nova York, no ano seguinte.
Uma década depois, vimos eclodir a maior crise sanitária (e tantas outras colaterais a ela) já
experimentada pela humanidade. A verdade é que a pandemia da COVID-19 catapultou um
processo que já estava em andamento – não à toa, em 2015, os 17 Objetivos de Desenvolvimen-
to Sustentável da ONU foram introduzidos no sistema internacional –, moldando um mercado
consumidor mais consciente e uma atividade corporativa mais responsável.
Afinal, fatores ESG tratam de questões de interesse público que afetam o bem-estar humano,
social e ambiental. Para organizações, trata-se da responsabilidade de fazer a diferença no seu
ecossistema interno – colaboradores, acionistas – e externo – fornecedores, consumidores, clien-
tes, comunidades e outras tantas pessoas conectadas ao universo de cada companhia.
Siglas, palavras e conceitos são, sim, poderosos para tangibilizar e jogar luz aos passos de cada
companhia diante do mundo, das pessoas e do meio ambiente. Hoje, ESG traduz com mais
clareza como ações se conectam e, juntas, têm um papel transformador. Mas o verdadeiro valor
por trás de uma sigla está em uma atuação que vai além da temporalidade dos termos.
Há mais de 20 anos, a forma de pensar e agir das nossas pessoas foram – e continuam sendo –
guiadas por uma plataforma sólida de sustentabilidade, alinhada com o que, hoje, é chamado
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de ESG. Com um olhar para dentro, responsabilidade em cada atitude e fortalecimento quanto
ao nosso papel, foi em 2018 que extrapolamos nossos muros rumo a compromissos e metas
ambientais que iam além do nosso negócio, com um olhar mais amplo para os nossos parceiros
e comunidades.
Foi assim também que passamos a nos enxergar cada vez mais como parte de um ecossistema
que começa no agricultor que planta a cevada e chega até os nossos consumidores, passando,
claro, pelos nossos colaboradores, fornecedores, clientes e parceiros.
Se antes nos víamos apenas como uma empresa de bebidas, esse nosso olhar para fora e en-
tendimento do nosso propósito nos mostraram que esse rótulo já não nos representava mais.
Tivemos a oportunidade de traduzir e revolucionar aquilo que uma vez imaginamos ser o nosso
modelo de negócio, nos levando muito além dos nossos rótulos de bebidas.
O que nos guia, a partir de então, é uma busca por gerar cada vez mais impacto positivo no
nosso ecossistema, com a visão de crescimento compartilhado e vivendo o nosso propósito de
unir as pessoas por um mundo melhor.
Sem dúvidas, práticas sustentáveis, além de serem premissas para o bom funcionamento de
toda e qualquer organização, promovem impactos diretos e indiretos na maneira como cria-
mos, entregamos e capturamos valor.
ESG está presente na nossa cultura e nas práticas cotidianas e se traduz em escuta ativa – para
compreender as necessidades do nosso ecossistema –, e na colaboração, tanto nas relações de
trabalho como com as nossas comunidades. É essa veia pulsante de ESG que trabalhamos para
que corra na nossa gente com transversalidade, de pequenas a grandes ações.
Acreditamos que essa jornada só se realiza com uma letra “G” forte e muito bem estruturada.
Governança corporativa é o verdadeiro guarda-chuva das iniciativas que emergem das outras
duas letras – “E” e “S”. Sem um bom G, não há o que se falar em transparência, equidade, accou-
ntability ou responsabilidade corporativa.
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cascateiam os comandos claros para implementação de iniciativas sustentáveis, conectadas às
tendências de consumo e às demandas da sociedade.
Se, de um lado, temos ações consistente de ESG e uma governança ativa, do outro lado men-
surar a nossa evolução é fundamental. Foi pensando nisso, por exemplo, que criamos a Eco
Score, uma ferramenta interna que permite auxiliar, conduzir e priorizar a criação de inovações
de maneira condizente com nossas metas de sustentabilidade de embalagens, por exemplo.
A letra E sempre foi muito forte para nós. Mas, para que a consistência e a ambição das nossas
metas fossem espelhadas em atitudes verdadeiras e profundas, o envolvimento das pessoas
tem sido essencial.
Não é por acaso que as nossas iniciativas estão alinhadas ao atual cenário global e aos itens
mais pontuados na nossa matriz de materialidade. Das inúmeras ações, dou destaque à segu-
rança hídrica.
A água é um recurso crítico para o bem-estar econômico, social e ambiental das nossas comu-
nidades, além de ser a principal matéria-prima do nosso negócio.
Por isso, sempre tivemos uma enorme preocupação com o controle e o uso da água durante
o nosso processo produtivo, além de investimentos de longo prazo em inovação e tecnologia
e muitas parcerias para nos tornarmos a referência global na eficiência hídrica. Nos tornamos
referência global em eficiência hídrica e batemos, antes mesmo do período estipulado, a nossa
meta de redução de consumo de água na produção.
Há cerca de dez anos, olhamos para além das nossas operações para aumentar, inclusive, a
segurança hídrica das comunidades no entorno das nossas operações, desenvolvendo progra-
mas e parcerias, como a Bacia e Florestas, a Água AMA, e o Saveh.1
A nossa abordagem para a gestão de recursos hídricos começa dentro das nossas cervejarias
com ações que aumentam a eficiência do uso da água e avançam para fora dos nossos muros
a partir de iniciativas para toda a sociedade. Investimos e capacitamos um time de técnicos,
gestores e especialistas incentivados a criar inovações e a utilizar tecnologias de ponta que
garantem economia da água e engajam tanto parceiros quanto comunidade na troca de co-
nhecimentos, melhores práticas e desenvolvimento de novos processos.
Até 2025, vamos melhorar de forma mensurável a disponibilidade e a qualidade da água para
100% das comunidades em áreas de alto estresse hídrico.
1 https://www.ambev.com.br/sustentabilidade/agua/
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ESG É SOBRE PESSOAS
O ano de 2020 foi um dos mais desafiadores – senão o mais – para o nosso negócio e ecossis-
tema. O distanciamento forçado pela pandemia promoveu uma verdadeira ressignificação do
nosso propósito de unir as pessoas por um mundo melhor.
Desde o início da crise sanitária, passamos a identificar problemas reais na sociedade, usando
as nossas capacidades, times, operações e insumos para nos adaptar aos cenários de pura in-
certeza. Com muita inovação (e garra), causamos impacto social em grande escala e reinventa-
mos o nosso negócio.
Desenvolvemos e doamos mais de três milhões de unidades de álcool em gel para o sistema de
saúde, fizemos 100 leitos de hospital em parceria com outras empresas no tempo recorde de 36
dias, fabricamos e doamos três milhões de máscaras de proteção facial usando o plástico das
nossas embalagens, doamos 2,5 milhões de pães de cevada, e muito mais.
Chegamos, inclusive, a adaptar uma de nossas cervejarias no interior de São Paulo para virar
uma usina de oxigênio, que continua operante e abastecendo gratuitamente unidades de saú-
de no interior de São Paulo. Além disso, fizemos parte de uma coalização de empresas para
ajudar nas duas principais iniciativas de vacinas contra a Covid-19 no nosso país.
Nós também temos uma plataforma consistente de programas de impacto social nas nossas
comunidades – por exemplo, o VOA2 , o nosso programa de voluntariado empresarial.
Nele, os líderes da Ambev são mentores de ONGs Brasil afora para ajudar com o que eles têm de
melhor: ferramentas e conhecimento em gestão. Dessa forma, contribuímos ativamente para
que essas instituições possam aprimorar ainda mais seu impacto positivo no mundo. Hoje, são
mais de 6 milhões de pessoas impactadas pelo VOA e 500 ONGs beneficiadas.
Também estamos evoluindo no cuidado das nossas pessoas. Queremos contribuir ativamente
para o bem-estar físico, mental e social da nossa gente. Então, em junho de 2020, criamos a
nossa Diretoria de Saúde Mental3, responsável por nos ajudar a ter um ambiente cada vez mais
inclusivo, de acolhimento, seguro e com apoio aos nossos colaboradores.
De tantos outros exemplos que poderia dar – e que tanto me enchem de orgulho –, os que dei
acima demonstram um pouco do poder transformador e revitalizante das letras “E”, “S” e “G” na
estratégia da empresa, nos ritos diários, na nossa cultura.
2 https://www.ambev.com.br/voa/quem-somos/
3 https://rhpravoce.com.br/canal/os-objetivos-e-prioridades-da-diretoria-de-saude-mental-da-ambev/
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melhor – crescendo de forma sustentável, junto com o nosso ecossistema e alinhados aos Ob-
jetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Reconheço que há ainda muita estrada pela frente, muita evolução para chegarmos onde que-
remos, mas já vivo sinais claros dessa transformação para nos tornarmos uma plataforma que
conecta as pessoas e o ecossistema para que possamos crescer juntos e contribuir para um
mundo cada vez mais sustentável.
JEAN JEREISSATI
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ESG, portanto, é mais do que
uma agenda, é uma cultura
HORÁCIO PIVA
Reflexo dos novos tempos, a busca por mudanças vem diretamente atrelada tanto à ansiedade
quanto a sua execução. Há, claro, algum espaço entre essa dualidade do querer e do fazer, o
qual precisa ser preenchido pelo pensar, planejar e organizar. Isto vale para nossas vidas, isto
vale para os negócios.
Como parte de processos acelerados pela pandemia da Covid-19, o benfazejo tema ESG (Am-
biental, Social e de Governança, em português) conquistou lugar de destaque à mesa dos gran-
des debates de nossos tempos. Pressões internas e externas põem à prova a capacidade de
resiliência do mundo corporativo. Um choque de realidade e impulso à ação.
O papel das companhias mudou. A sociedade não as vê mais somente como fabricantes de
produtos ou serviços para o dia a dia. Pessoas e consumidores esperam por comportamen-
tos adequados às pautas atuais, envolvidas na oferta e demanda por soluções. A diversidade
ganhou atração, o valor como equidade está na ordem do dia e o combate às mudanças cli-
máticas tem o peso de assunto fundamental. Sua relevância é tal que as principais potências
mundiais, como Estados Unidos, Alemanha, França e, até mesmo a China, que recentemente
anunciou meta de descarbonização, estabeleceram a redução de emissões de gases de efeito
estufa como ponto de partida para a retomada econômica pós-pandemia. Todos esses pare-
cem ser tendências e caminhos sem volta.
A recente pesquisa chamada “Construindo Nosso Futuro”, organizada pela consultoria Eure-
ca, em parceria com o Davos Lab e o Global Shapers e ligada ao Fórum Econômico Mundial,
ouviu 1.100 jovens e revelou que 85% dos entrevistados acreditam que instituições públicas e/
ou privadas devem assumir a responsabilidade por colocar em prática padrões éticos sociais,
ambientais, de governança e de tecnologia na sociedade, conceitos inclusos nas práticas ESG.
Oitenta e cinco por cento.
Não se trata de um caminho simples. Neste trajeto desafiador, em pleno processo de pavi-
mentação, é imprescindível o engajamento das lideranças nas empresas, aliás assim como da
sociedade. Há muitas que ainda contabilizam ESG na rubrica da área de marketing ou afins.
Atenção, se o alto escalão não acreditar naquilo que está pautando e deixar de ser exemplo jun-
to aos colaboradores, qualquer ação já nasce fadada ao insucesso. A pauta é agenda inevitável
de chairmen, seus conselhos e CEOs e espraiada por eles a todo o restante da empresa.
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Assim sendo, a governança corporativa, responsável pelo G da sigla, deve ser encarada com
profunda seriedade. Sem ela é difícil crer que todos os profissionais irão perseguir diariamente
as melhores práticas em cada uma de suas ações, além de incorporar novos riscos advindos de
um olhar cada vez mais atento pelos seus stakeholders, reguladores, investidores e clientes em
especial.
Aqui, ilumina-se a ideia de que não se trata, pura e simplesmente, de implementar ESG. Tem
que ser e praticar. O valor ou valores de uma corporação levam tempo para serem enraizados
e muitas companhias podem patinar no meio dessa rota. Risco, reitero, para elas, e risco para o
assunto como um todo diante da política em que se estabelece na sociedade.
Isto tudo não se constrói a partir da contratação de um profissional, por melhor e mais capacita-
do que seja. Também não é a criação de uma área que fará essa roda girar. Essas ações podem
sim, é verdade, contribuir, mas não serão decisivas. Fica distante da realidade imaginar que um
departamento específico será capaz de analisar e alinhar dezenas, centenas, senão milhares,
de indicadores, processos e projetos que correm dia após dia dentro de grandes companhias.
O diferencial será o modo como elas irão incorporar a temática e propósitos, até que se alcance
algo que se torne “business as usual”, efetivamente incorporado aos valores da corporação, pa-
radoxalmente não mais um ponto focal, mas algo “per se” ao dia a dia do universo corporativo
– novas gerações, agregação de conhecimento, novas mentalidades. Em breve, espera-se, será
como o cinto de segurança automotivo, antes um debate tenso e hoje já uma atitude mecânica
e desnecessária de atenção.
Indo além, o diálogo e o engajamento com atores externos são partes inerentes a todo o movi-
mento. Fornecedores, prestadores de serviços, comunidades do entorno, órgãos governamen-
tais, clientes e todos os demais envolvidos devem estar alinhados com essa prática. Isto só se
torna possível quando cada colaborador tem dentro de seu modus operandi o gatilho que lhe
permita ser um indutor de boas práticas. O individual tem o poder de influenciar o coletivo, para
o bem e para o mal. Como em um motor, qualquer parafuso frouxo pode fazer toda a engre-
nagem parar de funcionar. Ou seja, agir na demanda e na oferta. Cuidar de nosso quintal, mas
levar a que todos ao nosso alcance também incorporem a causa.
O conceito ESG, enfim, deve ser entendido como parte do processo de amadurecimento social.
Com o aumento da expectativa de vida se fazem necessários investimentos cujos retornos tam-
bém se projetam em horizontes mais largos. Para isso acontecer, é preciso que todos avancem
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juntos. Não podem sobreviver ilhas de prosperidade e de ética em meio a um mar de subde-
senvolvimento e miséria. Eis um elo indissociável: o negócio só será sustentável se oportunida-
des similares forem dadas à sociedade como um todo, especialmente comunidades vizinhas e
partes da cadeia de valor que sejam economicamente deprimidas. Alcançar êxito e afluência,
conquistar avanços em inovação, ciência e tecnologia – a sustentabilidade da riqueza e do pro-
gresso se assenta na capacidade de partilhar vitórias, valores e propósitos.
Quiçá, portanto, o Brasil enfrente assim sua já histórica e vergonhosa iniquidade social, assuma
sua condição de potência ambiental, e a tudo consiga através de sua renovada governança. Eis
um instigante desafio pelo qual vale a pena viver.
Essa é uma jornada de constante aprendizado, ao longo da qual o diálogo e a comunicação são
as ferramentas mais valiosas e imprescindíveis. Diálogo verdadeiro, em que se ouve e é ouvido,
em que dialeticamente se construam convergências e denominadores comuns. De fato, essa
nova era impulsiona a iniciativa privada a pensar e a agir de modo diferente. Essa é uma alavan-
ca de valor que potencializará atitudes conscientes tendo em vista a construção de um futuro
mais justo e melhor.
HORÁCIO PIVA
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Empoderando pessoas que
constroem o futuro: como a
Gerdau atrelou compromissos
ESG à meta dos seus executivos
CAROLINE CARPENEDO
Nos últimos anos, assistimos a empresas de todos os segmentos começarem a se engajar nas
questões mais urgentes da atualidade. Em um movimento sem precedentes, temas como di-
versidade, inclusão, mudança climática e preservação ambiental passaram a fazer parte da
agenda corporativa e, em maior ou menor medida, influenciar as decisões de negócios. Lide-
ranças e Conselhos de Administração entendem que, mais do que estar em sintonia com a
legislação e as boas práticas de responsabilidade, o engajamento em ESG é uma questão es-
tratégica.
Na Gerdau, maior empresa brasileira produtora de aço, essa mentalidade guia a tomada de
decisões desde a sua origem. Ao longo de seus 120 anos de história, completados em janei-
ro de 2021, a companhia sempre acompanhou os anseios e demandas da sociedade, com
ações no presente construindo as bases para um futuro sustentável. Em 2014, iniciou um ciclo
de profunda transformação cultural, que tornou a empresa mais ágil, transparente, diversa e
inclusiva. Em 2018, esse ciclo se desdobrou em um propósito: empoderar pessoas que cons-
troem o futuro.
A partir disso, traçamos uma estratégia clara para as questões ESG na companhia, um guarda-
chuva amplo de sustentabilidade que engloba temas sociais, ambientais, de governança e de
diversidade. Para medir o cumprimento da estratégia, criamos um Painel de Indicadores que
avalia os resultados. Esse scorecard é uma ferramenta poderosa para que não só o Comitê de
Estratégia e Sustentabilidade, como também o Conselho de Administração, acompanhem de
perto o avanço da empresa no cumprimento de seus objetivos de sustentabilidade.
Dessa maneira, cada vez mais a agenda ESG é fator crucial no debate, no planejamento e na
tomada de decisões no dia a dia da Gerdau. Não mais algo apartado do core produtivo ou uma
preocupação restrita aos departamentos de meio ambiente, de pessoas ou responsabilidade
social. Para nós, está claro que agir afirmativamente em prol de temas ESG é fator determinan-
te para o crescimento sustentável.
A diversidade ilustra como questões ESG são estratégicas do ponto de vista do negócio. Fa-
tor fundamental para a inovação, ela permite que diferentes pontos de vista e backgrounds
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componham ambientes de trabalho mais inspiradores, representativos de toda a sociedade e,
consequentemente, mais produtivos. Por isso, temos na Gerdau uma série de ações e metas de
capacitação e recrutamento para garantir ambientes diversos e inclusivos.
O Programa Pertencer, por exemplo, abre as portas da indústria do aço – tradicionalmente mas-
culina – para mulheres de todo o Brasil. A partir de uma parceria com o SENAI, capacitamos
operadoras em diferentes áreas durante um curso remunerado, com possibilidade de contra-
tação ao final. Assim, atingimos 5% de mulheres ocupando a posição de operadora na Gerdau
pela primeira vez em 120 anos no ano passado. Em 2021, são 700 mulheres atuando diretamen-
te na produção, rompendo o patamar histórico de 2%. Nas posições de liderança, temos 22,5%
de mulheres, em comparação aos 17%, em 2017, quando começamos nossos esforços mais fo-
cados em diversidade e inclusão.
Nossas ações afirmativas em diversidade se estendem para todos os níveis hierárquicos e para
diferentes grupos. Os programas de aprendizagem devem ter contratação de 50% de mulhe-
res e os programas de estágio contratação de 60% de mulheres – resultando em um terço de
mulheres em todas as admissões no primeiro semestre de 2021. Também criamos um Banco
de Talentos voltado à comunidade LGBTQI+ e já temos mais de 1000 currículos cadastrados. E
vimos as lideranças negras saltarem de 16%, em 2019, para 26%, em 2020. Sabemos que ainda
temos um caminho a percorrer, mas são números que nos animam a transformar teoria em
prática e desenvolver ações concretas, que se refletem mês a mês em avanços reais.
Outro tema ESG que orienta fortemente a estratégia da Gerdau é a questão ambiental. Uma
Política de Sustentabilidade e um Sistema de Gestão Ambiental guiam todas as áreas da em-
presa e reforçam nosso compromisso com a geração de valor para nossos stakeholders. Te-
mos muito orgulho de ser a maior recicladora da América Latina, transformando anualmente
11 milhões de toneladas de sucata ferrosa em aço – o equivalente a impressionantes 687 mil
caminhões – e movimentando um ecossistema de cooperativas que beneficia milhares de
pessoas.
Ainda na questão ambiental, nossa matriz de produção a partir da sucata contribui para outra
marca importante: a Gerdau emite metade da média global de CO2 do setor, segundo dados da
Associação Mundial do Aço. Assim, obtivemos, em 2020, nota B- na análise da ONG Carbon Dis-
closure Project (CDP) – a faixa das empresas que realizam uma gestão coordenada em relação à
mudança climática e uma pontuação acima da média da América do Sul e do setor, reforçando
nossa transparência e compromisso.
Nesse contexto, atrelar questões ESG à meta da alta liderança foi um passo natural para a
Gerdau, mais uma iniciativa para construir as bases de um futuro sustentável. Depois de
uma jornada que incluiu não só ações afirmativas, mas também treinamentos e um diálogo
constante, o Conselho de Administração aprovou a proposta que inclui metas de desempenho
de indicadores ESG ao Plano de Incentivo de Longo Prazo (ILP) para a liderança sênior. Com
validade a partir de 2021, a norma estipula que cerca de 20% do valor dos bônus incorporados à
remuneração variável dos executivos estarão condicionados ao cumprimento das metas ESG.
A mensuração dessas metas é calculada a partir de dois indicadores caros à estratégia da com-
panhia: na área de diversidade, a porcentagem de mulheres em cargos de liderança; na área
ambiental, a redução nas emissões de CO2. Além de acelerar as mudanças tão necessárias, a
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adoção desses indicadores na composição da remuneração de longo prazo desses executivos
faz parte de um processo de abertura de informações ESG da Gerdau ao mercado e ao público
em geral – e reafirma nosso compromisso junto aos diferentes stakeholders.
Como vimos, atrelar questões ESG às metas dos executivos é uma das iniciativas em meio a
uma jornada extensa – e muitas vezes complexa – que envolve toda a companhia em questões
fundamentais para ela mesma e para toda a sociedade. Nesse sentido, acreditamos que a lide-
rança tem a responsabilidade não apenas de influenciar as equipes, mas de agir diretamen-
te para garantir um ambiente de trabalho mais diverso e inclusivo e um impacto ambiental
mais sustentável. O engajamento com temas ESG é uma construção que exige metas claras e
transparência e que, sem dúvida, cria uma série de desafios. Mas acreditamos fortemente que
o diálogo com a sociedade e o empoderamento das pessoas são o único caminho para uma
empresa seguir relevante. Esse pensamento tem orientado a Gerdau há 120 anos e é sobre essa
base que construímos o nosso futuro.
CAROLINE CARPENEDO
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Como engajar uma empresa
cética na causa ESG?
ENTREVISTA DE CLARISSA LINS, FUNDADORA DA CATAVENTO CONSULTORIA,
COM STEPHANIA GUIMARÃES
Poucos profissionais brasileiros têm tanta segurança para conduzir jornadas de sustentabilida-
de no setor de óleo, gás e energia quanto Clarissa Lins. Ela começou sua trajetória profissional
muito cedo e, hoje, coloca sua experiência, tanto como membro do conselho quanto em co-
mitês de sustentabilidade, à disposição de empresas globais que precisam de toda a expertise
possível para enfrentar os desafios atuais. “A inovação pode vir da Califórnia ou pode vir daqui
de Itajubá, mas observo se a empresa está alinhada aos centros que estão voltados a esse tipo
de pensamento”, afirma, “esse é um importante sinal”. Para Clarissa, tais organizações precisam
estar próximas da inovação e pesquisa e desenvolvimento.
CLARISSA LINS: Sempre faz parte da avaliação uma boa conversa com a liderança da compa-
nhia para entender se, de fato, essa liderança está convicta de que é preciso, em algum grau,
mudar a rota e passar a levar em conta outras variáveis. Mais especificamente, as variáveis liga-
das aos riscos climáticos e ao impacto das mudanças climáticas na perenidade dos negócios.
Quando eu sinto que há real intenção de levar essa variável em conta para, de alguma forma,
ajustar o processo de tomada de decisão, isso é algo que me traz segurança. Depois, obviamen-
te, levo em conta o histórico da companhia e sua seriedade ao lidar com temas sensíveis. Por
fim, quando eu sinto que há predisposição favorável ao engajamento naquele ambiente, que
as pessoas vão de fato querer ouvir, refletir e responder. Quando eu encontro esses elementos,
então eu fico tentada a me juntar ao time para tentar influenciar.
SG: Como você comprova essas características no processo de decisão da escolha do clien-
te? O que é preciso tratar mais detalhadamente? Essa avaliação é contínua?
CL: Eu preciso avaliar o tom da fala primeiro. Os tons da liderança, do CEO, do chairman são os
diferenciais nessa avaliação que eu faço. O quanto essa fala transmite sinceridade, credibilidade
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e predisposição ao diálogo. Isso pode ser avaliado em conversas constantes, visto que a gente
tem uma cultura de reuniões muito frequentes nos conselhos. Os temas a serem debatidos, te-
mas ligados à sustentabilidade, nem sempre são temas dos quais a empresa sente conforto em
falar. Nem sempre a empresa entende a dimensão do que está sendo discutido e, então, quan-
do mesmo à luz da incerteza existe um bom diálogo, é dessa forma que eu monitoro de uma
maneira mais constante se essa predisposição se mantém. Por outro lado, eu também preciso
ter sensibilidade em relação ao timing correto. Nem sempre é possível fazer os temas mais
sensíveis avançarem na velocidade almejada e isso faz parte do aprendizado de atuar com con-
selho de administração levando esse tipo de temáticas não usuais. Embora elas sejam cada vez
mais frequentes, ainda podem ser vistas como temáticas consideradas pouco confortáveis, e é
preciso ter muita sabedoria para engajar, para trazer a informação de uma maneira transparen-
te, de uma maneira não-codificada. Então existe o aprendizado de encontrar o timing adequa-
do, mas também a linguagem mais adequada, o que significa, às vezes, adiar uma pauta três
meses, por exemplo, ou ajudar a estabelecer uma meta menos audaciosa, para poder adiante
ganhar credibilidade, confiança e voltar ao tema. Também podemos construir essa percep-
ção por meio de algumas decisões que são importantes: até que ponto vai ser possível definir
metas públicas ou internas para aquela empresa; até que ponto vai ser possível usar métricas
ligadas às prioridades da agenda ESG nas remunerações dos executivos, por exemplo. Quando
você percebe que essa conversa avança, é um ótimo sinal. Mas quando você percebe que há
muita resistência, vale se questionar se isso é um sinal de alerta ou se as pessoas simplesmente
precisam de mais tempo para refletir. São exemplos como esses que me dão o curso, me dizem
se estamos perante um engajamento produtivo ou não.
SG: Qual a estratégia para trabalhar a parte mais cética da organização, quem joga contra
ou quem não está engajado? E é preciso engajar todo mundo?
CL: Eu acho que não. Penso que é necessário engajar aqueles que querem ser engajados. Pen-
so que vale a pena gastar energia com quem você percebe claramente que a conversa será
produtiva. Por outro lado, é muito difícil você ser a voz única na sala. Então, acredito que é pre-
ciso perseverar se de fato você acredita que aquela é uma temática séria, fundamental, e argu-
mentar com dados e fatos, trazer evidências que eles compreendam, claras e numa linguagem
simples. Evidências que, de preferência, não sejam apenas as suas, mas de outras geografias,
de outras empresas, com bases em métricas e dados que eles respeitem. Isso ajuda muito. Eu
diria para não ter a preocupação de que todos concordem com você, não ficar muito tempo
sozinho e sempre se basear em dados, fatos e boas análises. Olhe para indústrias correlatas,
olhe para casos que sejam inspiradores, traga a visão de outros executivos do mesmo nível de
outras empresas parecidas.
SG: Com a experiência que você tem agora, se você estivesse novamente frente à escolha
de entrar nas grandes empresas de óleo, gás ou minério para as quais já trabalhou, para
quais pontos você olharia que mais ajudariam sua jornada?
CL: O tema com o qual eu lido com mais proficiência é estratégia de baixo carbono. Tema que
domino e tenho tranquilidade para argumentar com dados e fatos. O que ajuda muito ao en-
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trar em qualquer uma dessa empresas são dados e evidências. Se você olhar hoje a quantidade
de perguntas de investidores sobre impacto de mudanças climáticas no portfólio existente, no
EBIDTA dos próximos cinco, dez anos, na estratégia de crescimento da empresa, é um número
muito maior do que ocorria ano passado, dois anos atrás ou cinco anos atrás. A evidência de
que investidores levam em conta e de que isso é percebido como um elemento de risco nas
indústrias energointensivas ou altamente expostas a emissões de gás de efeito estufa é algo
que ajuda muito.
SG: O interesse dos investidores é uma alavanca para convencer empresas céticas, visto que
existe uma pressão do mercado para dar respostas que tranquilizem esses investidores?
CL: Eu diria que é uma alavanca diferencial, porque ela não tem a mesma medida de outras
alavancas. Uma outra alavanca é a regulação ou políticas públicas. Na medida em que, por
exemplo, as políticas públicas sinalizam para a precificação de carbono, não basta mais usar
o preço do carbono apenas para exercícios internos, é preciso que ele seja, de fato, incluído na
avaliação de todo e qualquer novo investimento. Uma outra alavanca que eu acho importante
nesse setor de óleo, gás e energia tem a ver com o quanto a empresa está investindo em pes-
quisa e desenvolvimento e o quanto ela não está isolada. Ou seja, o quanto ela integra hubs
de inovação, o quanto ela abastece todo seu canal de inovação com startups, mas também
com conhecimento acadêmico de ponta. Se trata de uma maneira de não falar somente so-
bre desafios, mas sim olhar o outro lado da equação, como posso resolver os desafios olhando
para as soluções.
CL: Eu observo, especialmente, nos setores nos quais eu atuo mais, se a pauta de pesquisa e
desenvolvimento na área de energia está voltada para soluções que levam a fontes energéticas
de baixo carbono. Para as indústrias de energia e indústrias de óleo e gás, a mudança climática
é o principal desafio. Então eu avalio o percentual da carteira de P&D que está alocado em baixo
carbono. Se trata, para mim, de um grande diferencial, sobretudo em relação aos esforços de
colaboração com a cadeia de valor e com centros acadêmicos de ponta. A inovação pode vir da
Califórnia ou pode vir daqui de Itajubá, mas observo se está alinhada aos centros que estão vol-
tados a esse tipo de pensamento. Essas são as alavancas para as quais eu olho. As empresas em
que eu atuo não são B2C, então o peso do consumidor não é tão evidente. Mas quando existe
evidência de que toda a cadeia de valor está mudando, é necessário trazer para o presente, tem
que estar no radar.
CL: Tem que acontecer um desgosto muito grande, porque sou muito persistente, não desisto
fácil. Só se eu concluir que tentei de todas as formas, mas não conseguirei mudar a mentalidade
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do CEO, dar visibilidade a um gestor excelente ou não conseguir apoio nos colegas de conselho.
Então é melhor sair. Eu ainda não vivi essa experiência, apesar de ter vivido muitas resistências.
SG: Você já disse não para empresas que lhe procuraram? Pode nos contar a razão?
CL: Já disse não para alguns casos. Tive um, recentemente, em que os valores do grupo não coa-
dunavam com os meus e eu expliquei muito tranquilamente. Eu tive um chefe, o Luiz Carlos
Mendonça de Barros, que sempre me disse: “Clarissa, nunca tenha medo de ir atrás do que é le-
gítimo”. Então, não apoiar uma empresa cujos valores diferem radicalmente dos seus é legítimo.
SG: A Agência Internacional de Energia determinou este ano metas ambiciosas e desafia-
doras a serem alcançadas para a redução do carbono até 2030, ditando o tom da urgência
energética e surpreendendo o mundo positivamente. Existem riscos em se imprimir uma
velocidade de transformação acelerada?
CL: A determinação da AIE é maciça no que ela representa em termos de mudanças. Há dois
riscos envolvidos. O primeiro é o descompasso entre as mudanças na demanda e as mudanças
na oferta, sobretudo quando olhamos para energia fóssil. É claro que o mundo tem que cami-
nhar para uma redução de emissão de energia oriunda da queima de combustível fóssil, mas
qual é a melhor forma de fazer isso? No meu entender, por meio do engajamento com as gran-
des companhias, os grandes produtores, uma vez que eles têm orçamento, competência, exce-
lência de pessoas, tradição em pesquisa e desenvolvimento; sabem lidar com projetos comple-
xos. É inteligente fazê-los adquirir vantagens competitivas para também serem bem-sucedidos
em energias menos emissoras. Não se trata de deixar de contar com eles no mix energético,
mas fazer com que eles aportem suas competências de maneira rentável para novas energias,
considerando o ponto de vista da oferta.
O timing de fazer isso depende muito dos recursos disponíveis, dos sinais financeiros e, obvia-
mente, do quão bem-sucedidos serão aqueles que aportarem sua expertise para essa mudan-
ça. Mas, por outro lado, temos a demanda. O quanto nós todos que consumimos energia da for-
ma como a consumimos hoje estamos dispostos a mudar? Quantos de nós estamos dispostos
a não ter os seus ambientes totalmente climatizados, a pararmos de viajar de avião, a pararmos
de encomendar bens que são trazidos por rotas marítimas longas, a pararmos de ter o nosso
nível atual de bem-estar? Esse é o aspecto que está pouco debatido.
O maior risco de todos é pressionar um ajuste na oferta em um ritmo que não corresponde ao
ajuste da demanda e, aí, na área energética, isso pode ser muito perigoso, seja porque os ativos
podem mudar de mãos e ir para mãos menos comprometidas com os melhores padrões, inclu-
sive padrões climáticos, seja porque podemos incorrer em uma crise energética. Esse cenário
não justifica paralisia, mas justifica tensão, para que oferta e demanda se mexam em compas-
sos compatíveis.
O segundo risco é fazê-lo da forma mais eficiente para a sociedade como um todo. O ritmo no
Brasil e a forma de ajuste no Brasil não são iguais aos da Europa, que não são iguais aos da Ásia,
38
que não são iguais aos da África. Então, como é que, em escala global, levamos em conta essas
diferenças regionais, fazendo com que o custo para a sociedade seja o menor possível?
Porque não posso onerar determinadas parcelas da sociedade para uma transição, que pode
trazer inúmeras oportunidades também, mas de uma maneira justa? Como fazer uma transi-
ção de modo que ninguém fique para trás? De que forma requalificamos quem pode ser re-
qualificado e trazemos o contingente da população que não pode ser esquecido e não pode ser
deixado em pobreza energética, para soluções de baixo carbono? Como garantir essa transição
energética justa é muito complexo, porque tenho realidades regionais diferentes, disponibilida-
des de recursos diferentes.
SG: Quais são as primeiras metas quando você entra em uma empresa que está mais cética
frente ao ESG?
CL: Em primeiro lugar, é preciso conseguir a concordância de todos em relação ao foco. É fun-
damental entender clima. Clima é o nome do jogo. Se você perder o passo em relação a clima,
não vai adiantar. Eu me lembro quando via alguns relatórios de sustentabilidade em empresas
nas quais estive e o tema mudanças climáticas aparecia na página 145, das 180 páginas. Era
quando eu me perguntava o que eles não tinham entendido. Então, a primeira vez que publi-
caram o primeiro caderno de clima em uma grande empresa na qual trabalhei, eu fiquei muito
feliz. Eu disse a mim mesma que eles entenderam que era prioritário, estavam sendo transpa-
rentes, estavam comprando a história, abrindo os dados e ajudando o interlocutor a entender
como eles iriam gerenciar o tema. Então, o foco no quem é mais relevante para aquela empresa;
é a primeira conquista. A segunda é estabelecer uma meta. Para mim importa menos que essa
meta seja pública. O que importa é trabalhar para que ela seja um KPI interno, para que o board
olhe para ela e sobre a qual o management. Essa é uma grande conquista. Aí, depois, o resto
vem em consequência. Se é um KPI relevante, ele vai entrar na remuneração. Em algum mo-
mento ele vai se tornar público; em algum momento ele vai fazer parte do relacionamento com
stakeholders, com o supply chain. O mais relevante é o foco e estabelecer algum tipo de meta
que faça sentido para aquele foco de atuação, dado que o resto vem naturalmente depois. E
se conseguir ainda um certo nível de transparência para o mercado, se torna ideal, pois o com-
promisso tornado público passa a fazer parte da credibilidade e reputação daquela empresa.
SG: Como fazer a empresa entender que essa não é uma entrega de curto prazo, mas uma
entrega maior, uma jornada?
CL: Temos que ser muito cuidadosos em relação a essa ambição no tempo. Minha experiência
executiva me ensinou que perdemos aliados quando tentamos esticar a corda demais. Ou colo-
car uma meta muito ambiciosa ou, ainda, anunciá-la para o mercado quando ainda não há ma-
turidade de todos. É essencial levar em conta o tempo daquela organização. No caso do clima,
tenho um grande aliado que á a TCFD, ou Task Force on Climate-related Financial Disclosures,
que nas suas normas já admite que a companhia tem até cinco anos, por exemplo, para estar
alinhada a todas as diretrizes. Agora a ESPDI pede um prazo de até dois anos para ter uma meta
de clima alinhada com suas diretrizes.
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Os parâmetros globais já estão sinalizando que o tempo é necessário para que a jornada ama-
dureça, e eu uso essas duas referências sempre que possível para dosar essa conversa dentro
das empresas. Eu digo que não precisa correr, que devemos seguir o tempo daquela organiza-
ção, testar internamente, seguir adiante com métricas que fazem sentido. Isso é fundamental.
SG: Empresas, fundos, todo o mercado está falando sobre ESG. Existe um lado escuro da
força do ESG? E se ele existe, qual lado é esse?
CL: Existem entidades para as quais jamais olharíamos anos atrás e veríamos. Meus maiores
receios são excesso de modismo, falta de transparência, falta de rigor com os critérios. ESG
se transformar em um barco no qual todos querem estar independentemente das suas reais
convicções. Então, o risco é perder a mão por falta de critérios claros e seriedade. Estou vendo
governos tentando atuar para minimizar esse risco. A Security Exchange Comission está sendo
envolvida para a publicação de diretrizes para a criação de fundos ESG; a Europa está tentando
desenvolver uma taxonomia verde e eu acho que nós teremos ferramentas de autorregulação,
certificações, critérios robustos para conter esses riscos.
SG: Para o seu setor, mudança climática é o tema. Mas você vê essa agenda chegando
para qualquer setor, impondo prioridade de temas que para a agenda brasileira não são
prioridades? A pressão do investidor pode levar para um lugar que não agrega valor para a
empresa brasileira?
CL: Vejo isso como risco e, por isso, reforço a necessidade de estabelecer o foco correto. Vamos
tomar como exemplo a necessidade de lidar com o desmatamento. Essa é nossa especificidade
absolutamente prioritária para todas as empresas brasileiras, atuando ou não na Região Amazô-
nica. Estamos falando sobre a imagem do Brasil para colocar qualquer produto fora do país. Seja
na cadeia de alimentos ou de manufatura, o tema demonstra o respeito à lei que está faltando
hoje. Não podemos nos abastecer unicamente da pressão internacional e temos que ser capazes
de focar no que vier de mais urgente e prioritário. Por isso a seleção do foco é tão relevante.
SG: Você fala muito em autenticidade junto às empresas porque pode ser delicado encon-
trar esse foco. Em que momento da sua carreira você percebeu que essa autenticidade era
o norteador?
CL: Eu tive muita sorte. Primeiramente em ter uma educação muito calcada em valores huma-
nos e éticos, e depois por ter tido chefes fantásticos que me mostraram que as decisões tinham
que estar alinhadas com os objetivos maiores e com os valores. Eu comecei a trabalhar muito
jovem e tive uma experiência muito rica de governo, no Ministério da Fazenda; no BNDES, quan-
do começaram as privatizações; na Petrobrás, quando ela passou pela quebra do monopólio e
abertura de capital. Foram experiências muito marcantes com chefes muito fortes e sempre
com a noção do que era o correto a se fazer para o nosso país – então o espírito público foi mui-
to forte. Mesmo trabalhando no setor público, havia a noção da importância de não renunciar
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aos seus valores, da retidão e da correção. Isso sempre guiou muito as minhas atitudes, e essa
exposição a esse ambiente, sendo muito jovem, alavancou meu aprendizado. Também sempre
tive referências de pai e mãe. Meus pais foram exilados políticos, sempre muito conectados com
os valores da democracia, ligados a trazer a democracia de volta para o Brasil de um modo que
não era pela luta armada, mas um movimento de resistência à ditadura. A gente sempre con-
versou muito sobre política, sobre valores e sobre a importância de se guiar por eles, inclusive na
vida profissional. Para mim, sempre foi uma questão de escolha e, por isso, atribuo tanto valor
à liderança. Quando eu olho para o presidente de uma empresa, do conselho, e não me inspira
confiança, eu escolho não embarcar naquele projeto. E o oposto já é diferente. Quando eu olho
para a liderança e vejo que, embora coberto de problemas, o CEO tem a disposição para ser
honesto e sincero e buscar o caminho diferente, aí eu embarco mais facilmente. Sempre houve
uma convicção de que eu tinha que fazer aquilo que eu acreditava ser certo.
SG: Que recomendações você daria para quem está hoje chegando a empresas que não são
tão abertas?
CL: A primeira dica é tentar não ficar sozinho o tempo todo. Tentar identificar um gestor, um
executivo, um diretor que possa ser seu aliado, porque é muito desgastante ficar sozinho na
jornada. A segunda é manter o rigor da análise dos fatos. Sempre baseie sua argumentação
de maneira sólida e rastreável, porque o mundo corporativo é impiedoso com achismos e você
tem que se diferenciar pela qualidade da sua análise. Uma terceira recomendação é, sempre
que possível, trazer alguém de fora para ilustrar o argumento. Pode ser um professor, um exe-
cutivo de outra empresa, um formulador de políticas públicas, diretor de uma agência regu-
ladora, um CEO que passou pela experiência, alguém que te ajude a trazer abertura e visão
diferente. E, finalmente, não desista, persevere.
CLARISSA LINS
41
Como está a evolução do
modelo de sustentabilidade das
empresas?
ENTREVISTA DE MALU PINTO E PAIVA, VICE-PRESIDENTE EXECUTIVA DE
SUSTENTABILIDADE DA VALE, COM STEPHANIA GUIMARÃES
Se há uma coisa que Malu Pinto e Paiva conhece como ninguém é a noção de que a sustenta-
bilidade não só gera como também protege valor para as empresas. Malu, referência em ESG
no país, não se intimida frente a grandes desafios, e seu lema “a gente tem que estar onde o
problema está” inspira audiências a enfrentarem com coragem os desafios estruturais da so-
ciedade civil e das companhias brasileiras.
Para ela, as universidades brasileiras ainda precisam investir mais na inserção da sustentabilida-
de em seus currículos, para que os profissionais cheguem preparados ao mercado de trabalho
atual. “As mudanças estão acontecendo muito rápido”, diz.
STEPHANIA GUIMARÃES: O que as empresas precisam fazer para se engajar na agenda ESG?
MALU PINTO E PAIVA: É preciso compreender que ESG não é modismo, apesar de algumas
empresas ainda acharem isso. É preciso compreender que a sustentabilidade gera e protege
valor. Estamos falando de fazer mais do que bons projetos sociais no entorno de nossas opera-
ções ou de nos comprometermos com a preservação de áreas e ter uma gestão ambiental res-
ponsável. Tudo isso é muito importante. Mas, para dizer que a sustentabilidade está realmente
incorporada à estratégia da sua organização, o olhar a ser adotado é o de repassar a limpo a
sua empresa, revisitando todas as suas políticas, processos, produtos e relacionamentos. É olhar
para cada um desses itens e se perguntar “qual é o risco que existe aqui nessa política em ter-
mos sociais e ambientais?”; “quais as oportunidades de desenvolvimento que posso gerar para
as comunidades ao incluir um olhar social nessa política?”; “será que vamos nos tornar uma em-
presa melhor para a atração de talentos?”; “será que vou conseguir contribuir mais para causas
ambientais da sociedade ao mesmo tempo em que gero um valor maior para meus produtos
e meus clientes?”. O olhar a ser adotado é sempre o do risco, da oportunidade e da geração de
valor para todos os stakeholders. Esse é um dos maiores desafios que encontramos nas em-
presas hoje, porque as pessoas ainda pensam por projeto, por iniciativa. Falta visão sistêmica e
ela é chave! É importante ressaltar que, quando adotamos a sustentabilidade, em um primeiro
momento, a gestão fica mais complexa, pois novas variáveis foram incluídas nas nossas análises
e decisões e, poucas vezes, estamos preparados para discutir esses pontos.
42
Portanto, uma das principais competências que uma empresa deve desenvolver ao decidir por
traçar sua jornada de sustentabilidade é o pensamento sistêmico. É a partir da atuação sistêmi-
ca em toda a organização que será possível elevar o patamar de consciência dos colaboradores
e da liderança sobre o novo jeito de ser e de fazer da organização.
MP: Uma das coisas que eu aprendi é que a gente supõe que muita gente dentro da empresa
está resistindo a incorporar esse olhar socioambiental nas suas decisões. Mas o que eu descobri
é que, muitas vezes, as pessoas simplesmente não sabem como fazer isso e não se sentem à
vontade em admitir sua falta de conhecimento, pois, em 2021, a sustentabilidade está na pauta
– é assunto em muitos lugares. Nessa situação, a pessoa acaba por criar dificuldades – “eu não
posso, não tenho tempo, não tenho recurso” –, ao invés de assumir que precisa de ajuda para
tentar implementar a sustentabilidade em sua área. O processo de integração da sustentabili-
dade ao negócio é muito parecido com o processo de mudança cultural. Assim, o profissional
de Sustentabilidade deve estar sempre preparado e conhecer bem a estratégia, a missão e os
objetivos da empresa e de determinada área, para que possa ajudar os times a entenderem o
que a sustentabilidade traz de oportunidades ou de riscos e como é possível gerar e proteger
valor a partir disso. Por exemplo: no contato com a área de Desenvolvimento de Produtos, é
possível mostrar como a inclusão de aspectos sociais e/ou ambientais em seus produtos pode
trazer ganhos de competitividade para a empresa ao mesmo tempo em que gera valor para a
sociedade. Com a área Comercial, você vai falar como a sustentabilidade pode agregar no rela-
cionamento com o cliente. Com isso, você dá a essa pessoa a chance de aprender, sem apontar
aquilo que ela ainda não sabe. Acredito que, interagindo dessa forma, as coisas começam a
brotar mais facilmente.
MP: Eu vivi situações muito distintas ao longo da minha carreira. Tive lideranças com propósito
firme e com abertura e confiança que me permitiram cometer erros até chegar aos acertos.
Quando eu trabalhava na Holanda, recebi a proposta da mesma empresa para voltar ao Brasil
e implantar a área de sustentabilidade. A partir disso, teria dois desafios a serem cumpridos. O
primeiro era que eu não poderia obrigar as pessoas a adotarem o socioambiental – eu teria que
conquistá-las. O segundo desafio seria transformar a sustentabilidade em parte da cultura da
empresa, de modo que a execução das ações viesse do outro, não de mim. E tem mais. No dia
em que isso acontecesse, eu perderia meu emprego, afinal, me tornaria desnecessária – como
digo, biodegradável. Para mim, foi um convite irrecusável! Aceitei e ainda consegui criar um
time que também aceitou o mesmo desafio: sermos biodegradáveis. No início, fui aprender so-
bre o conceito de desenvolvimento sustentável para que, assim, eu pudesse começar o trabalho
de engajamento das pessoas. Engajamento é a chave, é o que faz a mudança. Seguimos en-
gajando os grandes grupos e a liderança. E, como disse anteriormente, sempre procurei apre-
sentar qual o benefício que a integração da sustentabilidade no dia a dia poderia trazer para as
pessoas. Tínhamos que levar a sustentabilidade para as pessoas e não esperar que elas viessem
até o nosso time.
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Hoje, o mundo está muito diferente. A cobrança é maior e vem de diferentes stakeholders,
como o mercado financeiro, o concorrente e a sociedade. Eles ajudam nessa mudança. Há pres-
são de fora para dentro. Hoje, há também profissionais alinhados com a visão de sustentabilida-
de, portanto, eles também conseguem gerar a mudança de dentro para fora. Para mim, o que
é importante é que todos estejam remando na direção certa.
MP: Na primeira vez que eu fiz um workshop sobre sustentabilidade, usei aquela foto do urso
polar no pedacinho de gelo boiando no mar para mostrar que o degelo estava acontecendo
no planeta e isso era consequência das mudanças climáticas. O que eu percebi foi que esse
exemplo não estava chamando a atenção das pessoas, porque estava muito distante delas.
Então, entendi que precisava trazer os exemplos para a realidade daqui do Brasil. Junto com mi-
nha equipe, fomos criando mecanismos e, consequentemente, uma metodologia, para mostrar
que aquilo que o colaborador escolheu ser na vida, seja um auditor, uma pessoa de RH ou da
área comercial, era compatível e tinha a ver com a sustentabilidade. Tentávamos mostrar que
era possível conciliar a sustentabilidade com as escolhas pessoais, inclusive com o seu papel
profissional. Acreditávamos estar trabalhando a favor da ampliação da consciência de nossas
equipes, pois, a partir do momento que elas entendiam que todas nossas escolhas e decisões
implicam em algum impacto social e/ou ambiental, elas conseguiriam aplicar isso tanto na
vida pessoal quanto no papel que desempenhavam na organização. Não existe receita pronta.
Alguns eixos para essa jornada são importantes, como a educação para o tema, o engajamento,
comunicação e a inserção na estratégia no negócio. O mais importante é que no final haja uma
entrega responsável, uma entrega que gere valor.
MP: Primeiramente, devemos olhar para aquelas pesquisas que a empresa já realiza para ver o
quanto a sustentabilidade pode ser incorporada nesses instrumentos existentes. Hoje em dia,
muitas organizações já tomaram essa decisão, por exemplo, em relação às pesquisas de clima.
Há exemplos de pesquisas de clima que trazem perguntas sobre a percepção do funcionário a
respeito da responsabilidade socioambiental da empresa, o quanto ela agrega em valor social,
se e como ela cria condições para que o ambiente de trabalho seja diverso e inclusivo. Os meios
de comunicação interna da empresa também são muito importantes, porque dão a possibili-
dade de trabalhar essa agenda não só junto aos colaboradores, mas também junto ao meio no
qual eles estão inseridos, como a família, de modo que o assunto se traduza na vida dele.
Eu também tenho realizado pesquisas qualitativas e quantitativas junto aos stakeholders críti-
cos, que são realizadas por consultorias independentes. Elas ajudam a entender como somos
avaliados, quais são as oportunidades e riscos e, como consequência, nos ajudam a definir um
plano de ação que consiga aumentar a capacidade de geração de valor da empresa e, depois,
reverter algumas percepções e fortalecer outras, além de aumentar a capacidade de geração
de valor da empresa.
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Além da matriz de materialidade, também é interessante fazer um exercício usando os frame-
works/índices de sustentabilidade para uma autoavaliação e um diagnóstico do estágio atual
da empresa dentro da jornada de sustentabilidade.
SG: Qual a melhor maneira de incluir os stakeholders críticos na tomada de decisão das
empresas?
MP: Tem uma palavra muito importante em todo esse processo: diálogo. As empresas estão
percebendo que o fato de não dialogar com um grupo que seja hostil a elas não significa que
esse grupo irá desaparecer. Ele vai continuar lá. Então, é melhor começar a dialogar. Acredi-
to que ainda são poucas as companhias que levam esses stakeholders mais críticos ou hostis
para dentro do processo de decisão, mas elas estão ouvindo muito mais. Realizar consultas e
construção conjunta já acontece com uma frequência maior. O outro passo é, além de ouvir,
convidar alguns desses stakeholders críticos a fazerem parte das instâncias de governança nas
quais os temas de sustentabilidade são debatidos e os rumos definidos. Para se criar um am-
biente rico em debate e que ofereça uma ampla análise crítica da atuação da empresa, não
basta trazer para perto apenas os stakeholders que já tenham uma boa relação com a empresa.
É preciso ter também a presença daqueles que são mais questionadores.
SG: Qual a melhor maneira de avançar em uma trajetória de sustentabilidade em uma em-
presa? Criar um comitê de sustentabilidade, contratar um gerente, trazer conselheiros pre-
parados no assunto?
MP: O conselho e o comitê caminham juntos, porque têm papéis diferentes. O que eu espero
em um conselho de administração é ter conselheiros que dominem suficientemente o tema
da sustentabilidade, para que consigam provocar todas as áreas do negócio a incluírem o tema
socioambiental em suas agendas e não cobrar a responsabilidade pela prática da sustentabili-
dade apenas da área de Sustentabilidade. A provocação deve acontecer com todos, pois todos
são responsáveis por construir a atuação sustentável da empresa.
45
SG: Associar metas ESG à remuneração dos executivos ou não?
MP: Faz muito sentido ter metas relacionadas à sustentabilidade. Elas são tão importantes
quanto as metas relacionadas aos resultados financeiros e de pessoas. O que penso é que o
processo tem que ser verdadeiro, e as metas precisam estar em todos os níveis da empresa,
começando pelo comitê executivo, passando pela diretoria e toda a liderança.
Além de pensar nisso, é importante que as empresas reflitam se elas estão realmente dispostas
a trazerem para si, para o debate, para a sua marca, o comprometimento com a sustentabilida-
de. Só entre nesse negócio (de sustentabilidade) se você tiver a real abertura e determinação
para trabalhar com o tema. Até alguns anos atrás, a sociedade tolerava, mas hoje as mídias
sociais desnudam rapidamente um movimento que não seja coerente. Não entre nessa se você
pensa que vai alavancar sua reputação melhorando uma coisa pontual ou outra. O ambiente
está cada vez mais crítico, mais técnico, e os critérios foram ficando mais exigentes. Há vinte
anos não era assim. Mas há algo que não mudou: ainda se trata de um processo de mudança
de cultura.
MP: Eu estava morando na Holanda, um país estável, com problemas, é claro, mas sem o abismo
social que existe no Brasil, quando recebi a proposta e o desafio de retornar e montar, do zero, a
área de Sustentabilidade do banco em que eu trabalhava. Esse convite me tirou totalmente da
zona de conforto, ao mesmo tempo em que tive a oportunidade de trabalhar algo que sempre
gostei e que chama a minha atenção: mudança cultural. Foi também uma possibilidade única
de, por meio do meu trabalho, fazer parte de uma transformação na sociedade onde eu nasci.
Foi isso que me fez aceitar o convite e voltar. Hoje, sinto que a experiência que adquiri nas duas
últimas décadas com sustentabilidade me faz querer estar onde estão os maiores desafios.
SG: Como levar a jornada adiante em uma empresa com modelo de negócios de impacto
potencialmente negativo como uma petroleira, empresa do sistema financeiro, tabaco?
MP: Acredito que a prática da sustentabilidade é válida e será demandada para todas as empre-
sas, independentemente da natureza da sua atividade econômica. Existem negócios com impac-
to potencialmente negativo e que são necessários para a sociedade. Então, para que eles sigam
operando a partir desse novo patamar de envolvimento da sociedade, acredito que vamos ver
um aumento exponencial da cobrança, dos critérios e das exigências em relação à performance
ambiental e social desses negócios e a forma como eles operam no geral. Há também setores em
que a exigência é não só por uma produção responsável como também por um trabalho forte
junto ao seu público-alvo, para que haja um consumo consciente de seus produtos.
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colaborativa, os passos que vão levar à evolução da jornada da sustentabilidade da empresa. O
importante é estar na direção certa.
MP: Um dos desafios de trabalhar o tema de sustentabilidade nas empresas é que, na verdade,
você se depara com práticas que foram definidas e implementadas com a visão de 10, 20, 30
anos atrás, em um tempo em que a sociedade aceitava situações que hoje não são mais aceitas.
Ao trabalhar a sustentabilidade na organização, você vai encontrar pessoas que participaram
dessas construções no passado. Então, temos que ter cuidado em mostrar que esse movimento
é uma evolução de consciência da empresa, das pessoas e da sociedade em geral. Nós, profis-
sionais de Sustentabilidade, não estamos aqui para desconsiderar tudo e todos que participa-
ram da construção da empresa até este momento, mas sim para contribuir para a construção
de algo que reflita dentro da organização a evolução vivida pela sociedade quando olhamos
para os aspectos sociais e ambientais e sua correlação com o negócio.
MP: Será exponencial. Acredito que as mudanças climáticas, a pandemia e seus efeitos, como
o aumento da pobreza e tantos outros fatores, estão nos mostrando que o mundo é interco-
nectado. Esses acontecimentos reforçam a necessidade de um movimento sistêmico em nossa
sociedade que ocorra de forma coordenada e intensa para lidar com os desafios que estamos
vivendo e que exigem medidas firmes e imediatas para conter os impactos negativos.
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ESG: valor coletivo para
negócios, pessoas e planeta
JANETE VAZ
É um movimento legítimo, mas é preciso observar que ter uma agenda ESG é algo mais profun-
do. É preciso estar na essência do negócio. Estamos falando sobre defender as práticas que, ao
mesmo tempo, impulsionem tanto a rentabilidade quanto o crescimento de forma sustentável,
e isso é muito mais do que um conceito. Exige estratégia, visão e medidas práticas de incentivos
para manter iniciativas e projetos a curto, médio e longo prazos. Se isso não está enraizado na
empresa, pode gerar apenas projetos pontuais que não terão a força para fazer as mudanças
necessárias e trazer os impactos positivos esperados.
A filosofia empresarial do Sabin, desde os primeiros anos, foi alicerçada por princípios que têm
uma forte conexão com os conceitos de sustentabilidade, como a atuação social “para dentro
e para fora”, que ganhou um novo patamar com os pilares da SA 8000 – norma internacional
de avaliação da responsabilidade social para empresas, organizada em convenções da Orga-
nização Internacional do Trabalho e em outras convenções das Nações Unidas. Nossa cultura
organizacional já tinha as pessoas no centro da estratégia empresarial com diversas ações e
práticas implantadas. A partir da integração desses requisitos na gestão, essa certificação se
tornou um grande marco para a estruturação de nosso modelo de gestão de pessoas e nossa
atuação social nas comunidades, com a abertura do Instituto Sabin.
Crescer com a cadeia produtiva e todos aqueles que participam desta rede de atuação empre-
sarial também é um pilar importante dos princípios empresariais e que foi fundamental para a
implantação de um ousado processo de expansão nacional que permitiu que o Sabin figurasse
entre os cinco maiores grupos de medicina diagnóstica do país. Somos signatários do Pacto
Global há mais de 15 anos e dos Princípios de Empoderamento Feminino da ONU Mulheres.
Nosso modelo de governança completou 8 anos e atua sobre os pilares de uma cultura forte,
valores e propósitos que conduzem todas as práticas da empresa. Temos uma estrutura alicer-
çada pela transparência, a equidade, a prestação de contas e a responsabilidade corporativa,
48
que fomenta as ações em favor de um crescimento sustentável com atenção voltada às ne-
cessidades de todos os nossos stakeholders: acionistas, colaboradores, clientes, comunidade
médica, empresas, operadoras de saúde, associações empresariais e setoriais, comunidade, or-
ganizações sociais, imprensa e governo.
Essa percepção de como ser positivo diante do aspecto social também nos motivou a fundar
o Instituto Sabin, nosso braço social, que há 16 anos promove atividades desempenhadas em
favor do bem comum. Hoje, impactamos mais de 1 milhão e 100 mil pessoas, com ações para a
melhoria significativa da qualidade de vida nas comunidades em que atuamos e na assistência
e desenvolvimento de organizações sociais. Nosso investimento social privado já atingiu 49 mi-
lhões de reais nesse período. Além de atuar como braço social do Grupo, o Instituto tem como
pilar estratégico o fortalecimento do ecossistema de impacto e organizações; a testagem de
novos instrumentos financeiros pró-impacto e a ampliação da compreensão e as narrativas de
impacto.
A busca por práticas mais sustentáveis é outro aspecto que merece ser observado de perto pe-
las lideranças. Afinal de contas, ESG também envolve uma governança ambiental para respos-
tas efetivas na promoção de políticas que determinem como interagir com o meio ambiente,
garantindo a preservação de recursos naturais. Esse ‘pensar verde’ é um incentivo a uma pauta
de atividades sustentáveis que podem começar com atitudes simples, do dia a dia, que fazem
a diferença. Desde aquisição de embalagens recicláveis, ou que utilizem menos plástico, pas-
sando pelo uso de materiais reciclados dentro de escritórios e pela digitalização de tudo o que
for possível para enxugar desperdícios; investir em energia limpa e renovável, para reduzir a
emissão de poluentes e ainda o descarte correto de resíduos.
Trazendo o discurso para a prática, posso destacar a realidade dentro do Sabin, onde o há com-
promisso de oferecer serviços de saúde com excelência e considera os aspectos ambiental, so-
cial e econômico-financeiro. Adotamos políticas para uso racional de recursos, evitar desperdí-
49
cios e garantir uma gestão consciente dos recursos naturais e dos resíduos gerados. Há 12 anos,
contamos com a certificação ISO 14001, que garante o cumprimento de requisitos de qualidade
relacionados à gestão dos aspectos de impacto ambiental em todas as regiões em que atua.
Desde 2015, recebemos a declaração de cumprimento da norma ISO 31000 de gestão de riscos
e, a partir de 2018, nosso edifício-sede, em Brasília, recebe o selo Gold Leadership in Energy and
Environmental Design (LEED), certificado internacional para edificações sustentáveis. Em 2020,
a empresa conquistou o Certificado de Energia Renovável, com a entrada no mercado livre de
energia originada de fontes renováveis, e ampliou em 31% o reuso de água consumida.
Nossa filosofia empresarial de “agir hoje pensando no amanhã” faz da responsabilidade so-
cioambiental uma prioridade para o Sabin e se reflete na implementação de nossas iniciativas
ambientais. No ano passado, por exemplo, conseguimos aumentar a quantidade de resíduos
enviados para reciclagem e, em contrapartida, reduzimos em 11% o consumo de papel. Com a
aquisição de energia no mercado livre, geramos uma economia de 4%. Terceirizamos o parque
de estações de trabalho e, hoje, para cada máquina locada, há uma árvore plantada. Para que
as futuras gerações também usufruam do melhor que há no meio ambiente, o Sabin investe
em campanhas para conscientização de seus stakeholders e rede de relacionamento quanto
ao consumo responsável.
Já são 37 anos de história e nossos resultados nos motivam a seguir desenvolvendo planos e
projetos focados em nossos objetivos estratégicos, para avançarmos ainda mais em nossa políti-
ca de investimento socioambiental. Para isso, contamos com os nossos talentos e não medimos
esforços para assegurar capacitação e atualização de nossos colaboradores, com treinamentos
temáticos ambientais, por meio da plataforma UniSabin – Universidade Corporativa. Estamos
engajados na Agenda Universal da ONU, por meio dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sus-
tentável. Queremos evoluir cada vez mais neste tema e seguir avançando rumo à construção de
um futuro melhor para as futuras gerações.
E como evoluir sem inovar? Hoje, uma verdade quase absoluta é que inovação pode ser a alavanca
para recuperação de receitas, e não estamos falando somente em investir grandes mudanças
hightechs. Estamos propondo virar a chave e pensar fora da caixa. Apostar em novas tecnologias
para ter subsídios suficientes para transformar negócios com operações mais sustentáveis em
todos os aspectos, e isso vai ao encontro da agenda ESG. Afinal de contas, que investidor não
leva em conta os critérios de inovação em tecnologia para o desenvolvimento sustentável? E
quando o cenário é saúde, tecnologia e inovação andam de mãos dadas. Aqui, destaco o case
Sabin novamente. É uma empresa que tem inovação no seu DNA. Consolidada como um dos
maiores players nacionais do segmento, investimos continuamente no desenvolvimento do
ecossistema de inovação em saúde. Nos reinventamos ano após ano, atuando com uma visão
de negócios voltada para o futuro. Investimos em startups nacionais e estrangeiras, lançamos
o primeiro hub de inovação dentro de uma empresa de Medicina Diagnóstica no Brasil, o
Skyhub, para contribuir com startups de todo o país e fortalecer continuamente a inovação.
Com o objetivo de contribuir para a democratização do acesso à saúde de qualidade no Brasil,
lançamos um novo modelo de negócio – o Rita Saúde, que é o Centro de Saúde Digital do Grupo
Sabin. A plataforma foi cuidadosamente desenvolvida dentro dos conceitos de saúde 5.0, com
as pessoas no centro do cuidado. Por meio do aplicativo, é possível coordenar, de forma 100%
digital, a estratégia assistencial em que o acompanhamento do paciente acontece por
meio de plataforma de telemedicina, integrada a um marketplace de saúde, permitindo
a interação da equipe médica e ampliando a jornada de cuidados com a saúde. Estamos
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falando de um modelo de negócio inovador ao oferecer uma nova forma de custeio, com
ações de crowdfunding, onde o financiamento pode ser feito de maneira colaborativa pelos
stakeholders, pacientes e copatrocinadas por empresa ou iniciativas da sociedade civil. Assim,
além de ampliar o acesso à saúde, contribuímos também com a sustentabilidade do setor, por
meio do impacto de seus resultados.
O destaque para a agenda ESG chega como um farol para as necessidades de novos consumi-
dores, novos investidores e de um novo mercado. Esse novo contexto é muito oportuno para a
ampliação da visão dos líderes quanto aos impactos das suas decisões e das atividades de suas
companhias tanto no aspecto ambiental, quanto no social – uma mudança no mindset impul-
sionada por fatores como mudanças climáticas, desigualdade social e os reflexos da pandemia.
Embora o momento ainda seja de incertezas, sabemos que cruzar os braços não é a solução e
que, mesmo diante de um cenário delicado, precisamos ter a capacidade de nos reinventar: in-
vestir em novos modelos de negócios, engajar nossos talentos, inspirar positivamente o contex-
to empresarial e buscar soluções práticas para uma construção de valor coletivo para negócios,
pessoas e planeta.
JANETE VAZ
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Como desenvolver uma
agenda ESG que gere impacto
para a empresa e para o país?
ENTREVISTA COM AS ESPECIALISTAS SONIA CONSIGLIO FAVARETTO E GLAUCIA
TERREO
Nesta entrevista com as especialistas Sonia Consiglio Favaretto e Glaucia Terreo, exploramos
os desafios experimentados pelas empresas na implantação da agenda ESG. Sonia Consiglio
Favaretto, Conselheira de Administração e Presidente do Conselho Consultivo da GRI no Brasil,
é uma das maiores especialistas no tema, com uma carreira que começou há algumas décadas,
no BankBoston, passando pelo Itaú e BM&FBovespa (hoje B3). Construiu, ao longo dos anos,
uma visão proativa da sustentabilidade. Glaucia Terreo é diretora da Global Reporting Initiative
(GRI) no Brasil, desde 2007, com 19 anos de experiência na área de ferramentas de gestão para
a sustentabilidade (pesquisa, desenvolvimento e aplicação), sendo 5 anos no Instituto Ethos e
de 14 anos na GRI. A Global Reporting Initiative (GRI) é uma fundação internacional que reúne
representantes de governos, empresas, ONGs e especialistas de todo o mundo para desenvol-
ver, conjuntamente, as Normas GRI para relato de sustentabilidade – ferramenta mais utilizada
pelas organizações no mundo inteiro para a medição, acompanhamento e comunicação do
desempenho social, ambiental e econômico.
Carlos Arruda: Eu queria começar com o relato de vocês sobre a evolução do tema, come-
çando com responsabilidade corporativa, passando por sustentabilidade, agora o ESG. O
que mudou ao longo desses anos?
Sonia Consiglio Favaretto: A principal palavra é jornada. Com relação à responsabilidade social
corporativa, destaco a criação do Instituto Ethos, em 1998, que foi um marco, e o Balanço Social
do Ibase, talvez o primeiro instrumento de reporte, que tinha foco no papel social das empresas.
Mas também já falávamos, nesse contexo, de um novo modelo econômico, no qual buscava-se
uma transformação com base no entendimento de que o econômico-financeiro é importante,
mas não é tudo. Ao longo do tempo, reforçamos o debate sobre os impactos das organizações
no seu entorno, na postura ética e na compreensão de que estamos dentro de um sistema que
requer um olhar para todos os atores e seus papeis: fornecedor, funcionário, cliente, consumi-
dor, sociedade, etc. E essa transformação foi se dando paralelamente à evolução conceitual
das experiências práticas, dos conteúdos e dos próprios profissionais. Há, portanto, uma curva
de aprendizagem e uma série de eventos que nos trazem até o modelo atual, no qual vemos
o tema chegando ao mainstreaming por meio de novas parcerias, por iniciativas como os ín-
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dices de sustentabilidade, pelo interesse dos investidores, na atuação da sociedade civil e dos
reguladores, tudo isso dando tração e acelerando a agenda. Caminhamos para um novo mo-
delo de mundo marcado por um novo capitalismo – que pode ser chamado de capitalismo re-
generativo, de stakeholders, consciente, responsável, não importa muito o nome... ou seja, um
capitalismo orientado para a prosperidade de todos e não para o crescimento a qualquer custo.
Carlos Arruda: Glaucia, talvez eu pudesse provocá-la um pouco no sentido dos resultados.
Que resultados efetivos, ao longo dessa jornada que a Sonia trouxe, nós temos obtido em
termos do papel das empresas, nessas questões ambientais e sociais, principalmente?
Glaucia Terreo: Como a Sonia mencionou, é uma jornada. Temos resultados satisfatórios?
Avançamos na jornada, sim, mas não na medida necessária. Temos muito aprendizado acumu-
lado, conhecimento de ONGs, academia, empresas, reguladores e dos investidores que estão
acelerando ainda mais essa agenda. Especificamente sobre as Normas GRI, queria resgatar as
origens. A GRI nasceu formalmente em 1997, mas o debate sobre complementar as divulgações
das empresas com dados socioambientais surgiu em 1989, com o acidente da Exxon Valdez.
Investidores institucionais perceberam que precisavam de mais informações para o processo
de alocação de recursos. Essa discussão passou pela Rio 92 e também deu origem ao Balanço
do Ibase e aos Indicadores Ethos, os primeiros instrumentos para as empresas com operações
no Brasil inserirem a sustentabilidade no negócio. Entretanto, nessa época, essas ferramentas
ainda eram vistas apartadas da gestão. A grande evolução que vejo agora é o entendimento de
que estamos falando de gestão empresarial robusta, de visão holística de riscos, de criação e
destruição de valor. Além disso, também testemunhamos o surgimento de instrumentos com-
plementares que visam a gestão integrada de sustentabilidade, que cria e protege valor para a
empresa e para a sociedade. Então, embora não tenhamos os resultados ASG almejados ainda,
temos algo valioso, que é o aprendizado e o engajamento de novos agentes que dão velocidade
para a agenda.
Carlos Arruda: Na visão de vocês, em que estágio nós estamos em relação a outros países
do mundo, em termos do papel das empresas nessa agenda?
Sonia Consiglio Favaretto: Eu sou uma defensora do setor privado brasileiro, que é de ponta
e engajado. As empresas brasileiras são muito abertas a entender as novas propostas. Sempre
que surge uma iniciativa internacional de sustentabilidade, elas se mobilizam para fazer parte
ou mesmo liderar, como ocorreu com a TCFD (Task Force on Climate Related Financial Disclo-
sures), que nasceu com uma vice-presidente brasileira, a Denise Pavarina. O mesmo interesse
se deu no lançamento das novas normas da GRI, com muitas companhias tentando rapida-
mente compreendê-las e adotá-las. Quando a gente pensa em investidor, em consumidor, em
regulação, Europa é um farol para nós. Mas, do ponto de vista das empresas, não deixamos nada
a dever aos demais países, muito ao contrário.
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tidores. Administradores, CEOs e CFOs têm se empenhado em se familiarizar com tema. Um
avanço, já que eles são os guardiões ideais para o tema da sustentabilidade/ESG.
Glaucia Terreo: A organização que quer iniciar essa jornada deve, primordialmente, começar a
se perguntar sobre onde se posiciona o ESG na empresa e se há conhecimento e estrutura na
organização para o tema. Também estudar a possibilidade de criar um comitê de sustentabi-
lidade, formado por membros do conselho de administração, para que haja uma boa conexão
entre o estratégico e tático para o tema. E, por fim, refletir sobre o objetivo da empresa em in-
serir sustentabilidade/ESG no negócio, onde se quer chegar, o que se quer ganhar, quanto se
quer evoluir, etc. Esses objetivos devem ser negociais. Se possível, trabalhar com números para
que estes sejam monitorados e medidos, possibilitando que mostremos o impacto do ESG na
criação e proteção de valor da organização. Outro passo fundamental é a definição da mate-
rialidade dos temas, os impactos positivos e negativos da organização. Não saber o foco é uma
perda de tempo, recursos, horas e receita para um processo vazio.
Sonia Consiglio Favaretto: Na minha opinião, os dois principais desafios no início dessa jor-
nada são conhecimento e liderança. A empresa precisa entender profundamente o que é sus-
tentabilidade/ESG, e isso vem por meio de conhecimento, treinamento, letramento, exposição
conceitual ao tema, etc. Depois, temos que engajar a alta liderança. O tom vem do topo, como
dizemos. Sem o apoio dos líderes, demoraremos o dobro do tempo e gastaremos o triplo de
energia.
Stephania Guimarães: É possível, hoje, as empresas não entrarem nessa seara? É possível
não se envolver?
Glaucia Terreo: Não tem como não entrar. E, se entrar, tem que saber para quê, porquê, ter
clareza do que se que quer ganhar. Eu ouço muita gente falando: “eu fiz isso, não aconteceu
nada...”. Mas, antes, é preciso saber o que se quer ganhar e qual benefício se quer obter. Muitas
vezes, a empresa não sabe. Essas motivações devem ser definidas antes de tudo porque elas
podem dar um direcionamento ao processo. Exemplos de motivações: acesso a novos merca-
dos, atração de investidores, crédito mais barato, melhorar clima interno, atrair e reter talentos,
gestão holística de riscos, etc. E o ônus de não entrar nessa discussão é quase fatal. A empresa
corre o risco de deixar de existir.
Sonia Consiglio Favaretto: Há um novo modelo de mundo se delineando. Ou você entra nele
ou estará fora do mercado em muito pouco tempo. Simples assim. Ou você migra para esse
modelo ou assume o risco de desaparecer no curto ou médio prazo.
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Carlos Arruda: Sonia, você trouxe algo importante, que é a necessidade de preparar a lide-
rança para essa temática. O que você tem recomendado? Como os líderes devem se prepa-
rar? Onde buscar esse conhecimento?
Sonia Consiglio Favaretto: Há uma demanda de mercado absurda por essa capacitação. Como
capacitar um CEO? Primeiro, por meio de fatos e dados. A alta liderança é movida por pragma-
tismo, por concretude, e tem que ser assim mesmo. Na cadeira em que estão sentados, eles
tomam grandes decisões. Não adianta, por exemplo, simplesmente dizer: “O relatório do IPCC
afirma agora, de forma inequívoca, que a mudança climática é causada pelo homem”. A respos-
ta vai ser: “Obrigado, já estou ouvindo isso há anos”. Para os profissionais de sustentabilidade,
faz toda a diferença o relatório do IPCC ter a palavra “inequívoca”. Já para um CEO é preciso
concretizar, colocar em perspectiva, correlacionar com o contexto. É verdade que o vento está
a favor agora, com a grande visibilidade da agenda ESG. Isso ajuda, mas precisamos sempre
nos municiar de informações qualificadas e, muito importante, usar a linguagem adequada de
acordo com o interlocutor. O diálogo com a liderança requer preparação, visão e habilidade de
leitura de cenários.
Carlos Arruda: ESG ainda é um tema de grandes empresas. Que recomendações vocês fa-
zem para as pequenas e médias empresas?
Glaucia Terreo: As grandes precisam ser as primeiras, tanto capital aberto como fechado. Gran-
des empresas, grandes impactos. Grande poder econômico, grandes responsabilidades. A Lei
das SAs, da década de 70, obriga que empresas de capital aberto relatem, auditem e publiquem
o relato financeiro. As demais, entre grandes e pequenas, não precisam dar transparência nem
mesmo das informações financeiras, conforme essa legislação. Esse é um obstáculo que preci-
samos trabalhar para seguir evoluindo no tema.
As pequenas empresas são importantes para o ecossistema ESG, elas têm um valor enorme que
precisamos reconhecer. Seu papel social é muito importante, porque é onde está a maior parte
dos empregos. Inclusive, são essenciais para a existência das grandes empresas. Quem movi-
menta a economia são as pequenas. Além delas próprias não reconhecerem seu valor e poten-
cial, elas se fixam no mito de que ESG é só para as grandes. Mesmo os negócios de impacto, as
startups com posturas mais modernas e avançadas, tendo ESG desde o nascimento, se deparam
com essas dificuldades. A palavra-chave é materialidade. Uma startup – uma MPE – não precisa
trabalhar a mesma quantidade de temas ESG que uma grande empresa. É preciso focar no que
faz sentido. Uma MPE pode usar a NBC T 15, base no modelo do Ibase. É factível e ainda auditável.
E ela já terá a visão de aspectos que precisam avançar. Já é um início, o primeiro passo. É preciso
começar. Pode ser pelo balanço financeiro, balanço patrimonial, NBC T 15, mais NBC T 3.
Sonia Consiglio Favaretto: Concordo totalmente com a Glaucia. E agrego: vamos simplificar.
Quando as coisas ficam muito complexas, geram resistência e não avançam. Sustentabilidade
está nas mudanças de processos, de estruturas, mas também no “mindset” e no comporta-
mento. E isso independe de tamanho de empresa.
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Carlos Arruda: Vocês falaram das recomendações para as empresas que querem implantar
ESG — fazer um diagnóstico. Eu tenho visto empresas usando o ISE da B3 na fase de diag-
nóstico. Esse seria o melhor instrumento? Que outras recomendações vocês têm de índices
de sustentabilidade empresarial?
Sonia Consiglio Favaretto: O ISE é um índice de bolsa, mas acaba funcionando como um bom
instrumento de diagnóstico. Processos para obter certificações ou produzir um relatório tam-
bém funcionam bem para isso, afinal, todos pedem que a empresa identifique e descreva suas
práticas, políticas, planos. Ou seja, que façam um diagnóstico do seu momento atual. Mas ne-
nhum deles é um fim em si mesmo. O importante, na minha visão, é ir além do diagnóstico;
precisamos saber o que faremos com as informações obtidas.
Carlos Arruda: Que ações mais relevantes vocês têm visto nas empresas na agenda social?
O que nós não deveríamos deixar de fora nessa discussão?
Deveria ter uma regulação para gerenciamento da cadeia de fornecimento. Deveria estar no
formulário de referência das grandes empresas, porque é onde a maioria dos impactos aconte-
cem. Estamos na década da ação e isso traria um bom avanço.
Carlos Arruda: Quando a gente conversa com as empresas sobre essas agendas sociais,
muitas estão trazendo a pauta da pandemia e suas ações na sociedade — cesta básica e
tudo o mais. Como se diferencia esse trabalho mais voluntáriado e de filantropia que as
empresas e, principalmente, os seus acionistas fazem de uma agenda ESG, nessa dimensão
social?
Sonia Consiglio Favaretto: Isso é parte da agenda. As ações de voluntariado e filantropia estão
dentro do S do ESG, mas no recorte específico do investimento social privado, quando o recurso
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privado é destinado a um fim público. É importante entender essa divisão e, ao mesmo tempo,
sua complementaridade.
Glaucia Terreo: Trazer fatos e dados, como mencionado pela Sonia. Mas há uma distinção entre
ESG e caridade. É importante fazer o engajamento primeiro dentro de casa para depois fazer
fora dela. Por exemplo, o primeiro a desacreditar daquilo que a empresa está falando na mídia
é o próprio funcionário. De dentro para fora pode-se entender: cuidar da saúde e segurança
dos empregados, qualidade de emprego, ética, integridade. Antes de caridade, precisamos en-
tender o impacto da empresa no todo, na sociedade. Pode ser que problemas estruturais na
sociedade e que requerem caridade sejam resultados da má gestão de impacto das empresas.
Carlos Arruda: E o greenwashing? Como vocês veem essa prática das empresas terem um
discurso e a realidade, ou um incidente, mostrar que não é bem assim?
Sonia Consiglio Favaretto: Há várias opiniões sobre greenwashing e tudo depende do ponto
de vista do observador. Como especialista em sustentabilidade, não me preocupo com
greenwashing; hoje é diferente de há 15 anos, há um controle social muito grande. Se uma
empresa vem a público falando que faz e não faz, as redes sociais rapidamente a punem, seu
valor em bolsa cai, ela é questionada, sua reputação fica em xeque. Hoje existe muito dado
disponível. É só ir ao site da empresa, ver o relatório que ela faz, entrar em contato, questionar.
Não acredito que uma empresa minta deliberamente. E, se o faz, é outro tipo de conversa.
Prefiro pensar que ela está mal orientada, mal assessorada, querendo dar uma exagerada ali
ou aqui — o que faz parte do jogo, acontece em todas as áreas, sabemos disso. Mas ela vai ser
julgada por isso também. Mas, claro, precisamos ficar atentos, monitorar e cobrar, sempre.
Carlos Arruda: Em termos de ações ambientais, o que vocês consideram crítico e prioritário
para as empresas nessa agenda ambiental?
Glaucia Terreo: Mudanças climáticas são prioritárias, sim. Mas há um risco embutido por conta
da assimetria de conhecimento. Muitos podem pensar que é a única coisa a ser tratada, mas
há outros assuntos igualmente críticos. Os próprios riscos climáticos trazem outros assuntos:
perda da biodiversidade, que, por sua vez, traz impactos na produção de alimentos e outros
insumos, que resultará em crises humanitárias, fome, crise econômica – uma hecatombe. É
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preciso que treinemos o olhar sistêmico. Uma coisa é olhar para algo e focar: “Estou ciente das
outras questões, mas eu quero focar para ter resultados nisso aqui”. Outra coisa é ter enfoque
somente em mudanças climáticas, por exemplo, sem considerar os demais temas.
Carlos Arruda: Na agenda da governança, que sugestões de método vocês teriam para am-
pliar a diversidade na alta gestão, além da presença feminina, e contemplando também
outras minorias?
Glaucia Terreo: Mais uma vez, fatos e dados. É preciso mostrar para os acionistas, para o con-
selho, para quem trabalha com formatação de conselhos, que é preciso uma diversificação de
conhecimentos e visões. A interação com quem indica conselheiros é um ponto de acumpun-
tura para ajudar no avanço do tema. Acionistas e investidores podem promover a diversidade
nos conselhos, não só de gênero, mas de minorias, privilegiando visões e perspectivas distintas.
Carlos Arruda: Sonia, eu li um artigo seu falando de tecnologia e ESG. Como vocês veem
essa relação de tecnologia, inovação e ESG?
Sonia Consiglio Favaretto: São temas correlacionados. Eu sempre uso uma frase: “Não pode-
mos ter soluções do século 20 para desafios do século 21”. ESG é uma agenda de futuro. E você
não cria o novo trilhando caminhos antigos. Ou seja, inovação e tecnologia são fundamentais
para criar disrupção e fazer emergir novas possibilidades, novos desenhos, outros arranjos.
Carlos Arruda: E o futuro? Qual é o próximo passo? Qual é a visão de vocês sobre o futuro
do ESG?
Sonia Consiglio Favaretto: ESG, juntamente com a dimensão econômica (ou seja, o EESG,
como gosto de chamar), é o novo modelo de operarmos nesse mundo. Hoje, temos uma enor-
me janela de oportunidade para consolidar a visão estratégica de que questões sociais, am-
bientais e de governança agregam valor ao negócio e, por isso, devem permear toda a empresa.
Quando esse novo modelo se consolidar, não precisaremos mais usar os termos sustentabilida-
de ou ESG. Chegará esse dia.
Glaucia Terreo: Eu vejo um passo anterior. Uma coisa que tenho repetido é que as empresas
são formadas por pessoas e, se quisermos um futuro melhor, com um novo modelo de socieda-
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de, economia regenerativa e prosperidade, precisamos começar pelo indivíduo. Parece singelo,
mas é poderoso. ESG passa por muitos temas — diversidade, questões técnicas, questões de
inovação. Mas, antes disso, temos que virar a chave da cultura organizacional. Já está em curso,
pode-se observar no pessoal mais novo, nas escolas; eles já têm uma visão um pouco diferente
da nossa. Os millennials e os zoomers já estão vindo com outro chip, e isso é bom. Para o ESG
resultar no mundo que queremos, num futuro melhor, as pessoas precisam ser melhores antes.
GLAUCIA TERREO
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CASO MOVIDA:
UMA EMPRESA FAMILIAR
COM DNA ESG
EDITORES: STEPHANIA GUIMARÃES E CARLOS BRAGA
Estudo de Caso1:
Todas as tardes o jovem Fernando2 seguia para o trabalho, queria absorver o máximo que pu-
desse daquele ambiente corporativo e fazer jus à ética de trabalho do pai e do avô. Aos 16 anos
de idade, escutou do avô, Júlio Simões, que já estava atrasado, “seu pai começou aos 14!”, teria
dito. Alguns anos depois e após ter conhecido a fundo cada departamento da empresa fundada
pela família, Fernando sentiu necessidade de aprender mais, queria evoluir e descobrir o que
mais estava sendo feito no mundo. Ao ir para fora do país, o que ele buscava mesmo encontrou
dentro de si.
Depois de voltar de seus estudos em outros países, Fernando percebeu, em uma conversa com
o pai, que poderia colaborar mais com a empresa se fizesse parte do conselho, em vez de seguir
o caminho mais óbvio em empresas familiares e se tornar CEO. Ele conta essa conversa que
teve com o pai, Fernando Antônio Simões, que disse:
“...pode fazer sentido. Meu pai, seu avô, foi caminhoneiro, mas eu não
precisei dirigir caminhão para fazer o que eu faço hoje. Então, talvez
você possa fazer o que essa empresa precisa no futuro sem necessa-
riamente ser o CEO aqui dentro.”
1 Caso preparado pela Stephania Guimarães e Carlos Braga para o projeto Inovação o Motor do ESG.
2 Fernando Simões Filho é Membro do Conselho da Movida, Membro do Conselho Deliberativo Sistema
B, Membro do Conselho Consultivo da Black Jaguar Foundation e Sócio-Diretor da Bemtevi Investimento
Social.
3 Tarcila Urcinni é Membro do Comitê de Sustentabilidade do Conselho de Administração da Movida,
AgroGalaxy e Grupo Baumgart, Conselheira de Administração Korin Agropecuária e Chief Purpose Partner
EB Capital.
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entre dois caminhos a serem seguidos para os próximos passos. Um deles era estudar o tema,
elaborar um planejamento estratégico de sustentabilidade e trazer uma consultoria especiali-
zada que pudesse montar um mapa de ação. Mas a escolha foi feita em prol da segunda opção
apresentada. Já conhecendo o perfil “acelerado” da empresa e o gosto por resultados rápidos,
a decisão foi fazer um levantamento interno cuidadoso e focar nas demandas já existentes na
organização, conseguindo assim ainda mais engajamento por parte dos gestores.
O trabalho começou e, em 2018, o estudo resultante trouxe à tona temas como melhoria da
gestão de resíduos, destinação dos resíduos, consumo de água, uso da energia elétrica, uso de
fontes renováveis, turnover, diversidade.
O timing não poderia ser mais adequado. Ao unir forças com o CEO, Renato Franklin4, que
também trazia ao conselho uma proposta para a obtenção da certificação americana B Corp
Certification, a jornada fez ainda mais sentido.
O fato de não haver resistência para seguir adiante com o processo para a obtenção da certifi-
cação B Corp pode dizer muito a respeito da Movida.
É Fernando quem explica que valores de impacto social sempre fizeram parte da empresa,
desde a sua fundação. Seu avô, Júlio, o fundador, era um imigrante português que valorizava as
oportunidades. Ele começou no ramo dos transportes com seu caminhão que atendia hortifrú-
tis. E foi durante uma greve de funcionários da Suzano que ele foi contratado para dar sequên-
cia ao transporte e acabou ficando conhecido como “o português que não parou de trabalhar”.
O neto explica que ele sempre se importou com as pessoas, os colaboradores, e acrescenta que
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também, quer fazer investimento social e um dos maiores investimen-
tos sociais que a gente pode fazer é na primeira infância”,
explicando como foi natural a adoção da extensão da licença maternidade para homens e mu-
lheres dentro da organização.
“Meu avô tinha orgulho de fazer o negócio pensando que aquele ne-
gócio estava ficando, eles (se referindo a quem trabalha em empresas
familiares) olham para a empresa pensando nas próximas gerações,
e levar isso ao extremo agora é pensar também que a gente não quer
só deixar uma empresa para as próximas gerações, mas a gente tem
que deixar um país, uma sociedade melhor para elas. (...) não adian-
ta eu deixar meu filho, meus netos com um patrimônio em um lugar
degradado”,
acrescenta Fernando. Para ele, ESG é naturalmente a essência das empresas familiares por con-
ta desse olhar de longo prazo e do cuidado com o tipo de impacto causado e o tipo de constru-
ção para a sociedade.
A MOVIDA
A Movida Participações S.A. é uma empresa brasileira, com sede em São Paulo, dedicada a en-
gajar pessoas no desenvolvimento de soluções para a mobilidade urbana, nas principais regiões
do Brasil. Desde 2006 no mercado, hoje conta com um total de 3.328 colaboradores diretos e
256 terceiros e atua nas divisões de locação de veículos, gestão e terceirização de frotas (GTF) e
venda de seminovos. Em 2020, também começou a empreender para entregadores de e-com-
merce, com a Movida Cargo, e na modalidade de carros por assinatura para pessoa física sob a
bandeira Zero KM Movida.
A cultura da Movida valoriza suas operações no ritmo de uma cultura ética, inclusiva, inovadora
e focada na segurança e ecoeficiência dos mais de 118 mil veículos da frota. A história da em-
presa soma episódios à trajetória de crescimento da SIMPAR, holding investidora detentora do
maior portfólio logístico do Brasil, marcada em 2017 pela abertura de capital no Novo Mercado,
segmento da B3 (Brasil, Bolsa, Balcão) destinado às empresas comprometidas com as melho-
res práticas de governança corporativa.
No último ano, foi a primeira empresa do setor a ingressar na carteira do Índice de Sustentabili-
dade Empresarial (ISE-B3) e passou a compor o Índice Carbono Eficiente da B3 (ICO2 B3), além
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de conquistar a certificação como Empresa B (B Corp). A Movida ainda obteve a classificação B
(Management Level) da primeira avaliação da estratégia de mudanças climáticas pelo Carbon
Disclosure Project (CDP), organização internacional sem fins lucrativos que ajuda empresas e
cidades a divulgarem seu impacto ambiental.
Como conta Renato Franklin, outro episódio marcante dessa trajetória foi a parceria firmada
em 2019 e fortalecida em 2020 com a entidade holandesa Black Jaguar Foundation, cujo obje-
tivo é apoiar a reconstrução do Corredor de Biodiversidade do Rio Araguaia, o maior do mundo,
com 2,6 mil quilômetros de comprimento e 40 quilômetros de largura, que conecta dois dos
mais importantes ecossistemas do planeta: a Floresta Amazônica e o Cerrado. No âmbito dessa
inciativa, foi assinado o compromisso de plantar 1 milhão de árvores até 2022, impulsionando
ainda mais o Programa Carbon Free, que há mais de uma década engaja os clientes da Movida
na missão de reflorestar o Brasil.
Com o propósito de ser uma empresa “para” o mundo em vez de uma empresa “no” mundo, a
Movida declara estar se aproximando cada vez mais de iniciativas externas de desenvolvimento
que buscam um modelo de atuação mais responsável, a favor de um novo modelo para o ca-
pitalismo. Nesse contexto, se tornou parceira do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB),
que reflete um movimento científico originado nos Estados Unidos e discorre sobre como as
empresas podem lucrar a partir da paixão e do propósito. Renato participa como conselheiro
emérito do ICCBA e a iniciativa é fruto do movimento mundial Reset Capitalism, liderado pelo
Sistema B e impulsionado no Brasil pelo ICCB.
Em 2020, A Movida se tornou signatária do Pacto Global, iniciativa proposta pela Organização
das Nações Unidas (ONU) que mobiliza mais de 14 mil lideranças corporativas em 160 países.
A empresa também participa do movimento Equidade é Prioridade, que visa aumentar a quan-
tidade de mulheres em cargos de liderança a partir da gerência-sênior. Hoje, há 34% de mulhe-
res em cargos de alta gerência e diretoria. A meta para 2030 é chegar a 50%. A organização pas-
sou a integrar a iniciativa dos Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEPs, na sigla em
inglês) da ONU Mulheres, que tem o intuito de orientar as empresas a empoderar as mulheres e
promover a equidade de gênero em todas as instâncias do negócio. Com vistas à recertificação
B Corp e ISE, que acontecerá em 2022, a meta para o ano é permanecer na carteira do ISE-B3 e
aumentar em 10% a pontuação obtida no momento da certificação ao Sistema B.
SOLUÇÕES DE MOBILIDADE
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piloto de serviço de transporte por tuk-tuk (triciclos motorizados) na orla de Vitória (ES) – o pri-
meiro dessa natureza no Brasil. Os veículos são elétricos e transportam até dois passageiros. No
ano anterior, já havia sido lançado, em São Paulo (SP), o serviço de locação de bicicletas elétricas
para empresas, por meio de aliança firmada com a E-Moving, startup do segmento.
Para a Movida, os veículos de duas rodas podem, por exemplo, ser uma opção de mobilidade
no pacote de benefícios corporativos, evitando gastos com estacionamento e substituindo o
vale-transporte pelo aluguel mensal. Além disso, podem ser usados para locomoção dentro
de grandes parques industriais, em serviços de entrega e rondas, para compartilhamento em
hotéis e outras aplicações. O serviço ainda pretende adequar as bikes com a identidade da em-
presa locatária, para facilitar a localização do veículo, ampliar a segurança e ainda configurar
propaganda móvel, no caso de serviço de entregas. A intenção é expandir essa modalidade
para outras regiões do País.
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FAZENDO ACONTECER
A empresa já possuía, segundo Lívia, ações pontuais e alguns projetos da área de Operações e
Marketing. Mas o mais relevante, ela conta, foi ter percebido que estava à frente de uma compa-
nhia que tinha o desejo, a vontade de estruturar a jornada ESG. Tanto por parte do CEO quanto
dos membros do conselho, a alta liderança estava envolvida e engajada com o tema, e essa
força transmitiu a segurança e a tranquilidade necessárias a todo o processo.
Ela explica que dentro dos três pilares ESG é possível trabalhar uma infinidade de temas em
relação ao meio ambiente, ao aspecto social, à governança, ao aspecto financeiro, e o grande
segredo que aprendeu na sua trajetória como profissional foi olhar para o seu modelo de ne-
gócio e identificar o que é autenticamente material para esse modelo. Isso irá possibilitar esse
direcionamento, “porque o que é material para o meu negócio pode não ser material para
uma outra empresa, de um outro setor”, acrescenta.
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execução, na agenda de sustentabilidade. Então é preciso focar na-
quilo que realmente vai gerar impacto para o seu modelo de negócio,
para os investidores ou qualquer outro stakeholder.”
Houve dois insights, entretanto. O primeiro foi trabalhar a mudança cultural em curso na socie-
dade, a tendência do uso em detrimento da posse. O aluguel de carros desestimula as pessoas
a comprarem carros e, portanto, significa uma maneira de estimular o consumo consciente.
Desse modo, é necessário comprar menos veículos, há consequentemente menos veículos na
rua e o veículo que não está sendo usado quando está na garagem pode ser usado por outra
pessoa. Lívia explica que olhar para o modelo de negócio aluguel de carros com uma pegada
de consumo consciente foi um importante insight no começo da jornada B Corp. “É como se
fosse mais um meio de transporte que a gente pode oferecer para a sociedade usar quando
for necessário”, diz.
Um outro insight foi trabalhar para proporcionar um aluguel de carros amigo do meio ambien-
te, seguro e democrático, visto que o tema de mudanças climáticas é um tema considerado
material para a Movida. Então, a ação a ser tomada em função dessa análise é a compensação
das emissões geradas pelo uso dos nossos veículos pelos clientes. Foi aí que o programa Car-
bon Free foi revisto. Ele tinha sido criado em 2009 em uma iniciativa da área de Marketing, cujo
intuito era atrair clientes mais jovens com esse approach. Então, em 2019, ele foi reestruturado
para a geração de impacto positivo, visto que, além de conseguir sequestrar o carbono dos
clientes, era possível incentivar o plantio de árvores, valorizando novamente a questão da biodi-
versidade local e contribuindo para a geração de renda local e a bioeconomia, agora com mais
foco em corredores biológicos. O modelo de reflorestamento foi substituído.
E foi com base nas reflexões em relação a impactos positivos que a empresa se tornou a pri-
meira empresa de capital aberto a investir no projeto de recuperação desenvolvido pela ONG
holandesa Black Jaguar, para o reflorestamento do Corredor de Biodiversidade do Rio Araguaia
(antes mesmo da obtenção das certificações ISE e B Corp). Motivo de orgulho para a empre-
67
sa, o projeto possui ações nos três escopos ESG. São um milhão de hectares de áreas a serem
restauradas, assim como 1.7 bilhão de árvores de 40 espécies nativas diferentes. A expectativa
é de 262.377.654 toneladas de carbono a ser capturado até o fim do projeto. O impacto social
estimado é a geração de 37.898 empregos nos anos de picos de atividades (um crescimento de
17% do PIB local do Agronegócio). A Movida irá contribuir, entre outros pontos do acordo, com
um milhão de mudas e 48 mil árvores plantadas até 2022.
TRATANDO RESISTÊNCIAS
A Política de Sustentabilidade da Movida possui uma cláusula que estabelece que nenhum novo
produto criado deve ir contra a agenda de sustentabilidade determinada pela organização.
Esse é um grande desafio das empresas que trabalham com uma agenda estruturada de sus-
tentabilidade e está alinhado ao capitalismo consciente, declara Lívia, que completa:
“...eu sempre tento mostrar nas reuniões com investidores que é como
se existisse uma outra forma de lucro que caminha ao lado do lucro
financeiro, a geração de valor para os pilares meio ambiente e socie-
dade, e esse desafio vai além do escopo de uma área de sustentabi-
lidade.”
Essa quase antítese encontra desafios em áreas fundamentalmente guiadas por índices finan-
ceiros para a escolha de, por exemplo, fornecedores e suprimentos. Historicamente se trata de
áreas que, na maioria das empresas, levam um tempo maior para se engajarem de modo práti-
co, por causa dos desafios e obstáculos e da própria natureza da atividade.
68
A lavagem a seco se tornou o exemplo mais claro de ações de uma liderança com maturidade
para enxergar valor. Apesar de ser um processo mais caro, a lavagem a seco, hoje, só não está
presente em cidades onde não há fornecedores desse serviço. Ou onde os carros chegam tão
sujos que o processo não se mostra eficiente para a completa limpeza necessária. Quando isso
acontece, a empresa prioriza investimentos de ecoeficiência naquela unidade, como o reuso da
água e a captação de água da chuva, de modo que haja uma espécie de compensação.
RISCO CLIMÁTICO
Em 2020, foi realizado o importante mapeamento de risco climático, que leva em conta os im-
pactos na operação, o preço interno do carbono, os cenários regulatórios e as possibilidades do
equilíbrio da compensação com ações de mitigação e redução, com base na metodologia For-
ça-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (Task Force on Climate-related
Financial Disclosures – TCFD).
O produto dessa análise foi uma estrutura de clima bem fundamentada, com três pilares prin-
cipais: mitigação, compensação e adaptação. Em dezembro de 2020, foi concluída a estrutu-
ração da estratégia de mitigação de emissões para os 10 anos seguintes, seguindo os critérios
e recomendações da metodologia da iniciativa SBTi5. A estratégia de mitigação de emissões
para a década compreende chegar ao ano de 2030 com uma redução de 30% de emissões de
gases de efeito estufa, para todos os escopos (Escopo 1, 2 e 3)6. A estratégia está em linha com
o Acordo de Paris, pois atende a taxa de redução de emissões anual informada pela iniciativa
SBTi para que um compromisso empresarial possa ser classificado como uma meta com base
na ciência, contribuindo assim para a limitação do aumento da temperatura a 1.5 graus Celsius.
Com objetivo de reforçar esse posicionamento em linha com os desafios climáticos globais, a
Movida também se tornou signatária da iniciativa Bussiness Ambition for 1.5º C e pretende se
tornar net zero até 2030.
69
O POSICIONAMENTO DA MOVIDA
Edmar Prado Lopes, Diretor Administrativo e Financeiro e de Relações com Investidores, expli-
ca o posicionamento da Movida de desafiante do setor e, como tal, a intenção de “chacoalhar
o negócio sob a perspectiva da pessoa física, do cliente final. A grande diferença da Movida é
trazer uma empresa moderna, tecnológica, próxima do cliente, para um setor que já ia bem,
mas naquele momento estava em zona de conforto.” Esse posicionamento coincidiu com a
expansão da economia solidária, a tendência mundial da mencionada troca da posse pelo uso,
dos serviços de streaming, de assinaturas, do compartilhamento de carros. Edmar explica que
um carro alugado substitui entre seis e oito carros de posse de uma única pessoa porque, em
vez de estar parado na garagem, ele está rodando durante o dia, em horários alternados, sendo
utilizado por outras pessoas.
Ele explica que, a partir do momento em que se coloca o cliente no centro da estratégia de
posicionamento, fica mais fácil entender muitos movimentos, inclusive o ESG. Entretanto, ele
ressalta: colocar o cliente no centro da estratégia precisa ser uma movimentação autêntica.
O grupo tem 65 anos e alguns clientes da Movida, em especial de GTF (gestão e terceirização
de frotas), que foram herdados da JSL, estão com o grupo há mais de 40 anos. De acordo com
Edmar, o mercado estava muito voltado para o cliente corporativo, mas agora está mais con-
centrado no cliente final. Para ele, um aspecto vantajoso é o fato de a Movida ser uma empresa
familiar e, como tal, estar voltada para a visão de longo prazo, tendo um framework para modelos
de decisão que é substancialmente diferente do corporativo comum. É aí que o assunto ESG co-
meça a ganhar destaque com a vantagem de possuir um líder impulsionador que é um membro
da família, da terceira geração, que trabalhou no grupo por mais de dez anos, o Fernando Filho.
Em 2018, começou a tomar força a massa crítica dentro do grupo, ainda que para educar as
pessoas em um primeiro momento, e em 2019 o assunto começou a ser tratado de modo estru-
turado, em comitês. Outra felicidade, explica Edmar, foi terem um CEO com o perfil do Renato.
“Um CEO empreendedor, com uma visão de longo prazo, que entendeu com rapidez que uma
agenda ESG clara poderia diferenciar a empresa dos seus concorrentes. E quando o Fernando
Filho trouxe a questão B Corp Certification para a empresa, entendemos que seria uma grande
oportunidade para gerar reflexão e aprendizado, pelo simples fato de que começamos a nos
medir, a olhar para um conjunto de parâmetros e indicadores nos quais a gente não pensava e
ainda não tinha.”, diz.
70
Depois de enxergar o valor na certificação B Corp, logo no primeiro momento, a empresa partiu
para a certificação com muita objetividade, rapidez e leveza. O intuito era se diferenciar antes
dos outros players para, o mais cedo possível, melhorar as práticas e conseguir avançar ain-
da mais. E o desafio foi duplicado quando decidiram também se certificar para o ISE7. Edmar
explica que os principais competidores listados ainda não tinham essa certificação e então a
decisão foi conduzir todo o processo de modo bastante rápido ao longo de 2019 para receber
as certificações em 2020. O raciocínio foi: “se vamos fazer um trabalho grande e denso para a B
Corp Certification, vamos escolher o ISE também, e vamos fazer tudo de forma rápida”.
Um líder de sustentabilidade foi escolhido, assim como uma rede de sustentabilidade, de ma-
neira que o assunto ficasse diretamente ligado ao CEO e, dessa forma, o processo adquirisse
mais agilidade e velocidade, além de simplicidade na tomada de decisão ao se eliminar nu-
merosas camadas de aprovação com esse desenho. Edmar ficou com esse papel de liderança.
Simultaneamente à realização do grande inventário de todas as ações que já eram feitas na
empresa, as informações eram trazidas para dentro do workframe ESG.
explica o diretor. A força da comunicação interna foi usada para mobilizar toda a empresa ao
explicar a decisão tomada a respeito das certificações, educar o público interno a respeito do
que isso significava, do que era ESG, do porquê esse seria um movimento estratégico e obter
engajamento.
Outro ponto de aprendizado narrado pelos executivos é que alguns projetos já existiam, mas
não tinham ainda decolado, como a instalação dos painéis solares em todas as lojas. A partir do
momento em que as iniciativas se encontravam debaixo de um guarda-chuva mais robusto, as
práticas positivas se aceleraram e aconteceram. Ou seja, a criação de uma agenda substancial-
mente positiva gera a vontade de as pessoas fazerem acontecer.
Desde o primeiro momento, a liderança sempre se manteve muito alinhada em relação à agen-
da ESG e ao posicionamento. A noção de que as certificações significavam uma agenda de
geração de valor era muito clara para todos. Havia, certamente, a possibilidade de ganhos tan-
gíveis também.
71
“Se você está no ISE, a liquidez da sua empresa aumenta, porque hoje
há os ETFs – Exchange Traded Funds. E você tem um ETF que mostra
que as empresas listadas no índice andam melhor que o índice pro-
priamente dito”,
adiciona Edmar.
“Na medida em que eu entro para o ISE, isso ajuda minha liquidez,
pode aumentar minha quantidade de negócios e me ajuda a atrair
investidores. Esse também é um dos exemplos práticos do porquê fo-
mos buscar a certificação. Sabemos que, cada vez mais, os fundos
passivos tomam espaço dos fundos ativos e estar em uma carteira
dessas claramente traria valor para nós.”
Em 2018, conta que costumavam negociar cerca de cinco milhões de reais por dia. Hoje, ne-
gociam por volta de quarenta milhões de reais por dia, chegando por vezes a cento e vinte
milhões, o que ajudou a empresa em sua trajetória. A partir do momento em que tornaram
pública sua intenção de certificação, apesar do risco envolvido em anunciar algo que ainda não
havia sido conquistado, a empresa já começou a atrair a atenção de novos investidores.
A jornada permitiu que a Movida lançasse um SLB, Sustainability Linked Bond, em janeiro de
2021, na Europa. Nesses bonds a companhia estabelece metas de sustentabilidade de longo
prazo (durante a vida do documento) – nesse caso, 10 anos – para que os recursos do bond se-
jam utilizados em projetos. Foi o primeiro SLB de uma empresa de aluguel de carros no mundo.
O comprometimento da empresa na emissão foi, principalmente, a redução das emissões de
carbono ao longo desses anos, com um checkpoint de cinco anos.
Outro importante ganho foi o aumento do engajamento e a melhoria no clima interno por
parte dos colaboradores. A satisfação dos colaboradores é o principal indicador do nosso cli-
ma organizacional, acompanhado bimestralmente, com base na metodologia Employee Net
Promoter Score (eNPS), calculado a partir das respostas a uma pergunta simples: “Em uma
escala de 0 a 10, o quanto você indicaria nossa empresa para um amigo?”. No fim de 2020,
várias áreas do time registraram eNPS superior a 75 – nota que corresponde a níveis de Qua-
lidade e Excelência.
Os executivos relatam outros resultados tangíveis desse movimento, como a conquista de no-
vos clientes. Um dos grandes novos clientes corporativos deixou claro que estava se aliando à
72
Movida devido à sua postura em relação à sustentabilidade. A noção comum é de que ainda há
muito a ser feito; há um compromisso de longo prazo, mas hoje a empresa pode participar de
eventos, conferências e ter dados concretos para mostrar indicadores. Há orgulho na constru-
ção desse framework mais sólido e na emissão do primeiro bônus do setor, por exemplo. “Nós
abrimos essa porta usando os compromissos de ESG para atrair investidores para esse tipo de
mercado e estabelecemos mais uma fonte de captação”, acrescenta Edmar.
DESAFIOS
Ao contrário de outras empresas do mercado, nas quais o maior desafio é composto pelo en-
gajamento das lideranças, key players e a compreensão da dimensão estratégica da susten-
tabilidade, o maior desafio encontrado na trajetória recente de sustentabilidade da Movida foi
intencional: a velocidade imposta para a obtenção das primeiras certificações. Tal velocidade
foi determinada prioritariamente pela cultura da empresa, que costuma mudar rapidamente,
testar rapidamente e implementar rapidamente. A organização vê valor em estar à frente no
mercado e em entregar esse valor aos clientes.
A adoção de um ritmo acelerado fez as figuras-chave reduzirem para um ano projetos cujos
cronogramas iniciais chegavam com prazos de três anos, por exemplo. Segundo Renato, a de-
cisão de usar um conceito diferente para a execução do projeto das certificações foi essencial
para o sucesso:
“a gente não queria aprovar uma área (de sustentabilidade) (...) se-
não, de novo, a gente teria o projeto daquela área, não um projeto da
empresa”.
Foi essa aspiração de que a sustentabilidade fosse abraçada por todas as áreas que determinou
o desenho de uma estrutura simples, horizontalizada, diretamente abaixo de um diretor que
poderia tomar decisões e transmitir direcionamentos estratégicos rapidamente, com autono-
mia e tão perto do CEO.
73
OLHANDO ADIANTE
MOBILIDADE
Contribuir para a construção de uma mobilidade ágil, segura, integrada e sustentável. Olhar
para a mobilidade como economia colaborativa, com foco para atender e solucionar os proble-
mas atuais da sociedade e seguir a estratégia de manutenção de uma frota jovem. Da aquisição
do novo à venda do seminovo, buscar gerar impacto positivo ao longo de todo o giro do ativo
sob sua gestão. Impulsionar a mudança de cultura na sociedade (o uso em detrimento da pos-
se). Nos próximos anos, fidelizar a base de clientes do Zero Km Movida, lançado em 2020 (que
oferta carro por assinatura para pessoa física com valor mensal). Ampliar a rede de lojas com
serviços exclusivos para motoristas de aplicativos e fidelizar a base de clientes do Movida Cargo
e do Zero Km Movida. Utilizar a mobilidade como instrumento de inclusão social, contribuindo
para a geração de emprego e acesso a todos.
EMPRESA
PLANETA
Ser carbono neutro até 2030, tornando-se carbono positivo em 2040. Manter 100% das instala-
ções movidas à energia fotovoltaica, a qual seria um modelo para as novas unidades a partir de
2022. Perseguir projetos e ações para redução das emissões totais e estudar soluções disponíveis
no mercado para neutralizar as emissões que não puderam ser mitigadas nas operações, com
74
foco na geração de impacto positivo. Concluir o projeto de implantação de energia fotovoltaica
em 100% das instalações. Impulsionar o programa Descarte Consciente, com foco na educação
ambiental dos colaboradores, na estruturação sistêmica de indicadores e na rastreabilidade da
cadeia. Reduzir em 50% o envio dos resíduos a aterros sanitários até 2030, impulsionados pela
economia circular e inclusão social de catadores e cooperativas.
Edmar explica que a Movida tem se aproximado das montadoras para trazer o carro elétrico o
mais cedo possível, nem que seja em uma pequena quantidade. A empresa comprou 70 desses
carros no ano passado, e esse pequeno contingente de veículos tem trazido muita visibilidade
e gerado importantes descobertas. A empresa entende que seu papel é de difusor, educador,
desmistificador do carro elétrico, ainda que do ponto de vista econômico a questão ainda apre-
sente desafios. Os testes com os carros elétricos começaram a ser realizados e a empresa já
conta com alguns casos de sucesso.
A Movida quer ser pioneira em desmistificar a mobilidade elétrica entre os brasileiros. Em 2020,
passaram a ofertar com exclusividade, até 2021, o Nissan LEAF, primeiro veículo zero em emis-
são e 100% elétrico a ser comercializado em massa no mundo. Ele traz o Nissan Intelligent
Safety Shield, um conjunto de tecnologias que ajudam a monitorar o movimento do entorno,
responder a ações inesperadas e assegurar a proteção dos ocupantes. Atualmente, são 50 veí-
culos disponíveis no estado de São Paulo.
“Nós não estamos nem na fase em que todo mundo quer mudar ainda.
Há um desafio importante pela frente. Em grande parte, pela imensa
falta de conhecimento. Eu costumo dizer que a metodologia das cer-
tificações ajuda a entender qual o impacto de cada um dos modelos
de atuação que você tem em uma empresa e, obviamente, se você
entende o impacto, você pode mudar para um impacto mais positivo.
Na minha opinião, as empresas conseguem fazer esse trabalho muito
mais rapidamente que outros players. Imagine ter que fazer uma po-
pulação inteira mudar? Considerando o exemplo da Movida, nós co-
meçamos fortes, afinal, são 3500 colaboradores. E o caso influenciou
todo o grupo. Estamos falando de trinta mil pessoas. Aqui são três
mil que viram trinta mil. Se você considerar a média de pessoas que
moram com esses colaboradores, nós estamos falando de 120 mil pes-
soas, incluindo as famílias. E quando fazemos esse movimento, outras
empresas do setor também buscam a certificação. Aí trazem outras
empresas. Esse movimento gera uma grande comunidade que ganha
cada vez mais força.”
Em relação à mobilidade, um dos pilares que norteia as ações futuras, a empresa enxerga o
valor de uma função social relevante. Para a Movida, a mobilidade deve ser segura e responsá-
vel. Essa premissa está expressa na Política de Sustentabilidade, que abrange diretrizes como:
“Contribuir para redução das desigualdades sociais utilizando a mobilidade como instrumento
de inclusão social” e “Proporcionar experiências inovadoras de mobilidade que busquem solu-
cionar os principais desafios sociais, econômicos e ambientais da sociedade”.
75
O intuito é garantir que as operações estejam alinhadas aos interesses das pessoas atendidas,
utilizando a capilaridade e a presença em todo o país e trabalhando o tema a partir de medidas
inclusivas relacionadas à mobilidade. A empresa está alinhada aos princípios do Capitalismo de
Stakeholders, que orienta a geração de valor para todas as partes. Exemplos são a ampliação do
acesso aos serviços para grupos de todas as rendas (do total de 587.342 clientes, 105.721 são da
Classe C) e a oferta de condições especiais para públicos que podem gerar receita a partir da
frota – motoristas e entregadores de aplicativos, por exemplo. Em 2020, foram firmados 10.088
contratos com esse público, proporcionando a geração de uma renda de cerca R$ 500 (qui-
nhentos) milhões/ano. No relatório de sustentabilidade, a Movida declara ser a primeira e única
empresa a abrir lojas em bairros socialmente vulneráveis das cidades brasileiras.
Além do atendimento especial para motoristas de aplicativos, categoria profissional que cada
vez mais recorre a serviços de locação, existe uma frente de inovação para promover a redução
dos custos das locações a jovens e a classes de rendas média ou baixa.
CONCLUSÃO
A Movida tem construído uma trajetória firme de sustentabilidade e deseja se manter à frente,
imprimindo um ritmo forte de transformação e provocando impacto positivo. Fernando sabe
que ainda há muito a ser feito e que toda uma nova geração de clientes tem se tornado cons-
ciente a respeito das grandes questões, a respeito da sustentabilidade:
“...então acho que isso não passa, é uma cultura que eu acho que fica
e que essa nova geração, de fato, busca e vai valorizar cada vez mais”.
Ele olha para o futuro com a tranquilidade de quem está cumprindo seu papel no mundo e de
quem entende que a trajetória ainda é longa, deixando uma reflexão.
76
“Eu acho que é muito mais relevante entender o caminho e os passos
que a empresa está dando hoje, o que está fazendo de concreto com
um olhar de futuro, do que ficar estipulando muitas metas. As metas
ajudam e dão uma direção, mas o principal é você dar cada passo, fa-
zer hoje a mudança que a gente consegue fazer hoje. Se eu não consi-
go ser carbono neutro em 2040, o que eu consigo trabalhar hoje para
melhorar as emissões e fazer essa gestão da melhor forma possível?”
Esse questionamento é válido para todos e serve de referência para outras empresas que este-
jam iniciando a mesma jornada que vem sendo trilhada com sucesso pela Movida graças a um
compromisso inequívoco da sua alta gestão.
CARLOS BRAGA
STEPHANIA GUIMARÃES
77
SEÇÃO 2:
ESG: UM OLHAR DO MERCADO
FINANCEIRO PARA A
SUSTENTABILIDADE
EDITOR: CARLOS BRAGA
Como o ESG está mudando o
mercado financeiro?
CARLOS BRAGA
Essas instituições já demonstravam, à época, preocupação com o impacto das mudanças cli-
máticas e sociais sobre os ativos financeiros. Desde então, existe uma maior pressão e foco por
parte dos investidores e stakeholders para entender como as empresas criam valor ao incorpo-
rar objetivos ESG na sua estratégia de negócios.
Enquanto a maioria das empresas está apenas começando a alinhar o seu propósito corporati-
vo com os objetivos ESG, uma minoria já se beneficia de uma governança que define, monitora,
mede e comunica o seu posicionamento sustentável aos seus stakeholders e vem sendo pre-
miada pelo mercado por essa postura.
De acordo com a Agência Internacional de Energia, estima-se que a transição esperada para
uma economia de baixo carbono exigirá cerca de US$ 1 trilhão de investimentos anuais, geran-
do novos investimentos e oportunidades.
Neste contexto, o perfil de risco-retorno das organizações expostas a riscos climáticos pode
mudar significativamente, pois elas podem ser mais afetadas não apenas por fatores físicos,
tais como crises hídricas, quebras de safras, alagamentos, mas também por políticas climáticas,
taxações e novas tecnologias.
Esse mesmo estudo estimou o valor em risco, como resultado das mudanças climáticas, para
o estoque global total de ativos sob gestão, variando de US$ 4,2 trilhões a US$ 43 trilhões entre
79
agora e o final do século, dependendo do sucesso das medidas a serem tomadas pela comuni-
dade global para mitigar esses riscos.
Instituições financeiras que investem e/ou financiam atividades que podem não ser viáveis no
longo prazo por serem menos resilientes à transição para uma economia de baixo carbono pro-
vavelmente terão retornos mais baixos e riscos mais altos.
Soma-se a isto o fato de que as metodologias de avaliação atuais podem não estar mensurando
adequadamente os riscos relacionados ao clima devido a informações insuficientes. Neste sen-
tido, os investidores precisam de informações adequadas sobre como as organizações estão se
preparando para uma economia de baixo carbono.
Além disso, os reguladores do mercado estão interessados nas implicações para o sistema fi-
nanceiro global, especialmente no sentido de evitar deslocamentos massivos de ativos finan-
ceiros e perdas repentinas nos portfólios de investimento que possam causar algum tipo de
risco sistêmico.
Veja abaixo algumas das principais inciativas supranacionais consideradas referências globais
que têm impactado fortemente o investimento sustentável e a indústria de serviços financeiros
O Acordo de Paris: Trata-se de um tratado internacional sobre mudanças climáticas que entrou
em vigor em 2016. O Acordo de Paris foi assinado em 2015 por 195 países na Conferência das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP21). O objetivo do acordo é limitar o aquecimento
global abaixo de 2° C, de preferência a 1,5° C, em comparação com os níveis pré-industriais. O
Acordo de Paris é a base de muitas legislações nacionais para limitar o efeito estufa e emissões
de gases e definir metas de emissão zero líquidas.
80
Embora os ODS sejam objetivos supranacionais, as empresas e os investidores também têm
sido encorajados a adotar tais métricas. O Pacto Global da ONU e seus capítulos nacionais
têm liderado essa orientação para a implementação dos ODS juntamente às empresas. Os
Princípios para Investimento Responsável (PRI) da ONU fornecem orientação aos investidores
interessados em alinhar seus portfólios aos ODS.
Global Reporting Initiative (GRI): Fundada em 1997, o GRI é uma Organização independente
ligada à ONU. É o padrão global mais abrangente e amplamente utilizado para relatórios de
sustentabilidade, cobrindo uma ampla gama de aspectos econômicos, ambientais e tópicos
sociais. Os relatórios do GRI permitem aos investidores acessarem facilmente as métricas ESG
das empresas e as compararem versus o desempenho entre as empresas do mesmo setor. É
considerado por muitos a sistemática de divulgação mais amigável, atendendo às necessida-
des de uma ampla variedade de investidores e outras partes interessadas.
De acordo com o Global Sustainable Investment Review, no início de 2020, o volume de investi-
mento ESG a nível global atingiu US$ 35,3 trilhões, representando um total de 35,9% do total de
ativos sob gestão. Ativos de investimento sustentável continuam a crescer em todas as regiões.
Dito isto, os Estados Unidos e a Europa ainda representam mais de 80% desta classe de ativos
a nível global.
81
O investimento ESG no Brasil ainda é pequeno, mas vem crescendo. Segundo dados da ANBI-
MA, os fundos brasileiros categorizados como ESG possuem R$ 7 bilhões em ativos sob gestão,
o que representa aproximadamente 1% da indústria local de fundos de ações. As entradas ace-
leraram desde 2019, quando essa classe de ativos somava R$ 5 bilhões, mas ainda são números
pequenos quando comparados à captação de fundos de ações, da ordem de R$ 190 bilhões no
mesmo período.
CONCLUSÃO
Como podemos ver, a sustentabilidade nunca foi tão importante assim como
os líderes empresariais nunca estiveram tão engajados, realçando ainda mais
o dever fiduciário do mercado financeiro como indutor desta agenda com um
viés de longo prazo nem sempre presente nas suas decisões de investimento.
CARLOS BRAGA
82
O que são e como funcionam
os fundos ESG?
CARLOS TAKAHASHI
Nos últimos anos, temos observado um crescimento do interesse por investimentos sustentá-
veis e, consequentemente, da oferta de produtos que, de alguma forma, podem ser considera-
dos como tal.
Um dos principais veículos utilizados pelos investidores para aplicar nesses produtos são os
fundos de investimento. Eles abrangem uma ampla gama de ativos e estratégias diversificadas
e contam com a atuação profissional de um gestor de recursos de terceiros.
A atividade de gestão tem como princípio o dever fiduciário, ou seja, o gestor deve agir sempre
de acordo com os melhores interesses do investidor. Essa responsabilidade envolve uma série de
obrigações legais e morais. Elas vão desde o rigoroso cumprimento dos regulamentos – material
que contempla as condições de um fundo –, passam pela disponibilização de informações claras
e precisas e chegam aos valores essenciais, como a honestidade, a ética e as boas práticas.
83
A criação do PRI (Princípios para o Investimento Responsável), iniciativa da ONU (Organização
das Nações Unidas), em 2006, foi fundamental para fortalecer a agenda e trazer os conceitos de
incorporação dos fatores ESG aos processos de análise e tomada de decisão de investimentos,
assim como demais práticas e compromissos decorrentes, definindo os princípios a serem se-
guidos por seus signatários.
A partir do seu nascimento, o PRI tornou-se a iniciativa mais relevante na promoção dos inves-
timentos sustentáveis. No início de 2021, ele contava com aproximadamente 3,6 mil signatários
em todos os continentes, representando mais de US$ 100 trilhões em ativos sob gestão1. Em
2019 e 2020, foram formalizadas cerca de 1,6 mil novas adesões, o que demonstra o significativo
interesse pelo tema nos últimos anos.2
Segundo dados da IIFA (Internacional Investment Funds Association), de junho, o total global
de ativos sob gestão em fundos de investimento era de US$ 64,6 trilhões3. No mesmo período,
segundo a Morningstar4, os fundos considerados ESG atingiram a marca de US$ 2,25 trilhões.
Ainda que a participação dos fundos sustentáveis/ESG represente somente 3,5% da indústria de
fundos como um todo, os volumes captados para esses veículos têm sido crescentes. Somente
nos dois primeiros trimestres de 2021, a captação total foi de US$ 323 bilhões, enquanto durante
o ano todo de 2020 foram movimentados US$ 370 bilhões. Nos anos anteriores (2018 e 2019), o
fluxo não chegou a US$ 250 bilhões.
A Europa segue protagonista na agenda ESG e detém 81% dos fluxos no período via 3.730 fun-
dos, ou seja, 76% do total de fundos sustentáveis no mundo. Contudo, é evidente o crescimento
da relevância do tema em todas as regiões analisadas pelo estudo (Austrália, Canadá, Estados
Unidos, Japão e Nova Zelândia).
Outro estudo, o Global Sustainable Investment Review de 20205, realizado bianualmente e pa-
trocinado pela Global Sustainable Investment Alliance, demonstra a evolução do volume de
recursos em produtos ESG, que atingiram a cifra de US$ 35,3 trilhões em 2020. Trata-se de uma
alta de 15% na comparação com 2018. Esse montante representa 35,9% do total dos ativos sob
gestão. O levantamento utiliza alguns critérios diferentes do estudo da Morningstar, abrangen-
do um leque maior de ativos em razão da metodologia utilizada para classificar os investimen-
tos como ESG.
84
Apesar de o assunto não ser recente, o ano de 2020 foi um acelerador da pauta ESG. No início de
2020, antes da pandemia de Covid-19, o centro da discussão dos grandes líderes globais já era
o impacto das mudanças climáticas na economia e a emergência em tratá-lo com prioridade.
O advento da improvável e contundente pandemia parecia adiar esse debate, mas a mescla
do sentimento de compaixão, a necessidade de rearmar as economias e o alerta relacionado
às consequências dos eventos inesperados contribuíram para evidenciar e atribuir senso de
urgência ao tratamento adequado das questões sociais, ambientais e de governança.
Enquanto importantes lideranças do mercado financeiro, como Larry Fink, fundador e CEO da
BlackRock, assumiram posições cada vez mais vocais, objetivas e claras quanto às expectativas,
como gestora de investimentos, em relação aos ativos investidos, diversas publicações trouxe-
ram informações consistentes relacionadas à performance. Elas abordaram a perspectiva de
risco-retorno dos ativos ESG por meio de análises comparativas entre opções com critérios ESG
incorporados e portfólios tradicionais.
Tanto pela capacidade indutora junto às empresas investidas como pela disponibilização de
produtos e estudos que comprovam que o retorno dos investimentos sustentáveis no longo
prazo é aderente aos produtos convencionais e a resiliência é superior, a gestão de fundos tem
contribuído para auxiliar os investidores a compreenderem a importância dos produtos susten-
táveis e a tomarem suas decisões.
Analisar as tendências de crescimento por meio da oferta, observando a evolução dos ativos
sob gestão, dos produtos, da performance, etc., é fundamental, mas pode levar a conclusões
pontuais se não incluirmos as razões e visões dos diversos segmentos de investidores sobre as
mudanças na alocação dos seus portfólios para investimentos sustentáveis.
Uma pesquisa global, realizada pela gestora de recursos global BlackRock, em 20206, traz algu-
mas respostas esclarecedoras sobre as motivações que têm levado à realocação de capital, as
perspectivas futuras e os principais desafios.
Foram ouvidos 425 investidores institucionais e pessoas físicas em 27 países (em todos os con-
tinentes), representando um total de US$ 25 trilhões em recursos administrados. Para 54% dos
respondentes, a sustentabilidade veio para ficar e será fundamental nos processos e resultados
dos investimentos. Eles pretendem aumentar a atual exposição em ativos ESG de 18% para 37%
até 2025.
85
y Mitigar riscos de investimento................................................41%
y Atender a demandas regulatórias....................................... 35%
y Mandato de diretoria ou conselho......................................34%
y Demanda de clientes...................................................................30%
y Evitar riscos reputacionais........................................................26%
Os desafios também foram considerados: para 53% dos entrevistados, umas das principais bar-
reiras para uma ampla implementação é a baixa qualidade e a disponibilidade de dados e aná-
lises ESG. Os obstáculos considerados mais críticos foram:
Outro relatório, desenvolvido por 2,8 mil profissionais CFAs (Chartered Financial Analysts), em
20207, trouxe alguns achados que levam a conclusões adicionais. O levantamento abordou o in-
teresse pelos investimentos ESG por faixa etária. Setenta e cinco por cento das pessoas entre 25
e 44 anos manifestaram interesse pelo tema. O percentual cai conforme a faixa etária avança:
fica em 71% para as pessoas entre 45 e 54 anos e 53% para aqueles entre 55 e 64 anos.
Para os que optam por investimentos sustentáveis, as motivações indicadas são semelhantes
àquelas apontadas na pesquisa da BlackRock:
Quarenta e dois por cento das pessoas entre 25 e 34 anos afirmaram que, ao investir em produ-
tos ESG, buscam obter uma melhor relação de retorno ajustado a risco. Esse percentual cai para
42% no universo de 55 a 64 anos.
Metade das pessoas (50%) entre 25 e 34 anos afirmou aplicar em companhias que proporcio-
nam um impacto social positivo como forma de expressar os valores pessoais. Quando olhamos
para o universo entre 55 e 64 anos, a motivação cai para 44%.
Além da clara evidência do posicionamento das novas gerações sobre a importância da susten-
tabilidade, é possível concluir que, na visão delas, investimentos que incorporam as melhores
práticas ambientais, sociais e de governança devem proporcionar melhores retornos financeiros.
7 Future of Sustainability in Investment Management: from ideas to reality. Disponível em: https://www.
cfainstitute.org/-/media/documents/survey/future-of-sustainability.ashx.
86
COMPREENDENDO OS INVESTIMENTOS SUSTENTÁVEIS
Felizmente, o assunto que sempre esteve nos anexos passou a ocupar as páginas centrais do
debate, ocasionando o crescimento de produtos e gestores de investimentos.
Contudo, compreender, selecionar e acompanhar essas alternativas não é tarefa trivial. Além da
relevância dos aspectos quantitativos e materiais, as questões qualitativas e imateriais têm enor-
me importância nos processos de administração e de definição dos objetivos de resultados.
Integração ESG: estratégia sistemática com explícitos objetivos ESG mediante à incorporação,
indistinta de fatores ambientais, sociais e de governança nas análises financeiras, por exemplo:
y Proporção do portfólio alinhado com objetivos ODS (Objetivos de Desenvolvimento
Social)
y Foco nos melhores ativos, investindo em emissores com elevado rating ESG
y Obtenção de melhor rating ESG no fundo, comparado com o benchmark
y Não escolha de um ou outro fator ESG, mas busca de resultado por meio de todos eles.
Filtro negativo: exclusão de atividades e/ou companhias que atuam ou se beneficiam de ativi-
dades controversas e/ou inadequadas sob o ponto de vista ESG, tais como:
y Carvão térmico
y Armas nucleares
y Tabaco
y Violação de direitos humanos
y Corrupção
Temáticos: estratégias com objetivos de retorno de longo prazo em temas ou ativos que pos-
sam contribuir para a transformação e/ou soluções ambientais e sociais, por exemplo:
y Energia limpa
y Economia circular
y Agricultura sustentável
y Equidade e diversidade
y Construções verdes
Impacto: investimentos (setores, empresas, projetos) realizados com a intenção clara de gerar
impactos positivos ao lado dos retornos financeiros, geralmente relacionados a comunidades
menos privilegiadas (não deve ser confundido com filantropia):
y Processos de investimento aderentes aos Princípios Operacionais da Gestão de Im-
pacto
y Demonstração da contribuição para o alcance do impacto
y Que a performance do investimento seja uma combinação entre o impacto gerado (ao
propósito definido) e o resultado econômico
87
Os quatro grupos acima são os mais observados no mercado financeiro, todavia, alguns rela-
tórios tratam de abordagens adicionais que também podem ser vistas como derivadas das
anteriores. São elas:
Engajamento corporativo: comprometimento direto junto à alta gestão e conselhos das em-
presas investidas com objetivo de incentivar a adoção de melhores práticas, incluindo diretrizes
ESG nas orientações de tomadas de decisões estratégicas.
Quanto aos fatores ESG que podem ser integrados na gestão dos ativos e impactar a perfor-
mance de um investimento, podemos citar alguns exemplos, ainda que não exaustivos, em
função do risco de rápida desatualização:
AMBIENTAL (E/A): uso de recursos naturais, emissão de carbono, eficiência energética, polui-
ção atmosférica e ambiental, tecnologia limpa, escassez de água, proteção à biodiversidade,
desmatamento, gerenciamento de resíduos, etc.
SOCIAL (S): inclusão e diversidade, relações de trabalho, respeito aos direitos humanos, segu-
rança no ambiente de trabalho, treinamento e desenvolvimento, trabalho escravo e/ou infantil,
segurança de dados, satisfação dos clientes, relacionamento com a comunidade, relaciona-
mento com a cadeia de fornecedores, etc.
Sob o ponto de vista geográfico, mesmo que o assunto ganhe cada vez mais visibilidade glo-
balmente, ainda existe assimetria entre os diversos países e continentes. A Europa se destaca
no nível de maturidade e os Estados Unidos na velocidade do fomento aos investimentos sus-
tentáveis. O Brasil evolui rapidamente, mas ainda com uma longa e árdua jornada pela frente.
88
O dever fiduciário pressupõe, dentre outras responsabilidades, prestar informações suficientes
para que os investidores possam verificar se suas expectativas estão sendo atendidas e se o
gestor está cumprindo as políticas de gestão assumidas.
Ainda que sob o aspecto regulatório, a Europa e o Reino Unido tenham obtido importantes
avanços e a representatividade no contexto global, existem diversos desafios para as associa-
ções de mercado e reguladores com foco no desenvolvimento de uma indústria sustentável e
consistente, evitando práticas antiéticas ou greenwashing.
Em julho de 2021, o FCA (Financial Conduct Authority)8 do Reino Unido publicou um documen-
to, destinado aos AFMs (Authorized Fund Managers) da região, para auxiliar no cumprimento
dos requisitos regulatórios. A motivação foi o aumento de pedidos de autorizações de funcio-
namento de fundos ESG e/ou a inclusão de pontos relacionados à sustentabilidade em fundos
existentes, com objetivos mal formulados, falta de clareza e insuficiência nas informações sobre
a estratégia e os processos de gestão adotados.
A autoridade reconhece que o grande espectro de fundos ESG traz o desafio e a necessidade de
um constante aprimoramento dos dados e das métricas a serem reportados. Da mesma forma,
assinala que a intenção dos seus princípios orientadores é conectá-los com outras iniciativas
regulatórias de forma complementar e compatível com iniciativas em andamento. Isso possi-
bilitará aos investidores identificar, escolher, avaliar e comparar o grau de sustentabilidade de
seus portfólios.
Consistência: os fundos ESG/Sustentáveis devem ser refletidos na sua concepção, gestão e di-
vulgação de informações, em sua nomenclatura, objetivos declarados, regulamentos, políticas
de investimentos e estratégias assim como em suas participações.
Gestão: os fundos ESG devem ser suportados por recursos (experiência, capacidades, tecnolo-
gia, base de dados, ferramentas de análise etc.) apropriados para a sua gestão. A forma como a
estratégia do fundo é executada e o perfil das participações deve ser aderente aos seus objeti-
vos continuadamente.
Inegavelmente, os últimos anos levaram os fundos e investimento ESG para uma mudança de
patamar, tanto sob a ótica da demanda quanto da oferta, trazendo uma perspectiva positiva
quanto à evolução do ecossistema na adoção de práticas ambientais, sociais e de governança
sólidas para a obtenção de retornos financeiros de longo prazo.
8 Guiding principles on design, delivery and disclosure of ESG and sustainable investment funds. Disponível
em: https://www.fca.org.uk/news/news-stories/guiding-principles-on-design-delivery-disclosure-esg-
sustainable-investment-funds.
89
A regulação também evoluiu significativamente, mas remanescem agendas fundamentais
para que a sustentabilidade se transforme no aspecto central e transversal de todos os investi-
mentos. Qualidade nas informações, transparência, mensuração, padronização, muita educa-
ção e disseminação de conhecimentos e tantos outros aspectos deverão ser tratados com pro-
fundidade e abrangência para que os resultados econômicos se tornem tão relevantes quanto
os benefícios gerados para o nosso planeta e a sociedade, assim refletindo em uma melhor
experiência para os investidores.
Por aqui, também vemos a tendência avançando em grande velocidade, mas ainda representa
uma parcela pequena da indústria de fundos.
A indústria brasileira de fundos é a décima maior do mundo, segundo ranking da IIFA, com um
total de US$ 1,102 trilhão ao final de junho de 20219. Segundo dados da ANBIMA (Associação Bra-
sileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), de junho de 2021, ela conta com
24.364 fundos, sendo 14.057 fundos de investimento e 10.307 FICs (Fundos de Investimento em
Cotas).10
No caso dos fundos ESG, segundo a atual classificação da Instrução CVM 555, a subcategoria da
classe ações, denominada Sustentabilidade/Governança, é a única que contempla investimen-
tos sustentáveis. Apesar de contar com um patrimônio líquido total de aproximadamente
R$ 2,5 bilhões, no final de julho de 202111, ela representa somente 3,7% do total da indústria.
A evolução dos números, ainda que sujeita a algumas imperfeições, evidenciou a magnitude do
crescimento do interesse pelo tema no mercado brasileiro.
Sob o ponto de vista de relevância, a ANBIMA, que já atua em torno do assunto desde 2015 por
intermédio de grupo de trabalho e outras iniciativas, lançou em 2020 o Guia ASG ANBIMA – In-
corporação dos Aspectos ASG nas Análises de Investimentos. No mesmo ano, foi criado o Grupo
Consultivo de Sustentabilidade para dar ainda mais foco ao tema. Contando com a participação
90
de diversas instituições dos mercados financeiro e de capitais, o grupo definiu três principais
linhas de atuação: o mapeamento mais profundo da indústria, trazendo a compreensão de
como os investimentos sustentáveis são tratados pelos gestores e o aperfeiçoamento da base
de dados; a identificação de fundos ESG no mercado; e a educação de profissionais da indústria
e dos investidores.
Recentemente, um importante passo foi dado pela Associação. Foram definidos critérios para
identificação dos fundos ESG na indústria brasileira. Por conta das características desses produ-
tos, foram incluídos critérios principiológicos em vez de prescritivos, como percentual de ativos.
Tudo isso sem, contudo, renunciar à rigidez necessária para coibir iniciativas de greenwashing.
A proposta de identificação também contemplou diversos aspectos tanto das gestoras quanto
dos fundos. Foram abrangidos requisitos relacionados a compromisso, ações continuadas e
transparência, abordando políticas de integração ESG, manutenção de estruturas de governan-
ça dedicada e divulgação de informações atualizadas.
A primeira etapa de identificação envolveu os fundos de renda fixa e renda variável que pos-
suem a maior participação na indústria e, gradativamente, se estenderá para as demais classes.
Outras medidas decorrentes da identificação dos fundos estão em fase de estruturação para
permear diversas atividades da ANBIMA, como o processo de due diligence dos gestores de
recursos e a incorporação dos critérios nos códigos de autorregulação, nos processos de super-
visão e nos programas de certificação e educação continuada.
Para que o ecossistema de gestão de recursos de terceiros cumpra o seu dever fiduciário e
auxilie os investidores a alcançar seus objetivos de bem-estar financeiro de longo prazo, é im-
prescindível que tenhamos claro que essa é uma jornada que não terá mais fim. É preciso fazer
cada vez mais e cada vez melhor para entregar um resultado superior tanto sob as perspectivas
econômicas quanto as ambientais e sociais. Somente assim essa agenda proporcionará um
ecossistema sustentável.
91
CARLOS TAKAHASHI
92
Qual a relação do ESG
e as Finanças Corporativas?
ODIVAN CARGNIN
Uma das principais atividades das áreas de finanças nas empresas é assegurar uma adequada
estrutura de capital, para que as fontes de recursos que servem para financiar o crescimento
do negócio estejam sempre disponíveis e com custos adequados. A estrutura de capital precisa
estar adequada à dinâmica dos negócios, de forma a garantir estabilidade e previsibilidade.
Volatilidade é sinônimo de risco. Desta forma, cada empresa deve ter uma estrutura de capital
otimizada em função da sua realidade e dinâmica das operações. Uma empresa exportadora,
por exemplo, precisa lidar com a variação do câmbio e a estrutura de capital precisa refletir essa
realidade, considerando seus impactos na posição financeira e patrimonial. Uma estrutura de
capital ótima, em conjunto com uma dinâmica de negócios saudável, garante maior atrativida-
de da empresa junto aos investidores, possibilitando o acesso a maior quantidade de recursos
financeiros e com custos mais baixos. Quanto maior a atratividade da empresa, maior a tensão
competitiva entre os investidores e menor será o custo do capital.
93
empresa performam ao longo do tempo, especialmente na geração de caixa medida pelo Fluxo
de Caixa Livre (FCL) da empresa. Do ponto de vista operacional, duas são as principais formas
de expansão da geração de valor no longo prazo: o crescimento e a expansão da margem ope-
racional. Ambos impactam positivamente o FCL. Já uma estrutura de capital otimizada confere
menor risco e, portanto, um menor custo de capital, medido pelo WACC. A combinação de: I)
crescimento; II) expansão de margem operacional e III) custo de capital baixo confere uma con-
dição singular de geração de riqueza e prosperidade no longo prazo para as empresas.
Em janeiro de 2020, Lary Fink, CEO da BlackRock, maior gestora de recursos do mundo, afirmou
em sua carta anual que, a partir daquele momento, a gestora estaria colocando as questões de
sustentabilidade no centro das suas decisões de investimento, devido a uma iminente grande
realocação de capital que está por vir, na visão da gestora. A afirmação soou forte e um tanto
surpreendente para a comunidade financeira, acostumada a olhar investimento sob a perspec-
tiva do retorno financeiro de curto prazo. Fink abordou de forma contundente o impacto das
mudanças climáticas no mundo dos investimentos. Empresas que buscam um menor custo de
capital precisam ouvir a BlackRock.
O tema ESG, ou Sustentabilidade, não é novo. Há registros deste tipo de debate, ainda embrioná-
rio, desde a década de 60, na esteira da guerra do Vietnã, mais enviesado sobre o aspecto ético de
se investir em empresas produtoras de armamentos. Em 1972, aconteceu a primeira conferência
da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia. Na década de 80, foi
cunhado, então, o termo “desenvolvimento sustentável” que, em sentido latu senso, buscou in-
troduzir no racional das decisões de negócios a preocupação com a continuidade da humanidade.
O conceito fundamental é não fazer saques contra o futuro que possam comprometer as próximas
gerações. O relatório Brundtland (1987), “Nosso Futuro Comum”, estabelece que desenvolvimento
sustentável é aquele em as gerações atuais possam satisfazer as suas necessidades sem, no entan-
to, comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades.
Em 1994, John Elkington, conhecido como o pai da sustentabilidade, deu sua contribuição ao
criar o conceito do “Tripple Botton Line” (TBL) no artigo “Towards the Sustainable Corporation:
Win-Win-Win Business Strategies for Sustainable Development”. No artigo, Elkington traz as
dimensões social e ambiental para dentro da estratégia dos negócios, denominando de 3Ps:
People, Planet, Profit – Pessoas, Planeta, Lucro.
Já o termo ESG surgiu em 2005, no relatório “Who Cares Win”, ou “Quem se Importa Ganha”,
em tradução livre, onde um grupo de instituições financeiras organizadas no Global Compact
da ONU trouxe a importância da incorporação da perspectiva ambiental, social e de governan-
ça nas decisões das instituições financeiras. Notem que o mesmo tema, sob as letras ESG, mas
cuja essência é a mesma, agora veio à tona trazido pela comunidade financeira.
O tema sempre andou meio que na periferia do mainstrem financeiro. Iniciativas surgiram ao
longo do tempo, mas sem o impulso suficiente para provocar uma mudança estrutural nas es-
tratégias de investimento e financiamento. Em 2020, enfim, o ESG ganhou momentum.
94
A razão de agora a comunidade financeira ter conferido outro patamar ao tema é o que pre-
cisamos, de fato, entender. Obviamente não estaria a BlackRock disposta, agora, a fazer filan-
tropia com recursos dos outros ao aderir a uma onda passageira. O professor Aswath Damo-
daran, da Universidade de New York (NYU), recentemente teceu críticas ao ESG, chamando
de “overhyped” e “oversold” ao atribuir uma responsabilidade excessivamente filantrópica às
empresas em temas que deveriam ser responsabilidade da sociedade e dos governos. De fato,
há empresas tentando ocupar o espaço criado pelo ESG praticando mais o greenwashing do
que agindo de acordo com a essência dos conceitos.
No entanto, a sustentabilidade está mais para uma tese secular do que para uma simples onda
passageira. E a explicação para isso é, quem diria, econômica. ESG dá dinheiro, ou seja, confere
maior retorno aos investimentos. Essa afirmação pode soar estranha para quem enxerga no
ESG apenas uma forma de filantropia. Há, no entanto, muitos impactos econômicos trazidos
pela sustentabilidade. A filantropia é apenas uma camada superficial que turva a visão do que
está um pouco mais adiante.
Geralmente, a porta de entrada do ESG nas organizações é pela agenda do risco. Empresas
comprometidas com o ESG têm menor risco associado, pois possuem uma agenda mais in-
tensa e preocupada de compliance. O compliance adequado assegura, por exemplo, menor
risco ambiental, menor risco operacional e menor risco reputacional. Risco menor, como vimos,
significa menor custo de capital e, portanto, menor taxa de desconto do fluxo de caixa futuro da
empresa, levando a um maior VPL – Valor Presente Líquido – no cálculo do seu valuation. Ou
seja, maior será o valor de mercado da empresa.
Indo um pouco mais além, um grupo de empresas mais conectadas percebeu a mudança de
comportamento trazida pelas novas gerações, especialmente os millenials, que constituem um
grupo enorme de consumidores com hábitos de consumo diferentes da geração anterior. Em
uma pesquisa do tesouro americano, realizada em 2014, dois terços dos milenialls entrevistados
responderam que veem nas suas decisões de investimento uma forma de demonstrar seus va-
lores sociais, políticos e ambientais. No mesmo sentido, existe maior consciência dessa geração
nas questões de igualdade social, respeito às minorias, mudanças climáticas e pegada de car-
bono, dentre outras. Os millenials são o grande mercado a ser atendido e em breve se tornarão
os formadores de opinião e os detentores da riqueza. Larry Fink menciona na sua carta de 2020:
95
trilhões de dólares mudarem para os jovens nas próximas décadas, à
medida que eles se tornam CEOs e CIOs, à medida que se tornam polí-
ticos e chefes de Estado, eles irão remodelar ainda mais a abordagem
do mundo à sustentabilidade.” 1
Alguns podem não concordar, mas a mudança de hábitos das gerações mais novas é uma
realidade e as empresas precisam estar atentas. Nesse aspecto, notamos muitos incumbentes
ficando pelo caminho à medida que empresas insurgentes melhor entenderam esse público
jovem e construíram modelos de negócios que levam em consideração os seus anseios. Notem,
como exemplo, a revolução que os bancos digitais estão causando por melhor conseguirem se
conectar com o desejo dos milenials. E bate a nossa porta a geração Z, como hábitos ainda mais
intensos nesse sentido. Empresas incumbentes, administradas por gestores da geração X ou
anterior, que não entenderem essa dinâmica, provavelmente terão problemas.
E há o grupo do fortalecimento do Propósito. Ou, como diria Simon Sinek, “Qual o seu porquê”?
O legado, que não estava tanto na agenda das gerações anteriores, aparece muito mais forte
enquanto demanda das novas gerações. Para atrair talentos é preciso deixar claro qual o Propó-
sito da organização. Podemos entender o Propósito como a disposição de melhorar o mundo
com nossos compromissos e atitudes. Empresas precisam de pessoas talentosas e equipes de
alta performance, pois as mudanças estão cada vez mais rápidas e intensas. É preciso ter Pro-
pósito para atraí-las.
É notório que a mudança geracional ocorrida na última década provocou um impacto grande
na forma como as empresas fazem negócios. Adaptar-se a esses novos tempos é uma obriga-
ção de qualquer gestor à frente de uma organização. ESG é uma forma de reposicionar as em-
presas no rumo da geração de valor para todos os stakeholders (acionistas inclusive), adequada
a esse novo tempo e às novas gerações. A filantropia é importante para as empresas, dentro dos
limites do seu papel na sociedade, como do relacionamento com as comunidades do entorno.
Para além disso, existem e continuarão existindo os governos.
A discussão sobre o ESG tem esquentado à medida que os diversos agentes da sociedade e da
economia tentam entender os seus conceitos. A discussão fica inócua quando se busca refúgio
em ideologias para defender ou atacar os conceitos. Podemos discutir alguns limites, mas em
hipótese alguma ignorar a força e o impacto do ESG como forma de geração de valor econômi-
co para os negócios. A geração millenial está no auge da capacidade produtiva e determinando
padrões de consumo e de investimentos, movimentando bilhões de dólares.
Em meio a esse alvoroço, as empresas buscam se reposicionar para atender a essa nova de-
manda dos seus clientes e investidores. A busca de uma estrutura de capital otimizada e do
aumento da performance operacional das empresas passa pela conexão com o novo, com
essa nova forma da sociedade pensar e agir e, principalmente, de consumir. E isso é da natu-
reza dos negócios. Não deveria causar tanta surpresa a necessidade de as empresas muda-
rem as suas velas para se ajustarem a um vento diferente. Isso é, inclusive, parte importante
do que se aprende nas escolas de estratégia de negócios. A realidade está se impondo tanto
pelo lado dos consumidores quanto pelo lado dos investidores. Parece que boa parte das
1 https://www.blackrock.com/br/larry-fink-ceo-letter.
96
empresas está demorando para entender algo de novo que está acontecendo e a pressão por
mudanças está aumentando.
Uma das iniciativas, em resposta à demanda dos investidores, que vêm tomando corpo, é a
emissão, pelas empresas, dos Green Bonds, Social Bonds ou Sustainability-Linked Bonds. As
empresas têm emitido esses títulos, muitas delas vinculando uma redução na taxa de juros a
determinadas metas ambientais, sociais ou de sustentabilidade, como, por exemplo, redução
de emissões de carbono ou substituição de energia fóssil por energia limpa. Embora a inicia-
tiva seja louvável, uma das críticas tecidas por alguns investidores e que, entendo, faz sentido,
é que esses compromissos devem ser consequência do pensamento estratégico da empresa,
incorporados na sua cultura e não da mera conveniência de acessar recursos mais baratos,
pontualmente. As empresas com firmes compromissos ESG, naturalmente, acessarão recursos
com juros mais baixos, sem a necessidade de estabelecer step-down da taxa vinculado a metas
de algo que deveriam fazer por convicção.
O ESG está moldando a forma como as empresas fazem negócios. As novas demandas da
sociedade, provocadas pela mudança geracional, estão chacoalhando os alicerces de muitas
organizações incumbentes. É dever dos gestores buscar incansavelmente uma estrutura de
capital ótima, acessando recursos financeiros mais baratos, para que a empresa possa investir
em produtos e serviços que a sociedade, em permanente mutação, demanda. Menor custo
de capital, performance operacional superior, crescimento e conexão com o mercado aten-
dendo às suas demandas formam a equação singular de geração de valor no longo prazo, não
apenas para os acionistas, mas para todos os stakeholders.
97
ODIVAN CARGNIN
98
Qual o papel dos family offices
na agenda ESG?
ROGERIO ZANIN
Um family office precisa ter um propósito. Aqui no Julius Baer Family Office, nosso propósito é
“construir legados para um mundo melhor”. Essa frase por si só já diz o quão importante é o
pilar da sustentabilidade em nossos valores.
O papel clássico de um family office, seja ele “single” (um grupo familiar somente, SFO) ou
“multi” (vários grupos familiares, MFO), é prover assessoria financeira, gestão de patrimônio,
planejamento patrimonial, sucessório e fiscal, treinamento e educação financeira. Os family
offices que se destacam apresentam uma característica em comum: assertividade. Trabalham
junto às famílias com uma postura provocativa, não somente dizendo o que os “seus clientes”
querem e/ou gostam de ouvir, mas o que eles precisam conhecer e fazer. Antecipar tendências
e preparar as famílias para jornadas de conhecimento é fundamental.
O primeiro passo para isso é a informação. Fizemos uma pesquisa, em conjunto com a Fun-
dação Dom Cabral (Brasil Wealth Report), que, através de entrevistas com empresários e em-
preendedores, endereçamos assuntos de fundamental importância para a sobrevivência dos
negócios. Questionamos “o que faz brilhar seus olhos”? A maior parte incluiu em sua resposta
alguma espécie de engajamento em trabalhos sociais. Uma informação importante foi o qua-
se desconhecimento sobre investimentos financeiros com impacto social, confirmando uma
99
confusão com filantropia e ativismo social (mais de 70% responderam não ter conhecimento).
A sustentabilidade é valorizada, mas pouco considerada ainda nas decisões de investimentos.
Boas estruturas de governança corporativa, associadas a boas estruturas de governança fami-
liar, permitindo processos sucessórios bem-sucedidos, já são mais bem assimilados e, de algu-
ma maneira, já praticados.
Por conta desta falta de informação dos investidores, já é possível notar a quantidade de “talks”
sobre impacto, “summits” sobre investimentos responsáveis, discursos de CEOs sobre ESG, etc.
Não há dúvidas de que ESG veio para ficar. A única pergunta é: como não ficar para trás?
No Brasil, o engajamento dos family offices ainda é lento, parte pela falta de conhecimento dos
profissionais, parte dos clientes não terem demandado tantos investimentos atrelados ao tema.
Entendemos, aqui, o primeiro papel dos family offices na agenda ESG: estudar sobre o tema e
educar os clientes e suas famílias.
Acreditamos que a criação de valor de forma sustentável requer foco não apenas nos fluxos de
caixa e lucro, mas também na responsabilidade nas interações com a sociedade como um todo.
Para isso, adotar uma visão racional é crucial para os investimentos responsáveis e a integração
dos aspectos ESG deve ser aplicada em todos os processos de investimentos.
Além disso, temos consciência de nosso impacto também. O engajamento com os diversos
stakeholders, sejam clientes, gestores, companhias, entre outros, é parte do nosso processo
de aprendizagem, compartilhamento de conhecimento e direcionador de mudanças efetivas.
100
Consideremos as seguintes evidências do espaço disponível à agenda ESG:
y Investimentos responsáveis ultrapassaram os investimentos ‘tradicionais’ como alter-
nativas viáveis
◊ Os family offices veem cada vez mais as carteiras ESG-driven superando as carteiras
convencionais.
y Há opções de investimento em ESG disponíveis
◊ Os family offices acessam uma gama mais ampla de opções e com mais liberdade
de investimento em comparação com modelos tradicionais de assessoria. Como re-
sultado, são capazes de fazer investimentos com base em variáveis quantitativas
e
qualitativas, como missão social e engajamento da próxima geração.
◊ O apelo do investimento responsável cresceu à medida que a gama de opções de
investimento se ampliou. Isso ocorre porque os family offices agora podem atender
melhor às necessidades de liquidez, diversificação de risco e geografia de uma fa-
mília, ao mesmo tempo em que buscam objetivos sociais.
y Estrutura, adaptabilidade e criatividade
◊ Os family offices têm mais autonomia e capacidade inovadora na tomada de deci-
são de investimentos, além de mais oportunidades de alinhamento de valores.
y Atitudes, preferência e engajamento dos detentores de riqueza da próxima geração
◊ Quando os membros da família da próxima geração começarem a participar das
decisões de investimento, é provável que ocorra maior enfoque sobre investimento
social.
◊ Os investimentos sociais ajudam no desenvolvimento da coesão familiar e na trans-
ferência de riqueza entre gerações.
y Uma alternativa não filantrópica à filantropia pura
◊ Os family offices influenciam no longo prazo, concentrando-se em iniciativas so-
ciais potencialmente lucrativas, diversificando sua atuação social, olhando para seus
portfólios como um todo e usando fundos de impacto social para ajudar a financiar
investimentos e vice-versa.
Os benefícios do investimento responsável são visíveis para family offices que atendem famílias
com objetivos sociais e ambientais, permitindo que elas alinhem sua atividade financeira aos
seus valores. Em vez de se concentrar apenas nos retornos ajustados ao risco, os family offices
estão cada vez mais medindo o ‘duplo’ ou até mesmo o ‘triplo’ resultado: retorno financeiro +
efeito social + impacto ambiental.
Aqui, no Julius Baer Family Office, adotamos uma abordagem abrangente que combina a ges-
tão prudente dos recursos financeiros com a cidadania responsável. Criamos um ecossistema
101
holístico que vai além dos produtos financeiros para ajudar nossos clientes em sua jornada
sustentável. Nosso objetivo é fornecer valor, ferramentas e critérios de mensuração para fazer a
diferença agora e no futuro.
A sustentabilidade virou pauta corrente nos investimentos. Nossa metodologia reflete uma ten-
dência: avaliar a sustentabilidade tornou-se um componente fundamental da análise de ativos.
Incluir critérios ESG nos portfólios promove transparência e transfere mais conhecimento sobre
o impacto das alocações. Além disso, os family offices têm conseguido assumir a liderança no
desenvolvimento de produtos inovadores de investimento social.
Os family offices devem construir uma estratégia clara para iniciativas ESG. Cada família/inves-
tidor tem diferentes pontos de partida e caminhos a seguir. Construir um plano de ação garan-
te que valores, engajamento, metas e medidas de sucesso estejam todos em sincronia.
102
3. Seleção de tópicos e focos setoriais que são apropriados
y Áreas gerais de interesse, como ‘educação’ ou ‘igualdade’, devem ser refinadas pelos
family offices.
5. Acompanhar o progresso
y Os family offices devem acompanhar os investimentos em relação aos indicadores de
desempenho financeiro/social e apresentar relatórios analíticos. Eles devem revisar a
estratégia e recomendar ajustes necessários.
Para serem agentes propulsores da agenda ESG, os family offices precisam fazer a sua lição de
casa também. Dado que ainda estamos nos descobrindo no mundo ESG, há bastante espa-
ço para empresas transmitirem falsa impressão ou fornecerem informações enganosas sobre
como seus produtos e serviços são mais social e ecologicamente corretos. Greenwashing, o
nome dado ao processo, se trata de afirmações infundadas para enganar os clientes, usado
para encobrir um mau comportamento. O greenwashing não tem espaço, o exemplo tem que
ser dado de maneira genuína pelos family offices.
Exemplos do que fizemos aqui no Julius Baer Family Office. Entre todos os stakeholders, nós:
Do lado AMBIENTAL:
y Definimos uma meta para toda a empresa de economia de energia elétrica e de redu-
ção no uso de água.
y Trocamos o papel sulfite que é utilizado no escritório para papel reciclado (branco)
feito a partir do bagaço de cana-de-açúcar.
y Instalamos em nossos escritórios coletores de material eletrônico.
y Montamos um material educativo sobre a reciclagem de lixo.
y Solicitamos à administração do prédio que incluísse carregadores automáticos de car-
ro elétrico no estacionamento (os carregadores já foram instalados).
y Desenvolvemos guidelines de trabalho remoto sustentável para suportar a Política de
home office desenvolvida pelo Comitê de Gente.
y Trocamos os copos descartáveis utilizados nos escritórios por outros que são mais eco-
logicamente conscientes e minimizam seu impacto no meio ambiente.
y Com a mudança de documentos assinados em papel para a ferramenta DocuSign,
colaboramos com a preservação de recursos naturais e economia de tempo de todos.
y Através da alocação recomendada em fundos de investimento de impacto social e,
como apoiadores da Yunus Social Business no Brasil, contribuímos para o plantio de
mais de 3 milhões de mudas de árvores.
103
Do lado SOCIAL:
y Entramos no Programa de Equidade Racial, participando de discussões e trocas de
conteúdos para promover a igualdade racial.
y Enviamos comunicados internos voltados à inclusão de minorias e enaltecendo a im-
portância do dia da Consciência Negra e LGBTQI+.
y Enviamos comunicados internos voltados ao incentivo do trabalho voluntário e de divul-
gação das instituições que os colaboradores apoiam, assim como doações, dentre outros.
y Realizamos contribuições importantes, como a doação de 60 ton. de alimentos, atin-
gindo 15.000 famílias; oferecendo suporte a ONGs que acreditamos que fazem a di-
ferença (Acredite, Luta pela Paz, Fica, UniãoSP, UNIBES, Abrace seu Bairro, Hospital
Albert Einstein e Viral Cure).
y Incluímos, em todas as publicações de vagas de emprego, uma declaração afirmando
nosso compromisso com a diversidade, a equidade e a inclusão, alinhado ao nosso
código de ética.
y Com a troca de notebooks que ocorreu no semestre passado, doaremos os antigos
recolhidos para a instituição Luta Pela Paz, que irá distribuí-los para que jovens resi-
dentes na Favela da Maré possam completar seus treinamentos vocacionais.
y Criamos o primeiro grupo de afinidade LGBTQI+ para nossos colaboradores, onde fala-
mos sobre esse tema e iniciativas.
y Criamos um grupo dentro da ferramenta MS Teams para divulgar e nos informar sobre
organizações e ações voluntárias que nossos colaboradores conhecem e se envolvem,
permitindo a troca de indicações e solicitações.
y Adesão ao Programa Empresa Cidadã, possibilitando a extensão de licença parental
de nossos colaboradores: de cuidador primário e secundário em 60 e 15 dias, respecti-
vamente.
y Através da alocação recomendada em fundos de investimento de impacto social e,
como apoiadores da Yunus Social Business no Brasil, contribuímos para a criação de
mais de 5 mil empregos no Brasil.
y Entramos no grupo Unidos pela Vacina.
Do lado da GOVERNANÇA:
y Além da governança já estabelecida com Conselho de Administração, Comitê Executi-
vo, demais comitês que endereçam temas de gestão e ESG (ex.: Comitê de Sustentabi-
lidade), auditoria externa, incluímos uma cláusula em nosso contrato social para incluir
e destacar o nosso compromisso socioambiental.
y Incluímos mais uma mulher em nosso Comite Executivo.
Para o Julius Baer Family Office, o processo de investimento responsável considera os riscos
financeiros materiais de ESG com o objetivo de sensibilizar e conscientizar seus stakeholders
(principalmente gestores, clientes, companhias investidas), visando maior transparência em re-
lação aos riscos e benefícios econômicos de longo prazo para nossos clientes.
104
Esse progresso é promissor, mas obstáculos já são aparentes: encontrar um terreno comum em
termos de propósito e princípios, estabelecer critérios abertos de investimento e garantir que as
pessoas que seguem essas diretrizes sejam responsabilizadas.
Por fim, vemos as considerações apresentadas não somente como informações, mas também
como um convite para que os profissionais de family offices se engajem com essa agenda de
ESG, que veio para ficar. Lembrando que esse é um dos papéis fundamentais de um bom fa-
mily office, direcionar seus clientes.
REFERÊNCIAS
ROGERIO ZANIN
105
ESG na Estrutura de
Capital das Empresas
MARIA EUGÊNIA BUOSI
O estudo lançado pela Global Sustainable Investment Alliance reforça em números esse cresci-
mento. São USD 35 trilhões direcionados para estratégias de investimentos responsáveis entre
os principais países desenvolvidos1, que correspondem a 35% de todos os ativos sob gestão em
todas as regiões. O crescimento em regiões como os Estados Unidos impressiona, saindo de
17% para 33% dos ativos sob gestão entre 2014 e 2020. O mesmo relatório apresenta outra esta-
tística importante: 75% destes ativos vêm do segmento de investidores institucionais, mercado
que tradicionalmente direciona os fluxos de recursos globalmente.
106
O aumento do interesse pela agenda abrange todas as classes de ativos, do equity à dívida e produ-
tos estruturados, longe de se restringir ao mercado de capitais. No setor bancário, a agenda ganha
corpo a partir do fortalecimento dos mercados de dívida temática, como é o caso dos green loans,
além de um avanço significativo na agenda regulatória no mercado brasileiro e internacional. O
lançamento de relatórios como o The Green Swan, pelo Bank for International Settlement, em 2020,
ou o Report on Management and Supervision of ESG Risks, lançado pela European Banking Autho-
rity, em 2021, são acompanhados por iniciativas locais como a Agenda BC# e as recentes consultas
públicas que sinalizam o aumento da supervisão da agenda ESG pelas autoridades financeiras.
O resultado desse movimento é refletido também nas empresas: a governança desta agenda,
antes quase exclusiva das áreas de meio ambiente e sustentabilidade, invadiu as mesas dos
CFOs, profissionais de Relações com investidores, Comitês Executivos e Conselhos de Adminis-
tração. A demanda por informações, operações, indicadores e metas faz com que as empresas
precisem de se organizar para responder a esse stakeholder cada vez mais ativo – e preparado!
– para avaliar as práticas ESG de empresas financiadas e/ou investidas.
No mercado de investimentos, vimos uma onda recente de produtos ESG. Fundos de ações,
crédito privado, private equity/ venture capital ou até em produtos estruturados, como Fundos
Imobiliários ou de Direitos Creditórios, vemos crescer o número de produtos rotulados como
ESG, green ou sustentáveis. A estratégia facilita a alocação de recursos de clientes mais atentos
à agenda, além de chamarem a atenção no mercado.
O Guia Reset de Fundos ESG, elaborado em 2020 pela Capital Reset, levantou dados sobre a apli-
cação e características de cerca de 40 fundos de ações ou de crédito privado que consideram a
agenda ESG no processo de seleção de ativos e/ou composição de portfólio. Os produtos variam
em relação ao estilo de gestão, ativa ou passiva, em relação a índices de mercado ou de sustenta-
bilidade, aplicação mínima, benchmarks e, principalmente, em relação à estratégia de integração.
“De uma oferta que mal enchia os dedos das mãos, os fundos de in-
vestimentos que se dizem ESG ou sustentáveis no Brasil se multiplica-
ram em 2020 — numa curva quase tão exponencial quanto as vendas
de álcool em gel.” (Capital Reset, 2021)
Embora não exista uma regulação internacional sobre a classificação de produtos ESG – que
devem vir no curto prazo! –, algumas estratégias são reconhecidas pelo mercado na hora de
construir uma carteira ESG:
107
Best in class: alocação de recursos nas melhores empresas de cada setor ou mercado que
compõe o portfólio.
Integração ESG: análise transversal da agenda ESG em todas as empresas investidas e integra-
ção à análise fundamentalista de ativos.
Investimento de Impacto: avaliação e mensuração dos impactos positivos gerados pelos in-
vestimentos, inclusiva atreladas aos objetivos e performance das carteiras
Mas não é apenas por meio de produtos específicos que o investidor analisa as questões ESG. Em
muitos casos, gestores e analistas de investimentos consideram essas questões independente-
mente de possuírem um mandato sustentável. Se o gestor possui um dever fiduciário junto aos
seus cotistas e/ou participantes (no caso de fundos de pensão, por exemplo) e as questões ESG
impactam cada vez mais o retorno dos ativos, é responsabilidade dos profissionais de investi-
mento considerarem esses aspectos no cotidiano das suas análises e processos decisórios.
O que isso significa? Que não existe uma bala de prata! Cada investidor deve adotar a estratégia
e abordagem que melhor se encaixa na sua cultura, segmento e características de mandato. Às
empresas, a recomendação é dar a maior transparência possível às informações ESG, de forma
clara e objetiva, alinhada com a sua estratégia e drivers de valor. Mesmo que o investidor não
esteja perguntando, ele pode estar – e provavelmente está – se apoiando nas informações pú-
blicas da empresa no seu processo de decisão de investimentos.
A estruturação de capital das empresas passa também pela captação de recursos de terceiros
e, nessa agenda, muitas coisas evoluíram quando falamos das questões ambientais, sociais e
de governança corporativa. O tema não é novo para o mercado bancário, com regulações sobre
responsabilidade e risco socioambiental que vão do início dos anos 2000 e contam com um
marco para o setor, a Resolução 4.327/2014 do Banco Central. A novidade é que, além dos pro-
cessos de gestão de risco, produtos de dívida temática ganharam espaço tanto no mercado de
financiamentos bilaterais – entre as empresas e instituições financeiras – como em operações
de crédito junto ao mercado de capitais.
A classificação destas operações ainda confunde um pouco o mercado e possui sua principal
referência na International Capital Market Assotiation e na Loan Market Assotiation. Os parâ-
108
metros para classificação dependem, de um lado, do tipo de financiamento e, de outro, do uso
dos recursos.
O mercado se consolida e cresce a passos largos. Apenas entre empresas brasileiras, as emis-
sões temáticas saltaram de um volume de USD 2,2 milhões, em todo o ano de 2019, para USD 8,7
milhões apenas no primeiro semestre de 2021, segundo dados da Sitawi2. Instituições financeiras
já assumiram metas com o mercado para ampliar a participação destas emissões em seu port-
fólio de produtos dos bancos de investimento, bem como de sua carteira de crédito bancário.
2 Foram excluídas dessa base as operações de empréstimos (loans) pela dificuldade em mapear operações
bilaterais que não possuem obrigatoriedade de divulgação a mercado e que, portanto, poderiam
comprometer a comparabilidade da amostra. Pela mesma razão, foram excluídos produtos estruturados
(Fundos Imobiliários e FIDCs), já que podem existir mandatos exclusivos e outros produtos que não foram
contabilizados na base original pela indisponibilidade de informações.
109
Seja por meio de recursos próprio ou de terceiros, a agenda ESG invadiu as discussões sobre a
estruturação de capital nas empresas. O olhar, antes focado na gestão de riscos, amplia-se para
a geração de importantes oportunidades de negócio e aumento da competitividade a partir da
busca por bolsos mais atentos e, em alguns casos, mais pacientes. Dos investidores de impacto
aos multilaterais, dos bancos às plataformas de investimento, todo o Sistema Financeiro está
atento e disposto a ampliar sua atuação no tema e, no bom e velho jargão, money talks.
As questões ESG são abrangentes e permeiam boa parte do escopo de atuação do setor priva-
do. Uso de recursos naturais, poluição, mudanças do clima, relacionamento com stakeholders
(clientes, colaboradores, cadeia de valor, comunidades etc.), gestão de risco, integridade, gover-
nança, etc. fazem parte dos diversos temas que reforçam a necessidade de um olhar sistêmico
e de longo prazo para a agenda, por não se esgotarem em uma visão “porta pra dentro” das
organizações.
Temas como mudanças do clima, diversidade, preservação do capital natural, entre outros
igualmente relevantes, permeiam com mais ou menos força as discussões sobre a alocação de
recursos. Nos últimos anos, no entanto, vemos a necessidade de consolidar o diálogo em uma
agenda que orienta como deveríamos caminhar na direção de um mundo mais justo, próspero
e preservado. É esse o contexto dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), que
são, de forma bastante resumida, 17 metas assumidas nas Nações Unidas que preconizam a
promoção do bem-estar social, a preservação ambiental e a melhoria da governança global
pelo desenvolvimento. O to do list da humanidade, como diz a executiva Denise Hills, no entan-
to, não se restringe às esferas públicas para sua implementação.
Estimativas da UNEP-FI apontam para um gap de USD 2,5 trilhões em países emergentes para
o atingimento das metas até 2030. Os recursos vão além de um investimento com propósito,
o que já seria importante o suficiente. Promover o atingimento dos ODS fortalece mercados,
amplia o acesso a bens e serviços, aumenta a capacidade de inovação e visa à preservação dos
ecossistemas responsáveis pelo fornecimento de insumos e serviços essenciais à nossa socie-
dade e economia. As oportunidades são enormes, especialmente em mercados diversos e com
agendas tão relevantes nos aspectos ambientais e sociais, como é o caso do Brasil.
O olhar para essa agenda requer a atenção das lideranças e a articulação entre empresas, go-
vernos e setor financeiro. No fim do dia, voltamos à governança. É dela que parte o olhar estra-
tégico, o pensamento sobre a direção a ser seguida e a estrutura para que ela seja percorrida
pela gestão. A composição adequada de capital pode alavancar oportunidades, destravar ino-
vação e gerar valor. O custo da inação, por outro lado, pode ser mais caro que o aparente custo
da sustentabilidade.
110
MARIA EUGENIA BUOSI
111
O que é investimento de
impacto e como funciona?
JEAN-PHILIPPE DE SCHREVEL, FUNDADOR E MANAGING PARTNER, BAMBOO CAPITAL
PARTNERS
Fale um pouco a respeito das atividades da Bamboo Capital Partners, qual o propósito da
Bamboo?
O mais importante a dizer sobre a Bamboo é que o nosso propósito é causar impacto social
e ambiental no mundo usando investimentos. Não somos filantropos, ou seja, investimos pelo
retorno financeiro e acreditamos que o empreendedorismo é um forte motor para o desenvolvi-
mento econômico e impacto social. O que fazemos é a busca do uso do capital como uma força
para o bem. Muitas pessoas ainda confundem ESG com investimento sustentável, investimento
responsável e investimento de impacto, mas para nós existe muita diferença. Quando você deseja
fazer algo de bom com seu dinheiro, existem algumas opções. Algumas pessoas dizem que que-
rem retornos financeiros e não querem causar nenhum mal. Então, ao investir, excluem negócios
que envolvam armas, jogos, mineração, qualquer coisa que seja considerada ruim ou que possa
causar algum mal, e esse é o chamado investimento responsável, que consiste em uma aborda-
gem relativamente passiva. Há uma segunda categoria: quando você não quer causar nenhum
mal e quer investir em empresas que se comportem de modo sustentável. Aí entra o ESG. Então
considera investir empresas que se importem com os stakeholders, com o meio ambiente, que
paguem seus impostos, sejam transparentes e tenham boa governança, que se importem com
os colaboradores e sua cadeia de fornecedores, que não poluam. Esses são os investimentos sus-
tentáveis. E por último temos o investimento de impacto, que é o que nós da Bamboo fazemos e
que está um passo à frente. O investimento de impacto se torna uma escolha quando você busca
investimentos que não sejam somente responsáveis ou sustentáveis, mas que tragam ativamen-
te uma solução para um problema que deseja resolver. E ao fazer essa escolha, você pode definir
um escopo como, por exemplo, ajudar empresas pequenas a obter acesso a investimentos, aju-
dar microempreendedores a ter acesso a crédito para que possam sair da pobreza, investir em
energia solar descentralizada em áreas rurais no interior da África, porque os habitantes precisam
112
de acesso à energia, ajudar pessoas de baixa renda a ter acesso a programas de saúde graças à
tecnologia ou ajudar crianças pobres a ter acesso à educação. E então o capital é usado para in-
vestir nas empresas que entregam o tipo de resultado escolhido.
Atualmente, atingimos um momento no qual é muito difícil para um investidor afirmar que
não se importa com ESG e esse é um forte progresso considerando-se os últimos vinte anos.
Hoje, temos uma nova geração de jovens herdeiros que receberam seu patrimônio das gera-
ções anteriores e são mais sensíveis à questão da sustentabilidade, ao investimento no planeta,
às crises sociais e climáticas. Eu penso que essa força só irá aumentar e as novas gerações vão
forçar os investidores e bancos a realmente ouvi-los e a fazer algo com o dinheiro deles que não
se resuma somente a fazer mais dinheiro, mas ajude a resolver as grandes questões do mundo.
Esse é um movimento sem volta.
Nós estamos por aqui há bastante tempo e somos muito inovadores, além de sermos reconhe-
cidos por sermos verdadeiros à nossa missão, que é causar impacto. Temos reportado impacto,
medido impacto e temos sido muito transparentes a esse respeito. Fomos aprendendo à medi-
da que íamos fazendo o nosso trabalho, porque não sabíamos tudo no começo, mas seguimos
aprendendo muito. Agora, temos investidos aproximadamente quinhentos bilhões de dólares
ao redor de todo o mundo em mercados emergentes e mercados de fronteira. Abrimos escri-
tórios em Cingapura, Bogotá, no Quênia, em Luxemburgo e na Suíça, onde fica nossa sede, e
temos um staff de aproximadamente 40 pessoas. Estamos crescendo, e um passo importante
desse crescimento foi a parceria estratégica com um grande grupo global de consultoria de de-
senvolvimento econômico que firmamos, o Palladium Group. Ele tem cerca de quatro mil co-
laboradores em vários países e administra programas de desenvolvimento econômico multibi-
lionários para agências de desenvolvimento ao redor do mundo. Nossa parceria tem se tornado
cada vez mais estratégica e nos tornamos o braço do grupo responsável pela gestão de ativos.
ESG está chegando com força em países como o Brasil e se tornando mainstream, mas
você tem estado envolvido com sustentabilidade há mais de 20 anos. O que o levou por
esse caminho?
Na verdade, eu tenho um currículo bastante diverso. Sou economista por formação e, logo depois
de trabalhar como professor assistente em uma universidade na Bélgica, fui recrutado por
113
uma empresa de consultoria que me enviou para a Romênia, após o fim do regime do presi-
dente Nicolae Ceausescu, quando a economia estava se abrindo e havia muitos problemas. Essa
foi minha primeira experiência em um país realmente pobre que estava se unindo à União Euro-
peia. Então eu trabalhei para ONGs na África e América Latina, viajei para mercados emergentes
e você pode imaginar que, para um jovem profissional vindo da Bélgica, foi muito perturbador
ver essa realidade. Durante meu trabalho nas ONGs, eu descobri o microcrédito, ou esquema de
crédito rotativo, e fui me tornando progressivamente interessado em como as pessoas pobres
poderiam conseguir crédito para criar negócios, expandir esses negócios e então sair da pobreza.
Eu gostei muito da associação entre desenvolvimento econômico e uso do capital com propósi-
to social. Depois de fazer meu MBA nos Estados Unidos, na Wharton University, trabalhei como
consultor na Europa. Como eu podia escolher as minhas frentes de trabalho e eventuais projetos,
escolhi ir para a Venezuela, África do Sul, Índia, Argentina. Essa foi outra grande experiência para
mim. Fui escolhido CEO de uma fundação de microfinanciamento na Argentina e trabalhei na
Bolívia, onde vi muitas situações difíceis, como crianças pobres morrendo bem na minha fren-
te, no interior do país, porque não tinham acesso a médicos. Foi então que decidi fazer algo a
respeito. Voltando à Bélgica, fui recrutado pela ONU em Genebra, para trabalhar no setor de mi-
crofinanciamento. Lá, trabalhei com profissionais que me ensinaram muito, ajudaram muito e
abriram meus olhos. Depois de um ano fui escolhido como gestor de um fundo em um banco de
microfinanciamento em Genebra, onde fiquei por outro ano, e tudo ia bem quando propus para
o CEO: “vamos fazer o seguinte, você me deixa ir e eu criarei uma empresa chamada BlueOr-
chard Finance, eu administrarei seu fundo a partir dessa empresa. Você se livra de uma dor de
cabeça dentro da sua empresa, terceiriza o risco e tudo que tem a fazer é confiar no fato de que
farei um bom trabalho”. Ele confiou e foi assim que tudo começou. Nós iniciamos a BlueOrchard
com somente dez milhões de dólares no primeiro fundo e crescemos para um bilhão no prazo de
sete anos, somente emprestando para 250 micro fundos e bancos de investimento ao redor de
todo o mundo, em mais de 40 mercados emergentes.
A essa época, o meu espírito empreendedor se tornou um pouco cansado depois de fazer a
mesma coisa por sete anos. Coisa essa que, sem dúvida, era muito poderosa, útil e impactan-
te, entretanto senti que havia chegado o momento de não somente emprestar, mas também
partir para private equity e venture capital. Então criei a Bamboo Capital com a intenção de
ampliar para outros setores. Na minha opinião, se você quer ajudar pessoas mais pobres e dar
acesso aos serviços financeiros, isso é ótimo. Mas essas pessoas também precisam ter uma
casa, mandar seus filhos para a escola, ter acesso a um médico quando doentes, ter energia
elétrica – que significa acesso à informação, educação e cultura – possuir uma voz política, quer
dizer, existe todo um ecossistema do qual precisam e não há razão pela qual o capital não pos-
sa ser usado para prover esses serviços a essas pessoas. Foi com essa intenção que eu criei a
Bamboo. Como empresa, percorremos a trilha do microfinanciamento, que é um negócio de
impacto e realmente lucrativo se bem-feito. E à medida que percorríamos essa trilha, a tecno-
logia foi adquirindo um papel maior com o surgimento das fintechs. Aprendemos muito sobre
o acesso à energia limpa, energia solar, principalmente offgrid nas áreas rurais onde a infraes-
trutura nunca chega, porque é muito caro e muito difícil. Em determinado momento, fomos
bastante bem-sucedidos investindo em duas empresas que envolviam eletrificação e energia
solar em áreas rurais e fomos escolhidos pelo Banco Mundial duas vezes – uma vez para o Haiti e
outra para Madagascar – para gerenciar o progresso do processo de eletrificação nesses países.
O que posso dizer é que percebemos, depois de alguns anos, que a tecnologia tem se tornado
uma real força de impacto não só em relação aos serviços financeiros e energia, mas em rela-
ção à saúde e educação, porque a tecnologia proporciona serviços com preços mais baixos e
114
mais acessibilidade. Como temos visto na crise de Covid-19, a digitalização dos produtos como
serviços bancários e telemedicina se tornou realmente importante e é uma força que acelera a
inclusão em massa de pessoas que nunca foram atendidas antes. Há vários fundos hoje chama-
dos Tech for Impact na África e América Latina e eu suspeito que veremos um aumento desses
fundos no futuro, visto que são fundos em prol do desenvolvimento da tecnologia onde ela é
muito necessária.
Nos últimos anos temos percebido a filantropia tradicional evoluir e descobrir que, quando
se trata de um tema com o qual os filantropos se importam, há uma boa escolha chamada
blended finance, ou financiamento misto. Trata-se de uma mescla de fontes de recursos usadas
no financiamento dos negócios de impacto social. A ideia principal para efeito de exemplo é
que, em vez de doar um dólar, ou um milhão de dólares, para ONGs – e saber que esse dinheiro
não voltará – posso investir em um fundo no qual eu tenho a chance de ver o dinheiro de volta,
e com retornos. Ou seja, considerando os riscos, nada pode ser mais arriscado do que doar seu
dinheiro. Para cada dólar que invisto nesse fundo, posso obter outros quatro dólares adicionais
do setor privado, visando o mesmo objetivo. E esses quatro dólares não teriam sido adicionados
no caso de uma doação filantrópica, por exemplo, porque o dinheiro não estaria assegurado. Esse
é o mecanismo de funcionamento do que chamamos blended finance, uma grande tendência
em investimentos de impacto que está, na realidade, alavancando o capital filantrópico de
modo inteligente. E o modelo é fascinante, porque com dez ou vinte milhões de dólares de um
banco de desenvolvimento é possível levantar centenas de bilhões de dólares que vão para as
populações mais pobres. Governos em geral, a União Europeia, grandes doadores na Europa,
todos estão realmente abraçando o blended finance e investimentos de impacto. As ONGs
internacionais e agências da ONU estão descobrindo que o modelo tradicional de doações está
sendo testado e desafiado e que, em vez de receberem doações e gastá-las, devem abraçar
os investimentos de impacto. De repente, a UNICEF, o UNDP (United Nations Development
Programme) e o World Food Programme, entre outras, começaram a adotar investimentos de
impacto e criar suas unidades de financiamento inovador.
Há aproximadamente três anos, nós refletimos e percebemos que aprendemos bastante nos
dez anos anteriores. E então definimos que nosso posicionamento não teria mais exclusiva-
mente esse olhar para dentro, para a gestão de ativos e para os fundos. Seríamos uma pla-
taforma aberta a parcerias. Essa decisão combinou com um movimento da ONU de assumir
que precisava do setor privado, da parceria público-privada, dos investimentos de impacto e do
conhecimento dos gestores de fundos. Nesses últimos três anos, começamos a firmar parcerias
com diversas agências da ONU e ONGs internacionais em vários países e temos sido procura-
dos por várias agências que têm visto essas parcerias, compreendido e dito: “queremos fazer
essa parceria com vocês”. São parcerias muito interessantes, visto que se associar às agências
da ONU agrega à nossa reputação. Eles possuem a chamada “presença no solo” – são milhares
de colaboradores espalhados nos locais de interesse –, eles também possuem a capacidade de
115
oferecer assistência técnica e ainda podem continuar a fazer doações se for o caso. Cá do nosso
lado, temos nossa expertise em fazer gestão de portfólios, em due diligence, gestão de fundos,
processos de investimento, tudo com a disciplina do setor privado.
Nossa visão é clara. Permanecemos ativos junto ao nosso nicho de interesse definido da seguin-
te forma: empresas inovadoras, pessoas realmente pobres, ambiente difícil, empresas em está-
gios iniciais que são bastante inovadoras e estão criando verdadeiro impacto social e ambiental
duradouro. Isso não muda.
O Brasil está vendo um boom de novos investidores que ainda estão amadurecendo em
termos de educação financeira e sustentabilidade. Como enfrentar o desafio de demons-
trar a relevância do investimento de impacto agora que vocês estão vindo para o país?
Eu vi isso acontecer antes, esse foi o caso em outros países e penso que o Brasil não é exceção.
Trata-se de uma combinação de alguns fatores nesse processo. As pessoas querem que seu
dinheiro seja bem investido e é importante liderar e demonstrar pelo exemplo. Não seremos
grandes inicialmente, começaremos pequenos, fazendo investimentos, mostrando resultados
financeiros, ambientais e sociais. À medida que seguirmos em frente, compartilharemos na
imprensa, em conferências e as pessoas começarão a perceber que há algo que funciona, que
fazemos negócios. Outro passo importante é encontrar um parceiro reconhecido em private
equity e venture capital, um investidor tradicional que tenha o desejo de se associar a um in-
vestidor de impacto para aprendizado. E isso gira uma engrenagem que chega ao crescimento
exponencial mais à frente.
Para cada fundo que lançamos, temos o que chamamos de teoria da mudança, que orienta
nossas métricas. Vamos supor que haja um problema de acesso à energia limpa em uma área
rural e milhares de pessoas usam carvão e queimam querosene para obter energia, o que não é
bom nem saudável, e nós queremos trazer energia para suas casas de modo sustentável. Então
encontramos uma empresa que o faça e seguimos em frente. As métricas denominadas métri-
cas de saída, nesse exemplo, seriam: toneladas de CO2 removidas, número de vilas com energia
elétrica, número de casas com energia elétrica e preço de aquisição dos sistemas, métricas bem
específicas e tangíveis. Mas o problema foi resolvido? Trouxemos mudança? Qual o resultado?
Realmente trouxemos energia elétrica sustentável para aquela população? O resultado é mais
difícil de medir, só podemos inferi-lo. O real teste passa a ser a voz daquela população, o que
eles dizem sobre o resultado das ações. Esse teste é muito útil porque ao fazermos perguntas
àquela população saberemos se a empresa realmente gerou o impacto que ela disse que ge-
raria. Medimos a mudança. E então, com o tempo, surgiu um outro modelo de investimento,
com base nesse princípio, chamado outcome-based financing. Ele é um refinamento dos in-
vestimentos de impacto e eu o vejo como a próxima onda. Nesse modelo, os investidores nos
permitem dizer às empresas daquele portfólio que se elas puderem provar que realmente trou-
xeram energia elétrica àquela determinada população, sua taxa de juros será reduzida para 4%,
por exemplo. Esse é o outcome, ou resultado.
116
O investimento de impacto está diretamente associado à inovação?
Sim, ele é inovador de muitas maneiras. Desde a estruturação do produto, do fundo, até uma
associação entre pools de capitais que não se comunicavam antes. É inovador porque uma or-
ganização pública hoje pode se associar a uma organização privada, ou uma ONG à ONU, por
exemplo. Hoje, não precisamos abandonar os retornos financeiros para fazer o bem. Podemos
optar por ambos ao mesmo tempo e podemos inovar em relação a maneiras de emprestar e
investir. Em um outro exemplo, alguns investidores de impacto em startups hoje escolhem não
mexer no equity da empresa ou colocar esse fardo no lucro obtido, mas sim olhar para a receita.
Lucro e equity permanecem protegidos. Isso não existia antes e é inovação para a obtenção de
impacto. Um outro aspecto importante da inovação se trata daquilo que estamos financiando.
Healthtechs, telemedicina, serviço remoto de diagnóstico médico, satélites usados para mo-
nitorar o solo e encontrar problemas com a colheita, inteligência artificial e toda essa tecnolo-
gia inovadora que vemos hoje está bem no coração do impacto. Então podemos dizer que a
inovação pode ser encontrada na estruturação do produto, na tecnologia, no investimento, na
associação de parceiros e nos novos modelos de negócios.
Um exemplo é por meio deste livro que vocês estão escrevendo, da disseminação do que já
existe em outros lugares do mundo ou no Brasil. Existe, por exemplo, uma rede global chamada
Global Investment Impact que tem toneladas de informações e estatísticas para serem usadas.
Por meio das conferências da indústria financeira, das universidades. Tenho feito isso – essa dis-
seminação – repetidamente pela Europa, na Holanda, em Luxemburgo, na Suécia, Alemanha.
Nas associações de gestores de ativos, convidando as pessoas para falarem e contarem suas
histórias e quais os retornos obtidos. Faz vinte anos e eu não consigo nem contar o número de
conferências das quais já participei, literalmente, sempre repetindo a mesma história: “isto é
investimento, não é filantropia, e nós medimos o impacto, é assim que funciona, e é assim que
pode ser feito, aqui estão os dados, as estatísticas, nós podemos fazer”.
Você pode contar alguma história de sucesso sobre investimentos de impacto da qual você se
orgulha?
Ah, penso em um país de grandes números, claro, a Índia. Quinze anos atrás começamos a
investir em microfinanciamento na Índia e os números foram ficando grandes e importantes.
E, hoje, um dos projetos se trata de um banco para microfinanciamento que atende mais de
três milhões de pessoas de áreas rurais, bem pobres, com valores que giram em torno de cem
dólares. Mas há muitos outros casos. Na Bolívia, o banco FIE é espetacular. Trabalha em sua
maioria com mulheres e pobres índios. Eles possuem um ou dois bilhões em ativos no portfólio
de empréstimos e se tornaram um dos bancos mais importantes do mercado em um país tão
pobre. É incrível ver o poder que o capital bem administrado por pessoas bem-intencionadas
pode ter junto a empreendedores tão pequenos...
117
JEAN-PHILIPPE DE SCHREVEL
118
Panorama dos Investimentos
Sustentáveis no Brasil e no
Mundo
ENTREVISTA COM FERNANDA CAMARGO
Fernanda Camargo: Em cada lugar do mundo, o ESG está num estágio diferente. Essa agenda
começou na Europa, por pressão climática. O tema por lá já está bem desenvolvido. Investidores
de todos os tamanhos já demandam esse olhar, a regulação está bem adiantada. Mas até hoje o
foco no ambiental ainda perdura – eles não têm problemas sociais como nós. Os acionistas co-
bram posições das empresas e o regulador europeu endureceu as regras contra o greenwashing.
Nos Estados Unidos, o tema havia esfriado durante o governo Trump e, agora, com Biden, vol-
tou. Mas apesar da meta de atingir zero emissões de gases de efeito estufa no setor da energia
até o ano de 2035, Biden não assinou o acordo global para banir carvão até 2035 na Cop26.
No Brasil, o ESG está começando a ser levado mais a sério. Temos sofrido pressões regulatórias
e comerciais de outros países. A agenda regulatória acelerou muito no último ano com o Banco
Central, CVM, CMN e Anbima trazendo novas regras no sentido de aumentar a transparência e
reduzir o greenwashing.
Carlos Braga: O que você acha destas recentes alterações na legislação europeia?
Fernanda Camargo: O que aconteceu na Europa (e está acontecendo aqui no Brasil agora) é
que todo mundo encaixava qualquer coisa para falar que era sustentável, ESG e afins.
As novas regras do Regulamento para Divulgação de Finanças Sustentáveis, ou SFDR (em in-
glês) contra o greenwashing, foram introduzidas em 2021 e exigem que os gestores avaliem e
divulguem as características ESG de seus produtos financeiros. Segundo a nova classificação
de gestores do SFDR, agora com padrões mais elevados, os fundos do Artigo 8 são aqueles
que promovem ativamente características ambientais ou sociais, enquanto os do Artigo 9 têm
como objetivo o investimento sustentável. O SFDR redefiniu o padrão do que pode ser cha-
mado de investimento sustentável, referindo-se a apenas um subconjunto do que costumava
ser incluído. Por isso, quando analisamos o volume de investimentos sustentáveis na Europa,
vemos uma queda considerável, mas, na verdade, trata-se desta barra mais alta.
119
O que acontecia lá e ainda acontece aqui é que vemos muitas empresas grandes falando de
compromisso net zero para 2030, 2050, e quando vamos ler nas entrelinhas a empresa está
falando apenas de escopo 1, enquanto 95% do carbono da companhia é escopo 3. Gastam uma
fortuna de marketing para falar disso, sendo que não tem grande efeito prático. Uma aborda-
gem ESG requer mudanças no sistema de produção da empresa e para fazer isso demora, é
cultural, principalmente em empresas grandes, com plantas em diversos lugares. Então, muitas
vezes, quando da noite para o dia, a empresa fala que já é ESG, você pode ter certeza de que
ainda não é! Quando você vai ver, nada mudou nas receitas de produtos.
O artigo 9 do SFRD é mais duro no sentido de as instituições financeiras que estão financiando
essas indústrias deverão ser penalizadas no seu balanço.
Fernanda Camargo: Aqui ainda estamos numa fase anterior. Logo depois do começo da pan-
demia, em 2020, nasceram inúmeros fundos com nomes “sustentável” e “ESG ”. Achamos in-
trigante: “Onde os gestores estão investindo? Se não existem tantas empresas com perfil ESG,
eles vão investir onde? Nas mesmas”. Será que todos esses gestores tiveram tempo para criar
processos, metodologias, frameworks para fazer tudo isso? Óbvio que não. Mas como temos
uma geração pedindo produtos sustentáveis; é do interesse de grandes casas colocar essas
denominações para vender mais. A indústria financeira está vendo um cheque muito grande
vindo de millenials e geração z – estima-se que 30 trilhões de dólares trocarão de mão nessa
década – em busca de investimento sustentável, de impacto etc. Então, enquanto temos essa
indústria financeira louca para vender para esse público, a parte triste disso tudo é que pou-
quíssimos estão, de verdade, fazendo a mudança de forma consistente. Então, investidor acha
que está comprando um produto que está ajudando o mundo e, no final, não está.
Carlos Braga: Você acha que essas casas não estão correndo muito risco de soltarem esses
produtos e em algum momento serem expostas?
Fernanda Camargo: Não tem muito risco, porque os contratos estão cheios de disclaimers (“avi-
sos legais”) as isentando de responsabilidade. O marketing é de um jeito, mas depois vêm os
disclaimers e poucos os leem com atenção. É triste, pois instituições grandes deveriam estar
fazendo algo de verdade, indo até a ponta, checando, analisando o impacto real. A indústria
acaba fazendo uma mistura de aspectos que são relevantes e outros que não são, depois carim-
ba como verde e vende. A preocupação maior é com receita, em levantar fundos. Falta preocu-
pação genuína com o planeta que vamos deixar para as futuras gerações.
Fernanda Camargo: Acredito que os órgãos reguladores entendem a importância de dar mais
transparência ao investidor – quem quiser usar esses termos (ESG & Investimento Sustentável)
120
deve apresentar um “framework” de investimentos adequado, mostrar como está fazendo, me-
dindo e checando isso tudo.
As novas regras do Banco Central e do Comitê Monetário olhando para risco climático têm
como base o TCFD (Task Force on Climate Related Financial Disclosures). Elas trazem medidas
como, por exemplo, a vedação de crédito para empresas que não estejam com o CAR (Cadastro
Ambiental Rural) regularizado ou em área proibida; a obrigatoriedade de instituições financei-
ras calcularem o risco climático e colocar esse risco no custo do empréstimo.
A CVM, no final de dezembro, divulgou a Resolução CVM 59, alterando a Instrução CVM 480,
que trata das informações públicas a serem apresentadas no formulário de referência pelas
companhias de capital aberto.
A partir do momento em que as práticas ESG se tornam de conhecimento público, como ocor-
rerá com as empresas de capital aberto, inicia-se um processo irreversível de aferição de valores
por parte dos diversos stakeholders, o que invariavelmente afetará comportamentos, relações
de consumo e decisões de investimento.
Isso tudo é novidade, está acontecendo agora; são exigências que acabaram de sair e entram
em vigor este ano. Muitas instituições financeiras deverão ter áreas especializadas para atender
essas exigências.
Não podemos esquecer da pressão vinda do lado da exportação. Muitos acham que é uma questão
geopolítica, em parte pode até ser, mas não teremos escolha. O movimento não tem mais volta.
Grandes exportadoras que ainda não calculam seu inventário do carbono vão ter que calcular.
Os bancos, para conceder crédito, vão ter que estimar de qualquer maneira, e o mercado euro-
peu já avisou, por exemplo, que não vai comprar nosso aço se as emissões não forem zeradas.
Acredito que todas essas barras ainda vão subir muito, embora esse mercado de carbono re-
gulado que nasce com o artigo seis do Acordo de Paris ainda tenha muitos pontos para serem
amarrados (2).
O Brasil tem uma oportunidade épica de se beneficiar com essa economia verde. Pode receber
recursos e investimentos na bioeconomia. Deveríamos estar preparando maneiras para mone-
tizar todo esse que só o Brasil tem.
121
Carlos Braga: Parece óbvio que é uma oportunidade para nós, mas eu tenho a impressão
de que o nosso mercado financeiro não olha com muita atenção para isso, exceto poucas
casas especializadas que tratam do tema. Você também vê desta forma?
Fernanda Camargo: Segundo uma pesquisa que a Anbima acabou de divulgar, Pesquisa de
sustentabilidade no mercado de capitais, o tema vem ganhando mais importância nas gesto-
ras – 86% das 250 instituições entrevistadas consideram o tema importante. No entanto, investi-
dores institucionais e fundos de pensão ainda não fizeram um grande movimento. A Resolução
4661 ainda diz que os fundos de pensão devem levar em consideração, na análise de riscos, os
aspectos ESG sempre que possível. Muitos ainda olham para a agenda ESG como custo – essa
visão deve mudar.
Além de casas que já têm tradição do assunto, como Fama ou Constellation, a JGP, por exem-
plo, embarcou profundamente no tema e até provocou as outras assets a assinarem compro-
missos, como o Net Zero Asset Managers Initiative. Casas como Dynamo, Dahlia e outras vêm
se aprofundando cada vez mais.
Na Wright Capital somos alocadores, não temos investimentos diretos em ativos, mas temos
mapeado toda a nossa carteira. Ainda é um desafio. Fazemos isso de forma artesanal, falamos
com cada gestor e mapeamos como cada um trata os critérios ESG, como estão olhando para
a regulação mercado de carbono, etc. Aqui, nós estamos tentando mapear riscos e oportunida-
des. É um trabalho difícil, pois ainda tem muita estimativa e, dependendo da gestora que você
fala, os números são diferentes.
Muitas empresas usam seus próprios métodos para cálculo de emissões. Somente 33 empresas
brasileiras estão usando o Science Based Targets Initiative (SBTI) e, dentre essas, poucas esta-
beleceram metas.
Do ponto de vista da precificação do carbono, gestores com posição em empresas que trans-
formam lixo em biogás vão se dar bem, a conta do carbono fica positiva para eles. As que têm
investimento em combustível fóssil, no curto prazo, podem ir muito bem, dada a crise de ener-
gia, mas no longo prazo essa conta vai pesar.
Depois da COP26, eu percebo que as pessoas estão buscando entender melhor os impactos da
regulação do carbono. Mas poucas as gestoras se atentaram para esse negócio não apenas do
ponto de vista de oportunidade, mas também de risco. Algumas indústrias vão ser penalizadas.
A transição para um mercado de baixo carbono vai custar, não vai mais ser de graça. Alguns
gestores já entenderam isso. As medidas dos reguladores ainda são muitos recentes e o merca-
do está digerindo, mas isso deve começar a impactar o preço dos ativos daqui a pouco.
Carlos Braga: Em uma discussão recente, na FDC, alguém levantou a ideia de que uma boa
forma de defender a Amazônia seria demostrar o que vai acontecer com o agronegócio dos
próximos 20 anos se a floresta não for protegida. Não vemos muito esse ângulo do impac-
to do regime de chuvas na análise de negócios, então tem uma questão de comunicação
ainda?
122
Fernanda Camargo: Exatamente. Não é garantido que vá chover. Veja o que aconteceu em 2021,
com a crise hídrica. Devemos nos questionar. Tem um artigo interessante do financista Sasja
Beslik, em que ele imagina o mundo em 2050: “Bom, estamos aqui em 2050 e agora temos
pouquíssimos grandes grupos, riquíssimos, que detêm as poucas reservas de água e floresta
que sobraram”.
É importante falar que a maior parte das emissões de gases de efeito estufa do Brasil vem do
desmatamento. Parte disso é pecuária, mas uma parte muito grande é especulação imobiliária.
Desmatar tem sido um bom negócio. E aqui, sim, é importante comunicar melhor, mas além
disso, a questão legal e de segurança precisaria ser muito mais forte.
Carlos Braga: Mas aí vemos aqueles números bacanas: o Brasil tem 20% da biodiversidade,
12% da água potável... Nós estamos fadados ao sucesso nesse mundo complexo porque
estamos sentados na água potável e biodiversidade, que são a nova riqueza, ou estamos
fadados ao fracasso em função da nossa própria incompetência? E o mercado financeiro
brasileiro, por estar na centralidade dessa agenda, não deveria deixar o papel de follower
para ser líder nesses temas?
Fernanda Camargo: A gente pode ter sucesso ou fracasso, dependendo de como vamos agir.
Estamos realmente sentados em uma riqueza infinita, mas será que sabemos como aproveitar
isso? Eu recomendo a leitura de Arrabalde, uma série de reportagens que João Moreira Salles
publicou na revista Piauí, sobre como nós brasileiros ocupamos e entendemos a Amazônia.
Ele descreve como foi a ocupação desde o início, como aquela complexidade da floresta era
muito difícil para os imigrantes europeus... e como eles transformaram a complexidade em
simplicidade: tira floresta e coloca no lugar a plantação, que era algo que eles conheciam. Tem
uma passagem que conta que um padre jesuíta estava em uma missão no meio da Amazônia
e estava passando fome, não tinha a menor ideia de como se alimentar na floresta. Em outra
passagem, um morador local o convida para sua propriedade e mostra de um lado sua fazenda
e, do outro, apontando para a floresta, diz: “Ali não tem nada”. O nada é a Amazônia... O brasilei-
ro considerou aquilo como nada, como algo complexo, difícil de entender, e por não entender
transformou em algo simples.
No final ele discorre sobre as soluções baseadas na natureza (nature-based solutions), que vão
desde infraestrutura verde, cidade verde, mas também o tal do Plant Based (soluções alimen-
tares baseadas em plantas). Empresas como a NotCo e Impossible Burger estão desenvolvendo
produtos como leite, maionese, carne etc., com sabor similar aos tradicionais, mas baseados
apenas em plantas, com base em inteligência artificial e algoritmos. Nesse sentido, quando
vemos a JBS, maior frigorífico do mundo, valendo USD17 bilhões, e a Impossible Foods, que
nasceu há 10 anos valendo USD 10 bilhões, fica claro que existe um movimento aqui. A Beyond
Meat assinou um contrato para vender hamburger feito de planta com o McDonalds e já vale
USD4 bilhões. A BRF vale USD 3,4 bilhões. Não deveríamos pensar que o Brasil pode estar des-
truindo seu maior tesouro?
123
Carlos Braga: Então, aqui é um sopro de esperança? Você vê que tem uma parte da ciência
brasileira que teria condição de pesquisar e explorar esses recursos?
Fernanda Camargo: Sim, mas a gente precisa investir em ciência e ponto. Precisamos de cien-
tistas. Precisamos remunerar e valorizar esses cientistas. Mas veja: temos um acelerador de par-
tículas em Campinas, o Sirius, e quase ninguém conhece.
Fernanda Camargo: Aonde nós vamos sem o S(ocial) eu não sei. De maneira geral, no mundo,
vemos um peso muito grande no E(nvironamental) – ambiental. Temos conversas com o GRI
(Global Report Initiative) sobre como aumentar o peso do S(ocial) no Brasil. Se só pensarmos
no E(nvironamental), teremos problemas maiores ainda. Somos um país desigual, então pre-
cisamos pensar o S(ocial) primeiro. Ou então pensar em como fazer para o E(nvironamental)
ajudar a resolver o S(ocial). Devemos refletir como todas essas novas tecnologias de descarbo-
nização, novos tipos de produções, bioeconomia, etc. podem ajudar a gerar empregos. E mais
um ponto: como fazer a remuneração pelos serviços ambientais chegar às pessoas que vivem
na Amazônia.
Carlos Braga: Concordo 100% que o E(nvironamental) traga soluções para o S(ocial). As
ações afirmativas já foram bastante criticadas e agora estão sendo mais bem aceitas. E o
que você acha das ações de diversidade e inclusão nas empresas?
Fernanda Camargo: De novo, temos dois lados. Tem o lado de quem entendeu que é importan-
te ter diversidade, porque vai ter uma empresa melhor, mais inovadora, com uma cabeça mais
aberta, e muitas empresas já estão investindo nisso. Por outro lado, dá um trabalho imenso
investir nisso. É preciso buscar gente em outros lugares e investir nessas pessoas. É preciso criar
um ambiente saudável para essas pessoas.
Na Wright Capital, fazemos parte do “Pacto pela Equidade Racial”. O Pacto está chegando em
entidades como a Anbima, a Febraban e outros. A ideia do Pacto é que haja investimento no
desenvolvimento de pessoas por parte da empresa aderente. Algumas pessoas argumentam
que esse investimento não deveria ser obrigatório, mas se não houver investimento não tem
como fechar o gap. Se grande parte dessas pessoas não teve condições nem oportunidades,
como pode se esperar que sejam tão preparadas quanto aqueles que frequentaram as melho-
res escolas? Temos que investir nas pessoas.
124
Carlos Braga: Eu tenho a impressão de que existe uma nova geração de gestores de 30-35
anos já incorporando isso de uma forma mais natural. Estou correto nesta análise?
Carlos Braga: Qual a sua opinião sobre o papel do regulador: seguir o mercado e aperfei-
çoar os detalhes ou liderar algumas agendas? Esse é um debate importante: regular, autor-
regular ou deixar o mercado tocar?
Fernanda Camargo: A autorregulação é sempre o ideal, é mais fácil..., mas em algumas coisas
o regulador não vai ter escolha, vai ter que intervir, até porque temos que nos adaptar aos pa-
drões internacionais se quisermos transacionar com o resto do mundo. Isso me lembra uma
passagem do livro “O Pequeno Príncipe”, o acendedor de lampiões. A função dele era apagar e
acender o lampião uma vez por dia. O dia tinha muitas horas. Só que o mundo começou a girar
rápido e o dia ficou curto e ele não podia mais nem dormir. O Pequeno Príncipe pergunta: “Se
o mundo mudou, porque você não para de fazer isso?” “Não posso. O regulamento é esse. O re-
gulamento não mudou”. Acho que é um ensinamento. Vamos ter que mudar porque o mundo
mudou.
Carlos Braga: Uma abordagem para aumentar a conscientização sobre o ESG é tratar dos
riscos associados a essa agenda. Aí, quando o gestor começa a entender a gravidade da
situação, você percebe que ele se interessa em se aprofundar no tema. Você também tem
esta impressão?
Fernanda Camargo: Por isso que acho que o mercado não vai resolver de forma
espontânea e vamos precisar de regulação. Você tem casos em que os gestores
sofreram com o desastre de Brumadinho e com preços de ações da Vale, por exemplo.
Mark Carney, líder da iniciativa TCFD, conseguiu traduzir para o mercado o tamanho do risco
ao explicar que os desastres climáticos estavam cada vez maiores e mais imprevisíveis e que,
diante dessas estatísticas, os prêmios de seguro iriam subir e as seguradoras teriam que pagar
por todos esses desastres, o que em 2015 era estimado em 30 trilhões de dólares. Quando você
pensa em vender 30 trilhões de ativos para levantar recursos, você derruba o mercado.
Sou otimista. Acordo todos os dias para tentar melhorar nosso mundinho. Dentro de cada uma
dessas grandes instituições, como CVM, Anbima e Febrabn, tenho conhecido seres humanos
iluminados, e esses pontos de luz ajudam muito a empurrar a montanha. Não são todos, ainda
são exceções, mas quando decidem fazer, empurram mesmo! Então eu sempre fico procuran-
do “cadê essa turma?”. São eles que estão dispostos a gastar um tempo maior da vida deles
para fazer algo que está fora do seu escopo de trabalho, para ajudar a fazer melhor.
125
Carlos Braga: E, ao longo desses últimos anos, você tem encontrado mais seres humanos
iluminados para poder te ajudar?
Fernanda Camargo: Sim, muitos e cada vez mais. Estamos vendo as coisas piorarem, então as
pessoas entenderam que têm que fazer alguma coisa. Além do que, muita gente está procu-
rando um propósito maior na vida. Muitos estão pensando sobre o que estão fazendo aqui nes-
sa encarnação. Acho que, principalmente com a pandemia, muitas pessoas acordaram e fala-
ram: “Deixa eu fazer alguma coisa significante. Não vou passar por essa existência em branco!”.
Tem uma mensagem sufi que fala sobre os que estão dormindo, os que já estão balanceando
no berço e os que estão acordando. Os que estão dormindo, deixa, porque não é hora de acor-
dá-los. Os que já estão balançando no berço, você já pode ir lá conversar com eles. E os que já
acordaram são os que estão fazendo a diferença.
FERNANDA CAMARGO
126
“Como funciona a gestão
do risco ESG no mercado
bancário e corporativo?”
VINICIO STORT E CARLOS BRAGA
Temas ESG no mercado bancário distinguem-se entre aspectos internos operacionais ligados
à gestão de riscos e aspectos estratégicos importantes para a competitividade e para o cum-
primento da função econômica do setor bancário. Aspectos internos relacionados ao ESG são
fortemente estimulados pela regulamentação do setor por bancos centrais e instituições de
controle. Por outro lado, estrategicamente, bancos são pilares centrais da implementação de
práticas associadas ao tema ESG em toda cadeia de financiamento da economia.
1 https://www.bis.org/publ/bcbs04a.pdf.
127
A inclusão de riscos relacionados aos temas ESG são prioridades nas discussões regulatórias
atuais. Na visão de órgãos reguladores, variáveis de governança trazem riscos significativos para
confiança dos mercados e potenciais perdas financeiras por questões de fraude e transparên-
cia. Elementos socioambientais e climáticos também passaram a serem vistos como riscos à
estabilidade financeira de países e regiões. O risco climático, por exemplo, pode trazer riscos
físicos decorrentes da maior frequência de eventos extremos (secas/enchentes) e riscos finan-
ceiros de transição decorrentes da mudança para uma economia de baixo carbono.
Além dos 12 princípios básicos de governança, Basileia também possui o princípio número 13,
relativo ao papel dos supervisores e reguladores.
No Brasil, o Banco Central do Brasil (BACEN) segue os maios rigorosos princípios desenvolvidos
internacionalmente para efetiva práticas de governança do sistema bancário. Destaque para re-
gulamentações sobre a estrutura de gerenciamento de riscos e a estrutura de gerenciamento de
capital, resolução 4.557, de fevereiro de 2017. A resolução assegura as funções do Diretor de Riscos,
Diretores Executivos e Conselho. Segundo a resolução, instituição devem estabelecer condições
adequadas para que o CRO exerça suas atribuições de maneira independente e possa se repor-
tar, diretamente e sem a presença dos membros da diretoria, ao comitê de riscos, ao principal
executivo da instituição e ao conselho de administração. Outra importante resolução no arcabou-
ço regulatório do BACEN para efetiva governança do sistema bancário dispõe sobre a política de
conformidade (compliance) das instituições financeiras (resolução nº 4.595, de agosto de 20173).
2 https://www.bis.org/bcbs/publ/d328.pdf.
3 https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/
Attachments/50427/Res_4595_v1_O.pdf.
128
No mercado bancário brasileiro e mundial, governança é requerimento para instituições pode-
rem operar. Evoluções contínuas focadas em transparência e divulgação de informação man-
têm o tema de governança prioritário.
Questões ambientais e sociais estão cada vez mais presentes e aprofundadas no sistema re-
gulatório para instituições operando no mercado bancário. O Brasil tem papel protagonista na
regulação ambiental e social e vem estudando mudanças significativas nos requerimentos do
mercado financeiro.
I - Sistemas, rotinas e procedimentos que possibilitem identificar, classificar, avaliar, monitorar, mitigar
e controlar o risco socioambiental presente nas atividades e nas operações da instituição.
II - Registro de dados referentes às perdas efetivas em função de danos socioambientais, pelo período
mínimo de cinco anos, incluindo valores, tipo, localização e setor econômico objeto da operação.
III - Avaliação prévia dos potenciais impactos socioambientais negativos de novas modalidades de
produtos e serviços, inclusive em relação ao risco de reputação.
Enquanto o órgão regulador estabelece princípios para a construção de PRSA, instituições fi-
nanceiras brasileiras são mundialmente reconhecidas pela profundidade de abordagem do
tema. Bancos brasileiros publicam suas PRSA com características próprias, que são componen-
tes centrais de gestão de riscos e de políticas de sustentabilidade.
4 https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/
Attachments/48734/Res_4327_v1_O.pdf.
5 https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2014/pdf/res_4327_v1_O.pdf.
129
social, do risco ambiental e do risco climático, e a ampliação da divulgação de informações
sobre os riscos e oportunidades de negócios relacionado ao socioambiental.
Atualizações sobre o tema socioambiental e climático foi objeto de consulta pública do BACEN
de abril a junho de 2021 (consulta pública 85/2021). A consulta trouxe uma série de propostas nor-
mativas para o refinamento do gerenciamento do risco social, do risco ambiental e do risco climá-
tico aplicáveis às instituições financeiras. Uma das mudanças importantes prevista é a expansão
das regras de PRSA para o risco climático, no futuro PRSAC. A proposta de evolução normativa foi
baseada em uma força-tarefa (Task Force on Climate-related Financial Disclosures, TCFD) coor-
denada pelo Comitê de Estabilidade Financeira (FSB) que visa desenvolver recomendações para
permitir harmonização da divulgação dos riscos e oportunidades de negócios associados às mu-
danças climáticas de forma clara, comparável e consistente. O TCFD foca em quatro elementos
centrais: governança, estratégia, gerenciamento de riscos e métricas e metas.
O mercado bancário vive uma transformação significativa ligada a temas ESG muito além dos
fatores regulatórios. A inserção do ESG como fator decisório nas atividades bancárias e transações
financeiras passaram a ser fundamentais para a sobrevivência e crescimento das instituições do
setor. Inserção ESG é, hoje, um elemento central de risco estratégico para o mercado financeiro.
Há uma consonância de opiniões de que o mercado bancário brasileiro continuará sendo prota-
gonista na inclusão da temática ESG na estratégia de seus participantes. Instituições operando
no mercado bancário que não se adaptarem à integração das práticas ESG deverão ter acesso
a funding limitado ou financeiramente pouco competitivo. Um exemplo dessa tendência é o
aumento significativo de emissões de títulos temáticos ligados ao ESG. Bancos, empresas, go-
vernos e outras entidades dos mercados de capitais estão mais e mais emitindo “Títulos Verdes,
Sociais e Sustentáveis”, instrumentos de dívida com a finalidade de atrair capital para ações
com propósito de impacto socioambiental positivo.
Para a emissão de bônus sustentáveis, instituições devem ter gestão de riscos ESG robustos, com
maneiras reconhecidas de categorização e justificativa ambiental e social. Investimentos ou em-
130
préstimos subjacentes devem manter vínculo sustentável de acordo com as expectativas da emis-
são (“use of proceeds statements”). Regras de utilização tendem a ser claras, ainda que possam
abranger termos financeiros variados e flexibilidade setorial. Em 2020, o mercado mundial de renda
fixa temático foi de cerca de US$ 700 bilhões, mais que o dobro do volume movimentado em 2019.
RobecoSAM Total Sustain- Classifica as empresas em relação aos seus pares da indústria nas mé-
ability Rank tricas E, S e G
Classificações de risco ESG Mede a exposição de uma empresa a riscos ESG de materiais específi-
da Sustainalytics cos da indústria e como os riscos são gerenciados
Índice de qualidade de
governança da ISS Identifica os riscos de governança corporativa com base na estrutura do
(Institutional Shareholder conselho, direitos dos acionistas, remuneração e auditoria
Services)
Moody’s ESG and Climate Série de ferramentas de classificação e relatórios de avaliação com o
Solutions objetivo de introduzir aspectos ESG na avaliação de crédito e suporte às
decisões de financiamento
Fitch’s ESG Relevance Score
Framework
A Gestão de Riscos Corporativo (“Enterprise Risk Management”) é o processo pelo qual a em-
presa identifica, analisa e gerencia os riscos que são parte inerentes ao seu negócio, visando o
aumento da sua competitividade e eficiência na medida mais apropriada, conforme o apetite
ao risco determinado por sua administração.
131
As práticas de gestão de risco mais aceitas foram estabelecidas em 2004, pelo COSO (Committee
of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission), organização sem fins lucrativos,
fundada nos Estados Unidos, em 1985, com apoio da SEC (“Security Exchange Comission”), hoje
considerado a referência mundial para padronização de reportes financeiros. Entre as práticas
recomendadas pelo COSO se destacam o levantamento dos fatores externos que podem
gerar impacto ao negócio, bem como o entendimento do contexto de mercado, concorrência,
economia e regulação onde a empresa se insere.
A partir desta análise, é estabelecida uma régua de impacto e probabilidade baseada nas per-
cepções dos gestores acerca dos riscos corporativos e estratégicos e suas ações mitigatórias
existentes, avaliação dos riscos inerentes e residuais, gerando, ao final do exercício, a matriz de
riscos corporativos/estratégicos da companhia conforme Figura 4 abaixo.6
Com o aumento dos riscos associados às questões ambientais, sociais e de governança, bem
como a maior atenção dos investidores sobre questões ESG, é imposto, cada vez mais, que as
empresas entendam como essas questões afetam a estratégia e o desempenho do seu negócio.
Os impactos dessas questões podem ser financeiros e materiais e podem se espalhar por di-
versas áreas do negócio e não mais em futuro hipotético, já que muitos desses impactos estão
sendo sentidos agora em quase todos os setores da economia.
Recentemente (2018), o COSO divulgou orientações sobre como as empresas podem integrar
fatores ESG dentro do seu processo de gerenciamento de risco corporativo. Segundo o COSO,
os riscos ESG vão muito além da visão corrente de que se restringem apenas aos possíveis im-
pactos à reputação da empresa.
6 https://www.coso.org/Documents/COSO-WBCSD-Release-New-Draft-Guidance-Online-viewing.pdf.
132
De acordo com o COSO, os riscos ESG podem se manifestar de uma ampla variedade de ma-
neiras para as empresas, incluindo penalidades regulatórias, litígios diversos, conflitos com seus
colaboradores, perda de competitividade e dificuldades de acesso a capital e crédito.
Em muitos casos, os riscos ESG são categorizados como de longo prazo, como tipicamente é o
caso dos impactos da mudança climática no negócio. No entanto, indústrias em vários setores
estão vendo os impactos ESG acontecerem agora como resultado de crises hídricas, incêndios
florestais, rompimento de barragens e enchentes, apenas para mencionar aqueles associados
a questões ambientais.
Cada vez mais, os investidores demandam que as empresas realizem análises de cenário sobre
os impactos potenciais dos riscos ESG em relação à sua estratégia corporativa. Essas análises
são particularmente úteis para discussões do conselho de administração sobre a priorização
destes riscos e as ações subsequentes necessárias para mitigar ou se adaptar a eles.
Acima de tudo, as empresas precisam determinar sua tolerância aos riscos ESG avaliando a
probabilidade de eles se manifestarem, serem evitados e, se não, como podem ser gerenciados.
Importante ter sempre em conta que assumir riscos é fundamental para a capacidade de uma
empresa de inovar e prosperar. Neste sentido, as empresas precisam determinar sua tolerân-
cia para os riscos ESG, estabelecendo de forma clara quem na estrutura é responsável por sua
mitigação, gerenciamento e monitoramento dentro do processo regular de gestão de riscos da
companhia com a devida comunicação destas ações para os seus stakeholders.
133
Vide, na Figura 5, como a Unilever7 reporta os seus riscos ESG de curto, médio e longo prazos.
CONCLUSÃO
A alta gestão será cada vez mais cobrada a divulgar adequadamente como rea-
liza sua supervisão ESG aos seus stakeholders. Como os riscos ESG continuarão
a se acentuar nos próximos anos, as empresas e bancos que supervisionarem
esses riscos adequadamente serão aqueles com maior chance de sucesso no
longo prazo.
7 https://www.unilever.com/planet-and-society/sustainability-reporting-centre/our-material-issues/.
134
VINÍCIO JOSÉ STORT
CARLOS BRAGA
135
ESG: E há necessidade de um
marco regulatório?
LEONARDO PEREIRA
Percebido ainda por alguns como mais uma sopa de letrinhas, ESG é infinitamente diferen-
te disso. Globalmente, a sociedade toma cada vez mais consciência dos riscos concretos que
pairam sobre o clima, das desigualdades sociais e da necessidade de ter padrões de ética que
elevem os níveis de transparência nas relações em geral. E começa a encarar de frente as ques-
tões de sustentabilidade. Surgem então as discussões sobre como preservar o meio ambiente
de forma coordenada e mensurável (o E de Environment) , como encontrar caminhos efetivos
para endereçar as lacunas e abusos sociais (o S de Social) e a forma adequada e equilibrada para
trilhar esses caminhos (o G de Governança).
Como em toda evolução de pensamento, os fóruns de discussões são determinantes para que
isso aconteça. Com isso, os conceitos serão melhor entendidos e assimilados, os receios de mu-
dança serão lidados mais abertamente e os planos de execução poderão ser formulados com
mais razão e com menos paixões.
Se olharmos o que era entendido como relevante em termos de sustentabilidade nessa mesma
sociedade há dez ou vinte anos atrás, poderemos sentir melhor essa evolução. As conversas so-
bre o assunto até existiam, mas não eram amplas ou profundas. E, na maioria das vezes, eram
restritas a nível do Estado ou percebidas como tema a ser tratado por organizações não gover-
namentais. De forma geral, as pessoas tinham uma atitude do tipo “isto não é para mim...quem
sabe para os meus filhos...”, ou “isso não é tão sério como estão falando...”.
E como deve ser a sociedade dez ou vinte anos na frente? Sem criar cenários de ficção científica,
como gostaríamos que fosse a cara dessa sociedade? E para responder a essa pergunta, é impor-
tante não cair na armadilha de entrar em uma discussão ideológica. Independentemente do
que cada um acredita que deve ser o tamanho do estado na economia, essa pergunta tem por
trás uma questão de termos um planeta que sobreviva e seja mais saudável, uma sociedade mais
inclusa e justa que estará mais pronta para tomar decisões mais organizadas e coordenadas.
Primeiro que tudo, temos que assegurar que a saúde do planeta melhore. Hoje, temos uma
situação factual que está fundamentada na ciência. E que pede decisões rápidas e efetiva de
redução dos níveis de produção de gases de efeito estufa para termos em relativo pequeno
espaço de tempo uma economia neutra em emissões de carbono. Se por um lado há mais
consciência da questão, por outro as soluções inovadoras usando novas tecnologias estão mais
disponíveis. Fazer nada implica que a temperatura do planeta vai continuar a subir, trazendo
desequilíbrios de clima que ameaçam a própria sobrevivência da espécie humana. Entre outras
136
coisas, a qualidade do ar vai se deteriorar, áreas verdes se tornarão áridas e o aumento do nível
do mar pode eliminar cidades litorâneas onde vivem grande parte da população mundial. Daí
a importância do compromisso coordenado e ordenado de descarbonização com metas obje-
tivas e mensuráveis.
Essa coordenação não é fácil, pois ainda existem líderes aparentemente negacionistas. Mas a
coordenação é muito importante quando temos um caminho difícil e com obstáculos pela
frente. Como visto na crise humanitária e econômica trazida pela Covid-19, os países que se
empenharam em assumi-la de frente e promovem uma melhor coordenação entre os vários
degraus de decisão tiveram níveis mais baixos de fatalidades e implementaram programas de
vacinação mais eficazes e menos traumáticos.
Mesmo sabendo que certas situações de discriminação não fazem mais sentido, às vezes caí-
mos em ciladas culturais, tolerando o que já é inaceitável em termos de direitos humanos. Si-
tuações sistêmicas de genocídios, como os que aconteceram em Rwanda ou em Myamar, para
citar apenas alguns casos, nos fazem refletir e entender, pelo menos na teoria, a igualdade e a
unicidade do ser humano. E, com isso, o direito de assegurar a todos vida digna, com acesso à
educação e saúde de qualidade, além da possibilidade de ter uma ocupação que proporcione
uma renda mínima.
Essa necessidade de um melhor nivelamento e inclusão social é uma questão que tem que
ser trabalhada fortemente para termos uma sociedade com parâmetros claros que estimulem
movimentos nessa direção. Uma transformação desse vulto não acontece de forma rápida, ob-
viamente, mas é imprescindível que se imprima celeridade nas mudanças para que resultados
comecem a surgir no curto/médio prazo, alavancando mudanças comportamentais significati-
vas e bem diferentes das que temos hoje. Um dos segredos para que essa evolução perdure é o
trabalho firme, consistente nos ambientes que nos cercam, promovendo e apoiando soluções
fora da caixa.
E, por último, mas não menos importante, temos que garantir que as relações entre os diversos
agentes da sociedade sejam regidas por princípios já estabelecidos de governança que pe-
dem regras claras de transparência, assimilação de códigos de ética e simetria nas informações
prestadas e decisões tomadas. Reiterando, o pensamento e a construção de decisões devem
incorporar as diversas veias da sociedade e devem ser promovidos e assegurados. Por isso, um
debate aberto e firme deve continuar com uma atenção educacional, visando lidar com a igual-
dade de gênero e etnia, sendo muito tolerante na aceitação de cada um na sua individualidade,
independentemente da sua cultura, etnia, religião, orientação sexual e limitações físicas.
Em um mundo extremamente dividido, ainda é importante para a maioria das pessoas a ne-
cessidade em afirmar não ser racista. Mas essa afirmativa é, na maioria das vezes, distante do
137
comportamento social do dia a dia. Não há dúvida de que é mais fácil convivermos com pessoas
que pensam e agem como nós. Mas já está provado que a diversidade nos diversos fóruns leva a
um melhor debate e a decisões mais sustentáveis. Esse esforço é uma mudança cultural. Assim,
o esforço tem que ser consistente e firme, pois as resistências são sutis e precisam de muita to-
lerância e resiliência, sabendo que haverá avanços, mas muitos retrocessos, às vezes invisíveis,
no meio do caminho.
As questões de ESG deixaram de ser tratadas apenas a nível do Estado, passando a incluir as
corporações e, consequentemente, trazendo-as mais para o nosso dia a dia . O papel das corpo-
rações no contexto social mudou. Um estudo de 2018 mostra que mais de 70% dos 100 maiores
geradores de receita global são empresas e apenas 29% são estados. Isso é um indicador do
peso que as corporações passaram a ter na sociedade, não se aplicando apenas para as grandes
e/ou globais. Independentemente do seu tamanho, todas as empresas têm um impacto forte
no perímetro em que atua. Elas afetam o meio ambiente na maneira como tratam os resíduos,
como se relacionam e impactam as comunidades ao seu redor, nas regras formais e informais,
como seus colaboradores e outros “stakeholders” são tratados e como elas se organizam inter-
namente no seu processo de tomada de decisão.
Essa consciência, tanto corporativa como a que existe em cada um de nós, aumentou ainda
mais com a experiência da Covid 19. A pandemia trouxe para a maioria das empresas e dos
indivíduos um senso de emergência e vulnerabilidade muito forte e inédito. Também expôs
fraturas sociais que não eram tão visíveis. Por outro lado, também abriu portas tecnológicas e
ambiente de inovação onde novas ideias de uso de fontes de energia renovável, de educação e
de saúde, por exemplo, só ficaram mais presentes, o que está possibilitando uma aceleração e
implementação de mudanças nos três pilares ESG.
No caso das empresas de capital aberto, onde há pulverização acionária e uma maior pluralidade
de ideias, os investidores começaram a firmar posição e a cobrar comportamentos que levem
a uma mais clara sustentabilidade do negócio. Segundo a revista Harvard Business Review, de
janeiro de 2021, um terço do total de ativos geridos profissionalmente, cerca de US$ 30,0 trilhões,
já é avaliado seguindo os critérios de ESG. Esse número aumentou em mais de 30% desde 2016.
Entre abril e junho de 2020, mais de US$ 70 bilhões foram investidos em fundos de ações que
consideram ESG nas suas decisões. Embora tenha visto alguns dados ligeiramente distintos
em outras fontes, a ordem de grandeza é sempre muito material. A consequência da prática
se materializa em uma mudança gradativa, mas efetiva nas assembleias anuais de acionistas.
Para exemplificar, temos o que aconteceu na reunião anual de 2021 da Exxon, quando um
grupo de acionistas atentos ao tema elegeu três conselheiros com um viés ESG. Outro exemplo
aconteceu na General Electric, onde 98% dos acionistas aprovaram uma resolução pedindo que
a companhia explicasse como ela pretendia atingir o compromisso de ter nível de emissões
líquida zero de carbono como estabelecido no Acordo de Paris. Indo para outra vertente de ESG,
os acionistas da Amazon quase aprovaram uma resolução pedindo uma auditoria na questão
de igualdade racial.
Está também ficando mais recorrente nos contratos de investimentos feitos por empresas de
venture capital a inclusão de cláusula de sustentabilidade. Nos últimos três meses, posso ci-
tar pelo menos dois casos nos quais o investidor, em coordenação com a companhia investi-
da, concordou em fazer os melhores esforços comerciais possíveis para trazer um coinvestidor,
com uma participação mínima de 5%, de um grupo que estivesse sub representado, fosse ele
138
mulheres, LGBTQIA+ ou de uma etnia minoritária. Isso mostra a preocupação concreta em pro-
mover a diversidade de uma forma previamente acordada, mas precisa.
Tomou-se consciência que as corporações são agentes ativos e têm um papel decisivo nesse
esforço global de sustentabilidade, entendendo as mudanças climáticas e se comprometendo
a diminuir sua pegada de carbono, além de promover inclusão e diversidade, adotando padrões
éticos. Isso pode ser resumido nessas três letras: ESG. No momento em que a sustentabilidade
passa a ser entendida como um pilar de criação de valor, ela deixa de ser aspiracional para ser
real. Trabalho árduo, mas viável.
Dada a relevância do tema e seu impacto estratégico, o assunto está rapidamente subindo
para os níveis de decisão mais altos das empresas e chegou, nos últimos anos, ao conselho de
administração. No princípio, de forma tímida. Mas dadas as evidências factuais das mudanças
climáticas, por exemplo, e a um melhor entendimento da necessidade de priorizar e integrar
o que pode ser feito, considerando o propósito da empresa, os conselhos passaram a ter cons-
ciência de que o tema tem que ser tratado de forma estratégica. E isso deve ser feito de forma
clara, com regularidade, alocação de responsabilidade e mensuração. Caso contrário, o impacto
reputacional poderá ser cada vez maior. E isso não pode ser subestimado. A imagem do Cris-
tiano Ronaldo afastando uma garrafa de Coca-Cola e pedindo água durante uma entrevista,
recentemente, viralizou em segundos, fazendo com que o valor da empresa caísse cerca de 1.5%
em meia hora.
Como em toda transição de cultura, ainda há pouco consenso sobre a emergência e a relevân-
cia do tema. Enquanto algumas empresas e seus conselhos entendem esse desafio, outros
ainda preferem evitá-lo e tratá-lo a distância, pois há pontos sensíveis como diversidade, inclu-
são e relacionamento com as comunidades ao seu redor que podem não ser simples e exigem
quebras de paradigmas individuais e coletivos.
Há também as empresas que tratam o assunto como uma oportunidade de marketing e pres-
tam atenção na forma, mas têm pouca substância no seu dia a dia, não mostrando compromis-
so em mostrar uma estratégia clara, conectada ao seu propósito e que pode ser mensurada e
acompanhada. É o famoso greenwashing. Não tratar a questão de frente, não a faz desapare-
cer. Só aumenta o risco de reputação e sustentabilidade dessas empresas, pois o tempo para
atuar só fica mais curto e a atenção dos stakehoders só tende a aumentar.
Uma pesquisa feita recentemente nos relatórios anuais das empresas do índice S&P100 mostra
que, em 80% das empresas abertas, já há pelo menos um conselheiro liderando essa discussão
e que tem algum conhecimento diferenciado do assunto. Isso mostra uma mudança de dire-
ção positiva. Sendo algo recente, a maioria das empresas e seus conselhos já reconhecem que
necessitam aumentar seu conhecimento do assunto e seu engajamento. Porém, esse engaja-
mento e formação tomam tempo e podem ser postergados. Para acelerar a discussão, muitos
conselhos optam por serem apoiados por um comitê de assessoramento que então se propõe a
mergulhar nesse tema e que acompanhe mais de perto a jornada da companhia nesse campo,
fazendo então recomendações ao conselho.
Nessa escala de mudança cultural e de paradigmas, acredito que no momento haja um certo
desequilíbrio entre as diversas instâncias diretamente ligadas à pauta ESG. E arrisco a dizer
que talvez o reflexo mais perigoso nesse desequilíbrio, que traz todos os holofotes para o “E” do
139
debate ambiental, ou para o “G”, do campo da governança, seja justamente a complexidade e
o desafio de tratar sobre os temas do “S”. É como se o ‘’S’ só existisse de forma complementar.
Essa integração estratégica é mais um ponto de atenção a ser dado por uma supervisão pelo
conselho desse tema. Sendo responsável por acompanhar a implementação da estratégia da
empresa, mensurando e avaliando correções de rumo, essa supervisão não fica completa sem
incluir alavanca de ESG. Até mesmo porque o ESG passa a ser fundamental para o sucesso da
estratégia como um todo.
Já vemos empresas que entenderam isso e incorporaram no seu plano estratégico esse pilar.
Mas essa atitude ainda não está disseminada, como seria o esperado. Ainda mais considerando
o tempo curto que todos nós temos, como sociedade, para encaminhar a questão da mudança
de clima e os desafios sociais que frequentemente se materializam através de atos violentos e
que devido à dinâmica das redes sociais são rapidamente postos nas mesas de todos nós, pe-
dindo soluções mais rápidas de inclusão.
Sempre após uma crise se pergunta como ela surgiu e por que o regulador não a viu. Em tem-
pos de bonança, sempre se pergunta sobre a relevância do regulador. Assim, a única maneira
de se regular algo é fazer de uma forma simples, discutida e compreendida a fim de que a ati-
vidade seja reconhecida, pelo menos pela maioria, como algo relevante para o desenvolvimen-
to harmônico da sociedade. Caso contrário, passamos a ter regras que acabam favorecendo a
forma e menos a substância.
Na minha opinião, temos no ESG um assunto amplo, que tem múltiplas vertentes e está em
evolução. Incorporá-lo verdadeiramente ao dia a dia no curto/médio prazo exige essa mudança
cultural, o que normalmente só acontece ao longo de mais de uma geração. Temos também a
questão do tempo limitado para que algumas medidas-chave sejam implementadas.
Não tratar o assunto de forma adequada e prioritária pode trazer questões de reputação difíceis
de serem absorvidas pelo investidor, como no caso do acidente químico de Bophal, na Índia,
em 1984, ou o vazamento de petróleo no Golfo do México, em 2010. Além disso, se todos não
contribuírem, a construção do todo pode ser afetada negativamente e trazer danos para o pla-
neta como um todo.
140
O impacto de um evento adverso no campo ESG é alto, pode ser propagado e impacta mate-
rialmente as necessidades de caixa de uma empresa devido ao valor material que tem que ser
direcionado nos esforços de reparação.
Sumarizando, a melhor forma de possibilitar que os investidores possam entender qual o nível
de evolução de cada companhia nessa trilha é ter orientação, de forma independente, mas de
alguém com deveres sobre o mercado onde essas companhias atuam . Essa orientação come-
ça com uma reflexão para definir como divulgar de forma precisa os planos de ação, riscos de
execução e remediação. Assim, os investidores podem entender os casos específicos e tomar
uma decisão bem informada se devem investir ou não em uma companhia e a que preço. Essa
orientação e supervisão também possibilita uma pressão sobre aquelas companhias que não
estão ainda priorizando o assunto ou que são detratoras em maior ou menor grau.
Nesse momento, a CVM está em fase de analisar os comentários enviados pelos participan-
tes do mercado referentes à revisão da Instrução Normativa 480 (prazo de manifestações de
terceiros se encerrou no primeiro trimestre de 2021), com o objetivo de aprimorar o regime
de informações dos emissores de valores mobiliários com a inclusão de informações que refli-
tam aspectos sociais, ambientais e de governança corporativa. Esse tema muito provavelmente
merecerá foco nas atividades de supervisão feitas pela autarquia no seu programa bianual de
supervisão baseada em risco.
Em março de 2021, a comissão de valores norte americana (SEC) anunciou, no seu plano anual
regulatório, que seria mais rígida em relação à qualidade da informação prestada no campo
ESG devido ao seu impacto negativo na sociedade. Sua área de fiscalização incluiu como prio-
ridade o monitoramento da divulgação de riscos relacionados à mudança climática como tam-
bém foi criada uma força tarefa para assuntos de ESG na área sancionadora.
No Reino Unido, o Financial Reporting Council propôs uma série de medidas relativas ao
maior escrutínio sobre as informações divulgadas, incluindo ESG (A Matter of Principles –
The Future of Corporate Reporting, October 2020). A autoridade britânica quer promover um
melhor entendimento sobre como lidar com novos conceitos e a fragmentação das ideias.
Outra preocupação se refere a relatórios muito longos onde falta balanceamento entre ter
informações concisas e ao mesmo tempo transparentes. O questionamento é real, faz sen-
tido (até para reduzir o greenwashing) e pede inovação no uso de tecnologia para mitigá-lo
através de rever como a informação pode ser produzida e distribuída. Certamente, a resposta
passa por entender melhor o que é material em cada caso baseado no impacto sobre os di-
ferentes atores. Mais uma vez, essa iniciativa do Reino Unido pode ser usada como referência
em outras jurisdições.
Em junho de 2021, o regulador japonês (Financial Services Agency – FSA) anunciou que deve
divulgar novo código de conduta para todos que fornecem informações ESG e planeja cons-
truir uma plataforma para monitorar os títulos verdes. Essa conclusão foi resultado de um
trabalho feito por um painel independente de experts em sustentabilidade que emitiu um
relatório chamado “Building a Financial System that Supports a Sustainable Society”. O re-
latório já levou em consideração discussões globais sobre o assunto. Interessante mencionar
que, quatrocentos anos atrás, um documento japonês do período Tokugawa já encorajava as
empresas japonesas a pensar além dos lucros. Já se discutia na época que códigos de ética
(Shushu Kiyaku) deveriam contemplar não só os negócios por si mesmos, mas também seus
141
benefícios para a sociedade. Esse fato não surpreende, pois o Japão tem mais de 40% das
empresas no mundo com mais de cem anos.
Também em junho de 2021, a autoridade regulatória australiana (Australian Securities and In-
vestments Commission – ASIC) anunciou que estava conduzindo uma revisão de como lidar
com o greenwashing para melhorar o foco na divulgação de informações ESG e apuração de
responsabilidades.
As variáveis ESG são muito amplas, com mais de setecentos indicadores cobrindo vários te-
mas. Portanto, há uma necessidade de fazer uma taxonomia, um sistema de classificação para
apoiar o ordenamento ao qual nos referimos.
Em março de 2020, a Comissão Europeia divulgou seu sistema de classificação que passa a ser
uma ferramenta para apoiar investidores e empresas a estabelecer e priorizar as bases para a
transição para uma economia de baixo carbono e eficiente no uso de recursos que possam não
só focar no lucro anual, como estávamos acostumados, mas em um lucro sustentável, ligado
ao propósito e aos valores da empresa e que usa os investimentos sociais e de governança para
fortalecê-lo e não para ser apenas uma justificativa para a sociedade.
Apesar de essa iniciativa europeia ter sido um bom passo e jogar luz em uma questão-chave,
essa taxonomia tem que evoluir rapidamente para uma classificação global. Essa jornada não
pode ser só europeia, nem só americana, nem só de qualquer geografia em particular. O pro-
blema é global. Há um risco altíssimo de termos que lidar com uma confusão de relatos se não
houver uma mínima coerência entre as várias taxonomias. Isso pode pôr em risco a solução
para uma questão que trata do risco da sobrevivência harmônica do planeta.
Mesmo com toda essa discussão sobre as decisões que precisam ser tomadas no campo
ESG, ainda não existe uma classificação comum a nível mundial (e a ação da União Europeia
é um bom passo) que permita deixar mais claro e uniforme o que deve ser priorizado e im-
plementado.
Uma taxonomia integrada e coordenada cria uma linguagem comum entre os investidores
que poderão utilizá-la nas suas decisões de investimento e nas suas conversas com as empre-
sas. Permitirá também que o foco dos investimentos, tanto do setor privado quanto do setor
público, possa ser mais claro quanto às decisões de financiar a transição para uma economia
realmente sustentável.
Como temos um problema global, é importante reduzir a fragmentação que resulta das ini-
ciativas locais e minimizar o greenwashing onde os relatórios de sustentabilidade podem até
fazer um papel importante como ferramenta de marketing, mas tem pouca coisa incorporada
verdadeiramente na prática e sendo acompanhada e mensurada pela alta administração.
Nesse sentido, embora passos importantes e rápidos estejam sendo dados pelos reguladores
nacionais, como a CVM e a SEC, gostaria de focar também o que está sendo feito pela Organi-
142
zação Internacional das Comissões de Valores (IOSCO), que é o definidor de standards globais
para questões de mercado de capitais.
No último mês de maio, a IOSCO publicou um relatório discutindo o que deve ser divulgado pe-
los emissores em termos de questões de sustentabilidade. O documento reitera a necessidade
urgente de melhor alinhar a consistência das informações prestadas aos investidores e outros
stakeholdesrs, de ter evidência de suas veracidades e como elas poderão ser comparadas. Es-
ses pontos são críticos para apoiar as necessidades de informação prestadas para decisões de
investimento e dar ferramentas apropriadas para o mercado precificar os riscos ESG das diver-
sas entidades e apoiar decisões de alocação de capital.
Fica claro nesse relatório o engajamento da IOSCO com o International Financial Reporting
Standards (IFRS) Foundation nos seus esforços de desenvolver um conjunto global de parâ-
metros de sustentabilidade que possam ajudar investidores nas suas decisões bem como pro-
tegê-los.
Esses parâmetros também vão ajudar os reguladores nacionais nos seus trabalhos de decidir o
que é importante ser divulgado em cada jurisdição de uma forma que ajude na comparabilida-
de das informações prestadas. Na minha opinião, esse ponto é muito importante, pois estamos
falando de mercados financeiros e de capitais globais. Embora cada jurisdição seja soberana
nas suas decisões, é importante entender bem o que está sendo orientado pelo standard setter
global para que os gaps de informação e arbitragens regulatórias sejam minimizados e a con-
sistência ser sempre posta no foco.
O G7, através de seus Ministros da Fazenda e Presidentes de Banco Central, tem apoiado essa
iniciativa conjunta da IOSCO / IFRS, pois também quer endereçar a questão de haver um
standard global básico de sustentabilidade que seja robusto, focado e que possa ser mensurado
e entendido pelos investidores.
Esse esforço global por parte dos reguladores visa atender uma demanda dos investidores por
um aperfeiçoamento das informações que estão sendo divulgadas no campo de ESG que pas-
sa por um contínuo aperfeiçoamento do que é material e da necessidade. Como é de praxe,
foi completado após uma consulta pública, onde múltiplos interessados tiveram a oportuni-
dade de colocar seus pontos e serem ouvidos. A orientação da IOSCO entende que diferentes
indústrias devem ter métricas diferentes, o que vejo como importante e não compromete a
consistência global necessária, a comparabilidade das métricas e a necessidade de promover a
coordenação entre as várias vertentes sobre o tema.
Após esse passo, a IOSCO também está prestando atenção na questão das entidades que for-
necem classificação de risco para as práticas ESG (ratings). Antes de finalizar um conjunto de
recomendações ao mercado sobre o tema, colocou o assunto em audiência pública no último
26 de julho. Os pontos de atenção para os reguladores, através da IOSCO, vêm da necessidade
desses processos de classificação da atuação de um emissor no campo ESG serem transparen-
tes e usarem informações consistentes sobre o assunto.
Como pode ser visto em um trabalho publicado recentemente pela universidade norte
americana MIT (Aggregate Confusion: The Divergence of ESG Ratings- Maio 2020), há uma
certa diferença entre as diversas classificadoras de risco no que toca o escopo e os pesos
143
dados aos diversos indicadores. Ter empresas fornecendo uma classificação que pode ser
usada como medida pelas empresas e seus conselhos é positivo, mas precisa ser trabalhada
para não virar algo que seja mal-usado e que gere confusão. Experiência mostra que tendo
classificadoras com metodologias diferentes faz com que cada uma delas possa ser usada
de acordo com a possibilidade de execução do usuário. Um indicador que mostra onde o
emissor está na trilha ESG não pode ser usado de forma oportunista e deve refletir na sua
avaliação a real situação e risco da entidade a ser avaliada e não dar abrigo eventualmente
a situações de greenwashing.
Cada vez está mais claro que tanto os investidores como os fornecedores e os colaboradores
prestarão mais atenção às diversas facetas ESG. Isso acarreta uma mudança no lado do emissor
que tem que incorporar de forma objetiva na sua visão estratégica um plano que mostre, em
linha com seu propósito, que suas prioridades e metas nas questões de meio ambiente, sociais
e governança estão mapeadas, mensuradas, acompanhadas e são objetivas e divulgadas. Esse
plano deverá estar conectado fortemente ao seu capital humano, às áreas de atuação da em-
presa, direta e indiretamente, e a sua aderência, aos princípios de governança e como esses
assuntos são lidados na prática.
Essa evolução implica, como já indicamos, uma transformação cultural, mas que fará com que
o entendimento de riscos seja mais acurado, a reputação fique fortalecida e respeitada e que
valor para todos os seus stakeholders seja criado de forma mais sustentável, pois será gerado
em ambientes de mais respeito entre seus colaboradores e credibilidade dos consumidores no
seu papel de promoverem a marca e criando um ciclo positivo.
Por ser um assunto estratégico, ele deve ser entendido como pauta-chave do plano de acom-
panhamento do seu conselho de administração. O conselho tem a missão de orientar e esti-
mular o engajamento de todos nessa trilha. Isso inclui entender e aprovar um plano que trate
de ESG e que gere uma matriz de materialidade com prioridades que possam ser mensuradas
ao longo do caminho e ajustadas, se necessário. A alta gestão da empresa, incluindo seu con-
selho, deve estar sendo educada de forma contínua nesse tema, já que é natural que o próprio
entendimento deste assunto continue a evoluir nos próximos anos em conjunto com os acon-
tecimentos e as reflexões da sociedade.
Essa educação interna vai permitir que os assuntos mais desafiadores, como diversidade e in-
clusão, possam ser tratados de maneira efetiva, mas que passem gradualmente a serem na-
turais. Há poucas décadas atrás, seres humanos negros não andavam na mesma calçada que
brancos. Seria ingênuo de nossa parte não acreditar que as evoluções que certamente resolve-
rão as questões climáticas, protegerão o meio ambiente, atenuarão os buracos sociais e serão
suportados por uma governança forte não irão ser incorporadas nas novas gerações de forma
natural e as questões serão outras.
No Brasil, por exemplo, já andamos muito nos últimos anos no tema de governança. Já nas
questões de clima, meio ambiente e social, com apoio de questões científicas, ainda há um
longo caminho a seguir. Em outros países, também houve avanços ao lado de resistências que
precisam ser trabalhadas.
Os mercados são globais. Um analista em São Paulo recomenda a compra ou a venda de valo-
res mobiliários de empresas chinesas a investidores europeus. Há, portanto, a necessidade de
144
existir uma orientação bem coordenada das autoridades das diversas jurisdições que zelam
pelo funcionamento dos mercados e tem que proteger seus investidores.
Por outro lado, temos que inovar em como vamos usar tecnologias novas na produção e dis-
tribuição das informações. Todas as entidades que acessam o mercado devem participar na
construção desse arcabouço regulatório para que as normas ESG não sejam apenas mais um
conjunto de orientações. Apesar das letrinhas serem simples, elas tratam de um assunto que irá
fazer a sociedade se recriar e diminuir seu risco de não existir de forma saudável.
O papel do regulador em orientar ficará melhor ou não na medida da intensidade da sua inte-
ração com a sociedade. As audiências públicas são o caminho para isso e devem ter a atenção
dos vários agentes do mercado. Uma interação positiva vai permitir normas de divulgação mais
claras, explicando melhor o que está sendo implementado e os riscos associados a isso.
Acredito que, nesse campo ESG, o exercício de explicar por que algo não está sendo feito pode
ser um bom caminho para levar os analistas e investidores a refletirem seriamente sobre as
razões que estão impedindo um emissor de fazer o seu melhor. Certamente, em alguns anos,
isso ficará tão incorporado na vida da sociedade que a divulgação ESG será tão natural quanto
outros assuntos já o são. E aí as questões a serem focadas pelo regulador já poderão ser outras.
LEONARDO PEREIRA
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Títulos temáticos ESG: mitos
e desculpas que atrapalham o
crescimento no Brasil
MARCELO SARKIS
Imagine dois títulos de dívida pública com o mesmo nível de risco e a mesma taxa de retorno.
Um deles irá financiar um projeto capaz de trazer benefícios ao meio ambiente e à sociedade.
O outro título não apresenta esses atributos. Se pudesse escolher entre os dois, em qual deles
investiria?
A maioria das pessoas, provavelmente, escolheria a primeira opção. De acordo com uma pes-
quisa global, realizada pela gestora de ativos britânica Schroders1, cerca de 60% dos investidores
entrevistados acreditam que podem contribuir significativamente para um mundo melhor, es-
colhendo produtos de investimentos sustentáveis.
E se você fosse o CEO ou o tesoureiro responsável pela captação de uma empresa que irá utilizar
esses recursos em um projeto capaz de amenizar os efeitos das mudanças climáticas ou ajudar
no desenvolvimento de uma comunidade? Por que não expor esse benefício ao mercado? Além
de ampliar o seu escopo de potenciais investidores com maior apetite para projetos sustentáveis,
de acordo com pesquisa realizada em 2019, pela Union + Webster2, 87% dos consumidores brasi-
leiros preferem comprar de empresas sustentáveis.
É aí que entram títulos temáticos como green bonds, social bonds e sustainable bonds, ins-
trumentos de dívida atrelados a projetos e ativos “verdes”. Mesmo com seus evidentes pontos
positivos, por que o volume de emissão de títulos temáticos ESG no Brasil ainda é relativamente
tímido e concentrado em poucas empresas?
Neste artigo, analiso alguns mitos e “desculpas” relacionados aos títulos temáticos. São bar-
reiras que têm atrapalhado a expansão mais acelerada desses instrumentos de captação de
recursos para financiar atividades econômicas sustentáveis no Brasil.
1 https://www.schroders.com/en/media-relations/newsroom/all_news_releases/schroders-global-investor-
study-2019-peoples-sustainable-investment-ambitions-fail-to-reflect-their-actions/.
2 https://agenciafiep.com.br/2019/02/28/consumidores-preferem-empresas-sustentaveis/.
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O QUE SÃO TÍTULOS TEMÁTICOS ESG
Esses instrumentos de dívida servem para captar recursos com o objetivo de implantar ou refinan-
ciar projetos ou ativos que tenham atributos positivos do ponto de vista ambiental, climático ou so-
cial, contribuindo assim para a agenda da sustentabilidade. Atualmente, há inúmeras classificações
de títulos temáticos, incluindo títulos de transição, títulos azuis, títulos de gênero e títulos de ODS.
Os mais comuns no mercado hoje são os títulos verdes (green bonds), com foco em benefícios
ambientais ou climáticos; os títulos sociais (social bonds), voltados a benefícios sociais; os títulos
de sustentabilidade (sustainability bonds), que combinam benefícios ambientais, climáticos e
sociais; os títulos de desempenho sustentável (sustainability-linked bonds), que são similares
aos títulos de sustentabilidade, mas atrelados a indicadores e metas de desempenho.
Embora não exista uma única definição global a respeito dessas classificações, a evolução na-
tural do mercado levou à elaboração de diretrizes, recomendações e padrões que orientam as
melhores práticas. A ICMA (Associação Internacional de Mercado de Capitais) e a CBI (Climate
Bonds Initiative) são as principais entidades responsáveis por traçar essas diretrizes.
As classificações vão muito além da criação de um nome “fancy” para um título de dívida, que
deve estar alinhado à estratégia de negócios do emissor. Este, por sua vez, deve garantir o ade-
quado uso dos recursos dentro de um “escopo verde ou social”. Para isso, o emissor deve di-
vulgar um documento específico (marco da emissão, também conhecido como framework),
descrevendo os processos e a governança interna, as atividades de uso dos recursos captados,
o processo de avaliação e seleção de projetos, a gestão dos recursos e o reporte. Para dar mais
confiança aos investidores, esse framework deve passar por uma avaliação externa (a mais co-
mum é a chamada second-party opinion). Pode-se também buscar uma certificação interna-
cional, como a concedida pela CBI em títulos verdes.
147
No Brasil, apesar do aumento significativo das emissões temáticas — a média até 2019 era de
apenas US$ 1,3 bilhão, mas subiu para US$ 5,7 bilhões em 2020 e US$ 11,5 bilhões até julho de
2021 —, ainda há um potencial enorme a ser explorado. Para ter uma ideia, somente na França,
foram emitidos mais de US$ 90 bilhões em títulos temáticos em 2020.
BARREIRAS À EXPANSÃO
Mesmo com a sociedade dando atenção cada vez maior aos temas de sustentabilidade, por
que o volume de emissões de títulos ainda é relativamente modesto no Brasil? Não há uma
resposta única para essa questão, mas, com base na experiência acumulada pelo BV, o primeiro
banco privado brasileiro a emitir um green bond com certificação internacional da CBI, que há
mais de uma década atua na gestão do risco socioambiental (internacionalmente chamado de
ESG risk), é possível afirmar que algumas lacunas de informação geram mitos e, consequente-
mente, barreiras para que potenciais emissores de títulos temáticos acabem não optando por
essa classificação.
A seguir, comento alguns desses mitos e “desculpas” usadas para não classificar um título de
dívida como green bond, social bond ou sustainability bond. São dúvidas frequentes que bus-
camos sanar com clientes para auxiliar na transição ou na evolução das empresas para uma
economia de baixo carbono e social e corporativamente responsável.
148
MITO 1: “EMITIR TÍTULOS TEMÁTICOS É MUITO CARO”
Primeiro de tudo, o que é “muito caro”? Como já mencionado, para uma captação de recursos
ser classificada como título temático, ela deve passar por alguns procedimentos, que geram
custo adicional. O principal custo financeiro direto está relacionado à avaliação externa (como
uma second-party opinion), que, como o próprio nome diz, deve ser realizada por uma empresa
externa, que cobrará um fee para isso.
Mas, antes de concluir que esse fee é “muito caro”, peça um orçamento para empresas que rea-
lizem esse trabalho e compare com os demais custos atrelados a uma emissão-padrão, como
as despesas com escritórios de advocacia, agências de rating, bancos, publicações, taxas com a
B3 e com a ANBIMA, road show e registros de garantias, entre outras. Se, ainda assim, sua em-
presa achar “muito caro”, a avaliação de alguns dos benefícios dessa classificação pode sanar
essa questão.
Entre os vários benefícios que devem ser colocados na balança, destaca-se a ampliação do
potencial público com apetite por esses papéis. Além de inúmeros investidores (como os fun-
dos de pensão) terem política e apetite para títulos temáticos, trazendo maior diversidade na
origem das captações, já é possível quantificar a maior demanda em mercados mais desenvol-
vidos. Segundo dados da CBI sobre o mercado europeu, referentes ao segundo semestre de
2020, o excesso da demanda de um título de dívida padrão foi de 2,9 vezes, enquanto que, para
o green bonds, o equivalente foi de 4,2 vezes.
Como no item anterior, primeiro pense no que é “muito trabalho”. É verdade que há um tra-
balho adicional de montar um framework descrevendo o uso dos recursos captados (use of
proceeds), o processo de avaliação e seleção de projetos, a gestão dos recursos captados e o
reporte a ser realizado. Sem falar no trabalho adicional de realizar esse reporte ao mercado (em
geral, anualmente, após o segundo ano da emissão).
Mas, se esse projeto verde ou social tiver boa gestão e planejamento e, de novo, estiver efetiva-
mente alinhado à estratégia da empresa, grande parte desse trabalho já deveria estar pronto,
necessitando apenas “ajustar o leiaute”, tanto para a elaboração do framework quanto para o
reporte anual.
Ou seja, apesar de demandar, sim, um trabalho adicional, não necessariamente seria um tra-
balho “muito” custoso. Compartilho a experiência real do banco BV: como o tema já fazia parte
do nosso dia a dia, montamos uma primeira boa versão do framework a ser disponibilizado
149
para avaliação externa em menos de uma semana, nos intervalos das nossas demais atividades
rotineiras.
DESCULPA 1: “AS TAXAS DOS TÍTULOS TEMÁTICOS NÃO SÃO MAIS BAIXAS QUE AS DE UMA
EMISSÃO-PADRÃO”
Essa desculpa merece uma boa reflexão. Ao realizar uma emissão verde, a empresa tem o real
objetivo de fomentar o mercado de baixo carbono, mitigando efeitos climáticos, ou atuar no
desenvolvimento da sociedade, reforçando seu importante papel no tema da sustentabilidade?
Ou ela só quer “aparecer bem na foto” e aproveitar a onda de discussões climáticas que seus
clientes valorizam cada vez mais?
Similar à desculpa anterior, é preciso fazer uma reflexão ponderada sobre o real objetivo da
emissão verde ou social. Incentivos do governo podem ser importantes para fomentar a eco-
nomia verde ou social, mas a não classificação de uma emissão temática pelo simples fato de
não haver incentivo governamental mostra ao mercado uma visão de curto prazo, sem foco
no real objetivo de uma emissão “green” ou “social”. Além disso, significa transferir a obriga-
ção das iniciativas de sustentabilidade para o Estado, ainda que essa responsabilidade seja
de todos.
CONCLUSÃO
150
Os “mitos” e “desculpas” descritos neste breve artigo não esgotam os motivos
desse comportamento do mercado brasileiro, mas é comum ouvir justificativas
para não classificar dívidas como títulos verdes ou sociais. Alega-se que eles são
muito mais caros e dão muito mais trabalho, além de não terem o atrativo de
menores custos de captação e não contarem com incentivos do governo.
MARCELO SARKIS
151
O setor financeiro como
motor da transformação para
uma economia sustentável
ALBANO DE OLIVEIRA CORREA
A cada dia que passa, a agenda de sustentabilidade ganha maior visibilidade e importância
no mundo. Está mais do que evidente que os recursos do planeta estão sendo consumidos a
uma velocidade muito superior àquela com que podem se recompor e a urgência de enfrentar
o problema de forma pragmática é uma tarefa que cabe a todos nós. A pandemia da Covid-19
trouxe um tempero adicional para a agenda ESG ao mostrar a necessidade de nos preocupar-
mos mais com o bem-estar das pessoas e da sociedade.
1 https://www.pwc.com/us/en/services/consulting/library/consumer-intelligence-series/consumer-and-
employee-esg-expectations.html.
152
implementem as melhores práticas ambientais, sociais e de governança de maneira proativa, e
não apenas reajam às pressões da opinião pública ou se ajustem para cumprir as exigências re-
gulatórias. Em suma: não basta fazer o mínimo. A pesquisa da PwC ouviu pouco mais de 5.000
consumidores no Brasil, nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Alemanha e na Índia.
Embora os aspectos que envolvem o tema ESG não sejam novos, com muitas iniciativas lança-
das ao longo dos anos, o sentimento de urgência tem crescido em razão do aumento do núme-
ro de empresas, investidores, governos e outros agentes que anunciam ações diversas, metas
ambiciosas e compromissos para o desenvolvimento de uma agenda que considere as melho-
res práticas da ESG. O impacto social e ambiental no mundo dos negócios passa a se sobrepor
ao impacto econômico e financeiro, tendo as pessoas como foco, mais do que o lucro, tudo sob
o guarda-chuva de uma estrutura de governança mais atenta e diligente. O entendimento de
que o objetivo maior das empresas era o de otimizar o resultado para os acionistas deu lugar
para uma visão que leva em conta os benefícios para toda a sociedade.
Em todo o mundo, está cada vez mais arraigada a ideia de que o papel de uma empresa vai
muito além de gerar lucros. Prova disso é o crescimento das finanças sustentáveis em escala
global. Os Princípios para o Investimento Responsável (PRI), uma iniciativa lançada por gran-
des investidores institucionais que se comprometeram a incorporar a análise ESG em suas
decisões de investimentos, contavam, em 2006, com 63 signatários, que tinham um total de
US$ 6,5 trilhões em ativos sob gestão. Hoje, essa iniciativa, que conta com o apoio das Nações
Unidas, tem a adesão de mais de 3.800 signatários em todo o mundo, responsáveis pela ges-
tão de US$ 121 trilhões em ativos.
PROTAGONISMO EM ESG
Nesse cenário, os bancos também têm um papel crucial a desempenhar. Eles podem assumir
o protagonismo no sistema financeiro, criando oportunidades que estimulem empresas e
investidores na direção de uma economia sustentável. Empresas e indivíduos desejam se re-
lacionar com instituições que tenham responsabilidade, e essa demanda será cada vez maior
dentro das empresas. Mesmo companhias de menor porte deverão estar muito atentas para
esse novo cenário, pois as gerações que vão assumir os negócios daqui para a frente terão
cada vez mais essa pauta no centro das ações. Caso não entenda isso com muita clareza, um
pequeno empresário terá dificuldades em atrair o interesse de seus próprios herdeiros na
sucessão familiar.
Os bancos comerciais são uma parte da solução nessa equação complexa, na medida em que
seu abrangente raio de ação dos negócios cobre desde indivíduos até pequenas e grandes
empresas, fornecendo produtos e serviços que incluem desde o financiamento ao consumo
até a estruturação de grandes projetos de infraestrutura. E toda essa relação com os clientes
deverá ser pautada no desenvolvimento de negócios sustentáveis. Afinal, os clientes desejam
fazer transações bancárias com uma empresa que reflita suas crenças. As gerações mais jo-
vens, em particular, já estão escolhendo seu banco, levando em conta as práticas ESG. Isso
não significa que os bancos devem abrir mão da busca por resultados, já que uma boa gestão
dos riscos intangíveis, como exige a agenda ESG, melhora a qualidade de risco no mundo dos
negócios.
153
Como se sabe, as crises criam oportunidades, e o correto direcionamento nessa agenda irá ge-
rar diferenciação para os que se posicionarem de forma proativa, com ações em benefício da
sociedade e a geração de prêmio de valor para as empresas engajadas. Muitos compromissos
têm sido anunciados pelos bancos nessa direção. Compensação da emissão de carbono de
veículos financiados, metas de emissões de títulos nos mercados de dívida com “selo verde”,
aumento dos recursos direcionados a projetos de energia renovável, saneamento básico e agro-
negócio, alteração na estrutura interna para estimular a diversidade e trazer as pessoas para o
centro da empresa e criação de comitês socioambientais são algumas das iniciativas presentes
nas pautas atuais de muitas instituições financeiras.
O banco BV também caminha nessa direção. É, por exemplo, líder no financiamento de placas
fotovoltaicas para energia solar de uso residencial no Brasil. Em 2020, essa carteira cresceu mais
de 300% em comparação com o ano anterior, alcançando um saldo de quase R$ 900 milhões,
sendo que, até a metade de 2021, essa mesma carteira superou a marca de R$ 1,5 bilhões. De
acordo com uma pesquisa realizada pela Greener (Estudo Estratégico de Geração Distribuída
– Mercado Fotovoltaico – 1º semestre de 2021), 54% dos integradores entrevistados preferem o
banco BV como financiadora desse negócio e reforçam o destaque do banco para a evolução
desse mercado. O Brasil é um dos países com maior potencial nessa área em virtude dos altos
níveis de incidência solar em seu território. Atualmente, do total de 87 milhões de consumido-
res de energia elétrica no país, menos de 0,7% já faz uso do sol para produzir eletricidade lim-
pa, segundo dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Esse dado
mostra o quanto ainda pode ser feito para ampliar a oferta de energia renovável no país. Ao
oferecer uma linha de crédito para quem deseja instalar painéis solares fotovoltaicos no próprio
imóvel — uma medida que pode reduzir a conta de energia elétrica em até 95% —, o BV ajuda
a eliminar um dos principais gargalos nesse segmento, que era a falta de financiamento para a
compra dos equipamentos pelos consumidores residenciais.
Com criatividade, os bancos podem e devem ir além. É possível estimular as empresas a as-
sumirem compromissos ambientais e sociais como contrapartida na obtenção de crédito. O
financiamento de projetos ambientalmente sustentáveis deve ter estruturas de precificação di-
ferenciadas, que criem benefícios na forma de menores custos, por exemplo, para empreendi-
mentos da chamada economia verde, definida como as atividades econômicas que promovem
o bem-estar da humanidade e a igualdade social, ao mesmo tempo que reduzem significativa-
mente os impactos ambientais.
Em síntese, o setor financeiro tem um papel fundamental como indutor da agenda ESG, dada
a sua capacidade de alocar recursos monetários para empresas que atuam em diversos setores,
bem como para pessoas físicas. O envolvimento dos bancos com práticas sustentáveis deve
não só beneficiar os próprios bancos, mas também estimular a adoção de políticas viáveis por
seus clientes, funcionários, fornecedores e toda a sociedade. O setor financeiro deve buscar a
eficiência no uso dos recursos naturais e as melhores práticas em todas as frentes — social, am-
biental e de governança — para alcançar o objetivo final de promover o desenvolvimento sus-
tentável global. E tudo deve ser pensado, desenvolvido e realizado com uma vontade genuína
de fazer a diferença. Fazer de forma genuína implica, eventualmente, a necessidade de tomar
decisões difíceis, como abrir mão de negócios rentáveis, financeira ou economicamente, mas
que vão contra os objetivos da ESG. Essa agenda deve ser perseguida de forma intransigente e
determinada. O planeta agradece.
154
ALBANO DE OLIVEIRA CORREA
Albano Correa atua desde 2016 no Banco BV, onde é diretor do Private
Banking. Antes, havia sido diretor do Corporate & Investment Banking. É
formado em Administração de Empresas e tem MBA pela Stephen M. Ross
School of Business, da Universidade de Michigan. Assuntos: operações do
atacado, atuação da área, DCM e demais transações.
155
CASO BDMG:
INDUZINDO A AGENDA
ESG EM MINAS GERAIS
EDITORES: ERIKA BARCELLOS, CARLOS BRAGA E CARLOS ARRUDA
Estudo de Caso1:
Logo após assumir o posto de presidente do BDMG, Sergio iniciou um assessment da situação
do banco, buscando conhecimento sobre os funcionários da instituição, na busca pela forma-
ção de uma equipe com o perfil ideal para implementar a transformação que vislumbrava para
o BDMG.
Seja tomando uma cerveja em Xangai com Vinicio Stort, na época chefe do departamento fi-
nanceiro do banco BRICS, seja em conversas informais com outros parceiros e colegas de tra-
balho com reconhecidas experiências em bancos de desenvolvimento, incluindo o Vice-presi-
dente Henrique Pinto e o Diretor executivo Otávio Vianna, Sergio lançou a ideia de contar com
a contribuição deles no desafio de promover o desenvolvimento de Minas Gerais. O apelo foi
maior do que o esperado, para a grata surpresa de Sergio! Em suas palavras:
1 Caso preparado especialmente para o projeto “Inovação o motor do ESG” por Erika Barcellos, Carlos Braga
e Carlos Arruda em setembro de 2021.
2 Grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul para o resgate e investimento de países do
bloco. Constitui uma alternativa ao FMI e ao Banco Mundial para países que necessitam de créditos.
3 O rompimento de uma barragem da Vale gerou um mar de lama, com a destruição de casas da região do
Córrego do Feijão e a morte de 270 pessoas.
157
as necessidades do banco e para a sua transformação em termos de
perfil de competência. Traziam experiência em riscos, planejamento,
modelo financeiro, estruturação de projetos, mercado de capitais. (....)
sobretudo, traziam uma visão de um banco de desenvolvimento do
século XXI, não do século XX, alinhada à agenda de Objetivos de De-
senvolvimento Sustentável (ODS). (...) Em nossas conversas com o go-
verno de Minas Gerais e com outros stakeholders do BDMG, a ideia era
trazer um banco com tradição importante de entregas em cinquenta
e nove anos para o século XXI em todos os sentidos: não só inova-
ção nas ferramentas, mas também nas captações, nas parcerias, nas
agendas do ponto de vista do seu propósito, do seu mandato. Reler
o mandato de financiar o desenvolvimento dentro de uma lógica do
século XXI, a fim, inclusive, de justificar a sua existência. (...) Outros
bancos de desenvolvimento estatais haviam sido liquidados.”
Com atuação focada no território de Minas Gerais, cuja dimensão é maior do que a da França
e onde a maior parte dos municípios possuem IDH abaixo da média brasileira, o BDMG apoia a
economia, buscando a geração de impacto social e ambiental positivo para toda a população e
cadeia de valor dessa região. (Figura 1)
Além do mais, a instituição vem operando de forma anticíclica durante as crises econômicas do
país e mais recentemente durante a crise da pandemia do COVID-19 através da concessão de
crédito emergencial para que as empresas mineiras consigam atravessar essas crises.
Desde a sua fundação, há 59 anos, o banco tem sido o braço financeiro do Estado para o fomen-
to ao desenvolvimento, tendo atuado como agente financeiro dos fundos estaduais, que hoje já
não existem, conduzido mandatos de desestatização e desmobilização de ativos, estruturando
158
Parcerias Público Privadas (PPP´s), concessões de grande interesse para Estado e financiando
municípios. Além disso, vem atraindo investimentos para Minas Gerais e financiando o em-
preendedorismo mineiro, contribuindo para que várias empresas do Estado passem a ter pro-
tagonismo a nível nacional. (Anexo 1)
Sua cultura é caracterizada por alta competência técnica, motivação e abertura para o novo
dos seus funcionários de carreira, conforme explica Fernando Lage, presidente do Conselho de
Administração do banco, funcionário de carreira da instituição desde 1978:
Alguns meses após Sergio Gusmão Suchodolski assumir o cargo de presidente do BDMG, a ins-
tituição tornou-se signatária do Pacto Global da ONU, incorporando princípios de ESG em sua
gestão. Destaca-se que, com experiência e compromisso com esses princípios reconhecidos,
em 2021 o executivo aceitou um convite para se tornar uma das lideranças de impacto da ONU,
dentre uma quinzena de CEOs brasileiros com essa posição específica.
O BDMG estabeleceu novas parcerias, de modo que tem atuado não só como uma plataforma
de crédito, de equity (com participação societária em empresas) e de estruturação de projetos,
mas também como uma plataforma de conhecimento, dada a sua participação no Alliance of
Subnational Development Banks in Latin America (Aliança para Bancos de Desenvolvimen-
to Sustentável para a América Latina)4 e no Paris Development Banks statement on Gender
4 Após o Finance in Common Summit, realizado em novembro de 2020, a oportunidade de criar uma
Aliança de Bancos Subnacionais de Desenvolvimento (SDBs) para a América Latina foi liderada pelo BDMG,
pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), pelo Fundo Global para o Desenvolvimento das Cidades
(FMDV) e pelo Instituto para Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (IDDRI) com os
159
Equality and Women’s Empowerment (Declaração de Paris de Bancos de Desenvolvimento
sobre Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres).
Na busca por sustentabilidade financeira, o banco definiu como direcionadores da sua estra-
tégia os seguintes elementos: Impacto, Competitividade, Parcerias, Cultura Organizacional e
Transformação Digital. (Anexo 2)
Em reconhecimento pela sua performance nos últimos anos, venceu o prêmio da revista ingle-
sa Capital Finance International CFI 2020 na categoria Melhor Banco de Impacto Socioeconô-
mico no Brasil e a agência de rating Moody’s atribuiu, em plena pandemia, em dezembro de
2020, uma melhor avaliação dos títulos do BDMG.5
Exigências do Banco Central e a Lei 13.303/2016, conhecida como a Lei das Estatais, foram mar-
cos para o desenvolvimento do BDMG em termos de governança, pois tornaram um requeri-
mento que o seu acionista, o Estado de Minas Gerais, adotasse um padrão mais sofisticado para
a escolha dos membros da sua diretoria e do seu Conselho de Administração. Ao mesmo tempo
em que indicações políticas inadequadas cessaram, os comitês de apoio ao Conselho foram
fortalecidos. Nas palavras de Fernando Lage:
Hoje o BDMG possui uma estrutura de governança de riscos e controles internos ainda mais
robusta, que tem por objetivo garantir segurança, compliance e accountability da instituição,
bem como o atendimento aos objetivos estratégicos. Essa estrutura é composta por: Conselho
seguintes objetivos: Alinhar suas iniciativas, investimentos e portfólios com a Agenda 2030 e seus objetivos
de desenvolvimento sustentável (ODS) e com o Acordo de Paris sobre o clima; Promover investimentos
sustentáveis através de portfólios de projetos de desenvolvimento urbano e territorial e dinamizar os
mercados financeiros urbanos e municipais; Desenvolver um espaço estratégico de diálogo com pares,
instituições de fomento, governos, prefeituras e parceiros técnicos e financeiros da região; Reforçar o papel
estratégico dos SDBs e a contribuição da Aliança para as Agendas Globais em fóruns internacionais. https://
financeincommon.org/alliance-of-subnational-development-banks-in-latin-america
5 A Moody's America Latina Ltd. ("Moody's") afirmou em dezembro de 2020 o rating de emissor de longo
prazo em moeda local do BDMG em B2, os ratings de risco de contraparte de longo prazo em moeda local
e estrangeira em B1 e a avaliação de risco de contraparte de longo prazo em B1 (cr). Ao mesmo tempo, a
Moody's afirmou a avaliação de perfil de risco de crédito individual ("BCA", em inglês), o rating de emissor de
longo prazo na escala nacional brasileira ("NSA", em inglês) em Ba1.br, bem como outros ratings e avaliações
do BDMG.
160
de Administração, Conselho Fiscal, Comitê de Auditoria, Comitê de Riscos e Capital, Diretoria
Executiva, Comitês de Crédito, Comitês de Renegociação e Ouvidoria, além de 4 outros comitês
não estatutários: Comitê Gerencial, Comitê de Pessoas, Comitê de Políticas de Crédito e Comitê
de Tecnologia da Informação.
O processo de seleção dos Conselheiros ocorreu com a ajuda de uma empresa especializada
em recrutamento de executivos para a iniciativa privada, mas também com experiência com
o terceiro setor. O processo seguiu todas as etapas típicas dos processos seletivos tradicionais:
uma entrevista, um teste virtual para avaliar o estilo de liderança e um processo de investigação
de carreira e referências. No final, uma lista de candidatos foi apresentada ao governador, que
fez a escolha final e o Conselho formado foi uma combinação de pessoas dos setores público e
privado. (Anexo 3)
Com essa estrutura, o BDMG vem se comprometendo cada vez mais com controles e processos
internos sólidos para assegurar o acesso a todas as informações que sejam relevantes para as
partes interessadas e não apenas as que façam parte de leis e regulamentos. (Anexo 4)
161
ALINHAMENTO AOS ODS DA ONU
162
No ambiente interno, já havia uma preocupação com o meio ambiente e com aspectos sociais.
Por exemplo, o BDMG por anos seguidos obtém o selo do GHG (Greenhouse Gases) Protocol
quanto à emissão de gases, devido a adoção de medidas de eficiência energética e de medidas
mais sustentáveis nas instalações do banco. Ressalta-se que em 2020 foram instaladas placas
para a geração de energia fotovoltaica no edifício anexo ao BDMG. Sergio explica a importância
dessas ações:
Na frente de Inovação, que está alinhada aos ODS “Trabalho Decente e Crescimento Econô-
mico” e “Indústria, Inovação e Inf raestrutura”, o BDMG tem promovido a inovação no setor
produtivo mineiro, viabilizando a criação e o acesso ao mercado de crédito para empresas
de base tecnológica e apoiado projetos inovadores. Para financiá-los, o banco atua há 8 anos
com recursos de parcerias com a FAPEMIG e há 5 anos com BNDES e Finep. No decorrer de
2019, R$ 51,5 milhões foram desembolsados nessas linhas e 27 novos projetos foram finan-
ciados. O estímulo à inovação tem ocorrido não apenas por meio do financiamento, mas
também através de instrumentos de investimento para o apoio a empresas inovadoras e
com elevado potencial de crescimento. Em 2019, R$ 9,2 milhões foram integralizados nos
nove Fundos de Investimento em Participação (FIPs) e em um Fundo de Venture Debt. Em
conjunto, estes fundos já investiram R$ 70,7 milhões em 24 empresas mineiras. O Banco
possui participação acionária minoritária em duas companhias de tecnologia de ponta: a
Unitec Semicondutores S.A e a Biomm S.A., indústria biofarmacêutica localizada em Nova
Lima, MG, além de financiar diversas outras empresas inovadoras dos mais diversos setores
de todo o Estado.
163
Outra importante iniciativa na frente de inovação é o Hubble, um hub com sede no BDMG
para startups que utilizam tecnologia de forma intensiva e inovadora, especialmente Fintechs
e empresas do setor de softwares de gestão. Seu objetivo é promover conexões com foco em
geração de negócios, entre startups e grandes empresas, fomentando a cultura de inovação e
empreendedorismo no ecossistema. Resultado da parceria entre BDMG, LM Ventures e Banco
Olé, o Hubble reuniu, em janeiro de 2019, 15 startups vencedoras do 1º Batch em um ambiente
de troca e conexão com grandes corporações para impulsionar a realização de negócios. Em 8
meses, faturaram juntas R$ 8,3 milhões e cresceram em média 107,8%, em relação a 2018. Em
2020, 13 startups foram selecionadas para o 2º Batch. A pandemia impediu o uso do espaço
físico do Hubble e, consequentemente, a interação presencial entre as startups e os parceiros
corporativos. Apesar destes desafios, as startups cresceram em média mais de 52% em relação
a 2019, fechando o ano com um faturamento total de mais de R$ 13 milhões.
Vale destacar que inovações sustentáveis têm sido um dos importantes focos na seleção das
startups participantes do Hubble. Dentre 28 empresas já apoiadas pelo Hubble, diversas pos-
suem objetivos ligados aos ODS da ONU, como as empresas que oferecem soluções de crédito,
de energias renováveis e de redução do consumo de recursos naturais. Sergio Suchodolski en-
fatiza a importância do Hubble:
Por sua atuação com o Hubble, o BDMG recebeu o Prêmio ALIDE - categoria Gestão e Moder-
nização Tecnológica, concedido pela Associação Latino-Americana de Instituições Financeiras
para o Desenvolvimento.
Apoiado no alinhamento aos ODS da ONU, Sergio Suchodolski e sua diretoria desenvolveram
em conjunto com o Conselho de Administração a nova estratégia da instituição para o período
de 2020 a 2024. Destaca-se nesta estratégia os fundamentos de sustentabilidade financeira,
maximização de impacto e a visão de que o BDMG se torne “especialista” em Minas Gerais em
suas particularidades para agregar valor à sociedade. Esses fundamentos têm os clientes do
BDMG em foco e são ancorados em temas definidos como prioritários pelo Conselho para o
alcance dos objetivos (ODS), tendo a visão de futuro como principal norteador.
164
• Tecnologia e inovação: apoio à inovação não apenas por meio do crédito, mas também por
meio do estímulo ao ambiente de inovação no Estado de MG.
• Infraestrutura: apoio a projetos com atuação junto a Municípios, seja por meio da mobiliza-
ção de recursos em operações sindicalizadas, seja pela estruturação de PPPs.
• Agro: concessão de crédito para o agronegócio, que representa setor estratégico na dinâ-
mica econômica do Estado.
• Micro, pequenas e médias empresas: concessão de crédito às Micro, Pequenas e Médias
Empresas.
• Sustentabilidade: com destaque para a agenda de mudança climática dos ODS.
No mapa estratégico elaborado, o cliente está circundado pelas dimensões B, fazendo alusão à
responsabilidade de manter o equilíbrio e boa saúde financeira da instituição que é um Ban-
co; D, que remete ao propósito como instituição na promoção de desenvolvimento, e MG, que
identifica não só a localização geográfica como também ser especialista nas especificidades e
necessidades, das regiões, dos empreendedores e munícipios de Minas Gerais.
A OPERACIONALIZAÇÃO DA ESTRATÉGIA
Nos primeiros cem dias na presidência do BDMG, a nova diretoria realizou um assessment da
situação do banco e rapidamente revisou a estratégia de curto prazo, abrindo caminho para
uma mudança maior que seria feita no final do ano. Ao mesmo tempo, o presidente compôs
uma diretoria com funcionários de carreira da casa e também com profissionais externos da
165
sua confiança, e buscou uma mudança do mindset dos funcionários por meio de vários even-
tos, workshops internos e seminários para os colaboradores. Esses eventos abordaram, por
exemplo, a importância da motivação, do propósito das pessoas, uma visão técnica e profissio-
nal e não partidária da política, passando a mensagem que havia uma transformação na ges-
tão pública brasileira em busca por qualidade e ferramentas de gestão, e o tema compliance,
de modo a mostrar que a governança corporativa teria alta prioridade na agenda do BDMG.
Nesses meses iniciais, o banco também foi pioneiro e sediou o primeiro encontro internacional
de economistas chefe de bancos de desenvolvimento da America Latina6. Sergio Suchodolski
comenta sobre a importância desses encontros:
6 https://economia.estadao.com.br/blogs/coluna-do-broad/pela-1a-vez-bancos-de-fomento-da-al-se-reunem-
em-encontro-em-bh/
166
Dentre as conquistas do BDMG no período de 2019 a 2021 destacam-se a promoção de acesso
digital a micro e pequenas empresas e a indução de ESG nos negócios financiados pela insti-
tuição, com obtenção de autonomia em termos de captação de recursos.
De maneira inovadora, através da sua plataforma digital, o BDMG ampliou de forma signifi-
cativa o acesso digital das micro e pequenas empresas mineiras a crédito de longo prazo, em
condições favoráveis, no momento de crise profunda gerada pela pandemia do COVID 19 no
Estado de Minas Gerais. (Anexo 5)
Em maio de 2020 o Pronampe foi lançado pelo governo federal como medida de socorro duran-
te a pandemia para empresas7. O BDMG conseguiu um desempenho excelente na disponibili-
zação dos recursos do programa aos clientes. O desembolso do banco para micro e pequenas
empresas saltou de 180 milhões para mais de 900 milhões de reais. Para a atuação de sucesso
do BDMG com a sua plataforma digital junto ao Pronampe, o alinhamento estratégico com o
Conselho, a realização de um estudo de viabilidade financeira, operacional e jurídica do produ-
to, incluindo discussões sobre a alocação de capital, funding específicos para tal linha de crédito
e custos adicionais de auditoria que estariam envolvidos na atuação foram muito relevantes.
Vinício Stort, diretor executivo do BDMG, reconhece o trabalho de outras gestões do banco para
esse desempenho:
7 O programa concede empréstimo com taxas de juros mais competitivas a micro e pequenos empresários
afetados pela crise econômica desencadeada pela pandemia. As linhas de crédito são oferecidas por
instituições financeiras públicas e privadas, a exemplo do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e do
Banco do Nordeste. Com o programa, as empresas conseguem empréstimos de até 30% da receita bruta
registrada no ano anterior. Para os negócios com menos de um ano de funcionamento, é de até 50% do
seu capital inicial. Para as garantias, o governo faz aportes ao Fundo de Garantia de Operações (FGO). As
instituições financeiras que participam do Pronampe operam com recursos próprios e podem contar com
garantia do FGO de até 100% do valor de cada operação garantida.
167
A partir do seu lançamento, houve uma série de evoluções tecnológicas e de mídia de atuação
que a tornaram uma plataforma mais atrativa, de fácil utilização e confiável em termos do con-
trole das expectativas de performance da carteira.
“Como aconteceu com todos os bancos e não foi diferente com a gen-
te, o nosso site caía, tudo caía. O sistema caía, porque o número de
pessoas acessando não suportava. Então tivemos que fazer várias al-
terações relativas à infraestrutura de TI para a gente conseguir rodar
nos fins de semana, feriados, de madrugada, e vinte e quatro horas
por dia. Não parava. E nós tivemos que fazer alguns ajustes, porque
o Pronampe tinha regras próprias. Foram necessários alguns ajustes
de documentação. Mas a gente tem aí relatos de empresários que fa-
laram assim: eu não consegui em outros bancos onde eu tinha conta
e no BDMG, onde eu nunca tido estado, consegui o crédito. Os rela-
tos são de muita emoção. Os outros bancos escolheram os clientes
para os quais iriam conceder o crédito. Isso acontece, porque eles têm
os correntistas deles lá e definem: darei o crédito do Pronampe para
os correntistas com saldo de tanto a tanto. Por quê? Porque o recur-
so era escasso e com custo competitivo, o que era bom demais para
qualquer empresa que estivesse com dificuldade de acessar capital
de giro á época. No nosso caso não houve escolhas. Ocorreu de acordo
com a ordem do que chegava e era processado na plataforma digi-
tal. Não houve nenhuma interferência humana na análise e em nada.
Os documentos chegavam e fazíamos uma análise de conformidade
deles. Mandou o contrato assinado, mandou o comprovante de en-
dereço? Mandou. Então em um dia o crédito está liberado na conta.
Até o final de ano vamos estar sem esses documentos também. Hoje
ele (pessoa que recebe o crédito) imprime o contrato em casa, assina
e manda para o banco com alguns pequenos documentos. Agora a
gente está entrando em uma onda de paperless, já fizemos alguns
168
ajustes com alguns clientes, e agora a gente vai começar a disponi-
bilizar de uma maneira geral esse processo, inclusive com assinatura
eletrônica de contrato.”
Além da inovação tecnológica envolvida no BDMG digital, foram essenciais as parcerias desen-
volvidas pelo BDMG com correspondentes bancários para o êxito na promoção de acesso ao
crédito para micro e pequenas empresas.
O BDMG, por legislação, só pode ter uma agência, que é a sua sede. Então, ao longo dos anos,
ele sempre desenvolveu parcerias de modo a atingir o seu público. Há mais de 20 anos iniciou
parcerias com cooperativas de crédito e contadores, por exemplo, que atuavam como corres-
pondentes bancários para a concessão de financiamentos. Nesse modelo de parceria não há
nenhum custo adicional para o cliente. Os parceiros são remunerados pelo BDMG, mas a taxa é
a mesma se o cliente opta pelo correspondente bancário ou pela captação direta.
Quando o BDMG digital foi lançado e a instituição passou a receber as solicitações de crédito
apenas via digital das micro e pequenas empresas, foi preciso trabalhar a questão das parcerias
de uma forma mais estruturada. Assim, além de atuar junto a cooperativas de crédito, em 2012
as Federações das Associações Comerciais e Empresariais (Federaminas), do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo (Fecomércio) e das Indústrias (Fiemg) firmaram parceria com o BDMG para
se tornar correspondentes bancários da instituição e ser remunerados por cliente captado. Com
uma capilaridade muito grande no estado8, por muito tempo os correspondentes bancários
foram responsáveis por até 80% da concessão de crédito para micro e pequenas empresas.
Nesse mesmo ano, o banco começou a trabalhar com marketing digital e conseguiu aumentar
suas vendas diretas. Hoje aproximadamente 50% das suas vendas são diretas e 50% ocorrem
através de correspondentes bancários. Entretanto, na atuação focada com o Pronampe na cri-
se gerada pela pandemia, o correspondente bancário teve um papel bastante superior ao da
venda direta, alcançando 70% do volume de concessão de crédito. Nas palavras de Alexandre
Navarro, Superintendente de Planejamento,
8 A Fecomércio Minas atua em todas as regiões do Estado, representado por 44 sindicatos filiados
e 11 sindicatos conveniados. A Fiemg atua em 12 regionais estrategicamente distribuídas em Minas e a
Federaminas congrega mais de 300 associações comerciais em diversas regiões mineiras, representando
milhares de empresários, vinculados a todos os segmentos da economia.
169
“A gente imaginava que como era um recurso muito divulgado na mí-
dia, muito disseminado mesmo, e podia ser acessado via plataforma
digital normalmente, a venda direta seria mais forte. Mas, na verdade,
os correspondentes bancários fizeram um papel fundamental. Eles ti-
veram um papel relevante de ajudar o cliente, esclarecer dúvidas. A
gente tem também um canal de atendimento telefônico para o clien-
te, mas esse traço do mineiro de querer tirar a dúvida, de querer ter
um contato mais próximo é muito relevante. (...) Os correspondentes
bancários foram ágeis na divulgação ao perceberem que havia de-
manda naquele momento e que a oferta era muito atrativa. Consi-
derando que a rentabilidade do Pronampe era menor para o BDMG
em relação a outras linhas, a remuneração para os correspondentes
bancários também foi menor. Mesmo assim não foi um problema de
performance, dada a visão de ganhos com volume”.
Para o setor público, a digitalização do processo de crédito através do BDMG Digital começou
em 2019. Em abril de 2021 o banco lançou um edital com oferta de R$ 300 milhões por meio
das linhas Cidades Sustentáveis (energia limpa, modernização de prédios públicos), Urbaniza
(infraestrutura urbana), Saneamento (água, esgoto e resíduos sólidos) e Maq (máquinas, equi-
pamentos e veículos). Os processos desse edital estão sendo operacionalizados de forma 100%
digital, desde a etapa de apresentação de propostas por clientes, passando por análise de cré-
dito e celebração de contratos, até o controle de liberações e comprovações de aplicações dos
recursos. A digitalização tem permitido um aumento de eficiência operacional maior do que
100%. (Anexo 6)
Ao mesmo tempo em que o BDMG definiu o objetivo estratégico de alinhamento com ODS
e com geração de impactos ambientais e sociais positivos, seus líderes fizeram a leitura que
Minas tinha a capacidade natural de ser um player importante no desenvolvimento de usinas
fotovoltaicas, especialmente no Norte de Estado, onde o clima é ensolarado e a topografia pla-
na.9 A experiência do presidente e dos diretores executivos no mundo multilateral e o desejo
de obtenção de autonomia em termos de captação de recursos conduziu a instituição à busca
de fundings temáticos junto a agências internacionais. Vinício Stort resume bem o movimento
estratégico:
9 Além da alta irradiação permanente ao longo do ano, que chega a ser o dobro da registrada na Espanha
e na Alemanha, os países europeus que mais investem nessa tecnologia, a topografia plana do Norte de
Minas Gerais não produz sombras. Isso permite uma alta eficiência na captação pelos painéis solares que
utilizam o silício.
O norte de Minas fica ainda próximo das torres do sistema nacional de distribuição, que leva energia para
os consumidores do Sudeste e Centro-Oeste.
170
laterais de desenvolvimento. (...) Algumas agências internacionais já
falavam muito em financiamentos voltados para projetos de energia
limpa, economia de baixo carbono, captura de carbono, eficiência
energética (...) juntamos tudo isso e começamos a desenhar uma li-
nha onde isso tornou-se importante tanto para captar funding, que
para nós era fundamental, como para pular definitivamente para
dentro de uma lógica mais sofisticada, mais geral, nos ODS como
um todo.”
A energia e o senso de urgência do presidente Sergio Suchodolski para realizar as parcerias fo-
ram essenciais para os resultados alcançados. Diversas viagens internacionais permitiram que
as negociações avançassem muito com instituições como Banco Interamericano de Desenvol-
vimento, Banco Mundial e IFC, antes da chegada da pandemia. O estágio avançado das nego-
ciações permitiu que elas fossem concluídas virtualmente durante a pandemia.
Um passo crucial para o sucesso da estratégia foi o entendimento das mudanças ou das ade-
quações internas necessárias tanto na parte operacional, de planejamento e de acompanha-
mento para que o BDMG conseguisse aplicar os fundos de forma efetiva, dentro das regras que
a fonte financiadora colocava. Para isso, houve um apoio direto do BEI, inclusive com treina-
mentos presenciais em 2019 para a capacitação dos analistas do BDMG. Os sistemas do BDMG
precisaram ser alterados para acomodar o registro de impactos ambientais e sociais dos pro-
jetos.
Com a criação de uma “esteira BEI” dentro do BDMG, foram adotados novos processos e práti-
cas para o acompanhamento do pipeline junto às áreas operacional, de planejamento, financei-
ra, de funding, de produtos e até mesmo junto ao Conselho de Administração.
O papel da liderança nesse processo foi reforçar a importância da adaptação do processo inter-
no, das práticas da instituição, garantindo a operacionalização da maneira que o BEI esperava.
Vinício revela:
“Foi importante explicar que teríamos que fazer mais coisas, controlar
mais documentos, mas que aquilo era o futuro do banco.”
171
mercado e da legislação nessas áreas de negócio. Para atender aos novos clientes internacionais
com padrões altíssimos de governança, transparência e rigor com o cumprimento da legislação
ambiental, os diretores do BDMG se desenvolveram muito nesses aspectos. Para isso, contaram
com a experiência dos Conselheiros e com uma forma de trabalho matricial e transversal essen-
cial para uma instituição de porte médio que não consegue manter especialistas segregados.
Diferentemente de grandes bancos de desenvolvimento, que possuem milhares de funcioná-
rios, o BDMG tem 296 funcionários efetivos que são demandados em diversas competências.
Marcela Brant revela que o mercado já entende esse novo direcionamento do BDMG. Em suas
palavras:
“Quando olhamos para os grandes projetos que estão vindo para Mi-
nas, uma das condições é a sustentabilidade. A primeira coisa que
eles (empresários e empreendedores) mostram, antes de números, é:
olha como que eu trato a energia, como que é a água, como que é a
energia, olha como eu sou sustentável.”
Destaca-se que de janeiro a maio de 2021, 43% dos desembolsos do BDMG alinharam-se aos
ODS da ONU definidos como foco do banco. (Anexo 7)
Junto a esse alinhamento, ocorreu a diversificação das fontes de recursos do banco. Em dezem-
bro de 2020 o BDMG conseguiu atrair investidores para a pauta de desenvolvimento sustentá-
vel, tornando-se o primeiro banco de desenvolvimento brasileiro a captar recursos voltados à
emissão de títulos sintonizados com a Agenda 2030. Dessa forma, deu impulso para o financia-
mento ou refinanciamento de projetos que possuem impactos socioambientais significativos,
contribuindo para diversificar a matriz econômica de Minas Gerais. A estruturação desses títu-
los se desenvolveu de acordo com os Princípios de Títulos Verdes 2018, os Princípios de Títulos
Sociais 2018 e as Diretrizes de Títulos de Sustentabilidade 2018.
172
título sustentável, que é uma nova fonte de recursos para o banco
junto ao mercado de capitais internacional.”
Uma parte dos empréstimos do BDMG é para o setor público. Historicamente as prefeituras
tendem a asfaltar ruas e estradas, pois são obras que geralmente conquistam eleitores. O
BDMG tem buscado educar os pequenos municípios a investirem em obras de saneamento
básico, iluminação pública e cidades inteligentes, com um viés ambiental. O objetivo é financiar
e induzir investimentos públicos alinhados ao ESG.
A nova estratégia teve impactos positivos em termos de engajamento e produtividade dos fun-
cionários. O orgulho e o comprometimento dos colaboradores aumentaram, porque eles se
identificaram com o mandato de sustentabilidade do banco e enxergaram os benefícios sociais
e ambientais para a economia e para a sociedade mineira. Marcela evidencia e analisa a auto-
motivação que emergiu internamente:
173
co, especialistas, que estão lidando muito bem com isso. Adquirimos
competências que a gente não tinha, de uma maneira rápida, em fun-
ção do engajamento e da identificação das pessoas com relação ao
propósito. Isso fez toda a diferença! A produtividade da nossa equi-
pe aumentou muito. No ano passado, mais do que dobramos nosso
desembolso. Atendemos quase treze mil clientes, com todo mundo
em casa, sem nenhum acréscimo de equipe. Nossa produtividade em
2020 foi recorde na história do banco como um todo!”
O BDMG tem trabalhado de diversas formas para criar espaços mais humanizados e com res-
peito à diversidade dentro do banco. Desde 2018, figura na lista das empresas brasileiras que
assinaram os Padrões de Conduta propostos pela ONU. Iniciativas para ampliar a diversidade,
principalmente por meio do programa de estágio, continuam demonstrando o compromisso
do BDMG com a igualdade de oportunidades e o respeito à pessoa humana. Ao longo de 2019,
diversas iniciativas relacionadas à diversidade marcaram a agenda do Banco. Uma delas foi a
comemoração do Dia Internacional da Mulher por meio de uma roda de conversa realizada
para tratar sobre a importância da igualdade de gênero para os ambientes, em especial aqueles
que se propõem inovadores e empreendedores. Outra foi uma parceria entre o BDMG Cultural
e Hubble para a realização de um encontro sobre Empreendedorismo Negro com discussões
sobre arte, ciência e inovação africana e afrodescendente. O BDMG também foi patrocinador
da primeira edição do ELAS, um festival cultural que destaca o empreendedorismo feminino no
mercado e sua atuação nas mais diversas áreas.
Outra ação importante nesse sentido é a linha Empreendedoras de Minas, crédito para capital
de giro que visa apoiar as micro e pequenas empresas controladas por mulheres e incentivar
o surgimento de novas empreendedoras. Em função da Pandemia da Covid 19 for criada uma
versão emergencial desta linha que desembolsou entre março de 2020 e maio de 2021, R$ 33,9
milhões para 882 destas empresas recursos estes que foram fundamentais para a sobrevivência
de vários destes negócios naquele momento de escassez de crédito no mercado.
“Eu não posso ir ao mercado: “eu quero trazer fulano e beltrano”. Não
tem jeito. O banco só faz isso em proporção muito pequena, de for-
ma temporária. Nós temos assessorias temporárias, que permitem a
contratação de pessoas muito sofisticadas durante alguns períodos.
Profissionais com conhecimentos muito sofisticados, que nos interes-
sam, ou com características que são relevantes durante algum perío-
do. Podemos por lei terceirizar também alguma coisa que não seja
crítica. De vez em quando o Estado me empresta alguém de algumas
áreas, como do BNDES, e nós emprestamos nossos funcionários tam-
bém. Na verdade, todos que entram precisam ser treinados. É uma
174
coisa que demanda investimentos e demora algum tempo. Mas isso
é muito crítico para a própria sobrevivência do banco. Temos que for-
mar equipes.”
Como instituição pública, o BDMG tem nas leis federais e estaduais um limitador para a amplia-
ção da diversidade no seu quadro de funcionários. Por exemplo, cada concurso público requer a
contratação de um número mínimo de deficientes físicos. Entretanto, não pode haver a seleção
das pessoas por critérios como raça, gênero e renda.
O BDMG tem planos de abrir um novo concurso no final de 2021 com o objetivo de gerar uma
oxigenação interna, trazer novas gerações com novas competências e cultura.
“Tem nove anos que o BDMG fez o último concurso. Então, realmente,
a faixa etária no banco está elevada. A questão não é só a idade, a
questão é que a maneira como as pessoas se formam. É completa-
mente diferente uma pessoa que se forma em engenharia hoje da-
quela que se formou em engenharia há dez anos, quinze anos. Tem
outra cabeça, outra cultura, outras competências.”
A busca pela diversidade no BDMG vai além de uma postura moral, mas possui a visão do valor
capturado pela instituição através de um quadro de funcionários mais diverso.
175
LEGADOS
Em agosto de 2021, após 2 anos e 7 meses na liderança do BDMG, Sergio e sua equipe já haviam
deixado legados para o banco, para Minas Gerais e para o Brasil. Dentre eles destacam-se: o
exemplo de estratégia pautada em ESG, tendo os ODS como referência; a sofisticação em ter-
mos de governança, risco e compliance; o entendimento da necessidade de aperfeiçoar cada
vez mais a medição dos impactos gerados na ponta junto aos seus clientes com externalidades
positivas para todo o estado; e o desenvolvimento e o fortalecimento de líderes da casa visando
a perpetuidade da instituição.
Uma das conquistas consolidadas foi o papel do banco de desenvolvimento para o alcance dos
ODS, com uma estratégia pautada em ESG. Destaca-se que a crise no Brasil gerada pela pan-
demia mostrou a importância dessa estratégia e ajudou a consolidá-la no BDMG. Além disso,
como as captações internacionais obtidas são de longo prazo, com duração de uma a duas dé-
cadas, e estão totalmente alinhadas a essa estratégia, o BDMG se manterá como um exemplo
de instituição que contribui para o alcance dos ODS definidos pela ONU. As palavras de Fernan-
do Lage e Carlos Braga, respectivamente, destacam essa contribuição:
“Um dos legados que a gente quer deixar para o banco é que ele con-
tinue sendo exemplo, mais uma vez, dessa vez na área de ESG, para
outras instituições. Não somos pioneiros dessa estratégia, mas somos
primeiros seguidores e isso é útil para a sociedade. Não tem valor fi-
nanceiro, mas tem um grande valor como exemplo. (....) O Sergio é hoje
presidente da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), que
congrega bancos de desenvolvimento do país, devido à sua sofistica-
ção profissional. A gente aprende com os outros, mas ensina muito
também. Trocamos experiências com bancos de outros Estados que
servem para a difusão. Essa coisa das ODS, logo você vai ver em ou-
tras agências de desenvolvimento, que reconhecem os ganhos obti-
dos pelo BDMG com as captações internacionais. Quer dizer, nossa es-
tratégia funciona como um exemplo. E quando eles têm boas coisas, a
gente vai lá e também copia, é lógico.”
176
Sofisticação em termos de governança, risco e compliance
“Na hora que você sobe a sua barra de boas práticas, de políticas de
governança, risco e compliance, os mecanismos de controle externos
de auditores, do Banco Central, de supervisores e de reguladores ga-
rantem que não haja retrocesso. Nos últimos anos, houve avanços im-
portantes nas ferramentas implementadas nos comitês de risco e nos
controles internos do banco.”
Em 2018, uma empresa de consultoria realizou uma análise do corpo gerencial do BDMG e citou
na época a “juniorização” dos executivos do banco. Sem autonomia para conduzir atividades
importantes, estavam abafados e sem iniciativa. Com a nova estratégia e a liderança de Sergio
o corpo de executivos do BDMG se fortaleceu. Dentre os movimentos que contribuíram para
isso estão a reativação do comitê gerencial e a mudança da composição do comitê de crédito
com pessoas indicadas pelos diretores. Ao mesmo tempo, o banco tem buscado sofisticar suas
lideranças com novas competências e habilitá-las a tomar decisões. Dessa forma, tem reforça-
do seu papel de agente fomentador de lideranças que podem ser alavancadas não apenas no
BDMG, mas em outras instituições do governo de Minas Gerais.
A execução da estratégia contribuiu para remover qualquer dúvida interna do banco sobre a
necessidade de medir o impacto gerado na ponta, ou seja, não o impacto em valor de desem-
bolso, mas em geração de emprego, em redução da geração de CO2, em diversidade, inclusão
e inovação, por exemplo. Marcela Brant e Carlos Braga, respectivamente, destacam esse legado:
Atualmente, o BDMG faz uma análise Ex Ante dos projetos, ou seja, antes dos financiamentos
concedidos. Nesta etapa ocorre uma revisão do processo de seleção desses projetos, que são
enquadrados no momento do início da análise da transação em tipologias pré-definidas, pro-
177
curando-se incluir indicadores de impacto das suas operações tais como análise socioambien-
tal dos seus impactos.
Uma vez que as operações são feitas, é realizada uma análise Ex Post, com a classificação da
carteira do BDMG vinculada aos ODS e a identificação de categorias elegíveis para a emissão
de títulos. O uso dos recursos dos títulos ocorre em paralelo à elaboração de reportes aos inves-
tidores.
Cada projeto é avaliado considerando o seu propósito central e as estimativas dos seus bene-
fícios gerados no médio ou no longo prazo. Por outro lado, há um indicador de contribuição
CO2 dos projetos. Através da “Calculadora de CO2”, é realizada a medição da contribuição do
projeto em termos de melhoria das condições climáticas, principalmente em relação à redução
de emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera.
Destaca-se a importância das parcerias do BDMG com o Framework ODS e com o IDB para o
desenvolvimento da calculadora de carbono. O Framework ODS teve um papel relevante para
o aprendizado do BDMG quanto a ferramentas de medição de impacto centradas na Agenda
2030, o enquadramento ODS e sobre indicadores de sustentabilidade. Destaca-se que, com
esse intuito, sessenta pessoas do BDMG que atuam nas áreas de operações, análise de crédito,
setor público, comercial, riscos e planejamento do banco foram treinadas em abril/2021. Já a
parceria com IDB envolveu o treinamento de 40 pessoas em julho/2020 nas áreas de operações,
análise de crédito e setor público, entre outras.
Quanto à parceria com o Framework ODS, o presidente do BDMG, Sergio Suchodolski, revela:
“A gente usa o framework dos ODS para não só sermos bons moci-
nhos, mas para nos ajudar a mensurar o nosso impacto de desenvol-
vimento. Isso nos ajuda a evoluir na performance, inovar nos produtos
oferecidos e nas ferramentas de gestão.”
SEGUINDO EM FRENTE
Após atingir captações recordes, da ordem de R$ 2,3 bilhões em 2020, e emitir de forma pionei-
ra Títulos Sustentáveis, (USD 50 MM), os líderes do BDMG estavam convictos que a permeabili-
dade da instituição às novas tendências do mercado de crédito internacional descortinaria ain-
da mais oportunidades de diversificação de funding, fortalecimento da carteira e lucratividade.
178
operações e compliance, permitindo equilibrar a demanda do mercado com a necessária aus-
teridade na condução do negócio.
Por outro lado, assim como parceiros mais exigentes promoveram o fortalecimento do BDMG
em ESG, o banco teria pela frente o desafio de educar cada vez mais a sua cadeia de valor, in-
cluindo parceiros, fornecedores e clientes, a serem mais sustentáveis. Internamente, o maior
desafio seria a promoção de uma maior diversidade no seu quadro de profissionais nos diver-
sos níveis da organização, considerando as regras públicas restritivas à contratação de novos
funcionários. Sua capacidade de buscar soluções inovadoras para os seus desafios internos, de
alavancar tecnologias digitais para seus negócios, criar instrumentos financeiros e desenvolver
novos produtos integrados com a Agenda 2030 seria crucial para a manutenção e o avanço da
sua estratégia.
Nesse cenário, os colaboradores do BDMG se mostravam cada vez mais engajados em induzir
o crescimento sustentável do estado, exercendo ao mesmo tempo o seu papel anticíclico na
economia e seguindo os mesmos princípios que nortearam sua atuação desde sua criação ses-
senta anos passados.
179
ANEXO 1 – HISTÓRICO DE DESENVOLVIMENTO DO BDMG
180
econômico da Embaixada do Brasil em Washington; foi chefe de Gabinete da presidência do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); Chefe da Assessoria Inter-
nacional da Secretaria de Assuntos estratégicos da Presidência da República; e Supervisor de
Defesa Comercial do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federa-
ção das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entre outras funções. Presidente da Associa-
ção Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) desde agosto/2020; Vice-presidente da Associação
Latino-Americana de Instituições Financeiras de Desenvolvimento (ALIDE) desde agosto/2019;
Membro do Conselho de Administração da BIOMM S.A desde abril/2019; Membro do Conselho
Deliberativo Nacional do SEBRAE desde agosto/2020; Membro do Conselho Deliberativo do
SEBRAE-MG desde abril/2019 e Membro do Conselho da VR Benefícios desde junho de 2021.
181
CEJUSC-SAESP e Fórum Regional de Vergueiros – Estado de São Paulo: mediadora; III- Liber
Coaching: Coach Executivo e Life Coach; IV- FGV – Fundação Getúlio Vargas: Mediadora e árbi-
tra do Corpo Permanente da Câmara de Conciliação e Arbitragem, desde dezembro de 2014;
V- CVM – Comissão de Valores Mobiliários – Consultora de valores mobiliários, desde setembro
de 2014; VI- Liver Consultoria e Participações: Sócia Diretora; VII- Azulis Capital: Sócia-diretora;
VIII- Grupo Pem Setal: Presidente Executiva Corporativa; IX- Schahin Engenharia Ltda.: Presi-
dente da Schahin Engenharia, tendo atuado durante esse período também como membro do
Conselho de Administração; e X- Sistema BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-
nômico e Social e FINAME – Agência Especial de Financiamento Industrial: Superintendente da
Área de Infraestrutura; Superintendente da Área de Administração; Diretora Operacional da FI-
NAME, responsável pela Área de Operações de Longo Prazo, Concorrência Internacional e Rela-
cionamento com Agentes Financeiros; e Chefe dos Departamentos Financeiro e de Orçamento.
182
Sergio Eduardo Weguelin Vieira – Conselheiro desde 18/02/2020
– Gradou-se em economia pela Universidade Candido Mendes – Rio de Janeiro, com mestrado
em economia política pelo The New School for Social Research – Nova Iorque / EUA, tendo exer-
cido, dentre outras, as seguintes atividades profissionais: I- Sócio da Maker Sustentabilidade
Ltda. desde 2020 e da Maker Investimentos Criativos Ltda. desde 2018; II- Diretor de Investimen-
tos da FAPES – Fundação de Assistência e Previdência Social do BNDES, de 2015 a setembro de
2016; III- Sócio da BRZ Investimentos, de 2013 a 2015; IV- BNDES – Banco Nacional de Desenvol-
vimento Econômico e Social, de 1982 a 2004 e de 2009 a 2013: IV.I- Superintendente da Área de
Meio Ambiente, de janeiro de 2009 a junho de 2013; IV.II- Chefe do Departamento de Mercado
de Capitais, de janeiro de 2002 a outubro de 2004; IV.III- Chefe do Departamento de Desenvol-
vimento de Novos Produtos, de julho de 2000 a dezembro de 2001; e IV.IV- Superintendente da
BNDESPAR de julho de 1995 a junho de 2000; e V- Diretor da CVM – Comissão de Valores Mobi-
liários, de 2004 a 2008.
183
Marcela Amorim Brant – Diretora Executiva desde 06/01/2017
– Graduou-se em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, com MBA
em Gestão Organizacional pelo IBMEC – Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais e em Finan-
ças também pelo IBMEC, tendo exercido, dentre outros, os seguintes cargos: I- Diretor I – Técni-
co em Orçamento Público, na Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral de
Minas Gerais; II- Gerente Administrativo e Financeiro da Digitus Indústria, Comércio e Serviços
de Eletrônica Ltda.; III- Diretora Administrativa e Financeira do Instituto Estadual do Patrimônio
Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA/MG; IV- Consultora Mercadológica da Companhia de
Desenvolvimento do Vale do São Francisco – CODEVASF; V- Consultora Organizacional do Colégio
Arnaldo e da Faculdade de Direito Padre Arnaldo Janssen; e VI- Banco de Desenvolvimento de
Minas Gerais: admitida por meio do concurso público realizado em 1998: Analista da Auditoria In-
terna, Gerente da Auditoria Interna, Chefe de Gabinete e Gerente de Comunicação, Gerente Geral
de Gestão de Pessoas, Gerente Geral da Gerência de Suporte ao Crédito, Presidente do Comitê
de Tecnologia da Informação, Membro efetivo do Comitê de Gestão Financeira, Capital e Risco e
membro suplente dos Presidentes do Comitê de Crédito e do Comitê de Políticas Operacionais.
184
ANEXO 4 – COMPLIANCE, CONTROLES E PROCESSOS
INTERNOS DO BDMG
Fonte: Apresentação Sérgio Suchodolski na Amcham. Comitê de Business Affairs. Julho 2021.
185
ANEXO 5 – BDMG DIGITAL – MODELO DA PLATAFORMA DE
CRÉDITO, PROGRAMAS E RESULTADOS OBTIDOS PARA
MPES
186
ANEXO 6 – RESULTADOS BDMG DIGITAL PARA MUNICÍPIOS
187
ERIKA BARCELLOS
CARLOS BRAGA
CARLOS ARRUDA
188
SEÇÃO 3:
O PAPEL DAS EMPRESAS NA
PAUTA AMBIENTAL DO ESG
EDITOR: CARLOS ARRUDA
Inovabilidade
CARLOS ARRUDA
As novas exigências trazidas pela pauta ambiental são, sem dúvida, uma nova fonte de inovação
para as empresas. Nesta sessão, convidamos especialistas e executivos de diferentes empresas
para compartilharem suas experiências e expectativas que em seu conjunto trazem uma nova
agenda de desenvolvimento de tecnologias, produtos, serviços e negócios. Como destacado
por Joe Tidd (2015)1, gestão da inovação nunca teve receita pronta, já que depende de diversos
fatores relacionados ao setor, porte, recursos, concorrência e modo de operação de cada orga-
nização. Mas, neste contexto da pauta ambiental, observamos algumas características comuns
provavelmente relacionadas ao grau de incerteza trazida pela agenda ambiental.
De uma maneira geral, os processos de inovação se caracterizam por serem processos colabo-
rativos, com a participação de empresas de consultoria especializada (ex.: Ambipar, Boomera,
WayCarbon), organizações não governamentais (ex.: Black Jaguar Foundation) e escritórios de
advocacia (ex.: Cescon Barrieu e Di Biasi). Esses processos “abertos de inovação” se destacam
pela troca de conhecimento através das fronteiras organizacionais.
Estudos recentes chamam a atenção para o fato de que, se por um lado, a inovação aberta pode
ajudar a reduzir as incertezas, por outro lado a própria inovação aberta é fonte de uma série de
tensões e incertezas. “No nível da empresa, a inovação aberta pode levar a uma tensão entre
compartilhar conhecimento com parceiros e, ao mesmo tempo, protegê-lo de vazamentos am-
plamente. A inovação aberta também pode levar a um trade-off entre manter o controle sobre
os processos de inovação e abrir mão do controle para permitir que outros definam problemas
e soluções. Às vezes, a inovação aberta pode envolver concorrentes, criando uma tensão entre
colaboração e competição”. Segundo os mesmos autores: “em termos mais gerais, a inovação
aberta está comumente relacionada a tensões entre a criação e a captura de valor.”2
Nesta sessão, usaremos o termo “inovabilidade” para nos referirmos às práticas de inovação as-
sociadas aos desafios e objetivos da sustentabilidade, focando nas pautas de ESG, em especial
na agenda ambiental. Assim, entramos no universo da inovação no desenvolvimento de tecno-
logias, processos, serviços, produtos e negócios que sejam novo ou significativamente melho-
rado, no que se refere às suas características ou usos previstos, ou, ainda, à implementação de
métodos ou processos de produção, geração e uso de energia, distribuição, ou organizacionais
novos ou significativamente melhorados, incluindo práticas que gerem impacto ambiental,
190
preservação e/ou recuperação da biodiversidade e do meio ambiente, economia circular, que
devem ser gerados considerando sua sustentabilidade e reciclabilidade no processo3.
Abrindo a sessão, Felipe Bittencourt, CEO da WayCarbon, argumenta que os três motivos de-
terminantes para os níveis de maturidade em gestão de impacto ambiental são conformidade
legal; compliance de mercado e busca por protagonismo ambiental. No nível mais alto de ma-
turidade de gestão de impacto ambiental, o foco está nas oportunidades e na mitigação de ris-
cos ambientais. O tema é considerado como estratégico para a empresa, sendo prática comum
a publicação de relatórios de impacto ambiental com foco na gestão deste impacto, buscando
o posicionamento de mercado como empresa protagonista no tema, com o propósito ambien-
tal atrelado ao propósito do negócio. Apesar de almejar alto, a lógica ainda é bem simples: uma
real melhoria contínua. O autor fecha seu artigo com uma lista de 10 sugestões para gerir os
impactos ambientais de forma assertiva.
Partindo da intenção para a ação, as autoras Jöel Boele, Carolina Sacramento e Marina Tavares
nos apresentam a Black Jaguar Foundation e seu propósito de restauração do Corredor de
Biodiversidade do Araguaia, que conecta os ecossistemas da floresta amazônica e do cerrado.
Tratando-se de um empreendimento gigantesco que visa restaurar, nos próximos vinte anos,
um milhão de hectares de áreas degradadas, conta com o envolvimento e patrocínio de indiví-
duos e empresas.
Claudia Furini, do Banco BV, chama atenção que a menos que o mundo reduza de forma pro-
funda e sustentada as emissões de CO2 e de outros gases de efeito estufa, será praticamente
impossível atingir as metas do histórico Acordo de Paris, de 2015, quando os países concorda-
ram em limitar o aquecimento global em 2°C acima dos níveis pré-industriais, com a aspiração
de manter esse aumento dentro de um limite mais seguro de 1,5°C.
Destacando o papel do setor financeiro, salienta a atuação do Banco BV que anunciou seus
“Compromissos 2030 para um futuro mais leve”. A iniciativa reúne cinco metas públicas que vão
direcionar as ações do banco nas áreas ambiental, social e de governança (ESG). Os compromis-
sos são divididos em três pilares: mudanças climáticas, negócios sustentáveis e inclusão social.
No quesito clima, o principal objetivo do BV é diminuir seu impacto ambiental, tanto direto
como indireto. O banco se tornou o primeiro das Américas a se comprometer a neutralizar 100%
das emissões de CO2 de seu principal negócio, o financiamento de veículos. A ação se somou
à compensação das emissões diretas, que o BV realiza desde 2020, referente às emissões de
3 Rafael Navarro e Marcela Flores. 2021. Quais devem ser as estratégias de inovação na era digital e da
inovabilidade? Digital Negócios e Transformação Digital (vol 2). http://economiadigital.fdc.org.br
4 Erika Barcellos e Carlos Braga. 2021. Caso Suzano: Inovabilidade a partir de árvores plantadas. Inovação o
Motor do ESG. Http://esg.fdc.org.br
191
2019. Nessa frente, o banco está trabalhando para a digitalização de suas operações, diminuin-
do as emissões de boletos e faturas de cartão de crédito, que representam seu maior impacto
ambiental.
Gabriel di Biasi aborda um dos temas mais críticos na agenda da inovabilidade como uma ação
aberta e colaborativa: a propriedade intelectual, partindo do conceito de que a propriedade
intelectual é o valor intangível mais importante de uma empresa, pois protege os seus bens
imateriais, muitos dos quais passam a existir antes mesmo da efetiva criação do negócio. Uma
das proposições do autor é defender junto aos stakeholders (fundos corporativos, startups, ins-
tituições acadêmicas) estratégias para desenvolver tecnologias relacionadas aos indicadores
ESG, gerando portfólios de propriedade intelectual capazes de serem explorados, contribuindo,
assim, para atingir os resultados de sustentabilidade e, ao mesmo tempo, retorno para os seus
criadores e investidores. O autor cita como exemplo as tecnologias verdes, que são utilizadas
amplamente em vários setores produtivos, e as tecnologias sociais, que defendem a diversida-
de além da inclusão social, bem como o desenvolvimento de tecnologia de governança para
combate à corrupção.
Fabiana Brant e Marcelo de Souza reforçam a tese apresentada anteriormente pelo Felipe Bit-
tencourt da importância de se saber onde está posicionada em relação ao tema ESG e seu nível
de maturidade como um dos primeiros passos para que uma organização possa estabelecer
um plano de desenvolvimento de práticas sustentáveis e direcionar seus esforços para atender
aos seus compromissos estratégicos e aos interesses dos seus stakeholders. Os autores apre-
sentam os cinco estágios de cidadania corporativa de Mirvis e Googins5, destacando a impor-
tância do modelo na análise da atuação das empresas e nos elementos aplicáveis em busca do
crescimento evolutivo como um todo, considerando desde o estágio elementar até o transfor-
mador, rumo à melhoria continuada no contexto em que a organização está inserida.
Guilherme Brammer e Leon Tondowski, fundador da Boomera e CEO do Grupo Ambipar, nos
alertam para a urgência de se lidar com os resíduos residenciais e industriais. “Os resíduos de
todo o mundo acabam tendo como destino os oceanos, e aves e outros animais alimentam-se
destes resíduos (embalagens, peças, restos de produtos) e intoxicam-se, o que já mata milhares
de espécies todos os anos”. No Brasil, alertam, perdemos todos os anos mais de R$ 8 bilhões
em materiais que, após o uso, são direcionados para aterros e lixões clandestinos, e temos mais
de 1.000.000 pessoas vivendo e trabalhando todos os dias nesses lugares insalubres. A solução
seria, segundo os autores, a economia circular, utilizando a natureza como fonte de inspira-
ção. Economia circular é a economia em que recurso não renovável é apenas um repositor
do sistema e não sua fonte principal de abastecimento. A matéria-prima já está disponível na
5 Philip Mirvis e Bradley Googins. 2006. Stages of Corporate Citizenship. In California Management Review.
Winter 2006, Vol 48 (2)
192
sociedade, basta criar maneiras de recuperação e modelos de negócios que fomentem esse
pensamento sistêmico. A solução foi (é) a criação de uma indústria de serviços ambientais es-
pecializados, que levam à substituição das atividades de gerenciamento de resíduos que antes
ocorriam no interior das indústrias, gerando o modelo corrente, no qual a indústria se dedica
ao seu core business e deixa as questões ambientais para os especialistas. Os autores concluem
que “cabe destacar que as empresas modernas terão que incorporar aos seus procedimentos
todas as complexidades embutidas nos critérios preconizados no ESG, sob risco de, em não o
fazendo, desaparecerem por pressão da sociedade”.
Essa sessão finaliza explorando duas tendências fundamentais para a pauta ambiental no Bra-
sil. Primeiro, Flavio Suchek, do Banco BV, faz um overview da importância da substituição de
energias não renováveis, como petróleo e carvão, por energias renováveis como o único cami-
nho para reduzir as emissões de uma forma eficiente e econômica. O autor destaca a posição
do Brasil no mundo por apresentar uma matriz mais limpa. “Em termos da matriz energética,
ou seja, quando se considera o conjunto de fontes disponíveis para suprir a necessidade de
energia do país, no Brasil, as fontes renováveis representam 45%, ante a média mundial de
14%, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Quando se levam em conta so-
mente as fontes disponíveis para a geração de energia elétrica, a matriz brasileira é ainda mais
limpa: 83% de fontes renováveis, ante 25% no mundo6.
6 www.epe.gov.br
7 https://www.irena.org/publications/2021/Jun/World-Energy-Transitions-Outlook
193
a análise de risco climático junto ao risco de crédito. No Brasil, o Banco Central, em setembro
de 2021, estabeleceu novas resoluções, considerando os riscos adicionais do ponto de vista so-
cioambiental, ampliando os requisitos para concessão de crédito e instituindo instrumentos de
monitoramento, como o Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas8.
A emissão de GEE que contabilizamos como carbono deve estar cada vez mais nos riscos e
oportunidades de forma integrada aos procedimentos de análises e às decisões das empresas.
Dessa forma, a lente ESG estabelece os pré-requisitos para geração de valor compartilhado
de longo prazo com as partes interessadas, integrando a empresa à sociedade. Estamos em
uma sociedade de transição de modelos de negócios, de comportamentos que influenciam
em cada decisão, seja para a vida pessoal ou profissional, e para isso não há como dissociar a
questão das mudanças climáticas em nossas vidas, pois o futuro que está sendo construído
está sendo decidido hoje.”
Sabemos que vários outros temas e abordagens poderiam ter sido incluídos nesta agenda de
“inovação como motor do ESG”, mas acreditamos que o potencial de inovação e empreende-
dorismo acontece no dia a dia das empresas e da economia. Esperamos, em uma edição futura,
trazer novas visões que inspirem e incentivem a inovabilidade nas empresas.
CARLOS ARRUDA
8 https://www.bcb.gov.br/content/publicacoes/relatorio-risco-oportunidade/relatorio_riscos_
oportunidades_sociais_ambientais_climaticas_0921.pdf
194
Como medir e gerir o impacto
ambiental real das empresas?
FELIPE BITTENCOURT
Felizmente, muita coisa mudou ao longo desses últimos anos. O tema ESG nunca esteve tão
em foco como hoje, fazendo com que cada vez mais empresas passem a medir e mitigar seus
impactos ambientais de maneira eficiente e atrelando o discurso ambiental à própria estraté-
gia dos negócios. Em resumo, a busca por protagonismo ambiental é, sem dúvida, uma grande
tendência.
Abaixo, detalho um pouco esses níveis de maturidade em gestão ambiental, indicando as prá-
ticas de medição dos impactos, criticando suas falhas e apontando as tendências de mercado.
Ao final desse artigo, sugiro pontos essenciais para uma boa medição e gestão dos impactos
ambientais nas empresas.
Nesse nível mais baixo, mede-se o impacto por simples obrigatoriedade. Afinal, uma empre-
sa deve seguir as legislações ambientais, sejam elas municipais, estaduais ou federais. Como
exemplo, uma empresa mede periodicamente a carga orgânica de seus efluentes lançados em
curso d’água. Se ultrapassa o limite permitido pela lei, paga-se uma multa.
Nesse nível, o esforço é sempre o mínimo para estar em conformidade legal e a transparência é
naturalmente baixa, afinal, apenas o órgão ambiental é informado sobre o impacto. A medição
dos parâmetros ambientais geralmente é terceirizada e a equipe interna tem foco puramente
no operacional. Não há incentivo para a melhoria, bastando se atingir os limites preconizados
pela legislação. Medir o impacto é visto internamente pela empresa apenas como um custo
necessário para o negócio.
195
Ainda há no Brasil muita grande empresa nesse nível, fazendo o mínimo necessário. Geral-
mente são empresas onde a pressão dos stakeholders é ainda pequena nessa agenda. Muitas
são empresas que fornecem serviços ou produtos para uma cadeia de valor mais longa, não
atingindo os clientes finais de maneira direta. Pode-se aqui citar empresas fornecedoras de
matéria-prima no setor de alimentos ou no automotivo, ou mesmo as empresas de transporte
de insumos. Por mais que os clientes dessas empresas estejam preocupadas com a temática
ambiental, sua gestão de fornecedores quanto aos requisitos ambientais, quando existe, limita-
se à conformidade com a legislação.
No segundo nível de maturidade de gestão ambiental, a empresa mede seus impactos devi-
do à necessidade de compliance para mercado. A gama de indicadores é bem mais ampla,
englobando todos os chamados impactos materiais aos stakeholders, ou seja, tudo aquilo
que realmente faz sentido ser medido, independentemente de ser cobrado por uma legisla-
ção ou não. Como exemplo, empresas monitoram indicadores ligados à biodiversidade, con-
sumo de água e geração de energia renovável, apesar de nenhum deles terem limites legais
preconizados.
A preocupação nesse nível de maturidade não é a melhoria dos indicadores, apenas o relato.
Para grandes empresas, isso significa divulgar anualmente um relatório de sustentabilidade,
geralmente no padrão internacional Global Report Iniciative (GRI).
Infelizmente, a maioria das grandes empresas no Brasil ainda está nesse nível. Chamo isso de
“gestão de relatórios”. Na temática do meio ambiente, pode-se dizer que fundamentalmente
não se trata de uma real gestão ambiental, sendo apenas a agregação de alguns dados em
relatórios padronizados – relatórios esses cheios de números (e de incertezas), mas vazios em
conteúdo e estratégia. Sequer poderia ser chamado de “gestão”, visto que tais ações não bus-
cam a melhoria dos indicadores ambientais.
Lá para maio ou junho, publica-se o relatório. O relatório é uma mera fotografia do ano anterior,
ou seja, defasado em até 1 ano e meio. Quem entende de gestão sabe que não é possível fazer
nada com informações tão defasadas no tempo. O relatório – invariavelmente com lindo design
gráfico – torna-se apenas mais uma peça de publicidade. Vida que segue. A equipe interna ago-
ra tem outros focos. Pensarão no relatório seguinte somente daqui há 6 meses.
196
presa em cada um dos temas abarcados pelos relatórios e propondo melhorias, acabam sendo
investidas em infindáveis follow-ups.
Ressalto que muitas grandes empresas vão além e reportam também seus números para ín-
dices de bolsa de valores, como o Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3 (ISE) ou o Dow
Jones Sustainability Index (DJSI). Há ainda o reporte ao CDP ou tantos outros voltados para in-
vestidores específicos. Muitos desses relatórios chegam a ser verificados por uma terceira parte.
Contudo, o volume de dados é grande e essa verificação é normalmente de confiança limitada.
Isso quer dizer que a entidade verificadora não afirma que o relatório está correto, apenas indi-
ca que parece não estar errado.
Sinceramente, essa “gestão de relatórios” sempre me pareceu muito pouco para o porte dessas
empresas e dos seus impactos ambientais. Muito pouco para o que o planeta precisa. Agora,
com o entendimento mais amplo que as questões sociais, ambientais e de governança não
podem mais ser tratadas como externalidades, a gestão desses temas passou a requerer uma
estruturação mais adequada das informações dentro das organizações.
No nível mais alto de maturidade de gestão de impacto ambiental, o foco está nas oportuni-
dades e na mitigação de riscos ambientais. O tema é considerado como estratégico para a
empresa. Praticamente todas as empresas nesse nível também publicam seus relatórios como
os comentados no ‘nível médio’ acima. A diferença está no foco da gestão. Não se busca apenas
o reporte ou a manutenção em um índice de bolsa de valores. Busca-se o posicionamento de
mercado como empresa protagonista no tema, com propósito ambiental atrelado ao propósito
do negócio. Apesar de almejar alto, a lógica é bem simples: uma real melhoria contínua.
Os dados não são mais compilados uma vez por ano. O padrão aqui é o controle dos indicadores
ambientais no mesmo ritmo das operações. A construção de uma base de dados consistente e
que permeia todos os níveis organizacionais é necessariamente o passo inicial na busca por pro-
tagonismo. A tecnologia passa a ser aplicada na gestão de dados. Softwares específicos de Ges-
tão ESG calculam e consolidam os dados de maneira prática e fornecem dashboards de gestão
focados na questão fundamental em cima de cada indicador: “onde é possível melhorar?”.
A entrada de dados nesses softwares, que inicialmente era manual, nos últimos anos passou
a ser integrada com os sistemas de gestão já existentes nessas grandes empresas como, por
exemplo, o SAP ou TOTVS. Assim, indicadores ambientais tornam-se disponíveis com a mesma
velocidade dos indicadores financeiros.
Para todo indicador ambiental, há um plano de ação, uma meta. O tempo da equipe não é
gasto para correr atrás das informações, mas investido na interpretação dos dados e, principal-
197
mente, em ações de mudança e melhoria. Em algumas empresas, a própria renumeração dos
executivos é vinculada ao atingimento dessas metas.
Os motivos pela busca do protagonismo ambiental são muitos: propósito da empresa, criação
de valor compartilhado com a sociedade, pressão dos consumidores ou investidores, etc. Os
benefícios tangíveis são ainda maiores: redução de custo de capital (ex.: via emissão de green
bonds ou sustainable bonds), atratividade para investidores, criação de novos mercados, ali-
nhamento com o mindset de uma geração de consumidores mais conscientes, diferenciação e
maior competitividade no longo prazo. E, sobretudo, há o alinhamento com o ethos de se fazer
a coisa certa.
198
FELIPE BITTENCOURT
199
Biodiversidade: a teia que
(ainda) sustenta a vida
JOËL BOELE, CAROLINA SACRAMENTO E MARINA TAVARES
Esse entendimento ganha uma camada ainda mais desafiadora quando passamos a acreditar
que a responsabilidade pela preservação da biodiversidade é apenas de determinado grupo,
setor ou organização. Se vivemos e trabalhamos em um grande centro urbano, por exemplo,
por que temos de nos preocupar com a preservação de biomas distantes? Se estamos de um
lado do globo, como a devastação de habitats naturais a milhares de quilômetros pode nos afe-
tar? Uma grande lição que a pandemia do novo coronavírus trouxe é que essa separação não é
real. Estamos todos conectados.
É aqui que lhes fazemos um convite para conhecer, fomentar e integrar a missão de organi-
zações da sociedade civil, como a Black Jaguar Foundation, que tem como princípio de sua
200
atuação a geração de impacto socioambiental. Na Black Jaguar, após a concretização de nos-
sos projetos-piloto e a partir do salto em escala de nossa missão, estabelecemos um modelo
de atuação propício para o desenvolvimento de parcerias inovadoras, e essas lideranças podem
encontrar uma fértil zona de interação entre nossa missão e seu planejamento de métricas ESG
e seus Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Precisamos da natureza mais do que nunca. A destruição dos biomas em nível mundial au-
mentou drasticamente em 2020. Na Amazônia, a maior floresta tropical, e no Cerrado, uma das
regiões de maior biodiversidade do mundo, isso está atingindo novos recordes1. Além de ser
um desastre para os ecossistemas, o desmatamento aumenta as emissões de CO2, já em níveis
críticos. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC)2 fala
sobre tendências irreversíveis no que diz respeito à mudança climática global. “Pela primeira
vez, o IPCC quantificou o grau de influência das mudanças climáticas à frequência e à intensi-
dade de eventos extremos, como secas prolongadas, ondas de calor, tempestades e furacões.
Segundo a entidade, que reúne os maiores especialistas no tema, a temperatura média do pla-
neta tende a elevar-se em 1,5ºC nas próximas duas décadas, trazendo devastação generalizada.”
A Black Jaguar Foundation (BJF) oferece uma mensagem de esperança: reduzir e reverter o
desmatamento na Amazônia e no Cerrado é a contribuição mais importante que o Brasil pode
dar para combater a crise climática. A BJF foi fundada a partir desse senso de responsabilidade
compartilhada. Nós nos dedicamos à restauração do Corredor de Biodiversidade do Araguaia,
que conecta os ecossistemas da floresta amazônica e do cerrado. Trata-se de um empreendi-
mento gigantesco que restaurará, nos próximos vinte anos, um milhão de hectares de áreas
degradadas no coração do Brasil.
A natureza já mostrou seu poder no corredor. O que era terra árida há cinco anos agora são
áreas restauradas cheias de vida. A combinação certa de espécies nativas estimula o cresci-
mento de outras plantas, insetos e pássaros espalham sementes, e pequenos animais encon-
tram um lar, fazendo com que outras plantas cresçam e outros animais prosperem. Plantar
árvores é o primeiro passo para encorajar a natureza a assumir o controle e a biodiversidade a
florescer novamente.
201
TODOS TEMOS O PODER DA MUDANÇA
A BJF foi fundada quando o empreendedor Ben Valks, após uma viagem pelas Américas, voltou
ao Brasil com o objetivo de filmar um documentário sobre a onça preta em seu habitat natural.
No entanto, em vez da floresta tropical que esperava, ele foi confrontado com o desmatamento.
As imagens de campos vazios permaneceram com ele, e então decidiu agir. Durante suas ex-
pedições, Ben aprendeu sobre a melhor forma de restaurar a população de onças pretas: criar
um corredor de biodiversidade ao longo do rio Araguaia.
A BJF foi fundada em 2009 para apoiar esse plano científico: a restauração ecológica do Cor-
redor de Biodiversidade do Araguaia, através do plantio de espécies nativas em larga escala,
conectando a Floresta Amazônica e o Cerrado, e assim oferecendo uma solução tangível para
conter a drástica degradação da região.
Sabemos que nos propusemos uma meta muito ambiciosa, mas isso terá um impacto real e
ecossistêmico. É por isso que passamos vários anos planejando meticulosamente para obter
uma prova de conceito e desenvolver com parceiros técnicos nosso ciclo de três anos de res-
tauração. Esse é o elemento-chave da restauração de qualidade que fornecemos e da taxa de
sobrevivência de mais de 90% de nossas mudas.
A maior floresta tropical do mundo é a Floresta Amazônica. Menos conhecido que a Amazônia,
o Cerrado é outro ecossistema vital e complexo – seus grandes rios, fauna endêmica e flora úni-
ca o tornam tão precioso quanto. Essas duas áreas são de extrema importância para todos nós,
pois, entre muitos outros motivos, são responsáveis pelos ciclos das chuvas na América do Sul.
3 Saiba mais sobre o Green Capital Study assistindo ao webinar “Restauração em Larga Escala & Agronegócio
Sustentável na Amazônia e no Cerrado”: https://www.black-jaguar.org/pt-br/webinar-do-estudo-de-
impacto-do-corredor-do-araguaia/ Acesso em 2/11/2021
202
Sem florestas, sem chuva e sem agricultura, enquanto o Brasil é um dos maiores produtores e
exportadores agrícolas do mundo em safras como soja, açúcar e café.
Plantar árvores é uma coisa. Garantir que elas cresçam e sobrevivam, no entanto, requer uma
análise completa dos ecossistemas originais e das circunstâncias locais e, principalmente, do
cuidado atento após a restauração. O alto grau de desmatamento ao longo do rio Araguaia
significa que muitas áreas precisam de restauração ativa, que ocorre por meio da semeadu-
ra direta e também pelo plantio de mudas, embora encontremos também áreas propensas à
regeneração natural assistida e um número relativamente pequeno de áreas intactas. Precisa-
mos atuar em todas elas para formar o corredor.
203
Em nossos viveiros produzimos mudas de mais de cinquenta espécies de árvores nativas, ne-
cessárias para o bom funcionamento e a biodiversidade dos ecossistemas florestais. Elas po-
dem ser divididas em dois grupos, o primeiro consistindo de espécies de crescimento rápido
que serão dominantes nos primeiros anos após o plantio e que criarão as circunstâncias ade-
quadas para o crescimento do segundo grupo, que consiste em espécies especialmente impor-
tantes para a biodiversidade.
Como áreas recém restauradas são vulneráveis, os cuidados posteriores são importantes. Após
a temporada de restauração, nossas equipes retornam regularmente a cada área para verificar
se as árvores ainda estão bem, e esse processo é repetido até que a floresta seja capaz de sobre-
viver por conta própria.
Porque carecem de experiência e recursos financeiros. Em muitos casos, o solo está muito de-
gradado, as fontes de sementes de espécies nativas estão muito distantes ou a invasão de gra-
míneas é muito forte para uma regeneração natural bem-sucedida. Isso faz com que muitos
agricultores tenham partes de terra que não podem ser usadas, mas que também não contri-
buem para a conservação da natureza.
204
A BJF não compra terras – fazemos parcerias com proprietários para restaurar suas áreas degra-
dadas. Essas parcerias estão no centro de nossa estratégia. Então, como podemos mobilizar um
número crescente de parceiros rurais para se juntar à nossa missão? Felizmente, uma vez cien-
tes do problema e entendendo melhor nosso trabalho, esses proprietários se tornam propen-
sos a participar. Estamos experimentando uma conscientização crescente, pois eles também
percebem que, ao plantar ou cultivar árvores nestas áreas degradadas, a cobertura florestal
aumenta sem causar perdas nas terras produtivas.
Através das doações e parcerias com indivíduos e empresas, a BJF cobre as despesas totais da
restauração, da manutenção semestral nos primeiros três anos e do monitoramento em torno
de 10 e 20 anos. Os proprietários contribuem disponibilizando equipamentos e mão de obra e
criando infraestrutura para a realização do trabalho.
Embora a BJF opere em grande escala, a atuação em campo é uma combinação de projetos
e operações de pequena escala com a comunidade local. Iniciamos o projeto em Santana do
Araguaia (PA), bem no centro do corredor, o encontro entre os dois biomas e uma área com
altos índices de desmatamento.
Os proprietários de terras podem participar de forma voluntária, mas, em geral, são abordados
individualmente pelo time de articulação da BJF. Esse processo é demorado, mas vale o esfor-
ço. Os benefícios para o agricultor são múltiplos, sendo o primeiro o cumprimento do Código
Florestal.
E os benefícios para a comunidade do entorno são ainda mais visíveis e gratificantes. Estabe-
lecemos nestes anos iniciais uma relação de resultados e confiança, através da geração de ren-
da e emprego (36 pessoas contratadas na temporada de plantio 2020, e mais de 200 a serem
contratadas para a temporada de 2021); do treinamento e equipagem da 1ª brigada de incêndio
de Santana do Araguaia, em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente; e da implantação
da infraestrutura da restauração, com a construção de três viveiros, sendo que o maior deles,
em uma área de 3,6 hectares cedidos pela Prefeitura de Santana do Araguaia dentro do futuro
Parque Ambiental, produzirá 500 mil mudas de espécies nativas por ano, proporcionando em-
pregos, atividades de educação ambiental e o acesso e conscientização da população para a
cultura da preservação.
Todos estes projetos só se tornaram possíveis com a parceria e a contribuição de apoiadores, na-
cionais e internacionais. Cada um deles foi elaborado em estreita colaboração dos stakeholders
locais, das equipes técnica e institucional da BJF e de nossos doadores, trazendo não apenas
sua contribuição financeira, mas, em muitas ocasiões, sua experiência, sua capacidade de ges-
tão e o apoio voluntário e motivado de seus colaboradores.
Como qualquer outra organização social, a chave do nosso sucesso depende da nossa capa-
cidade de arrecadar fundos de forma sustentável para realizar nossa ambiciosa missão. Pro-
205
jetamos uma estratégia de captação de recursos e estamos expandindo rapidamente nossa
rede de apoiadores entre grandes e médias empresas, filantropos e fundações, tanto nacionais
quanto internacionais.
Com diferentes fluxos de financiamento e a meta de plantar 10 milhões de árvores até 2025,
visando a recuperação de 10.000ha – o total de áreas degradadas mapeadas do corredor na
região de Santana do Araguaia –, estamos fortalecendo nossa presença local, pois precisamos
investir mais tempo e recursos para construir a confiança entre a comunidade para aumentar
a rede de produtores rurais que se juntam à nossa missão, cem como planejando e implemen-
tando cuidadosamente a infraestrutura necessária para realizar essa operação em larga escala.
1. O foco em um único projeto com impacto ecossistêmico de larga escala, com resultados
concretos na restauração de biodiversidade, geração de empregos e desenvolvimento eco-
nômico.
2. A Restauração ecológica de qualidade, um time técnico de excelência que atua desde a
construção de viveiros locais, para garantir a qualidade e diversidade de espécies nativas,
até o plantio e a manutenção semestral por 3 anos.
3. A parceria com o Proprietário Rural, pois acreditamos que o agronegócio e a preservação
ambiental podem e devem andar juntos. Nosso país tem um grande potencial agroam-
biental e, por isso, fazemos questão de trazer o produtor rural como protagonista desta
história.
Para apoiar a Black Jaguar em sua missão, indivíduos e empresas podem e devem alinhar suas
contribuições com seus objetivos em sustentabilidade e com seu compromisso em lidar com
as questões climáticas associadas ao impacto de suas indústrias. Nesta relação de benefício
em comum, nós nos tornamos então muito mais do que uma doação – somos prestadores de
serviços e nosso produto é a geração de impacto socioambiental e o legado de sua organização
para seus stakeholders.
A trilha da sustentabilidade das organizações da iniciativa privada deve então abordar 3 pilares:
1. Mensurar o seu impacto, ou seja, obter uma perspectiva real do que causa emissões em
todos os seus níveis de atividade;
2. Reduzir seu impacto, essa sim a medida mais efetiva de descarbonização, acompanhan-
do, é claro, o equilíbrio entre impacto e seu modelo de negócios, mas sempre levando em
conta que já há estudos suficientes demonstrando a viabilidade econômica e o impacto
positivo destas reduções;
3. E, por fim, mitigar o que restou deste impacto negativo ao final das opções de redução, rea-
lizando ações de impacto positivo como, entre outras, restaurar biomas, conservar florestas
e promover o uso consciente dos recursos que sua atividade está gerando para compensar
suas emissões.
Citando alguns exemplos práticos, muitas empresas com métricas ESG sólidas se propõem a
metas ambiciosas que vão desde a neutralidade de carbono e desmatamento zero em suas ca-
deias de produção até outras que consideramos ainda mais relevantes pelo seu impacto ecos-
206
sistêmico, ao comprometer-se com a restauração de biomas e da biodiversidade, com o de-
senvolvimento econômico e social das comunidades diretamente envolvidas na conservação
destes ecossistemas e com a utilização de seus recursos de forma mais responsável.
Restaurar áreas degradadas e manter áreas preservadas em pé são grandes contribuições para
os esforços de mitigação da crise climática, mas, como mostramos ao descrever a abordagem
integral da Black Jaguar, não é tarefa simples nem de curto prazo, o que demanda também
um compromisso duradouro que integre os valores fundamentais de uma organização. Por isso
buscamos parceiros que compartilhem de nossos valores e que sigam liderando o protagonis-
mo do setor privado de forma expressiva.
Há uma janela de oportunidade para agir imediatamente, de forma coordenada, unindo o setor
privado, com seu alcance e sua habilidade para direcionar tendências de consumo, e as orga-
nizações da sociedade civil, como a Black Jaguar, com sua capacidade de gerar impacto real e
duradouro. Essa grande mobilização será diretamente responsável por frear o ritmo da emer-
gência climática e mitigar seus efeitos nefastos na economia e bem-estar global.
JOËL BOELE
207
Carbono Neutro:
um compromisso inadiável pelo
futuro do planeta
CLAUDIA FURINI
O relatório do IPCC apontou que muitas das mudanças observadas no clima não têm prece-
dentes em milhares e até mesmo em centenas de milhares de anos. Algumas das alterações
em curso, como o aumento contínuo do nível do mar, resultado das emissões passadas e futu-
ras de gases de efeito estufa, já são consideradas irreversíveis por séculos e milênios. De acordo
com os cientistas, em 2019, as concentrações atmosféricas de CO2 foram mais altas do que em
qualquer momento em pelo menos 2 milhões de anos, enquanto as concentrações de metano
e óxido nitroso, outros gases que contribuem para o efeito estufa, atingiram níveis recordes dos
últimos 800.000 anos.
A menos que o mundo reduza de forma profunda e sustentada as emissões de CO2 e de outros
gases de efeito estufa, será praticamente impossível atingir as metas do histórico Acordo de
Paris, de 2015, quando os países concordaram em limitar o aquecimento global em 2°C acima
dos níveis pré-industriais, com a aspiração de manter esse aumento dentro de um limite mais
seguro de 1,5°C. No ritmo atual de emissões, no entanto, o relatório do IPCC adverte que o teto
de 1,5°C poderá ser atingido em algum momento entre 2021 e 2040, e o limite de 2°C também
poderá ser rompido ainda no século 21. O preço disso será um mundo mais vulnerável a eventos
climáticos extremos, como inundações, ondas de calor e secas mais frequentes e devastadoras.
Apesar do cenário dramático, o relatório diz que ainda existe uma estreita janela de oportuni-
dades para mantermos a elevação da temperatura global dentro do limite de 1,5°C. Para isso, é
208
necessário que o mundo realize cortes imediatos e em larga escala nas emissões de gases de
efeito estufa, zerando as emissões líquidas até por volta de 2050. Isso significa reduzir as emis-
sões de gases aos níveis mais baixos possíveis e equilibrar as emissões restantes, removendo
permanentemente uma quantidade equivalente de gases da atmosfera. Depois disso, é preciso
garantir que a retirada de gases da atmosfera exceda as emissões. Essa é uma tarefa urgente
e hercúlea que depende de cada um de nós — indivíduos, governos, empresas e organizações
da sociedade civil.
As empresas do setor financeiro, entre as quais se incluem os bancos, têm se mobilizado para
fazer a sua parte. Essas companhias estão cada vez mais sendo reconhecidas como importan-
tes atores na mitigação do impacto climático. Pela natureza de seus negócios, de baixa inten-
sidade de carbono, essas empresas não costumam ter emissões diretas significativas. O mais
relevante são as emissões indiretas, ou seja, as que decorrem de financiamentos, investimentos
e outras operações realizadas com clientes e parceiros. Um levantamento divulgado em abril
de 2021, pela CDP, uma organização sem fins lucrativos que divulga dados sobre a mitigação
de riscos climáticos, mostrou que as emissões de gases de efeito estufa associadas às atividades
de investimentos e empréstimos das instituições financeiras representam, em média, mais de
700 vezes as suas emissões diretas. A CDP analisou as emissões envolvendo operações de 322
instituições financeiras no mundo, que possuem um total de 109 trilhões de dólares em ativos.
209
compensadas até 2024, podendo atingir um volume de 4 milhões de toneladas de CO2 por ano.
Esse volume equivale ao dobro de emissões da cidade de Fortaleza, no Ceará, e quase à totali-
dade do que é emitido por ano em Curitiba, no Paraná.
A compensação será feita por meio da compra de créditos de carbono, sem repasse dos custos
aos clientes. A princípio, o BV pretende comprar créditos de carbono de projetos exclusivamen-
te brasileiros e certificados em áreas como energia renovável, saneamento básico e refloresta-
mento. O montante que o banco espera compensar equivale a 4% do que foi comercializado
nesse mercado no mundo, em 2019. Trata-se de uma iniciativa inédita no Brasil — não há no-
tícias de outros bancos no país que tenham um programa de compensação compulsória de
100% das emissões de uma linha de financiamento, com essa magnitude.
Em negócios sustentáveis, o banco anunciou que vai financiar ou distribuir no mercado de ca-
pitais 80 bilhões de reais até 2030. O valor será direcionado a iniciativas no varejo e no atacado,
incluindo financiamentos em áreas como energia renovável, saneamento básico, mobilidade
limpa, saúde e educação.
OPORTUNIDADE ÚNICA
Em um momento em que o mundo caminha para se recuperar dos impactos da crise da Co-
vid-19, estamos diante de uma oportunidade única para redefinir a economia global em uma
direção mais sustentável. Para ajudar na retomada econômica, governos de vários países plane-
jam investimentos em grandes projetos de infraestrutura. O tipo de investimento a ser feito da-
qui para a frente terá influência decisiva no futuro do planeta. Nesse cenário, o setor financeiro
pode desempenhar um papel crucial, mobilizando os recursos necessários para investimentos
em mitigação climática e acelerando a transição para uma economia de baixo carbono.
210
Alguns paralelos podem ser traçados entre a pandemia da Covid-19 e a crise climática. Am-
bas exigem ações imediatas, guiadas pela ciência e em escala global. A crise do coronavírus
conseguiu mobilizar uma rede global de solidariedade sem precedentes para proteger vidas
humanas, sobretudo das pessoas mais vulneráveis. Houve um senso de urgência que ainda
parece faltar em relação aos impactos do aquecimento global. Para muita gente, mudança
climática ainda soa como uma ameaça existencial abstrata e distante, apesar das crescentes
evidências que batem à nossa porta na forma de ondas intensas de calor ou de frio, secas
prolongadas, incêndios avassaladores, chuvas e inundações torrenciais. O mais recente rela-
tório do IPCC mostrou que as piores previsões dos cientistas estão se tornando realidade mais
rapidamente do que se esperava. É um alarme que tocou para nos lembrar que as alterações
climáticas já afetam as vidas de milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo o Brasil. Não
há mais tempo a perder.
CLAUDIA FURINI
211
Inovação Sustentável –
a interseção entre propriedade
intelectual e ESG
GABRIEL DI BLASI
Atualmente, ocorre uma transformação corporativa que reconhece que o mundo ideal para o
modelo de negócios envolve proteger o meio ambiente, promover ações com impacto social
positivo e adotar uma conduta corporativa ética e transparente. Essa nova era do “Novo Capi-
talismo” ou do “Capitalismo Consciente” pode ser definida em apenas três letras: ESG, environ-
mental, social, governance, em inglês, ou ASG, ambiental, social e governança, em português.
Em uma linguagem clara e precisa, para uma empresa estar em conformidade com os indica-
dores ESG, ela precisaria adotar ações para proteger e preservar os recursos naturais, reduzir a
emissão de gases poluentes e desenvolver de forma sustentável, impactando positivamente o
meio ambiente. Além disso, é necessário se engajar socialmente, o que envolve desde políticas
de inclusões sociais, diversidade de gênero, raça, religião e de pensamento até projetos para re-
duzir a desigualdade na sociedade. Por fim, deve lidar com a lisura dos processos corporativos,
garantindo a independência dos conselhos de administração e investindo em mecanismo para
impedir casos de corrupção, discriminação e assédio.
Em termos práticos, os fatores da agenda ESG buscam determinar estratégias e ações no mun-
do dos investimentos e negócios, de maneira a estarem em conformidade com a respectiva
pauta. Tal análise pode definir como as empresas se posicionam no mundo moderno em res-
peito ao planeta e à sociedade em que opera. Cada vez mais, a performance, a reputação e o
lucro das empresas serão medidos a partir desses três parâmetros.
212
los fabricantes de fertilizantes é o aprisionamento de dióxido de carbono no solo, reduzindo a
sua emissão na atmosfera e permitindo gerar crédito de carbono.1 Na esfera de resíduos, uma
meta seria implementar um sistema de logística reversa que permita coletar, em toneladas
equivalentes, uma determinada parcela da quantidade de resíduos gerados pelas embalagens,
Além de implementar estratégia para redução e desperdício de água e aumentar o consumo
de energia renovável.
No que tange ao social da pauta ESG, seria interessante qualificar a contribuição positiva da
empresa para o desenvolvimento dos públicos com os quais se relaciona, fomentando ações de
educação e de empreendedorismo por meio de plataformas colaborativas, com o objetivo de
identificar causas socioambientais relevantes. Nesse aspecto, algumas das diretrizes adotadas
seriam de despertar o interesse pelo aprendizado constante e oferecer uma ampla oferta de
educação que atenda às necessidades desse público; criar indicadores para avaliar o desenvol-
vimento humano dos colaboradores; atingir um índice significativo de mulheres em cargos de
liderança; promover a inclusão de profissionais da terceira idade no mercado de trabalho; ter
um quadro representativo de pessoas portadoras de alguma deficiência. Outros indicadores
envolveriam estimular o potencial de realização e empreendedorismo além de outros índices
sociais nas comunidades do entorno da empresa2.
Instituições financeiras com frequência usam parâmetros ESG e alguns indicadores para men-
surar a performance das companhias e, consequentemente, influenciar as avaliações e ratings
delas no mercado com respeito aos ativos intangíveis, especialmente em relação à reputação
de suas marcas. Além disso, os consumidores estão começando e demandar atitudes respon-
sáveis e transparentes das empresas com as quais interagem. Esses indicadores devem trazer
diversas vantagens para as empresas, como benefícios reputacionais, mais transparência, go-
vernança e a tendência do aumento do valor das companhias no longo prazo.
A PROPRIEDADE INTELECTUAL
A propriedade intelectual é o valor intangível mais importante de uma empresa, pois protege
os seus bens imateriais, muitos dos quais passam a existir antes mesmo da efetiva criação do
1 Dollars in the dirt: Big Ag pays farmers for control of their soil-bound carbon. Disponível em: https://www.
reuters.com/business/cop/dollars-dirt-big-ag-pays-farmers-control-their-soil-bound-carbon-2021-10-25/
Acesso em: 17 de nov. de 2021.
2 Natura conquista certificação B Corporation pela sustentabilidade dos seus negócios. Disponível em:
https://www.ethos.org.br/cedoc/natura-conquista-certificacao-b-corporation-pela-sustentabilidade-dos-
seus-negocios/ Acesso em: 29 out. 2021.
213
negócio. A propriedade intelectual pode ser conceituada como o ramo do direito que visa pro-
teger todas as criações emanadas do ser humano, que possam ser de carácter artístico, indus-
trial ou de qualquer setor produtivo, com um valor agregado.
Ainda, é através da proteção de tais bens que o titular desta propriedade obtém proveito eco-
nômico e o reconhecimento de autoria de sua criação. A titularidade de uma propriedade inte-
lectual confere ao seu titular o direito de explorar o objeto protegido com exclusividade, por um
determinado período, proporcionando de tal modo a recompensa pelo esforço que ocasionou
aquela criação.
O direito de patente, que é previsto na nossa Constituição da República, pode ser conceituado
como o direito de propriedade que oficialmente se outorga a uma pessoa física ou jurídica, o
qual, durante certo período, confere a exclusividade da exploração de uma inovação tecnológi-
ca. Por ser conferido ao inventor o direito de propriedade de patente, esse direito lhe permite
os lucros decorrentes da exploração direta ou indireta através de licenciamentos ou de cessão
da respectiva patente.
Assim, podemos afirmar que a patente é o estímulo à genialidade do inventor, induzindo-o a no-
vas criações, satisfazendo a sociedade em suas carências. Por outro lado, a patente remunera o
inventor pelo seu esforço criativo e resultado alcançado. Esse direito de propriedade constituído é
formalizado através de um documento oficial, denominado carta-patente.3
Já o direito de desenho industrial ou design pode ser conceituado como uma configuração
ornamental de um objeto que possa ser produzido industrialmente ou reproduzido em qualquer
setor produtivo. Tais conceitos são relativos à forma plástica de um objeto ou à sua disposição de
linhas e cores. Não importa se o objeto é físico ou virtual, bidimensional ou tridimensional, mas
sim o arranjo ornamental em si conferido a este um resultado novo e ornamental – por exemplo,
o design de uma cadeira, uma interface gráfica de uma plataforma digital, um papel de parede,
de uma garrafa de vinho ou de um solado de calçado.4
Com relação ao direito de marca, este visa proteger um sinal que permita distinguir produtos
industriais, artigos comerciais e serviços profissionais de outros do mesmo gênero, de mesma
atividade, semelhantes ou afins, de origem diversa. É para o seu titular o meio eficaz para a
constituição de uma clientela. Para o consumidor representa a orientação para a compra de
um bem, levando em conta fatores de procedência ou condições de qualidade e desempenho.
Além disso, a marca atua como um veículo de divulgação, formando nas pessoas o hábito
de consumir um determinado bem incorpóreo, induzindo preferências através do estímulo
sensorial ocasionado por uma denominação, palavra, emblema, figura, símbolo ou outro sinal
distintivo.5
214
Ainda como exemplos de direitos de propriedade intelectual, podemos citar o direito de cultivar,
que visa proteção de variedades vegetais, protegidas por meio de um sistema ou categoria sui
generis, e os direitos de circuitos eletrônicos e programa de computador, que visam a proteção
de circuitos integrados e os aspectos literais dos programas de computador respectivamente.
Assim como a titularidade de um bem imóvel confere ao titular direitos e deveres, as mar-
cas, patentes, desenhos industriais, cultivares, programa de computador, circuitos integrados,
know-how e outros bens intelectuais intangíveis possuem esse mesmo condão, podendo ser
“vendidos” (através de um contrato de cessão), “alugados” (através de um contrato de licença),
emprestado a título gratuito (através de um contrato de comodato) ou, então, simplesmente
utilizados pelo seu titular, excluindo o uso de terceiros.
Desta forma, podemos perceber que a propriedade intelectual está inserida em todo tipo de
relacionamento que envolva algum setor produtivo, seja ele comercial, artístico ou industrial.
Ter conhecimentos básicos deste tema é de suma importância para o sucesso da proteção dos
ativos intangíveis de uma corporação, podendo ser inclusive o seu bem mais valioso.
Para que se alcance esses novos resultados, bem como saber como protegê-los, é essencial
entender como funciona e como a propriedade intelectual pode ter um papel preponderante
nos referidos indicadores, afinal, como já mencionado, a inovação sustentável e o sistema de
propriedade intelectual caminham de mãos dadas.
Essas questões podem ser respondidas através do desenvolvimento de ativos intangíveis pelas
empresas, com valor agregado, que se orientam pela agenda ESG. Estes ativos podem ser suas
marcas registráveis, tecnologias patenteáveis, softwares registráveis, dentre tantas outras op-
ções que possam – e devam – ser protegidas pelo direito da propriedade intelectual. Note que
uma empresa pode criar e proteger uma marca específica para sinalizar que uma determinada
linha de produtos é feita apenas com materiais recicláveis, desenvolver uma tecnologia capaz
de rastrear a origem da proteína animal comercializada no supermercado, ou seja, bife ou alca-
tra , ou desenvolver softwares que ajudarão na criação de planos de ação para a coordenação
das pautas sociais ou para a identificação de irregularidade em práticas corporativas. São infi-
nitas as possibilidades que as empresas podem explorar a propriedade intelectual com o viés
de sustentabilidade.
Talvez a questão mais importante a ser respondida é como a propriedade intelectual se conecta
a todo o processo de inovação e, ao mesmo tempo, se adequa aos parâmetros ESG. É importan-
te ressaltar que as empresas, institutos de pesquisas e universidades não devem considerar a
215
inovação como um fim, mas como um meio de se obter a proteção de seus ativos intangíveis,
que é tão importante quanto realizar o processo de criação.
Ou seja, as empresas que pretendem se adequar à agenda ESG podem usar a Propriedade In-
telectual como elemento agregador para o seu desenvolvimento sustentável, através de seus
direitos de patentes, marcas, designs, cultivares, circuitos eletrônicos, entre outros, inspirando
o ambiente inovativo a criar. Tais direitos – que asseguram a utilização exclusiva destas criações
de forma temporária – garantem, assim, um retorno financeiro ao seu criador, fornecendo a eles
a segurança jurídica. Esse cenário incentiva a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, dentro
dos contornos ESG, e estimula a cocriatividade e a colaboração, permitindo a transferência de
conhecimento além-fronteiras.
Assim, para encorajar a inovação sustentável, carro chefe do ESG, torna-se essencial o incentivo
à propriedade intelectual a fim de proporcionar segurança jurídica aos inventores e investido-
res, de forma que possam usufruir do retorno proporcionado pela Propriedade Intelectual (PI),
bem como serem estimulados a proporcionar desenvolvimento sustentável à sociedade.
Esta é uma pauta que envolve não só o mundo corporativo privado, mas também outros sta-
keholders, como governos e agentes reguladores, que devem ser engajados no tema para
implementar sistemas de propriedade intelectual diferenciados, fortalecendo a aliança com
a agenda ESG e, consequentemente, a inovação sustentável. Diversas iniciativas podem ser im-
plementadas para enriquecer essa aliança e parceria. Uma delas é advogar junto aos Escritórios
Nacionais de Propriedade Intelectual de cada país para incluir o sistema de PI nos debates so-
bre políticas ESG. Essa estratégia promoveria discussões acerca dos benefícios da Propriedade
intelectual para empreendedores, empresas e inventores, visando proteger suas criações e ino-
vações, tornando-as mais economicamente sustentáveis e socialmente inclusivas.
Outra hipótese seria defender junto aos stakeholders de fundos corporativos e de startups es-
tratégias para desenvolver tecnologias relacionadas aos indicadores ESG, gerando portfólios
de propriedade intelectual capazes de serem explorados, contribuindo, assim, para atingir os
resultados de sustentabilidade e, ao mesmo tempo, retorno para os seus criadores e investido-
res. Como exemplo, as tecnologias verdes, que são utilizadas amplamente em vários setores
produtivos, e as tecnologias sociais, que defendem a diversidade além da inclusão social, bem
como o desenvolvimento de tecnologia de governança para combate a corrupção.
Com relação ao direito de patente, este tem um papel essencial a desempenhar dentro do
contexto da agenda ESG, mais especificamente da inovação sustentável, pois, como já mencio-
nado, assegura a proteção às novas tecnologias, garantindo ao seu titular certos direitos exclu-
sivos temporários. Por outro lado, uma vez expirado o prazo de exploração exclusiva, colocando
a tecnologia em domínio público, o fim desse direito possibilitará o acesso dessa tecnologia à
216
sociedade, beneficiando-a quanto ao seu uso e propiciando o desenvolvimento de novas tec-
nologias, partindo desse estado da arte.
Ainda com relação ao programa das Patentes Verdes, a Resolução 247/2020 do INPI amplia o
escopo do referido programa incluindo pedidos de patentes relativos à agricultura sustentável.
Isso demostra a importância do tema dentro da propriedade intelectual. Para se beneficiar
deste programa, é necessário seguir os trâmites tradicionais de um pedido de patentes, sinali-
zando, entretanto, em campo específico, tratar-se de uma patente que considera tecnologias
verdes, para que possa ser concedido ao exame a prioridade em sua tramitação.
Outros direitos de PI que também possuem uma relação muito estrita com a agenda ESG é a
Indicação Geográfica (IG) e as marcas de certificação. Isto porque, no primeiro caso, será através
deste que se identificará a origem certificada de um produto ou serviço. Desta forma, apenas
os produtores e prestadores de serviços estabelecidos naquele território poderão ter atestado a
IG relativa ao produto ou serviço, através de selos que assim o identificam7. Do mesmo modo,
as marcas de certificação atestam a conformidade de um produto ou serviço de acordo com
normas ou especificações técnicas delimitadas. Essas marcas, de certo modo, asseguram tam-
bém a proteção de marcas relacionadas a produtos e serviços que sustentam práticas ecologi-
camente sustentáveis.
Esses são, portanto, direitos que possibilitam o rastreamento da origem de fabricação do pro-
duto ou serviço, ou certificam a sua conformidade, auxiliando os consumidores a identificarem
217
e diferenciarem os produtos de procedências daqueles que não são originalmente daquelas
regiões, mas usam, de certa forma, práticas greenwashing, uma espécie de “limpeza verde”, ou
seja, uma propaganda enganosa.
DESAFIOS E OPORTUNIDADES
Os desafios para a inovação sustentável e a implementação da agenda ESG são variados, dentre
eles podemos citar a falta de um marco regulatório, o risco do greenwashing e as plataformas
abertas e de cocriação.
Além disso, é importante também investir em educação básica para termos uma geração no
futuro que seja capaz de elevar o nível de pesquisa e desenvolvimento do país. Focar em inova-
ção, aliada à pauta ESG, se tornou um compromisso estratégico de governo e atores civis caso
desejemos ter uma sociedade capaz de encarar os novos padrões mundiais de competitividade
e de inclusão corporativa.
Nesse contexto, a Propriedade Intelectual tem um papel fundamental, pois, através dela, de
alguma forma, se pode aferir se marcas que representam produtos ou serviços que afirmam se-
218
rem de uma determinadas origem ou procedência estão ou não associadas ao greenwashing
ou se a tecnologia, que assegura, por exemplo, o controle de poluição e gestão da qualidade do
ar, já foi protegida ou se encontra em domínio público para seu uso.
Com relação à inovação aberta ou cocriação, esta é uma forma de acelerar o desenvolvimento
de inovações, pois usa a diversidade de pensamento, em todo o mundo através da internet,
como potencializador da criação de novas tecnologias. Por outro lado, importante observar que
a propriedade intelectual decorrente das inovações, desenvolvidas em ambientes abertos, deve
ser considerada de forma a garantir a titularidade dessas inovações. Nesse contexto, encontrar
o equilíbrio entre o conceito de inovação aberta e a proteção à propriedade intelectual é um de-
safio constante, mas considerado essencial para assegurar o retorno do investimento realizado,
bem como proporcionar a garantia jurídica ao ambiente de inovação.
Essa é uma tendência e teremos que conviver cada vez mais com a participação da IA no pro-
cesso de inovação, pois, aos poucos, essas tecnologias estão assumindo posições em que situa-
ções análogas que envolvam questões moralmente desafiadoras ocorrem na vida real.
Por exemplo, diversas plataformas com soluções tecnológicas para o tratamento de dados que
abrangem desde a área de contabilidade até gestão e recrutamento de pessoal possibilitam
mais conhecimento sobre a empresa. Um artigo publicado sobre o “Limite da IA Frente aos
Dilemas Éticos e Morais”9 menciona que dados de recrutamento de pessoal se tornam, assim,
um importante ativo de uma companhia, uma vez que os outputs de plataformas que utilizam
AI podem revelar comportamentos internos da empresa talvez não percebidos por um gestor
de maneira ordinária.
Contudo, torna-se necessário questionar constantemente de que forma está sendo realizado o
tratamento dos dados para gerar o output. Que dados estão sendo analisados? De que forma
os dados são cruzados e que informações são geradas? Por exemplo, no caso de plataformas de
recrutamento de pessoal, nem todas as informações extraídas de um currículo refletem o real
perfil de um candidato, o que poderá incorrer em uma análise precipitada, caso não exista uma
análise humana posterior como subsídio10.
Neste sentido, consideramos extremamente oportuna a análise de Kuchler11, que, em seu artigo
para o Financial Times, pondera (em tradução livre): a IA é como uma criança que imita o com-
219
portamento de seus pais, em vez de fazer o que eles lhe falam. Ela absorve dados, encontra pa-
drões e os copia. Embora empregadores possam dizer que querem diversidade, um programa
de recrutamento pode, ao invés disso, seguir o padrão de comportamento dos empregadores.
Nesse contexto, são diversos os desafios que a agenda ESG impõe à inovação, pois a questão
ética deverá estar sempre presente nessa discussão.
Na esfera que envolve as três letras da sigla ESG, o mundo, no geral, e o Brasil, em particular,
oferecem desafios e oportunidades para a inovação e para a propriedade intelectual. Durante a
COP-26, a Conferência das Nações unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em novembro
de 2021, em Glasgow, na Escócia, o governo brasileiro assumiu compromissos importantes para
a preservação do meio ambiente, em especial, da Amazônia. Aderiu a dois acordos internacio-
nais essenciais para a preservação da Amazônia e diminuição de gases: (1) reduzir a emissão de
gás metano em 30%, até 2030 (com parâmetros de 2020), e (2) zerar o desmatamento até 2030.
A adesão ao acordo sobre o metano representa um gigantesco desafio ao Brasil, porque o país
emitiu 20,2 milhões de toneladas de metano em 2020 e a meta afeta diretamente o rebanho
bovino nacional: 72% da emissão de metano no país vem da agropecuária, 16% de resíduos e
9% de mudança de uso da terra. O Brasil emite 14,5 milhões de toneladas de gás metano na
agropecuária, sendo 97% consequência da fermentação entérica (arroto e flatulência do reba-
nho)13. Para reduzir a emissão e alcançar a meta, será necessário inovar, de forma sustentável,
adotando algumas estratégias para o desenvolvimento de tecnologias nessa área, aplicando
inclusive a propriedade intelectual, como por exemplo, reduzir o rebanho e o tempo de abate e/
ou investir no melhoramento do setor.
É possível perceber, portanto, que há várias oportunidades para se inovar de forma sustentável,
mas, por outro lado, há vários desafios que são relevantes para todo processo de adaptação à
agenda ESG, inclusive de âmbito legislativo, regulatório e ético.
CONCLUSÃO
Visivelmente, ficou demonstrado que a relação entre propriedade intelectual e as práticas ESG
tem um impacto direto na inovação sustentável. Enquanto as práticas de PI asseguram a segu-
12 Mercado bilionário de ‘beleza limpa’ enfrenta problemas de identidade. Disponível em: < https://exame.
com/?p=4240747> Acesso em: 29 out. 2021.
13 COP26: Brasil e cerca de 100 países se comprometem a reduzir emissões de metano em 30% até
2030. Disponível em: <https://g1.globo.com/meio-ambiente/cop-26/noticia/2021/11/02/cop26-97-paises-se-
comprometem-a-reduzir-emissoes-de-metano-em-30percent-ate-2030-brasil-aparece-na-lista.ghtml>
Acesso em: 5 nov. 2021.
220
rança jurídica, estimulando o ambiente inovador sustentável nas corporações, startups, institui-
ções acadêmicas e nos demais setores produtivos, os indicadores ESG certificam tais inovações
credenciando-as para o seu uso sustentável pela sociedade, sejam elas no meio ambiente, nas
ações sociais ou de governança. Por outro lado, não se pode deixar de observar as oportunida-
des e desafios que essa relação apresenta para todos que participam desse processo.
Nesse sentido, pode-se afirmar que essa relação veio para ficar e transformar a humanidade,
cada vez mais consciente e engajada com o aperfeiçoamento das relações humanas, econômi-
cas e sociais entre os diversos stakeholders da sociedade.
GABRIEL DI BLASI
221
Indicadores ESG
FABIANA BRANT E MARCELO DE SOUZA
Saber onde está posicionada em relação ao tema ESG e seu nível de maturidade é um dos pri-
meiros passos para que uma organização possa estabelecer um plano de desenvolvimento de
práticas sustentáveis e direcionar seus esforços para atender aos seus compromissos estratégi-
cos e aos interesses dos seus stakeholders.
A empresa deve realizar uma análise integrada da gestão e de toda a estrutura, podendo se
valer de modelos disponíveis para estudo do nível de maturidade em sustentabilidade. Desta
forma, é possível reconhecer o estágio em que a organização está atuando, bem como com-
preender os desafios atrelados ao processo de evolução junto às partes interessadas. Assim,
busca-se identificar possíveis gaps e oportunidades para a organização na área da sustentabi-
lidade e da gestão, visando, assim, analisar a maturidade da integração das questões ESG nas
diretrizes e objetivos do negócio.
Mirvis e Googis (2006) classificam a cidadania corporativa em cinco estágios: elementar, enga-
jado, inovador, integrado e transformador, considerando sete dimensões: conceito de cidada-
nia, estratégias de direção, liderança, estrutura, posicionamento gerencial, relacionamento com
os stakeholders e transparência, conforme apresentado na figura 11. O conceito de cidadania é
visto como o total de ações sociais, princípios adotados e praticados legalmente em uma em-
presa, que minimizem riscos, maximizem benefícios, além de potencializar o reconhecimento
da importância do relacionamento com todos os stakeholders.
1 Mirvis, P., Googins, B. (2006) Stages of corporate citizenship. California Management Review, 48(2), 104–126.
222
ESTÁGIO
DIMENSÕES Estágio 1 Estágio 3 Estágio 3 Estágio 4 Estágio 5
Elementar Engajado Inovador Integrado Transformador
Filantrópico;
Prestação de Gerenciamento Sustentabi-
Conceito de proteção à
contas, lucros, dos Stakehol- lidade triple “Muda o jogo”
Cidadania comunidade do
impostos ders bottom line
entorno
Gerador de
Estratégia da Conformidade Mantém licen- Case de negó- Crenças e novos merca-
Direção legal ça para operar cios valores dos/ mudança
sociais
Assume e
Liderança Mínima Dá suporte Acompanha Visionário
“abraça” causas
Distribuídos Integrado na
Alinhamento
Estrutura Marginal Funcional em algumas estrutura prin-
na organização
funções cipal
Posicionamento Define as ques-
Defensivo Reativo Responsável Proativo
Gerencial tões
Relacionamento Influência Alianças entre
Unilateral Interativo Parcerias
Stakeholders mútua as organizações
Relatório por
Como o público Confere garan- Totalmente
Transparência Parcial ações realiza-
de interesse tias evidenciado
das
Esse modelo auxilia na análise da atuação das empresas e nos elementos aplicáveis em busca
do crescimento evolutivo como um todo, considerando desde o estágio elementar até o trans-
formador, rumo à melhoria continuada no contexto em que a organização está inserida.
É importante ressaltar que esse modelo normativo compreende estágios que vão da evolução
da conformidade legal, chamado de “estágio elementar”, que abrange também a valorização
da prestação de contas, os lucros e os pagamentos de impostos, até à conectividade com os
stakeholders, já no último nível, chamado “estágio transformador”.
Engajado: empresa que agrega uma preocupação com a sociedade e com a proteção am-
biental em que está inserida, porém ainda não considera as necessidades da humanidade de
223
modo mais amplo. São organizações e/ou líderes mais preocupados com a crítica e a denúncia
de desvios na sociedade, aproveitando-se mais das oportunidades existentes do que com uma
atuação na sociedade para propor novas bases de relacionamento.
Integrado: empresa que desenvolve estrutura, processo e sistema e que demostra uma gestão
de forma conjunta com base em alinhamento organizacional, parceria e, até mesmo, anteci-
pando os problemas das partes interessadas, proporcionando, assim, seus valores de relaciona-
mento junto aos stakeholders.
Transformador: empresa que está profundamente comprometida com seus valores, corrobora
com a preocupação com o destino da humanidade, tendo um olhar para o futuro. Organizações
que estão de fato preocupadas com a criação de novas realidades e possibilidades que lhes
permita “largar na frente”, gerando um posicionamento diferenciado e sustentável, além de
longevidade.
Já por parte dos stakeholders externos, como investidores e clientes, estes têm buscado cada
vez mais informações sobre o desempenho das organizações em ESG para tomada de decisão
sobre seus investimentos e hábitos de consumo.
Do ponto de vista de uma organização e da sua cadeia de fornecimento, também existem pla-
taformas no mercado que oferecem como serviço a avaliação do desempenho em ESG com
base em parâmetros e critérios específicos, de forma que o contratante do serviço dessas plata-
formas possa ter uma visão mais clara se um fornecedor atende aos seus compromissos com a
temática ESG e quais riscos estão envolvidos na relação.
Outra linha de pensando atrelado aos indicadores ESG consiste na aplicação das diretrizes da
ISO 14001 que, consequentemente, ajudam as empresas na implantação das práticas em ESG.
A Gestão Ambiental tem uma participação fundamental para o alcance dos objetivos para o
desenvolvimento sustentável, bem como no atendimento dos indicadores ESG e na rastreabili-
dade das evidências que comprovem o desempenho da organização nessa temática.
O SGA contribui para o pilar ambiental da sustentabilidade, com benefícios para toda a cadeia
de valor da empresa. Além disso, agrega ao negócio: competitividade, visibilidade, credibilida-
de, organização, motivação, produtividade; minimiza os riscos ambientais e promove a prote-
ção e preservação ambiental.
224
Vale ressaltar que as empresas devem trabalhar constantemente no equilíbrio entre o meio
ambiente, o desenvolvimento social e de governança, tendo como finalidade suprir as necessi-
dades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender às necessidades das futu-
ras gerações, considerando também o desenvolvimento econômico sustentável.
A organização que já tem a gestão ambiental implementada terá mais facilidade e maturidade
para definir as estratégias e ações com relação aos 3 (três) pilares: ambiental, social e gover-
nança, junto aos investidores que utilizarão esses critérios para definir a viabilidade em investir
no negócio.
Diante dos desafios em escolher a melhor estrutura para colocar em prática os preceitos de
ESG nas organizações, isso porque não existe uma padronização para o porte, segmento das
empresas e/ou até a questão de capital aberto, fala-se da relevância em utilizar os framework
do mercado. Em resumo, framework é um conjunto de técnicas, ferramentas ou conceitos pre-
definidos usados para resolver um problema de um projeto e/ou assunto específico.
Não existe certificação para o ESG até o momento. Porém, existem sim diretrizes e padrões de
ESG que as empresas estão utilizando. Para as organizações que desejam adotar os conceitos
de ESG, recomenda-se a utilização de “framework“ que norteiem as organizações sobre o de-
sempenho de suas ações gerenciais e operacionais.
Lançado em 2000, o Pacto Global é uma chamada para as empresas alinharem suas estratégias
e operações a 10 princípios universais nas áreas de Direitos Humanos, Trabalho, Meio Ambiente
e Anticorrupção e desenvolverem ações que contribuam para o enfrentamento dos desafios da
sociedade. É, hoje, a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo, com mais de 16
mil membros, entre empresas e organizações, distribuídos em 69 redes locais, que abrangem
160 países.
Então, em 2015, a ONU propôs aos seus países membros uma nova agenda de desenvolvimento
sustentável para os próximos 15 anos, a Agenda 2030, composta pelos 17 Objetivos de Desenvol-
vimento Sustentável (ODS).
Esse é um esforço conjunto de países, empresas, instituições e sociedade civil. Os ODS buscam
assegurar os direitos humanos, acabar com a pobreza, lutar contra a desigualdade e a injustiça,
225
alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas, agir contra as
mudanças climáticas, bem como enfrentar outros dos maiores desafios de nossos tempos. O
setor privado tem um papel essencial nesse processo como grande detentor do poder econô-
mico, propulsor de inovações e tecnologias, influenciador e engajador dos mais diversos públi-
cos – governos, fornecedores, colaboradores e consumidores.
Já no âmbito do mercado de valores, vamos destacar dois índices bastante importantes e que
norteiam as organizações de mercado aberto, quando o tema é ESG.
O Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3) é uma iniciativa pioneira na América Latina,
que busca criar um ambiente de investimento compatível com as demandas de desenvolvi-
mento sustentável da sociedade contemporânea e estimular a responsabilidade ética das cor-
porações. Operado pela B3, teve início em 2005, foi originalmente financiado pela International
Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial, e seu desenho metodológico foi
desenvolvido pelo FGVces e B3.
O ISE B3 é uma ferramenta para análise comparativa da performance das empresas listadas na
B3, sob o aspecto da sustentabilidade corporativa, baseada em eficiência econômica, equilíbrio
ambiental, justiça social e governança corporativa.
Outro índice que avalia a performance das empresas com ações negociadas na Bolsa de Valores
de Nova Iorque é o DJSI – Índice Dow Jones de Sustentabilidade, considerando não apenas o
seu desempenho financeiro, mas, principalmente, a forma, a qualidade e a melhoria contínua
de sua gestão, que deve integrar a atuação ambiental e social como forma de perenidade no
longo prazo.
Para as empresas, fazer parte do Índice Dow Jones significa o reconhecimento público e alta
aceitação por parte de seus grupos de interesse, por suas boas práticas nesse assunto. O Índice
Dow Jones também é uma referência para muitas organizações que aspiram fazer parte deste
seleto grupo e queiram melhorar sua pontuação para se aproximar dos melhores do mundo.
Representa também uma ferramenta fundamental para os investidores, que consideram as
empresas atrativas e confiáveis na hora de investir seu dinheiro e as valorizam por incorporarem
esses tipos de políticas em sua estratégia, cuja rentabilidade de longo prazo supera as de outras
organizações.
226
REFERÊNCIAS:
FABIANA BRANT
MARCELO DE SOUZA
227
Modelos de negócios
baseados na economia circular
e o gerenciamento de resíduos
sólidos industriais
GUILHERME BRAMMER E LEON TONDOWSKI
Segundo estudo da National Geographic, um ser humano que viverá em média 75 anos con-
sumirá, em sua passagem pelo planeta Terra, algo como: 13.345 ovos, 15 porcos inteiros, 5.272
maçãs, 4 cabeças de gado, 9.064 litros de leite, 5.600 litros de cerveja (que pela vontade do autor
poderia ser um pouco mais), 74.802 xícaras de café, 1.200 frangos, 272 desodorantes, 4.239 rolos
de papel higiênico, 656 sabonetes, 198 frascos de xampu, 3.800 fraldas descartáveis. Percorrerá
6 km em média para conseguir água potável, produzirá 40 toneladas de lixo, consumirá 8,5
toneladas de embalagens.
Esse mesmo ser humano que, no ano zero depois de Cristo, demorava 750 anos para dobrar a
população do planeta, hoje leva 45 anos para isso acontecer.
Atualmente, temos 51% da população mundial habitando grandes centros urbanos e, até 2025,
seremos 70% da população vivendo em cidades.
Esse consumo, somado à migração para grandes cidades, está gerando um impacto social e
ambiental sem precedentes em nosso planeta. Pela má gestão dos resíduos gerados, os resí-
duos de todo o mundo acabam tendo como destino os oceanos, e aves e outros animais ali-
mentam-se destes resíduos (embalagens, peças, restos de produtos) e intoxicam-se, o que já
mata milhares de espécies todos os anos. A Fundação Ellen MacArthur estima que, em 2050,
para cada peixe no oceano, um pedaço de plástico existirá.1
1 The New Plastics Economy – Rethinking the future of plastics, in 2016, and The New Plastics Economy
– Catalysing action. In: https://ellenmacarthurfoundation.org/the-new-plastics-economy-rethinking-the-
future-of-plastics-and-catalysing Acesso 02/11/2021
228
Trazendo para nosso país, o Brasil, estima-se que perdemos todos os anos mais de R$ 8 bilhões
em materiais que, após o uso, são direcionados para aterros e lixões clandestinos, e temos mais
de 1.000.000 pessoas vivendo e trabalhando todos os dias nesses lugares insalubres.
A causa de tudo isso é o que chamamos de Economia Linear, modelo adotado desde o início
da era industrial, que tem como mentalidade a extração dos recursos naturais, a transformação
desses recursos em produtos industrializados de vida curta, o uso e descarte.
Nós, seres humanos, inventamos, além de grandes avanços tecnológicos, também o conceito
de desperdício.
Desperdício não existe nos ecossistemas onde não exista a interferência de nós, seres racionais.
Uma folha que cai de uma árvore automaticamente é absorvida por um inseto, ou pelo solo, em
forma de nutriente. Todas as espécies, com exceção da nossa, usam os recursos pura e simples-
mente para seu sustento, e não para o acúmulo sem a necessidade de curto prazo.
Para ser mais preciso, nós inventamos 4 tipos de desperdício que descreverei abaixo:
Desperdício de recursos: todos os produtos, em sua maioria no planeta Terra, são desenhados
para uma vida apenas. Uma embalagem, por exemplo, quando rasgada, é descartada por ter
perdido sua função primária.
Desperdício de valor embutido: estamos desenvolvendo produtos tão complexos em suas com-
posições que, quando sua vida primária acaba, é tão difícil recuperar sua matéria, o destino
acaba sendo aterros e lixões. Como exemplo, os telefones celulares atuais, que possuem vários
materiais preciosos em sua composição, mas foi montado de uma forma tão complexa que a
extração no pós-consumo é mais cara que o valor deste metal em sua forma básica.
Desperdício de ociosidade: quem nunca comprou uma furadeira para colocar um único qua-
dro na parede e nunca mais ligou este equipamento em sua vida? A necessidade de possuir
um produto e não de ter o acesso a ele é também uma forma mental adotada pelos seres
humanos.
Os mesmos geradores deste modelo mental serão os responsáveis pela mudança que o pla-
neta precisa. Sempre foi assim, e modelos de negócios que começam a surgir mostram que
estamos nos movimentando para um modelo mental diferente.
Um modelo mental onde o acesso a uma tecnologia é mais importante que a posse, onde o
design de um produto já é pensado em seu nascedouro para servir de matéria-prima para outra
cadeia produtiva. Modelos de negócios que usam tecnologia de ponta para resgatar conceitos
como o escambo para uma sociedade atual.
229
Esse movimento, que já foi chamado de simbiose industrial, ecologia industrial, sistema cradle
to cradle, agora ganha o nome de Economia Circular.
Obviamente que se faz necessária a adoção de grandes corporações para que o impacto na
sociedade seja sentido de forma rápida e que ajude a mudar o modelo de consumo adotado
até então. Mas se novas empresas e startups já nascerem com esse propósito, poderemos vol-
tar a ter um modelo industrial em que os recursos sempre serão escassos, mas as tecnologias
exponenciais.
Então, o que é Economia Circular em sua essência? É utilizar a natureza como fonte de inspira-
ção. É a economia em que recurso não renovável é apenas um repositor do sistema e não sua
fonte principal de abastecimento. A matéria-prima já está disponível na sociedade, basta criar
maneiras de recuperação e modelos de negócios que fomentem esse pensamento sistêmico.
Para demonstrar o que empresas estão adotando para uma mudança para o caminho da circu-
laridade, iremos apresentar iniciativas e exemplos práticos no mundo industrial.
Extensão de Vida Útil: neste modelo, produtos são pensados para durar mais e com fácil manu-
tenção, gerando outras formas de comercialização dos produtos remanufaturas. A Dell Compu-
tadores criou uma unidade de negócio em que aparelhos que são retornados por seus consu-
230
midores na garantia ou possuem pequenas avarias durante o transporte são revendidos para
ONGs com foco em inclusão digital. Antes, esses produtos eram triturados e descartados em
aterros sanitários.
Plataforma de Trocas: 80% das “coisas” que compramos hoje estão estocadas em nossas casas
e serão utilizadas apenas uma vez em toda sua vida. Esse modelo de negócio se aproveita da
evolução tecnológica e cria plataformas peer to peer, que permitem aos donos dos produtos,
sendo empresas ou não, emprestar, alugar e vender produtos sem intermediários, diminuindo
a ociosidade desses itens. A exemplo desse tipo de negócio, temos o sistema de aluguel de
quartos Airbnb e o sistema de transporte alternativo UBER.
Product as a Service (produto como serviço): e se os fabricantes mantiverem a posse dos pro-
dutos que eles fabricam e, ao invés de vender produtos, passarem a vender serviços? Esse mo-
delo muda de forma radical o formato de desenho do produto, pois ao invés de fabricar algo
que durará pouco, sendo ele o dono do produto, produzirá algo robusto, duradouro e de baixa
manutenção. Esse modelo foca na “tarefa” que o produto realiza e não na peça em si. Ou seja,
ninguém quer uma furadeira, mas sim um buraco da parede para pendurar um quadro, certo?
Um exemplo brasileiro é o filtro de água da Brastemp, em que eles vendem o aluguel de água
potável para sua casa e/ou escritório. Ou seja, nós não queremos o filtro como objeto, mas sim
a tarefa que ele realiza, que é nos fornecer água boa, filtrada, de forma fácil e sem problemas
técnicos.
Com esse novo pensamento sistêmico, conectado às novas tecnologias emergentes, como in-
dústria 4.0, inteligência artificial, machine learning, impressão 3D, big data, entre outras, con-
seguiremos nos restabelecer como sociedade, sem nos privar do conforto que a tecnologia nos
proporciona, mas, ao mesmo tempo, impactando nosso ecossistema de maneira regeneradora
e mais em linha com essa nova era circular.
A questão da gestão de resíduos sólidos será tratada de maneira sintética, por questões de
espaço. Genericamente, podemos considerar os resíduos quanto a sua origem: urbanos, in-
dustriais, de saúde, aeroportos/portos e de construção civil. As soluções ou destinações dos re-
síduos, eventualmente, podem ser compartilhadas, entretanto, o enfoque e abordagem, para
cada tipo, são distintos e regidos por normas e legislação pertinentes, que classificam os re-
síduos quanto a sua periculosidade e, portanto, especificam as possíveis destinações ou tra-
tamentos compatíveis com a respectiva categorização. Existe extensa literatura que aborda a
classificação e metodologia de análises para qualificar os resíduos. Consideraremos, aqui, os
conceitos associados à evolução dos tratamentos dos resíduos industriais, que, por sua diversi-
dade, representam desafios instigantes e propiciam, constantemente, proposições inovadoras
de tratamento, seja nas destinações finais, seja nas alternativas de reciclagem, gerando indús-
trias de transformação e novas possibilidades sustentáveis.
Nos últimos 30 anos, foi notável a evolução dos tratamentos de resíduos, bem como o enfo-
que da indústria, na abordagem desta questão, que resultou, finalmente, na economia circular.
Partimos de uma percepção que todo processo industrial gera resíduos e, portanto, custos. O
231
novo enfoque estabelece que resíduos são subprodutos que devem ser reutilizados no próprio
processo industrial que os gerou ou, na pior das hipóteses, reaproveitados em outros processos
industriais, lançando as bases da economia sustentável.
A Eco-92, que reuniu mais de 100 chefes de Estado na Conferência das Nações Unidas do Meio
Ambiente e Desenvolvimento, despertou o mundo para as questões de sustentabilidade, para a
finitude dos recursos naturais e para a necessidade de mudanças comportamentais na econo-
mia global. Entretanto, mais de uma década se passaria antes que o mundo, de maneira mais
abrangente, estabelecesse um pensamento novo, uma nova ética operacional, que compreen-
deria o meio ambiente, as questões sociais nas relações de trabalho e a comunidade em geral.
Essa evolução não ocorreu voluntariamente. Foi determinada, inicialmente, por fatores econô-
micos, marcados pelos choques do petróleo na década de 70, promovendo a necessidade de
substituição de combustíveis por resíduos que dispusessem de poder calorífico, a recuperação
de solventes e a substituição de matérias-primas, função do incremento dos preços das com-
modities. Gradualmente, o conceito de reuso de resíduos como insumo de outro processo ga-
nhou corpo, como mecanismo de redução de custos e destinação mais adequada. Outro fator
foi decorrente da globalização, que determinava para muitas empresas globais uma política
ambiental única, em quaisquer países que se instalassem, exigindo dos prestadores de serviços
nacionais procedimentos mais rigorosos e adequados, com relação às opções de destinação,
além de mais controles e transparência.
As demandas industriais por soluções que iam além do mero descarte, juntamente com a evo-
lução das políticas ambientais brasileiras através da Lei de Crimes Ambientais de 1998 e a Políti-
ca Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, e a crescente conscientização do público consumidor
em relação às responsabilidades ambientais e sociais das empresas levaram à consolidação de
uma nova maneira de ver o meio ambiente em caráter global. Iniciativas como o Pacto Global
da ONU e a percepção dos diversos setores financeiros compreenderam as demandas das so-
ciedades desenvolvidas, suas preocupações de caráter universal com relação às mudanças cli-
máticas e ampliaram os temas ambientais, conferindo um significado às questões de ESG – En-
vironmental, Social and Governance. Foram criados indicadores padronizados e mensuráveis e
formas de qualificar as empresas comprometidas com critérios globais que, agora, ultrapassam
os temas meramente ambientais.
A soma de todos esses fatores ao decorrer do tempo influenciou e incrementou a qualidade dos
serviços e procedimentos dos provedores de atividades ambientais e contribuiu para a criação
de uma indústria de serviços ambientais especializados, que levaram à substituição das ativida-
des de gerenciamento de resíduos que antes ocorriam no interior das indústrias, gerando o mo-
delo corrente, no qual a indústria se dedica ao seu core business e deixa as questões ambientais
para os especialistas. Cabe destacar que as empresas modernas terão que incorporar aos seus
procedimentos todas as complexidades embutidas nos critérios preconizados no ESG, sob risco
de, em não o fazendo, desaparecerem por pressão da sociedade. Estamos vivendo uma nova
era de serviços, em que o significado de meio ambiente se transformou em algo maior, que
transcende os significados originais que conhecíamos.
232
GUILHERME BRAMMER
LEON TONDOWSKI
233
Como incorporar o
saneamento na agenda ESG?
Oportunidades de negócios de
recuperação energética a partir
de resíduos sólidos no Brasil
MAURICIO SOUZA, REBECA STEFANINI E ISABELA BUENO OJIMA
A preocupação com as questões ESG (Environmental, Social and Governance ou, em portu-
guês, ASG – Ambiental, Social e Governança) tem se tornado cada vez mais presente, com con-
tornos de essencialidade para o sucesso de empresas a médio e longo prazo.
Em um contexto marcado cada vez mais pelo investimento em companhias que adotam práti-
cas ESG, a temática relacionada ao tratamento de resíduos encontra plena ressonância. A me-
lhoria no gerenciamento de resíduos, além de contribuir para a saúde das empresas em um
cenário competitivo, com aumento da eficiência a partir da reutilização de materiais, permite
a geração de valores com a redução de desperdícios e, por vezes, com o incentivo de cadeias
diversas, com a integração com outros agentes da comunidade ao redor.
Conforme demonstram os dados do Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020, elaborado
pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública (ABRELPE), a geração de resíduos
sólidos urbanos no Brasil aumentou 18,6% dos anos de 2010 a 2019, passando de 67 milhões para
79 milhões de toneladas de resíduos por ano.
234
O cenário atual demonstra que a redução e o gerenciamento de resíduos têm se mostrado um
grande desafio, sendo que a recuperação energética desses se apresenta como uma das pos-
síveis soluções para o problema.
Trata-se de método que possibilita recuperar parte da energia contida nos resíduos sólidos,
sendo uma forma alternativa e ambientalmente adequada para a disposição final desses re-
síduos sólidos urbanos. A recuperação, portanto, minimiza a disposição irregular de resíduos e
ajuda a preservar a saúde pública e a boa qualidade do meio ambiente.
No Brasil, visando o encerramento dos lixões, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei n.
12.305/2010), por meio de seu art. 54, havia estabelecido o prazo até 2014 para que se implantas-
se a disposição final ambientalmente adequada. Contudo, com o descumprimento desse pra-
zo, foi promulgada a Medida Provisória n. 685/2015, estabelecendo novos marcos para os anos
de 2018, 2019, 2023 e 2024. Considerando que em 2018 e em 2019 os prazos novamente não fo-
ram cumpridos e ante à necessidade de se atualizarem as normas relacionadas ao saneamento
básico, em 2020 foi publicado o Novo Marco do Saneamento Básico, o qual estabeleceu que as
capitais e regiões metropolitanas tinham até 2 de agosto de 2021 para encerrar seus lixões no
Brasil. No entanto, o prazo novamente não foi cumprido, conforme se observa abaixo:
2 https://www.google.com.br/amp/s/epocanegocios.globo.com/amp/Mundo/noticia/2019/07/china-constroi-
maior-usina-de-geracao-de-energia-partir-de-lixo-do-mundo.html. Acesso em 02/11/2021
235
Diante desse contexto, para impulsionar a disposição ambiental adequada de resíduos sólidos
urbanos no Brasil, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) assinou acordo de cooperação com
associações setoriais, visando o desenvolvimento das iniciativas que envolvam a sua recupera-
ção energética.
Em consonância com o Marco Legal do Saneamento Básico (Lei Federal n. 14.026/2020) e com
o programa federal Lixão Zero, que prescrevem o encerramento de todos os lixões do país até
2024, o acordo objetiva a execução de ações conjuntas entre o MMA e as já mencionadas Asso-
ciações – que juntas integram a Frente Brasil de Recuperação Energética de Resíduos (FBRER)
– para potencializar a recuperação energética a partir de resíduos, incluindo, dentre outras, a
elaboração do Atlas de Recuperação Energética de Resíduos Sólidos, uma ferramenta digital
que indicará as regiões com maior potencial para investimentos nesta dinâmica.
Sobre o assunto, vale lembrar que o prazo para encerramento dos lixões no Brasil já foi prorro-
gado sucessivas vezes, de modo que esse novo acordo pretende auxiliar para que haja, de fato,
cumprimento da meta, inclusive em atendimento às perspectivas e compromissos internacio-
nais.
Cabe ainda destacar que em abril de 2019 foi publicada a Portaria Interministerial n. 274, que
passou a disciplinar a recuperação energética dos resíduos urbanos, dando mais efetivida-
de e concretude a objetivos já destacados desde a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei
12.305/2010) 3 e seu regulamento: o Decreto n. 7.404/20104.
Conforme consta da Portaria, a recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos constitui
uma das formas de destinação final ambientalmente adequada passível de ser adotada, es-
tando condicionada à comprovação de viabilidade técnica, ambiental e econômico-financeira
e à implantação de programa de monitoramento de emissão de gases tóxicos, aprovado pelo
órgão ambiental competente.
Para tanto, poderão ser encaminhados às Usinas de Recuperação Energética de Resíduos Só-
lidos Urbanos: (i) resíduos de limpeza urbana, originários da varrição, limpeza de logradouros
e vias públicas e outros serviços de limpeza urbana; (ii) resíduos domiciliares, originários de
3 Art. 9º Na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de
prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição
final ambientalmente adequada dos rejeitos.
§ 1º Poderão ser utilizadas tecnologias visando à recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos,
desde que tenha sido comprovada sua viabilidade técnica e ambiental e com a implantação de programa
de monitoramento de emissão de gases tóxicos aprovado pelo órgão ambiental.
4 Art. 37. A recuperação energética dos resíduos sólidos urbanos referida no § 1º do art. 9º da Lei nº 12.305, de
2010, assim qualificados consoante o art. 13, inciso I, alínea “c”, daquela Lei, deverá ser disciplinada, de forma
específica, em ato conjunto dos Ministérios do Meio Ambiente, de Minas e Energia e das Cidades.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica ao aproveitamento energético dos gases gerados
na biodigestão e na decomposição da matéria orgânica dos resíduos sólidos urbanos em aterros sanitários.
236
atividades domésticas em residências urbanas; e (iii) resíduos de estabelecimentos comerciais
e prestadores de serviços caracterizados como não perigosos, que podem, em razão de sua
natureza, composição ou volume, ser equiparados aos resíduos domiciliares pelo poder público
municipal.
Sobre o tema, em agosto de 2021, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) aprovou a
minuta do Edital do Leilão de Energia Nova A-5/2021, que visa a contratação de energia elétrica
gerada por novos empreendimentos a partir de fontes hidrelétrica, eólica, solar fotovoltaica, ter-
melétrica a biomassa, carvão mineral nacional, gás natural e do tratamento de resíduos sólidos
urbanos.
Foram cadastrados 12 projetos com potencial de geração de energia elétrica para 40 milhões
de brasileiros ao ano, a partir do aproveitamento energético de 15 mil toneladas de lixo por dia,
totalizando mais de 5,5 milhões de toneladas/ano que deixarão de ser enterradas para a sua
decomposição. Em um cenário de risco de racionamento de energia em decorrência da falta de
chuvas, térmicas mostram-se fundamentais para evitar racionamento de energia. Neste caso,
além da utilização do sistema de térmicas modernas com menor impacto ambiental, espe-
cialmente decorrentes do biogás, elas constituem como um instrumento fundamental para
promoção de políticas ambientais e de confiança do sistema energético aliado à redução dos
resíduos sólidos.
Nesse contexto, por meio do reaproveitamento de resíduos, o acordo celebrado irá contribuir
não apenas para o encerramento de lixões e redução da quantidade de resíduos sólidos dis-
postos em aterros sanitários, como também com a contenção dos gases de efeito estufa e a
diversificação da matriz energética brasileira.
Trata-se, portanto, de importante marco que consolida esforços para uma destinação mais sus-
tentável e ambientalmente adequada dos resíduos do Brasil, buscando inclusive a diminuição
de barreiras regulatórias a fim de facilitar o aproveitamento mais intenso dos resíduos.
237
Para além da necessidade de adoção de medidas de conscientização ambiental, o acordo fir-
mado com o MMA se apresenta como uma oportunidade de incorporar as questões relaciona-
das ao saneamento na agenda ESG das empresas.
Há, conforme mencionado, uma grande oportunidade de negócios nesse “novo” potencial de
geração de energia elétrica, sendo que o Atlas de Recuperação Energética de Resíduos Sóli-
dos será essencial para identificar as regiões com maior potencial de investimentos. O acordo
também trará maior integração de informações setoriais e de infraestrutura sobre recuperação
energética, modernização normativa e o desenvolvimento de conteúdos para a qualificação de
órgãos ambientais e consórcios públicos.
REBECA STEFANINI
238
ISABELA BUENO OJIMA
239
Energia renovável: um
investimento urgente, seguro e
que dá retorno
FLAVIO SUCHEK
Nos últimos 150 anos, a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento de florestas aumen-
taram os níveis de gases de efeito estufa em nosso planeta. Dados do Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) revelam que, em 2019, as emissões totais desses gases
atingiram um recorde de 58,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e)1.
Em 2020, com a desaceleração da economia global causada pela pandemia do novo coronaví-
rus, estima-se que as emissões de dióxido de carbono tenham caído até 7%. Essa queda tem-
porária, porém, deverá se traduzir em uma redução de apenas 0,01°C do aquecimento global
até 2050 — muito pouco para compensar o quase 1,1°C de aumento da temperatura média no
mundo registrado desde a revolução industrial do século 19.
De longe, o consumo de energia é a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa causa-
das pelo homem. Dados compilados pelo World Resources Institute (WRI) mostram que o setor
de energia é responsável por incríveis 76% das emissões em todo o mundo2. Esse dado inclui
as emissões decorrentes das atividades de geração de calor e eletricidade, transporte, manu-
fatura e construção. Os outros setores que mais produzem emissões são a agropecuária (12%),
processos industriais de produtos químicos, cimento e outros (5,9%), resíduos, incluindo aterros
e águas residuais (3,3%), e uso da terra (2,8%). Fica claro que, para conter o aquecimento global
e evitar mudanças climáticas severas, é fundamental acelerar a transição energética para uma
matriz mais limpa.
Existe um consenso de que a substituição de energias não renováveis, como petróleo e carvão,
por energias renováveis é o único caminho para reduzir as emissões de uma forma eficiente e
econômica. As fontes de energia renovável incluem a hidráulica, a eólica, a solar, a de biomassa
e outras. Por não queimarem combustíveis fósseis, essas fontes não liberam gases de efeito
estufa na atmosfera quando geram eletricidade. Nessa área, o Brasil se destaca positivamente
no mundo por apresentar uma matriz mais limpa. Em termos da matriz energética, ou seja,
quando se considera o conjunto de fontes disponíveis para suprir a necessidade de energia do
país, no Brasil, as fontes renováveis representam 45%, ante a média mundial de 14%, segundo
240
dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Quando se levam em conta somente as fon-
tes disponíveis para a geração de energia elétrica, a matriz brasileira é ainda mais limpa: 83% de
fontes renováveis, ante 25% no mundo.
Apesar de gerar menos gases de efeito estufa por habitante do que a maioria dos países, o Bra-
sil é bastante dependente das hidrelétricas, cuja construção, em geral, causa grandes impactos
ambientais e sociais. Além disso, em épocas de pouca chuva, como em 2021, quando os níveis
dos reservatórios caíram abaixo da média em todas as regiões do país, há riscos de raciona-
mento e aumentam os preços da energia elétrica ao consumidor final. Felizmente, segundo es-
timativas da EPE, as fontes renováveis não hidráulicas deverão liderar o aumento da produção
de energia elétrica no Brasil nos próximos anos. De acordo com as projeções, a participação da
fonte hidráulica no suprimento de energia elétrica no país deverá cair dos atuais 69% para 48%
em 2040. No mesmo período, a fatia da energia eólica deverá subir de 8% para 17%. A energia
solar deverá ter um crescimento ainda mais expressivo, passando de 2% para 16%.
Vale mencionar também a expansão prevista na participação do gás natural, de 9% para 15%.
Embora o gás natural seja um combustível fóssil não renovável, as usinas termelétricas a gás
podem desempenhar um papel importante na transição energética para uma matriz mais lim-
pa, uma vez que fontes renováveis como o sol e o vento são intermitentes, ou seja, não estão dis-
poníveis de forma contínua. Dessa forma, as termelétricas ajudam a aumentar a confiabilidade
do sistema, uma vez que podem ser acionadas quando houver necessidade, como durante os
períodos secos, quando compensam a menor oferta de hidroeletricidade.
Uma das fontes renováveis com maior potencial de expansão no Brasil, a energia solar tem
recebido crescente atenção do BV. O banco acredita que essa é uma energia sustentável, de
instalação simples e com custo relativamente baixo diante do seu tempo de vida útil, estimada
em 25 anos. Desde 2017, o BV é parceiro do Portal Solar, o maior marketplace de instaladores de
energia solar residencial do Brasil, e é a instituição financeira líder no financiamento de placas
solares, segundo pesquisa da consultoria Greener. O banco atua como financiador exclusivo
dos clientes do site interessados em comprar um sistema de geração de energia solar baseado
em placas fotovoltaicas através da plataforma digital Meu Financiamento Solar. O financiamen-
to pode cobrir até 100% do custo do projeto.
241
É um mercado que vem crescendo ano após ano. Segundo levantamento da Associação Brasi-
leira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o Brasil ultrapassou a marca de 700 mil unidades
consumidoras com geração própria de energia solar. Os consumidores residenciais represen-
tam 75,5% das unidades instaladas no país, seguidos pelos consumidores dos setores de comér-
cio e serviços (14,8%), produtores rurais (7,2%), indústrias (2,1%) e serviço público (0,4%). A geração
própria de energia solar já está presente em 5.083 municípios brasileiros. Ao todo, considerando
a geração distribuída (sistemas instalados em telhados e fachadas de edifícios) e centralizada
(grandes usinas), a fonte solar atingiu a marca de 9,7 gigawatts de potência instalada no país,
superando a capacidade instalada de termelétricas a carvão e usinas nucleares, que somam 5,6
gigawatts. Desde 2012, a Absolar estima que a tecnologia já movimentou mais de 51,3 bilhões
de reais e gerou 292 mil empregos no Brasil.
GANHOS DE ESCALA
Tanto a energia solar como a eólica vêm tendo crescimento expressivo em nível global. Cada
vez mais, investir nessas fontes de energia faz sentido não apenas do ponto de vista ambiental,
mas também econômico. Os custos desses equipamentos vêm caindo drasticamente, graças
ao avanço da tecnologia, aos ganhos de escala e às cadeias de suprimentos mais competitivas.
Entre 2010 e 2020, de acordo com dados da Agência Internacional para as Energias Renováveis
242
(Irena), o custo por quilowatt da eletricidade gerada por usinas solares caiu 85% no mercado
mundial. No segmento fotovoltaico residencial, o custo é geralmente mais elevado, devido à
menor escala na produção dos equipamentos. Ainda assim, ao longo da década, houve uma
queda do custo entre 46% e 85%, dependendo do mercado. No mesmo período, o custo da
energia gerada por usinas eólicas instaladas em terra caiu 56%, enquanto o das usinas eólicas
em alto-mar diminuiu 48%.
FLAVIO SUCHEK
243
Mudanças Climáticas –
Mercado de Carbono
LINDA MURASAWA
INTRODUÇÃO
As mudanças do clima são alterações climáticas ao longo do tempo que podem ser causadas
de forma natural ou humana, por meio de alterações persistentes da composição da atmosfera
ou do uso e ocupação do solo (IPCC, 2015).
O IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – foi criado para fornecer aos for-
muladores de políticas avaliações científicas regulares sobre as mudanças climáticas, suas im-
plicações e possíveis riscos futuros, bem como apresentar opções de adaptação e mitigação aos
riscos climáticos.
Adaptação à mudança do clima é o processo de ajuste ao clima atual ou futuro e seus efeitos.
Em sistemas humanos, a adaptação procura mitigar, evitar danos ou explorar oportunidades
benéficas. Em sistemas naturais, a intervenção humana pode facilitar o ajuste ao clima futuro
e seus efeitos (IPCC, 2014).
No PK, foi estabelecido que uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) corresponde a um cré-
dito de carbono, e a redução de emissões de outros GEE pode ser convertida em créditos de
carbono, utilizando-se o conceito de carbono equivalente.
244
No PK, os países passam a ter como objetivo a redução ou limitação de emissões de GEE, e
assim as reduções passam a ter valor econômico, com o intuito de estimular os países e o
setor privado a estabelecerem ações de reduções de emissões. O PK teve a data de 2020 para
encerrar.
Então, em 2015, em Paris – França, na COP, com o objetivo de estabelecer a continuidade dos
mecanismos de carbono e a governança climática global, antes do fim do PK, os países signa-
tários da ONU estabeleceram o Acordo de Paris, onde foram exigidas as Contribuições Nacio-
nalmente Determinadas (NDCs) com metas de mitigação. A maioria dos países em desenvolvi-
mento também definiu ações de adaptação,
Foi estabelecido que as NDCs devem ser apresentadas a cada cinco anos, com o objetivo de
aumentar a ambição em seus objetivos, pois a visão do total dos esforços compromissados é
que permitirá termos uma visão do caminho que está sendo trilhado e se há possibilidade de
assegurarmos o atingimento da meta de ficarmos abaixo de 2ºC com o objetivo ideal de 1,5ºC.
Dessa forma, foram instituídos mecanismos baseados no mercado nos termos do Artigo 6 que
possibilitam os países a criarem cooperações internacionais, com o intuito de apoiar o aumento
das ambições em relação à mitigação.
O PK estabeleceu o Anexo I (países desenvolvidos) que, juntamente com outro país, poderia
estabelecer um acordo com outros países e assim conseguirem atingir suas metas. Esse meca-
nismo, chamado Implementação Conjunta, estabeleceu que um país possa atingir suas metas
de redução, enquanto o país que esteja implementando o projeto de redução se beneficie com
investimentos estrangeiros e transferência de tecnologia.
Os projetos desse mecanismo devem ter as reduções de emissões por fonte ou por remoções
de sumidouros, que seja adicional à linha de base, a chamada adicionalidade.
Para a qualificação dos projetos, foi estabelecido um procedimento de registro que assegurava
a existência do projeto, que podiam ter mensurações, verificações e que fossem reportados e
que apresentassem adicionalidade. Cada país, através de uma entidade nacional designada,
deveriam aprovar os projetos. No Brasil, a Comissão Interministerial de Mudança Global do Cli-
ma exercia esse papel. Assim, o PK estabeleceu o chamado mercado regulado de carbono.
Em termos de estimativa de redução de emissões de GEE, associada aos projetos de MDL re-
gistrados, até 31 de janeiro de 2016 o Brasil ocupava a terceira posição, sendo responsável pela
245
redução de cerca de 375 milhões t CO2eq para o primeiro período de obtenção de créditos1,
correspondente a 4,9% do total mundial. A China ocupava o primeiro lugar, com 59,9%, seguida
pela Índia, com 11,5%, segundo os dados do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações).
Apesar do PK, surge, através de iniciativas de instituições, ONG´s, governos mecanismos de re-
dução de emissões de forma voluntária, criando-se o mercado de créditos de carbono oriundos
de qualquer parte, auditados e sem vínculo com o sistema das Nações Unidas, o chamado VER
– Verified Emission Reduction, em inglês.
Esses créditos, no entanto, não podem ser contabilizados nas metas de redução de emissões
dos países e apresentam outros mecanismos não reconhecidos pelo mercado regulado, como,
por exemplo, o REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal).
1 O primeiro período de obtenção de créditos pode ser de no máximo 10 anos para projetos de período fixo
ou de 7 anos para projetos de período renovável (no máximo de três períodos totalizando 21 anos).
246
(c) Contribuir para a redução dos níveis de emissão na Parte anfitriã,
que se beneficiará das atividades de mitigação, resultando em redu-
ções de emissão que também podem ser utilizadas por outra Parte
para cumprir sua contribuição nacionalmente determinada;
(d) Para fornecer uma mitigação geral nas emissões globais.
Esse mecanismo é visto por alguns países como o sucessor do Mecanis-
mo de Desenvolvimento Limpo (MDL) sob o Protocolo de Quioto (KP).
O Artigo 6.8. As Partes reconhecem a importância de abordagens não
mercantis integradas, holísticas e equilibradas disponíveis às Partes
para auxiliar na implementação de suas NDC, no contexto do desen-
volvimento sustentável e erradicação da pobreza, de maneira coorde-
nada e eficaz, inclusive por meio, inter alia, de mitigação, adaptação,
financiamento, transferência de tecnologia e capacitação, conforme
o caso. Essas abordagens devem ter como objetivo:
(a) Promover a ambição de mitigação e adaptação;
(b) Aumentar a participação dos setores público e privado na imple-
mentação das contribuições nacionalmente determinadas; e
(c) Permitir oportunidades de coordenação entre instrumentos e ar-
ranjos institucionais relevantes.
Embora os contornos gerais dessas abordagens sejam delineados no Acordo de Paris, as Partes
ainda precisam finalizar as regras e orientações para operacionalizar o Artigo 6.
247
y Mais de 14.500 projetos registrados, gerando quase 4 bilhões de tCO2e de créditos cumula-
tivos de carbono
y Setor Florestal constitui 42% do total de créditos emitidos nos últimos 5 anos
O Projeto PMR Brasil, estabelecido entre 2016 a 2020, entre o Ministério da Fazenda e o Banco
Mundial, proporcionou a oportunidade de elaborar estudos sobre a precificação de emissões
de gases de efeito estufa (GEE) no pacote de instrumentos voltados à implementação da Políti-
ca Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) no período pós-2020.
O PMR é um programa do Banco Mundial que fornece suporte para preparar e implementar
políticas de mitigação das mudanças climáticas, incluindo instrumentos de precificação de car-
bono, a fim de aumentar a escala da mitigação de GEE.
248
Etapa 2 - Avaliação
y Modelagem macroeconômica
y Análise dos Impactos Regulatórios
FINANCIAMENTOS CLIMÁTICOS
Infelizmente, não houve acordo sobre a alocação de recursos, havendo a constatação de que o
acordo anterior que deveria alocar US$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, não foi executado.
Apesar de não haver um consenso sobre o direcionamento de recursos, alguns países como a
Escócia e a Bélgica se comprometeram a doar cerca de US$ 3,7 milhões para uma estrutura de
financiamento exclusiva para cobrir perdas e danos, e também a operacionalização e financia-
mento da Rede Santiago, criada na COP25, para viabilizar assistência técnica a países vulnerá-
veis a perdas e danos.
Como ação para a próxima COP, foi solicitado aos países desenvolvidos que apresentassem me-
tas de financiamentos mais agressivas, principalmente para a adaptação. O Pacto de Glasgow
solicita aos países desenvolvidos que dobrem suas contribuições para o Fundo de Adaptação
até 2025, chegando a US$ 40 bilhões.
Como ação fora das questões governamentais, grupos de empresas e investidores anunciaram
financiamento climático, como a Aliança Financeira de Emissões Zero de Glasgow (GFANZ),
que reúne investidores e instituições financeiras e é responsável pela administração de US$ 130
trilhões. A Aliança prometeu assumir uma parcela da descarbonização.
Os EUA anunciaram US$ 9 bilhões para recuperação e proteção de florestas no mundo até 2030.
Jeff Bezos anunciou US$ 2 bilhões para financiar a recuperação da natureza e transformar sis-
temas alimentares.
249
Foi criado o Financiamento Inovador para Amazônia, Cerrado e Chaco, com aporte de US$ 3
bilhões, para garantir que a produção de gado e soja não contribua para o desmatamento na
América do Sul.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como as questões climáticas estão entrelaçadas com questões sociais e econômicas, é urgente
que os países apresentem metas mais fortes de redução de emissões de GEE para 2030, pois a
constatação do aumento dos riscos climáticos já existe, tanto que os Bancos Centrais no mundo
vêm discutindo regulamentações de inserir a análise de risco climático junto ao risco de crédito.
No Brasil, o Banco Central, em setembro de 20212, estabeleceu novas resoluções, considerando
os riscos adicionais do ponto de vista socioambiental, ampliando os requisitos para concessão
de crédito e instituindo instrumentos de monitoramento, como o Relatório de Riscos e Oportu-
nidades Sociais, Ambientais e Climáticas (Relatório GRSAC).
A emissão de GEE que contabilizamos como carbono devem estar cada vez mais nos riscos e
oportunidades de forma integrada aos procedimentos de analises e às decisões das empresas.
Dessa forma, a lente ESG estabelece os pré-requisitos para geração de valor compartilhado de
longo prazo com as partes interessadas, integrando a empresa à sociedade.
REFERÊNCIAS
2 Resolução BCB nº 139, de 15 de setembro de 2021. Resolução BCB nº 140, de 15 de setembro de 2021. Resolução
CMN nº 4.943, de 15 de setembro de 2021. Resolução CMN nº 4.944, de 15 de setembro de 2021. Resolução CMN
nº 4.945, de 15 de setembro de 2021. Instrução Normativa BCB nº 153, de 15 de setembro de 2021
250
LINDA MURASAWA
251
SUZANO PAPEL E CELULOSE:
INOVABILIDADE A PARTIR DE
ÁRVORES PLANTADAS
EDITORES: ERIKA BARCELLOS E CARLOS BRAGA
Estudo de Caso1:
“Só é bom para nós se for bom para o mundo”: esse é um dos direcionadores de cultura da Su-
zano colocado em prática no dia a dia dos colaboradores e colaboradoras da companhia, que
trabalham para levar soluções baseadas na natureza a mais de dois bilhões de pessoas ao redor
do mundo. A empresa tem como compromisso ser agente de transformação da sociedade por
meio da “inovabilidade”, que significa colocar a inovação a serviço da sustentabilidade. Trata-
se de um conceito aprimorado em todos os processos e produtos da companhia. Desde 2019,
após a fusão entre Suzano Papel e Celulose e Fibria, o seu olhar para o seu desempenho social,
ambiental, financeiro e de governança tornou-se ainda mais sistêmico, o que encadeou uma
mudança estrutural em seus padrões operacionais, no desenvolvimento de novos produtos e
mercados e no engajamento com seus stakeholders. Dessa forma, como maior companhia pro-
dutora de celulose de eucalipto a partir de árvores plantadas do mundo e uma das maiores
fabricantes de papéis de toda América Latina, a Suzano é hoje uma referência nesse importante
movimento – resumido, hoje, no mercado financeiro e na comunidade empresarial e acadêmi-
ca pelo conceito em inglês ESG (em português, meio ambiente, social e governança).
A inovação tecnológica e a forma de atuação junto aos stakeholders têm fortalecido esse movi-
mento ESG na Suzano, viabilizando o alcance de resultados ambientais positivos, com aspectos
regenerativos e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de novos negócios na companhia de
forma ousada. A estratégia é continuar impactando a vida das pessoas através dos produtos de
papel e celulose e também produzir uma gama de outros produtos a partir da floresta plantada,
como bioquímicos, biocombustíveis, resinas, têxteis, açúcares e biocompósitos, dentre outros.
(Anexo 1) Isso significa promover a substituição de produtos fósseis por produtos renováveis, ex-
plorando oportunidades de mercado enormes. Nesse movimento, a empresa está expandindo
de um mercado de cerca de 40 milhões de toneladas/ano, o de celulose de fibras curtas, para
outros, como o têxtil, por exemplo, que é de 100 milhões de toneladas/ano, e o de combustíveis,
que é de bilhões de metros cúbicos/ano. E sempre com a estratégia de ser um player global
relevante nos novos negócios, com participação no capital de empresas parceiras e assento no
Conselho de Administração dessas empresas.
1 Caso preparado especialmente para o e-book “Inovação, o Motor do ESG”, por Erika Barcellos e Carlos
Braga.
253
A NECESSIDADE DE NEGÓCIO IMPULSIONANDO A CULTURA
ESG
Desde a sua fundação, o desenvolvimento do lado ambiental do ESG na Suzano foi favorecido
pela pressão de clientes, especialmente europeus, e da sociedade em torno de preservação de
florestas. Nas palavras de Pablo Machado, diretor executivo para China e country manager da
Suzano:
Quanto ao lado social, as operações da Suzano localizam-se em regiões mais remotas do país,
com ambientes institucionais complexos e onde geralmente a única atividade econômica é
proveniente da empresa. Assim, o engajamento com as comunidades locais é imperativo para
a operação do negócio. E em relação ao lado da governança, a atividade da Suzano é muito in-
tensiva em capital, de modo que o seu crescimento, a partir de determinado nível, não poderia
ser custeado pelos acionistas. As empresas de celulose Suzano Papel e Celulose e Aracruz foram
as primeiras empresas a abrir capital na Bovespa, justamente por isso.
A Fibria, que foi formada em 2009 pela fusão da Aracruz e da VCP, desenvolveu uma linguagem
para a sustentabilidade diretamente ligada à estratégia de negócios, com a definição de metas
de longo prazo. Cristiano Oliveira, gerente executivo de Sustentabilidade da Suzano, entende
esse movimento como emblemático para a organização e ressalta que o Conselho de Adminis-
tração (apoiado pelo Comitê de Sustentabilidade) da Fibria foi importante para isso. Em suas
palavras:
A fusão da Fibria com a Suzano Papel e Celulose, em 2019, formando a Suzano S.A., foi importan-
te para o fortalecimento da empresa em termos de ESG. Nas palavras de Marcelo Bacci, diretor
executivo de Finanças e de Relações com Investidores da Suzano:
254
uma relevância maior e tinha uma estrutura mais parruda para lidar
com o tema. (...) A coisa certa que a gente fez no momento da fusão
foi ter percebido isso, ter buscado trazer para a nova companhia essas
características e construí-la a partir desses pilares da Fibria. Apesar
de a Suzano ter sido, vamos dizer assim, protagonista na fusão, tive-
mos a sabedoria de reconhecer que a Fibria fazia isso melhor que a
gente e que tínhamos que aprender e fazer na linha do que ela já
vinha trabalhando. Isso foi muito importante. Teve um momento de
tensão, quando o pessoal que era da Fibria não tinha certeza de que a
Suzano ia encampar esse tema. Havia uma preocupação muito gran-
de nesse sentido e a gente foi vencendo isso aos poucos, preservando
e capitalizando em cima daquilo que já tinha de bom.”
Dessa forma, os líderes da organização buscaram desenvolver uma nova companhia com uma
cultura única. Cristiano Oliveira destaca:
A Suzano S.A. não nasceu com uma missão e uma visão, como as
empresas normalmente nascem, mas com direcionadores de cultura,
com uma reflexão quase que existencial: quem queremos ser? Não
como instituição, mas como indivíduos dentro dessa instituição, que
formam e são a instituição. (...) Tivemos a oportunidade de ficar mais
antenados às tendências da sociedade”.
255
Posteriormente, sua ambição em sustentabilidade foi definida como “ser um agente de trans-
formação da sociedade por meio de soluções inovadoras e sustentáveis”, e o termo “inovabili-
dade” passou a ser utilizado para expressar essa ambição.
A partir dessa visão estratégica de negócio, foi derivada a estratégia de sustentabilidade se-
guindo algumas premissas definidas (Figura 3), conforme explica Cristiano Oliveira, gerente
executivo de Sustentabilidade da Suzano:
256
Figura 3: Premissas da agenda de sustentabilidade da Suzano
Fonte: Apresentação Case Suzano – FDC-Live. ESG na Prática. 23/09/21
Com essas premissas, em 2019 a empresa iniciou um amplo processo de investigação e diálogo
que resultou na Estratégia de Sustentabilidade Suzano. Inspirada no histórico das duas empre-
sas, Suzano Papel e Celulose e Fibria, mas levando em consideração que o contexto era dife-
rente, a equipe da área de sustentabilidade da Suzano S.A., junto a uma consultoria contratada,
a Globescan, iniciou um amplo processo de escuta dos seus stakeholders. Cristiano Oliveira
detalha esse movimento:
Juntas, essas consultas geraram mais de 600 contribuições, entre demandas, expectativas, crí-
ticas e oportunidades. A estratégia de sustentabilidade foi lançada no Suzano Day, pelo pre-
sidente da empresa, sinalizando a importância do tema para a companhia. Quatorze metas
de longo prazo foram definidas. Essas metas estão alinhadas a Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) da ONU, conforme detalhado na Figura 4.
Essas metas foram colocadas de uma forma hierárquica. As três grandes ambições da Suzano
são tirar um número de pessoas da pobreza, substituir plástico e derivados do petróleo e ser
uma empresa que vai retirar mais CO2 do que emitir (climate positive). As demais métricas são
do nível operacional e ajudam a cumprir as três grandes ambições: metas de carbono, quatro
metas de diversidade, metas sociais como educação, pobreza, algumas metas que estão rela-
257
cionada a ambiente, como as de clima, de água, de resíduos, de energia e de substituição ao
plástico, e uma meta de biodiversidade.
Dentre as metas definidas, Priscila Vansetti, conselheira da Suzano, destaca a ousadia da em-
presa ao introduzir a meta de biodiversidade. Em suas palavras:
258
dade não poderia estar mais orgulhoso de ter introduzido essa meta
de biodiversidade.”
TRANSPARÊNCIA
De forma extremamente transparente, as 14 metas definidas são reportadas para o público ex-
terno em diversos tipos de relatórios dentro do comitê de sustentabilidade e para o Conselho,
como parte integrante da agenda de cada reunião.
“Estou na posição que eu tenho hoje há sete anos. Há sete anos, nin-
guém do mercado financeiro falava desse assunto. Há três anos, de vez
em quando, alguém perguntava. Hoje é muito difícil eu ter uma reu-
nião com investidores na qual não se pergunte sobre ESG; tanto investi-
dor de renda fixa quanto de ações. O que ele faz com essa informação
ainda é difícil dizer. Alguns têm um check-the-box. Tem que perguntar,
tem que inserir no seu relatório, mas aquela informação não vai servir
para muita coisa na tomada de decisão. Outros levam a sério e falam:
“se a empresa não tiver essas características que eu estou buscando
aqui, não vou colocar dinheiro lá”. Isso, de fato, acontece. E cada vez
mais. (...) Os europeus, em geral, são os mais preocupados, conscientes
e estruturados. Possuem analistas que conhecem do assunto, fazem
perguntas difíceis. O Brasil ainda está nas perguntas genéricas. Então,
você fala que vai reduzir 10% do consumo de água e o analista não sabe
se é pouco ou se é muito. O europeu sabe, ele consegue te questionar.
Mas é um processo normal. Estamos no caminho. As empresas vão ser
levadas a ter padrões cada vez melhores. Isso, para a gente, é muito
bom, porque os nossos padrões já são muito elevados. Quanto mais
exigente a sociedade e os investidores forem, mais a gente conseguirá
se diferenciar. Então, incentivamos muito isso.”
259
METAS E REMUNERAÇÃO ATRELADAS AO ESG
A área de sustentabilidade tem pessoas dedicadas a acompanhar as metas de longo prazo jun-
to às áreas responsáveis por essas 14 metas de longo prazo, trazendo riscos, tendências, opor-
tunidades, uma linguagem única, visão de investidores, clientes, visão de super longo prazo
e preocupações. Dessa forma, a empresa insere a responsabilidade pela sustentabilidade na
organização como um todo, indo além da área de sustentabilidade.
As metas de longo prazo definidas são desdobradas para o curto prazo e atreladas à remunera-
ção variável de todos os colaboradores dos níveis de gerência e acima na Suzano. As metas ESG
referem-se, atualmente, a 10 por cento dessa remuneração de curto prazo.
Há cerca de 5 anos, em 2016, a Suzano emitiu seu primeiro Green Bond (Título Verde). A transa-
ção vinculava o levantamento de dinheiro à realização de projetos, que traziam benefícios sob
aspecto ambiental. Marcelo Bacci, diretor executivo de Finanças e de Relações com Investido-
res da Suzano, comenta sobre essa transação:
Ao contrário desse Green Bond, Sustainability Bonds lançados pela Suzano em 2020 e 2021 per-
mitiram a captação de recursos pela empresa a taxas menores que as de papéis convencionais.
Assim, após divulgar suas Metas de Longo Prazo, em 2020, a Suzano tornou-se a segunda em-
presa do mundo, e a primeira companhia das Américas, a lançar Sustainability-Linked Bonds
(SLB), vinculando seus compromissos públicos de sustentabilidade de longo prazo à gestão
de dívidas da companhia. Em tempo recorde, de apenas três semanas, estruturou a emissão
de seu primeiro SLB, um título em que o custo do capital é atrelado a uma (ou mais) meta de
sustentabilidade. No caso da Suzano, a emissão do bond foi vinculada à meta de redução de 15%
da intensidade das emissões de gases de efeito estufa até 2030, o que equivale a 0,181 tCO2e/t
(tonelada de CO2 equivalentes) de produto. Para viabilizar seu SLB, no entanto, a empresa pre-
cisou definir uma meta intermediária, ou seja, de 0,190 tCO2e/t de produto (celulose e papel,
-10,9%) até 2025 – quando a companhia estará na metade do período de cumprimento da meta
original e da dívida, cujo vencimento ocorre em 15 de janeiro de 2031.
260
Na emissão dessa dívida inovadora, a Suzano foi ao mercado em dois momentos, no dia 10 de
setembro de 2020, quando captou US$ 750 milhões, e no dia 16 de novembro do mesmo ano,
ao reabrir as negociações (retap) e captar mais US$ 500 milhões. Em ambos, obteve as meno-
res taxas de sua história até então em captações externas, de 3,95% e de 3,1%, respectivamente,
e cupom a 3,75%. Na prática, isso significa que o componente de sustentabilidade contribuiu
para a redução do custo de captação da Suzano. Soma-se a isso o fato de que houve demanda
de US$ 7 bilhões na primeira captação, o equivalente a nove vezes o valor da oferta, e US$ 2
bilhões na segunda, o que representa quatro vezes o tamanho da oferta, sinais evidentes da
solidez e credibilidade conquistadas pela empresa ao longo dos anos.
Caso não atinja a meta ambiental intermediária definida, a companhia terá um acréscimo de
25 pontos na taxa de juros a partir do segundo semestre de 2025, o que elevará a taxa para 4%
ao ano. Se a meta for cumprida, o custo do capital não será alterado. A média dos resultados
de intensidade de emissões obtidos em 2024 e 2025 indicará se a empresa alcançou sua meta
ou não.
Marcelo Bacci, Diretor Executivo de Finanças e de Relações com Investidores da Suzano, desta-
ca a liderança da empresa em termos de finanças sustentáveis:
Em fevereiro de 2021, a Suzano realizou mais uma operação de dívida atrelada à sustentabilida-
de: assinou um contrato de pré-pagamento de exportação no formato de Sustainability Linke-
d-Loan (SLL) no valor de US$ 1,570 bi.
Ainda no ano de 2021, a Suzano foi ao mercado mais duas vezes. Em junho de 2021, realizou uma
nova operação no formato de SLB, captando US$ 1 bilhão atrelados ao compromisso assumido
pela empresa de ampliar a presença de mulheres em cargos de liderança da organização, se
tornando a primeira empresa da América Latina a atrelar uma emissão a uma meta de Diver-
sidade e Inclusão. Até 2025, a companhia pretende que mulheres ocupem ao menos 30% dos
postos de gerência ou cargos acima. Ao final de 2020, esse número era de 19%.
261
Além do compromisso de ampliar a presença de mulheres em cargos de liderança, a Suzano se
comprometeu a reduzir a intensidade de água captada nas operações industriais do valor de
referência de 29,8 m³/t em 2018 para 26,1 m³/t até 2026, considerando o valor médio dos dados
de 2025 e 2026. Se a Suzano não atingir nenhuma das metas, a taxa a ser paga aos investidores
será acrescida em 25 pontos base (bps) – 12,5 bps para cada meta não batida. Originalmente, a
operação garantirá um retorno ao investidor (yield) de 3,280%.
Já em agosto, a Suzano emitiu um novo SLB atrelado aos mesmos indicadores da operação
de junho: mulheres em posições de liderança e intensidade de captação de água industrial. A
operação atraiu demanda total de US$ 3,4 bilhões, ou 6,8 vezes o tamanho da oferta, que foi de
US$ 500 milhões. Os títulos emitidos vencem em 2028 e terão cupom de 2,5% ao ano. O retorno
total ao investidor (yield), de 2,70% ao ano, é, segundo bancos que participaram da operação, a
menor taxa da história para uma emissão de empresa brasileira no prazo de 7 anos. A alocação
final contou com 60% de investidores com perfil ESG.
Em resumo, desde o ano passado foram realizadas quatro operações (três SLBs e um SLL), com
uma captação superior a US$ 4,25 bilhões. Com essas operações, além de emissões anteriores
de green bonds, a Suzano já possui 39% de sua dívida atrelada a compromissos ESG. No final de
2019, essa participação era de apenas 3%.
ESTRUTURA DE GOVERNANÇA
262
pouco o que seria a discussão com os stakeholders estratégicos da Suzano em relação a esses
compromissos da companhia.
Quanto à gestão de riscos aos negócios, que é outro papel relevante do Conselho de Adminis-
tração, a Suzano sofisticou a sua matriz de riscos nos últimos anos, considerando cada vez mais
os aspectos ESG na condução das atividades da empresa e de toda a sua cadeia de valor. Além
dos riscos operacionais tradicionalmente monitorados, a empresa incorporou ou atribuiu maior
grau de relevância a riscos ambientais, reputacionais, de governança e de impacto social. Ao
mesmo tempo, passou a exigir determinados padrões dos fornecedores que não eram exigidos
no passado. Além disso, em 2020, a companhia aprovou o Programa Responsible Supplier Ma-
nagement, que será 100% implementado em até quatro anos. A expectativa é que a temática
socioambiental e de governança seja considerada aspecto decisivo na matriz de avaliação e
seleção de fornecedores. Isso significa que, se houver fornecedores em igualdade de condições,
aquele que estiver mais bem posicionado em aspectos sociais, ambientais, de saúde, seguran-
ça e governança terá a preferência da organização.
263
que eles não aprovam. Aí que você realmente constrói credibilidade.
E uma vez que a organização e os stakeholders de forma geral veem
que é o que está acontecendo, veem as ações, você cria aquele ponto
de inflexão onde algumas ações a nível da liderança realmente mos-
tram que se está em um caminho sem volta, que esse é o caminho, o
caminho que foi escolhido.”
Os líderes da Suzano destacam a importância de cada colaborador analisar os efeitos das suas
decisões em suas metas ESG. Dessa forma, a empresa tem incorporado nas suas análises de
projetos não somente o retorno financeiro, mas também o retorno em termos de ESG. Nas
palavras de Marcelo Bacci:
O presidente Walter Schalka frequentemente expressa suas opiniões em revistas e jornais fi-
nanceiros no Brasil, sempre se posicionando de uma forma bastante consistente, discutindo as-
pectos micro e macroeconômicos relevantes para a companhia, inclusive a agenda ESG no país.
Também no exterior, o presidente tem sido citado em matérias do Financial Times, participado
de debates e painéis. Essa visibilidade e a capacidade de mostrar liderança dentro e fora do país
são apreciadas e encorajadas pelo Conselho de Administração da companhia.
A inovação tem impulsionado a estratégia ESG da Suzano de diversas maneiras. Como as prá-
ticas ambientais, sociais e de governança já fazem parte da realidade da companhia há algum
264
tempo, a inovação vem para pensar novas formas para esses pilares, de modo a agregar valor
ainda maior para a sociedade através do engajamento com diferentes stakeholders. Cristiano
Oliveira explica:
TECNOLOGIA FLORESTAL
Uma das áreas de maior avanço da Suzano, onde se destaca como referência global, é a pesqui-
sa florestal. A Fibria já tinha um banco clonal enorme que se somou ao banco clonal da Suzano.
A Suzano, na década de 50, foi a primeira empresa do mundo a fazer celulose de eucalipto.
Até então, a celulose era produzida só a partir de fibra longa nos países do Hemisfério Norte.
A companhia trouxe eucalipto da Austrália para o Brasil, começou a fazer experimentos e foi a
primeira empresa a fazer produção industrial de celulose de eucalipto. Pablo Machado, diretor
executivo para China e country manager da Suzano, explica e ressalta os resultados alcançados
na companhia:
265
“Você precisa ir medindo aquele plantio ao longo dos anos e, depois,
não é só medir ao longo dos anos. É cortar e produzir celulose a partir
daquele plantio para ver o quanto de fibra tem, o quanto de lignina
tem, o quanto de químico eu preciso gastar para produzir tudo isso.
Isso foi desenvolvido dentro de casa pelas empresas (Suzano e Fibria)
com parcerias pontuais. No Brasil, a Embrapa e a Universidade de Vi-
çosa, dentre outras, foram importantes pontos de apoio. O grosso da
pesquisa, entretanto, foi tradicionalmente realizado internamente. (...)
A produtividade dos nossos clones de hoje em comparação aos de 20
anos atrás é completamente diferente. É difícil saber a linha entre o
incremento marginal e o incremento disruptivo, mas há 20 anos atrás,
na Bahia, o incremento médio anual (IMA), que é crescimento anual
incremental volumétrico, era da ordem de 25, 28, até 30 metros cúbi-
cos por ano. Hoje, esse mesmo IMA, nessa mesma região da Bahia, é
de 40, 42. Então, é um incremento expressivo.”
As pesquisas de eficiência industrial foram realizadas visando a obtenção de clones com maior
rendimento de celulose. A sofisticação da pesquisa clonal permitiu que os próprios pesquisa-
dores das empresas identificassem as propriedades da madeira que mais impactavam a qua-
lidade do produto final.
Em 2021, a Suzano lançou a ferramenta Tetrys, que usa tecnologias de analytics, big data e
inteligência artificial para alocar o melhor material genético em cada local de plantio da em-
presa, alavancando a produtividade florestal de maneira sustentável. Essa ferramenta faz o me-
lhor match entre clones x climas x solos, de forma a diminuir a volatilidade da produtividade e
riscos à base florestal da empresa. Com o Tetrys, a Suzano aumentou em 15 vezes a capacida-
de de gerar cenários de alocação de clones por ambientes, quando comparado com o proce-
dimento anterior à implantação da nova ferramenta. A ferramenta oferece tantas vantagens
competitivas que, inclusive, a Suzano decidiu protegê-la como segredo industrial.
Além disso, para a integração das etapas de colheita e transporte, uma nova ferramenta digital,
batizada de iGroot, otimiza cerca de 25 milhões de variáveis para entender em que estágio de
crescimento a madeira deve ser colhida, para onde levá-la e qual é o modal correto a ser utiliza-
do nesse transporte, dependendo da unidade de destino.
266
ACESSO A NOVOS MERCADOS
À medida que a pesquisa clonal evoluiu na Suzano, a equipe de P&D florestal da empresa foi
aprendendo sobre as propriedades da árvore. A partir desse aprendizado das propriedades da
madeira, a Suzano percebeu que poderia dar outros usos para a fibra que produz. Por meio
de parcerias tecnológicas e de negócio, a empresa intensificou as pesquisas para o desenvolvi-
mento de novas aplicações para a fibra, o que deu origem à sua “bioestratégia”.
BIOESTRATÉGIA DA SUZANO
A Suzano de hoje produz celulose de mercado, energia (bioenergia), papel e celulose fluff, que
é uma celulose especial que vai para fraldas, absorventes. Esses produtos são desenvolvidos a
partir de florestas no estado da arte e fábricas altamente produtivas. A empresa tem se tornado
cada vez mais ambidestra, ou seja, continua produzindo esses produtos e, ao mesmo tempo,
está desenvolvendo e comercializando novos produtos, utilizando a lignina, a celulose solúvel,
a MFC, o bioóleo e os biocompósitos (Figuras 5 e 6). Dessa forma, tem se inserido em novos
mercados, como o têxtil, de tintas e painéis de madeira. Os biocompósitos substituem parte do
plástico tradicional e estão sendo desenvolvidos para aplicação em bens duráveis, como painéis
de carro, cadeiras, mesas etc. Já é possível substituir cerca de 60% da matéria-prima fóssil que
existe nesses produtos, por celulose, que é uma matéria prima renovável.
267
Figuras 5 e 6: Futuro da Suzano e Bioestratégia da Suzano
Fonte: Apresentação Suzano Day 2020.
Fernando Bertolucci ressalta o alto potencial mercadológico dos novos mercados potenciais da
Suzano:
A SPINNOVA
A Fibria conheceu a Spinnova em 2017, como uma spin-off do VTT, um dos maiores institutos
de pesquisa da Escandinávia. A empresa decidiu comprar uma participação de 18% na startup,
com direito a assento no Board. Quando a Suzano investiu na Spinnova, em 2017, o seu valor
de mercado era 27 milhões de euros. Em julho de 2021, em seu IPO, a empresa foi avaliada em
quase 600 milhões de euros. Em suas palavras:
268
O acordo com a Spinnova, na qual a Suzano tem hoje 50% de participação, tem evoluído ano
após ano. Em 2020, a Suzano assinou a joint venture global para produção e comercialização
exclusiva de fibra têxtil a partir de celulose microfibrilada (MFC), o que representa um salto
na produção de 100 para 1 mil toneladas/ano e exigirá investimentos de aproximadamente 22
milhões de euros para a construção de uma nova planta na Finlândia. Estima-se que a nova
unidade estará em operação em 2022.
A celulose microfibrilada, ou MFC, é uma celulose super-refinada que pode ser usada em várias
aplicações distintas e com boas perspectivas de aumento de escala nos próximos anos. Por isso,
além de avançar na produção da fibra têxtil com a Spinnova, a Suzano tem planejada a produ-
ção comercial de MFC em sua unidade de Limeira (SP) para a aplicação interna e externa (para
o mercado). A Suzano tem avançado na aplicação de MFC para a substituição de matéria-prima
fóssil em produtos de limpeza (detergentes, amaciantes, sabão líquido para lavagem de roupas)
e na fabricação de tintas e telhas de fibras de cimento (fibrocimento), que antes eram feitas
com amianto, um componente comprovadamente cancerígeno.
269
NÚCLEO DIGITAL: Avalia quais são os projetos estratégicos para a evolução da companhia. A
partir disso, organiza internamente processos que associam TI, transformação digital e áreas do
negócio para implementar essas soluções de tecnologia digital, como machine learning e oti-
mização, que são derivadas de inteligência artificial usando métodos ágeis e técnicas de design
thinking associadas à tecnologia digital.
INOVAÇÃO ABERTA: Com o objetivo de democratizar a inovação, a frente de Inovação Aberta atua
no modelo de solução colaborativa, em que as necessidades de melhorias de processos da Suzano,
sugeridas por qualquer colaborador(a), são apresentadas como business case a parceiros(as) do
ecossistema de inovação da empresa no Brasil (Endeavor, Plug and Play e AgTech Garage) e em
países como China, Alemanha, Israel e Estados Unidos. Com a curadoria dessas empresas parceiras,
de sete a dez startups são convidadas a apresentar suas soluções para o problema. A Suzano esco-
lhe a proposta a ser testada, com a perspectiva de a startup tornar-se uma parceira caso a solução
funcione. Atualmente, temos dez projetos com startups em andamento na companhia. Um deles,
batizado de SARA, testa a inteligência artificial na área de Compras. Somente em 2021, a SARA reali-
zou 30 mil operações de compras e permitiu aumentar em até 154% da produtividade, possibilitan-
do a equipe de Suprimentos ter um papel mais estratégico para a companhia.
DESIGN THINKING: Centrada no usuário e com foco em ampliar o mindset e dar mais ferra-
mentas de solução, essa frente utiliza metodologias de design thinking para que a organização
trabalhe em um ambiente colaborativo de criação, cocriação e prototipação, a fim de encontrar
soluções com maior rapidez.
DIVERSIDADE E INCLUSÃO
“Aprendi que não basta não ser sexista ou racista. Temos que ser an-
tirracistas e antissexistas e multiplicar isso na organização.”
Outro movimento relevante da empresa nesse aspecto é o Plural, que inclui cinco grupos de
afinidade dentro da empresa: Mulheres; LGBTI+; Negros(as); Gerações (inclusão e sinergia entre
as diferentes faixas etárias); e Pessoas com Deficiência (inclusão de pessoas com deficiência).
270
Vários funcionários fazem parte desses grupos, que são liderados por gestores(as), sob a super-
visão da área de Gestão de Pessoas da companhia. Nos grupos, os participantes trabalham em
ações que são necessárias para o atingimento das metas de diversidade e inclusão em 2025. A
Suzano possui iniciativas de atração e de retenção na direção do alcance dessas metas. Na área
de atração, o foco tem sido os programas de estágio e de trainees, que já almejam a diversidade
do grupo logo na entrada na empresa. Na área de retenção, a Suzano tem trabalhado tanto com
o letramento, educando a gerência de forma geral, evidenciando os benefícios de uma força di-
versa, quanto com um trabalho de mentoria para mulheres e negros, de modo a acelerar o desen-
volvimento de suas carreiras, uma vez que já fazem parte do grupo de colaboradores da empresa.
A Suzano possui cerca de 350 pessoas atualmente no seu time de pesquisa, incluindo pessoas
que atuam no campo, no laboratório, e 103 cientistas. Em 2011, a parte de novos negócios da
companhia significava menos de 10% daquilo que a empresa fazia na sua área de P&D. Hoje,
essa parte ocupa em torno de 35% da ênfase da área. Gradualmente, as melhorias contínuas
estão sendo desenvolvidas pelas próprias fábricas, enquanto o time de pesquisa aumenta sua
dedicação à busca por novos negócios. Essa transformação veio acompanhada da contrata-
ção de pessoas. A Suzano agregou ao seu time de pesquisadores(as) e de desenvolvedores(as)
de novos negócios pessoas com competências relacionadas às indústrias focadas em carbono,
bioquímica e têxtil, por exemplo. Na área de pesquisa, muitas pessoas já foram contratadas com
as novas competências necessárias para a Suzano evoluir na sua cadeia de valor. Já na área de
novos negócios, as competências estão sendo incorporadas à medida que os negócios estão
ganhando maturidade.
Ao mesmo tempo em que agrega competências internamente, a Suzano adota uma estratégia
de aquisição de participações em empresas que se tornam parceiras para o desenvolvimento
271
de novos negócios. Além disso, os investimentos da companhia estão condicionados à manu-
tenção dos fundadores das empresas investidas no Conselho de Administração e como acionis-
tas da empresa, de modo a preservar o know-how diferenciado desses fundadores.
Como resultado dessa dinâmica agenda em prol do ESG, as atividades da Suzano vêm sen-
do reconhecidas por prestigiados avaliadores externos. Em 2020, a companhia foi selecionada
para compor o Índice Dow Jones de Sustentabilidade – Mercados Emergentes (DJSI Emerging
Markets) e o Índice de Sustentabilidade Empresarial 2021 (ISE), da B3.2 Além disso, foi mencio-
nada como uma das 15 principais empresas na pesquisa GlobeScan-SustainAbility Leadership
Survey 2021.
Alguns desafios, entretanto, permanecem e movem a instituição para novos avanços em ter-
mos de ESG. Um deles é fazer com que os compromissos relacionados a esse tema cheguem
a todos os colaboradores e terceiros da companhia, que somam mais de 35 mil pessoas. Isso
significa considerar como cada função materializa o ESG. Por exemplo, se o colaborador atua
em logística, deverá buscar rotas ou frotas mais eficientes; se ele é da área de recursos huma-
nos, poderá pensar em como colocar no processo de seleção um filtro para selecionar pessoas
com perfil positivo ao ESG; e se a pessoa trabalha no relacionamento com clientes, deverá levar
os atributos de ESG da Suzano para o cliente, demonstrando que a celulose da companhia tem
uma série de valores embutidos e que eles podem e devem valorizar isso, ajudando a Suzano a
trabalhar essa narrativa dentro e fora do Brasil.
2 O DJSI é composto de apenas 10% das melhores empresas de cada setor, entre as 800 maiores
companhias avaliadas dos 23 países caracterizados como mercados emergentes. Além da Suzano, apenas
dez companhias brasileiras fazem parte das novas carteiras que integram a família de índices DJSI. Já o
ISE, da B3, é uma ferramenta que analisa a performance das empresas listadas na bolsa sob os aspectos de
sustentabilidade corporativa, justiça social, equilíbrio ambiental e governança corporativa. A Suzano integra
a atual carteira – com vigência até o dia 30 de dezembro de 2021 –, que é formada por 46 ações de 39
companhias.
272
Outro desafio relevante é o desenvolvimento de novos negócios quando se tem um negócio
principal altamente rentável. Com investimento em uma nova fábrica de celulose no Mato Gros-
so do Sul, de 14,7 bilhões de reais, o maior investimento privado do Brasil, o tradicional negócio
de celulose da Suzano mostra-se extremamente rentável e com alto potencial de crescimento.
Fernando Bertolucci, Diretor Executivo de Tecnologia e Inovação da Suzano, explica:
“A Suzano tem uma parte dos créditos que não é monetizável. Somos
sequestradores de CO2, mas reconhecemos que apenas o que for adi-
cionalidade é que poderemos monetizar. Ao regularmos a questão do
carbono, abrimos uma perspectiva de ter o maior investimento da his-
tória do mundo, que vai gerar benefícios ambientais, sociais e econô-
micos. (...) Novos projetos oriundos da biomassa florestal para geração
de energia ou substituição de materiais fósseis representam clara-
mente uma construção de valor ambiental e econômico por meio dos
créditos de carbono. Desde que a Suzano faça projetos nessa direção,
o que é uma decisão unilateral. Mas temos espaço para fazer, assim
como outras empresas também.”3
3 Fonte: Adachi. V. (2021). Glasgow abre oportunidade fantástica para investimentos no Brasil, diz CEO
da Suzano. Disponível em: https://www.capitalreset.com/glasgow-abre-oportunidade-fantastica-para-
investimentos-no-brasil-diz-ceo-da-suzano/. Acesso em 18 dez. 2021.
273
ANEXO 1 – PRESENÇA E PRODUTOS DA SUZANO
274
ANEXO 2 – TRANSPARÊNCIA DA SUZANO EM RELAÇÃO ÀS
SUAS METAS DE LONGO PRAZO
275
Fonte: Website da Suzano, acessado em 18/12/2021.
276
ERIKA BARCELLOS
CARLOS BRAGA
277
SEÇÃO 4:
PRÁTICAS DE INOVAÇÃO
SOCIAL
EDITORA: STEPHANIA GUIMARÃES
Um olhar sobre o aspecto
social no Brasil
STEPHANIA GUIMARÃES
A pandemia provocada pela Covid-19 mudou a perspectiva das questões relacionadas ao as-
pecto social do ESG e as tornou mais evidentes. A crise sanitária mundial destacou fraquezas,
como a desigualdade social – muitas pessoas ficaram sem trabalho durante muito tempo –, e
riscos que a sociedade não conhecia foram evidenciados. A percepção, o comportamento e a
preocupação das pessoas em relação à saúde física e mental se tornaram mais nítidos e ga-
nharam nova dimensão, sendo discutidos e tratados com maior abertura. De acordo com um
levantamento executado pela plataforma brasileira de bem-estar Gympass, a busca por aplica-
tivos de saúde mental e bem-estar aumentou em 130% na comparação das médias do primeiro
trimestre de 2021 com o mesmo período de 20201.
A maior sensibilidade aos temas humanos pode ter sido resultado dos questionamentos feitos
em busca de respostas que somente são buscadas em situações de crise. O distanciamento so-
cial, o medo da morte, o excesso de narrativas tristes e a falta de uma solução definitiva para a
Covid-19 tornaram a saúde e a preservação da vida temas de interesse prevalentes. O cuidado
com os grupos de risco se somou à solidariedade de amigos, vizinhos, parentes e profissionais de
saúde, estes, se arriscando diariamente até que uma vacina pudesse ser desenvolvida. A chama-
da solidariedade social, o cuidado, a vigilância e a proximidade dos núcleos familiares podem ter
ganhado tamanho e relevância junto a populações mais sensibilizadas pelo sofrimento.
Não é exagero dizer que a pandemia despertou a solidariedade em empresas de todo o país
e um sentimento de comunidade que estava adormecido desde a Segunda Guerra Mundial,
e contagiou a grande maioria dos líderes empresariais, que se perguntaram o que poderiam
fazer para ajudar. Entre as políticas mais comuns, estavam o home office, as doações de alimen-
tos, dinheiro e equipamentos médicos, máscaras e álcool em gel, e a divulgação de informações
a respeito da prevenção do contágio pelo Coronavírus. Em abril de 2020 foi lançado o movimen-
to Não Demita, uma convocação lançada pelo presidente da Ânima Educação, Daniel Castanho,
a todos os empresários brasileiros, com o objetivo de preservar os empregos dos colaboradores
ainda que em tempos de crise. Até o fim do mês de lançamento do programa, mais de quatro
mil empresas haviam aderido. O papel social das empresas, mais do que nunca, foi consolida-
do, renovado e impactado por uma crise sanitária de proporções inimagináveis, que daria novo
sentido ao S do ESG e despertaria reflexões importantes e muito necessárias.
1 https://imirante.com/oestadoma/noticias/2021/05/23/uso-de-aplicativos-de-saude-mental-e-emocional-cresce-
130-em-2021/ Acesso em: 17/11/2021
279
Veja no gráfico abaixo, consolidado pelo portal Statista2, como a percepção das empresas a res-
peito do conceito de ESG mudou com a pandemia da Covid-19.
Em épocas aproximadas, movimentos como o Black Lives Matter, campanha contra violência
direcionada a pessoas negras, e o #MeToo, movimento contra o assédio sexual, ganharam força
e proporções globais, dando mais foco às dinâmicas sociais em todo o mundo e chegando tam-
bém ao Brasil. Repensar a esfera social nas empresas assumiu uma nova urgência, visto que
tanto consumidores quanto investidores desenvolveram um olhar mais atento e cuidadoso em
relação ao papel das organizações diante de cenários de inclusão, diversidade, emergências,
preservação da força de trabalho e condições justas.
Considerando-se a máxima que diz que “tudo comunica”, a própria não-adesão a determinadas
práticas, agora consideradas de vital importância, a movimentos sociais relevantes ou mesmo o
silêncio em relação a pautas sociais contemporâneas passou a comunicar, de modo subliminar,
quase na mesma medida que uma declaração explícita. Empresas, empresários e porta-vozes
se viram mais pressionados a se prepararem para situações nas quais aspectos sociais delica-
dos são abordados e a atual velocidade de comunicação, alimentada pelo uso das redes sociais,
tem tornado cada vez mais difícil desconsiderar a sigla ESG ou ignorar o início da trajetória de
reflexão sobre o papel da empresa frente às demandas sociais.
Passada a emergência inicial, a esfera das áreas de pessoas das corporações entende o atual
desafio apresentado também pela tangibilização e análise de dados. Hoje, diversas plataformas
de people analytics vêm sendo desenvolvidas no intuito de fornecer parâmetros que possam
oferecer diagnósticos, dashboards, índices de crescimento em diversidade, por exemplo. A ne-
cessidade de empoderar as áreas de pessoas e lideranças com algum sucesso para a tomada
2 Statista.com. https://www.statista.com/statistics/799497/change-in-considering-esg-issues-due-to-covid-19/
280
de decisões mais assertivas é absolutamente válida e tal cuidado se tornou crucial não somente
para a reputação de uma organização, mas para a saúde de qualquer negócio a longo prazo.
Hoje já não é mais surpresa ouvir que uma organização se torna mais lucrativa com mais diver-
sidade em sua composição, mas ainda há um caminho longo a ser trilhado.
A participação cada vez maior de membros independentes em cada vez mais conselhos de
empresas nacionais, como podemos perceber nos relatos dos diferentes capítulos e estudos
de caso desta publicação, indicam uma provável evolução na maturidade corporativa do olhar
sobre a agenda ESG e, consequentemente, sobre seu aspecto social. Podemos ler nos jornais
brasileiros os relatos dos convites feitos a celebridades como Gisele Bündchen, Anitta e Luciano
Huck para compor os conselhos de empresas reconhecidas no país, gerando discussões, con-
tribuindo de maneira peculiar com um novo olhar e, definitivamente, conferindo popularidade
à crescente abertura no tratamento dos diferentes stakeholders, ainda em pequena medida e
em estágios iniciais se considerarmos o tamanho e os desafios do nosso país.
As peculiaridades de um país com a história do Brasil são fortes. Falar em diversidade, inclusão
ou equidade salarial pode causar controvérsia em várias camadas da população e esbarra em
discussões tão importantes e básicas como saneamento, educação, saúde, geração de empre-
go e distribuição de renda, por exemplo. Nessas circunstâncias, o aspecto social do ESG ganha
3 https://www.globalreporting.org/
4 https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
5 EY, Why sustainability has become a corporate imperative (2021). Disponível em https://www.ey.com/en_
gl/strategy/why-sustainability-has-become-a-corporate-imperative. Acesso 17/11/2021
281
contornos absolutamente particulares em comparação a outros países e a atuação da iniciativa
privada por vezes se confunde com responsabilidades atribuídas à esfera pública.
Ao longo dos trabalhos de escrita dos capítulos deste livro, escutamos algumas vezes alguns
entrevistados repetirem uma frase em comum, que relataram ouvir vez ou outra, ao trabalhar
com sustentabilidade: “como pensar em diversidade quando ainda se tem fome?”. Essa é uma
fala forte que pode gerar reflexão e nos fazer pensar seriamente a respeito da ordem de prio-
ridades e o papel de cada um, seja cidadão, empresa ou governo, em nosso contexto econô-
mico, cultural e social, antes de qualquer ação na direção de qualquer um dos aspectos ESG.
Esse questionamento ajuda aqueles que desejam iniciar uma jornada de sustentabilidade a
entenderem que é primordial considerar o contexto, a história, o modelo e os objetivos de ne-
gócios, o impacto das operações, a localização, as comunidades impactadas, os colaboradores
impactados, a cultura. Todos esses aspectos devem ser considerados na construção da matriz
de materialidade, ferramenta importante que considera e representa os temas mais impor-
tantes relacionados a uma empresa e seus públicos de interesse, que irá nortear os primeiros
passos da construção de um plano de ação realista e autêntico, que faça sentido para aquela
comunidade, para aquela organização.
O capítulo 4 deste livro aborda a delicada dimensão social. O intuito do trabalho, com a ajuda
dos nossos autores dos artigos e entrevistas desta seção, é trazer luz acerca de alguns concei-
tos por meio de melhores práticas e relatos, e estimular a reflexão e a discussão a respeito de
questões como filantropia e ESG, como dar o primeiro passo para executar um programa de
diversidade em uma empresa ou qual o papel de uma corporação frente a catástrofes como
uma pandemia, por exemplo.
A seção se inicia com uma análise de cunho econômico sobre as escolhas feitas em relação à
educação no período pós-guerra no Brasil, que pretende ajudar a entender um pouco melhor a
trajetória que nos trouxe ao cenário social no qual nos encontramos hoje. No decorrer da leitura
dos textos seguintes, a importância da escuta do stakeholder é ressaltada, como engajar? Fa-
laremos sobre ESG e LGPD, ouviremos empresas B Corporation com sólida tradição no aspecto
social, observaremos a diversidade em seus vários aspectos, conheceremos um banco digital
voltado para a comunidade LGBT+ e apresentaremos o estudo de caso de uma organização
paulista que está dando um salto evolutivo ao trazer o ESG para o nível estratégico da empresa,
entre outros artigos.
282
STEPHANIA GUIMARÃES
283
A escolha do Pós-Guerra:
nosso atraso educacional e suas
consequências1
SAMUEL DE ABREU PESSOA
INTRODUÇÃO
A ESCOLHA
Durante a Segunda Guerra e no imediato Pós-guerra, a sociedade brasileira foi exposta ao enor-
me atraso econômico e social que havia entre ela e as economias líderes do ocidente. Esse re-
conhecimento produziu um intenso debate acadêmico ao longo do final dos anos 40 e durante
toda a década de 50 que se encontra nas páginas da Revista Brasileira de Economia à época.2
No front prático das políticas públicas o Estado, agora de forma consciente e sistemática,
encampava o projeto de substituição de importações (adotado, inicialmente, de forma não
sistemática como resposta à crise dos anos 30). Esse modelo apresentava as seguintes carac-
terísticas:
1 Agradeço os comentários com as ressalvas de praxe de André Villela, Gabriel Hartung, Heloísa Mesquita e
Miguel Foguel. Baseado no texto original publicado em janeiro de 2008.
2 Ver o início do texto de Gudin (1952).
284
y forte estímulo ao investimento em capital físico na indústria;
y fechamento da economia ao comércio internacional, incluindo, além de elevadíssimas bar-
reiras tarifárias, inúmeros mecanismos de controle não tarifário, como, por exemplo, o siste-
ma de taxas múltiplas de câmbio e a lei do similar nacional;
y estatização dos serviços de utilidade pública, como geração e distribuição de energia elétri-
ca, telefonia, gás, transportes urbanos, ferrovias, etc.;
y desequilíbrio macroeconômico permanente, como indicado pelos elevados níveis de inflação;
y baixo nível de investimento na área social, principalmente educação pública fundamental.
Apesar da alteração de regime político com o golpe militar de 1964 e o período ditatorial que
se seguiu, houve continuidade das políticas econômicas e das políticas públicas em geral. A
exceção foi o breve interregno representado pela política econômica liberal do governo Castello
Branco. Dessa forma, esse artigo trata todo o período do Pós-guerra unificadamente, apesar
das diferenças do ponto de vista da liberdade individual.
Para efeitos do artigo, é útil repassar os principais dados relativos à educação da população
brasileira. Na Figura 1 está representada a taxa de crescimento da população da última déca-
da do século XIX até os dias de hoje. Nota-se que há dois ciclos claros. No primeiro, observa-se
aceleração da taxa de crescimento populacional da década de 90 do século XIX até meados
da primeira década do século XX e redução até 1930. Esse ciclo está associado ao fluxo migra-
tório da Europa (e, no caso brasileiro, também do Japão) para as regiões do novo continente
ricas em terra e relativamente despovoadas. Além da região sul e sudeste do Brasil, Argentina,
Uruguai, EUA e Canadá desempenharam importante papel como receptores de mão de obra.
O segundo ciclo inicia-se em 1930 e vai até os dias de hoje. Nesse período, o Brasil ingressou e
completou o processo conhecido pelos demógrafos de transição demográfica. Na primeira fase
(de 1930 até meados da década de 50), a redução da taxa de mortalidade infantil, em função
da melhoria das condições sanitárias, numa sociedade que apresenta elevadas taxas de nata-
lidade, produz forte aceleração da taxa de crescimento populacional. No período seguinte, a
queda da fecundidade acarreta queda no crescimento demográfico, de sorte que no início do
processo há baixo crescimento demográfico com elevada natalidade e mortalidade e, no final
do processo, há, analogamente, baixo crescimento populacional, porém com baixa natalidade
e mortalidade infantil.
285
Uma característica importante da transição demográfica brasileira é que a etapa de aceleração
foi muito mais rápida do que a etapa de redução da taxa de crescimento populacional, de sorte
que mantivemos taxas de crescimento populacional na casa dos 3% ao ano por mais de duas
décadas (de 49 a 74).
A forte aceleração da taxa de crescimento populacional não foi acompanhada por investimen-
tos em educação compatíveis com a necessidade. Na Figura 2 estão representadas as taxas
brutas de matrícula no ensino fundamental, médio e superior e, na segunda coluna da Tabela
1, os gastos públicos com educação, como proporção do PIB.3 A taxa bruta de matrícula repre-
senta o total de alunos matriculados no respectivo ciclo como fração do número de pessoas
da população na faixa etária correspondente ao ciclo. Nota-se que a taxa bruta de matrícula
subestima o número de pessoas daquela faixa etária fora da escola, uma vez que algumas das
pessoas que cursam certo ciclo estão fora da faixa etária. Em meados da década de 50, quando
iniciávamos a construção de Brasília, pelo menos 6 de cada 10 crianças de 7 a 14 anos estavam
fora da escola. A sociedade investia, como proporção do PIB, pouco mais de 1,5%. Finalmente, a
Tabela 1 mostra que o padrão de gasto por aluno (como razão do PIB per capita) era nos anos
cinquenta extremamente desequilibrado. Gastava-se com ensino médio – cuja clientela era mí-
nima (taxa bruta de matrícula da ordem de 7%) – 10 vezes mais, por aluno, do que no fundamen-
tal. Com ensino superior, essa razão chegava a 100 vezes.
286
Tabela 1: Gasto público com educação
AS CONSEQUÊNCIAS
A baixa escolaridade da força de trabalho é responsável em boa medida pela baixa produtivida-
de do trabalho. Evidência empírica universal é que há forte relação positiva entre escolaridade
do trabalhador e salário.5 Estudos recentes mostram que mais de 90% desses ganhos de salá-
rios estão associados à elevação da produtividade do trabalhador fruto da maior escolaridade.6
4 Os dados referem-se aos anos médios de escolaridade da população acima de 15 anos. Ver a metodologia
em Barro e Lee (2000).
5 Card (1999).
6 Lange e Topel (2006).
287
Figura 3: Anos médios de escolaridade da PEA (Barro e Lee, 2000)
Dessa forma, podemos tomar os diferenciais de salários associados a maiores níveis de educa-
ção como indicador do ganho de produtividade do trabalhador e, consequentemente, da so-
ciedade. A Tabela 2 calcula o diferencial de produtividade de trabalho entre o Brasil e o país em
questão que pode ser atribuído ao diferencial de escolaridade, levando em consideração que a
elevação da escolaridade, em função da maior produtividade do trabalho, enseja um processo
de acumulação do capital físico.
Coréia do Sul 76
Japão 66
Taiwan 77
Chile 89
Estados Unidos 35
288
Além do impacto direto sobre a produtividade do trabalho e sobre a desigualdade, a opção do
Pós-guerra de não universalizar a educação fundamental retardou a transição demográfica e
teve forte impacto sobre a qualidade da educação. A Tabela 3, abaixo, obtida do trabalho de
Berquó e Cavenaghi (2004).8,9 Adicionalmente, o elevado diferencial de fecundidade associa-
do à escolaridade da mãe aumenta a fração das crianças que vão crescer em lares cujos pais
apresentam baixa escolaridade, produzindo forte fator perpetuador da pobreza. De fato, Hart e
Risley (1999) mostram para os EUA que uma criança de três anos que reside em um domicílio
nos quais os pais são profissionais liberais apresenta vocabulário três vezes maior do que o vo-
cabulário das crianças cujos pais vivem da seguridade social. Evidentemente, essas diferenças
construídas na primeira infância terão forte impacto no desenvolvimento futuro. Finalmente,
para o Brasil, Lam e Duryea (1999) mostram que há forte relação entre escolaridade da mãe e o
desempenho escolar do filho.10
12 ou + 1,3 1,1
289
ALTERNATIVA
Havia alternativa? Provavelmente não havia alternativa viável politicamente. Mas será que havia
alternativa viável do ponto de vista econômico? Isto é, sem discutir o mérito da viabilidade po-
lítica, haveria recursos públicos para financiar a universalização do fundamental até o médio?
Vimos que o setor público investiu nos anos 50 até meados dos anos 70 pouco mais de 1,5% do
PIB em educação. Quanto custaria universalizar o ensino até o nível médio completo para todos
os ingressantes no sistema, a partir de 1950? E qual seria a renda per capita hoje se tivéssemos
feito esse investimento? Maduro (2007) mostrou que teríamos que investir 8% do PIB, em média,
por 20 anos (de 1955 aproximadamente até 1975), com o investimento caindo em seguida para os
níveis atuais de 4,5% do PIB. Se quiséssemos somente universalizar o fundamental, o custo seria
muito menor. Nesse exercício, Maduro manteve a estrutura de gasto educacional inalterada igual
à observada ao longo do período (ver Tabela 1) e recalculou a trajetória do produto levando em
consideração os ganhos de produtividade advindos da maior escolaridade e o impacto da maior
escolaridade sobre a acumulação de capital. A produtividade do trabalho seria, hoje, aproximada-
mente 30% maior. No exercício, não foram considerados os aspectos positivos da educação sobre
a fecundidade e criminalidade, que são os próximos passos dessa linha de pesquisa.
Evidentemente, para financiar tal montante de gasto seria necessário elevar a carga tributá-
ria. Mas também havia a possibilidade de deslocar recursos de outras rubricas. É sabido que o
Pós-guerra foi um período de forte estatização dos serviços de utilidades públicas, que foram
instalados no final do século XIX e início do século XX e explorados por empresas estrangeiras. O
exemplo paradigmático foi a empresa Light de capital canadense. No início dos anos 30, a Light
era responsável por aproximadamente 80% da geração e distribuição de energia elétrica, dos
transportes urbanos, da telefonia e da distribuição de gás residencial do país. A empresa tinha a
concessão desses serviços nas praças de São Paulo e Rio de Janeiro, os dois maiores mercados
do país por larga margem.12
290
Segue da análise do caso da Light que se no período houvesse um marco regulatório que ga-
rantisse para a empresa uma TIR real da ordem de 10% ao ano, não faltaria capital privado para
expandir os serviços de utilidades públicas. Se lembrarmos que a TIR da educação no período
– sem considerar os efeitos benéficos sobre a fecundidade e a criminalidade – estava na casa de
30%,13 é evidente o erro que foi cometido. Provavelmente, uma elevação da carga tributária da
ordem de 2% do PIB, a construção de marco regulatório para os setores de utilidade pública e
o adiamento em algumas décadas do projeto de mudança da capital federal produziriam fun-
dos suficientes para universalizar pelo menos o ensino fundamental (de 1º a 8º séries), o que já
reduziria muito nossos problemas atuais.
MOTIVOS DA ESCOLHA
O principal motivo que explica a escolha do Pós-guerra foi que os maiores beneficiados da uni-
versalização da educação fundamental não tinham voto. País rural, no Brasil, o voto das classes
mais desfavorecidas era controlado pelas elites locais. Por outro lado, a política de privilegiar
o investimento em capital físico era amplamente apoiada pelo empresariado nacional. Final-
mente, a estatização dos serviços de utilidade pública, transferindo para o Tesouro Nacional, e,
consequentemente, para os contribuintes em geral, parte dos custos dos investimentos, era
apoiada pelos extratos médios urbanos, que se beneficiavam com a redução das tarifas dos ser-
viços de utilidades públicas. A política adotada foi compatível com o equilíbrio político vigente
à época.
No entanto, além da economia política, outros dois motivos, mesmo que menos importantes,
concorreram para explicar a escolha do Pós-guerra. O primeiro era o estágio de conhecimento
sobre a importância da educação para o desenvolvimento que havia naquele período. A teoria
econômica padrão somente incorporou a educação com elemento central ao desenvolvimento
econômico a partir da segunda metade da década de 50, com os trabalhos pioneiros de Mincer,
Becker e Schultz. No Brasil, acreditava-se que educação e saúde eram consequências do desen-
volvimento econômico em vez de mola propulsora. O trabalho de Américo Barbosa de Oliveira,
publicado no fascículo de julho-dezembro de 1957 da revista Econômica Brasileira, intitulado
“Educação um investimento a longo prazo,” expressava de forma cristalina esta visão:
O segundo motivo era de ordem ideológica. Havia uma particular interpretação do subdesen-
volvimento brasileiro – chamada de nacional desenvolvimentismo – que localizava no tipo de
291
mercadoria que nós produzíamos e no papel que desempenhávamos na divisão internacional
do trabalho, a principal fonte de nosso subdesenvolvimento. A principal característica dessa in-
terpretação é que ela retira do homem qualquer papel central no processo de desenvolvimen-
to, forjando a justificativa intelectual para que as políticas públicas relegassem o investimento
no capital social para segundo plano. Essa interpretação era compartilhada por amplos seto-
res que abarcavam todo o espectro ideológico.14 Assim, questões como “perdas internacionais,”
“imperialismo,” “juros da dívida externa,” “remessas de lucro,” “o petróleo é nosso” etc. eram
vistas pelas elites que formavam a opinião e tomavam as decisões como problemas muito mais
fundamentais do que as políticas de desenvolvimento social. É surpreendente que para um
autor sofisticado, capaz de manter produção farta e profícua por quase cinco décadas, como
Celso Furtado, nunca lhe tenha ocorrido que havia alguma relação entre crescimento econô-
mico e educação.15
Outras economias, como, por exemplo, a economia coreana, reconheceram muito antes de nós
a importância de educação. Beneficiam-se hoje desta percepção. Mesmo a Argentina, em que
pese os incontáveis erros de política econômica praticados ao longo do século XX, apresenta
valores para a produtividade do trabalho 65% maiores do que os nossos, essencialmente devido
à bem-sucedida política de universalização do ensino fundamental implementada no início do
século XX.
CONCLUSÃO
Ao longo do texto, mostramos que, no passado, nosso investimento em educação foi muito
deficiente. Gerou um pesado legado. Desde a redemocratização, essa deficiência tem sido sa-
nada. A voto popular fez com que o investimento hoje em educação seja da ordem de 6% do
PIB, ligeiramente acima da média internacional.16 Nosso grande problema é que não temos
conseguido transformar a elevação da quantidade educacional, medida em anos médios de
escolaridade da população economicamente ativa (PEA ), em elevação da qualidade, medida
em desempenho dos alunos em testes padronizados de desempenho. A literatura mais recente
é muito clara ao dizer que a relação entre educação e crescimento ocorre por meio da qualida-
de. Isto é, se os jovens frequentam as escolas, mas o aprendizado não ocorre, a educação não
redunda em crescimento. De fato, se há frequência, mas não há aprendizado, não há escola.
Esse fato é hoje consensual.17 Assim, o grande desafio é melhorar o aprendizado dos alunos das
redes públicas de ensino fundamental. Diria que esse é hoje o maior desafio para garantir as
condições de longo prazo de nosso crescimento. Assim, há muito espaço para que o terceiro
setor e o setor privado, por meio de suas fundações e ONGs, colaborem com o setor público no
aprimoramento da qualidade do ensino básico de nossos jovens.
292
REFERÊNCIAS
293
y JOURDAN, Marcelo Mollica, 2007. A Light, investimento estrangeiro no Brasil – uma
luz sobre o ciclo privado-público-privado em 80 anos pela análise de taxa de retor-
no. Dissertação de mestrado, Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV, Rio de
Janeiro.
y LAM, David; DURYEA, Suzanne, 1999. Effects of schooling on fertility, labor supply, and
investment in children, with evidences from Brazil. Journal of Human Resources,
34(1): 160-192.
y LANG, Fabian; TOPEL, Robert, 2006. “The social value of education and human capital.
Handbook of the economic of education, editado por Eric Hanushek e Finis Welch,
Elsevier. Volume 1, capítulo 8: 459-509.
y MADURO JUNIOR, Paulo Rodrigues, 2007. Taxas de matrículas e gastos em educa-
ção no Brasil. Dissertação de mestrado, Escola de Pós-Graduação em Economia da
FGV, Rio de Janeiro.
y PEREIRA, Teresa Cozetti Pontual; PONTUAL, Vitor Azevedo Pereira, 2021. Desafios da
Educação. 12º capítulo de O Futuro do Brasil, organizador Fabio Giambigi, editora
Atlas, páginas 155-170.
294
Capitalismo de Stakeholders:
como engajar as partes
interessadas na agenda ESG
DANIELA CAVALCANTE PEDROZA E ONARA LIMA
Conhecer seus stakeholders, sendo eles toda a parte interessada e envolvida no negócio, a
exemplo dos seus investidores, clientes, consumidores, colaboradores, comunidade afetada,
dentre outros, é o primeiro passo antes de se almejar engajá-los em qualquer projeto.
Nesta seara, entender as expectativas dos stakeholders é, então, fundamental para o engaja-
mento quando o assunto envolve também a agenda ESG – Ambiental, Social e Governança.
Ademais, com uma boa governança, garante-se a reputação da organização, item essencial
para se assegurar a manutenção do reconhecimento da marca no mercado a longo prazo. É
a reputação que chancela o cumprimento das promessas das organizações no ambiente de
negócios, dando aos stakeholders a garantia do alinhamento entre a realidade e a percepção
de suas expectativas.
1 John Elkington, "Towards the Sustainable Corporation: Win-Win-Win Business Strategies for Sustainable
Development," California Management Review 36, no. 2 (1994): 90–100.
295
Temos, então, através do ESG, a valorização dos modelos de negócios em consonância, não
apenas com o que esperam os investidores, mas sim com o que é almejado por todas as partes
interessadas. Não são priorizados, portanto, apenas os aspectos mercadológicos e econômicos.
Isto é o que se denomina como sendo o chamado capitalismo de stakeholders2.
Através desse conceito, as organizações devem incorporar todos os seus objetivos, metas e indi-
cadores de ESG em suas publicações, sejam elas destinadas aos seus acionistas, por meio de re-
latórios financeiros, como também para as demais partes interessadas, a exemplo do Relatório
de Sustentabilidade. Deve-se também, como parte do compromisso, incentivar amplamente
a agenda ESG no mercado, promovendo a adoção dos padrões, estruturas e princípios do ESG
em todo o negócio.
Para que tudo isto então se concretize, deve-se, portanto, buscar conhecer, a fundo, todos os
seus stakeholders e, consequentemente, suas reais expectativas, para que seja possível alcan-
çá-las.
Neste viés, é de extrema importância iniciar uma escuta ampla de stakeholders, para identi-
ficação de temas materiais, na medida em que a referida escuta permitirá que se mapeiem
necessidades e expectativas das partes interessadas em relação à organização. A materialidade,
por sua vez, é definida pelo peso dado a diferentes indicadores de ESG, dependendo do setor
e do tipo de negócio da empresa. O fundamental é saber quais são os fatores de peso mais
importantes para que seja possível montar critérios de materialidade efetivamente relevantes,
entendendo os pontos críticos nos três pilares: ambiental, social e de governança.
Esse processo de escuta é valioso para que os responsáveis pelo relacionamento com cada um
desses grupos tenham condições de observar alinhamentos e discordâncias com essas partes
envolvidas. Visa-se, portanto, angariar oportunidades de atuação em parcerias, por exemplo,
assim como conscientizar, educar e engajar os stakeholders sobre a importância da agenda
ESG para o negócio da organização.
É através deste processo de interação que a organização pode se debruçar sobre os resultados
gerados no que toca à percepção das diferentes partes interessadas ligadas à empresa, para
que tenha condições de integrar as expectativas dessas ao planejamento estratégico e à opera-
ção propriamente dita. Neste sentido, por meio de atuações proativas com as partes interessa-
das (internas e externas), é possível à organização entender o conceito da sustentabilidade na
prática, e como pode alinhá-lo ao seu planejamento estratégico, mantendo, por conseguinte,
posição competitiva frente às exigências mercadológicas.
E é por isso que, para muitos pesquisadores, o engajamento com as partes interessadas é um
“meio” para se atingir a sustentabilidade (HART e HORTON, 20033, HART e SHARMA 20044), por
ser um elemento essencial na gestão da sustentabilidade corporativa.
2 World Economic Forum, 2020. Measuring Stakeholder Capitalism. Disponível em: https://www3.weforum.
org/docs/WEF_IBC_Measuring_Stakeholder_Capitalism_Report_2020.pdf. Acesso em: 10/11/2021
3 Hart, Ian; Horton, Joy. Mt Eliza Business Review. Winter/Spring2003, Vol. 6 Issue 1, p. 69-74.
4 Hart, Stuart L.; Sharma, Sanjay. Academy of Management Executive. Feb 2004, Vol. 18 Issue 1, p. 7-18.
296
É válido mencionar que, não obstante o tema “engajamento com as partes interessadas”, se
fazer presente nas pautas de discussões de grandes empresas, principalmente daquelas que
divulgam seus Relatórios de Sustentabilidade, o engajamento pode ser feito independente-
mente do porte da empresa e de estar ou não na bolsa de valores.
Isso porque, por se tratar de um elemento essencial na gestão da sustentabilidade, como já an-
teriormente mencionado, o engajamento pode ser realizado para fins de reputação e de gestão
de riscos, agregando ainda mais valor para a empresa.
Não existe uma única estrutura formal para se realizar o engajamento com as partes interessa-
das, e sim alguns sistemas e ações que se convergem, sendo que o que se busca é, em síntese,
fomentar o conhecimento da empresa de um modo em geral, melhorar processos e procedi-
mentos internos e externos e inovar em termos de produtos e serviços. Além, é claro, de divul-
gar as práticas ambientais, sociais e de governança, o que gera mais valor para a companhia,
inclusive em termos reputacionais.
Afinal de contas, a influência das partes interessadas não pode ser subestimada. Entender as
opiniões, preocupações e potenciais impactos das partes interessadas é essencial para garantir
a perenidade dos negócios, através de uma gestão proativa de riscos, como parte de uma estra-
tégia bem planejada de gestão de stakeholders para o ESG.
Mas, para que isso seja possível, o conselho precisa fortalecer, engajar e disseminar os princí-
pios, valores e metas da companhia, tratando os temas relacionados ao ESG de forma trans-
versal dentro da organização, na medida em que a liderança e o comprometimento dos admi-
nistradores e demais executivos são fatores indispensáveis para a construção de um ambiente
honesto, ético, transparente e sustentável.
É de extrema importância, assim, que as companhias não direcionem o tema ESG somente
ao diretor de sustentabilidade, por exemplo, já que todos da companhia (de ponta a ponta)
precisam ser envolvidos no processo. Tudo isso deve ser, então, traduzido em estratégias que
busquem promover a geração de valor em cada relacionamento, o que, se bem realizado, pre-
para a organização para mergulhar no capitalismo de stakeholders, tão almejado no momento.
297
DANIELA CAVALCANTE PEDROZA
ONARA LIMA
298
Novas Relações entre
Empregados e Empregadores
RAISSA URZEDO E ELIAS TEMPONI
O mundo está mudando em uma velocidade cada vez maior. As relações interpessoais e pro-
fissionais estão cada vez mais dinâmicas. Em meio à crise financeira, reforma trabalhista, pan-
demia, todos tivemos que nos reinventar e criar formas de nos manter, desenvolver e evoluir.
E, assim, criar novos tipos de relações entre empregadores e empregados, com o objetivo de
possibilitar a evolução mútua com base na confiança, na flexibilidade, na autoliderança e na
produtividade responsável.
As relações de trabalho, no formato que vinham sendo praticadas nos últimos anos, de forma
geral, já não agradavam muito nem a empregadores nem a empregados. De um lado, os em-
pregadores se queixavam da falta de iniciativa, do excesso de controles desnecessários e, prin-
cipalmente, do nível de produtividade e desempenho abaixo do esperado, além da escassez de
profissionais diferenciados que pensem “fora da caixa”.
Do outro lado, boa parte dos trabalhadores se sentiam travados, em um modelo rígido, que
exige resultados desafiadores, mas que não lhes permite mudar a forma de se fazer. Não lhes
proporciona a condição ideal para estimular a sua criatividade e encontrar soluções diferentes
das habitualmente praticadas naquela “caixinha”, que muitas vezes se viam compelidos a se
manter. Seguiam atendendo demandas atrás de demandas, no mesmo tipo de ambiente, com
o mesmo tipo de estrutura, com os mesmos tipos de limitações, que continuavam a podar suas
inspirações e criações.
EXPECTATIVAS E REALIDADE
Segundo o Instituto Brasileiro de Coaching, entre as competências mais buscadas pelas empre-
sas, as quatro mais valorizadas são: liderança, automotivação, criatividade e trabalho em equipe.
299
Diante de um cenário de crise econômica, agravada pela pandemia, colocar tais competências
em prática e as desenvolver se mostrou ainda mais desafiador. Mas, em muitos casos, também
muito oportuno.
Para exercer uma liderança engajadora e eficiente, nunca foi tão importante cultivar e fortale-
cer a relação de confiança com os liderados, bem como entender que a flexibilidade pode ser
uma via de mão dupla muito benéfica. Com o distanciamento social obrigatório em diversos
setores e regiões, demandou-se a implantação em larga escala do trabalho em home office ou
híbrido, o qual não funciona sem confiança e flexibilidade.
Diante do isolamento social, é inevitável que algumas pessoas se sintam mais solitárias e de-
sanimadas. Assim, a automotivação mostra-se imprescindível para que se consiga manter um
espírito de produtividade e para que se possa evitar doenças como depressão e stress. Manter
a motivação, independentemente do que aconteça ao redor, e não esperar que a motivação
venha de outras pessoas, apesar de não ser tão simples, é uma competência que pode ser tra-
balhada aos poucos.
Para quem possui autoliderança, já tem “meio caminho andado”, pois não espera uma decisão
ou ordem de terceiros para fazer o que tem que ser feito e está a seu alcance. Logo, por não se
tornar totalmente dependente do outro, também não se frustra tanto em relação a decisões
que não concorda sobre aquilo que deveria (ou ao menos poderia) ser decidido por si mesmo, o
que costuma acontecer com mais frequência com quem não tem autoliderança.
De modo semelhante, para se manter envolvido e motivado a atingir metas e resultados e a rea-
lizar suas tarefas com afinco, nada melhor do que não esperar que os outros deem motivo para
fazê-lo. Se o indivíduo possui automotivação baseada em propósitos que vão ao encontro dos
da empresa, naturalmente se manterá envolvido e motivado, independentemente dos desafios
e obstáculos que surjam.
Com a reforma trabalhista, novas oportunidades e desafios surgiram, e novos tipos de relações
começaram a surgir também, colocando à prova outras competências, não só as competências
técnicas e comportamentais dos trabalhadores, mas também a capacidade das empresas de
inovarem, usando a criatividade, mas sem renunciar ao equilíbrio das relações e condições sa-
dias e seguras de trabalho.
Uma das principais modificações na CLT trazidas pela LEI Nº 13.467, de 13-07-2017, foi o artigo
611-A, que dispõe que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência so-
bre a lei quando dispuserem sobre determinados temas. Entre eles: I - pacto quanto à jornada
de trabalho, observados os limites constitucionais; II - banco de horas anual; III - intervalo intra-
jornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV -
teletrabalho, regime de sobreaviso e trabalho intermitente; V - remuneração por produtividade,
incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado e remuneração por desempenho individual.
300
Diante de tais modificações, pode-se perceber que a flexibilidade passou a ser muito apropria-
da para as relações de trabalho, assim como a produtividade responsável. Isso porque a pri-
meira denota capacidade de adaptar-se às jornadas de trabalho de forma flexível, de maneira
a propiciar maior produtividade em horas de maior demanda, sempre nos limites constitucio-
nais. Já a segunda garante justamente o equilíbrio necessário para as relações de trabalho. Bus-
car a produtividade responsável é justamente evitar excessos que, mesmo não ultrapassando
os limites legais, possa gerar transtornos físicos ou mentais, como fadiga, stress, etc.
A pandemia mudou o jeito de pensar e agir das pessoas. As prioridades de cada indivíduo foram
de encontro aos seus valores e a valorização do presente e a preocupação com a vida e a saúde
nunca estiveram tão latentes. A ausência das relações interpessoais presenciais trouxe a intros-
pecção e a valorização da qualidade de vida individual e coletiva. O trabalho das pessoas invadiu
as suas casas, seus familiares e animais domésticos tiveram que se adaptar à nova realidade.
O teletrabalho, que já havia sido instaurado pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467 de 2017), tem
especificações um pouco diferentes do home office, em termos legais. De forma geral, a prin-
cipal diferença se dá no controle de jornada de trabalho. Para o teletrabalho, há isenção do
controle de jornada e o home office é uma extensão da empresa para a casa do trabalhador,
caracterizado como uma situação pontual e não permanente, podendo ser até híbrido, com
intercalação de dias trabalhados em casa e dias na sede da empresa. Não há, entretanto, uma
legislação específica sobre a jornada híbrida, mas deve-se ter o devido cuidado para que os di-
reitos dos trabalhadores sejam respeitados. É indicado que se faça um aditivo contratual entre
as partes, a fim de acordar o novo tipo de jornada, com regras e parâmetros bem definidos.
301
Pode-se observar que o trabalho remoto trouxe algumas vantagens tanto para as empresas
quanto para os empregados, mas também trouxe outras preocupações. A produtividade agora
é medida não em horas trabalhadas, mas em resultados entregues. Alguns dizem que a carga
de trabalho aumentou, outros dizem que o rendimento das atividades é melhor. A qualidade de
vida e a saúde mental geram uma linha tênue em relação ao tema. A melhor gestão do tempo
de trabalho traz mais produtividade e permite que as pessoas “saiam fora da caixinha” para
pensar em inovação e que tenham mais tempo livre, que antes era despendido em desloca-
mento para o trabalho, para prática de alguma atividade física, dedicação a algum hobby e até
mesmo passar mais tempo ao lado da família.
Outro benefício que não podemos deixar de citar é a redução do estresse causado pelo trânsi-
to. Por outro lado, o isolamento e a falta de convívio social despertaram problemas emocionais
graves nas pessoas. As empresas, que antes conseguiam propiciar um ambiente de trabalho
adequado para os trabalhadores, agora veem a necessidade de instaurar políticas internas em
prol do bem-estar e saúde e segurança dos colaboradores em suas casas. Além disso, precisam
encontrar estratégias de integrar e engajar as equipes e disseminar a cultura da empresa.
O trabalho em equipe, que é a quarta competência destacada entre as mais buscadas pelas em-
presas, tornou-se impraticável para alguns com o teletrabalho. Mas há quem conseguiu desenvol-
ver muito bem tal característica, justamente nessa nova realidade mais desfavorável: nunca realiza-
ram tantos telefonemas, conference calls, videochamadas e similares, para realizar alinhamentos,
nivelamentos de informações, negociações e discussões de novas ideias. Essas pessoas fizeram
valer a máxima de que “distanciados (ou isolados) sim, mas desconectados, jamais!”. E, assim, abriu-
se uma nova via para estreitar a conexão entre colegas de trabalho, parceiros e clientes.
Tudo isso desperta a atenção para o fator psíquico, o qual merece ainda maior atenção com
a expansão dessas novas relações, seja do ponto de vista daqueles que não se adaptaram e
acabaram desenvolvendo quadros de depressão, stress ou síndrome do pânico, seja do ponto
de vista daqueles que se adaptaram tão bem que não sabem a hora de parar. Esses se sentem
tão confortáveis por já estarem em casa e, como não precisam mais “ir embora”, simplesmente
não “desligam do trabalho” quando deveriam. Assim, é importante adotar mecanismos para
acompanhamento desses profissionais, de forma a evitar o desencadeamento de transtornos
psicológicos e promover rotinas de trabalho responsavelmente produtivas e saudavelmente
flexíveis, o que deve ser objetivo de toda empresa socialmente responsável.
Vamos estender um pouco essa discussão para todos os tipos de trabalho existentes, pois, atual-
mente, a responsabilidade social empresarial é o grande desafio das empresas. Significa encontrar
o equilíbrio para as questões econômicas, culturais e sociais, para a ética no trabalho e para o im-
pacto que suas atividades exercem sobre a sociedade como um todo. Além de promover mudan-
ças na cultura organizacional, é preciso que as ações atinjam os limites externos da empresa, im-
pactando a vida dos colaboradores e, principalmente, na extensão das atividades para suas famílias.
Para o sucesso desta missão, é preciso ouvir esses trabalhadores nos mais diversos níveis hierár-
quicos, a fim de estreitar as relações no trabalho, identificando fragilidades e também pontos
fortes. Ser ouvido e poder contribuir para a melhoria do ambiente de trabalho é fundamental
para a garantia da retroalimentação do resultado percebido pelas pessoas. Isso faz com que elas
se sintam como parte interessada do processo e contribuam da melhor forma possível. O resul-
tado disso é equipe engajada e motivada, com os melhores resultados e eficiência dos processos.
302
RAISSA URZEDO
ELIAS TEMPONI
303
O papel do banco na ajuda a
pessoas vulneráveis: muito além
do básico
ANA PAULA TARCIA
A ideia de responsabilidade social corporativa não é nova. Alguns estudiosos traçam suas raízes
na Revolução Industrial, nos anos 1800, quando um grande número de trabalhadores migrou
do campo para as cidades em busca de melhores salários nas fábricas. Foi um período em que
muitos operários trabalhavam em condições insalubres e até mesmo degradantes. Alguns líde-
res empresariais visionários, no entanto, perceberam que empregados mais saudáveis podiam
aumentar a produtividade e os lucros. Por isso, ofereceram melhores condições de trabalho e
passaram a dar mais atenção ao bem-estar dos funcionários.
Ao longo do tempo, esse conceito foi evoluindo. Além de se preocupar com a qualidade de vida
da força de trabalho e de seus familiares, muitas empresas ampliaram o foco e adotaram ações
que beneficiassem a comunidade local e a sociedade em geral. Elas expandiram seu papel para
além do escopo meramente econômico e passaram a fazer muito mais do que o mínimo exigi-
do pelas obrigações legais. Hoje, com a sociedade mais consciente de seus direitos e a agenda
ESG (ambiental, social e de governança) ganhando força no mundo inteiro, não há mais lugar
para empresas que buscam somente o lucro. Ser uma companhia ética, cidadã e responsável
deixou de ser um diferencial para se tornar um imperativo de sustentabilidade dos negócios no
longo prazo.
Diversas pesquisas mostram que os consumidores estão cada vez mais interessados em saber
sobre os esforços de responsabilidade social de suas marcas ou empresas preferidas. Um levan-
tamento realizado nos Estados Unidos, em 2019, pela empresa de pesquisa de mercado Certus
Insights, revelou que 70% dos consumidores entrevistados querem saber o que as marcas que
apoiam estão fazendo para resolver questões sociais e ambientais1. Além disso, na hora de com-
prar algo, 46% de todos os consumidores (e 51% da geração Y) dizem prestar muita atenção aos
esforços de uma empresa para ser socialmente responsável. Apenas 17% não dão muita aten-
ção a esse tema. Outra pesquisa, realizada globalmente em 2017, pela empresa de análise de
dados Nielsen, apontou que 67% das pessoas preferem trabalhar em companhias socialmente
1 https://certusinsights.com/consumer-expect-the-brands-they-support-to-be-socially-responsible/. Acesso
em 10/11/2021
304
responsáveis. Os dois levantamentos mostram que ser uma empresa cidadã é crucial tanto
para conquistar a fidelidade dos clientes quanto para atrair e motivar funcionários. Afinal, as
pessoas querem manter relacionamento com empresas que, de alguma forma, consigam re-
fletir seus próprios princípios e valores.
Essa percepção talvez nunca esteve tão forte como agora, quando a pandemia do novo corona-
vírus provocou desemprego, diminuiu a renda das pessoas e aumentou a necessidade de ajuda
às famílias mais vulneráveis. No banco BV, desde o início traçamos três objetivos para nossa
atuação durante a pandemia: preservar a vida dos nossos colaboradores, familiares e parceiros,
com uma série de ações em prol de sua saúde; atender e entender nossos clientes e buscar as
melhores alternativas para eles; e gerar impacto positivo para a sociedade, pensando nas pes-
soas que foram mais atingidas pela crise.
Para garantir a segurança dos colaboradores, adotamos o trabalho remoto em larga escala, alia-
da a uma série de práticas e benefícios para garantir a saúde mental e física das nossas pessoas
e de suas famílias, como a parceria com o Hospital Sírio-Libanês e o programa BV Acolhe. Um
canal exclusivo de atendimento, com uma equipe multidisciplinar de psicólogos, nutricionistas,
consultores financeiros e jurídicos, assistentes sociais, entre outros profissionais, estava a postos
para atender às demandas dos colaboradores.
Outra frente de atuação foi direcionada aos clientes, que ganharam prazos mais flexíveis de
pagamento e refinanciamento. O banco concedeu dois meses de carência nos empréstimos,
sem a cobrança de juros adicionais. A oferta teve a adesão de um quarto dos 3,3 milhões de
clientes do varejo, aliviando a situação de muita gente nos momentos mais difíceis. Além disso,
abrimos uma linha de crédito a preço de custo no valor total de R$50 milhões para fornecedores
de equipamentos e serviços hospitalares essenciais.
305
alimentos de agricultura familiar, em parceria com o Banco do Brasil. Outra iniciativa importan-
te foi o Programa de Recuperação Econômica de Pequenos Negócios de Empreendedores(as)
Negros(as), em parceria com o Fundo Baobá.
As ações iniciadas na primeira onda da pandemia tiveram sequência em 2021, quando lança-
mos mais uma fase da campanha de doação. Desta vez, o BV doou R$ 500 mil e arrecadou um
total de R$ 830 mil. Esse recurso foi utilizado para a distribuição de cartões-alimentação que
beneficiaram diversos projetos, como os do Instituto Baccarelli, CUFA, Gerando Falcões, Institu-
to Reação e Aldeias Infantis SOS Brasil.
ALÉM DA PANDEMIA
Além do estímulo ao esporte, outro foco das iniciativas sociais do BV é a educação. Desde 2017,
o BV apoia a PVE (Parceria pela Valorização da Educação), um dos principais programas para
melhoria da educação pública no país. O objetivo da PVE é melhorar a educação municipal,
atuando em três frentes: gestão educacional, gestão escolar e mobilização social. Em 2020, o
BV destinou R$375 mil aos projetos ligados ao programa, que é coordenado pelo Instituto Voto-
rantim. Mais de 387 mil alunos foram impactados e mais de 1.900 escolas beneficiadas pela PVE
em cinco estados e 75 municípios.
Outra iniciativa que vai contribuir para a educação de jovens de famílias vulneráveis, e ao mes-
mo tempo promover sua inclusão social, é a parceria que o BV fechou no fim de 2020 com a
organização social Gerando Falcões. Batizado de 360° Social, o projeto destinará recursos no
total de R$2,6 milhões para promover o acesso ao mercado de trabalho, à internet e à educação
de 16 mil pessoas de periferia de todo o Brasil, com um investimento total de R$2,6 milhões.
Como se vê, são diversas as iniciativas do BV na área social para ajudar pessoas em situação de
vulnerabilidade. Para ampliar seus efeitos, esses projetos deixaram de ser ações isoladas e pas-
saram a fazer parte do planejamento estratégico do banco. Como parte do amadurecimento de
306
sua atuação responsável, o BV anunciou, em maio de 2021, os seus “Compromissos 2030 para
um futuro mais leve”. A ideia é contribuir cada vez mais para os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável, iniciativa da ONU da qual o banco é signatário.
Várias iniciativas foram lançadas para ampliar a agenda de diversidade e inclusão do banco.
Sabemos, por exemplo, que a pandemia atingiu mais fortemente as mulheres e muitas perde-
ram seus empregos. Por isso, lançamos projetos como o Lugar de Mãe é no BV, com o propósito
de dar oportunidade para que mães afastadas do mercado de trabalho possam ocupar cargos
de especialista ou liderança no banco. O processo de seleção e recrutamento leva em conta a
realidade dessas mulheres e seus momentos de carreira.
Outra iniciativa importante é o BV a Bordo, que estimula a parentalidade ativa desde o pré-nas-
cimento ou adoção até o retorno ao trabalho. O programa também amplia o período de licença
familiar para até 180 dias, com o objetivo de promover maior equidade de gênero e de apoiar os
direitos LGBTI+. Para fomentar ainda mais a inclusão, treinamos 100% de nossa liderança sobre
vieses inconscientes e diversidade na prática. Além disso, o BV é signatário do Fórum de Empre-
sas e Direitos LGBTI+ e da Rede Empresarial de Inclusão Social (REIS). Fomos aprovados como
membros da ONU Mulheres e estamos aderindo, em novembro, ao fórum Iniciativa Empresarial
pela Igualdade Racial.
Com essas e outras iniciativas, temos conquistado elevados índices de satisfação dos nossos
colaboradores. Segundo o Glassdoor, site que permite a avaliação de empresas por seus fun-
cionários, o BV é a quinta companhia mais amada do Brasil e a primeira entre os bancos. Outra
pesquisa, do Great Place to Work, apontou que 98% dos colaboradores concordam com a se-
guinte frase: “As pessoas aqui são bem tratadas, independentemente de sua cor, etnia, gênero
ou orientação sexual”. São dados que mostram que estamos no caminho certo, mas estamos
cientes de que ainda há muito o que fazer.
307
ANA PAULA TARCIA
308
O desafio da equidade racial
nas empresas
ENTREVISTA COM MAURÍCIO PESTANA CEO DO FÓRUM BRASIL DIVERSO, CEO DA
REVISTA RAÇA E CONSULTOR EM DIVERSIDADE E INCLUSÃO DE GRANDES EMPRESAS
Eu vou dirigir a sua pergunta para um foco mais global que eu tenho observado. Eu sempre men-
ciono os três motivos principais aos quais as empresas precisam estar atentas para investirem
nessa demanda. A diversidade e a igualdade criam uma sociedade mais justa, plural, igualitária
e conseguem resolver algumas questões profundas e antigas que se confundem com questões
básicas da humanidade como, por exemplo, ter uma distribuição melhor de tudo aquilo que pro-
duzimos. Essa é uma primeira grande razão para trazer as pessoas para mais perto.
A segunda questão é o lucro. Manter uma empresa moderna e plugada com o momento, com
as pessoas – hoje a informação corre muito rapidamente – com os clientes. Ter uma relação
mais próximas com as empresas, com o produto, com quem produz, não é mais uma via de
cima para baixo na qual meia dúzia de pessoas decidem sobre o que será consumido. São as
pessoas – os consumidores – que decidem hoje qual produto, qual serviço e com quem elas
querem consumir. E a partir do momento em que há diversidade na sua empresa, perto da
cultura da empresa, você obtém uma espécie de pesquisa real time diretamente junto a esse
309
público sobre o que você está produzindo. Porque se você está produzindo um serviço ou
produto para alguém, é ótimo que esse alguém esteja próximo de você para você saber como
ele pensa, ao contrário de pensar por ele como a maioria das empresas fez no século passado
(diria que quase a totalidade das empresas). Hoje, as empresas modernas sabem que preci-
sam ter esse relacionamento mais próximo com o público e com o consumidor.
A terceira questão é mais crítica e acontece quando as pessoas consomem seu produto, mas
você não está próximo a elas e elas descobrem, percebem isso. Hoje, com as redes sociais, de
uma hora para outra uma empresa pode cair na lista das empresas que não estão atentas ao
consumidor. Com um olhar para essas três questões, é possível adicionar uma quarta questão,
fortemente conectada à pauta do ESG. A questão da raça e da diversidade no Brasil. O conceito
de ESG e a forma como foi concebido e pensado têm muito a ver com os Estados Unidos e o
velho mundo. Aqui no Brasil a questão da raça se trata de uma pauta de forte caráter social.
E talvez tenhamos esse viés porque o Brasil é um dos países mais multirraciais do mundo. Os
Estados Unidos, por exemplo, que têm uma população negra considerável, possuem um olhar
principalmente econômico. Houve e há investimentos para o tratamento dessa classe econô-
mica e social de negros. Hoje, a classe média negra é significativa no país e possui uma repre-
sentatividade muito forte, embora representando somente 13% da população americana. O PIB
produzido por ela é maior que o PIB da Rússia, ou o próprio PIB brasileiro, e tem uma importân-
cia estratégica grande.
Já o Brasil possui a maior população negra em um país fora da África (só perde para a Nigéria),
mas economicamente possui uma classe média negra pequena e, por conta do racismo, pre-
conceito e discriminação, essa enorme população negra é desprovida de alguns direitos eco-
nômicos, sociais e políticos, existe uma demanda ainda reprimida. Com mais investimentos
em educação, cultura e saúde dos negros, poderíamos dar um salto histórico para o mundo,
mostrar como um país, com essa população extremamente diversa pode dar muito certo por-
que algumas questões já foram resolvidas. Aqui no Brasil não existe um ranço histórico entre
negros e brancos. Apesar de a escravidão ter sido tão perversa quanto na América do Norte
ou em qualquer outro lugar, não saímos da escravidão diante de uma guerra civil. O ESG pode
ajudar muito a construir essa nação dos sonhos, do futuro.
Como estabelecer uma pauta ESG em uma empresa que ainda não possui programas de
estímulo à diversidade e como fortalecer essa pauta em um segundo momento, em relação
à questão racial?
Vou falar como ativista do movimento negro no Brasil e considerar nossas principais conquis-
tas realizadas até agora. Sabíamos que havia uma desigualdade muito grande em relação a
brancos e negros na área da educação. Logo, o que nos inspirou e fez ir para as ruas e reivindi-
car políticas públicas para o setor público brasileiro foi a temática das cotas nas universidades,
muito combatida à época. Falava-se que não dava para saber quem era negro e quem era
branco, que as cotas iam provocar briga nas universidades e reduzir a qualidade do ensino.
Eu acompanhei tudo muito de perto e fui um dos primeiros a fazer cartazes para defender as
cotas naquele momento. Dez anos depois, descobriu-se que as cotas melhoraram as univer-
sidades, que não houve todo aquele atrito temido, que os cotistas não reduziram a qualidade
do ensino, que mais diversidade melhora o ensino e traz outras realidades para as salas de
310
aula. O cotista, dez anos depois, obteve avaliações iguais ou melhores do que aquele que não
era cotista. Foi bom falar sobre cotas e outras experiências? Sim, foi ótimo.
Mas o que percebo hoje é que há uma tentativa de colocar pessoas negras no sistema, nas
empresas, por pressa, pela exigência que existe para se fazer alguma coisa e aí a ideia é fazer
como nas empresas americanas, porque elas têm muitas coisas positivas. Porém, quando va-
mos falar sobre igualdade e diversidade no mercado de trabalho do Brasil, tem que levar em
consideração a questão racial existente, que difere dos Estados Unidos. Não dá para falar ‘vou
implantar logo 20% ou 30%’ de pessoas negras. É preciso entender a diversidade no local em
que você está instalado. Imagine falar de cara ‘vou colocar 20% de negros nessa empresa’ em
uma cidade do interior de Santa Catarina – estou usando esse exemplo somente para ilustrar
um local tradicionalmente colonizado por alemães, onde talvez essa não seja uma meta ade-
quada. Primeiro, a empresa tem que encarar a sua realidade, a realidade local, na sua cidade,
no seu estado e no Brasil, um país multirracial e continental. Mas como é que você vai fazer a
mesma coisa (‘colocar 20% de negros’) em uma cidade com 82% de negros como Salvador?
Sim, do ponto de vista empresarial é interessante haver um parâmetro a ser seguido de modo
geral, mas é preciso considerar o contexto e é hora de rever um pouco como fazemos tudo
isso. Eu tenho dito com frequência que a gente olha muito para as políticas de razões afirma-
tivas existentes nos Estados Unidos, e com razão, porque lá deu um certo resultado, mas de-
vemos olhar também as ações afirmativas da África do sul, por exemplo, um país de maioria
negra, como o Brasil, que pode demonstrar algumas políticas especificas e para as quais as
empresas precisam estar atentas.
E indo do todo para a parte, com a pressão externa agora imposta pela pauta ESG no país,
as empresas têm feito diferença alcançando resultados mais amplos?
O todo é feito pelos pequenos exemplos juntos e algumas empresas estão mais avançadas que
outras. Esse é um ponto. Há uma evolução, sim, independentemente se é pequena ou média.
O Fórum Brasil Diverso vai fazer 8 anos de existência no ano que vem e há oito anos, quando
comecei, eu consegui só meia dúzia de empresas brasileiras que olhassem para a questão racial
– a realidade era a mesma: exclusão. A gente não se via nas diretorias, nos conselhos, tudo que
hoje está jogado para o lado de fora, depois do George Floyd. As pessoas hoje resolveram ver
que a gente é um país racista, mas eu estou nessa luta há quase quarenta anos e isso sempre foi
assim. O racismo não surgiu depois do George Floyd, o racismo surgiu há 500 anos. Entretanto,
só o fato de hoje as empresas terem essa preocupação já é um avanço. Não tenho absoluta-
mente dúvidas de que se, nos últimos 3 ou 4 anos, avançamos 300% ou 400% nessas questões;
nos próximos 5 anos esse aumento vai continuar e daqui 10 anos a realidade vai ser muito dife-
rente dessa. Então, sim, nós temos avanços muito significativos que foram conquistados com
debate, porque só resolvemos qualquer tipo de problema com o debate, colocando o problema
na rua, acenando que você tem um problema.
311
Você trouxe a questão de que o consumidor está avaliando a empresa pela forma como
ela lida com a diversidade e eu preciso ter na minha empresa uma representação do meu
público externo. Como levar esse racional que está no alto da direção, na liderança da em-
presa, para cada um dos funcionários que está na ponta, ali de frente com o cliente? Como
tratar o racismo que está na base?
É um problema que tem que ser olhado por vários ângulos. A empresa é uma célula. Ela é feita
de pessoas que vêm da sociedade e as pessoas não mudam para entrar na empresa, sejam co-
laboradores ou consumidores. Então elas vão para dentro da empresa com seus preconceitos,
seus racismos, suas discriminações, suas frustrações. Elas levam isso para a empresa. Estou há
um ano fazendo consultorias em empresas que têm mais de cem mil funcionários e que lidam
com mais de um milhão de pessoas por mês. A possibilidade de algum destes cem mil colabo-
radores fazerem atos de racismo é muito grande, e de receberem também.
A primeira coisa que a empresa tem que ter consciência é que ela não vai resolver esse proble-
ma da noite para o dia. E eu percebo que todo mundo está buscando uma fórmula. Olha, não
existe fórmula, o que existe é um problema criado pelo Estado e acentuado por todo esse siste-
ma estrutural que a gente criou, que tem mais de cem anos e que não vai ser desmontado da
noite para o dia. E o segundo ponto é que você vai enfrentar um problema que não é fácil e que
tem vieses inconscientes. Hoje, já encontro pessoas na fase dois. Algumas pessoas constatam:
‘espera aí um pouquinho, se eu continuar trabalhando desse jeito eu vou perder meu emprego’.
Esse já é um viés consciente que ninguém está debatendo. Portanto, a empresa precisa de um
discurso mais humanizado, um discurso de construção que tem que ser mais profundo, que
toque mais profundamente o cara que está ali numa crise sem precedentes nesse país, com de-
semprego sem precedentes e pensa: ‘por que eu vou começar a trabalhar para melhorar a vida
para o outro?’ Porque o outro que está ali é o excluído e o excluído não está dentro da empresa.
Lá em cima, é preciso mostrar que ele minimamente tem que vir, subir, crescer, ocupar cargos
de liderança, e o dilema é como colocar isso dentro da corporação? É preciso mexer com essa
questão de modo mais profundo do que somente números de colaboradores. É uma mudança
que tem que ser de comportamento, de cultura, de educação, de filosofia, do que eu quero
para ao mundo. Eu vou ser cobrado pelo meu cliente e vou ser cobrado pelo meu filho. Se não
for cobrado pelo meu filho, vou ser cobrado pelo meu neto. E se eu não for cobrado pelo meu
neto, talvez em uma determinada hora estarei em uma esquina e eu vou ser cobrado por al-
guém com uma arma na mão e eu não vou entender o porquê. Isso é importante.
E qual a resposta? O que a gente diz para esse colaborador que tem medo de ser excluído,
como trabalhar essa questão, a cultura interna na empresa? O que você tem presenciado
que deu certo?
Enquanto você tiver um país extremamente desigual, extremamente racista, ninguém está se-
guro. Aí eu mexo com a sua segurança. Ninguém está bem. E aí o que você prefere? Dar um
pouco e ajudar ou viver nisso que a gente vive? Porque a gente vive em um país extremamente
desigual, uma das maiores desigualdades do mundo e a desigualdade aqui tem cor, a desi-
gualdade aqui gera tensões, gera conflitos, gera uma guerra que já existe, mas não é declarada.
Acho que esse é um argumento forte que deve ser trabalhado.
312
Falando sobre o viés inconsciente e o viés consciente. Em uma sociedade de aproximada-
mente 60% de negros, temos um fenômeno estranho que é o racismo de negros em rela-
ção a negros. Talvez seja tarde demais para levar a discussão do viés inconsciente para as
empresas porque as pessoas que estão lá já passaram 20 anos das suas vidas reforçando
vieses conscientes e inconscientes de racismo. Como mudar isso na origem? Outras na-
ções trabalharam isso?
Eu acho que nós estamos de certa forma na origem, já começamos a mexer nisso. O jovem que
está aí hoje tem uma outra forma de pensar, uma outra consciência, inclusive uma concepção
racial diferente do pai. Seu neto, que vai lhe cobrar isso, vai nascer em outro universo no qual a
disputa vai ser feita de outra forma, sem as questões veladas ou discriminações e racismos que
se instauraram no século XX.
Se a desigualdade continuar, você pode ser cobrado em uma esquina, parado em seu car-
ro, e aí aquele cara sobre o qual você não pensou, um marginal, pode te dar um tiro ou te
sequestrar. É essa a sociedade que a gente não quer, essa sociedade formada no período
pós-escravidão. Quando você fala a respeito do negro que discrimina o próprio negro, te-
mos que explicar que uma coisa é ser racista outra coisa é discriminar, porque o racismo
faz parte de um sistema de poder. Como nós negros não temos poder, nós não temos uma
empresa só de negros que discriminem negros, porque a gente não tem empresa, não pode
nomear um ministro do Governo Federal negro porque nós não somos presidente da repú-
blica, e também não temos sistema judiciário para colocar um cara na Suprema Corte. O
racismo é um sistema de poder.
O negro pode ser sim, até por conta de toda essa exclusão, levado a discriminar o próprio ne-
gro, numa sociedade na qual o todo discrimina esse negro e pode até ser levado a discriminar
o branco também, mas se trata principalmente de casos isolados que não mudam o sistema
de modo geral, que segue branco, racista e excludente.
Sobre as oportunidades para os negros das lideranças das empresas, ouvimos relatos de
situações complexas de armadilhas intencionais e desafios que o profissional negro en-
frenta e que podem ser maiores do que os profissionais brancos para chegar a posições de
liderança. Como as empresas estão se tornando mais inclusivas e que recomendações você
faz para criarem e darem oportunidades iguais, como ser justo sabendo que muitas vezes
é preciso criar oportunidades especiais para a quebra desse paradigma?
313
flexibilizar não significa facilitar, mas é necessário entender que não será possível exigir critérios
comuns aplicáveis a todos o tempo todo.
Qual seria o caminho, investir ainda mais na busca do profissional adequado ou na forma-
ção desse profissional para cargos de liderança e conselhos nas empresas? Ou em ambas
alternativas?
Eu vou dar um outro exemplo. Fui conselheiro do Museu Afro do Brasil e uma das minhas ta-
refas era tentar criar um ambiente para que os negros frequentassem o museu. O museu fica
no meio do Parque Ibirapuera, e se existe alguma coisa que é muito distante da comunidade
de negros é o Parque do Ibirapuera, um lugar que não é na periferia, é difícil chegar lá. E não se
trata somente do ambiente desse museu, mas é o ambiente de museus, de galerias. Existe todo
um processo de construção no qual esse cara não se sente parte porque nunca fez parte daqui-
lo. Se não houver a consciência de que esses fatores precisam ser trabalhados, esses ambientes
seguirão se propagando como ambientes brancos.
Estamos vendo no mundo digital que a empresa percebeu que tem que sair de dentro
dela e olhar para fora, preparar o profissional. Você recomenda isso como ação? Ou seja, a
empresa deve investir em mentoring, bolsas de estudos e educação para jovens talentosos
negros? Essa é uma recomendação que você faria para empresas de modo geral?
Sem a menor sombra de dúvida, não tem outro caminho em um país como o Brasil, onde, prin-
cipalmente no setor público, não se investe nada e há um hiato educacional gigantesco. Uma
das saídas é o investimento privado. A desigualdade ao longo do século XX gerou esse abismo
muito grande e só iremos reduzi-lo considerando essa uma tarefa de toda a sociedade. Durante
muito tempo, a gente achou que fosse responsabilidade do governo, que não fez absolutamen-
te nada. Hoje, essa responsabilidade está recaindo sobre a empresa. Alguns setores, como o da
tecnologia, possuem um problema sério de falta de profissionais, independentemente da cor
da pele, e investimento pode ajudar a reduzir essa desigualdade.
314
A execução de um diagnóstico se dá também por meio da escuta dos stakeholders para
que seja possível saber onde e como atuar. As empresas têm feito essa escuta de maneira
eficiente? De modo geral, elas têm percebido onde é preciso atuar ou ainda estão longe de
um ponto considerado ideal para geração de transformação?
Eu acho que elas têm escutado. Eu sou otimista por um lado e pessimista por outro, porque eu
digo para as empresas que elas sabem que não há outra saída, elas têm um problema que tem
que ser encarado e resolvido. A perspectiva é que existe uma questão do ponto de vista econô-
mico que no fim do dia vai chegar. Algumas empresas que começaram a tratar essa questão
10, 15 anos atrás, estão na dianteira. Outras que começaram há um ano sabem o tempo que
perderam e o quanto ainda precisam avançar. Muitas não têm consciência, mas como estão
dentro de um ecossistema e veem outras empresas, se perguntam: ‘mas como é que tal em-
presa está resolvendo isso?’ Está resolvendo porque saiu na frente. A corrida está se acelerando
porque está vindo aí uma geração de consumidores na qual a exigência vai ser muito maior e
diversidade vai se tratar de uma questão de sobrevivência para essas empresas. As que não es-
tiverem preparadas e antenadas a tudo que a gente está falando aqui podem até desaparecer.
Além da pressão dos consumidores, qual outro argumento pode ser usado junto ao CEO e à
liderança das organizações que ainda não alcançaram esse nível de consciência a respeito
da diversidade?
De uma forma mais ampla, existe um mundo que sempre foi diverso, porém hoje está cada
vez mais diverso. No século XX, as empresas se espelhavam e se estruturavam naquele padrão
americano, no qual o presidente era branco, a direção era branca, os executivos eram pessoas
de 50 anos de idade. Vamos pensar em termos de economia global e considerar um exemplo,
o da China. Que não é branca, não é velha e não é americana. É amarela e não está nem um
pouco preocupada com esses vieses.
315
MAURICIO PESTANA
316
Como promover a diversidade
LGBTI+ nas empresas?
ENTREVISTA COM MARCIO ORLANDI, CEO DO PRIDE BANK
Nesta entrevista, realizada pela Stephania Guimarães e Carlos Arruda, da Fundação Dom Ca-
bral, Marcio Orlandi CEO, do Pride Bank, apresenta o primeiro banco digital do mundo voltado
à comunidade LGBTI+ e compartilha sua experiência como empreendedor e executivo e as
dificuldades experimentadas pelas empresas quando se propõem a promover a integração e
diversidade LGBTI+. Segundo Marcio, estima-se que, no Brasil, aproximadamente 20 milhões de
pessoas se identificam como lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexo e outras
identidades de gênero ou orientações sexuais. Apesar de representar uma parcela significativa
da população brasileira, poucas empresas têm práticas e iniciativas relevantes que de fato pro-
movam a integração e o desenvolvimento destes profissionais.
Stephania: Temos escutado muito sobre diversidade. Empresas com o primeiro projeto de
trainees só para negros; o movimento Black Money promovendo a diversidade dos negros;
e outros movimentos em prol do feminino; a importância de se colocar mais mulheres em
posição de liderança e no conselho das empresas. O que tem sido feito, o que você vê acon-
tecendo para a comunidade LGBTQI+?
Marcio: Eu acho importante contar uma história antes. Eu tenho o Pride Bank como o meu
principal foco de trabalho hoje em dia, que é um banco digital focado na comunidade, e que,
portanto, tem o desafio de ser talvez a empresa mais inclusiva para a comunidade LGBTI+ que
existe no Brasil, mas a minha história com o mundo corporativo começou por meio do Cane-
ca na Mesa. Eu sou um dos cofundadores de um coletivo chamado Caneca na Mesa1. Ele tem
esse nome porque o nosso símbolo é justamente uma caneca com um arco-íris desenhado, e a
pergunta que fazemos para as pessoas é: “Você usaria esta caneca na sua mesa de trabalho?”.
Quando a pessoa responde “não, eu não usaria”, procuramos entender o que causa essa atitude
que pode prejudicar toda uma comunidade.
1 https://www.facebook.com/canecanamesa/
317
A ideia do Caneca na Mesa começou com o Mauro Shira, que trabalha com diversidade e
inclusão auxiliando muitas empresas que querem criar programas de inclusão, programas
de diversidade e de promover a diversidade internamente. Ele conta que, quando traba-
lhou na Europa, encontrou um ambiente muito mais propício, o qual o permitiu assumir
a sua orientação sexual no seu local de trabalho. Na sua experiência, isso fez com que ele
se desenvolvesse profissionalmente muito mais. De volta ao Brasil, ele resolveu adotar a
mesma atitude. Ele foi um exemplo para mim no sentido de assumir a minha própria orien-
tação sexual.
Com a criação da consultoria, Mauro Shira começou a criar projetos para empresas que que-
riam e querem implantar programas de diversidade e inclusão, e o que ele percebeu? Que ha-
via pessoas que não se sentiam confortáveis em assumir sua orientação sexual, alegando que
poderiam sofrer preconceito de seus pares ou até mesmo de seus gestores.
Outra preocupação que temos é que algumas empresas estão fazendo projetos de diversidade
e inclusão como uma estratégia de marketing. Fazendo ações em datas que chamam a aten-
ção para as causas de igualdade de gênero, mas única e exclusivamente pelo marketing. Mas
já ultrapassamos este momento do uso de marketing, seja, por exemplo, uma participação em
uma parada, ou pintar o logo da marca de arco-íris. Queremos estar incluídos no dia a dia das
organizações.
O Caneca na Mesa nasceu com encontros mensais que eram encontros presenciais e que agora
são encontros online. Com este formato, pudemos ter participação de gente do Brasil inteiro.
A ideia é que seja um grupo de troca de experiências, de troca de apoio. Temos pessoas em
diferentes momentos de sua trajetória profissional e pessoal e que enfrentam obstáculos no
ambiente de trabalho e passam por processos de contratação que são inadequados e injustos,
e claramente despreparados para atender essa população LGBTI+. São pessoas que, muitas ve-
zes, não assumem sua orientação sexual por medo de perder o emprego ou até mesmo de não
ter o contrato de trabalho efetivado.
Diante desta realidade, o Caneca na Mesa também serve como networking. Nós temos um
grupo de WhatsApp, grupo de Facebook e outras formas de comunicação fora do período de
reunião onde a gente se integra. “Estou sabendo de uma vaga. Quem se interessa?” ou “Alguém
sabe como eu deveria resolver essa situação no trabalho?”; “Estou passando por uma situação
complicada. Como é que eu posso agir com o meu chefe? Como é que eu devo falar?”. Dúvidas
como “Estou fazendo entrevista de emprego. Será que eu devo contar já na entrevista que sou
lésbica?”, ou “que sou trans?”, ou coisa parecida. Hoje em dia, já passaram centenas de pessoas
pelo Caneca na Mesa. Acho que o nosso grupo de WhatsApp, hoje, deve ter de 70 a 100 pessoas.
O legal é que é um grupo ativo. A gente conversa, a gente bate papo. Apareceu uma nota no
jornal “a empresa tal está começando o processo de seleção baseado nisso e aquilo”, a gente
discute e comenta. Essa minha participação no Caneca na Mesa fez com que eu entendesse
mais o que está acontecendo no mercado, além, obviamente, do que eu vivo, do que eu faço e
do que eu pretendo fazer com o Pride Bank.
318
Stephania: Eu vi que você usou a sigla LGBTI+ e não LGBTQI+. Há diferença?
Marcio: Todas são válidas, todas estão certas. É que eu sigo a orientação da Aliança Nacional
LGBTI2 que fala para usar LGBTI+. A sigla aqui no Brasil começou como GLS, lá na década de 80,
90, que foi criada por André Fischer, mas ela era muito excludente. Com isso, criou-se o GLBT,
que era gays, lésbicas, bissexuais e transexuais; isso no mundo inteiro, GLBT. Depois de um
tempo, resolveu-se inverter GLBT por LGBT, porque a causa das mulheres lésbicas deveria vir
primeiro, talvez por uma questão de prioridade, etc. Isso mudou até a ordem de como as coisas
acontecem nas paradas no mundo. A parada de São Francisco, por exemplo, é aberta por 500
mulheres lésbicas andando de Harley-Davidson, que são as Dykes On Bikes. A sigla se tornou
LGBT, que é lésbica, gay, bissexual e transexual – transexual ou transgênero, como quiser falar. O
mais correto hoje é transgênero do que transexual, porque não é uma questão de sexualidade;
é uma questão de gênero realmente. A palavra travesti, no Brasil, por exemplo, sempre foi colo-
cada de forma muito pejorativa, ligada à criminalidade. Essa colocação deve ser revista, e uma
maneira é as pessoas se apropriarem de forma positiva da palavra. Hoje, é possível ver mulheres
trans profissionais no seu trabalho, diretoras de empresas, etc. que falam “eu sou uma travesti”
como forma de tirar o estigma social da palavra. A discussão neste momento é justamente se
põe o Q, se põe o I, se põe o A, A+, nessa sigla. Lembrando que a sigla já é LGBTI+ para que o mais
signifique o que mais tiver de letras. Existe um manual chamado Manual de Comunicação LGB-
TI+3. Ele é muito bom e explica muitos termos. Você vai ver muita gente falando LGBTQIA, muita
gente que fala LGBTQI e muita gente que fala LGBTI. Eu resolvi adotar a orientação da Aliança
Nacional porque tem uma série de ONGs juntas que trabalharam, estudaram e resolveram usar
essa, ou pelo menos tem um porquê eu usar essa, e não só a minha vontade.
Carlos: Marcio, você falou no início que o desafio é que algumas pessoas têm preconceitos
explícitos e algumas pessoas têm preconceitos não muito explícitos. Como é que você está
vendo as empresas lidarem com esse preconceito implícito, muitas vezes não percebido
por alguém que esteja agindo de maneira preconceituosa.
Marcio: Essa é uma boa discussão. Na verdade, você pode dizer muitas vezes que “eu não per-
cebi que eu fui preconceituoso em alguma ação, em alguma coisa”, mas se a gente for lembrar
do passado, as piadas que a gente podia fazer ou que a gente fazia no trabalho - “vou contar a
piada do preto”, “eu vou contar a piada disso” ou da “loira burra” - você podia dizer: “Brincar com
a loira burra é legal, é engraçado, é divertido”. Eu conheci milhões de piadas de loira burra, mas
a verdade é que nunca foi correto fazer esse tipo de piada, porque você está reduzindo aquela
pessoa a um estereótipo. É um ponto discutível. Óbvio que ninguém quer ofender, mas a gente
tem que começar a entender mais e mais que certas ações e posturas que eram aceitáveis so-
cialmente não são mais, que elas não são legais de fazer, nunca foram, só que agora as pessoas
têm voz para dizer que não é legal fazer aquilo. Eu já vivi isso e eu já fiz isso. Estou contando um
pouco da minha história. Eu sou um homem gay de 51 anos de idade. Até os 42, eu era casado
com a minha ex-esposa. Então eu vivi uma vida hétero até os 42 anos de idade, completa em
2 https://aliancalgbti.org.br/
3 https://www.grupodignidade.org.br/wp-content/uploads/2018/05/manual-comunicacao-LGBTI.pdf. Acesso
em 11/11/2021
319
todos os sentidos. Só não tive filhos porque minha mulher nunca quis. A vida dela sempre foi
muito focada em carreira.
O casamento acabou no final de 2012 por diferenças, por uma série de coisas, por distanciamen-
to, e aquele momento em que terminou eu tirei o meu período de reflexão e eu sempre soube
- verdade seja dita - que tinha atração por homens; eu nunca tinha agido, não tinha coragem
de agir. Quando você se vê com 42 para 43 anos de idade, sem dever nada a ninguém, solteiro,
você fala: “Eu vou experimentar. Não devo nada a ninguém, faço o que eu quiser. Tenho o meu
dinheiro, tenho a minha casa, tenho a minha vida”. Passei um período grande (dois anos) dentro
do armário, me escondendo no trabalho, me escondendo da família, me escondendo de um
monte de gente, até que eu tive coragem de contar, e passei por dificuldades quando assumi.
Mas por que que eu estou contando isso? Porque eu, nessa minha vida hétero, do passado, fiz
esse tipo de piada: chegavam para mim e falavam: “Fulano, acho que é gay. Eu falava: “Contanto
que ele não dê em cima de mim, está bom”. Não é legal você fazer esse tipo de piada. Eu fiz na
base da brincadeira, não fiz com intenção de magoar ninguém, só que, de repente, você está
falando - aí vem o ponto - no meio em que você está fazendo essa piada tem uma outra pessoa
gay não assumida . Vamos lembrar. Quando você fala de racismo ou quando você fala de ma-
chismo, se tem uma mulher presente, você não vai fazer uma piada machista porque é óbvio
reconhecer a mulher. Então, vamos dizer, talvez seja mais fácil não cometer gafes, mas é tão
errado quanto cometer uma gafe de fato; você é machista. Como a questão do racismo. Você
não vai fazer uma piada racista entre três amigos brancos se tem um negro junto. Agora, no
caso de um gay, pode acontecer, e isso fica mais difícil porque ataca mais ainda aquela pessoa
que está ali, de forma implícita.
Na minha opinião, toda empresa que quer se posicionar deveria ter uma política clara de di-
versidade e inclusão, dizendo abertamente que colaboradores que tiverem uma conduta pre-
conceituosa ou racista serão advertidas ou terão seu contrato de trabalho com a organização
rompido. Acredito que toda empresa deve ter uma Política de Diversidade, diversidade de um
modo amplo (cor, raça, sexualidade, religião, seja o que for, gênero); acho isso extremamente
importante.
Marcio: Eu acho que primeiro por conversas internas. Eu acho que para você dizer hoje em dia
que uma empresa está comprometida com a diversidade, ela tem que ter políticas claras, re-
gras muito claras de como vai tratar esse assunto. Ela tem que ter programas de crescimento
para a diversidade, incluindo todas as diversidades. Você tem que ver claramente que as pes-
soas que representam a diversidade estão galgando níveis mais altos na empresa.
Precisa ter também um posicionamento muito claro; ter uma liderança presente, além de po-
líticas, etc. e ao mesmo tempo o posicionamento tem que estar em todo lugar . Você tem que
criar a semana da diversidade, semana do negro, semana da mulher. Você tem que trazer essa
conversa e reforçá-la, na medida do possível, para que ela aconteça entre todos da empresa e
não só em grupos isolados. Na minha opinião, semanas de diversidade são as melhores ações
que as grandes empresas fazem para que essa conversa aconteça. Eu sou muito convidado
para participar da semana da diversidade da Bauducco, da IBM, etc., e eu vou com um prazer
320
enorme falar um pouco, contar a minha vida, contar a minha história, justamente porque eu
acho que isso ajuda a abrir mentes. Eu acho que é meu papel. Seja pelo Pride Bank, seja pelo
Caneca na Mesa, seja pelo Marcio pessoa, eu quero muito abrir a cabeça de todas as pessoas,
fazer com que elas pensem e reflitam. Eu brinco que eu tinha um lema diário, que era “educar
um hétero por dia”, “provocar um hétero por dia”, fazer com que uma pessoa hétera por dia vol-
te com algo para refletir em casa, mas cheguei à conclusão de que tem muito gay homofóbico
também.
Voltando na tua pergunta, por onde uma empresa pode começar, existem vários caminhos,
mas talvez o mais adotado dentro do universo dos consultores de diversidade seja, justamente,
primeiro: estabelecer comitês que vão falar sobre aquele assunto, tentar provocar um pouco
a discussão “o que falta na empresa para que mulheres cresçam?”, “o que falta na empresa
para que negros possam ir para cargos mais altos?”, “o que falta na empresa para que exista
mais inclusão de mais LGBTs?”. Então a empresa começa a criar políticas. Resumindo: primeiro,
criam-se comitês, depois políticas sempre com apoio da alta liderança. A liderança tem que
dizer: “Isso é importante. Isso é o que vai garantir o futuro desta empresa”. Aliás, talvez até seja
esse o primeiro passo: convencer a liderança de uma organização de que diversidade e inclusão
não são opcionais.
Stephania: Eu penso que esse é um grande desafio. Existem grandes mudanças nas cama-
das da liderança que ainda não conseguimos enxergar agora. O que você diz sobre isso?
Marcio: Eu acho que as grandes empresas, principalmente aquelas que são internacionais –
essa conversa já aconteceu há 10 anos nas suas matrizes e em outros lugares e aqui já está
acontecendo. Vocês me perguntaram um exemplo. Se tem um exemplo de empresa que, na
minha opinião, trata o assunto diversidade de maneira primorosa, é a Accenture. Eu sou ex-Ac-
centure também, mas eu não vivi isso lá, para deixar bem claro; quando eu saí de lá, ela não
era assim. Mas a Accenture para mim é uma empresa invejável no posicionamento que tem
hoje em dia, na forma como trabalha. Eles estão com mais de 30 pessoas trans trabalhando em
consultoria, trabalhando diretamente client facing. Não é que você tenha uma pessoa trans na
recepção. É na linha de frente, no trabalho.
Marcio: O Pride Bank4 nasceu de uma amiga minha, da minha sócia, Maria Fuentes. A Maria
é uma mulher de 62 anos de idade que trabalha há décadas com ONGs e coletivos LGBTs. Ela
sempre foi muito engajada na causa há muito mais tempo do que eu. Ela é homossexual e
sempre trabalhou muito com essa causa; ela percebia que o maior desafio que as ONGs têm,
mas talvez uma ONG LGBT tenha mais ainda, é conseguir apoio e dinheiro. Se você procura em-
presas para conseguir dinheiro e tem uma ONG que cuida de crianças carentes, ou de velhos,
ou de negros, você encontra mais portas abertas para discutir e ainda assim é difícil conseguir
4 https://www.pridebank.com.br/
321
dinheiro. Para o LGBT, é pior ainda, pelo motivo que acabamos de falar anteriormente, pela
quantidade de empresas que querem discutir isso. E ela sempre teve esse incômodo de preci-
sar criar um jeito de gerar dinheiro para causas LGBTI+. Assim, surgiu a ideia de criar um cartão
de crédito que fosse para a comunidade, que a comunidade usasse no dia a dia, e o dinheiro, o
lucro que esse cartão de crédito gerar será repassado para a comunidade. A ideia foi boa, mas
ela mesma não tinha como fazer. A Maria é jornalista, blogueira e contadora, então ela não
tem nenhum conhecimento técnico para desenvolver nada parecido. Ela foi procurar parceiros,
“gente que conhecia gente”, e nessas idas e vindas ela acabou encontrando os nossos outros
sócios e formamos o Digital Banks. A Digital Banks é uma empresa de tecnologia bancária. É
um Open Banking, ou seja, eles conseguem criar todos os serviços de banco para um banco
qualquer digital. Com essa aproximação, fundamos o Pride Bank, que é uma iniciativa de cinco
sócios, três da Digital Banks, a Maria e eu. Nós lançamos, em modo beta, antes da pandemia,
em novembro de 2019. Modo beta significa que só quem tinha convite podia abrir conta. Foi
uma forma segura de começar o negócio. No início, ainda tinham os serviços que não estavam
à disposição e iam demorar alguns meses para serem ligados ao Banco, mas a gente queria
muito essa data de novembro de 2019, para nos marcar como o primeiro banco digital do mun-
do focado na comunidade LGBTI+, não só do Brasil.
Para explicar o Pride Bank, costumo dizer: nós somos uma instituição de produtos e serviços
LGBT que serve à comunidade, mas não de forma exclusiva. Somos abertos para todos e todas,
qualquer pessoa pode abrir conta conosco, mas o nosso foco é na comunidade. No nosso cartão
de crédito você pode colocar o seu nome social como você quiser. Não precisa ter a documen-
tação retificada para dizer “eu me chamo Maria e não Marcio”. Então os produtos e serviços são
sempre pensados em como melhor atender à comunidade como um todo. Do outro lado, 5%
da nossa receita bruta são repassados para o Instituto Pride, que divide para ONGs e coletivos
LGBT; é onde devolvemos para a comunidade 5% da receita bruta, o que representa um volume
significativo de capital. E outro percentual da nossa receita bruta é devolvido para a comunida-
de como um todo, que é através de patrocínio – nós queremos ser os maiores patrocinadores
de cultura, entretenimento e esporte LGBTI+ no Brasil. Eu estou falando de show, música, tea-
tro, cinema, olimpíadas gays, o que for. Em qualquer um desses lugares, eu quero estar com a
marca presente como uma patrocinadora forte e, com isso, avançando na cultura e no entre-
tenimento. Então, em resumo, eu falo que é um triângulo: servir à comunidade como um todo
com produtos e serviços digitais pensados na comunidade; devolver para a comunidade onde
ela mais precisa, nas ONGs e nos coletivos; e devolver para a comunidade como um todo com
cultura, entretenimento e esportes.
322
Stephania: Quais são esses planos futuros?
Marcio: Primeiro, é o crescimento. É óbvio que temos que crescer muito dentro da comunidade.
Para dar números, a comunidade LGBTI+ no Brasil é estimada em 20 milhões de pessoas. Existe
um estudo da All Out5, que é uma consultoria americana que sugere que a comunidade LGBTI+
no Brasil tem um gasto anual de 450 bilhões de reais, ou 150 bilhões de dólares. Se o Pride Bank
tivesse 5% da comunidade LGBT abrindo uma conta, já seria um milhão de pessoas; já seríamos
um unicórnio. Por outro lado, eu acho que temos direito, chance e condições de sermos um
banco legal para muito mais do que 5% da comunidade. Tem muito espaço para crescer. Fa-
zemos o investimento para crescer. E como é que eu cresço? Fazendo propaganda, indo atrás
e trazendo produtos e serviços cada vez mais interessantes. Hoje em dia, temos aqueles três
serviços: conta digital, cartão de crédito pré-pago e maquininhas. Em que eu quero entrar? Eu
quero entrar no cartão de crédito pós-pago, eu quero entrar em investimento, eu quero entrar
em câmbio. Vejam a oportunidade: criar carteiras de investimentos. Assim como existem as
carteiras de investimento só de empresas sustentáveis, etc., queremos criar uma carteira de
investimento só com empresas que são LGBT friendly e colocar as pessoas para investirem seu
dinheiro nessas empresas e ter um retorno melhor . E ainda atuar em turismo, câmbio, planos
de saúde e seguros.
MARCIO ORLANDI
5 https://allout.org/pt
323
Executivas Brasileiras
e Ibéricas, um panorama
elucidativo
MARIA EUGENIA BIAS FORTES
INTRODUÇÃO
Durante o assessment, foi evidenciado que as mulheres desta consultoria não tinham interesse
em alcançar a posição de sócias por alguns motivos, entre os quais:
y Dificuldade em estabelecer uma vida equilibrada – pessoal x profissional
y Inexistência de líderes femininas inspiradoras
y Atitude masculinizada
Diante dessas descobertas, a empresa entendeu que o processo para viabilizar um aumento da
diversidade de gênero no topo da organização passava pela mudança de cultura.
Esse resultado fez com que a KGP envolvesse os sócios da América Latina e Península Ibérica
(Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha, México, Peru, Portugal e Venezuela) a buscarem,
em um estudo em profundidade, levantando competências exigidas e motivadores, o entendi-
mento do que levou executivas a chegarem ao topo das organizações.
OBJETIVO DO ESTUDO
Nosso objetivo foi o de conhecer as líderes de referência no mundo corporativo Ibero America-
no e analisar suas competências de gestão e de liderança, assim como os ambientes profissio-
nais que mais as motivam.
324
Foram entrevistadas 407 mulheres na região:
y 168 em posição de CEO/GM/Diretora Geral - 42%
y 171 em posição no Conselho (118 acumulam uma posição executiva) – 13%
y 90 CHRO – 22%
y 95 C-Level entre Finanças, Jurídico, Marketing e Vendas, Supply Chain, Tecnologia – 23%
325
COMPETÊNCIAS DE GESTÃO E LIDERANÇA:
Avaliamos e comparamos as Competências de Gestão mais exigidas por função, entre as re-
giões: Latino-americana, Península Ibérica e Brasil.
BOARD MEMBERS
Percebemos que o Brasil ainda é um país que vem buscando a maturidade quanto à represen-
tatividade de mulheres no Conselho.
Durante o estudo, tivemos inúmeros exemplos que demonstram que as mulheres tendem a
ser muito dedicadas, detalhistas, e têm necessidade de se aprofundarem quanto a um conhe-
cimento mais amplo da empresa para terem propriedade em discutir os temas apresentados
nas reuniões. Assim que assumem uma cadeira no Conselho, visitam os sites, conversam com o
corpo executivo e buscam informações extrapauta. Se debruçam com antecedência na pauta,
para que tenham conforto de participarem nas reuniões.
Durante as reuniões de Conselho, são boas ouvintes, participam ativamente dos temas discuti-
dos, não se constrangendo em informar que não têm o pleno conhecimento de assuntos espe-
cíficos, necessitando de um tempo para terem conforto em debatê-lo. Além disso, não hesitam
em levantar a mão para devolver uma pauta específica, que não cabe ao Conselho avaliar, a
devolvendo ao corpo executivo. Isto gera, inicialmente, um desconforto entre os integrantes do
Conselho de grandes corporações.
326
CEO
C-LEVEL
Quanto ao C-level, a competência exigida é a necessidade de ter uma visão mais holística do
negócio que vai além de sua área específica de atuação, entendendo as alavancas do negócio
e a complexidade de atuação.
327
ANÁLISE DE AMBIENTES E MOTIVADORES
Entre os motivadores da nossa ferramenta Proprietária Athena™, esses são os fatores relevan-
tes para que as executivas tenham alta performance.
328
MOTIVADORES ATHENA™
AS COMPETÊNCIAS DE GESTÃO
329
AS COMPETÊNCIAS DE LIDERANÇA NO NOVO CENÁRIO
É tão somente uma questão de tempo até alcançarmos o equilíbrio de gênero nas empresas.
Mas até que isso aconteça, muitas organizações deverão começar a aplicar medidas concretas
de Diversidade e Inclusão e, em alguns casos, até de forma compulsória, e terão de saber con-
viver, com tolerância, a ainda atual escassez de talento preparado para posições de liderança.
Antecipação: A guerra pelo talento será vencida por empresas que se antecipem na atração
dos melhores talentos disponíveis e que sejam capazes de estabelecer sistemas de retenção
adequados. Uma forma de estarem preparadas e aproveitarem as oportunidades é por meio da
construção de “Pipelines de Talentos” que possibilitem a identificação precoce de Executivas
de alto potencial que possuam competências de gestão e liderança compatíveis com as neces-
sidades da organização.
330
ROADMAP E PERFIL DE REFERÊNCIA
331
Papel social das
médias empresas
ENTREVISTA COM MARCELO PATRUS, CEO DA PATRUS TRANSPORTES URGENTES
Entrevista concedida por Marcelo Patrus – CEO da Patrus Transportes Urgentes – para Stephania
Guimarães e Carlos Arruda, em setembro de 2021. Marcelo apresenta como os valores sociais da
empresa, com raízes na história da família de imigrantes libaneses e nas crenças do fundador, se
alinharam ao modelo de mercado adotado por um cliente-chave, fazendo com que a empresa
buscasse uma diferenciação competitiva pela sustentabilidade e pelo compromisso com as
comunidades onde atuam.
Stephania: A Patrus sempre possuiu forte atuação social. Há quanto tempo vocês percebe-
ram que todo esse trabalho já fazia parte de uma jornada ESG, que poderia ser chamado de
sustentabilidade e quando começou essa jornada, oficialmente?
Marcelo: Bom, eu comecei... a primeira vez que eu ouvi a palavra sustentabilidade, se não me
engano, foi em 2008, e eu comecei a entender os três pilares da sustentabilidade, que são o
social, o ambiental e, no caso, ainda o econômico. Em 2009, eu tive uma grande sorte, por-
que, como empreendedor que a gente é, eu comecei a transportar e participei de um bid da
Natura. Quando eu comecei a entender o que era a Natura: uma empresa que dizia a todos
os fornecedores – não só por ser de transporte, mas toda a cadeia – que tinham que reduzir
25% da sua emissão de carbono, por causa da assinatura do pacto global da ONU e do com-
prometimento da empresa em cumprir essa meta até 2013. Foi aí que comecei a pensar que
eu estava diante de uma das grandes referências empresariais brasileiras. E foi assim que eu
percebi, sendo fornecedor deles e aprendendo, que “o meu pai...” – que é o doutor Marum
Patrus, que fundou a Patrus – já fazia sustentabilidade nos três pilares antes do ano 2000, a
cultura da empresa veio dele.
Meu pai se formou em direito, na UFMG. Ele tinha um posto de gasolina e do posto de gasolina,
em 1970, comprou alguns caminhões, montou uma transportadora e, em 1973, viveu a crise do
petróleo e teve que vender os caminhões-tanque. Mas continuou com o posto, já tinha dois.
Montou então uma transportadora de carga fracionada, que é o que a Patrus é até hoje. Mas a
forma de liderar, de ser, já era uma forma em que meu pai, principalmente no lado social, tinha
uma preocupação muito grande com as pessoas.
Meu avô era mascate, veio do Líbano, casou-se com a minha avó, semianalfabeta, e tiveram 16
filhos, sempre entoando o mantra de que irmão não briga com irmão. Eram todos muito próxi-
332
mos e unidos, uns ajudando aos outros. Cansei de ir na casa dos meus tios, levar promissória e
trazer promissória para assinar, para termos capital de giro e montar a transportadora e crescer.
Essa cultura ficou muito enraizada e foi transmitida adiante, gerando o mantra do meu pai –
sempre servir às pessoas dentro daquilo que for possível. É o conceito social já implantando em
nossas mentes que está presente na cultura da nossa empresa .
Em 2008, pelas mãos da minha irmã, Marina, nasceu o Instituto Marum Patrus, o braço social
da Patrus Transportes, para cuidar dos colaboradores e, como aprendi, das pessoas no entorno
de onde a empresa estava: a cidade de Contagem. Foi a partir daí que eu entendi qual era o sig-
nificado da sustentabilidade e a relevância do impacto causado pelas operações da empresa.
Marcelo: Tudo começou em 2004, quando um ex-gestor da Coca-Cola, de Belo Horizonte, se tor-
nou nosso primeiro gerente de RH e me perguntou se poderia incluir a Patrus em uma lista na
Revista Exame. Eu perguntei do que se tratava exatamente, se era pago, e ele me explicou que
não. Passaríamos por uma avaliação, então eu topei. Ele disse que nunca tinha visto um clima de
trabalho tão gostoso como o que existe na Patrus e acreditava que nós tínhamos muitas chances
de fazer parte da publicação como uma das melhores empresas para se trabalhar. O resultado?
Nós fomos eleitos. Isso significa que aquele clima foi atestado por uma auditoria e por uma revista
de relevância nacional. Seguimos sendo premiados ao longo dos anos como melhores fornece-
dores da Natura e participando também de premiações na área de sustentabilidade, sempre
considerando a Natura uma inspiração. E foi depois que ela obteve a certificação B Corporation
que pensei: “a Natura conseguiu, vamos sonhar também?”, e inscrevi a Patrus no processo de
certificação. Para minha surpresa, nós fomos, em 2018, a primeira transportadora de carga do
mundo a se tornar uma empresa B Corporation, o que nos fez aprender com o tempo e evoluir 30
pontos no questionário até o ponto no qual alcançamos a recertificação.
Stephania: Você falou uma coisa muito interessante a respeito da certificação B Corpora-
tion: Que aprenderam muito. O que vocês aprenderam?
Marcelo: A certificação avalia a empresa em alguns grandes pilares, cujas questões são mo-
nitoradas e a cada 90 dias reportadas em uma reunião. Um deles, critico para nós que somos
uma empresa familiar, diz respeito à governança. A Patrus sempre foi uma empresa que teve
preocupação com a sucessão e transparência. A questão da equidade entre sócios, então, nem
se fala. A gente sempre respeitou. A certificação nos tornou melhores por meio da medição e
da exigência de altos padrões. O estatuto social da empresa foi alterado, por exemplo, e nosso
olhar para a comunidade evoluiu.
Outro pilar, o meio ambiente, é inerente à nossa atividade: a gente polui; caminhão polui tradi-
cionalmente. O que nós temos que fazer? Trabalhar para diminuir isso, reduzir esse impacto. E
nós trabalhamos esse aspecto assertivamente. Estipulamos incentivos à última milha, que são
os terceiros que realizam a etapa final do transporte com veículos que adotaram gás natural
veicular financiados por nós junto à Gasmig. Essa foi uma das ações da frente de programas
333
de redução de CO2. Nós nos comprometemos a fazer a compensação e a zerar a emissão de
carbono até 2030, depois de assinarmos o Pacto Global da ONU.
Stephania: Quais ações da Patrus mais surtiram impacto social ao longo dos anos e gera-
ram real transformação?
Marcelo: Existem vários. Mas um deles, que enche os olhos, se chama Jovem no Transporte. Nós
desenvolvemos esse programa junto ao Ministério do Trabalho ao MEC, e formamos 50 jovens
no transporte por ano. São filhos e parentes de colaboradores e das comunidades do nosso
entorno. É a chance do primeiro emprego do filho cujo pai trabalha aqui. O jovem conhece
onde o pai trabalha, come a mesma comida que o pai come no refeitório, recebe um salário
que pode ajudar a família. Eles convivem na empresa por um ano e têm festa de formatura e
diploma. Hoje nós temos aproximadamente 60 a 70 Jovens no Transporte, que são funcionários
da Patrus.
Carlos: Queria ouvir um pouquinho como que, durante a pandemia, vocês atuaram. Você
falou muito do envolvimento nas comunidades. Como essa pauta social foi alterada duran-
te a pandemia e como vocês lidaram com isso?
Marcelo: No princípio, foi muito difícil para nós. Eu faço entrega na casa das pessoas e elas não
queriam recebê-las, não queriam assinar no celular nem pegar o celular do motorista e assinar
digitalmente, com medo da transmissão da Covid-19.
Fizemos questão de não demitir ninguém. Foi a primeira decisão categórica. Nos preocupamos
com as comunidades do nosso entorno, fizemos doações de marmitas, distribuímos cestas bá-
sicas diretamente ou por meio de diversas organizações sociais.
Na empresa, fomos obrigados a ir para o mundo online, e quando caminhamos para esse mun-
do, onde todo mundo tinha que estar dentro de casa – ou seja, as videoconferências –, a gente
foi muito rápida, e toda terça e toda quinta, durante duas horas, tínhamos o Patrus Talks. Esses
Patrus Talks linkavam 300, 400 pessoas do Brasil inteiro, e ali a gente conversava com todos,
expressava as dificuldades e desenvolvia uma integração muito grande. O programa continua,
é um sucesso, e desenvolvemos também a Universidade Patrus, toda online, na qual todos os
colaboradores são treinados.
Carlos: Você tem essa preocupação com a longevidade, com a sobrevivência do negócio,
abrir o capital, ter parceiros, preparar as novas gerações. Do ponto de vista da B Corpora-
tion e do ponto de vista da sustentabilidade, o que você vê para o futuro? Onde estão seus
grandes desafios?
Marcelo: Se dependesse exclusivamente dos acionistas, eu faria um IPO... Logo depois que a
minha irmã e sócia faleceu, eu e meu irmão nos comprometemos a dar 2% do lucro da Patrus
334
para o Instituto Marum Patrus, e disso não abrimos mão. É uma condição que pode se tornar
bastante impopular entre quem está investindo. Estou dando esse exemplo porque esse é um
bom exemplo de desafio futuro. Quero investidor que cresça o negócio junto comigo, quero ter
sócio, sim. Mas quem não acreditar nos pilares da B Corporation e no capitalismo consciente
não vai conseguir fazer negócio com a Patrus Transportes. Essa é uma condição. O mundo já
quer e já pede por esse tipo de cultura. As pessoas precisam disso; as empresas têm que mu-
dar o mindset e compreender. Chega desses investidores que estão atrás de lucro rápido e de
dinheiro às custas do sacrifício de demissões e de um excesso de orientação para o resultado a
qualquer custo. Aqui, na Patrus, não vai ser assim. É lógico que é preciso haver lucro, uma em-
presa tem que ser rentável. Mas uma empresa é feita de pessoas, não somente de máquinas e
robôs. São gente, e gente sente, gente precisa comer.
Stephania: Como vocês estão avançando tecnologicamente? Qual é esse caminho da ino-
vação e da tecnologia aliadas aos valores da Patrus?
Marcelo: É simples, a empresa que não investir em tecnologia vai estar fora, no futuro. Uma das
palavras mais importantes dentro da nossa organização é tecnologia. Para que precisamos de
tecnologia? Para me ajudar a ter o melhor nível possível de serviço. Para me trazer as ferramen-
tas que preciso e para poder atender o meu cliente mais rápido, melhor, com mais informação,
da melhor maneira possível.
Então nós usamos a tecnologia dentro dos pilares com os quais trabalhamos para conseguir
diminuir as dores das pessoas, dos nossos clientes e de quem trabalha aqui dentro. É aquela
história: o Uber nasceu para resolver o problema de táxis na cidade de São Francisco, nos Esta-
dos Unidos, que têm todas aquelas ladeiras. Ele se transformou, então, em uma terceira fonte
de renda para um monte de pessoas. Uma empresa que não dá lucro, mas foi capaz de tratar
algumas dores das pessoas por meio da tecnologia.
335
MARCELO PATRUS
336
Métricas de ESG como
Critérios da Remuneração
Variável dos Executivos
GISELA DA SILVA FREIRE E DARIO ABRAHÃO RABAY
Tem sido crescente o número de empresas que consideram métricas relacionadas a questões
ambientais e sociais nas políticas de remuneração de executivos. Os investidores estão dei-
xando de olhar apenas para os lucros e resultados das companhias, voltando-se também para
outros aspectos vinculados ao meio ambiente, responsabilidade social e governança (ESG).
Mas assim como os executivos podem ser recompensados pelas boas práticas e comprometi-
mento com a agenda ESG, algumas pesquisas indicam que a divulgação de notícias negativas
relacionadas à responsabilidade social das empresas tem um impacto significativo nas chances
de substituição do CEO, e esse impacto é proporcional à gravidade do evento1.
Tal impacto pode ser minimizado com a adoção de algumas cautelas, a começar pela imple-
mentação real e transparente das práticas de sustentabilidade e responsabilidade social.
Um estudo publicado pela PwC Brasil, em parceria com o Instituto Brasileiro dos Auditores In-
dependentes (Ibracon), analisou 71 das 81 companhias listadas na bolsa de valores (IBOVESPA).
Destas, 67 emitiram relatórios indicando práticas de ESG, mas somente 30% desses documen-
tos foram verificados por auditorias independentes e 27% foram assegurados por assessorias. A
maioria dos relatórios (43%) não foi efetivamente auditada por nenhuma instituição2.
1 Colak, Gonul, Timo Korkeamäki e Niclas Oskar Meyera. 2020. ESG and CEO turnover. Disponível em: https://
papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3710538. Acesso em: 01/10/2021
2 PWC e IBRACON, 2021. Divulgações do ESG no Ibovespa. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/
publicacoes/assets/2021/esg-ibovespa-interativo.pdf. Acesso em: 01/10/2021
337
Esses dados não levam diretamente à conclusão de que as companhias estão praticando
greenwashing, ou seja, adotando uma falsa aparência de sustentabilidade, mas certamente o
atestado emitido por auditores independentes traz maior segurança aos investidores quanto à
real adesão da empresa aos programas de responsabilidade social por ela construídos.
Da mesma forma, a auditoria é uma ferramenta estratégica importante para que as empresas
tenham uma percepção clara sobre os tópicos mais relevantes para reduzir seus impactos ne-
gativos e ampliar suas ações afirmativas.
No campo do fator social, o “S”, da sigla ESG, estão inseridos os valores da empresa e o seu rela-
cionamento com o público externo e interno. Assim é que estão abrangidos na letra S aspectos
sociais que incluem relação com a cadeia produtiva e com a comunidade local, relações traba-
lhistas, temas ligados à diversidade, inclusão, retenção, saúde e segurança do trabalho.
Mas ainda há uma grande dificuldade entre as empresas brasileiras de estabelecer indicadores
objetivos de ESG, em especial no que se refere ao fator social.
Um relatório preparado pela UNEP em cooperação com a WBCSD3 enumera alguns indicadores
quantitativos e qualitativos, os quais, no que tange ao Fator “S”, são subdivididos em três seções:
empregados; pobreza e impacto na comunidade; e administração da cadeia de abastecimento.
Como critérios quantitativos, especificamente em relação aos empregados, são citados temas
como futura demanda de trabalho considerando as taxas de crescimento; índice de retenção
de empregados; medidas de segurança e medicina do trabalho; treinamentos e capacitação;
nível salarial dos empregados em relação ao mercado, dentre outros. Como dados qualitati-
vos, são formuladas questões sobre o quanto o modelo de negócio é dependente de talentos
humanos; de que forma a empresa evita a rotatividade dos empregados; quais programas a
companhia adota para garantir melhoria contínua da saúde e segurança dos empregados; se
são observados os parâmetros de trabalho decente da OIT em todas as unidades produtivas,
para citar alguns.
E essa dificuldade é ilustrada em uma pesquisa conduzida pela AMCHAM4, em 2021, com 178
lideranças brasileiras, entre CEOs, Presidentes, VPs, Sócios e Diretores de empresas. O tema
ESG é conhecido pela grande maioria dos entrevistados, mas ainda não é largamente aplicado:
3 WBCSD e UNEP FI, 2010. Translating environmental, social and governance factors into sustainable
business value. Disponivel em https://www.social-protection.org/gimi/RessourcePDF.action;jsessionid=iXJ
NiHlS0JT7bX9BOtBdk4BGVf3MC-rAHd9IS-B0xoZhNJdjtPBM!-1491252213?id=31525. Acesso em 02/10/2021.
4 https://d335luupugsy2.cloudfront.net/cms/files/218829/1622749532Cases-Tendencias-Premio-ECO-3-6-21.
pdf. Acesso em 02/10/2021
338
87% dos respondentes afirmam que conhecem o termo ESG, mas apenas 33% utilizam esse
conhecimento para avaliar investimentos, seus impactos ou analisar práticas de outras grandes
empresas. Apenas 33% dos entrevistados mencionaram que possuem relacionamento próximo
e trabalham ativamente para que todos os envolvidos em sua cadeia produtiva tenham valo-
res sustentáveis, compartilhando ações conjuntas e incentivando a prática do tema. De outro
lado, 79% promovem ações e campanhas internas de mobilização para fomentar o ambiente
inclusivo.
Os dados acima revelam que, embora tenha havido uma evolução importante, ainda há um
longo caminho a ser percorrido para que as práticas de ESG sejam não só programadas, mas
também efetivamente cumpridas.
Mas o fato é que, ao incluir esses critérios na remuneração variável dos executivos, as empresas
estarão não apenas mostrando ao mercado que estão engajadas na aplicação das ações de
ESG, como também estimulando seus dirigentes a tomarem decisões que privilegiem essas
ações e as tornem efetivas.
O relatório anual mais recente da ISS ESG (departamento ESG do Institutional Shareholder Ser-
vices) indicou que o número de empresas que incluíram métricas ambientais e sociais na deci-
são sobre a remuneração de executivos dobrou desde 2018, sendo que cerca de 20% das 6.500
empresas pesquisadas levam em consideração esses fatores.
Dessa forma, quanto antes as companhias perceberem que esse movimento do mercado é
irreversível, mais rapidamente poderão adequar os planos de incentivo de curto e longo prazo
dos seus executivos, criando valor para a empresa e reputação frente aos seus empregados,
consumidores, clientes, fornecedores e demais stakeholders.
339
GISELA DA SILVA FREIRE
340
A LGPD como instrumento de
ESG: A Proteção de Dados no
Impacto Social das Empresas
LUIZ FELIPE DI SESSA E FELIPE ROCHA DA SILVA
INTRODUÇÃO
Em 2004, a proteção de dados não estava listada entre as maiores preocupações quando o
Pacto Global da ONU, em parceria com Banco Mundial, publicou documento que cunhou o
termo ESG, o Financial Sector Initiative “Who Cares Wins” 1. No entanto, o cenário mudou com
o desenvolvimento da internet, os escândalos envolvendo o tratamento de dados de usuários
na internet para fins políticos, como o ocorrido no caso Cambridge Analytica, e a aprovação de
normas de proteção de dados pessoais ao redor do mundo, como o Regulamento Geral de Pro-
teção de Dados Pessoais da União Europeia (RGPD), o California Consumer Privacy Act (CCPA)
e a própria Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais no Brasil (LGPD).
Como sintoma do novo paradigma, o The Global Risks Report 2021, elaborado pelo Fórum
Econômico Mundial, posicionou as falhas nas medidas de segurança cibernética no top 4 dos
maiores riscos às empresas, aos governos e à sociedade no curto prazo2. Empresas que enfren-
1 IFC. Who Cares Wins: Connecting Financial Markets to a Changing World. International Finance
Corporation, 2004. Disponível em: https://www.ifc.org/wps/wcm/connect/topics_ext_content/ifc_external_
corporate_site/sustainability-at-ifc/publications/publications_report_whocareswins__wci__1319579355342.
Acesso em: 25 de set. de 2021.
2 WEF. The Global Risks Report 2021. 16ª edição. World Economic Forum, 2021. Disponível em: https://www3.
weforum.org/docs/WEF_The_Global_Risks_Report_2021.pdf. Acesso em: 26 de set. 2021.
341
tam problemas relacionados ao tratamento de dados pessoais ficam sujeitas, por exemplo, a
riscos de danos significativos à reputação e de sanções regulatórias substanciais. A proteção de
dados é então fator primordial a ser considerado pelas corporações no comprometimento com
as melhores práticas de gestão.
No Brasil, o tema ganhou maior relevância a partir da aprovação da Lei Geral de Proteção de
Dados Pessoais (LGPD – Lei 13.709/2018), que regula o tratamento de dados e prevê sanções
administrativas em caso de descumprimento. No entanto, mais do que enxergar as imposições
da Lei como um ônus, as empresas têm na LGPD um verdadeiro instrumento de ESG, principal-
mente no impacto social de suas práticas empresariais.
O pilar S está ligado ao relacionamento das empresas com a sua força de trabalho, a sociedade
na qual opera e a conjuntura política em que se insere. Nesse contexto, a proteção de dados
desempenha papel transversal nas políticas e práticas organizacionais relacionadas aos Direitos
Humanos, à ética corporativa, à diversidade e à inclusão.
Na interface entre proteção de dados pessoais e Direitos Humanos, aquela atua como instru-
mento de concretização deste. Segundo a Human Rights Watch, leis de proteção de dados
pessoais são importantes para a proteção dos Direitos Humanos, mais obviamente para o di-
reito à privacidade, mas também para os direitos relacionados às liberdades individuais e às
habilidades da sociedade de fazer escolhas coletivas3.
Em ética corporativa, a inclusão da proteção de dados nos valores da empresa corrobora com
a construção de uma sociedade mais justa e equitativa. O tratamento irrefletido e displicente
de dados pessoais, sobretudo com a utilização de ferramentas tecnológicas desenvolvidas sem
as devidas precauções, pode implicar na reprodução e até potencialização das mazelas sociais.
Agora, são nas políticas de promoção à diversidade e à inclusão que o papel da proteção dos da-
dos permite exemplificações mais próximas ao que vem sendo pautado no debate público. Da
porta para dentro, o tratamento adequado de dados pessoais possibilita, por exemplo, a cons-
trução de procedimentos de progressão de carreira, promoções e gratificações que buscam
mitigar os danos advindos da reprodução das variadas formas de discriminação. Na mesma
linha, o processo de recrutamento é diretamente afetado, com processos seletivos, tomadas de
decisão e recrutadores conscientes sobre o impacto do tratamento dos dados dos candidatos
na promoção da diversidade e da inclusão social.
3 HRW. The EU General Data Protection Regulation. Human Rights Watch, 2018. Disponível em: https://
www.hrw.org/news/2018/06/06/eu-general-data-protection-regulation. Acesso em: 30 de set. 2021.
342
LGPD COMO INSTRUMENTO DE ESG
O alinhamento da LGPD aos impactos sociais do ESG fica evidente desde seu art. 1º, o qual
explicita o objetivo da Lei em proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade
e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. A Lei também tem como funda-
mentos, por exemplo, os direitos humanos, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas
naturais; a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; e a inviolabili-
dade da intimidade, da honra e da imagem (incs. III, IV e VII, art. 2º da LGPD). Ainda como prin-
cípios norteadores de toda atividade de tratamento de dados pessoais, tem-se a transparência
enquanto garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a
realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento; e a não discriminação como
impossibilidade de realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos (incs.
VI e IX, art. 6º da LGPD).
Não apenas em termos deontológicos, com objetivos, fundamentos e princípios, a Lei real-
mente estabelece procedimentos práticos a serem seguidos. Há a previsão de requisitos para
a condução do tratamento de dados, como a adequação do tratamento às bases legais; e de
procedimento para a coleta regular do consentimento, para revisão de decisões tomadas uni-
camente com base no tratamento automatizado de dados, para o término do tratamento e
para o cumprimento do exercício dos direitos dos titulares. Além disso, a Lei também regula a
transferência internacional de dados e dispõe sobre a segurança e sigilo dos dados, bem como
sobre a adoção de boas práticas e governança entre os setores.
4 ANPD. Sanções Administrativas: o que muda após 1º de agosto de 2021? Autoridade Nacional de Proteção
de Dados, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/sancoes-administrativas-o-
que-muda-apos-1o-de-agosto-de-2021. Acesso em: 26 de set. 2021.
343
CONCLUSÃO
A proteção de dados pessoais, portanto, está cada vez mais inserida nas avaliações das práticas
ambientais, sociais e de governança dos negócios. As empresas alinhadas gozarão de benefí-
cios na gestão de risco, na valorização dos ativos e na criação de oportunidades no longo prazo.
Por outro lado, eventuais incidentes de segurança da informação e tratamento irregular de
dados podem acarretar em prejuízos reputacionais e sanções regulatórias.
Particularmente no pilar S do ESG, a proteção de dados deve permear e dialogar com as políti-
cas e práticas organizacionais relacionadas aos Direitos Humanos, à ética corporativa, à diver-
sidade e à inclusão. Nesse sentido, as empresas comprometidas com as melhores práticas de
gestão têm na LGPD verdadeiro instrumento de ESG, já que a Lei é alinhada com as preocupa-
ções acerca do impacto social das práticas empresariais e especifica procedimentos objetivos a
serem adotados para a adequação do tratamento de dados pessoais.
344
O legislativo pode ser um
aliado efetivo no esforço das
empresas em suas ações que
busquem o impacto social?
LUCIANO SOUZA E BEATRIZ CARVALHO
Por outro lado, na esteira do surgimento deste novo perfil de investidores e consumidores, se
percebe uma forte movimentação no mundo corporativo, onde a discussão e a adoção de um
conjunto de boas práticas ambientais, sociais e de governança têm sido cada vez mais cons-
tantes. Esse movimento acontece em uma escala mundial e traz mudanças de paradigmas na
gestão empresarial, que passa a incluir no contexto da alta governança preocupações de ordem
sociais e ambientais. Ou seja, assuntos como preservação ambiental, preocupações com a ca-
deia produtiva, equidade de gênero e ambiente de trabalho estão (ou deveriam estar) na pauta
de discussões e decisões das empresas.
No Brasil, já é possível verificar essa mudança na postura do mundo corporativo com exemplos
nos mais variados sentidos e abordagens, todos servindo para a construção de uma discussão
ampla dos aspectos ambientais, sociais e de governança. A B31 desenvolveu a Plataforma ISE,
que reúne as empresas com as melhores práticas da agenda ESG e busca, com atualizações
em seu sistema, permitir que qualquer investidor acesse a nota atribuída a cada companhia, a
posição no ranking geral, a posição entre as empresas do mesmo setor e a posição em relação
a empresas com o mesmo modelo de negócio. Além da nota geral, também serão disponibi-
lizadas as notas das companhias para cada um dos critérios avaliados. Ao todo, são cinco itens
analisados: (i) capital humano, (ii) governança e alta gestão, (iii) modelo de negócio e inovação,
(iv) capital social e (v) meio ambiente. A plataforma, além de direcionar os investidores, cumpre
o papel de incentivar as empresas a implementarem, cada vez mais, as práticas da agenda ESG.
Outra iniciativa que merece destaque é a Rede Brasil do Pacto Global, que conta com mais de
345
1.100 membros, reunindo o setor empresarial para atuar com impacto nos Objetivos de Desen-
volvimento Sustentável (ODS).
Cabe destaque, ainda, a ação promovida por Magazine Luiza, que, ao identificar que apenas 16%
de seus empregados são negros, lançou um programa de trainee voltado para a contratação
de funcionários negros. O grupo Mulheres do Brasil, por sua vez, visa a inserção feminina em
cargos de liderança. Algumas empresas já tomaram a decisão de aumentar a licença paterni-
dade, para que os pais possam participar dos primeiros meses de vida dos filhos, bem como de
definir a política de bônus a partir de metas relacionadas à agenda ESG. Além disso, a iniciativa
Unidos pela Vacina estabelece uma ponte entre o gestor público e o setor privado, por meio da
qual empresas privadas apoiam a estrutura de vacinação contra a Covid-19.
Certamente, os exemplos mencionados acima, bem como diversos outros que estão em desen-
volvimento em empresas brasileiras, demonstram que há uma mudança no comportamento
das empresas, seja por pressão dos consumidores seja por tomada de consciência de sua posi-
ção importante na sociedade. E, de fato, essa mudança de comportamento está sendo refletida
no dia a dia tanto das empresas quanto no de seus consumidores.
Porém, o presente artigo traz luz, mesmo que de forma inicial, a um aspecto ainda pouco deba-
tido no âmbito do ESG. Cada vez mais fica nítida a importância de as empresas atuarem de for-
ma ativa neste processo, buscando mudanças ambientais e sociais para a sociedade. Será que
a atuação das empresas, ou grupo de empresas, junto ao Poder Legislativo, seja ele local, esta-
dual ou federal, não poderia ser um dos instrumentos aliados para obtenção do impacto social?
A defesa de interesses, muitas vezes chamada de lobby, nas palavras de Bobbio, é o processo
por meio do qual representantes de grupos de interesse, agindo como intermediários, levam
ao conhecimento dos legisladores ou dos decision-makers os desejos de seus grupos2. Essa
atuação não é novidade no ambiente empresarial. Pelo contrário, é um instrumento utilizado
de forma consistente para defesa de interesse junto aos parlamentares quando de discussões
que importam a todo um segmento, como isenções, benefícios fiscais e mudanças legislativas
que alteram o dia a dia da empresa.
A reflexão que serviu de partida para a presente análise veio dos Estados Unidos, em que uma
parceria entre as grandes varejistas Target e Walmart e a ONG Forum For The Future3 pode servir
de inspiração e orientação de como as empresas podem buscar na interação com o legislativo um
maior impacto de suas ações. Apesar de serem concorrentes, a Target e o Walmart se uniram com
o objetivo de mudar diversos aspectos da indústria de cuidados pessoais e produtos de beleza,
incluindo as legislações locais e estaduais. Com a parceria com o Forum For The Future, conhecido
por sua abordagem sistêmica para grandes questões de sustentabilidade, as empresas tiveram
como objetivo quebrar mais rapidamente as barreiras para tornar os produtos de cuidados pes-
soais mais sustentáveis. Embora não seja comum a união entre dois poderosos concorrentes, as
empresas já tinham experiências anteriores trabalhando juntas, como membros da Aliança para a
Segurança do Trabalho de Bangladesh e como parte da Coligação de Vestuário Sustentável.
2 BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. Brasília: UnB, 2004
3 https://www.reutersevents.com/sustainability/partnerships-case-study-target-and-walmart-push-industry-
wide-change
346
A Target já estava trabalhando há algum tempo com o Forum For The Future, mas como o
objetivo do fórum é fazer com que as empresas pensem além dos seus próprios limites para a
mudança de sistemas sustentáveis, ocorreu a união com o Walmart. Os três parceiros solidifi-
caram o vínculo planejando o Beauty and Personal Care Products Sustainability Summit, em
Chicago, em 2014. A força da parceria e influência das empresas levou cerca de 50 empresas
ao evento, com representantes de toda a cadeia de fornecimento de produtos de cuidados
pessoais. O impacto dos produtos químicos na saúde e no meio ambiente e na transparência
surgiram como temas de maior preocupação para as empresas presentes bem como para os
consumidores. A iniciativa da Target e do Walmart impulsionou avanços nas questões de segu-
rança química do consumidor e da identificação, adoção e implementação de soluções no que
tange ao tema da sustentabilidade dos produtos de beleza. Com isso, o impacto social, e neste
caso também o ambiental, havido em toda a linha de produtos de beleza sustentáveis demons-
tra que ações conjuntas como essa podem alcançar resultados significativos.
No Brasil, até o momento, de forma estruturada, não há uma atuação entre concorrentes de
forma a construir soluções junto ao Legislativo que possam impactar o lado social. Certamente,
vale destaque o movimento em que cerca de 800 empresas, tais como P&G, Itaú, Riachuelo,
PwC, Localiza, Buzzfeed, TikTok, Twitter, B2W Digital, L’Oréal Brasil, Facebook, Avon, iFood e
Ambev, se uniram em oposição ao Projeto de Lei nº 504/2020 do Estado de São Paulo, de
autoria da deputada estadual Marta Costa (PSD), que propunha a proibição da veiculação de
propagandas com pessoas integrantes da comunidade LGBTQIA+. De acordo com o texto do
Projeto, seria proibida a publicidade “através de qualquer veículo de comunicação e mídia de
material que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual
relacionados a crianças no Estado”.
Diante da iniciativa e das reações, o texto do referido Projeto de Lei foi retirado da pauta de
votação e voltou para a fase de análises das comissões, sendo elas, Comissão de Constituição,
Justiça e Redação, Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Parti-
cipação e das Questões Sociais, e Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento.
Contudo, esse movimento pode ser entendido mais como uma reação ao teor do projeto do
que um movimento coordenado para obtenção de uma mudança na legislação que causasse
impacto social, muito embora, claro, ele seja um excelente exemplo de como as empresas têm
papel importante na sociedade e podem influenciar os tomadores de decisão, servindo, quem
sabe, de um parâmetro embrionário e motivação para futuras iniciativas neste sentido.
O que o exemplo americano nos traz é uma postura ativa, na busca de um entendimento dos
principais atores envolvidos e a defesa desses interesses junto ao legislativo. Possibilidades são
inúmeras de atuação neste sentido e poderiam fazer parte dos resultados de crises institucio-
nais que empresas passaram recentemente no Brasil.
A adoção de medidas no âmbito do ESG ainda é recente no Brasil e, claro, exige um esforço sig-
nificativo das empresas na conscientização e mudanças internas de cultura. O que se discutiu
aqui seria um passo a mais, fruto do amadurecimento do ambiente corporativo nesse tema.
Não é um desafio fácil, mas certamente poderia resultar em um amadurecimento não apenas
da instituição, mas sim de todos os envolvidos no processo, com ganhos para toda a sociedade.
347
LUCIANO SOUZA
BEATRIZ CARVALHO
348
CASO GRUPO FLEURY:
CONSTRUINDO O MAIOR
ECOSSISTEMA SUSTENTÁVEL
DE SAÚDE DO BRASIL
EDITORA: STEPHANIA GUIMARÃES
Estudo de Caso:
INTRODUÇÃO
É com orgulho que a CEO do Grupo Fleury, a médica cardiologista Jeane Tsutsui, conta que o
ano de 2021 tem sido especial para a empresa. São vários os motivos, mas é possível dizer que
pelo menos duas dessas razões estão diretamente relacionadas à sustentabilidade e seu aspec-
to social. Pela primeira vez em sua história, o grupo realiza uma emissão de debêntures simples
com metas ESG atreladas, tornando-se a primeira empresa no setor de saúde do país a fazer
esse tipo de operação.
O motivo do orgulho, entretanto, está mais na composição das metas escolhidas e o conse-
quente impacto social a ser alcançado do que na própria emissão, a sexta feita pelo grupo em
sua trajetória de capital aberto. Além de desafiadoras, as metas influenciam diretamente a es-
tratégia de negócios e o crescimento do grupo para o próximo ciclo e comunicam os valores,
a cultura, a ambição estratégica e a seriedade da empresa de 95 anos de idade em relação à
sigla ESG.
Outro motivo de orgulho é a própria indicação de Jeane, em abril, para a cadeira de CEO de um
dos maiores grupos de saúde do país, aumentando a quantidade de mulheres em cargos de
liderança na organização e inspirando muitas outras. No Fleury, elas representam 80% de um
grupo de 11.2 mil colaboradores.
GRUPO FLEURY
O Grupo Fleury é uma organização de medicina e saúde que conta, hoje, com 294 unidades de
atendimento em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Pernambuco, Rio
Grande do Norte, Distrito Federal, Espírito Santo e Maranhão. São 2.7 mil médicos, 19 marcas e
operações diagnósticas realizadas em 25 hospitais. Além dos serviços de medicina diagnóstica,
o grupo segue em direção a novos serviços relacionados à medicina personalizada e de preci-
são, saúde corporativa, novos produtos e agora procura alcançar um novo perfil de público.
Fundado em São Paulo, em 1926, por Gastão Fleury Silveira, médico formado pela Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, o Grupo Fleury se tornou referência em análises
clínicas laboratoriais. Em 2001, iniciou um processo de aquisições de marcas do setor que im-
pulsionou o crescimento da organização. Em dez anos, foram 27 aquisições com o objetivo de
entrar em novas regiões, complementar o mix de serviços e aumentar a base de conhecimento.
Em 2009, o grupo abriu capital na bolsa, no segmento Novo Mercado.
350
O crescimento ao longo dos anos permitiu substituir a denominação de laboratório e ampliar
as operações, a oferta de produtos, serviços e se posicionar como uma empresa de medicina e
saúde que preza pela qualidade do atendimento e visa atender um perfil de consumidor que
se localiza tradicionalmente em classes mais altas na pirâmide social.
No ano de 2020, o Grupo Fleury alcançou 257 milhões de reais de lucro líquido, receita de 3.1
bilhão, um custo operacional de 216 milhões de reais, e investiu 14 milhões em pesquisa, desen-
volvimento e inovação. Atendeu 2.7 milhões de clientes e realizou 2.2 milhões de testes de Co-
vid-19. Para Márcio Mendes, Presidente do Conselho de Administração e também Coordenador
do Comitê de ESG, o grupo já nasceu com valores e cultura muito fortes que são trazidos até à
atualidade e dos quais se intitula “porta-bandeira”: a excelência, a ética, o acolhimento.
Jeane Tsutsui conta que o grupo trabalha há mais de 20 anos com o que hoje é chamado ESG
e que as primeiras iniciativas eram mais focadas na obtenção de certificações de qualidade,
como a ISO 9001 (Gestão da Qualidade), e aquelas mais voltadas para o aspecto ambiental,
como a ISO 14001 (Gestão Ambiental), refletindo uma preocupação antiga com resíduos de
saúde, além de alguns projetos relacionados a iniciativas sociais. “O interessante é que desde
aquela época já havia a preocupação com qualidade em medicina diagnóstica, somos uma
empresa de saúde, e esse foi o valor que sempre esteve atrelado à essência do DNA do grupo:
fazer bem-feito em todos os aspectos. Fomos adicionando então outras dimensões, como as
relacionadas à diversidade e refletindo a respeito de que maneira a gente poderia aplicar a
sustentabilidade em toda a organização, foi um processo natural”.
351
TRAJETÓRIA DE SUSTENTABILIDADE
É Daniel Périgo, Gerente Sênior de Sustentabilidade e Governança, quem explica que as pri-
meiras iniciativas estruturadas da empresa com o olhar ESG começaram em 1997. No começo,
a principal preocupação era com a frente ambiental, focando esforços em gestão de resíduos.
Esse segue sendo um tema de alta materialidade1 para a empresa. O Grupo Fleury realiza mui-
tos exames e utiliza toneladas de tubos, gerando resíduos que precisam de descarte apropria-
do. Pensar em como minimizar esse tipo de impacto ambiental tem sido tarefa incessante da
organização.
Jeane complementa, dizendo que, inicialmente, ainda eram poucos os indicadores trabalha-
dos. “A criação dessa área de sustentabilidade veio para capitanear as iniciativas e fazer o des-
dobramento para toda a organização. E foi assim no começo das atividades. Depois disso veio a
construção da matriz de materialidade, quando começamos a fazer avaliações mais estrutura-
das e passamos a incorporar os indicadores no nosso próprio BSC. Então, desde essa época de
aprimoramento de gestão, lá atrás, a gente já passou a incorporar esses indicadores na corpo-
ração e dar visibilidade a eles. Depois dessa fase, a gente passou a incorporar isso nos negócios
que a gente ia adquirindo, a visão se espalhou do ponto de vista geográfico e nós entramos
numa etapa em que o ESG veio com mais cor, para esse conjunto”.
1 Relevância atribuída a determinado aspecto ESG de acordo com a natureza do negócio e seus impactos.
352
marcas. Aí podemos então iniciar todo o processo de adequação e de alinhamento. Ter um pro-
cedimento de integração bem estruturado facilita a caminhada”.
Daniel afirma que a organização evoluiu muito, principalmente a partir de 2014, quando foi
trazido esse caráter mais estratégico para a área de sustentabilidade. Em 2014, a área de sus-
tentabilidade migrou para a Diretoria de Pessoas e as matrizes de materialidade começaram
a ser desenhadas com a participação ativa de stakeholders externos e desdobradas na orga-
nização (aplicação da estratégia de sustentabilidade na empresa por meio de um conjunto
de indicadores e metas, considerando as informações obtidas nas matrizes de materialidade
como guia).
A migração demonstra o peso que o ESG adquiriu dentro da organização e o intuito de de-
senvolver um planejamento cada vez mais estratégico em conjunto com o plano de negócios
da empresa. Em vez de implementar mais ações segmentadas e de menor alcance, aplica-se
agora um filtro estratégico para tudo aquilo que será desenhado na organização. E, então, em
vez de depender de uma área que cuida especificamente da sustentabilidade, o olhar ESG se
torna cada vez mais incorporado nas decisões diárias de todas as áreas e no próprio modelo
de negócios. Daniel reforça a importância dessa nova visão ao comentar um paradigma co-
mum: “ESG não se trata de uma estratégia que só consome recursos, como muitos podem
pensar, mas também gera recursos para a companhia, como as debêntures, e nesse caso
mostramos isso claramente, porque existem metas de ESG atreladas a um instrumento de
captação de dívida a longo prazo, e foi uma captação de sucesso (...) e falamos: ESG também
contribui com as finanças da companhia; existem finanças sustentáveis; olha como as coisas
podem andar juntas”.
SUSTAINABILITY-LINKED BONDS
353
O Grupo Fleury selecionou dois KPIs2 para compor a emissão: a gestão de resíduos biológicos
e o acesso à saúde para a população menos favorecida, ambos com materialidade alta para o
grupo. E é justamente o segundo KPI que poderá gerar a maior transformação dentro da orga-
nização e, dentro de cinco anos, levar atendimento e acesso à saúde a um milhão de pessoas
das classes C, D e E, de acordo com as projeções do grupo.
“Nossa meta não tem uma premiação por cumprir, a gente tem é uma multa, ou seja, eu paga-
rei mais pela debênture se não atingir as minhas metas. E aí a gente começa a ter o olhar dentro
do modelo de negócio para abranger um segmento mais amplo de atuação. Porque eu preciso
mudar o meu modelo de negócio para também ampliar o meu impacto social em termos de
segmentação”, explica Jeane.
A diferença dessa emissão de debêntures para as outras cinco anteriores está no desafio do
cumprimento das metas estabelecidas para democratização do acesso à saúde para popula-
ções das classes C, D e E. Tradicionalmente, o Grupo Fleury possui um forte posicionamento de
marca e mercado com uma identificação clara junto ao público-alvo de maior poder aquisitivo,
as classes mais altas da pirâmide social brasileira. Márcio conta que o grupo é reconhecido pela
experiência do cliente, reputação e respeito pela marca e público premium e menciona que as
operadoras de saúde vendem a marca Fleury associada a hospitais de renome, como o Hospital
Sírio Libanês e Albert Einstein, por exemplo, como um produto diferenciado e em uma faixa de
preço mais elevada.
Márcio considera que o Grupo Fleury ainda se encontra distante de ter um profundo enten-
dimento de como é a real situação de saúde para as populações mais vulneráveis no Brasil e
pensa que a empresa atinge hoje um público que ainda é restrito. “A empresa já nasceu com
um posicionamento que chamamos de premium, mas existe ainda um universo imenso para o
Fleury entregar valor, uma população que precisa de serviços de saúde. Falando sobre as me-
tas das debêntures, a partir do momento que eu coloco como objetivo engajar um milhão de
pessoas das classes C, D e E, como farei isso sem conhecer esses segmentos? Talvez eles nem
tenham acesso a aplicativos de celular nem tenham internet. Não é entregar o serviço e acabou.
Queremos criar relacionamentos de longo prazo com esse consumidor”, reflete.
354
que o Fleury assuma uma dessas posições e, para isso, teremos que ter uma proposta de valor
não somente para a parte de cima da pirâmide como acontece hoje, mas para a pirâmide como
um todo. Isso vai forçar uma mudança avassaladora dentro da empresa e ainda nem temos
noção do que é entregar valor para outros públicos que a gente ainda não conhece. Hoje temos
uma cabeça fleuryana – entregar valor com o melhor equipamento com um super cafezinho,
pão de queijo, sanduíche, bom acolhimento, valet parking. Não é essa cabeça que permitirá
entrar em outros segmentos. Temos que inovar, criar um novo Fleury, inovar nos produtos, nos
serviços, no atendimento”.
Para Jeane, como em qualquer outra empresa, o grupo não tem todas as respostas em rela-
ção ao futuro, mas já identifica ganhos de “um processo bem interessante”, se referindo ao
processo de emissão das debêntures, e considera que “aprendemos muito nas discussões
com a Sitawi (consultoria contratada para avaliação das metas da operação). Tínhamos uma
visão diferente, principalmente em relação à incorporação do modelo de negócio. Também
inserimos a diversidade social, que vem sendo trabalhada no grupo, mas as duas metas (re-
dução de resíduos biológicos e democratização da saúde) foram consideradas as mais im-
portantes; em termos de materialidade, elas obtiveram o grau mais alto de classificação e
importância, de modo geral”.
TRANSFORMAÇÃO CULTURAL
Costuma-se ouvir especialistas em ESG dizerem que o processo de construção de uma tra-
jetória de adoção de práticas sustentáveis em uma organização se trata, na verdade, de uma
experiência de transformação cultural. O Grupo Fleury comprova essa tese. Ao se abrir e buscar
inovação em diferentes lugares e novos modelos de negócios, se tornou impossível uma disso-
ciação das práticas sustentáveis, dado o nível de amadurecimento da empresa, dada a natureza
do seu negócio que trata de saúde e pessoas, dada a composição da sua liderança e cultura de
base com um grupo de médicos na administração e dada a relevância que a temática adquiriu
na atualidade. Características fortes que já estavam presentes na cultura corporativa do grupo,
como o cuidado com o cliente, o cuidado com os diversos stakeholders, a empatia, a solida-
riedade e atenção – necessárias a empresas da área de saúde – demonstram ter ajudado no
engajamento e transformação.
O grupo percebeu há bastante tempo que para crescer seria preciso se tornar mais leve, ágil,
investir em empresas que já tivessem a tecnologia ou produtos necessários, startups e inova-
ção. Em um ambiente de mindset flexível, Jeane relata que o grupo foi se aprimorando ao lon-
go da trajetória para incorporar modelos de inovação aberta e colaboração com ecossistemas
de inovação, e hoje estão em um momento no qual a inovação foi de tal forma incorporada
aos modelos de negócios que o Fleury não está mais se posicionando como uma empresa de
medicina diagnóstica, mas como uma empresa de saúde que atua de forma ampla, trazendo
outros modelos de negócios para atuação. “Como um exemplo, nós continuamos com pilar
forte de medicina diagnóstica, mas desde 2018 a gente tem feito atenção primária, tem feito
novos negócios como ortopedia, oftalmologia – em que a gente faz o tratamento também –
hospital dia, clínica de reabilitação e uma plataforma digital, a Saúde ID, que é uma nova em-
presa digital lançada ano passado dentro da proposta de plataforma de marketplace digital”.
É aí que se localiza o núcleo da transformação pela qual passa o grupo.
355
A CEO conta que o Fleury tem grande ambição em relação à transformação digital e cultu-
ral, que significa trazer um modelo muito diferente de marketplace no qual existem ofer-
tas não só do Fleury, mas de concorrentes e outros players de saúde. E é contando com o
sucesso desse novo modelo que a empresa poderá atingir um dos KPIs definidos: a meta
social de aumentar os serviços para as classes C, D e E. Hoje, 90% da receita do Grupo Fleury
provém de operadoras, ou seja, quem gera receita é o público que tem condições de pagar
por um plano de saúde. Quando o projeto da plataforma foi desenhado, o intuito foi atender
majoritariamente quem não tem plano de saúde, segundo Jeane, uma parcela de 75% da
população brasileira. “Como a inovação faz parte disso tudo? De novo, a inovação precisa
ser uma cultura de inovação. Desde a inovação do tradicional P&D3 - que continua; só esse
ano lançamos mais de 192 novos produtos – até open innovation4. Ano passado lançamos
uma corporate venture com investimento inicial de 200 milhões de reais, um exemplo do
que vimos como investimento em inovação em meio a outras parcerias e projetos”, ressalta.
Márcio conta que o setor de saúde está passando por uma transformação bastante acele-
rada, ainda que já esperada; chegou em 2017 e “bateu à porta”, causando impacto . “Está
acontecendo um furacão lá fora. Em termos de transformações no setor de saúde, de em-
presas se consolidando no mercado, empresas se verticalizando, fusões, aquisições, IPOs5,
empresas com valuation de 100 bilhões de reais, o Fleury ficou pequeno. Nos últimos 4 ou 5
anos, havia somente duas empresas de saúde listadas em bolsa. Essa transformação que a
empresa vem presenciando e da qual vem participando se acelerou nesses últimos 4 anos.
Cada vez fica mais claro para a gente a mudança necessária no próprio business do Fleury:
deixar de ser percebido como uma empresa de medicina diagnóstica e aumentar o escopo
de atuação. Se transformar em uma empresa de gestão de saúde. Desde 2018, temos feito
aquisições fora do universo da medicina diagnóstica e dado passos concretos em investi-
mentos em tecnologia. Isso vem se acelerando muito nos últimos 18 meses. Ficou claro para
nós, do conselho, que essa mudança só aconteceria se nós fôssemos muito mais assertivos
com relação à visão de futuro (...) O primeiro passo foi o Fleury deixar claro que sua ambi-
ção é muito maior e que precisaríamos acelerar esse crescimento de uma maneira que a
gente nunca tinha feito antes ou então o grupo se tornaria uma empresa de nicho e seria
simplesmente abocanhado por outras empresas que estão crescendo em um ritmo muito
mais acelerado”, complementa.
A ambição e os valores que o grupo carrega tornaram a aplicação das práticas ESG e o impacto
social questões muito mais claras para o grupo, depois da pandemia. Para a diretoria, a relevân-
cia de uma empresa de saúde que tem acesso a capital é grande no sentido de contribuir para
ajudar a reduzir os desafios trazidos pelo cenário pandêmico no Brasil.
A empresa tem potencial para fazer a sua parte e também influenciar outras empresas positiva-
mente, diz Márcio. “Temos um histórico de boas iniciativas, mas queremos cada vez mais priori-
zar aquilo que tem um impacto maior e mais significativo. Isso é parte do que está acontecendo
agora dentro do próprio comitê. Como conseguimos dar foco em tudo isso que já é feito para
conseguir algo maior, para ir além daquilo que já é esperado de uma empresa de capital aber-
3 Pesquisa e Desenvolvimento.
4 Processo de inovação aberta cuja premissa é o compartilhamento do conhecimento.
5 Initial Public Offer ou Oferta Pública Inicial.
356
to no país? Queremos ir além. Esse é nosso trabalho no Comitê de Transformação, no Comitê
de ESG, no próprio conselho, de trazer essa provocação para dentro da empresa, de tirar essas
pessoas da zona de conforto. A gente não quer fazer 400 projetos ao mesmo tempo, mas 50,
que vão estar conectados à visão estratégica da empresa; e a gente entende que vão impactar
muito mais pessoas. O ‘S’ do ESG talvez seja o pilar onde a gente consiga ter esse impacto, o
maior impacto possível. Essa é parte da construção que vem acontecendo ao longo dos últimos
meses na empresa, nessa estruturação do comitê de ESG”.
Em setembro de 2020, foi lançada a Saúde iD, empresa de tecnologia baseada na ciência de
dados e inteligência artificial, um ecossistema de saúde. Por meio de uma plataforma online,
clientes e prestadores podem interagir, integrando produtos e serviços de saúde. Com o uso de
um aplicativo, o paciente pode agendar e realizar teleconsultas, consultas presenciais, marcar
e acessar resultados de exames diagnósticos, consultar o prontuário eletrônico e autogerenciar
sua saúde no caso de doenças crônicas, por exemplo.
Para tornar a plataforma de marketplace uma realidade, o projeto exigiu todo um novo con-
junto de habilidades da organização. Foi desenhado um plano de negócios e contratada uma
equipe originária de healthtechs6 do mercado e que traz consigo o mindset de inovação tra-
balhando com autonomia sob a batuta de um CEO escolhido com cuidado e que precisou de-
monstrar conhecimento e experiência a respeito do novo público-alvo.
357
A plataforma está agora em fase de produtização e já conta com alguns novos produtos a
serem ofertados. Márcio explica que o foco agora é no produto e na experiência do cliente
para somente, em seguida, partirem para escala. “Nesse momento, estamos com os times
concentrados no trabalho com a plataforma, em soluções para colocar os resultados de exa-
mes, os prontuários, e começar a construir os produtos e experiência do cliente só para de-
pois conectar outros vendedores e compradores. Temos todo um plano para crescer lá na
frente, validando MVPs7. Alguns exemplos do que pretendemos fazer é começar a vender
cirurgias, mesmo sem termos hospitais, fazendo parcerias e montando pacotes de cirurgias
mais simples direcionadas a quem não tem plano de saúde. É possível oferecer essa solução,
um pacote mais acessível, parcelado em 12 vezes, utilizando o período de ociosidade das salas
de cirurgias dos hospitais. Ainda estamos em uma fase inicial, mas existe um potencial muito
grande; é um mercado imenso”.
Em novembro de 2020, o Grupo Fleury, em parceria com o Grupo Sabin, anunciou a criação
do Kortex Ventures, um fundo de investimentos em startups, que nasceu com 200 milhões de
reais em recursos. Com o fundo, as empresas pretendem realizar entre 15 e 18 investimentos
nos quatro anos seguintes, em companhias que possam trazer inovações na área da saúde e
sinergias com os negócios.
PANDEMIA E DIGITALIZAÇÃO
O uso de recursos digitais ganhou força no período da pandemia da Covid-19, quando a em-
presa foi posta à prova pela necessidade de distanciamento social. Para o seu público, nesse
novo cenário, foram desenvolvidas diversas iniciativas digitais e múltiplas ferramentas foram
adotadas pelo grupo.
Várias frentes foram preparadas para absorver a demanda por apoio, atendimento e pela rea-
lização de exames e testes Covid-19 que chegava por parte do poder público, dos clientes e
outros stakeholders. O Cuidar Digital é uma ferramenta que permite consultas online entre
médicos e pacientes e tem mais de 3.500 médicos cadastrados. O atendimento domiciliar
apresentou um grande salto durante a pandemia, com crescimento de 77%, quando o grupo
começou a oferecer a alternativa da realização de exames de imagem em casa, registrando
um crescimento de 74,4% em relação a 2019 – com destaque para o início da oferta de ultras-
sonografia domiciliar.
358
Ferramentas de tecnologia e atendimento oferecidas, como o WhatsApp e o Agende Covid,
que em sete meses somou 105.000 agendamentos digitais em cinco regiões do País, compro-
vam a mudança no comportamento do cliente. Foi constatado o crescimento do número de
acessos remotos para consulta de resultados dos exames realizados e os médicos passaram a
contar com a possibilidade de visualização de resultados de exames em todas as marcas do
Grupo Fleury, por meio de um novo site e com a permissão do paciente. Foram registrados 13
mil acessos dos médicos ao Site de Resultados, enquanto os acessos dos clientes somaram
quase dois milhões em 2020.
Foi lançado também o check-in via WhatsApp, ferramenta que permite ao cliente realizar o
check-in digital antes de sair de casa, agilizando o atendimento na unidade. A tecnologia foi
implementada em 72 unidades de quatro marcas do Grupo Fleury e foi utilizada por mais
de 81 mil clientes em 2020, com uma conversão de 50% dos clientes elegíveis. A ferramenta
facilita a vida do paciente, diminuindo tempo nas unidades — o que se tornou ainda mais
importante em um contexto de Covid-198.
DIVERSIDADE
359
Fonte: Relatório de Sustentabilidade Grupo Fleury 2020
É Jeane quem explica que há um grupo de liderança feminina ativo na organização, que dá
espaço a discussões, questionamentos e reflexão. Ela conta: “trazemos temas transversais e fa-
lamos sobre incentivar a liderança feminina. Tradicionalmente nos cargos de STEM9 - somos
aqui de ciência e tecnologia – temos a média de 73% de mulheres. Nossa cultura e nosso olhar
da diversidade em relação à mulher promove, discute e traz isso à realidade. A área de saúde é
composta predominantemente de mulheres; temos uma empresa que tem 80% de mulheres.
Costumo brincar que, quando estudei medicina, não era essa a realidade, eram mais homens
que mulheres. Hoje, nas turmas de medicina, existem mais mulheres que homens. Mas quando
olhamos para a liderança da área de saúde, ela ainda é predominantemente masculina. Então a
gente vem falando sobre a importância de refletir a realidade da área na corporação. Se é uma
área na qual há mais mulheres que homens, isso tem que ser assim em todos os aspectos, pre-
cisamos incentivar as mulheres na liderança”.
O grupo de liderança feminina foi formado em 2019 e nasceu espontaneamente, assim como
outros grupos que têm espaço para se manifestarem e, muitas vezes, são apoiados pelo grupo
e oficializados dentro da organização. “As mulheres se organizaram espontaneamente e come-
çaram a discutir temas, fazer eventos, trazer outras mulheres para falar, fazer benchmarking, e
aí levamos para a diretoria executiva para a empresa ter ciência de modo oficial, e ele foi muito
bem recebido”, conta a CEO, que ressalta a participação das jovens no grupo. Segundo ela, o
público jovem já traz esse olhar atento para o ESG consigo.
Jeane também conta que a diversidade é percebida na empresa de modo amplo e é conside-
rada em todos os aspectos. Ações LGBTI+ estão na pauta, em ações oficiais como a Semana da
Diversidade. Ela contextualiza dizendo que os profissionais convivem com questões de gênero
e diversidade na prática, todos os dias, no atendimento aos clientes. A empresa possui a prática
de ouvir grupos de clientes regularmente para entender as demandas e desejos e como que-
9 Acrônimo que representa as áreas de Science, Technology, Engineering e Math, ou Ciência, Tecnologia,
Engenharia e Matemática.
360
rem ser atendidos, prática que traz informações valiosas para a excelência do atendimento. A
orientação oficial para os colaboradores é demonstrar diariamente o respeito ao indivíduo em
todos os aspectos.
“Temos grupos de clientes que ouvimos sempre e com quem aprendemos muito, aprendemos
a entender como desejam ser tratados. Na nossa natureza de negócios é preciso explicar que a
análise de amostras precisa de informações biológicas, em todos os casos, incluindo as questões
de identidade de gênero das pessoas. É preciso usar um parâmetro biológico no equipamento.
Se eu faço uma dosagem hormonal, os parâmetros hormonais são diferentes para homens e
mulheres por aspectos biológicos e eu preciso dessas informações para o resultado do exame,
mas preciso também respeitar o cliente e como ele quer ser tratado. Se eu faço um exame de
espermograma em uma mulher trans chamada Maria? Como é fazer isso? Como devo tratar
esse cliente? O meu colaborador precisa estar treinado e é preciso contar ao paciente: ‘Preciso
de algumas informações de parâmetros biológicos e respeito a sua diversidade’. De modo ge-
ral, as pessoas não pensam nisso. Sobre a questão da deficiência, também aprendemos muito.
Temos, por exemplo, uma sala especial e treinamento de colaboradores para crianças com au-
tismo. Se ela não for bem acolhida, tem dificuldades e se torna um fator de stress gigantesco
para os pais. Elas podem viver experiências traumáticas ao fazer o exame. Existem ainda vários
aspectos que a gente como organização ainda precisa aprender em relação à diversidade em
todos os seus aspectos”, comenta.
Para Fernando, “a diversidade, a gente encara como diversidade de gênero, étnico-racial, LGBT-
QIA+, geracional e geográfica também, é amplo. Hoje, estamos presentes em 9 estados, de São
Luís do Maranhão a Porto Alegre. No início, tivemos dificuldades, mas aprendemos a incorporar
a diversidade cultural e tudo isso traz inovação, por exemplo, com a diversidade geracional que
combina desde os médicos mais antigos até a turma mais jovem das startups. Isso é muito rico
para a inovação “.
“Uma cliente não aceitou ser atendida por uma colaboradora negra em uma das unidades de
atendimento”, conta Fernando, que segue explicando como a corporação dá suporte ao cola-
borador na lida com os desafios diários que se apresentam no atendimento: “A coordenadora
da unidade disse à cliente que então ela não seria atendida no Grupo Fleury, porque o Grupo
Fleury não discrimina. O episódio ocorreu há algum tempo e a funcionária deu essa resposta,
mas ele conta que ela achou que seria demitida em seguida, porque nunca havia sido orien-
tada para dar esse tipo de resposta especificamente. Ela não foi demitida e foi, isso sim, pa-
rabenizada pela atitude. Fernando confessa que o raciocínio à época foi: “precisamos de uma
política para dar conforto ao nosso colaborador e oficializar as melhores práticas ao lidar com
situações dessa forma”, mas diz que era para que as pessoas soubessem como agir, que essa é
a cultura Fleury. “Fazemos tudo que é possível para criar esse ambiente seguro, nossa política
de diversidade, eu ajudei a escrever (...) a gente respeita o indivíduo independentemente de
qualquer coisa.... ele pode ser quem ele é. Basicamente, esse é o resumo da nossa política”,
que foi considerada arrojada à época. “Na nossa cabeça, estaríamos mais à frente ainda, com
mais mulheres, negros e outras minorias, mas como ainda temos que brigar pelo básico do
básico... acho que é um processo”, conta, revelando ter contratado consultorias para ajudar
contratar para garantir mais diversidade.
361
UMA CEO
Antes de se tornar CEO, em abril deste ano, Jeane Tsutsui foi Diretora Executiva de Negócios e
está há 20 anos na organização. Ela conta que ainda está se adaptando a essa responsabilidade
de ser CEO e que, mesmo com todo o seu histórico na organização, não conhecia a fundo a
complexidade das interações com mercado de capitais, conselho e governança, por exemplo,
que são cenários relativamente novos para ela.
Jeane explica que o papel do CEO é trazer cada vez mais reflexões voltadas para o capitalismo
e para os stakeholders nas organizações. “Eu sou uma empresa de capital aberto e eu era a
única CEO mulher do Ibovespa. Claro que há uma pressão imensa, no curto prazo, de trazer
margem. Passei o dia todo falando com investidores hoje e há cobrança de resultados finan-
ceiros. Mas, de modo geral, eu acredito que eu só consigo trazer os resultados financeiros se
conseguir trazer o propósito para a organização. Quando se fala sobre propósito na organiza-
ção, é preciso conectar as pessoas. E aí, todos os aspectos de reputação, de ética, de bem-estar
dos colaboradores se tornam fundamentais para conectar as pessoas. Não dá para fazer isso
só com aspecto financeiro. Na minha visão, cada vez mais os CEOs estão se preocupando com
reputação e cenários aos quais antes não estavam tão habituados. Eu vejo e participo de várias
discussões onde o tema de olhar para os colaboradores, motivar e reter talentos passa por tudo
que discutimos e as novas gerações vão pressionar cada vez mais, os clientes vão pressionar. A
mudança de CEOs veio para ficar”. Para ela, a mudança de cultura em uma organização tem
que ser genuína. Não somente os CEOs, mas todos os outros líderes, todos os colaboradores
precisam incorporar a mudança no modelo de negócios, porque é preciso ser real, vivido, não
pode ser somente discurso, o CEO precisa estar junto a essa construção, mas não somente ele.
Por isso todos os executivos têm essa missão. “A discussão sustentável deve estar com o CEO,
com o CFO, RI ou Estratégia? Na verdade, é somente uma questão de organização, porque ESG
é meta de todo mundo, é dever de todo mundo”, completa. As metas ESG da empresa constam
no BSC de toda a organização e na remuneração variável da liderança.
362
Fonte: Relatório de Sustentabilidade Grupo Fleury 2020.
O Grupo Fleury sempre soube como agregar e entregar valor, assim como a percepção de va-
lor, para o público das classes sociais presentes no topo da pirâmide social. Uma cultura de
acolhimento, a qualidade da reputação, café e lanches na espera, atendimento de excelência e
qualidade são itens que se relacionam com o público-alvo com o qual o grupo lida há décadas.
“Graças ao aspecto da ética, da boa governança, do impacto social, temos uma reputação per-
cebida de diferentes formas, em forma de valor de marca, fidelidade dos clientes e sustentabili-
dade, que é muito forte’’, completa Jeane, que faz reflexões sobre entrega de valor com todas as
ações e múltiplas frentes: “será que se nós nos concentrarmos em uma coluna dorsal estratégi-
ca e fazer ações que tenham mais impacto conseguiremos trazer um valor que seja percebido
por todos os stakeholders como um outro patamar? O que realmente o cliente enxerga disso
tudo? Ainda não sei”. Ela própria responde. “Pelo fato de estarmos na área de saúde, o impacto
social na saúde é uma espinha dorsal que faz sentido, mas ainda precisa ser discutido de modo
geral. Não posso falar só por mim”, adiciona, se referindo aos comitês e conselho. “E a pegada
de carbono? Compensa usar carros elétricos para a coleta? Vamos medir ainda”. Jeane afirma
estar iniciando essa discussão agora que assumiu a cadeira de CEO e que, com certeza, o desa-
fio levará o Grupo a um patamar ainda mais avançado na sua trajetória sustentável. Ela conclui:
“Por isso talvez todo esse aprendizado que estamos tendo com essa mudança de patamar deve
vir atrelado ao que você é, quem você é nesse ecossistema, essa é a reflexão que a gente está
fazendo agora. Para ter mais força”.
Durante crises ou catástrofes, qual o papel social das corporações frente às urgências? A per-
gunta foi feita durante as entrevistas para a escrita deste caso e para outras empresas no decor-
rer da publicação, da mesma forma.
363
Daniel Périgo explica qual foi a atuação do Grupo Fleury, que desenvolveu um teste para a
detecção de Covid-19 nos primeiros momentos da pandemia de modo rápido. Ele conta que
uma decisão precisou ser tomada. Não havia testes para atender a toda a demanda privada
que se originou no início da pandemia e o setor público também requisitou ajuda da empresa
na forma da doação de testes. “Se oferecêssemos esse teste de modo amplo nas nossas uni-
dades de atendimento – e a gente entende a ansiedade das pessoas em fazer o teste porque
queriam saber se estavam contaminadas ou não – não seria suficiente para aqueles casos que
precisam mais. Então a decisão do Fleury, muito conectada com essa questão social, foi: onde
está a maior necessidade no momento? A maior necessidade estava nos hospitais, que é onde
estavam chegando os pacientes com os casos mais graves e que precisavam de diagnóstico
mais rápido para que fosse possível começar o tratamento. Então tomamos a decisão de, ini-
cialmente, oferecer o teste só para os hospitais e, depois, quando entramos em uma fase onde
as metodologias estavam disponíveis de uma maneira mais ampla, começamos a oferecer nas
nossas unidades e no atendimento móvel. Para mim, essa foi uma decisão tomada olhando
para o social. A gente tinha um comitê de crise que foi criado para ajudar a organização du-
rante todo esse processo, então essa foi uma das vertentes de atuação social. A outra vertente
foi em relação aos nossos colaboradores, porque começamos a ter impactos do ponto de vista
de saúde, com o adoecimento das pessoas, ou aspectos econômicos com parentes e pessoas
próximas que começaram a perder o emprego, o que começou a impactar também os nos-
sos colaboradores indiretamente. Então fomos entender de que maneira poderíamos ajudar
esse aspecto social e tomamos uma série de decisões: assinamos o compromisso Não Demita,
reforçamos todos os nossos protocolos assistenciais de saúde e segurança, as inspeções de se-
gurança, os treinamento, a conscientização, para que trouxesse uma sensação de segurança e
proteção maior para quem estava na linha de frente. Para quem não precisava estar na linha de
frente, foram quase todos para home office”.
Em 2020, o grupo realizou mais de 878 mil testes moleculares para identificação do Coronaví-
rus, dos quais 715 mil para hospitais parceiros, seguindo recomendação do Ministério da Saúde.
Além disso, participaram em parceria com instituições de ensino e pesquisa, hospitais públicos
e privados e entidades setoriais, de uma série de protocolos de pesquisa científica, validação
técnica e transferência de tecnologia, como o SoroEpi MSP e o Covid-19 Data Sharing/BR.
Daniel conta que houve muito aprendizado durante a atuação na pandemia. “O primeiro foi o
da resiliência, porque precisamos ser muito resilientes, e aí, não só como empresa, mas como
pessoas (...). Acho que foi um período de muita quebra de paradigma. A gente quebrou para-
digmas porque a pandemia nos colocou em situações onde, talvez, em condições normais,
achássemos que não daria para trabalhar (...). E acho que também foi um período de aprender a
buscar novas soluções, no momento em que precisávamos manter a operação da organização,
desde a manutenção do negócio até as questões relacionadas ao aspecto ESG, como a gente
se reinventava para conseguir fazer com que esse sistema continuasse rodando a contento na
364
companhia, e precisamos nos reinventar, definir novas iniciativas, definir novos mecanismos
de controle, de acompanhamento, porque estávamos em modo online. Então, acho que foi um
grande período de aprendizado, para se reinventar e reinventar a maneira de se trabalhar”.
MEIO AMBIENTE
O tema de mudanças climáticas, apesar de não figurar como tema material na matriz de mate-
rialidade , consta no monitoramento da organização. As principais tendências sobre o assunto
são reportadas desde 2015 e é elaborado, desde 2009, o inventário de emissões, que é auditado.
A principal estratégia no tema é a redução das emissões, por meio do aumento da eficiência
energética, da diminuição da geração de resíduos, da otimização dos processos de transporte e
logística e da identificação de novas oportunidades tecnológicas e processuais.
Recentemente, foi aprovada a construção de plantas fotovoltaicas que irão suprir o consumo de
energia das regionais que respondem pelo maior consumo de energia do Grupo.
O tema de maior materialidade ambiental (e utilizado como KPI na emissão das debêntures) é,
sem dúvida, descarte de resíduos. O uso de tubos de ensaio para exames, o descarte apropriado
e a redução de material a ser descartado fazem parte dos estudos para atingimento das metas.
Jeane revela que há um projeto em curso que poderia reduzir toneladas de tubos utilizados.
365
PRÓXIMOS PASSOS
O Grupo Fleury usa uma imensa quantidade de dados gerados pelo negócio para fazer adap-
tações em seus projetos estratégicos. Não poderia ser diferente em uma empresa de seu porte
e com suas características. Mas Fernando Alberto, Vice-Presidente do Conselho de Adminis-
tração, considera que o grupo ainda está aquém do que almeja em relação ao impacto social
e outros resultados que que podem ser alcançados. Um dos primeiros passos será cumprir os
KPIs estabelecidos na operação dos bonds. Ele confessa estarem cautelosos em relação à divul-
gação da emissão das debêntures atreladas às metas ESG. Não querem correr o risco de serem
vistos como alguém que estaria fazendo greenwashing e explica que o desejo é alcançar um
momento em que essa cautela não será necessária, porque o impacto social já estará incorpo-
rado de tal forma na estratégia principal do negócio que será natural. Os passos seguintes serão
a conclusão da fase de produtização do marketplace.
Outro objetivo em vista é se tornarem uma empresa B Corporation, certificação para a qual
estão se organizando, avaliando gaps, se estruturando e estabelecendo o roadmap para ação
futura. Um outro desejo é tornar a empresa mais diversa. Fernando explica: “não queremos
discurso, queremos prática (...) a gente precisa impor esse tipo de desafio e o Comitê de ESG
tem criado esse desconforto. É importante ter no topo da empresa esse direcionamento, essa
liderança que vai trazer o desconforto; a função do comitê é trazer desconforto. É muito fácil no
dia a dia: a empresa está funcionando, está entregando resultado, a empresa está crescendo, o
que mais eu quero fazer? A gente faz muita coisa legal, mas que impacto isso traz? Como está
sendo medido esse impacto? Estamos alcançando o máximo de impacto que a gente conse-
gue?”. São alguns dos questionamentos que deverão guiar a próxima fase da trajetória.
CONCLUSÃO
O Grupo Fleury traz o cuidado com o próximo como um dos pilares da cultura corporativa, uma
vez que essa é uma função básica presente nas organizações de saúde. Tal característica tem
pautado sua atuação no campo da sustentabilidade por várias décadas. Ao iniciar sua trajetória
de sustentabilidade, uma organização precisa olhar para dentro, olhar para si própria e com-
preender que impactos são causados nos colaboradores, na comunidade onde está inserida, no
meio ambiente, em todos os stakeholders nas diferentes dimensões do ESG. Com o passar dos
anos, o grupo desenvolveu e executou múltiplas e valiosas iniciativas relacionadas ao meio am-
biente, governança e ao aspecto social. Foram viabilizados inúmeros projetos e ações que trou-
xeram a organização até o ponto no qual se encontra hoje e fortaleceram a cultura. Entretanto,
como seus executivos constatam, as iniciativas ainda eram separadas da estratégia do negócio
e carentes de uma linha mestra que pudesse oferecer um norte estratégico. Com a evolução
do grupo e sua análise de materialidade, a conclusão obtida aponta o impacto social como o
principal ponto a ser considerado nas ações e práticas sustentáveis. Agora, o grupo parece ter
encontrado o norte que ajuda a associar negócios e geração de impacto. A coragem de olhar
para todos os seus projetos ESG e questionar se 400 projetos são realmente uma escolha me-
lhor do que 50 projetos de alto impacto social positivo, relacionados à estratégia de negócios e
seu DNA, não deixa dúvidas quanto a esse momento do grupo. O grau de maturidade atingido
torna possível a construção dessa estratégia de maneira autêntica e responsável, com espaço
para a reflexão e para o questionamento, ainda que sem a certeza de todas as respostas.
366
STEPHANIA GUIMARÃES
367
SEÇÃO 5:
O G DO ESG: A GOVERNANÇA
DEVE SER A BASE DO ESG
EDITOR: DALTON SARDENBERG
A governança como pilar de
sustentação do ESG
DALTON PENEDO SARDENBERG
Em sua carta endereçada aos CEOs em 2021, Larry Fink, Chairman e CEO da BlackRock, os
exortou que: “Quanto mais a sua empresa puder demonstrar seu propósito em entregar valor
aos seus clientes, seus colaboradores e suas comunidades, melhor será sua capacidade de
competir e entregar lucros duradouros, de longo prazo, para os acionistas” 1. Quase sessenta
anos depois de Robert Freeman ter criado a Teoria dos Stakeholders, apontando a necessidade
de incluir como foco de atenção todas as pessoas que interferem e são impactadas direta ou
indiretamente pelas empresas, parece ainda ser necessário reforçar a ideia de que acolher as
demandas dos stakeholders não é relativizar os interesses dos shareholders, mas, ao contrário,
é a forma mais segura de continuar a entregar valor aos acionistas no longo prazo.
Fonte: ESG e as empresas de capital aberto, Grant Thornton, XP Inc. e FDC, 2021
1 FINK, Larry. Carta do Larry Fink aos CEOs. BlackRock, 2021 Disponível em: <https://www.blackrock.com/
br/2021-larry-fink-ceo-letter>. Acesso em: 11 de dezembro de 2021.
369
A sua carta anterior, de janeiro de 2020, já havia sido um marco definitivo, ao incorporar o im-
pacto positivo de uma empresa como fator essencial para que a BlackRock pudesse vê-la como
objeto de seus investimentos, o que estimulou outros fundos a seguirem o mesmo posiciona-
mento, considerando o desempenho de uma empresa em relação aos fatores ESG ao tomar
suas decisões de investimento. A consequência é um maior estímulo a que as empresas am-
pliem a adoção de estratégias orientadas para as partes interessadas, buscando a maximiza-
ção do valor social e ambiental. De fato, a relevância na atualidade dada ao ESG nas empresas
brasileiras pode ser comprovada por pesquisa publicada pela Grant Thornton, XP Inc. e a Fun-
dação Dom Cabral, em setembro de 2021, realizada junto a 167 empresas de capital aberto, que
indicou que 75% delas consideram o ESG como uma prioridade2. Contudo, acesso a mercados
de capitais e redução de custos de capital sequer estão no top 5 dentre os principais benefícios
alcançados pelas ações ESG. As empresas abertas brasileiras ainda percebem como principais
ganhos gerados pelo ESG a valorização da marca; melhoria da reputação; redução de riscos,
atração de talentos; e conquista de mercado, nesta ordem.
Historicamente, inclusive, a governança corporativa tem sido revisada e fortalecida após inci-
dentes de falha na governança corporativa. Por exemplo, a primeira referência em termos de
princípios e regras que regem a governança corporativa foi o Relatório Cadbury (em home-
nagem ao presidente do comitê formado, Sir Adrian Cadbury), publicado em 1992, no Reino
Unido. Surgiu em decorrência da preocupação que o Financial Reporting Council – FRC –, a
2 GRANT THORNTON, XP INC. e FDC. ESG e as empresas de capital aberto, 2021. Disponível em: <https://
www.grantthornton.com.br/insights/artigos-e-publicacoes/pesquisa-esg-e-as-empresas-de-capital-
aberto/>. Acesso em: 10 de dezembro de 2021.
3 Fala do Ministro da Economia Paulo Guedes, em julho de 2019, em referência a pessoas que, ao longo do
anos, tomaram posse do Estado, beneficiando-se dos recursos públicos, seja para enriquecimento ilícito ou
para patrocinar partidos políticos em projetos de perpetuação de poder.
370
Bolsa de Valores de Londres e os profissionais de contabilidade tinham quanto ao baixo nível
de confiança sobre os relatórios financeiros emitidos pelas empresas e, também, quanto ao não
devido rigor das auditorias conduzidas nas empresas. O Código Cadbury introduziu um con-
junto de melhores práticas direcionado aos conselhos de administração de empresas listadas
e que foi posteriormente incorporado às regras de listagem da Bolsa de Valores de Londres. Na
sequência, surgiram os “Princípios de Governança Corporativa” do G20 / OCDE, publicados pela
primeira vez em 1999.
Novo avanço se deu a partir da Lei Sarbanes-Oxley, de 2002, que foi promulgada nos Estados
Unidos, na sequência de uma série de fraudes contábeis, trazendo novos requisitos de gover-
nança para as empresas americanas. A SOX acabou influenciando leis semelhantes em vários
outros países e a publicação de diversos códigos de melhores práticas . Já a crise financeira de
2008 demonstrou novas fragilidades, levando a OCDE e a Comissão Europeia a publicarem, em
junho de 2010, seu Green Paper com novas orientações sobre como melhorar a governança de
bancos e instituições financeiras.
Também em 2010, o FRC do Reino Unido emitiu um novo Código de Governança Corporativa,
estabelecendo padrões de boas práticas em relação à liderança e eficácia do conselho, remu-
neração, responsabilidade e relações com acionistas. Esse Código, inclusive, teve a sua última
atualização em 2018, ampliando a definição de governança e enfatizando especificamente a
importância de estabelecer uma cultura corporativa alinhada com os propósitos empresariais
com a estratégia de negócios, promovendo a integridade e valorizando a diversidade. Ao fazê-
-lo, adotou uma abordagem ESG para empresas.
MÉTRICAS DA GOVERNANÇA
Ao construir seu portfólio, os investidores ESG avaliam as práticas de governança, assim como o
fazem com os fatores ambientais e sociais. Além do processo de tomada de decisão, são objeto
de atenção a existência de políticas, o tratamento equânime quanto aos direitos do acionistas,
as atribuições e a composição dos diferentes órgãos de governança, seja a assembleia de acio-
nistas, o conselho de administração, comitês ou a diretoria executiva.
Pesquisa realizada pela S&P Global mostrou que as empresas que se classificam bem abaixo
da média de fatores que caracterizam uma boa governança são particularmente propensas a
uma gestão deficitária, a uma maior exposição a riscos e com menor capacidade de capitalizar
oportunidades de negócios ao longo do tempo4. A S&P utiliza como parâmetros de avaliação
do desempenho da governança das empresas quatro diferentes fatores: estrutura e supervisão;
código e valores; transparência e relatórios; e riscos cibernéticos e sistemas.
As métricas do que se compreende por uma boa governança vêm sendo compiladas há mais
tempo do que os dados ambientais ou sociais. Em 2003, pesquisadores de Harvard, Stanford
e Yale criaram o Índice de Governança (G-Index) que media 24 dimensões de governança que
4 WHAT IS THE “G” IN ESG? S&P Global, 2020. Disponível em: <https://www.spglobal.com/en/research-
insights/articles/what-is-the-g-in-esg>. Acesso em: Acesso em: 12 de dezembro de 2021.
371
impactam negativamente os direitos dos acionistas, representando, assim, uma governança
corporativa deficiente5. Outra fonte de medição é o Índice de Entrincheiramento (E-Index) pro-
posto por pesquisadores da Harvard Law School que mede seis dimensões de governança cor-
porativa, sendo quatro sobre os direitos dos acionistas e duas sobre aquisições corporativas6.
Ambos os índices são baseados no entendimento empírico de que as empresas com direitos
de acionista mais respeitados têm um valor mais alto e um melhor retorno que as demais. Con-
tudo, tais índices não incluem, em sua avaliação, os direitos dos outros stakeholders, e com a
relevância adquirida pelo ESG passaram a ser considerados bastante limitados para apoiar os
investidores em qualificar o desempenho dos conselhos das empresas.
Fonte: RobecoSAM
5 GOMPERS, Paul A., ISHII, Joy L. e METRICK, Andrew, Corporate Governance and Equity Prices. Quarterly
Journal of Economics, Vol. 118, No. 1, pp. 107-155, February 2003.
6 BEBCHUK, Lucian A., COHEN, Alma e FERRELL, Allen. What Matters in Corporate Governance? Review of
Financial Studies, Vol. 22, No. 2, pp. 783-827, February 2009, Harvard Law School John M. Olin Center.
7 TANG, Kelly. Exploring the G in ESG: Governance in Greater Detail. S&P Global, 2019. Disponível em: <https://
www.spglobal.com/en/research-insights/articles/exploring-the-g-in-esg-governance-in-greater-detail-
part-i>. Acesso em: 12 de dezembro de 2021.
372
GOVERNANÇA CORPORATIVA
O gráfico a seguir mostra os fatores ESG mais relevantes para as organizações, tomando por
base o conceito de materialidade financeira.
Fonte: ESG e as empresas de capital aberto, Grant Thornton, XP Inc. e FDC, 2021
Outro aspecto levado em consideração é quanto à diversidade, com a crescente exigência por
parte dos acionistas institucionais de uma melhor equidade de gênero nos conselhos de ad-
ministração e em cargos executivos. Diversas pesquisas têm sido conduzidas sobre o tema, de-
monstrando que a diversidade nas organizações vai além da mera defesa de correção histórica
da falta de um tratamento equânime, o que por si só já seria valoroso, mas que pela existência
de um “caldo” de diferentes experiências, visões e modelos mentais na tomada de decisão ge-
ram resultados efetivos. Quanto a esse último aspecto, por exemplo, é reconhecido que o gêne-
373
ro masculino toma decisão com base em um processo mais dedutivo e o gênero feminino de
forma indutiva.
A questão da remuneração dos executivos também tem sido foco de atenção dos investidores
ESG, verificando se há o risco da adoção de uma política de bônus autoconcedido e se ela está
apropriadamente vinculada ao aumento do valor de longo prazo, da viabilidade e da lucrativi-
dade do negócio. Empresas que praticam bônus de executivos que vão além dos meramente
econômico/financeiros são bem avaliadas.
CÓDIGOS DE CONDUTA
Empresas comprometidas com princípios éticos e com práticas de conformidade desenvolvem
códigos de conduta abrangentes, de fácil compreensão e acessíveis a todos os colaboradores.
Os códigos de conduta existem para moldar os comportamentos do dia a dia das equipes, pre-
venindo práticas de suborno e corrupção.
Ao mesmo tempo, deve verificar se os conselhos de administração das empresas adotam es-
tratégias para mitigar os riscos que surgem ao terceirizar partes de suas atividades. Tal mo-
nitoramento da cadeia de suprimentos se tornou ainda mais crítico no Brasil após a reforma
trabalhista de 2020, que trouxe a possibilidade de terceirização de atividades fim.
ESTRATÉGIA TRIBUTÁRIA
Esse critério EDS refere-se à checagem quanto à existência de uma política fiscal e quanto à
capacidade da empresa de evitar riscos e passivos tributários.
MATERIALIDADE
A melhor governança cria valor de longo prazo a partir de práticas ESG, vinculando-as aos resul-
tados financeiros. E, para tanto, deve-se encontrar métricas para que se possa dar publicidade
aos públicos de interesse, quanto aos avanços e benefícios alcançados.
374
INFLUÊNCIA DA POLÍTICA
Avalia se a empresa está alocando recursos para apoiar ações e/ou organizações visando in-
fluenciar positivamente políticas públicas, leis e regulamentos que promovam o bem-estar so-
cial e a preservação ambiental.
CONCLUSÃO
O principal objetivo da maioria das empresas é maximizar o seu valor de mercado a longo prazo.
Dessa forma, o seu desempenho econômico se refletirá pela lucratividade alcançada, medido
em termos de eficácia operacional, eficiência e produtividade. Investidores utilizam alguns in-
dicadores-chave de desempenho (KPIs) – tais como o retorno sobre o patrimônio líquido (ROE),
o retorno sobre os ativos (ROA) e o valor econômico adicionado (EVA) – para melhor avaliar os
riscos e retornos associados a seus investimentos. Uma divulgação acurada do desempenho da
sustentabilidade econômica é essencial para que os investidores e outras partes interessadas
avaliem adequadamente a lucratividade de longo prazo, a qualidade dos ganhos e os fluxos de
caixa da empresa-alvo.
Se o ESG colocou luz sobre os aspectos ambientais e sociais, não se deve deixar de reconhecer
o papel fundamental exercido pela governança no cenário corporativo. As empresas que ado-
tarem práticas superiores de governança e as divulgarem de maneira adequada estarão aptas
a impulsionar sua reputação, alcançar maior valor de sua marca, mas, igualmente, estarem
prontas a acessar linhas especiais de financiamento, reduzindo, por fim, seu custo de capital.
375
DALTON SARDENBERG
376
ESG na Vale na visão
de seu Chairman
JOSÉ LUCIANO PENIDO
A consciência do business para com as questões que hoje chamamos de ESG remonta à dé-
cada de 1970, quando teve início a preocupação ambiental. Naquele período, passou a ser fun-
damental que as empresas tivessem o compliance ambiental, contrastando com um período
anterior quando se tinha orgulho de uma fábrica soltando fumaça, que era vista como sinal de
progresso. Barulho, ruído, poeira e externalidades negativas ambientais passaram a ser uma
preocupação, a partir de então.
Na década de 1990, em um coquetel no Banco Mundial, ouvi de James Wolfensohn, então seu
presidente, que “o meio ambiente já é um pré-requisito para estar no negócio, mas a partir dos
anos 2000, quem não tiver uma atenção à criação de valor social, vai ser excluído”. Voltei pensa-
tivo, pois fora a primeira vez que alguém me falava sobre valor social. Eu era, então, Presidente
da Samarco, e decidi iniciar um projeto de voluntariado empresarial, colocando as competên-
cias, o tempo e o trabalho voluntário dos empregados da empresa a serviço da sociedade. Essa
iniciativa se expandiu para várias empresas de Minas Gerais e, assim, nasceu o movimento “Vo-
luntário das Gerais”, por incentivo da FIEMG.
A seguir, passou a vigorar o conceito de Propósito, que levava a empresa a ir além da filantropia
benemérita, segundo uma proposta de que o certo é ganhar dinheiro ao mesmo tempo que
se faz o bem para a sociedade. Ou seja, o “S” (social) se sofisticou, na primeira década desse
milênio.
Ou seja, o nome vai mudando: antigamente, era filantropia, depois virou responsabilidade so-
cial, responsabilidade corporativa, sustentabilidade e, hoje, chegamos ao ESG.
377
MOTIVAÇÕES PARA A ADOÇÃO DO ESG
Optar pelo ESG movido pela necessidade de redução de custo de capital, de ser uma estraté-
gia de acesso a financiamentos, ainda não se tornou um fator de relevância, por não haver no
momento uma restrição de recursos financeiros no mundo. Depois da pandemia, as economias
foram estimuladas com uma grande liquidez. Claro que as operações financeiras ligadas a im-
pacto com indicadores de sustentabilidade são uma forma muito adequada de financiamento.
Só que, no cenário atual, ainda não fazem uma diferença financeira relevante, olhando pelo
custo de capital dessas diferentes formulações.
Os principais indutores do ESG são duas megatendências com amplo poder de transformação
dos negócios. A primeira é a Emergência Climática. É evidente que se a rota climática atual
não for revertida, o aquecimento, em muitas partes do planeta, será insuportável, afetando so-
bretudo as populações mais pobres, gerando novas ondas de migração em consequência de
fome e calamidades. A emergência climática exige o redesenho dos negócios. As Novas Tec-
nologias são a outra megatendência: tecnologia digital, tecnologia exponencial, biotecnologia,
inteligência artificial, robótica, operação autônoma, novos materiais. Quando menos se espera,
o seu negócio será impactado por uma concorrência que surge quase que do nada, a partir de
uma disrupção tecnológica.
O outro item com que o Conselho sempre deve estar atento são os riscos. Uma empresa pode
vir a vivenciar casos absolutamente graves de reputação, se vier a ser envolvida, por exemplo,
em corrupção. No caso da mineração, os dois eventos dramáticos dos últimos anos na Samar-
co e na Vale representaram perdas de quase 291 vidas e um impacto ambiental imenso. Além
de um custo financeiro absolutamente material, houve uma perda expressiva de reputação,
comprometendo a licença social para operar. A insegurança da sociedade mineira para com
a estabilidade das estruturas geotécnicas de mineração passou a ser uma preocupação legí-
tima e evidentemente justificável. Depois de Brumadinho, houve uma intensa rediscussão de
normas técnicas de engenharia para a segurança dessas estruturas, e as normas, leis e regu-
lamentos no Brasil foram alçados a patamares bem mais elevados de exigências. Em termos
globais, o Conselho Internacional de Mineração e Metais, (ICMM), apoiado pela The Church of
England e por outros acionistas internacionais relevantes, estabeleceu novos e mais exigen-
tes padrões de segurança de barragens e estruturas de disposição de rejeitos. A Vale partici-
378
pou desses estudos, comprometendo-se com tais avanços, em conjunto com todas as demais
grandes empresas do setor.
O fato de a Vale ter mais que duplicado o seu grupo de profissionais geotécnicos e ter esta-
belecido uma redundância de três níveis de segurança geotécnica, com o compromisso de
não repetição de acidentes tão dramáticos como os dois em que nós estivemos envolvidos,
adicionando a preocupação com o compliance com normas de anticorrupção e com possíveis
violações de direitos humanos, são passos importantes relativos ao ESG.
Para a Vale, a questão de direitos humanos hoje é absolutamente fundamental, porque es-
tes dois acidentes foram grandes violações de direitos humanos. Nos dois últimos anos, a Vale
proativamente realizou assessments de possíveis riscos de violações aos direitos humanos em
todas as suas operações do mundo.
A Vale foi uma empresa estatal até 1997 e, ao ser privatizada, passou a ter um grupo de controle.
Em 2017, o grupo de controle tomou a iniciativa de aprimorar a sua governança e transformá-la
em uma Corporation. Decidiram que iriam fazer tal transição a partir de novembro de 2019,
não renovando o acordo de acionistas do grupo de controle. Tomada tal decisão, iniciou-se um
processo de benchmark das melhores práticas de governança internacionais, principalmente
segundo o padrão europeu. Quando, em janeiro de 2019, ocorreu o acidente de Brumadinho,
houve a necessidade de acelerar tais mudanças.
Em março de 2021, a Assembleia de Acionistas aprovou uma grande mudança nos estatutos da
empresa, incorporando práticas consideradas essenciais para uma empresa nos dias de hoje.
Foi definido que o Conselho da Vale terá maioria de conselheiros independentes; que o chair-
man e o vice-chairman são eleitos pela própria assembleia geral, e não mais pelos próprios
conselheiros; e foi criada uma figura que no Brasil não é usual, na eventualidade de o chairman
eleito não ser um membro independente, que é o lead independent director, escolhido pelos
próprios independentes com a função precípua de dialogar com os investidores e acionistas
minoritários.
Todos os comitês que assessoram o Conselho têm maioria independente. São seis comitês, sen-
do que cinco são liderados por conselheiros independentes.
379
A última evolução foi a constituição de um comitê de nomeação, que funcionou pela primeira
vez na última AGO. Ele foi composto pelo então chairman da Vale e por dois membros indepen-
dentes, o Pedro Parente, como coordenador, e o Alexandre Silva, que é chairman da Embraer.
Coube a eles analisar as autoavaliações do colegiado de cada conselheiro individualmente. Na
sequência, entrevistaram todos, discutindo e propondo, com o suporte de uma assessoria in-
dependente, uma matriz de competências desejadas para o conselho. Para tanto, utilizou-se
como benchmark empresas do mesmo porte e setor, tais como BHP, Rio Tinto, Anglo Ameri-
can, Glencore, dentre outras. Essa matriz de competência foi apresentada aos nossos investido-
res para ouvirmos sugestões, comentários, expectativas e, depois, foi submetida ao Conselho de
Administração. A seguir, com o apoio de dois headhunters internacionais, saiu-se à procura de
nomes que atendessem aos perfis traçados.
O Comitê de Nomeação sugeriu uma lista de nomes, mas alguns acionistas optaram por tam-
bém apresentar nomes alternativos. Portanto, a AGO de abril/2021 foi disputada, e os acionistas
soberanamente elegeram o colegiado atual, que tenho a honra de presidir.
Agora, cabe-nos fazer o colegiado trabalhar como um grupo e entregar resultados dentro das
expectativas.
O tema de inclusão racial já está incluído nas agendas do Conselho e do Comitê Executivo.
Decidimos fazer um censo com todos os nossos empregados no mundo, porque raça é um
sentimento de autodeclaração. Tivemos 70% de aderência em respostas e pudemos concluir
que a representação da sociedade no quadro de funcionários da Vale, no nível de chão de
fábrica, é absolutamente representativa da sociedade, seja no Brasil, no Canadá, na Indonésia
ou na África. Mas no nível executivo, como em quase todas as empresas brasileiras, prevale-
cem os descendentes de uma elite europeia branca, que teve acesso às melhores universida-
380
des, à melhor educação formal, o que nos recomenda a necessidade de promover algumas
mudanças. Programas de promoção da igualdade racial estão sendo adotados crescente-
mente pelas empresas e é um tema cuja atenção acelerou a partir de movimentos como o
Black Lives Matter. A Vale, por exemplo, em sua nova turma de trainees de 2021, dentre os 144
selecionados, apresentou o perfil de 68% de negros e 65% de mulheres. Recentemente, abri-
mos uma contratação de 28 posições de curso superior (economistas, engenheiros de vários
tipos, administradores) só para mulheres. Assumimos o compromisso de ampliar a diversida-
de de gênero e racial no quadro de liderança da empresa.
Outro aspecto é como nos vincularmos aos sonhos e às aspirações das comunidades locais,
que é um tema que ainda precisamos avançar. A Vale está se esforçando para estabelecer um
diálogo de duas mãos e não apenas de buscarmos fazer benesses, oferecendo aquilo que nem
sempre é exatamente o que a comunidade quer.
Após Brumadinho, foi contratado um assessment independente da cultura da Vale que identi-
ficou traços culturais que priorizavam a autossuficiência técnica das pessoas, que os nossos pro-
fissionais não tinham naturalidade para pedir ajuda, para reconhecer suas limitações de conhe-
cimento, para comunicar uma notícia ruim e, portanto, para indicar a presença de riscos. Ou seja,
o critério do que é performance e a visão do que é um profissional bem-sucedido não permitiam
uma gestão de risco adequada . Então, fizemos uma avaliação muito criteriosa e independente,
e isso não só no Brasil, mas no exterior também, e a dramaticidade do acidente de Brumadinho
teve o poder de provocar efetiva mudança. O Conselho trocou expressiva parcela da linha hie-
rárquica de minério de ferro, incluindo o presidente. Nós estamos envolvidos em um projeto de
transformação cultural absolutamente prioritário. Não é uma tarefa fácil, um projeto de cinco a
oito anos, porque mudança cultural não acontece de um dia para o outro. Estamos realizando
pesquisas de pulso frequentes para verificar se estamos tendo sucesso nessa transformação.
Esse processo de transição exige atenção do conselho, mas sobretudo a liderança do CEO, que
no caso atual da Vale tem sido conduzida de maneira extremamente oportuna e adequada
pelo Eduardo Bartolomeo.
O plano de remuneração da Vale inclui a parte fixa, baseada em critérios de mercado, por meio
de pesquisas realizadas por empresas especializadas, tanto no Brasil quanto no exterior, e a
parte variável, que inclui indicadores que em 2021 foram aprovados na assembleia geral, por
recomendação do Conselho de Administração. O CEO, por exemplo, tem hoje atrelado ao seu
plano de remuneração variável 60% de indicadores não financeiros. Nestes 60%, estão incluídas
metas relativas à segurança e saúde dos empregados, gerenciamento de riscos, transformação
cultural, modelo de gestão Vale e inovação. Essa proporção tornou-se necessária nesse mo-
mento, no pós-Brumadinho, com o objetivo de chamar a atenção dos executivos para o que é
relevante em adição aos resultados financeiros.
381
Existem dois cargos da alta administração da Vale que tem zero de influência financeira na sua
remuneração: o Chief Compliance Officer, que comanda auditoria, ouvidoria e compliance, e o
Vice-Presidente de Excelência Operacional e Risco.
Ainda existe uma terceira banda de remuneração, que é o incentivo de longo prazo vinculado
às ações da empresa, em que 20% referem-se à agenda climática.
Em uma corporação como a Vale, um dos principais papéis do chairman é fazer a ponte
entre a empresa e os seus investidores. O maior acionista hoje da Vale tem em torno de 10%
das ações e existem ainda seis acionistas que têm mais do que 5%. O resto é pulverizado, e a
tendência é pulverizar ainda mais. Assim, para exercer função de lead independent director,
voluntario-me a fazer um non deal roadshow com os investidores, duas vezes ao ano. Cada
conversa dessas dura, tipicamente, 50 minutos. Não falamos sobre dados operacionais, sobre
a produção ou mesmo sobre a parte financeira. Eles querem saber como eu estou liderando
o conselho, como eu estou pensando as metas de longo prazo, quais riscos que podem fazer
com que a empresa perca valor, seja por um imprevisto, por uma emergência ou por uma
desatualização da indústria, ou alguma ação da concorrência que faça a empresa perder valor
rapidamente. Ou seja, os temas de ESG estão presentes o tempo todo. Dificilmente a gente
fala sobre o business em si, até porque eu não poderia dar informações diferentes ou não uni-
formes a todos os investidores.
O chairman também deve estar próximo ao CEO. Eu tenho uma reunião quinzenal com ele, de
uma hora. É uma conversa livre, em que ele me passa uma atualização sobre os negócios, ope-
rações da empresa, evoluções do mercado, relacionamento institucional, oportunidades em
análise. Eu coloco dúvidas e questões, e alinhamos nossas percepções sobre a melhor conve-
niência para a Vale em cada tópico.
Um ponto que não deve ser negligenciado é a construção do plano anual de trabalho do Con-
selho, que se torna essencial para incluir os temas que fazem parte de suas responsabilidades
estatutárias em cada uma das reuniões ordinárias. Para a montagem das pautas, reúno-me
previamente com o nosso grupo da secretaria geral de governança, composto por vinte profis-
sionais muito bem qualificados; faço uma reunião com o CEO para discutir e definir os assuntos
essenciais que devem ser incluídos; submeto essa pauta aos conselheiros e recebo contribui-
ções. Após cada reunião, conduzo outra reunião com o CEO e com a secretaria geral de gover-
nança para verificar os aprendizados e os itens de follow-up.
382
Finalmente, outro ponto essencial na atuação do Presidente do Conselho é coordenar o ciclo
anual de discussão estratégica envolvendo o Comitê Executivo e o Conselho de Administra-
ção. A Vale tem um ciclo muito bem estabelecido de, a cada ano, dentro de um horizonte
estratégico de cinco a dez anos, avaliar as macrotendências mundiais, depois analisar a in-
dústria, os concorrentes e avaliar o cumprimento do plano do ano anterior. Na sequência,
rediscute-se temas de relevância, áreas de risco, áreas de oportunidades, finalizando com a
aprovação da revisão do plano estratégico e do orçamento do ano seguinte, incluindo o plano
de investimento, de alocação de capital, etc. Essa é uma dinâmica muito intensa e contínua,
de avaliação do portfólio, de negócios que devem crescer e de desinvestimentos a serem
conduzidos. E o Chairman e o CEO devem estar bem alinhados, para que o Conselho de Ad-
ministração e o Comitê Executivo se movimentem na mesma direção, contribuindo um com
o outro.
É claro que todas as operações têm externalidades negativas, que devemos trabalhar para
evitar riscos, para minorar os impactos negativos e exponenciar os impactos positivos. Esse é
o meu sonho. Eu ficarei feliz se, no futuro, perceber que no período em que eu atuei em sua
administração, a Vale tenha transformado para melhor a vida de pessoas.
383
Meu desejo é que a sociedade mineira, paraense, canadense, indonésia, todas essas áreas
onde nós atuamos, venham a perceber essa transformação para melhor em suas vidas, e a
contribuição da Vale para a economia de baixo carbono que o planeta precisa implementar.
Nós seremos um dos mais importantes veículos de evolução do “G”, do “S” e do “E” na indús-
tria de mineração.
384
O passado, o presente
e o futuro do ESG
LILIANE ROCHA
Recentemente, mais precisamente em 2020, uma carta de Larry Fink, CEO da BlackRock, a
maior gestora de ativos do mundo, sacudiu o mercado e revigorou as conversas sobre conser-
vação ambiental, inclusão social, crescimento econômico, governança e diversidade. Em 2019,
Larry já havia chamado a atenção do mundo ao aprofundar, em sua carta aberta para CEOs, o
poder do propósito e dos negócios com significado.
Vale observar algo relevante e crucial: esse tema não é novo, não é moda, não surgiu agora. Em
um mundo com tanta informação circulando na internet, fico surpresa como, por vezes, pare-
cemos perder o histórico de movimentos globais tão estruturantes e transformadores para a
humanidade, como os marcos prévios que nos fazem desembocar no atual fortalecimento do
conceito de ESG (Ambiental, Social e Governança – em tradução livre).
Vejamos que, em 1987, ocorria a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
coordenado pela primeira ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, na qual foi estrutura-
do o Relatório Brundtland, ou Relatório Nosso Futuro Comum, e nele está a frase que até hoje
norteia Relatórios de Sustentabilidade em grandes empresas, em todo o mundo, que diz: “pre-
cisamos atender às necessidades das gerações presentes, sem comprometer a capacidade das
futuras gerações de satisfazer as suas próprias necessidades”.
Sempre gosto de trazer a reflexão: será que as futuras gerações, das quais eles se referiam, éra-
mos nós, já hoje, em 2021, enfrentando escassez hídrica, poluição, pandemia, desigualdades so-
ciais? Gosto de fazer isso, pois assim conseguimos compreender a importância dessas palavras,
parar de deslocar essa conversa para um futuro que nunca chega e entender que para nós essa
conversa provavelmente já é uma problemática do presente.
Logo depois na linha do tempo, em 1999, é lançado o livro que abrange o conceito do tripé da
Sustentabilidade, basilar para as mudanças que temos acompanhado nos últimos anos. Cani-
385
bais com Garfo e Faca, de John Elkington. Já no prefácio do livro, somos provocados com uma
frase do poeta polonês, Stanisław Jerzy Lec, que diz “seria progresso se um canibal usasse gar-
fo?”. A analogia se segue falando sobre o capitalismo e o canibalismo corporativo, firmando os
três dentes do garfo como os pilares: prosperidade econômica, qualidade ambiental e justiça
social.
Quando alguém me diz que o ESG traz a governança como uma novidade para essa conversa,
sei imediatamente que essa pessoa não leu o livro de Elkington, pois lá, ao apresentar sete re-
voluções para a sustentabilidade, ele se debruça sobre a Governança Corporativa. E, inclusive,
nos apresenta um tema extremamente atual, ao afirmar que a governança da nova era deve
ser includente e não excludente.
Não à toa, embora eu acredite que poucas pessoas tenham lido o livro do John Elkington, sem-
pre reforço e recomendo a leitura para meus alunos universitários. O conceito desenvolvido por
ele foi e é tão impactante que, certamente, todas as empresas que atuaram com uma perspec-
tiva empresarial ao longo dos últimos anos utilizaram o tripé da sustentabilidade, como concei-
to estruturante e uma forma de nortear o modelo de fazer negócios.
Elkington esteve diversas vezes no Brasil, em fóruns e congressos, para disseminar suas ideias,
exemplificar formas de atuar e colocar na prática. Em sua passagem mais recente, estivemos
juntos no Expert XP 2021 – Fórum de Sustentabilidade com foco na temática ESG da XP In-
vestimentos. Em sua plenária, Elkington falou sobre ESG, e eu, na minha plenária, falei sobre
Diversidade e Inclusão.
Mais adiante, nessa linha do tempo, tivemos ainda o conceito de “Valor Compartilhado”, de-
senvolvido por Michael Porter e Mark Kramer, lançado em 2011, na Harvard Business Review.
Porter e Kramer nos dizem que “o sistema capitalista está sitiado. Nos últimos anos, a ativida-
de empresarial foi cada vez mais vista como uma das principais causas de problemas sociais,
ambientais e econômicos. É generalizada a percepção de que a empresa prospera à custa da
comunidade que a cerca.”. A principal contribuição deste texto é trazer a sustentabilidade não
como uma perspectiva marginal, para além do negócio, mas sim como uma nova forma de
fazer negócios. Para isso, seria necessário “reconceber produtos e mercados, redefinir a produ-
tividade na cadeia de valor e montar clusters setoriais de apoio nas localidades da empresa.”
Por fim, nesse ciclo, como começamos falando sobre o advento do conceito de ESG, impulsio-
nado pelo mercado financeiro, que traz a perspectiva de investimentos de impacto, investi-
mento socialmente responsável e investimento sustentável, notamos que todos os conceitos e
marcos históricos que mencionamos se consolidam e revigoram, voltam a ganhar força sobre
o conceito de ESG, particularmente intensificados pelo advento da Pandemia da Covid-19, que
mais uma vez fez com que a humanidade repensasse seus limites e responsabilidades. E deste
momento recente, alguns dos principais exemplos que temos são sobre empresas atuando de
forma efetiva, pautadas pelo propósito, direcionando esforços para solucionar questões pre-
mentes.
Tivemos, por exemplo, em articulação intersetorial, a Prefeitura de São Paulo, junto a AMBEV, a
Gerdau e o Hospital Israelita Albert Einstein, entregando 100 leitos ao Hospital Municipal M’Boi
Mirim. É notável as empresas saírem de sua área primária de atuação para atuarem em uma
demanda urgente e gerando valor para a sociedade.
386
Para falarmos de práticas no cerne do negócio, gosto muito do exemplo da Novelis, empresa
líder mundial em Laminados de Alumínio, que finalizou um investimento de 750 milhões e
aumentou a sua capacidade de produção, em Pindamonhangaba – SP, atingindo 680 mil tone-
ladas na produção de chapas e 490 mil toneladas de alumínio reciclado por ano.
Em 2019, 98% das latas de alumínio do Brasil foram recicladas no país, sendo a empresa res-
ponsável por reciclar 60% desse contingente. Hoje, as chapas comercializadas pela Novelis já
possuem, em média, 72,5% de conteúdo reciclado, evidenciando a reciclagem como estratégia
de negócio, em um movimento que tem como objetivo a transformação da lógica da capaci-
dade de produção. É disso que estamos falando, mudar a forma de fazer negócios, trazendo a
sustentabilidade para o centro da visão estratégica.
Sobre o futuro do ESG, bem especificamente no Brasil, teremos que equacionar as questões
de desigualdades e diversidade. Não há como falar de ESG no Brasil deixando essa temática
às margens ou de maneira periférica. E terá que ser uma atuação pautada pelos princípios da
Governança: Transparência, Equidade, Prestação de Contas e Responsabilidade Corporativa.
Segundo o IBGE, temos, em nosso país, cerca de 200 milhões de brasileiros, 52% de mulheres,
56% de negros, 29% de mulheres negras, 7% ou 24% de pessoas com deficiência, considerando
tipos de deficiências mais severas ou todas as deficiências, segundo a escala Kinsey da década
de 50, aproximadamente 10% de homossexuais. Mas, quando analisamos a liderança das gran-
des empresas, pelo Perfil Social Racial e de Gênero do Instituto Ethos de 2016, e há somente
13% de mulheres, 4,7% de negros, 0,4% de mulheres negras, 0,6% de pessoas com deficiência,
nenhuma informação ou dado sobre pessoas LGBTQPIA+ (lésbicas, gays bissexuais e transgê-
neros), vemos que estamos diante de um paradigma social e empresarial, que eminentemente
poderá nos levar ao colapso socioeconômico.
Por isso, algumas das melhores práticas relacionadas a ESG que pude observar no Brasil nos
últimos 2 anos foram aquelas de empresas que, mesmo enfrentando medos, incertezas e com-
plexidades de uma pandemia global, mantiveram e até ampliaram sua atuação em prol da
diversidade e inclusão, contribuindo para uma melhor representatividade da demografia da
sociedade brasileira em seu quadro funcional e, principalmente, na liderança.
A Gerdau, por exemplo, alinhada aos princípios de ESG, compartilha com transparência os da-
dos da sua demografia interna e também as suas metas. Do total de 30 mil funcionários, 70%
são homens. Até 2025, 30% dos cargos de liderança deverão ser ocupados por mulheres, para
isso 20% dos bônus dos executivos estão atrelados a metas ESG. Desde que as primeiras metas
foram criadas, em 2017, a presença de mulheres em cadeiras de coordenação cresceu 5%, e hoje
está em 22,4%.
A Symrise também é um excelente exemplo. A empresa conta com metas de ter em seu quadro
geral o percentual de mulheres, negros e outros grupos minorizados que representem a demo-
grafia da sociedade brasileira. Nos últimos dois anos, a empresa aumentou 53% o número de
negros, hoje 29% do quadro de funcionários. Tem 46% de mulheres no quadro funcional, com
49% no nível de liderança. No recorte de mulheres negras, eles avançaram de 11% para 16%. Veja
que a atuação e as mudanças ocorreram inclusive durante um período no qual diversas outras
empresas estavam demitindo e refreando investimentos em ESG.
387
Exemplos como esses mostram que quando o Conselho de Administração, o CEO, as lideranças
e, consequentemente, toda a empresa entenderam que ESG é o único caminho para ter pere-
nidade e longevidade no negócio, em meio às complexidades e constantes mudanças que a
contemporaneidade nos impõe, esses processos têm continuidade e solidez, mesmo em meio
a momentos difíceis. Portanto, a governança deve estar a serviço da sustentabilidade e da di-
versidade. Somente assim iremos assegurar, hoje, a perpetuidade dos negócios, da espécie hu-
mana e do planeta Terra.
LILIANE ROCHA
388
Compliance e o ESG
PEDRO SUTTER
HISTÓRICO DO COMPLIANCE
Tive uma experiência profissional por mais de dezesseis anos na United Technologies Corpo-
ration – UTC, um conglomerado industrial norte-americano criado na década de 1920, alta-
mente diversificado em diferentes campos de alta tecnologia. Dentre os seus negócios havia
a Pratt & Whitney, um dos três grandes fabricantes de motores aeronáuticos junto com a Ge-
neral Electric e a Rolls-Royce. Típico oligopólio que acabou cartelizando no fornecimento de
turbinas para os aviões militares pelo mundo. Com base na violação do FCPA, a Pratt & Whit-
ney foi então penalizada pela SEC, por abusos em contratos com o departamento de estado
americano, com a marinha e com a aeronáutica. Esse é um exemplo em um fato vivenciado
por uma true corporation, mas que ocorre da mesma forma em empresas com controle de-
finido, sejam brasileiras, americanas, japonesas ou suecas. É um problema cultural, da busca
pelo bottom line a qualquer preço. Na própria UTC, vivenciei uma situação, quando havia aca-
bado de entrar na empresa no início de 2000, com o escândalo de cartelização de elevadores
na Europa. A Otis era o melhor negócio da UTC, a melhor margem EBITDA. O CEO à época fa-
389
lava sobre compliance, treinava, comunicava, mas ao mesmo tempo participava de reuniões
em Luxemburgo sobre cartelização, sobre como dividir e distribuir o mercado.
Na Alemanha, não há muito tempo atrás, a própria lei permitia o pagamento de kick backs para
conquistar negócios. O pagamento que foi feito aqui no Brasil para obtenção de contrato do
metrô de São Paulo foi autorizado formalmente e era dedutível do imposto de renda da em-
presa em sua matriz. São práticas impactantes que, se para alguns fazem parte de um universo
que está em algum lugar no passado, lamentável ainda estão presentes em algumas realida-
des. Seja no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa ou na Ásia, os casos vão se acumulando. Claro
que há avanços quanto ao comportamento corporativo, felizmente para melhor, mas ainda
existem muitas evidências de que em dadas circunstâncias ainda se privilegia o discurso do
“time is of the essence”, e do “money talks”. Isso requer uma postura de atenção da empresa,
para que ela trabalhe para se proteger, criando os seus mecanismos, seu canal confidencial e
um processo decisório de governança que seja rastreável.
DO COMPLIANCE AO ESG
Existem dois pontos fundamentais de conexão entre o compliance lato sensu e o ESG: o pri-
meiro é cultural, e o segundo normativo. Em relação ao aspecto normativo, especialmente nos
Estados Unidos e na Europa, há uma reação muito forte e importante dos stakeholders em
geral quanto ao greenwishing, levando as empresas a se comprometerem com entregas, espe-
cialmente metas de meio ambiente, tais como redução de emissão de carbono e de emissão de
gases efeito estufa e economia circular. Há algumas métricas inclusive atreladas à emissão de
dívida. Alguns acionistas minoritários, inclusive, passam a utilizar essas promessas até para en-
contrarem um espaço, uma brecha para fazer ativismo junto aos conselhos de administração.
Dessa forma, as áreas de compliance passam a assumir um papel importante primeiro na cons-
trução das próprias metas, certificando que de fato elas sejam alcançáveis e de que não será
somente um greenwashing. Depois, atuando como xerifes dessas promessas na comunicação
e no acompanhamento da entrega daquelas promessas. Ou seja, o compliance tem de apoiar
na definição das metas de ESG evitando o overpromising, garantindo o delivery e, finalmente,
holding everybody fit the fire.
Outro ponto de conexão é o cultural. O tema ESG ganhou muita tração e relevância nos últimos
quatro anos. Quando fui head de governança da Petrobras, estive algumas vezes na Europa
para falar sobre as iniciativas da companhia, de que forma ela lidava com os riscos socioam-
bientais e de governança. E o interesse dos investidores era basicamente quanto à governança
e às mudanças, no pós Lava-Jato, que nós havíamos promovido no estatuto social, das políticas
implantadas para evitar a emergência de novos oportunistas. É claro que não há “bala de prata”,
mas há que se criar elementos de constrangimento e fazer com que a conta acabe saindo cara
para quem transgredir. Apesar de o tema ESG já vir sendo falado, não era o foco dessas reu-
niões. Por exemplo, de trinta investidores sentados à mesa, uns cinco tinham essa preocupação
com o ESG.
Mas há dois anos, a partir do manifesto do Business Roundtable, assinado por 181 CEOs de gran-
des empresas americanas, houve um direcionamento claro para o capitalismo de stakeholders
em substituição ao capitalismo tradicional, que busca maximizar o retorno do acionista a qual-
390
quer custo. São seis compromissos assumidos que dizem respeito à governança, ao meio am-
biente, à responsabilidade corporativa, à responsabilidade social, à diversidade. Ainda que Bu-
siness Roundtable seja um movimento americano, tem um peso muito grande em Wall Street
e acaba influenciando comportamentos em empresas como a CCR, a Suzano, a Vale, a Natura,
a JBS, a BRF, enfim, todas as empresas que querem ter um crescimento sustentável e acessar
mercado de capitais a um custo mais baixo.
Conclui-se que um profissional de compliance tem o papel normativo, mas que deve ir muito
além, estando totalmente focado em empreender a cultura e não só a regra.
Finalmente, outro aspecto no qual a área de compliance tem um papel muito importante é
quanto ao suporte a projetos sociais. Tem que verificar a procedência do parceiro, checando
se aquele para quem estamos fazendo uma doação, patrocinando um evento ou promovendo
uma iniciativa, não é uma pessoa politicamente exposta ou se está relacionada a alguém politi-
camente exposto, sobretudo, em uma empresa com um passado recente de acordo de leniên-
cia, como a nossa, originado em contratos forjados de patrocínio da Fórmula Truck.
De fato, esse é um de nossos pontos mais sensíveis: a cada segundo do dia tem alguém fa-
lando com uma pessoa politicamente exposta. Assim, temos hoje uma política muito forte de
reportar, quem falou com quem, sobre o quê, quem estava presente. Desenvolvemos até um
aplicativo para tal controle.
O ESG NA CCR
Na CCR, criamos há oito meses uma plataforma ESG, trazendo uma profissional integralmente
responsável, dentro da minha vice-presidência. Também constituímos uma comissão gesto-
ra cuja primeira tarefa foi assessorada por uma equipe de consultores: conduzir a revisão da
matriz de materialidade da CCR. Essa matriz deu origem a sete grandes temas, cujas respon-
sabilidades foram atribuídas a diferentes executivos. Na dimensão ambiental estão incluídas a
mudança climática, a biodiversidade e o uso do solo; do social fazem parte segurança, saúde e
ambiente de trabalho, qualidade dos serviços prestados, reputação e relação com a comunida-
de; e, finalmente, governança.
Esses executivos se reúnem mensalmente para acompanhar a execução do plano diretor que
compreende as iniciativas catalogadas de baixo do guarda-chuva de ESG. Importante: estamos
implementando uma cultural ultramatricial na companhia, onde não é a minha área a respon-
sável única por essas iniciativas. Das 320 iniciativas estratégicas que fazem parte do plano di-
retor, apenas 50 pertencem à minha área. Todas as demais estão debaixo das outras diretorias.
Temos o papel de disponibilizar um BI que comunique mensalmente a evolução de nossas
metas de ESG, baseado em métricas concretas.
Um exemplo de métrica ESG que adotamos é o percentual de colaboradores treinados nas uni-
dades de negócio. Compõem nosso portfólio de treinamentos de compliance cinco programas
básicos: código de ética da CCR; norma de conflito de interesse; norma de relacionamento com
pessoas politicamente expostas e política de compras. Nosso objetivo é atingir 95% da força de
trabalho treinada anualmente.
391
Outra métrica que criamos é um índice de risco de contrapartes de fornecedores da CCR, que
leva em consideração a saúde financeira, o tipo de atividade que eles desenvolvem e outros ele-
mentos que geram uma nota de risco para cada companhia. A ideia é incentivar a área de su-
primentos e as unidades de negócios a contratarem não só o menor custo, mas o menor risco.
Todas as métricas de ESG devem estar atreladas a um VPL, ainda que o cálculo possa ser um
pouco subjetivo. Um exemplo é que, no recapeamento das rodovias, o fresado que é feito resul-
ta em um pó de asfalto que pode ser reaproveitado, mas que nunca teve uma atenção especial.
Agora temos uma meta, um VPL associado.
Mas o maior desafio que enfrentamos em relação às iniciativas ESG é como associar um
VPL àquelas que podem não gerar retorno no curto prazo, mas que podem gerar perda de
valor à frente. Um exemplo é quanto à atração e retenção de talentos. Uma indústria como
a nossa tem alguma dificuldade de reter um determinado tipo de profissional de TI, comu-
nicação, RH, pessoas mais afeitas à inovação. É necessário precificar qual o impacto que
isso pode vir a causar no meu bottom line, demonstrando que se eu não investir em ter um
ambiente atrativo para esse tipo de profissional, vou acabar tendo um problema contínuo
de turnover.
No caso da CCR, temos um conselho relativamente independente, onde a agenda ESG funcio-
na e nossos acionistas e mesmo os credores têm sido grandes indutores dessa transformação,
desse processo de consolidação.
392
Em termos de funcionamento, a Plataforma ESG reportará mensalmente para a Diretoria Exe-
cutiva e trimestralmente para um Comitê de Gente e ESG, que por sua vez se reporta ao Con-
selho de Administração.
Nosso entendimento é que Plataforma ESG será muito útil no processo de prestação de contas
ao mercado. Já somos signatários do Pacto Global, emitimos o Relatório Integrado com base na
GRI e fazemos parte do ISE desde o início. O que nunca tivemos foram métricas e os objetivos a
elas atrelados. Nossa intenção é comunicarmos a redução de emissão de Escopo 2, o índice de
aproveitamento de resíduos, de restauração florestal, o índice de acidente de trabalho, dentre
outros.
LEGADO
Entendo que o maior legado que posso deixar na CCR é a consolidação de uma cultura. Para
tanto, focar em processos . Acredito que um processo disciplina e, portanto, acaba transforman-
do a cultura. É claro que também é essencial criar incentivos, premiar as pessoas em seus com-
portamentos, focar muito no como e não só naquilo que as pessoas estão entregando. Junto
à equipe de gente e gestão, temos trabalhado no desenvolvimento de um perfil de liderança
que incorpore os valores de responsabilidade corporativa, preservando o melhor interesse da
companhia.
Somos uma companhia privada de capital aberto, mas ao mesmo tempo temos um elemento
importante de interesse público, ao administrarmos contrato de concessão de serviços públi-
cos, de serviços de mobilidade, de estradas e de aeroportos, que são serviços importantes para
a sociedade brasileira e outras sociedades, onde hoje operamos, como Equador, Curaçau, Costa
Rica e Estados Unidos. Precisamos, assim, criar essa sensibilidade em todos os colaboradores
da companhia, criar esse senso de propósito de valor em todos eles. Que as pessoas no exer-
cício diário do seu empresariamento, seja ela em uma rodovia, seja em um aeroporto, em um
metrô, no VLT ou em barcas, tomem as suas decisões tendo em conta as políticas, normas, leis
e os nossos objetivos estratégicos. Que a nossa responsabilidade social, o compromisso com o
meio ambiente, o respeito aos nossos stakeholders, aos nossos concorrentes, sejam sempre le-
vados em conta de uma forma natural, no momento de tomarem as decisões, sem que isso seja
imposto, sem que isso seja um exercício forçado, que faça parte da cultura desse gestor, e que
essa seja a maneira de empresariar esse negócio de infraestrutura do Brasil e outros lugares do
mundo onde operamos.
393
PEDRO SUTTER
394
O Legado em ESG do CEO
RICARDO GARCIA
Qual é o principal legado que um CEO pode deixar em uma empresa quando o assunto é
ESG?
Na minha visão, legado é a construção de uma jornada. Essa jornada envolve prover significado
às coisas, conectar as ações da empresa com sua visão e propósito. Na verdade, na maior parte
dos casos, significa fazer uma transformação cultural. Para mim, o principal legado que um
CEO pode deixar é que os stakeholders da empresa percebam, em cada ação tomada por ela,
uma clara conexão com o seu propósito e que esse propósito reflita os pilares ESG.
Como o CEO deve compatibilizar os desafios de curto prazo (orçamento, custos, priori-
zações, crises) com o ESG e seu legado (que geralmente pressupõe resultados de longo
prazo)?
Eu acho que, quando se fala em legado, é importante haver um balanço adequado entre de-
sempenho e progresso. Essas duas coisas não são excludentes. Quando se tem o ESG verdadei-
ramente incorporado à estratégia, a empresa consegue equilibrar as dimensões financeiras,
sociais e ambientais, tanto no curto prazo quanto no longo prazo.
Como são atualmente as agendas de governança sobre o tema ESG na Diretoria e no Con-
selho de sua empresa? Como você prevê a alteração desta agenda nos próximos 5 anos?
No caso da Diretoria, esses temas relacionados à ESG são abordados de forma integrada em
uma reunião mensal, mas isoladamente em várias interações ao longo do período. Em relação
ao Conselho, temos fóruns de discussão trimestrais para abordar esses temas. Acredito que
essa agenda vá ganhar maior relevância nos próximos anos, não só porque as empresas vão
perceber melhorias importantes na sua gestão, mas também porque serão cada vez mais de-
mandadas pelo mercado em relação a isso.
395
Quem deve ser o grande patrocinador do tema ESG, o CEO ou o Conselho? Como você en-
xerga a liderança sobre o tema ESG nas agendas atuais das empresas?
Penso que o Conselho tem o papel de provocar e estimular o desenvolvimento de uma Empre-
sa em temas como esse, bem como dar o aval para a incorporação dele no plano estratégico.
Mas o grande patrocinador, quem vai se responsabilizar e fazer acontecer, sem dúvida, é o CEO,
obviamente suportado por sua equipe direta. E como em todo grande processo de transforma-
ção, a Liderança da empresa tem um papel fundamental em colocar o tema ESG de verdade na
agenda e na prática. Isso deve se refletir nas ações e nos comportamentos de cada Líder.
Existem diversas métricas que podem ser mais operacionais e outras mais estratégicas. Vão
desde o cumprimento de requisitos legais, certificações, até compromissos mais amplos com
direitos humanos, política de diversidade/inclusão e programa de integridade. O que para mim
é importante é termos nossas políticas claras, comunicadas adequadamente aos mais diversos
públicos, planos de ação com follow up periódicos e métricas de desempenho conectadas à
estratégia do negócio.
Essa é uma questão difícil. Acho que esse vínculo com remuneração pode ser adequado em
um estágio em que a empresa ainda não tenha grande maturidade no tema e quer incentivar
seu desenvolvimento, mas talvez não faça muito sentido para outra empresa que já se encon-
tre num estágio mais avançado. Não existe uma receita de bolo nesse caso, depende muito de
cada empresa.
Dentre as 3 letras (E,S ou G), qual existe maior urgência de legado no nosso país? Por quê?
Outra questão difícil. Somos um país extremamente importante para o mundo na questão am-
biental, que não vem sendo adequadamente tratada pelos Poderes da República por décadas
e gerações. Somos também um país cujas desigualdades sociais são enormes (talvez entre as
maiores do mundo). E ainda somos (infelizmente) conhecidos pelo alto grau de corrupção e
impunidade reinante por aqui.
Felizmente, o setor privado brasileiro se diferencia desse retrato do país. Temos empresas que
competem globalmente não só com produtos e serviços, mas também por sua excelência em
gestão. Acredito que podem contribuir com legados nas 3 dimensões, e penso também que o
setor empresarial precisa se engajar mais nas discussões relativas a esses temas de forma a criar
um efeito multiplicador na sociedade.
396
Você já sente um impacto do movimento do ESG nos financiamentos atualmente ou ainda
é uma questão de reputação corporativa?
Não é de hoje que grandes investidores vêm olhando com cautela as práticas sociais, ambien-
tais e de governança das empresas antes de depositarem dois pontos muito importantes nelas:
a confiança e o capital. Os agentes de financiamento também já se comportam em linha com
essa postura. Respondendo objetivamente, sim, já vejo impacto do movimento ESG em finan-
ciamentos, indo além das questões reputacionais.
Como o tema do ESG está na agenda da maioria das empresas e CEOs, qual a estratégia
para efetivamente se diferenciar e gerar impactos neste tema?
Sobre diferenciação e geração de impacto, uma coisa que acho importante é que esse tema
seja abordado e colocado na agenda por uma crença genuína da Empresa e de seus líderes.
É muito comum vermos práticas sendo estabelecidas por modismos ou requisitos colocados,
sejam legais, mercado, etc. Quando a empresa faz isso de forma genuína e é percebido pelos
stakeholders, o efeito é diferente e seus impactos tendem a ser maiores.
Pessoalmente, qual é o legado de ESG que você quer deixar na organização que dirige
atualmente?
O Reputation Institute, que faz uma pesquisa global de reputação, coloca que apenas 35% do
legado de um CEO pode ser explicado pelos resultados financeiros. Os outros 65% dizem res-
peito a critérios como ética, transparência ou adesão a um propósito. Isso bate muito com meu
pensamento e as ações que venho tomando. Construir legados relevantes requer fazer escolhas
que mobilizem corações e mentes, que engajem no sentido de dedicação, esforço e compro-
misso com algo maior. Isso conversa muito com o nosso propósito, que é “Gente criando uma
vida melhor”. Vou me sentir realizado se conseguir deixar uma empresa com um ambiente de
trabalho extremamente seguro, que seja sustentável e contribua para a sustentabilidade do
planeta, que seja humana em sua essência, diversa, inclusiva e inovadora. Tudo isso permeada
por ética e integridade.
397
RICARDO GARCIA
398
Aspectos relevantes do ESG
na Nova Economia
JÚLIA BELISÁRIO
Segundo o Sistema B Brasil1, a denominação Nova Economia traduz o rompimento com para-
digmas antigos, na medida em que os principais atores do mercado passam a refletir sobre o
atual modelo econômico e consideram meios de se alcançar à agenda ESG, ou seja, melhores
práticas ambientais, sociais e de governança, que de fato reflitam as necessidades atuais da
nossa sociedade e do meio ambiente. Com isso, na Nova Economia, temos uma nova leitura do
mercado, através da qual as empresas passam a competir para ser “melhores para o mundo,
para as pessoas e para a própria natureza”2.
A Nova Economia é, na verdade, uma mudança cultural na economia global, no sentido de que
as pessoas utilizam a influência de seus negócios para combater ou ao menos minimizar os
inúmeros desafios enfrentados pela sociedade3, como a crise hídrica, os efeitos da mudança
climática, o consumo de energia, desmatamento, dentre outros.
A título de exemplo, podemos citar as montadoras de automóveis que estão caminhando para
o desenvolvimento de modelos de veículo para uma economia pós carbono, também conheci-
da como economia carbono zero, ao se comprometerem na 26ª Conferência das Nações Unidas
sobre Mudanças Climáticas4 - encontro mais importante do mundo sobre mudanças climáticas
- a criarem veículos que adotam energia limpa e renovável, livre de combustível até 20405, ou
até mesmo antes disso.
1 O Sistema B Brasil é uma organização parceira do B Lab desde o ano de 2012, responsável pelo engajamento,
divulgação e promoção de todo movimento B em todo o território nacional e na América Latina. Oriundo
do Movimento Global de Empresas B, que foi criado nos Estados Unidos, tem como objetivo trazer um
novo escopo para a Economia, não somente atrelado ao êxito financeiro como também ao bem-estar da
sociedade e do planeta (https://www.sistemabbrasil.org/sobre/)
2 https://www.sistemabbrasil.org/economia/
3 https://www.sistemabbrasil.org/sobre/
4 COP26: entenda o que é e sua importância | Clima | Um só Planeta (globo.com)
5 https://olhardigital.com.br/2021/11/10/carros-e-tecnologia/volvo-mercedes-e-jaguar-assinam-compromisso-
de-emissao-zero-ate-2040-na-cop26-outras-se-recusam/
399
Temos, então, que a cada dia que passa, fica ainda mais evidente que as obrigações das or-
ganizações não se limitam a manter a qualidade dos produtos e/ou serviços, praticar preços
competitivos ou auferir lucro. Hoje, a partir de uma transformação do mundo organizacional,
questões extramercantis, como o atendimento aos aspectos ambientais, sociais e de governan-
ça, passaram a fazer parte da própria estratégia da empresa.
Para que isso seja possível, a sustentabilidade, como temática transversal, deve se comunicar
com diversas áreas e setores internos das organizações, além de demandar constante contato
e comunicação com os stakeholders externos, como acionistas, fornecedores, consumidores e
outros, através da denominada e essencial escuta de stakeholders
Frente ao exposto, podemos então afirmar que a Nova Economia impulsiona, assim, uma grande
“virada de chave”, em um momento em que a busca desenfreada pelo lucro e rentabilidade a qual-
quer custo e em um curto prazo dá espaço às boas práticas sustentáveis, visando a perenidade
das empresas em longo prazo, quando então tendem a ser mais resilientes e disruptivas durante
as crises, o que pode ser visto na crise de 2008 e na própria pandemia decorrente da Covid-198.
Neste ensejo, a Nova Economia vem trazendo mudanças positivas e bastante significativas no
que se refere ao contexto econômico, de inovação, conectividade, tecnologia, tudo devidamen-
te alinhado à agenda ESG, quando então as organizações passam a intensificar revisões de seus
comportamentos e de seus processos internos.
Válido pontuar que, para que isso seja constante e sólido ao longo do tempo, devem existir
mecanismos de engajamento do board na agenda ESG, objetivando sua conscientização sobre
a sua importância, de modo que cascateie aos demais da empresa, o que se denomina como
sendo “tone of the top”, ou seja, traduzindo para o português, o tom vem de cima. Neste sen-
tido, as organizações passaram a se engajar cada vez mais em relação a assuntos sensíveis e
de extrema relevância, como, por exemplo, diversidade e inclusão; combate ao assédio moral
e sexual, às práticas de trabalho análogas às de escravos e infantil, e às mudanças climáticas;
dentre outros.
6 https://odsbrasil.gov.br
7 Requisitos obrigatórios da norma de relato do GRI, quais sejam: 102-21, 102-40, 102-47.
8 https://umsoplaneta.globo.com/clima/noticia/2021/10/26/cop26-entenda-o-que-e-e-sua-importancia.ghtml
400
Afinal de contas, de forma geral, os stakeholders têm valorizado e cobrado, cada vez mais, por
marcas sustentáveis e que estejam genuinamente em consonância com os pilares do ESG.
O Grupo Ambipar, por exemplo, líder em soluções e negócios ESG em âmbito nacional e interna-
cional, estando presente já em 18 (dezoito) países, com 300 (trezentas) bases, possui em sua es-
tratégia um objetivo propulsor, qual seja: ajudar as empresas a cuidarem do planeta. Para tanto,
executa a transformação sustentável em seu dia a dia e sugere algumas práticas e medidas para
essa mudança, quais sejam: mudança de matriz energética para fontes renováveis; redução do
consumo de energia nos processos produtivos; adoção da economia circular, reduzindo volume
de passivo em aterros; implantação da manufatura circular, diminuindo a extração de recursos
naturais para produção de novos bens de consumo; valorização de resíduos, reintegrando na ca-
deia produtiva materiais que seriam descartados; desenvolvimento de áreas de sequestro de car-
bono, como plantações e recuperação de florestas e matas nativas; uso de matérias-primas reno-
váveis; priorização de fornecedores de produtos e serviços com certificações de sustentabilidade;
emprego de tecnologias e maquinários sustentáveis no ciclo produtivo9.
Mas, para isso, não basta apenas a empresa “dizer ser”, ela de fato “precisa ser”, pois isso está
relacionado ao seu propósito e, consequentemente, reflete na sua cultura organizacional.
Neste viés, em busca de retornos a longo prazo e da minimização de riscos financeiros, os in-
vestimentos socialmente responsáveis, baseados na sustentabilidade, ética e na transparência,
tornaram-se uma tendência entre os investidores, que passaram a escolher empresas que con-
tribuam para solucionar problemas ambientais, em detrimento das que os causam ou intensi-
ficam11.
A B3, bolsa de valores oficial do Brasil, por se encontrar no centro do mercado financeiro, tem
um papel importante neste contexto, pois além de ter que tratar de todas as suas partes in-
teressadas (“stakeholders”), atua quase como uma “fiscal indireta” do cumprimento de leis e
como verdadeira “agente de divulgação” do atendimento da legislação e das boas práticas am-
bientais, sociais e de governança por parte das empresas, através do ISE – Índice de Sustenta-
bilidade Empresarial12.
401
Apesar de não ser uma certificação, o ISE pode servir como um efetivo indicador de perfor-
mance para a qualidade da gestão relacionada às questões do ESG, na medida em que reflete
a capacidade da empresa em responder às tendências de longo prazo e em manter a sua van-
tagem competitiva perante o mercado financeiro.
Inclusive, especialistas afirmam que empresas com práticas em ESG sofreram menos durante a
pandemia da Covid-19, pois conseguiram neutralizar mais os impactos negativos, através de pro-
cessos internos mais bem definidos e maduros, principalmente no que se refere à gestão de riscos.
Além disso, empresas com práticas ESG costumam ter melhor performance, pois cuidam mais
de seus colaboradores e se preocupam com questões socioambientais e de governança, fatores
estes que trazem estabilidade a longo prazo.
No que toca à governança corporativa propriamente dita, temos que ela é um importante me-
canismo de gestão, responsável por estabelecer e manter a conformidade das regras dentro
de uma organização, resguardando os direitos, deveres e interesses das empresas, de seus re-
presentantes e de suas partes interessadas. Seu objetivo, assim, é o de melhorar a performance
financeira, o alcance de objetivos e metas e o desenvolvimento sustentável de uma empresa de
um modo em geral, de forma transparente, ética e equitativa.
Diante de tudo o que foi aqui exposto, o ESG, dentro do contexto da Nova Economia, ganha
importante relevância na medida em que visa:
y promover e engajar a ética e a transparência nos negócios;
y a gestão na sustentabilidade empresarial, através de processos sistematizados e aliados às
estratégias de médio e longo prazo;
y a gestão de riscos, com sua incorporação dentro do planejamento estratégico da empresa;
y a gestão dos ambientes legais e regulatórios; dentre outros.
Podemos inferir, por todo o exposto no presente artigo, que adotar boas práticas ambientais,
sociais e de governança, no dia a dia de uma companhia, passa ao mercado não apenas a per-
cepção de que possui responsabilidade nessas três esferas, como também uma visão de futuro
em relação à mitigação de riscos, aumento de lucro e valor às suas partes interessadas e à so-
ciedade a médio e longo prazo.
Isto porque empresas que implementam boas práticas em ESG possuem maior interação com
as partes interessadas, maior segurança e transparência das informações, e, consequentemen-
te, aumentam o nível de atratividade para o mercado.
Por fim, é válido reforçar que a implementação do ESG é fundamental dentro do contexto da
reestruturação da Nova Economia, por ser de suma importância para o ecossistema empresa-
rial e econômico. O ESG requer adequação e geração de valor a longo prazo, devolvendo cresci-
mento, rentabilidade e vida longa aos negócios e à sociedade de um modo em geral.
De fato, o ESG chegou para ficar, e estar alinhado com ele é a única forma de resguardar a pe-
renidade das organizações frente às mudanças que a Nova Economia impõe.
402
JÚLIA BELISÁRIO
403
A Importância da
Implementação Sistêmica da
Gestão de Riscos, Frente aos
Aspectos do ESG
RAQUEL FILGUEIRAS VARONI
Há várias definições sobre risco e, dentre elas, há dois aspectos mais comuns: a possível ocor-
rência de um acontecimento e os seus possíveis efeitos. Além disso, o risco pode ser definido
baseado em concepções positivas (oportunidades) ou negativas (ameaças). É importante des-
tacar que os riscos estão presentes em qualquer atividade, tendo em vista a impossibilidade
de prever eventos futuros e, por esse motivo, é essencial que haja o planejamento de ações
adequadas através de uma efetiva gestão.
Ao falar sobre gestão de riscos, é de grande importância mencionar a norma internacional ISO
31000:2018, a qual recomenda que todo o processo de gestão de riscos seja integrado na es-
trutura, nas operações e nos processos da empresa, e que seja parte integrante da gestão do
negócio e da tomada de decisão, podendo ser aplicado nos níveis estratégico, operacional e de
projetos.
O processo de gestão de riscos, previsto na ISO 31000, compreende três etapas em sua avaliação:
1. Identificação de riscos: requer a aplicação de técnicas, procedimentos e mecanismos para
entender o que pode ocorrer, como, quando e por quê;
2. Análise de riscos: tem seu foco maior em desenvolver uma compreensão de cada risco, suas
consequências e as probabilidades delas;
3. Avaliação de riscos: envolve os resultados da análise de riscos, os quais são uma entrada
para a avaliação de riscos, relacionando a tomada de decisão sobre o nível de risco e a priori-
dade de atenção a ser dada, através da aplicação dos critérios de risco desenvolvidos quan-
do o contexto foi estabelecido.
Além disso, é importante mencionar também a respeito do tratamento de riscos, que se trata
de uma etapa na qual os controles existentes são aprimorados e os novos controles são de-
senvolvidos e implementados. Essa etapa relaciona, ainda, a avaliação e seleção de opções, in-
cluindo análise de custos e vantagens, e avaliação de novos riscos, que eventualmente podem
aparecer no decorrer de cada opção de tratamento.
404
tratamento poderá prosseguir com segurança e confiança. Vale ressaltar que existe uma intera-
ção entre a avaliação e o tratamento de riscos, em que cada conjunto de opções de tratamento
é testado, até que seja encontrado o conjunto mais adequado e que produza o maior benefício
pelo menor custo.
Sendo assim, diante desses esclarecimentos, pode-se definir a gestão de riscos como um con-
junto de procedimentos através dos quais as empresas identificam, verificam, avaliam e mo-
nitoram os riscos, frente à sua concepção negativa, que podem afetar o alcance dos objetivos,
tendo como foco principal garantir uma visão abrangente das possíveis ameaças e adotando
medidas adequadas para controlar os possíveis resultados.
Não obstante, ainda, que a gestão de riscos é essencial, tanto para diminuir os resultados de
acontecimentos indesejáveis conforme supramencionado, quanto para aumentar os deseja-
dos, assim como para auxiliar na garantia da conformidade em relação aos princípios éticos e às
legislações. Dessa forma, para uma empresa realizar uma gestão de riscos de maneira efetiva, é
fundamental que os riscos sejam quantificados e qualificados, para que seja possível eliminar
ou diminuir as prováveis perdas, bem como maximizar o aproveitamento das oportunidades
positivas de ganhos e geração de valor para as pessoas.
Neste viés, oportuno salientar que, ao se analisar o passado recente da gestão de riscos dentro
setor de governança, é possível observar que as empresas direcionavam maior foco nos riscos
e controles estratégicos que tivessem impacto direto na questão reputacional e financeira das
organizações. E, nesse sentido, o tópico de meio ambiente, geralmente, era visto apenas nas
empresas em que sua atividade era relacionada aos recursos naturais. Isto é, além de ser um
assunto pouco abordado, esse tópico era monitorado somente pelas áreas responsáveis, sem
muita visibilidade ou reporte constante para a alta liderança.
Deste modo, para que, hoje em dia, haja na empresa uma correta e adequada gestão, moni-
toramento e controle de riscos, é preciso considerar todos os riscos, sejam eles operacionais,
legais ou do negócio, relacionados aos aspectos ambientais, sociais e de governança, e como
essas informações interferem no desempenho econômico-financeiro da organização.
Trata-se, portanto, da correlação da gestão de riscos com o ESG (Environmental, Social and Go-
vernance), sigla que, em português, significa Ambiental, Social e Governança. Esse tema tão co-
mentado, hoje em dia, ganhou força com o mercado financeiro, sendo utilizado para nortear as
práticas empresariais positivas, com foco na redução de impactos negativos ao meio ambiente
e à sociedade, garantindo a inclusão social e a atuação com ética e transparência nos negócios.
Além disso, o ESG representa uma alteração na relação das empresas com as partes interessadas,
uma vez que o vínculo empresarial com a sustentabilidade se tornou critério de análise de risco
para se realizar investimentos. As partes interessadas estão cada vez mais atentas ao fato de que
os riscos socioambientais podem causar uma crise reputacional e, por consequente, financeira,
405
e que os clientes e consumidores estão mais exigentes em suas escolhas por produtos e serviços
sustentáveis. Assim, essas razões fazem com que a falta de compromisso de uma empresa com a
sustentabilidade seja considerada de alto risco ao se realizar determinado investimento.
É importante mencionar, ainda, que as organizações podem se direcionar através de boas prá-
ticas envolvendo o ESG, sendo algumas delas: possibilitar o envolvimento das partes interes-
sadas em assuntos socioambientais; maximizar o nível de consciência dos envolvidos em seu
processo produtivo, no que diz respeito às relações de interdependência; incorporar a susten-
tabilidade à ética e à transparência empresarial, através da elaboração de conselhos de gestão;
abranger, ainda, em sua governança interna, ferramentas de controle e indicadores para verifi-
car o desenvolvimento da empresa; estabelecer metas para zerar impactos negativos e reparar
os danos já causados; dentre muitas outras.
Exemplos como os acima expostos, uma vez adotados pelas empresas, são de extrema impor-
tância para um mercado no qual os investidores têm demonstrado preocupação em imple-
mentar práticas sustentáveis, nos âmbitos ambiental, social e de governança, ao processo de
investimento. Sendo assim, a partir da adoção dessas práticas, as empresas se tornam mais res-
ponsáveis, confiáveis e atrativas perante o mercado, tornando-se mais lucrativas e apresentan-
do uma vantagem competitiva em relação às empresas que não adotam ideias sustentáveis.
Para mais, tendo em vista a crescente preocupação em implementar práticas sustentáveis nas
empresas, na década de 90, o conceito de Tripé da Sustentabilidade ou Triple Bottom Line foi
criado por Elkington (1994) e aborda que a governança, a responsabilidade social empresarial e
a sustentabilidade são temas que se relacionam, na medida em que qualquer negócio enfrenta
riscos não financeiros. Esse tripé considera a performance da empresa, além dos aspectos eco-
nômicos, inserindo o ambiental e o social.
Outrossim, os professores Lazaro Benites e Edison Polo (2013) expõem sua opinião a respeito da
sustentabilidade, informando que se trata de uma tendência que surgiu no mundo corporativo,
a qual está no centro dos negócios e representa uma esperança para o desenvolvimento de
uma nova mentalidade na atividade empresarial, uma vez que a sustentabilidade nos negócios
é vista não como uma iniciativa ambiental, mas como uma estratégia empresarial que gera
valor a partir da busca por melhores resultados sociais e ambientais.
Ainda, foi realizada uma pesquisa, através de indicadores universais, em que foram analisadas
mil e seiscentas empresas inseridas no Morgan Stanley Capital International (MSCI), no período
de janeiro de 2007 até maio de 2017. A pesquisa mostra diversos pontos positivos de como o
ESG afeta as empresas. Alguns deles são: maior lucratividade; melhores práticas de gestão de
riscos; menor risco de incidentes graves; menor risco sistemático; custo de capital mais baixo;
maior valorização; dentre outros.
Desta forma, pode-se afirmar que empresas relacionadas à sustentabilidade possuem impacto
positivo para os investidores, já que, de acordo com Souza (2002), a gestão ambiental empresa-
406
rial é condicionada pela busca por melhor reputação e pressão das regulamentações das partes
interessadas, para que as empresas reduzam o seu risco ambiental; dos consumidores e pela
própria concorrência. Ainda, segundo Garcia, Mendes da Silva e Orsato (2017), as empresas que
se preocupam com sustentabilidade possuem desempenho superior a longo prazo.
Nesta direção, é de extrema relevância considerar o valor futuro das empresas conectadas às
práticas ESG e inseridas em índices de sustentabilidade, como o ISE da B3, considerando o
quanto o comportamento sustentável do negócio ao longo dos próximos anos pode agregar
valor. Além disso, a inserção de empresas em tais índices contribui para a compreensão do valor
real do negócio e ajuda na tomada de decisão por parte de investidores.
Frente a todo o exposto, pode-se concluir que organizações que adotam uma gestão de riscos
sistêmica e eficiente no contexto do ESG estão sujeitas a menores fatores negativos sociais, am-
bientais e, por sua vez, econômicos. Ademais, demonstram ser mais sólidas em momentos de
crise, com menor possibilidade de perda de capital, em razão de problemas ligados às suas prá-
ticas socioambientais. Válido endossar que as empresas que desejam continuar no mercado,
alcançando lucros a longo prazo, devem se posicionar como parte da resolução dos problemas,
cumprindo com os princípios atrelados à responsabilidade corporativa, atendendo às necessi-
dades atuais das partes interessadas ligadas aos seus negócios, incluindo investidores e seus
respectivos consumidores.
REFERÊNCIAS:
y ALVES, Lisa Caroline. 2021. Fluxo de caixa descontado: uma análise das empresas que
praticam ESG do setor de energia renovável. Trabalho de Conclusão de Curso (Gra-
duação em Ciências Contábeis) – Universidade Federal de Uberlândia. Disponível em:
https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/31968. Acesso em: 17/11/2021
y BENITES, Lira e Edison Polo. A sustentabilidade como ferramenta estratégica empre-
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www.redalyc.org/pdf/2734/273428928002.pdf. Acesso em: 17/11/2021
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tábil, Rio de Janeiro v. 23, n. 80, p. 46-54, jan. /abr. 2021. Disponível em: http://www.
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y COSTA, Edwaldo; FEREZIN, Natalia. ESG (Environmental, Social and Corporate Gover-
nance) e a comunicação: o tripé da sustentabilidade aplicado às organizações globa-
lizadas. Revista Alterjor. Ano 11, vol. 02, ed. 24, p. 79-90. Disponível em: https://www.
revistas.usp.br/alterjor/article/view/187464/174551. Acesso em: 17/11/2021
y ELKINGTON, John. 1994. Towards the Sustainable Corporation: Win-Win-Win Business
Strategies for Sustainable Development. California Management Review. Vol.: 36 issue:
2, page(s): 90-100.
y GARCIA, Alexandre; SILVA, Wesley Mendes da; ORSATO; Renato J. Sensitive in-
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407
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quisa-eaesp.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/arquivos/1._orsato_sensitive_i_-_1-s2.
0-s0959652617304067-main.pdf. Acesso em: 17/11/2021
y SITTA, Thiago Souza; LIMA, Ianara. Critério ESG e a necessidade de adoção de práti-
cas sustentáveis no ambiente empresarial. Estadão, dez. 2020. Disponível em: http://
www.f madvoc.com.br/acontece/f iles/160752329606_criterio_esg_e_a_necessida-
de_de_adocao_de_praticas_sustentaveis_no_ambiente_empresarial.pdf. Acesso em:
17/11/2021
y VIEIRA, João Batista; BARRETO, Rodrigo. 2019. Governança, Gestão de Risco e Inte-
gridade. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4281. Acesso em
17/11/2021
408
ESG em empresas com
controle estatal
PAULO SPENCER UEBEL
O tema do ESG (Environmental, Social and Governance) – da sigla em inglês que significa am-
biental, social e governança –, está em evidência. Agora, muita gente acredita que todas as
empresas precisam se reinventar, rever suas atividades, negócios e práticas para incorporar
essas três perspectivas.
Sem entrar no mérito se essa prática será duradoura ou se será mais um modismo que, no
futuro, será naturalmente incorporado nas atividades das empresas, como qualidade total já
foi, vamos discutir como o ESG se aplica às empresas de controle estatal. Como “empresas de
controle estatal” entende-se as empresas cujo capital social é integralmente detido pela União,
pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, bem como as sociedades anônimas de
economia mista cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados,
ao Distrito Federal, aos Municípios ou a entidade da administração indireta. Para facilitar, vamos
tratar essas empresas como “estatais”.
A Constituição Federal – CF deixa claro que a exploração direta de atividade econômica pelo
Estado deve ser excepcional, só sendo permitida quando necessária aos imperativos da segu-
rança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei1.
Historicamente, entretanto, empresas de controle estatal foram criadas por diversas razões,
muitas, inclusive, questionáveis. Alguns governantes criaram estatais para atuar com menos
amarras, para remunerar melhor os indicados políticos, para criar cargos remunerados de
conselheiros, para realizar concursos públicos com perfis diferentes dos exigidos pelo Estado,
para atuar em áreas que consideravam “estratégicas”, entre outras. O fato é que nem sempre
ficaram claros os imperativos de segurança nacional e de relevante interesse coletivo exigidos
pela CF.
Além disso, direta ou indiretamente, os recursos de uma empresa de controle estatal saem do
orçamento público ou poderiam ser destinados ao orçamento público. Por definição, o orça-
1 Artigo 173.
409
mento público possui alto impacto social, ambiental e em termos de governança, já que é com
esse orçamento que os governos cumprem suas funções mais básicas como educação, saúde,
assistência social, segurança e justiça.
Assim, sempre que se extrai ou se deixa de remeter recursos para o caixa único da União, dos Es-
tados, do Distrito Federal e dos Municípios, indiretamente, pode-se estar prejudicando o exercí-
cio das funções essenciais do Estado. Essa, inclusive, é uma das razões pelas quais a sociedade
critica tanto o excesso de empresas estatais.
Essa situação se agrava ainda mais no caso das empresas estatais dependentes, que são as
empresas controladas que recebem do ente controlador (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios) recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal, de capital ou
custeio em geral. Essas empresas, ao contrário daquelas que possuem clientes e conseguem
subsistir sozinhas, dependem totalmente do Estado, ou seja, do orçamento público, para con-
tinuar existindo.
Para evitar distorções e garantir que as finalidades das empresas de controle estatal fossem
cumpridas, a CF determinou que a lei estabeleça os estatutos sociais e determine a função so-
cial de cada estatal a ser criada (art. 173, parágrafo 1º, inciso I).
Portanto, diferentemente das empresas privadas, que podem optar em adotar práticas de
ESG para cativar um grupo de consumidores, ou mesmo investidores, as empresas de con-
trole estatal devem nascer com os conceitos de ESG no seu “DNA” por exigência constitu-
cional. No setor privado, principalmente em alguns nichos específicos, a prática do ESG até
pode se tornar praticamente uma obrigação, mas seguirá sendo uma escolha. Entretanto,
nas empresas estatais, a incorporação do ESG passou a ser mandatória com o advento da
lei das estatais.
Em linha com os conceitos de ESG, a lei das estatais determinou que essas empresas sejam
orientadas para (1) ampliação economicamente sustentada do acesso de consumidores aos
seus produtos e serviços (art. 27, § 1º, inc. I); e (2) desenvolvimento ou emprego de tecnologia
brasileira para produção e oferta de seus produtos e serviços, sempre de maneira economica-
mente justificada (art. 27, § 1º, inc. II).
Como se não bastasse, para reforçar ainda mais o compromisso com o ESG, a lei ainda previu
que as estatais (a) adotem práticas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social
corporativa compatíveis com o mercado em que atuam (art. 27, § 2º); e (b) possam celebrar
410
convênio ou contrato de patrocínio com pessoa física ou com pessoa jurídica para promoção
de atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais e de inovação tecnológica, desde que
comprovadamente vinculadas ao fortalecimento de sua marca (art. 27, § 3º).
Ao incluir o ESG na lei das estatais, o Congresso Nacional reduziu o risco de essas práticas serem
negligenciadas em decorrência dos mandatos dos administradores, que, em geral, estão liga-
dos ao calendário eleitoral. Agora, o corpo técnico das estatais, além dos órgãos de governança,
está diretamente comprometido com esse tema, sem escapatória. O ESG virou parte inerente
das empresas estatais, assim como já é parte inerente do papel do Estado.
Como as iniciativas de ESG, como regra, possuem uma visão de longo prazo, é muito importan-
te que essa visão seja incorporada, também, nos Estatutos Sociais, regulamentos e regimentos
internos das companhias, para que essa pauta possa estar refletida nas ações das empresas.
Se as práticas de ESG não forem incorporadas na cultura e nos regramentos da companhia,
a mensuração dos resultados e a comprovação do cumprimento dos dispositivos legais serão
mais difíceis.
Portanto, os conceitos de ESG devem fazer parte da rotina de qualquer empresa estatal.
Além de cumprir o objeto social definido em lei, as empresas estatais precisam observar se sua
função social está efetivamente sendo atingida, para evitar qualquer tipo de desvio de finalida-
de ou distorção.
Como dito, as empresas estatais são obrigadas a observar as três óticas do ESG. É impossível
considerar uma e afastar as demais. Nenhuma pode ficar de fora.
Entretanto, em termos de urgência, o maior desafio para as empresas de controle estatal ainda
é o “G”, de governança. Embora a Lei das Estatais tenha trazido avanços substanciais nesse que-
sito, ainda é desafiador separar a gestão das empresas das interferências políticas, ideológicas e
partidárias. O Brasil já testemunhou inúmeros casos de interferência em empresas estatais, in-
clusive em grandes empresas de capital aberto. Além de enfraquecer os órgãos de governança
e a credibilidade das estatais, a interferência pode prejudicar o alcance da própria função social
que justificou a criação da estatal.
Outro risco grande nas empresas estatais, que também é um desafio de governança, é a cap-
tura das empresas para atender interesses de corporações e sindicatos. Infelizmente, inúmeras
estatais não possuem mecanismos adequados para fazer a gestão da área de pessoas, segre-
gando interesses conflitantes. Muitas vezes, os próprios funcionários que serão beneficiados
pelas medidas elaboram e aprovam as propostas de aumento de salário, de concessão de be-
nefício e de acordos coletivos. A lista de benefícios de algumas estatais, sem paralelo no setor
privado, pode ser classificada como “imoral”.
A Lei no. 13.303/16 mitigou o risco de interferência política, partidária, ideológica ou sindical na
medida em que incentivou a profissionalização dessas empresas, que agora devem ter direto-
411
res e conselheiros com formação e experiências compatíveis às funções que exercem. Ocorre
que essa mudança precisa ser refletida em todos os regimentos e regramentos internos, para
que a governança e gestão da companhia realmente alcancem os melhores padrões praticados
em nível mundial.
Como as empresas estatais possuem uma função social, o uso dessas empresas para atingir
interesses exclusivamente privados, como os interesses dos políticos, dos partidos ou das cor-
porações sindicais, é um desvio brutal de sua natureza e precisa ser combatido pelos órgãos de
controle. Além de prejudicar o “G”, prejudica o próprio funcionamento do Estado, que vê seus
recursos serem desviados para beneficiar um grupo privilegiado de pessoas.
Como a obrigação de incorporar os conceitos de ESG nas empresas estatais está prevista em lei,
essas empresas não podem se furtar de debater e de prever ações nesse sentido. Assim, tanto
a diretoria executiva como o Conselho de Administração podem ser responsabilizados pelos
órgãos de controle, caso não observem as exigências legais.
Embora o tema do ESG seja um tema mais estratégico do que operacional nas empresas pri-
vadas, nas empresas estatais, pelas suas peculiaridades legais e orçamentárias, o tema precisa
ser parte da operação também, até para honrar a função social que originou a criação da com-
panhia.
Dessa forma, é importante que a equipe executiva patrocine essa discussão, sem depender da
provocação pelo Conselho de Administração – CA, muito menos pelo(s) seu(s) acionista(s). É
evidente que o CA ou qualquer acionista pode provocar o debate, mas a responsabilidade maior
é do corpo executivo.
Se as empresas de controle estatal dependerem do Estado, como acionista, para fazer esse
debate, dificilmente esse assunto entrará em pauta em um futuro breve. O próprio Estado, em
seus diferentes níveis, possui dificuldades de discutir e avaliar todas as suas ações sobre a ótica
do ESG.
Em alguns casos, até que os processos internos estejam implementados e as exigências legais
de ESG estejam sendo rigorosamente observadas, os CAs das empresas estatais podem criar
Comitês de Assessoramento, justamente para verificar o cumprimento dessas diretrizes e reco-
mendar medidas ou decisões para o conselho sobre o tema.
Independentemente da existência desses comitês, o grande desafio segue sendo como medir
e prestar contas do ESG nas empresas estatais.
412
O DESAFIO DE MEDIR O ESG E DE PRESTAR CONTAS NAS
ESTATAIS
Em 2020, o Fórum Econômico Mundial divulgou um conjunto de métricas para ajudar na men-
suração do ESG como parte do desenvolvimento sustentável dos negócios. Para facilitar o mo-
nitoramento, as métricas foram consolidadas em 4 verticais:
y Pessoas: diversidade, diferenças salariais, saúde e segurança;
y Planeta: emissão de gases de efeito estufa, proteção fundiária e uso de água;
y Prosperidade: emprego e geração de riqueza, tributos, e investimentos em pesquisa e de-
senvolvimento; e
y Princípios de Governança: propósito, estratégia, accountability, comportamento ético e de-
claração de riscos.
Como referência, as empresas privadas poderão usar essas métricas para monitorar e avaliar o
impacto ESG de suas atividades, facilitando o trabalho de fundos, investidores e consumidores
que gostam e valorizam essa pauta. Mas como será o trabalho de mensuração nas empresas
estatais?
Dada a peculiaridade das empresas estatais, seja pela exigência legal da Lei das Estatais, seja
pelo uso, direto ou indireto, de recursos públicos, a mensuração do ESG se torna ainda mais
importante.
Em primeiro lugar, as empresas estatais precisam verificar se o uso desses recursos terá maior
ou menor impacto do que se esses recursos fossem devolvidos ao erário público. Como regra,
o Estado sempre terá mais impacto ESG que qualquer empresa de controle estatal. Portanto, a
reflexão sobre o tamanho do impacto ESG de cada empresa estatal pode ser decisiva, inclusive,
para avaliar se a existência da própria empresa estatal efetivamente se justifica, diante dos mo-
tivos originários para a sua criação.
Por exemplo, se ficar comprovado que a função social da companhia estatal, razão que justifi-
cou sua criação, não vem sendo cumprida adequadamente e que o Estado poderia gerar um
impacto muito maior se esses recursos fossem devolvidos ao erário público, como justificar, sob
a ótica do ESG, a continuidade do uso desses valores?
Mesmo com a decisão de manter a empresa, uma alternativa para aumentar o impacto dos
recursos disponíveis pode ser destinar mais recursos para serem distribuídos como dividendos
ao Estado. Nos cofres do Estado, certamente, o impacto público sob a ótima do ESG, invariavel-
mente, será maior.
Em segundo lugar, é preciso verificar se cada um dos objetos sociais e das ações das empresas
estatais está cumprindo as diretrizes de função social definidas pela Lei nº 13.303/16, conforme
detalhado acima.
Por exemplo, se for constatada que determinada atividade exercida pela empresa pode contra-
riar as melhores práticas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social corpora-
tiva, compatíveis com o mercado em que atuam, a companhia deverá rever seus estatutos, ati-
vidades, práticas e ativos para adequar sua atuação às melhores práticas existentes. Isso pode
significar, inclusive, um reposicionamento estratégico da companhia, a eliminação de práticas
413
atrasadas ou mesmo o eventual desinvestimento de ativos que contrariem as melhores práti-
cas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social.
Nessa linha, cabe aos administradores da companhia, incluídos os Conselheiros e Diretores Es-
tatutários, provocar não apenas o debate, mas propor a avaliação real do impacto gerado pela
empresa. Caso seja identificada alguma inconsistência, os administradores devem provocar as
mudanças necessárias na companhia para que a função social seja alcançada.
Para facilitar a avaliação dos estatutos, atividades, práticas e ativos das empresas estatais, algu-
mas questões podem ser formuladas em relação ao ESG, tais como:
AMBIENTAL:
y A atuação da empresa pode gerar danos ambientais?
y Alguma mudança na forma de atuação da companhia poderia mitigar, substancialmente,
esse risco?
y Qual ação, atividade, prática ou ativo da companhia gera o maior risco?
y Faz sentido a empresa continuar com as atividades, práticas e ativos que geram o maior
risco ambiental?
y A existência da estatal, no geral, amplia ou reduz a pegada de carbono?
SOCIAL:
y A atuação da empresa pode gerar danos sociais?
y Alguma mudança na forma de atuação da companhia poderia mitigar, substancialmente,
esse risco?
y Qual ação, atividade, prática ou ativo da companhia gera o maior risco?
y Faz sentido a empresa continuar com as atividades, práticas e ativos que geram o maior
risco de dano social?
y A existência da estatal, no geral, amplia ou reduz a inclusão social?
y A existência da estatal, no geral, amplia ou reduz a desigualdade social?
GOVERNANÇA:
y A atuação da empresa pode prejudicar a governança pública?
y Alguma mudança na forma de atuação da companhia poderia mitigar, substancialmente,
esse risco?
y Qual ação, atividade, prática ou ativo da companhia gera o maior risco?
y Faz sentido a empresa continuar com as atividades, práticas e ativos que geram o maior
risco em termos de governança pública?
y A existência da estatal, no geral, melhora ou piora a governança pública?
y A existência da estatal, no geral, concentra poder político ou democratiza o acesso a esse
poder?
y A existência da estatal, no geral, concentra poder econômico ou democratiza acesso a esse
poder?
y A existência da estatal, no geral, aumenta o poder de determinado setor econômico ou
melhora as condições de todos os setores?
y Os salários, benefícios e práticas da área de gestão de pessoas da estatal refletem as me-
lhores práticas de mercado ou criam privilégios para um determinado grupo, carreira ou
sindicato?
414
Ao responder as perguntas acima, por exemplo, ou outras que possam permitir uma análise
mais ampla do impacto ESG das empresas de controle estatal, os administradores dessas com-
panhias poderão avaliar se a empresa está efetivamente contribuindo para o ESG ou se está
indo em sentido contrário à sua função social.
Em termos de prestação de contas, a Lei das Estatais exige, em seu artigo 8º, que essas em-
presas possuam um nível de transparência muito maior do que o setor privado. Nessa lógica, o
nível de prestação de contas sobre o ESG deve ser proporcional.
Como resta claro, tanto a mensuração quanto a divulgação dos aspectos do ESG não são uma
opção para as empresas de controle estatal, mas uma obrigação decorrente da própria lei.
Um alerta, entretanto, é importante. Na avaliação das práticas de ESG das empresas de con-
trole estatal deve-se observar a lei de criação da empresa de controle estatal, bem como seus
estatutos sociais, para verificar se as atividades realizadas possuem pertinência com seu obje-
to social. Precisa, necessariamente, haver uma relação, para que tal prática não seja conside-
rada um desvio de finalidade. Além disso, considerando a legislação pertinente, as atividades
da empresa de controle estatal não podem se confundir com as atividades exercidas pelo
próprio Estado.
CONCLUSÃO
Com o advento dos conceitos de ESG, fica ainda mais difícil justificar quais explorações direta
de atividade econômica pelo Estado podem gerar mais impacto ESG do que a própria atividade
estatal.
O relevante interesse coletivo de que trata o artigo 173 da Constituição Federal, como regra, será
mais observado com o Estado tendo mais recursos para desenvolver suas atividades básicas do
que se esses recursos forem destinados para a exploração econômica.
Em uma empresa de controle estatal, o respeito às práticas de ESG é uma obrigação legal, que
deve ser implementada pelos seus administradores. As agendas de ESG, portanto, devem ser
parte permanente das discussões das Diretorias e dos Conselhos das empresas de controle es-
tatal. Se não são ainda, precisam ser o quanto antes.
Se esse assunto já faz parte das discussões nas agendas de governança de muitas empresas
privadas, com ainda mais importância deve fazer parte das discussões nas empresas de contro-
415
le estatal . Por usarem recursos públicos, que poderiam ser diretamente usados em ações com
alto impacto ESG, torna ainda mais imperativa a discussão desse tema nas empresas de con-
trole estatal, principalmente em termos de mensuração de impacto e avaliação de resultados.
Assim, é fundamental que todas as empresas estatais possam fazer uma análise técnica, inde-
pendente, detalhada, profissional e baseada em dados e evidências de todas suas atividades,
práticas e de todo seu portfólio de ativos, para fazer uma gestão mais eficiente e de acordo com
as melhores práticas de governança e de ESG. Sem essa avaliação, ficará difícil justificar o cum-
primento da função social das estatais.
416
Governança Corporativa na
nova economia: um tema tabu
MILTON NASSAU RIBEIRO
INTRODUÇÃO
A partir da virada do século XXI, mais notadamente a partir do fim da primeira década, o mundo
passou a experimentar o que Klaus Shawb1 nomeou como a Quarta Revolução Industrial. As
rupturas e inovações tecnológicas trouxeram profundas mudanças nas estruturas econômicas,
modelos de negócio, estratégias de monetização e escalabilidade nos negócios.
Alguns negócios morreram em razão dessa Revolução e outros emergiram como verdadeiros
gigantes monopolistas, trazendo um inevitá vel paralelo com o que foram os monopólios de
ferrovia, aço e petróleo da chamada Segunda Revolução Industrial.
O resultado financeiro de toda essa entropia gerada pela inovação tem sido chamado de Nova
Economia, que já não é mais tratada como uma tendência corporativa, mas como um impera-
tivo para aqueles que querem sobreviver no ambiente empresarial.
Em paralelo a isto, a Governança Corporativa seguiu sua jornada, sem ter um foco específico
nestes novos modelos de negócio e seus impactos no Capitalismo. Por certo, a Governança Cor-
porativa seguiu evoluindo profundamente em sua jornada também nestas primeiras décadas
do século XXI.
No entanto, esses aprimoramentos mantiveram o foco nos conflitos tradicionais, tais como con-
flito de agência, abusos de poder de administradores e acionistas controladores. Cite-se tam-
bém uma grande evolução nas discussões de riscos, ética e controles empresariais (o chamado
Compliance), porém, tendo como objeto principal os modelos de negócio e estruturas de poder
mais comuns no século passado.
1 SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016. 159 p.
417
O presente artigo tem por objetivo investigar e refletir sobre os motivos de tal dissociação entre
Nova Economia e Governança Corporativa, bem como apontar tendências e caminhos para
uma eventual e, a meu ver, inevitável aproximação.
De uma forma extremante infeliz, a recente lei brasileira que definiu o marco legal das startups
(Lei Complementar 192/2021) se aventurou em definir, em seu artigo 4º, os requisitos para en-
quadrar uma organização empresarial como startup, quais sejam:
y operação recente, caracterizada pela inovação aplicada a um modelo de negócios ou pro-
dutos ofertados;
y ser empresário individual, sociedade individual limitada, sociedade empresária, cooperativa
ou simples;
y ter receita bruta de até R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais) no ano-calendário
anterior ou de R$ 1.333.334,00 (um milhão, trezentos e trinta e três mil trezentos e trinta e
quatro reais) multiplicados pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior,
quando inferior a 12 (doze) meses, independentemente da forma societária adotada;
y ter até 10 (dez) anos de inscrição no CNPJ;
y atender, no mínimo, um dos seguintes requisitos: a) declaração em seu ato constitutivo ou
alterador e utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou
serviços, nos termos do inciso IV do caput do art. 2º da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de
2004; ou; b) enquadramento no regime especial Inova Simples, nos termos do art. 65-A da
Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.
Note-se que a previsão legal se preocupou mais em definir requisitos para o enquadramento
de uma startup no marco legal do que em prover uma definição útil ao negócio e ao empreen-
dedor. Por isto, na minha opinião, serve mais ao atendimento das burocracias governamentais
do que a ser um guia efetivo para melhoria do ambiente de inovação no país.
Muito mais elucidativa é a definição constante no site do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas):
418
startup é uma empresa inovadora com custos de manutenção muito
baixos, mas que consegue crescer rapidamente e gerar lucros cada vez
maiores. No entanto, há uma definição mais atual, que parece satis-
fazer a diversos especialistas e investidores: uma startup é um grupo
de pessoas à procura de um modelo de negócios repetível e escalável,
trabalhando em condições de extrema incerteza (grifo nosso).2
Há alguns pontos relevantes nesta definição. Primeiramente, fica claro que não é determinante
para uma empresa ser considerada startup que ela se relacione à internet ou de tecnologia. O
que importa é a estruturação de um modelo de negócios inovador e distinto dos tradicionais.
É bem verdade que, quase como regra geral, é justamente a tecnologia que permite que es-
ses modelos sejam inovadores e mais baratos. Em segundo lugar, esse modelo de negócios
inovador deve ser repetível e escalável de tal forma que permita uma monetização rápida e
crescente.
Note-se que modelo de negócios não é sinônimo de um plano de negócios. O modelo de negó-
cios foca nas estratégias detalhadas para atingir os objetivos, enquanto o modelo de negócios
foca no valor e na rentabilidade da empresa. Esta busca solucionar os problemas do cliente,
através de mecanismos que garantam a lucratividade repetida e escalável da startup.
Por repetível entenda-se que o negócio é capaz de entregar um mesmo produto com uma es-
cala potencialmente ilimitada, sem a necessidade de customizações, adaptações relevantes. Já
um negócio escalável é aquele capaz de obter crescimento contínuo, elevando produtividade
e faturamento, sem que a estrutura e despesas sofram um incremento equivalente. Assim, a
empresa cresce de forma rentável, rápida e exponencial.
Chama também a atenção a menção a “condições de extrema incerteza”. Isto significa que não
haverá um manual ou “receita de bolo” para o sucesso. Ser startup é tentar fugir dos modelos
tradicionais, o que implica em enorme incerteza e experimentações. O primeiro passo para
enfrentar essa incerteza é ter um produto mínimo viável (MVP - Minimum Viable Product) que
validará a solução ao problema do cliente, com o mínimo gasto possível e retorno financeiro
recorrente.
Outro conceito interessante é o das organizações exponenciais (ExOs). No livro homônimo que
se tornou uma Bíblia para todos que pretendem iniciar no estudo das empresas da Nova Eco-
nomia, é apresentada a seguinte definição:
Uma Organização Exponencial (ExO) é aquela cujo impacto (ou resultado) é desproporcional-
mente grande – pelo menos dez vezes maior – comparado aos pares, devido ao uso de novas
técnicas organizacionais que alavancam as tecnologias aceleradas. 3
2 http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/o-que-e-uma-startup,6979b2a178c83410VgnVCM10
00003b74010aRCRD. Acesso em: 14/12/2021
3 ISMAIL, Salim et al. Organizações Exponenciais. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019 p. 19.
419
laboradores também definem os atributos externos e internos que deve ter uma organização
para ser exponencial. Os atributos externos, que ele denomina SCALE são: staff sob demanda,
comunidade e multidão, algoritmos, ativos alavancados e engajamento. Os atributos internos,
que chama de IDEIAS, são: interfaces, dashboards, experimentação, autonomia e sociais.4 Além
disto, as ExOs devem ter um sonho grande: um propósito massivo transformador (PMT).
Não pretende este trabalho aprofundar-se no tema das ExOs, mas apenas ressaltar dois pontos
em relação a elas: (i) apesar de inicialmente ser startups, devem ser capazes de atingir ainda
mais atributos para se tornarem exponencias; (ii) em regra, os Unicórnios e as Bigtechs são
ExOx.
Neste ecossistema, acima dos Unicórnios temos as Bigtechs, que são as empresas de tecnolo-
gia que dominam o mercado em que atuam, através de monopólios ou oligopólios. Transfor-
maram-se nas empresas mais ricas e influentes do mundo. O seu acrônimo é FAANG: (Face-
book, Apple, Amazon, Netflix e Google).
Por mais rápido que seja o crescimento das startups, elas não se tornam grandes do dia para
noite, tampouco sem a atração e captação de recursos internos. O crescimento das startups é,
geralmente, precedido de uma melhoria contínua da tecnologia e estruturação orgânica. Estas
demandam recursos de não fundadores. E é aí que ocorre o primeiro ponto de contato com a
Governança Corporativa.
Esses financiadores, apesar de acostumados com o ecossistema das empresas da Nova Eco-
nomia, exigem um padrão mínimo de organização e Governança Corporativa para verter seus
recursos nas startups. Não existe uma fórmula única para se fazer a captação destes recursos
que sustentarão o crescimento das startups, bem como não há um único tipo de financiador,
mas existe algum conhecimento empírico dos atores e seus caminhos.
420
Startups que necessitam de pouco capital (seed money) ou que estejam em uma fase ainda
incipiente (chamadas early stages) geralmente se socorrem através de aporte de investidores
amadores que o fazem diretamente ou através da organização de um fundo. São chamadas de
captações Family & Friends. Também comum nesta fase é a captação através de um ou mais
investidores referência, chamados de “Anjos”, ou através de organizações empresariais ou não,
chamadas de Aceleradoras6.
Quando são necessários aportes de valores maiores, essas rodadas de investimento são cha-
madas de séries (A, B, C, etc). Nestes casos, os financiadores são geralmente fundos de Private
Equity ou Ventures Capital. Esses fundos visam investir em empresas para financiar o seu cres-
cimento e desenvolvimento para, mais à frente, obter dividendo e/ou vender a sua participação
após uma valorização considerável de seu valor. A distinção entre eles é que os Venture Capitals
investem em empresas em estágio inicial e/ou com maiores riscos, e os Private Equities em em-
presas um pouco mais estruturadas e que já demonstrem uma curva potencial de crescimento.
Em um maior ou menor grau, participam da gestão mais ativamente escolhendo executivos e
conselheiros para posições-chave.
Finalmente, em fases mais maduras de uma startup, podem ocorrer processos de fusão e aqui-
sição por um investidor estratégico ou um processo de oferta pública das ações (IPO – Initial
Public Offering). Esse é o sonho de praticamente todos os fundadores, afinal, a partir destes
eventos de liquidez, eles poderão regular o preço, o prazo e como serão vendidas suas ações, se
parcial ou totalmente (ofertas secundárias).
Isto não é uma ordem ou cronologia hermética, podendo variar de caso a caso. Por exemplo,
uma startup pode ser vendida para um investidor estratégico sem nenhuma rodada de inves-
timento anterior ou sair de um investidor anjo para um IPO. Mas é certo que, a partir da neces-
sidade de capital e consequentes aportes, derivam-se diversas variáveis.
A primeira dela é a alteração na estrutura no capital social da empresa (cap table), com a prová-
vel diluição dos fundadores. Há diversas estratégias para gerenciar a estrutura de capital: inser-
ção de regras antidiluição, previsão de retenção dos fundadores (lock ups), normas de investi-
mento e desinvestimento (estrutura de primárias e secundárias), instrumentos de conversão do
aporte em ações ou dívidas, etc. Ressalte-se que, de todas elas, resultará uma discussão acerca
da Governança Corporativa entre fundadores e investidores.
Além disto, essa capitalização pode gerar a estruturação de órgãos deliberativos, conselho de
mentores ou de administração, diretorias executivas (estatutárias ou sombra) e empregados
remunerados com base em marcos de êxito. Por fim, cria-se também uma rede imediata de
stakeholders, até então estranhos ao fundador, tais como bancos, contadores e, a depender do
caso, auditores externos e reguladores.
6 Além de aporte financeiro, em geral, as Aceleradoras oferecem também apoio de conhecimento, relações
e tecnologia.
421
UM TEMA TABU
Até que chegue o momento da capitalização, as energias das startups estão focadas em tecno-
logia, produto e crescimento. Mas quando existe a necessidade de inversão de capital, elas são
obrigadas a discutir Governança. Como em regra esse é um movimento oportunista, muitas
vezes as regras de governança são tratadas como uma lista de pendências societárias a ser
tratadas.
Como efeito, não há uma compreensão da finalidade dos instrumentos de Governança Corpo-
rativa, tampouco um diagnóstico adequado das demandas específicas que seriam necessárias
para potencializar a empresa, tanto do aspecto cultural como de resultados. Além disto, existe
uma crença na Nova Economia que planejamento e processos (como os da Governança Cor-
porativa) tornariam a empresa mais lenta e, com isto, atrapalhariam a criatividade e a cultura
de inovação. Por exemplo, quando buscamos algo sobre o tema nas informações públicas dos
Unicórnios brasileiros, pouco se pode concluir.
Até mesmo nas Bigtechs, ainda há confusões conceituais. O fundador da Netflix escreveu um
excelente livro sobre o modelo de gestão e cultura da empresa, pregando que “a regra é não
ter regras”7. Curioso notar, contudo, uma contradição em termos. Apesar de pregar a ausência
de regras, o livro estabelece princípios e técnicas de reforço da cultura que nada mais são que
regras, algumas não escritas e algumas de Governança Corporativa8.
Logo, a Governança Corporativa é tratada como tabu para a Nova Economia, por má compreen-
são de seus benefícios e por uma certa dose de preconceito que confunde ritos e processos
com burocracia. Nada mais equivocado. Ao defender a importância do design (não apenas es-
téticos, mas de processos operacionais), Peter Thiel, cofundador da Paypal e sócio da Founders
Fund, coloca o dedo nesta ferida:
A melhor coisa que Jobs projetou foi sua empresa. A Apple imaginou
e executou planos plurianuais definidos para criar produtos novos e
distribuí-los com eficácia. Esqueça “produtos viáveis mínimos” – des-
de quando fundou a Apple, em 1976, Jobs viu que você pode mudar o
mundo através do planejamento cuidadoso (...)
O planejamento de longo prazo costuma ser subestimado por nosso
mundo do curto prazo indefinido.9
Portanto, as startups que tiverem melhores processos têm melhores chances de serem bem-
sucedidas, não apenas porque serão mais atrativas aos captadores, mas especialmente porque
terão mais capacidade analítica e de execução no desenvolvimento dos seus produtos. Lembre-
7 HASTING. Reed. MEYER, Erin. No rules, rules: Netflix and the Culture of Reinvention. Estados Unidos:
Penguin, Random House, 434 p.
8 Apesar das contradições, o livro gera ótimas reflexões e merece ser lido.
9 THIEL, Peter. De zero a um: o que apreender sobre o empreendedorismo com o Vale do Silício. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2014. p. 86.
422
se que a Governança Corporativa é composta de um feixe de processos (decisório, gestão de
stakeholders, prevenção de conflitos de agência e de interesses, etc.).
Como tal, pressupõe um design adequado ao tipo de negócio e de estrutura de capital especí-
fica. Isto talvez ajude a responder ao nosso próximo questionamento: Por que a Nova Economia
é um tabu para a Governança Corporativa?
Como estudioso do tema, causa-me espanto que uma “Nova Revolução Industrial” esteja em
curso e haja pouquíssimas análises das interlocuções deste fenômeno com a Governança Cor-
porativa. Uma rara pesquisa do IBGC traz resultados interessantes de se analisar .
10
Essa rica pesquisa também analisa tópicos importantíssimos da Governança Corporativa, tais
como: mudanças de sócios, processo decisório, adesão às práticas, formalização de regras, rela-
cionamento com mentores, perfil de conselheiros, etc. No entanto, a pesquisa leva em conta as
fases de maturidade na evolução da startup: ideação, validação, tração e escala.
Parece-me que aí está o caminho para que a Nova Economia deixe de ser um tabu para a Go-
vernança Corporativa. Deve-se entender as peculiaridades e especificidades das empresas da
Nova Economia, em cada uma de suas fases. Uma vez compreendidas, poder-se-á entender os
problemas e questões a serem respondidas pela Governança Corporativa para essas empresas.
Assim como empresas com diferentes estruturas de controle (majoritário, compartilhado, pul-
verizado, estatal, etc.) têm conflitos diferentes, que demandam soluções distintas de governan-
ça, as empresas da Nova Economia necessitam de um olhar específico. De positivo, ressalta-se
que estamos diante de uma grande oportunidade de melhoria e amadurecimento.
423
TENDÊNCIAS E CONCLUSÕES
Apesar de tudo, o encontro entre a Nova Economia e Governança Corporativa me parece inevi-
tável, especialmente em razão de duas tendências: o aumento da relevância da Nova Economia
e a crescente tendência da discussão do ESG (Environmental, Social and Governance).
Sobre o primeiro ponto, não me parece necessário nenhum aprofundamento, pois esse cres-
cimento já se sente. A única dúvida seria se a Nova Economia será relevante ou predominante.
Em relação ao ESG, este será o principal catalizador do incremento das discussões acerca da
Governança Corporativa, pois neste tripé é a Governança que organiza e cadencia a execução
do “E” e do “S”. Assim como os financiadores exigirão critérios cada vez mais altos de ESG para
colocar seus recursos nas empresas, o escrutínio da sociedade impactará a reputação e se bus-
cará mais o Poder Judiciário para a responsabilização daqueles que não atenderem as expec-
tativas.
Polêmicas à parte, até mesmo pela sua relevância, é inevitável que as empresas da Nova Eco-
nomia passem a melhorar o seu grau de Governança Corporativa, independentemente do grau
de maturidade que o negócio se encontre. Da mesma forma, os estudos da Governança Corpo-
rativa devem evoluir na melhor compreensão das empresas da Nova Economia, seus conflitos
e oportunidades de melhoria. Novos dilemas e conflitos pedem novas respostas. Afinal, a Nova
Economia merece um novo olhar para a sua Governança Corporativa.
424
MILTON NASSAU RIBEIRO
425
ESG como ferramenta de
valorização do negócio pela
construção de um novo
paradigma de relacionamento
entre empresas, mercado,
Estado, advogados e sociedade
em geral
HENRIQUE DE ARAÚJO GONZAGA E REBECA STEFANINI PAVLOVSKY
O mais recente relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáti-
cas (IPCC), vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), demonstrou que as mudanças
climáticas são irrefutáveis, irreversíveis e, ainda, irão se agravar se nada for feito para mudar o
quadro atual1.
Com isso, e cada vez mais, a busca pelo desenvolvimento econômico sustentável atento aos
impactos ambientais e sociais das atividades empresariais exige ações concretas e urgentes em
prol de soluções éticas e eficazes que garantam não apenas o enfrentamento da crise climáti-
ca, como também propiciem externalidades positivas. Nesse contexto, a aderência às práticas
ESG (acrônimo em inglês que se refere às variantes Ambiental, Social e de Governança Corpo-
rativa) cresce em importância e em valor de mercado.
Atualmente e já há algum tempo, a atividade empresarial deixou de ser orientada pelo lucro
pura e simples, passando a atuar como indutora de comportamentos e de boas práticas, as-
sumindo protagonismo na condução de negócios que visam o resultado econômico (afinal,
não se poderia falar em sustentabilidade sem o componente econômico) de maneira ética e
consciente. “O meio ambiente e o sistema econômico, por mais conflitantes que pareçam ser,
são, na verdade, indissociáveis, e constroem uma relação de mutualidade complexa, mas ja-
mais de oposição”2. Negar a inter-relação entre as atividades econômicas, as relações sociais e
1 IPCC. Climate Change 2021: The Physical Science Basis. Summary for Policymakers. Publicado em
09/08/2021.
2 LAVIGNE, Beatriz. Títulos verdes: conciliação entre os direitos constitucionais da proteção ambiental e
ordem liberal econômica. In: Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. Revista dos Tribunais:
São Paulo, 2021. vol. 93. p. 63.
426
o equilíbrio do meio ambiente é furtar-se do compromisso e da responsabilidade de se garantir
um meio ambiente saudável para as futuras gerações, como o fez nossa Constituição Federal e
é dever de todos nós3.
Aliás, é importante que se diga, pesquisas já noticiam que a sociedade civil e, em especial, os
consumidores anseiam por um posicionamento consciente e contundente das empresas em
relação ao seu papel, o que tem orientado as escolhas de consumo e os hábitos de uma parcela
cada vez maior da população4.
De outra parte, o Banco Central brasileiro (BACEN) já vem incorporando diretrizes ESG no siste-
ma financeiro nacional, com base no Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TC-
FD)5, conforme as recentes Resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 4.943/2021,
4.944/2021 e 4.945/20216. No entanto, o BACEN vai além, ampliando o escopo do TCFD para
considerar também a gestão de riscos sociais, orientando a adoção, por parte das instituições
financeiras, de uma Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC). Na
visão do BACEN, os riscos climáticos, ambientais e sociais afetam os imperativos do Banco, ou
seja, a garantia da estabilidade dos preços e do sistema financeiro, e daí a motivação para as
novas normas7.
Não diferente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), diante do interesse cada vez maior dos
investidores em informações sobre as práticas ambientais, sociais e de governança, trabalha
desde 2020 na reforma da Instrução Normativa nº 480, que trata sobre a simplificação do For-
mulário de Referência e a inclusão de informações de ESG8.
3 A atividade empresarial tem o dever de defender e promover a proteção do meio ambiente, nos termos
dos arts. 170 e 225 da Constituição Federal.
4 Estudo da consultora Mckinsey & Company revela que 85% dos brasileiros dizem que se sentem
melhor quando compram produtos mais sustentáveis. Leia em: https://economia.estadao.com.br/
noticias/geral,preocupacao-com-sustentabilidade-comeca-a-pesar-na-decisao-de-compra-dos-
brasileiros,70003749083. Acesso em: 18 nov. 2021.
5 O Conselho de Estabilidade Financeira Mundial criou o TCFD para melhorar e aumentar os relatórios de
informação financeira relacionada com o clima. O TCFD é composto por 32 membros de todo os países do
G20 e emite diversas orientações globais para as melhores práticas de relatórios sustentáveis.
6 BRASIL. Resolução CMN n. 4.945/2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-cmn-n-
4.945-de-15-de-setembro-de-2021-345117266#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20Pol%C3%ADtica%20
de,Brasil%2C%20na%20forma%20do%20art. Acesso em 17/11/2021.
7 Trecho de entrevista concedida pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto Raphael Ribeiro,
em 03/11/2021. Leia mais em: https://veja.abril.com.br/economia/riscos-climaticos-e-ambientais-afetam-a-
estabilidade-financeira-diz-bc/. Acesso em: 18 nov. 2021.
8 Em 07/12/2020, foi publicado o Edital de Audiência Pública SDM nº 09/2020, com o objetivo de reduzir
o custo de observância e de aprimorar o regime informacional dos emissores de valores mobiliários com
a inclusão de informações que reflitam aspectos sociais, ambientais e de governança corporativa. Em
08/03/2021, findou-se o prazo para manifestações públicas à proposta e, desde então, o órgão analisa as
contribuições feitas e segue na elaboração da atualização da IN 480. Disponível em: http://conteudo.cvm.
gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2020/sdm0920.html. Acesso em: 17 nov. 2021.
427
tudos e propostas normativas voltados para o aprimoramento de práticas de ESG, com vistas
a fomentar produtos sustentáveis e investimentos responsáveis no setor de seguros privados9.
Outro crescimento exponencial no mercado acontece com os títulos verdes e sociais (green e
social bonds), que são títulos de renda fixa desenhados para captar recursos para projetos com
impacto ambiental ou social positivos, respectivamente. O mercado brasileiro não possui um
único, como diferentes produtos que podem ser enquadrados dessa forma (CPR Verde, CRA e
Debêntures para mencionar alguns). O Brasil é o segundo maior mercado verde da América
Latina, atrás apenas do Chile, possuindo ainda enorme potencial de crescimento12.
De fato, compreender que a tríade ambiental, social e de governança afeta a solidez e a repu-
tação do negócio é imprescindível. O mundo tem testemunhado a pujança de novas gerações
orientadas pelo propósito e pelo engajamento. Fechar os olhos para isso é omitir-se e condenar
o negócio ao estoicismo.
428
e contundentes e que haja estrutura de governança direcionada para a sustentabilidade abran-
gendo diversos níveis e áreas organizacionais.
Neste cenário de crise climática, mudanças legais e regulatórias constantes e a exposição das
companhias a novos e diversos riscos, incluindo alteração de comportamento do mercado con-
sumidor, a atuação preventiva e estratégica próxima ao negócio ganha relevo. Os advogados
têm o papel importantíssimo de auxiliar na adequação da atividade empresarial, garantindo
todo o apoio necessário às estruturas da governança corporativa e assessorando em quaisquer
demandas sob confidencialidade e sigilo garantidos por lei15.
A tendência de transição dos requisitos ESG, hoje, voluntários para mandatórios, conforme al-
guns exemplos nacionais citados no texto, implica também no incremento de exigências que
garantam a métrica e a comunicação efetiva dos riscos e resultados. É essencial entender-se o
que é exigido – considerando ainda as expectativas e as pressões do mercado e da sociedade,
e qual a melhor forma de reportar as informações de cunho ESG, tendo em vista a ausência
de padronização e a possibilidade de risco reputacional, dada a sensibilidade de alguns temas.
13 VILELA, Danilo Vieira. Governança e compliance na nova disciplina das agências reguladoras. In
Governança, Compliance e cidadania. Irene Patrícia Nohara e Flávio Leão Bastos Pereira, coordenação. 2.
ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2019.
14 BLANCHET, Gabriela. ESG como métrica de investimentos. In ESG: o cisne verde e o capitalismo de
stakeholder. a tríade regenerativa do futuro global. NASCIMENTO. Juliana Oliveira, coordenadora. 1. ed. São
Paulo: Thomson Reuters, 2021.
15 O dever de guardar o sigilo profissional está fixado no próprio Estatuto da Ordem dos Advogados do
Brasil (Lei n. 8.906/95) que, em seu art. 7º, inciso II, confere ao advogado – para que possa exercer de fato
este dever — proteção absoluta ao segredo na medida em que desempenha as suas funções, proibindo
a violação de seu local de trabalho, seus instrumentos e meios de comunicação de qualquer natureza.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm. Acesso em 17/11/2021.
16 Na Holanda, os grupos ambientalista Milieudefensie e Friends of the Earth Netherlands, ONGs e mais
de 17.000 cidadãos promoveram litígio climático contra a Royal Dutch Shell alegando, em síntese, que as
429
A revolução através do ESG, portanto, envolve inúmeras áreas e setores empresariais, não estan-
do os advogados alheios a tais transformações, sendo também corresponsáveis e fomentado-
res de um desenvolvimento cada vez mais sustentável, por meio de uma atuação que possibi-
lite impactos positivos e duradouros. Em especial diante de um contexto de crise ambiental e
climática, a atuação jurídica voltada à observância da vertente social e ambiental pode auxiliar
na redução de controvérsias, incertezas e litígios e, ainda, na agregação de valor ao negócio.
Por isso, mais do que nova uma forma de fazer negócios, a adoção de critérios ESG vem se apre-
sentando como um necessário e valioso paradigma de profunda mudança nas relações entre
empresas, investidores, fornecedores, consumidores, governos e comunidade. Essa mudança
nas relações decorre cada vez menos de iniciativas idealistas voluntárias e cada vez mais de en-
gajamento da sociedade e de novas imposições regulatórias, que já se demonstraram capazes
de agregar expressivo valor ao negócio.
REBECA STEFANINI
HENRIQUE ARAÚJO
contribuições da petroleira para a mudança climática, decorrentes de suas emissões atmosféricas, violavam
o dever de cuidado previsto na legislação holandesa, bem como a normativa de direito internacional que
regulamenta as violações dos direitos humanos. Em 26/05/2021, o Tribunal Distrital de Haia determinou a
redução das emissões da Shell em todas as suas atividades em 45% até 2030. GLOBAL CLIMATE CHANGE
LITIGATION. Milieudefensie et al. vs. Royal Dutch Shell plc. Disponível em: http://climatecasechart.com/
climate-change-litigation/wp-content/uploads/sites/16/non-us-case-documents/2021/20210526_8918_
judgment-2.pdf. Acesso em 24/11/2021.
430
Due Diligence como
mecanismo de implementação
de políticas ESG
RAFAEL BALERONI E ISABELA POLLARI
Apesar de fatores de Environmental, Social and Governance (ESG) também serem analisados
em diligências de operações financeiras e de aquisição, elas também podem ser usadas com
finalidade distinta – garantir a implementação de políticas ambientais, sociais e de governança
nas empresas.
O objetivo de realizar uma diligência específica em ESG é identificar potenciais riscos e impac-
tos tanto na própria empresa quanto na sua cadeia de valor (fornecedores e prestadores de
serviços), a fim de: (i) cessar eventuais irregularidades; (ii) elaborar plano de reparação; (iii) es-
tabelecer políticas eficientes de prevenção; e (iv) identificar oportunidades de novos negócios.
Essa auditoria pode (e deve) ser realizada periodicamente para verificar se as medidas adotadas
estão sendo eficientes. Os impactos reputacionais e em danos morais coletivos, por exemplo,
para um grande varejista cujo fornecedor terceirizado de serviços de segurança cometa condu-
ta discriminatória, são potencialmente muito maiores do que os custos de monitoramento de
seus fornecedores e de treinamento de seus colaboradores-chave.
Em outras palavras, a Due Diligence é utilizada para regularizar e prevenir violação e irregula-
ridades relacionadas a fatores ESG, não apenas dentro da empresa, mas também ao longo da
sua cadeia de produção, compreendendo um processo de gestão contínuo para cumprir com
sua responsabilidade socioambiental.
Para que seja um mecanismo de prevenção efetivo, uma diligência ESG não pode ser excessiva-
mente abrangente, pois exigir que uma empresa ou seus fornecedores identifiquem qualquer
potencial risco é praticamente impossível e representaria má alocação de recursos. Por exem-
plo, uma construtora acompanhar o licenciamento e realização de descarte de resíduos por
um subcontratado é uma forma eficiente de prevenir responsabilidade ambiental solidária por
431
poluição. Mas verificar mês a mês o pagamento de salários e recolhimento de verbas trabalhis-
tas para assegurar-se da inexistência de escravidão moderna muito provavelmente não o será.
Os objetivos da diligência ESG devem ser moldados conforme as necessidades de cada em-
presa, considerando políticas já adotadas, problemas específicos da empresa e do seu setor,
abrangência de sua cadeia de produção e problemas da cadeia de valor (terceiros contratados,
fornecedores, etc.). Por exemplo, no agronegócio, medidas para verificação de situações análo-
gas à escravidão são mais pertinentes do que no setor minerário.
Isso requer entender quais são as políticas e deveres corporativos que a empresa precisa adotar
para estar em cumprimento com os fatores ESG esperados do setor e determinados por lei, uti-
lizando a due diligence como mecanismo para alcançar esses objetivos de maneira estruturada
e organizada.
A responsabilidade socioambiental das empresas é cada vez mais exigida pelos reguladores,
consumidores, pelo próprio mercado e pela comunidade internacional, sendo necessário im-
plementar ações significativas para se adaptar à nova realidade econômica e social.
Não à toa que ESG se tornou a sigla do momento. Existe um consenso de que não é mais pos-
sível falar de crescimento econômico sem falar de desenvolvimento sustentável, e de fato se
notou que a adoção dessas políticas traz ganhos para as empresas e para a sociedade. A diver-
sidade é fundamental para o surgimento de novas ideias, a proteção do meio ambiente é mais
lucrativa do que sua devastação, a necessidade de proteger e garantir os direitos humanos é
uma obrigação das empresas, que por vezes têm mais poder nos países nos quais elas estão
localizadas do que os próprios governos.
Por isso, consumidores têm imposto pressão a marcas para que mudem suas práticas e/ou não
apoiem práticas tidas por indesejáveis; associações de indústria têm criado formas várias de
autorregulação para estabelecer padrões e práticas setoriais e governos têm adotado leis – in-
clusive de efeitos além de suas fronteiras – para que grandes empresas se atentem à sua cadeia
de valor. Como resultado desses fatores, a diligência de tópicos ESG vai deixando de ser restrita
a transações e se tornando um meio de boa governança.
É nesse cenário que diversas leis europeias passam a obrigar empresas a realizar due diligence
periódica, tanto internamente como em seus fornecedores e terceiros contratados, para garan-
tir que não haja violação a direitos humanos e fundamentais em toda sua cadeia de valor. Esse
é o caso da Lei da Escravidão Moderna no Reino Unido, da Lei da Vigilância na França e da Lei
do Dever de Vigilância da Cadeia de Produção na Alemanha.
Especialmente nas leis francesa e alemã, há a previsão de que as empresas devem implemen-
tar mecanismo de monitoramento, bem como medidas de mitigação e prevenção de violação
de direitos humanos e ambientais, sendo a due diligence a principal forma de estruturar essas
políticas e garantir sua eficácia. Inclusive, a lei alemã determina que as empresas anualmente
precisarão demonstrar os resultados de suas diligências para o público em geral e para um
órgão fiscalizador.
Tais leis se destinam, a princípio, a empresas com sede nos referidos países, mas a auditoria
deve abranger suas empresas controladas e fornecedores e terceiros contratados. Portanto,
432
para as empresas brasileiras que se enquadram nesses casos, é apenas uma questão de tempo
até que as obrigações relacionadas à realização da due diligence passem a ser exigidas como
requisito obrigatório de contratação.
Além disso, a Lei da Due Diligence do Trabalho Infantil da Holanda obriga as empresas que ven-
dem produtos ou serviços para consumidores holandeses, independentemente do local onde
ela está sediada e registrada, a apresentar relatório de auditoria voltado à prevenção de traba-
lho infantil na sua cadeia de produção. Nesse caso, a partir de 2022, empresas brasileiras que
comercializarem com a Holanda deverão cumprir com tais medidas e se reportar a um órgão
fiscalizador que ainda está em desenvolvimento.
O propósito dessas normas, principalmente das legislações europeias, é determinar que as em-
presas observem uma legislação mais protetiva ao meio ambiente, direitos humanos e ques-
tões trabalhistas, independentemente do local de suas atividades. A intenção é criar um “efeito
dominó”, no qual as empresas europeias obrigam as demais de sua cadeia de valor a efetiva-
mente prevenirem e mitigarem violações — e a adotar padrões elevados, conforme as exigên-
cias europeias.
Portanto, considerando que o continente europeu é um dos principais e mais estratégicos par-
ceiros de negócio do mercado brasileiro, é apenas uma questão de tempo até que a due dili-
gence em ESG se torne uma medida obrigatória para se comercializar com países europeus.
É nesse cenário que a due diligence ESG tende a se tornar o mecanismo legal e obrigatório para
garantir que todas as empresas de fato incorporem medidas ESG. Para além de permitir capta-
ção de recursos com benefícios – como captura de “greenium” decorrente de títulos verdes ou
sustentáveis, benefícios fiscais para títulos de dívida de projetos “que proporcionem benefícios
ambientais ou sociais relevantes” (Decreto 8.874/2016, como alterado, que beneficiou os green
bonds) e acesso a maior pool de provedores de capital –, a due diligence ESG vai deixando de
ser uma prática para operações financeiras e se torna um meio fundamental para garantir que
433
as empresas assumam sua responsabilidade socioambiental com a sociedade e de fato tomem
as medidas necessárias para o desenvolvimento econômico sustentável.
Portanto, a due diligence deixa de ser apenas um instrumento utilizado em operações financei-
ras e de aquisição de empresas e passa a ser uma das principais formas de realmente garantir
a observância de fatores ESG nas empresas e em sua cadeia de valor, se tornando indispensável
para a boa governança corporativa.
RAFAEL BALERONI
ISABELA POLLARI
434
CASO IRANI:
GOVERNANÇA, O PILAR DA
ESTRATÉGIA ESG
EDITORES: CARLOS BRAGA, DALTON SARDENBERG, EDGARD PITTA E MILTON NASSAU
Estudo de Caso1:
INTRODUÇÃO
No final de junho de 2020, a Irani concluiu sua oferta subsequente de ações na B32 . O evento,
realizado de forma virtual3 devido às medidas de distanciamento social impostas por conta da
pandemia da Covid-19, concretizava o sonho – e os esforços – de mais de 15 anos de trabalho dos
seus acionistas e corpo executivo.
Foram captados recursos da ordem de R$406 milhões de reais através da oferta pública reali-
zada nos termos da ICVM 4765, e a empresa passou, após um ano da oferta, a ter 42% de free
float6 distribuídos entre mais de 40 mil acionistas. Os recursos foram integralmente investidos
na Plataforma Gaia, um portfólio de projetos de expansão da Irani para ampliar competitivida-
de, capacidade de produção e suficiência energética, com investimentos totais da ordem de
R$883 milhões de reais.
1 Caso especialmente preparado para o projeto “Inovação o motor do ESG”, por Dalton Sardenberg, Edgard
Pitta e Carlos Braga.
2 A oferta subsequente de ações (follow on), também conhecida por emissão secundária de ações, é o
processo pelo qual uma empresa de capital aberto volta ao mercado para ofertar mais ações.
3 https://www.youtube.com/watch?v=YZMaMDO_68M
4 A Irani é a terceira maior produtora do Brasil, com 300 mil toneladas deste tipo de papel por ano (dados
de 2020).
5 A Oferta de Esforços Restritos é destinada exclusivamente para investidores profissionais. É dispensada
de registro na CVM e não há obrigação de elaboração de prospecto. As ações podem ser oferecidas para,
no máximo, 75 investidores profissionais e adquiridas por, no máximo, 50 desses investidores, sem limite de
número em caso de investidores estrangeiros.
6 Free float é o percentual das ações de uma empresa que está em circulação no mercado, sendo
negociadas livremente.
436
HISTÓRICO DA EMPRESA
1941 – Fundação da empresa por Alfredo Fedrizzi, na localidade de Campina da Anta (mais tarde
denominada Campina da Alegria), pertencente hoje ao município de Vargem Bonita, no Meio
Oeste catarinense.
1977 – Abertura de capital na bolsa brasileira.
1994 – Aquisição da Irani pelo Grupo Habitasul, de Porto Alegre-RS.
1999 – Realização do “Encontro para o Nosso Futuro”, em Canela-RS, em que o fundador do Gru-
po Habitasul, Péricles de Freitas Druck, propôs os temas de sustentabilidade e Balanço Social.
2004 – Criação do Departamento de Gestão Ambiental
2005 – Publicação da primeira edição do Balanço Social, com indicadores sociais, ambientais e
econômicos.
2006 – Primeira indústria de papel e celulose do país a emitir créditos de carbono pelo Proto-
colo de Kyoto – a segunda, em nível global, com monetização de mais de 17 milhões de reais.
2007 – Publicação do primeiro Relatório de Sustentabilidade.
2008 – Única companhia do setor de papel, celulose e embalagem a constar no ranking Brazil’s
Leading Reports da pesquisa Rumo à Credibilidade, da Fundação Brasileira para o Desenvolvi-
mento Sustentável (FBDS) e da SustainAbility.
2009 – Relatório de Sustentabilidade escolhido como um dos melhores do Brasil.
2019 – Lançamento de debênture verde.
2020 – Re-IPO – julho.
2021 – Conquista do certificado Great Place to work.
A Irani Papel e Embalagem S.A. é uma das principais indústrias dos segmentos de papel para
embalagens e de papelão ondulado do Brasil.
Embalagem Papelão Ondulado (PO): produção de caixas e chapas de papelão ondulado, leves
e pesadas. Unidades industriais: Embalagem SC – Campina da Alegria e Embalagem SP – In-
daiatuba.
Papel para Embalagens: produção de papéis kraft de baixa e alta gramaturas e de papéis reci-
clados, destinados ao mercado externo e interno. A maior parte dos papéis reciclados é transfe-
rida para conversão nas unidades do Segmento Embalagem PO. Conta com uma fábrica com
quatro máquinas de papel, localizada em Vargem Bonita/SC (Papel SC – Campina da Alegria) e
uma fábrica com uma máquina de papel em Santa Luzia/MG (Papel MG – Santa Luzia).
437
As três áreas de atuação são independentes em suas operações, mas operam de modo inte-
grado, buscando otimizar o uso das florestas plantadas de pinus, a reciclagem de papel e a
verticalização dos negócios.
Habitasul Florestal S.A., com base fundiária de 5,9 mil hectares, dos quais 3,7 mil hectares são
plantados com pinus no Rio Grande do Sul. Fornecedora de resina para a unidade Resina da
Irani Papel e Embalagem S.A. e de madeira para clientes da região.
HGE – Geração de Energia Sustentável S.A. e Irani Geração de Energia Sustentável Ltda., não
operacionais.
ASPECTOS ESG
Há mais de duas décadas, a Irani destaca-se pelo seu histórico consistente de práticas sociais
e ambientais. O diretor financeiro e de relações com investidores, Odivan Cargnin, relata que a
preocupação com esses temas remonta ao final dos anos 90, suscitados pelo fundador do Gru-
po Habitasul e então o CEO da companhia, Péricles de Freitas Druck.
Relembrando o evento “Encontro para o Nosso Futuro”, realizado em 1999, Péricles conta que
sua intenção na ocasião foi de “criar um novo ciclo virtuoso, em que os temas de sustentabili-
dade fossem centrais na atuação do grupo”. Para ele, “a empresa sempre adotou um posicio-
438
namento muito categórico no sentido da preservação de todos os valores, incluindo os valores
ambientais, mas sobretudo os valores de desenvolvimento das pessoas”.
Como resultado desse posicionamento, a empresa presta contas de suas iniciativas de respon-
sabilidade socioambiental através da publicação de relatórios anuais de sustentabilidade desde
2006, tendo lançado em 2021 seu primeiro Relato Integrado – RI. O Relato Integrado apresenta
informações financeiras e não financeiras, com iguais critérios e qualidade, com o objetivo de
dar mais transparência às organizações, incluindo informações sobre os diversos capitais da
empresa, como financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social e natural. O relato da Irani
foi elaborado com base nas regras estabelecidas pelo International Integrated Reporting Cou-
ncil – IIRC, Global Reporting Initiative -GRI, Sustainability Accounting Standards Board – SASB
e apresenta os principais Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) impactados pe-
los negócios da companhia e como se relacionam com suas estratégias prioritárias.
A Irani conta com produção integrada de celulose e papel, com base florestal própria e auto-
produção de energia. A companhia é comprometida com a Economia Circular7, com 98,2% de
todos os materiais utilizados de fonte renovável. É um comprador importante de aparas de pa-
pel e ajudou a desenvolver esse mercado. Conta com três projetos que transformam os resíduos
em matéria-prima, retornando ao ciclo da economia circular.
439
É uma empresa carbono neutro por natureza, o que significa que captura mais gases de efeito
estufa da atmosfera do que emite, e ainda assim vem reduzindo as emissões industriais nos
últimos 5 anos.
Foi a primeira empresa brasileira a certificar um Inventário de Gases de Efeito Estufa (GEE) de
acordo com a ISO14064:2006 e pioneira no mercado mundial de carbono, com dois projetos
registrados na ONU, desde 2006.
Tem 100% dos seus negócios certificados ISO 9001 e ISO 14064, além de certificação de manejo
florestal e de cadeia de custódia, e 100% do Negócio Embalagem Certificado ISO 14001.
Em todas as unidades de negócios, a Irani dispõe de processo de Gestão Ambiental que, por
meio das diretrizes da ISO 14001 e Política de Sustentabilidade, desenvolvem ações e projetos
para redução de impactos ambientais e formas de mitigação.
Foi agraciada com o Troféu Diamante MEG 750, do Excelência SC, em 2017, e já recebeu mais de
50 prêmios ambientais em nível regional e nacional.
SOCIAL
Os diversos programas direcionados aos 2.200 colaboradores têm objetivos de despertar o pro-
tagonismo na carreira e promover a diversidade e a inclusão, fortalecer a cultura da saúde e
segurança, zelar pelo bem-estar das pessoas, estimular o engajamento e valorização das pes-
soas, bem como o aprendizado contínuo, no que investe mais de R$1,5 milhão em educação e
capacitação anualmente.
440
É certificada pelo Great Place to Work e ganhou o prêmio Top Ser Humano da ABRH/SP, nos
anos de 2016, 2017 e 2019. Com adesão ao programa Empresa Cidadã, estendeu todos os perío-
dos de licença maternidade e paternidade e a adesão ao Capitalismo Consciente reforça seu
alinhamento aos quatro princípios base do movimento (Propósito Maior, Cultura Consciente,
Liderança Consciente e Orientação para Stakeholders).
Irani Labs é o seu programa de inovação aberta para conexão com startups e captação de so-
luções inovadoras para os desafios de negócio da empresa. Em sua primeira edição, em 2020, 5
das 87 startups inscritas na iniciativa foram selecionadas para desenvolver uma Prova de Con-
ceito (PoC) com a Irani. Foram selecionados projetos nas áreas de gestão de resíduos, coleta e
gestão de aparas e tecnologias florestais.
Apesar das conquistas na área social, a empresa entende que ainda precisa realizar avanços,
notadamente no que se refere à equidade de gênero, já que hoje ainda não há nenhuma mu-
lher na alta gestão (CA e Diretoria Executiva). Fabiano Oliveira, diretor de Pessoas, Estratégia
e Gestão comenta que “A empresa pretende, até 2030, sair de 18% para 40% de mulheres no
quadro da empresa e ter 50% de mulheres em cargos de liderança. Isso implica em preparar e
desenvolver a empresa para receber essa diversidade, até mesmo no aspecto físico”.
Ricardo Campos, Chief Executive e CEO da Reach Capital, comenta que “O mercado gosta de
empresas desse porte que causam impacto relevante nas cidades em que atuam, porque
fomentam um ecossistema e são relevantes para o PIB da região. Ao capacitarem as pessoas,
estão realmente ajudando a cidade, tendo assim os melhores colaboradores”.
GOVERNANÇA
A Irani adota uma estrutura de governança pautada pela transparência, responsabilidade so-
cioambiental, ética, inovação e pioneirismo, além das melhores práticas de relacionamento
com seus acionistas e demais stakeholders.
441
Figura 3: Estrutura de Governança
Discute mensalmente temas estratégicos, tais como Políticas Corporativas, relações com o
mercado, investimentos e riscos inerentes aos nossos negócios. Também é responsável pela
avaliação periódica da gestão, reconhecida e amplamente divulgada nas demonstrações fi-
nanceiras (trimestrais e anuais). Suas atribuições estão dispostas no artigo 12 do Estatuto Social,
entre elas: função deliberativa, eleição da diretoria executiva, fiscalização da gestão da diretoria
executiva, atribuição da remuneração da diretoria executiva, convocação de assembleias gerais.
8 O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC, no seu Código das Melhores Práticas de
Governança Corporativa, identifica três classes de conselheiros:
internos: conselheiros que ocupam posição de diretores ou que são empregados da organização;
externos: conselheiros sem vínculo atual comercial, empregatício ou de direção com a organização, mas
que não são independentes, tais como ex-diretores e ex-empregados, advogados e consultores que prestam
serviços à empresa, sócios ou empregados do grupo controlador, de controladas ou de companhias do
mesmo grupo econômico e seus parentes próximos e gestores de fundos com participação relevante;
independentes: conselheiros externos que não possuem relações familiares, de negócio ou de qualquer
outro tipo com sócios com participação relevante, grupos controladores, executivos, prestadores de
serviços ou entidades sem fins lucrativos que influenciem ou possam influenciar, de forma significativa,
seus julgamentos, opiniões, decisões ou comprometer suas ações no melhor interesse da organização.
442
São três os órgãos não-estatutários de assessoramento ao Conselho de Administração, que se
reportam diretamente a ele por meio de seu coordenador, com frequência mínima trimestral.
Comitê de Pessoas: É responsável por garantir que a companhia mantenha boas políticas e
práticas de desenvolvimento de pessoas e de remuneração de seus colaboradores e da alta
administração. Também é responsável pelos planos de sucessão dos principais executivos.
A Diretoria Executiva é integrada por 5 membros eleitos pelo Conselho de Administração, com
mandato unificado de 2 anos, não havendo acúmulo de cargos entre CEO (Diretor-Presidente)
e Presidente do Conselho de Administração.
Comitê de Inovação: Constituído por um grupo estratégico formado pela diretoria, gerentes
de negócios e equipes envolvidas com o planejamento de projetos de PD&I. Seu papel é ser um
impulsionador dos resultados e da nossa estratégia de inovação. Reúne-se com periodicidade
semestral.
Comitê de Gestão com Pessoas: Composto pela diretoria colegiada, gerentes e coordenadores,
tem como principais atribuições o alinhamento estratégico, acompanhar resultados, iniciativas
443
e ações para a melhoria do clima organizacional, contribuir na avaliação das políticas e práticas
de gestão de pessoas, metas e indicadores. Reúne-se com periodicidade semestral.
Comitê de Ética: Composto por cinco membros, sendo quatro cadeiras fixas e uma circulan-
te. As cadeiras fixas são destinadas ao Diretor-presidente, ao Diretor de Pessoas, Estratégia e
Gestão, à gerência de Desenvolvimento de Pessoas e à gerência Jurídica e de Compliance. A
cadeira circulante é destinada ao diretor da área cujo manifesto está em discussão. Possui a
função deliberativa e entre as suas atribuições estão zelar pelo cumprimento do Código de Éti-
ca e valores da companhia, identificar situações que sejam contrárias às disposições do Código
de Conduta Ética e promover os valores da companhia. Reúne-se com periodicidade bimestral
ou a qualquer tempo.
Evolução da Governança
Por se tratar de empresa de capital aberto, desde 1977, a empresa sempre zelou pela boa gover-
nança corporativa, promovendo, continuamente no decorrer dos anos, o aperfeiçoamento das
suas práticas.
Em 2012, o fundador do grupo, Péricles de Freitas Druck, que até então acumulava as fun-
ções de CEO e presidente do Conselho de Administração, retirou-se da gestão da empresa,
permanecendo apenas na presidência do Conselho. Seu filho, Péricles Pereira Druck, que
trabalhava na companhia desde 1994 e desde 2005 era o Diretor Superintendente, foi no-
meado CEO da Irani.
Também, nessa ocasião, com vistas ao aprimoramento da governança, foi convidado o primei-
ro conselheiro independente, Paulo Rabello de Castro, renomado economista brasileiro. Para
Péricles Pereira Druck, a entrada do primeiro conselheiro independente teve um papel impor-
tante no aprimoramento da governança da companhia, ao trazer uma nova dinâmica de maior
abertura para visões diferentes e discussão de temas mais disruptivos. “É diferente quando uma
pessoa de reconhecido conhecimento traz uma outra visão, principalmente para os temas mais
polêmicos”, relata Péricles Pereira Druck.
Em 2016, Paulo Rabello de Castro deixou o Conselho da Irani para assumir a presidência do Ins-
tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e para seu lugar foi convidado Paulo Iserhard,
que aportou ao Conselho longa experiência como executivo do setor, mas também em gover-
nança. Nesse período, relembra Paulo Iserhard, as decisões ainda eram bastante centralizadas
na Presidência, o Conselho ainda era integrado apenas por familiares e não havia nenhum co-
mitê de assessoramento.
444
Mais um conselheiro independente, Roberto Faldini passou a integrar o CA e foram criados os
atuais comitês de assessoramento.
No final de 2020, a Irani concluiu a migração para o Novo Mercado, segmento de listagem das
empresas com mais elevados padrões de governança corporativa. Com a migração, a Irani se
tornou a primeira companhia de embalagem focada em papel ondulado a entrar no Novo Mer-
cado, feito já alcançado pela concorrente Suzano no setor de papel e celulose.
Em sua opinião, “o aspecto mais desafiador é a mudança cultural por parte da organização para
entender as exigências inerentes a uma empresa de capital aberto. É preciso atender fundos,
investidores, minoritários, entre outros, e fornecer explicações para CVM e B3. Mas são todos
stakeholders duros que premiam quem age da forma correta ao prover acesso a fontes privile-
giadas que destravam a estrutura de capital. O limite não é mais capital, mas a capacidade de
gerar bons projetos”.
9 https://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/solucoes-para-emissores/segmentos-de-
listagem/novo-mercado/
445
DINÂMICA DE FUNCIONAMENTO DO CA
O Conselho se reúne mensalmente, com uma pauta anual regular, de modo que todos os as-
suntos relevantes são apreciados no decorrer do ano. Os resultados apresentados ao Conselho
são fruto de ampla discussão e acompanhamento de toda a empresa, desde a operação até a
diretoria, através de um processo muito bem definido de prestação de contas, com indicadores
e protocolos bem estabelecidos. Nessa dinâmica, o CA passa a ter um protagonismo maior,
porque não apenas aprecia os resultados, mas acompanha de perto todas as ações em anda-
mento, como aponta o CEO Sérgio Ribas.
A companhia prefere trabalhar com decisões colegiadas, não havendo nenhum comitê com
apenas um conselheiro. Na dinâmica de atuação, cada conselheiro é responsável por um de-
terminado comitê e é integrante de outros. Por exemplo, Paulo Iserhard coordena o Comitê de
Estratégia e integra o Comitê de Pessoas, que é coordenado pelo outro conselheiro indepen-
dente, Roberto Faldini.
O Conselho mantém seu papel de criador de estratégias, deixando a execução a cargo do corpo
executivo. Todo ano, o Conselho emite direcionadores de negócio, estrutura de capital, tecnolo-
gia, pessoas etc., que serão integrados às diretrizes de negócios. Sobre a atuação do Conselho,
Paulo Iserhard comenta: “O CA é o guardião da governança. Seu papel em suportar a gestão
deve ser on-demand; não deve ser proativo”.
Os conselheiros recebem uma remuneração fixa, exceto o presidente do Conselho, que tem
uma remuneração variável. É feita uma avaliação de desempenho do colegiado, não dos conse-
lheiros individualmente, seguida de ações de melhoria.
GOVERNANÇA DO ESG
Diferente do que tem sido mais popularmente adotado pelo mercado, em que a sustentabilida-
de é tema de um comitê de assessoramento do CA, na Irani os temas ESG são conduzidos pelo
Comitê de Sustentabilidade no nível executivo, composto pela diretoria executiva, gerentes das
plantas e outras lideranças da organização. No âmbito deste comitê são criados grupos de tra-
balho com representantes de todas as áreas da organização.
446
A preferência por conduzir as questões de ESG no nível executivo é explicada pela companhia
por seu entendimento de que esses temas devem ser tratados de forma transversal. Também
há uma preocupação de não replicar estruturas e nem de abafar o protagonismo da diretoria
executiva, motivos pelos quais o Comitê de Inovação também se reporta à diretoria executiva.
Mas, como aponta o conselheiro independente Paulo Iserhard, “não ter um comitê ESG não
significa falta de atenção, significa que o tema está sendo bem tratado no nível executivo. Até
porque o assunto é parte da pauta anual do CA e apreciado por todos de forma colegiada, atra-
vés de indicadores previamente estabelecidos”.
Ao longo de sua história, a Irani implementou um plano de crescimento orgânico e por aquisi-
ções que, por vezes, elevaram a alavancagem operacional da empresa, o que combinado com o
ambiente instável do mercado brasileiro levaram a empresa a ter um custo de capital elevado.
Com o passar do tempo e com a implementação da agenda ESG, a empresa conseguiu atingir
resultados econômicos superiores, inclusive se comparados aos pares internacionais.
No 3T21, última informação disponível, o ROIC (Return on Invested Capital), ou Retorno sobre
Capital Investido, atingiu 22,2% ao ano, o maior entre as empresas do setor no Brasil e acima dos
pares estrangeiros. O ROIC é uma das principais métricas de retorno sobre o capital analisada
pelos investidores e deve estar acima do WACC – Weighted Average Cost of Capital, ou Custo
Médio do Capital da empresa, para remunerar adequadamente o capital investido. O WACC
não é divulgado pela Irani, que torna público apenas um de seus componentes, o custo do ca-
pital de terceiros (8,24% no 3T21). Ainda assim, é de se supor que o ROIC seja superior ao WACC,
mesmo depois de considerado o custo de capital próprio, o que agregaria valor diferenciado
aos acionistas.
Quanto às principais métricas utilizadas pelo mercado para analisar a qualidade do negócio do
ponto de vista operacional, a margem EBITDA – Earning Before Interest, Taxes, Depreciation
and Amortization) foi de 32,4% no 3T21 e o Lucro Líquido sobre Receita Líquida, 22,6% no mesmo
período, ambos em níveis bastante saudáveis.
CONCLUSÃO
Analisando-se o histórico da empresa, constata-se a convergência dos temas ESG com resul-
tados econômicos superiores, o que demonstra que economia circular de baixo carbono, in-
vestimento no capital social e boas práticas de governança traduzem-se em lucratividade e
rentabilidade diferenciados.
447
É de se destacar que, quando os temas de ESG são incorporados pela cultura organizacional,
eles se tornam business as usual, sendo naturalmente transformados em ações concretas e
efetivas em todas as decisões operacionais, gerenciais e estratégicas. Portanto, não é à toa o
interesse do mercado em investir em empresas alinhadas ao ESG. Mas, como Odivan Cargnin
comenta: “Não foi a Irani que descobriu o ESG, mas o mercado que descobriu a Irani, que prati-
ca o ESG desde o ano 2000.”
No que se refere à governança corporativa, já alinhada aos mais altos padrões do Novo Mercado
da B3, alguns pontos se destacam no caso da Irani. Em primeiro lugar, a equalização dos as-
pectos relacionados à governança familiar e a presença de um único representante da família
na companhia (Péricles Pereira Druck, presidente do CA). Em seguida, destaca-se o importante
papel exercido pelos conselheiros externos e independentes altamente qualificados, escolhidos
por sua ampla experiência, profundo conhecimento do mercado e alinhamento inconteste à
causa ESG. Por fim, um corpo executivo de excelência e protagonismo, cuja saudável relação
com o Conselho impulsiona ambos os órgãos na direção da excelência.
448
ANEXOS
INTENÇÃO ESTRATÉGICA
MISSÃO
Construir relações de valor
VISÃO
Ser a melhor, a mais rentável, uma das melhores para trabalhar e estar entre as maiores
empresas de papel e embalagem de papelão ondulado
VALORES
Em primeiro lugar, a vida
Pessoas desafiadas e valorizadas
Foco do cliente
Foco no resultado
Cordialidade
Inovação
Responsabilidade social e ambiental
PROPÓSITO
Transformar a vida das pessoas com atitudes e soluções sustentáveis.
OBJETIVOS ESTRATÉGICOS
A estratégia é desdobrada em objetivos estratégicos com metas anuais até o final do ciclo de
planejamento estratégico, sendo que para o período até 2020 os principais resultados são:
EXCELÊNCIA EM GESTÃO
449
A busca pela excelência sempre norteou as atividades da companhia. Ações efetivas tiveram
início com a implantação da ISO 9001, a partir de 2000 e, posteriormente, em 2004, com a ado-
ção do Modelo de Excelência da Gestão® (MEG) da Fundação Nacional da Qualidade.
As atividades e resultados da Irani são comunicados ao mercado por meio dos seus canais ofi-
ciais:
Site de Relações com Investidores, disponível em português e inglês
Canal direto com o Diretor de Relações com Investidores e com a equipe de Relações com
Investidores pelo e-mail ri@irani.com.br
Ferramenta Fale Conosco, no site de RI
POLÍTICA DE SUSTENTABILIDADE
450
Alinhados à agenda global da ONU para o desenvolvimento sustentável, a empresa definiu 6
compromissos ESG para serem alcançados até 2030.
ÉTICA E INTEGRIDADE
O Programa de Integridade foi lançado em 2017. Composto por sete políticas e pelo Código de
Conduta Ética, ele reforça a necessidade do cumprimento das normas da empresa, das legisla-
ções e das regulamentações aplicáveis. Reúne, também, as práticas e diretrizes de comporta-
mento e relacionamento ético, abrangendo todos os níveis hierárquicos.
Em 2020, com a migração da companhia para o Novo Mercado, foi necessário revisar alguns
pontos do Código de Conduta Ética para adequação às exigências da B3 – Brasil, Bolsa Balcão,
a saber:
(i) além dos administradores e colaboradores, o Código de Conduta Ética passou a ter aplicabi-
lidade para seus fornecedores;
(ii) a estrutura do Comitê de Ética foi alterada;
(iii) definido que a Irani realizará treinamentos periódicos sobre o conteúdo do Código, no mí-
nimo, a cada dois anos.
Não houve nenhuma alteração com relação às diretrizes éticas da companhia.
451
CARLOS BRAGA
EDGARD PITTA
DALTON SARDENBERG
452
MILTON NASSAU RIBEIRO
453
CASO VEDACIT:
A IMPORTÂNCIA DOS VALORES
EM UMA EMPRESA FAMILIAR
– OU COMO SER UM BOM
ACIONISTA
EDITORES: HEIKO SPITZECK E ELISA ALT
Estudo de Caso:
Cada família empresária enfrenta diversos desafios, como quando a estrutura de governança
vigente desaba ou quando decisões importantes precisam ser tomadas, por pessoas que não
estavam até então no comando.
Os três irmãos, Curt, Roberto e Ursula Baumgart, membros da segunda geração da Família
Baumgart, lideravam os diversos negócios familiares, como a Vedacit (material de constru-
ção civil), Fazendas Reunidas Baumgart (agronegócio), Shopping Center Norte (shopping),
Shopping Lar Center (shopping temático de design e decoração), Expo Center Norte (exposi-
ções e centro de convenções) e Novotel São Paulo Center Norte (hotelaria). Quem tem irmãos
sabe que a convivência fraterna nem sempre é fácil, ainda mais quando administram várias
empresas juntos. Um dos acionistas da terceira geração relembra: “Meu pai e seus irmãos
às vezes se desentendiam, como acontece com qualquer família, mas rapidamente eles se
entendiam”.
GOVERNANÇA OU MORTE!
Histórias de conflitos entre irmãos em famílias empresárias não são incomuns, sendo bastante
conhecidos os casos da família Dasler (Adidas e Puma), Murdoch (News Corp.) e Bettencourt
455
(L’Oréal) ou, aqui no Brasil, da família Diniz (Pão de Açúcar), Safra (Banco Safra) ou Garfinkel e
Blay (Porto Seguro)1.
E, nestas histórias, a terceira geração costuma levar a fama de acabar com os negócios. O di-
tado popular “pai rico, filho nobre, neto pobre” resume bem a sombra carregada pela terceira
geração nas empresas familiares. De fato, as estatísticas não são boas: apenas 12% das empresas
familiares atingem a terceira geração. Uma das maiores causas para tanto é a falta de planeja-
mento sucessório. E a falta de planejamento cria conflitos que misturam questões familiares,
patrimoniais e gerenciais. Apenas 19% das empresas familiares brasileiras têm um plano suces-
sório. Por isso, 81% correm o risco de não continuidade do negócio ou de briga pela herança.2
Peça-chave no planejamento sucessório eficaz é uma governança que garanta que os conflitos
estão sendo resolvidos nos órgãos de governança adequados. Por isso: governança ou morte!
Otto e Marianne Baumgart fundaram a Vedacit, em 1936, dando origem ao que hoje é o Gru-
po Baumgart. O casal de fundadores teve três filhos: Curt e os gêmeos Ursula e Roberto. Eles
atribuíram um terço das ações do conglomerado a cada filho. Essa divisão deu à luz à primeira
forma de governança, na qual cada um representava um núcleo familiar nas decisões. Os três
tinham qualidades únicas e também suas diferenças, mas se complementavam. Ursula sempre
mediava e lembrava a Família: somos todos iguais!
1 Vaz, T. (2010): Algumas das maiores brigas do mundo das empresas, Exame, 14.10.2010.
2 As informações desse parágrafo vêm de PwC (2016): Pesquisa Global sobre Empresas Familiares 2016, p. 6.
456
Porém, o primeiro contato da Família com o tema de governança se deu em 2003 e, em 2005,
iniciaram as primeiras reuniões entre primos, membros da terceira geração. Neste mesmo ano,
nasceu a primeira versão do Acordo de Acionistas. Ao longo dos anos, convidaram especialistas
para falar sobre governança em empresas de controle familiar, participaram de cursos de espe-
cialização, como o dedicado às “empresas familiares”, em Harvard (2007), e de diversos outros
eventos de troca de experiências com outras famílias empresárias. Uma das atuais conselheiras
de administração destaca essa procura por novos conhecimentos como uma das qualidades
da Família: “Eles foram se desenvolvendo, se formando. Capacitação é um pilar fundamental”.
Porém, no dia em que Curt Baumgart faleceu, não havia um Conselho de Administração ou um
planejamento sucessório claro. Um membro da terceira geração relembra: “Aí caiu a ficha: pre-
cisamos de uma governança. Precisamos melhorar a qualidade das nossas decisões e organi-
zar a interação da Família com os negócios. Sentimos a luta da sucessão”. Outro membro da
terceira geração resume esse momento marcante: “Deixamos de ser apenas filhos e passamos
a ser também acionistas. Tomamos decisões para quais nunca estamos 100% preparados”.
Além do desafio de ter que tomar decisões importantes, aumentou muito também o número de
pessoas a serem envolvidas nesta tomada de decisões. Enquanto a segunda geração era formada
por três pessoas, a terceira geração envolve dez e a quarta, atualmente, dezenove familiares.
A Família se sentou à mesa e se deu conta de que, com o aumento do número de pessoas, pre-
cisaria de regras mais claras. Consequentemente, começou a estruturar melhor a governança
do Grupo Baumgart e, posteriormente, a governança familiar. Neste processo, é possível dife-
renciar as seguintes fases:
457
2010-2016: DEFINIÇÃO DOS VALORES DO GRUPO
458
Missão do Grupo Baumgart:
y Empreender negócios e buscar oportunidades nas áreas de materiais para construção civil,
imobiliária e agronegócios, com inovação e sustentabilidade.
VALOR SIGNIFICADO
Trabalho com inconformismo Ser saudavelmente inconformado. Buscar sempre novas alternativas e
possibilidades de ação para o bem da organização.
Trabalho/Família Criação de um ambiente acolhedor e profissional, no qual os valores
da família estejam sempre presentes.
Organização e disciplina Dedicação ao trabalho com organização, estrutura e perseverança.
Respeito Respeito aos outros, manifesto pelo ouvir sem julgamento e pela
liberdade de expressão.
Humildade Base das relações internas e externas em princípios de igualdade e
justiça, sem personalismo.
Honestidade Honestidade nas relações e atitudes. Ser claro, transparente e ético.
Coragem Ter coragem de se expor, ousar e empreender soluções.
Simplicidade Buscar a simplicidade nos processos de trabalho e nas relações,
gerando agilidade, prontidão e qualidade.
2017 foi um ano impulsionador para a Família Baumgart. Os familiares deixavam a gestão para
ocupar posições nos órgãos de governança. A terceira geração refletiu sobre a independência
e modernização dos negócios do Grupo. Ao desenvolver a estrutura de governança do Grupo
Baumgart, a Família resgatou as suas origens – valores herdados dos pais e avós. Com os prin-
cípios essenciais da governança do Grupo Baumgart estabelecidos, começavam a estruturar a
governança familiar.
Uma acionista destaca a importância da governança familiar nesta fase: “Entendo a governan-
ça como um sistema importante para a sobrevivência e geração de valor da Organização.
Ela organiza as empresas, as relações da Família empresária e os acionistas, garantindo o
tratamento dos assuntos nos fóruns corretos”. Com essa governança familiar, os assuntos que
envolvem a relação da Família com os negócios passaram a ser direcionados mais corretamen-
te, com o apoio e atuação bastante ativa do Conselho da Família.
Além disso, ela continua: “Nos ajudou a organizar a Família em torno de um propósito maior
(...); a terceira geração entendeu que agregaria mais valor ocupando posições estratégicas
nos órgãos de governança do Grupo, mas sem perder a conexão com os negócios”. Assim,
quanto à governança, uma questão se colocou com cada vez mais força: como tomar boas de-
459
cisões? Uma das acionistas se perguntou: “Sou a melhor acionista para esse negócio?”. Neste
contexto, a perspectiva importa, pois são os acionistas que servem ao negócio e não vice-versa.
Na fala de outra acionista: “Não podemos perder o espírito empreendedor de nossa Família,
nossa cultura e os nossos valores. Quero honrar a história iniciada pelos fundadores. O que foi
construído não me pertence, eu sou apenas uma guardiã. As maiores decisões precisamos
tomar juntos (...). Será que sei como ter conversas importantes com os meus primos? Temos os
mesmos valores, mas estilos diferentes”.
O momento de sair da gestão é delicado e difícil. Um dos acionistas reflete: “Precisa de humil-
dade para sair da gestão, arrumar suas coisas em uma caixa, sair do escritório e entregar a
empresa para um Diretor-Presidente não familiar. Neste momento, passa pela sua cabeça
toda a história criada pelos seus pais e a sua trajetória. É duro se desprender de uma posição
na qual você liderava tudo e assumir um papel de conselheiro de administração”. Outro acio-
nista concorda: “A saída da operação é muito difícil. Um dia você tem o reporte de vários cola-
boradores e, no dia seguinte, você se sente solitária em uma posição diferente. Esse processo
de adaptação não é fácil”.
O que traz a confiança nesta hora de passagem do bastão é o alinhamento de valores e pro-
pósito, como explica um dos acionistas: “Quando contratamos os profissionais não familiares,
teve o aspecto da identificação dos nossos valores no candidato. Valores explicam as coisas
das quais você não abre mão. Na saída da operação, queríamos ter a certeza de que a nossa
cultura seria preservada”.
Em 2019, foi criado o Comitê de Sócios, que possibilitou um maior alinhamento entre os acionis-
tas e uma melhor preparação para as Assembleias.
460
Ainda, o Protocolo Familiar define e elenca os valores centrais da Família Baumgart. Segundo
tal definição, “os valores de uma família são os princípios que orientam a sua conduta, tanto
na vida familiar quanto na gestão de seus negócios, sendo fundamentais no desenvolvimento
de um legado, na preservação da história familiar e na criação de vínculos que contribuem
para o desenvolvimento e manutenção da união da família.”
União e Família:
y Respeitar o outro e saber ouvir;
y Buscar consenso;
y Querer estar juntos; e
y Preservar os valores, a história e o legado da Família.
Ética e Honestidade:
y Cumprir as regras e as leis;
y Ter palavra, cumprir com o que se compromete; e
y Fazer o certo.
Trabalho:
y Trabalhar com amor e alegria;
y Dedicar-se por inteiro (estar presente);
y Estar preparado, buscar boa formação e experiências; e
y Ter disciplina.
Humildade e Simplicidade:
y Agir com discrição;
y Honrar e respeitar a origem da Família;
y Estar aberto a aprender; e
y Enaltecer as qualidades dos outros.
Empreendedorismo:
y Manter-se aberto para novas oportunidades;
y Visão para novas oportunidades;
y Não desistir frente às dificuldades; e
y Ser ousado e ter coragem.
Alegria e Resiliência:
y Manter o sorriso no rosto; e
y Ter senso de humor e leveza.
Esses valores também orientam a visão dos acionistas para os negócios, conforme consta no
Protocolo Familiar:
“seremos um Grupo empresarial moderno de controle familiar reconhecido:
Como referência nos mercados em que atua;
Pelo empreendedorismo e inovação;
Pela sustentabilidade e ética;
Pelo bom ambiente de trabalho;
461
Pela competência de seus executivos; e
Pelo impacto positivo na sociedade”.
Com esse sistema de governança, a Família Baumgart definiu claramente a forma e os fóruns
corretos para tratar questões sobre os negócios, Família e propriedade. Com esse sistema, as
normas e os valores fortalecidos, tanto na Família quanto no Grupo, a Família passou a tratar de
maneira estruturada sobre o papel de um acionista que gera valor. Há três modos de se criar
valor para a Família empresária: criando novos negócios, melhorando operacionalmente e/ou
expandindo os negócios atuais e por meio da gestão de investimentos conjuntos da Família,
seja em negócios controlados por terceiros, investimentos financeiros ou imobiliários. Além dis-
so, um acionista que gera valor pode contribuir do seguinte modo:
y Ser curioso e inconformado, sempre na procura de novas soluções, desafiando o status quo;
y Para isso, capacitar-se continuamente, ter um olhar para o futuro e investir na inovação
e sustentabilidade;
y Valorizar a diversidade de olhares e considerar os conflitos dela resultantes como algo
produtivo, que melhora a qualidade das decisões;
y Para resolver conflitos, ter a capacidade de ouvir e um alinhamento de propósito que nor-
teie as decisões em prol do bem comum, considerando os interesses dos diversos sta-
keholders;
y Colocar os interesses das empresas acima dos benefícios pessoais ou, como um acionis-
ta colocou, entender que “o melhor para a Organização está acima dos meus interesses
individuais”;
462
y Valorizar uma gestão moderna, que pode ser executada por profissionais não familiares,
que necessitam de confiança e autonomia.
Esse fortalecimento da história, da cultura, dos valores e da governança, tanto no âmbito fa-
miliar como no âmbito empresarial, se desdobrou mais fortemente nas empresas do Grupo
a partir de 2017. No início deste ano, foram criados o Comitê de Sustentabilidade do Grupo
Baumgart e o Comitê de Estratégia e Inovação da Vedacit, com a participação de membros
independentes em ambos os Comitês. Além disso, houve uma mudança no modelo de gestão,
com a chegada de um novo Diretor-Presidente não familiar no negócio. Outros acontecimentos
importantes na Vedacit foram:
y Contato dos acionistas com o Programa Vivenda (criado em 2013, para oferecer uma solu-
ção em escala para as condições habitacionais, democratizando o acesso a moradias sau-
dáveis nas comunidades);
y Estabelecimento do Preço Social de produtos Vedacit, para reformas de casas da população
de baixa renda;
y Fundação do Instituto Vedacit;
y Criação do Vedacit Labs (primeiro programa de inovação aberta do mercado de impermea-
bilização);
y Desenvolvimento da primeira Matriz de Materialidade;
y Capacitação dos colaboradores em Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral – FDC; e
y Engajamento na jornada B, para futura obtenção da certificação como Empresa B.
A atuação da Família Baumgart sempre se estendeu para além dos resultados dos negócios.
Uma das acionistas relembra: “Meus avós eram pessoas preocupadas com o bem-estar e de-
senvolvimento dos colaboradores. Se a pessoa não tinha casa para morar, eles providencia-
463
vam. Um funcionário queria fazer faculdade, eles apoiavam. Na segunda geração, cada um
apoiava uma causa. Um se voltava para a música e outras artes, enquanto os outros ajuda-
vam creches e asilos do entorno. As pessoas pediam e eles apoiavam”. Essa abordagem filan-
trópica foi praticada por muitas empresas familiares no Brasil e afora. Após anos desta prática,
porém, chegou um momento-chave, no qual a Família se deu conta de que o impacto deveria
se dar por meio do negócio, de maneira estruturada, com um impacto mais abrangente.
“Uma das primeiras coisas que fiz foi levar os acionistas para conhecer o Programa Vivenda”,
lembra Tarcila Reis Ursini, integrante independente do atual Comitê de Estratégia, Inovação
e Sustentabilidade. O Programa Vivenda é um negócio social que tem desenvolvido soluções
completas de reformas habitacionais para pessoas de baixa renda. Tradicionalmente, morado-
res de comunidades periféricas constroem suas casas de maneira não planejada e sem uso de
produtos de impermeabilização. Consequentemente, as casas sofrem com infiltrações, mofo
e pouca ventilação, fatores que causam uma série de prejuízos, como doenças respiratórias, as
quais aparecem em quarto lugar na lista de internações pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Sammuel Sesti Minutto, Diretor de Comunicação do Movimento Construção Sustentável, apon-
ta certeiro em uma entrevista: “Não adianta tratar a doença e não tratar o imóvel. Se a umi-
dade não for eliminada, o morador não terá as condições adequadas para manter a saúde”3.
As visitas dos acionistas às comunidades periféricas, por meio do Programa Vivenda, deixaram
claro para eles que as comunidades não precisam de doações apenas, mas também dos pro-
dutos da Vedacit para melhorar a qualidade de vida e a saúde das edificações das pessoas que
ali habitam. Um dos acionistas relembra esse momento crucial: “Foi transformador, um banho
de realidade. Conhecemos a história de uma senhora que teve toda a sua casa melhorada.
Quarenta por cento da população brasileira vive em casas insalubres. É dura e triste essa rea-
lidade, muito triste. Percebemos que os nossos produtos podem fazer a diferença na vida das
pessoas. Isso foi bastante significativo. Nesta época, visitei esta comunidade quinzenalmente”.
Outro acionista destaca o aprendizado com o Programa e com as visitas: “Aí percebemos que
poderíamos fazer a diferença, e isso faria sentido também para a Vedacit. Decidimos então
criar um preço social para essa população de baixa renda”. O Preço Social foi construído para
o Programa Vivenda, considerando a disponibilização de produtos Vedacit com preço reduzido,
mantendo ainda uma margem de lucro, também reduzida. Esse foi o grande insight: a possi-
bilidade de criação de um modelo de negócios que gera impacto positivo, melhorando a
qualidade de vida nas comunidades, e – ao mesmo tempo – seja financeiramente lucrativo.
O tamanho do impacto no resultado financeiro é apenas uma questão de escala, pois o modelo
é baseado em alto volume de vendas, com margens reduzidas.
Outra consequência do insight acima foi a criação do Instituto Vedacit, fundado em março de
2017, com a visão de construir cidades, sociedades e novas formas de convivência para o futuro.
3 Terra (2020): O impacto das infiltrações e do mofo na saúde. Artigo publicado no site terra.com.br, em
08/05/2020 (acessado em 10/11/2021).
464
Desde o primeiro momento, o Instituto tem buscado formas de conectar o core business da
Vedacit a empreendedores de impacto. Desta forma, o Instituto Vedacit nasceu e se caracte-
riza não como uma instituição clássica de filantropia, mas como uma entidade que provoca o
negócio a gerar impactos positivos, o que se conecta aos valores do Grupo Baumgart, dentre
eles o de trabalho com inconformismo. Aqui, se casam os valores do Grupo com os insights das
visitas dos acionistas às comunidades por meio do Programa Vivenda: gerar impactos positivos
para os stakeholders através do negócio.
No primeiro Balanço Social do Instituto Vedacit (2017), Karin Baumgart Srougi, acionista da ter-
ceira geração, conecta os valores dos fundadores diretamente ao propósito da Vedacit e do
Instituto, dizendo: “Desde nossa origem, inspirados pela vocação empreendedora e atuação
visionária dos fundadores desse Grupo, temos buscado materializar o papel social da Vedacit
por meio de ações que promovam resultados para além dos indicadores econômicos decor-
rentes da atividade empresarial. Mais do que criar e comercializar produtos de qualidade e
gerar emprego e renda para muitas pessoas, buscamos ser protagonistas em iniciativas que
promovam a evolução e o bem da sociedade. (...) os investimentos na promoção de negócios
sociais, materializados neste momento no apoio ao Programa Vivenda, refletem de forma
concreta a vocação do Instituto, unindo o incentivo ao empreendedorismo de impacto social
ao core business da empresa.”4
O Instituto Vedacit também realiza ações de Investimento Social Privado com foco em Cidades
– Cidades Criativas, Cidades Inteligentes e Cidades Sustentáveis. Em 2017, ano de sua fundação,
foi investido um total de R$ 2,37 milhões, sendo que 91% deste valor foram por meio de incen-
tivos fiscais.
O ano de 2017 também marcou o início do Vedacit Labs, que é um programa de inovação aber-
ta direcionado a construtechs, proptechs e startups do setor de construção civil. Digitalização
e novas formas de negócio podem, por um lado, trazer inovação e novas oportunidades para a
Vedacit, explicitando o valor de empreendedorismo. Além disso, podem ser uma chave para es-
calar o modelo de negócio descoberto no contato com o Programa Vivenda. Em 2021, o Vedacit
Labs reuniu 13 startups em diversos estágios de desenvolvimento.
Mesmo tendo um propósito claro, é importante que a empresa reveja riscos e oportunidades
em ESG (environmental, social and governance – ambiental, social e governança, em portu-
guês). A Matriz de Materialidade é uma ferramenta essencial da gestão ESG, que prioriza temas
socioambientais de acordo com sua relevância para o negócio e para os stakeholders. Temas
prioritários são aqueles que têm alta relevância, tanto para o negócio quanto para os stakehol-
ders da empresa. As prioridades identificadas na Matriz de Materialidade da Vedacit, elaborada
em 2018, foram:
y Saúde e segurança do cliente final;
y Produtos e serviços para a população de baixa renda;
465
y Servitização (processo de transformação da venda de produtos para a entrega de serviços);
y Diversidade e igualdade de oportunidades;
y Água;
y Energia;
y Emissões;
y Tratamento de resíduos sólidos e efluentes; e
y Saúde e segurança no trabalho.
A Vedacit, porém, optou por ir além de uma perspectiva de riscos ESG. Primeiro, ao se engajar na
Jornada B, oferecida pelo Sistema B (ou B Corps em inglês), uma comunidade global de líderes
que usam os seus negócios para a construção de um sistema econômico mais inclusivo, equita-
tivo e regenerativo para as pessoas e para o planeta.5 A Jornada B é um processo de diagnóstico
e benchmarking que orienta um plano de ação para melhorar o desempenho socioambiental
e de governança da empresa. Uma vez atingido um nível mais avançado de gestão socioam-
biental e de governança, a empresa recebe a Certificação B, como reconhecimento da entrega
de valor à sociedade, para além do lucro aos acionistas. Além disso, a Certificação B exige que
a empresa assuma compromissos e, conforme o caso, revise os seus estatutos para a inserção
de cláusulas que estabelecem responsabilidades claras frente a questões sociais e ambientais
atreladas à sua operação.6 Segundo, ao combinar princípios ESG e de sustentabilidade com
inovação. O caso mais ilustrativo desta combinação é o modelo de negócio praticado com o
Programa Vivenda, que permite melhorar a qualidade de vida das pessoas nas comunidades e,
ao mesmo tempo, gerar receita para a empresa. Outro destaque é a criação da Trutec, que tem
foco no gerenciamento digital de obras, ajudando a economizar recursos, como água e energia,
a reduzir resíduos e emissões e a integrar o reaproveitamento e reuso de resíduos à construção.
Com isso, a Vedacit encontra-se em posição mais avançada na sua jornada ESG, comparativa-
mente a outras empresas, uma vez que tem o seu propósito como alavanca do negócio e não
apenas para a sua manutenção, minimizando impactos negativos de um modelo tradicional.
466
2020-2021: GOVERNANÇA DE IMPACTO
Em 2020, o Grupo Baumgart decidiu fundir três comitês em um, para tratar de temas de Es-
tratégia, Inovação e Sustentabilidade de maneira unificada, colocando em prática a percepção
de que uma estratégia que vise o impacto social positivo, para além do negócio, precisa estar
vinculada à inovação e à sustentabilidade. O papel do Comitê de Estratégia, Inovação e Sus-
tentabilidade é assessorar o Conselho de Administração do Grupo Baumgart no alinhamento
estratégico das iniciativas e na tomada de decisão para a construção do futuro dos negócios.
y Outros marcos importantes na Vedacit no período entre 2020-2021 foram:
y Reformulação do propósito da Vedacit;
y Busca da certificação junto ao Sistema B;
y Mudança do estatuto social;
y Inclusão de metas socioambientais no contrato de gestão, com impacto no bônus execu-
tivo;
y Declaração de propósito;
y Criação de Código de Conduta para fornecedores;
y Mapeamento de mais de 100 startups com foco em reforma habitacional; e
y Aquisição da participação majoritária da startup ConstruCode.
Ao longo dos anos, os acionistas compreenderam cada vez mais o papel da empresa na socie-
dade, inclusive na pandemia de Covid-19. No Relatório de Sustentabilidade da Vedacit de 20207,
Otto Baumgart, na posição de Presidente do Conselho de Administração do Grupo Baumgart,
declarou: “Ainda que não houvesse pandemia, o ano já seria dramático para os brasileiros,
que convivem com um déficit habitacional de 5,9 milhões de domicílios e quase 24,9 milhões
de habitações em condições inadequadas (...) Com a pandemia, esse quadro se agravou, por-
que foi no refúgio do lar que as pessoas buscaram alguma proteção e acolhimento.”
A partir deste entendimento mais profundo, a Vedacit reformulou então o seu propósito, que
passou a se expressar em “Transformar a vida de milhões de pessoas, melhorando as condi-
ções de habitação, fazendo da sua casa a nossa causa”. Para garantir o avanço deste propósi-
to, foram incluídas metas desafiadoras nos contratos de gestão dos executivos relacionadas à
certificação ambiental de produtos e à geração de receita por meio de inovação.
A Trutec é um negócio do Grupo Baumgart que teve início na Vedacit. Ela se caracteriza como
um hub de tecnologias, com o propósito de unir escala e inovação para toda a cadeia da cons-
trução civil. Uma das soluções desenvolvidas pela Trutec é a ConstruCode – inteligência integra-
da de obras, sob a forma de uma plataforma que digitaliza e simplifica o processo de uma obra,
do escritório ao canteiro. As soluções oferecidas pela ConstruCode permitem o gerenciamento
dos projetos em tempo real, identificam setores mais vulneráveis a falhas e auxiliam na toma-
da de decisão. A plataforma já digitalizou mais de 1.000 obras para empresas como Andrade
Gutierrez, OR, Engeform, MRN, Tecnisa, entre outras. Em uma entrevista à Revista Forbes, o
Diretor-Presidente (CEO) da Vedacit, Marcos Campos Bicudo, conecta a missão da Trutec com
o objetivo de servitização, ao informar que, ao invés de somente vender o produto, “vamos en-
467
tregar o metro quadrado impermeabilizado. (...) Passamos a produzir aquilo que o mercado
pede e não aquilo que a fábrica tem a capacidade de produzir”.8
Um dos executivos da Vedacit chamou atenção para o papel primordial dos acionistas, usando
para tanto a famosa fala do guru de gestão Peter Drucker, segundo a qual “a cultura come a es-
tratégia no café da manhã”. Ele perguntou: “E quem prepara o café da manhã?”. Sua resposta:
“Os acionistas”. Com isto, ilustrou que, sem o alinhamento de propósito e valores da Família, com
o Grupo e com a Vedacit, vocalizado pela Governança da Organização e considerado na tomada
de decisão, não há gestão que resista. Por esta razão, o momento atual da Organização é de forta-
lecimento da história, da cultura e dos valores da Família e do Grupo Baumgart. Aqui, surgem as
perguntas: como fortalecer os valores da Família empreendedora e os princípios da governança
corporativa em toda a Organização? Como criar e manter um sistema de governança que conec-
te visão, propósito e valores com gestão de alta performance e desempenho positivo?
Liderança
O primeiro ponto na experiência de Passos é que “valores legítimos precisam ser fruto de con-
versas da alta liderança”. A discussão da “Razão de Ser e as Nossas Crenças” da Natura se esten-
deram por mais de seis meses, uma vez que “cada palavra importa”. Neste contexto, é possível
entender o porquê de o processo de resgate dos valores da Família empreendedora e do Grupo
Baumgart ter demandado muita discussão, paciência, disposição para ouvir e alinhamento en-
tre os envolvidos.
Visão
Em 2015, a Natura publicou sua “Visão 2050”, na qual a empresa se comprometeu a “promover
impacto social, cultural, ambiental e econômico positivo, indo além de reduzir ou neutralizar os
8 Lott, D. (2021): Canteiro de obras digital: aos 85 anos, Vedacit se reinventa com aposta em construtechs,
Forbes, 12.08.2021.
468
danos gerados pelo seu negócio”. Pedro Passos destacou a importância de uma visão concreta
para evoluir a partir de um estágio inicial de filantropia (“somos uma empresa sustentável por-
que doamos para escolas”) e para mostrar “onde a gente quer chegar em termos de sustenta-
bilidade no negócio”. A meta de reformar 1,6 milhão de casas em comunidades periféricas até
2025 certamente concretiza a visão da Vedacit a esse respeito.
Nas entrevistas realizadas na Vedacit, o alinhamento de valores na empresa ficou muito eviden-
te. O Diretor-Presidente (CEO), Marcos Campos Bicudo, por exemplo, citou três critérios que o
convenceram a aceitar o desafio de ser o primeiro CEO não familiar: “Primeiro, a força da mar-
ca, porque o branding da Vedacit era extremamente forte. Segundo, o fato de já haver uma
governança mais madura. Terceiro, os valores da Família – os Baumgart sempre foram res-
ponsáveis e éticos.” Uma das conselheiras reforçou esse ponto, dizendo: “O primeiro ponto que
469
olhei foi a cultura de integridade e ética. Senti uma admiração profunda, sobretudo sabendo
como a terceira geração lidou com desafios no passado”.
Com um estatuto social que reflete bem o propósito da Vedacit, com crescimento e rentabilida-
de dos negócios e criação de valor, visando também gerar impactos positivos para a sociedade,
com o apoio de um Comitê que debate a estratégia com olhar para a sustentabilidade e para a
inovação de maneira transversal, além de prioridades socioambientais claras e metas atreladas
aos contratos de gestão dos executivos, buscando uma possível Certificação B, a Vedacit tem
avançado muito em sua jornada e se aproxima concretamente cada vez mais de seu propósito,
470
conforme constata uma representante da quarta geração da Família Baumgart: “Quero que o
Grupo seja composto de empresas que gerem valor para a sociedade e impactos positivos, e
não apenas que reduzem as externalidades negativas – no caso da Vedacit, uma empresa
referência, que seja motivo de orgulho para a Família e para todas as partes interessadas.”
Viver solitária e livre como uma árvore e fraternal como uma floresta
– isso é nossa saudade.
Nazim Hikmet, Poeta Turco.
CURIOSIDADES
O nome Baumgart tem origem alemã e significa “Jardim de Árvores” (Baum = árvore e Garten
= jardim). Em uma das fábricas da Vedacit foram plantadas cinco Palmeiras, representando
os fundadores, Otto e Marianne, e seus três filhos, Curt, Ursula e Roberto Baumgart. Em ou-
tra unidade, em um momento marcante em 2017, foram plantados por toda a Família três
Ipês Amarelos, representando os três núcleos familiares e as três gerações vivas. Esse mes-
mo símbolo foi escolhido para compor o logo da Escola de Acionistas Baumgart, que figura
crescendo a partir do interior de um livro, remetendo à união da Família e aos Ipês Amarelos
que foram plantados pelos familiares. O amarelo é uma homenagem à Vedacit, o primeiro
negócio fundado do Grupo. Trata-se de uma árvore com muitos galhos, fazendo referência às
ramificações e ao crescimento da Família Baumgart. O livro na base do Ipê Amarelo significa
a sabedoria, a educação, a história e o legado da Família, e suas páginas também se referem
aos três núcleos familiares.
471
HEIKO HOSOMI SPITZECK
ELISA ALT
472
Reflexões Finais
Esse projeto, que começou em uma conversa de três amigos, em maio de 2021, termina agora
com a edição de um primeiro e-book que contou com a participação de 65 autores que contri-
buíram com 54 artigos, seis estudos de caso e sete webinars. Tivemos o apoio de muitas em-
presas que se abriram para o debate sobre ESG, compartilhando suas experiências e práticas.
Agradecemos, em especial, aos nossos patrocinadores e amigos da Ambipar, do Banco BV, da
Cescon Barrieu e da Julius Bär Family Office e às empresas que nos autorizaram o registro de
seus casos: BDMG – Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, Fleury Medicina e Saúde, Irani
Papel e Embalagem, Movida e Suzano Papel e Celulose. Foi uma rica troca de experiências com
acionistas, conselheiros, executivos e especialistas destas e de muitas outras empresas públicas
e privadas, representando diferentes segmentos da economia. Eles nos ajudaram a responder a
muitas das perguntas sobre ESG e seu impacto nas empresas, na economia e na sociedade nas
suas múltiplas e diversas perspectivas, além de nos fazerem novas perguntas que esperamos
responder na continuidade deste projeto em 2022. O e-book – com artigos, casos e entrevistas,
além das gravações dos webinars realizados entre agosto e dezembro de 2021 e algumas entre-
vistas com nossos editores – se encontra disponível na landing page do projeto: http://esg.fdc.
org.br. Oportunamente, incluiremos o registro de novas entrevistas e materiais adicionais que
estão sendo disponibilizados por nossos parceiros e autores. Desejamos a todos uma boa leitura
e que os casos e ideias aqui disponibilizados sejam úteis e que os auxiliem em seu processo de
decisão e transformação das suas carreiras e organizações.
O que aprendemos ao longo dos diferentes artigos, sobretudo o que ouvimos dos representan-
tes das instituições financeiras, é que ESG se originou no mercado financeiro com uma pers-
pectiva de mitigação de risco. Vários casos ocorridos nos últimos anos, sejam por má conduta
ética ou por acidentes, impactaram muitas vidas e muitos investimentos. Os analistas financei-
ros e investidores veem, cada vez mais, incluindo em suas análises de investimento, aspectos
ambientais, sociais e de governança. Muitas empresas, hoje em dia, estão recebendo questio-
nários para mostrar para os investidores que não correm riscos com barragens, com práticas
de discriminação ou riscos de compliance, etc. Essa pratica é necessária e transformadora do
contexto empresarial. Mas nossa abordagem neste projeto é um proativo para o ESG, é o olhar
das oportunidades, o olhar da inovação. Acreditamos que ESG deva ser percebido como um
fator de diferenciação estratégica no seu mercado e na sociedade. Um posicionamento de for-
ma diferenciada em relação às questões ambientais, sociais e na sua governança e como esse
posicionamento gera valor para seus acionistas, comunidades, clientes para a economia e para
a sociedade como um todo.
Precisa se diferenciar. ESG, como vimos em vários artigos e em praticamente todos os casos,
tem duas abordagens. Vai virar um processo padrão nas observações de risco da empresa. E o
mercado financeiro irá premiar isso. Se a empresa está mais ESG, ela terá um tratamento me-
lhor, podendo, em algum momento, ter algum custo de capital mais barato. Vai virar padrão,
473
começando por acesso a grandes financiamentos (como vimos nos casos da Fleury, Movida e
Suzano) até em algum momento no crédito bancário. Como sempre, há algumas oportunida-
des para serem tomadas de como a empresa consegue se diferenciar e, aí, tem a visão de ma-
triz de materialidade que são normalmente olhados do olhar de risco , mas tem essa que que
chamamos de “intencionalidade dos acionistas”. E, como vimos em vários capítulos, vamos ver
mais intencionalidade. Isso, normalmente, é uma combinação de como quero me diferenciar
no mercado como empresa que, realmente, faz um impacto positivo na sociedade e no meio
ambiente e não só copiar coisas que outras empresas estão fazendo.
Esse é o papel do líder que é muito mais forte do que podemos esperar. Quando a gente ana-
lisa inovação, lógico, o líder inspirador e empreendedor desafia a empresa a inovar, mas 90%
do processo de inovação são problemas, são necessidades. O mercado está mudando e minha
empresa está perdendo mercado, precisamos inovar. Surge uma nova tecnologia. Precisamos
adotar e inovar. A economia está mudando, precisamos nos adaptar e antecipar às mudanças.
Alguma coisa nos puxa no presente ou no futuro. Desde os primeiros capítulos vimos como
determinante o papel dos indivíduos. Líderes e pessoas que fazem a diferença são fatores fun-
damentais. No contexto ESG, não vimos muitas iniciativas bottom up. Vimos mais up down. Da
liderança para os conselhos e destes para a empresa como um todo.
Em síntese, podemos esperar para os próximos anos uma expansão das exigências e práticas
ESG. Vai ter um feijão com arroz ESG na forma de questionários dos bancos, relatórios de sus-
tentabilidade, licenças para mostar que estão fazendo alguma coisa para atender expectativas
de fontes de crédito, capital de giro, empréstimos. Já no equity, captar os investidores que es-
tarão com a empresa nessa jornada por cinco a dez anos, aí saímos do tático e vamos para o
estratégico. 20% a 30% dos valuations da empresa são as narrativas. É o controle da narrativa.
O maior livro, o maior especialista do mundo em valuation. Professor Damodaran, da New York
University, o livro mais famoso dele publicado em 2017 chama Narrative and Numbers: The
value of stories in business. É o controle da narrativa do ESG, a maior oportunidade não de
greenwashing, mas de controlar as narrativas dessa próxima década. No passado, já foi a trans-
formação digital, talvez a qualidade total, mas essa é a narrativa que, longe do greenwashing,
mas liderando o setor a narrativa ESG . No caso Suzano, vimos que ela comprou a Fibria que,
por sua vez, tinha comprado a Aracruz, e essa história do DNA ESG da Suzano que, hoje, o acio-
nista referente Feffer, eles mesmos admitem, seus executivos, que vêm de uma empresa que
foi comprada que era a Aracruz que foi pioneira por uma série de fatores na ESG no Brasil ainda
na virada dos anos 2000 . Impregnou na companhia, assumiram essa narrativa e trazem valor.
Eles tiveram benefícios junto ao mercado internacional que comprovam matematicamente a
redução de custos . Engajaram a companhia. Fazer que do top você venha bottom e virou um
sucesso global seguindo uma trilha que é narrativa do bem, não narrativa do mal.
E o futuro?
Nós somos o país aonde existe mais espaço para nós trabalharmos as teorias de valor compar-
tilhado. No caso Movida, por exemplo, vemos várias iniciativas interessantes de propiciar produ-
tos, propiciar meios de trabalhos, alugar um veiculo para com ele gerar renda para o motorista
de aplicativo. O ESG, no Brasil, precisar ter um S grande, mas, ao mesmo tempo, é uma grande
oportunidade, porque nós temos um mercado enorme a ser servido. O nosso desafio como
país, valor compartilhado, produtos que trabalham a base da pirâmide que gere receitas, gere
ROE no mundo corporativo . Financiamento está garantido. Como vimos no caso Fleury, não
474
faltará financiamento. Existe uma busca de projetos de impacto social. Já existe bastante oferta
de recursos para os títulos verdes, os green bonds, mas a nova onda é social bonds.
O Brasil tem também um papel central no futuro do mercado de carbono. Saímos da COP26
com alguns ajuste simportantes, mas os mecanismos de mercado já estão acontecendo. O
mercado de carbono vem com força. Os números variam; há previsões de 100 bilhões de mer-
cado por ano. O Brasil tem potencial de participar de 10% a 15% desse mercado. O mercado fun-
ciona. As empresas se engajam. Os executivos se capacitam. Nós temos muita coisa para fazer,
muitas oportunidades e vamos dar sequência ao nosso debate.
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PATROCÍNIO REALIZAÇÃO