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100-Texto Do Artigo-279-1-10-20141210

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O PRIMEIRO CICLO DA BORRACHA NO ACRE: DA FORMAÇÃO DOS SERINGAIS

AO GRANDE COLAPSO

FIRST CYCLE OF ERASER IN ACRE: OF FORMATION OF RUBBER TO GREAT


COLLAPSE

Carlos José de Farias Pontes1

1. Docente de História do Colégio de Aplicação (CAP) da Universidade Federal do Acre (UFAC).


* Autor correspondente: alan.silus.ashtook@hotmail.com
Recebido: 30/11/2014; Aceito 10/12/2014

RESUMO
O presente artigo aborda o período histórico amazônico denominado Primeiro Ciclo da Borracha (1880-
1920), como os fatores econômicos responsáveis pela procura das terras da região acreanas, uma vez que a
terra era ainda inexplorada e havia grande quantidade de hevea brasiliensis; os primeiros desbravadores da
região, que viam na imensidão de selva possibilidades de riqueza; a mão de obra utilizada, culminado na
grande oferta proporcionada pela migração nordestina, onde a seca e a miséria proporcionou a expulsão de
milhares de sertanejos; a vida nos seringais, desde a chegada até o trabalho no corte e a tentativa ilusória de
enriquecimento; a relação trabalhista entre seringalistas e seringueiros, sobretudo o trabalho árduo comas
regras estabelecidas pelo sistema de aviamento; a infraestrutura dos seringais; a Belle Époque amazônica, a
produção de borracha nos seringais do Oriente e o declínio do Primeiro Ciclo da Borracha no Acre.
Palavras-chave: Acre, Borracha e Primeiro Ciclo.

ABSTRACT
This article discusses the historical period called Amazon Prime Rubber Cycle (1880-1920), as the economic
factors responsible for the demand of land in Acre region, since the land was still unexplored and there was
loads of hevea brasiliensis; the first explorers in the region that saw the immensity of jungle wealth of
possibilities; the labor used, culminating in great offer provided by the Northeast migration, where drought
and poverty provided the expulsion of thousands of country people; life in the rubber, from arrival to work in
cutting and the illusory attempt enrichment; the employment relationship between rubber tappers and
tappers, especially the hard work comas rules established by the dispensing system; the infrastructure of the
rubber; the Belle Époque Amazon, rubber production in the rubber plantations of the East and the decline of
the First Rubber Cycle in Acre.
Keywords: acre, Eraser and First Cycle.

1. INTRODUÇÃO que vai do ano de 1880 até 1920. Em 1878


chegou ao Acre (ou melhor, na região que em
Compreende-se por Primeiro Ciclo (ou 1903 se tornaria o Território Federal do Acre)
surto) da Borracha no Acre o curto período o colonizador João Gabriel Carvalho e Mello,
que se fixou nas terras já chamadas de Boca novas potências mundiais, como Alemanha,
do Acre, onde passou a produzir borracha, Estados Unidos e Japão; da importância da
acompanhado em seguida por outros mão de obra nordestina na produção gumífera
seringalistas. A década de 1910 foi marcada e os motivos que fizeram milhares de
pela produção da borracha no Oriente, nordestinos deixarem sua terra natal para
sobretudo, a borracha inglesa produzida na embrenhar-se na selva amazônica, sendo esse
Malásia, onde timidamente produziu 3 o principal motivo do “descartamento” da
toneladas em 1900, contra mais de 26 mil mão-de-obra indígena; da compreensão de
toneladas produzida na Amazônia brasileira, que o Seringal é a unidade econômico-social
passou a produzir em 1913, 47 mil toneladas de produção da borracha na Amazônia e está
contra 38 mil toneladas de borracha brasileira, dividido em sua forma física e social, onde
sendo esse o ano que marca a quebra do fisicamente, o seringal representa o conjunto
monopólio brasileiro na exportação da de árvores produtoras do látex, as seringueiras
borracha em detrimento da produção e socialmente, ele representa o elo de ligação
internacional. entre o patrão-comerciante, chamado de
Todavia, as três décadas de produção Seringalista, homem rico, dono do seringal, e
da borracha antes do fim do monopólio foram os seus empregados-fregueses, os
marcadas por verdadeira epopeia que vai Seringueiros, homens pobres, responsáveis
desde a chegada dos primeiros desbravadores, pelo extrativismo da borracha, compreender o
até a formação dos seringais, migração funcionamento do Sistema de Aviamento,
nordestina, responsável pela mão de obra nos responsável por criar um mecanismo de
seringais amazônicos/acreanos, sistema de controle baseado na produção da borracha e
aviamento, que institui a relação por fim, os motivos que ocasionaram o
patrão/empregado ou seringalista/seringueiro declínio do Primeiro Ciclo da Borracha no
e os acontecimentos responsáveis pelo Acre.
aumento da produção asiática da borracha,
culminando no declínio da produção 2. REVISÃO DE LITERATURA
brasileiro.
Dessa forma, esse artigo trata, entre 2.1 DOS DESBRAVADORES DA REGIÃO
outros aspectos, de como os primeiros ACREANA À FORMAÇÃO DOS
seringais acreanos começaram a se formar a SERINGAIS
partir da segunda metade do século XIX,
concomitantemente com a fase monopolista O progresso tecnológico da indústria
do capital, do imperialismo, e da ascensão de química, siderúrgica e elétrica, durante o
período denominado Segunda Revolução colonizar, explorar a borracha, povoar de fato
Industrial, acelerou a procura da borracha e a a região acreana.
transformou de simples “droga do sertão” em As expedições oficiais tiveram grande
produto estável de grande aplicação em escala importância, uma vez que cabe a elas, o
industrial, sobretudo indústrias norte- reconhecimento topográfico e cartográfico da
americana e europeia. A crescente indústria região; iniciaram a partir da segunda metade
automobilística e o uso dos pneus de borracha do século XIX, sendo financiadas pelo
aceleraram a procura de áreas produtoras do Presidente da Província do Amazonas, que
látex, que passa a ser componente de primeira havia conquistado a emancipação da
instância nas indústrias internacionais [1]. Província do Grão-Pará em 1852. Nesse
Assim, está pronto o cenário para a mesmo ano o presidente da província, João
exploração da borracha amazônica/acreana. A Batista Tenreiro Aranha, com intuito de
formação dos primeiros seringais e o reconhecimento da área e contato com a
povoamento da região acreana por brasileiros Bolívia através dos rios Purus e Juruá,
compete a alguns pioneiros, entre eles: João organizou a primeira expedição para a região
Rodrigues Cametá, Manuel Urbano da acreana [3].
Encarnação, Serafim da Silva Salgado, A expedição foi chefiada pelo Diretor
Willian Chandlles, Romão José de Oliveira, de Índios João Rodrigues Cametá, que
João Gabriel de Carvalho e Melo entre outros navegou mais de dois meses pelo rio Purus,
[2]. em busca de conhecer as riquezas locais.
Cametá navegou de canoa até o Sepatini e só
A fama da riqueza de héveas no Purus não continuou a viagem em decorrência da
começava a atrair os pioneiros não mais com o
espírito de aventura ou curiosidade, que vazante do rio. Cametá instalou às margens
caracterizou o desbravamento inicial, porém om
o objetivo econômico definido. Já agora a do Purus, um posto militar e fundou o sítio
colonização se fazia dentro do preceito
sociológico que exprime o estado d‟alma do Porticatuba, objetivando “domar” indígenas e
legítimo imigrante: “o espírito de aventura, deixar mais segura aquela região para os
quando tem como sustentáculo uma fusão de
sentimentos teológicos, econômicos e políticos, futuros navegantes [1, 3].
encaminha a ação humana a realizações
extraordinárias” [2]. Além dos interesses econômicos da
própria região, o presidente da província do
No entanto, compete-nos fazer uma
Amazonas também tinha interesse em
diferenciação entre os desbravadores, pois,
descobrir se havia uma ligação fluvial entre os
houve aqueles que vieram em expedições
rios Purus e Madeira. O interesse da província
oficiais para reconhecimento da região e
estava na facilidade que iria encontrar para
aqueles que vieram com o objetivo de
transportar produtos e gado de Manaus para
toda essa região. Para esse feito, no mesmo também encontrar uma rota, por terra ou rio,
ano de 1852, João Batista contratou o que chegasse à Bolívia para comprar gado [2].
pernambucano Serafim da Silva Salgado para Manoel Urbano, o Negro Bom, como
uma segunda expedição. Salgado, ficou conhecido pelos índios que “amansou”
acompanhado de doze soldados e doze índios sem uso da violência,subiu o rio Purus e
que lhe serviam de guias, subiu o Purus, penetrou o rio Ituxi, depois voltou ao Purus e
chegando a percorrer mais de 2.250 milhas, penetrou o rio Acre, percorrendo um percurso
chegando até a boca do rio Aquiri (mais tarde de 2.800 milhas. Enquanto explorava o rio
Acre), onde encontrou várias malocas dos Acre, chegou ao rio Mucuim, por terra, e
índios Cocamas. Na viagem percebeu que o alcançou o rio Madeira [1-3].
rio tornava-se cada vez mais estreito e Além de perceber a riqueza da
obstruído a ponto de não poder mais abundância de seringueiras na região acreana,
prosseguir, mesmo navegando em estreitas Manoel Urbano contatou e comerciou com
canoas, o que o levou a concluir que não povos indígenas de diversas etnias entre eles
havia comunicação fluvial entre os rios Purus os Manchineri, relatando que estes nativos,
e Madeira [3]. bastante evoluídos, plantavam, fiavam e
Salgado voltou à Manaus em teciam o algodão, confeccionando roupas e
novembro de 1852 com a notícia da falta de redes semelhantes àquelas usadas pelos
passagem entre os dois rios. Cabe a Salgado o bolivianos que desciam o rio Madeira [2].
título de descobridor do rio Acre, uma vez Manoel Urbano tornou-se um exímio
que foi este quem navegando pelo Purus conhecedor das terras e dos rios acreanos,
descobriu esse importante afluente. chegando a ser guia para outros desbravadores
Apesar da melancólica descoberta de da região, como a expedição do engenheiro
Salgado, a província do Amazonas não se deu João Martins da Silva Coutinho em 1862.
por satisfeita e organizou no governo do Com essa expedição o governo amazonense
presidente Manoel Clementino Carneiro pretendia ter informações científicas do vale
Cunha, no ano de 1861, uma terceira do Purus, como hidrografia, geologia, fauna,
expedição exploratória. Essa foi entregue sob flora, e povos indígenas que habitavam a
a chefia de Manoel Urbano da Encarnação, região para encontrar os meios mais eficazes
que havia sido nomeado para o cargo de de exploração. Além do auxílio
Diretor de Índios do Purus em 1853. Além da imprescindível de Manoel Urbano da
insistência de se encontrar a ligação entre os Encarnação, João Coutinho contou com o
rios Purus e Madeira, o presidente objetivava apoio do botânico alemão Gustav Wallis [2].
A expedição não alcançou todas as José de Souza Soares objetivava encontrar a
metas, pois não encontrou uma passagem comunicação entre o Madre de Dios e o
entre os rios Purus e Juruá, mas produziu Purus. Chandless havia afirmado que não
importantes informações a respeito do Vale existia essa passagem, mas, o governo
do Purus. amazonense continuava com a dúvida. O
Em 1864 chegou à região acreana o Tenente partiu com a missão de ultrapassar a
geógrafo inglês William Chandless, enviado região já desbravada por Chandless, devendo
não pelo governo do Amazonas, mas pela explorar as nascentes do Iaco e de outros
Royal Geographical Society of London, para afluentes do Purus. Coletou diversas
que este verificasse o que havia de concreto informações sobre a região, mas não achou a
na comunicação fluvial entre os rios Purus e pretendida ligação com a Bolívia,
Madeira. Chandless estudou com bastante comprovando que os estudos de Chandless
esmero a região e descobriu que este não estavam corretos [2].
nascia nos Andes, logo o Madre de Dios não As expedições oficiais financiadas
era sua fonte. Além disso detalhou o relevo, o pela Província do Amazonas para o rio Juruá,
clima, a hidrografia, a vegetação, a fauna, a também iniciaram em 1852, sendo a primeira
vazante e os costumes de alguns nações chefiada pelo navegante Romão José de
nativas. Apesar do avanço não conseguiu Oliveira. A principal meta de Romão era
encontrar uma passagem para a Bolívia [2]. atrair e pacificar índios, que demonstravam
Chandless adentrou o rio Juruá, e teve grande resistência ao entrarem em contato
sua viagem interrompida, em 1867, em com os “brancos”. Romão percebeu a
decorrência de um ataque dos índios „Nawa‟ navegabilidade do Juruá, subindo até a altura
346 milhas acima da boca do Tarauacá, no do rio Mineroá, onde fez durante o percurso
local posteriormente denominado seringal contato com diversos povos indígenas [2].
Ouro Preto, pouco acima da foz do Riozinho Em 1857 foi realizada a mais
da Liberdade. Apesar de interrompida a importante expedição no Vale do Juruá para o
viagem, Chandless ganhou um rio em sua governo amazonense. A expedição
homenagem, o rio Chandless, onde fica a área comandada pelo navegante João da Cunha
de proteção ambientaldo atual Parque Corrêia, a mando do então presidente da
Estadual Chandless nos municípios de Província do Amazonas, João Pedro Dias
Manuel Urbano, Sena Madureira e Santa Rosa Vieira, realizou um estudo minucioso do Vale
do Purus [2,5]. do Juruá, como clima, vegetação, hidrografia,
Em 1875, uma expedição comandada povos indígenas [5].
pelo primeiro Tenente da Armada Augusto
Prosseguindo esta fase inicial de ali o primeiro seringal do Acre, com o nome
reconhecimento e estudo da nova região, em
1864-1865, o geógrafo e engenheiro inglês, de Anajás [2,5]
delegado da Sociedade de Geografia de
Londres, William Chandless, em missão oficial
científica de seu país, subiu o Purus até aos seus João Gabriel Carvalho e Mello, à frente de seus
últimos formadores, bem como Acre até às homens, ergueu barracas para sinalizar o
proximidades de suas nascentes, completando, primeiro seringal organizado e estável da região
assim, a tarefa de Manuel Urbano e a de João da acreana. Ele já conhecia bem o local, os índios,
Cunha Corrêa, uma vez que, em 1867, explorou a floresta de ótimas seringueiras. Punha no
da mesma maneira o Juruá [5]. empreendimento, além da fé e da energia, seu
“saber de experiências feito”. E assim se
consagra o primeiro colonizador do Acre. (...)
Todo o reconhecimento da região foi Para edificar um reino de borracha. Esse ato de
importantíssimo para o desenvolvimento coragem, de arrojo de João Gabriel, valeu ao
Brasil levar suas fronteiras muito além, aos
exploratório que estava por vir. Entretanto, verdes horizontes de ninguém, que afinal se
juntaram ao País, através da posse produtiva: ou
para conhecermos o processo pioneiro da do uti possidetis [2]

formação dos seringais acreanos, não


João Gabriel e seus homens foram os
podemos deixar de citar o cearense de
primeiros “brabos” (aqueles que não
Uruburetama, João Gabriel de Carvalho e
conhecem a floresta amazônica, seus perigos,
Melo. Este pioneiro saiu da então Província
seus mistérios e sua dinâmica) do Acre, mas
do Ceará, indo estabelecer-se em Belém,
depois do bravo pioneirismo, muitos seguiram
capital da Província do Grão-Pará, em 1847.
o mesmo caminho, ou o mesmo rio, a ponto
Em Belém, João Gabriel adquiriu
que no final deste século (XIX) já havia uma
conhecimento sobre a floresta amazônica,
média de 400 seringais no Vale do Juruá e
principalmente, o extrativismo do látex. Não
100 no Vale do Acre [2].
tardou muito subiu os rios da bacia amazônica
A partir do feito heróico de João de
e encontrou a partir de 1852 os opulentos
Carvalho, outros empresários passam a se
seringais que margeavam o Purus. João
estabelecer às margens dos rios Purus, Juruá,
Gabriel volta para Belém e depois ao Ceará,
Acre, Tarauacá e Iaco, que eram considerados
onde organiza com parentes, amigos,
“rios bom de leite”. Os rios são tão
vizinhos, a viagem para a Amazônia [2].
importantes para produção e transporte da
Em 6 de fevereiro de 1878, João
borracha que Leandro Tocantins cita diversas
Gabriel, homens e mercadorias, a bordo do
vezes em suas obras que na Amazônia “o rio
vapor Anajás, partem de Belém para a região
comanda a vida”. É o rio comandando o modo
Acreana, chegando em 3 de março de 1878.
de produção dos seringais; os negócios no
Depois de passar pela foz do Acre, subindo
barracão, a lida dos seringueiros na produção
um pouco mais o rio, João Gabriel, aporta em
gumífera [4].
terra firme, em Boca do Acre, estabelecendo
2.2 A MÃO DE OBRA UTILIZADA NA Mas isso não quer dizer que o
PRODUÇÃO GUMÍFERA elemento nativo não foi importante ou não
contribuiu para a formação dos seringais. Se
Os indígenas representaram a primeira este não participou efetivamente da coleta
mão-de-obra para produção do látex, uma vez extrativista, mas contribuíram
que eles foram também os primeiros a significativamente com elementos culturais,
utilizarem. Muitos dos exploradores da com seus costumes, modos de ser e viver,
região, diretor de índios e seringalistas maneiras de respeitar as leis da natureza e sua
exploraram diversas nações indígenas no tecnologia, que foram amplamente
corte da seringueira. Os índios eram “mestres apreendidas pelos “brabos” que chegavam
do meio”; conheciam como ninguém a desprovidos de conhecimento sobre a região
floresta e suas riquezas; eram conhecedores [3,4,6].
do uso de seus produtos e por isso foram os Dessa forma, percebemos que a mão-
primeiros “guias” de seringalistas e cientistas de-obra que será de fato utilizada nos
na região [4]. seringais acreanos será a dos nordestinos.
Apesar da mão-de-obra indígena ter Vários fatores foram responsáveis pela
sido pouca utilizada no extrativismo da presença maciça de nordestinos no Acre a
borracha, o seu conhecimento a respeito das partir de 1877. Importante lembrar que o
leis naturais da floresta amazônica, contribuiu maior contingente humano chegado ao Acre
de maneira decisiva para o empreendimento era composto por homens e mulheres que
gumífero, pois foram as diversas etnias saíam das áreas sertanejas do Ceará, mas
nativas acreanas que ensinaram as técnicas havia também do Pernambuco, Paraíba e Rio
necessárias para o funcionamento da empresa Grande do Norte [7].
seringalista. São vários os motivos da onda
No Acre, os nordestinos começam a migratória: 1º A seca: Em 1877 uma grande
chegar a partir de 1877, em grande seca assolou o Nordeste brasileiro. Rios e
contingente, sendo esse o principal motivo do lagos secaram; a terra virou torrão; as plantas
“descartamento” da mão-de-obra indígena. e os animais morreram, fazendo a miséria
Alguns seringalistas viam os índios com certo tomar de conta daquela região. Depois de
desprezo, rotulando os índios de vadios, muito tempo sem chuva muitos entenderam
malandros, manhosos, e por isso preferiam a que se continuassem ali iriam morrer, e de
mão-de-obra nordestina que era abundante fato foi verdade, muito gente morreu dada às
[6]. secas no sertão nordestino. 2º O preconceito:
Os nordestinos poderiam ir para outras
regiões do Brasil. A região centro-sul havia a Todos esses fatores foram
grande produção cafeeira, que precisava de responsáveis pela chegada de grande leva de
trabalhadores a todo instante, principalmente nordestinos na região acreana; em maior ou
após a abolição da escravidão em 1888. Mas, menor intensidade todos contribuíram para a
os nordestinos entendiam que o trabalho nos formação populacional do Acre.
cafezais era atividade de escravos; a Mesmo quando nos referimos à
Amazônia representava liberdade; ele seria procura pela região amazônica, vale ressaltar
praticamente um autônomo, já que ganharia que a região mais procurada era sem dúvida, o
de acordo com o que produzisse. 3º A Acre. As causas desse interesse estão em
propaganda: A propaganda no Nordeste era diversos fatores, entre eles: 1º Busca pelos
intensa; cartazes eram espalhados nas praças Altos-Rios: Nas regiões dos Baixos-Rios as
das cidades, mostrando a facilidade que era árvores produtoras de látex começavam a dar
enriquecer na Amazônia. Havia cartazes que os primeiros sinais de esgotamento. 2º
demonstravam homens tirando dinheiro Aumento da demanda: As indústrias
diretamente da seringueira. A propaganda internacionais aumentavam os pedidos,
enganosa contribuiu de forma significativa fazendo com que aumentasse
para a emigração nordestina. 4º A ilusão: O consideravelmente a produção da borracha. 3º
“boom” da borracha era visto como riqueza abundância de seringueiras: O Acre era uma
certa e fácil. A grande maioria acreditava nas região riquíssima em hevea brasiliensis. 4º
propagandas empreendidas pelas Casas Abundância de terras: As terras do Acre
Aviadoras e pelos seringalistas nos centros de pertenciam à Bolívia que não a ocupava; os
Fortaleza, Recife e Natal. Essa leva de seringalistas tomavam posse de acordo com a
trabalhadores famintos buscavam algo, uma potencialidade de explorá-las; havia sempre
esperança, uma alternativa pra uma vida mais vaga para a exploração desses seringais. 5º
digna. Iludir-se não era difícil. 5º A ruptura: Rede fluvial acessível: Nos Altos-Rios havia
Apesar de ser uma prática comum no facilidade de acesso e trafegabilidade fluvial.
Nordeste do século XIX, o fato dos 6º Falta de espírito colonizador: Os
trabalhadores rurais ficarem praticamente nordestinos não tinham pretensão de habitar o
presos à terra de seus patrões, esses romperam Acre, colonizar a terra, fazer da região a sua
a resistência, visto que não era possível habitação definitiva. A tendência era buscar
manter pessoas morando em suas terras sem uma região próspera, passar ali um período,
condições de plantação ou criação de animais enriquecer rapidamente e voltar para a terra-
[8,9]. natal [7,8].
2.3 ORGANIZAÇÃO E O seringal é formado basicamente por
FUNCIONAMENTO DOS SERINGAIS Barracão, Colocação de Seringa, Estradas de
Seringa, Tapiris e Defumadores.
Para os emigrantes a viagem à floresta O Barracão é a residência do
era temporária, não havia o pensamento de seringalista, mas também é o armazém, onde
permanência, de ocupação efetiva da terra, há todos os produtos necessários para o corte
logo, eles não se consideravam emigrantes, da seringa e as utilidades de uso diário do
estavam apenas em busca de recursos, de uma seringueiro e sua família. É através das
vida melhor. A pretensão era alugar seus compras no barracão que o seringueiro se
serviços por um período, o mais curto endivida e acaba ficando preso ao seringal.
possível, apenas o tempo suficiente para Desde que chega para cortar a seringa, antes
conquistar a fortuna oferecida. Mas, na mesmo de dar o primeiro corte, o seringueiro
prática, para a grande maioria, voltar à terra recebe facas de cortar seringa, tigelinhas,
de origem transformou-se em utopia [5]. machados e machadinhas, espingardas,
A realidade encontrada era outra, bem facões, pólvora, farinha, arroz, feijão, açúcar,
diferente daquela oferecida nas praças dos sal, café, carne-seca, aguardente, roupas,
grandes centros nordestinos. O sistema de porongas, querosene, entre outros. Importante
extrativismo e produção da goma elástica ao lembrar que todos esses produtos eram
invés de libertação e riqueza representou repassados para o seringueiro com valor de
escravidão e mais pobreza. mercado superfaturados. Além disso, os
O nordestino depois da longa viagem, bilhetes de viagem, desde a saída do Nordeste
que levava até três meses dentro de um vapor ao Pará, e do Pará para os seringais era
ou gaiola, chegava ao seringal sem ter cobrados. Tudo ficava anotado na caderneta.
nenhum conhecimento sobre o seu [2-5,8]
funcionamento. A felicidade inicial era
substituída por uma angústia que durava a Do local de origem até os seringais, os
nordestinos migrantes recebiam uma ajuda de
vida inteira. O “mundo verde” era diferente de custo para suas despesas básicas pessoais que
correspondiam às suas necessidades em termos
tudo que ele conhecia e o sistema ali imposto de alimentação, roupas, transporte (passagem),
cigarros, bebidas e outros objetos de uso. Tal
o massacrava e o aprisionava, às vezes, para fato configurava a formação de uma relação de
sempre. Para muitos o sonho do trabalho, em que o trabalhador ficava
previamente endividado, pois arcava com todas
enriquecimento fácil no “mundo verde” as despesas referentes a viagem, as quais eram
debitadas em conta para posterior crédito do
transformou-se em desgraça e aprisionamento investidor [3].

no “inferno verde” [5].


Assim, muitos seringueiros ficavam borracha chega aos centros de Belém e
desiludidos desde a hora que chegavam, pois Manaus [1,4,5].
nem começavam a trabalhar e já estavam com Uma vez que o seringueiro chegava à
um grande saldo devedor. O objetivo era claro sua colocação (o termo origina-se da palavra
e óbvio: o seringalista fazia com que o “colocar”, já que quando chegavam para
seringueiro mantivesse sempre uma relação cortar seringa eram “colocados” em uma
de dependência, pois, o trabalhador só poderia determinada área)construíam suas barracas,
comercializar com o barracão, seja na venda conhecidas como Tapiri, simples choupanas
da borracha produzida, seja na compra dos feitas com produtos da floresta, como
produtos necessários à sua permanência no paxiúba, palmeira característica e abundante
seringal [5]. na região, para o assoalho e paredes, e palha
Depois de receberem os produtos para a cobertura [8].
suficientes para iniciar a produção eram Próximo ao tapiri ficava o Defumador,
levados para as Colocações de Seringa. local onde o seringueiro transforma, através
Dentro do seringal há várias colocações, ou da defumação, o látex em pélas de borracha.
seja, várias semi-unidades, responsáveis pela Depois do corte, quando o leite jorra da
produção da borracha. Em cada colocação, árvore de seringueira para dentro das
dependendo do seu tamanho, mora uma ou tigelinhas presas à árvore, o seringueiro
mais famílias [4,5]. deposita todos os conteúdos no balde e leva
Cada colocação possui certo número para casa. Antes que esse leite “coalhe” ele
de Estradas de Seringa, sendo uma média de defuma, em um trabalho lento, cauteloso,
seis. As estradas são os “caminhos” onde se onde depois de horas de fumaça, o leite toma
encontram as seringueiras, e cada estrada a forma de uma bola grande e achatada, é a
possui uma média de duzentas seringueiras. péla de borracha [1.3-5,8].
Mas, esses valores são aproximados, Para o bom funcionamento dos
medianos, podendo ter números diferentes, seringais havia diversos trabalhadores que
dependendo da localidade [1,4,5]. estavam diretamente ligados ao seringalista e
Todas as colocações de Seringa estão à produção da borracha. Na ordem
interligadas com o barracão, que é também a hierárquica, encontramos no topo o
Sede do seringal, localizada sempre à margem Seringalista, proprietário do seringal; depois
dos rios, por estes representarem o único do seringalista o Gerente. Este é grande
acesso de comunicação e transporte da conhecedor do sistema e de todo
borracha. É pelos rios que todos os produtos funcionamento do seringal; é homem de
chegam aos seringais e é por estes que a confiança do seringalista e pode substituí-lo
em sua ausência. Abaixo do gerente está o Assim, os seringueiros produziam a borracha
Guarda-livros, conhecedor da escrita e da e entregavam aos seringalistas, estes por sua
ciência contábil, este é responsável pela vez, vendiam a borracha para as Casas
caderneta, onde anota as contas de todos os Aviadoras de Belém e Manaus; as Casas
seringueiros. É também uma pessoa de Aviadoras vendiam a produção para as Casas
confiança do seringalista. Estes três: Exportadoras, também localizadas em Belém
seringalista. Gerente é guarda-livros são os e Manaus, e por último as Casas Exportadoras
responsáveis pela manutenção administrativa vendiam a borracha para os centros industriais
do seringal [4]. dos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e
Mas, há ainda outros trabalhadores em França [4].
um seringal: o caixeiro, atendente do Este mecanismo de controle tinha
armazém, pesa, mede e controla a entrada e como elemento propulsor a exploração dos
saída dos produtos do barracão. O mateiro seringueiros. Estes eram explorados de todas
tem grande importância, pois faz o as formas. A borracha que ele repassava para
reconhecimento das áreas florestais que o seu patrão-seringalista tinha um valor muito
possuem seringueiras. Os caçadores, baixo, o que fazia com que ele ficasse sempre
mariscadores (pescadores) e canoeiros endividado. Alguns conseguiam ter “saldo”,
complementam a dieta alimentícia dos isto é, pagar toda a dívida anotada na
barracões. Por último citamos um grupo caderneta e ainda ter dinheiro para receber.
mediador, os comboeiros, responsáveis pelo Alguns recebiam, outros eram assassinados a
transporte de mercadorias em comboios de mando dos seus patrões logo que deixavam o
homens, burros ou bois, até as colocações barracão [4].
mais distantes [8]. Depois de entregarem sua produção ao
seringalista, o Guarda-livros fazia as contas,
2.4 O SISTEMA DE AVIAMENTO quitava a dívida anterior e lhes entregava mais
produtos. Geralmente essa negociação era
Para garantir o bom funcionamento baseada apenas na troca: borracha e produtos.
dos seringais foi criado um mecanismo de Muitos seringueiros nunca viam o dinheiro
controle baseado na produção da borracha, em mesmo [4,5].
uma cadeia de repasse desse produto. Esse Os seringalistas vendiam a borracha
mecanismo ficou conhecido como sistema de para as Casas Aviadoras (ou Casas de
aviamento, tendo como origem a palavra Aviamento) de Belém e Manaus. Essas Casas
aviar, que quer dizer trocar, ou seja, um eram grandes armazéns que vendiam tudo que
comércio baseado em troca de produtos. fosse necessário para o abastecimento dos
seringais. As casas compravam a borracha e Na relação social dentro dos seringais,
vendiam esses produtos para os seringalistas, o seringalista era tido como senhor absoluto,
mas como o preço da borracha era elevado, os ele representava o poder e era a própria lei.
seringalistas ganharam muito dinheiro, eram Sua autoridade deveria ser sempre mantida e
homens ricos, que mantinham suas famílias respeitada. É a partir dessa visão da
nos grandes centros do Brasil e da Europa. manutenção da ordem que o seringalista
Esbanjavam fortuna; acendiam charutos com torna-se o coronel, aquele que luta
cédulas de contos de réis; desfrutavam dos diariamente para impor a sua vontade, os seus
luxos e dos prazeres em cafés, teatros e desejos. O coronel busca sempre fazer com
cabarés; roupas eram mandadas para serem que as coisas saiam do seu jeito, caso
lavadas na Europa [3,5]. contrário, o seringal pode ir à falência, e por
As Casas Aviadoras vendiam a ser ele também um nordestino que lutou para
borracha para as Casas Exportadoras, que fugir da pobreza, irá lutar com toda sua
eram espécies de bancos. Empresas energia e disposição para não deixar que o
riquíssimas, responsáveis pela venda da seringal deixe de produzir [1,3-5,8].
borracha amazônica/acreana para a indústria É desse desejo de não perder, de fazer
internacional [3-5]. com que as coisas aconteçam do seu jeito que
os seringalistas vão criar os Regulamentos
(...) Aviar, na Amazônia, significa fornecer dos Seringais, um conjunto de normas criadas
mercadorias a crédito. O “aviador” de nível
mais baixo fornecia ao extrator certa quantidade pelos próprios seringalistas, sem valor
de bens de consumo e alguns instrumentos de
trabalho, eventualmente pequena quantidade de jurídico, mas com valor de aplicabilidade que
dinheiro. Em pagamento, recebia a produção
extrativa. Os preços dos bens eram fixados pelo
servirá como instrumento opressor dos
“aviador”, o qual acrescentava ao valor das seringueiros [8].
utilidades fornecidas juros normais e mais uma
margem apreciável de ganho, a título do que se Esses regulamentos foram tão
poderia chamar “juros extras”. Esse “aviador”,
por seu turno, era “aviado” por outro e também praticados que nos seringais acabaram tendo
pagava “juros extras” apreciavelmente altos. No
cume da cadeia estavam as firmas exportadoras, força de lei. Regulamentavam, por exemplo,
principais beneficiárias do regime de
concentração de renda por via do engenhoso que os seringueiros deveriam aceitar as regras
mecanismo dos “juros extras” e do do regulamento para viverem bem; fazer
rebaixamento do preço local da borracha. A
cadeia era simplificada quando o seringalista se transações somente com o barracão de seu
tornava um empresário de certa envergadura.
Neste caso, ele próprio se constituía um seringal; não praticar produção agrícola, não
“aviador” de primeira linha, ligando-se
diretamente, por outro lado, às casas criar animais entre outros [8].
“aviadoras” de Belém e Manaus e, por outro
lado, ao seringueiro extrator, seu “aviado” ou A produção alimentícia era
“freguês” [4]. permanentemente proibida, pois esta atividade
provocaria uma dupla diminuição da renda do
patrão: o tempo que o seringueiro “perderia” de arroz, 30 de açúcar, 6 latas de banha, 8
plantando poderia estar extraindo látex; e litros de fumo, 20 gramas de quinino. Só
produzindo seu próprio alimento deixaria de complementavam essa alimentação quando
comprar do barracão. O seringueiro deveria conseguiam pagar as contas, onde
dedicar-se em tempo integral á atividade conseguiam algum enlatado no armazém, ou
extrativista [7]. com caça e pesca, esporadicamente [3,7,8].
A vida do seringueiro era
extremamente difícil e todas as contas eram 2.5 DA BÉLLE ÉPOQUE AO DECLÍNIO
feitas sempre a favor do barracão. Mas, os DO PRIMEIRO SURTO D BORRACHA
seringueiros também encontraram formas de
resistência, para fugir dos mandos e A importância da borracha para a
desmandos dos coronéis, como, por exemplo, economia do Brasil foi expressiva, já que no
colocando areia e/ou barro dentro das pélas de final do século XIX a borracha era
borracha e vendendo e comprando produtos responsável por 25,7% dos valores das
do regatão, comerciantes que viajavam por exportações brasileiras, ficando em segundo
diversos seringais, oferecendo produtos por luar, sendo somente superada pelas
um preço mais baixo que o barracão e exportações de café (52,7%).
pagando pela borracha um preço mais justo O boom gumífero propiciou às capitais
[10]. das províncias do Grão-Pará e Amazonas,
Além da gana dos seringalistas, os respectivamente, Belém e Manaus, um
seringueiros enfrentavam também os perigos desenvolvimento urbano sem precedentes na
da selva, da solidão e da desilusão. Tiveram história. A riqueza promovida pela borracha
que enfrentar os perigos do contato com permitiu que essas cidades participassem do
animais selvagens e peçonhentos, como espírito eufórico da Belle Époque. A Belle
onças, jacarés e cobras; doenças tropicais Époque (bela época) refere-se ao triunfo
como a malária; e muitas vezes carência burguês no momento em que se notava grande
alimentícia, que os tornavam frágeis, desenvolvimento material e tecnológico. O
suscetíveis as mais variadas doenças. comércio expandia-se pelo mundo e
Leandro Tocantins explica que havia integrava-se com regiões de vários pontos do
grande precariedade alimentar, tanto na planeta.
qualidade quanto na quantidade de víveres, O fausto da borracha colocou as
onde um seringueiro recebia para um período cidades de Belém e Manaus na ordem do dia.
de três meses: 3 paneiros de farinha de água, 1 Essas cidades cresceram, floresceram e se
saco de feijão, outro pequeno de sal, 20 quilos destacaram no meio da imensidão da floresta.
Belém e Manaus passaram tornaram-se durante quase quatro anos, enquanto
importantes centros de negócios, de viagens, selecionava as melhores sementes,
de comércio. Belém, ao final do século XIX, estabeleceu-se como seringalista e fazendeiro,
era uma cidade do tamanho de Madri mas não obteve sucesso [4].
(Espanha). Havia ali grandes avenidas, Em 1876, Wickham voltava para
estradas, jardim, edifícios, casas bancárias, Londres contrabandeando 70 mil sementes de
grandes armazéns, estradas de ferro, linhas de Hevea brasiliensis, um caso grandioso do que
bonde, sistemas de telégrafo e telefonia, e hoje nós chamamos de biopirataria. No porto,
teatros; foi na prosperidade alavancado que o quando interrogado sobre os produtos que
Teatro da Paz foi construído em 1878 [11]. transportava em cestos trançados cobertos
Manaus ganhou contornos de cidade com folhas de bananeira, Wickham explicou
moderna a partir de 1892, no governo de apenas que eram espécies exóticas para os
Eduardo Ribeiro. A capital do Amazonas jardins da rainha Vitória, monarca do Reino
ganhou iluminação elétrica, redes de esgoto, Unido [4].
linhas de bonde, pavimentação, sistema A vitória de Wickham representou a
telegráfico subfluvial, praças, clubes, cafés, derrota dos seringalistas brasileiros. Das 70
com mesinhas nas calçadas, a exemplo de mil sementes transportadas, 2,6 mil
Paris; aliás, Manaus recebeu o nome de “Paris germinaram. Essas mundas foram então
das Selvas”. O Teatro Amazonas, inaugurado transplantadas no sudoeste Asiático,
em 31 de dezembro de 1896, representa todo principalmente no Ceilão, Sri Lanka,
o esplendor da capital amazonense, onde as Indonésia e Malásia. Os frutos foram
óperas entoadas agitavam a vida social. excelentes e em menos de 40 anos, a
No entanto, o monopólio da borracha exportação da borracha brasileira estava
brasileira foi quebrado a partir de 1913, completamente comprometida [4,8].
quando o Brasil vendeu 44 mil toneladas de Mas, de fato, o que comprometeu a
borracha. Mas o que causou o declínio do produção da borracha brasileira? Antes de
primeiro surto da borracha? Vejamos: mais nada a produção em larga escala e custos
Em 1871 a Royal Botanic Gardens de baixos. A produção racionalizada da borracha
Kew, uma famosa instituição britânica de produzida na Ásia custava bem menos que a
estudos na área de botânica, contratou o borracha brasileira. Enquanto as seringueiras
inglês Henry Alexander Wickham (1846- na Amazônia eram dispostas de forma
1928), para furtar sementes de seringueira no irregular, ora próximas uma das outras ora a
Brasil. Wickham aceitou a proposta e quilômetros de distância, na Ásia havia
desembarcou em Santarém (Pará), onde
distância exata de quatro metros, onde a criou a Superintendência de Defesa da
coleta era feita com automóveis [6]. Borracha, onde apresentou um projeto de
O duro golpe foi sentido pelos Defesa da Borracha ou de valorização da
seringalistas e consequentemente pelo Amazônia com atenção voltada a plantios
governo brasileiro em 1913, quando o Oriente racionais de seringueira, perante a queda no
produziu cerca de 48 mil toneladas de preço da borracha no exterior. Para se ter uma
borracha, contra 44 mil da produção ideia da baixo de preços causada pela
brasileiro. Assim, o ano de 1913 marca o fim concorrência internacional, o Brasil que
do monopólio da produção gumífera chegou a vender sua borracha para a Europa
brasileira. Mas, o brasil continuou produzindo por U$ 180/kg (cento e oitenta dólares o
borracha, embora em menor escala. Para se quilo) foi obrigada a baixar para U$ 40/kg
ter uma ideia do declínio da produção ne (quarenta dólares o quilo) em média a partir
borracha no Brasil observemos que em 1921 da crise de 1913. E mesmo assim foi incapaz
os seringais do Oriente produziam 1,5 milhão de concorrer com os preços da borracha
de toneladas de borracha, contra apenas 20 produzida pelos ingleses na Ásia [4,8].
mil toneladas da Amazônia [4,8]. O plano de Fonseca baseava-se na
Entretanto, a estagnação da economia melhoria de transportes, investimento em
regional deve-se também a falta de visão obras sanitárias, incentivos financeiros para
empresarial e governamental, uma vez que os produção racional de seringueiras e isenção de
“barões da borracha” ficaram “presos” 50% dos impostos. Mas, em 1913, dezessete
exclusivamente a exploração extrativista e meses depois o plano foi abandonado por
não pensaram em nenhuma alternativa causa da precária situação financeira do país.
econômica para o desenvolvimento regional. Assim, muitos seringais foram
A crise da produção da borracha tendo como abandonados e muitos seringueiros puderam
conseqüência imediata a estagnação também voltar ao nordeste; muitas vezes tão pobres do
das cidades. Há ainda a participação (ou a que quando partiram para a Amazônia
falta dela) dos governantes que não acreditando no sonho do enriquecimento fácil.
incentivaram a criação de projetos Muitos seringalistas não aceitaram a nova
administrativos que visassem um condição e acabaram cometendo suicídio. O
desenvolvimento sustentado da atividade de fausto gumífero chegara ao fim na década de
extração do látex ou de qualquer outra 1920. Para muitos, uma história que não tinha
atividade na região [4,6,8]. volta.
Importante lembrar que em 1912 o
presidente do Brasil, Hermes da Fonseca,
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS quase escravizado, de acordo com Euclides da
Cunha, numa referência ao trabalho árduo e a
O presente artigo buscou abordar o dificuldade de pagar as dívidas contraídas
pequeno período histórico amazônico pelos seringueiros junto ao Barracão. Certo é
denominado Primeiro Ciclo da Borracha que a fortuna oriunda dos seringais só não
(1880-1920), sendo este um período melhora a vida dos seringueiros, mas eleva e
„pequeno” no que concerne ao tempo, mas enriquece a vida dos seringalistas, aviadores,
grandioso no que se refere aos fatos banqueiros, industriais. É essa riqueza que
históricos, políticos, econômicos e sociais insere as cidades de Belém e Manaus no
ocorridos dentro do „curto” espaço de tempo. contexto da Belle Époque, fazendo com que
Vimos que os fatores econômicos se tronem centros urbanos modernos em plena
responsáveis pela procura das terras da região floresta amazônica. Mas, a riqueza desse
acreana (inicialmente pertencente à Bolívia) e ciclo, encerra-se a partir de 1910, dada a
inexplorada ainda, dar-se-á pela grande produção de borracha no Oriente, decorrente
quantidade de hevea brasiliensis da região, do “roubo” de sementes de seringa realizado
uma vez que o látex produz um líquido pelo inglês Henry Alexander Wickham,
branco, látex, “lite”, que servia ao plantadas em seringais no oriente, sobretudo
crescimento industrial automobilístico e na Malásia, quebrando o monopólio brasileiro
pneumático crescente na Europa e nos e diminuindo a partir de 1913 drasticamente a
Estados Unidos. Os primeiros desbravadores produção brasileira.
da região, que viam na imensidão da floresta
abundante riqueza em potencial, não mediram 4. REFERÊNCIAS
esforços para concretizar a exploração e
coleta do tão procurado látex. As dificuldades [1] CALIXTO, Valdir de Oliveira. Plácido de
Castro e construção da ordem no Aquiri.
com a seca e a propaganda ilusória, aliados ao
FEM. Acre, 2003.
sonho do enriquecimento fácil proporcionou a
[2] TOCANTINS, Leandro. Formação
mão de obra abundante para a
histórica do Acre. Governo do Estado do
Amazônia/Acre, tendo no Nordeste a região Acre. Editora Civilização Brasileira. Rio de
Janeiro, 1979.
responsável pela oferta da mão de obra.
Importante entendermos a relação trabalhista [3] BEZERRA, Maria José. Invenções do
Acre – de Território a Estado – um olhar
entre seringalistas e seringueiros, onde através
social... São Paulo. USP. 2005.
do sistema de aviamento, as regras
[4] SANTOS, Roberto Araújo de Oliveira.
trabalhistas foram estabelecidas de forma tal,
História econômica da Amazônia: 1880-
que o seringueiro torna-se um empregado 1920. São Paulo: T. A. Queiroz. 1980.
[9] COSTA, J. Craveiro. A conquista do
[5] RANZI, Cleusa Maria Damo. Raízes do deserto ocidental. São Paulo: Nacional,
Acre. Rio Branco, AC: EDUFAC, 2008. 1940.

[6] BUENO, Ricardo. Borracha na [10] SILVA, Mauro César Rocha da. Razões
Amazônia: as cicatrizes de um ciclo fugaz e da sustentabilidade do Governo da
o início da industrialização. Porto Alegre: Floresta: uma releitura dos aspectos
Quattro Projetos, 2012. políticos e econômicos do desenvolvimento
do Estado do Acre. Rio de Janeiro,
[7] GODOY, PRT., org. História do ICHS/CPDA/UFRRJ, 2011.
pensamento geográfico e epistemologia em
Geografia [online]. São Paulo: Editora [11] SOARES, Karol Gillet. As formas de
UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, morar na Belém da Belle Époque (1870-
2010. 1910). Dissertação (Mestrado). Universidade
Federal do Pará, Instituto de filosofia e
[8] SOUZA, Carlos Alberto Alves. História Ciências Humanas, programa de Pós-
do Acre. graduação em História Social d amazônia.
Belém, 2008.

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