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Pressupostos de Ensino de Língua Materna Nas Séries Iniciais

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CONTEÚDO E

METODOLOGIA DO
ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA
Pressupostos de
ensino de língua
materna nas
séries iniciais
Maria Elena Roman de Oliveira Toledo

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Desenvolver a capacidade da leitura e da escrita como conhecimentos for-


madores de cidadãos críticos e participativos.
>> Identificar alguns mecanismos e estratégias de ensino da língua materna
nas séries iniciais.
>> Reconhecer o letramento como produto de participação em práticas sociais
que usam a escrita como sistema simbólico.

Introdução
Neste capítulo, você se apropriará dos conceitos de língua e linguagem e verá como
diferentes concepções de linguagem determinam diferentes práticas educativas
no ensino da língua materna. Ampliando seus conhecimentos sobre a concepção
de linguagem como interação, vai refletir sobre a inadequação das propostas
de atividades mecânicas e desprovidas de significado no ensino da língua nos
anos iniciais do ensino fundamental e sobre a necessidade de desenvolver ações
educativas voltadas para a promoção do letramento.

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2 Pressupostos de ensino de língua materna nas séries iniciais

Leitura e escrita como instrumentos para


a formação de cidadãos críticos
e participativos
Para que possamos refletir sobre as ações educativas necessárias à apren-
dizagem da leitura e da escrita, precisamos, inicialmente, ter consciência de
que diferentes concepções de linguagem determinam diferentes práticas
educativas no ensino da língua.

Língua é um conjunto organizado de elementos (sons e gestos) utilizados


para possibilitar a comunicação humana. A língua tem sua origem na
sociedade e todos os grupos humanos desenvolvem sistemas com essa finalidade.
A linguagem é a capacidade que os seres humanos têm para produzir, desenvolver
e compreender a língua e outras manifestações como a pintura, a música e a dança.

De acordo com Geraldi (1985), no percurso histórico do ensino da língua


portuguesa, três concepções de linguagem têm permeado as práticas peda-
gógicas, determinando diferentes arranjos nas ações educativas.
A primeira concepção é a linguagem vista como forma de expressão do
pensamento. Essa perspectiva encontra-se intimamente relacionada aos es-
tudos tradicionais, nos quais a língua é percebida como um sistema individual,
que objetiva traduzir o pensamento do falante. Sendo assim, as pessoas que
não conseguem se expressar são vistas como incapazes de pensar.
As práticas educativas desenvolvidas no contexto escolar, pensadas na
perspectiva da linguagem como forma de expressão, visam ao desenvolvi-
mento das linguagens oral e escrita, baseado no domínio da teoria gramatical.
O ensino é pautado na transmissão de conhecimentos; o professor é visto
como o detentor absoluto de saberes; e os alunos, como receptores passivos
daquilo que é transmitido.
A segunda concepção é a da linguagem como instrumento de comunicação,
na qual a língua é entendida como um código utilizado para transmitir uma
mensagem do emissor para o receptor.
Essa concepção traz como implicação a compreensão da língua fora do
seu contexto de uso, sendo necessário que o falante aprenda o sistema de
códigos da língua.
Do ponto de vista das práticas educativas, a linguagem como instrumento
de comunicação determina a realização de um trabalho pedagógico no qual
a língua é tratada como um sistema linguístico desvinculado do contexto
(social, histórico e cultural) no qual os indivíduos estão inseridos.

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Pressupostos de ensino de língua materna nas séries iniciais 3

A terceira concepção traz a linguagem como forma de interação, consti-


tuindo-se como um instrumento de interação entre os indivíduos.
Segundo Geraldi (1985, p. 43), nessa perspectiva, a linguagem é vista como
um lugar de interação humana, por meio do qual o sujeito falante pratica
ações que não conseguiria praticar a não ser falando. A fala se constitui
como um instrumento de ação do falante sobre o ouvinte “[...] constituindo
compromissos e vínculos que não preexistiam antes da fala”. Ainda, de acordo
com Geraldi (1985, p. 43–44):

Nesse sentido, a língua só tem existência no jogo que se joga na sociedade, na


interlocução, e é no interior de seu funcionamento que se pode procurar estabelecer
as regras de tal jogo. [...] Estudar a língua é, então, tentar detectar os compromissos
que se criam através da fala e as condições que devem ser preenchidas por um
falante para falar da forma que fala em determinada situação concreta de interação.

Nessa perspectiva, as práticas educativas devem ser pautadas em situações


de uso da língua.
A linguagem como forma de interação humana é a concepção adotada
pela Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) para a proposição das
habilidades e competências a serem desenvolvidas nas diferentes etapas
da escolarização.
Nos primeiros anos do ensino fundamental, a área de linguagens é com-
posta pelos seguintes componentes curriculares: língua portuguesa, arte e
educação física.
A proposta apresentada pelo documento (BRASIL, 2017) parte do pressu-
posto de que todas as atividades humanas são realizadas nas práticas sociais,
mediadas por diferentes linguagens (verbal, corporal, visual, sonora e digital).

Por meio dessas práticas, as pessoas interagem consigo mesmas e com os ou-
tros, constituindo-se como sujeitos sociais. Nessas interações, estão imbricados
conhecimentos, atitudes e valores culturais, morais e éticos (BRASIL, 2017, p. 63).

Nessa etapa da escolarização, o objetivo da área de linguagem é oportu-


nizar, aos educandos, a participação em práticas de linguagem diversificadas,
que lhes permitam ampliar suas capacidades expressivas em diferentes
tipos de manifestações (artísticas, corporais e linguísticas), bem como seus
conhecimentos sobre essas linguagens, dando continuidade ao trabalho
proposto para a educação infantil.
Visando a oportunizar a construção de conhecimentos pela interação
educando-situação comunicativa real, a proposta da BNCC (BRASIL, 2017)
para o ensino da língua portuguesa nos anos iniciais do ensino fundamental
tem a sua centralidade no texto.

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Nessa perspectiva, a aprendizagem da leitura e da escrita deve ocorrer


no contato com diferentes textos e gêneros textuais, visando à participação
efetiva dos indivíduos em práticas de diferentes esferas e campos de ativi-
dades humanas.
É importante ressaltar que o domínio da leitura e da escrita é uma cons-
trução que tem início com o significado social que os materiais escritos têm
para as crianças. As crianças que já nascem em lares nos quais as práticas
de leitura e de escrita se fazem presentes compreendem, desde muito cedo,
qual é a função social da escrita em nossa sociedade. Aquelas que nascem
em ambientes nos quais os materiais escritos se fazem pouco presentes
devem ter, na escola, a oportunidade de acesso a eles e de se apropriar das
funções sociais da escrita.
A compreensão das funções sociais da escrita se constitui como um pri-
meiro passo para a formação de usuários competentes dessa linguagem, de
forma consciente e intencional, mas não é suficiente para que as crianças se
apropriem do sistema de escrita.
A aprendizagem da escrita não é algo natural; ela é construída social-
mente e demanda ações de ensino intencionais. Sendo assim, cabe à escola,
responsável pelas ações intencionais de ensino nas sociedades letradas,
oferecer às crianças o domínio sobre o uso social da língua para que possam
opinar, interagir, discutir, informar-se e realizar outros usos, de acordo com
as diferentes situações comunicativas.
O uso competente da língua permite, aos indivíduos, o exercício pleno da
cidadania. É na imersão mais profunda e constante nos diferentes gêneros
textuais que a criança adquire a postura cidadã crítica, o que representa o
cumprimento de uma das funções sociais da escola.

O ensino da língua materna nas séries


iniciais
Durante muito tempo, na história da educação brasileira, as concepções de
linguagem como forma de expressão e de comunicação foram predominantes
nos ambientes escolares.
O trabalho educativo embasado por elas demandava, por parte dos apren-
dizes, o domínio de técnicas de codificação e de decodificação. Em outras
palavras, acreditava-se que os indivíduos que eram capazes de transformar
fonemas (sons) em grafemas (letras) sabiam escrever e, se soubessem fazer
o caminho inverso (transformar grafemas em fonemas), sabiam ler.

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O ensino das técnicas era viabilizado pela adoção de diferentes méto-


dos de alfabetização. Os métodos eram transmitidos pelos professores e
reproduzidos pelos alunos. Partindo de diferentes unidades da língua, os
métodos tinham duas características em comum: o pressuposto de que todos
os alunos aprendiam do mesmo jeito e ao mesmo tempo e a utilização de
textos criados, especificamente, para os contextos escolares, sem qualquer
função social real.
Ao final do percurso definido pelo método de alfabetização, a criança
saberia ler e escrever um conjunto limitado de frases e palavras. Caso não
soubesse, era responsabilizada pelo seu fracasso e, no ano seguinte, deveria
refazer todo o percurso.
As práticas alfabetizadoras começaram a ser repensadas, sobretudo após
os anos 1980, quando a perspectiva da linguagem como interação começou a
ser adotada nas práticas de ensino voltadas para a leitura e a escrita.
A mudança na perspectiva e nas práticas decorreu, entre outros fatores,
das contribuições trazidas pelas pesquisas realizadas na área da psicologia
sobre a aprendizagem humana.
Teóricos da psicologia, como Piaget e Vygotsky, demonstraram, com seus
estudos, que é na interação com os objetos de conhecimento que os indivíduos
constroem seus conhecimentos, guardadas as suas diferenças teóricas. Nesse
processo, o meio no qual o indivíduo está inserido desempenha um papel
fundamental; é o meio que fornece os elementos com os quais e sobre os
quais o indivíduo irá interagir e construir novos conhecimentos.
Nessa perspectiva, a aprendizagem humana se dá pela constante inte-
ração do sujeito da aprendizagem com o objeto de conhecimento. É nessa
interação que os sujeitos atribuem significado aos objetos, compreendem
suas características e relações, ao mesmo tempo em que modificam suas
estruturas cognitivas (KAUFMAN et al., 1998).
Em outras palavras:

[...] o conhecimento nunca é uma cópia da realidade, nossa cabeça não é uma
máquina fotográfica em que vai ficar impresso o que se apresenta: sempre haverá
uma atividade do sujeito e, por fim, um componente interativo próprio. O apren-
dizado é um modo particular de construção de conhecimentos em uma situação
em que há uma intervenção intencional externa (KAUFMAN et al., 1998, p. 17–18).

Ao explicitarem os processos pelos quais as aprendizagens ocorrem, os


teóricos interacionistas provocaram uma reflexão sobre os modos de ensinar
utilizados até então, que colocavam o aluno em um papel de receptor passivo
dos conteúdos transmitidos no ambiente escolar.

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A aprendizagem na escrita na perspectiva


interacionista
Buscando investigar se a construção da escrita também se dava na interação
dos sujeitos com o objeto de conhecimento, Emília Ferreiro e Ana Teberosky
(1999) realizaram pesquisas sobre a gênese psicológica da escrita nos sujeitos.

Emília Ferreiro é uma psicolinguista argentina que se tornou uma das


maiores referências nos estudos sobre a alfabetização. A divulgação
dos resultados de sua pesquisa, realizada em parceria com a pedagoga espanhola
Ana Teberosky, sobretudo nos anos 1980, provocou uma profunda revisão das
práticas alfabetizadoras baseadas no uso de cartilhas e na aplicação de métodos.
O foco dos estudos realizados por ela recaiu sobre os mecanismos cognitivos
relacionados à construção de habilidades de leitura e de escrita.

Os resultados da pesquisa, intitulada “Psicogênese da Língua Escrita” de


Ferreiro e Teberosky (1999), demonstram que é na interação com materiais
escritos que os sujeitos constroem conhecimentos sobre a escrita. Além
disso, demonstraram que os sujeitos participam ativamente do processo
de construção de conhecimentos sobre a escrita e os escritos, mobilizando
suas capacidades cognitivas, construindo hipóteses e testando-as até que
cheguem à escrita alfabética.
Os estudos realizados pelas pesquisadoras (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999)
mostraram também que o processo de alfabetização tem início antes mesmo que
os indivíduos cheguem à escola. Inseridas em uma sociedade letrada (usuária
da leitura e da escrita), as crianças interagem, cotidianamente, com diferentes
materiais escritos (jornais, rótulos, panfletos publicitários, revistas, entre ou-
tros) e, nessa interação, começam a construir conhecimentos sobre a escrita.
A constatação de que as crianças constroem conhecimentos sobre a leitura
e a escrita na interação com materiais escritos que circulam socialmente
explicita a inadequação das atividades de escrita usualmente desenvolvidas
no contexto escolar. Desprovidas de significado e priorizando o domínio das
técnicas, essas atividades não formam sujeitos capazes de utilizar a leitura
e a escrita em contextos variados.
Sendo a interação com materiais escritos a condição necessária para que
a aprendizagem da leitura e da escrita aconteça, cabe à escola, de maneira
intencional, oportunizar o contato das crianças com materiais diversos e
realizar a mediação necessária para que as crianças avancem em seus pro-
cessos de construção da escrita.

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Para as que as crianças aprendam a ler e escrever, faz-se necessário que


elas leiam e escrevam, mesmo antes que possam fazê-lo convencionalmente.
Em situações reais nas quais as crianças são convidadas a ler e escrever, elas
mobilizam suas capacidades cognitivas e colocam em jogo os conhecimentos
que já têm sobre o sistema de escrita.
Cabe à escola propor situações nas quais as crianças possam sentir a
necessidade de ler e escrever e, como consequência, compreendam as funções
sociais da escrita.
No que se refere à leitura, as rodas de leitura, as rodas literárias e as
rodas de notícias são estratégias nas quais as crianças podem mobilizar
estratégias leitoras, antes mesmo de saber ler convencionalmente. Embora
cada uma dessas estratégias tenha uma técnica e um objetivo específico,
elas têm em comum o fato de que a leitura é demandada em uma situação
de uso social.

A roda de notícias é uma estratégia que pode ser utilizada desde


os anos iniciais do ensino fundamental, oportunizando às crianças
o contato com textos da esfera jornalística. Ao interagir com textos jornalísti-
cos verbais e imagéticos, que são oferecidos pelas notícias, as crianças têm a
oportunidade de identificar temas relevantes e os fatos cotidianos veiculados
nesse gênero textual.
Nas rodas de leitura, as crianças têm oportunidade de interagir com textos
diversos, construindo importantes conhecimentos sobre comportamento leitor
e a relação entre o texto e o portador textual. Também têm a oportunidade de
ampliar seu repertório vocabular e estabelecer uma relação prazerosa com o
texto escrito. Dependendo dos objetivos didáticos do professor, a roda de leitura
pode contemplar textos literários, poesias, contos, dentre outros.

No que se refere à escrita, a elaboração de uma lista dos materiais


necessários para a realização de um experimente científico, a escrita de
um roteiro para a realização de uma entrevista com um morador antigo do
bairro ou para a realização de um seminário são alguns exemplos de situa-
ções nas quais a escrita se faz efetivamente necessária. Vale ressaltar que,
em alguns momentos, as crianças devem ser convidadas a escrever do jeito
que sabem, para que o professor possa identificar os conhecimentos que
elas já têm sobre o sistema de escrita. Em outros momentos, o professor
pode assumir o papel de escrita, registrando o texto produzido e ditado
pelas crianças.

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Leitura e escrita na Base Nacional Comum Curricular


Partindo de uma concepção de linguagem como interação e embasada por
uma perspectiva interacionista de aprendizagem, a Base Nacional Comum
Curricular (BRASIL, 2017) propõe que o trabalho com a língua portuguesa seja
realizado a partir da integração de quatro eixos: oralidade, leitura/escuta,
produção (escrita e multissemiótica) e análise linguística/semiótica.
Na BNCC (BRASIL, 2017), o eixo leitura contempla as práticas de lingua-
gem nas quais o leitor (também chamado de ouvinte e espectador) interage
ativamente com textos escritos, orais e multissemióticos, interpretando-os.
Na perspectiva adotada pelo documento (BRASIL, 2017), as práticas de
leitura não ficam restritas ao texto escrito. O aluno deve ter, também, oportu-
nidade para interagir com imagens estáticas (foto, pintura, desenho, esquema,
gráfico e diagrama) e em movimento (filmes, vídeos, entre outros), bem como
com sons (músicas), que acompanham e auxiliam na atribuição de significado
a vários gêneros digitais.
O desenvolvimento das habilidades de leitura, nessa proposta, decorre da
leitura de textos de diversos gêneros, que têm circulação em diferentes campos
de atividade humana. A opção pelo trabalho com diferentes gêneros oportuniza
aos alunos a ampliação dos usos sociais da língua, uma vez que nos diferentes
campos da atuação humana encontrarão enunciados com características,
conteúdos e estilos próprios de cada esfera de circulação do discurso. Sendo
assim, os alunos terão a oportunidade de interagir com um universo mais am-
plo do que o da linguagem informal e cotidiana e de construir conhecimentos
fundamentais relacionados às interações com interlocutores diversos, nas quais
é preciso compreender de onde falam e o que falam, ampliando o sentido e o
significado da língua e da linguagem na sua formação cidadã.
O desenvolvimento das habilidades de escrita não é promovido por meio
de atividades aleatórias e desprovidas de significado, mas na perspectiva
da produção textual. O eixo referente à produção textual contempla práti-
cas de linguagem voltadas à interação e à autoria do texto escrito, oral e
multissemiótico, com diferentes propósitos e voltados para a realização de
diferentes projetos (álbum de personagens, almanaque das práticas culturais
comunitárias, indicações de leitura, escrita de legendas de fotos, entre outras).
Tanto as atividades voltadas para o desenvolvimento de habilidades de
leitura, como as voltadas para a produção textual devem ser pensadas de
maneira a oportunizar a interação efetiva dos alunos com textos que estejam,
efetivamente, presentes na vida em sociedade. A ação cognitiva dos sujeitos

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sobre os textos, quer seja em situações de leitura, quer seja em situações de


produção textual, possibilita a formação de usuários competentes da língua
materna, nas mais variadas situações nas quais ela se faz necessária.

O conceito de letramento
A inserção de textos e gêneros textuais nas práticas educativas voltadas ao
ensino da língua portuguesa também encontra embasamento nas discussões
realizadas sobre a importância do letramento.
O conceito de letramento passou a permear as discussões educativas a
partir dos anos 1990, como fruto da ampliação do conceito de alfabetização
visto, até então, como sinônimo do domínio de técnicas.
Em seu texto, Albuquerque (2007, p. 11) faz suas as palavras de Maria do
Rosário Longo Mortatti e afirma que:

A alfabetização considerada como o ensino das habilidades de “codificação” e


“decodificação” foi transposta para a sala de aula, no final do século XIX, mediante
a criação de diferentes métodos de alfabetização – métodos sintéticos (silábicos
ou fônicos) x métodos analíticos (global) -, que padronizaram a aprendizagem da
leitura e da escrita. As cartilhas relacionadas a esses métodos passaram a ser
amplamente utilizadas como livro didático para o ensino nessa área.

A partir da década de 1980, as práticas alfabetizadoras apoiadas em


materiais didáticos que priorizavam a memorização de sílabas, palavras e/ou
frases soltas passaram a ser amplamente criticadas. As discussões realizadas
pela psicologia sobre a aprendizagem humana demonstraram a inadequação
dessas práticas e trouxeram a certeza de que “[...] é interagindo com a língua
escrita através de seus usos e funções que essa aprendizagem ocorreria, e
não a partir da leitura de textos ‘forjados’ como os presentes nas ‘cartilhas
tradicionais’” (ALBUQUERQUE, 2007, p. 16).
Nessa época, a necessidade de que as práticas educativas considerassem
os usos e as funções da língua escrita para a proposição de atividades signi-
ficativas de leitura e escrita nos contextos escolares foi bastante difundida.
No mesmo período, surgiu o conceito de “analfabetismo funcional”, para
caracterizar as pessoas que, mesmo tendo domínio das técnicas de codifi-
cação e decodificação, não conseguiam fazer uso da escrita em diferentes
contextos sociais.

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10 Pressupostos de ensino de língua materna nas séries iniciais

A partir da década de 1990, o conceito de alfabetização passou a ser vin-


culado ao conceito de letramento, sendo que os dois conceitos começaram
a ser utilizados para nomear fenômenos distintos. O termo “alfabetização”
passou a ser utilizado para nomear o domínio das técnicas de codificação e
decodificação, enquanto “letramento” passou a ser utilizado para nomear o
uso competente das habilidades de leitura e de escrita para o atendimento
de diferentes demandas da vida cotidiana.
As discussões sobre a importância do letramento foram impulsionadas
pela divulgação das ideias da pesquisadora Magda Soares (2009). O grande
desafio colocado para as escolas, desde então, foi o de “alfabetizar letrando”.
Segundo Soares (2009), alfabetizar letrando significa ensinar a ler e a escre-
ver no contexto das práticas sociais de leitura e de escrita de modo que o
indivíduo possa, ao mesmo tempo, dominar as técnicas da alfabetização e
usar, de modo competente, as habilidades de leitura e escrita.
O desenvolvimento de habilidades de letramento na sala de aula requer
a adoção de práticas de alfabetização que oportunizem, aos educandos,
interação com a leitura, análise e produção de gêneros textuais diversos,
em situações significativas.
A perspectiva do letramento está presente na Base Nacional Comum
Curricular (BRASIL, 2017), na proposta para o ensino da língua portuguesa.
Cabe a esse componente curricular proporcionar aos estudantes experiências
que contribuam para a ampliação dos letramentos, de maneira a possibilitar
a participação efetiva, significativa e crítica nas diversas práticas sociais
constituídas pela oralidade, pela escrita e por outras linguagens.

Nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, a ação pedagógica deve ter como
foco a alfabetização, a fim de garantir amplas oportunidades para que os alunos
se apropriem do sistema de escrita alfabética de modo articulado ao desenvol-
vimento de outras habilidades de leitura e escrita e ao envolvimento em práticas
diversificadas de letramentos (BRASIL, 2017, p. 59).

O uso do termo letramento no plural (letramentos) apoia-se no conceito


de multiletramentos. De acordo com Rojo e Almeida (2012, p. 13):

O conceito de multiletramentos aponta para dois tipos específicos e importantes


de multiplicidade presentes em nossas sociedades, principalmente as urbanas,
na contemporaneidade: a multiplicidade cultural das populações e a multiplici-
dade semiótica de constituições dos textos por meio dos quais ela se informa e
se comunica.

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A ampliação do conceito de letramento decorre do fato que, no mundo


contemporâneo, há uma grande multiplicidade cultural e de formas de ex-
pressão baseadas em textos multissemióticos (impressos ou digitais). Os
textos multissemióticos não contemplam, apenas, a linguagem oral; eles se
caracterizam por uma multiplicidade de linguagens (fotos, vídeos, gráficos,
sonoridades, entre outras), que precisam ser devidamente compreendidas
para que seja possível a atribuição de significado.
Na contemporaneidade, a realidade é representada por diferentes sistemas
simbólicos, que não só a escrita. A necessidade de atribuição de significado
aos elementos que acompanham a escrita (fotos, vídeos, gifs, memes, dentre
outros) para que a compreensão do texto se faça possível acaba por deman-
dar, por parte da escola, a atualização das práticas sociais de uso da língua.
Essa multiplicidade de linguagens requer habilidades de leitura e de
produção textual para a atribuição de significados que não se restringem às
habilidades requeridas no texto escrito.
O desenvolvimento de habilidades de letramentos previsto na BNCC (BRA-
SIL, 2017), atribui à escola o papel de formadora de indivíduos que sejam
capazes de ler, compreender, analisar criticamente e produzir diferentes
tipos de textos, com diferentes finalidades.

Referências
ALBUQUERQUE, E. B. C. Conceituando alfabetização e letramento. In: SANTOS, C. F.;
MENDONÇA, M. (org.). Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte:
Autêntica, 2007. p. 95–109.
BRASIL. Base nacional comum curricular. Brasília: Ministério da Educação, 2017. (E-book).
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas,
1986.
GERALDI, J. W. (org.) O texto na sala de aula: leitura e produção. 2. ed. Cascavel: AS-
SOESTE, 1985.
KAUFMAN, A. M. et al. Alfabetização de crianças: construção e intercâmbio. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1998.
ROJO, R.; ALMEIDA, E. de M. (org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

Leitura recomendada
SOARES, M.; BATISTA, A. A. G. Alfabetização e letramento: caderno do professor. Belo
Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005. (Coleção Alfabetização e Letramento).

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