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Ed Rene Kivitz, Atualizar A Bíblia
Ed Rene Kivitz, Atualizar A Bíblia
Ed Rene Kivitz, Atualizar A Bíblia
(In)
Sobre
Sufici-
A Bíblia
atualizar
D E ZE M B R O - 202 1 - A N O D E PA N D E M I A
“
Em atenção aos esclarecimentos solicitados pela Comissão
de Ética da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, Seção
São Paulo, relativos ao meu sermão CARTAS VIVAS CONTRA
LETRAS MORTAS pregado em 25 de outubro de 2020, e sua
respectiva explanação explicativa na Live do Movimento
Casa em 29 de outubro de 2020.
S O B R E AT UA L I Z A R A B Í B L I A (I N) S U F I C I E N T E 2
“
Eu leio essa carta de Paulo a Filemon e penso da
seguinte maneira: essa carta é insuficiente para mim.
Talvez esse seja o grande desafio da igreja contemporânea: olhar a Bíblia
como um livro insuficiente. Um livro que precisa ser relido, resignificado
para que os princípios de vida que esse livro encerra, que essa revelação
encerra, que esses princípios de vida saltem dessas páginas promovendo
libertação e justiça e relações de amor no nosso mundo [...] é nesse
sentido que estou dizendo que a Bíblia é insuficiente: a ética bíblica
reflete uma estrutura de sociedade daquele tempo, daquele mundo,
daquela época. E não dá pra gente pegar um texto que foi escrito
4.000 anos antes, 3.000 anos, 2.000 anos, e trazer para hoje, aplicando
literalmente o que esse texto está dizendo, sem perceber que nas suas
linhas a Bíblia é insuficiente, mas nas suas entrelinhas, na revelação
que traz a respeito do Cristo ressurreto, a Bíblia explode promovendo
uma grande revolução e uma grande transformação no mundo. Então a
gente precisa atualizar a Bíblia, porque se eu não atualizo a Bíblia, e se
eu leio literalmente e digo “está suficiente a leitura literal da Escritura”,
eu legitimo escravidão. Da mesma forma que tem gente ainda hoje
legitimando o machismo dizendo que “o marido é o cabeça da mulher
e que a mulher tem que ser submissa”, e não leu direito a Escritura, não
atualizou a Escritura. [...] Então, se queremos ser cartas para um novo
mundo, e se a igreja quer ser carta para o novo mundo, vamos precisar
atualizar as Escrituras, vamos ter que fazer essa atualização e ter
essa coragem de enfrentar os pecados de gênero da nossa sociedade,
enfrentar a questão da homossexualidade, da homoafetividade, dos
gays que frequentam as nossas comunidades, estão dentro das nossas
comunidades, mas continuam sendo condenados ao inferno por causa
de dois ou três textos bíblicos que não foram atualizados. Vamos ter
que ter coragem de enfrentar isso, senão continuaremos brincando de
religião, e não seremos cartas para um novo mundo, seremos texto morto
que descreve o velho mundo [...] Nós precisamos enfrentar a questão do
machismo, da misoginia, do racismo dentro das nossas comunidades;
cuidar das vidas pretas, cuidar das crianças que são abusadas, cuidar
das mulheres que são estupradas, que sofrem violência todos os dias – e
muito disso legitimado por versículo. Não é mais admissível. Não é mais
admissível fazer a transposição literal da Bíblia Sagrada de 2.000 anos
pra cá. Não é mais possível, o mundo mudou. Não é possível ler a Bíblia
como se não tivéssemos 2.000 anos de civilização humana, dois mil
anos de Espírito Santo iluminando a igreja. Não é possível. Não é possível
tratar a Bíblia como um texto que revela verdades absolutas, porque não
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somos seguidores de um livro, somos seguidores de Jesus Cristo, e esse
texto é palavra de Deus que é viva, que não é um código moral que diz
como devemos nos comportar em sociedade, mas um texto que traz a
revelação de Jesus Cristo como Senhor de um novo mundo, de uma nova
era, onde as relações de hierarquias estão destruídas, e agora somos
iguais como irmãos e irmãs [...] Eu oro a Deus que a palavra de Deus seja
atualizada e exploda no seu coração como uma profecia contra todas as
relações hierarquizadas, e um anúncio profético de relações igualitárias,
em nome de Jesus, sob um mesmo Pai, no poder do Espírito Santo. Que
nós sejamos cartas vivas para um novo mundo. E cartas vivas para um
novo mundo anunciam novidades. Buscam o que é antigo, atualizam o
antigo, para que o antigo que é vivo se faça novo, gerando novidades
num novo mundo”.1
S O B R E AT UA L I Z A R A B Í B L I A (I N) S U F I C I E N T E 4
Sobre atualizar a
Bíblia [In]Suficiente
As palavras habitam campos semânticos, fazem sentido apenas e tão
somente na dança dos signos e significados. Assim nos ensinam os
teóricos da filosofia e da ontologia da linguagem. Casa pode indicar
tanto a habitação de uma família como o espaço que mantém tecidos
abotoados; manga, na salada de frutas quer dizer uma coisa, na camisa
colorida outra completamente diferente; assim como “Jesus Cristo é
o Senhor” nas páginas do Novo Testamento e na fachada principal
do edifício de uma igreja neopentecostal pode apontar em direções
opostas como imperativos para a consciência humana. Atualizar, no
campo semântico dos smartphones e dos aplicativos, pode indicar
correção de imperfeição e aperfeiçoamento das versões anteriores,
o que não se aplica evidentemente a um texto milenar considerado
palavra de Deus – a Deus não se corrige, em Deus não se observa
imperfeição. Aliás, perfeição na boca de Platão é algo absolutamente
distinto daquilo que Jesus referiu ao exortar seus discípulos a serem
perfeitos como perfeito é o Pai celestial [Mateus 5.43-48]; aquele fala
da natureza imutável do ser, este último, Jesus, fala de perfeição como
amor aos inimigos, chuva e sol sobre bons e maus, benção aos que nos
perseguem. Um fala da perfeição ontológica, outro, da perfeição ética.
Enfim, do que estamos a falar quando dizemos casa, manga, Jesus é o
Senhor, e, ainda, perfeição? Do que falamos, pois, quando pronunciamos
sobre ser a Bíblia [in]suficiente e sua necessidade de atualização?
S O B R E AT UA L I Z A R A B Í B L I A (I N) S U F I C I E N T E 5
não atualizo a Bíblia, e se eu leio literalmente e digo
“está suficiente a leitura literal da Escritura”, eu legitimo
escravidão;
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única regra de fé e prática.
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aqueles que ao longo da história leram apenas as linhas e transpuseram
literalmente os textos paulinos que abordaram a escravidão [Efésios
6.5-9; Colossenses 3.22-24; Filemon], em nome de Deus perpetraram
os horrores do tráfico atlântico do século XV ao XIX, ou ainda a
estrutura social racista e a cultura de supremacia branca dos Estados
Unidos e o Apartheid na África do Sul, ambos abençoados por setores
consideráveis do protestantismo fundamentalista.
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revolucionário, fonte de inspiração para homens e mulheres que viraram
o mundo de cabeça para baixo [Atos 17.6].
Faz tempo que ensino aos meus alunos que assim como uma casa se
faz com tijolos, mas um amontoado de tijolos não é uma casa, também
um argumento teológico se faz com versículos, mas um amontoado de
versículos não é necessariamente uma verdade teológica. O teólogo
britânico John Stott teria dito que “a mente bíblica não é a que cita
versículos, mas a que raciocina dentro dos parâmetros das Escrituras”.
A hermenêutica versiculista e literalista não dá conta de discernir a
revelação bíblica. Mais do que listar versículos como embasamento
para afirmações dogmáticas, exige-se do intérprete a capacidade de
discernir, mediante iluminação do Espírito Santo que nos guia a toda a
verdade [João 16.13], a lógica sistêmica da revelação bíblica. Não basta
selecionar versículos como retalhos, ou tijolos, é preciso compreender
como se relacionam entre si e o que dizem no seu todo harmônico.
“Você precisa da Bíblia inteira para poder ler qualquer parte da Bíblia”,
disse Eugene Peterson,2 isto é você precisa da Bíblia inteira para poder
entender um versículo. Para compreender o sentido do todo que
transcende à lógica da simples soma das partes, importa que sejam
respeitados todos os contextos de cada parte em particular: quem
escreveu, para quem, com que finalidade, em qual ambiente histórico,
social, cultural, religioso, político e econômico, por exemplo.
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Obedeçam-lhes não apenas para agradá-los quando eles
os observam, mas como escravos de Cristo, fazendo de
coração a vontade de Deus. Sirvam aos seus senhores de
boa vontade, como ao Senhor, e não aos homens, porque
vocês sabem que o Senhor recompensará a cada um pelo
bem que praticar, seja escravo, seja livre [Efésios 6.5-8];
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ao chão”. Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de
Deus o criou; homem e mulher os criou [Gênesis 1.26,27];
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para as relações humanas, agora fundamentadas nas bases da
igualdade, mutualidade e unidade, propósito divino desde antes da
fundação do mundo como reflexo da Trindade Santíssima, que é diversa
e una, plural e idêntica, criativa e operante em mútua responsabilidade.
O mesmo Paulo que mandou os escravos se submeterem aos seus
senhores, exigiu que as mulheres obedecessem aos maridos e fossem
privadas do magistério nas comunidades, e mandou que todos
estivessem sujeitos às autoridades civis, disse também que Jesus Cristo
inaugurou a era das relações igualitárias onde a dignidade humana
transcende quaisquer classificações de gênero, raça ou classe social.3 O
reino de Deus não admite racismo, sexismo, classismo ou qualquer outro
critério de discriminação entre seres humanos. Reis e imperadores não
exercem autoridade a seu bel prazer, pois agem por delegação divina,
e a legitimidade dos seus mandatos está na proporção direta de sua
submissão a Deus, critério último de bem, mal, e justiça – nenhum rei têm
autonomia para usar a espada e nenhum cidadão deve se submeter
cegamente a qualquer autoridade civil, pois como bem ensinaram
os apóstolos “mais importa obedecer a Deus que aos homens” [Atos
5.29]. Maridos que outrora detinham a posse de suas mulheres, agora
são exigidos a amá-las com o mesmo amor de Cristo, a saber, o amor
da autodoação voluntária e sacrificial. Senhores de escravos devem
reconhecer seus escravos como irmãos, legítimos participantes da
família de Deus. As linhas do Novo Testamento pareciam sugerir que o
advento Jesus Cristo, isto é, sua vida, morte e ressurreição, dizia respeito
a uma realidade espiritual transcendental – “meu reino não é deste
mundo” [João 18.36] –, e em nada afetaria a ordem histórica, social,
política e econômica. As entrelinhas, entretanto, instalaram bombas de
tempo que foram explodindo à medida que a expansão da nova lógica
operativa do reino de Deus e das comunidades cristãs se espalharam
pelo império romano, fazendo ruir suas estruturas injustas e sua máquina
de morte sustentada pela força bruta. Desde então, todas as estruturas
e proposições de relações humanas verticalmente estratificadas e
segregadas são classificadas pelo Evangelho como reino do anticristo, e
todos os agentes promotores e mantenedores de dominação e morte
subsistem sob o juízo dos céus e aguardam a iminente manifestação
S O B R E AT UA L I Z A R A B Í B L I A (I N) S U F I C I E N T E 12
do Cordeiro de Deus que com o sopro de sua boca vai reduzi-los a pó
[2Tessalonicenses 2.8].
Sobre linhas e
Entrelinhas
O teólogo Louis Berkhof esclarece o que creio a respeito da Bíblia, sua
inspiração e sua interpretação.4
está sempre consciente do que sabe. Além disso, ele muitas vezes
que suas palavras contenham implicações que ele não tenha visto e
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incidentais usadas por ele quando o assunto em questão não estava
um autor que não tenha feito uma declaração expressa com respeito
Aqui meu mea culpa. Posso ser responsabilizado por usar “palavras
que continham implicações que eu não tenha visto e as quais não
subscreveria”, como de fato, na LIVE do Movimento CASA5 do dia 29 de
outubro de 2020 disse explicitamente que não as subscrevo. Assumo
a responsabilidade por todas as minhas palavras, por tudo quanto eu
disse. Mas não respondo pelo que “disseram que eu disse”, e rejeito
absolutamente palavras colocadas em minha boca, especialmente
aquelas que não apenas eu não disse como principalmente jamais
diria ou quereria ter dito, como por exemplo a sugestão de que não
creio na inerrância da Bíblia, não creio na inspiração das Escrituras,
ou mesmo que desejo escrever outra Bíblia. Como bem disse
Berkhof, “atribuir pensamentos ou sentimentos a um autor que não
tenha feito uma declaração expressa com respeito ao assunto em
pauta, é um procedimento injustificado. Quem faz isso é culpado de
consequensmacherei (criar consequências)”.
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No entendimento de Berkhof, com o qual estou em pleno acordo, o que
Paulo apóstolo disse nas linhas, continha em suas entrelinhas sentidos
ocultos inspirados por Deus. Tais sentidos implicavam consequências
que aos poucos, com o avanço do testemunho do Evangelho, se
tornariam explícitas causando grandes e extraordinárias revoluções
históricas, notadamente nas relações de raça, gênero e classe.
Encontrar o sentido oculto, inclusive possivelmente para o próprio Paulo
e demais autores bíblicos, é o que entendo por atualizar a Bíblia. Não
significa, portanto, declarar a Bíblia ultrapassada, corrigir a Bíblia, ou
escrever outra Bíblia. Atualizar a Bíblia é discernir o sentido daquilo que
embora revelado na Bíblia, não esteve necessariamente no horizonte de
consciência de seus autores e leitores originais.
O mundo onde a Bíblia foi escrita não existe mais. E não existe mais
porque a mensagem da Bíblia, especialmente o Novo Testamento,
ganhou consequências, como uma semente viva que se desenvolve
como obra divina, independentemente e à revelia de qualquer controle
humano. As palavras pronunciadas no mundo de origem da Bíblia,
como por exemplo os escritos paulinos, devem ser atualizadas para que
façam sentido no novo mundo que as próprias palavras originais fizeram
emergir na história.
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Atualizar e
Contextualizar
O missiólogo e teólogo David Bosch esclarece que o Evangelho
“encarnou-se na vida e no mundo das pessoas que o aceitaram. Mas
faz pouco tempo que essa natureza essencialmente contextual da fé
foi reconhecida. Durante muitos séculos (...) sob a influência do espírito
grego consideraram-se as ideias e os princípios anteriores e mais
relevantes que sua aplicação. Esta constituía um passo segundo e
secundário que servia para confirmar ou legitimar a ideia ou princípio,
que se compreendiam como supra históricos e supra culturais. As igrejas
se arrogavam o direito de determinar qual era a verdade “objetiva” da
Bíblia e de dirigir a aplicação dessa verdade intemporal ao cotidiano dos
crentes”.7 Ainda segundo Bosch, Friedrich Schleiermacher “foi o primeiro
a perceber que toda teologia era influenciada, se não determinada,
pelo contexto em que evoluía. Nunca houve uma mensagem ‘pura’,
supranatural e supra histórica. Era impossível penetrar até um resíduo da
fé cristã que já não fosse, em certo sentido, interpretação”. 8 O mesmo
entendimento se observa em Paul Ricoeur, para quem “todo texto é um
texto interpretado, e que de certa forma o leitor ‘cria’ o texto quando o
lê. O texto não apenas está ‘lá fora’, esperando para ser interpretado;
o texto torna-se à medida que nos envolvemos com ele”. 9 Ricouer
chega a dizer que “interpretar a Escritura é ao mesmo tempo ampliar
seu significado como significado sagrado”. 10 Bosch acrescenta que
“interpretar um texto não é apenas um exercício literário, também é um
exercício social, econômico e político. Todo o nosso contexto entra em
jogo quando interpretamos um texto bíblico”. 11
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é a revelação daquele que “é o mesmo, ontem, hoje e eternamente”
[Hebreus 13.8], antes e depois da história e das culturas. Em outras
palavras, o Deus revelado em Jesus e por Jesus é transcendente, o que
as mais elementares confissões credais cristãs afirmam desde sempre.
Mas a afirmação “nunca houve uma mensagem ‘pura’, supranatural
e supra histórica” é também verdadeira, primeiro porque a revelação
bíblica não apenas nasce encarnada – não nos chega como uma
espécie de psicografia que desconsidera a realidade do autor do
texto –, como também porque sofre as limitações dos horizontes
de conhecimento e entendimento do povo que lhe dá origem, e,
também, porque toda leitura é em si mesma interpretação. Fica então
estabelecido como razoável que o discernimento do significado e
correspondente aplicação de um texto produzido alguns milênios
distantes da realidade contemporânea exige extrema sensibilidade
contextual. Em outras palavras, identificar o que uma palavra, um gesto,
um ritual, uma prática cultural, ou mesmo um conceito significava no
tempo e no mundo bíblicos é um exercício complexo, não menor do
que o esforço que se exige para transpor tais realidades aos diferentes
mundos que existem dentro do nosso mundo.
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dito não venha a ser mal compreendido ou mesmo não compreendido,
ou ainda para que não seja distorcido e tenha seu sentido alterado e
corrompido. O importante é que a contextualização preserva o que foi
dito, ou, no mínimo, o significado do que foi dito.
virtual”. 15
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estiveram – e ainda estão – presentes nos seus textos. A atualização dos
sentidos ocultos não implica traição dos escritos originais, assim como o
desabrochar e desenvolvimento da árvore não é uma traição da semente.
O jugo
dos Rabinos16
“Todo escriba que se fez discípulo do reino dos céus é semelhante a
um homem, proprietário, que tira do seu tesouro coisas novas e velhas”
[Mateus 13: 52]. Há rabinos e rabinos, disse Jesus. O que distingue os
rabinos é a experiência do reino de Deus. Os rabinos que são instruídos
no reino dos céus têm em casa um tesouro contendo coisas velhas e
coisas novas. As coisas velhas da tradição de Moisés, e as coisas novas
do reino de Deus.
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discípulo “Você aboliu a Lei”.
O jugo de Jesus
A tradição rabínica baseada nos conceitos de jugo, chaves do reino,
proibir e permitir, abrir e fechar, são o contexto dentro do qual podemos
compreender muitas palavras de Jesus e o casuísmo dos Evangelhos,
dos Atos dos Apóstolos e das Epístolas do Novo Testamento.
• Vocês ouviram o que foi dito, eu, porém, lhes digo [Mateus 5-7];
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é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as
portas do Hades não poderão vencê-la. Eu lhe darei as
chaves do Reino dos céus; o que você ligar na terra terá
sido ligado nos céus, e o que você desligar na terra terá sido
desligado nos céus [Mateus 16.13-19];
O jugo dos
discípulos de Jesus
Quando Jesus entregou as chaves do reino a Pedro, na verdade entregou
as chaves nas mãos de sua igreja, sua ekklesia: “Eu lhe digo que você é
Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do Hades
não poderão vencê-la. Eu lhe darei as chaves do Reino dos céus; o que
você ligar na terra terá sido ligado nos céus, e o que você desligar na
terra terá sido desligado nos céus” [Mateus 16.13-19]. A rocha sobre a qual
a igreja está edificada não é Pedro, mas a confissão de Pedro a respeito
de Jesus ser o Messias, o Cristo, ou mesmo o próprio Jesus revelado
como Cristo e filho do Deus vivo [1Pedro 2.4-8]. Ao entregar as chaves
do reino a Pedro, representativo da Igreja, Jesus transferiu autoridade
aos seus discípulos: “Aqui estão as chaves do reino; o que vocês ligarem
aqui será ligado no céu. A mesma autoridade que recebi, eu dou a
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vocês. A mesma autoridade que eu tenho, a minha igreja tem. Vocês têm
autoridade para abrir e fechar, isto é, proibir e permitir”.
Jesus colocou seu jugo sobre seus discípulos, e em seguida lhes deu as
chaves do reino. Os apóstolos compreenderam que as chaves do reino
estavam em suas mãos, o que significa que eles tinham autoridade
delegada por Jesus para estabelecer um jugo aos gentios (os não judeus),
e então, decidiram colocar um jugo mais leve sobre todos.
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O jugo
da Igreja
A igreja detém a prerrogativa que lhe foi concedida por Jesus de
observar a história, e seus múltiplos contextos sociais e culturais, e
recomendar aos discípulos os jugos aos quais devem se submeter no
seguimento de Jesus. O exemplo do divórcio ilustra esse fato. Além das
permissões de Jesus e Paulo, ao longo dos anos, em cada novo contexto
histórico, social e cultural, as comunidades cristãs foram identificando
outros motivos legítimos para o divórcio, como por exemplo, a violência
doméstica, forma de não apenas proteger mulheres e crianças, como
também de prevenir e evitar o feminicídio, uma das maiores crueldades
das sociedades contemporâneas.
A prerrogativa para proibir e permitir, ligar e desligar, não está nas mãos
de nenhuma pessoa em particular, mas da igreja de Jesus. A igreja não
é mediadora da salvação e da relação entre Deus e o ser humano: “não
há salvação em nenhum outro, pois, debaixo do céu não há nenhum
outro nome dado aos homens pelo qual devamos ser salvos” [Atos 4.12];
“há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: o homem
Cristo Jesus, o qual se entregou a si mesmo como resgate por todos”
[1Timóteo 2.5,6]. A tradição protestante desde o século XVI afirma
o sacerdócio universal de todos os cristãos, que estabelece a não
necessidade de um mediador humano – um pontífice – entre Deus e os
homens, exceto Jesus Cristo. Nesse sentido, cada ser humano responde
por si mesmo a Deus, submetendo-se a Deus à luz de sua própria
consciência.
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batizados em um único Espírito: quer judeus, quer gregos, quer escravos,
quer livres. E a todos nós foi dado beber de um único Espírito” [1Coríntios
12.12,13 e seguintes]; “seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo
naquele que é a cabeça, Cristo. Dele todo o corpo, ajustado e unido pelo
auxílio de todas as juntas, cresce e edifica-se a si mesmo em amor, na
medida em que cada parte realiza a sua função” [Efésios 4.15,16]. A igreja
não é mediadora da salvação, mas a vida em comunhão com a igreja –
o corpo místico de Cristo que se expressa historicamente em centenas
e milhares de comunidades e tradições espirituais é o modus vivendi e
modus operandi dos cristãos.
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infiel [Mateus 7.15-23; Atos 17.11; 20.28-30; 2Coríntios 11.13,14; Filipenses
3.17-21; 1Timóteo 1.5-8; 2Timóteo 2.14; 3.1-9; 4.1-5]. Seguir a Jesus, é andar
debaixo de um fardo leve: “Porque nisto consiste o amor a Deus: em
obedecer aos seus mandamentos. E os seus mandamentos não são
pesados” [1João 5.3]. Isso implica pelo menos dois compromissos
indissociáveis, paradoxais e complementares: viver na comunhão da
igreja buscando discernir a voz do Espírito que fala na comunidade:
“Aquele que tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas” [Apocalipse
2.7]; e assumir a responsabilidade pessoal diante de Deus, guiando-se
pela própria consciência igualmente iluminada pelo Espírito Santo: “Tens
tu fé? Tem-na em ti mesmo diante de Deus. Bem-aventurado aquele que
não se condena a si mesmo naquilo que aprova. Mas aquele que tem
dúvidas, se come, está condenado, porque não come por fé; e tudo o
que não é de fé é pecado” [Romanos 14.22,23].
A Palavra de Deus
e o Evangelho
“Não é possível tratar a Bíblia como um texto que revela verdades
absolutas, porque não somos seguidores de um livro, somos seguidores
de Jesus Cristo, e esse texto é palavra de Deus que é viva, que não é um
código moral que diz como devemos nos comportar em sociedade, mas
um texto que traz a revelação de Jesus Cristo como Senhor de um novo
mundo, de uma nova era (...) cartas vivas para um novo mundo anunciam
novidades. Buscam o que é antigo, atualizam o antigo, para que o antigo
que é vivo se faça novo, gerando novidades num novo mundo”.
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• Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida
eterna, e são elas que DE MIM TESTIFICAM [João 5.39];
que nos deu a ouvir a sua Palavra: a Palavra da graça, na qual Deus
Emanuel, Deus conosco (...) Essa Palavra maravilhosa na qual crê a fé,
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2.16; 2Timóteo 2.8] é o “evangelho da graça de Deus” [Atos 20.24],
referindo ao fato que a morte e ressurreição de Jesus, e não mais a Lei, é
o critério de julgamento de Deus para toda a criação, pois “o fim da lei é
Cristo” [Romanos 10.4], uma vez que “evangelho é o poder de Deus para
a salvação de todo aquele que crê, pois o justo viverá da fé” [Romanos
1.16,17]. Creio que isso é o mínimo irredutível do que chamamos Evangelho.
Os sistemas teológicos, como por exemplo o calvinismo, o arminianismo
e o universalismo, não são “o Evangelho”, são apenas sistemas
doutrinários que pretendem explicar e aplicar o Evangelho. As tentativas
de explicação do Evangelho não são o Evangelho. 20 Os debates
teológicos e doutrinários evidenciam diferentes compreensões do
Evangelho. A contundente declaração do apóstolo Paulo amaldiçoando
aqueles que pregam “outro Evangelho” [Gálatas 1.6-9], justifica as
históricas disputas a respeito do “verdadeiro Evangelho” ou “Evangelho
puro”. Não se deve esquecer, entretanto, que aquele que acusa alguém
de perverter o Evangelho, recebe a mesma acusação espelhada: quem
impreca um anátema para aquele de quem discorda, automaticamente
se torna anátema para a lógica que rejeita. Mas graças a Deus que
nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus [Romanos
8.1], e esses, somente Jesus conhece [João 10.27].
20 - “Antes de me converter
Credo
ao cristianismo, eu alimentava
a impressão de que a primeira
coisa que um cristão tinha de
crer era uma determinada
teoria acerca da razão dessa
Sigo a Jesus Cristo conforme o testemunho do Evangelho que nos
morte (de Jesus). Segundo
chega pela Bíblia Sagrada na comunhão da igreja, à luz das múltiplas
essa teoria, Deus queria
punir os homens por terem e incontáveis tradições cristãs, e, com gratidão a Deus pelos que me
desertado dEle e se terem
baldeado para o lado do legaram essa herança, faço minha peregrinação espiritual orientado
Grande Rebelde, mas Cristo
ofereceu-se voluntariamente pela tradição batista onde nasci de novo [João 3.1-8], fui batizado,
para ser punido em lugar deles,
e por isso Deus os poupou.
discipulado e educado teologicamente, e sirvo como pastor desde
Hoje, admito que mesmo
minha juventude.
essa teoria já não me parece
tão cruel nem tão tola como
me parecia então, mas não Creio que “a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que
é essa a questão que desejo
examinar aqui. O que vim
qualquer espada de dois gumes; ela penetra ao ponto de dividir alma
a compreender mais tarde
e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e intenções do
é que nem essa teoria nem
nenhuma outra representa coração” [Hebreus 4.12];
o cristianismo. A doutrina
central do cristianismo
é que a morte de Cristo
Creio que “nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação
nos reconciliou de alguma
pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas
maneira com Deus e nos deu
a possibilidade de recomeçar. homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo”
As explicações sobre o modo
como isso ocorreu são outro [2Pedro 1.20,21];
assunto” [Lewis, C.S. MERO
CRISTIANISMO. São Paulo:
Quadrante, 1997, p. 63,64].
Creio que “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino,
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para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para
que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda
boa obra” [2Timóteo 3.16,17];
Creio nas “sagradas letras, que são capazes de tornar-me sábio para
a salvação mediante a fé em Cristo Jesus” [2Timóteo 3.15].
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