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sbs2003 gt02 Sueli Siqueira
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Sueli Siqueira
RESUMO:
Este artigo apresenta uma síntese dos enfoques teóricos contemporâneo que explicam o fenômeno da
migração internacional. Discute o Brasil dentro do contexto das migrações internacionais e as
implicações recentes desse fenômeno. Descreve alguns dados sobre o caso valadarense nesse
contexto. Apresenta os resultados do estudo exploratório realizado com 80 empreendedores que
migraram para os Estados Unidos na década de 80 retornaram e montaram pequenos e médios
empreendimentos na cidade de Governador Valadares. O resultado desse estudo apresenta demonstra
que o fluxo migratório de Governador Valadares para os Estados Unidos configura tem a dinâmica
social da cidade nos aspectos econômico, social e cultural.
I - INTRODUÇÃO
tendo como base o Censo de 1991, 15,9% da população encontrada na sede do município e 14,5%
da população do município.” (Soares, 1995)
O país de destino desses emigrantes, predominantemente, são os Estados Unidos e de
forma menos expressiva outros países como Canadá e mais recentemente Portugal (tabela 2).
Ainda segundo Soares (1995), a maioria (62,6%) desses emigrantes estão na faixa de 16 a 40 anos,
possuem grau de instrução médio e 69,6% trabalhavam antes de migrar, sendo que 46,5% desses
recebiam menos de cinco salários mínimos. É possível considerar que o quadro de estagnação e
pouca perspectiva de atender às necessidades de consumo socialmente definidas, o sucesso dos
primeiros emigrantes que ao retornarem relatavam as maravilhas da terra do “tio Sam”, criaram no
imaginário popular a idéia de que as dificuldades econômicas poderiam ser rapidamente sanadas
através da aventura da emigração. Além disso, a rede de relações estabelecida desde a década de
60, pelos primeiros emigrantes, tornava mais acessíveis os mecanismos e arranjos necessários para
concretizar a aventura.
Outro dado interessante apresentado por Assis (1995) revela que os emigrantes mantêm
estreita relação com a cidade natal. Através de cartas, fita de vídeo e principalmente telefone,
participam do cotidiano das famílias e até mesmo da cidade. Uma outra dimensão empírica mais
evidente dessa estreita relação é o fluxo contínuo de moeda estrangeira que é enviado para a
cidade. Grande parte desse fluxo se dá através de vias não oficiais. São criadas redes de relações
que permitem o envio de dólar por amigos ou por agências, clandestinamente.
Para uma grande parte, o projeto de migrar passa pela dimensão econômica, de consumo de
bens duráveis e não duráveis, para si e para seus familiares. Isso gera um consumo no mercado
local.
“Com base na contagem seletiva, por objetos imobiliários, das guias de ITBI ( Imposto de
Transmissão de Bens Imóveis), é possível afirmar que os emigrantes foram responsáveis por
46,7% de todas as transações imobiliárias ocorridas entre os anos de 1984 e 1993 inclusive.
Fato que dimensiona a importância desses investimentos para a economia valadarense,
permitindo inferir que o dinamismo do mercado de compra e venda de imóveis urbanos, em
Governador Valadares, está intimamente ligado à imigração expressiva de parcela da força de
trabalho local, ou melhor, aos investimentos, em moeda estrangeira, realizados pelos
emigrantes. ” Soares (1995:25)
o fenômeno da mobilidade espacial da população. Esse fenômeno é comum e pode-se afirmar que
“não houve economia e sociedade que se desenvolvessem sem que houvesse uma intensa
mobilidade espacial ...” (Brito, 1995 :53).
Não apenas as migrações internas, mas também as internacionais se constituem numa peça
chave para a compreensão da formação das sociedades, das identidades culturais e do
desenvolvimento do capitalismo. A história recente é marcada pelas correntes de migração
internacional. “...a identidade (...) de muitos países, a sua constituição como nação, foi um produto
do movimento internacional de diferentes povos.” (Brito, 1995, p.53).
O tratamento da migração do ponto de vista sociológico é recente, tendo em vista que os
clássicos Marx, Durkheim e Weber tratavam a questão como uma conseqüência do processo de
desenvolvimento do capitalismo, da industrialização e da urbanização, portanto um aspecto
secundário de suas preocupações e análises. Sendo assim, não se constituía um problema
sociológico relevante. “Migração não era um assunto central dos grandes teóricos da Sociologia,
nem no século XIX, nem no começo do século XX, pois compreendiam este fenômeno como parte
do processo de metropolização.” (Sasaki e Assis, 2000:2).
Para os sociólogos contemporâneos esse fenômeno torna-se um problema relevante, tendo
em vista o crescente movimento das populações. “Essa mobilidade, decorrente do crescimento
populacional e das crises econômicas (...) gerou um intenso debate político nos Estados Unidos,
sobretudo, tendo em vista a preocupação emergente nesse país, com a constituição da sociedade
frente à presença de imigrantes ...” (Sasaki e Assis, 2000:4).
No final do século XIX, mais precisamente entre os anos de 1880 e 1910, os Estados
Unidos receberam uma grande leva de migrantes poloneses. Esse fato despertou o interesse de
Thomas e Znaniecki 3 que realizaram um estudo centrando suas análises no aspecto da quebra dos
laços de solidariedade produzidos pelo processo de migração e seus efeitos na organização familiar.
A Escola de Chicago, influenciada por este e outros estudo, analisou os processos de adaptação,
aculturação e assimilação dos migrantes na sociedade americana. Defendia a idéia de uma
assimilação estrutural e cultural que tornaria esses grupos inclusivos, mantendo contudo seus
valores e modo de vida. A principal crítica ao modelo de adaptação da Escola de Chicago deve-se
ao fato de que “não reconhecia as diferenças resultantes dos processos de colonialismo e
imperialismo, que configuravam os vários fluxos migratórios.” (Sasaki e Assis, 2000:5). Isso ficou
evidenciado à medida que, com a chegada de vários outros grupos de migrantes o processo de
americanização, denominado Melting pot, não se concretizou.
O final dos anos 80 foi marcado por grandes transformações econômicas, sociais, políticas,
demográficas, culturais e ideológicas. Análises de sociólogos e economistas têm apontado que as
mudanças estruturais desse período estão diretamente relacionadas à forma de regulação da
produção. O novo paradigma tecnológico desencadeou a emergência de um padrão de
desenvolvimento denominado globalização. Essa nova etapa do desenvolvimento capitalista
provocou mudanças no modo de produção e de configuração espacial. Com o desencadeamento
desse processo internacional da economia a migração internacional intensificou-se e ganhou novos
contornos. Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas buscando compreender as novas dimensões
desse fenômeno. Alguns estudos têm estabelecido uma relação desse fenômeno com a
internacionalização dos mercados de capital e de trabalho. Basicamente existem dois eixos teóricos,
marcados por uma análise econômica, que estudam as migrações internacionais.
Para a teoria neoclássica ou convencional a compreensão do fenômeno passa pela análise
da correlação das forças de mercado; nessa perspectiva, o migrante é percebido como um indivíduo
economicamente racional, que procura melhores oportunidades de trabalho e de condições de vida.
O trabalho é considerado uma mercadoria comercializada livremente no mercado e a renda uma
variável determinante na definição do fluxo migratório (Sales, 1999).
Segundo essa teoria, as condições econômicas dos países de origem e recepção constituem
a base da decisão de migrar, ou seja, os fatores de atração para os países de destino e repulsão nos
países de origem são determinantes. Historicamente pode-se observar que as migrações de áreas
subdesenvolvidas ocorreram a partir de programas dos países de destino dos migrantes. Bons
exemplos são os programas Guest Workers realizados nos anos 50 e 60 na Europa e o Bracero
Program do pós-Segunda Guerra nos Estados Unidos (Sales,1999). Sendo assim, pode-se
3
A obra intitulava “The Polish peasant in Europe and America”, foi editada em 1918.
5
“... partindo do conceito de Weber de ação social, [Portes] considera que os indivíduos, ao
optarem por uma ação racional, levam em consideração não apenas princípios econômicos,
mas também procuram atender às expectativas relacionadas ao grupo ao qual pertencem. O
impacto dessa forma de entender a ação racional nos estudos sobre migração – a decisão de
migrar e o próprio processo de inserção do migrante na sociedade de destino – passa a ser
analisado considerando a influência das relações sociais e não apenas a decisão individual.”
(Sasaki e Assis, 2000, p.7).
estruturais oferecidas para o imigrante, do que nos países de origem do fluxo migratório (Sales,
1999).
“Se no final do século XIX, (...) foi o livre comércio de mercadorias entre os países que
provocou a emigração de capitais e de trabalhadores da Europa para o Novo Mundo, agora
essas migrações são resultantes da internacionalização da produção por meio de
investimentos no estrangeiro. Em contraposição, portanto, aos fatores tradicionalmente
apontados como causas da migração – pobreza, superpopulação e estagnação econômica – ,
aquela autora [SASSEN] aponta para a reorganização da economia mundial nas duas últimas
décadas, que ocasionou a formação de um espaço transnacional, no qual a circulação de
trabalhadores pode ser vista como um entre vários fluxos, incluindo capitais, mercadorias,
serviços e informações. O investimento estrangeiro é, portanto (...) a variável fundamental
para explicar os fluxos de migrações internacionais.” (Sales, 1999, p.23).
“Em trabalho mais recente, Borjas (1996) estima que os trabalhadores nativos
perdem algo como US$133 bilhões por ano como resultado da imigração, o que resulta em
cerca de 1,9% de um PIB que, em 1996, era da ordem de US$7 trilhões . Entretanto, os
empregadores desses imigrantes ganham, com a redução de custos devido a seu trabalho mais
barato, cerca de US$140 bilhões. O ganho líquido da imigração seria, desse modo, de apenas
US$7 bilhões, isso sem contar os gastos que os imigrantes acarretam ao sistema de proteção
7
social dos EUA e a receita que deixam de gerar por não contribuírem devidamente com os
impostos. Essas estatísticas, no entanto, são amplamente contraditórias e não suficientes para
impedir Borjas de tentar convencer as autoridades de que a política migratória dos EUA deve
passar a priorizar os indivíduos mais qualificado.” (Scudeler, 1999, p. 200)
Sassen (1988) descreve que as condições econômicas dos países de origem são fatores
importantes na análise do fenômeno da migração internacional recente, contudo, não se pode deixar
de analisar o processo de reestruturação econômica dos países de destino, especialmente no caso
dos EUA. Esse processo gerou centros altamente industrializados com empreendimentos de alta
tecnologia que demandam trabalhadores qualificados com melhores salários. Por outro lado, gerou
também postos de trabalho de baixo salário, de alta rotatividade e com contratos inseguros e
ilegais. Esses postos geralmente surgem em empreendimentos informais e clandestinos. A mão de
obra nativa, com uma organização de classe fortalecida, recusa esses trabalhos, abrindo espaço para
os migrantes.
partir dos anos 50 os imigrantes que chegam aos EUA são diferentes das levas anteriores, já não
são mais os brancos europeus, mas sim asiáticos, latino-americanos, cabo-verdianos que
correspondem a uma maior diversidade de classe, gênero e etnia. Os primeiros vêem esses novos
imigrantes, a maioria ilegal, como ameaça ao mercado de trabalho que conquistaram.
Essa análise parte do princípio de que não há uma ruptura definitiva com o país de origem.
Os novos migrantes mantêm vínculos e relações sociais com o seu país, estabelecem uma teia de
relações sociais entre o local de origem e destino. Participam da vida familiar, da comunidade e
outras instituições no seu país, mas também constróem possibilidades de participação no país
hospedeiro. Neste sentido tornam-se tansmigrantes, vivem entre dois mundos com hábitos, valores
e costumes diferentes, envolvendo assim uma infinidade de relações e conexões entre as duas
sociedades, entre o local e o global. Essas conexões tornam-se possíveis apenas em um mundo
globalizado.
Sendo assim, para a compreensão do novo processo de migração, inaugurado no final da
década de 50, é necessário lançar uma olhar sociológico para esses dois mundos. Compreendendo
que a transnacionalização provoca um sentimento ambíguo à saudade e ao desejo de retornar à
terra natal e a apreciação pelo novo mundo de possibilidades e valores culturais e econômicos que
se colocam no país hospedeiro. Vivendo entre o desejo de retornar e o de ficar, a emigração não se
efetiva, o migrante não é nem permanente, porque tem sempre um projeto de retornar, faz
investimentos na terra natal, mantém contatos estreitos com os familiares e amigos. Também não é
temporário, porque na ambigüidade entre o desejo de retornar e o de ficar, vai criando relações com
o novo mundo e assimilando valores e costumes. Torna-se um transnacional.
“ Pode-se ainda argumentar que esta ambigüidade, estar aqui e estar lá, é
característica dos emigrantes da primeira geração, que com o passar dos anos os
emigrantes assimilados numa outra cultura não ficariam assim tão divididos, mas o
que o enfoque transnacional propõe é justamente que: dadas todas as possibilidades
de comunicação e transporte contemporâneos torna-se efetivamente mais fácil
manter-se em contato. Essa seria a identidade multifacetada do emigrante dos novos
tempos.” (Assis, 1992. p.17)
“... construí minha casa, levei 3 anos, mandava dinheiro para meu pai e ele ia olhando,
administrando tudo. Ele mandava fotos, vídeos....Para eu escolher a cerâmica ele mandava os catálogos com
os desenhos. Eu participei de toda a construção. Depois que terminou tudo, eu estava louco para voltar, aí
minha mulher disse: - e os móveis como vamos comprar? Então trabalhei mais uns 2 anos e tanto. Mobiliei a
casa, comprei um carro e ainda tinha um dinheirinho [dez mil dólares] para investir em um negócio. Meu
pai tava olhando uma padaria no bairro. Voltei (...) não deu nada certo, em menos de um ano tava na pior.
9
Resolvi voltar, desta vez levei minha mulher e depois os filhos (...). Agora venho ao Brasil no final do ano
para passar o natal com a família, fico um mês, depois vem minha mulher. (...) Nós ficamos em nossa casa,
não quero vender um dia quem sabe dá prá voltar ...” 4
4
Entrevista parte do estudo exploratório apresentado no item III, realizada em 9/11/2000
5
O Decreto Prenetti proibia a emigração gratuita para o Brasil. São Paulo e os Estados do Sul financiavam o
processo de imigração dos trabalhadores europeus, principalmente italianos.
10
Pode-se observar que o destino da maioria dos brasileiros é para os Estados Unidos, em
razão principalmente das possibilidades de trabalho e das redes de relações que disseminam
informações sobre o mercado de trabalho e criam mecanismos facilitadores para o processo de
emigração. A região de Governador Valadares contribui com o maior número de migrantes.
Segundo alguns estudos (Sales, 1993), aproximadamente 6% da população valadarenses emigrou
para os EUA e vivem na região de Boston, Miami e Nova Iorque. Esses emigrantes estão em
contato direto com a cidade de origem e mantêm uma remessa regular de dólar que influencia a
11
economia local (principalmente comércio e construção civil) e dão nova configuração ao estilo de
vida local.
Tudo isso torna o fenômeno da migração internacional contemporânea, instigante para as
Ciências Sociais, pois é um problema com implicações no âmbito governamental, das políticas
sociais e de ordem econômica. Neste sentido compreender como a migração internacional
influencia o desenvolvimento e configura o mercado de trabalho da Microrregião de Governador
Valadares é relevante, pois trará luz para compreensão dos fatores objetivos e subjetivos do
processo de emigração, retorno e investimento no local de origem.
Nos anos 80 a imprensa nacional escrevia, de forma jocosa, sobre a grande saída de
valadarenses para os EUA. Manchetes como “O último a sair apague as luzes”, “Valadarenses
invadem Nova Iorque”, “Caipiras e migrantes”, relatavam de forma jornalística um fenômeno que
para sua compreensão requeria um estudo sociológico.
Em 1997, num survey realizado por pesquisadores da UNICAMP 6, estimou-se que 18%
dos domicílios possuíam pelo menos um membro da família na condição de migrante internacional.
Isso corresponde a 6,7% da população de 210 mil habitantes na sede do município 7. Grande parte
desses emigrantes tomaram a direção da região de Boston.
Por que emigrar ? Por que ir aos EUA? Para responder a estas questões é necessário
compreender historicamente as ligações da cidade com este país. Segundo Assis (1995), o
fenômeno da emigração valadarense pode ser compreendido desvendando as conexões existentes
entre esses dois espaços. Segundo essa pesquisadora a emigração iniciou-se na década de 60 e
acentuou-se nos anos 80 e 90 de tal forma que hoje todas as famílias da cidade têm um parente ou
amigo que é, já foi ou deseja ser um emigrante nos EUA.
Assis (1995) descreve três momentos dessa conexão com os EUA. O primeiro momento foi
na década de 40, durante a Segunda Guerra Mundial, com o ciclo econômico da extração da mica.
Nesse período a cidade recebeu muitos americanos que coordenavam os trabalhos, tanto de
extração como de beneficiamento da mica. Essas atividades geravam muitos empregos, o que
permitiu um dinamismo à vida econômica local. Além disso, nesse período financiado pelo
governo americano foi construído na cidade o SESP – Serviço Especial de Saúde Pública com a
finalidade de tratamento da malária, que atormentava os moradores da região. Esse período de
desenvolvimento foi associado à presença dos americanos.
O contato com o dólar recebido como pagamento ou gorjeta aos favores ou trabalhos
prestados, cujo valor era muito acima da moeda brasileira, passava a idéia de opulência e fartura do
local de onde vinham os Americanos. Findo o ciclo econômico da mica, fica no imaginário popular
a visão dos EUA como o Eldorado.
Grande parte da população da cidade já tinha vivido uma experiência de migração interna,
pois eram pessoas vindas de diferentes partes do país em busca de melhores condições de vida.
Essa experiência aliada à aproximação marcante na década de 40 com os EUA, possibilitou o
surgimento de uma cultura de migração internacional.
“... Valadares constituiu um pólo que atraiu imigrantes de várias regiões do país em busca de
melhores condições de vida, nos anos 40 e 50 a migração fazia parte da experiência dos
habitantes da cidade. Essas vivências combinadas com as representações que faziam da
América são elementos que sugerem que em Governador Valadares se criou uma cultura de
migrar para o exterior.” (Assis, 1999, p.129).
Essa visão de que a migração internacional era um projeto possível e relativamente fácil de
concretizar, permite compreender a saída dos primeiros valadarenses para os EUA na década de 60.
6
Os dados desta pesquisa são apresentados nos artigos referenciados na bibliografia : Scudeler (1999) e Sales
(1999).
7
IBGE, 1996 – Dados preliminares da contagem populacional.
12
Eram jovens, aventureiros, de famílias de classe média que hoje, no relato de suas experiências,
demonstram como a cultura da emigração impregnou toda uma geração.
“Foi pela primeira vez em 1962, foi num intercâmbio, eu estudava inglês na escola de um
americano que veio para Valadares na década de 40 e acabou ficando. Quando voltei, comecei a pensar em
ir novamente, achei que era uma boa ganhar um dinheirinho (...) lá era mais fácil, poderia ganhar dinheiro
montar meu negócio aqui e ficar independente. Minha família sempre foi bem economicamente, mas a
vontade de ir não me largava. Acabei juntando com um amigo e indo. Fiquei 3 ano lá, voltei montei meu
negócio e hoje não me arrependo. (...) Vou pelo menos umas 3 vezes por ano, a negócio. 8
Outras entrevistas que realizei com emigrantes dessa época demonstram que o desejo de ir
“fazer a América” 9 , ou seja, ganhar dinheiro para retornar com sua independência econômica não
era definido por premências econômicas, tendo em vista que pertenciam a famílias da classe média.
Quando inquiridas do porquê e de onde surgiu a idéia, nenhum soube precisar com clareza; o
desejo de conhecer o novo, e de acreditar nas possibilidades oferecidas na terra do “Tio Sam” foi a
justificativa da maioria.
Esses primeiro emigrantes em suas cartas, ou ao retornarem, relatavam suas experiências e
a maioria demonstrava o sucesso da aventura através dos investimentos que faziam na cidade. Isso
instigava e acalentava os desejos dos que aqui ficavam de experimentar da mesma aventura.
Parentes e amigos eram convidados a emigrar. Com um certo tempo, um grupo significativo de
brasileiros estavam nos EUA “fazendo a América”. Foram esses primeiros migrantes que
estabeleceram uma rede de relações permitindo a emigração em grande escala na década de 80.
“De acordo com o sociólogo Alejandro Porte ( ...) „pessoas emigram para onde elas encontram
conexões e uma certeza de familiaridade...‟. Fatores econômicos são importantes na decisão de
migrar, mas informações acerca das oportunidade são igualmente cruciais na decisão para
migrar.” (Margolis citada por Assis, 1999)
Nos anos 80, a emigração bem sucedida dos que partiram na década de 60, a representação
dos EUA como um lugar de progresso e desenvolvimento, onde era possível ganhar muito dinheiro,
a configuração de uma rede de informações sobre todos os aspectos da emigração, associado à crise
econômica brasileira e à estagnação econômica da cidade, gerou um boom no fluxo de valadarenses
para os EUA.
Ao definir o projeto, o futuro emigrante tem à sua disposição uma série de serviços e
informações que facilitam a sua concretização. Através das redes, o valadarense, com certa
facilidade percorre todas as etapas do processo. Se a entrada nos EUA é por vias legais, através de
visto de turista, existem as agências de turismo que organizam caravanas para ir ao consulado, no
Rio de Janeiro, informam os documentos que devem levar, como deve se trajar e o que dizer. O
projeto geralmente é financiado pelos parentes ou amigos, que também emprestam dólar para entrar
no país. Se por vias legais não consegue o visto existem duas outras possibilidades: o passaporte
falso ou a passagem pelo México. Para esses mecanismos também existe toda uma rede de
informações que possibilitam àqueles que desejam migrar, acesso a essas informações. Às vezes o
desejo de migrar é tão forte que antes de conseguir entrar nos EUA o valadarense passa por todas
essas formas de entrada.
“Eu tentei o visto cinco vezes, não conseguia, arrumava todos os documentos, minha tia passou a loja dela
para o meu nome, meu pai passou a poupança dele para minha conta, tinha carteira de trabalho assinada já
há quase um ano e quando eu cheguei lá o cônsul não me pediu nada só disse „tente outra vez‟. Eu tinha
tudo certinho (...). Agora eu vou pagar três mil [dólares] para uma montagem [passaporte falso] se eu não
conseguir o jeito é ir pelo México (...) é muito perigoso e mais caro, mas vai ser o jeito (...)” 10
Nos últimos anos a dificuldade para conseguir o visto de turista para os nativos da região
de Governador Valadares tem aumentado a utilização da via ilegal. Serviços de falsificação de
documentos e meios de entrar nos EUA através do México têm sido disponibilizados. Existem
8
Entrevista do estudo exploratória, realizada em 11/12/2000
9
Terminologia usada pelos imigrantes que significa trabalhar muito economizar o máximo para depois
voltar.
10
Entrevista realizada em 11 de novembro de 2000. O entrevistado embarcou com passaporte falso em
janeiro de 2001 e conseguiu entrar (Estudo exploratório).
13
agências clandestinas especializadas nessas alternativas e conseguir estar em contato com elas não
é difícil.
Independente dos meios utilizados para entrar nos EUA, quando elaboram o projeto de
emigrar já têm definido o local de moradia, geralmente casa de parentes ou amigos e o local de
trabalho. Tudo isso estabelecido graças às redes de relações existentes na cidade que mantém uma
conexão com os EUA.
Sales (1999) descreve que os emigrantes valadarenses, em sua maioria, são jovens, na faixa
etária entre 30 e 44 anos, são homens e mulheres, com escolaridade entre o ginasial e o colegial
completo ou incompleto, pertencem à classe média e não estavam desempregados quando
emigraram. A emigração é definida como uma grande possibilidade de adquirir bens e ter ascensão
social. Nos EUA, exercem atividades de pouco prestígio e para os padrões americanos mal
remuneradas. Contudo, o ganho é relativamente alto, comparado com o que ganhavam na cidade de
origem e, com economia, é suficiente para investir no Brasil em imóveis, e pequenos e médios
empreendimentos, dando assim novos contornos à economia da região de onde se originam.
85
46,3
38,7
6,3 8,7
15
42,5
30 27,5
Em conformidade com os estudos realizados por Sales (1999) e Margolis (1994) os dados
acima demostram que os emigrantes valadarenses, em sua maioria são jovens, na faixa etária de até
40 anos. Não estavam desempregados e têm como principal razão para migrar a possibilidade de
poupar para posteriormente investir (85%). Os entrevistados representam a parcela dos que
conseguiram concretizar o projeto. É interessante observar que mais da metade (57,5%)
permaneceram nos EUA mais de 4 anos. Esse tempo de permanência é dedicado quase que
exclusivamente ao trabalho e à poupança. É um período caracterizado pelos emigrantes como “o
tempo em que a vida para”.
14
“Eu fiquei em Nova Iorque 4 anos e 2 meses (... )trabalhei como louca, não fazia outra coisa,
tinha 3 empregos, trabalhava 18 horas por dia (...) fazia faxina em 5 escritórios por dia, não tinha tempo
para comer direito, imagine passear (...) Eu só pensava em fazer dinheiro e voltar logo pra casa (...)”.
43,5
80
36,5
20
13,7
6,3
48,7
26,3 25
O capital inicial empregado na maioria dos empreendimentos (43,5%) está na faixa de até
20 mil reais, contudo existe um percentual significativo (36,5%) de investimento na faixa de mais
de 20 a 30 mil reais. A média mensal de lucros da maioria (48,7%) está na faixa de 5 mil reais.
É importante ressaltar que conforme a literatura tem demonstrado, o projeto da maioria dos
emigrante é basicamente comprar uma casa, um carro e montar um negócio, sendo assim , o
capital investido inicialmente no empreendimento não é o resultado de toda a poupança feita
durante o período de trabalho nos EUA, em alguns casos, parte dela se destinou a casa e a compra
do carro.
21,3
17,8
25,4
12,7
Salários pagos
85,7
11,1
3,2
Dentre os empreendimentos que fazem parte da amostra, apenas 21,3% não geram
empregos diretos, contudo, gera uma atividade produtiva para o empreendedor. Destaca-se que
28,8% dos empreendimentos abriram mais de 10 postos de trabalho. Dentre os empreendimentos
que contratam mão-de-obra, a maioria (61,9%) o faz através da CLT e pagam um salário que varia
entre mais de 1 a 3 salários mínimos (85,7%).
Alguns estudos sobre o fluxo de emigrantes valadarenses rumo aos Estados Unidos da
América têm sido realizados desde que este fenômeno recente na história brasileira tomou conta
das manchetes nacionais e internacionais. Governador Valadares é sempre apontada como a cidade
que mais contribuiu nos anos 80 e 90 para o aumento desse fluxo. A academia desenvolveu vários
estudos sobre o fenômeno. São pesquisas importantíssimas para a compreensão do fenômeno tão
recente na história da região. Esses estudos apontam para análises que buscam explicar os aspectos
subjetivos e objetivos do projeto de migrar, o perfil do emigrante, seu estilo de vida no país de
destino, a nova configuração que têm dado às cidades no países de destino.
É interessante notar no estudo de Sales (1999), como os imigrantes brasileiros,
especialmente valadarenses, deram uma nova configuração ao cento de cidade de Framingham.
Seus investimentos revitalizaram uma região que estava em plena decadência. Considero também
instigante verificar em que medida o processo de emigração configurou e configura a Microrregião
de Governador Valadares, nos aspectos relativos aos investimentos em micro, pequenas e médias
empresas e em que medida isso deu novos contornos ao mercado de trabalho formal e informal da
região.
O fluxo migratório de Governador Valadares apresenta algumas características peculiares,
os primeiros emigrantes tinham um projeto claro de trabalhar por 2 ou 3 anos e retornarem à cidade
em melhores condições econômicas. Alguns concretizaram esse projeto, compraram imóveis,
montaram seus empreendimentos, obtiveram sucesso e permaneceram na cidade. Outros não se
adaptaram e retornaram à condição de emigrante. Esses reconstroem seus projetos e tornam-se
emigrantes. Parte desses definem os EUA como seu local de moradia permanente, contudo,
mantêm uma estreita relação com seus familiares e continuam investindo, em conjunto com os que
aqui ficaram, em pequenos negócios.
Segundo Sales (1995) a manutenção de múltiplas relações sociais, econômicas e familiares
entre o país de origem e de destino caracteriza um estado de transnacionalidade. Nessa perspectiva
as fronteiras entre o local e o global são atenuadas. “...o enfoque transnacional enfatiza a
emergência de um processo social que cruza fronteiras geográficas, culturais e políticas.” (Assis,
1998, p. 17)
Nessa perspectiva percebo que o fenômeno da emigração valadarense não perpassa pela
concepção de ruptura com o local de origem, mesmo aqueles que já estão nos EUA há mais de uma
década. A idéia de investir, seja para auxiliar a família ou pensando em um retorno a longo prazo,
está sempre presente. Interessante é que mesmo aqueles que adquirem bens e imóveis financiados
nos EUA mantêm a perspectiva de investir na cidade.
“Estou há 11 anos em Nova Iorque, depois que consegui o Green Card venho ao Brasil
pelo menos uma vez por ano (...) Namorei e casei com uma moça daqui, quando foi prá ela ganhar neném
ela veio e ficou 6 meses aqui. Tenho minha casa montada aqui, tenho tudo dentro de casa e tem uma prima
16
que cuida de tudo, eu pago prá ela em dólar (...) Um dia eu volto definitivo não sei quando, mas país prá
viver é aqui. Lá é prá trabalhar...” 11
“...vim para o casamento de minha sobrinha, sou a madrinha. (...) já tem 16 anos que estou
nessa, vivo bem lá, mas não esbanjo, economizo tudo que posso para investir na fabrica que tenho aqui . É o
meu futuro, minha velhice...” 12
Os dados apresentados nesse estudo exploratório demonstram que o fluxo migratório para
os EUA tem configurado a economia de Governador Valadares, no que diz respeito à abertura de
empreendimentos e na configuração do mercado de trabalho, especialmente na abertura de novos
postos de trabalho. Se ampliado a pesquisa empírica, poder-se-á dimensionar os impactos desse
fluxo na Microrregião de Governador Valadares. Nesse sentido, retomo aos estudos de Sales
(1999) que demonstra que o processo de migração gera transformações significativas no local de
destino e acrescento que na mesma medida gera transformações no local de origem.
A migração é um fenômeno que perpassa por toda a história da humanidade. Sua análise do
ponto de vistas sociológico é recente, tendo em vista que os teóricos clássicos se ocuparam pouco
desse fenômeno, vendo-o apenas como parte do processo de metropolização. A mobilidade
decorrente do crescimento populacional e das crises econômicas coloca este fenômeno no centro do
debate sociológico.
Na busca de compreensão sobre a migração internacional desenvolveu-se, na sociologia
contemporânea, basicamente dois eixos teóricos: a teoria neoclássica ou convencional cuja
compreensão do fenômeno está centrada na análise da correlação de forças do mercado. A atração
dos países de destino e os fatores de repulsão dos países de origem são determinantes na definição
dos fluxos migratórios. A decisão de imigrar é um jogo de maximização de vantagens, neste
sentido, a migração é um fenômeno visto como simples somatória de indivíduos que se
movimentam em função da renda. Esta vertente teórica apresenta uma explicação individualizante
e percebe o fenômeno como uma ação econômica racional deixando de lado os aspectos sociais que
orientam a decisão de migrar.
A perspectiva histórico-estrutural considera que as causas estão localizadas nas condições
econômicas e estruturais oferecidas para o imigrante no país de destino. Esta perspectiva apresenta
duas vertentes: a segmentação do mercado de trabalho que permite que o imigrante ocupe espaço,
no mercado secundário, rejeitado pelo nativo; e a vertente do capital humano que considera a
mobilidade do capital como o principal criador das novas condições para a mobilidade dos
trabalhadores. Também estas explicações estão centradas nos aspectos econômicos e não dão conta
dos fatores sociais que permeiam todo o fenômeno da imigração internacional.
O estudo das redes sociais têm sido uma caminho usado pelos sociólogos para
compreender as dimensões sociais do fenômeno. Estas redes consiste num conjunto de conexões
estabelecidas por relações sociais desenvolvidas tanto no país de origem como no de destino dos
migrantes. A transnacionalização é uma outra perspectiva teórica que percebe o imigrante como um
indivíduo que não rompe os laços com o país de origem. Estabelecem uma teia de relações sociais
entre o país de origem e o país de destino. Tornam-se transmigrantes, vivem em dois mundos com
distintos valores e costumes.
Tendo em vista que nenhuma das perspectivas teóricas contempla de modo totalizante a
analise da migração internacional, torna-se necessário lançar mão das diversas perspectivas para a
compreensão das múltiplas dimensões desse complexo fenômeno. Contudo, na perspectiva
sociológica, a explicações sustentadas teoricamente pelas perspectivas das redes sociais e da
transnacionalização possibilitam uma maior amplitude analítica desse fato.
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Entrevista realizada em 15 de dezembro de 2000, em Governador Valadares quando a entrevistada veio
passar as festas de natal com a família, o que faz todo ano.
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Entrevista realizada em 7 de janeiro de 2001
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No contexto das migrações internacionais, até meados do século 20, o Brasil estava na rota
dos país de destinos dos migrantes internacionais. A partir dos anos 60 passa a caracterizar-se como
país de origem dos imigrante. Isso se deve a nova dinâmica do capitalismo, fundada,
principalmente, na reestruturação econômica marcada pela internacionalização do capital.
Apesar de recente a imigração brasileira, já é um fenômeno marcante, principalmente com
destino aos EUA. Governador Valadares é um dos principais focos desses emigrantes.
Diversas pesquisas realizadas demonstram que a economia local e a dinâmica social da
cidade está diretamente influenciada por esse fluxo migratório. Desde a década de 60 quando os
primeiros migrantes chegaram aos EUA e lá se estabeleceram enviando noticias das maravilhas da
terra do tio Sam, muitos tem-se aventurado com visto de turista, passaporte falso ou passagem pelo
México. A perspectiva de abreviar o tempo para realizar um projeto de comprar a casa própria, o
carro ou montar um pequeno negócio, incentiva cada vez mais valadarenses a embrenhar-se nessa
aventura. Ao longo desse período muitos conseguiram ir, formar uma poupança e retornar para
tornar-se pequenos e médios empreendedores locais, dando assim novos contornos a dinâmica da
cidade.
A pesquisa exploratória realizada demonstrou que esses empreendedores são jovens,
migraram objetivando fazer uma poupança para investir na cidade, ficaram nos EUA, em sua
maioria até 8 anos. Grande parte deles investiram até 20 mil reais em suas empresas e obtêm até
cinco mil reais de lucro médio mensal. A importância desses empreendimento, para o mercado de
trabalho local, é demonstrado no número de empregos criados, a maioria das empresas empregam
entre 1 a 10 funcionários, através de contrato formal de emprego. Isso em uma cidade onde a oferta
de empregos é precária, é muito significativo.
Esses dados demonstram que o fluxo de emigrantes valadarenses para os EUA de modo
marcante tem configurado a dinâmica social valadarense nos aspectos culturais, sociais e
econômicos configurando o desenvolvimento não só da cidade, mas também da Microrregião.
Sueli Siqueira
suelisq@hotmail.com
Mestre em Sociologia
Doutoranda em Ciências Humanas / UFMG
Universidade Vale do Rio Doce
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