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sbs2003 gt02 Sueli Siqueira

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O FENÔMENO DA MIGRAÇÃO INTERNACIONAL NA CONFIGURAÇÃO DO

DESENVOLVIMENTO DA CIDADE DE GOVERNADOR VALADARES

Sueli Siqueira

RESUMO:
Este artigo apresenta uma síntese dos enfoques teóricos contemporâneo que explicam o fenômeno da
migração internacional. Discute o Brasil dentro do contexto das migrações internacionais e as
implicações recentes desse fenômeno. Descreve alguns dados sobre o caso valadarense nesse
contexto. Apresenta os resultados do estudo exploratório realizado com 80 empreendedores que
migraram para os Estados Unidos na década de 80 retornaram e montaram pequenos e médios
empreendimentos na cidade de Governador Valadares. O resultado desse estudo apresenta demonstra
que o fluxo migratório de Governador Valadares para os Estados Unidos configura tem a dinâmica
social da cidade nos aspectos econômico, social e cultural.

I - INTRODUÇÃO

A migração internacional é um fenômeno que desde a década de 60 faz parte da história da


região de Governador Valadares. Este paper tem como objeto central estudar os impactos deste
fenômeno na configuração do desenvolvimento econômico e no mercado de trabalho da
Microrregião de Governador Valadares. O tema me chamou a atenção quando realizando pesquisa
de campo, para dissertação de mestrado, com empreendedores do setor informal da cidade
encontrei um dado que me surpreendeu – 24,2% dos entrevistados tiveram como capital inicial o
dólar, poupado nos Estados Unidos da América (Siqueira, 1998).
Esse dado é um forte indicativo de que o fenômeno da migração internacional é uma
questão importante a ser considerada quando se pensa no desenvolvimento da cidade e da região.
Indica que uma das conseqüências da migração é a constituição de um grupo de emigrantes que se
tornam empreendedores.
Nesse sentido é relevante realizar um estudo que permita compreender em que medida o
fluxo migratório configura novos empreendimentos e dá novos contornos ao desenvolvimento e ao
mercado de trabalho desta Microrregião. Delimita-se a Microrregião de Governador Valadares
porque é uma cidade pólo; os emigrantes, além de se identificarem como nativos da cidade,
utilizam-se dos seus mecanismos (legais e ilegais) para migrar, enviar seus dólares e muitas vezes
fazer seus investimentos.
Passados mais de 40 anos o fluxo migratório dos valadarenses continua e o destino da
maioria ainda é os EUA. Compreender as razões desse fenômeno passa pela compreensão da
história da Região. A dinâmica demográfica da Região do Rio Doce tem sido marcada por um
esvaziamento populacional, a partir da década de sessenta. Os dados apresentados pelo Censo de
1960 indicam 1.701.816 habitantes enquanto que o Censo de 1991 apresenta um total de 1.546.568
habitantes na região, ou seja, uma redução de 9% em relação a 1960. A participação relativa da
região era de 15,88% da população de Minas em 1950, cresceu para 17,34% em 1960, quando
começa a decrescer; em 1970 cai para 14%; em 1980, para 11% e em 1991 para 9,83%
(FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1992).
Quanto à organização produtiva, se comparada às outras regiões de Minas Gerais, a do Rio
Doce comporta uma tendência estrutural à estagnação e ao esvaziamento econômico. O PIB per
capita, a renda média e os índices demográficos sociais situam-na como a segunda mais pobre do
Estado. A contribuição para o PIB mineiro também decresceu de 7,2% para 5,7% entre 1960 e
1980. Foi a única região a manter fraco ou nulo o dinamismo econômico na década de 70, período
em que a economia mineira apresentou índices de crescimento superiores a 10% ao ano,
(ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, 1993).
A pecuária é um dos principais itens da pauta produtiva regional; 15% do rebanho bovino
estadual. Prevalece a pecuária de corte extensiva, sobretudo no Baixo Mucuri e no Médio Rio
Doce. Entre 1980 e 1985 houve retração das áreas dedicadas tanto a lavouras permanentes quanto a
2

temporárias. É traço característico da região a pequena produção agrícola e manejo tradicional do


solo, sendo a topografia desfavorável à mecanização; suas terras não possuem boa aptidão agrícola,
sendo enquadradas em aptidão regular para pastagem plantada. Devido a essas limitações ao
desenvolvimento agrícola, as perspectivas agro-industriais da região não são muito promissoras
(GOVERNADOR VALADARES. Prefeitura Municipal, 1988).
A extração mineral está representada, na região, por poucas indústrias extrativas
formalizadas e uma atividade clandestina de garimpo. No Censo Industrial de 1985 a região é
classificada em último lugar, no que se refere ao valor da produção mineral, contribuindo com
apenas 0,01% na produção mineral do Estado.
Os dados descritos demonstram que nas duas últimas décadas a Região do Rio Doce vem
acusando fortes tendências regressivas, através de todos os seus indicadores econômicos e, de
forma mais aguda, dos indicadores sóciodemográficos. A região, a partir dos anos 70, tornou-se
reservatório da mão-de-obra e mercado consumidor periférico dos centros de desenvolvimento do
capitalismo nacional.
Essa região é caracterizada historicamente pela existência de ciclos econômicos
extrativistas e exploratórios. O esgotamento destas atividades baseia-se na fragilidade, em termos
de manutenção do crescimento auto-sustentado. A precária substituição de uma atividade
predatória por outra, levou os ciclos ao esgotamento, gerando estagnação e crise. Com isso, a
problemática Região do Rio Doce encontra na Microrregião de Governador Valadares1 sua réplica:
bolsões de pobreza e tensões sociais evidentes.
De acordo com Soares (1995), na década de 60, torna-se evidente o esgotamento do
extrativismo mineral e vegetal, ocasionando o fechamento de várias serrarias e indústrias de
madeira, configurando uma crise econômica. A pecuária de corte e leite como atividade mais
importante não é suficiente para absorver a mão-de-obra disponível no mercado, liberada pelas
atividades produtivas ligadas ao extrativismo vegetal.
A migração surge como alternativa de busca e incorporação do homem ao mercado de
trabalho urbano-industrial. Segundo Brito (1995), na década de 60 cerca de 62% da população
deixou o campo e 82% das emigrações líquidas dos mineiros foram para outros estados.
Nos anos 80, o fluxo migratório para o exterior, tendência que se inicia nos anos 60, tem
um acentuado aumento, conforme se pode observar na tabela 1.

Tabela 1 - Distribuição absoluta e percentual dos Tabela 2 - Pais de destino na primeira


2
emigrantes valadarense de acordo com o período viagem do emigrante aos EUA
em que se deu a primeira experiência migratória
para outros países.
País de População migrante
Período Abs % destino Abs %
1960 antes de 1970 462 1.7 EUA 440 85,6
1970 antes de 1975 1007 3,7 Canadá 13 2,5
1975 antes de 1980 816 3,0 Portugal 12 2,3
Austrália 7 1,4
1980 antes de 1985 4082 15,0
outros 42 8,2
1985 antes de 1990 11864 43,6
Total 514 100
1990 antes de 1994 5360 19,7 Fonte: Fusco, 1998
Período ignorado 1714 6,3
Não forneceu informações 1905 7,0
TOTAL 27210 100,0
Fonte: Soares,1995.

Na década de 80 o fluxo migratório ganha maiores proporções, “O número de emigrantes


valadarenses que se encaminham para outros países (...) é da ordem de 33.468; o que representa,
1
A Microrregião de Governador Valadares é composta pelas cidades de: Alpercata, Campanário, Capitão
Andrade, Coroaci, Divino das Laranjeiras, Engenheiro Caldas, Fernandes Tourinho, Frei Inocêncio, Galiléia,
Itambacuri, Itanhomi, Jampruca, Marilac, Matias Lobato, Nacip Haiddan, Nova Módica, Pescador, São
Geraldo da Piedade, São José do Safira, São José do Divino, Sobrália, Tumiritinga, Virgolândia, Governador
Valadares.
2
Dados resultantes do survey foi realizado em Governador Valadares em Julho/agosto de 1997 pela
professora Teresa Sales.
3

tendo como base o Censo de 1991, 15,9% da população encontrada na sede do município e 14,5%
da população do município.” (Soares, 1995)
O país de destino desses emigrantes, predominantemente, são os Estados Unidos e de
forma menos expressiva outros países como Canadá e mais recentemente Portugal (tabela 2).
Ainda segundo Soares (1995), a maioria (62,6%) desses emigrantes estão na faixa de 16 a 40 anos,
possuem grau de instrução médio e 69,6% trabalhavam antes de migrar, sendo que 46,5% desses
recebiam menos de cinco salários mínimos. É possível considerar que o quadro de estagnação e
pouca perspectiva de atender às necessidades de consumo socialmente definidas, o sucesso dos
primeiros emigrantes que ao retornarem relatavam as maravilhas da terra do “tio Sam”, criaram no
imaginário popular a idéia de que as dificuldades econômicas poderiam ser rapidamente sanadas
através da aventura da emigração. Além disso, a rede de relações estabelecida desde a década de
60, pelos primeiros emigrantes, tornava mais acessíveis os mecanismos e arranjos necessários para
concretizar a aventura.
Outro dado interessante apresentado por Assis (1995) revela que os emigrantes mantêm
estreita relação com a cidade natal. Através de cartas, fita de vídeo e principalmente telefone,
participam do cotidiano das famílias e até mesmo da cidade. Uma outra dimensão empírica mais
evidente dessa estreita relação é o fluxo contínuo de moeda estrangeira que é enviado para a
cidade. Grande parte desse fluxo se dá através de vias não oficiais. São criadas redes de relações
que permitem o envio de dólar por amigos ou por agências, clandestinamente.
Para uma grande parte, o projeto de migrar passa pela dimensão econômica, de consumo de
bens duráveis e não duráveis, para si e para seus familiares. Isso gera um consumo no mercado
local.

“Com base na contagem seletiva, por objetos imobiliários, das guias de ITBI ( Imposto de
Transmissão de Bens Imóveis), é possível afirmar que os emigrantes foram responsáveis por
46,7% de todas as transações imobiliárias ocorridas entre os anos de 1984 e 1993 inclusive.
Fato que dimensiona a importância desses investimentos para a economia valadarense,
permitindo inferir que o dinamismo do mercado de compra e venda de imóveis urbanos, em
Governador Valadares, está intimamente ligado à imigração expressiva de parcela da força de
trabalho local, ou melhor, aos investimentos, em moeda estrangeira, realizados pelos
emigrantes. ” Soares (1995:25)

O projeto de migrar passa, em grande parte, também, pela perspectiva de retornar e se


estabelecer na região montando um “negócio” que permita auferir renda suficiente para viver.
Desse desejo surgem inúmeros micro, pequenos e médios empreendimento que, de algum modo,
configura o desenvolvimento econômico e o mercado de trabalho local.
Para melhor embasamento da problemática, inicialmente, serão feitas algumas
considerações teóricas sobre o fenômeno da imigração internacional; em seguida será apresentado
um breve histórico sobre o Brasil no contexto das imigrações internacionais e a emergência de
Governador Valadares, neste cenário, com destaque para os impactos da emigração, na
configuração do desenvolvimento da economia local e regional.
Os estudos realizados sobre esse fenômeno, na região, tem centrado suas análises nas
causas da emigração e nos efeitos na economia dos países de destino. Alguns defendem a tese de
que, com o passar do tempo, adaptação do emigrante e o fim do projeto de retornar, a remessa de
dólar diminui e os investimentos na região tornam-se insignificantes. Passados quatro décadas, o
fluxo continua e o investimento é um fato real. Para melhor dimensionar essa questão realizei um
estudo exploratório cujos dados foram coletados através de 80 questionários e 10 entrevistas, em
profundidade, aplicados nos empreendedores ex-emigrantes.

II – AS MIGRAÇÕES RECENTES NO BRASIL

1.0 – Enfoques teóricos

A migração não é um fenômeno recente, os deslocamentos populacionais fazem parte da


história da humanidade pela busca de melhores condições de vida e de trabalho. A própria história
do capitalismo tem se caracterizado pela mobilidade espacial da população. A acumulação de
capital acelera o processo de urbanização que é conseqüência tanto do crescimento vegetativo
como das migrações internas. Nessa perspectiva, praticamente todos os países têm em sua história
4

o fenômeno da mobilidade espacial da população. Esse fenômeno é comum e pode-se afirmar que
“não houve economia e sociedade que se desenvolvessem sem que houvesse uma intensa
mobilidade espacial ...” (Brito, 1995 :53).

Não apenas as migrações internas, mas também as internacionais se constituem numa peça
chave para a compreensão da formação das sociedades, das identidades culturais e do
desenvolvimento do capitalismo. A história recente é marcada pelas correntes de migração
internacional. “...a identidade (...) de muitos países, a sua constituição como nação, foi um produto
do movimento internacional de diferentes povos.” (Brito, 1995, p.53).
O tratamento da migração do ponto de vista sociológico é recente, tendo em vista que os
clássicos Marx, Durkheim e Weber tratavam a questão como uma conseqüência do processo de
desenvolvimento do capitalismo, da industrialização e da urbanização, portanto um aspecto
secundário de suas preocupações e análises. Sendo assim, não se constituía um problema
sociológico relevante. “Migração não era um assunto central dos grandes teóricos da Sociologia,
nem no século XIX, nem no começo do século XX, pois compreendiam este fenômeno como parte
do processo de metropolização.” (Sasaki e Assis, 2000:2).
Para os sociólogos contemporâneos esse fenômeno torna-se um problema relevante, tendo
em vista o crescente movimento das populações. “Essa mobilidade, decorrente do crescimento
populacional e das crises econômicas (...) gerou um intenso debate político nos Estados Unidos,
sobretudo, tendo em vista a preocupação emergente nesse país, com a constituição da sociedade
frente à presença de imigrantes ...” (Sasaki e Assis, 2000:4).
No final do século XIX, mais precisamente entre os anos de 1880 e 1910, os Estados
Unidos receberam uma grande leva de migrantes poloneses. Esse fato despertou o interesse de
Thomas e Znaniecki 3 que realizaram um estudo centrando suas análises no aspecto da quebra dos
laços de solidariedade produzidos pelo processo de migração e seus efeitos na organização familiar.
A Escola de Chicago, influenciada por este e outros estudo, analisou os processos de adaptação,
aculturação e assimilação dos migrantes na sociedade americana. Defendia a idéia de uma
assimilação estrutural e cultural que tornaria esses grupos inclusivos, mantendo contudo seus
valores e modo de vida. A principal crítica ao modelo de adaptação da Escola de Chicago deve-se
ao fato de que “não reconhecia as diferenças resultantes dos processos de colonialismo e
imperialismo, que configuravam os vários fluxos migratórios.” (Sasaki e Assis, 2000:5). Isso ficou
evidenciado à medida que, com a chegada de vários outros grupos de migrantes o processo de
americanização, denominado Melting pot, não se concretizou.
O final dos anos 80 foi marcado por grandes transformações econômicas, sociais, políticas,
demográficas, culturais e ideológicas. Análises de sociólogos e economistas têm apontado que as
mudanças estruturais desse período estão diretamente relacionadas à forma de regulação da
produção. O novo paradigma tecnológico desencadeou a emergência de um padrão de
desenvolvimento denominado globalização. Essa nova etapa do desenvolvimento capitalista
provocou mudanças no modo de produção e de configuração espacial. Com o desencadeamento
desse processo internacional da economia a migração internacional intensificou-se e ganhou novos
contornos. Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas buscando compreender as novas dimensões
desse fenômeno. Alguns estudos têm estabelecido uma relação desse fenômeno com a
internacionalização dos mercados de capital e de trabalho. Basicamente existem dois eixos teóricos,
marcados por uma análise econômica, que estudam as migrações internacionais.
Para a teoria neoclássica ou convencional a compreensão do fenômeno passa pela análise
da correlação das forças de mercado; nessa perspectiva, o migrante é percebido como um indivíduo
economicamente racional, que procura melhores oportunidades de trabalho e de condições de vida.
O trabalho é considerado uma mercadoria comercializada livremente no mercado e a renda uma
variável determinante na definição do fluxo migratório (Sales, 1999).
Segundo essa teoria, as condições econômicas dos países de origem e recepção constituem
a base da decisão de migrar, ou seja, os fatores de atração para os países de destino e repulsão nos
países de origem são determinantes. Historicamente pode-se observar que as migrações de áreas
subdesenvolvidas ocorreram a partir de programas dos países de destino dos migrantes. Bons
exemplos são os programas Guest Workers realizados nos anos 50 e 60 na Europa e o Bracero
Program do pós-Segunda Guerra nos Estados Unidos (Sales,1999). Sendo assim, pode-se

3
A obra intitulava “The Polish peasant in Europe and America”, foi editada em 1918.
5

considerar que “...o agente centralizador do fenômeno da migração internacional é o desequilíbrio


entre a oferta e a procura de trabalho nos países que enviam e que recebem imigrantes.”
(Margolis, 1994, p.12).
Para a perspectiva neoclássica, o imigrante é um indivíduo que define racionalmente sua
entrada para o mercado de migração global, avaliando os aspectos positivos e negativos de deixar
seu país de origem e aventurar-se em um novo mundo. O peso dessa decisão recai sobre a
maximização das vantagens, ou seja, do retorno positivo de concretizar seu projeto de melhores
condições de trabalho e renda. Isso significa avaliar a probabilidade de encontrar emprego e os
custos materiais, sociais e psicológicos da aventura. É um cálculo de custo e benefício, sendo
assim, a migração é entendida, por muitos estudiosos, como simples somatória de indivíduos que
se movimentam em função da renda.
Críticas são feitas a essa perspectiva teórica, pois, além de enfatizar explicações
individualizantes, que não se prestam a uma análise sociológica mais ampla, quando colocadas
diante dos fatos históricos e dos dados empíricos percebe-se sua fragilidade. Observa-se que o
fluxo de trabalhadores migrantes de países relativamente desenvolvidos é maior que de países
subdesenvolvidos. A população mais pobre geralmente não forma as primeiras levas de migrantes.
Além disso, dados empíricos de pesquisas recentes (Sales, 1999; Soares, 1995; Assis,1999) têm
confirmado que os primeiros migrantes são pequenos proprietários, trabalhadores com alguma
especialização.
Outra crítica contundente à teoria neoclássica é desenvolvida por Portes (1995). Para esse
autor falta a essa teoria a percepção de que a ação econômica é racional, porém socialmente
orientada.

“... partindo do conceito de Weber de ação social, [Portes] considera que os indivíduos, ao
optarem por uma ação racional, levam em consideração não apenas princípios econômicos,
mas também procuram atender às expectativas relacionadas ao grupo ao qual pertencem. O
impacto dessa forma de entender a ação racional nos estudos sobre migração – a decisão de
migrar e o próprio processo de inserção do migrante na sociedade de destino – passa a ser
analisado considerando a influência das relações sociais e não apenas a decisão individual.”
(Sasaki e Assis, 2000, p.7).

A maximização da aventura de migrar está também relacionada aos aspectos subjetivos. O


ato de migrar não é uma decisão individual, os migrantes não devem ser considerados como
indivíduos, mas participantes de um grupo social que direcionam a construção do projeto de
migrar. Aqueles que migram fazem parte de uma etnia, participam de redes sociais e utilizam todo
um conjunto de conhecimento social para realização de seu projeto. “... os imigrante não deve ser
vistos como indivíduos, mas como integrantes de estruturas sociais que afetam os múltiplos
caminhos de sua mobilidade sócio-econômica.” (Sasaki e Assis, 2000, p.7).
Um grupo de estudiosos das migrações internacionais denominados novos economistas têm
demonstrado a insustentabilidade da teoria neoclássica, reforçando as críticas de Portes. Para esse
grupo o projeto de migrar é uma construção coletiva, construído por grupos familiares, vizinhos ou
amigos. Nesses grupos há uma ação coletiva para maximizarem as vantagens materiais e
minimizarem os constrangimentos que enfrentaram num mercado de trabalho e numa sociedade em
que são visto com desconfiança.
Massey (1997) descreve que essa abordagem considera que para os estudos desse
fenômeno a unidade de análise pertinente são as famílias e domicílios. Parte do princípio de que as
condição necessárias que impulsionam o projeto de imigrar não é necessariamente a renda, mas as
redes de relações que possuem no destino. As melhores condições de emprego e a produção local
não exclui o projeto de migração internacional, ou seja, de uma certa forma as possibilidades de
investir nessas atividades locais supera as dificuldades de emigrar. Por último, Massey realça que
independente dos efeitos sobre a renda que as políticas econômicas promovem, sempre
influenciaram a migração internacional.
A teoria histórico-estrutural é outra perspectiva que lança luzes sobre esse fenômeno.
Diferentemente da teoria neoclássica, busca explicar as migrações internacionais a partir de
análises estruturais, apontando “... para uma transação macroeconômica e para fluxo de
investimentos entre países.” (Margolis, 1994, p.35). Nessa perspectiva, a explicação das causas das
migrações internacionais recaem mais nos países de destino, ou seja, nas condições econômicas e
6

estruturais oferecidas para o imigrante, do que nos países de origem do fluxo migratório (Sales,
1999).

Enquadram-se nessa teoria duas vertentes explicativas: a primeira, desenvolvida pela


sociologia e economia norte americana, representada por Michael Piore (1979) e Alejandro Portes
(1981), centra as análises na segmentação do mercado de trabalho. No país de destino dos
migrantes internacionais os trabalhadores nativos se negam a desempenhar funções pouco
qualificadas e mal remuneradas. Esse mercado de trabalho torna-se então um espaço para os
imigrantes, pois, para estes, apesar da remuneração ser baixa, representa um significativo
diferencial em sua renda. Essa teoria, segundo Sales (1999), faz um diálogo direto com os
neoclássicos, à medida que considera as características peculiares do mercado de trabalho.
Na compreensão dos teóricos da segmentação há uma complementação, no mercado de
trabalho, entre o trabalhador imigrante e o nativo, pois estes dois grupos atenderiam a diferentes
demandas de um mercado segmentado – primário e secundário. O mercado de trabalho primário
exige alta qualificação, paga melhores salários e oferece possibilidades de ascensão nas empresas
capitalistas. Esse mercado é disputado entre os nativos, tendo os imigrantes pouca ou nenhuma
chance de nele conquistar empregos, não tirando, portanto, emprego dos nativos. O mercado
secundário se caracteriza por oferecer ocupações mal remuneradas, sem possibilidades de ascensão
e quase nenhuma garantia trabalhista. É para este mercado que se destina a mão-de-obra do
imigrante. O nativo recusa-se a entrar para esse mercado, não há então, competição, por empregos,
entre os nativos e os imigrantes.
Borjas ( citado por Scudeler, 1999, p.199) considera que “...esta abordagem para o
mercado de trabalho é imperfeita, porque depende de duas suposições que são arbitrárias,
logicamente inconsistentes, e sem suporte empírico. Primeiro, a segmentação da economia em dois
setores, embora atraente para pessoas que preferem uma abordagem black-and-white do mercado
de trabalho, é uma visão extremamente simplista do modo como ele opera e tem sido difícil de se
estabelecer como empiricamente relevante.”
A segunda vertente da teoria histórico-estrutural é a dos teóricos do capital humano. Essa
vertente é discutida principalmente por Sassen que considera a mobilidade do capital como o
principal criador das novas condições para a mobilidade dos trabalhadores.

“Se no final do século XIX, (...) foi o livre comércio de mercadorias entre os países que
provocou a emigração de capitais e de trabalhadores da Europa para o Novo Mundo, agora
essas migrações são resultantes da internacionalização da produção por meio de
investimentos no estrangeiro. Em contraposição, portanto, aos fatores tradicionalmente
apontados como causas da migração – pobreza, superpopulação e estagnação econômica – ,
aquela autora [SASSEN] aponta para a reorganização da economia mundial nas duas últimas
décadas, que ocasionou a formação de um espaço transnacional, no qual a circulação de
trabalhadores pode ser vista como um entre vários fluxos, incluindo capitais, mercadorias,
serviços e informações. O investimento estrangeiro é, portanto (...) a variável fundamental
para explicar os fluxos de migrações internacionais.” (Sales, 1999, p.23).

Para os teóricos do capital humano os imigrantes ilegais têm acesso a um conjunto de


serviços de seguridade social oferecidos pelo governo americano (welfare state), e isso pesa no
orçamento dos estados que recebem muitos imigrantes como Massachsetts, Flórida e a Califórnia.
Nessa perspectiva, no mercado de trabalho, o imigrante de baixa qualificação compromete as
oportunidades de emprego e remuneração dos nativos. Eles tiram empregos dos nativos e rebaixam
os salários nos locais onde se concentram. “O fluxo de migrantes não qualificados, implica, a longo
prazo, na redução da renda nacional e as perdas correspondentes nas receitas de impostos podem
ser substanciais.” (Scudeler, 1999, p.199). Dentro desta concepção as políticas imigratórias, para
promover um sistema mais produtivo, devem promover a entrada e permanência de imigrantes
qualificados.

“Em trabalho mais recente, Borjas (1996) estima que os trabalhadores nativos
perdem algo como US$133 bilhões por ano como resultado da imigração, o que resulta em
cerca de 1,9% de um PIB que, em 1996, era da ordem de US$7 trilhões . Entretanto, os
empregadores desses imigrantes ganham, com a redução de custos devido a seu trabalho mais
barato, cerca de US$140 bilhões. O ganho líquido da imigração seria, desse modo, de apenas
US$7 bilhões, isso sem contar os gastos que os imigrantes acarretam ao sistema de proteção
7

social dos EUA e a receita que deixam de gerar por não contribuírem devidamente com os
impostos. Essas estatísticas, no entanto, são amplamente contraditórias e não suficientes para
impedir Borjas de tentar convencer as autoridades de que a política migratória dos EUA deve
passar a priorizar os indivíduos mais qualificado.” (Scudeler, 1999, p. 200)

Sassen (1988) descreve que as condições econômicas dos países de origem são fatores
importantes na análise do fenômeno da migração internacional recente, contudo, não se pode deixar
de analisar o processo de reestruturação econômica dos países de destino, especialmente no caso
dos EUA. Esse processo gerou centros altamente industrializados com empreendimentos de alta
tecnologia que demandam trabalhadores qualificados com melhores salários. Por outro lado, gerou
também postos de trabalho de baixo salário, de alta rotatividade e com contratos inseguros e
ilegais. Esses postos geralmente surgem em empreendimentos informais e clandestinos. A mão de
obra nativa, com uma organização de classe fortalecida, recusa esses trabalhos, abrindo espaço para
os migrantes.

“Os níveis significativos e a concentração de investimentos estrangeiros podem ser vistos


como um fator promotor de emigração na medida em que: (a) a incorporação de novos
segmentos da população no trabalho e a ruptura da estrutura tradicional de trabalho criaram
uma oferta de trabalhadores migrantes; (b) ocorre a feminização da nova força de trabalho
industrial provocando impactos sobre as oportunidades de trabalho dos homens, tanto nas
novas zonas industriais quanto na estrutura tradicional de trabalho; (c) consolida as relações
objetivas e ideológicas entre os países em desenvolvimento e os avançados (onde se origina a
maioria do capital estrangeiro). Nesse sentido, existe um efeito de „ocidentalização‟
generalizado que contribui para a formação de um exército de emigrantes potenciais e ao
mesmo tempo, contribui para que a emigração seja vista como uma opção.” (Scudeler, 1999.
p.2002)

Recentemente, para compreensão do fenômeno da migração, muitos autores têm recorrido


ao estudo das redes sociais. Consideram a necessidade de compreender a migração não como uma
decisão individual baseada em critérios economicistas. A decisão de migrar passa por um conjunto
de conexões estabelecidas por relações sociais, tanto na origem como no destino dos migrantes.
Boyd (1986), Massey (1990) e Tilly (1990) têm desenvolvido estudos demonstrando que o
fenômeno recente da migração internacional tem, em grande parte, sua explicação no
estabelecimento de redes sociais. As redes são formadas pelos primeiros migrantes que se fixam
em determinadas regiões, mantêm estritas relações com o país de origem e percebem, constróem
ou descobrem mecanismos facilitadores do processo de migração. São parentes e amigos que fazem
uma ponte entre o local de origem e destino. Essa ponte é concretamente constituída por
informações fornecidas pela indicação de empregos no mercado, pelo financiamento do processo
de migração e até mesmo pela hospedagem do recém chegado.
Essas redes são mantidas por laços sociais que “...unem migrantes e não migrantes em uma
completa teia de papéis sociais complementares e relacionamentos interpessoais que são mantidos
por um quadro informal de expectativas mútuas e comportamentos predeterminados.” (Sasaki e
Assis, 2000, p. 11). Elas fornecem informações e indicam meios que auxiliam o processo de
migração e atenuam as dificuldades no país de destino. A migração internacional pressupõe ir ao
encontro de uma sociedade, geralmente com língua, costumes e valores diferentes. Significa um
empreendimento de muitos riscos. Esses riscos são amenizados através das redes sociais.
Além de facilitadoras na concretização do projeto de migrar, as redes dão novas
configurações ao meio onde se estabelecem. Além dos seus projetos pessoais ou coletivos o
imigrante leva também sua identidade étnica. Seus valores e costumes dão nova configuração à
sociedade de destino. “Assim, alguns elementos de identidade do país de origem são eleitos,
negociados e reconstruídos no contexto de migração. Portanto, ao invés de um „transplante‟
coletivo, há uma recriação seletiva de laços sociais.” (Tilly, 1990).
Por muito tempo o emigrante foi considerado como o elemento que rompe com os valores
de sua cultura e adquire ou assimila novos valores do país hospedeiro. Nessa perspectiva as
ligações com seu grupo de origem tornam-se dados sem relevância, o que do ponto de vista
sociológico é extremamente complicado. Novos teóricos da Sociologia, principalmente a partir da
década de 50, percebem uma nova configuração nas migrações internacionais e sugerem uma
inversão desse conceito, propondo uma análise baseada na transnacionalização. Destaca-se que a
8

partir dos anos 50 os imigrantes que chegam aos EUA são diferentes das levas anteriores, já não
são mais os brancos europeus, mas sim asiáticos, latino-americanos, cabo-verdianos que
correspondem a uma maior diversidade de classe, gênero e etnia. Os primeiros vêem esses novos
imigrantes, a maioria ilegal, como ameaça ao mercado de trabalho que conquistaram.
Essa análise parte do princípio de que não há uma ruptura definitiva com o país de origem.
Os novos migrantes mantêm vínculos e relações sociais com o seu país, estabelecem uma teia de
relações sociais entre o local de origem e destino. Participam da vida familiar, da comunidade e
outras instituições no seu país, mas também constróem possibilidades de participação no país
hospedeiro. Neste sentido tornam-se tansmigrantes, vivem entre dois mundos com hábitos, valores
e costumes diferentes, envolvendo assim uma infinidade de relações e conexões entre as duas
sociedades, entre o local e o global. Essas conexões tornam-se possíveis apenas em um mundo
globalizado.
Sendo assim, para a compreensão do novo processo de migração, inaugurado no final da
década de 50, é necessário lançar uma olhar sociológico para esses dois mundos. Compreendendo
que a transnacionalização provoca um sentimento ambíguo à saudade e ao desejo de retornar à
terra natal e a apreciação pelo novo mundo de possibilidades e valores culturais e econômicos que
se colocam no país hospedeiro. Vivendo entre o desejo de retornar e o de ficar, a emigração não se
efetiva, o migrante não é nem permanente, porque tem sempre um projeto de retornar, faz
investimentos na terra natal, mantém contatos estreitos com os familiares e amigos. Também não é
temporário, porque na ambigüidade entre o desejo de retornar e o de ficar, vai criando relações com
o novo mundo e assimilando valores e costumes. Torna-se um transnacional.

“ Pode-se ainda argumentar que esta ambigüidade, estar aqui e estar lá, é
característica dos emigrantes da primeira geração, que com o passar dos anos os
emigrantes assimilados numa outra cultura não ficariam assim tão divididos, mas o
que o enfoque transnacional propõe é justamente que: dadas todas as possibilidades
de comunicação e transporte contemporâneos torna-se efetivamente mais fácil
manter-se em contato. Essa seria a identidade multifacetada do emigrante dos novos
tempos.” (Assis, 1992. p.17)

Na perspectiva da análise sociológica o fenômeno da migração internacional é um


problema relevante, pois dado a sua intensidade, novas características e o processo de globalização,
pode-se perceber que há uma tendência da migração provocar impactos nos processos sociais.
Nenhuma das perspectivas teóricas isoladamente é suficiente para a análise de tão complexo
fenômeno. Contudo, as perspectivas das redes sociais e da Transnacionalização permitem uma
compreensão maior do fenômeno na atualidade.
As pesquisas que investigam o caso valadarense (Assis, 1995; Soares,1995; Sales, 1999;
Fusco, 1998) ilustram muito bem a concepção das redes sociais e da transnacionalidade. Vários
emigrantes partiram e partem até hoje com o sonho de “fazer a América”, ou seja, trabalhar em
alguma cidade dos Estados Unidos, fazer uma poupança e retornar. Para a concretização do projeto
utilizam-se dos mecanismos disponibilizados pelas redes para emigrar legal ou ilegalmente,
conseguem trabalho e dão início à poupança que permitirá o retorno em melhores condições.
Durante o processo, mantêm laços estreitos com o país de origem, participando intensamente da
vida familiar e comunitária; porém assimilam os valores do país hospedeiro, mudam seus gostos e
preferências e reavaliam seus projetos. O projeto de retornar vai sendo adiado, porém não é
abandonado.
Alguns retornam com novas concepções, valores e costumes. Montam pequenos e médios
negócios. Com isso dão nova configuração, tanto ao mercado de trabalho, como aos processos
sociais. Dentre os que retornam muitos, depois de certo tempo, por diferentes razões, tornam-se
emigrantes novamente, e “o estar aqui e estar lá “ passa a ser sua perspectiva. Alguns mantêm casa
e pequenos negócios na cidade e passam temporadas “aqui” e “lá”.

“... construí minha casa, levei 3 anos, mandava dinheiro para meu pai e ele ia olhando,
administrando tudo. Ele mandava fotos, vídeos....Para eu escolher a cerâmica ele mandava os catálogos com
os desenhos. Eu participei de toda a construção. Depois que terminou tudo, eu estava louco para voltar, aí
minha mulher disse: - e os móveis como vamos comprar? Então trabalhei mais uns 2 anos e tanto. Mobiliei a
casa, comprei um carro e ainda tinha um dinheirinho [dez mil dólares] para investir em um negócio. Meu
pai tava olhando uma padaria no bairro. Voltei (...) não deu nada certo, em menos de um ano tava na pior.
9

Resolvi voltar, desta vez levei minha mulher e depois os filhos (...). Agora venho ao Brasil no final do ano
para passar o natal com a família, fico um mês, depois vem minha mulher. (...) Nós ficamos em nossa casa,
não quero vender um dia quem sabe dá prá voltar ...” 4

2.0 – O Brasil no contexto das migrações internacionais

Desde o descobrimento, o Brasil é um importante cenário onde se desenrola o fenômeno


das migrações internacionais. Foi através dela que se formou a população e a cultura brasileira. A
migração internacional foi também uma variável fundamental na história da economia nacional.
Primeiramente, para tomar posse da terra, chegaram os portugueses; depois com o início da
produção agrícola em grande escala, no período de 1550 a 1850 aproximadamente, três milhões de
africanos entraram no Brasil. Essa migração forçada caracterizou uma fase do desenvolvimento
econômico baseado na monocultura da cana-de-açúcar.
Com o fim do sistema econômico baseado na força de trabalho escrava e a implementação
da cultura do café, na segunda metade do século XIX, deu-se início , em grande escala, à imigração
européia, principalmente a italiana. Os estados onde situavam as grandes lavouras passaram a
financiar a imigração da força de trabalho. A chegada da primeira leva desses imigrantes ocorreu
no período de 1880 a 1903 com a entrada de aproximadamente 1.850.985 imigrantes europeus. No
início do século XX, com a crise cafeeira e a proibição da emigração5, por parte do Estado Italiano
devido as péssimas condições de trabalho, ocorreu uma drástica diminuição da entrada dos
imigrantes italianos no Brasil. (Camargo, 1981)
De 1904 a 1930, outra grande leva de imigrantes chegou; foram 2.142.781, principalmente
de poloneses, russos e romenos. Em 1927 o Governo do Estado de São Paulo acabou com o
subsídio para imigração estrangeira. Esse fato tem como conseqüência uma súbita redução da
entrada de novos imigrantes. De modo menos expressivo que os anos anteriores, de 1932 a 1935
registra-se a chegada de imigrantes japoneses. O fluxo torna a ascender, após a Segunda Guerra
Mundial. “Nessa etapa predominavam as imigrações espanholas, gregas, etc. Considerando-se o
período 1872-1972, Levy (1974) aponta que mais de 5 milhões de estrangeiros entraram no país.
(Patarra e Baeninger, 1995, p. 80).
Até os anos 50 o Brasil era reconhecido como um país recebedor de migrantes
internacionais. “Em 1920, ela respondia por 5,11% da população residente no país, enquanto que
em 1980 essa participação reduziu-se expressivamente para 0,77%.” (Patarra e Baeninger, 1995,
p. 80). Nos anos 60 percebe-se uma mudança desse caráter de recebedor de imigrantes para emissor
de mão-de-obra aos países mais industrializados. Para compreensão desse fenômeno na história do
Brasil, é necessário analisar o panorama mundial que configura esse novo movimento
populacional.
A mobilidade, atualmente, é diversificada e ocorre na direção dos países periféricos para os
países centrais. Esse novo panorama da mobilidade está ligado à nova dinâmica do capitalismo,
marcado, principalmente, pela globalização da produção.
Nas últimas décadas do século XX teve início o processo de reestruturação produtiva. Esse
novo paradigma é centrado na flexibilidade dos processos de produção, do mercado, dos produtos e
do consumo, que promove o aumento da competitividade configurando as cidades globais, gerando
uma desconcentração industrial em nível mundial e profundas modificações nas relações de
trabalho, que também se tornam flexíveis. De um lado o mercado demanda trabalhador de alto
nível de qualificação e por outro lado apresenta-se uma certa expansão de um mercado para
trabalhadores não qualificados (Carney et all, 1993).
Esse segmento do mercado de trabalho não qualificado é preenchido, nas cidades globais
do primeiro mundo, pelo imigrante. Este é um dos aspectos que tem configurado as novas correntes
migratórias. Neste final de século, o espaço – tempo, dentro de uma perspectiva de diminuição das
distâncias e do tempo, pela possibilidade de comunicação instantânea e transporte rápidos, é uma
outra variável importante para compreender as novas tendências das correntes migratórias, pois as
cidades globais são mais competitivas no mercado, o que assegura para o emigrante melhores
possibilidades de trabalho e renda.

4
Entrevista parte do estudo exploratório apresentado no item III, realizada em 9/11/2000
5
O Decreto Prenetti proibia a emigração gratuita para o Brasil. São Paulo e os Estados do Sul financiavam o
processo de imigração dos trabalhadores europeus, principalmente italianos.
10

“O encolhimento do espaço que faz diversas comunidades do globo competirem entre si


implica estratégias competitivas localizadas e um sentido ampliado de consciência daquilo que
torna um lugar especial e lhe dá vantagens competitivas. Essa espécie de reação confia muito
mais na identificação do lugar, na construção e indicação de suas qualidades ímpares num
mundo cada vez mais homogêneo, mas fragmentado. (Harvey, 1993, p. 247)

Nesta perspectiva o fenômeno da migração internacional deve ser observado dentro da


“complexidade da economia global atual que corresponde a certas desconjunturas fundamentais
entre economia, cultura e política.” (Patarra e Baeninger, 1995, p. 82).
Segundo Appadurai (1992), para pensar imigração dentro da perspectiva das
desconjunturas é necessário observar as cinco dimensões. A primeira diz respeito aos grupos
étnicos, os imigrantes, exilados e trabalhadores temporários. A segunda é a capacidade para
produzir e disseminar informações; a terceira é a capacidade de inserção na economia global; a
quarta dimensão refere-se à velocidade de movimentação de altas quantias de dinheiro e a última
refere-se ao conceito de liberdade, bem estar social e democracia.
O acirramento entre essas relações é denominado nos estudos antropológicos de
desterritorialização da cultura que gera conflitos nos países de destino, ou seja, necessidade da
mão-de-obra de um mercado já ocupado pelo trabalhador imigrante e a auto-imagem de uma
sociedade que não se vê nesse melting pot de culturas e raças. (Patarra e Baeninger, 1995, p. 82).
Do ponto de vista econômico, dado o seu volume, a migração internacional tem sido um
instrumento de transferência de divisas. Segundo Patarra e Baeninger (1995), as remessas dos
imigrantes para seus países de origem, em termos globais, são estimados em 70 bilhões de dólares.
É uma indústria que em termos de movimentação de capitais perde apenas para a indústria do
petróleo. Esses migrantes internacionais que fazem a remessa de dólar para seus países de origem
estão inseridos em redes já estabelecidas e ocupam espaços transnacionais criados por laços
econômicos e políticos, concentrados em cidades globais.
A imigração brasileira, dentro desse novo contexto, é pouco significativa em termos de
volume, se comparada a outros países, mas é, também, conseqüência do mesmo processo de
exclusão econômica e social, resultante do novo paradigma da economia mundial.
Segundo dados publicados na revista Veja (7 de agosto de 1991), estima-se em mais de
meio milhão o número de brasileiros que deixaram o país com destino aos países do primeiro
mundo; só em 1990, foram 130.000. O quadro abaixo apresenta uma estimativa da distribuição de
brasileiros no exterior.

Países Até 1991


EUA 330.000
Japão 150.000
Itália 45.000
Portugal 30.000
Inglaterra 20.000
França 12.000
Canadá 7.000
Austrália 6.000
Espanha 5.000
Outros países 25.000
Total 630.000
Fonte: Veja 07/07/91

Pode-se observar que o destino da maioria dos brasileiros é para os Estados Unidos, em
razão principalmente das possibilidades de trabalho e das redes de relações que disseminam
informações sobre o mercado de trabalho e criam mecanismos facilitadores para o processo de
emigração. A região de Governador Valadares contribui com o maior número de migrantes.
Segundo alguns estudos (Sales, 1993), aproximadamente 6% da população valadarenses emigrou
para os EUA e vivem na região de Boston, Miami e Nova Iorque. Esses emigrantes estão em
contato direto com a cidade de origem e mantêm uma remessa regular de dólar que influencia a
11

economia local (principalmente comércio e construção civil) e dão nova configuração ao estilo de
vida local.
Tudo isso torna o fenômeno da migração internacional contemporânea, instigante para as
Ciências Sociais, pois é um problema com implicações no âmbito governamental, das políticas
sociais e de ordem econômica. Neste sentido compreender como a migração internacional
influencia o desenvolvimento e configura o mercado de trabalho da Microrregião de Governador
Valadares é relevante, pois trará luz para compreensão dos fatores objetivos e subjetivos do
processo de emigração, retorno e investimento no local de origem.

III – IMPACTOS DA MIGRAÇÃO INTERNACIONAL NA MICRORREGIÃO DE


GOVERNADOR VALADARES

1.0 – O caso valadarense

Nos anos 80 a imprensa nacional escrevia, de forma jocosa, sobre a grande saída de
valadarenses para os EUA. Manchetes como “O último a sair apague as luzes”, “Valadarenses
invadem Nova Iorque”, “Caipiras e migrantes”, relatavam de forma jornalística um fenômeno que
para sua compreensão requeria um estudo sociológico.
Em 1997, num survey realizado por pesquisadores da UNICAMP 6, estimou-se que 18%
dos domicílios possuíam pelo menos um membro da família na condição de migrante internacional.
Isso corresponde a 6,7% da população de 210 mil habitantes na sede do município 7. Grande parte
desses emigrantes tomaram a direção da região de Boston.
Por que emigrar ? Por que ir aos EUA? Para responder a estas questões é necessário
compreender historicamente as ligações da cidade com este país. Segundo Assis (1995), o
fenômeno da emigração valadarense pode ser compreendido desvendando as conexões existentes
entre esses dois espaços. Segundo essa pesquisadora a emigração iniciou-se na década de 60 e
acentuou-se nos anos 80 e 90 de tal forma que hoje todas as famílias da cidade têm um parente ou
amigo que é, já foi ou deseja ser um emigrante nos EUA.
Assis (1995) descreve três momentos dessa conexão com os EUA. O primeiro momento foi
na década de 40, durante a Segunda Guerra Mundial, com o ciclo econômico da extração da mica.
Nesse período a cidade recebeu muitos americanos que coordenavam os trabalhos, tanto de
extração como de beneficiamento da mica. Essas atividades geravam muitos empregos, o que
permitiu um dinamismo à vida econômica local. Além disso, nesse período financiado pelo
governo americano foi construído na cidade o SESP – Serviço Especial de Saúde Pública com a
finalidade de tratamento da malária, que atormentava os moradores da região. Esse período de
desenvolvimento foi associado à presença dos americanos.
O contato com o dólar recebido como pagamento ou gorjeta aos favores ou trabalhos
prestados, cujo valor era muito acima da moeda brasileira, passava a idéia de opulência e fartura do
local de onde vinham os Americanos. Findo o ciclo econômico da mica, fica no imaginário popular
a visão dos EUA como o Eldorado.
Grande parte da população da cidade já tinha vivido uma experiência de migração interna,
pois eram pessoas vindas de diferentes partes do país em busca de melhores condições de vida.
Essa experiência aliada à aproximação marcante na década de 40 com os EUA, possibilitou o
surgimento de uma cultura de migração internacional.

“... Valadares constituiu um pólo que atraiu imigrantes de várias regiões do país em busca de
melhores condições de vida, nos anos 40 e 50 a migração fazia parte da experiência dos
habitantes da cidade. Essas vivências combinadas com as representações que faziam da
América são elementos que sugerem que em Governador Valadares se criou uma cultura de
migrar para o exterior.” (Assis, 1999, p.129).

Essa visão de que a migração internacional era um projeto possível e relativamente fácil de
concretizar, permite compreender a saída dos primeiros valadarenses para os EUA na década de 60.

6
Os dados desta pesquisa são apresentados nos artigos referenciados na bibliografia : Scudeler (1999) e Sales
(1999).
7
IBGE, 1996 – Dados preliminares da contagem populacional.
12

Eram jovens, aventureiros, de famílias de classe média que hoje, no relato de suas experiências,
demonstram como a cultura da emigração impregnou toda uma geração.

“Foi pela primeira vez em 1962, foi num intercâmbio, eu estudava inglês na escola de um
americano que veio para Valadares na década de 40 e acabou ficando. Quando voltei, comecei a pensar em
ir novamente, achei que era uma boa ganhar um dinheirinho (...) lá era mais fácil, poderia ganhar dinheiro
montar meu negócio aqui e ficar independente. Minha família sempre foi bem economicamente, mas a
vontade de ir não me largava. Acabei juntando com um amigo e indo. Fiquei 3 ano lá, voltei montei meu
negócio e hoje não me arrependo. (...) Vou pelo menos umas 3 vezes por ano, a negócio. 8

Outras entrevistas que realizei com emigrantes dessa época demonstram que o desejo de ir
“fazer a América” 9 , ou seja, ganhar dinheiro para retornar com sua independência econômica não
era definido por premências econômicas, tendo em vista que pertenciam a famílias da classe média.
Quando inquiridas do porquê e de onde surgiu a idéia, nenhum soube precisar com clareza; o
desejo de conhecer o novo, e de acreditar nas possibilidades oferecidas na terra do “Tio Sam” foi a
justificativa da maioria.
Esses primeiro emigrantes em suas cartas, ou ao retornarem, relatavam suas experiências e
a maioria demonstrava o sucesso da aventura através dos investimentos que faziam na cidade. Isso
instigava e acalentava os desejos dos que aqui ficavam de experimentar da mesma aventura.
Parentes e amigos eram convidados a emigrar. Com um certo tempo, um grupo significativo de
brasileiros estavam nos EUA “fazendo a América”. Foram esses primeiros migrantes que
estabeleceram uma rede de relações permitindo a emigração em grande escala na década de 80.
“De acordo com o sociólogo Alejandro Porte ( ...) „pessoas emigram para onde elas encontram
conexões e uma certeza de familiaridade...‟. Fatores econômicos são importantes na decisão de
migrar, mas informações acerca das oportunidade são igualmente cruciais na decisão para
migrar.” (Margolis citada por Assis, 1999)
Nos anos 80, a emigração bem sucedida dos que partiram na década de 60, a representação
dos EUA como um lugar de progresso e desenvolvimento, onde era possível ganhar muito dinheiro,
a configuração de uma rede de informações sobre todos os aspectos da emigração, associado à crise
econômica brasileira e à estagnação econômica da cidade, gerou um boom no fluxo de valadarenses
para os EUA.
Ao definir o projeto, o futuro emigrante tem à sua disposição uma série de serviços e
informações que facilitam a sua concretização. Através das redes, o valadarense, com certa
facilidade percorre todas as etapas do processo. Se a entrada nos EUA é por vias legais, através de
visto de turista, existem as agências de turismo que organizam caravanas para ir ao consulado, no
Rio de Janeiro, informam os documentos que devem levar, como deve se trajar e o que dizer. O
projeto geralmente é financiado pelos parentes ou amigos, que também emprestam dólar para entrar
no país. Se por vias legais não consegue o visto existem duas outras possibilidades: o passaporte
falso ou a passagem pelo México. Para esses mecanismos também existe toda uma rede de
informações que possibilitam àqueles que desejam migrar, acesso a essas informações. Às vezes o
desejo de migrar é tão forte que antes de conseguir entrar nos EUA o valadarense passa por todas
essas formas de entrada.

“Eu tentei o visto cinco vezes, não conseguia, arrumava todos os documentos, minha tia passou a loja dela
para o meu nome, meu pai passou a poupança dele para minha conta, tinha carteira de trabalho assinada já
há quase um ano e quando eu cheguei lá o cônsul não me pediu nada só disse „tente outra vez‟. Eu tinha
tudo certinho (...). Agora eu vou pagar três mil [dólares] para uma montagem [passaporte falso] se eu não
conseguir o jeito é ir pelo México (...) é muito perigoso e mais caro, mas vai ser o jeito (...)” 10

Nos últimos anos a dificuldade para conseguir o visto de turista para os nativos da região
de Governador Valadares tem aumentado a utilização da via ilegal. Serviços de falsificação de
documentos e meios de entrar nos EUA através do México têm sido disponibilizados. Existem

8
Entrevista do estudo exploratória, realizada em 11/12/2000
9
Terminologia usada pelos imigrantes que significa trabalhar muito economizar o máximo para depois
voltar.
10
Entrevista realizada em 11 de novembro de 2000. O entrevistado embarcou com passaporte falso em
janeiro de 2001 e conseguiu entrar (Estudo exploratório).
13

agências clandestinas especializadas nessas alternativas e conseguir estar em contato com elas não
é difícil.
Independente dos meios utilizados para entrar nos EUA, quando elaboram o projeto de
emigrar já têm definido o local de moradia, geralmente casa de parentes ou amigos e o local de
trabalho. Tudo isso estabelecido graças às redes de relações existentes na cidade que mantém uma
conexão com os EUA.
Sales (1999) descreve que os emigrantes valadarenses, em sua maioria, são jovens, na faixa
etária entre 30 e 44 anos, são homens e mulheres, com escolaridade entre o ginasial e o colegial
completo ou incompleto, pertencem à classe média e não estavam desempregados quando
emigraram. A emigração é definida como uma grande possibilidade de adquirir bens e ter ascensão
social. Nos EUA, exercem atividades de pouco prestígio e para os padrões americanos mal
remuneradas. Contudo, o ganho é relativamente alto, comparado com o que ganhavam na cidade de
origem e, com economia, é suficiente para investir no Brasil em imóveis, e pequenos e médios
empreendimentos, dando assim novos contornos à economia da região de onde se originam.

2.0 – Estudo Exploratório: Migrantes empreendedores em Governador Valadares

Para um melhor dimensionamento da questão levantada nesse projeto, ou seja, o impacto


da migração internacional na configuração do desenvolvimento e do mercado de trabalho da
Micro-Região de Governador Valadares, realizei em 1999 e 2000, um estudo exploratório com 80
proprietários de empreendimentos cujo capital inicial originou-se de poupança feita durante o
período de emigração nos EUA. Foram selecionados 10 empreendedores com os quais realizei
entrevista, em profundidade. Todos os entrevistados migraram na década de 80, são em sua maioria
do sexo masculino e investiram nos mais diversos tipos de atividades sendo que a maioria investiu
em empreendimentos comerciais (63.8%) e na área de serviços (25%).

2.1 – Características do empreendedor

faixa Etária Motivo da Emigração

85

46,3
38,7

6,3 8,7
15

Fazer curiosidade desemprego


até 30 anos mais de 30 a 40 mais de 40 poupança

Tempo de permanência nos EUA

42,5

30 27,5

1 a 4 anos mais de 4 a 8 mais de 8 a 14

Em conformidade com os estudos realizados por Sales (1999) e Margolis (1994) os dados
acima demostram que os emigrantes valadarenses, em sua maioria são jovens, na faixa etária de até
40 anos. Não estavam desempregados e têm como principal razão para migrar a possibilidade de
poupar para posteriormente investir (85%). Os entrevistados representam a parcela dos que
conseguiram concretizar o projeto. É interessante observar que mais da metade (57,5%)
permaneceram nos EUA mais de 4 anos. Esse tempo de permanência é dedicado quase que
exclusivamente ao trabalho e à poupança. É um período caracterizado pelos emigrantes como “o
tempo em que a vida para”.
14

“Eu fiquei em Nova Iorque 4 anos e 2 meses (... )trabalhei como louca, não fazia outra coisa,
tinha 3 empregos, trabalhava 18 horas por dia (...) fazia faxina em 5 escritórios por dia, não tinha tempo
para comer direito, imagine passear (...) Eu só pensava em fazer dinheiro e voltar logo pra casa (...)”.

2.2 – Características do empreendimento

2.2.1 – Aspectos relativos à empresa


Situação da documentação da empresa
Capital Inicial

43,5
80
36,5

20
13,7
6,3

legalizado parcialmente ilegal


legalizado
até 20 mil mais de 20 a 50 mil mais de 50 mil

Média de Lucro Mensal ($R)

48,7

26,3 25

até 5 mil mais de 5 a 10 mil mais de 10 mil

O capital inicial empregado na maioria dos empreendimentos (43,5%) está na faixa de até
20 mil reais, contudo existe um percentual significativo (36,5%) de investimento na faixa de mais
de 20 a 30 mil reais. A média mensal de lucros da maioria (48,7%) está na faixa de 5 mil reais.
É importante ressaltar que conforme a literatura tem demonstrado, o projeto da maioria dos
emigrante é basicamente comprar uma casa, um carro e montar um negócio, sendo assim , o
capital investido inicialmente no empreendimento não é o resultado de toda a poupança feita
durante o período de trabalho nos EUA, em alguns casos, parte dela se destinou a casa e a compra
do carro.

2.2.2 – Aspectos relativos à contratação de mão de obra

Número de empregados Contrato dos empregados

32,1 28,8 61,9

21,3
17,8
25,4
12,7

CLT por tempo verbal


nenhum 1a5 6 a 10 mais de 10 determinado
15

Salários pagos

85,7

11,1
3,2

até 1 SM mais de 1 a 3 mais de 3 a 7

Dentre os empreendimentos que fazem parte da amostra, apenas 21,3% não geram
empregos diretos, contudo, gera uma atividade produtiva para o empreendedor. Destaca-se que
28,8% dos empreendimentos abriram mais de 10 postos de trabalho. Dentre os empreendimentos
que contratam mão-de-obra, a maioria (61,9%) o faz através da CLT e pagam um salário que varia
entre mais de 1 a 3 salários mínimos (85,7%).
Alguns estudos sobre o fluxo de emigrantes valadarenses rumo aos Estados Unidos da
América têm sido realizados desde que este fenômeno recente na história brasileira tomou conta
das manchetes nacionais e internacionais. Governador Valadares é sempre apontada como a cidade
que mais contribuiu nos anos 80 e 90 para o aumento desse fluxo. A academia desenvolveu vários
estudos sobre o fenômeno. São pesquisas importantíssimas para a compreensão do fenômeno tão
recente na história da região. Esses estudos apontam para análises que buscam explicar os aspectos
subjetivos e objetivos do projeto de migrar, o perfil do emigrante, seu estilo de vida no país de
destino, a nova configuração que têm dado às cidades no países de destino.
É interessante notar no estudo de Sales (1999), como os imigrantes brasileiros,
especialmente valadarenses, deram uma nova configuração ao cento de cidade de Framingham.
Seus investimentos revitalizaram uma região que estava em plena decadência. Considero também
instigante verificar em que medida o processo de emigração configurou e configura a Microrregião
de Governador Valadares, nos aspectos relativos aos investimentos em micro, pequenas e médias
empresas e em que medida isso deu novos contornos ao mercado de trabalho formal e informal da
região.
O fluxo migratório de Governador Valadares apresenta algumas características peculiares,
os primeiros emigrantes tinham um projeto claro de trabalhar por 2 ou 3 anos e retornarem à cidade
em melhores condições econômicas. Alguns concretizaram esse projeto, compraram imóveis,
montaram seus empreendimentos, obtiveram sucesso e permaneceram na cidade. Outros não se
adaptaram e retornaram à condição de emigrante. Esses reconstroem seus projetos e tornam-se
emigrantes. Parte desses definem os EUA como seu local de moradia permanente, contudo,
mantêm uma estreita relação com seus familiares e continuam investindo, em conjunto com os que
aqui ficaram, em pequenos negócios.
Segundo Sales (1995) a manutenção de múltiplas relações sociais, econômicas e familiares
entre o país de origem e de destino caracteriza um estado de transnacionalidade. Nessa perspectiva
as fronteiras entre o local e o global são atenuadas. “...o enfoque transnacional enfatiza a
emergência de um processo social que cruza fronteiras geográficas, culturais e políticas.” (Assis,
1998, p. 17)
Nessa perspectiva percebo que o fenômeno da emigração valadarense não perpassa pela
concepção de ruptura com o local de origem, mesmo aqueles que já estão nos EUA há mais de uma
década. A idéia de investir, seja para auxiliar a família ou pensando em um retorno a longo prazo,
está sempre presente. Interessante é que mesmo aqueles que adquirem bens e imóveis financiados
nos EUA mantêm a perspectiva de investir na cidade.

“Estou há 11 anos em Nova Iorque, depois que consegui o Green Card venho ao Brasil
pelo menos uma vez por ano (...) Namorei e casei com uma moça daqui, quando foi prá ela ganhar neném
ela veio e ficou 6 meses aqui. Tenho minha casa montada aqui, tenho tudo dentro de casa e tem uma prima
16

que cuida de tudo, eu pago prá ela em dólar (...) Um dia eu volto definitivo não sei quando, mas país prá
viver é aqui. Lá é prá trabalhar...” 11

“...vim para o casamento de minha sobrinha, sou a madrinha. (...) já tem 16 anos que estou
nessa, vivo bem lá, mas não esbanjo, economizo tudo que posso para investir na fabrica que tenho aqui . É o
meu futuro, minha velhice...” 12

Os dados apresentados nesse estudo exploratório demonstram que o fluxo migratório para
os EUA tem configurado a economia de Governador Valadares, no que diz respeito à abertura de
empreendimentos e na configuração do mercado de trabalho, especialmente na abertura de novos
postos de trabalho. Se ampliado a pesquisa empírica, poder-se-á dimensionar os impactos desse
fluxo na Microrregião de Governador Valadares. Nesse sentido, retomo aos estudos de Sales
(1999) que demonstra que o processo de migração gera transformações significativas no local de
destino e acrescento que na mesma medida gera transformações no local de origem.

III – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A migração é um fenômeno que perpassa por toda a história da humanidade. Sua análise do
ponto de vistas sociológico é recente, tendo em vista que os teóricos clássicos se ocuparam pouco
desse fenômeno, vendo-o apenas como parte do processo de metropolização. A mobilidade
decorrente do crescimento populacional e das crises econômicas coloca este fenômeno no centro do
debate sociológico.
Na busca de compreensão sobre a migração internacional desenvolveu-se, na sociologia
contemporânea, basicamente dois eixos teóricos: a teoria neoclássica ou convencional cuja
compreensão do fenômeno está centrada na análise da correlação de forças do mercado. A atração
dos países de destino e os fatores de repulsão dos países de origem são determinantes na definição
dos fluxos migratórios. A decisão de imigrar é um jogo de maximização de vantagens, neste
sentido, a migração é um fenômeno visto como simples somatória de indivíduos que se
movimentam em função da renda. Esta vertente teórica apresenta uma explicação individualizante
e percebe o fenômeno como uma ação econômica racional deixando de lado os aspectos sociais que
orientam a decisão de migrar.
A perspectiva histórico-estrutural considera que as causas estão localizadas nas condições
econômicas e estruturais oferecidas para o imigrante no país de destino. Esta perspectiva apresenta
duas vertentes: a segmentação do mercado de trabalho que permite que o imigrante ocupe espaço,
no mercado secundário, rejeitado pelo nativo; e a vertente do capital humano que considera a
mobilidade do capital como o principal criador das novas condições para a mobilidade dos
trabalhadores. Também estas explicações estão centradas nos aspectos econômicos e não dão conta
dos fatores sociais que permeiam todo o fenômeno da imigração internacional.
O estudo das redes sociais têm sido uma caminho usado pelos sociólogos para
compreender as dimensões sociais do fenômeno. Estas redes consiste num conjunto de conexões
estabelecidas por relações sociais desenvolvidas tanto no país de origem como no de destino dos
migrantes. A transnacionalização é uma outra perspectiva teórica que percebe o imigrante como um
indivíduo que não rompe os laços com o país de origem. Estabelecem uma teia de relações sociais
entre o país de origem e o país de destino. Tornam-se transmigrantes, vivem em dois mundos com
distintos valores e costumes.
Tendo em vista que nenhuma das perspectivas teóricas contempla de modo totalizante a
analise da migração internacional, torna-se necessário lançar mão das diversas perspectivas para a
compreensão das múltiplas dimensões desse complexo fenômeno. Contudo, na perspectiva
sociológica, a explicações sustentadas teoricamente pelas perspectivas das redes sociais e da
transnacionalização possibilitam uma maior amplitude analítica desse fato.

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Entrevista realizada em 15 de dezembro de 2000, em Governador Valadares quando a entrevistada veio
passar as festas de natal com a família, o que faz todo ano.
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Entrevista realizada em 7 de janeiro de 2001
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No contexto das migrações internacionais, até meados do século 20, o Brasil estava na rota
dos país de destinos dos migrantes internacionais. A partir dos anos 60 passa a caracterizar-se como
país de origem dos imigrante. Isso se deve a nova dinâmica do capitalismo, fundada,
principalmente, na reestruturação econômica marcada pela internacionalização do capital.
Apesar de recente a imigração brasileira, já é um fenômeno marcante, principalmente com
destino aos EUA. Governador Valadares é um dos principais focos desses emigrantes.
Diversas pesquisas realizadas demonstram que a economia local e a dinâmica social da
cidade está diretamente influenciada por esse fluxo migratório. Desde a década de 60 quando os
primeiros migrantes chegaram aos EUA e lá se estabeleceram enviando noticias das maravilhas da
terra do tio Sam, muitos tem-se aventurado com visto de turista, passaporte falso ou passagem pelo
México. A perspectiva de abreviar o tempo para realizar um projeto de comprar a casa própria, o
carro ou montar um pequeno negócio, incentiva cada vez mais valadarenses a embrenhar-se nessa
aventura. Ao longo desse período muitos conseguiram ir, formar uma poupança e retornar para
tornar-se pequenos e médios empreendedores locais, dando assim novos contornos a dinâmica da
cidade.
A pesquisa exploratória realizada demonstrou que esses empreendedores são jovens,
migraram objetivando fazer uma poupança para investir na cidade, ficaram nos EUA, em sua
maioria até 8 anos. Grande parte deles investiram até 20 mil reais em suas empresas e obtêm até
cinco mil reais de lucro médio mensal. A importância desses empreendimento, para o mercado de
trabalho local, é demonstrado no número de empregos criados, a maioria das empresas empregam
entre 1 a 10 funcionários, através de contrato formal de emprego. Isso em uma cidade onde a oferta
de empregos é precária, é muito significativo.
Esses dados demonstram que o fluxo de emigrantes valadarenses para os EUA de modo
marcante tem configurado a dinâmica social valadarense nos aspectos culturais, sociais e
econômicos configurando o desenvolvimento não só da cidade, mas também da Microrregião.

Sueli Siqueira
suelisq@hotmail.com
Mestre em Sociologia
Doutoranda em Ciências Humanas / UFMG
Universidade Vale do Rio Doce
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