Salvador Urbanização Cabula
Salvador Urbanização Cabula
Salvador Urbanização Cabula
Resumo
Salvador uma das primeiras cidades do Brasil e apresenta, como vrias outras do pas, graves problemas que refletem a m distribuio de renda. Dentre estes problemas destacamos a questo residencial, o acelerado crescimento dos bairros populares e os seus impactos sobre o meio ambiente. Neste artigo, objetivamos avaliar estas questes sobre o Cabula, um bairro soteropolitano, popular e geograficamente estratgico para a cidade. Palavras-chave: Bairro popular, Crescimento urbano, Impacto ambiental.
Abstract
Salvador is one of Brazil's first cities and like many others in the country, has serious problems that reflect the poor distribution of income. Among these we highlight the housing problem, the accelerated growth of poor neighborhoods and their impacts on the environment. The purpose of this article is to evaluate these issues
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Doutoranda da Universidad Politcnica de Catalua (milaregina@hotmail.com). Professora Dra. da UCSal, da UEFS e da UNEB SSA-BA (rosalifernandes@ig.com.br).
in the Cabula neighborhood of Salvador, which is poor and has strategic geographic importance in the city. Key words: Poor neighborhood, urban growth, Environmental Impact.
Introduo
Muitos so os problemas urbanos vividos, principalmente, nas grandes cidades do mundo atual. Os problemas se tornam ainda mais srios nos chamados pases de Terceiro Mundo. Dentre os mais marcantes destacamos aqui: a questo da habitao e a degradao do meio ambiente (MARCONDES, 1999). Ressaltamos o bairro do Cabula (Figura 1) como um dos mais expressivos na histria recente da cidade. Veremos, a seguir, que o forte e rpido processo de ocupao do Cabula acabou gerando a degradao ambiental de uma rea que, at os anos 1940, se constitua num grande espao verde da cidade. Vale ressaltar que, aps a anlise geral sobre a produo acadmica nas reas de interesse, realizamos pesquisas em diversos rgos pblicos e buscamos informaes em documentos cartogrficos e legislativos. Detectamos, assim, uma carncia de dados para a viabilizao das investigaes, como infelizmente ainda ocorre em nossas cidades, no momento em que passamos para a escala intraurbana. Em funo disto, partimos para o trabalho de campo, efetuando 34 entrevistas com os principais agentes que participaram da formao do bairro. Os resultados desta pesquisa podem ser encontrados integralmente, na tese de doutorado de Fernandes (2000) e no respectivo livro (FERNANDES, 2003), que so as bases do presente artigo.
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vai desde o incio do sculo XX at princpios da dcada de 1950: apresenta um crescimento lento da cidade ao lado de importantes reformas urbanas. O quinto perodo se estende desde o incio da dcada de 1950 at nossos dias e se caracteriza pela implantao de novos fatores de crescimento que se repercutem na rpida expanso metropolitana. justamente nesta ltima fase, onde centramos nossas pesquisas, e onde h um incremento da rea central da cidade. Constata-se, tambm, a construo de bairros ricos, a fixao de invases, a ocupao dos vales, a valorizao das praias como espao residencial (SANTOS, 1959), alm do comeo da expanso horizontal de Salvador (PINHEIRO, 1998). Na configurao da cidade a partir de 1950, a intensificao da urbanizao est diretamente relacionada a alguns fatores importantes para o deslocamento da populao do campo para a cidade, gerando ento a concentrao espacial de habitantes em Salvador. Dentre estes fatores destacamos: Mudanas na base econmica regional agrrioexportadora para a acumulao de base industrial; Expanso dos transportes por rodovias; Implantao da atividade petrolfera no Recncavo Baiano; A criao do Banco do Nordeste do Brasil (BNB); Criao da Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE); Concluso da Hidroeltrica de Paulo Afonso; Instalao do Centro Industrial de Aratu (CIA). O uso do solo em Salvador entre 1950 e 1960 esteve marcado por uma acentuada expanso perifrica que expressa a maneira como a populao urbana se ajustou s novas condies sociais e econmicas da cidade. Salvador cresceu alargando seu tecido urbano alm da necessidade real, em termos do espao ocupado. A expanso horizontal desenvolvida de forma artificial, aprofunda a crise da habitao e a deficincia dos servios pblicos municipais (MATTEDI, 1979).
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Em 1968, Salvador tinha uma populao de cerca de 1.000.000 pessoas e j apresentava uma maior complexidade na distribuio espacial. Se consolidava e se ampliava a densidade populacional em reas com usos residenciais. Com relao aos distintos estratos de renda, a populao com maiores rendimentos seguia concentrando-se nos bairros orientados para o sul e prximos ao mar. Os estratos de renda mdia ocupavam os bairros de centro histrico da cidade, onde eram comuns a deteriorao das construes; aos poucos a referida populao passou a ocupar outras reas no centro, onde comeou a existir uma maior heterogeneidade social e funcional. A populao de renda mais baixa seguia concentrando-se desde o centro histrico at o norte da cidade, nas encostas dos vales, ademais de ocupar tambm o chamado Subrbio Ferrovirio, em bairros isolados e distantes da malha urbana contnua. Vale destacar que uma das primeiras remoes de favelas de Salvador, ocorreu em 1968, feita pela Prefeitura Municipal de Salvador (PMS) e que a destinou ao subrbio; a populao foi removida do Bico-de-Ferro na Pituba para o Lobato (BRITO, 1997). Toda a parte oriental da cidade, em fins dos anos 1960, forma um extenso vazio com densidade demogrfica muito baixa, composta por pequenos ncleos de populao em muitas fazendas. Este era o caso dos locais como o Cabula, Pernambus, Pau da Lima, So Cristvo entre outros. At esta poca a referida regio, que hoje conhecida como o Miolo da cidade (Figura 1), estava caracterizada por atividades rurais realizadas em grandes propriedades pouco exploradas, as quais viriam a sofrer uma futura valorizao com a expanso da cidade naquela direo. A expanso alm das necessidades reais acaba por agravar ainda mais a crise da moradia na cidade, ampliando a demanda pelos servios pblicos municipais. As dcadas de 1970 e 1980 foram marcadas pela continuidade do processo de crescimento espacial tanto horizontal quanto vertical, em que o aumento do custo da terra urbana dificultou a acessibilidade ao solo para a maioria da populao da cidade de Salvador. Devido a isso, a busca da necessidade de
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moradia se realizou em reas da periferia urbana. Cabe salientar que, aqui o processo de ocupao da periferia tambm foi realizado diretamente pelo Governo Federal, atravs do Sistema Financeiro de Habitao, com a construo de grandes conjuntos habitacionais. Em 1980 Salvador apresenta uma paisagem semelhante a um grande mosaico onde: o centro dos negcios tem ndices de verticalizao inferiores aos de vrios bairros residenciais; as moradias de baixa renda se situam tanto entre os bairros de classe mdia na rea urbana contnua periferia social , como em reas dispersas da cidade periferia scio-espacial (FERNANDES, 1992); as atividades industriais e associadas se deslocam do tecido urbano para eixos perifricos principalmente BR 324; o comrcio e os demais servios tm fortes desdobramentos em bairros vizinhos ao centro ou em sua periferia imediata. Como resultado deste crescimento acelerado se pode falar de um caos organizado no sentido de que, apesar da forma problemtica assumida pela expanso urbana anteriormente analisada, a cidade tem sido capaz de assegurar a continuidade do crescimento econmico regional, com maiores benefcios para a reproduo das formas capitalistas modernas (SILVA, 1991). Esta dcada ficou, portanto, caracterizada pelo crescimento da periferia como a forma espacial mais importante da cidade. O Miolo da cidade o grande exemplo da expanso perifrica de Salvador, com a implatao de grandes conjuntos habitacionais, muitas invases e favelas, bem como a existncia de vrios loteamentos legais e ilegais, entre outros. Entretanto, esta poca tambm apresenta um forte crescimento da rea urbana contnua atravs da verticalizao de vrios bairros e da ocupao dos espaos vazios que ainda existiam. A crise nacional a partir de dcada de 1990 gera profundas mudanas na estrutura urbana e social de Salvador que, juntamente com sua Regio Metropolitana, aparecem como formadoras do principal complexo urbano-industrial tercirio do Estado da Bahia e de todo o Nordeste brasileiro (PORTO & CARVALHO, 1999). A cidade passou a ser integrada ao capital industrial e financeiro
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constituindo-se em um ambiente adequado para a reproduo capitalista em escala ampliada. Apesar das mudanas ocorridas nos anos 90, grande parte do contingente populacional soteropolitano est excludo dos benefcios da oriundos. Isto se reflete em uma estrutura interna da cidade com reas residenciais extremamente segregadas e cheias de contrastes que renem, a um mesmo tempo, situaes bem distintas, como por exemplo: setores bem servidos em infraestrutura e bem localizados em termos de acessibilidade, em oposio a uma periferia extensa e miservel. O setor da moradia, como parte inerente deste processo, foi bastante ampliado pelos valores gerados pelo incremento industrial e se localiza espacialmente de forma articulada com os novos comrcios e servios. As famlias com renda mdia e mdia alta se localizaram inicialmente em bairros como Barra, Graa, Ondina e Canela, depois em toda a Orla Martima do Atlntico, com nfase na Pituba, Itaigara, Costa Azul, Boca do Rio, Piat at Itapoan; as famlias de renda inferior, mais numerosas e cada vez mais pobres se localizaram nos bairros do Miolo da cidade, preenchendo os vazios existentes nos conjuntos habitacionais anteriormente implantados, principalmente no Cabula e em Cajazeiras. A expanso do setor da moradia gerou uma demanda de comrcio e servios para as necessidades imediatas e locais - uma demanda considerada secundria para o grande capital. Surgiram tambm novos e pequenos centros de atividades tercirias que formaram novos subcentros comerciais, os centros de bairros. Como conseqncia, se produziu uma descentralizao interna de Salvador e sua conurbao com dois dos municpios vizinhos (Lauro de Freitas e Simes Filho).
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oficias da cidade. Diante disto, no momento em que nos propusemos a trabalhar com a realidade de um bairro especfico tivemos que fazer o esforo prvio de delimit-lo. A populao do Cabula cresce rapidamente (Figura 2), apresentando taxas sempre muito superiores s da cidade como um todo. Este fato demonstra a grande dinmica constatada no bairro, alm de caracteriz-lo como um dos grandes eixos de expanso da cidade em nossos dias. Vale ainda salientar que dita populao se encontra distribuda em diferentes tipos de ocupao residencial como: conjuntos habitacionais de iniciativas distintas; loteamentos legais e ilegais; parcelaes; e invases (SALVADOR, 1985). Figura 2: Populao e domiclios do Cabula e da cidade de Salvador 1970, 1980, 1991, 2000 Anos
1970
Categorias
Cabula
Salvador
1.006.398 182.626 5,51 1.505.383 4,11 300.950 5,00 2.075.273 2,96 488.144 4,25 2.443.107 1,83 651.293 3,75 Censitrios no Geomtrica de
Populao _* Domiclios _* Hab/Dom Populao 13.150 TC** 70/80 * 1980 Domiclios 3.247 Hab/Dom 4,05 Populao 37.132 TC** 80/91 9,90 1991 Domiclios 9.142 Hab/Dom 4,06 Populao 47.238 TC** 96/00 2,71 2000 Domiclios 13.535 Hab/Dom 3,49 * A CONDER no possui delimitaes para Setores perodo anterior a 1980; ** TC Taxa de Crescimento, que corresponde Taxa Crescimento, calculada para os perodos analisados.
Fonte: Elaborada com base em dados e informaes conseguidos na CONDER. 2004. 126
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menores e a se vai transformando o Cabula, tanto atravs de ocupao legal como ilegal. Em termos das ocupaes formais podemos afirmar que foram grandes os investimentos em conjuntos habitacionais, promovidos direta ou indiretamente pelo governo; alm dos conjuntos tambm se estabelecem no bairro os chamados loteamentos legais, ou seja, divises de grandes reas, feitas segundo as normas e regras estabelecidas pela Prefeitura Municipal de Salvador. No que tange s ocupaes informais, onde os problemas ambientais so ainda mais drsticos, destacam-se: os loteamentos ilegais, que so reas tambm considerveis, divididas sem o respeito s normas estabelecidas para tal procedimento; as parcelaes, subdivises posteriores pelas quais costumam passar espaos menos valorizados, dentro dos loteamentos ilegais; e as invases (JACOBI, 2000). Nas dcadas de 1980 e 1990 o processo de ocupao e o descaso com o meio ambiente, tanto na esfera pblica como na privada, prosseguem. Assim, as reas verdes ainda presentes vo rapidamente desaparecendo. O Cabula continua crescendo e, em funo da prpria densificao demogrfica, se tornando cada vez mais atraente tambm para o setor comercial. Esta afirmao pode ser constatada, por exemplo, atravs do aparecimento de uma srie de pequenos centros comerciais que passam a marcar a paisagem do bairro (BEZERRA, 2000). Torna-se ainda importante salientar que a Avenida Lus Eduardo Magalhes, assim como a atual implantao do Projeto Metr de Salvador (SALVADOR, 1998) so intervenes de grande porte que afetam diretamente o Cabula. Com relao aos impactos ambientais podemos afirmar que o Cabula tem sofrido muito com a ao antrpica. Dentre os efeitos mais marcantes desta ao destacamos: o desmatamento indiscriminado para a construo das vias de acesso e dos inmeros imveis a instalados; contaminao dos aqferos existentes (SANTO, 1995); acmulo de lixo e eroso das encostas; o aumento
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Recebido em fevereiro de 2005 Aceito em abril de 2005
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