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Da Justiça À Psicologia Forense
Da Justiça À Psicologia Forense
Da Justiça À Psicologia Forense
Lisboa
2014
Patrícia Sofia Alves de Oliveira dos Passos - Da Justiça à Psicologia Forense
Lisboa
2014
Dedicatória
Dedico este trabalho a ti, aquela a quem devo a vida, a educação e a pessoa em que me tornei!
Dedico-te as horas em claro, as folhas sublinhadas, os livros em pilha, os meses, as horas…
Dedico-te o Direito, dedico-te a Psicologia, dedico-te todo esforço que fizeste, para que os
saberes fizessem de mim alguém com saber!
Por te teres dedicado tanto, só a ti o poderia dedicar, assim como todos os trabalhos que a este
antecederam e todos os que leve a cabo daqui em diante!?
Obrigada Mãe.
Agradecimentos
A todos aqueles que acompanharam estes longos meses nem sempre fáceis, motivantes ou
inspiradores, agradeço o apoio, carinho e paciência.
Em especial agradeço ao meu orientador Carlos Alberto Poiares, antes de mais pelas aulas
dadas no decurso do Mestrado, que me motivaram e levaram a optar por este tema, pelo
entusiasmo, descontração e imenso conhecimento de causa, por temas tão cativantes como os
lecionados. Foi um prazer ser aluna, colega de palco e admiradora de um trabalho notável.
Agradeço igualmente a todos os professores que trataram matérias complexas, ensinando-as,
envolvendo-as e demonstrando-as, tornando-nos assim melhores pessoas e potenciais
profissionais de excelência.
Agradeço ao Dr. Paulo Sequeira pelo apoio e amizade, a quem devo tanto pelos ensinamentos
profissionais como pessoais, assim como aos colegas e amigos da Direção Geral de
Reinserção e Serviços Prisionais da equipa Lezíria do Tejo 2012/2013, em especial ao Dr.
Mário Ferreira e à tão querida Fátima Santos.
Agradeço às colegas e amigas da Câmara dos Solicitadores, Olga, Marta e Catarina por
tornarem mais fácil o meu dia, tornando possível que me dedicasse a este trabalho durante a
noite.
Obrigada aos colegas de curso, pelo companheirismo, pela amizade, pela entreajuda e pela
força que todos partilhámos.
Um especial e merecido agradecimento não só à minha mãe, mas também à minha irmã
Sílvia, por toda a ajuda que me deram nestes anos, sem vocês seria literalmente impossível.
Obrigada a vocês Filipe Rio, Joana Martins e Alexandra Adão, amigos de toda uma vida.
Por fim, um tão grande, sincero e emocionado obrigada, a ti Tiago Sousa, por tudo aquilo que
as palavras não dizem, nem chegariam para descrever e agradecer!
Resumo
Falar sobre motivações ajurídicas do sentenciar implica que se compreenda uma série de
realidades que, ao longo dos séculos, caminharam paralelamente, não obstante nem sempre
estarem interligadas.
Psicologia, Direito e Justiça deveriam ser tidos como um todo, como complementos de uma
mesma realidade - o Homem e o seu comportamento. Não basta a criação legislativa e a
aplicação de penas se não se compreenderem os motivos associados à transgressão, se não
forem tomadas medidas que corrijam, eduquem e enquadrem a realidade social ao contexto do
momento.
É fundamental uma sociedade legislada, segura, mas mais que isso é premente uma sociedade
reeducada onde se compreendam todos os atores sociais, transgressores, vítimas, testemunhas,
aplicadores do Direito, técnicos de polícia e de reinserção, legisladores e até os técnicos
forenses. É fundamental uma sociedade do homem, com o homem, para a compreensão do
mesmo.
Até lá, em que campos se torna fundamental a Psicologia e como poderá esta Ciência atuar
judicialmente, descartando enviesamentos, estereótipos, preconceitos, juízos desprovidos das
internalidades e invisibilidades judiciais é o que nos conduz neste estudo.
Perceber quem são os atores sociais e como agem, porque agem, sob que preâmbulo é ao que
se dedicam as páginas que se seguem, é ao que se dedica a Psicologia Forense, a Psicologia
do Testemunho e é no fundo o que condiciona e motiva o julgador.
Abstract
Talk about the sentencing non judicial motivations implies that it is understood a number of
things that, for centuries, walked alongside, despite not always being interconnected.
Psychology, Law and Justice should be taken as a whole, as complements of the same reality -
humans and their behavior. Is not enough legislative creation and the application of penalties
if they do not understand the reasons associated with transgression, if measures to correct,
educate and frame the social reality to the context of the moment are not taken.
It is imperative that a legislated, safe society, but more than that is pressing a society where
re-educated to understand all social actors, offenders, victims, witnesses, law enforcers, police
technicians and rehabilitation, legislators and even forensic technicians. It is fundamentally a
society of man with man, for its understanding.
Until then, in fields that becomes critical Psychology and how this Science can act judicially,
discarding biases, stereotypes, devoid of judgments and judicial internalities invisibility is
what drives us in our inquiry.
Realize who the social actors and how they act, why they act, under which the preamble is
engaged in the following pages, it is dedicated to Forensic Psychology, the Psychology of
Testimony and is ultimately what determines and motivates the judge.
Key - words: Psychology of testimony, The Sentencing non judicial Motivations, Law and
Psychology, Forensic Psychology.
Índice
Introdução…………………………………..........…………………………………….……...9
Capítulo 1 - Psicologia, Direito e Justiça…………....………………………………….…….12
1.1 - Psicologia e Direito…….............……….....……………….…………………………...13
1.2 - Psicologia e Justiça…………………......……………………………………………...19
1.3 - O Nascimento da Psicologia Criminal via Psicologia do Testemunho………..........….25
1.4 - O Alargamento da Psicologia Criminal para a Psicologia Forense……...…….……….32
Capítulo 2 - Psicologia do Testemunho e Psicologia das Motivações Ajurídicas do
Sentenciar……………………………………………………………………………………..36
2.1 - A Autonomização da Psicologia do Testemunho…………………....………………….37
2.2 - Psicologia do Testemunho………………………………………………………………49
2.2.1- Área Penal………………………..……........…….......…....…………………49
2.2.2- Outras Áreas………………………………………………………………….52
2.3 - Motivações Ajurídicas do Sentenciar……………………………....…………………...55
2.4 - Relação entre ambas………………………………………………...………….……….60
Conclusão……………………............……………………………………………….……….67
Referências Bibliográficas………...........…………………………………………………….69
Introdução
“Ao julgador cabe sempre optar por proposições jurídicas, descortinando se são, ou não,
aplicáveis à factualidade e, caso afirmativo, quais as consequências das mesmas resultantes.
O ato de julgar não pode ser reduzido a uma operação meramente ou estritamente jurídica,
quanto mais não seja pelo facto de os julgamentos envolverem seres humanos e porque
todos aqueles que fazem parte do cenário judicial são indivíduos, isto é, pessoas em sentido
jurídico1” (Louro, 2008).
1
Artigo 66º Nº.1 Código Civil
A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida.
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Capítulo 1
Veja-se a este respeito o próprio conceito de crime segundo a visão processual penal:
“Considera-se crime o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma
pena ou de uma medida de segurança criminais” (CPP, art.1 a))2.
Ora, neste contexto defendem a jurisprudência e a doutrina que, para se justificar a punição de
determinado ato, é pois necessária uma conduta dolosa, o que implica que na análise da
delinquência ou desviância associada se entre no campo da Psicologia, ou seja, na análise do
comportamento humano, da vontade e da consciência ou racionalidade, pois o crime não é
somente uma infração, é também um ato voluntário, que, como toda a ação humana deveria
ter por base uma escolha, e procurar alcançar um objetivo ou uma tentativa de adaptação ou
solução de um problema (Cusson, 2002).
Em Direito Penal o conceito de vontade parte da consciência que o transgressor tem quanto ao
mal que irá provocar e que será consequência direta da sua ação.
O próprio preâmbulo da lei penal aproxima o Direito e a Psicologia, não se conformando
somente com a punição do delinquente, mas procurando acima de tudo reabilitá-lo:
“A esta luz, não será, pois, difícil de ver que também a tónica da prevenção especial só
pode ganhar sentido e eficácia se houver uma participação real, dialogante e efetiva do
delinquente. E esta, só se consegue fazendo apelo à sua total autonomia, liberdade e
responsabilidade.
É, na verdade, da conjugação do papel interveniente das instâncias auxiliares da execução
de penas privativas de liberdade e do responsável e autónomo empenho do delinquente que
se poderão encontrar os meios mais adequados a evitar a reincidência.
Não se abandona o delinquente à pura expiação em situação de isolamento – cujos efeitos
negativos estão cabalmente demonstrados – nem se permite que a administração
penitenciária caia em estéreis omissões e empregue pedagogias por cujos valores o
delinquente, muitas vezes, não se sente motivado nem, o que é mais grave, reconhece neles
qualquer forma de compartição. Sabe-se que, na essência, o equilíbrio entre dois vetores
nem sempre é fácil de alcançar, a que se junta a rigidez das penas institucionais. No sentido
de superar esta visão tradicional, o presente diploma consagra, articulada e coerentemente,
um conjunto de medidas não institucionais que facilita e potencia, sobremaneira, aquele
desejado encontro de vontades. Verifica-se a assunção conscienciosa daquilo a que a nova
sociologia do comportamento designa de desdramatização do ritual e obrigam-se as
instâncias de execução da pena privativa de liberdade a serem co-responsáveis no êxito ou
fracasso reeducativo e ressocializador.” (CPP, 1987)3.
2
DL n.º 78/87, de 17 de fevereiro.
3
Introdução, Parte Geral e Parte Especial, tal como aprovadas pelo Decreto-Lei Nº 400/82 de 23-09, 2010.
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A este propósito, é indiscutível o teor do artigo 40º do Código Penal4 quanto à finalidade das
penas e das medidas de segurança, cingindo-se a aplicação da lei à proteção dos bens jurídicos
e à reintegração do ator infrator, na medida da sua culpa, focando-se assim os campos da
prevenção geral quanto ao primeiro ponto e da prevenção especial quanto ao último.
Acrescenta a doutrina, nomeadamente Dias (2008) que do artigo 40º da lei penal decorre que
a aplicação da pena tem fins exclusivamente preventivos, intervindo o Direito penalista
quando outras formas de intervenção social e legislativa não se mostraram suficientes para a
proteção da comunidade, acrescendo assim a importância da tutela da confiança e das
expectativas da comunidade na vigência da norma violada, que implica uma pena adequada à
gravidade objetiva e subjetiva do crime praticado.
Dias (2008) invoca ainda que, atendendo ao até agora indicado, a pena terá em vista a
socialização do ator infrator, sendo uma advertência, salvo casos de reincidência. Por fim é
defendido o princípio da culpa, sendo esta o limite máximo da pena (Patto, 2008).
Posto isto, é-nos possível falar numa estrutura da penalidade, dividindo o processo de
criminalização em três momentos, e aproximando assim os saberes psicológicos aos saberes
jurídicos.
Num primeiro momento temos a criminalização primária, momento prévio ao crime,
correspondente ao surgimento da normativa incriminatória, que, sendo violada por um
determinado sujeito, sendo este levado a julgamento, vê-se confrontado com a decisão do
tribunal, que avalia os factos conducentes ao ato criminoso e decide num determinado sentido,
traduzindo-se este momento na chamada criminalização secundária. Mas porque a aplicação e
condenação não são o bastante, é necessário chegar-se ao ensejo da criminalização terciária,
onde os órgãos conducentes à reinserção do ator infrator são chamados à intervenção, cujo
objetivo máximo é a integração do sujeito na sociedade, procurando reduzir os riscos de
reincidência na prática de atos delinquentes, conforme ao artigo 54º da lei penal portuguesa5
(Poiares, 1999 e 2006).
4
Artigo 40.º
Finalidades das penas e das medidas de segurança
1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente
na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do
agente.
5
Artigo 54º
Plano de Reinserção Social
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“No podríamos entender el mundo de la ley sin el recurso a todos los modelos psicológicos
que, de modo más o menos explícito, la inspiran (Sobral, 1998, p.20).”
sociais, proporcionar uma vida pacífica tanto quanto possível entre homens e mulheres
inclinados para as paixões.”
Enquanto o Direito, através da justiça pune, captando os comportamentos e catalogando-os de
lícitos ou ilícitos, com foco na normatividade existente, a Psicologia, manuseando
metodologias científicas, acede aos discursos e intradiscursos dos atores sociais envolvidos
nos processos jurídicos. Atendendo ao exposto, Poiares, com base no defendido por Santos
(1986) concluí que ambos os saberes vão além da soma de perspetivas provindas de
disciplinas e pontos de vista diferentes, atuando “como momento de uma atitude dialética na
investigação científica” (Poiares, 2004).
A união de saberes, divergentes porém complementares, quanto ao foco no comportamento do
Homem dá origem à Juspsicologia6, onde se recorre à metodologia da Psicologia para se
chegar ao conhecimento ajurídico que permita ao Direito a melhor decisão para o caso
concreto. A intervenção juspsicológica procura assim conciliar as necessidades do Direito e as
possibilidades disponibilizadas pela Psicologia, adequando-se às situações concretas, aos
cenários específicos e aos atores envolvidos nos atos transgressivos (Poiares, 1996, 1999,
2004).
Do direito, mais concretamente do sistema jurídico-criminal, podem retirar-se duas ideias
base: a primeira, em que o mesmo corresponde a um instrumento para manter a ordem e a
segurança na sociedade; e a segunda, que traduz um mecanismo de atuação que leva a cabo
um conjunto de medidas contra quem viole a lei vigente (Scott, 2010).
O mesmo autor acrescenta ainda que no âmbito do processo jurídico-criminal surgem duas
questões sempre que uma norma é violada pelo transgressor:
6
Acrescenta Silva (2010), citando Poiares (2004): “A intervenção juspsicológica, enquanto discernimento do
Saber e das suas práticas psicológicas no campo da Justiça, consolida um objeto/projeto do conhecimento que
parte de uma concebível articulação entre as normatividades institucionais e as práticas da Psicologia, incidindo-
se numa área pós-disciplinar, composta por aglomerados científicos que, de modo segmentário, se constroem à
volta de entidades juridicamente nosológicas. Estas entidades compreendem as perturbações do comportamento,
que do ponto de vista legal não devem passar despercebidas, visto corresponderem às transgressões, às normas
de (con) vivência social, quer as que dizem respeito às circunstâncias criminais, como as que demarcam o
encontro com outros fragmentos valorativos, como as tipificações contra-ordenacionais e as de natureza civil,
não tendo em conta, as que pelo estatuto de inimputabilidade do sujeito, não chegam a sofrer valorações
criminais. A Intervenção Juspsicológica faz referência a um objecto do conhecimento, que se encontra
disponível para o uso de técnicos de quadrantes distintos: como psicólogos, operadores judiciais e até mesmo
técnicos de reinserção social. No entanto a Intervenção Juspsicológica é ao mesmo tempo um projecto: procura
promover a construção de um novo modelo de gestão disciplinar, tendo como pilar a aproximação da Psicologia
às instâncias da Justiça, em todos os seus momentos da fabricação legislativa ao emprego e execução da lei e à
reabilitação.”
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É neste ponto, para responder a estas questões, que a Psicologia, na sua vertente forense, é
chamada a intervir, apoiando e securizando o sistema jurídico-criminal, em particular, e o
Direito no geral, quanto ao propósito da medida punitiva a aplicar pelo juiz, no que respeita à
adequação e proporcionalidade da mesma, de acordo com a verdade descortinada por ambos
os saberes, assim como na intervenção quanto à medida aplicável com menores riscos de
reincidência, num propósito de intervenção corretiva e reeducativa do próprio sujeito
transgressor, na perspetiva socializadora atrás mencionada; segundo o entendimento de Dias
(1997) correspondente à criminalização terciária, como já havia dito anteriormente.
Face ao exposto e evocando o facto de a conduta humana ser una tanto para o Direito quanto
para a Psicologia, Jiménez (2006) elenca três fases cruciais da intervenção da Psicologia no
âmbito judicial, conducentes aos já falados tipos de criminalização. Numa primeira linha, a
Psicologia deve estudar as peculiaridades da conduta humana e, a partir daí, deverá o
legislador criar eficazmente leis que especifiquem tais aspetos. Posteriormente, deverá a
Psicologia assessorar a Justiça na sua organização social, assim como na resolução de
conflitos. Por fim, mas não menos importante, deve o saber psicológico ser chamado a avaliar
a funcionalidade da lei, quanto à sua adequação às alterações psicológicas que ocorram.
Não obstantes as alterações e atualizações levadas a cabo ao longo dos anos no sistema
judicial, muitos são os desafios que exigem novas técnicas e meios provenientes do direito,
face ao quão desadequado os sistemas tradicionais se revelam. O recurso a esses novos
desafios exige a chamada interdisciplinaridade proveniente de saberes como a Biologia,
Medicina, Antropologia, Psicologia. Sociologia, Criminologia ou Pedagogia, que obrigam a
um “enciclopedismo absurdo” do juiz, oposto à natural divisão de saberes e do exercício
laboral conforme defendeu Ferri (1925), (Altavilla, 1982).
De entre todos, o destaque reside na Psicologia enquanto Ciência que estuda o
comportamento humano, permitindo-se também ele ao apelo de sub-disciplinas no domínio
do Direito, a saber, a psicologia do desenvolvimento, a psicologia clínica, a psicologia
organizacional, a psicologia diferencial, ou a psicologia cognitiva (Fonseca, 2008).
É notório o papel que o psicólogo passou a desempenhar e a tornar peremptório no domínio
da justiça, dado que atendendo ao seu conhecimento especializado perante os restantes atores
judiciais, advogados, mandatários judiciais e do ministério público, espera-se deste
interveniente uma segurança científica com vista a tomadas de decisão mais rápidas, eficazes
e justas, que atendam a pontos prementes, que vão além do senso comum, mas que não o
contrarie, nem contrarie ideologias ou valores dominantes, confinando-se à sua disciplina,
sem entrar em campos reservados ao Direito (Fonseca, 2008).
A este respeito Castro Fonseca defende a regra de Daubert (1993), utilizada com regularidade
nos tribunais americanos, onde os pareceres de especialistas em sede de tribunal devem ser
submetidos a um rigoroso escrutínio científico, dando provas da sua competência,
experiência, treino e educação, para que sem margem de erro, os seus pareceres ajudem o
decisor a compreender as provas ou a estabelecer os factos e conclusões associados ao caso
em análise, com base em métodos e princípios fidedignos (Fonseca, 2006). Uma intervenção
clínica, no sentido da Psicologia Clínica, porém no campo das individualidades, da
singularidade que cada transgressor é.
Um ponto fulcral, analisado em detalhe nas páginas seguintes, é o da intervenção de
testemunhas ou peritos em tribunal, e o do consequente bom ou mau uso da Psicologia nesse
contexto.
Segundo Koppen existem dois pontos principais no decurso de um julgamento que levam ao
desfecho de determinado caso: são eles o de saber se o arguido é ou não culpado, e qual a
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pena a aplicar. Para que o decisor reúna as condições necessárias a proferir uma decisão justa
e assertiva, é necessária a obtenção de provas sólidas (Koppen, 2008).
O perito ou psicólogo forense no campo da obtenção destas provas apenas intervém quanto ao
estudo do comportamento humano, procurando aplicar os princípios ligados a esta área
específica, para apoiar o sistema legal (Huss, 2011).
Os psicólogos podem, portanto, ser uma grande ajuda para o tribunal nos casos em que haja
um crime; não obstante, é imperativo o despiste do mau uso da Psicologia, para que o objeto e
os objetivos da mesma não se confundam com os do Direito (Koppen, 2008).
Haney (1980) e Ogloff e Finkelman (1999) identificaram as principais divergências entre a
Psicologia e o Direito. Primeiramente, o Direito é tendencialmente dogmático, baseado em
precedentes e organizado com base em hierarquias, regras e especificidades muito próprias,
ao contrário da Psicologia que possui um carácter empírico, procurando informações e
conclusões em abundância, esmiuçando o caso concreto, passíveis de alteração em função dos
factos e das perspectivas no decorrer da procura da verdade. Cumulativamente, acresce o
facto de o Direito atender às duas partes – acusação e defesa – e às provas que cada uma
apresente e que conduza em maior escala à verdade provável, e ao que se conclua como
verdade judicial; já a Psicologia procura a verdade objectiva. A par destes factos a Psicologia,
ao contrário do Direito, é descritiva quanto ao comportamento humano, ao passo que o
Direito, prescritivo, dita quais os comportamento que devem ser levados a cabo. Ainda, a
Psicologia é nomotética, focaliza teorias que podem ser generalizadas para outros casos,
sendo também probabilística; já o Direito é ideográfico, focaliza um caso concreto, não se
bastando com probabilidades, mas tão-somente com “culpados ou inocentes” (Huss, 2011),
funcionando em xadrez tensional e maniqueísta. Quanto a este último ponto, os psicólogos
poderão sentir alguma pressão para deduzirem afirmações mais definitivas do que o suposto,
agindo assim contra a ética forense (Fonseca, 2008)7, sendo que os princípios éticos gerais
devem permanecer intocáveis e dominantes, reduzindo ao máximo os eventuais danos
infligidos a qualquer das partes (Fonseca, 2008).8 A efetiva ligação entre justiça e psicologia,
era já abordada na obra de Altavilla, Psicologia Judiciária (1981) e de Mira y Lópes em
Manual da Psicologia Jurídica (1932) (Poiares, 2001).
7
Fonseca defende esta ideia, citando Melton, Petrila, Poythress & Slobogin, 2007, bem como Shuman &
Greenberg, 2003.
8
O autor cita Monahan, 1980.
personalidade criminal (Manita, 2001), o qual tem sido objeto constante de trabalho de
psicólogos e psiquiatras criminais (Debuyst, 2001).
Historicamente, este conceito teve uma evolução díspar, tendo-se desenvolvido ao longo dos
séculos XIX e XX, desde uma racionalidade biológica, atávica, com base na teoria das
degenerescências, para uma racionalidade sociológica, psicológica e mais tarde sócio-
psicológica, bio- psicológica e psicomoral (Manita, 1998 e 2001).
No século XIX, Lombroso (1876), estudioso e autor da Escola Positivista Italiana, baseou o
estudo sobre o criminoso, com uma base anatómica, fisiológica e antropológica. O criminoso
era analisado segundo características e funcionamento morfológico e cerebrais, bem como
segundo as medidas de algumas zonas corporais, como as orelhas, testa, face e crânio,
atendendo-se igualmente à existência de alguma manifestação de arte corporal e ao tipo de
linguagem utilizado. Nestes contornos, desenhava-se o que para Lombroso seria o ‘ser
atávico’, uma ‘besta primitiva’ (Manita, 2001).
A evolução e insuficiência destes elementos de análise levaram o autor positivista a alterar a
sua teoria inicial, contemplando três tipos de criminoso: o criminoso nato, o criminoso
alienado, também designado por criminoso louco, e o criminoso ocasional que, por
insuficiência psicológica, moral ou desenvolvimental, atua criminalmente.
Goring (1913), ao replicar os estudos de Lombroso, concluiu que os mesmos não
diferenciavam criminosos de não criminosos, quanto aos elementos de estudo tidos em conta,
mas tão-somente evidenciavam as características humanas como ‘exageros da normalidade’.11
A par das conclusões de Goring, Ferri, discípulo de Lombroso, avançou para uma abordagem
multifactorial do crime, que atende a factores sociológicos, onde a sociedade é o principal
fomento do crime, para além dos factores biológicos e físicos, que devem ser tidos em conta
em iguais proporções, excluindo desta equação o livre arbítrio do sujeito, acrescentando:
“moralmente ele não é livre, é determinado; socialmente, ele é perigoso”. Aos tipos de
criminosos elencados por Lombroso, o discípulo acrescenta ainda o criminoso profissional, o
criminoso de ocasião e o criminoso por paixão. Noutro prisma, Garofalo evoca os factores
psicológicos e morais para a compreensão do crime, acrescentando a existência de uma lesão
moral no sujeito criminoso, para além das características descritas por Lombroso. Assim, para
além de um atavismo biológico, justificava também um atavismo psíquico (Manita, 2001).
De Greef, Di Tulio, Kinberg, entre outros autores, conduziram ao culminar nos anos 30-50 da
vertente psico-moral, com base em aspectos intrapsíquicos e biopsicológicos. Di Tulio
11
Igualmente defendido por Pinatel (1975); Maguire, Morgan & Reiner (1997); e Manita (1998 e 2001).
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“é uma palavra importante que possui significados diferentes para pessoas diferentes e que
nem sequer encontrou ainda os contornos do significado que lhe é corretamente adscrito”;
“um núcleo comum aos diversos conceitos criminológicos de crime. Todo o conceito
criminológico de crime assenta necessariamente numa dupla referência: uma referência
jurídica e uma referência sociológica” (Rua, 2006).12
12
Conforme a Dias & Andrade, 1997.
13
Segundo o já defendido por Crowther, 2007 e Feldman, 1993
14
Ideia defendida in Forensic Psychology, p. 9.
15
O autor cita McGuire, 2004.
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Por seu turno, a Psicologia Criminal, situada entre a Psicologia Forense e a Criminologia,
vem ocupar-se do estudo do ator desviante, da sua delinquência e desempenho no ato
criminoso, da sua vida, trajeto e personalidade (Rocha, 2001).
Surge-nos como ciência que estuda o acesso aos discursos e comportamentos dos atores
sociais do processo de criminalização, expressão divulgada por Touraine (1985) e
desenvolvida por Debuyst (1990), cujo objetivo é a compreensão e descodificação dos
mesmos, para que a tomada de decisão por parte dos decisores legais seja o mais conforme à
realidade dos factos (Poiares, 2001).
Antes de se passar a indicações mais práticas, veja-se o percurso da Psicologia Criminal no
decorrer da sua existência, em contexto nacional, tendo em conta o já anteriormente referido a
propósito da evolução do conceito de crime, de perigosidade e de personalidade do sujeito.
Uma importante obra inerente à história da Criminologia em Portugal, intitulada de “História
da criminologia contemporânea sob o ponto de vista descritivo e científico” (1896), também
conhecida por “Galeria de criminosos célebres em Portugal”, vem focar a visão de alguns
autores nacionais, baseada em importantes autores internacionais.
Para Joyse, cuja descrição do criminoso seguia o defendido por Lombroso e Garófalo, aquele
seria alguém isolado socialmente, com características psicológicas e fisionómicas muito
próprias, que apenas na prisão poderia alcançar a cura. Pinto vem nesta obra indicar quais os
factores primários da causa do ato criminoso, enaltecendo o papel do consumo de substâncias
como o álcool ou de doenças mentais para a prática de crimes. Macedo, considerado o
primeiro investigador português de Antropologia, acrescenta algo importante na visão do
crime em Portugal, focando a causa social como determinante na prática do ato, defendendo
assim a corrente pós lombronsiana, cuja máxima seria a inexistência de crime sem sociedade,
e a consequente inexistência de criminoso sem meio social. Este autor contesta assim, em
meados de 1892, a teoria publicada por Lombroso em 1876. Em 1900, na obra Bosquejos de
Anthropologia Criminal vai mais longe, evidenciando nexos causais como crime e loucura,
desnerescência e criminalidade, temperamento e criminalidade, tatuagem e delinquência,
mendicidade, alcoolismo, imputabilidade, responsabilidade penal, educação e crime,
delinquência juvenil, reincidência (Rocha, 2001).
A evolução nacional e internacional do conceito de crime e, consequentemente, da condução
da Ciência de estudo a ele associada, bem como aos restantes fatores que hoje a compõe, leva-
nos a falar da Psicologia Criminal que engloba não só o sujeito delinquente, mas todos os
sujeitos participantes no processo de criminalização: legislador, transgressor, aplicador,
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vítima, opinião pública, opinião política, polícias, serviços prisionais e de reinserção, e demais
intervenientes prévios ou não à passagem do transgressor pelos vários estágios de
criminalização. Esta ciência, formada por todos os componentes adquiridos ao longo da
História, pretende de forma absolutamente imparcial captar o que esteja para além do
imediato, do visível e do declarado, subjugando-se às internalidades sobre as quais a
Psicologia incide, através do estudo, explicação e conhecimento, que levem o decisor a
conhecer também ele a vítima ou o transgressor. A Psicologia Criminal assume, no
entendimento de Poiares (2001), uma vertente de Arqueologia e de Futurologia, na medida em
que procura desvendar o crime, as suas interações e interferências. Procura, assim, chegar a
um conhecimento do ator sobre o qual incide a análise em concreto em cenário judicial, seja
ele vítima ou transgressor, de modo que a justiça sem o auxílio da Psicologia não conseguiria.
Na vertente da Arqueologia o psicólogo busca o conhecimento passado do sujeito; já quanto à
Futurologia incide sobre a prevenção especial, no âmbito da fase terciária da criminalização,
onde a pena para além de ser proporcional à culpa do transgressor, deve igualmente
considerar a sua reinserção (Poiares, 2001). Nesta linha, reevoca o defendido por Lima
(1958):
“Por isso, modernamente interessa mais à sociedade que o crime se não repita do que o
crime se expie. Para tal é necessário estudar antecipadamente o criminoso, procurar
descobrir as causas que o levaram ao crime, se ele tem ou não a compreensão do acto
praticado…” (Lima, 1958).
16
Também defendido por Agra, 2005.
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“Existe o crime? É claro que não. O crime é uma entidade abstrata, o que há é criminosos.
O juiz que condena em função do crime em si torna-se defensor de uma criminalidade
artificial. Antigamente o legislador fazia uma classificação dos crimes e criava uma espécie
de tabela, isto é, aplicava-se o castigo ao crime e não ao criminoso. Ora, os criminosos são
diferentes, os crimes não são condenáveis do mesmo modo. Urge portanto na aplicação da
pena, atender ao “criminoso” que está sentado no banco dos réus; a pena aplicada a um
cadastrado não pode ser a mesma que aplicada a um homem de bem. O juiz tem que ser
inteligente, pois encontra uma lei que é abstrata, que deve aplicar-se a um ser concreto.”
(Lima, 1958, p.90-91).
Definir a Psicologia Criminal apenas pelo seu objeto seria assumi-la como sinónimo de
Direito Penal. Esta vai mais além, enquanto o Direito Penal procura organizar e categorizar a
realidade, interpretando leis e jurisprudência, punindo, a Psicologia Criminal pretende
conhecer a realidade, observá-la e experimentá-la, descrevendo e explicando o
comportamento dos diversos atores sociais (Cusson, 2011).
O direito penal indiretamente ao lado da sociologia, desenham os contornos do controlo
social, cuja definição respeita aos “meios implementados pelos membros de uma sociedade
com o objetivo específico de conter ou reduzir o número ou a gravidade dos delitos” (Cusson,
2011).
17
Entre outras e tão importantes teorias e autores que nos levariam a dissertar sobre um tão amplo tema como o
dos contornos do Crime, De Greef defendeu que uma teoria sobre o crime quanto ao comportamento criminal,
estaria relacionada com a forma como o transgressor visse o crime, nomeadamente se nele emergisse um
sentimento de injustiça, que contaminando a sua personalidade a envolveria numa atitude criminógena, na
prática de delitos. Já Di Tullio molda o conceito de crime com base numa contaminação social, caso o sujeito
não consiga equilibrar o seu eu interior com o seu eu social. (López-Rey, 1970 in Crime).
Também Maurice Cusson (1983) na obra Le Contrôle Social du Crime, defende que dos aspectos mais
importantes do crime, é a compreensão do que esse signifique para o sujeito, com base em quatro aspetos: a
habituação ao ambiente criminógenos; a imaturidade do sujeito; os handicaps onde se destacam três contextos
que conduzem à passagem à normatividade ou à continuação no mundo do crime – a família, o trabalho e as
capacidades psicológicas; e por fim as dificuldades ligadas à vida pós penal, quanto se trate de contextos de
reincidência.
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Cada ser humano, na sua relação de proximidade com os demais, procura um equilíbrio
excludente de atos contrários à lei e à confiança recíproca, com base na proteção da pessoa, da
propriedade e dos direitos universais, surgindo assim três setores sociais que atuam a este
nível, de acordo com a sua lógica e contextos: os controlos informais, levados a cabo pelos
pais, os pares, a escola, atuam conducentes à conformidade do sujeito dentro da sociedade; a
prevenção situacional, direcionada para a proteção dos bens e das pessoas nos locais com
maior probabilidade para a ocorrência de crimes; e, por fim, o setor designado para a punição
propriamente dita, por parte da força pública, espaço este confinado às sanções penais num
determinado ordenamento jurídico, à sua imposição e execução (Cusson, 2011).
A respeito da Psicologia Criminal, Lon Radzinowicz em In Search of Criminology, resumiu
num só pensamento, em 1961, algo que espelha tão bem a sociedade atual:
“No atual estado do conhecimento seria melhor que se deixasse de lado até a tentativa de
elucidar as causas do crime. O máximo que se pode fazer é deitar um pouco de luz sobre a
combinação de fatores e circunstâncias associadas ao crime” (López-Rey, 1970, p. 285).
Nos meandros do crime, da Psicologia Criminal e da função do sistema penal perante estas
realidades, questiona-se como atua a justiça perante o crime, a compreensão do transgressor e
a sua reabilitação, aspetos fundamentais da psicologia criminal.
Cusson (1983), evocando Durkheim, argumenta em sentido favorável ao da educação moral
exercida pelo tribunal aquando da aplicação da medida punitiva. Mais do que punir a
desordem gerada pelo transgressor, a aplicação da pena visa compensar as convicções e
valores da sociedade, a sua coesão.
Neste sentido, a reeducação do transgressor é ponto assente, tendo-se chegado a utilizar a
expressão: “exorcizar os fantasmas do mal que se infiltram no espírito dos cidadãos que
violam as leis” (Cusson, 1983, p.148), como justificação para a aplicação de penas e da
necessidade de reabilitação do transgressor.
Assim pode dizer-se que à Psicologia Criminal importam principalmente três atores principais
que constituem a génese das várias fazes da criminalização.
Importam o legislador, o aplicador e o transgressor. Não existiriam transgressores e logo
violação de normas, se as mesmas não fossem em algum momento criadas enquanto
proibitivas ou punitivas de determinada ação ou omissão, assim como todo o crime exige
punição e naturalmente alguém que a leve a cabo.
As discursividades destes três sujeitos relacionadas entre si e entre os demais atores sociais,
acabam por influenciar todo o sistema de justiça (Louro, 2008).
Desde cedo começou a fazer sentido procurar algo que permitisse compreender o
comportamento humano no âmbito criminal, perceber o porquê de algumas pessoas
cometerem atos irracionais, impraticáveis, violentos e até mesmo ‘loucos’ (Kitaeff, 2011).
Neste sentido, alguns autores debruçaram-se sobre esta preocupação, entre os quais, o juiz
inglês Henry de Bracton que, em 1256, formulou o teste wild beast test no sentido de
identificar quem cometia crimes, mas que não seria moralmente responsável pelas suas ações,
por ser considerado uma ‘besta’ não criminosa, nas palavras de Bracton.
Esta ideia tem persistido ao longo dos séculos, e sido alvo de longos desenvolvimentos e
considerações, compondo uma matéria visível a todos, até aos leigos em
psicologia/psiquiatria. Regina v. Burne (1960), citado por Kitaeff (2011), apresenta o exemplo
básico de uma mulher profundamente apaixonada poder ficar cega de raiva ao descobrir que o
seu companheiro a trai, podendo esta facto levá-la a cometer atos criminosos que noutro
contexto não praticaria. Qualquer jurado chega à conclusão de que se trata de uma
perturbação mental, sem a ajuda de um técnico de Psicologia/Psiquiatria. A este respeito
indica Kitaeff (2011) a visão do juiz Benjamin Cardozo (1915), que defende que nem todos os
atos errados podem ter a conotação do que “errado” significa para o sistema legal, sendo
necessário apurar as circunstâncias do ato em si.
Não obstante a Psicologia Criminal reconhecer importância no tratamento de aspectos
relacionados com o comportamento da polícia ou da comunidade quanto à posição que
adotem face ao crime, o objeto de maior interesse desta disciplina, é o transgressor (Fonseca,
2006).
A Psicologia Criminal chega até nós como estudo das causas do crime, conforme indicam
Dias & Andrade (1997), pelo que a existir a compreensão e a afirmação da Psicologia no
mundo legal, e da necessidade de conhecer, explicar e catalogar os factores conducentes aos
atos criminais cometido pelo transgressor, de quem a Psicologia Criminal se ocupa, chega-se
à afirmação da Psicologia Forense (Fonseca, 2006).
Esta área da psicologia diz assim respeito ao estudo e aplicação das ciências naturais,
psicológicas e sociais na resolução de problemas sociais e legais. A Psicologia Forense diz
respeito a toda a atividade do psicólogo na área judicial, sendo que a sua designação não é
uniforme, assumindo uma terminologia diferente consoante o país e o tempo a que nos
18
Citando Blackburn, 1966 e Pllock e Webster, 1993.
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mesmo que tal obste aos interesses do sujeito avaliado; a Psicologia Forense caracteriza-se e
distingue-se dos demais ramos da Psicologia pelo conhecimento abrangente quanto ao
funcionamento do sistema legal (Fonseca; 2006).
Mas recuando aos primórdios desta disciplina, é comum entender-se a Psicologia Forense
como algo recente, o que não é verdadeiramente correto, uma vez que são várias as
referências a este ramo da Psicologia, em textos anteriores ao século XX. A Alemanha e a
Itália ganharam destaque histórico entre os europeus no que respeita ao tratamento de uma
nova vertente da Psicologia à época, a Psicologia Experimental, em meados do século XVIII,
sendo que foram surgindo preocupações quanto à explicação do crime e às intenções do
sujeito aquando da prática do mesmo. Aos poucos, a Psicologia Forense, díspar da Psicologia
Jurídica, uma disciplina associada à Psicologia do Direito, passou a ser encarada como um
saber individual, mais próximo da Psicologia Criminal e da Patologia Forense, até começar a
caminhar confortavelmente enquanto ramificação autónoma da psicologia, no decorrer no
século XX, mais vincadamente nos anos 30 e 40, pela mão de juristas, em época marcada pela
guerra mundial e com abundância de estudos e trabalhos psicológicos que surgiram à época.
A Psicologia Forense atinge o seu auge nos anos de 50 e 60, entre movimentos políticos e
sociais, com destaque e envolvimento de outros saberes a par da Psicologia, como a
Economia, a Antropologia e a Sociologia, quando o psicólogo começa a ser chamado a
intervir em contexto judicial, enquanto perito. Nos anos 70 dá-se um aumento dos trabalhos
empíricos e teóricos quanto a esta temática, o que a vem dar mais a conhecer e a denotar o
carácter cada vez mais relevante da psicologia em contexto jurídico, na sociedade. Por fim, na
década de 80, alcança-se o ensino académico da psicologia forense e a integração do
psicólogo forense em contexto jurídico, com uma maior abrangência de competências
profissionais. No decorrer da década seguinte, não só a par da evolução da justiça e da
Psicologia neste campo de atuação, também a opinião pública passa a encarar o psicólogo
como elemento importante para a compreensão do comportamento das Pessoas e para o
entendimento do que justifique os seus actos agora julgados em contexto jurídico-criminal.
Ao longo do século, as conquistas da Psicologia Forense e os motivos que a tornam numa
área promissora dentro da Psicologia atual, segundo o entendimento de Allbarrán (1990),
citado por Jiménez (2006), centram-se na extensão do âmbito de aplicação dos métodos,
técnicas e princípios da Psicologia a novos campos do Direito, na admissão de carácter
profissional ao psicólogo forense, na amplitude de competências reconhecidas aos
profissionais da Psicologia Forense por parte dos tribunais, magistrados e juízes, assim como
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Capítulo 2
Psicologia do Testemunho
e
Psicologia das Motivações Ajurídicas do Sentenciar
Artigo 2º
Definições
Para os efeitos da presente lei considera-se:
a) Testemunha: qualquer pessoa que, independentemente do seu estatuto face à lei
processual, disponha de informação ou de conhecimento necessários à revelação,
percepção ou apreciação de factos que constituam objecto do processo, de cuja
utilização resulte um perigo para si ou para outrem, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo
anterior;20
19
Reforçando o já defendido por Poiares em 2001 e 2009.
20
Para efeitos de compreensão do disposto no artigo 2º da Lei 93/99, consta do artigo 1º números 1 e 2 o
seguinte: 1 - A presente lei regula a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal
quando a sua vida, integridade física ou psíquica, liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente
elevado sejam postos em perigo por causa do seu contributo para a prova dos factos que constituem objecto do
processo.
2 - As medidas a que se refere o número anterior podem abranger os familiares das testemunhas, as pessoas que
com elas vivam em condições análogas às dos cônjuges e outras pessoas que lhes sejam próximas.
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transgressor, traduzindo-se num interesse social geral, quanto à aplicação da lei e à realização
da justiça (Rodrigues, 2002).
Em julgamento, o acto de testemunhar21 ganha especial relevância, sendo fundamental o papel
da Psicologia do Testemunho, uma vez que em tribunal vigora o princípio da oralidade,
conforme o artigo 96º do Código de Processo Penal:
Artigo 96º
Oralidade dos atos
1 - Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prestação de quaisquer declarações
processa-se por forma oral, não sendo autorizada a leitura de documentos escritos
previamente elaborados para aquele efeito;
2 - A entidade que presidir ao acto pode autorizar que o declarante se socorra de
apontamentos escritos como adjuvantes de memória, fazendo consignar no auto tal
circunstância.
3 - No caso a que se refere o número anterior devem ser tomadas providências para defesa
da espontaneidade das declarações feitas, ordenando-se, se for caso disso, a exibição dos
apontamentos escritos, sobre cuja origem o declarante será detalhadamente perguntado.
4 - Os despachos e sentenças proferidos oralmente são consignados no auto.
5 - O disposto no presente artigo não prejudica as normas relativas às leituras permitidas e
proibidas em audiência.
Em tribunal todos os momentos importantes são feitos com base no princípio da oralidade - os
actos processuais são orais, a decisão tem por base a forma oral, através da audição do
depoimento das testemunhas, assim como o interrogatório ou o contra-interrogatório e
posteriormente a leitura da própria decisão – onde o discurso é de suma importância, quer em
sede de julgamento, quer externamente a este, por exemplo através das discursividades
político-legislativas, as discursividades levadas a cabo pela comunicação social e a opinião
pública em geral.
O legislador adopta antes de mais o princípio da oralidade por este permitir um contacto
direto, interativo e imediato do tribunal com as demais partes, possibilitando a avaliação da
credibilidade das declarações dos restantes participantes processuais, com especial destaque
das testemunhas e dos peritos chamados a pronunciarem-se sobre uma qualquer área do seu
conhecimento.
O depoimento enquanto ato verbal, liberta a testemunha, na medida em que esta procura,
convencer, ser credenciada, querendo reproduzir e pormenorizar tudo quanto releve e conduza
à exatidão (Altavilla, 1982).
Por oposição ao depoimento verbal, Altavilla (1982) indica como limitativo e repressivo o
21
Em termos homógrafos, surgem conceitos cuja pronúncia e ortografia são iguais, não obstante o significado
ser divergente. Surge como exemplo que importa no contexto em que nos encontramos, o “testemunho”.
Testemunho surge-nos como o acto de presenciar algo, bem como o acto de tornar público aquilo que se
presenciou (Correia, 2005).
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depoimento pela via escrita. Antes de mais porque a testemunha não tem como libertar as suas
recordações e dar-lhes a emoção semelhante à realidade que a evocação dos acontecidos tem
aquando da sua reprodução oral. Por outro lado, não são obtidas as mimicas das emoções, as
comunicações não verbais, que acompanham o discurso das testemunhas e, ainda porque a
escrita dá aso a acrescentos por parte de quem as vá analisar, de acordo com as suas
interpretações. A este respeito Altavilla cita Locard:
“A narração, já tão pouco conforme ao seu primitivo registo, não figura no processo; na
prática, as palavras recolhidas pelo inquiridor são por ele traduzidas num texto incolor,
numa linguagem uniforme. Se o redator é um ‘gendarme’, encherá a narração de advérbios
explicativos, daqueles epítetos sonoros, que são próprios da classe. Se é um agente de
polícia, redigirá um daqueles monumentos de literatura infantil, feita de ‘clichés’
característicos dos comissariados e postos de polícia. Se for um juiz, dissecará, numa
página demasiadamente precisa e exacta, as frases dos depoentes. Mas, em todos os casos,
deu-se uma substituição de personalidade entre o inquiridor e a testemunha. As
contradições, as imagens, a vida daquela narração, desapareceram. O depoimento escrito
não passa de um cadáver mumificado, do qual desapareceu, definitivamente, tudo o que
nele podia haver de útil e de sincero. Um depoimento que não foi estenografado é a mais
vergonhosa mentira judiciária e a condenação absoluta da prova testemunhal.”
É ancestral a importância do discurso, que já com Aristóteles era visto como o conjunto de
argumentos ou meios persuasivos onde a retórica surgia como modo de diferenciar a
verdadeira persuasão do que somente surgisse como simples possibilidade de persuadir.
Segundo este filósofo, constituem meios não técnicos de persuasão as leis, os tratados, as
testemunhas, os documentos e as confissões obtidas pela tortura, por já existirem e por não
estarem intimamente ligadas ao narrador, por não dependerem da sua arte, ao contrário dos
meios técnicos que já obrigam à arte da retórica do sujeito, segundo a sua personalidade,
segundo o interesse despertado no público e segundo as características próprias do discurso,
sendo ele deliberativo, forense ou de exibição (Anastácio, 2009)22.
Assim, o objetivo último do discurso é agradar, convencer e comover, apelar à emoção
segundo Aristóteles, por meio da persuasão, por via da elocução.
“A linguagem não é a única forma de comunicação, mas sim a mais rica e complexa. É a
aquisição mais importante da nossa espécie. Sem ela, a civilização que hoje conhecemos
não existiria. Teria sido impossível avançar no conhecimentos científico, coordenar as
actividades do trabalho, estabelecer as relações internacionais, transmitir o saber educativo
de uma geração para outra… Sem linguagem, a literatura, a psicologia, a filosofia… seriam
inimagináveis.” (in Psicologia para todos: guia completo para o crescimento pessoal, p.
22
A autora tem por base o já defendido e evocado por Graça (2008) in Aspectos Metodológicos do Discurso
Judiciário.
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210)23
Relembre-se que o que se procura em tribunal é a obtenção da verdade material, com base na
veracidade dos testemunhos, que essa a ser verdadeira para o depoente, pode não sê-lo para o
recetor da mensagem, por não ter presenciado os factos, até porque o que maioria das vezes
acontece é a apreensão do real pela testemunha entre os enviesamentos dos seus estereótipos,
crenças e emoções (Anatácio, 2009)24.
Obriga-se aqui ao exercício por parte do recetor da mensagem da testemunha, o juiz, à
compreensão de que o real que se constrói em torno dos factos por parte do sujeito que os
narra está ligado à sua personalidade e à adequação da realidade de acordo consigo mesmo,
segundo o princípio adaequatio rei et personae (Correia, 2005).
Assim, a verdade que se consegue alcançar é a verdade judicial, o que se apure em julgamento
como verdade, conforme indica Poiares (2008), sendo certo que é possível que sinceridade e
veracidade sejam realidades dissociadas. A respeito da sinceridade, esta exige uma
correspondência direta à personalidade do sujeito e ao seu percurso de vida, à sua
autenticidade, conforme indica Correia (2005).
O autor justifica este argumento com base no defendido por Aristóteles na obra Ética e
Nicómaco: “(…) quem tiver uma obsessão pela verdade, e se for sincero até em questões
insignificantes, sê-lo-á por maioria de razão também na que são importantes”
Correia (2005) argumenta igualmente com o recurso ao imposto por Kant na obra Sobre um
pretenso direito de mentir por amor aos homens a propósito da veracidade enquanto requisito
de justiça, compreendendo-se a exigência desta em tribunal sob o corolário de ‘juro dizer a
verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade’: “É portanto, um mandamento sagrado
da razão, que ordena incondicionalmente, não restringido por nenhuma conveniência: deve-se
ser verídico em todas as declarações”.
Não obstante um determinado facto narrado ser verídico25, correspondendo efetivamente à
23
Nas primeiras décadas do século XX, Vigotsky, caracterizava a linguagem como actividade humana superior
às demais, composta por muitas das características que integram a memória ou o pensamento. Este autor
influenciou outros a partirem da linguagem enquanto mediador cultural e instrumento de conhecimento
comunicação e recetor de informação (Ramos & Rocha, 2008).
24
Citando o evocado por Alonso – Quecuty (1993) in Interrogando a testigos, victimas y sospechosos: La
obtención de información exacta.
25
Defende Correia (2005) que sendo o testemunho algo que se assume e se mostra por si nos factos narrados, se
for verídico, constitui prova mais que bastante para o apuramento da verdade, face aos demais meios de prova,
como a prova documental, a confissão, a prova pericial ou as presunções (in Testemunhalidade – significação e
veracidade, revista da ordem dos advogados, 2005, p. 886). Acrescenta ainda a veracidade pode ser posta em
causa por não ser infalível, devido à fragilidade da memória. Já Aristóteles, invocado por Correia, definia a
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verdade, apenas o é para o sujeito, podendo não sê-lo para os demais, como o juiz, que poderá
achar que no discurso da testemunha não há veracidade. Por outro prisma poderá o discurso
ser sincero, ou seja, baseado no que para o sujeito seja a sua verdade dos factos, não obstante
não o ser, o que acontece no caso das falsas memórias, poe exemplo (Louro, 2008).
A par dos desenvolvimentos e dos estudos levados a cabo por brilhantes autores no início e
decurso do século XX, entre os quais se destacou Binet, autor dos testes de inteligência,
começaram a ser detetados os erros judiciários que chegavam ao conhecimento da opinião
pública e dos órgãos de comunicação social, evidenciando a realidade que revela que os juízes
são homens, tão falíveis quanto os demais. Os erros desvendados ocorriam na maioria dos
casos porque o tribunal assumia o depoimento das testemunhas como certo e inquestionável,
sem que dispusessem de qualquer conhecimento que lhes permitisse perceber se a mentira
seria ou não intencional e se aquele discurso, essencial para o alcance da verdade, seria fiável
e credível (Poiares e Louro, 2012).
Altavilla (1982) acrescenta a este respeito que é recorrente confundir-se sinceridade, ou seja a
voluntariedade do depoimento ser verdadeiro ou falso, com fidelidade, que traduz a
capacidade de a testemunha aceder à sua memória de relatar os factos com exatidão.
Também a credibilidade não deve confundir-se com a fiabilidade. A credibilidade
corresponde a um traço da personalidade do depoente, podendo resultar do contexto social,
económico ou profissional do qual o sujeito faça parte; já a fiabilidade está associada a um
estado do depoente, da forma como naquele momento ele comunica, a postura que apresenta,
o saber estar no decurso do julgamento. Note-se que o formalismo característico do Direito,
emerge no desconforto e condicionalismo da fiabilidade que seria esperada num determinado
depoimento, justamente porque o sujeito vê-se num contexto que não é o seu, integrando um
cenário pesado, sugestivo, hostil, inquisidor e por vezes codificado (Poiares & Louro, 2012).
Cabe ao juiz o exercício de subter a exame a veracidade, sinceridade, fidelidade e
credibilidade dos testemunhos, por forma a construir a verdade dos factos (Altavilla, 1982).
Intimamente ligado à Psicologia do Testemunho, temos o que faz do homem aquilo que ele é,
a memória. Sem memória, não existiriam nexos entre acontecimentos, não existiria
continuidade, não nos conheceríamos a nós, nem ao outro. A par desta verdade indubitável,
uma outra insurge-se, a de a memória ser flexível, sujeita a incoerências, falsidades
verdade como a adequação entre o intelecto e as coisas (Veritas est adaequatio intellectus ad rem), projetando o
testemunho para uma verdade de segundo grau, por se chegar a ela apenas por meios indiretos.
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conscientes ou não, insignificantes ou tão significativas que podem arruinar vidas (Loftus,
2008).
Com isto quer-se dizer, que se atende aos processos psicológicos básicos, no ato do
testemunho, ganhando estes um enfase acrescido.
No processo psicológico ‘perceção’, atendendo aos fatores externos e internos a que o sujeito
esteja exposto, subjaz tudo quanto atribua um qualquer significado às experiências vividas
pelo ator que testemunhe, destacando-se fatores como as experiências afetivas de cada sujeito,
os automatismos mentais ou as experiências vividas habitualmente, o stress ou a violência
associada a certas experiências presenciadas (Ambrosio, 2010).26
No que respeita à memória, esta traduz-se na capacidade para armazenar, processar e
recuperar a informação que chega até nós do mundo exterior. Relacionado com a memória,
existe o conceito de aprendizagem, ou seja, a aprendizagem enquanto aquisição de
informação anteriormente desconhecida, passa a persistir em nós graças à memória, para que
consigamos aceder mais tarde a estes conteúdos (Ramos & Rocha, 2008).
A memória é assim um processo responsável pelos mecanismos associados ao
armazenamento das informações e experiências obtidas, o que implica as fases de fixação,
retenção e evocação dos vividos (Ambrosio, 2010).27
Para aceder à memória, o que é essencial no ato de testemunhar, sendo a chave de todo este
processo, existem alguns factores que podem condicionar e até mesmo distorcer a evocação
da informação, entre os quais pode-se elencar o lapso temporal decorrido entre o vivido e a
evocação dessa informação, a violência ou trauma associados a essa experiência, que tende a
impelir o sujeito a reprimi-la no seu inconsciente, eliminando ou fragmentando certos
conteúdos que constituiriam a sua memória, ou até mesmo a idade ou sexo do
sujeito/testemunha (Ambrosio, 2010).28
Importa ainda que se atenda aos vários tipos de memória, que se encontram intimamente
ligados à forma como a informação é apreendida pelos sentidos; ou seja, a memória pode ser
visual, olfativa, verbal e táctil, armazenando a informação nos locais certos de acordo com a
entrada sensorial, agrupados em memória das palavras, do rosto, das formas, dos cheiros, e
assim por diante para todas e quaisquer memórias que sejam agrupadas na nossa mente
(Ramos e Rocha, 2008).
26
Citando Mira y Lópes, 2009.
27
O autor invoca o já defendido por Atkinson, 2002.
28
Com base no defendido por Mira y Lópes, 2002.
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Podemos falar, logo à partida, em memória de curto e de longo prazo. A memória de curto
prazo diz respeito a evocações imediatas, de capacidade limitada, ao passo que a memória de
longo prazo respeita a evocações de capacidade ilimitada, onde são agrupadas e armazenadas
maioritariamente as informações conotadas de relevante emoção para o sujeito. Dentro da
memória de longo prazo distinguimos ainda entre memória procedimental; a memória
episódica, respeitante ao armazenamento de informação em momentos e lugares concretos; e
a memória semântica que se reporta ao significado de tudo quanto apreendemos, permitindo-
nos fazer associações entre nomes e objetos ou lugares (Ramos & Rocha, 2008).
É-nos ainda possível distinguir entre memória recente e memória remota, quanto à duração
das memórias, onde as antigas tendem a prolongar-se por um período extenso ao contrário das
mais recentes.29
Para além das elencadas, fala-se ainda nas memórias declarativas por oposição às memórias
procedimentais, sendo que as primeiras comportam factos ou dados imediatamente acessíveis
à consciência, como rostos, cheiros, canções, sinais, enquanto as segundas tratam da aquisição
de hábitos e procedimentos, o comportamento ou a aprendizagem da condução (Ramos &
Rocha, 2008).
Por último, no âmbito dos processos psicológicos básicos, importa referir a importância das
emoções no testemunho. Dificilmente uma testemunha consegue reproduzir com exatidão o
que efetivamente ocorreu, isto porque, segundo Mira y Lópes (2002), citado por Ambrosio
(2010), não existe inteligência verbal quanto à reprodução da realidade exterior vivida ou
presenciada pelo sujeito.
Atendendo aos vários argumentos acima descritos, a Psicologia do Testemunho integra-se na
Justiça enquanto ramo da Psicologia Forense, para declinar este tipo de erros, cometidos e
atribuídos à responsabilidade do tribunal. Ao basear-se nas discursividades das testemunhas,
ou seja, aqueles que estiveram no local ou estiveram de algum modo a ele ligadas no
momento do acontecimento levado a julgamento, sempre que estas sejam chamadas a
participar do mesmo, tratando assim das narrativas obtidas, valorando e fiabilizando as
mesmas, com vista à obtenção da verdade, de uma decisão digna do processo em curso.
Perante estes dados, ao juiz compete, avaliados os demais elementos, ou na falta deles,
confissão ou prova documental, atender à prova testemunhal ou pericial, validando o
testemunho de um ou mais depoentes e em alguns casos validando as narrativas de uns
29
Este fenómeno é denominado de Lei de Ribot, sendo flagrante o enunciado por esta lei, quando nos deparamos
com anciãos que mais rapidamente recordam momentos da sua vida jovem ao contrário do vivido nos seus
últimos anos.
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depoentes contra as dos demais, por em termos de fiabilidade existirem incoerências (Poiares
& Louro, 2012).
A prova testemunhal exige os seguintes aspetos legais, segundo o Código de Processo Penal:
A testemunha deverá ser inquirida de acordo com o seu conhecimento direto sobre os factos,
que constituam objeto de prova, sendo admitido que se pronuncie sobre a personalidade e o
carácter do arguido se tal se mostrar indispensável para a prova, nomeadamente quanto à
culpa do agente, nos termos do artigo 128º. Poderá o juiz chamar a depor aquele que constitua
um testemunho indirecto, por ter ouvido algo de relevante como meio de prova, segundo o
artigo 129º.
Como meio de prova, ou seja, como instrumento que visa demonstrar um determinado facto
no processo, que, embora duvidoso, adquire o valor de verdade, ainda que não seja definitiva,
mas que em contexto de julgamento será tido em conta, o testemunho é peça crucial para a
conclusão da existência ou não de crime, da punibilidade ou impunidade, assim como da
medida da pena a aplicar (Fonseca, 2006).
Da testemunha espera-se que esta recorra à sua memória, como que se de uma gravação de
vídeo se tratasse, onde os factos originais ficam gravados a aguardar o momento do ‘replay’
(Scott, 2010)30; contudo o processo de reconstrução da memória apenas transmite o que o
sujeito julga ter acontecido, de acordo com o foco de atenção registado no momento, podendo
não corresponder ao que realmente aconteceu (Scott, 2010).
Conforme ao defendido por Varela (2004) em matéria processual civil, Manso Rainho
relembra que a prova testemunhal é tida como a prova mais importante de entre aquelas que
são admitidas legalmente, onde a testemunha é:
“a pessoa que, não sendo parte na acção nem seu representante, é chamada a narrar as suas
percepções de factos passados - o que viu, o que ouviu, o que observou, o que sentiu. Isto já
é em si um problema, na medida em que essa narração decorre de imagens perceptivas
rebuscadas na memória que, com toda a probabilidade, serão incapazes de retratar com
fidelidade a realidade (Varela, 2004, p.609).”
Este juiz acrescenta ainda a propósito da credibilidade e da fiabilidade que a primeira diz
respeito ao desempenho intra-pessoal, consciente que a testemunha tem aquando do
depoimento, ao passo que a segunda atende a aspetos não controlados pelo sujeito, dos quais
poderão integrar as falsas memórias ou as memórias erróneas.
30
Citando Ainsworth, 1998.
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31
Por memória ocular entenda-se a memória dos acontecimentos, também conhecida por Psicologia do relato,
conforme designada por autores como Lindsay, Ross, Read & Toglia (2007), conforme Fonseca (2008).
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32
Nos EUA, no âmbito do projeto inocência (http://www.innocenceproject.org/), 216 casos foram identificados
como ilibados de culpa, após identificação de supostos infratores por parte de testemunhas oculares, tendo-se
recorrendo a testes de ADN para a conclusão pela ilibação. Na génese desta falha por parte das testemunhas
oculares, invocam-se a incompletude dos depoimentos, incoerências, identificação ou rejeição erradas.
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Artigo 160.º
Perícia sobre a personalidade
1 - Para efeito de avaliação da personalidade e da perigosidade do arguido pode haver lugar
a perícia sobre as suas características psíquicas independentes de causas patológicas, bem
como sobre o seu grau de socialização. A perícia pode relevar, nomeadamente para a
decisão sobre a revogação da prisão preventiva, a culpa do agente e a determinação da
sanção.
2 - A perícia deve ser deferida a serviços especializados ou, quando isso não for possível ou
conveniente, a serviços de reinserção social ou a especialistas em criminologia, em
psicologia, em sociologia ou em psiquiatria.
3 - Os peritos podem requerer informações sobre os antecedentes criminais do arguido, se
delas tiverem necessidade.
Uma das formas de atuação da Psicologia Forense tem por base a avaliação psicológica
forense, que, no fundo, trata a intervenção direta do psicólogo na análise de elementos tão
importantes quanto a licitude ou ilicitude, consciência ou inconsciência, racionalidade ou
desculpabilidade (Penã, Andreau e Granã, 2012).
A propósito dos relatórios solicitados em tribunal pelos magistrados aos psicólogos, muitas
vezes vistos pela opinião pública como uma espécie de ‘testemunha abonatória’, como refere
Silva, (1933) citado por Pais (2001), é importante que o perito compreenda o teor do que é
pedido e o que de relevante a sua ‘peritagem’ deve conter, sendo certo que, apesar de muitas
vezes os tribunais terem os psicólogos como ‘escudo invisível’ das suas decisões, ao
psicólogo forense não cabe a análise da licitude ou ilicitude, ou da pena a aplicar, por ser
competências reservadas ao tribunal. Ao psicólogo cabe a visão ‘radioscópica’ do sujeito, sem
considerações ou juízos de valor fase aos atos.
É importante focar o facto de os relatórios emitidos pelos psicólogos forenses não valerem por
si só. O seu valor probatório, assim como o das restantes perícias, presume-se alheio à livre
convicção do julgador, tendo de ser necessariamente fundamentado, caso exista divergência
com o entendimento do ator decisor, o juiz, mas apenas quanto aos factos e não quanto aos
elementos científicos, cuja competência e conhecimento diz respeito à área do perito. (Rua,
2006)33.
Tal como refere Rua (2006), invocando Gonçalves (1998), o regime deste acto tem por bases
a capacidade técnico-científica dos peritos quanto às matérias alvo da sua avaliação. A
perícia, evidencia-se assim como meio de prova, por se tratar de uma apreciação que implica
conhecimentos externos ao tribunal, na pessoa do juiz.
Note-se, evidenciando-se aqui a importância do entendimento do teor do solicitado, bem
como do que seja relevante na avaliação a levar a cabo pelo psicólogo forense, que não é da
competência do perito qualquer tipo de avaliação sobre matérias jurídicas tais como a
perigosidade (legal), ou a intenção de matar, uma vez que estas matérias transbordam o
carácter técnico, científico ou artístico que só a si compete (Rua, 2006).34
Os psicólogos forenses apenas influenciam na decisão final decretada pelo tribunal, através
dos relatórios periciais fruto da avaliação psicológica realizada, tal como refere a letra da lei,
no artigo 157º 1 do Código Processual Penal:
Um dos pontos principais a ter em conta num exame de avaliação psicológica forense é a
linguagem a ser utilizada, atendendo que a mesma será interpretada por profissionais externos
à psicologia, sendo assim importantes aspetos relacionados com ‘como dizer’ e ‘o que dizer’,
sob pena de existirem interpretações incorretas em tribunal, sempre com foco na verdade do
sujeito e dos factos, não obstante a verdade em psicologia não ser sinónimo da verdade
judicial (Pais, 2001).
Pressupõe-se a existência de um princípio da racionalidade tida pelo decisor, que o permita
compreender e aceder à descodificação do transgressor, levada a cabo pelo perito forense.
Não uma racionalidade que o coloque acima de todas e quaisquer capacidades, como evocava
a teoria clássica da racionalidade, mas de uma “racionalidade limitada”, defendida por Simon
33
O autor cita Carmo, 2005 & Gonçalves, 1998.
34
Posição já defendida por Carmo, 2005 & Gonçalves, 1998.
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(1947, 1955, 1956), onde o decisor, não sendo detentor de toda a informação, não tem como
trabalhar toda a informação, nem tem como manter instáveis as suas preferências, dado que o
contexto dos casos altera-as necessariamente, ou seja, atende-se às “limitações da mente
humana, e à estrutura dos ambientes nos quais a mente opera”, tal qual refere Simon (Pais,
2001).35
O foco do exame psicológico forense é variado, como refere Oliveira (2001):
Nesta desconstrução cientifica, não basta a aplicação de testes, é pois necessária a observação,
a desconstrução e reconstrução de factos, interpretando-os e tornando-os dotados de sentido,
não esquecendo os efeitos da relação psicólogo – sujeito, da intensidade decorrente da própria
carga emocional que leva à avaliação em concreto e do limite temporal em que a mesma se
dá. Assim, para além da linguagem, qualquer instrumento da Psicologia Forense deve ter em
conta a clareza, coerência e os objetivos solicitados, isento de especulações, com rigor
técnico, objetividade, imparcialidade e concisão. Note-se que as funções do psicólogo em
contexto forense perante a avaliação psicológica podem assumir diferentes vertentes, de
experimentação, de natureza clínica ou de aconselhamento, consoante a área do Direito a que
se invoque a presença do psicólogo e o contexto do caso em concreto (Oliveira, 2001)36.
Focando cada área do Direito, a Psicologia pode ser chamada no âmbito penal para se
pronunciar sobre perícias psicológicas do transgressor, valoração psicológica da
imputabilidade, valoração da capacidade de ser submetido a julgamento, avaliação no âmbito
da delinquência juvenil, avaliação do risco de violência em regime penitenciário e
psiquiátrico, avaliação psicológica da vítima, avaliação de testemunhas e da capacidade para
testemunhar, avaliação do testemunho prestado por menores em contexto de abusos sexuais,
quanto à sua capacidade e credibilidade e ainda simulações (Penã, Andreu e Grãna, 2012)
35
In Gigerenzer & Todd, 1999, p. 12, citado por Pais, 2001.
36
Citando Haward, 1981.
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Para além da área penal, a Psicologia Forense é chamada a intervir noutras áreas do Direito,
entre elas podem ser indicados o âmbito laboral e de contencioso administrativo, quanto à
análise da capacidade de contratação e atitude de trabalho, quanto aos acidentes de trabalho
ou doenças decorrentes do exercício profissional, avaliação quanto à incapacidade de exercer
a actividade laboral ou quanto ao um estado de invalidez, intervenção em caso de violação
dos direitos fundamentais do Homem, declaração de incapacidade para as funções a
desempenhar na Administração, avaliação para permissão de porte de arma ou veículos a
motor. Na área civil a intervenção do psicólogo forense foca os temas da nulidade
matrimonial, separação ou divórcio, guarda e tutela de menores, direitos de visitas, mediação
familiar, capacidade testamentária ou impugnação do testamento, consentimento informado e
indemnizações. A Psicologia Forense pode ainda ser chamada em questões de educação e
formação em organismos jurídicos, policiais e penitenciários, bem como para medidas de
proteção de menores. Independentemente da área em que a psicologia forense seja chamada a
intervir, o papel principal do psicólogo passa pela elaboração de perícias psicológicas. Não
obstante, nem sempre a sua função se resume a esta avaliação, podendo ser solicitado ao
técnico que indique formas de tratamento ou de acompanhamento, em situações no âmbito do
direito da família, direito tutelar educativo ou direito penitenciário (Penã, Andreu e Grãna,
2012)37.
A destrinça entre as áreas criminal e cível perante o hiato confinado à psicologia forense,
atende à separação legal existente quanto às matérias a tratar.
A área criminal, para além de objetivar o cumprimento dos pressupostos processuais que
culminem com a obtenção da verdade material e a punição dos culpados, importa-se
igualmente com estados de eventual inimputabilidade face ao crime, ou seja, saber se o sujeito
transgressor tinha consciência, intencionalidade e capacidade no momento do acontecimento
levado a julgamento, o que só com o auxílio do psicólogo forense é possível apurar (Huss,
2011).
Já em matéria cível o ato não ofende a sociedade globalmente considerada, mas somente um
indivíduo em específico, visando assim reparar direitos privados, que não se confundem com
o bem público. Na área do Direito Civil, é necessária a violação da responsabilidade de um
37
Citando Beltrán, 1999.
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sujeito, cujo dano decorrente desse ato, atinja um direito legalmente protegido, quer
intencionalmente ou por negligência (Huss, 2011).
Ao Direito cumpre apurar da responsabilidade do culpado e em que medida será o requerente
ressarcido dos danos sofridos. À Psicologia Forense caberão os aspectos confinantes a uma
qualquer causa de exclusão da responsabilidade, através da avaliação dos aspectos tidos por
convenientes, face às partes, logicamente com incidência no requerido (Huss, 2011).
Qualquer que seja a área judicial de trabalho sobre a qual a Psicologia do Testemunho venha a
ser inferida, ou sobre a qual a Psicologia Forense atue, existem princípios e valores éticos aos
quais a Psicologia no Direito terá de obedecer.
As linhas de investigação científicas procuram minimizar erros e enviesamentos, assim como
refutar ou corroborar anteriores decisões e pareceres a respeitos de casos chamados à ilação
noutros momentos, ou seja, a avaliação é constante, inclusive em Direito, com base no
princípio do contraditório38 (Mordell, McLachlan, Gagnon e Roesch, 2008).
Para além dos princípios elencados pelas várias associações que tecem considerandos e
orientações sobre o trabalho dos psicólogos, nomeadamente a Federação Europeia da
Associação dos Psicólogos, ou a Sociedade Americana da Psicologia e Direito, outros tantos
há que ter em conta, quanto às especificidades a que o contexto forense obriga (Mordell,
McLachlan, Gagnon e Roesch, 2008).
De um modo geral, ao psicólogo cabem antes de mais, a consciência, integridade e
responsabilidade quanto aos seus conhecimentos e limitações associados ao mesmo, por
forma a não prejudicar sobre nenhuma epígrafe aquele que em si deposita confiança, cabe-lhe
igualmente o respeito por cada paciente/cliente, seja ele um particular ou o sistema de justiça,
tendo noção que a cada um corresponde um espaço confinante à sua dignidade e privacidade e
em consequência disso, é-lhe exigido um respeito acrescido pela confidencialidade quanto aos
assuntos que cheguem até si (FEAP, 1995).
Não obstante, em matéria forense, surge a inevitável necessidade de ajuste destas premissas,
surgindo a necessidade de adequar os princípios éticos à realidade forense. Quanto à
competência que é exigida ao psicólogo, no contexto forense quer-se igualmente um
conhecimento alargado das leis e dos procedimentos judiciais, admitindo os seus limites
quanto a matérias que cheguem até si e para as quais não esteja preparado ou não esteja com
elas familiarizado, para uma resposta adequada dentro do que lhe seja exigido. Quanto ao
38
Com base em sentenças proferidas anteriormente, o sistema anglo-saxónico baseia-se em casos julgados, ao
passo que o sistema jurídico europeu, tem por base a lei.
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consentimento informado, dirigindo-se este por norma ao cliente, na área forense este será o
tribunal, não sendo portanto obrigatória a informação àquele que fique sujeito a avaliação,
sobre os procedimentos e demais atuações que sejam levadas a cabo pelo psicólogo, mas tão-
somente quanto a aspetos como as consequências no caso de não cooperação, quais os direitos
das partes e o fim a que se destinam os resultados da avaliação levada a cabo. A propósito da
confidencialidade, este princípio ganha especial atenção em contexto forense, sendo
necessária a elucidação das partes sobre as quais serão tecidas conclusões após as avaliações
elaboradas pelo psicólogo, de que o cliente será o tribunal e não o próprio. Acresce também
que a este respeito deverá ser o tribunal advertido sobre quem poderá ou não ter acesso aos
relatórios ou testemunho, o que determinará o julgamento ser ou não público. Ao psicólogo é
ainda exigida uma imparcialidade inequívoca, sem margem para relações duais com o sujeito
avaliado, ganhando especial destaque a importância da transparência e credibilidade das
conclusões proferidas, não deixando margem para dúvidas ou para eventuais
constrangimentos, sendo postas em causa pelo próprio tribunal. Ao psicólogo será permitido
falar e justificar com base em todas as fontes a que acedeu e em todas as técnicas a que
recorreu, somente quanto ao sujeito por si avaliado, nunca sobre pareceres de outros
profissionais. Note-se que o psicólogo fala em termos probabilísticos, nunca em certezas que
caibam em última instância ao proferimento por parte do tribunal (Mordell, McLachlan, Gagnon
e Roesch, 2008).
Por seu turno, na destrinça entre a matéria penal e as matérias cíveis, é premente que a justiça
seja aplicada em pleno e, para tal, deve o juiz ter estar profissionalmente individualizado na
matéria sobre a qual intervém, desvinculando a área penal das demais, não sendo pois a
liberdade do homem mais nem menos importante que os seus bens, sob o toldo da igualdade
legislativa (Altavilla, 1982).
Antes de entrarmos no campo das motivações ajurídicas do sentenciar e do que trata esta
ramificação da Psicologia Forense, julgo importante compreendermos o que se quer dizer por
‘ajurídico’.
Segundo Engisch (1996), citado pelo juiz federal Eugénio Rosa Araújo (2009), o conceito de
espaço ajurídico, é um conceito multidisciplinar. O autor acrescenta que a par dos domínios
sobre os quais o globo jurídico atua, existem outros, que se situam no dito espaço ajurídico,
que não são por ele afetados, sendo exemplo: ”o pensamento puro, a crença ou as relações de
sociabilidade.”
Este domínio paralelo ao Direito, não é de todo uma lacuna jurídica, mas sim algo externo a
este saber;
No Direito, na aplicação legal do que determinada sociedade entende por correto ou incorreto
e em que balizas o permite ou penaliza, é elemento inequívoco a aplicação desta pela mão
humana, assente no entendimento e funcionamento cognitivo de um Homem, o que implica
que elementos pessoais, como histórias e experiências vividas, sejam fator permanente
aquando da avaliação do acontecimento levado a julgamento, sendo certo que aquele, o juiz, é
a personificação da imparcialidade durante este processo (Blank, 1996)40.
O juiz desembargador Rainho (2010) enumera algumas limitações associadas ao próprio juiz,
que condicionam necessariamente a decisão em julgamento. Logo à partida o juiz vê-se
limitado na leitura que faz de si e dos outros, por se encontrar humanamente limitado às suas
crenças, representações não garantidas e desprovidas de uma certeza objetiva – opiniões, fé,
persuasão e a convicção - e às suas características idiossincráticas, ou seja, a sua
personalidade e as aquisições do meio ambiente. Acresce que o juiz, recorrentemente acede a
atalhos mentais que o levam a decidir para casos semelhantes a mesma pena, com base na
chamada heurística, presunção natural ou ad hominis, onde na procura de uma causa que
justifique determinado efeito, se procuram explicações de atribuição causal. Neste contexto,
poderá ocorrer o erro de atribuição, “a tendência para sobreavaliar os factores disposicionais
39
Citado por Araújo, 2009.
40
Citado por Sacau, Jólluskin, Sani, Castro-Rodrigues e Gonçalves, 2012.
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“Não há ninguém que veja o mundo com uma visão pura e desprovida de preconceitos: a
observação é sempre condicionada por um conjunto definido de hábitos, e instituições, e
modos de pensar, abrangendo as concepções filosóficas e as práticas, sem lograr subtrair-se
a esses estereótipos: até os conceitos do verdadeiro e do falso são ainda definidos por
referência aos particulares costumes tradicionais e às idiossincrasias particulares.” (Louro,
2008).
Afeto a estas condicionantes, o juiz reconstrói os factos, com base na prova testemunhal, o
que poderá levar a incoerências entre os factos narrados pelo depoente e a representação feita
pelo recetor destas narrativas, o julgador (Rainho, 2010).
A decisão do juiz tem por base um conjunto de fatores legais e pessoais que excluem a
tomada de decisão pela via estrita da racionalidade e análise dos factos pura e
automaticamente. Nesta equação o juiz soma à racionalidade, aos factos e aos trâmites legais,
as suas experiências pessoais e culturais, crenças e valores políticos, religiosos e outros, para
cada realidade que se assuma num processo judicial em curso (Manita & Machado, 2012).
Dias & Andrade (1997) acrescentam que tal como os comuns, ‘leigos’, nas suas palavras,
também o juiz individualiza características culturais a casos específicos, daí se justificando,
segundo os autores, que casos idênticos assumam resoluções divergentes, quando se trate de
um conjunto de indivíduos com características antagónicas dos anteriores.
A lei processual penal prevê no seu artigo 127º e no artigo 655º do código de processo civil41
que o juiz é dotado de competências para a livre apreciação da prova, segundo a experiência
adquirida e a sua livre convicção (Código de Processo Penal & Código de Processo Civil).
41
Artigo 127º
Livre apreciação da prova
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Quanto a este ponto deve ter-se em atenção e sublinhando a importância do livre arbítrio do
julgador, esclarecer se efetivamente há ou não uma verdadeira liberdade deste ator judicial.
Um tema amplamente debatido pela filosofia e pela teologia, chega até nós como uma
faculdade associada à razão e à vontade, defendido por Agostinho e por São Tomás de
Aquino, nos primórdios do debate sobre a liberdade humana (Gomes, 2008).
A vontade humana não poderá dizer-se verdadeiramente livre, uma vez que cada ato praticado
ou pensado, está sujeito a um desencadeamento causal, decorrente dos factores internos e
externos transmitidos ao cérebro do sujeito, sob influência do meio envolvente – teoria da
ausência de liberdade. Não obstante, há uma percentagem de vontade, o “eu”, essa sim de
livre acesso ao ser humano, permitindo-lhe escolher a forma como chegará ao resultado final,
esse, já determinado pelos factores por si recebidos anteriormente – teoria do libertarismo.
Autores defendem a teoria do compatibilismo, aceitando e fundindo as teorias anteriormente
indicadas (Gomes, 2008).
“As ações são livres e a pessoa é responsável por elas quando elas derivam do eu da pessoa,
e esse eu poderia ter escolhido agir de maneira diferente, mas esse eu não é uma entidade
abstrata ou externa ao reino da causalidade natural. O eu é um sistema auto-organizado e
auto-dirigível que existe no cérebro. Ele não é simplesmente uma reflexão passiva de
influências externas. Ele tem individualidade (personalidade) e consistência no decorrer do
tempo, ainda que esteja sujeito a modificações (…) Tal explicação psicológica ou
neurocientífica não destitui uma pessoa da sua responsabilidade por ações que foram
escolhidas por ela ou entre duas ou mais alternativas.” (Gomes, 2008, pp. 95-96)
Aceitando-se a livre vontade humana com base em si, no meio ambiente e na natureza, é
necessário agora que se analise em que termos é concebível o raciocínio e a decisão, por
serem focos no processo de julgamento, com redobrada importância para o juiz.
Para existirem, o raciocínio e a decisão, é exigido ao sujeito o conhecimento dos factos
constitutivos de um cenário que é levado até si para uma decisão específica, assim como das
soluções possíveis e correspondentes consequências futuras previsíveis para cada uma delas
(Damásio, 2011).
Para que seja possível o raciocínio e a decisão, mostram-se fundamentais os mecanismos ou
estratégias ligados à apreensão da informação sobre a qual irá recair a decisão, nomeadamente
a atenção e a memória, mecanismos já indicados (Damásio, 2011).
Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre
convicção da entidade competente.
Artigo 655º N.1
O tribunal coletivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca
de cada facto.
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“Uma pessoa que já tem em mente ‘como se devem ter passado as coisas’, acreditará, por
orgulho, mais na mentira que lhe dá razão, do que na verdade que lha nega, e preferirá ser
enganada, a ver ofendido o seu amor próprio.” (Altavilla, 1982, p.517)
O decisor na sua atuação deve ser perspicaz, intuitivamente assertivo, pois só a si cabem as
prerrogativas de inquirição e de observação dos demais atores judiciais, conseguindo conduzir
as várias fases das audiências até à sentença de forma completa e minuciosa, para um
caminho menos dúbio para a verdade, deixando de lado a sugestionabilidade que consciente
ou inconscientemente exerce, permitindo discursos espontâneos aos depoentes (Altavilla,
1982).
“Se imaginarmos uma emoção forte e depois tentarmos abstrair da consciência que temos
dela todos os sentimentos dos seus sintomas corporais, vemos que nada resta, nenhum
‘substrato mental’ com que construir a emoção, e que tudo o que fica é um estado frio e
neutro da perceção intelectual” (Damásio, 2011, p.177).
No entanto Damásio (2011) vai mais além que a perspetiva de James, ao defender que as
emoções desenvolvem-se após o processamento intencional da informação, dos estímulos e
situações experienciadas, estando intimamente ligadas ao discurso não verbal e à evidência do
mesmo, ou seja: “a emoção é a combinação de um processo avaliatório mental, simples ou
complexo, com respostas disposicionais a esse processo, na sua maioria dirigidas ao corpo
propriamente dito, resultando num estado emocional do corpo”.
No campo mais focado da emoção mediada entre as áreas do Direito e da Psicologia, vários
autores tomaram as suas considerações, e demonstraram o quão influente podem os estados
emocionais ser no testemunho.
A este respeito Buchanan (2008), citado por Queirós (2012), demonstra que os estados
emocionais podem mesmo levar a alterações fisiológicas, não obstante serem conducentes a
uma maior facilidade na memorização de conteúdos marcantes para o sujeito, tal como refere
D’Argembeau (2007). No entanto, surgem ainda posições, como a de Albuquerque e Santos
(2000), evidenciado por Queirós (2012) que ressalvam que os estados emocionais que
conduzem a esta memorização enfatizada do vivido, mas apenas quanto ao tema central
daquele episódio específico, desconsiderando informações periféricas e pormenores visuais
ou auditivos que poderiam tornar-se importantes e fundamentais em julgamento. Um exemplo
recorrente destas situações é o assalto cuja violência é intensa para com as vítimas ou
testemunhas.
Consequência destes factos é o chegar à conclusão que o testemunho acaba por não ser fiel
quanto ao que efetivamente aconteceu (Queirós, 2012).
Altavilla (1981) acrescenta que os estados emocionais evidenciam o que a mente do sujeito
idealiza, associando-lhes expressões, de acordo com cada estado - tristeza, alegria, cólera,
amor, ódio, preocupação – espelhando assim o que a alma esconde.
“Se os homens observassem e estudassem com mais cuidado os movimentos exteriores que
acompanham as paixões, seria difícil dissimular.” (Altavilla, 1981, p. 156).
43
O autor reitera o já defendido por Yarmey, 2006.
44
O autor cita Reis, 2006.
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O ideal seria efetivamente que o trabalho levado a cabo pelo psicólogo forense fosse
facilitado quanto a mecanismos exactos para a deteção da mentira, mas tal não acontece
assim, ou seja, não há nada que permita identificar a mentira, nem a mesma revela um
comportamento idêntico em todos quantos mentem (Fonseca, 2008).
A diferença existente entre sujeitos em que um deles mente enquanto o outro é estritamente
verdadeiro, não reside na mentira, mas sim nas emoções, no controlo forçado e na
complexidade discursiva que podem passar sinais que num discurso fiel à verdade tal não
transparece. O discurso não-verbal ganha aqui destaque, permitindo que sejam formadas
impressões acerca da veracidade paralela no discurso verbal (Fonseca, 2008).
O importante é a comparação do discurso verbal com o discurso não-verbal, por forma a
perceber se ambos são compatíveis, por assim dizer. Pode-se no entanto cair em erros por
vezes difíceis de detetar, como os erros de contexto, os factores e características individuais
de cada testemunha ou ainda as técnicas de interrogatório utilizadas, onde é crucial antes de
mais que cada ator judicial no seu papel esteja bem preparado, desde os órgãos de polícia
criminal, aos advogados, aos juízes e ao perito forense, para a compreensão e descodificação
das mensagens transmitidas e das eventuais causas de exclusão ou confirmação de inverdades
(Vrij, 2008).
Se ao juiz cabe a responsabilidade de perceção e minimização de erros que surjam em
julgamento e que contaminem a verdade judicial, à Psicologia, mais concretamente a
Psicologia do Testemunho, impõe-se a responsabilização da descodificação e análise dos
atores judiciais e suas narrativas, por forma a ajudar na tomada de decisão (Manita &
Machado, 2012).
Altavilla (1981) citando Lenz defende que cabe ao sujeito que questiona e que procura firmar
a verdade judicial, incutir no interrogado os sintomas da veracidade ou da falsidade para que
se despertem emoções em conformidade com estes sentimentos. São portante evidências de
um falso testemunho a falta de expressão, a incerteza, relatividade inerente às características
de cada sujeito, a forma como se exprime a memória afetiva, a personalidade ética do sujeito,
o tom de voz, a coerência comportamental, a cor do rosto, os movimentos respiratórios, as
expressões corporais associadas a cada estado emociona, a simulação de estados emocionais
e, por fim, a forma como o sujeito lida com imprevistos, segundo o autor.
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Patrícia Sofia Alves de Oliveira dos Passos - Da Justiça à Psicologia Forense
Conclusões
“É justo não só aquele que julga, mas também aquele que justifica.” (Altavilla, 1982,
p.544)
Do juiz espera-se mais que a condenação, espera-se a compreensão dos motivos do crime e
das condições em que o mesmo ocorreu. Para isso, as testemunhas são parte fundamental. Só
assim o juiz poderá raciocinar e aplicar uma medida sábia e isenta (Altavilla, 1982).
Desta dissertação obtém a certeza de que cada vez mais Psicologia e Direito são
indissociáveis, complementares e evidentes no que concerta ao comportamento humano, quer
na acessão do que em sociedade se espera que este siga, quer do que cada um de nós espera
dos demais e por fim do que esperamos de nós próprios. Como alcança-lo? O Direito permite-
nos e limita-nos, liberta-nos, corrige-nos, guia-nos dentro da liberdade pessoal, social e
política, já a Psicologia compreende-nos e auxilia o Direito nessa ação.
Em contexto judicial e da rigidez a que o cenário obriga, o juiz impera e vê-se comprometido
com a multiplicidade de responsabilidades que lhe cabem, com destaque para a tomada de
decisão, o julgamento.
Não basta ao juiz aplicar uma medida jurídica, se não conseguir aceder às internalidades que
permitam compreender o porquê da violação da norma e em que moldes essa violação
ocorreu.
Assim além das matérias legais faz sentido ao conhecimento do decisor a Psicologia Forense,
a Sociologia e a Psicologia criminais, para suprir as necessidades que lhes surgem nos
julgamentos. (Altavilla, 1982).
Só compreendendo os contornos da Psicologia o juiz poderá respeitar a importância desta em
julgamento e a conveniência da sua intervenção. Além destes conhecimentos, são
fundamentais os saberes das culturas, costumes e dialetos, para que todos os atores sociais
sejam percebidos e tidos em conta sobre a mesma medida, permitindo mais facilmente o
caminho conducente à verdade (Altavilla, 1982).
Louro (2008) citando Poiares (2005) esclarece neste sentido que em tribunal os atores
judiciais comunicam e descomunicam e, é deste paradoxo que emerge a Psicologia do
Testemunho e se procura a verdade através das verbalizações e do que a estas está implícito,
as discursividades não verbais.
Referências Bibliografia
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Judice 22/23
FEAP (1995): Código de ética para Psicólogos de acordo com a FEAP. Atenas.
http://www.psicologia.pt/profissional/etica/doc/Codigo_FEAP.pdf. Acedido em 23 de
novembro de 2014;
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Almedina; pp. 381 a 420;
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias - Escola de Psicologia e Ciências da Vida 70
Patrícia Sofia Alves de Oliveira dos Passos - Da Justiça à Psicologia Forense
POIARES (2006);
RAMOS & ROCHA (2008): Psicologia para todos - guia completo para o crescimento
pessoal. Círculo de Leitores;
VARELA, BEZERRA & NORA (2004): Manual de Processo Civil. Coimbra Editora;
VRIJ (2008): Porque falham os profissionais na deteção da mentira e como podem vir
a melhorar. In Psicologia e Justiça. Coimbra: Almedina;