1º Grupo Ecp Sistema de Parentesco Ediversidade Cultural em Mocambique
1º Grupo Ecp Sistema de Parentesco Ediversidade Cultural em Mocambique
1º Grupo Ecp Sistema de Parentesco Ediversidade Cultural em Mocambique
Introdução ................................................................................................................................. 1
Breve caracterização dos grupos étnicos de Moçambique ........................................................ 2
Sistema de parentesco em Moçambique ................................................................................. 10
Sistemas de Linhagem............................................................................................................. 10
Sociedades matrilineares Norte de Moçambique .................................................................... 11
Sociedades patrilineares Sul de Moçambique ......................................................................... 17
Diversidade cultural, unidade nacional e coesão das Forças Armadas de Defesa de
Moçambique............................................................................................................................ 21
Necessidade da integração dos valores culturais tradicionais com os da modernidade .......... 25
Conclusão ................................................................................................................................ 30
Referências Bibliográficas ...................................................................................................... 31
Introdução
Para a elaboração do presente trabalho foi usado o método de revisão bibliográfica dado
que todo o que se trata é resultado de pesquisa de diversos autores que já escreveram e
desenvolveram obras acerca dos mesmos conteúdos, visto que, a pesquisa bibliográfica
consiste em pesquisar informações sobre um determinado assunto nos manuais ou obras
publicadas.
Objectivo Geral
Objectivos especificas
1
Breve caracterização dos grupos étnicos de Moçambique
2
As suas relações sociais eram efémeras ou descontínuas: baseadas em
imediatismos na produção e no consumo. Significando que as pessoas se associavam
para grandes empreendimentos de caça de animais de grande porte e, uma vez
terminada essa actividade, os grupos se desfaziam.
Provas da existência de comunidades de caçadores e recolectores, no passado,
são patentes em vestígios arqueológicos espalhados pelo território moçambicano. Além
disso, as práticas tradicionais de caça e de recolecção sobrevivem presentemente na
nossa sociedade. É prova da perenidade dos valores culturais ao longo do tempo,
passando de geração em geração.
Seguidamente, chegaram a Moçambique os povos de língua bantu, praticantes de
agricultura, criação de gado bovino e metalurgia de ferro. Em função deste tipo de
actividades económicas, eram povos sedentários. Foram eles que fundaram os primeiros
Estados de Moçambique: Estado do Zimbabwe, Estado do Mwenemutapa e os Estados
Maraves. A maior parte da população moçambicana é de origem bantu.
Os povos de língua bantu têm marcas profundas na sociedade moçambicana,
quer a nível da língua quer da cultura. Se a língua veicula o património cultural comum,
a cultura revela esse modo de estar e ser partilhado secularmente, do mesmo modo que
ao longo do tempo, os vínculos culturais foram sendo construídos pela história de
destino comum. Outro período importante da história de Moçambique é o da penetração
mercantil estrangeira. Esta fase, geralmente, costuma ser subdividida obedecendo dois
critérios: quanto à proveniência (origem) dos mercadores e em função dos produtos
preferidos por eles.
Quanto à origem dos mercadores, a penetração mercantil estrangeira subdivide-
se em asiática (árabe-persa, chinesa, indiana e indonésia) e europeia (portuguesa,
essencialmente).
No tocante às mercadorias predilectas, a penetração mercantil estrangeira tem as
seguintes etapas ou ciclos: do ouro, do marfim, de escravos e de oleaginosas.
A fase de penetração portuguesa pode ser subdividida em período mercantil e
fase de colonização.
Na primeira metade do século XIX, na África Austral, ocorreu um período de
lutas e fragmentações que ficou conhecido por Mfecane. Em consequência do Mfecane
migraram para Moçambique, vindos da Zululândia (África do Sul), os ngunis,
3
fundadores do Estado de Gaza1. O fenómeno Mfecane alastrou-se por quase toda a
África Austral, tendo produzido reinos ngunis e destruído/desestruturado os reinos pré-
existentes. Foi também um dos factores que concorreu para a destruição dos Prazos da
Coroa e a transformação de alguns destes em Estados Militares do Vale do Zambeze.
A penetração mercantil asiática repercutiu-se na criação de entrepostos
comerciais e na islamização de povos costeiros da zona norte, principalmente, e uma
parte de populações do interior, os Ajawas, realidade também evidente no surgimento
de reinos afro-islâmicos nesses espaços geográficos. Estas marcas culturais continuam
presentes em vários âmbitos, reflectindo-se até na organização e funcionamento de
certas instituições políticas tradicionais moçambicanas nessas zonas.
Além da religião, a influência asiática é notável nos seguintes aspectos:
vestuário, arquitectura, culinária, dança, música e canções, arte de marear, construção
naval, protocolos matrimoniais, estética, cultura comercial, pesca, crenças e práticas
mágicas, ritos de iniciação, higiene geral, plantas alimentares, toponímia e
antroponímia, organização sociopolítica tradicional, nas línguas (Mwani, Nahara, Koti,
Swahili e Sangage), cerimónias fúnebres, hábitos alimentares, sistema parentesco de
simbiose/híbrido, etc.
No tocante à fixação árabe-persa em Moçambique, Rita-Ferreira corrige um
equívoco frequente na abordagem desta matéria. Pois, o estabelecimento de árabe-
persas em Moçambique não foi feito directamente a partir do continente asiático. A
fixação ocorreu, sim, a partir de entrepostos comerciais anteriormente criados por eles
nas regiões e ilhas índicas da África Oriental, conforme o autor justifica:
Ao contrário do que muitos supõem, estes núcleos não precederam directamente
da Arábia ou da Pérsia. Descendem, sim, de migrações secundárias, pré-gâmicas,
provenientes de outros estabelecimentos costeiros e insulares situados na África
Oriental e nos arquipélagos do Oceano Índico, nomeadamente Zanzibar, Quílua e
Comore.
A penetração mercantil e colonização portuguesas têm marcas patentes em
muitos aspectos, com destaque na língua, na cultura, na divisão e organização político-
administrativas e na toponímia e antroponímia. No tocante à antroponímia, os nomes de
cidadãos moçambicanos, embora possuindo maioritariamente o apelido bantu, têm
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geralmente o inicial português (processo de assimilação). O Vale do Zambeze é rico em
nomes que designam objectos ou coisas em português. São os casos de Canivete,
Navalha, Alfinete, Machado, Serrote, Verniz, Parafuso, Mesa, Sabão, sabonete,
Tesoura, Viola, Colher, Cebola, Alface, etc.
Evocar estes marcos não é apenas o desejo de fazer uma incursão pelas páginas
da história. É um imperativo que se impõe para que a explicação do presente tenha o
suporte da História.
Todavia, a população de um país não se constituí apenas a partir de grandes
migrações vindas do exterior. Para o caso de Moçambique, outros factores internos
também concorreram, antes e depois. As lutas pela conquista de espaços ricos em
recursos, a escravatura doméstica, os factores climáticos e pedológicos em determinadas
regiões, o desejo de ampliar reinos a custa de territórios alheios, a fuga de pessoas
vítimas de ostracismo, conflitos familiares e quaisquer outras circunstâncias adversas
como essas terríveis e frequentes acusações de feitiçaria. São factores que subsidiaram o
povoamento humano de Moçambique.
Alguns autores apresentam as populações moçambicanas subdivididas em
grupos étnicos a saber: swahili2, Macua-lomué, Marave, Shona, Chope, Tsonga,
Maconde, Ajaua, Ngunis/Angoni e Povos do Baixo Zambeze.
Por sua vez, estes grupos étnicos estão subdivididos em várias tribos que
apresentam especificidades culturais próprias de cada espaço dentro da mesma etnia.
Como nos referimos, a artificialidade das fronteiras em África não se manifesta apenas
entre países, como também ocorre na divisão administrativa das províncias, distritos,
postos administrativos e localidades – herança histórica. Daí que os espaços étnicos e
tribais não coincidam com os da divisão administrativa moderna.
É importante esclarecer que as diferentes línguas nacionais faladas em
Moçambique têm as designações correspondentes ou aos grupos étnicos ou às tribos.
Seguidamente, passamos a proceder à localização geográfica dos grupos étnicos
de Moçambique e sua breve caracterização. Neste procedimento, é importante
esclarecer que, ao fazê-lo, não pretendemos afirmar que todos os membros de cada etnia
continuam exactamente confinados nos espaços que outrora ocupavam. Vários factores,
5
como o êxodo rural, guerras, calamidades naturais (inundações, secas e ciclones),
procura de emprego, casamentos e outras causas, movimentaram e misturaram
O termo swahili é de origem árabe, e significa costa, litoral. Os swahilis resultaram da
fusão das culturas árabe e bantu. Assim, swahili é língua e cultura em alguns países da
África Austral e Oriental. A populações de diferentes origens étnicas e tribais, tornando
todas as províncias autênticos espaços de misturas e fusões culturais.
Os Macondes localizam-se a norte do país, ocupando essencialmente o planalto
de Cabo Delgado. Uma parte dos mesmos encontra-se na República Unida da Tanzânia.
É uma população matrilinear e que professa a religião católica, sem descurar as crenças
tradicionais.
Os Ajawas ocupam a Província nortenha do Niassa e uma parte desta população
vive nas Repúblicas vizinhas do Malawi e Tanzânia. A forte islamização deste grupo
étnico pode ter ocorrido no século XVIII, em consequência do declínio do comércio
com a Ilha de Moçambique, devido “à obstrução” pelos Macuas da rota caravaneira da
Ilha de Moçambique, passando aqueles a realizar directamente o comércio de marfim,
escravos e pontas de rinocerontes com Quílua, Zanzibar e Mombaça.
Os Swahilis localizam-se na província de Cabo Delgado. Além dos swahilis
propriamente ditos, aqueles cuja etnia corresponde à língua por eles falada, existem
povos swahilizados, tais como os Mwani (na costa norte de Cabo Delgado), os Nahara
(Província de Nampula, nos distritos de Ilha de Moçambique, Nacala, Mossuril), os
Sangages (em Mogincual e Angoche) e Kotis (Angoche). Cada um destes grupos
étnicos possui uma língua com a mesma designação, produto específico da mistura do
árabe com as línguas locais bantu. Professam o islão e o seu sistema de parentesco é
híbrido (de simbiose dos dois principais sistemas de parentesco: matrilinear e
patrilinear).
Os Macua-lomués3 constituem o maior grupo étnico de Moçambique.
Encontram-se localizados nas províncias de Nampula, Cabo Delgado, Niassa e
Zambézia. Este grupo étnico é matrilinear. No tocante à religião, os Macua-lomués,
geralmente, no interior, são maioritariamente cristãos católicos e, no litoral,
profundamente islamizados.
6
Os Maraves4 ocupam as províncias de Niassa, Tete e Zambézia. Os mesmos se
espalham pelos territórios de países vizinhos, tais como Malawi e Zâmbia.
Os Shonas localizam-se nas províncias de Tete (Tawaras), Sofala (Ndaus),
Manica (Tewes, Manyikas, Báruès e Ndaus) e Inhambane (Ndaus). A maioria das
populações do grupo étnico shona distribui-se pela República do Zimbabwe.
A etnia chope 5Habita as províncias de Inhambane (distritos de Inharrime e
Zavala) e Gaza (distrito de Manjacaze).
Os Tsongas subdividem-se em Tswas (Inhambane), Changanas6 (Gaza e
Maputo) e Rongas (Maputo).
Os Bitongas constituem um grupo étnico situado na Província de Inhambane,
principalmente nos Distritos de Inhambane (incluindo a cidade com o mesmo nome),
Maxixe, Morrumbene, Massinga e Jangamo. É um grupo étnico cuja parte da população
também sofreu a islamização, em consequência de contactos com os “mouros”, “termo
estereotipado que designava os naturais da Índia Portuguesa professando a religião
islâmica” (Rita - ferreira, 1982: 131).
Os Ngunis estão espalhados, em pequenos núcleos, por várias províncias. Eles
acabaram adquirindo línguas e culturas dos locais de imigração, ao mesmo tempo que
introduziram os seus valores culturais nos locais de fixação.
Tendo em conta que o Estado de Gaza se estendia do Sul de Moçambique ao rio
Zambeze, a presença de descendentes de Ngunis é também notória tanto em Sofala
como em Manica. E porque a migração nguni para Moçambique não foi feita apenas por
grupo liderado por Sochangana, também existem populações de origem nguni nas
províncias de Tete, Nampula, Cabo delgado e Niassa. Além da África do Sul, existem
povos ngunis/zulus ou desta origem nas Repúblicas do Malawi, Zimbabwe, Zâmbia e
Tanzânia e nos Reinos de Suazilândia e Lesoto.
Falar de povos do Baixo Zambeze, no território moçambicano, é referir-se,
segundo Rita-Ferreira (1982), aos grupos étnicos resultantes da instituição dos Prazos
7
da Coroa pelos portugueses. São eles, os Nhungues (Província de Tete), Senas (Tete,
Sofala, Manica e Zambézia), Tongas7, Chicundas8, Chuabos (Zambézia), Mahindos
A dança Timbila, também declarada património da humanidade pela UNESCO,
pertence a cultura chope.
Antes, o termo Changana era aplicável a todos os súbditos de Sochangane ou
Manicusse, fundador do Estado de Gaza. Todos os povos submetidos por esse
imperador eram designados wachangana. Hoje, changana refere-se a uma tribo da etnia
Tsonga que ocupa a Província de Gaza, parte de Maputo e África do Sul. Afirma que
um grupo Tonga, “destribalizado” e absorvido pela sociedade prazeira, participou na
formação dos Nhunguès, Senas e Chicundas.
(Zambézia), Podzos (subgrupo Sena, em Sofala, Tete e Zambézia) e Pimbwes
(Sofala). Estes povos encontram-se essencialmente na região onde ocorreu uma intensa
miscigenação racial e cultural. Os Prazos da Coroa, estabelecidos no Vale do Zambeze
por portugueses, geralmente goeses, na sua maioria prisioneiros de delito comum,
desertores do exército e outros, foram uma sobreposição de dois modos de produção: o
pré-existente na região e o trazido pelos portugueses, sendo este o reflexo do modo de
produção feudal que vigorava na Europa.
A miscigenação, no Vale do Zambeze, em consequência da implantação dos
Prazos, além de ter ocorrido entre negros e brancos, também envolveu populações de
diferentes etnias, por vários factores, de entre os quais podemos destacar a escravatura,
a conquista e a dominação de outros povos, quer pelos prazeiros, através dos seus
guerreiros, achicundas, quer pelos reinos africanos fora da jurisdição prazeira.
Os Prazos eram obtidos por seguintes vias: conquista, compra, atribuição (por
um chefe africano) e sucessão.
No Vale do Zambeze moldaram-se sociedades de azungu (brancos), quer vindos
da Índia (Goa) quer dos seus descendentes mulatos, resultantes do cruzamento de
brancos com as negras, facto catalisado pela escassez de mulheres brancas, devido à
inospitalidade do Vale do Zambeze (clima e doenças tropicais). Mesmo com a decisão
da Coroa Portuguesa para que a sucessão, no Prazo, ocorresse por via feminina, para
8
estimular ida de mulheres brancas, a situação não se alterou. A escassez da mulher
branca continuou sendo uma realidade até ao declínio dos Prazos e a transformação de
alguns em Estados Militares do Vale do Zambeze9.
Longe da sua terra e vivendo no meio africano, os europeus e goeses
africanizaram-se culturalmente, passando a seguir usos e costumes dos negros, ao
mesmo tempo que, subsidiavam àqueles em outros elementos culturais.
9
Nesta região por ter apresentado condições propícias para a domesticação de
animais, sobretudo o gado bovino, aliado a infertilidade do solo, conferiu ao homem
poderes sobre a mulher
Para Allen Isaacman, Chikundas são descendentes de “escravos-guerreiros pertencentes
aos Senhores dos Prazos da Coroa, que se estendiam do Zumbo ao Índico. O nome
deriva do verbo chona-karanga Ku-kunda, vencer.
Também são designados Super-Prazos, Estados Muzungus, Estados de
Conquistas.
Em Moçambique, o português é a língua oficial (CRM: art.º 9.º) e as línguas
nacionais, “como veiculares da nossa identidade”, são valorizadas pelo Estado,
promovendo-se o seu desenvolvimento e uso, pois, elas são consideradas “património
cultural e educacional” (Idem).
Sistemas de Linhagem
10
De acordo com Gonçalves Cota (1944:223) “as famílias patriarcais equilibram
a perda duma filha que casa recebendo por ela dinheiro ou quaisquer valores
econômicos que lhes permitem adquirir outra mulher para um filho que ficará sob
autoridade do pai e o auxiliará; as famílias matriarcais não adotam este sistema, mas
também conseguem o mesmo equilíbrio adquirindo para o seu grupo, em vez desses
valores compensatórios, o próprio noivo que trabalhará para casa e ficará sob
autoridade dos sogros.”
O “lobolo”, valor pago pelo pretendente a marido, não pertencia à jovem que
iria casar, ficava pertencendo à sua família, e seria utilizado pelo pai, caso ele
tivesse filhos homens, na compra da mulher para este, somente não existindo filho
varão o “lobolo” ficaria pertencendo ao pai.
De acordo com Gonçalves Cota, (1944:227) houve casos em que os pais não
respeitaram esta regra e com o dinheiro do “lobolo” da filha compraram uma nova
mulher para si próprios.
11
impediu numa primeira fase a prática da pecuária, sobretudo o gado bovino e
privilegiando a prática da agricultura, actividades que maioritariamente eram praticadas
pelas mulheres, o que teria originado comunidades matrilineares. Estas sociedades
desenvolveram-se no norte do Zambeze. Devido a prática da agricultura, conferiu a
mulher poderes sobre o homem. Os filhos do casal pertencem ao grupo de parentesco da
mãe e só as mulheres é que transmitem o parentesco. Os bens e poderes são herdados
por via materna. O casamento na sociedade matrilinear, o homem fixa a sua residência
na família da mulher, isto é, o casamento é matrilocal. A esta prática chama-
se uxorilocalidade. As funções políticas e jurídicas são desempenhadas pelo Tio
materno. Nestas sociedades, se no casal a mulher morre, o homem era obrigado a casar-
se com a irmã da sua defunta mulher. A esta prática chama-se Surrurato.
12
dinheiro ganhado com a colheita; os ritos de fato requerem uma grande
quantidade de dinheiro, tanto para pagar os especialistas dos rituais quanto para
pagar as festas e cerimônias ligadas aos mesmos. Por esta razão, normalmente se
realiza o rito quando se consegue reunir na aldeia, pelo menos dez crianças entre
oito e doze anos de idade, e todos os membros das famílias dos iniciados
contribuem para os custos. O rito em si é realizado em um pequeno campo
construído para a ocasião, a pouca distância da aldeia. Durante o ritual, que dura
cerca de um mês, os iniciados não podem ter qualquer tipo de contato com
pessoas de fora do rito e, mesmo em caso de morte de um dos iniciados, os pais
serão informados somente quando se conclui o rito.
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Durante a fase preliminar são proferidos insultos e injurias aos “iniciados” para
torná-los humildes e estimulá-los a corrigir-se e fortalecer-se, transmitindo-lhes
ensinamentos fundamentais como: o conhecimento popular sobre a vida e as
suas fases principais, a tradição da comunidade, a história da comunidade,
lendas e personagens míticos, leis, regras e procedimentos da sociedade, os seus
direitos e os seus deveres.
É usada uma linguagem recitativa com aplausos e repetições, através de
recitações e performances quase teatrais, ou seja, usa-se muito o corpo como
instrumento de conhecimento e aprendizado. Para ensinar usam muito também
os enigmas e as adivinhações com o apoio de música e mímica: o conselheiro-
chefe dita o ritmo da música, os dançarinos dançam, o conselheiro canta a
primeira parte da adivinhação e os outros conselheiros cantam a solução
enquanto os iniciados acompanham o ritmo batendo palmas. Além de
ensinamentos teóricos existem também os práticos: a eles é ensinado a caçar,
construir objetos e casas, e enterrar os mortos. Durante o ritual os cabelos dos
meninos são constantemente mal cortados. Devem manter-se os mais silenciosos
possível e evitar certos tipos de alimentos.
Os iniciados têm que passar por alguns testes de força como o tiro de lança,
saber caçar, tomar o banho de purificação no rio, etc.
Até o retorno dos iniciados os pais também precisam seguir vários requisitos
como: não se lavar, não se vestir bem, não pentear o cabelo e não ter relações
sexuais.
Ao final do ritual, os iniciados recebem outro nome que indica tanto um estado
(dimensão essencial) quanto uma missão (dimensão funcional). Exemplos:
Paciência, Aquele que nega, Razão, Em Deus, Testemunha, Viu o meu
sofrimento, O filho do espírito, Vigilante, O salvador, O mestre do relâmpago,
Foram escritos, O mestre do sol, Guloso.
Finalmente, acontece a fase de reintegração, na qual o acampamento é destruído
e queimado; os iniciados realizam um banho de purificação e voltam para a
aldeia mostrando as competências adquiridas. No final, se realiza uma refeição
comunitária onde todos os membros da família e os amigos, festejam com uma
festa que dura um dia inteiro.
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Do ponto de vista de parentesco, “o Zambeze no seu baixo curso separa
populações matrilineares a Norte, de patrilineares a Sul, não se incluindo aqui os
hibridismos dos Povos do Baixo Zambeze” (Garcia, 2003:250). São matrilineares os
macondes, ajauas, macua-lomué e cewa-nyanjas. Os shonas, tsongas, bitongas e chopes
são patrilineares. Os povos do Baixo Zambeze (senas, nyungues, nsengas, podzos,
mahindos, tongas, pimbues e chuabos) são híbridos ou de simbiose de influências
patrilinear e matrilinear, acontecendo o mesmo com os suahilis e os suhilizados.
As características principais do sistema de parentesco matrilinear são as
seguintes:
15
O levirato não é frequente nos povos matrilineares. Mas, em caso de
necessidade, o primo materno herda a esposa do falecido;
O sororato é raro. Todavia, em caso de se achar necessário e consensual,
a prima materna fica esposa do viúvo.
Casamento
Mulher
Filhos
Pertencem à família da mão; Educação dos filhos assegurada pelo tio materno.
16
· São bens ou dinheiro dados à mulher que casa, tem maior significado nestas
sociedades.
Actividades economicas
Transmissão do Poder
Com a morte de um chefe, o poder passa para o sobrinho, filho da irmã mais velha.
Casamento
17
Transmissão de Propriedade
18
esta para o sogro (pai da esposa). Em caso do sogro já não estar
vivo, a autoridade sobre estes filhos, resultantes dum casamento
sem compensação, é exercida pelo tio paterno da mulher (irmão
do sogro) ou por cunhado (irmão da esposa);
Nas sociedades patrilineares, tem lugar o levirato, uma das
formas de matrimónio secundário, para assegurar a descendência
a um defunto. Assim, “o irmão do morto tem o direito, que é
também um dever, de tomar a viúva por mulher; o filho que dela
tiver será, para todos os efeitos do ‘pai’ defunto10; o irmão do
defunto é só genitor” (Bernardi, 2007: 311);
Na actualidade, o levirato está ficando em desuso, por diferentes
razões: facilidade de propagação de HIV-SIDA, oportunismo de
alguns homens para se apoderarem dos bens deixados pelo
defunto, prejudicando tanto a (s) viúva (s) como os órfãos, e a
política de emancipação da mulher que data do período da luta
pela conquista da Independência Nacional;
Mesmo não havendo o levirato na verdadeira acepção, a viúva
fica livre, todavia, indica-se um familiar do defunto (irmão ou
irmã, primo ou prima paternos) para velar pelo lar do ente
querido falecido, em alguns aspectos religiosos, sociais e
jurídicos tradicionais. Porque os familiares do defunto têm
alguma responsabilidade em relação aos filhos por este deixados.
No meio urbano, o levirato já não é praticado. Se ocorre, não tem
forte visibilidade.
Também em fase de erosão profunda, se encontra o sororato,
igualmente variante de matrimónio secundário, pelo qual o viúvo
é obrigado a casar com uma das irmãs da falecida mulher.
19
condicionantes da referida simbiose, a islamização, o comércio, a migração e a
escravatura, que teriam provocado o tal sincretismo cultural. Por exemplo, no litoral da
Província de Nampula existe a prática de compensação matrimonial, conhecida por
mahari.
No campo da educação, além da moderna, na sociedade moçambicana, é
valorizada a educação tradicional, que desempenha uma tripla integração: integração
individual, integração social e integração cultural, sendo esta a que insere a pessoa na
cultura da sociedade a que pertence.
Em função das especificidades locais, funciona em todo o espaço nacional a
autoridade tradicional, legitimada pelas comunidades, de acordo com o direito
costumeiro, e reconhecida e valorizada pelo Estado, cuja finalidade é permitir a
participação das populações na vida económica, social e cultural do país, em estreita
observância da lei em vigor no país.
No concernente às crenças, em Moçambique praticam-se diversas religiões,
destacando-se as tradicionais africanas, cristã (católica e protestante) e islâmica. Nas
religiões tradicionais, os cultos de maior expressão estão ligados aos “antepassados, o
zoolátrico, o totémico e a demonolatria. No entanto, a principal crença é a
ancestrolatria ou adoração dos manes” (Garcia, 2003: 258).
Mesmo os que, por opção a uma das religiões monoteístas, se distanciam das
tradicionais, ou as negligenciam momentânea ou longamente, em caso de crise,
“regressam às origens”, visto que “mesmo os católicos e muçulmanos conservam
práticas e superstições da sua crença ancestral.” (MQGRM, 1967: 7). Como entender
este facto? É uma questão de segurança individual: os homens preferem o passado,
quando o presente não consola. É nas crises que se confirma o nível de estabilidade e
validade das opções tomadas anteriormente.
Ser mulher infértil é como ser uma defunta, da mesma forma que a impotência
sexual masculina é também morte. Assim, há casos em que a irmã dela ou sobrinha
(filha do irmão), na base de um acordo familiar, pode garantir a maternidade. Isto visa
evitar que, em caso do casamento do viúvo com outra mulher não parente da falecida,
os filhos órfãos sejam maltratados pela madrasta. Daí a opção pela variante tia (irmã da
mãe), que também é “mãe”, culturalmente.
As identidades étnicas e culturais não são estáticas. O músico do conjunto
Ghoruane, Roberto Chitsondzo, reconhecendo os diversos cruzamentos inter-étnicos e
inter-raciais ao longo da história e a diversidade religiosa moçambicana, considera o
20
cidadão moçambicano um “filho de muitas águas, correndo em muitos canos”, num
país cujo povo é constituído por negros, brancos, indianos e mulatos.
Síntese conclusiva
21
Na formação das nações, a prática mostra que cada povo segue um percurso
condicionado pela sua própria História e cultura. A vida nos ensina que os processos
sociais não se fazem a régua e esquadro. Não raras vezes se confunde o carácter
contínuo da História com linearidade. Não havendo processos históricos iguais, é justo
que a formação de nações também não seja uniforme.
Enquanto alguns países formaram Estados a partir da Nação, em África, os
países que se libertaram da dominação colonial seguem o processo inverso. Em
consequência das independências nasceram os jovens Estados que iniciaram o processo
longo e gradual de construção da nação.
O facto dos Estados africanos estarem ainda, hoje, a construir as nações não
deve inibi-los de o fazer. Nem devem ser dados receitas. Porque, em atletismo, não se
agrupam na mesma classificação as pessoas que arrancam em tempos diferentes.
Mesmo assim, como diz o provérbio macua, “ficar atrás não é negar viagem”.
É verdade que o Estado não é sinónimo de nação. A nação não equivale ao
espaço territorial de um país. O simples facto de existirem pessoas ocupando um
território não confere automaticamente o estatuto de pertença a uma nação. Um povo
forma nação quando tiver vivido a mesma vida comunitária durante tempos, possua uma
história de glórias que tenham feito vibrar, quer na alegria, quer no sofrimento, a sua
alma, trazendo-lhe aspirações e esperanças. E Moçambique reúne estes requisitos. A
longa caminhada de construção da nação começou na gesta libertadora.
Ao longo da sua história, os moçambicanos realizaram desafios que os tornaram
um único povo. Os grandes momentos de coesão em torno de objectivos comuns estão
relacionados com a conquista da independência nacional, a defesa da pátria e os
desafios que se erguem na actual fase e os que aparecerão no futuro.
Do conjunto de factores formadores da Nação, Aresta, destaca-se os de natureza
espiritual que constituem os fundamentos morais das nacionalidades e dão coesão ao
que pode chamar-se a consciência nacional.
Uma nação se forma e perdura pela consciência dos seus cidadãos, pela unidade
nacional, sendo esta a coesão de todos os cidadãos de um país em torno de agenda
comum, de objectivos que constituem o interesse nacional, independentemente da etnia,
tribo, religião, filiação política, posição social, sexo e raça. É a aglutinação de diversas
tendências nacionais na vontade comum, subordinando os interesses particulares aos
interesses nacionais. Quando falamos de interesses nacionais referimo-nos àqueles que
estão ligados ao que o Estado pretende salvaguardar, numa hierarquia que se liga aos
22
objectivos nacionais que se programam atingir, de modo a configurarem as aspirações
nacionais.
A unidade nacional tem raízes na cultura moçambicana. É frequente,
principalmente no tempo de dificuldades, ouvirmos dizer que “uma perna (sozinha),
não dança coisas bonitas”,11 replicando-se com outro adágio popular de que “um
polegar (isolado) não mata piolho”12. Estas maneiras de filosofar resultaram da
aprendizagem histórica de que acções isoladas nunca conduzem ao sucesso.
Quem fala da diversidade não deve, de forma alguma, esquecer-se da identidade.
Quando se fala da globalização não se deve esquecer do local e do regional. Existem
aspectos específicos de cada região, que particularizam as comunidades. São as
identidades.
O cidadão moçambicano é um misto de identidades, podendo-se referir às que
estão relacionadas à tribo, etnia, nação, religião, profissão, clube, etc. Por isso, se
justifique afirmar-se que, em termos práticos, o individuo transporta consigo um sem
número de identidades sociais em simultâneo, pertence a diversas categorias ao mesmo
tempo, identidades essas que são ‘activadas’ de acordo com os contextos sociais. As
identidades são metamorfoses do ser em função das situações concretas do tempo e do
espaço. Cada identidade é um útero fértil, pronto para fecundação de novas identidades.
As identidades de uns são equilibradas pelas diferenças dos outros. As
diferenças são outras formas de identidades. O desafio consiste em conviver com o
diferente.
Para Martins, num tempo e num mundo em que as fronteiras se esbatem e em
que a mundialização está na ordem do dia, as identidades nacionais não devem ser
esquecidas ou menosprezadas nem sobrevalorizadas. A pluralidade de pertença é uma
realidade que tem de ser assumida com todas as suas consequências, para que os
fantasmas das identidades absolutas não se manifestem por ressentimento contra a
ilusão da harmonização ou da diferença.
A riqueza da diversidade cultural reside no reconhecimento de que a identidade
nacional convive com um sem número de identidades sociais. Do mesmo modo que
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uma parte do corpo humano reconhece a sua singularidade, não dispensa os outros
órgãos, porque as diferenças completam e equilibram o conjunto.
Quando as identidades são combatidas, elas resistem ou fingem que não existem,
passando à clandestinidade, aguardando pelo momento adequado para o seu
ressurgimento, porque, como sabiamente se diz na tradição bambara, do Mali, um
tronco pode ficar na água por longo tempo, mas não se transforma em crocodilo.
Conscientes da necessidade de preservar o que nos distingue dos outros, importa
referir que manter algo identitário que colida com o nacional e universal é uma atitude
retrógrada. Por isso, em Moçambique, admitimos a existência e a emergência de
identidades, salvaguardando o comum nacional. Para o escritor Mia Couto, o
denominador comum do nosso país é a moçambicanidade aberta a diversidade de
identidades.
De um modo geral, para todos nós, a primeira coisa da nossa identidade é ainda
sermos moçambicanos. Hoje em dia, porém, outras formas de pertença estão-se
esboçando. Para muitos de nós estão nascendo outras primeiras identidades. Pode ser
uma identidade racial, tribal, religiosa. Esse sentimento de pertença pode colidir com
isso que chamamos de moçambicanidade. (...) Podemos ser diversas coisas. O erro é
quando queremos ser apenas uma. O erro é quando queremos negar que somos diversas
coisas ao mesmo tempo. A verdade é que não há ninguém que seja ‘puro’. A nossa
espécie humana é toda ela feita de mestiçagens. Há milhões de anos que nos andamos
cruzando, trocando genes, traficando valores. Não há nesta sala ninguém que não
possua uma identidade múltipla e plural. As identidades são como os dedos das mãos.
Os diversos cidadãos que afluem às FADM são portadores de múltiplas
identidades das suas zonas de origem e estas qualidades, moldadas nos valores de amar
e servir a pátria, garantem a coesão, condição importantíssima para o desempenho da
função militar. No treino, na marcha, na preparação combativa, no refeitório, na
limpeza, na prática desportiva, na música, na dança, no combate e no contacto com o
povo, os valores culturais do país se interpenetram. Cada militar ganha a maior
identidade: a moçambicanidade. Ele compreende que o seu local de origem é parte
indissociável do maior conjunto que é a Nação Moçambicana.
Na primeira aula de sapiência da Academia Militar “Marechal Samora Machel”,
o Presidente da República e Comandante-Chefe das FADM, Armando Guebuza vincou
o carácter privilegiado do ambiente militar na preparação do cidadão dotado de unidade
nacional, ao afirmar o seguinte:
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“A vida militar cria óptimas condições para a promoção da Unidade Nacional,
mas a luta individual de cada militar, através do seu cometimento firme e sem
desfalecimentos, para aceitar a mudança de atitude e comportamento perante a nova
realidade e os novos desafios é crucial para a aquisição deste valor.” (Guebuza, 2005:
Ao mesmo que o militar encontra nas FADM as condições necessárias para a
aquisição de valores positivos, o Chefe do Estado alerta para o facto desse processo não
ser automático, isto é, ocorrer por si só, visto ser um exercício que exige o engajamento
de cada militar na sua própria transformação, com ajuda do colectivo em que está
inserido.
Síntese conclusiva
A diversidade cultural da República de Moçambique não põe em perigo a
unidade nacional. Esse mosaico cultural é benéfico, enriquecedor e cimenta a coesão
dos cidadãos, independentemente das várias identidades que o conjunto nacional
comporta.
Os membros das FADM, ao trazerem das suas zonas de origem os diversos
valores culturais, insuflam na instituição militar as sinergias fortificantes, reforçam a
consciência de pertencerem ao mesmo país e povo, ganham a dimensão patriótica,
garantindo a coesão tanto dos militares como da sociedade em geral.
Cada militar encontra nos colegas provenientes de diferentes regiões do país,
compatriotas engajados na finalidade comum de defender a pátria, realização apenas
possível graças à coesão, imortalizando, assim, a epopeia dos que compreenderam o
valor da unidade nacional e a instituíram como parte integrante e indissociável da nossa
cultura de moçambicanidade.
Deste modo, ficam confirmadas as H1 (a diversidade cultural de Moçambique
permite reforçar a unidade nacional) e H2 (a diversidade das origens dos membros das
FADM ajuda a garantir a coesão da instituição militar).
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pela sua capacidade de se adequar constantemente aos desafios de cada tempo, já que a
lógica da vida nos ensina que cada vento com a sua tosse e cada tosse com a sua terapia.
A substituição de valores culturais é um processo difícil. Ela não ocorre sem
resistência. Gustave Le Bon reconhece a necessidade da tradição nas sociedades, ao
mesmo tempo que apela o estabelecimento do equilíbrio entre o que permanece e o que
muda, ao afirmar o seguinte:
Sem tradições, não há civilização; sem a destruição das tradições não há
progresso. A dificuldade está em encontrar o justo equilíbrio da estabilidade e da
variabilidade e esta dificuldade, devemos confessá-lo, é imensa.
Pensamos que as tradições devem ser transmitidas às novas gerações por
seguintes razões: elas alicerçam/asseguram a vida em comunidade e nenhum homem
dura eternidade. Mas a morte de uns, porque já viveram o seu tempo, não anula a
continuidade da vida. Assim sendo, quem já caminhou não deve esconder o caminho.
Porque depois dele a longa estrada da vida continua. As diferentes gerações
prosseguirão, corrigindo algumas formas de caminhar. Porém, corrigir, adequar e
adoptar diferem grandemente da invenção de tudo e da estagnação.
As ideias surgem espicaçadas pela necessidade, dominam, duram e resistem nas
sociedades ao longo do tempo. Daí que seja justo afirmar-se que as ideia são filhas do
passado, mães do futuro, eternas escravas do tempo. Elas, mesmo já desactualizadas,
continuam a ser seguidas. Morrem muito lentamente e não por decreto. Mas por
consciencialização das pessoas. Um desafio de todos.
Uma das características da cultura é sua selectividade. A cultura é selectiva
porque tem os valores permanentes, valores novos (integrados) e valores relegados.
Os valores permanentes são chamados tradição. Porém, continuar não é existir
em forma de fotocópia. Algo deve mudar, variando o grau de profundidade da mudança.
Por exemplo, desde os seus primórdios, as FFAA de qualquer Estado sempre estiveram
dotadas de equipamento militar. O que varia é o tipo e a qualidade de equipamento, em
função da revolução técnico-científica operada em cada fase da História e em
consonância com o progresso da Ciência e Arte Militares.
Aqueles aspectos que deixaram de ser usuais na cultura dos povos chamam-se
valores relegados. Por exemplo, na guerra moderna já não se usam arcos, flechas e
zagaias, por causa do desenvolvimento operado na ciência e tecnologia militares. Mas,
ser-se verdadeiramente adulto não é esquecer-se da infância. Por isso se aprende a
História Militar, para compreender o presente e, de forma segura, construir o futuro.
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Os novos elementos culturais que passam a fazer parte do património de um
povo recebem o nome de valores novos ou integrados. Há bem pouco tempo, as
tecnologias de informação e comunicação não faziam parte da cultura dos povos. Hoje,
a aderência a esses meios é inigualável e a circulação da informação tem uma
velocidade impressionante.
Quando se pretende seguir novos caminhos, em novos contextos, um dos
dilemas que as sociedades enfrentam é a coexistência do binómio tradição e
modernidade. Há pessoas que pensam que as duas realidades não podem coexistir. Ora
alegando-se que o abandono à tradição elimina a identidade, ora defendendo-se que
permanecer na tradição é negar o progresso.
Mas a tradição e a modernidade necessitam-se mutuamente. Tanto uma como
outra podem fracassar, se não houver o justo equilíbrio. Isto significa que qualquer
mudança não cuidadosamente preparada ou uma transição forçada produz maus
resultados. A tradição e a modernidade, quando bem doseadas, constituem alavancas
poderosas do desenvolvimento. Na relação com estas duas realidades devemos ter
algumas cautelas, como nos aconselha Mia Couto:
É preciso fazer um bocadinho o caminho com duas pernas: tem que ter um pé
na tradição e outro na modernidade. Só assim chega a um retrato capaz de respeitar
asdinâmicas e as relações complexas do corpo moçambicano. A chamada ‘identidade
moçambicana’ só existe na sua própria construção. Ela nasce do entrosamento, de trocas
e destroca.
Se a cultura é a resposta concreta dada a determinados desafios da vida, importa
saber que nem os problemas nem as soluções duram eternamente, daí que os valores
culturais não se perpetuem, porque a vida não tem fórmulas acabadas. Em cada fase, os
homens buscam respostas para as diferentes questões que desafiam o seu modo de vida,
em função dos seus objectivos. Trata-se de decidir entre soluções novas para novos
problemas e respostas antigas para desafios modernos.
A tradição sem modernidade, isto é, sem injecção de novos valores consentâneos
com os novos tempos, é uma estagnação. É a perpetuação de realidades decadentes.
Por sua vez, a modernidade desprovida da tradição é como um edifício que se
pretende duradoiro, mas sem alicerces seguros. Os destinos seguros são aqueles que se
enraízam no ponto de partida. Por isso se acredita que a tradição e o desenvolvimento
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podem caminhar de mãos dadas13. Este caminhar de mãos dadas não é sinónimo da
ausência de conflitos entre ambos. É apenas compreender que uma transição é como um
parto: é doloroso.
Os valores comuns não são imutáveis, estão sempre ligeiramente em mudança,
mas vão acompanhando a tradição filosófica, política e cultural ao longo dos tempos.
Tudo isto vai criando novos valores morais e éticos que duram muito tempo. Não há
valores definitivos, nem pode haver.
Na cultura nacional existem aspectos culturais negativos, tais como parasitismo
familiar, o egoísmo, a discriminação da mulher, a falta de pontualidade, violência
doméstica contra a mulher e o homem, a falta de auto-estima, o burocratismo,
queimadas descontroladas, casamentos prematuros, permanecer em zonas propícias às
inundações cíclicas e outros modos de vida que são prejudiciais, que devem ser
abandonados.
Na vida, deve existir o justo equilíbrio entre aquilo que se herda e o que deve ser
inovado, porque a existência humana não é um simples amontoado de repetições. Do
mesmo modo que nos preocupamos em conhecer e valorizar o nosso passado e as
tradições a que fomos legados pelos nossos antepassados, devemos fazer o esforço de
adequar a nossa vida às exigências de cada fase.
Quando as sociedades seguem dogmaticamente as práticas antigas, apenas
porque pertenceram as gerações anteriores, ocorre estagnação e, consequentemente,
ninguém mais estima o património cultural desactualizado.
Da mesma forma que as sociedades defendem os valores tradicionais “numa
linha de continuidade evolutiva”, importa estarmos conscientes de que em certas
ocasiões, a adaptação é a única via para a sobrevivência.
As novas gerações devem ser educadas nos valores culturais que ainda se
adequam ao desenvolvimento da sociedade e à dinâmica da inserção do país no mundo
global.
Os valores culturais tradicionais positivos devem ser integrados na modernidade,
da mesma forma que os elementos da modernidade, úteis, devem ser introduzidos na
sociedade moçambicana, importando que ambos estabeleçam um diálogo desprovido de
complexo e de fundamentalismo de qualquer espécie.
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A família, a escola e outros agentes de socialização devem contribuir para que o
convívio salutar e as permutas recíprocas, entre a tradição e a modernidade, sejam uma
realidade.
Para o caso das FADM, a educação cívico - patriótica deve ser reforçada, ao
mesmo tempo que se torna importante o aumento da escolaridade, a preparação
combativa contínua, a prática da Logística de Produção, a manutenção e conservação do
património militar, o saneamento do meio, a assiduidade e a pontualidade, entre outros
valores.
Assim se consideram confirmadas as H3 (a cultura nacional deve integrar os
valores positivos da tradição mas também os da modernidade) e H4 (nem todos os
valores culturais nacionais são positivos tanto para a sociedade em geral como para as
FADM).
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Conclusão
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Referências Bibliográficas
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