Meditações de Santo Afonso Maria de Ligório PDF
Meditações de Santo Afonso Maria de Ligório PDF
Meditações de Santo Afonso Maria de Ligório PDF
Fontes:
https://rumoasantidade.com.br/espiritualidade/modo-fazer-oracao-
mental/
https://rumoasantidade.com.br/meditacoes-santo-afonso/
A Preparação
A Meditação
A Conclusão
I. Preparação
Na preparação fazem-se três atos:
Depois uma Ave Maria à Santíssima Virgem, afim de que nos obtenha
esta luz; e na mesma intenção um Glória ao Pai a São José; e um Santo
Anjo ao Anjo da Guarda e ao nosso Santo Protetor.
Estes atos devem ser feitos com atenção, mas brevemente, depois
deles se fará a meditação.
II. Meditação
Para a Meditação, utilizaremos as meditações de Santo Afonso Maria
de Ligório, para a Quaresma e Semana Santa. Devemos ler com
atenção, parando nas passagens que mais nos impressionarem ou
chamarem atenção. Se precisar, leia novamente, pausadamente,
prestando atenção. São Francisco de Sales diz que devemos imitar as
abelhas, que se demoram numa flor enquanto acham mel, e voam
depois para outra.
Corpo da Meditação
A) Memória
Recordar o fato ou o assunto da meditação
B) Inteligência
Que devo considerar nessa matéria? (sua bondade, sua perfeição,
sua verdade)
Que consequência devo tirar para a minha vida?
Que motivos tenho para isso?
Como tenho me conduzido nesse ponto?
Como devo me portar de agora em diante?
Que dificuldade terei de vencer?
Que meios devo empregar para conseguir?
C) Vontade
Ordenar todas as faculdades para rezar na meditação
Atos de amor ao bem meditado, de desejo de cumprir o bem
meditado, sobretudo no final
Propósitos práticos, concretos, energéticos, humildes e confiados
III. Conclusão
A) Colóquios
Pedir ajuda e força, como filhos, como amigo de Deus, a Deus Pai,
a Jesus Cristo, a Maria Santíssima, aos santos, aos patronos.
B) Exame da meditação
Como fiz a meditação?
Porque fiz mal, se for o caso?
Que consequência prática tirei, que propósitos práticos fiz, que
luzes recebi?
Escolher um pensamento como “ramalhete espiritual” para tê-lo
presente durante todo o dia.
Imprimir bem na memória um ou dois pensamentos que mais
impressão nos fizeram, para os recordarmos e nos revigorarmos
durante o dia.
Orações finais
Memorare
Lembrai-vos, ó Piíssima Virgem Maria, de que nunca se ouviu dizer, que
algum daqueles que tenha recorrido à vossa clemência, implorado a vossa
assistência, reclamado o vosso socorro, fosse por vós abandonado.
Animado eu, pois, com igual confiança, a vós, Virgem das Virgens, como
Mãe recorro, de vós me valho e gemendo sob o peso de meus pecados,
me prosto a vossos pés. Não desprezeis as minhas súplicas, ó mãe do
Verbo de Deus humanado, mas dignai-vos de as ouvir propícia e de me
alcançar o que vos rogo.
Sub Tuum
À vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus; não desprezeis as
nossas súplicas em nossas necessidades; mas livrai-nos sempre de todos
os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita. Amém.
Ato de Fé
Eu creio firmemente que há um só Deus em três pessoas realmente
distintas, Pai, Filho e Espírito Santo, que dá o céu aos bons e o inferno aos
maus para sempre. Creio que o Filho de Deus, se fez homem, padeceu e
morreu na cruz para nos salvar, e que ao terceiro dia ressuscitou. Creio em
tudo o mais que crê e ensina a Santa Igreja Católica Apostólica Romana,
porque Deus, verdade infalível, lho revelou. E nesta crença quero viver e
morrer.
Ato de Esperança
Eu espero, meu Deus, com firme confiança, que pelos merecimentos de
meu Senhor Jesus Cristo, me dareis a salvação eterna e as graças
necessárias para consegui-la, porque vós, sumamente bom e poderoso, o
haveis prometido a quem observar fielmente os vossos mandamentos,
como eu prometo fazer com o vosso auxílio.
Ato de Caridade
Eu vos amo, meu Deus, de todo o meu coração e sobre todas as coisas,
porque sois infinitamente bom e amável, e antes quero perder tudo do
que vos ofender. Por amor de vós amo meu próximo como a mim mesmo.
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Quarta-Feira de Cinzas - 6 de março - A
lembrança da morte e o jejum quaresmal
II. Os insensatos que não creem na vida futura e têm as verdades eternas
por fábulas, estimulam-se, com a lembrança da morte, a levar vida folgada
e a gozarem. Comedamus et bibamus; cras enim moriemur (1) —
“Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos”. De maneira bem
diferente, porém, diz Santo Agostinho, deve proceder o cristão, que pela
fé sabe que a alma sobrevive ao corpo e que, depois da morte deste, terá
de dar contas rigorosíssimas de tudo quanto tiver feito. — O cristão, que
se lembra que em breve deverá deixar o mundo, cuidará da sua
eternidade e procurará aplacar a justiça divina com penitências e orações.
É por isso exatamente que a Igreja, depois de nos ter posto as cinzas sobre
a cabeça, ordena a seus ministros que notifiquem aos fiéis o jejum
quaresmal: Canite tuba in Sion: sanctificate ieiunium (2) — “Fazei soar a
trombeta em Sião, santificai o jejum”.
Conformemo-nos, portanto, com as intenções de nossa boa Mãe; e como
ela mesma o ordena, sejamos no santo tempo da Quaresma “mais sóbrios
em palavras, na comida, na bebida, no sono, nos divertimentos” (3); e, o
que é mais necessário, afastemo-nos mais de toda a culpa por meio de
uma vida recolhida e consagrada à oração, porquanto, no dizer de São
Leão, “sem proveito se subtrai o alimento ao corpo, se o espírito não se
afasta mais da iniquidade”.
É pois com razão que este dom é chamado por Santo Tomás: sacramento
e penhor de amor, e por São Bernardo: amor dos amores: amor amorum,
porque Jesus Cristo reúne e completa neste sacramento todas as outras
finezas do seu amor para conosco. Pelo mesmo motivo Santa Maria
Madalena de Pazzi chamava o dia em que Jesus instituiu este sacramento,
o dia do amor. Ó maravilha e prodígio do amor divino! Deus, o Senhor de
todas as coisas, se faz todo nosso!
II. Praebe, fili mi, cor tuum mihi (2) ― “Meu filho, dá-me teu coração”. Eis
o que Jesus Cristo nos diz lá de dentro do santo Tabernáculo: Meu filho,
em compensação do amor que te mostrei, dando-te o dom inapreciável
do Santíssimo Sacramento, dá-me o teu coração e ama-me de hoje em
diante com todas as tuas forças, com toda a tua alma. ― Parece-te
porventura, meu irmão, que o nosso Salvador é exigente demais, depois
de se ter dado a si próprio sem reserva? Todavia, quantos cristãos não há
que recusam por completo seu coração a Jesus, ou querem dividi-lo entre
Ele e as criaturas!
Ó meu caro Jesus, que mais podeis executar para nos atrair a vosso amor?
Ah! Dai-nos a conhecer por que excesso de amor Vos reduzistes a estado
de alimento, para Vos unir a pobres e vis pecadores como somos? Ó meu
Redentor, vossa ternura para comigo tem sido tão grande, que não
recusastes dar-Vos muitas vezes todo a mim na santa comunhão; e eu,
quantas vezes tive a ingratidão de Vos expulsar da minha alma! Mas não é
possível que desprezeis um coração contrito e humilhado. Por mim Vos
fizestes homem, por mim morrestes e chegastes a Vos fazer meu
alimento; após isto, que Vos fica ainda por fazer no intuito de
conquistardes meu amor? Ah! Não poder eu morrer de dor, cada vez que
me lembro de ter assim desprezado vossa graça! Ó meu Amor, arrependo-
me de todo o meu coração de Vos ter ofendido. Amo-Vos, ó Bondade
infinita; amo-Vos, ó Amor infinito. Nada mais desejo senão amar-Vos, e
nada mais temo senão viver sem Vos amar.
Meu amado Jesus, não recuseis vir à minha alma. Vinde, porque estou
resolvido a morrer antes mil vezes, que repelir-Vos de novo, e quero fazer
tudo para Vos agradar. Vinde e abrasai-me todo no vosso amor. Fazei com
que me esqueça de todas as coisas, para não mais pensar senão em Vós, e
só a Vós buscar, meu único e soberano Bem. ― Ó Maria, minha Mãe, rogai
por mim, e, por vossas orações, tornai-me reconhecido para com Jesus
Cristo, que tanto amor me tem.
Sexta-Feira - 8 de março - Comemoração da
Coroa de espinhos de Nosso Senhor Jesus
Cristo
Tão atroz tormento não foi para Jesus de curta duração; bem ao contrário,
foi o mais longo da sua Paixão, porquanto durou até à sua morte. Visto
que os espinhos ficavam encravados na cabeça, todas as vezes que lhe
tocavam na coroa ou na cabeça, sempre se lhe renovavam as dores. E o
Cordeiro manso deixou-se atormentar à vontade dos algozes, sem proferir
uma só palavra. ― Era tão grande a abundância de sangue que corria das
feridas, que Lhe cobria o rosto, ensopava os cabelos e a barba, e Lhe
enchia os olhos. São Boaventura chega a dizer que não era já o belo rosto
de Senhor que se via, mas o rosto de um homem esfolado. Eis aí, exclama
o Bem-aventurado Dionísio Cartusiano, como quis ser tratado o Filho de
Deus, para obter para nós a coroa de glória no céu.
II. Maledicta terra in opere tuo… spinas et tribulos germinabit tibi (1) ― “A
terra será maldita na tua obra… ela te produzirá espinhos e abrolhos”.
Esta maldição foi lançada por Deus contra Adão e toda a sua
descendência; pois que pela terra, não se entende tão somente a terra
material, senão também a natureza humana, que estando infectada pelo
pecado de Adão, não produz senão espinhos de culpas. ― Para cura desta
infecção, diz Tertuliano, foi mister que Jesus Cristo oferecesse a Deus o
sacrifício do seu longo tormento da coroação de espinhos. Por isso Santo
Agostinho não hesita em dizer que os espinhos não foram senão
instrumentos inocentes; mas que os espinhos criminosos, que
propriamente atormentaram a cabeça de Jesus Cristo, foram os nossos
pecados, e em particular, os nossos maus pensamentos: Spinae quid nisi
peccatores? É isso exatamente o que Jesus Cristo mesmo deu a entender,
quando apareceu certa vez a Santa Teresa, coroado de espinhos. Quando
a Santa Lhe testemunhava a sua compaixão, disse-lhe o Senhor:
Ah, meu Jesus, Vós não tínheis merecido ser tratado por mim como Vos
tenho tratado. Reconheço a minha ingratidão; arrependo-me de todo o
meu coração. Peço-Vos que não somente me perdoeis, mas que me deis
tão grande dor, que durante a minha vida toda continue a chorar as
injúrias que Vos fiz. Sim, Jesus meu, perdoai-me, visto que Vos quero amar
sempre e sobre todas as coisas. “E Vós, ó Eterno Pai, concedei-me que,
venerando na terra, em memória da Paixão de Jesus Cristo, a sua coroa de
espinhos, mereça ser um dia por Ele coroado no céu com uma coroa de
glória e honra” (2). Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de Maria,
sua Mãe.
Sábado – 9 de março - Primeira dor de Maria
Santíssima – Profecia de Simeão
I. Neste vale de lágrimas, cada homem nasce para chorar e cada um deve
padecer sofrendo aqueles males que diariamente lhe acontecem. Mas
quanto mais triste seria a vida, se cada um soubesse também os males
futuros que o têm de afligir! O Senhor usa esta compaixão conosco, de
não nos deixar ver as cruzes que nos esperam, a fim de que, se as temos
de padecer, ao menos as padeçamos uma só vez. ― Mas Deus não usou
semelhante compaixão para com Maria, a qual, porque Deus quis que
fosse Rainha das dores e toda semelhante ao Filho, teve sempre de ver
diante dos olhos e de padecer continuamente todas as penas que a
esperavam; e estas foram as penas da paixão e morte de seu amado Jesus.
“Cada vez que eu olhava para meu Filho, sentia o meu coração oprimido
de nova dor e enchiam-se meus olhos de lágrimas”.
Se, pois, Jesus, nosso Rei, e Maria, nossa Mãe, bem que inocentes, não
recusaram por nosso amor padecer durante toda a sua vida uma pena tão
atroz, não é justo que nós nos lamentemos, se padecemos um pouco; nós
que porventura muitas vezes temos merecido o inferno.
1º Domingo da Quaresma - 10 de março -
Jesus no deserto e as tentações das almas
escolhidas
Quem foi mais santo do que Jesus Cristo? Todavia ele foi levado pelo
espírito ao deserto para ser tentado pelo diabo. Em primeiro lugar, foi
tentado de gula, porque “tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites,
teve fome. E chegando-se a Ele o tentador, disse: Se és Filho de Deus, dize
que estas pedras se convertam em pães.”
Uma alma, pois, por se ver tentada, não deve ainda temer como se já
tivesse caído no desagrado de Deus, que a quer tornar mais semelhante a
seu Filho unigênito e dar-lhe ocasião para adquirir grandes méritos para o
céu. Quoties vincimus, toties coronamur — “Cada vitória é uma nova
coroa”, diz São Bernardo.
II. Os meios de que nos devemos servir para vencer as tentações são os
mesmos que nosso divino Redentor nos ensina com o seu exemplo no
Evangelho de hoje. — Cum ieiunasset quadraginta diebus – Jesus jejuou
quarenta dias. Para vencermos todas as tentações, e em particular a dos
sentidos, é mister que nós também, especialmente neste tempo de
Quaresma, mortifiquemos a carne pelo jejum, pela penitência, e pelo
recolhimento, e que ao mesmo tempo avigoremos o espírito com
meditações e orações, porque não só de pão vive o homem, mas de toda a
palavra que sai da boca de Deus.
Meu Deus e meu verdadeiro amador: não permitais que minha alma,
criada para Vos amar, ame qualquer coisa senão a Vós e não seja toda
vossa, visto que me resgatastes com o vosso sangue. Ah, Jesus meu, como
será possível que depois de ter conhecido o vosso amor para comigo, eu
ame alguma coisa fora de Vós? Peço-Vos, que me queirais atrair sempre
mais ao íntimo do vosso Coração. Fazei com que me esqueça de tudo, a
fim de não buscar nem desejar senão o vosso amor. Jesus meu, em Vós
confio.
Iustorum animae in manu Dei sunt, et non tanget illos tormentum mortis –
“As almas dos justos estão na mão de Deus, e não os tocará o tormento da
morte” (Sb 3, 1)
II. Ó meu amado Jesus, que para me obter uma morte suave, quisestes
sofrer uma morte tão cruel no Calvário, quando é que Vos verei? A
primeira vez que Vos terei de ver, ver-Vos-ei como meu Juiz no próprio
lugar em que expire. Que Vos direi então? Que me direis? Não quero
esperar até então para pensar nisso; quero meditá-lo agora. Dir-Vos-ei:
Meu caro Redentor, sois Vós aquele que morreu por mim? Houve um
tempo em que Vos ofendi; fui ingrato para convosco e não merecia
perdão; mas, ajudado pela vossa graça, entrei em mim mesmo, e no resto
da vida chorei os meus pecados, e Vós me haveis perdoado. Perdoai-me
agora novamente, que estou a vossos pés, e dai-me a absolvição geral das
minhas faltas. Não merecia mais amar-Vos tendo desprezado o vosso
amor; mas pela vossa misericórdia me tendes atraído o coração, o qual, se
Vos não amou segundo o vosso mérito, amou-Vos pelo menos sobre todas
as coisas, deixando tudo para Vos agradar. Que me dizeis agora? Verdade
é que gozar o paraíso e possuir-Vos no vosso reino é uma felicidade
grande demais para mim. Não tenho, porém, coragem de viver longe de
Vós, mormente agora, que me deixastes ver o vosso amável e belo rosto.
Peço-Vos, pois, o paraíso, não para ter mais gozo, mas para melhor Vos
amar.
Auferetur a vobis regnum Dei, et dabitur genti facienti fructus eius – “Ser-
vos-á tirado o reino de Deus, e será dado a um povo que faça os frutos
dele” (Mt 21, 43)
Quanto maior, porém a graça, tanto mais o Senhor se irritará contra quem
não lhe tiver correspondido, e tanto mais rigoroso será o seu julgamento
no dia das contas. Se um rei chamasse um pastorzinho para seu palácio, a
fim de o servir entre os nobres de sua corte, quão grande não seria a
indignação daquele príncipe, se o súdito recusasse o seu favor, para não
deixar o seu pobre redil e o seu pequeno rebanho?
Deus bem conhece o preço das suas graças; por isso castiga rigorosamente
àquele que as despreza. Ele é o Senhor: quando chama, quer ser
obedecido, e obedecido prontamente; pelo que, quando com a sua luz
chama uma alma à vida perfeita, e esta não corresponde, priva-a de sua
luz e abandona-a no meio das trevas. Oh! Quantas almas desgraçadas
veremos reprovadas no dia do juízo, porque não quiseram obedecer à voz
de Deus!
Sumário. Nenhuma abelha esvoaça com tanta avidez sobre as flores para
lhes sorverem o mel, como Jesus vai morar nas almas que o desejam. Eis
porque no Evangelho nos convida tantas vezes a que nos aproximemos
dele na santa Comunhão. Faz tantas promessas e tantas ameaças, para
manifestar o grande desejo que tem de unir-se conosco. Que ingratidão,
pois, se não correspondemos a tão grande amor!
I. Jesus Cristo chama hora sua a noite em que devia começar a sua paixão.
Mas como é que pode chamar uma hora tão funesta a sua hora? É porque
foi a hora por ele almejada em toda a sua vida, visto que havia
determinado que naquela noite havia de nos deixar a santa Comunhão,
destinada a consumar a sua união com as almas diletas, pelas quais devia
em breve dar o sangue e a vida. Eis aqui o que naquela noite Jesus disse a
seus discípulos: Desiderio desideravi hoc pascha manducare vobiscum ―
«Tenho desejado ansiosamente comer esta Páscoa convosco». Palavra
pela qual o Redentor nos quis dar a entender o desejo ansioso que tinha
de unir-se conosco neste santíssimo Sacramento de amor: desiderio
desideravi ― «desejei ansiosamente»; estas palavras, diz São Lourenço
Justiniani, saíram do Coração de Jesus abrasado em imenso amor.
Ora, a mesma chama que então ardia no Coração de Jesus, ainda está
ardendo ali até ao presente; e a todos nós renova o convite feito então
aos apóstolos de o receberem: Accipite et comedite, hoc est corpus meum
(Mt 26, 26) ― «Tomai e comei: isto é o meu corpo». Além disso, para
atrair-nos a recebê-lo com amor, promete o paraíso: Qui manducat meam
carnem, habet vitam aeternam (Jo 6, 55) ― «Quem como a minha carne,
tem a vida eterna». No caso contrário ameaça-nos com a morte eterna:
Nisi manducaveritis carnem Filii hominis, non habebitis vitam in vobis (Jo
6, 54) ― «Se não comerdes a carne do Filho do homem, não tereis a vida
em vós».
Graças vos dou pelo tempo que me concedeis para chorar minhas
ingratidões e Vos amar. Arrependo-me, ó soberano Bem, de ter tantas
vezes desprezado o vosso amor. Amo-Vos, ó Bondade infinita; amo-Vos, ó
Tesouro infinito; amo-Vos, ó Amor infinito, digno de infinito amor. + Jesus,
meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas. Por piedade, ajudai-me, ó meu
Jesus, a banir do meu coração todos os afetos que não são para Vós, para
que daqui por diante não deseje, não busque e não ame senão a Vós. Meu
amado Redentor, fazei com que eu Vos ache sempre e sempre Vos ame.
Apoderai-Vos de toda a minha vontade, para que queira somente o vosso
beneplácito. Meu Deus, meu Deus, a quem então amarei, se não amo a
Vós em quem se encontram todos os bens? Só a Vós quero, e nada mais.
Unus militum lancea latus eius aperuit, et continuo exivit sanguis et aqua –
“Um dos soldados abriu-Lhe o lado com uma lança, e imediatamente saiu
sangue e água” (Jo 19, 34)
Sumário. Sendo o coração um dos primários órgãos da vida, claro está que
tem parte principal nos afetos do homem, tanto nos bons como nos maus.
Exatamente para sarar esta raiz viciada dos pecados, quis Jesus Cristo que
seu Coração fosse traspassado pela lança, assim como pouco antes, para
expiar a culpa de Adão em estender a mão ao fruto vedado, e para reparar
os abusos da liberdade, quis que as mãos e os pés lhe fossem traspassados
pelos cravos. Ó inventos admiráveis do amor de Deus! E nós não
amaremos?
Refere São João, que os Judeus, para não deixarem os corpos na cruz
durante o sábado de Páscoa, pediram a Pilatos que mandasse quebrar as
pernas aos supliciados e que os fizessem descer da cruz (1). Eis que Maria,
enquanto está chorando a morte do Filho, vê alguns homens, armados de
barras de ferro, que se avizinham de Jesus. À tal vista, primeiramente
tremeu de espanto, depois disse assim, como medita São Boaventura:
Parai; ah! Meu Filho já está morto! Deixai de o injuriar e deixai também de
me atormentar mais a mim, sua pobre Mãe! Mas, enquanto está assim
falando, vê, ó Deus! Um soldado que vibra com ímpeto uma lança e com
ela abre o lado de Jesus: Unus militum lancea latus eius aperuit.
II. Sendo o coração um dos primários órgãos e como que princípio da vida,
claro está que ele tem parte principal nos afetos do homem, segundo o
que está escrito: Do coração saem os maus pensamentos, os homicídios,
os furtos e as maledicências (2). Foi exatamente para sarar esta raiz
viciada dos pecados, que Jesus quis ser ferido em seu sacratíssimo
Coração, assim como pouco antes, para expiar a culpa de Adão em
estender a mão para o fruto vedado, e para reparar os abusos da
liberdade humana, quis que Lhe fossem traspassadas as mãos e os pés. ―
Por isso é que a Igreja não hesita em venerar a Lança e os Cravos que
tiveram a ventura de ser tintos com o sangue do Senhor. No Ofício, em
sua honra exclama saudando-os: “A perfídia judaica escolheu-vos para
instrumentos de perversidade; mas o Deus do céu vos transformou em
ministros de graça. Pelo que das chagas que abristes no corpo sacrossanto
de Jesus, como de outras tantas fontes, nos brotam as graças celestes” (3).
Meu irmão, unamos os nossos afetos aos de nossa boa Mãe, a Igreja.
Peçamos ao Senhor perdão do abuso que nós também temos feito da
liberdade. Roguemos-Lhe que virando contra nós aqueles cravos e aquela
lança, tire a vingança das ofensas que Lhe fizemos, ferindo-nos o coração,
as mãos e os pés. Os pés, para que de hoje em diante sejam impotentes
em nos expor às ocasiões perigosas; as mãos, para que deixem de praticar
o mal; o coração, para que, livre de todo apego desordenado às criaturas,
arda sempre de amor divino: Omnisque corde e saucio profanus ardor
exeat (4).
Eis o que Vos peço, ó meu Deus! “A Vós, que na fraqueza da natureza
humana quisestes ser traspassado com cravos e ferido pela lança, suplico-
Vos, concedei-me, que venerando na terra a memória desses cravos e
dessa lança, eu vá depois alegrar-me no céu pelo glorioso triunfo de vossa
vitória” (5). Fazei-o por amor do Coração aflitíssimo de Maria.
Sábado – 16 de março - Segunda dor de Maria
Santíssima – Fugida para o Egito
I. Como cerva, que ferida pela flecha, aonde vai leva a sua dor, trazendo
sempre consigo a flecha que a feriu; assim a divina Mãe, depois da
profecia funesta de São Simeão, levava sempre consigo a sua dor com a
memória contínua da paixão do Filho. Tanto mais, que aquela profecia
começou desde logo a realizar-se na fugida que o Menino Jesus teve de
fazer para o Egito, a fim de se subtrair à perseguição de Herodes: Surge et
accipe puerum et matrem eius et fuge in Aegyptum — “Levanta-te, toma
o Menino e sua Mãe, e foge para o Egito.”
Ver assim Jesus, Maria e José andarem fugitivos, peregrinando por este
mundo, ensina-nos que também devemos viver nesta terra como
peregrinos, sem que nos apeguemos aos bens que o mundo oferece, pois
que em breve os havemos de deixar e de ir para a eternidade: Non
habemus hic manentem civitatem, sed futuram inquirimus (1) — “Não
temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura”. Demais,
ensina-nos que abracemos as cruzes, já que neste mundo não se pode
viver sem cruz. — A Bem-aventurada Verônica de Binasco, Agostiniana, foi
levada em espírito a acompanhar Maria com o Menino Jesus na viagem ao
Egito, finda a qual lhe disse a divina Mãe: “Filha, acabas de ver com
quantas fadigas chegamos a este país; sabe, pois, que ninguém recebe
graças sem padecer.”
Domine, bonum est nos hic esse – “Senhor, é bom estarmos aqui” (Mt 17,
4)
I. No Evangelho de hoje, lemos que certo dia Nosso Senhor, querendo dar
a seus discípulos um antegozo da beleza do paraíso, “tomou consigo a
Pedro, a Tiago e a João seu irmão, e os conduziu de parte a um alto monte
e transfigurou-se diante deles. O seu rosto ficou refulgente como o sol, e
suas vestiduras se fizeram brancas como a neve. E eis que lhes
apareceram Moisés e Elias, falando com Ele. E tomando a palavra, disse
Pedro a Jesus: Senhor, bom é que estejamos aqui: se queres, façamos três
tabernáculos, um para ti, outro para Moisés e outro para Elias: Domine,
bonum est nos hic esse.”
Ó doce esperança! Virá um dia em que nós também veremos a Deus como
é, isto é, veremos a beleza incriada, que encerra, de modo infinitamente
perfeito, todas as belezas espalhadas pelo universo: Similes ei erimus,
quoniam videbimus eum sicuti est (2) — “Seremos semelhantes a Ele,
porque O veremos como é.”
Dispone domui tuae, quia morieris tu et non vives – “Dispõe de tua casa,
porque morrerás e não viverás” (Is 38, 1)
Quem espera a toda a hora a morte, ainda que esta venha subitamente,
não pode deixar de morrer bem. Ao contrário, o que se não faz na vida, é
dificílimo fazê-lo na morte. — A grande serva de Deus, irmã Catarina de
Santo Alberto, da ordem de Santa Teresa, estando para morrer, gemia e
dizia: Minhas irmãs, não é o medo da morte que me faz gemer, porque há
vinte e cinco anos que a estou esperando, gemo por ver tantas pessoas
iludidas, que vivem no pecado, e esperam, para se reconciliarem com
Deus à hora da morte, em que eu com dificuldade posso pronunciar o
nome de Jesus.
Ó meu Deus, só poucas horas me restam; nelas vos quero amar quanto
possa na vida presente, para mais Vos amar na outra. Pouco tenho que
Vos oferecer; ofereço-Vos os meus padecimentos e o sacrifício da minha
vida, em união com o sacrifício que Jesus Cristo Vos ofereceu por mim na
cruz. Senhor, as penas que sofro são poucas e leves em comparação com
as que mereci; tais como são, aceito-as em testemunho do amor que Vos
tenho. Resigno-me a todos os castigos que me queirais infligir nesta vida e
na outra, contanto que Vos possa amar na eternidade. Castiga-me tanto
quanto Vos aprouver, mas não me priveis do vosso amor. Sei que não
merecia mais amar-Vos, por ter tantas vezes desprezado o vosso amor;
mas Vós não podeis repelir uma alma arrependida. Pesa-me, ó meu
supremo Bem, de Vos haver ofendido. Amo-vos de todo o coração e em
Vós ponho toda a minha confiança. A vossa morte, ó Redentor meu, é a
minha esperança. Deposito a minha alma em vossas mãos chagadas.
— Maria, minha querida Mãe, socorrei-me nesse grande momento. Desde
já vos entrego o meu espírito: dizei a vosso Filho que se apiede de mim. A
vós me recomendo, livrai-me do inferno.
Terça-Feira – 19 de março - Efeitos que em
nós produz a divina graça
Infinitus thesaurus est hominibus; quo qui usi sunt, participes facti sunt
amicitiae Dei – “Ela é um tesouro infinito para os homens; do qual os que
usaram têm sido feito participantes da amizade de Deus”
É tão bela aos olhos de Deus a alma em estado de graça, que Ele próprio
lhe faz o elogio: Como és formosa amiga minha, como és formosa! (5)
Parece que Deus não pode apartar dela os olhos, nem cerrar os ouvidos a
nenhum dos seus pedidos: Oculi Domini super iustos, et aures eius ad
preces eorum (6) ― “Os olhos do Senhor estão sobre os justos e os seus
ouvidos abertos aos rogos deles”. Dizia Santa Brígida que nenhum homem
poderia ver a beleza de uma alma na graça de Deus, sem morrer de
alegria. E Santa Catarina de Sena, tendo visto uma alma assim, afirmou
que de boa mente daria a vida para que nunca aquela alma perdesse
tamanha beleza. Por isso a mesma Santa beijava a terra que os sacerdotes
pisaram, pensando que pelo seu ministério as almas eram colocadas na
graça de Deus.
II. A paz de que ainda na terra goza a alma em estado de graça, só pode
ser compreendida por aquele que a provou: Gustate et videte, quoniam
suavis est Dominus (7) ― “Provai e vede quão suave é o Senhor”. Não
pode deixar de ser cumprida a palavra do Senhor: Gozam muita paz os
que amam a divina lei (8). A paz do que vive unido com Deus, excede
todas as doçuras que nos podem advir dos sentidos ou do mundo: Pax Dei
quae exsuperat omnem sensum (9).
Ó meu Jesus, Vós sois o bom pastor que se deixou matar para nos dar a
vida, a nós, vossas ovelhas. Quando eu fugia de Vós, não deixastes de
correr atrás de mim e de me procurar; recebei-me, agora, que Vos
procuro e que volto arrependido a vossos pés. Restitui-me a graça, que
miseravelmente perdi por minha culpa. De todo o coração me arrependo
e quisera morrer de dor, quando penso nas inúmeras vezes que Vos voltei
as costas. Perdoai-me pelos merecimentos da morte cruel que por mim
padecestes na cruz.
Prendei-me com os doces laços do vosso amor e não permitais que outra
vez me afaste de Vós. Dai-me forças para sofrer com paciência todas as
cruzes que me envieis, visto ter merecido as penas eternas do inferno.
Fazei que abrace com amor os desprezos que me possam vir dos homens,
visto ter merecido estar eternamente sob os pés dos demônios. Fazei,
numa palavra, com que obedeça em tudo às vossas inspirações e vença,
por vosso amor, qualquer respeito humano. ― Resolvido estou a servir de
hoje em diante somente a Vós. Digam os outros o que quiserem; eu quero
amar somente a Vós, meu Deus amabilíssimo, só a Vós quero agradar;
mas dai-me o vosso auxílio sem o qual nada posso. Amo-Vos, † Jesus, meu
Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, de todo o coração, e confio em
vosso Sangue.
Iacob autem genuit Ioseph, virum Mariae, de qua natus est Iesus – “Jacob
gerou a José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus” (Mt 1, 16)
Considera em segundo lugar a alta dignidade de São José por lhe ser
conferido por Deus o ofício de pai de Jesus Cristo: Et erat subditus illis (1)
― “E era-lhes submisso”. Quem é que estava submisso? O Rei do mundo,
o Filho de Deus e também verdadeiramente Deus todo-poderoso, eterno,
perfeito, em tudo igual ao Pai. Este é quem na terra quis estar submisso a
São José. Por si mesmo não tinha José autoridade sobre Jesus, por não ser
o pai verdadeiro, mas tão somente o pai putativo. Como esposo, porém, e
chefe de Maria, foi o chefe também de Jesus Cristo, enquanto homem,
por ser o fruto das entranhas de Maria. Quem é dono de uma árvore, o é
também dos frutos.
Eis porque a Beata Virgem o chamou pai de Jesus: Pater tuus et ego
dolentes quaerebamos te (2) ― “Eu e teu pai angustiados te procuramos”.
Foi portanto a São José, como chefe daquela pequena Família, que coube
o ofício de mandar, e a Jesus o de obedecer; de sorte que Jesus nada fazia,
não se movia, não tomava alimento nem repouso, senão segundo as
ordens de José. Ó dignidade inefável!
II. Devemos honrar muito aquele a quem Deus mesmo tanto tem
honrado. E grande confiança devemos pôr na proteção de São José, que
viu nesta terra o Senhor do mundo submisso às suas ordens. Escreve
Santa Teresa: “O Senhor nos quis dar a entender que, assim como na terra
quis ficar submisso a São José, assim faz agora no céu tudo o que o Santo
Lhe pede”.
Meu santo Patriarca, pela grande reverência que, como a seu esposo, vos
teve Maria, rogo-vos que me recomendeis a ela, e me alcanceis a graça de
ser o seu verdadeiro e fiel servo até à morte. E pela submissão que na
terra vos mostrou o Verbo encarnado, obtende-me a graça de Lhe
obedecer e de amá-Lo perfeitamente. No céu Jesus se compraz em
conceder todas as graças que vós pedis em favor daqueles que a vós se
recomendam. Eu também, miserável como sou, me recomendo a vós,
escolho-vos por meu advogado especial e prometo honrar-vos cada dia
com algum obséquio particular. Meu Pai, São José, por piedade, alcançai-
me aquela graça que vós sabeis ser mais útil à minha alma, e
especialmente a virtude da santa pureza.
“Sim, glorioso São José, pai e protetor das virgens, guarda fiel, a quem
Deus confiou Jesus, a mesma inocência, e Maria, a virgem das virgens, eu
vos peço e conjuro por Jesus e Maria, este duplo depósito a vós tão caro,
com vosso eficaz auxílio dai-me conservar meu coração isento de toda
mancha, e que, puro e casto, sirva constantemente a Jesus e Maria em
perfeita castidade” (3). ― E vós, ó Mãe de Deus e minha Mãe Maria, pela
santa humildade e obediência com que executastes tudo que vosso santo
Esposo José vos pedia, alcançai-me de Deus a graça da santa humildade e
da perfeita obediência a seus preceitos divinos (4).
Quinta-Feira - 21 de março - Jesus presente
nos altares para ser acessível a todos
I. Dizia Santa Teresa que nesta terra não é permitido a todos os súditos
falar a seu príncipe. O mais que os pobres podem esperar é falhar-lhe por
meio de terceira pessoa. Mas para conversar convosco, ó Rei do céu, não
se precisa de terceira pessoa; quem quiser, pode achar-Vos no Santíssimo
Sacramento, e falar-Vos à vontade e sem acanhamento. Por isso a mesma
Santa dizia que Jesus Cristo velou a sua majestade sob as aparências do
pão, para nos inspirar mais confiança e nos tirar todo o temor de nos
aproximarmos d’Ele.
Ah! Parece que lá dos altares Jesus ainda cada dia exclama e diz: Venite ad
me omnes, qui laboratis et onerati estis, et ego reficiam vos ― “Vinde a
mim todos os que estais cansados e carregados, e eu vos aliviarei”. Vinde
a mim, vós pobres, vinde enfermos, vinde atribulados, vinde justos e
pecadores; em mim achareis o remédio para todos os vossos males e
aflições. O que Jesus Cristo deseja é consolar a quem a Ele recorre.
Permanece presente sobre os altares tanto de dia como de noite para ser
acessível a todos e comunicar a todos as suas graças.
Ah! Se Jesus Cristo fosse também todo o nosso amor, a nós também os
dias e noites passadas na sua presença se nos afigurariam como instantes!
Sim, meu amado Redentor, só a Vós quero amar; quero que sejais o único
amor de minha alma. Sinto-me morrer de dor à lembrança de ter outrora
amado as criaturas e minhas satisfações próprias mais que a Vós, e de ter
virado as costas a Vós, ó Bem infinito. Vós porém, para não me verdes
perecer, me suportastes com tanta paciência, e em vez de me punirdes,
me feristes o coração com tantas setas de amor, de sorte que não pude
mais resistir às vossas finezas e me dei todo a Vós. Vejo que me quereis
inteiramente para Vós. Mas já que o quereis, fazei-o; porquanto a Vós
pertence fazer que assim seja.
― Ó Maria, minha esperança, rogai por mim e dai-me ser todo de Jesus.
Sexta-Feira - 22 de março - Comemoração do
Sagrado Sudário de Nosso Senhor Jesus Cristo
Ego Mater pulchrae dilectionis – “Eu sou a Mãe do belo amor” (Eclo 24,
24)
Revelou a própria Maria a Santa Brígida, que neste mundo ela não teve
outro pensamento, outro desejo, nem outro gosto senão Deus. Eis porque
a sua alma bendita absorta sempre nesta terra na contemplação de Deus,
fazia inúmeros atos de amor. Ou, para melhor dizer, como escreve
Bernardino de Bustis, Maria não multiplicava os atos de amor, como
fazem os outros santos; mas, por um privilégio singular, ela amou a Deus
atualmente com um contínuo ato de amor. Qual águia real sempre tinha
os olhos fixos no divino Sol, de maneira (diz São Pedro Damião) que nem
as ações da vida lhe impediam o amor, nem o amor lhe impedia a ação.
II. Já que Maria ama tanto a seu Deus, não há certamente coisa alguma
que ela exija tanto de seus devotos como que O amem igualmente. É o
que a divina Mãe disse à Bem-aventurada Ângela de Foligno, num dia em
que esta tinha comungado; é o que ela disse também a Santa Brígida:
“Filha, se queres cativar o meu amor, ama o meu Filho”.
Pergunta Novarino, porque a Santa Virgem, à imitação da Esposa dos
Cantares, rogava aos anjos que fizessem saber ao seu Senhor o grande
amor que lhe consagrava, dizendo: Adiuro-vos… ut nuntietis ei, quia
amore langueo (3)? “Eu vos conjuro… que lhe façais saber que estou
enferma de amor”. Por ventura não sabia Deus quanto ela O amava? Com
certeza sabia-o, responde o autor sobredito, que a Virgem quis fazer
patente a nós o seu amor; a fim de que, assim como ela estava ferida de
amor, nos infligisse a mesma ferida: Ut vulnerata vulneret. Porque foi toda
fogo em amar a Deus, por isso, como diz São Boaventura, abrasa e torna
seus semelhantes todos os que a amam e a ela se avizinham. Pelo que
Santa Catarina de Sena chamava a Maria Santíssima portatrix ignis: a
portadora do fogo do amor divino. Se queremos também arder nesta
beata chama, procuremos sempre avizinhar-nos à nossa Mãe santíssima
com súplicas e afetos.
Ah, Rainha do amor, Maria! Sois vós, no dizer de São Francisco de Sales, a
mais amável, a mais amada e a mais amante de todas as criaturas. Ah,
minha Mãe! Vós que ardestes sempre e toda em amor a Deus, dignai-vos
dar-me ao menos uma faísca desse amor. Rogastes a vosso Filho por
aqueles esposos aos quais faltava o vinho: Vinum non habent (4)? “Eles
não têm vinho”: não rogareis por nós a quem falta o amor a Deus, ao qual
temos tanta obrigação de amar? Dizei somente: Amorem non habent?
“Eles não têm amor”, e alcançar-nos-eis o amor. Outra graça não vos
pedimos senão esta. Ó minha Mãe! Porquanto amais a Jesus, atendei-nos,
rogai por nós.
3º Domingo da Quaresma - 24 de março - O
demônio mudo e as confissões sacrílegas
Irmão meu, se por desgraça a tua alma está manchada pelo pecado,
escuta o que te diz o Espírito Santo: Pro anima tua ne confundaris dicere
verum (1). Sabe, diz ele, que há duas qualidades de vergonha; deves fugir
daquele que te faz inimigo de Deus, conduzindo-te ao pecado; mas não da
que se sente ao confessá-lo e te faz receber a graça de Deus nesta vida e a
glória do paraíso na outra.
Se, pois, te queres salvar, não te envergonhes de fazer uma boa confissão;
aliás a tua alma se perderá. As feridas gangrenosas levam à morte, e tais
são os pecados calados na confissão; são chagas da alma que se
gangrenaram.
II. Meu filho, vergonhoso é o entrar nesta casa, mas não o sair dela. Assim
falou Sócrates a um seu discípulo que não quis ser visto ao sair de uma
casa suspeita. É o que digo também àqueles que, depois de cometerem
um pecado grave, tem pejo de o confessar. Meu irmão, coisa vergonhosa
é ofender a um Deus tão grande e tão bom; mas não o é confessarmos o
pecado cometido e livrar-nos dele. Foi porventura coisa vergonhosa para
Santa Maria Madalena o confessar em público aos pés de Jesus Cristo, que
era uma mulher pecadora? Foi motivo de pejo confessar-se uma Santa
Maria Egipcíaca, uma Santa Margarida de Cortona, um Santo Agostinho, e
tantos outros penitentes, que algum tempo tinham sido grandes
pecadores? Por meio de sua confissão fizeram-se santos.
Ânimo, pois, meu irmão, ânimo! (Falo a quem cometeu a falta de ocultar
por vergonha um pecado.) Tem ânimo e dize tudo a um confessor. Dá
glória a Deus e confunde o demônio que, como diz o Evangelho, quando
saiu do homem, anda por lugares secos, buscando repouso, e não o acha.
— Porém, depois de teres confessado bem, prepara-te para novos e mais
violentos assaltos da parte do inimigo infernal. Ai de quem o deixa entrar
novamente, depois de o haver expulso! Et fiunt novíssima hominis illius
peiora prioribus — “O último estado do homem virá a ser pior do que o
primeiro”.
Et dedit illi scientiam sanctorum – “E deu-lhe a ciência dos santos” (Sb 10,
10)
Sumário. Oh, que bela ciência, a de saber amar a Deus e salvar a alma. É
esta a ciência mais necessária de todas, porquanto, se soubéssemos tudo
e não nos soubéssemos salvar, nada nos aproveitaria e seríamos
eternamente infelizes; ao passo que seremos eternamente bem-
aventurados se soubermos amar a Deus, ainda que no mais fôssemos
completamente ignorantes. Quantos sábios estão no inferno! Quantos,
que aqui foram ignorantes, gozam no paraíso! Que aproveitou àqueles a
sua sabedoria?… Que prejuízo causou a estes a sua ignorância?
Irmão meu, em qual das duas falanges te queres achar? Para que faças
boa escolha, aconselha-te São João Crisóstomo que visites os cemitérios,
que são as mais excelentes escolas para aprender a vaidade dos bens
terrestres e a ciência dos santos. Proficiscamur ad sepulchra — “Vamos
aos túmulos”. Dizei-me: sabes ali distinguir quem foi rei, nobre ou
literato?
II. Irmão meu, se queres ser sábio, não basta conheceres a importância de
teu fim: é preciso também empregares os meios para o alcançares. Todos
se quereriam salvar e ser santos; mas como não procuram os meios, não
se santificam e perdem-se. É preciso evitar as ocasiões, frequentar os
sacramentos, fazer oração, e mais do que tudo, gravar no coração as
máximas do Evangelho, como sejam: Quid prodest homini, si universum
mundum lucretur? (1) “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro?
É preciso perder tudo, até a vida, para salvar a alma” (2). Para seguir Jesus
Cristo, deve-se recusar ao amor próprio a satisfação que deseja (3). A
nossa salvação consiste em fazer a vontade de Deus (4). São estas as
máximas e outras semelhantes, que devem frequentes vezes ser objeto da
nossa meditação, se nós também quisermos ser verdadeiros sábios e
salvar-nos.
— Ó Maria, pedi estas graças para mim. Vosso Filho não vos recusa nada.
Esperança minha, em vós confio.
Terça-Feira - 26 de março - A separação dos
escolhidos e dos réprobos no Juízo Final
Que brilhante figura não fará então um São Pedro de Alcântara, que foi
vilipendiado como apóstata! Um São João de Deus, que foi tratado como
insensato! Um São Pedro Celestino, que morreu numa prisão depois de
ter abdicado o papado! Que honra receberão então tantos mártires,
cruciados aqui pelos algozes! Tunc laus erit unicuique a Deo (3) — “Então
cada um terá de Deus o louvor”. Que horrível figura, pelo contrário, não
fará um Herodes, um Pilatos, um Nero, e tantos outros grandes da terra,
agora condenados! — Ó partidários do mundo, espero-vos no vale de
Josafá. Aí mudareis sem dúvida de sentimentos; aí deplorareis a vossa
loucura. Infelizes! Por uma curta aparição no teatro deste mundo, tendes
de fazer depois o papel de condenados na tragédia do juízo final.
Suplico-Vos pelos méritos da vossa morte, que me deis uma graça tão
eficaz, que me torne de pecador em santo. Prometestes atender a quem
Vos roga: Clama ad me et exaudiam te (5) — “Clama por mim e Eu te
atenderei”. Não Vos peço bens terrenos; peço-Vos a vossa graça, o vosso
amor e nada mais. Atendei-me, ó meu Jesus, pelo amor que me dedicastes
morrendo por mim na cruz. Meu amado Juiz, sou um culpado, mas um
culpado que Vos ama mais que a si próprio. Tende piedade de mim! —
Maria, minha Mãe, vinde depressa em meu auxílio, agora que me podeis
ainda socorrer. Não me abandonastes quando vivia esquecendo-me de
vós e de Deus. Socorrei-me, já que estou resolvido a servir-vos sempre e a
nunca mais ofender a meu Senhor. Ó Maria, vós sois a minha esperança.
Quarta-Feira - 27 de março - Da glória de São
José, Esposo da Virgem Maria
Ora, se o Espírito Santo chamou a São José justo, na ocasião em que foi
escolhido para Esposo de Maria, avalia, que tesouros de amor divino e de
todas as virtudes o nosso Santo não devia auferir dos colóquios e da
contínua convivência com a sua santa Esposa, que lhe dava exemplos
perfeitos de todas as virtudes. Se uma só palavra de Maria foi bastante
eficaz para santificar ao Batista e para encher Santa Isabel do Espírito
Santo, a que alturas não pensamos que deve ter chegado a bela alma de
José pela convivência familiar com Maria, da qual gozou pelo espaço de
tantos anos?
Além disso, que aumento de virtudes e de méritos não deve ter adquirido
São José convivendo continuamente por tantos anos com a própria
santidade, Jesus Cristo, servindo-O, alimentando-O e assistindo-Lhe nesta
terra?
II. Santo Agostinho compara os demais Santos com estrelas, mas São José
com o sol. O Padre Soares diz que é muito aceitável a opinião que depois
de Maria, São José leva vantagem a todos os demais Santos em
merecimento e em glória. Donde o Ven. Bernardino de Bustis conclui que
São José, de certo modo, dá ordens a Jesus e Maria quando quer impetrar
algum favor para os seus devotos.
Meu santo Patriarca, agora que gozais no céu sobre um trono elevado
junto do vosso amadíssimo Jesus, que vos foi submetido na terra, tende
compaixão de mim, que vivo no meio de tantos inimigos, maus espíritos e
más paixões, que me dão combates contínuos para me fazerem perder a
graça de Deus. Ah! Pela felicidade que tivestes, de gozar na terra, sem
interrupção, da companhia de Jesus e Maria, alcançai-me a graça de
passar o resto de minha vida sempre unido a Deus e de morrer depois no
amor de Jesus e Maria, para que um dia possa ir gozar, convosco, da sua
companhia, no reino dos bem-aventurados.
Sumário. É tão grande a dádiva que Jesus Cristo nos fez na santíssima
Eucaristia, que, apesar de ser poderosíssimo, sapientíssimo e riquíssimo,
não pode, nem sabe, nem tem para dar-nos outra mais excelente. Como é,
pois, possível que os homens, tão sensíveis a qualquer delicadeza, fiquem
insensíveis a tão grande dom e paguem o seu benfeitor com ingratidão…
se nós também fomos no passado tão ingratos, peçamos de todo o
coração que Jesus nos perdoe.
Ó meu Jesus, o que é que Vos levou a dar-Vos inteiramente para nosso
sustento? E depois deste dom, que mais Vos resta para nos obrigar a
amar-Vos? Iluminai-nos, Senhor, e fazei-nos conhecer qual foi esse
excesso de amor que Vos levou a transformar-Vos em alimento para Vos
unirdes a nós, pobres pecadores. Mas se Vos dais inteiramente a nós,
justo é que inteiramente nos demos a Vós. — Ó meu Redentor, como é
que pude ofender-Vos, a Vós que me haveis amado tanto, e que não
pudestes fazer mais para ganhar o meu amor? Por mim Vos fizestes
homem, por mim morrestes e Vos fizestes meu alimento. Dizei-me, que
Vos restava fazer ainda?
São em primeiro lugar fontes de misericórdia. Jesus Cristo quis que lhe
fossem traspassados as mãos, os pés e o lado sacrossanto, a fim de
aplacar por nós a divina justiça e ao mesmo tempo abrir-nos um asilo
seguro, no qual nos pudéssemos subtrair às setas da ira de Deus.
Por isso, o Senhor mesmo nos anima, dizendo no Cântico dos cânticos:
Vem, pomba minha, nas aberturas da pedra (1); isto é, na interpretação
de São Pedro Damião: vem dentro destas minhas chagas, onde acharás
todo o bem para tua alma. — Mais expressivas ainda são as palavras de
que se serve na profecia de Isaías: Ecce in manibus meis descripsi te (2) —
“Eis aí que te gravei em minhas mãos”. Como se dissesse: Minha pobre
ovelha, tem ânimo; não vês quanto me custaste? Eu te gravei em minhas
mãos, nestas chagas que recebi por teu amor. Elas me solicitam sempre a
ajudar-te e defender-te de teus inimigos; tem, pois, amor e confiança em
mim.
“Ó Chagas que feris os corações mais duros e abrasais as almas mais frias
de amor divino.”
São Paulo protestou solenemente de si: Non enim indicavi scire me aliquid
inter vos, nisi Iesum Chistum, et hunc crucifixum (4) — “Não entendi saber
entre vós coisa alguma senão a Jesus Cristo, e este crucificado”. Não
ignorava, de certo, o apóstolo, que Jesus Cristo nascera numa gruta, que
passara trinta anos de sua vida numa oficina, que ressuscitara e subira ao
céu. Não obstante isso diz que não queria saber senão de Jesus
crucificado, porque este mistério o excitava mais a amá-Lo, visto que as
sagradas Chagas lhe diziam o amor imenso que Jesus nos teve. —
Recorramos, pois, frequentes vezes por meio de uma meditação atenta a
estas fontes divinas do Salvador: Omnes sitientes venite ad aquas (5) —
“Todos vós os que tendes sede, vinde às águas”.
Eterno Pai, lançai vossos olhos sobre as Chagas de vosso divino Filho: estas
Chagas Vos pedem todas as misericórdias para mim; perdoai-me, pois, as
ofensas que Vos fiz; apoderai-Vos de meu coração todo, para que não
ame, busque, nem deseje coisa alguma fora de Vós. Ó Chagas de meu
Redentor, formosas fornalhas de amor, recebei-me e inflamai-me, não
com o fogo do inferno que mereço, mas com a santa chama de amor a
este Deus que quis morrer por mim, à força de tormentos. — “E Vós,
Eterno Pai, que pela paixão de vosso Filho unigênito e pelo sangue que Ele
derramou por suas cinco chagas, renovastes a natureza humana, perdida
pelo pecado: concedei-me propício que, venerando na terra estas chagas
divinas, eu mereça conseguir no céu o fruto do sangue preciosíssimo de
Jesus.” (6) — Fazei-o pelo amor do próprio Jesus Cristo e de Maria
Santíssima.
Sábado - 30 de março - Terceira dor de Maria
Santíssima – Perda de Jesus no templo
Ecce pater tuus et ego dolentes quaerebamus te – “Eis que teu pai e eu Te
andávamos buscando cheios de aflição” (Lc 2, 48)
Sumário. A dor de Maria pela perda de Jesus foi sem dúvida uma das mais
acerbas; porque ela então sofria longe de Jesus, e a humildade fazia-lhe
crer que o Filho se tinha apartado dela por causa de alguma negligência
sua. Sirva-nos esta dor de conforto nas desolações espirituais; e ensine-
nos o modo de buscarmos a Deus, se jamais para nossa desgraça viermos
a perdê-Lo por nossa culpa. Lembremo-nos, porém, de que quem quiser
achar a Jesus, não O deve buscar entre os prazeres e delícias, mas no
pranto, entre as cruzes e mortificações, assim como Maria o procurou.
I. Quem nascer cego, pouco sente a pena de ser privado de ver a luz do
dia; mas quem noutro tempo teve a vista e gozou a luz, muita pena sente
em se ver dela privado. E assim igualmente as almas infelizes que, cegas
pelo lodo desta terra, pouco têm conhecido a Deus, pouco sentem a pena
de O não acharem. Ao contrário, quem, iluminado pela luz celeste, foi
feito digno de achar no amor a doce presença do supremo Bem, ó Deus!
Que tristeza sente em ver-se dela privado.
Num quem diligit anima mea vidistis? (1) ― “Vistes porventura àquele a
quem ama a minha alma?” É assim que a divina Mãe, como a Esposa dos
Cantares, andava perguntando por toda a parte. E depois, cansada pela
fadiga, mas sem O ter achado, oh, com quanto maior ternura não terá dito
o que disse Ruben de seu irmão: Puer non comparet, et ego quo ibo? (2)
― “O menino não aparece, e eu para onde irei?” O meu Jesus não
aparece, e eu não sei que mais possa fazer para O achar; mas aonde irei
sem o meu tesouro? Ah, meu filho dileto! Cara luz de meus olhos: faze-me
saber onde estás, a fim de que eu não ande mais errando e buscando-Te
em vão. Numa palavra, afirma Orígenes que pelo amor que esta santa
Mãe tinha a seu Filho, padeceu mais nesta perda de Jesus que qualquer
outro mártir no tormento que o privou da vida.
II. Esta dor de Maria, em primeiro lugar, deve servir de conforto àquelas
almas que estão desoladas e não gozam a doce presença de seu Senhor,
gozada em outros tempos. Chorem, sim, mas chorem com paz, como
chorou Maria a ausência de seu Filho. Não temam por isso de terem
perdido a divina graça, animando-se com o que disse Deus mesmo a Santa
Teresa: “Ninguém se perde sem o conhecer; e ninguém fica enganado sem
querer ser enganado”. ― Se o Senhor se ausenta dos olhos da alma que o
ama, nem por isso se ausenta do coração. Esconde-se muitas vezes para
ser por ela buscado com mais desejo e amor. Mas quem quer achar a
Jesus, é preciso que o busque, não entre as delícias e os prazeres do
mundo, mas entre as cruzes e mortificações, como o buscou Maria:
Dolentes quaerebamus te ― “Nós Te andávamos buscando cheios de
aflição”.
Além disso, neste mundo não devemos buscar outro bem senão Jesus. Jó
não foi, por certo, infeliz quando perdeu tudo o que possuía neste mundo,
até descer a um monturo. Porque tinha consigo Deus, também então era
feliz. Verdadeiramente infelizes e miseráveis são aquelas almas que
perderam a Deus. Se, pois, Maria chorou a ausência do Filho, quanto mais
deveriam chorar os pecadores que perderam a divina graça, e aos quais
Deus diz: Vos non populus meus, et ego non ero vester (3) ― “Vós não
sois meu povo, e eu não serei mais vosso”.
Mas a maior desgraça para aquelas pobres almas, diz Santo Agostinho, é
que, se perdem um boi, não deixam de procurá-lo; se perdem uma ovelha,
não poupam diligência para achá-la; se perdem um jumento, não têm
mais repouso; mas se perdem o sumo Bem, que é Deus, comem, bebem e
ficam quietos. ― Ah, Maria, minha Mãe amabilíssima, se por minha
desgraça eu também perdi a Jesus pelos meus pecados, rogo-vos, pelos
méritos das vossas dores, fazei que eu depressa O vá buscar e O ache,
para nunca mais tornar a perdê-Lo em toda a eternidade.
4º Domingo da Quaresma - 31 de março - A
multidão faminta e as almas do purgatório
Desideria occidunt pigrum… qui autem iustus est tribuet, et non cessabit –
“Os desejos matam o preguiçoso; porém, o que é justo dará e não
cessará” (Pv 21, 25-26)
Sumário. Quem quiser ser santo não se deve contentar com o desejo, mas
deve resolver-se a por depressa mãos à obra, porque o demônio não teme
as almas irresolutas. Os meios para chegar a um fim tão sublime, são
particularmente dois: a oração, que faz o amor divino entrar no coração, e
a mortificação, que dele remove a terra e o torna apto a receber o fogo
divino. Ganhemos ânimo; comecemos desde já a empregar estes meios e
nós também chegaremos a ser santos.
I. Quem mais ama a Deus é mais santo. Dizia São Francisco Borges que a
oração faz entrar o amor divino no coração, ao passo que a mortificação
dele remove a terra e fá-lo apto a receber aquele fogo sagrado. Quanto
mais espaço a terra ocupa no coração, tanto menos lugar achará ali o
santo amor: Sapientia… nec invenitur in terra suaviter viventium (1) — “A
sabedoria… não se acha na terra dos que vivem em delícias”. — Por isso é
que os Santos sempre procuraram mortificar, o mais possível, o seu amor
próprio e os seus sentidos. “Os santos são poucos, mas devemos viver
com os poucos, se nos quisermos salvar com os poucos”, escreve São João
Clímaco: Vive cum paucis, si vis regnare cum paucis. E São Bernardo diz:
“Quem quer levar vida perfeita, deve levar vida singular: Perfectum non
potest esse nisi singulare.”
Para sermos santos, devemos, antes de mais nada, ter o desejo de nos
tornarmos santos: desejo e resolução. Alguns sempre desejam, mas nunca
começam a por mãos à obra. “De semelhantes almas irresolutas”, dizia
Santa Teresa, “o demônio não tem medo. Ao contrário, Deus é amigo das
almas generosas.”
Ó meu amado Redentor, Vós desejais o meu amor e me mandais que Vos
ame de todo o coração. Sim, Jesus meu, quero amar-Vos de todo o meu
coração. Não, meu Deus — assim Vos direi, confiado em vossa
misericórdia, — não me assustam os pecados que cometi, porque agora
detesto-os e abomino-os mais do que qualquer outro mal, e sei que Vos
esqueceis das ofensas da alma que se arrepende e Vos ama. Porque Vos
ofendi mais do que os outros, quero, com o auxílio que de Vós espero,
amar-Vos mais do que os outros.
Senhor meu, Vós me quereis santo, e eu quero tornar-me santo, não tanto
para gozar no paraíso, como para Vos agradar. Amo-Vos, bondade infinita!
† Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, e me consagro todo a
Vós, vós sois o meu único bem, o meu único amor. Aceitai-me, ó meu
amor, e fazei-me todo vosso, e não permitais que ainda Vos dê desgosto.
Fazei com que eu me consuma todo por Vós, assim como Vós Vos
consumistes todo por mim. — Ó Maria, ó Esposa mais amável do Espírito
Santo, e a mais amada, obtende-me amor e fidelidade. Alcançai-me
somente, ó minha Mãe, que eu seja sempre vosso devoto servo;
porquanto quem se distingue na devoção para convosco, distingue-se
também no amor a vosso divino Filho.
Terça-Feira – 2 de abril - Da nobreza da alma
Sumário. A nossa alma é, sem dúvida, mais preciosa do que todos os bens
do mundo, não só pela sua nobre origem, senão também, e muito mais,
pelo preço do seu resgate e pela sublimidade do seu destino. Por isso o
demônio estima-a tão alto, que para se apoderar dela não descansa. Ora
dize-me: se o inimigo vela sempre para perder a nossa alma, como
podemos nós ficar dormindo o sono da tibieza?
Assim é: para salvar nossas almas, o próprio Deus sacrificou seu Filho à
morte; e o Verbo eterno não duvidou resgata-las a troco de seu sangue.
Empti enim estis pretio magno (1) — “Fostes comprados por alto preço”.
Pelo que um santo Padre, considerando o preço do resgate humano,
chega a dizer: Parece que o homem vale tanto como Deus. — Tinha muita
razão São Filipe Neri de tratar pela salvação da alma. Se tem tamanho
valor a nossa alma, que bens do mundo poderemos dar em troca, se
viermos a perdê-la? Quam dabit homo commutationem pro anima sua?
(2) — “Que dará o homem em troca da sua alma?”
Ah, meu Deus! De que serviram os longos anos que me haveis dado para
adquirir a salvação eterna? Vós, ó Redentor meu, resgatastes a minha
alma à custa do vosso sangue e ma destes para trabalhar pela sua
salvação, e eu não trabalhei senão para perdê-la, ofendendo-Vos a Vós,
que tanto me haveis amado. Agradeço-Vos o tempo que ainda me
concedeis para reparar tão grande perda. Perdi a alma e a vossa amável
graça!
Ah, meu Deus e meu Salvador, qual será a sentença que me tocará no
último dia? Se neste momento, meu Jesus, me pedísseis contas da minha
vida, que outra coisa poderia responder-Vos, senão que mereço mil vezes
o inferno? Sim, meu amado Redentor, é verdade que mereço mil vezes o
inferno; mas sabei que Vos amo e que Vos amo mais que a mim mesmo.
Quanto às ofensas que Vos fiz, estou possuído de tal dor, que antes
quisera ter sofrido todos os males que ter-Vos desagradado. Ó Jesus meu,
condenais os pecadores obstinados, mas não os que se arrependem e Vos
querem amar. Aqui me tendes aos vossos pés com o coração contrito;
deixai-me ouvir uma palavra de perdão.
Sumário. Jesus tinha-se dado aos homens como mestre, como modelo e
como vítima; restava-Lhe somente que se desse como alimento, a fim de
fazer-se uma coisa conosco. É o que fez instituindo a santa Eucaristia. Ó
dignação de um Deus para com os homens! Mas como é que há tantos
homens que não O amam e Lhe respondem com ingratidão!… Se no
passado nós também temos sido do número desses ingratos, esforcemo-
nos para amá-Lo tanto mais para o futuro.
Jesus Cristo não pode contentar-se com unir-se à nossa natureza humana;
com este sacramento quis ainda achar o modo de unir-se a cada um de
nós e de ser todo de quem o recebe. A este respeito escreveu São
Francisco de Sales:
“Em nenhuma outra ação pode o Salvador ser considerado nem mais
terno nem mais amoroso, do que nesta, na qual se aniquila, por assim
dizer, e se reduz a manjar, a fim de entrar em nossas almas, e unir-se aos
corações dos seus fiéis”.
Numa palavra, porque Jesus nos ama ardentemente, quer unir-se conosco
pela Eucaristia, a fim de que nos tornemos uma coisa com Ele, e o seu
coração seja um só coração com o nosso. “Voluisti, ut tecum unum cor
haberemus”, diz São Lourenço Justiniani: “Quisestes que tivéssemos um
só coração convosco”. E primeiro já o dera a entender o próprio Jesus: Qui
manducat meam carnem, in me manet et ego in illo — “Quem come a
minha carne permanece em mim e Eu nele”. — Assim, na comunhão Jesus
une-se com a alma e a alma com Jesus, e esta união não é de mero afeto,
mas verdadeira e real. “Como dois pedaços de cera derretidos se
misturam”, diz São Cirilo de Alexandria, “assim o que comunga se torna
uma coisa com Jesus Cristo. Ó condescendência infinita de um Deus para
com os homens! Mas como é então possível que estes não O amem e Lhe
respondam com ingratidão?
II. Para nos mantermos sempre em união com Jesus Cristo, aproximemo-
nos frequentemente e com as devidas disposições da Mesa Eucarística; e
se és diretor de almas, exorta as tuas dirigidas à comunhão frequente.
Costumava o Bem-aventurado João de Ávila dizer que os que censuram as
pessoas que frequentam a comunhão fazem o papel do demônio, que tem
grande ódio a este sacramento, porque dele as almas recebem o fervor
para progredirem na perfeição. — Quando comungamos, afiguremo-nos
que Jesus Cristo nos diz o que um dia disse à sua querida serva Margarida
de Ypres: “Vê, minha filha, a bela união entre nós; pois, ama-me, fiquemos
sempre unidos no amor e nunca mais nos separemos”.
Ah, meu Jesus! Eis o que Vos peço e quero sempre pedir-Vos na santa
comunhão: Unidos fiquemos sempre, e jamais nos separemos. Sei que não
vos separareis de mim, se não for eu o primeiro a me separar de Vós. Ai!
Todo o meu medo é que no futuro venha eu a separar-me de Vós pelo
pecado, como fiz outrora. Por piedade, não o permitais, ó meu
amadíssimo Redentor: Ne permittas me separari a te. Até a morte, estarei
sempre exposto a este perigo; ah! Conjuro-Vos, pelos merecimentos de
vossa Paixão, deixai-me antes morrer do que cair nesta desgraça. Repito-o
e Vos peço a graça de repeti-lo sempre: Não permitais que me separe de
Vós! Não permitais que me separe de Vós!
Redemisti nos, Domine, in sanguine tuo… et fecisti nos Deo nostro regnum
– “Remiste-nos, Senhor, em teu sangue, e fizeste-nos reino para Deus” (Ap
5, 9)
Sumário. O Senhor não se contentou com pagar pela sua morte a pena a
nós devida e anular com o seu sangue a sentença da nossa condenação
eterna; quis ainda, no sacramento da penitência, preparar-nos um banho
salutar de seu sangue, no qual pudéssemos, à vontade, lavar-nos das
manchas do pecado. E nós não O amaremos de todo o coração?…
Tomemos o belo hábito de oferecer frequentemente este Sangue
preciosíssimo ao Eterno Pai, para obtermos todas as graças de que
precisamos.
Ah! Quanto melhor, conclui São Paulo, o sangue do Redentor implora por
nós a divina misericórdia, do que o sangue de Abel bradava por vingança
contra Caim! — É o que o Senhor mesmo disse também a Santa Maria
Madalena de Pazzi:
“E Vós, Eterno Pai, que destinastes para Redentor do mundo vosso Filho
unigênito e quisestes ser aplacado pelo seu sangue: suplico-Vos, concedei-
me que, enquanto estiver aqui na terra, eu venere solenemente esse
preço de nossa salvação, e seja por ele de tal modo livrado de todos os
males da vida presente, que mereça gozar eternamente os seus frutos no
céu.” (6) Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de Maria Santíssima.
Sábado – 6 de abril - Dor de Maria Santíssima
em consentir na morte de Jesus
Proprio Filio suo non pepercit, sed pro nobis omnibus tradidit illum – “Não
poupou a seu próprio Filho, mas entregou-o por nós todos” (Rm 8, 32)
Sumário. Não é sem razão que Abraão e com ele os demais justos do
Antigo Testamento desejavam tão ansiosamente ver o dia do Senhor. Sim,
porque depois da vinda de Jesus Cristo, é impossível que uma alma crente
que medita nas dores e ignomínias que Ele sofreu por nosso amor, não se
abrase em amor e não se resolva firmemente a tornar-se santa. Se, pois,
queremos progredir no caminho de perfeição, meditemos a miúdo, e
especialmente nestes dias, na Paixão do Redentor, e meditando
afiguremo-nos que presenciamos os mistérios dolorosos.
I. Não é sem razão que o patriarca Abraão desejou ansiosamente ver o dia
do Senhor; e que, tendo tido a ventura de vê-lo por uma revelação divina,
ainda que em espírito somente, se alegrou em seu coração, como atesta o
Evangelho de hoje. Sim, porque o tempo que se seguiu à vinda de Jesus
Cristo, já não é mais tempo de temor, mas tempo de amor: Tempus tuum,
tempus amantium (1).
Mas porque é que tantos cristãos olham com indiferença para Jesus Cristo
crucificado? Que na Semana Santa assistem à comemoração da morte de
Jesus, mas sem algum sentimento de ternura e gratidão, como se não se
comemorasse um fato verdadeiro, ou não lhes dissesse respeito?
II. Meu irmão, se queres sempre crescer em amor para com Deus e
progredir na perfeição, medita a miúdo na Paixão de Jesus Cristo,
conforme o conselho que te dá São Boaventura: Quotidie mediteris
Domini passionem. Especialmente nestes dias, que procedem a
comemoração da sua morte dolorosíssima, guiado pelos sagrados
Evangelhos, contempla com olhos cristãos tudo que o Salvador sofreu nos
principais teatros de seu padecimento; isto é, no horto das oliveiras, na
cidade de Jerusalém e no monte Calvário.
Expedit vobis, ut unus moriatur homo pro populo, et non tota gens pereat
– “Convém que morra um homem pelo povo e que não pereça toda a
nação” (Jo 11, 50)
Entretanto Judas apresenta-se aos pontífices e diz: Quid vultir mihi dare,
et ego vobis eum tradam? (1) — “Que me quereis dar, e eu vô-Lo
entregarei?” Oh! Que alegria deviam sentir os Judeus, pelo ódio que
devotavam a Jesus Cristo, ao verem que um dos seus discípulos o queria
trair e entregar-Lho nas mãos! Consideremos nisso o júbilo que, por assim
dizer, reina no inferno, quando uma alma, depois de servir a Jesus Cristo
por muitos anos, vem a traí-Lo por qualquer miserável bem ou vil
satisfação.
Mas, ó Judas, já que estás resolvido a vender o teu Deus, exige pelo
menos o preço que Ele vale. É um bem infinito, merecedor portanto de
um preço infinito. Porque, pois, concluis o negócio por trinta dinheiros? At
illi constituerunt ei triginta argenteos (2) — “E eles prometeram-lhe trinta
dinheiros de prata”. — Minha alma, deixa Judas, e fixa em ti mesma os
teus pensamentos. Dize-me, por que preço vendeste tu mesma tantas
vezes a graça divina ao demônio?
Ah, meu Jesus, quantas vezes Vos virei as costas, e a Vós preferi um
capricho, um empenho, um prazer passageiro e vil! Sabia que, pecando,
perdia a vossa amizade e voluntariamente a troquei por um nada. Tivesse
morrido antes de fazer-Vos tão grande ultraje! Ó meu Jesus, arrependo-
me de todo o coração e quisera morrer de dor.
Ah, meu Jesus, é assim também que fizestes comigo. Eu Vos desprezei e
traí, e não me repelis; não deixais de olhar-me com amor, e me admitis à
vossa mesa da santa comunhão. Meu amado Salvador, nada mais podeis
fazer para me obrigar a Vos amar. E eu terei ânimo de continuar a
ofender-Vos e pagar-Vos com a minha ingratidão? Não, meu Deus, não
quero mais abusar da vossa misericórdia. Agradeço-Vos a luz com que me
iluminais e prometo que mudarei de vida. Vejo que já não me podeis
suportar mais tempo. Porque, pois, esperarei até que Vós mesmo me
mandeis ao inferno, ou me abandoneis em minha vida de perdição,
castigo este maior do que a própria morte?
Meu Jesus, eis que me prostro aos vossos pés. Peço-Vos perdão das
ofensas a que Vos fiz e rogo-Vos que me recebais em vossa graça. Quem
me dera poder recomeçar os anos passados; quisera empregá-los
unicamente em vosso serviço, ó Senhor meu. Os anos, porém, não voltam
mais; por piedade, fazei ao menos que empregue o que me resta de vida,
unicamente em amar-Vos e fazer que outros também Vos amem. — Ó
grande Mãe de Deus e minha Mãe Maria, socorrei-me com a vossa
intercessão, pedi a Jesus que me faça todo seu. Peço-vos esta graça pela
parte que tomastes na Paixão de vosso divino filho.
Terça-Feira – 9 de abril - Última ceia de Jesus
Cristo com os seus discípulos
I. Sabendo Jesus que era chegada a hora de sua morte, em que devia
partir deste mundo, como até então tinha amado os homens com amor
excessivo, quis naquela hora dar-lhes as últimas e maiores demonstrações
de seu amor. Vede-O, como sentado à mesa e todo inflamado de amor, Se
volta para os seus discípulos e lhes diz: Desiderio desideravi hoc Pascha
manducare vobiscum (1) — “Tenho desejado ansiosamente comer
convosco esta Páscoa”. Discípulos meus (e o mesmo disse Jesus então a
todos nós), sabei que em toda a minha vida não tive outro desejo senão o
de celebrar convosco esta Última Ceia; porquanto logo em seguida irei
sacrificar-Me pela vossa salvação.
Portanto, ó meu Jesus, tendes tão vivo desejo de dar a vida por nós, as
vossas miseráveis criaturas? Ah! Esse vosso desejo, como não deve excitar
em nossos corações o desejo de padecer e morrer por vosso amor, visto
que por nosso amor desejais tão ansiosamente padecer e morrer! Ó
amado Redentor, fazei-nos saber o que quereis de nós; queremos
agradar-Vos em tudo. Queremos dar-Vos gosto para respondermos ao
menos um pouco ao grande amor que nos tendes.
Itaque cum recubuisset ille (Ioannes) supra pectus Iesu — “Tendo-se ele
(João) reclinado sobre o peito de Jesus” (2). Ó feliz de vós, João, discípulo
predileto, que reclinando a cabeça sobre o peito de Jesus,
compreendestes a ternura do Coração do nosso amante Redentor para
com as almas que O amam! — Ah! Meu dulcíssimo Senhor, que repetidas
vezes me favorecestes com tão grande graça! Sim, pois que eu também
compreendi a ternura do vosso afeto para comigo cada vez que me
consolastes com luzes celestes e doçuras espirituais. Mas, não obstante
isso, Vos fui infiel! Suplico-Vos que não me deixeis mais viver tão ingrato
para com a vossa bondade! Quero ser todo vosso: aceitai-me e socorrei-
me.
Tunc venit Iesus cum illis in villam, quae dicitur Gethsemani – “Então foi
Jesus com eles a uma herdade, que é chamada Gethsemani” (Mt 26, 36)
Sumário. O Filho de Deus, para nos ensinar o modo de orar, pede no horto
a seu Pai divino, que O exima de beber o cálice de sua Paixão; com
resignação, porém, acrescenta que se conforma em tudo à divina vontade.
Prostra-se com a face na terra, e é tão grande o temor, o aborrecimento e
a tristeza que Lhe sobrevém pela previsão dos seus padecimentos e da
nossa ingratidão, que chega a suar sangue vivo. Ah, meu pobre Senhor, se
eu menos houvera pecado, Vós menos teríeis sofrido.
I. Finda que foi a ação de graças depois da Ceia, Jesus sai do cenáculo com
os seus discípulos, entra no horto de Getsêmani e se põe em oração. Mas,
ai! No mesmo instante assaltam-No juntos grande temor, grande
aborrecimento e grande tristeza. Com o coração oprimido pela dor, o
nosso Redentor diz que a sua alma bendita está triste até à morte: Tristis
est anima mea usque ad mortem (1). — Jesus quis que então Lhe fosse
presente aos olhos toda a funesta cena dos tormentos e opróbrios que
Lhe estavam preparados. Na Paixão, estes tormentos afligiram-No um
após outro; mas ali no horto vieram cruciá-Lo todos juntos, as bofetadas,
os escarros, os açoites, os espinhos, os cravos e os vitupérios, que depois
deveria sofrer. Submisso, aceita-os todos; mas, aceitando-os treme,
agoniza e ora.
Mas, meu Jesus, quem Vos constrange a sofrer tantas penas? Constrange-
me, responde, o amor que tenho aos homens. — Ah! Que assombro devia
causar no céu o ver a força feita fraqueza! Um Deus aflito! E para que?
Para salvação dos homens, suas criaturas! Naquele horto foi oferecido o
primeiro sacrifício: Jesus foi a vítima, o amor, o sacerdote e o ardor de seu
afeto para com os homens foi o fogo sagrado que consumiu o sacrifício.
Pater mi, si possibile est, transeat a me calix iste (2) — “Pai meu, se é
possível, passe de mim este cálice”. Assim ora Jesus: Meu Pai, se é
possível, isenta-me de beber este cálice tão amargoso. Mas Jesus ora
assim, não tanto para ficar isento, como para nos fazer compreender a
pena que padece e aceita por nosso amor. Ora assim também para nos
ensinar que nas tribulações nos é permitido pedir a Deus que nos livre;
mas ao mesmo tempo devemo-nos conformar em tudo com a vontade
divina, e dizer o que Ele disse: Verumtamen non sicut ego volo, sed sicut
tu (3) — “Todavia não seja como eu quero, mas sim como tu”.
Sim, meu Senhor, por vosso amor abraço todas as cruzes que me queiras
enviar. Vós, embora inocente, padecestes tanto por meu amor, e eu,
pecador como sou, depois de haver tantas vezes merecido o inferno, me
recusei a sofrer para Vos agradar e obter de Vós o perdão e a graça! Non
sicut ego volo, sed sicut tu; seja feita não a minha vontade, mas, sim,
sempre a Vossa!
II. Procidit super terram (4). Durante a sua oração, Jesus prostrou-se com
a face em terra, porquanto, vendo-se coberto com a vestidura sórdida de
todos os nossos pecados, parece que se envergonhava de levantar os
olhos ao céu. — Ó meu amado Redentor, não me animaria a Vos pedir
perdão de tantas injúrias que Vos fiz, se as vossas penas e os vossos
merecimentos não me dessem confiança. Eterno Pai: Respice in faciem
Christi tui (5) — “Ponde os olhos no rosto de vosso Cristo”; olhai, não para
as minhas iniquidades, mas para esse vosso Filho dileto, que treme, que
agoniza e sua sangue a fim de obter para mim o vosso perdão. Vede-O e
tende piedade de mim.
Que! Jesus meu, não há nesse jardim para Vos suplicar nem algozes, nem
açoites, nem espinhos, nem cravos; que é então que faz correr o vosso
sangue? Ah! compreendo agora: não foi a previsão de vossos tormentos
próximos a causa de vossa aflição, pois espontaneamente Vos oferecestes
a sofrê-las. Foi a vista de meus pecados; eles foram o cruel lagar que fez
correr o sangue de vossas sagradas veias. De sorte que não Vos foram
desumanos os algozes, nem cruéis os açoites, os espinhos, a cruz;
desumanos e cruéis vos foram, ó meu dulcíssimo Jesus, os meus pecados,
que tanto Vos afligiram no horto. Se eu menos houvera pecado, menos
houvéreis Vós padecido. Eis então, ó meu Jesus, como correspondi ao
amor que vos trouxe a morrer por mim: não fiz mais que ajuntar novas
penas e tantas outras que tivestes de sofrer.
Ó meu amado Senhor, pesa-me de Vos ter ofendido; sinto dor, mas não
bastante; quisera conceber uma dor capaz de me tirar a vida. Ah! pela
cruel agonia que sofrestes no horto, dai-me uma parte do horror que
tivestes de meus pecados. Se outrora Vos afligi por minha ingratidão, fazei
que Vos agrade daqui em diante por meu amor. — Ó Maria, Mãe das
dores, recomendai-me a vosso Filho aflito e triste por meu amor.
Quinta-Feira - 11 de abril - Jesus é preso,
ligado e conduzido a Jerusalém
Mas onde é que se acham os seus discípulos? Que fazem? Já não podendo
livrá-Lo das mãos de seus inimigos, ao menos que o tivessem
acompanhado para defenderem a inocência de Jesus perante os juízes, ou
sequer para o consolarem com a sua presença! Mas não; o Evangelho diz:
Tunc discipuli eius, relinquentes eum, omnes fugerunt (3) — “Então os
seus discípulos desamparando-O, fugiram todos”. Qual não devia ser a
tristeza de Jesus, vendo que até os seus discípulos queridos fugiam e O
desamparavam? Mas, ó céus, então o Senhor viu ao mesmo tempo todas
aquelas almas que, sendo por Ele mais favorecidas, haviam de abandoná-
Lo depois e de Lhe virar as costas.
II. Ligado como um malfeitor, o nosso Salvador entra em Jerusalém, onde
poucos dias antes fora aclamado com tantas honras e louvores. Passa a
desoras pelas ruas, entre lanternas e tochas, e tão grande é o alarido e
tumulto, que todos deviam pensar que se levava qualquer grande
criminoso. A gente chega à janela e pergunta: quem é que foi preso? e
respondem-lhe: Jesus, o Nazareno, que foi desmascarado como sendo um
sedutor, um impostor, um falso profeta e réu de morte. — Quais não
deviam ser então em todo o povo os sofrimentos de desprezo e
indignação, quando viram Jesus Cristo, acolhido primeiro como o Messias,
preso por ordem dos juízes, como impostor!
Donde, ó meu Senhor, me pode vir tamanho orgulho, depois que mereci
tantas vezes o inferno? Meu Jesus, suplico-Vos pelos merecimentos dos
desprezos que sofrestes, dai-me a graça de Vos imitar. Proponho com o
vosso auxílio reprimir de hoje em diante todo o ressentimento e receber
com paciência, alegria e contentamento todas as humilhações, todas as
injúrias e todas as afrontas que me possam ser feitas. Proponho, além
disso, para Vos agradar, fazer todo bem possível a quem me despreza; ao
menos falarei sempre bem dele e rogarei por ele. Vós, ó meu Senhor,
pelas dores de Maria Santíssima, fortalecei estes meus propósitos e dai-
me a graça de Vos ser fiel.
Sexta-Feira - 12 de abril - Comemoração das
sete Dores de Maria Santíssima
O vos omnes qui transitis per viam, attendite et videte, si est dolor sicut
dolor meus – “Ó vós todos os que passais pelo caminho, atendei e vede,
se há dor semelhante à minha dor” (Lm 1, 12)
I. Assim como Jesus se chama Rei de Dores e Rei dos Mártires, porque
padeceu na sua vida mais que todos os outros mártires; assim Maria é
com razão chamada Rainha dos Mártires. Mereceu este titulo por ter
sofrido o martírio mais longo e mais doloroso que se possa padecer depois
do de seu Filho.
A Virgem pôde dizer o que o Senhor disse pela boca de Davi: Defecit in
dolore vita mea, et anni mei in gemitibus (1) — A minha vida passou-se
toda em dor e lágrimas, porquanto a minha dor, que era a compaixão de
meu amado Filho, não se afastava jamais do meu pen-samento, vendo eu
sempre todas as penas e a morte que Ele um dia devia padecer. —
Revelou a mesma divina Mãe a Santa Brígida, que, ainda depois da morte
do Filho e depois de sua ascensão ao céu, a lembrança da sua paixão
estava sempre fixa e recente no seu terno coração de mãe, quer comesse,
quer trabalhasse.
II. A dor de Maria na Paixão de Jesus Cristo não foi estéril, como a das
mães comuns à vista dos filhos que sofrem. Não; foi, ao contrário, uma
dor que produziu frutos abundantes de vida eterna. São Cipriano, falando
dos mártires, disse que o seu sangue era como que uma semente de
cristãos, querendo dizer que por um só homem que caía vítima da
perseguição, surgiam logo muitos pagãos a pedirem o batismo e
abraçarem a religião perseguida. Esta fecundidade, porém, do martírio,
nada é em comparação da do martírio da Rainha dos Mártires.
Com efeito, sabemos que pelo mérito do sacrifício dolo-roso que Maria fez
na morte de seu Filho, foi ela feita de-positária dos merecimentos de Jesus
Cristo, Co-Redentora do gênero humano e Mãe de todos os fiéis que lhe
foram confiados na pessoa de João: Mulier, ecce filius tuus (3) — “Mulher,
eis aí teu filho”. De sorte que todos os que se salvaram, se salvam e ainda
vierem a salvar-se, todos serão devedores da sua salvação, depois de
Jesus Cristo, ao martírio do Coração de Maria. — Se, portanto, nós
também quisermos um dia ir gozar no céu, sejamos devotos servos desta
querida Mãe, e, à imitação dela, soframos com paciência as penas que
tenhamos a sofrer, e todas as graças que queiramos pedir ao Senhor,
peça-mo-las pelos merecimentos das incomensuráveis dores que ela
sofreu no correr de toda a sua vida, e especial-mente na Paixão de seu
Filho.
Sim, ó Rainha dos Mártires, prometemos ser-vos fiéis; mas vós mesma
deveis alcançar-nos esta graça.
II. Tunc expuerunt in faciem eius, et colaphis eum ceciderunt (3) — “Então
cuspiram-Lhe no rosto e deram-Lhe bofetadas”. Sendo Jesus Cristo
declarado réu de morte, puseram-se todos a maltratá-Lo como a um
malfeitor. Um cospe-Lhe no rosto, outro dá-Lhe empuxões, mais outro Lhe
dá bofetadas. Vendando-Lhe os olhos com um pano, escarnecem d’Ele,
chamando-O falso profeta, e dizendo: “Já que és profeta, profetiza agora
quem Te bateu”. Escreve São Jerônimo que foram tantos os insultos e
injúrias que naquela noite foram feitos ao Senhor, que só no dia do juízo
final serão conhecidos todos.
Vai, minha alma, vai ter naquela prisão com o teu Senhor aflito,
escarnecido e abandonado; agradece-Lhe e consola-O com o teu
arrependimento, visto que tu também algum tempo O desprezaste e
renegaste. Dize-Lhe que quiseras morrer de dor, lembrando-te que no
passado Lhe amarguraste tanto o doce Coração, que tanto te amou. Dize-
Lhe que agora O amas e não queres senão padecer e morrer por seu
amor.
Ah! Meu Jesus, esquecei os desgostos que Vos dei, e lançai sobre mim um
olhar de amor, assim como lançastes sobre Pedro, depois que Vos
renegou. Ó grande Filho de Deus, ó amor infinito, que padeceis por
aqueles mesmos homens que Vos odeiam e maltratam! Vós sois a glória
do paraíso: honra demasiada tereis feito aos homens, se os houvéreis
admitido somente a beijar-Vos os pés. Mas, ó Deus, quem Vos reduziu a
esse extremo de ignomínia, de servirdes de ludibrio à gente mais vil do
mundo? Dizei-me, meu Jesus, que posso fazer para Vos desagravar da
desonra que vossos algozes vos infligem com os seus insultos? Ouço-Vos
responder-me: Suporta por meu amor os desprezos, assim como eu os
suportei por teu amor. Sim, Redentor meu, quero obedecer-Vos. Ó Jesus,
desprezado por minha causa, aceito e desejo ser desprezado por vossa
causa, quanto Vos agradar. Dai-me, porém, a graça para Vos ser fiel. Fazei-
o pelas dores da vossa e minha querida Mãe Maria.
Domingo de Ramos – 14 de abril - Jesus faz a
sua entrada triunfal em Jerusalém
Ecce rex tuus venit tibi mansuetus, sedens super asinam et pullum filium
subiugalis – “Eis que o teu Rei aí vem a ti cheio de mansidão, montado
sobre uma jumenta e um jumentinho, filho do que está sob o jugo” (Mt
21, 5)
Meu amado Jesus, quisestes fazer a vossa entrada tão gloriosa, a fim de
que a vossa paixão e morte fosse tanto mais ignominiosa, quanto maior
foi a honra então recebida. A cidade, ingrata, em poucos dias trocará os
louvores que agora Vos tributa, por injúrias e maldições. Hoje cantam:
“Glória a vós, Filho de Davi; sede sempre bendito, porque vindes para
nosso bem em nome do senhor.” E depois levantarão a voz bradando:
Tolle, tolle, crucifige eum (1) — “Tira, tira, crucifica-O”. — Hoje tiram os
próprios vestidos; então tirarão os vossos, para Vos açoitar e crucificar.
Hoje cortam ramos e estendem-nos debaixo de vossos pés; então
tomarão ramos de espinheiro, para Vos ferir a cabeça. Hoje bendizem-
Vos, e depois hão de cumular-Vos de contumélias e blasfêmias. — Eia,
minha alma, chega-te a Jesus e dize-Lhe com afeto e gratidão: Bendictus,
qui venit in nomine Domine (2) — “Bendito o que vem em nome do
Senhor”.
II. Refere depois o Evangelista, que Jesus chegando perto da infeliz cidade
de Jerusalém, ao vê-la, chorou sobre ela, pensando na sua ingratidão e
próxima ruína. — Ah, meu Senhor, chorastes então sobre Jerusalém, mas
chorastes também sobre a minha ingratidão e perdição; chorastes ao ver a
ruína que eu a mim mesmo causava, expulsando-Vos de minha alma e
obrigando-Vos a condenar-me ao inferno. Peço-Vos, deixai que eu chore,
pois que a mim compete chorar ao lembrar-me da injúria que Vos fiz
ofendendo-Vos. Pai Eterno, pelas lágrimas que vosso Filho então
derramou por mim, dai-me a dor de meus pecados, já que os detesto mais
que qualquer outro mal e resolvido estou a amar-Vos para o futuro, de
todo o coração.
— E agora roga a Deus que, “tendo Ele feito Nosso Senhor tomar carne e
sofrer a morte de cruz, para dar ao gênero humano um exemplo de
humildade para imitar, te conceda a graça de aproveitar os documentos
de sua paciência e de alcançar a glória da ressurreição” (3). —
Recomenda-te também à intercessão da Virgem Maria.
Segunda-Feira – 15 de abril - Jesus é levado a
Pilatos e a Herodes, e posposto a Barrabás
— Meu Jesus, eu também tinha merecido este castigo, por ter resistido
tantas vezes às vossas misericordiosas inspirações. Mas, meu amado
Redentor, tende piedade de mim e falai-me: Loquere, Domine, quia audit
servus tuus (3) — “Falai, Senhor, porque o vosso servo escuta”. Dizei-me o
que desejais de mim; quero obedecer-Vos e contentar-Vos em tudo.
Ai de mim, meu Senhor! Todas as vezes que cometi o pecado, fiz como os
Judeus. A mim também se perguntava o que desejava: a Vós ou ao vil
prazer; e respondi: Quero o prazer e pouco se me dá perder o meu Deus. É
assim que falei então; mas agora estou arrependido de todo o coração, e
digo que prefiro a vossa graça a todos os prazeres e tesouros do mundo. Ó
Bem infinito, ó meu Jesus, amo-Vos acima de todos os outros bens; só a
Vós quero e nada mais. — Ó Mãe das dores, minha Mãe Maria, impetrai-
me a santa perseverança.
I. Vendo Pilatos que falharam os dois meios empregados para não ter que
condenar ao inocente Jesus, isto é, a remessa para Herodes e a
apresentação ao lado de Barrabás, toma o alvitre de lhe dar um castigo
qualquer e depois mandá-Lo embora. Convoca portanto os Judeus e lhes
diz:
II. O corpo virginal de Jesus primeiro torna-se todo roxo; depois o sangue
começa a correr por toda a parte. Ó céus! Os algozes já Lhe rasgaram a
carne toda, e sem piedade continuam a bater nas feridas e a ajuntar novas
dores. Assim o mais famoso de todos os homens fica tão desfigurado, que
impossível é reconhecê-Lo. Numa palavra, Jesus é reduzido a um estado
tão lastimável, que parece como que um leproso, coberto de chagas
desde a cabeça até aos pés: Et nos putavimus eum quasi leprosum (3) —
“E nós o julgamos como que um leproso”. E para que tudo isso? Para me
livrar dos suplícios eternos. Desgraçado e infeliz de quem não Vos ama, ó
Deus de amor!
Ah, meu Jesus, Cordeiro inocente! Os bárbaros algozes Vos Tiram, já não a
lã, mas, sim, a pele e a carne. É esse o batismo de sangue pelo qual
suspirastes durante a vossa vida toda. Eia, minha alma, lava-te no sangue
precioso de que foi embebida aquela terra ditosa. — Meu dulcíssimo
Salvador, como poderei duvidar do vosso amor, vendo-Vos todo ferido e
dilacerado por meu amor? Cada chaga é uma prova inegável do afeto que
me tendes. Cada ferida pede-me que Vos ame. Uma só gota do vosso
sangue era bastante para a minha salvação; mas Vós quereis derramá-lo
todo sem reserva, a fim de que eu também me dê a Vós sem reserva. Sim,
meu Jesus, sem reserva alguma me dou todo a Vós; aceitai-me e ajudai-
me a ser-Vos fiel. Fazei-o pelas dores de vossa e minha querida Mãe
Maria.
Terça-Feira – 16 de abril - Jesus é coroado de
espinhos e apresentado ao povo
Mas, porque os espinhos com a força das mãos não penetravam bastante
na cabeça sagrada, já tão ferida pelos açoites, tomam-Lhe o caniço, e
enquanto Lhe escarravam também no rosto, batem com toda a força
sobre a cruel coroa, de sorte que rios de sangue corriam da cabeça ferida
pelo rosto e sobre o peito. Ah, espinhos ingratos! É assim que atormentais
o vosso Criador? — Mas, para que acusar os espinhos? Ó pensamentos
perversos dos homens, sois vós que transpassastes a cabeça do meu
Redentor.
Eia, minha alma, prostra-te aos pés de teu Senhor coroado; detesta ali os
teus consentimentos pecaminosos, e roga-Lhe que te traspasse com um
daqueles espinhos, consagrados pelo seu preciosíssimo sangue, a fim de
que não o tornes mais a ofender. — Enquanto os bárbaros algozes,
juntando o escárnio à dor, o tratam como rei de comédia, d’Ele motejam e
o esbofeteiam, tu, pelo menos, reconhece-O pelo Supremo Senhor de
tudo, como na verdade é; feito agora Rei de dor por amor dos homens.
Meu amado Redentor, aceitais a morte que eu devia sofrer, e pela vossa
morte me alcançais a vida. Agradeço-Vos, ó amor meu, e espero ir ao céu
para cantar eternamente as vossas misericórdias: Misericordias Domini in
aeternum cantabo (2) Mas, já que Vós inocente aceitais a morte de cruz,
eu pecador aceito de boa vontade a morte que me destinais; aceito-a com
todas as penas que a tenham de preceder ou de acompanhar, e desde
agora ofereço-a a vosso Eterno Pai em união com a vossa santa morte.
Vós morrestes por meu amor, eu quero morrer por vosso amor.
Não, meu Jesus, não quero deixar-Vos; quero seguir-Vos até morrer. Pelos
merecimentos desse caminho doloroso, dai-me força para carregar com
paciência a cruz que quiserdes mandar-me. Ah! Vós nos fizestes
nimiamente amáveis os sofrimentos e os desprezos, abraçando-os por nós
com tanto amor! Ó Mãe de dores, Maria, rogai a vosso Filho por mim.
Quarta-Feira – 17 de abril - Quarta Dor de
Maria Santíssima – Encontro com Jesus, que
carrega a cruz
“Ah, Mãe dolorosa! Teu Filho já foi condenado à morte, e já saiu, levando
Ele mesmo a sua cruz para ir ao Calvário. Vem, se O queres ver e dar-Lhe o
último adeus, em alguma rua, por onde tenha de passar”.
Ao ouvir isto, Maria parte com João; e pelo sangue de que estava a terra
borrifada conhece que o Filho já por ali tinha passado. A Mãe aflita toma
por uma estrada mais breve e coloca-se na entrada de uma rua para se
encontrar com o aflito Filho, nada se-lhe dando das palavras insultuosas
dos judeus, que a conheciam como mãe do condenado. — Ó Deus, que
causa de dor foi para ela a vista dos cravos, dos martelos, das cordas e dos
outros instrumentos funestos da morte de seu Filho! Como que uma
espada foi ao seu coração o ouvir a trombeta, que andava publicando a
sentença pronunciada contra o seu Jesus.
II. Queria a divina Mãe abraçar a Jesus, como diz Santo Anselmo; mas os
insolentes servos a repelem com injúrias, e empurram para diante o
Senhor aflitíssimo. Maria, porém, segue — muito embora preveja que a
vista de seu Jesus moribundo lhe causaria uma dor tão acerba, que a
tornaria rainha dos mártires. O Filho vai adiante, e a Mãe tomando
também a sua cruz, no dizer de São Guilherme, vai após Ele, para ser
crucificada com Ele.
Se víssemos uma leoa que vai após o filho conduzido à morte, aquela fera
nos causaria compaixão. E não nos inspirará compaixão o ver Maria, que
vai após o seu Cordeiro imaculado, enquanto o levam a morrer por nós?
Tenhamos compaixão por ela, e procuremos também acompanhar o Filho
e a Mãe, levando com paciência a cruz que nos envia o Senhor. —
Pergunta São João Crisóstomo, porque nas outras penas Jesus Cristo quis
ser só, mas a levar a Cruz quis ser ajudado pelo Cirineu? E responde: Ut
intelligas, Christi crucem non sufficere sinne tua: Não basta para nos salvar
só a cruz de Jesus Cristo, se nós não levamos com resignação até a morte
também a nossa.
Crucifixerunt eum, et cum eo alios duos, hinc et hinc, medium autem Iesum
– “Crucificaram-No e com Ele outros dois, um de uma parte, e outro da
outra, e no meio Jesus” (Jo 19, 18)
Quando se toca apenas num nervo do corpo humano, é tão aguda a dor,
que causa desmaios e convulsões mortais. Quão grande não terá sido,
pois, a dor de Jesus, quando Lhe traspassaram com cravos as mão e pés,
partes cheias de ossos e nervos? Ó meu dulcíssimo Salvador, quanto Vos
custou a minha salvação e o desejo de ser amado por mim, miserável
verme! E, ingrato como sou, tantas vezes Vos tenho recusado o meu amor
e virado as costas!
II. Eis que levantam a cruz com o Crucificado, e a deixam cair com força no
buraco aberto no rochedo. Enchem-no em seguida com pedras e paus, e
Jesus fica suspenso na cruz entre dois ladrões até deixar a vida, como
havia predito Isaías: Et cum sceleratis reputatus est (1) — “Ele foi posto no
número dos malfeitores”. Ó Deus, quanto padece na cruz o nosso Salvador
moribundo! Cada parte de seu corpo tem as suas dores; e uma não pode
aliviar a outra, porque as mãos e os pés estão pregados fortemente. Ó
céus, a cada instante Ele sofre dores mortais. Ora faz firmeza nas mãos,
ora nos pés, mas em qualquer parte que seja, sempre se Lhe aumenta a
dor, porque o sacrossanto corpo de Jesus se apoiava nas próprias feridas.
Se ao menos, no meio de tantas dores, os presentes se compadecessem
de Jesus e o acompanhassem com as lágrimas na sua agonia amargosa!
Não, ao contrário, os Escribas e os Fariseus injuriam-No e prorrompem em
escárnios e blasfêmias. E os algozes, feita a partilha das vestes de Jesus e
tirada a sorte a túnica, sentam-se indiferentes debaixo do patíbulo,
esperando a morte do Salvador.
Sumário. Embora Jesus Cristo em todo o curso de sua vida mortal nos
tivesse amado ardentemente e nos tivesse dado mil provas do seu amor
infinito, todavia, quando chegou ao termo dos seus dias, quis dar-nos a
prova mais patente pela instituição do Santíssimo Sacramento. Ai o
Senhor se faz não só nosso constante companheiro, mas ainda nosso
sustento e se nos dá todo inteiro. Com muita razão, portanto, Santa Maria
Madalena de Pazzi chamava a quinta-feira santa o Dia do Amor
Foi exatamente assim que quis fazer conosco Jesus Cristo, verdadeiro Pai
da nossa alma e Pai tão amante, que na terra não tem havido, nem jamais
haverá outro igual. Embora em todo o curso da sua vida mortal nos tivesse
amado com amor ardente, e nos tivesse dado mil provas do seu amor
infinito, todavia, quando chegou ao termo dos seus dias, quis dar-nos a
prova mais patente, pela instituição do Santíssimo Sacramento. E por isso,
na mesma noite em que devia ser traído, reuniu os seus discípulos ao
redor de si, instituiu a Santíssima Eucaristia, e disse-lhes para os consolar
de sua próxima partida:
Filhos meus, vou morrer por vós, para vos mostrar o amor que vos tenho.
Posto que, escondido debaixo das espécies sacramentais, deixo-vos o meu
corpo, a minha alma, a minha divindade, a mim mesmo todo. Numa
palavra, não quero nunca estar separado de vós, enquanto estiverdes na
terra: Ecce ego vobiscum sum, usque ad consummationem saeculi (1) –
“Eis que estou convosco, até a consumação dos séculos”.
– Meu irmão, que tal te parece esta extrema fineza de Jesus Cristo? Não
tinha razão Santa Maria Madalena de Pazzi de chamar a quinta-feira santa
o dia do amor?
II. Jesus Cristo não satisfez o seu amor, fazendo-se nosso constante
companheiro; quis ainda fazer-se nosso sustento, afim de se unir
intimamente à nossa alma, e santificá-la com a sua presença. E nesta
manhã, qual amante apaixonado, que deseja ser correspondido, de dentro
da Hóstia consagrada, onde nos observa sem ser visto, está espreitando
todos os que se preparam para alimentar-se com a sua carne divina,
observa em que pensam, o que amam, o que desejam e as ofertas que
irão apresentar-lhe.
Vinde, ó meu Jesus, vinde depressa e não tardeis. Ó meu paraíso, meu
amor, meu tudo, quisera receber-Vos com aquele amor com que Vos
receberam as almas mais santas e mais amantes, com que Vos recebeu
Maria Santíssima. Uno a minha comunhão de hoje com as suas. –
Santíssima Virgem e minha Mãe Maria, eis que vou receber o vosso Filho.
Quisera ter o vosso coração e o amor com que recebeis a santa
comunhão. Dai-me hoje o vosso Jesus, assim como o destes aos pastores e
aos santos Magos. Desejo recebê-lo de vossas mãos puríssimas. Dizei-lhe
que sou vosso servo devoto, porque assim me olhará com olhar mais
amoroso e me apertará mais estreitamente contra o seu Coração, quando
vir a mim.
Meditação para a tarde da Quinta-Feira Santa
– 18 de abril - Quinta Dor de Maria Santíssima
– Morte de Jesus
Et erit vita tua quasi pendens ante te – “A tua vida estará como suspensa
diante de ti” (Dt 28, 66)
Maria ouviu o Filho dizer: Sitio — tenho sede; mas não lhe foi permitido
dar uma gota de água para Lhe mitigar a sede. Só pode dizer-Lhe, como
contempla São Vicente Ferrer: Filho, não tenho senão a água de minhas
lágrimas. Fili, non habeo nisi aquam lacrimarum. Via que sobre aquele
leito de morte, Jesus, pregado com três cravos de ferro, não achava
repouso. Queria abraçá-Lo para Lhe dar alívio, ao menos para O deixar
expirar entre seus braços; mas não podia. Via o pobre Filho, que naquele
mar de aflições buscava quem O consolasse, como Ele já tinha predito
pela boca do profeta Isaías (1). Mas quem entre os homens O desejava
consolar, se todos eram seus inimigos? Mesmo sobre a cruz um O
blasfemava e escarnecia de uma maneira, outro de outra, tratando-O
como um impostor, ladrão, usurpador sacrílego da divindade, digno de mil
mortes.
O que mais aumentou a dor de Maria e a sua compaixão para com o Filho,
foi ouvi-Lo sobre a cruz lamentar-se de o Eterno Pai também O ter
abandonado: Deus, Deus meus, ut quid dereliquisti me? (2) — “Deus meu,
Deus meu, porque me desamparaste?” Palavras, como disse a Bem-
aventurada Virgem à Santa Brígida, que não puderam nunca mais sair-lhe
da idéia, enquanto viveu. De modo que a aflita Mãe via o seu Jesus
atormentado de todas as partes; queria aliviá-Lo mas não podia. Pobre
Mãe!
II. Pasmavam os homens, diz Simão de Cássia, vendo que a divina Mãe
guardava o silêncio, sem se queixar no meio da sua grande dor. Mas, se
Maria guardava o silêncio com a boca, não o guardava com o coração,
porquanto naquelas horas não fazia se não oferecer à justiça divina a vida
do Filho pela nossa salvação. Saibamos, pois, que pelo mérito de suas
dores ela cooperou para nos fazer nascer para a vida da graça e por
conseguinte somos filhos de suas dores: Mulier, ecce filius tuus (3) —
“Mulher, eis aí teu filho”.
Naquele mar de amargura era este o único alívio que então a consolava: o
saber que por meio de suas dores nos conduzia à salvação eterna. —
Desde então começou Maria a exercer para conosco o ofício de boa Mãe;
pois que, como atesta São Pedro Damião, foi pelas súplicas de Maria que o
bom ladrão se converteu e se salvou, querendo a divina Mãe recompensá-
lo assim pela delicadeza que outrora lhe mostrou na viagem ao Egito. E o
mesmo ofício de mãe tem a Bem-aventurada Virgem continuado sempre e
continua a exercer. Nós, porém, com as nossas obras mostramo-nos
deveras seus dignos filhos?
Ó Mãe, a mais aflita de todas as mães! Morreu, enfim, vosso Filho, tão
amável e que tanto vos amava! Chorai; que tendes razão para chorar.
Quem jamais poderá consolar-vos? Só vos pode consolar o pensamento
que Jesus com sua morte venceu o inferno, abriu o céu fechado aos
homens, e ganhou tantas almas. Do trono da cruz reinará sobre tantos
corações que, vencidos pelo amor, com amor Lhe servirão. Não recuseis
entretanto, ó minha Mãe, que vos acompanhe a chorar convosco, já que
mais que vós tenho razão de chorar pelas ofensas que tenho feito a Vosso
Filho. Ah, Mãe de Misericórdia! Em primeiro lugar pela morte de seu
Redentor, e depois pelos merecimentos de vossas dores, espero o perdão
e a salvação eterna.
Sexta-Feira Santa – 19 de abril – Morte de
Jesus
As pessoas presentes, voltadas para Jesus Cristo, por causa da força com
que proferiu as suas últimas palavras, contemplam-No com atenção
silenciosa, vêem-No expirar, e notando que não se move mais, dizem:
Morreu, morreu. Maria ouve que todos o dizem, e ela também exclama:
Ah, Filho meu, já morreste; estais morto.
Ah meu Jesus, já que para minha salvação não poupastes a vossa própria
pessoa, lançai sobre mim esse olhar afetuoso com que me olhastes um
dia, quando estáveis em agonia sobre a cruz; olhai-me, iluminai-me, e
perdoai-me. Perdoai-me em particular a ingratidão que tive para convosco
no passado, pensando tão pouco na vossa paixão e no amor que nela me
haveis mostrado. Dou-Vos graças pela luz que me concedeis de
compreender através de vossas chagas e de vossos membros dilacerados,
como por entre umas grades, o afeto tão grande e tão terno que ainda
guardais para comigo.
Eis que descem Jesus da cruz. Foi revelado a Santa Brígida, que para o
descimento encostaram à cruz três escadas. Primeiro, os santos discípulos
despregaram as mãos e depois os pés, e os cravos foram entregues a
Maria, como refere Metaphrastes. Depois, segurando um o corpo de Jesus
por cima, e outro por baixo, o desceram da cruz. Bernardino de Bustis
medita como a aflita Mãe se levanta sobre as pontas dos pés, e,
estendendo os braços, vai receber o querido Filho; abraça-O e depois
senta-se debaixo da cruz.
II. Ó Virgem Santíssima, depois que vós com tanto amor destes ao mundo
o vosso Filho para a nossa salvação, eis que o mundo já vo-Lo restitui. —
Mas, ó Deus! Como mo restituis tu? Dizia então Maria ao mundo. Dilectus
meus candidus et rubicundus (1). Meu Filho era branco e vermelho, não
pela cor, mas pelas chagas que Lhe tens aberto. Ele era belo, agora, em
vez de belo, é todo deforme; Ele encantava com o seu aspecto, agora
causa horror a quem O vê.
Assim se expressava então Maria e se queixava de nós. Mas se agora fosse
ainda capaz de dor, que diria? E que pena sentiria, ao ver que os homens,
depois da morte de seu Filho, continuam a maltratá-Lo e crucificá-Lo com
os seus pecados? Não continuemos, pois, a atormentar esta dolorosa
Mãe, e se pelo passado nós também a temos afligido com as nossas
culpas, façamos o que ela mesma nos diz: Redite, praevaricatores, ad cor
(2): Pecadores, voltai ao Coração ferido de meu Jesus; voltai arrependidos,
e Ele vos acolherá. — Revelou a mesma Bem-aventurada Virgem a Santa
Brígida, que ao Filho descido da cruz ela fechou os olhos, mas não pode
fechar-Lhe os braços, dando com isso Jesus Cristo a entender que queria
ficar com os braços abertos, para acolher todos os pecadores
arrependidos, que voltam para Ele
Chegados que foram ao lugar destinado, a divina Mãe acomoda nele com
suas próprias mãos o corpo sacrossanto; e, ó! Com quanta vontade Maria
se sepultaria ali viva com seu Jesus! Quando depois levantaram a pedra
para fechar o sepulcro, afigura-se-me que os discípulos do Salvador se
voltaram para a Virgem com estas palavras: Eia, Senhora, deve-se fechar o
sepulcro: tende paciência, vede pela última vez o vosso Filho e despedi-
vos d’Ele. — Ah! Meu querido Filho (assim deve ter falado então a aflita
Mãe), não te hei então de tornar a ver? Recebe, pois, nesta última vez que
te vejo, recebe o último adeus de mim, tua afetuosa Mãe.
Sim, porque Jesus é todo o seu tesouro, e, como disse Jesus: Ubi thesaurus
vester est, ibi et cor vestrum erit (1) — “Onde está o vosso tesouro, aí
estará também o vosso coração”. E nós, onde teremos sepultado o nosso
coração? Talvez nas criaturas? No lodo? E porque não o teremos
sepultado com Jesus, o qual, bem que subido ao céu, contudo quis ficar,
não morto, mas vivo, no Santíssimo Sacramento do altar, precisamente
para ter consigo e possuir os nossos corações? Imitemos, pois, Maria;
encerremos os nossos corações no santo Tabernáculo, para não mais o
tornarmos a tomar. Entretanto, colocando-nos em espírito com a dolorosa
Mãe junto ao sepulcro de Jesus, unamos os nossos afetos com os de Maria
e digamos com amor:
Ó meu Jesus sepultado! Beijo a pedra que Vos encerra. Mas ressuscitastes
ao terceiro dia. Ah! Pelos méritos de vossa gloriosa ressurreição, fazei com
que no último dia eu ressuscite convosco na glória, para estar sempre
unido convosco no céu, para Vos louvar e amar eternamente. Eu Vo-lo
peço pela vossa paixão, e pela dor que sentiu a vossa querida Mãe,
quando Vos acompanhou ao sepulcro.
Meditação para a tarde do Sábado Santo - 20
de abril - Soledade de Maria Santíssima
depois da sepultura de Jesus
Sumário. Ah, que noite de dor foi para Maria a que se seguiu à sepultura
do seu divino Filho! A desolada Mãe volve os olhos em torno de si, e já
não vê o seu Jesus, mas representam-se-lhe diante dos olhos todas as
recordações da bela vida e da desapiedada morte do Filho. Como se não
pudesse crer em seus próprios olhos: Filho, pergunta a João, aonde está o
teu mestre? E à Madalena: Filha, dize-me onde está o teu dileto?… Minha
alma, roga a Santíssima Virgem, que te admita a chorar consigo. Ela chora
por amor, e tu, chora pela dor dos teus pecados.
Quando a Virgem passou por diante da Cruz, banhada ainda com o sangue
do seu Jesus, foi a primeira a adorá-la. Ó santa Cruz, disse então, eu te
beijo e te adoro, já que não és mais madeiro infame, mas trono de amor e
altar de misericórdia, consagrado com o sangue do Cordeiro divino, que
em ti foi imolado pela salvação do mundo. — Deixa depois a Cruz e volta à
sua casa. Chegada ali, a aflita Mãe volve os olhos em torno, e não vê mais
o seu Jesus; em vez da presença do querido Filho, apresentam-se-lhe aos
olhos todas as recordações da sua bela vida e da sua desapiedada morte.
II. Ah, que noite de dor foi para a Bem-aventurada Virgem aquela que se
seguiu à sepultura do seu divino Filho! Voltando-se a dolorosa Mãe para
São João, perguntou-lhe com voz triste: Ah! Filho. Onde está o teu
mestre? Depois perguntou à Madalena: Filha, dize-me onde está o teu
dileto? Ó Deus! Quem no-Lo tirou?… Chora Maria, e todos os que estão
com ela choram também. E tu, minha alma, não choras? Ah! Volta-te a
Maria, e roga-lhe que te admita consigo a chorar. Ela chora por amor, e tu,
chora pela dor de teus pecados: Fac ut tecum lugeam.
Minha aflita Mãe, não vos quero deixar só a chorar; não, quero
acompanhar-vos também com as minhas lágrimas. Eis a graça que hoje
vos peço; alcançai-me uma memória contínua, junto com uma terna
devoção para com a paixão de Jesus e a vossa; a fim de que todos os dias
que me restam de vida, não me sirvam senão para chorar as vossas dores
e as do meu Redentor. Espero que, na hora de minha morte, essas dores
me darão confiança e força para não desesperar à vista das ofensas que
tenho feito ao meu Senhor. Elas devem impetrar-me o perdão, a
perseverança e o paraíso.
E Vós, † “ó meu Senhor Jesus Cristo, que para resgatar o mundo quisestes
nascer, receber a circuncisão, ser condenado pelos judeus, traído por
Judas com um ósculo, acorrentado, levado para o sacrifício como inocente
cordeiro, arrastado com tanta ignomínia diante de Anás, Caifás, Pilatos e
Herodes, acusado por falsas testemunhas, flagelado, esbofeteado,
carregado de opróbrios, coberto de escarros, coroado de espinhos, ferido
com uma cana, vendado, despojado de vossos vestidos, pregado e
levantado na cruz entre dois ladrões, abeberado de fel e vinagre e
traspassado por uma lança; suplico-Vos, ó Senhor, em nome dessas santas
penas que venero, ainda que indigno, suplico-Vos por vossa santa cruz e
morte, livrai-me do inferno e dignai-Vos levar-me para onde levastes o
bom ladrão crucificado convosco, ó meu Jesus, que viveis e reinais com o
Pai e o Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Assim seja.”