Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Poesia Trovadoresca - o Contexto Histórico-Literário

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 2

POESIA TROVADORESCA – O CONTEXTO HISTÓRICO-LITERÁRIO

Unidade do Ocidente da Península Ibérica na Idade Média: Portugal e Galiza

No território encostado à fronteira líquida do Oeste Atlântico, existiu, em tempos e espaços diferentes, uma
unidade administrativa e política. A mais duradoura e a que mais profunda influência exerceu no etnos, na
língua, no desenho das estradas, na estrutura das cidades, na articulação da via marítima da costa, foi a
Lusitânia romana. Marcou durante muitos séculos a realidade política e social. Uniu o território desde a
margem esquerda do Douro ao mar do Algarve e engordou um pouco na fronteira leste. Mérida era a cabeça
regional e política.

A ocidente, o reino suevo constituiu uma segunda construção política. Teve a capital na Braga romana,
envolveu a Galiza e, durante um século, o território português até ao Mondego.

A terceira construção, efémera, ocorreu com o estabelecimento do Reino e Condado da Galiza. Surgiu pela
primeira vez com Ordonho de Leão no início do século X e assumia Viseu como uma das capitais. Anos mais
tarde, o conde Raimundo de Borgonha, casado com Urraca, filha de Afonso VI e futura rainha de Leão e de
Castela, manteria esta unidade, sob a forma de condado, entre os anos de 1093 e 1096.

O reino da Galiza assentava numa realidade sociológica e cultural muito própria, ainda hoje visível no terreno
a norte do Douro, e bem expressa na língua galaico-portuguesa.

A última construção, a do Condado Portucalense, que reunia os territórios entre o Minho e o Mondego,
remonta a 1096 e ao conde Henrique de Borgonha, marido de Teresa, filha bastarda de Afonso VI de Leão e
de Castela. Com o casamento, Henrique reuniu dois condados: o portucalense propriamente dito, que
remontava a Vímara Peres, no século IX, e o condado de Coimbra, organizado por Sisnando Davides de
Tentúgal, após a conquista da cidade em 1064. De fora ficava a Galiza.

António Borges Coelho, História de Portugal: Portugal Medievo, vol. II,

Lisboa, Caminho, 2010, pp. 20-21 (com adaptações).

Sociedade medieval e cultura

Durante a Idade Média portuguesa assistimos ao distanciamento progressivo da nobreza senhorial e do clero
em relação a um substrato comum, mais fielmente preservado pelas camadas populares. Com o ativo papel
dos nobres na Reconquista e a intensificação da ação pastoral do clero em contacto com os centros exteriores
à Península Ibérica, acentua-se o processo de identificação cultural dos dois grandes grupos da classe
dominante, a nobreza e o clero.

Desde o fim do século XII, com a formação de cortes senhoriais e a maior complexidade da corte régia, a
produção cultural nobre diversifica-se: surge a poesia lírica e a satírica, com as suas cantigas de amor, de
amigo e de escárnio ou maldizer, e altera-se a memória linhagística, pontuada por narrativas de proezas dos
antepassados, como mostram os livros de linhagens.
José Mattoso, O Essencial sobre a Cultura Medieval Portuguesa (séculos XI a XIV), Lisboa, IN-CM, 1985, pp. 41-43.
A cultura de Corte:

senhores, trovadores e jograis

A cultura dos leigos é, obviamente, muito diferente da clerical. O seu carácter exclusivamente oral até ao fim
do século XII oculta as suas principais manifestações. Só aquilo que mais tarde se pôs por escrito e um certo
número de referências indiretas permitem reconstituir alguns dos seus traços.

Os senhores mais poderosos tinham também as suas cortes e, à semelhança de alguns magnatas aragoneses,
castelhanos e galegos, que, por sua vez, imitavam os provençais, gostavam de ter jograis e trovadores em
suas casas. Os cancioneiros portugueses conservaram vestígios de composições feitas na corte dos
Trastâmaras no princípio do século XIII e as recentes investigações de A. Resende de Oliveira levaram-no a
encontrar também testemunhos de jograis ou trovadores que viveram nas cortes senhoriais dos Sousas, de
Fernando de Serpa, de Martim Gil de Riba de Vizela, de Pedro de Barcelos, entre outros. A tal ponto que se
pergunta atualmente se as cortes senhoriais não representaram um meio mais animado e criativo do que a
própria corte régia, embora não se possam esquecer as composições feitas na corte de Afonso III e sobretudo
as cantigas do próprio D. Dinis.

De qualquer maneira, os jograis e trovadores viajavam bastante. Fossem galegos (talvez o maior número),
portugueses, castelhanos ou aragoneses, andavam frequentemente de corte em corte, para oferecerem os
seus serviços aos reis e senhores mais poderosos e mais interessados na cultura cortesã. Afonso III, porém,
sempre poupado, não queria sustentar mais do que três jograis na sua corte e tabelou o que se deveria pagar
aos que viessem a cavalo de outras terras.

Tudo isto tem uma expressão predominantemente oral: os jograis animavam as festas da corte, tocavam e
cantavam, faziam dançar as soldadeiras e rir toda a gente, incitavam aos jogos amorosos, animavam as
intrigas cortesãs. A maioria, provavelmente, não sabia escrever. Mas o sucesso de muitas composições e a
intervenção de clérigos que também se tornaram trovadores ou jograis levaram, primeiro, a registar algumas
por escrito, depois, a fazer pequenos cancioneiros de autor ou de grupos de autores, finalmente, a organizar
grandes coleções, como a que fez o conde D. Pedro de Barcelos, ou Afonso X, nas Cantigas de Santa Maria. A
poesia lírica e satírica representa, portanto, a expressão mais típica da cultura cortesã.

José Mattoso, «Cultura», in José Mattoso (coord.), José Mattoso & Armindo de Sousa, História de Portugal, dirigida por José Mattoso,
vol. II — A Monarquia Feudal (1096-1480), Lisboa, Estampa, 1993, pp. 263-264 (com adaptações).

Você também pode gostar