O Romanceiro Da Inconfidência: o Passado Que Não Deu Uma Epopeia
O Romanceiro Da Inconfidência: o Passado Que Não Deu Uma Epopeia
O Romanceiro Da Inconfidência: o Passado Que Não Deu Uma Epopeia
Faculdade de Letras
Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística
ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA:
O PASSADO QUE NÃO DEU UMA EPOPEIA
GOIÂNIA – 2012
TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR AS TESES E
DISSERTAÇÕES ELETRÔNICAS (TEDE) NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG
1
Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita
justificativa junto à coordenação do curso. Os dados do documento não serão disponibilizados durante o período de
embargo.
Lúcia de Fátima Pelet
ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA:
O PASSADO QUE NÃO DEU UMA EPOPEIA
Goiânia - 2012
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
GPT/BC/UFG
CDU: 82-13
Lúcia de Fátima Pelet
ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA:
O PASSADO QUE NÃO DEU UMA EPOPEIA
Banca examinadora
________________________________________________
Profa. Dra. Solange Fiuza Cardoso Yokozawa
Presidente e orientadora
________________________________________________
Profa. Dra. Zênia de Faria – UFG
Membro
________________________________________________
Prof. Dr. Edvaldo Aparecido Bérgamo – UNB
Membro
Para
Caio Júnior, Cássio, Camila e Carina
AGRADECIMENTOS
This study proposes to analyze the epic components existing in the Romanceiro da
Inconfidência, taken by the poet Cecília Meireles as reasons to relieve the Inconfidência
Mineira episode, occurred in the eighteenth century. The principal objective is shown the
transformation of these reasons on essentially lyrical elements, since this long poem is seen
by some segments of literary criticism as an epic and separated from the intimate style
caecilian. Based on Iliad, the first chapter discusses the limits of literary genres, addressing
three factors: past history, the configuration of the heroic characters (especially Tiradentes)
and the heterogeneity-plurality of voices. The theoretical framework has the postulates of
Hegel and Staiger, Benjamin, Lukács and Bakhtin. The second chapter aims to show the
cohesion between the Romanceiro da Inconfidência and the lyrical poetry caecilian generally.
For it focuses on three resources: the intimacy, time and poetic images, through of theories of
Collot, Saint Augustine, Paul Ricoeur, Jorge Luis Borges, Alfredo Bosi and Bachelard.
RI – Romanceiro da Inconfidência
VI – Viagem
VM – Vaga música
MA – Mar absoluto
RN – Retrato natural
SO – Solombra
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................10
CONCLUSÃO ......................................................................................................................120
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................125
INTRODUÇÃO
Seguindo a ideia de que “a obra de arte não é feita de tudo – mas apenas de algumas
coisas essenciais”, a poeta Cecília Meireles publica, em 1953, o Romanceiro da
Inconfidência, uma espécie de “narrativa rimada” (MEIRELES, 1989, p. 22), que ressignifica
aspectos culturais, sociais, políticos e psicológicos da Inconfidência Mineira (1789),
sustentando uma das principais marcas da sua poética: a busca pela essência da vida. Nessa
obra, o eu que narra faz uma recuperação do passado, não apenas da época do movimento
político referido, mas desde a descoberta do ouro e de pedras preciosas em Minas Gerais, no
ensejo de captar o que a experiência desse acontecimento legou para a posteridade e de
descobrir, nos interstícios da História, aspectos que permitem a interpretação poética de um
episódio escrito a “carne e sangue”.
Instigada e atraída por “um apelo irresistível” (MEIRELES, 1989, p. 13), Cecília
Meireles se rende à busca do essencial expressivo desses acontecimentos em Minas Gerais e
compõe o Romanceiro da Inconfidência para dizer “a mesma verdade do historiador, porém
de outra maneira” (MEIRELES, 1989, p. 20). Em outras palavras, a História do Brasil se
torna a sua inspiração. Para registrar sua invenção poética, escolhe a forma dos romanceiros,
gênero muito conhecido e utilizado por determinadas sociedades desde os tempos medievais.
Segismundo Spina (2007), em seu estudo sobre a literatura medieval, esclarece que o gênero
romanceiro é uma forma poética híbrida. Uma categoria considerada de tradição oral, cuja
oralidade não corresponde ao conceito de improvisação, visto que são narrativas iniciadas in
medias res, com ocorrência de datas e topônimos verossímeis, influenciadas pelo cotidiano,
pelos conflitos e pelos desejos dos ouvintes-destinatários e que apresentam uma preocupação
moral que leva à reflexão sobre a realidade social. Considerados como episódios de poesia
épica, separados da obra original e declamados (ou cantados) pelos rapsodos, os romanceiros
enfocavam geralmente os aspectos emotivos do universo cavaleiresco e seus valores nobres e
heroicos. A palavra “romanceiro” tem sua origem ligada à romanização da Península Ibérica,
nos primeiros séculos do Cristianismo, quando houve transformações na língua latina em
decorrência da assimilação dos povos conquistados pelos romanos, fazendo surgir a língua
“romance”. No contexto literário espanhol, “romanceiro” designa um ajuntamento de
composições de caráter épico-lírico, cujas narrativas de guerras medievais eram transmitidas
oralmente, acompanhadas de um instrumento musical, como forma de manter vivos os ideais
de liberdade. Surgiu aproximadamente a partir do século XIII e, desde então, “impôs-se como
veículo de expressão da alma ocidental” (SPINA, 2007, p. 23). Acredita-se que a decadência
das cantigas de gesta (composições de caráter épico, extensas e também transmitidas
oralmente, que cantavam as lendas e a história de um povo ou os feitos heróicos de um
cavaleiro medieval) tenha atraído os trovadores para esses poemas, cuja natureza era
fragmentada, uma vez que se concentravam nos detalhes mais dramáticos e significativos do
tema escolhido e poderiam ser facilmente memorizados. Isso fez com que eles se tornassem
mais líricos e subjetivos que as cantigas de gesta e que, além da agilidade, pudessem comover
os ouvintes.
é encarado como patrimônio cultural de todos, cada um se sente dono dele por
herança, repete-o como seu, com autoridade de co-autor; ao repeti-lo, ajusta-o e o
amolda espontaneamente à sua maneira mais natural de expressão, e assim, ao
propagar-se no canto de todos, vão sendo fixadas no texto da canção algumas
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Essa forma literária, portanto, não individualiza personalidades e sim o modo como os
homens veem o mundo e a si mesmos, além de expressar valores coletivos que inserem o
homem à história. Apesar de carregar e conservar em sua estrutura o caráter complexo da
identificação cultural de uma comunidade, não pode ser considerada uma herança fechada,
sem chances de uma transmissão recriadora. Os romanceiros subsistem até hoje justamente
por continuarem a produzir a fruição de um número infinito de temas e as mais diversas
combinações emotivas entre o emissor e o receptor da mensagem poética.
Uma das particularidades dos romanceiros que explica sua escolha por Cecília
Meireles pode estar na ancoragem do enredo, na transmissão e recriação das realidades
humanas universais, cabíveis na ação narrativa porque demonstram a atualização constante de
aspectos temporais da história.
alcançou tamanha evanescência tanto verbal quanto psíquica, [...] seu movimento lírico se
expande em sua delicadeza maravilhosa” (2002, p. 167).
Cabe ressaltar que, como Cecília Meireles, muitos poetas, em todo o mundo e em
todas as épocas, se valeram de recursos épicos em suas obras. Naturalmente, no Brasil, essa
ocorrência também faz parte da história da literatura. Uma revisão da produção literária
nacional, desenvolvida no primeiro capítulo desta dissertação, ajudará na compreensão do
problema das tentativas épicas na nossa literatura. Literatura essa que, “a partir da afirmação
de um complexo colonial de vida e de pensamento, fez-se com naturais crises e
desequilíbrios” (BOSI, 1994, p. 11).
Diante dessas reflexões, vale a pena aprofundar o estudo a respeito das categorias
épicas constituintes do Romanceiro da Inconfidência, que, se por um lado têm sido motivo de
elogios e reconhecimento, por outro lado têm gerado a opinião de que a composição ceciliana
é uma obra essencialmente épica e, por isso mesmo, alheia ao intimismo que caracteriza as
outras produções da autora.
O segundo capítulo faz uma incursão em poemas de outros livros de Cecília Meireles
no intuito de desconsiderar as afirmações que afastam o Romanceiro da Inconfidência do
universo existencial ceciliano e mostrar a coesão lírica entre ele e a poesia da autora de modo
geral. Para isso, parte da caracterização de três recursos. O primeiro deles é o intimismo, pois
a obra, que não é fundada nos grandes temas da poesia intimista, mas em um acontecimento
histórico, objetivo, parece se afastar dessa característica. O estudo de Collot, que propõe a
relação do sujeito com uma estrutura exterior, sempre dirigida a algo, como um novo caminho
para a lírica contemporânea, serve de base para analisar a expansão do eu lírico ceciliano a
uma realidade fora de si. O segundo recurso, o tempo, resgatado pelas lembranças pessoais e
pela memória coletiva do passado histórico da Inconfidência Mineira, é examinado sob a luz
dos pensamentos de Santo Agostinho, Paul Ricoeur e Benedito Nunes, na tentativa de
compreender a configuração da instância temporal, no Romanceiro da Inconfidência, como o
tempo interior, uma espécie de extensão da alma humana, por abrigar a transformação da
experiência temporal linear em tempo humano, psicológico e reversível. O terceiro recurso
diz respeito à recorrência de certas imagens, marcas importantes na poesia ceciliana, como
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aquelas em torno da sombra e do vento, e o sentido a elas conferido na obra poética em geral
e no Romanceiro da Inconfidência. Para a compreensão do papel da percepção, da atenção e
da memória nas analogias suscitadas por essas imagens poéticas cecilianas, as teorias de
Alfredo Bosi, Jorge Luiz Borges, Gaston Bachelard e de Octavio Paz pontuam a pesquisa.
Assim, é nesse sentido que se pretende penetrar no reino lírico ceciliano para tentar
descobrir as faces do Romanceiro da Inconfidência, como obra essencialmente lírica e como
obra completamente integrada ao universo poético de Cecília Meireles.
CAPÍTULO 1 – AS PROVAS DO LIRISMO
Não deveríamos comparar obras de poetas, mas não nos é possível ficar alheios em
relação àquilo que conhecemos de poetas como João Cabral de Melo Neto, Morte e
vida severina, ou de Cecília Meireles, Romanceiro da Inconfidência. A primeira,
uma epopeia nordestina; a segunda, um épico mineiro. (PONTES, 1997)
1
Publicação no jornal A Gazeta, em 20 de agosto de 1997, Vitória-ES. Pode ser conferido no site do poeta Carlos Nejar, na
seção Pequena fortuna crítica.
18
Para Emil Staiger, um ponto importante numa criação literária é a simultaneidade dos
fenômenos épicos, líricos e dramáticos formulados e consolidados em sua estrutura estética.
Em Conceitos fundamentais da poética, o teórico reconhece que a essência dos gêneros está
fundamentada na herança clássica e que, atualmente, a contestação desta sistematização
dogmática da arte poética acontece devido ao perigo de que qualquer conceito geral de gênero
incorra no vazio da sua significação. Em sua opinião, existe uma completa desordenação dos
conceitos e uma arbitrariedade em relação à terminologia. Por isso, ele reformula a teoria dos
gêneros valendo-se dos substantivos Épica, Lírica e Drama para enquadrar as obras conforme
suas características formais. Como esses nomes não bastam para designar tais gêneros, os
adjetivos épico, lírico e dramático serviriam para “definir a essência de cada gênero, ou seja,
um juízo de valor que não está ligado às caracterizações formais, mas às suas qualidades
simples, das quais uma obra determinada pode participar ou não” (STAIGER, 1969, p. 186).
Para indicar a essência do lírico, Staiger (1969, p. 191) aponta para os “diversos
modos em que ele se manifesta, em sons, rimas, frases, estrofes, motivos, – onde quer que
seja, já que seu uso linguístico exclui todo efeito retórico e dispensa a explicação de palavras
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veladas”. Não existe distância entre o sujeito e aquilo de que ele fala, e sua essência está
concentrada na recordação do passado, do presente ou de algo que ainda nem aconteceu.
Assim, o lírico é diferente do épico, que se prende à observação e à apresentação, devido ao
distanciamento e à inalterabilidade de ânimo do narrador. No épico, a linguagem é clara,
expõe em detalhes o exterior e os seus contornos em versos simétricos, que almejam a
objetividade e o esclarecimento.
A expressão “puro” também é discutida por Staiger, que condena a pureza do gênero
como predicado de valor e afirma categoricamente que um gênero “não puro” não significa
que ele esteja misturado com lama e imundícies, mas que uma obra pode carregar
intrinsecamente elementos líricos, épicos e dramáticos e ser bem realizada, concluindo que
uma obra “pura” é absolutamente inconcebível.
Essa cisão, não demarcada cronologicamente, referida por Lukács, que identifica
uma nova condição para o homem num mundo incoerente, ainda não é suficiente para
encerrar a controvérsia que envolve os gêneros literários, pois muitos teóricos levam em
consideração outro fenômeno na modernidade: o hibridismo dos gêneros.
de sua peça Cromwell (1827), o referido autor atribui ao drama a possibilidade dessa
manifestação híbrida e formula a teoria não apenas do drama romântico, mas da poética
romântica como um todo, defendendo uma nova forma de poesia, que supere as manifestações
clássicas e não se prenda em demasia a regras fixas. Ele vê no sentimento de melancolia,
surgido com a civilização, e na percepção humana de duplicidade, consequência do
Cristianismo, as principais marcas dos tempos modernos. O homem se preocupa com a
salvação da alma e com a busca da eternidade, se torna melancólico e passa a ver que o
sublime não é o estado constante das coisas e do homem. Compreende então que o feio e o
disforme fazem parte de um horizonte mais amplo e mais elevado. Para Hugo, o contraste
entre estas duas categorias, o grotesco e o sublime, é o fator que dá impulso à arte e
acrescenta que
Essas formulações teóricas de Victor Hugo chamam a atenção pela maneira tão
particular como foram defendidas e não pela novidade que apresentam. Muitos estudos já
apontavam para essa direção e, de certo modo, todos coincidem no argumento de que as
transformações nos gêneros acompanham as evoluções históricas. Levando em conta o desejo
de pôr abaixo as regras rígidas impostas pela estética clássica, em prol de um estilo voltado
para a natureza e para a verdade e que “passasse com um movimento natural da comédia à
tragédia, do sublime ao grotesco, ao mesmo tempo artístico e inspirado, profundo e repentino,
amplo e verdadeiro” (HUGO, 2002, p. 77), não é difícil assimilar o hibridismo dos gêneros
como fenômeno comum na estrutura das obras literárias de épocas mais recentes.
22
2
A escolha de Cecília Meireles pela forma arcaica e estrangeira do romanceiro não é arbitrária e casual. A
cultura, a arte e as tradições portuguesas não eram desconhecidas pela poeta. Descendente de açorianos pela
linha materna e de portugueses pela paterna, ela ficou entregue aos cuidados da avó materna, depois da morte
prematura dos pais e dos quatro irmãos. Cresceu ouvindo estórias e canções do folclore brasileiro, contadas e
cantadas pela pajem, “a escura e obscura Pedrinha”, e pela avó, que “cantava rimances e falava como Camões”.
Rodeada dos livros que pertenceram à mãe que fora professora, logo tomou gosto pelas letras. A vocação para a
literatura aproximou-a do pintor português Fernando Correia Dias, com quem se casou e com quem viajou pela
primeira vez até Portugal. Por intermédio do marido, recebia várias publicações portuguesas e conheceu muitos
escritores lusófonos (aos quais dedicou poemas ao longo de sua obra). Voltou várias vezes a Portugal para
encontros e conferências. Leitora de Camões, Almeida Garret, Antero de Quental, Mário Sá Carneiro, Almada
Negreiros, Miguel Torga e José Régio, entre outros, Cecília Meireles também manteve contato próximo com
autores e críticos como Armando Cortes Rodrigues e José Osório de Oliveira. Apesar de não ter conhecido o
poeta Fernando Pessoa, ela foi, no Brasil, a primeira a ler a obra Mensagem, presente enviado pelo próprio autor
e é de responsabilidade dela a primeira antologia de poemas pessoanos publicada no Brasil. A poeta e o escritor
Armando Cortes Rodrigues partilhavam o gosto comum pelos cancioneiros e romanceiros e trocavam
correspondências sobre publicações no campo do folclore e da literatura popular açoriana. Portanto, fica fácil
entender porque essa influência vai além das afinidades temáticas e relações entre literaturas e culturas e,
sobretudo, atinge não apenas o Romanceiro da Inconfidência, mas toda a obra da autora.
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Em seu Curso de estética, Hegel tece considerações sobre os gêneros, e seu olhar
sobre a poesia está voltado para um prisma mais metafísico da estética, por considerar que a
poesia seja, ao mesmo tempo, sintética e analítica porque está “em condições de exprimir não
só a interioridade subjetiva, mas também as particularidades da vida exterior” (HEGEL, 1997,
p. 361) e que, “por ter sua unidade proveniente da reflexão e das íntimas disposições do
espírito, não necessita de comprovação, mas da assimilação do tema dado” (p. 516). Ao fazer
a análise da tripartição dos gêneros em relação às circunstâncias temporais, esse teórico
fundamenta-se nas formações literárias da Grécia Antiga, da literatura oriental e hindu até a
época do Romantismo alemão. Ele concentra a essência da poesia épica na objetividade, por
ser um relato ligado diretamente às condições e abordagens do poeta, que não age como
sujeito, mas apenas como rapsodo. Num mundo “heroico", em que a vida do povo tem estreita
relação com o conteúdo cantado, o indivíduo expõe os acontecimentos do seu mundo e do
momento pelo qual passa. Diante disso, o nome do poeta Homero aparece como o que,
justificadamente, encabeça as perfeitas representações dos propósitos épicos no domínio da
cultura literária mundial e em especial da literatura ocidental; por isso a Ilíada, modelo
genuíno deste gênero, será recorrência nesta investigação.
Tomando por base as teorias de Hegel, que define a poesia épica como uma
descrição objetiva, de recitação mecânica com amplitude poética (1997, p. 437), de uma
façanha em todas as suas fases e as de Staiger (1969), que vê o épico como um gênero que
evidencia o fato e se prende à observação e à apresentação desse fato sem a demonstração de
ânimo do narrador, pode-se afirmar que a retomada do passado no Romanceiro da
Inconfidência vai além da razão épica, prática e objetiva, porque Cecília Meireles prescinde
de verdades pré-fixadas e dá voz aos anseios do espírito de compreender e resgatar os pesados
fardos do passado, revivendo-os, relativizando-os e colocando em xeque a explicação dos
fatos e a estrutura de invioláveis arquivos. Esse passado, na verdade, torna-se um pretexto
externo para gerar movimentos interiores e inspirar concepções, sentimentos e emoções.
correntes daquele período histórico. Existe aí, entre o sujeito enunciador e o objeto particular,
o necessário afastamento temporal e espacial. Quase dois séculos separam a conjuração em
Minas Gerais (1789) da publicação do livro em 1953 e, além disso, a poeta engendra na
primeira parte do Romanceiro da Inconfidência todo o clima anterior ao dos acontecimentos
da inglória rebelião. Ressurgem na “cova do tempo” evocações e rememorações de episódios
que entrelaçam os motivos e os meios pelos quais a descoberta das riquezas da terra influiu no
clima de cobiça e poder desencadeador daquele movimento.
Assim como Camões n‟Os Lusíadas (1572), que para cantar as proezas épicas de
Vasco da Gama, inspirado pelas ninfas, faz uma volta ao tempo para recuperar a história de
Portugal, também Cecília Meireles recompõe poeticamente, desde 1717, os ambientes das
minas de ouro e de diamantes e os fatos que transformaram esses tesouros em miséria,
sofrimento e solidão: “era preciso iluminar esses caminhos anteriores, seguir o rastro do ouro”
(MEIRELES, 1989, p. 23). Os romances I ao XIX trilham o início desse “atroz labirinto de
esquecimento e cegueira” (RI, p. 35)3. Desde a chegada dos Bandeirantes até o
estabelecimento concreto da exploração das minas e do surgimento da cidade de Ouro Preto,
os poemas fazem uma abordagem dos antepassados do ciclo do ouro, que na verdade também
era o ciclo da escravidão e da morte, e concedem ao leitor a presentificação de um passado
que não está morto, apenas resguardado nas lembranças e que é passível de ambíguas
interpretações e agente do destino dramático dos inconfidentes. Mas, no entanto, “ao ser
revelado, esse passado não aparece como um mundo outro, maravilhoso e melhor”
(STAIGER, 1969, p. 79), mas apenas delineado, sem a devida compreensão da sua totalidade.
O “Romance I ou da Revelação do Ouro” destaca a submissão das necessidades humanas
básicas à ganância das “fortuitas riquezas” (RI, p. 45) e uma sucessão ambígua de aspectos e
modos da narrativa (semântico, imagético, histórico, imaginativo) torna-se cada vez mais
diluída em divagações líricas, a partir da participação, intercalada entre as estrofes, de um eu
poético alicerçado em sentimentos contraditórios e que traz à luz um incitamento psicológico
ou social dos homens e da natureza, como está explícito nos versos:
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As citações do Romanceiro da Inconfidência nesta dissertação correspondem à 19ª impressão da Editora Nova Fronteira
(1989) e são indicadas com as letras RI e o número da página.
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teimosos, desesperados,
por minas de prata e de ouro
curtindo destino ingrato,
entranhando seus nomes
para a glória e o desbarato,
quando, dos perigos de hoje,
outros nasceram, mais altos.
(RI, p. 46)
O que poderia ser apenas uma amostragem evolutiva dos sertões invadidos e
removidos por “homens desgrenhados”, que avançam movidos pela fome insaciável do ouro,
é transformado em “recordação”, porque o passado volta ao coração, mas não como coisa
morta e acabada. Para Staiger (1969), assim como a distância entre o passado e o presente é
abolida no fenômeno da recordação, a poesia lírica funde a realidade objetiva e a realidade
subjetiva, o eu e o mundo. Recordar não significa renovar o passado nem trazer de volta as
“impressões ópticas” (STAIGER, 1969, p. 55) da memória, mas perceber as dissonâncias do
passado numa tentativa de entendimento e relativização da realidade e do tempo implacável,
consumidor do homem e dos seus sonhos.
No canto XXII da Ilíada, o poeta narra a morte de Heitor, decorrente do seu duelo
com Aquiles e o faz como se presenciasse os fatos, tornando assim sua poesia visual e
concreta, dada à minuciosa e objetiva exposição de cenas, pessoas, lugares e objetos. Esta
exposição se estabelece pelo emprego de recursos épicos tradicionais, como os versos
hexâmetros, as analogias, a alternância de discursos de personagens, a sucessão temporal e,
principalmente, as “impressões ópticas”:
perspectivas e manifestações afetivas no leitor, que se emociona e se identifica com o que está
revelado nos versos, ao invés de apenas admirar a plasticidade da narrativa. Enquanto Homero
converte estados de alma em fatos visíveis, ao descrever as ações e suas respectivas
circunstâncias exteriores, por meio das três chaves épicas – quando, onde e quem (STAIGER,
1969, p. 46), Cecília Meireles toma o caminho inverso. O seu potencial lírico consegue
expressar o concreto como parte do sujeito, por meio do sentimento, da intuição e da
contemplação interna (Hegel, 1997).
Ladrões e contrabandistas
estão cercando os caminhos;
cada família disputa
privilégios mais antigos;
os impostos vão crescendo
e as cadeias vão subindo.
Essa relação de consequência das ações e reações de quem extrai, de quem tem e de
quem ambiciona o ouro, vista no poema, só pode ser engendrada por uma posição bem
próxima do eu lírico à matéria, ao contexto e à natureza do que ele fala. A sua recordação
descerra imagens altamente subjetivas. O inferno sendo traçado, os homens sepultos e os
fantasmas que descem dos morros, por exemplo, provocam sensações visuais cujas
simultaneidade e irrealidade desviam a atenção dos fatos e concentram-na no clima formado
em volta dos mesmos. A proximidade dessas visões toca o espírito do leitor e permite a ele
reelaborar a dura verdade sobre as mazelas provocadas pelo ódio, cobiça e inveja naquele
tempo em que o ouro e a prata regiam o destino dos culpados e dos justos. A presença de
substância concreta nessas imagens, aliada à imersão do eu lírico num mundo instável e cheio
de impressões, cria um quadro impreciso onde o sonho, a desilusão e o sofrimento integram o
campo de significação da vida humana, fazendo com que a expressão linguística não se
estabeleça sob a pena da lógica e da impassibilidade, mas se revele como forma de
experiência, de fragmentos de lembrança e memória, construindo assim um tempo interior
sensorial.
Os versos “O passado não abre sua porta/e não pode entender a nossa pena” (RI, p.
42) confirmam que o passado se foi e que já não é mais possível atingi-lo. No entanto,
culminam no Romanceiro da Inconfidência interrogações que atravessam vários romances,
provando que a obra está aberta ao vislumbramento desse passado, sob uma consciência que
se situa no presente e que, mesmo atônita e emocionada, participa de tudo sem perder a
lucidez crítica. O sujeito poético indaga onde estão os obcecados pelo ouro e pelo poder.
Onde estão os que ali amaram e sofreram? Onde estão os espectadores ingênuos da tragédia?
Essa tentativa de meditação sobre “coisas eternas e irredutíveis: ouro, amor, liberdade,
traições...” (MEIRELES, 1989, p. 23) se potencializa na captação, por Cecília Meireles, da
fórmula do ubi sunt? nos dísticos (exceto o último) do “Romance I” anteriormente
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4
François Villon: um dos principais poetas franceses da Idade Média, famoso pelo verso "Où sont les neiges d'antan?"
("Onde estão as neves de antanho?"), que faz parte do poema Ballade des dames du temps jadis ("Balada das mulheres dos
tempos passados").
31
Outra atmosfera em que o ubi sunt? representa uma forma de expressão meditativa do
eu poético – notada nas estrofes em itálico5 – diante de uma circunstância natural da
existência transitória e finita das coisas e dos homens pode ser experimentada na leitura da
“Fala à comarca do Rio das Mortes”. Nesse poema, as evocações descritivas e imagéticas
denotam, com crescente subjetividade, a desolação e as mágoas de Bárbara Eliodora diante do
fim das glórias e dos encantos da comarca do Rio das Mortes (atual São João Del Rei):
“Onde, o gado que pascia/ e onde, os campos, e onde, as searas?/Onde, as crespas águas
finas,/cheias de antigas palavras?” (RI, p. 247); “Onde, as festas?, Onde, os vinhos?/Onde, as
temerárias falas?” (RI, p. 248). E assim, os versos inundados de dúvidas vão assumindo o
campo de significação da insegurança do homem, frente à falta de explicações para o
5
Quanto às marcas gráficas e as variedades de tipos de impressão existentes no Romanceiro da Inconfidência, a própria
poeta esclarece na conferência que proferiu no 1º Festival de Ouro Preto, em 1955, que elas servem para distinguir as
reflexões e comentários a que o artista se permite, com o objetivo de “conferir ao livro uma simultaneidade e o favorecimento
do tema” (MEIRELES, 1989, p. 23). Assim, as intervenções do eu lírico e as de outros comentadores aparecem assinaladas
pelo uso do itálico, pelo recuo ou pelo uso de parênteses.
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devastador poder do tempo sobre tudo e sobre todos, pois assim como no “Romance XXXV”,
o ubi sunt? também finaliza esse poema. No entanto, a ausência de respostas encerra uma
reflexão sobre a inevitável privação de todas as coisas nesse emaranhado de silêncios,
mistérios e buscas. Todos os homens, assim como a cidade, independente do passado,
presente ou futuro, estão à mercê do tempo e, com isso, passíveis de todas as consequências
dessa transitoriedade, que são o abandono, a solidão, o fim.
Em síntese, percebe-se, no contexto desses poemas, que a voz lírica, cada vez mais
individualizante na retomada do ubi sunt? mostra que as tentativas de compreender um
passado doloroso são feitas a partir da busca do essencial expressivo contido no registro
histórico, fixador de determinadas verdades, e complementadas numa invenção poética que
“anima essas verdades de uma força emocional” (MEIRELES, 1989, p. 21). Essa
relativização entre as visões retrospectivas das coisas e dos acontecimentos (historiografia) e a
poesia num romanceiro sobre os que não estão mais aqui faz com que ele seja, no conjunto,
um ubi sunt? ampliado, distanciando-se cada vez mais do padrão homérico quanto à questão
dos modos de apresentação de um passado histórico e longínquo. A poeta religa o passado ao
presente quando busca respostas, quando quer entender as circunstâncias do fato; ela
interioriza a Inconfidência Mineira e tenta decifrar a dor da ausência por meio dessa
“melancólica pergunta retórica de significação metafísica” (CARPEAUX, 1999, p. 482),
enquanto Homero faz registros objetivos e imparciais sobre determinadas cenas da guerra de
Troia.
A coragem, virtude desencadeante das ações das personagens nos excertos acima,
mostra que a poesia épica apresenta o ato humano condicionado e realizado pelo concurso das
circunstâncias e, em geral, esse ato é motivado não pela vontade moral e livre, mas pelo
destino individual e coletivo. É notório o encadeamento regular dos versos hexâmetros e a
independência relativa dos pormenores desenvolvidos na narrativa por causa dos inúmeros
“versos, cenas, fatos, acontecimentos que, considerando-se a utilidade para o todo, são
desnecessários” (STAIGER, 1969, p. 101). A narrativa épica não escolhe o caminho mais
rápido para sua exposição, mas interessa-lhe sobremaneira oferecer ao leitor a oportunidade
de admirar com curiosidade e detalhamento o que o narrador rememora.
A Inconfidência Mineira, no percurso histórico brasileiro, deixou marcas que até hoje
continuam indeléveis na consciência e no entendimento do povo porque, apesar de não ter
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sido deflagrada, suas causas e suas consequências tiveram repercussões trágicas e importantes
para a nação como um todo. O tempo era o século XVIII e o palco desses inesquecíveis
acontecimentos foi a opulenta capitania de Minas Gerais, o centro econômico do Brasil
colonial. A ideologia liberal-burguesa, as ideias novas do Século das Luzes e as notícias de
democracias modernas nos Estados Unidos da América e na França corriam o mundo e eram
trazidas até aqui pelos filhos de famílias ricas que iam estudar na Europa. A confluência
desses aspectos com a situação completamente adversa existente no Brasil ocasionou os
primeiros sinais do movimento. O esgotamento das minas de ouro e as medidas fiscais cada
vez mais abusivas por parte da Coroa Portuguesa autenticaram o conflito entre governantes e
governados nos sertões mineiros, pois a metrópole insistia na extração aurífera e atribuía a
diminuição da produção ao extravio e à fraude dos mineradores. Quando a defasagem da
produção do ouro (que Portugal estipulou em 500 arrobas anuais) chegou às inacreditáveis
384 arrobas, foi instituída a derrama, que consistia na cobrança despótica e espoliadora dessa
diferença pela coroa. O imposto deveria ser pago por meio do confisco dos bens de toda a
população (e não só dos mineradores), de acordo com as posses de cada um. Instalou-se um
clima de terror e desmandos por parte do governador Luis da Cunha Menezes, e a ocasião
gerou motivos de alarme e de revolta no povo. Surgiram manifestações de descontentamento
com a administração portuguesa e, entre os descontentes, destacou-se o alferes de cavalaria
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, que possuía conhecimentos práticos em medicina
e sobre a natureza dos solos, a mineralogia e a hidráulica. Seus argumentos consistiam em
confrontar a pobreza e o sofrimento do povo com a fertilidade e a riqueza da terra. Dizia que a
sua intenção não era se levantar contra a Coroa, mas devolver a terra aos seus verdadeiros
donos (HOLANDA, 1985)6. Tiradentes assumiu a tarefa de disseminar os ideais do
movimento ao povo indignado pela situação de exploração e despotismo do governo
português. Aliou-se ao tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, ao Padre Carlos
Correa de Toledo e Melo, aos poetas árcades Tomás Antonio Gonzaga, Claudio Manuel da
Costa e Alvarenga Peixoto, ao Padre Rolin e ao Cônego Luis Vieira da Silva, entre outros.
Programaram o levante para a época da derrama, escolheram a bandeira e suas armas,
enquanto o alferes continuava a missão de propagar as ideias e aliciar adeptos para a difícil
tarefa. A notícia da revolta chegou aos ouvidos do Coronel Silvério dos Reis, que, em troca de
perdão de grandes somas ao erário da Fazenda Real, denunciou os planos dos inconfidentes ao
Visconde de Barbacena, que por sua vez cancelou a derrama e comunicou o fato ao Vice-rei
6
Esta síntese sobre a História da Inconfidência Mineira foi feita, basicamente, a partir dos registros historiográficos do autor
Sergio Buarque de Holanda.
36
no Rio de Janeiro. Tiradentes passou a ser seguido e foi preso em 10 de maio de 1788. Foram
denunciados não apenas os envolvidos na conjuração, mas todos os que tinham maior ou
menor ligação e conhecimento do projeto. Iniciou-se a devassa e depois de três anos foi
lavrada a sentença: prisão e degredo para os implicados e, para Tiradentes, que assumiu toda a
responsabilidade do movimento, a Rainha Maria I decreta um castigo exemplar: morte natural
por enforcamento.
É importante acrescentar a essa síntese que, o modo arbitrário e secreto como foi
conduzido o processo da Inconfidência Mineira, de acordo somente com a visão de juízes com
prerrogativas absolutas da Coroa, inviabilizou a publicidade e o registro do acontecimento.
Oficialmente, constam apenas os julgamentos e a sentença dos réus assinada pela Rainha D.
Maria I (RIBEYROLLES7 apud PARAENSE, 2001). O assunto só era referido oficialmente
como memória da execração dos que ousaram trair os valores monárquicos. A visão, sob a
perspectiva do poder, de que os inconfidentes cometeram o crime de lesa-majestade e,
portanto, mereciam a abominação e o esquecimento, continuou a ser difundida no Primeiro e
no Segundo Reinados (1822 a 1889). O fato de os imperadores Dom Pedro I e D. Pedro II
serem descendentes da rainha foi decisivo para que essa situação perdurasse até o século XIX.
Com a proximidade da República, os conflitos entre os monarquistas e os republicanos
acabaram por valorizar a Inconfidência Mineira como um dos principais movimentos a favor
da independência no Brasil. Os republicanos recuperaram o legado dos inconfidentes na
formação do novo sistema de governo no Brasil e Tiradentes, visto até então pelo olhar do
poder como um exemplo de insubordinação, passou a ser usado pelos idealistas como símbolo
da luta pela implantação da república. A sua crença nos ideais nobres da Inconfidência
Mineira e o seu martírio em busca desse sonho transformaram-no em um mito, fortalecido
pelas versões românticas e nacionalistas de poetas, historiadores e políticos dessa época até o
século XX.
7
Charles Ribeyrolles era republicano e enaltecia a figura de Tiradentes. Autor de Brasil pitoresco (1859) – o primeiro relato
monográfico acerca da Inconfidência Mineira escrito por um brasileiro.
37
apresentou-se como um dos que, no presente, davam continuidade às ações heroicas dos
inconfidentes a favor da pátria.
As atitudes de resgate e resguardo das ideias libertárias e dos atos dos inconfidentes,
por parte de Getúlio Vargas, contradizem o panorama populista e autoritário que se
descortinou em seu governo (1930-1945). Este comentário não foge do círculo de abordagens
desta dissertação ao se comparar a relação traumática entre a ditadura varguista e Cecília
Meireles, naquela época jornalista defensora convicta das liberdades individuais.
8
Três dos dezenove corpos trazidos da África só puderam ser sepultados no dia 21 de abril de 2011, devido a problemas na
identificação do DNA. A cerimônia fez parte das comemorações do “Dia de Tiradentes” em Ouro Preto e contou, inclusive,
com a presença da Presidente da República, Sra. Dilma Rousseff.
9
Grande movimento educacional, de caráter transformador, cujo programa teórico compreendia novos estudos vinculados à
psicologia do comportamento humano (LAMEGO, 1996, p.31).
38
Valéria Lamego, em seu livro A farpa na lira: Cecília Meireles na Revolução de 30,
se encarrega de desvendar esta outra face da poeta, que num período entre as guerras
mundiais e, no Brasil, de revolução, mostrou sua determinação política no jornalismo, nas
lutas educacionais, nas disputas acadêmicas, mas “jamais na poesia” (LAMEGO, 1996).
O modo como a poeta lida com esse passado de esquecimento permite uma possível
ligação do Romanceiro da Inconfidência com o discurso histórico proposto por Benjamin.
Todavia, pode-se recorrer às palavras da própria Cecília Meireles para uma tentativa de
separação entre história e ficção, pelo menos neste caso. A autora fez questão de frisar, desde
a gênese dessa obra até a sua publicação, que se tratava, não de “fixar determinadas verdades
que servem à explicação dos fatos” (MEIRELES, 1989, p. 21), mas “animar as verdades
(dessa tragédia) de uma força emocional que não apenas comunica fatos, mas obriga o leitor a
participar intensamente deles” (MEIRELES, 1989, p. 21) e “apontar nessa interminável
confidência o que lhe dá eternidade, o que não é somente uma palavra ocasional, local,
41
circunstancial –, mas uma palavra de violenta seiva” (MEIRELES, 1989, p. 25). A partir do
momento em que a autora, por meio de um eu poético, num clima anímico, faz
questionamentos, investiga possibilidades e tenta compreender a Inconfidência Mineira pelo
viés íntimo e pessoal, perscrutando o sentimento e as cicatrizes das pessoas nela envolvidas,
ela toma justamente a direção oposta do discurso historiográfico tradicional, centrado em
catalogar e documentar os acontecimentos como fatos isolados. Sua linguagem não está a
serviço da comunicação informativa e pragmática, por isso ela muda o sentido da
Inconfidência Mineira quando a incorpora ao seu universo, à sua experiência, como algo que
lhe pertence ou que lhe diz respeito. Sua proximidade em relação à matéria é tão flagrante que
se converte em elemento naturalmente funcional da narrativa, pois exerce uma função
significativa e ao mesmo tempo legitimadora.
constitui uma barreira à imaginação. Nas palavras de Cecília Meireles, “a poesia é grito, mas
transfigurado”. Esse grito, esse sentimento, essa poesia é, na verdade, a experiência do
homem “re-vivida” no plano da expressividade, não só pela focalização das relações entre
presente e passado, entre a vivência e a lembrança, mas, também, pelos processos simbólicos
e sentimentais que animam a força literária de uma obra e mantêm o equilíbrio entre o que é
real e o que ele significa. Peter Burke (1992) acredita que a literatura pode oferecer técnicas
que auxiliem a historiografia numa forma que concilie a esfera das estruturas com a dos
acontecimentos. Entre essas técnicas está o método de narração regressivo.
Pode-se ainda, dando vazão ao mesmo sentimento de inquietude, refletir sobre esse
passado na leitura do poema “Vila Rica”, de Olavo Bilac (1996):
Percorrendo o sistema literário brasileiro, pode-se constatar que por aqui várias
produções poéticas de modelo épico foram empreendidas ao longo do tempo, na tentativa de
cantar feitos heroicos e episódios históricos.
44
Para Sergio Buarque de Holanda (1991), o gênero épico ofereceu desde cedo um
campo propício à descrição e à exaltação da natureza brasileira por perseguir um ideal
coletivo e por não empenhar as preferências pessoais dos autores, que na maioria dos casos
eram influenciados pelos padrões clássicos. Muitos deles sentem a necessidade de compor
uma epopeia em grande estilo, capaz de representar, para os brasileiros, aquilo que a de
Camões representa para todos os portugueses. Assim, “o sentimento e, não menos, o
45
ressentimento americanos, sem se desatarem ainda dos laços ultramarinos, dão os primeiros
passos para se cristalizarem numa espécie de mitologia nacional” (HOLANDA, 1991, p. 81).
O Uraguai (1769), com uma temática histórica, a guerra dos portugueses e espanhóis
contra as missões jesuíticas do Rio Grande do Sul, chama a atenção por não mitificar o
passado e por não lidar com heróis extraordinários. Para José Veríssimo, a falta do recuo do
tempo do poeta em relação aos acontecimentos10, aliada à contemporaneidade das
personagens, torna o poema “uma simples narrativa histórica de fatos recentíssimos, despido
das roupagens e feições propriamente épicas.” (VERÍSSIMO, 2008, p. 70). Em vez da
idealização do passado, o que forma o objetivo central da obra é a exaltação do presente
imediato, que sustenta sinais de uma liberdade espiritual e sentimentos liberais e humanos em
Basílio da Gama. A sensibilidade do poeta em certas partes supera a objetividade e chama a
atenção para esses sinais, que são vistos por muitos críticos literários como a prenunciação do
idealismo romântico na literatura brasileira, como pontuou Antonio Candido (2007, p. 135):
“Todo o Uraguai desprende um sentimento sereno das coisas naturais, humanizando a
paisagem, valorizando o trabalho, desprezando o dinheiro, [...] e a própria guerra”.
Em análise sobre essa obra, Holanda (1991, p. 136) assinala que “o tema da guerra
missioneira, aparentemente pobre, valia, antes de tudo, pelo seu significado simbólico.
Simbólico da marcha triunfal da ciência da Era das Luzes e ao mesmo tempo da derrocada da
superstição orgulhosa e da sinistra ignorância”. Entretanto, Alfredo Bosi problematiza a
vigência da categoria ilustrada por excelência – a razão – no Uraguai. Ele cita a ambivalência
estrutural do diálogo entre Cacambo e Gomes Freire e identifica a coabitação do poético com
o esquema ideológico numa interrogação:
10
O autor compôs a obra poucos anos depois dos acontecimentos da Guerra dos Sete Povos das Missões (1752-1756).
46
Esse ponto de vista pode ter ligação com a configuração heroica em o Uraguai. Não
há no poema a celebração de um herói, pois o poeta não se preocupa tanto em cantar os
mortos, e sim em enaltecer os feitos e os homens de seu tempo. O protagonista, Gomes Freire
de Andrade, não tem perfil trágico. Para Regina Zilberman, ele não é um herói conforme a
norma da epopeia clássica. Ela o distingue como
A amplitude e o contorno dados por Basílio da Gama aos perfis de Cacambo e Cepé,
ao episódio da morte de Lindoia e à tentativa de extermínio desses nativos por parte dos
portugueses, por exemplo, fogem do modelo camoniano tanto na esfera estética – cantos sem
divisão de estrofes e versos decassílabos brancos, não rimados –, quanto na capacidade de
“dulcificar até mesmo as passagens de inspiração mais decididamente heroica” (RONCARI,
1995, p. 219). Em versos elaborados com vivacidade, harmonia e cadência ternamente
melodiosa, os elementos épicos perdem a função de edificar os homens, tornam-se adornos de
uma poesia que apreende o mundo sensível na interpretação do conflito entre o sentimento e a
razão, entre o civilizado e o índio.
47
Assim, o fato de não seguir com rigidez as regras formais do poema heroico, como é
comum em obras dessa época, somado à falta do recuo do tempo e à configuração atípica do
herói, fortalece a descaracterização dessa obra como épica, mas, contudo, não impede o
reconhecimento da modificação sofrida na literatura brasileira com a apresentação do índio
como fonte inspiradora de poesia e não o bárbaro antropófago dos séculos XVI, XVII e
XVIII.
Outra tentativa épica flagrante do século XVIII é o Caramuru (1781), de Santa Rita
Durão, poeta que é considerado por Antonio Candido como um “caso interessante de tradição
inserida em ideias modernas e de ideias modernas vincadas pela tradição” (2007, p. 188).
Poema extremamente fiel aos módulos clássicos, o Caramuru compõe-se de 834 estrofes
divididas em dez cantos, apresenta as cinco partes tradicionais da epopeia (proposição,
invocação, dedicatória, narração e epílogo) e um enredo histórico. O herói é o aventureiro
português Diogo Álvares Coelho. Ele passa a ser venerado pelos índios e chamado de
Caramuru (filho do trovão) depois de disparar uma arma de fogo contra eles, que não
conheciam a pólvora, e com isso alcança simultaneamente as dimensões histórica e mítica.
Por ser uma elaboração e uma atribuição cultural indígena, é legitima a qualificação heroica
de Diogo, ainda que ele tenha assumido o papel de mediador nas relações do colonizador com
os nativos. O mesmo não se pode dizer, no entanto, com relação à questão da brasilidade. O
crítico e professor Anazildo Vasconcelos da Silva argumenta que esse herói integra o
colonizador como ser histórico e o colonizado como ser mítico, mas que “a visão incorporada
ao fio narrativo do poema impõe a ótica cultural do colonizador e a consequente alienação da
brasilidade, pondo em risco a natureza épica do herói e do relato.” (DA SILVA, 2007, p. 88).
Além disso, a “proposição de um herói „virtuoso‟, a busca do equilíbrio entre a razão e a
emoção, o realismo descritivo, e de um modo geral, o tratamento das preocupações
filosóficas, científicas, políticas e morais, próprias do período” (DA SILVA, 2007, p. 89), são
outros fatores que desvinculam o Caramuru da tendência clássica e fazem dele uma expressão
artística do final do século XVIII.
Isso significa dizer que o principal motivo que coloca I-Juca Pirama no rol das obras
que não vingaram a primazia épica é a presença de um sentimentalismo romântico perpassado
pela subjetividade espontânea do poeta, configurando, assim, uma composição epilírica.
Entretanto, o levantamento serve para demonstrar o interesse e a procura dos autores pela
forma e pela matéria épica no cenário literário nacional e, principalmente, tentar entender os
motivos que impediram – e impedem até hoje – que essas composições se realizem
fundamentalmente dentro do gênero épico. Neste caso, pode-se afirmar que a transformação
dos gêneros, ou a morte do épico como preferem muitos teóricos, não é a principal
responsável por essa situação. Algumas obras não chegam a apresentar a centralização do
assunto sobre as glórias e as grandezas de um passado longínquo, outras não trazem ações que
foram realizadas em prol da nacionalidade brasileira e muitas delas expressam um sentimento
de nacionalidade não formado plenamente ainda. Além disso, a categorização heroica das
personagens não se sustenta em muitas obras pelo fato de que os heróis não são brasileiros ou
não sofrem a recriação do mito popular porque começam a existir na consciência nacional
depois da criação poética e não antes, como é comum nas epopeias. Um dado, porém, chama
mais a atenção nesta discussão sobre as possibilidades de formulações épicas na literatura
brasileira: as histórias tomadas como temas nessas produções são, na maioria das vezes,
construídas com violência, sofrimento e sangue, o que, por conseguinte, gera outro elemento
difícil de ser absorvido pelo épico, o ponto de vista do narrador marcado pela subjetividade e
pelo pensamento. Em resumo, pode-se dizer que o passado histórico brasileiro conta a história
de uma terra que foi colonizada, subjugada, à custa de desmandos, injustiças e humilhações
por parte dos colonizadores. Esse fator pode explicar uma tradição de tentativas épicas
fracassadas na literatura brasileira e, ao mesmo tempo, esclarece uma legítima filiação do
Romanceiro da Inconfidência no cenário literário nacional em relação às obras híbridas, ou
epilíricas.
Ao tecer sua obra com partes simultaneamente independentes, Cecília Meireles optou
por dividi-la em cinco eixos.
51
que o alferes11 adquire uma aura positiva, a começar pelo adjetivo “animoso”. O seu
envolvimento natural com a comunidade nos afazeres de tirar dentes, curar feridas, manipular
ervas ou de transportar cargas – a sua profissão – reforçam o traço da condição humilde da
sua classe social:
- ele, o curandeiro
de chagas e febres,
o hábil Tiradentes.
[...]
que por toda parte
o povo o conhece.
Adeuses e adeuses,
sinceros e alegres;
[...]
a mover os rios,
a botar moinhos
e barcos a frete,
[...]
(Por todos trabalha,
a todos promete
sossego e ventura
o animoso Alferes.)
(RI, p. 114-115)
Esse perfil generalizado vai sendo entremeado de pensamentos para desvelar outras
características atribuídas ao alferes, como, por exemplo, o de sonhador. Um homem
totalmente entregue às suas convicções, mesmo que fossem consideradas ilusórias; um
homem que não se adapta ao seu mundo:
é o talpídeo, o louco.
(RI, p. 116)
11
Palavra de origem árabe: al-fars, significa cavaleiro.
53
Cecília Meireles não hesita em revelar todas as mazelas, todas as dificuldades, todas
as humilhações desse herói; nem ao menos sua derrota diante das resistências do mundo. A
penúltima estrofe revela o inevitável, que não deixa de ser misterioso:
Falas sem sentido
acaso repete,
- pois sente, pois sabe
que já se acha entregue.
Perguntas, masmorras,
sentença... Recebe
tudo além do mundo...
(RI, p. 119)
54
Nota-se que o tom vago empregado no último verso destoa da constatação contida
nas palavras enfáticas precedentes; elas encerram o processo oficial, obscuro e injusto,
relativo às prisões e ao julgamento dos inconfidentes. O que existe além do mundo? A farsa, a
traição, a pusilanimidade? O que pode significar o tudo nesse infinito? A pergunta não fica
sem resposta. Numa volta ao início do poema, o eu lírico recupera a imagem de Tiradentes e
redime-o de uma postura alienada, idealista, ignorante e/ou ridícula. O adjetivo afetivo
“animoso”, reproduzido insistentemente pelo eu lírico, ganha uma feição triste e melancólica
e transforma a situação trágica em uma dissonância irônica e ao mesmo tempo mítica;
legitimando-o como operador da transgressão aos valores impostos pelos poderosos:
E em sonho agradece,
o audaz, o valente,
o animoso Alferes.
(RI, p. 119)
Um dos estudos destacados sobre esse assunto é do crítico inglês Ian Watt. Em Mitos
do individualismo moderno (1997), ele analisa a reconstituição do processo de mitificação das
personagens Fausto, Dom Quixote, Dom Juan e Robinson Crusoe para esclarecer o fenômeno
do individualismo moderno. Próprio da cultura ocidental, tal fenômeno surgiu com a
institucionalização da fé cristã, da razão iluminista, do pensamento burguês e é confirmado
pela expansão do capitalismo. Essas condições favoreceram o interesse dos autores pela vida
cotidiana das pessoas comuns e a valorização do indivíduo como algo digno da literatura
séria. Por se tratar de um termo recente, surgido em meados do século XIX, Watt faz uma
observação quanto ao conceito da palavra “individualismo”. Diferente do sentido de
individualistas como egocêntricos, singulares ou independentes com relação às opiniões e aos
hábitos vigentes, que, aliás, sempre houve em todas as sociedades, neste caso, o conceito
envolve algo mais que isso:
55
Por meio de uma viagem pela história da formação do indivíduo, o crítico literário
mostra que há, na modernidade, uma desvinculação da vida corporativa e comunitária própria
da Idade Média e, por conseguinte, uma busca de respostas sobre o papel e o lugar do homem
no mundo. Para Watt, essa “reorientação individualista e inovadora” se reflete nas
características formais do romance, que diante da nova identidade autônoma do indivíduo,
passa a desenvolver personagens não mais tipificadas, como na tradição grega. O mito12, cuja
renovação através dos tempos se confirma no Romantismo, encarna positivamente os valores
do individualismo e passa a representar as concepções sociais, éticas e psicológicas das
civilizações e por “dar respostas às questões mais ou menos factuais ou racionais” (WATT,
1997, p. 228). Assim, as inúmeras maneiras de individualismo (econômico, moral, religioso e
ideológico) são reveladoras dos problemas que atormentam a sociedade moderna: solidão,
angústia, indecisão. Ian Watt admite que os heróis definidos por ele como mitos de
individualismo podem ser pensados como representação das “origens e transformações” não
apenas de uma atitude individual, mas de uma nova sociedade, pois “não são vencedores, são
fracassos emblemáticos que alimentam os ideais indefinidos do homem moderno” (WATT,
1997, p. 233), nunca pensam em glória ou honra e não se destacam por padrões de virtude,
religião, mérito e bondade. “Esses padrões representam o plano moral em que se situam as
obras e segundo o qual esses heróis devem ser julgados: a escala ética foi tão interiorizada e
democratizada que, ao contrário do que ocorre na epopeia, é relevante para a vida e a atuação
de pessoas comuns” (WATT, 1990, p. 71).
Essa avaliação de Ian Watt demonstra a relação geral entre a visão clássica do herói e
a tendência moderna que levou o indivíduo a encarar os problemas do cotidiano como uma
questão de profunda e constante preocupação espiritual, estimulando as criações literárias a
descreverem tais problemas com mais fidelidade, como acontece no Romanceiro da
Inconfidência, cujo herói é representado pelo valente, mas humanamente frágil, alferes
Tiradentes. Sua configuração esclarece os ideais da sociedade em que vive e, ao mesmo
tempo, fixa o perfil de desajustes e de indefinições de si mesmo em relação aos seus
objetivos. Tomando por base a definição de Crusoe por Ian Watt, pode-se dizer que
12
Tomado por Ian Watt como “uma história tradicional largamente conhecida no âmbito da cultura, que é creditada como
uma crença histórica ou quase histórica, e que encarna ou simboliza alguns valores básicos de uma sociedade” (WATT, 1997,
p. 16)
56
Tiradentes nada tem de incomum na personalidade ou na maneira como encara suas estranhas
experiências; ele é “a pessoa, a qual cada leitor pode substituir por si mesmo [...] tudo que faz,
pensa, sofre ou deseja é o que cada homem pode imaginar-se fazendo, pensando, sentindo ou
desejando” (WATT, 1990, p. 71).
À vista dos aspectos clássicos, essa concepção heroica de Tiradentes fica ainda mais
evidente. Toda a perspectiva que o envolve é voltada para “a maneira como a alma, com seus
juízos subjetivos, alegrias e admirações, dores e sensações, toma consciência de si mesma”
(HEGEL, 1997, p. 513), contrariando o estatuto épico de que um herói vive exclusivamente a
vida de cada dia, sem uma consciência individual para reger sua ação ou omissão (STAIGER,
1969, p.105). A designação da excelência humana somada ao traço semidivino na constituição
do herói é lugar comum na poesia épica, e a virtude (arete) é o ideal que incorpora, além do
cunho moral, o heroísmo guerreiro, pois o herói busca a dignidade da sua origem e da sua
missão. A sua jornada se caracteriza pela preservação de um rito: a preparação (armas), o
combate (façanhas), o desenlace (o êxtase perante a vitória) e a imortalidade, pois os heróis
contam com a intervenção divina em suas vidas e após a morte lhes é concedida a graça de
alcançar a imortalidade ao serem transportados pelos deuses ao Olimpo. Os versos da Ilíada
exemplificam essa configuração heroica. O canto VII traz a narrativa da escolha de Ajax para
o combate contra Heitor. Leiam-se as suas próprias palavras e, em seguida, as do narrador:
No canto XXII, Heitor não se intimida diante do perigo e manifesta o seu desejo de
lutar até a morte, na esperança de ser reconhecido e exaltado: “Que, pelo menos, eu não venha
a morrer sem luta e sem glória,/ mas, tendo feito algo grandioso, que eu seja conhecido pelos
pôsteres.” (Canto XXII, v. 304-305).
ele não representa um triunfador, mas um mártir, cuja trajetória dramática Cecília Meireles
usa para investigar a “enormidade daquela tragédia desenvolvida entre Minas e o Rio, forte,
violenta, inexorável como as mais perfeitas de outros tempos” (MEIRELES, 1989, p. 16).
pesadas carnificinas!” (RI, p. 135). A quintilha que fecha o poema carrega toda uma carga de
significação nas incisivas interrogações que barram o sonho de liberdade e revelam uma
realidade manifestada novamente enquanto memória do ubi sunt? – “Onde estão os teus
amigos?/ Quem te ampara? Quem te salva,/ mesmo em Minas? mesmo em Minas?)” (RI, p.
136), e transformada em mistério indevassável por falta de completo sentido da vida, pois
nunca mais Tiradentes estaria em Minas. Essa sensação caótica impõe-se paradoxalmente
pelo apego à vida e pela saudade das coisas que se imagina haver possuído. Na verdade, essas
perguntas não esperam respostas (MEYER, 2009) e resguardam o grau de conscientização do
ser humano em relação ao ambiente que o circunda e às experiências e conflitos que abriga.
Essa nova versão do herói preconizada por Walter Benjamin pode ser facilmente
detectada na configuração poética dada a Tiradentes por Cecília Meireles. No Romanceiro da
59
Ainda que Tiradentes seja uma figura histórica, a sua recriação no Romanceiro da
Inconfidência se fez por meio da invenção poética e, mesmo à luz da sua existência real,
Cecília Meireles acrescentou a ele, de acordo com reflexões teóricas desenvolvidas por
Antonio Candido (1998), uma interpretação dos mistérios que o envolvem enquanto pessoa
viva, baseando-se em provas históricas e na memória, mas afastando-o além dos traços
superficiais e dos mecanismos das relações. Essas considerações, embora sejam relacionadas
às personagens do romance, servem para evidenciar o modo como a autora manipula a
realidade para construir a ficção, uma vez que ela não reproduziu biograficamente a
personagem e sim o tornou um “ente inventado”, retratando em seu romanceiro um herói
“tristemente humano” (RI, p. 141), uma prova simples e óbvia de uma figura do seu tempo.
Para Antonio Candido (1998, p.54), “a personagem vive o enredo e as ideias, e os torna vivos
porque representa a possibilidade de adesão afetiva e intelectual do leitor, pelos mecanismos
de identificação, projeção, transferência”. As personagens se tornam complexas e múltiplas
quando são tratadas pelo autor como “seres complicados, que não se esgotam nos traços
característicos, mas têm certos poços profundos, de onde se pode jorrar a cada instante o
desconhecido e o mistério” (CANDIDO, 1998, p. 60). Deste ponto de vista, pode-se dizer que
elas são caracterizadas não como personagens heroicas e sim como anti-heróis.
protagonista que se reveste de qualidades opostas ao modelo positivo pode ser observada
desde a Ilíada. A interpretação antagônica à atitude arrogante de Agamenon ao apoderar-se de
Briseida, à paixão desmedida de Medeia por Jasão, às injustiças do clero e da aristocracia na
Idade Média, aos fanfarrões e trapaceiros da sociedade barroca espanhola, aos “heróis”
cômicos e irônicos de Boileau, Voltaire e Diderot e às personagens realistas marcadas pela
frivolidade burguesa são exemplos que rompem com o retrato exemplar dos heróis épicos.
Essa acepção de anti-herói como sinônimo de antagonista não é a única possível. O conceito
de anti-heroísmo moderno compreende a ideia de uma personagem diferente do vilão, que
mesmo desprovida de força física, espírito de liderança, beleza, semidivindade e virtudes
morais, se inscreve num caráter dialético da condição humana, desmistificando a imagem do
herói clássico. A progressiva humanização das personagens, ao invés de retratá-las como más,
favorece uma ambiguidade de pontos de vista em que, na maioria das vezes, elas passam a ser
apreciadas pelo carisma, pelos objetivos compreensíveis e/ou pelo comportamento justo e,
principalmente, por assumirem aspectos subjetivos da vida e dos acontecimentos.
p. 209) faz uma alusão à confiança e à certeza que Tiradentes tinha nos projetos de liberdade e
de justiça para a colônia, quando enfim fosse ela libertada do jugo do império português. Não
raro os seus “Viva a República” eram ouvidos pelas ruas e tavernas; frutos do seu entusiasmo
pelo liberalismo americano: “Faremos a mesma coisa/que fez a América Inglesa!” (RI, p.
127). Na terceira estrofe um alferes destemido, loquaz, que não temia expor os seus
pensamentos, que propagandeava abertamente os objetivos da sonhada revolução, é revelado.
Apesar das ideias vagas, oriundas apenas da leitura da lei americana e das conversas com
jovens vindos da Europa sobre o Iluminismo, suas palavras eram objetivas e firmes, ecoavam
aos tropeiros, soldados, civis ricos e pobres, convidando-os a se armarem para o levante:
“Levai bem pólvora e chumbo” (RI, p. 209). Tido como falastrão e indiscreto, deixou que o
seu ardor revolucionário o cegasse para os perigos da realidade. As perguntas “Quem me
segue? Que me querem?” (RI, p. 209) da quarta estrofe demonstram o lado derrotado do
herói, perdido entre “uma estrela no sonho” e “uma tristeza sem nada” e demonstram
principalmente a busca pelo entendimento da realidade e da renúncia ao sonho. Na sexta
estrofe, a falta desse entendimento gera a insegurança, o cansaço e a entrega:
desse heroísmo que toma como pano de fundo as mazelas da sociedade e situa seu herói bem
no âmago das ambições, vaidades e pusilanimidades do ser humano. Pode-se então ousar a
confirmação: o herói da Inconfidência Mineira é um pobre mortal, fraco diante dos poderosos,
ambicioso nos sonhos e nos planos, solitário, renegado e ridicularizado pelos seus iguais e,
sobretudo, uma vítima que nunca ganhará a própria batalha, mas que integra o componente
coletivo da nacionalidade brasileira.
Assim como Tiradentes, Tomás Antonio Gonzaga participa de outro eixo definido
por Cecília Meireles na estrutura do Romanceiro da Inconfidência, em que são narrados os
preparativos para a revolução. Representante da elite cultural mineira, poeta e funcionário do
governo, ele e seus colegas intelectuais, norteados pelos ideais iluministas, somam-se aos
revoltados com os desmandos e abusos da Coroa Portuguesa no cenário aurífero mineiro, e
pelas ações, reações, pensamentos e ideias desses poetas, a Inconfidência Mineira vai
tomando forma nas modulações poéticas da autora. Todos os envolvidos no movimento da
conjuração “foram culpados do grande crime de desejarem a libertação do Brasil!”
(ROMERO, 2002, p. 278) e sofreram sanções físicas, financeiras ou psicológicas. No entanto,
esse poeta, diferente de todos os outros, foi o único a ter a oportunidade de um recomeço.
63
Mesmo sendo degredado para a África13, lá trabalhou como advogado e casou-se com a rica
Juliana de Sousa Mascarenhas. Vê-se de pronto que Cecília Meireles não poupou esforços
para ressaltar no Romanceiro da Inconfidência os poetas árcades e, em especial, a figura de
Tomás Antonio Gonzaga. Essas personagens estão compreendidas em dois ciclos da obra – o
de Tiradentes e dos preparativos revolucionários e o ciclo das ruínas das minas de ouro –, o
que significa a sua participação em muitos romances. Entre eles o “Cenário III” atua como um
referencial sobre a vida de Tomás Antonio Gonzaga, porque metaforiza em um jardim toda a
trajetória do poeta depois do seu degredo, e o uso do itálico, recurso utilizado por Cecília
Meireles para marcar as intervenções do eu lírico, confirma uma situação de reflexividade
sobre o tema, ou seja, o eu lírico reflete sobre o espaço, identificando-o aos fatos:
13
Mais precisamente, na Ilha de Moçambique, colônia do império português na África, desde o início do século XVI até o
ano de 1975. Portugal concretizou essa ocupação também por meio da exploração das jazidas de ouro e prata. Quando da
falência dessas riquezas impôs a busca pelo marfim e posteriormente explorou o comércio de escravos. Devido à falta de
pessoas instruídas nessa colônia, Tomás Antonio Gonzaga fora prontamente admitido na vida local, assumindo funções de
responsabilidade, como servidor da Justiça. (GONÇALVES, 1999)
64
amor”, às “vagas mulheres sem notícias”, “ao bordado sem destino” e ao “fátuo vestido” são
reforçadas pela identificação do “cacho de rosas” à tristeza dos amantes. A humanização das
rosas, murchas e pálidas, que sucumbem silenciosamente num chão sem ouro e sem
diamantes, além de evidenciar as marcas de um passado dramático e injusto, mostra também o
seu legado: a impossibilidade de um grande amor. O paralelismo traçado entre os elementos
concretos e os elementos abstratos, nessas estrofes e em todo o poema, revela a relação direta
existente entre a dimensão do sofrimento, da solidão e da amargura do ser frente à ruína dos
sonhos e do amor, confirmando a sua falibilidade e a sua debilidade:
Essas análises convergem para a conclusão de que a assimetria entre os heróis gregos
e os heróis inconfidentes está, principalmente, nas apresentações que os poetas fazem deles.
67
14
Por volta de 1940, Cecília Meireles foi a Ouro Preto pela primeira vez. Como jornalista, tinha a incumbência de cobrir as
comemorações da Semana Santa. Na ocasião, pressentiu a presença dos fantasmas inconfidentes misturados à plateia e aos
atores das celebrações. Diante da imprescindibilidade desse encontro, a poeta rende-se ao “apelo daquelas vozes que
gritavam,clamavam o registro de grandiosos acontecimentos que já vinham preparados de tempos mais antigos, e foram o
desfecho de um passado minuciosamente construído” (Meireles, l989, p. 23). Dedicou aproximadamente dez anos às
pesquisas sobre a conjuração e suas personagens. Cecília voltou várias vezes a Ouro Preto para ouvir histórias e para
consultar os parcos arquivos e documentos existentes sobre o fato, entre eles as sentenças e os Autos da Devassa. Em muitos
poemas do Romanceiro da Inconfidência é possível identificar versos transcritos ou adaptados desses Autos. O trabalho
envolvia ainda a leitura da historiografia sobre o acontecimento e de livros de toda espécie relativos ao século XVIII,
inclusive sobre a história de Portugal, a Revolução Francesa, a Independência dos EUA, os árcades italianos, os árcades
mineiros, Voltaire, Diderot, Franklin e Jefferson. Bibliografia essa que a poeta também buscava entre os amigos, como
Henriqueta Lisboa. Em 1948, Cecília Meireles escreve à amiga agradecendo o envio de um livro sobre Tiradentes e, em
outras ocasiões, comenta como se sente envolvida pelas vozes e pelos fantasmas mineiros, a ponto de cancelar compromissos
e adiar outros trabalhos. A própria poeta confirma a sua quase completa solidão nos últimos quatro anos da composição do
livro, na conferência inclusa na 19ª ed. do poema, pela Nova Fronteira (1989). Isso mostra que o Romanceiro da
Inconfidência é o resultado de um envolvimento complexo, sentido e reflexivo de Cecília Meireles com a Inconfidência
Mineira, não só como uma poeta reconhecida pelo lirismo puro e pela erudição, mas também como jornalista e historiadora.
69
Nesse contexto, a voz do povo foi efetivamente ouvida. A Inconfidência Mineira foi
uma revolução idealizada por brancos ricos e proprietários (a rigor, só Tiradentes não tinha
posses) e que a repercussão do movimento sofreu total cerceamento por parte da coroa
portuguesa. O povo, pobre e em sua maioria escravos negros e índios, não consta nesta
história senão pelas estatísticas de fundo econômico. Portanto, é possível conceber a ligação
entre as características estilísticas do “romanceiro” e a atitude de Cecília Meireles de incluir
em seu poema as vozes memorais do povo de Minas Gerais (e até do Rio de Janeiro)
segregadas legal e moralmente.
Esse chamamento ceciliano traz outra vez à mente os fundamentos da Nova História.
Peter Burke destaca que o interesse pelas micronarrativas, em que as perspectivas multivocais
proporcionadas pelas experiências de pessoas comuns se tornaram elementos essenciais na
percepção do mundo. Essa “história vista de baixo”15 (SHARPE, 1992, p.13) seria como se a
historiografia recorresse à orientação de modelos simbólicos e afetivos, compartilhados e
comunicáveis, por meio de vozes das pessoas simples que fizeram parte dos acontecimentos,
não como protagonistas, mas como expectadores. Assim, conta-se a história, não pelo prisma
da elite ou do conceito oficial, mas através do modelo significativo e inteligível – o povo.
à sua “consciência viva e isônoma do outro”, e nunca a uma simples modelação de “um objeto
morto, um material mudo” (BAKHTIN, 2006, p. 339), evitando a formulação de juízos
absolutos, como acontece na poesia épica, em que o objeto poético é predeterminado e
subordinado ao plano do poeta (autor).
Essas ideias do teórico russo Mikhail Bakhtin (2006) provêm de uma abordagem sua
à natureza da linguagem, fora dos limites formalistas e estruturalistas. Para ele, a linguagem é
interação social, um diálogo entre sujeitos autônomos. A polifonia, denominação dessa noção
de multiplicidade de vozes na trama textual, foi empregada por Bakhtin ao analisar a obra de
Dostoievski, tida por ele como um novo gênero romanesco – o romance polifônico. Sua teoria
sobre a estruturação da prosa romanesca, sob a égide dialógica, mostra que cada personagem
deixa de ser um “objeto” dominado pela consciência do autor, torna-se sujeito da sua própria
consciência e tem liberdade para se revelar e se expressar segundo seu estilo, seu contexto
social e/ou cultural, mas deixa claro que a variedade de personagens necessariamente não
corresponde à multiplicidade de vozes e de consciências independentes em uma criação
artística. Nessa interação de vozes, os indivíduos interpenetram-se, entram como elementos
constitutivos uns dos outros e esse processo resulta numa produção de sentido múltipla, que
por sua vez desintegra a imagem épica do homem. O mundo em que a imagem do indivíduo é
reificada (objetificada) na vida e na palavra foi substituído pelo mundo dialógico, no qual o
homem participa com voz integral, com seus pensamentos, seu destino e toda a sua
individualidade (BAKHTIN, 2006, p. 348). Ao expor o seu ponto de vista particular, cada
personagem mostra uma nova cosmovisão (sem reproduzir o pensamento do autor) e ao
mesmo tempo revela-se como um mundo à parte, enquanto consciência autônoma. No
tratamento dialógico, “as visões de mundo personificadas em vozes, não como unidades
abstratas ou sucessão do sistema e pensamentos e teses” (BAKHTIN, 2006, p. 352)
alimentam o enredo com palavras, obras, ideias, juízos, expectativas, enfim, enunciados que
refletem as vivências de cada esfera da vida e da realidade. Bakhtin, quando menciona
Dostoievski, confirma essa perspectiva, ao assinalar que a polifonia importa não como medida
das características físicas, psicológicas ou sociais (biografia) das personagens, mas sim como
forma de incorporar o dinamismo humano no modo como elas se inserem no mundo, seus
pontos de vista, “sua consciência e autoconsciência (...) a última palavra sobre si mesma e seu
mundo” (BAKHTIN, 1981, p. 40).
especialmente no âmbito romanesco. Cabe aqui uma discussão sobre a articulação desses
conceitos num estudo sobre a poética lírica de Cecília Meireles.
nestes palácios, nestas casas, ao longo destas ruas, às margens destes rios, dentro destas
igrejas...”. Os relatos, monólogos e diálogos não têm necessariamente uma disposição e uma
interação nos planos temporais e espaciais para apresentarem uma cosmovisão unificada ou
algo neutro e idêntico a si mesmos. Ao contrário, realçam e expressam a consciência da
alteridade e a relação entre o eu e o outro. Vê-se que a autora faz a correspondência entre o
passado e o presente através de desvios negligenciados e considerados insignificantes pela
memória oficial e que essas vozes, aparentemente secundárias, revelam não só o passado que
testemunharam como também se tornam depositárias das verdades e das percepções
ideológicas desse passado. Em sua escavação, Cecília Meireles concede ao leitor a
possibilidade de algum entendimento ou aceitação daqueles acontecimentos por intermédio
das experiências rememoradas pelas próprias pessoas que as viveram. Esse refluir de
emoções, de lembranças e de pontos de vista extraídos do interior dos autênticos
conhecedores daquela história pode ser pensado à luz das palavras de Bakhtin (2006, p.341),
segundo as quais
Tais palavras confirmam que a interação das experiências interiores do ser humano
possibilita-lhe o conhecimento de si mesmo e do mundo à sua volta, pois em cada um dos
seres nada é feito fora das relações com a alteridade.
A opção pela forma do romanceiro por Cecília Meireles facilitou o intercâmbio entre
as vozes da Literatura, da História, da poeta e dos homens no Romanceiro da Inconfidência,
já que, originalmente, esse gênero comporta as versões de um fato (histórico ou particular),
aceitas na tradição oral e acomodadas à fantasia do trovador. Assim, num constante coro de
conversas indignadas, presságios, leilões, conversas anônimas, boatos, acusações e
indagações, em que dialogam tropeiros, bêbedos, mucamas, ciganos, meirinhos, delatores,
velhos e pilatas, pode-se captar a presença, a participação e a vida coletiva em Minas Gerais,
74
no século XVIII. Os poemas seguem uma diversidade temática e estética condizente com a
personagem abordada, com a voz ouvida. O “Romance XXXIII ou do cigano que viu chegar o
alferes”, por exemplo, em tom premonitório, traduz o olhar de um cigano, uma figura
segregada pela sociedade. Cecília Meireles lhe concede a oportunidade de justificar os seus
poderes divinatórios e revelar profeticamente o destino do “cavaleiro perdido”:
Vi o penitente
de corda ao pescoço.
A morte era o menos:
mais era o alvoroço.
Se morrer é triste,
por que tanta gente
vinha para a rua
com cara de contente?
[...]
Não era uma festa.
Não era um enterro.
Não era verdade
e não era erro.
75
16
Para melhor compreensão das condições de vida (sociais, econômicas e políticas) do povo em Minas Gerais no século
XVIII sugere-se a leitura das obras Os desclassificados do ouro (Laura de Melo e Souza), Editora Graal-Rio de Janeiro, e
Boca de chafariz (Rui Mourão), Editora Villa Rica-Belo Horizonte.
76
extensão, resguarda as impressões emitidas por pessoas que viveram o doloroso processo que
deveria incidir na libertação da colônia.
17
Vozes variadas e opostas (BURKE, 1992, p. 15)
79
das rupturas. A Inconfidência Mineira incomoda como passado, não tem glórias, sua essência
ainda está reclusa em silêncios. Portanto, se o passado é cheio de chagas, de cismas, a poesia
não pode mostrá-lo como a “época de ouro” que jamais poderá ser igualada. Pode sim retomá-
lo a partir de suas realidades cognitivas ou irrealizadas, as quais são revividas por ecos
perdidos ou por vozes de “fantasmas que começaram a repetir suas próprias palavras de
outrora” (MEIRELES, 1989, p. 20).
Quase dois séculos depois, sob a égide de um poema intemporal sobre o qual se
impõe o caráter transitório da trajetória humana, o Romanceiro da Inconfidência cede aos
antepassados o lugar de destaque em seus versos, para serem porta-vozes de mágoas, rancores
e culpas e, assim, transmitirem às novas gerações suas sensações, seus pontos de vista a
respeito de um acontecimento marcante para os brasileiros, “pois não somos tocados por um
sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que escutamos, ecos de vozes que
emudeceram?” (BENJAMIN, 1985, p. 223). Complementando esse pensamento de Walter
Benjamin, pode-se recorrer à afirmação de Bakhtin de que, através do diálogo e da
convivência de múltiplas consciências, a poesia lírica ultrapassa o plano que delimita o
homem no mundo exterior para alcançar outro nível axiológico do ser humano, fundado em
termos emocionais. Nesse caso, a poesia se torna “uma visão e uma audição do interior de
mim mesmo pelos olhos emocionais e na voz (grifo do autor) emocional do outro: eu me
escuto no outro, com os outros e para os outros” (BAKHTIN, 2006, p.156).
Ainda é importante frisar que certos procedimentos que aparecem nas obras épicas
como exceção, no Romanceiro da Inconfidência são tomados como regra. Entende-se isso
quando se relembra o Canto V, especialmente nas estrofes 49 a 59, de Os Lusíadas, em que
Camões dá voz ao gigante Adamastor e o mesmo demonstra todo o seu padecimento, num
discurso emocionado sobre o amor impossível dedicado a Tétis; ou como no episódio lírico-
amoroso do Canto III, em que Inês de Castro, amante de D. Pedro, é assassinada. Mesmo
destacando uma questão política, o narrador Vasco da Gama e a própria Inês expressam a
força do amor com alto grau de lirismo. Os versos conseguem estabelecer um contato emotivo
com o leitor, levando-o a partilhar o sofrimento das personagens. Essa rara situação lírica nas
obras épicas é recorrente e natural no romanceiro ceciliano. Ao conferir voz às personagens
da Inconfidência Mineira, a autora quebra a distância entre quem narra e o mundo narrado,
demonstrando ser essa uma das provas contumazes do “um-no-outro” lírico presentes no
Romanceiro da Inconfidência, em contraposição à impassibilidade épica.
80
ato de construção poética, em Cecília Meireles, vem a ser o produto de uma vivência
interior em profundidade, e que se volta para o exterior, inventariando a vida em
todas as suas manifestações, em exercício próprio de quem busca respostas sobre o
significado da existência.
Essa visão formula uma ideia mais geral do caráter subjetivo da poesia ceciliana e
pressupõe uma busca pelo entendimento e pela compreensão do sujeito enquanto ser-no-
mundo ou na vida. Condensando uma refinada sensibilidade e delicadeza, a poeta trabalha sua
consciência e sua percepção de mundo num processo de conversa interior com a realidade,
usando recursos como a reflexão, as imagens, a musicalidade, as lembranças, entre outros.
ela é um desses artistas que tiram seu ouro onde o encontram, escolhendo por si,
com rara independência. E seria este o maior traço da sua personalidade, o
ecletismo, se ainda não fosse maior o misterioso acerto, dom raro, com que ela se
conserva sempre dentro da mais íntima e verdadeira poesia. (ANDRADE, 2002,
p.165).
Os padrões hegelianos estabelecem que essa subjetividade deve ser manifestada tanto
na criação como no conteúdo da poesia lírica, o que quer dizer que o poeta absorve os temas
somente no fundo mais íntimo de sua alma e transforma-os em versos sobre a “vida, a beleza,
os direitos e os pensamentos imperecíveis da humanidade” (HEGEL, 1997, p. 522). A noção
exata desse conceito pode ser captada numa marca que identifica a poesia de Cecília Meireles:
o contorno intimista, embutido tanto de maneira metafórica quanto realista nas ondulações
psicológicas e estados interiores do eu poético. O questionamento do ser, o "estar no mundo",
a pesquisa do ser humano sempre no limite entre o sonho e a lucidez, o real e a idealidade se
cristalizam para indicar uma pessoalidade universal. Em outras palavras, a poeta empresta sua
própria pessoa às infinitas projeções da linguagem poética e expõe em primeiro plano seu
estado de espírito, suas vivências de vida e suas contradições mais íntimas, num esforço para
provar que o mistério da existência não pode ser abordado senão pela experiência, pelo
remoer das lembranças e dos sentimentos.
A introspecção acima referida pode ser justificada nos versos do poema “Medida da
Significação” e deixam muito claro o caráter existencial da poesia ceciliana. O eu lírico se
entrega, num diálogo com o espírito e o mundo, em incansável busca por si mesmo, através da
natureza e da inefável memória. O título do poema já aponta para uma situação contraditória,
pois pressupõe um limite na significação de alguma coisa. Essa tensão entre a acepção das
palavras “medida” (limite) e “significação” (sentido) se estabelece em todo o poema através
das inesperadas aproximações entre o concreto e o abstrato, o físico e o espiritual:
18
A citação de poemas de outros livros de Cecília Meireles será feita apenas com as siglas dos títulos de cada obra e o
número da página. Os poemas citados fazem parte da 2ª edição da Obra completa de Cecília Meireles, Companhia José
Aguilar Editora, 1967. A relação dessas abreviaturas se encontra no início desta dissertação.
85
Alfredo Bosi (2007, p.13) esclarece o sentido abstrato contido no termo “mundo”
como o “fluxo das experiências vividas, tudo quanto foi visto, amado e sofrido: paisagens
contempladas, entes queridos, situações de prazer ou dor”. No propósito de articular as
abstrações de um todo ausente nesse mundo define a oscilação entre a contemplação do eu e
as imagens fugidias do objeto, intensificando a figuração da dor da perda. Essa questão
essencial está justamente na forma espontânea com que Cecília Meireles consegue integrar ao
desenvolvimento coerente do poema as suas necessidades expressivas mais fundas, dando-lhe
um tratamento pessoal e até certo ponto único.
O modo direto como o sujeito lírico se apresenta e se expõe evidencia a sua posição
em relação ao objeto e evoca as palavras de Staiger (1969) de que na poesia lírica um coração
que recorda e se expressa em uníssono com as coisas. Esse fenômeno da criação poética se
repete sucessivamente na lírica ceciliana. Cada poema é o resultado de um processo interior
que mescla a realidade à intuição e à sensibilidade e abre caminhos a outros horizontes, a
outras disposições da alma. Cada poema tem o centro fixo de observação no próprio eu e se
realiza por modos descontínuos e fragmentários. Seguem alguns versos do poema
“Sobriedade”:
19
Seminário Internacional Cecília Meireles 100 Anos – realizado na Universidade da São Paulo, em outubro de 2001, reuniu
durante três dias alguns dos principais nomes da crítica literária acadêmica, vinculados a quatro universidades brasileiras e
cinco estrangeiras, em torno do legado e da vida da Cecília Meireles. A versão escrita de algumas conferências e
comunicações apresentadas no evento foram organizadas no volume Ensaios sobre Cecília Meireles por Leila V.B.Gouvêa,
em 2007.
86
Que coisa tênue, a minha vida, que conversa apenas com o mar,
e se contenta com um sopro sem promessa,
que voa sem querer das ondas para as nuvens!
(MA, p. 316)
- itinerários antigos,
que nem Deus nunca mais leva.
Silêncio grande e sozinho,
todo amassado com treva,
onde os nossos olhos giram
quando o ar da morte se eleva.
(VI, p. 105)
A subjetividade que se busca fora do sujeito, enfatizada por Hegel como uma
exceção, tem em Michel Collot (2004) uma configuração diferenciada. Para ele, a
sobrevivência do eu lírico na modernidade está na transformação da exteriorização da
subjetividade, a partir da relação com o que está fora de si. Quer dizer, o sujeito que olha para
fora de si se encontra lançado em um mundo e em uma linguagem desencantados; e essa
abertura permite a ele se eximir dos limites de sua individualidade, se renovar profundamente
e, assim, aumentar a quantidade de suas experiências. Tais experiências passarão a conter
simultaneamente o objeto e o sujeito, o mundo exterior ao autor e a vida do próprio autor,
pois, de acordo com Collot (2004), a verdade do sujeito só se constitui em uma relação íntima
com a alteridade.
Analisando obras dos autores Rimbaud e Francis Ponge, o referido crítico mensura
diversas situações em que esse movimento de exteriorização apresenta-se como um dos
modos de expressão do sujeito moderno, que “não pode reaver sua verdade mais íntima pelas
vias da reflexão e da introspecção, mas no transporte em direção ao seu exterior” (COLLOT,
2004, p. 2). Reitera ainda que uma maneira de pensar novos caminhos para a lírica
contemporânea é não considerar o sujeito em termos de substância, de interioridade e de
identidade e sim em uma relação recíproca entre ele, o mundo e o outro.
lírico expõe o seu sentimento de compaixão diante da situação degradante daqueles seres,
numa invocação marcada pela subjetividade e pela emoção. Ajudada pela expansão ao
território da alteridade e pelo mergulho nas suas formulações existenciais, a sua voz lírica
apostrofa: “Deus do céu, como é possível/ penar tanto e não ter nada!” (RI, p. 61).
Treva da noite,
lanosa capa
nos ombros curvos
dos altos montes
aglomerados...
Agora, tudo
jaz em silêncio:
amor, inveja,
ódio, inocência,
no imenso tempo
se estão lavando...
Grosso cascalho
da humana vida...
Negros orgulhos,
ingênua audácia,
e fingimentos
e covardias
(e covardias!)
vão dando voltas
no imenso tempo,
- à água implacável
do tempo imenso,
91
rodando soltos,
com sua rude
miséria exposta...
Parada noite,
suspensa em brumas:
não, não se avistam
os fundos leitos...
Mas, no horizonte
do que é memória
da eternidade,
referve o embate
de antigas horas,
de antigos fatos,
de homens antigos.
(RI, p. 278-279)
E aqui ficamos
todos contritos,
a ouvir na névoa
o desconforme,
submerso curso
dessa torrente
do purgatório...
(RI, p. 279)
A variedade temática da poesia lírica ceciliana, composta a partir das mais íntimas e
pessoais impressões da alma e do espírito, compreende também um fator imanente a todo
discurso que toma por objeto a História, seja ele literário ou não: o tempo. Ao tecer esse
bordado delicado e autêntico com diretrizes históricas, com imaginação e com sensibilidade, a
poeta, sem julgar o passado, mesclou-o ao presente, sem dar as costas ao futuro. A discussão
desse assunto está no próximo item deste capítulo.
Uma das questões mais fecundas e constantes na obra de Cecília Meireles diz
respeito à angústia temporal, incitadora da sua consciência sobre a efemeridade das coisas e
da sua imersão no terreno do impalpável e do sutil. Desdobrado num amplo campo lírico, o
tempo, integrado às emoções e pensamentos do eu poético, é captado desde a mais simples
expressão de vida até as mais complexas e misteriosas indagações sobre o destino do homem.
Ciente de que o tempo é condição essencial para o homem, pois concilia o começo e o fim da
existência de todas as coisas, a poeta articula em sua poesia a realidade existencial e a
93
Por estas razões, objetiva-se, neste tópico, investigar se os modos pelos quais a poeta
elabora o referido deslocamento também estão presentes na formulação das lembranças
coletivas de um passado histórico rememorado nos poemas do Romanceiro da Inconfidência.
O eminente lirismo dessa obra, para Maria Zaíra Turchi (1999, p. 137), se prova pelo
fato de que Cecília Meireles a compôs em duas direções: “uma imediatamente histórica, e
outra, que se aprofunda no mistério existencial”. Confirmando a importância do tempo nesse
processo, Turchi continua:
Na verdade, porém, trata-se de duas direções numa só, porque, se de uma parte os
fatos históricos ligados à Inconfidência Mineira aconteceram no passado, fazendo
parte de um destino supra-individual e coletivo, por outro lado, encarnam e
comprovam o drama do homem singular, situado em qualquer tempo. (1999, p. 137)
Que é, pois, o tempo? Quem poderia explicá-lo de maneira breve e fácil? Quem
pode concebê-lo, mesmo no pensamento, com bastante clareza para exprimir a
ideia com palavras? [...] Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei;
mas se quiser explicar a quem indaga, já não sei.
94
talvez fosse mais correto dizer: há três tempos: o presente do passado, o presente do
presente e o presente do futuro. E essas três espécies de tempos existem em nossa
mente, e não as vejo em outra parte. O presente do passado é a memória; o presente
do presente é a percepção direta; o presente do futuro é a esperança.
(AGOSTINHO, 2007, p. 273)
Essa visão dimensiona o tempo como o “tempo vivido”, ou o “tempo da alma”, e dá-
lhe um aspecto subjetivo, já que ele existe apenas na mente humana, completamente
dependente dessa consciência. Ou seja, não existindo o homem, não mais existirá o tempo.
O tempo lógico, rejeitado por Santo Agostinho, provém da tese cosmológica grega e
é considerado como o tempo dos corpos e da natureza, cronológico e com vistas sempre para
o futuro, sem considerar, portanto, a percepção psicológica do tempo da alma.
A partir do contraste entre o tempo da alma e o tempo lógico, o filósofo francês Paul
Ricoeur (2010) desenvolve uma importante análise sobre a temática do tempo e redefine, sob
a égide dos estatutos agostinianos, a estreita relação entre o tempo humano e a narrativa,
apoiando-se nas práticas humanas e na temporalidade para diferenciar a narrativa histórica da
narrativa ficcional, ao mesmo tempo em que as fixa como formas de narrar as experiências
temporais humanas. Em Tempo e narrativa, ele preconiza o emprego da configuração
(operações narrativas elaboradas no interior da linguagem, como a forma do enredo e a
construção de personagens) nos textos ficcionais como marco da diferença entre as duas
narrativas. Isto é, a narrativa ficcional re-significa o homem e o mundo na sua dimensão
temporal porque comporta deslocamentos através do tempo e viabiliza a união de coisas e
pessoas em lugares e tempos distintos sem se desligar do sentido, dos aspectos psicológicos.
Nesse poema, mesmo sendo o sujeito ativo dos versos enfáticos que abrem as três
primeiras estrofes, o tempo acaba por se confundir com o que o eu lírico verdadeiramente é,
pois existe a clara noção de que a vida e o eu estão à sua sombra, expostos às suas
vicissitudes. O movimento de secar do tempo envolve simultaneamente elementos humanos e
da natureza (“palavras”, “amor”, “saudade”, “desejo”, “areias”, “conchas” e “musgos”),
dando um ar de naturalidade à ação. Esta ação provoca o deslocamento do que poderia ser
eterno (“amor”, “palavras”) para uma condição de fugacidade (“leve”, “solto”, “desunido”) e
96
Em outro poema, “Retrato”, a matéria frágil das palavras abre as vias para um novo
conceito das experiências fugazes e instáveis do ser, formulado a partir da
consciência/vivência do eu lírico num jogo com o tempo e no tempo, que o levam a confundir
passado e presente, num contínuo remoer de incertezas e desencontros consigo mesmo:
cronológico é evidente nos versos do poema, que exprimem a distensão temporal por meio da
circunspecção, de distorções da fisionomia e da imprevisibilidade do sentimento de fracasso.
Essa percepção da dimensão temporal pelo sujeito condiz com o tempo da alma agostiniano,
impregnado de subjetividade, embora a noção cronológica persista. Para Paul Ricoeur (2010,
p. 187), “não é numa oposição simplista entre tempo dos relógios e tempo interior que
devemos nos deter, mas na variedade das relações entre a experiência temporal concreta e o
tempo monumental (do qual o tempo cronológico é apenas a expressão audível)”. A evocação
dessas relações faz com que a poesia vá bem além da oposição abstrata e se transforme em
maneiras variadas de compor perspectivas sobre o tempo, que apenas a especulação não
consegue mediar. Mesmo que a narrativa ficcional, pela sua estruturação, transforme o tempo
em tempo humano e psíquico, o tempo cronológico aparecerá, estabelecendo referências com
a realidade.
Darcy Damasceno (1967, p. 41) aponta a consciência temporal como sendo “a mola
mestra do lirismo ceciliano” e acrescenta que a poeta se firma no que é concreto e nos esteios
sensoriais para prosseguir na busca pelo fugidio. Assim, o tempo deixa de ser um valor
absoluto tripartido em passado, presente e futuro e a partir dessa confluência passa a ser
apenas uma agônica reflexão, medida pela melancolia e pela fluidez da realidade e da
existência. Esse tempo contextual, relativo às experiências do homem no universo, está
intimamente associado ao conceito de “eu”, pois somente quando está incluso numa sucessão
de momentos e mudanças temporais é que o homem se estabelece como ser-no-mundo. A
percepção e o sentimento de simultaneidade articulados pela memória e pela linguagem
transportam o homem para além de uma estrutura objetiva e libertam-no da indiferença da
sucessividade. O tempo físico fica em segundo plano, passa a valer o tempo pessoal,
subjetivo, o único que pode apreender a imponderabilidade da vida e das coisas.
diferem enquanto a imaginação do historiador pretende ser verdadeira. Como Ricouer (2010),
Nunes também concorda que essa base narrativa existente na ficção e na história sofre o
entrecruzamento dos modos como cada uma elabora a temporalidade. Ao reconsiderar a
natureza temporal nessas duas instâncias, o crítico brasileiro diz:
Isso significa dizer que a ênfase dada ao sentido e ao sentir do tempo no Romanceiro da
Inconfidência parte da subversão da temporalidade linear, pois o tempo externo (ou histórico)
da Inconfidência Mineira, marcado pela sucessão de eventos e pelas datas, não é ignorado
pela autora, mas é enfrentado catarticamente, o que faz com que a irreversibilidade desse
tempo transforme-se em impressões e sensações mutáveis. O foco é a circunstância, é o
fugidio das pequenas e simples realidades, que graças à memória e ao tratamento lírico
alcança um significado de “re-presentificação” das formas cronológicas passadas. Cecília
Meireles abre o “Cenário I” e adentra no drama da Inconfidência Mineira recuperando essas
pequenas realidades: “plácidas colinas”, “nuvens”, “o gado”, “largos rios”, “colinas e
99
torrente”, “arroios fanados” e “cascalho” (RI, p 38), que são pouco a pouco atingidas pela
agitação do espírito e pelas recordações. Logo o eu lírico dá pistas de como se dá esse
contato:
[...]
Escuto os alicerces que o passado
tingiu de incêndio: a voz dessas ruínas
de muros de ouro em fogo evaporado.
(RI, p. 39)
A partir daí o poema prioriza o mundo abstrato, o mundo das recordações. A ligação
com o real vai dando lugar a uma ligação com o emocional. Os verbos com sentido perceptivo
(vi, ouvi, conversei, me chama, me fala, entendo, me acenam, percebo, escuto) marcam a
presença e a participação do eu lírico em uma anterioridade temporal, de modo natural e
pessoal. Ele atrai o objeto para a sua esfera vivencial, separa-o da objetividade, volta-se para
sua própria consciência e procura dar satisfação à necessidade que sente de exprimir não a
realidade das coisas, mas o modo por que afetam a alma subjetiva. Isso, consequentemente,
comprova que o refluir do pensamento e do sentimento no tempo, embora não prove a
veracidade dos acontecimentos, pode conceder ao poeta a chance de “descerrar o véu das
recordações” (MEIRELES, 1989, p. 13) e, ao leitor, uma apreensão interpretativa da poesia,
por conseguinte, dos fatos. Ricoeur (2010) chama essa organização do tempo humano à
maneira da narrativa ficcional de “terceiro tempo”, uma tensão temporal conciliada pelas
dimensões cronológica e não cronológica, integrando-as e ultrapassando-as simultaneamente.
Embora o tempo faça com que o passado fique cada dia mais distante, a “íntima
comunhão de Cecília Meireles com o tempo sempre eterno, sempre vivo nas almas”
(COELHO, 1993, p. 86) foi capaz de diluir as cristalizações temporais do século XVIII em
Minas Gerais e penetrar no mais fundo da História do Brasil, desconsiderando subjetivamente
a distância entre o passado, o presente e o futuro. A poeta, ao aproximar-se de “tema tão
grave” (MEIRELES, 1989, p. 20) intuiu que “o passado não abre a sua porta/ e não pode
entender a nossa pena” (RI, p. 42). Por isso, escavando a clara materialidade do tempo
cronológico, sucessivo, ela concede ao eu lírico a tentativa de perscrutar a fragilidade dos
destinos humanos neste episódio, absorvendo os fatos somente no fundo mais íntimo de sua
alma e transformando-os em versos sobre a vida, a beleza, os direitos e os pensamentos
imperecíveis da humanidade, ocasião em que ela realiza a condição do poeta lírico por
100
ajoelhada no pavimento
que vai ser sua sepultura.)
(RI, p. 264)
O poema está em itálico, fator comum nos poemas de Cecília Meireles em que a
reflexão do eu lírico se destaca. O uso dos parênteses e da terceira pessoa do singular causa
uma impressão de distanciamento de Marília em relação ao tempo presente e à própria
realidade. No entanto, quando deixa de priorizar as belezas físicas de Marília que foram
ofuscadas pelo passar do tempo e se volta para assinalar os efeitos psicológicos dessas e de
outras mudanças, o sujeito da enunciação aproxima-se das vivências da personagem e, num
tom de lamento e resignação, concede ao leitor uma nítida noção da fugacidade dos seres e
das coisas, pois “Marília representa a memória, a revelação das consequências dos fatos na
vida das pessoas, principalmente das mulheres que permaneceram em Vila Rica a sustentar
lembranças e destruições” (TURCHI, 1999, p. 152). Há no poema uma ansiedade em relação
ao presente, uma interligação de causa e efeito, num vaivém constante das coisas que eram
ontem e das que são hoje, presas umas às outras apenas por recordações. Não há uma
ordenação, mas uma associação de eventos sentidos no passado que foram incorporados à
realidade do presente e à ideia de que o futuro está na morte: “ajoelhada no pavimento/ que
vai ser sua sepultura” (RI, p. 264). Como visto no poema “Retrato”, percebe-se que o tempo é
um fator de desagregação, sua passagem é inatingível e traduzida em cansaço e velhice. Tudo
passa e esse tempo é o tempo da vivência e da perda, não há como escapar. Sob esse olhar, o
tempo é uma condição fatal, o agente da degradação e da decrepitude dos seres, pois tudo é
incerto e passageiro. Essa estruturação do tempo vivido, das experiências, imposto ao tempo
humano, da linearidade, define, pelos estatutos de Ricoeur (2010, p. 229), a divisa entre o que
é histórico e o que é poesia no Romanceiro da Inconfidência.
[...]
(Que tudo acaba!
Quem diz que montanha de ouro
Não desaba?)
(RI, p. 88)
(O tempo é indelével,
mas não há mais nada,
Em cinza adormece
a festa de nácar,
o assomo celeste
do país da Arcádia,
no partido leque...)
(RI, p. 96)
Embora viesse tardiamente, o sonho da liberdade não teve tempo suficiente para ser
concretizado, mas esse mesmo tempo foi implacável na decretação das sentenças.
103
A partir dessa ideia, entende-se que o caráter intensamente simbólico das imagens se
dá na arquitetura da construção poética, cuja gramática da figuração articula o real e o irreal, o
concreto e o abstrato. As imagens então passam a reproduzir o momento da percepção,
recriar, reviver a experiência vivida. O objeto vai perdendo a totalidade e surge um
significado abstrato, produzido pela recordação da experiência cotidiana e da vida mais
remota. Essa volta das palavras à sua primeira natureza, além de produzir a “instantânea
reconciliação entre o nome e o objeto, entre a representação e a realidade” (PAZ, 1976, p. 47),
força o leitor a suscitar dentro de si o objeto um dia percebido. Para o crítico mexicano, a
imagem não é um meio de explicar algo, não é um “querer dizer”. A imagem explica-se a si
mesma, sentido e imagem são a mesma coisa; o poeta não quer dizer: “diz”. Tocada pela
poesia, a linguagem deixa de ser um utensílio e ultrapassa o círculo dos significados relativos,
105
torna-se algo mais inexplicável e “diz o indizível: as pedras são plumas, isto é aquilo” (PAZ,
1976, p. 50).
O título do último livro de poesia lírica publicado por Cecília Meireles foi resgatado
dos primórdios da língua, da expressão originária do latim sub illa umbra (sob a sombra), e
por si só já organiza um esquema imagético que denota a indefinição e o sentimento de
ausência, referido por Bosi (2007, p. 13) como “o ponto chave da obra de Cecília Meireles”.
A própria epígrafe da obra vem demonstrar o impasse entre o Céu (transcendência) e a Terra
(ser-no-mundo):
O diálogo entre esses apontamentos e a poesia ceciliana pode ser notado no poema
“Nós e as sombras”, do livro Mar absoluto, em que uma onda de melancolia conduz o eu
lírico a um estado de recordação do passado e procura do presente. Antes, os “viventes”
comiam e falavam em torno da mesa ao mesmo tempo em que suas sombras gesticulavam
sem voz, sem saudades pelas paredes. Todo o encadeamento e simultaneidade das imagens
dos “viventes” e suas respectivas sombras no poema revelam uma relação entre o real (nós) e
o irreal (sombras), presente no verso “Mais do que as sombras éramos irreais”. Essa relação é
vista também na junção de elementos de peso semântico diferentes: “vivendo entre vinhos e
brasas/envoltos em ternura e lãs”. Isso faz com que a correspondência das dessemelhanças
entre a coisa e a sua representação espelhe a tensão do eu poético vincada pela alternância e
pela confusão. No presente, diante da separação, resta ao eu lírico a nostalgia daquele tempo
108
[...]
E me vejo somente
pequena sombra
sem tempo e nome,
nisto perdida,
[...]
Minha sorte se inclina junto àquelas
vagas sombras de triste madrugada,
fluidos perfis de donas e donzelas.
Na “Fala à antiga Vila Rica”, o sujeito enunciador dialoga com a cidade e relembra
as sobre-humanas fatalidades dos destinos dos inconfidentes:
- amáveis sombras
que aqui jogastes
vosso destino.
Na obrigatória,
total aposta
que às vezes fazem
secretas vidas,
por sobre-humanas
fatalidades?
(RI, p. 94)
que enuncia, encontra-se um verso (na segunda estrofe) que sintetiza toda a condição humana
daquela fase histórica brasileira: “Vida de sombras inquietas” (RI, p. 98), confirmando a
recorrência da imagem da sombra na poética ceciliana para representar as perdas humanas na
Inconfidência Mineira, não só com o sentido de morte e esquecimento, mas também de
“assombramento" das circunstâncias que cercaram essa conjuração.
(E um negro demônio
seus passos conhece:
fareja-lhe o sonho
e em sombra persegue
o audaz, o valente,
o animoso Alferes.)
[...]
que há sombras que o espreitam...
que há sombras que o seguem...
(RI, p. 117,119)
como resíduo, como culpa, comprovando que a inglória conjuração não é um assunto ameno
para o povo brasileiro. A elaboração poética recorre à imaginação e à emoção e unifica o
sentimento coletivo de dor e incerteza ao mesmo sentimento de perda e ausência do mundo de
um sujeito lírico que consegue ultrapassar as barreiras das ilusões do mundo sensível e
adentrar o absoluto (DAMASCENO, 1967). Isso possibilita, inclusive, ver a sombra como
uma metáfora ampliada da Inconfidência Mineira, levando-se em conta que mesmo sendo um
dos mais controversos acontecimentos da história brasileira e, ao mesmo tempo, um dos mais
lembrados, ela continua envolta sob muito silêncio e mistério. Não restaram muitas
informações e documentos a respeito desse movimento e de seus participantes, além dos
relatos oficiais produzidos pelos juízes do governo colonial e das versões populares
monarquistas e republicanas surgidas nos anos seguintes. Nem o empenho de historiadores
interessados na revisão desse episódio e nem os constantes estudos sobre o assunto, querem
dizer que a Inconfidência Mineira, nas suas mais ínfimas conjecturas, esteja bem
compreendida e sentida pelo povo em geral. Ela, ainda hoje, permanece como um movimento
não clareado, pouco significado para a nação, pois é uma verdade feita de contradições sociais
e políticas, “um tecido de desrazões” (BOSI, 2003, p. 140), por isso mesmo não é uma
história acabada. Cabem ainda muitas indagações, muitas reflexões a seu respeito.
“Vento do tempo
me estremeceu:
Vento do tempo
passou por mim:
foi-se o menino,
deixou-me assim.
[...]
Vento do tempo
quebrou meu seio
para o arrancar.
(VM, p. 250)
entre o antes e o agora, as imagens vão dando conta do clima de insegurança. O vento,
indiferente a tudo, vem e traz com ele a tempestade num arremate de destruições e perdas, não
deixando ao menos as lembranças do eu lírico:
aparece também numa comparação entre o passado o presente (antes do ouro e depois do
ouro). Seu movimento, que antes era “perfume tão grato”, agora é assombro e sinal de morte:
Em outro exemplo, pode-se citar o “Romance LIII ou das palavras aéreas”, famoso
pelo lirismo inconfundível de Cecília Meireles. Nesse poema, a assimilação dos fenômenos
metafísicos da passagem do tempo e as demonstrações de raciocínio, observação e sentimento
são carregadas de significado. As palavras, feitas do inefável vento que sopra da alma e do
pensamento do ser humano, são levadas pelo vento e podem, assim como ele, formar e
transformar coisas, lugares e pessoas. As palavras que começaram apenas como um sopro,
como um ideal, inocentes, pela ação do vento da ganância se tornaram motivo de morte e
desilusão. Note-se aí um jogo semântico entre os signos palavra-vento-poder:
[...]
Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência a vossa!
Éreis um sopro na aragem...
- sois um homem que se enforca!
(RI, p. 182,184)
Pelo visto até aqui, deduz-se que catalogar, enumerar ou analisar as possíveis
configurações imagéticas do “vento” na poesia de Cecília Meireles, além de tarefa impossível,
seria por demais audaciosa. No entanto, é importante salientar que, invadido por impasses
existenciais, o sujeito poético prenuncia nessas imagens a evocação de uma força necessária
para se provocar uma grande mudança, uma transição, que passa pela palavra original e torna-
se mediadora entre o real e a percepção da poeta, o entendimento dos laços que ligam o eu ao
mundo. O espaço do mundo do eu lírico solicita sempre a presença, a ajuda, a proteção do
vento, ou ainda a sua exaltação ou crítica, chegando a alcançar o transcendente, isto é, o
sentimento dissolvido na realidade por onde transita o vento. Esse elemento da natureza
simboliza, na poética ceciliana, tanto a força que pode superar as limitações da condição
humana, encaminhando o homem para o eterno, para a totalidade, quanto o conhecimento
vago e não lógico da vida, enfeixado no aspecto de evasão do mundo. A dimensão espacial
detectada nos poderes e faculdades do vento: longe, forte, ilimitado, origem, fim, mistério –
está sempre ancorada num vocabulário reforçado pelo sentido de imensidade, de infinito e
118
muitas vezes a intenção que se atrela à imagem do vento se confunde entre ascensão e
vontade de libertar-se do mundo.
Pode-se concluir que as imagens que sustentam a poesia ceciliana trazem uma
energia capaz de levar o lamento da poeta às alturas da subjetividade, além de sugerir a
problemática fulcral da existência humana, qual seja a oposição entre duas realidades: o real
absoluto e a realidade do mundo sensível. É nessa capacidade de aproveitamento dos mais
simples sinais do real cotidiano que reside a força e a emotividade dessa poesia. Imagens cuja
repetição desgastante da rotina comum do dia-a-dia torna-as esvaziadas de sentido, mas
quando associadas a elementos contraditórios e amparadas pela lógica da poesia, ultrapassam
o domínio da normalidade e do material e se insinuam na esfera da afetividade, da memória e
do pensamento. Essa faculdade ceciliana de enriquecer as capacidades expressivas dos seres,
das coisas e das situações, misturando-lhes o exterior e interior numa rebentação incoercível
119
[...]
Pelos mundos do vento, em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:
Ao tomar a história como assunto recorrente, a poesia épica tem como referência os
parâmetros homéricos da Ilíada, sob os quais Aristóteles fixou suas teorias. Os poetas
ocidentais seguiram esses pressupostos por muito tempo e produziram obras cujos principais
pilares se ergueram a partir do gênero épico. Chamam a atenção as obras de Virgílio (Eneida),
Ariosto (Orlando Furioso), Tasso (Jerusalém libertada) e Camões (Os Lusíadas).
Essa tendência não alcançou êxito no Brasil. As obras do período colonial eram
escritas com propósitos sócio-culturais específicos. Além disso, não havia uma distância
temporal adequada à observação do passado e nem meios para a sustentação de um herói
mitificado. No século XIX, a pretensão épica em algumas obras passou a contar com a
dualidade e a inquietude de um eu poético voltado para a interioridade do ser e com a
influência da estética do Romantismo. O fator psicológico passou a ser o grande problema
desse gênero na literatura. O histórico de obras fracassadas como modelos épicos no percurso
literário nacional serviu como referência a uma possível filiação epilírica do Romanceiro da
Inconfidência, já que ele se estrutura em torno de uma história sem heroísmo e sem grandeza.
de intimidade. Chamada por Michel Collot (2004) de “o sujeito fora de si”, essa outra
possibilidade de lirismo foi considerada por muitos críticos como sendo o motivo do
isolamento desse livro dentro da obra ceciliana. No entanto, a matéria exterior nesse
romanceiro está fortemente ligada a elementos móveis, etéreos e instáveis, o que garante a
expansão do sujeito a novas oportunidades de constituição da verdade da vida além dos
limites da introspecção, a partir da sua identificação e envolvimento com o objeto apreendido.
Nesse sentido, a Inconfidência Mineira passa a ser o elo que relaciona o sujeito ao mundo e o
lirismo passa a expressar não apenas os movimentos interiores desse sujeito, mas também as
emoções que nascem da relação entre ele e o mundo.
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