Autocontenção Judicial PDF
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ISSN 1516-0351
DOI 10.12957/rqi.2013.9315
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Professor Adjunto de Direito Constitucional da UFF e da Universidade Gama Filho. Mestre em Direito
Constitucional pela PUC/RJ e Doutor em Direito Público pela UERJ. Secretário-Geral do Conselho Federal
da OAB. Advogado e parecerista.
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Professor Adjunto de Direito Constitucional da UERJ. Mestre e Doutor em Direito Público pela UERJ,
com pós-doutorado na Yale Law School (EUA). Procurador Regional da República.
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até poucas décadas atrás, visão que concebia a Constituição como uma proclamação
política, que deveria inspirar o Poder Legislativo, mas não como uma autêntica norma
jurídica, geradora de direitos para o cidadão, que pudesse ser invocada pelo Judiciário
na solução de casos concretos.3 A principal exceção a esta forma de conceber o
constitucionalismo era representada pelos Estados Unidos.
De forma um tanto esquemática, pode-se afirmar que, até meados do século
XX, no modelo hegemônico na Europa continental e em outros países filiados ao
sistema jurídico romano-germânico, a regulação da vida social gravitava em torno das
leis editadas pelos parlamentos, com destaque para os códigos. A premissa política
subjacente a esta concepção era a de que o Poder Legislativo, que encarnava a
vontade da Nação, tinha legitimidade para criar o Direito, mas não o Poder Judiciário,
ao qual cabia tão somente aplicar aos casos concretos as normas anteriormente
ditadas pelos parlamentos.
A imensa maioria dos países não contava, até a segunda metade do século XX,
com mecanismos de controle judicial de constitucionalidade das leis, que eram vistos
como institutos antidemocráticos, por permitirem um “governo de juízes”.4Mesmo em
alguns países em que existia a jurisdição constitucional – como o Brasil – o controle de
constitucionalidade não desempenhava um papel relevante na cena política ou no dia-
a-dia dos tribunais.
Tal quadro começou a se alterar ao final da 2ª Guerra Mundial na Europa.5 As
gravíssimas violações de direitos humanos perpetradas pelo nazismo demonstraram a
importância de criação de mecanismos de garantia de direitos que fossem subtraídos
3
Cf. ZAGREBELSKY, Gustavo. Il Diritto Mite. Torino: Einaudi, 1993, pp. 52-96.
4
Veja-se, neste sentido, a influente obra do autor francês Eduard Lambert sobre o “governo de juízes”,
publicada originariamente em 1921, em que se criticava a jurisdição constitucional norte-americana,
apontada como instituto anti-democrático e conservador (Le Gouvernement de Juges.Paris: Dalloz,
2005).
5
Cf. SWEET, Alec Stone. Governing with Judges: Constitutional Politics in Europe. New York: Oxford
University Press, 2000.
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do alcance das maiorias de ocasião, para limitar os seus abusos. Na Alemanha, a Lei
Fundamental de 1949, que é referência central no novo modelo de constitucionalismo,
instituiu diversos mecanismos de controle de constitucionalidade e criou um Tribunal
Constitucional Federal, que se instalou em 1951 e passou a exercer um papel cada vez
mais importante na vida alemã. Na Itália, a Constituição de 1947 também apostou no
controle de constitucionalidade, instituindo uma Corte Constitucional, que começou a
funcionar em 1956. Na própria França, berço de um modelo de constitucionalismo
avesso à jurisdição constitucional, o cenário se modificou substancialmente sob a
égide da atual Constituição de 1958, que instituiu um modelo de controle de
constitucionalidade originalmente apenas preventivo, confiado ao Conselho
Constitucional, que tem crescido em importância sobretudo a partir dos anos 70, e
hoje envolve também o controle repressivo. Também na década de 70 do século
passado, países como Portugal e Espanha se redemocratizaram, libertando-se de
governos autoritários, e adotaram constituições de caráter mais normativo, garantidas
por meio da jurisdição constitucional.
Fora da Europa, o fenômeno também se manifestou em muitas regiões.6 Após a
descolonização, diversos Estados asiáticos e africanos adotaram constituições
protegidas por mecanismos de jurisdição constitucional, com destaque para a Índia.
No Canadá, a adoção de uma Carta de Direitos e Liberdades, em 1982, foi
acompanhada pela criação de mecanismos de controle de constitucionalidade, que
têm reforçado a tutela dos direitos fundamentais e dos valores constitucionais no país.
Nos anos 80 e 90, na América Latina, diversos países, como o Brasil, foram superando
6
Cf. TATE, C. Neal; VALLINDER Torbjörn (Eds.). The Global Expansion of Judicial Power. Op. cit ; HIRSHL,
Ran. Towards Juristocracy: The origins and consequences of the new constitutionalim. Op. cit ; SIEDER,
Rachel; SCHJOLDEN, Line; ANGELL, Alan (Eds.). The Judicialization of Politics in Latin America. New York:
Palgrave Macmillan, 2005; e ROBINSON, David. The Judge as Political Theorist: Contemporary
Constitutional Review. Princeton: Princeton University Press, 2010.
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O controle foi instituído pelo Decreto 848/1890, que criou a Justiça Federal, sendo, em seguida,
consagrado na Constituição de 1891 e mantido em todas as nossas constituições subsequentes. Sobre a
trajetória histórica do controle e constitucionalidade no Brasil, veja-se STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição
Constitucional e Hermenêutica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pp. 415-453.
8
O sistema misto já se prenunciava na chamada “representação interventiva”, disciplinada pelas
constituições de 1934 e 1946 (há diferenças significativas no tratamento dado por estas constituições ao
instituto). Naquelas constituições, a intervenção federal nos Estados por violação de “princípio
constitucional sensível” dependia do reconhecimento da afronta pelo STF, no julgamento da referida
representação. A representação interventiva acabou sendo empregada para controle abstrato de
constitucionalidade, mas apenas de atos normativos estaduais, e o parâmetro utilizado não era a
totalidade da Constituição Federal em vigor, mas tão-somente determinados princípios constitucionais
indicados pelo constituinte (os princípios ditos “sensíveis”). Veja-se, a propósito, MENDES, Gilmar
Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996, pp. 60-66.
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mais como um repositório de proclamações retóricas, não sobrava muito espaço para
a jurisdição constitucional.
O sistema brasileiro de jurisdição constitucional foi significativamente
fortalecido pela Constituição de 88, com a introdução de novas ações de
inconstitucionalidade, ao lado de significativa ampliação do elenco dos legitimados
ativos para provocação do controle abstrato de constitucionalidade. Na atualidade,
considerando-se a amplitude do leque dos órgãos e entidades que podem ajuizar
ações diretas no STF, bem como a abrangência de temas tratados na Constituição, é
muito improvável que medida que suscite alguma polêmica não venha a ser
questionada diretamente na Corte. Para alguns dos legitimados ativos – como os
partidos políticos da oposição -, esta via se torna um poderoso instrumento nas suas
lutas, praticamente sem custos políticos ou financeiros, de que podem se valer para
tentar reverter derrotas na arena legislativa.9
Ademais, a maior consciência de direitos presente em nossa sociedade, o
elevado grau de pluralismo político e social nela existente, o fortalecimento da
independência do Poder Judiciário e a mudança na nossa cultura jurídica hegemônica -
que passou a ver os princípios constitucionais como normas jurídicas vinculantes, e a
estimular o uso de instrumentos metodológicos mais flexíveis, como a ponderação -,
são fatores que contribuíram, cada um ao seu modo, para que a jurisdição
constitucional ganhasse um destaque na vida pública nacional até então inédito.10 Este
9
Para análises empíricas sobre a questão, veja-se VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Bauman;
SALLES, Paula Martins. “Dezessete Anos de Judicialização da Política”. Cadernos CEDES, n. 8, 2006, pp. 2-
68; e TAYLOR, Matthew M. Judging Policy: Courts and Policy Reform in Democratic Brazil. Stanford:
Stanford University Press, 2008, pp. 90-108.
10
Para um detido exame dos diversos fatores políticos, jurídicos e culturais que vêm reforçando a
importância da jurisdição constitucional no cenário brasileiro pós-88, veja-se BRANDÃO, Rodrigo.
Supremacia Judicial versus Diálogos Constitucionais: A quem cabe a última palavra sobre o sentido da
Constituição? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pp. 65-180.
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Sobre a judicialização da política no Brasil, veja-se VIANNA, Luiz Werneck et al. A Judicialização da
Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999; CITTADINO, Gisele. “Judicialização
da Política, Constitucionalismo Democrático e Separação de Poderes”. In: VIANNA, Luiz Werneck (Org.).
A Democracia e os Três Poderes no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, pp. 17-42; ARANTES,
Rogério B. “Constitucionalism: the expansion of Justice and the Judicialization of Poltics in Brazil”. In:
SIEDER, Rachel; SCHJOLDEN, Line; ANGELL, Alan (Eds.). The Judicialization of Politics in Latin America.
New York: Palgrave Macmillan, 2005, pp. 232-262; BARROSO, Luís Roberto. “Constituição, democracia e
supremacia judicial: Direito e política no Brasil contemporâneo”, Revista de Direito do Estado, n. 16,
2009, pp. 3-42. Para uma perspectiva comparativa, veja-se TATE, Neal C.; VALLINDER, Tobjorn. (Eds.).
The Global Expansion of Judicial Power. New York: New York University Press, 1995; SWEET, Alec Stone.
Governing with Judges: Constitutional Politics in Europe. Oxford: Oxford Univesity Press, 2000; e
HIRSCHL, Ran. Towards Juristocracy. The Origins and Consequences of the New Constitucionalism.
Cambridge: Harvard University Press, 2004.
12
A expressão “dificuldade contramajoritária” foi cunhada em obra clássica da teoria constitucional
norte-americana: BICKEL, Alexander. The Least Dangerous Branch. New Haven: Yale University Press,
1964.
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Cf. WALDRON, Jeremy. "The Core of the Case Against Judicial Review". Yale Law Journal. v. 115 (6),
2006, pp. 1.346-1.406.
14
O tema da dificuldade contramajoritária do controle de constitucionalidade é verdadeira obsessão da
teoria constitucional norte-americana, sobre o qual já foram escritas centenas de obras. Para uma
detalhada reconstrução histórica do debate, veja-se FRIEDMAN, Barry. “The Birth of an Academic
Obsession: The History of the Countermajoritarian Dificulty, part five”. Yale Law Journal, v. 112, n. 2,
2002, pp. 153-259.
15
Dentre as diversas obras nacionais que tratam do tema, veja-se VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo
Tribunal Federal: Jurisprudência Política. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002; BINENBOJM, Gustavo. A
Nova Jurisdição Constitucional Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001; SAMPAIO, José Adércio Leite. A
Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional. Op. cit ; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de Souza.
Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002;
MELLO, Cláudio Ari. Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição Constitucional Democrática. Belo Horizonte:
Del Rey, 2004; STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Op. cit ; MENDES, Conrado
Hübner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011.
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constitucional, o debate que tem relevo prático não é aquele concernente à adoção ou
rejeição do instituto – afinal, esta questão já foi decidida pelo poder constituinte
originário –, mas sim sobre a maneira e intensidade com que os juízes, em geral, e o
STF, em particular, devem empregá-lo: de modo mais ousado e ativista; de maneira
mais modesta e deferente em relação às opções realizadas pelos poderes políticos; ou
de outra forma qualquer.
A dificuldade contramajoritária reside no reconhecimento de que, diante da
vagueza e abertura de boa parte das normas constitucionais, bem como da
possibilidade de que elas entrem em colisões, quem as interpreta e aplica também
participa do seu processo de criação.16 Daí a crítica de que a jurisdição constitucional
acaba por conferir aos juízes uma espécie de "poder constituinte permanente", pois
lhes permite moldar a Constituição de acordo com as suas preferências políticas e
valorativas, em detrimento daquelas adotadas pelo legislador eleito17. Esta visão levou
inúmeras correntes de pensamento ao longo da história a rejeitarem a jurisdição
constitucional, ou pelo menos o ativismo judicial no seu exercício.
No constitucionalismo francês, por exemplo, a ideia do controle de
constitucionalidade foi por muito tempo rechaçada, pelo temor de que sua adoção
16
Cf. TROPER, Michel. “Justice Constitutionelle et Démocratie”: In: Pour une Theorie Juridique de L’État.
Paris: PUF, 1994, pp. 317-328; e BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira. Rio
de Janeiro: Renovar, 2001. Op. cit pp. 55-74.
17
Este ponto foi observado em famoso discurso de Francisco Campos, proferido na abertura dos
trabalhos do STF em 1941: “Juiz da atribuição dos demais Poderes, sois o próprio juiz das vossas. O
domínio da vossa competência é a Constituição, isto é, o instrumento em que se define e se especifica o
Governo. No poder de interpretá-la está o de traduzi-la nos vossos próprios conceitos. Se a interpretação
e particularmente a interpretação de um texto que se distingue pela generalidade, a amplitude e a
compreensão dos conceitos, não é operação puramente dedutiva, mas atividade de natureza plástica
construtiva e criadora, no poder de interpretar há de incluir-se, necessariamente, por mais limitado que
seja, o poder de formular... A Constituição está em elaboração permanente nos tribunais incumbidos de
aplicá-la; é o que demonstra o nosso Supremo Tribunal e, particularmente, a Suprema Corte Americana.
Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição funciona, igualmente, o poder constituinte”
(CAMPOS, Francisco. “O Supremo Tribunal Federal na Constituição de 1937”. In: Direito Constitucional.
v. 2. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 403).
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18
FIORAVANTI, Maurizio. Los Derechos Fundamentales: Apuntes de Historia de las Constituciones.
Madrid: Editorial Trotta, 1996, p. 73
19
Cf. BON, Pierre. “La Legitimité du Conseil Constitutionnel Français”. In: Legitimidade e Legitimação da
Justiça Constitucional (Colóquio do 10º Aniversário do Tribunal Constitucional). Coimbra: Coimbra
Editora, 1995, pp. 141-142. Porém, atualmente existe na França jurisdição constitucional, que vem
ganhando importância cada vez maior no sistema político francês. Veja-se, a propósito ROUSSEAU,
Dominique. Droit du Contentieux Constitutionnel. 9ª ed., Paris: L.G.D.J.
20
Cf. SCHMITT, Carl. La Defensa de la Constitución. Trad. Manuel Sanchez Sarto. 2ª ed. 1998.
21
A posição de Schmitt sobre a jurisdição constitucional tem relação com a sua teoria constitucional, de
forte inclinação autoritária, que parte de uma leitura antiliberal da democracia, profundamente avessa
ao pluralismo. Veja-se, a propósito, CALDWELL, Peter. Popular Sovereignty and the Crisis of German
Constitutionalism: the Theory & Practice of Weimar Constitutionalism. Durhan: Duke University Press,
1997.
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Nos anos 30, a Suprema Corte norte-americana entrou em grave atrito com o Presidente Roosevelt,
por invalidar diversas normas aprovadas durante o seu governo que buscavam proteger direitos dos
trabalhadores e regular a economia, visando à superação da crise econômica vivida no país. Em 1937, o
Presidente propôs medida legislativa voltada à mudança da composição da Corte: para cada juiz do
Tribunal que completasse 70 anos e não se aposentasse, ele poderia indicar um outro (a medida ficou
conhecida como Court Packing Plan). A proposta acabou não sendo aprovada no Congresso, mas a
Suprema Corte, na mesma época, mudou a sua orientação jurisprudencial, refreando o seu ativismo e
passando a aceitar uma maior intervenção estatal na ordem econômica. No discurso feito por ocasião
da apresentação da referida proposta, em 1937, Roosevelt – certamente um esquerdista para os
padrões norte-americanos -, criticou aquele cenário de ativismo judicial em tom exasperado: “Desde
que surgiu o movimento moderno de progresso social e econômico através da legislação, a Corte tem,
cada vez com maior frequência e ousadia, se valido do seu poder de vetar leis aprovadas pelo Congresso
ou pelos legislativos estaduais... Nos últimos quatro anos, a boa regra de conceder-se às leis o benefício
da dúvida razoável vem sendo posta de lado (...) A Corte, para além do uso apropriado das suas funções
judiciais, tem se colocado impropriamente como uma terceira casa do Congresso – um superlegislativo
(...). Nós chegamos a um ponto em que a Nação deve tomar uma atitude para salvar a Constituição da
Corte, e para salvar a Corte de sim mesma” (“Senate Report n. 711”, reproduzido em MURPHY, Walter
F., FLEMING, James E.; BARBER, Sotirios A. American Constitutional Interpretation. New York: The
Foundation Press, 1995, pp. 320-321).
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23
Cf. BORK, Robert. The Tempting of America: The Political Seduction of the Law. New York: Free Press,
1990; BERGER, Raoul. Government by Judiciary: The Transformation of the Fourteenth Amendment.
Cambridge: Harvard University Press, 1977.
24
Cf. TUSHNET, Mark. Taking the Constitution Away from the Courts. Princeton: New Jersey, 2000;
KRAMER, Larry. The People Themselves: Popular Constitutionalism and Judicial Review. New York:
Oxford University Press, 2004.
25
No cenário americano, veja-se DAHL, Robert. "Decision-Making in a Democracy: The Supreme Court
as a National Policy-Maker". In: Journal of Public Law, v. 6 ( 2), 1957, pp. 279-295; POWEL JR., Lucas A.
The Supreme Court and the American Elite: 1789-2008. Cambridge: Harvard University Press, 2009; e
FRIEDMAN, Barry. The Will of the People: How Public Opinion Has Influenced the Supreme Court and
Shaped the Meaning of the Constitution. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2009.
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26
BARROSO, Luis Roberto. O Novo Direito Constitucional Brasileiro. Belo Horizonte: Forum, 2013, p. 42.
27
Veja-se, sobre o tema, MEDINA, Damares. Amicus Curiae: Amigo da Corte ou Amigo da Parte?.
Saraiva: São Paulo, 2010.
28
A afirmação de que o Tribunal Constitucional realiza a representação argumentativa da sociedade é
de Robert Alexy: “A proposição fundamental ‘todo poder provém do povo’ exige conceber não só o
parlamento como, ainda, o tribunal constitucional como representação do povo. A representação ocorre,
certamente, de modo diferente. O parlamento representa o cidadão politicamente, o tribunal
argumentativamente. Com isso, deve ser dito que a representação do povo pelo tribunal constitucional
tem mais um caráter idealístico do que aquela do parlamento. O cotidiano da exploração parlamentar
contém o perigo de que maiorias imponham-se desconsideradamente, emoções determinem o que
ocorre, dinheiro e relações de poder dominem e simplesmente sejam cometidos erros graves. Um
tribunal constitucional que se dirige contra tal não se dirige contra o povo, mas em nome do povo,
contra os seus representantes políticos” (ALEXY, Robert. “Direitos Fundamentais no Estado
Constitucional Democrático”. In: Constitucionalismo Discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007, pp. 53-54) .Esta ideia foi exposta e defendida pelo Min. Gilmar Mendes no
voto que proferiu no julgamento da ADI 3.510, que tratou da pesquisa em células-tronco embrionárias.
O Ministro ressaltou que a ampla participação da sociedade civil nos debates travados no STF naquele
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feito, por meio da intervenção dos amici curiae e da audiência pública realizada, teriam contribuído para
o êxito da “representação argumentativa”.
29
Nesta linha, veja-se DWORKIN, Ronald. “The Moral Reading and the Majoritarian Premise”. In:
Freedom's Law: the Moral Reading of the American Constitution. Cambridge: Harvard University Press,
1996; BARAK, Aharon. The Judge in a Democracy. Princeton: Princeton University Press, 2006;
ZAGREBELSKY, Gustavo. Principi i Voti: La Corte Costituzionale e la Politica. Torino: Einaudi, 2005.
30
Cf. BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira. Op. cit., pp. 279-280.
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31
Cf. DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Trad. Beatriz Sidou. Brasília: Editora UNB, 2001, pp. 97-113;
HABERMAS, Jürgen. “Popular Sovereignity as Procedure”. In: BONHAM, James; REHG, William.
Deliberative Democracy. Cambridge: The MIT Press, 1997, pp 35-66.
32
A relação entre constitucionalismo e democracia constitui um dos debates mais fecundos da Teoria
Política e da Filosofia Constitucional, que vem atravessando o tempo, desde o advento do
constitucionalismo moderno no século XVIII. Na literatura contemporânea, veja-se HABERMAS, Jürgen.
“O Estado Democrático de Direito – uma amarração paradoxal de princípios contraditórios?”. In: Era das
Transições. Trad. Flávio Breno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, pp. 153-173; NINO,
Carlos Santiago. La Constitución de la Democracia Deliberativa. Barcelona: Gedisa, 1997; e MICHELMAN,
Frank. Brennan and Democracy. Princeton: Princeton University Press, 1999, pp. 3-62.
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33
Nesta linha, GARGARELLA, Roberto. La Justicia frente al Gobierno. Barcelona: Ariel, 1996.
34
Cf., em tom ainda mais cético do que o nosso, LIMA, Martônio M. B. “Jurisdição Constitucional: Um
problema da teoria da democracia política”. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de et al. Teoria da
Constituição: Estudos sobre o Lugar da Política no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2003, pp. 199-261; e MENDES, Conrado Hübner. Controle de Constitucionalidade e Democracia. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2008.
35
Para crítica semelhante no contexto germânico, veja-se MAUS, Ingeborg. O Judiciário como Superego
da Sociedade. Trad. Geraldo de Carvalho. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
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36
Examinamos algumas destas respostas na obra: PEREIRA NETO, Cláudio Pereira de Souza e
SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Del
Rey, 2012.
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37
MS 26603/DF, Rel. Min. Celso de Mello, J. 4.10.2007.
38
No mesmo sentido, na literatura brasileira, cf. MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais,
Separação de Poderese e Deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011; e BRANDÃO. Rodrigo. Supremacia
Judicial versus Diálogos Institucionais: a quem cabe dar a última palavra sobre o sentido da
Constituição? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
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Falamos em diálogo, mas muitas vezes a disputa social e interinstitucional sobre a interpretação
constitucional não ocorre num ambiente pacífico de intercâmbio racional de ideias. Como ressaltou Jack
Balkin, " O sistema com múltiplos intérpretes constitucionais funciona (...) em parte através de
diplomacia, em parte por meio de agressões; em parte através de ameaças veladas, em parte por meio
de concessões; em parte por meio de argumentos racionais, em parte através de protestos". (Living
Originalism. Cambridge: The Belknap Press, 2011, loc. 873 ss. (kindle e-book)). O diálogo é a ideia
reguladora sobre como deve ocorrer a interação entre os diferentes intérpretes constitucionais, mas
nem sempre corresponde a uma descrição adequada da realidade.
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constitucional está também presente nos embates políticos e sociais, o que deve ser
comemorado e não lamentado.
A relação que deve existir entre a interpretação judicial da Constituição e a
opinião pública tem sutilezas. Por um lado, o Poder Judiciário não pode ser indiferente
às percepções sociais existentes sobre os valores constitucionais. A jurisdição
constitucional deve ser em alguma medida responsiva aos anseios sociais, para que a
população possa se identificar com a Lei Fundamental, nela enxergando a sua
Constituição, o que confere legitimidade, no sentido sociológico, à prática
constitucional40. Porém, não “se espera que eles (os juízes) decidam pensando nas
manchetes do dia seguinte ou reagindo às do dia anterior, o que os transformaria em
oficiais de justiça das redações do jornais”41. Em outras palavras, “o Judiciário deve ser
permeável à opinião pública, sem ser subserviente”42.
É verdade que um dos papéis institucionais mais importantes de uma Corte
Constitucional é proteger os direitos das minorias diante dos abusos das maiorias. O
insulamento da Corte diante do processo eleitoral lhe confere uma importante
vantagem institucional comparativa em face do Legislativo e do Executivo para
desempenhar essa relevante função contramajoritária. Mas existem cenários em que a
atuação do Judiciário pode se dar contra os direitos das minorias, que estejam sendo
promovidos na arena política. A Suprema Corte norte-americana no século XIX, por
exemplo, atuou em favor da manutenção da escravidão no país, bloqueando iniciativas
legislativas voltadas à sua limitação.43 Nos últimos tempos, aquele tribunal, em nome
40
Cf. BALKIN, Jack M. Living Originalism. Cambridge: The Belknap Press, 2011, loc. 886 ss. (kindle e-
book)
41
BARROSO, Luís Roberto; MENDONÇA, Eduardo. “O STF foi permeável à opinião pública sem ser
subserviente”. Artigo disponível em http://www.conjur.com.br.
42
Ibidem.
43
Trata-se do caso Dread Scott v. Sanford, julgado em 1856, em que a Suprema Corte decidiu que era
inválida a lei federal – conhecida como Missouri Compromise – que proibira a escravidão em novos
territórios, afirmando ainda que os negros não poderiam ser considerados cidadãos norte-americanos
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para buscarem a jurisdição de cortes federais. Nas palavras da Corte, “o direito de propriedade sobre um
escravo é clara e expressamente afirmado pela Constituição (...) É opinião da Corte que o ato do
Congresso que proibiu um cidadão de possuir este tipo de propriedade no território dos Estados Unidos
(...) não é autorizado pela Constituição, sendo portanto nulo” (60 U.S. (19 How.). 393). Como ressaltou
Erwin Chemerinsky, a Suprema Corte, com aquela decisão, imaginava que estava resolvendo a
controvérsia sobre a escravidão nos Estados Unidos. Ocorreu o contrário: “a decisão se tornou o ponto
focal do debate sobre escravidão, e, ao derrubar o Missouri Compromise, a decisão ajudou a precipitar a
Guerra Civil” (CHEMERINSKY, Erwin. Constitutional Law: Principles and Policies. New York: Aspen
Publishers, 2006, p. 693)
44
A afirmação de que "a última palavra" sobre a interpretação constitucional é da Suprema Corte é
designada, no debate constitucional norte-americano, de "supremacia judicial". Trata-se de tese
adotada atualmente pela Suprema Corte, firmada no precedente Cooper v. Aaron.
45
Isso tem acontecido com razoável frequência naquele país. Um exemplo ocorreu no caso City of
Boerne v. Flores – (521 U.S. 507 (1997)) -, em que a Suprema Corte determinou que não poderia ser
aplicada aos Estados uma lei federal que estendera a proteção da liberdade de religião para além do
ponto em que ela tinha sido reconhecida por aquele tribunal em outro caso – Employment Division.
Department of Human Resources of Ohio v. Smith - (494 U.S. 872 (1990)). Com a lei federal invalidada, o
Congresso norte-americano visava a afastar esse último precedente da Suprema Corte sobre liberdade
religiosa, tido como muito restritivo, com o propósito de fortalecer o referido direito, em favor de
minorias religiosas. A Suprema Corte considerou, no entanto, que o ato legislativo seria incompatível
com a sua prerrogativa de dar a última palavra sobre a interpretação da Constituição. Para uma crítica a
essa linha jurisprudencial, veja-se POST, Robert; SIEGEL, Reva. “Protecting the Constitution from the
People: Juricentric on Section Five Power. Indiana Law Journal, v. 78, 2003.
46
Petição 3.388, Rel. Min. Carlos Britto, J. 19.3.2009, DJ 1.7.2010.
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47
Integra a Constituição canadense a Carta de Direitos e Liberdades (Charter of Rights and Freedom’s),
editada em 1982, que prevê, em sua Seção 33, uma regra conhecida como notwithstanding clause ou
override clause, que permite ao parlamento nacional ou das províncias canadenses afastar o controle de
constitucionalidade sobre alguma lei que editem, pelo prazo de até cinco anos, renovável por nova
decisão. Todavia, essa prerrogativa, que chegou a ser usada amplamante pela província de Quebec, hoje
praticamente não é empregada no país, pois a sua utilização é vista com maus olhos pela opinião
pública. Veja-se, a propósito, TUSHNET, Mark. Weak Courts, Strong Rights: Judicial Review and Social
Rights. Princeton: Princeton University Press, 2006, pp. 18-76. Para uma descrição de formas
alternativas de controle de constitucionalidade, em que o Judiciário não tem a prerrogativa de invalidar
leis de maneira irreversível, veja-se GARBAUM, Stephen. “O Novo Modelo de Constitucionalismo da
Comunidade Britânica”. Trad. Adauto Vilela. In: BIGONHA, Antonio Carlos Alpino; MOREIRA, Luiz (orgs.).
Legitimidade da Jurisdição Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp. 159-221.
48
A Constituição de 1937 permitia, em seu artigo, que o Congresso, por provocação do Presidente da
República, e decidindo por maioria de 2/3 dos seus membros, tornasse sem efeito decisões proferidas
pelo STF no controle de constitucionalidade. Como o Congresso esteve fechado durante quase todo o
período de vigência da Carta de 37, a faculdade era exercida diretamente pelo próprio Presidente da
República, com base em preceito constitucional que lhe atribuía o pleno exercício das funções
parlamentares enquanto o Legislativo não estivesse em funcionamento. Na prática, o controle de
constitucionalidade, naquele período autoritário, tinha sido completamente esvaziado.
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49
410 U.S. 113 (1973).
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50
Veja-se, a propósito, POST, Robert; SIEGEL, Reva. “Roe Rage: Democratic Constitutionalism and
Backlash”. Harvard Civil Rights – Civil Liberties Law Review, n. 42, 2007.
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51
Um excelente resumo crítico dessas teorias se encontra em BATEUP, Christine A. “The Dialogic
Promise: Assessing the Normative Potential of Theories of Constitutional Dialogue”. New York University
Public Law and Legal Theory Working Papers. Paper 11, 2005, disponível em
http:www//lsr.nellco.org/nyu_plltwp/11.
52
Cf. PICKERILL, J. Mitchell. Constitutional Deliberation in Congress; The impact o f judicial review in a
separated system. Durhan: Duke University Press, 2004; POGREBINSCHI, Thamy. Judicialização ou
Representação? Política, Direito e Democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 2011.
53
BAUM, Laurence. The Supreme Court and their Audiences. Washington D.C: CQ Press, 2006; POWE JR.,
Lucas. The Supreme Court and the American Elite: 1789-2008. Cambridge: Harvard University Press,
2009; FRIEDMAN, Barry. The Will of the People: how public opinion has influenced the Supreme Court
and shaped the meaning of the Constitution. New York: Farrar, Straus and Giraux, 2009.
54
A Súmula 384, editada sob a égide da Constituição de 1946, dispunha: “Cometido o crime durante o
exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito
ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.
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55
Inq 687-QO, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 25.8.1997, DJ, 9.1.2001.
56
ADI 2797/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15.9.2005, DJ 19.12.2006.
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57
Nas palavras do Ministro Eros Grau, “o Poder Legislativo pode exercer a faculdade de atuar como
intérprete da Constituição para discordar de decisão do Supremo Tribunal exclusivamente quando não se
tratar de hipóteses nas quais esta Corte tenha decidido pela inconstitucionalidade de uma lei”.
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58
ADI 3.772, Rel. p. ac/ Min. Ricardo Lewandowski, DJ 26.3.2009.
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59
THAYER, James B. “The Origin and Scope of the American Doctrine of Constitutional Law.” Harvard
Law Review, vol. 7, n. 3, 1893.
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60
Para um denso estudo desta questão, veja-se SWEET, Alec Stone. “All Things in Proportion? American
Rights Doctrine and the Problem of Balancing”. Emory Law Journal, nº 60, 2011, pp. 101-179.
61
304 U.S. 144 (308).
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em que se adotou posição de extrema deferência em relação a uma lei federal que
disciplinara determinada atividade econômica, mas se destacou a necessidade de uma
análise mais rigorosa das normas que restringissem certas liberdades fundamentais, de
caráter não econômico, ou que atingissem os interesses de minorias tradicionalmente
discriminadas.
A seguir, listaremos alguns parâmetros que, em nossa opinião, devem ser
empregados para calibrar a presunção de constitucionalidade dos atos normativos, e
também, por consequência, o grau de ativismo do Poder Judiciário no exercício da
jurisdição constitucional.62 O rol de parâmetros não é exaustivo, e nossa análise não
terá como abordar nenhum deles em profundidade. Este é um tema central no
constitucionalismo brasileiro, que ainda não recebeu nem da doutrina nem da
jurisprudência nacional toda a atenção que merece.
(1) O primeiro aspecto a ser considerado é o grau de legitimidade democrática
do ato normativo. O foco aqui não é o conteúdo da norma, mas a maneira como ela foi
elaborada. O controle de constitucionalidade, como já assinalado, envolve uma
“dificuldade contramajoritária”, que vem do fato de os juízes, que não são eleitos,
poderem derrubar decisões proferidas pelos representantes do povo. Levar a sério a
democracia exige que não se despreze a dificuldade contramajoritária. Ela deve ser
levada em consideração na mensuração da deferência devida pelo Judiciário às normas
controladas: quanto mais democrática tenha sido a elaboração do ato normativo, mais
autocontido deve ser o Poder Judiciário no exame da sua constitucionalidade. É maior,
por exemplo, a presunção de constitucionalidade que recai sobre os atos normativos
62
Sobre o tema, veja-se COMELLA, Victor Ferreres. Justicia constitucional y democracia. Madrid: Centro
de Estudios Políticos y Constitucionales, 2007; MORO, Sérgio Fernando. Legislação Suspeita? O
afastamento da presunção de constitucionalidade. Curitiba: Juruá, 1998; e MELLO, Cláudio Ari.
Democracia Constitucional e Directos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2004.
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63
O Conselho Constitucional francês chegou a decidir que não tem competência para controlar a
constitucionalidade de atos normativos aprovados por referendo, porque estes seriam "expressão direta
da soberania nacional". (C.C. 92-313, 1992, reiterando decisão anterior, C.C. 61-20, 1962). Não é essa a
nossa posição. Entendemos que o controle é possível no Brasil, mas deve ser realizado de forma
deferente à expressão direta da vontade do eleitor.
64
Cf. COMELLA, Victor Ferreres. Justicia Constitucional y Democracia. Op.cit., p. 253.
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65
Cf.: HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta dos interpretes da constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Trad. Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, pp. 44 et seq.
66
A Lei Complementar nº 135/2010 estabeleceu novas hipóteses de inelegibilidade, voltadas à proteção
da probidade administrativa e moralidade, considerada a vida pregressa do candidato, nos termos do
art. 14, § 9º, da Constituição. Dentre as causas de inelegibilidade constam a condenação criminal por
órgão colegiado, mesmo sem o trânsito em julgado da decisão condenatória, e a renúncia a mandato
para escapar de possível punição, o que levantou vários questionamentos sobre a constitucionalidade
do ato normativo, tendo em vista os princípios constitucionais da presunção de inocência e da
irretroatividade das normas punitivas. O STF, num primeiro julgamento, considerou que a lei seria
inaplicável às eleições ocorridas em 2010, em razão da regra da anualidade eleitoral, estabelecida no
art. 16 da Constituição, não se manifestando sobre a validade da norma (R.E. 633.703, Rel. Min. Gilmar
Mendes, j. 23.3.2011). Posteriormente, a Corte decidiu que a lei é constitucional, podendo ser aplicada a
partir das eleições de 2012 (ADCs 19 e 20, Rel. Min. Luiz Fux, j. 16.12.2012). Ambas as decisões
suscitaram intensa polêmica e foram julgadas por apertadas maiorias. Em nossa opinião, ambas
estavam corretas. No que concerne à primeira decisão, apesar da maior deferência devida às normas
elaboradas com intensa participação popular, a afronta ao art. 16 da Constituição, que protege as regras
do jogo democrático, era flagrante e inafastável.
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67
Essa é a tese central de uma obra clássica da teoria constitucional norte-americana: ELY, John Hart.
Democracy and Distrust: A Theory of Judicial Review. Cambridge: Harvard University Press, 1980.
68
ADPF 187/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 15/11/2011.
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uma postura mais ativista do STF no histórico julgamento sobre união homoafetiva 69.
Pode-se fundamentar, assim, uma relativização da presunção de constitucionalidade
de atos normativos que impactem negativamente os direitos de minorias
estigmatizadas.
Destaque-se que o critério para definição de “minoria” que deve orientar a
aplicação desse parâmetro não é numérico, mas envolve a participação do grupo social
no exercício do poder político, social e econômico. Os milionários representam uma
minoria em termos quantitativos, mas não em termos de participação no poder. Seria
inconcebível formular uma teoria que relativizasse a presunção de constitucionalidade
dos atos normativos que pudessem prejudicar os interesses dos milionários. Os seus
interesses são protegidos até excessivamente pela via da política majoritária: são eles
os super-incluídos. Já as mulheres, apesar de constituírem numericamente a maioria
da população brasileira, ainda sofrem grave discriminação de gênero, e são sub-
representadas nas esferas do poder político, social e econômico (muito embora o
fenômeno venha se atenuando nos últimos tempos). De todo modo, elas ainda podem,
para os fins aqui propostos, serem consideradas como minoria.
(4) Outro parâmetro diz respeito à relevância material do direito fundamental
em jogo. Normas que restrinjam direitos básicos – mesmo aqueles que não são
diretamente relacionados com a democracia – merecem um escrutínio mais rigoroso
do Poder Judiciário, tendo a sua presunção de constitucionalidade relativizada. Os
direitos fundamentais devem prevalecer, como “trunfos”, sobre a vontade das
maiorias, pois expressam exigências morais que se impõem à política. Isso vale para
liberdades públicas e existenciais, e para direitos sociais ligados ao atendimento das
necessidades básicas. Não vale, porém, para vantagens corporativas, ainda que
constitucionalizadas, nem para direitos de natureza exclusivamente patrimonial. Essas
69
ADPF 132 e ADI 142, Rel. Min. Carlos Britto, j. 4 e 5 de maio de 2011.
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70
Cf. SCHAUER, Frederick Shauer. Playing by the Rules. Oxford: Claredon Press, 1991; SUNSTEIN, Cass,
VERMEULLE, Adrian. "Interpretations and Institutions". John M. Olin Law & Economics Workin Paper, n.
156. Disponível em http://www.law.uchicago.edu/Lawecon/index.htlm>; VERMEULLE, Adrian. Judging
under Uncertainty: An Institutional Theory for Legal Interpretation. Cambridge: Harvard University Press,
2006.
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71
Imagine-se a seguinte hipótese: a Constituição consagra como princípio da ordem econômica a “busca
do pleno emprego” (art. 170, VIII), e é sabido que as taxas de juros praticadas no mercado têm direta
relação com a realização concreta deste objetivo constitucional. Existe um órgão público vinculado ao
Banco Central – o Comitê de Política Monetária (COPOM) – que tem dentre as suas atribuições a fixação
da taxa básica de juros. As decisões do COPOM, com muita frequência, geram polêmica entre os
especialistas, devidamente noticiadas nas páginas econômicas dos jornais: há sempre os que acham que
a taxa fixada foi alta demais, desacelerando indevidamente as atividades econômicas, enquanto outros
consideram que ela foi muito baixa, promovendo a inflação. Figure-se uma impugnação judicial à
decisão do COPOM, em que se alegasse afronta ao princípio constitucional da busca do pleno emprego.
As decisões que fixam a taxa básica de juros têm gravíssimas repercussões na Economia e são adotadas
após atento exame de múltiplas variáveis econômicas. Esse exame pressupõe, naturalmente, profundos
conhecimentos técnicos que os juízes, diferentemente dos membros do COPOM, não possuem. Por isso
converter o Poder Judiciário no árbitro dessa questão seria uma péssima ideia. Provavelmente uma
decisão do Judiciário fixando os juros provocaria grande dano à Economia - inclusive ao pleno emprego.
72
BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e
constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 236.
73
A questão das capacidades institucionais foi expressamente considerada pelo STF no polêmico caso
da extradição de Cesare Battisti. A Corte, por maioria, deferira a extradição, requerida pela Itália, mas o
Presidente da República resolvera não realizá-la. Firmada a premissa de que a decisão do STF no
processo extradicional não obriga a realização da extradição pelo Chefe de Estado, mas apenas a faculta,
passou-se a discutir a possibilidade de controle jurisdicional do ato do Presidente, que se negara a
extraditar Cesare Battisti. O voto que “desempatou” o julgamento, mantendo o ato presidencial
impugnado, foi proferido pelo Ministro Luiz Fux, e um dos seus fundamentos foi a consideração de que
faltaria ao STF a capacidade institucional de se imiscuir em questões de relações internacionais:“O
Judiciário não foi projetado pela Carta Constitucional para adotar decisões políticas na esfera
internacional, competindo esse mister ao Presidente da República, eleito democraticamente e com
legitimidade para defender os interesses do Estado no exterior; aplicável, in casu, a noção de
capacidades instiucionais, cunhada por Cass Sunstein e Adrian Vermeulle (...). Não por acaso,
diretamente subordinado ao Presidente da República está o Ministério das Relações Exteriores, com
profissionais capacitados para informá-lo a respeito de todos os elementos de política internacional
necessários à tomada desta sorte de decisão. Com efeito, é o Presidente da República que se encontra
com os Chefes de Estado estrangeiros, que tem experiência em planejar suas decisões com base na
geografia política e que, portanto, tem maior capacidade para prever as conseqüências políticas das
decisões do Brasil no plano internacional.”( Ext. 1.085 PET-AV, Rel. Min. Cezar Peluso)
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74
Veja-se, a propósito, ELSTER, Jon. Ulisses Desatado: estudios sobre racionalidad, precompromiso y
restricciones. Trad. Jordi Mundó. Barcelona: Gedisa, 2000, pp. 36-56 e 161-165.
75
O conflito individual entre a gratificação imediata e os interesses de longo prazo foi descrito por
Eduardo Giannetti, em bela passagem: "Desfrutar o momento ou cuidar do amanhã? (...) O cérebro
humano é formado por circuitos modulares que não estão perfeitamente integrados. A perspectiva
concreta de gratificação imediata de certos desejos ativa uma região do cérebro - o sistema límbico - que
demanda pronta satisfação, sem se importar com o amanhã. Mas a impaciência de curto prazo não é
tudo. O primata impulsivo que nos agita em segredo tem um adversário a altura: o córtex pré-frontal,
que pondera os prós e os contras de diferentes escolhas e não se deixa levar com facilidade pela sedução
do momento (...) No sempre renovado embate entre a impuslividade da cigarra límbica e o calculismo
prudente da formiga pré-frontal, o resultado não está dado de antemão." ( O Valor do Amanhã. São
Paulo: Companhia das Letras, 2005, contracapa).
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76
Existem outras medidas para redução da inconsistência temporal na política, como a promoção de
maior conscientização dos eleitores, por meio da educação e dos meios de comunicação, de forma a
torná-los mais preocupados com os valores de longo prazo, e mais dispostos a eleger políticos que não
priorizem apenas medidas com foco mais imediato.
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77
Uma boa síntese dos argumentos de cada lado desta contenda se encontra em WALUCHOW, W. J. The
Common Law Theory of Judicial Review. New York: Cambridge University Press, 2007, pp. 74-179.
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78
Como destacou Maurizio Fioravanti, “uma Constituição livre da política pode corresponder a uma
política livre da Constituição” (FIORAVANTI, Maurizio. Constituzione e Popolo Sovrano: La Costituzione
Italiana nella Storia del Costituzionalismo Moderno. Bologna: Il Mulino, 1998, p. 20). Em outras palavras,
uma cultura jurídica que atribui apenas aos tribunais a função de promoção e proteção da Constituição
acaba desonerando os atores políticos do dever de se guiarem pelos princípios constitucionais.
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79
Cf. SIEGEL, Reva. “Constitutional Culture, Social Movement Conflict and Constitutional Change: The
Case of the de facto ERA”. California Law Review, n. 94, 2006, pp. 1323 et seq.
80
Nas palavras de Jack Balkin “a legitimidade constitucional depende do que Sanford Levinson chamou
de ‘protestantismo constitucional’ – a ideia de que nenhuma instituição do Estado, e especialmente,
também não a Suprema Corte, tem o monopólio do sentido da Constituição. Assim como as pessoas
podem ler a Bíblia e decidir o que acreditam que ela significa para si, também os cidadãos podem decidir
o que a Constituição significa e defender sua posição na esfera pública. Para que o projeto constitucional
tenha sucesso, não é suficiente que o povo o suporte. O povo deve ter também a possibilidade de criticar
a forma como esse projeto está sendo desenvolvido. As pessoas devem poder discordar, denunciar e
protestar contra a prática constitucional, inclusive, especialmente, as decisões dos tribunais, e demandar
a Constituição como a ‘sua’ Constituição, de forma a poder mover a prática constitucional na direção
mais próxima dos seus ideais. Só nestas condições é plausível que o povo mantenha fé na Constituição”
(Constitutional Redemption: Political Faith in na Unjust World. Cambridge: Harvard University Press, p.
10). A interessante analogia entre a compreensão pluralista dos intérpretes da Constituição e o
protestantismo consiste no fato de que esse, ao contrário do catolicismo, nega a existência de um único
intérprete autorizado da verdade religiosa – no caso do catolicismo, a Igreja Católica. Para o
protestantismo, desde Martinho Lutero, cada fiel pode interpretar a Bíblia ao seu modo. Da mesma
forma, o pluralismo de intérpretes constitucionais também nega à Suprema Corte ou à Corte
Constitucional o monopólio da “verdade” na interpretação da Constituição. A analogia é explorada em
LEVINSON, Sanford. Constitutional Faith. Princeton: Princeton University Press, 1988, pp. 18-30.
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