Pregação e Pregadores PDF
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Editora Fiel
PREGAÇÃO E PREGADORES
Traduzido do original em inglês:
Preaching and Preachers
Prefácio..............................................................................................................11
Capítulos:
01_ __A Primazia da Pregação..........................................................................15
02_ __Não há Substitutos.................................................................................29
03_ __O Sermão e a Pregação...........................................................................47
04_ __A Forma do Sermão................................................................................65
05_ __O Ato da Pregação..................................................................................81
06_ __O Pregador..............................................................................................97
07_ __A Congregação..................................................................................... 115
08_ __O Caráter da Mensagem...................................................................... 135
09_ __O Preparo do Pregador........................................................................ 155
10_ __A Preparação do Sermão...................................................................... 173
11_ __A Estrutura do Sermão........................................................................ 191
12_ __Ilustrações, Eloqüência, Humor......................................................... 209
13_ __O Que Evitar........................................................................................ 227
14_ __Apelando por Decisões........................................................................ 247
15_ __Os Ardis e o Romance.......................................................................... 263
16_ __“Demonstração do Espírito e de Poder”............................................. 283
PREFÁCIO À EDIÇÃO
EM PORTUGUÊS:
_______________________________
1 Bunyan, John. O Peregrino. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2005. p. 54.
PREFÁCIO
tenho lido muitos livros sobre a pregação. Não posso dizer que aprendi muito
com eles, mas gostei muito deles, pois com freqüência me têm divertido — e, no
que me concerne, quanto mais anedóticos, melhor.
Não os consultei novamente, enquanto preparava estas preleções. Senti
que o melhor plano seria apresentar a minha atitude e a minha prática no que
tiverem de mais valioso.
Tive por alvo mostrar-me prático e procurei abordar os vários problemas e
questões minuciosos que, com freqüência, as pessoas me expõem em particular,
os quais também têm sido discutidos, muitas vezes, nas reuniões de ministros.
Seja como for, conforme transparece em muitas das preleções, desgosta-me
profundamente qualquer tratamento teórico ou abstrato sobre esse assunto.
Esta consideração também serviu para determinar o estilo. Eu falava (em
certo sentido, pensava em voz alta) a estudantes da carreira ministerial e a alguns
pregadores já ordenados. Este livro se dirige aos pregadores e a todos quantos
se interessam pela pregação. Por conseguinte, não me esforcei por modificar o
estilo íntimo, de conversa; e, excetuando algumas correções secundárias, o que
agora aparece em forma impressa é aquilo que eu realmente disse.
Quando prego, raramente faço alusão a mim mesmo; mas, neste caso, sen-
ti que ser impessoal seria bastante errado. Portanto, há bastante do elemento
pessoal e até mesmo cômico; e confio que isso venha a ser útil como ilustração
daqueles princípios que procuro inculcar.
Alguns poderão fazer objeções às minhas assertivas dogmáticas, mas não
me justificarei por elas. Todo pregador deveria crer fortemente em seu próprio
método; e, se eu não puder persuadir a todos de que meu método está certo,
pelo menos poderei estimulá-los a pensar e a considerar outras possibilida-
des. Posso afirmar honestamente que os pregadores de quem mais gosto têm-se
mostrado bem diversos em seus métodos e estilos. A minha tarefa, contudo,
não consiste em descrevê-los, mas em afirmar o que acredito estar certo, por
mais imperfeito que eu tenha sido em praticar os meus próprios preceitos. Só
me resta a esperança de que o resultado será proveitoso sobretudo aos jovens
pregadores chamados a esta que é a maior de todas as incumbências, especial-
mente nesta época triste e má. Com muitos outros, rogo ao “Senhor da seara”
que envie muitos pregadores poderosos, a fim de proclamarem “as insondáveis
riquezas de Cristo”.
Apraz-me agradecer ao professor Clowney e ao corpo docente do Semi-
nário de Westminster, bem como a todos os estudantes, por sua tão bondosa
prefácio 13
recepção, como também pela estimulante atmosfera na qual expus estas prele-
ções, durante seis semanas, em 1969.
Também agradeço à Sra. E. Burney, por haver transcrito as fitas gravadas
destas preleções e preparado o material datilografado. Igualmente, como sem-
pre, agradeço à minha esposa, que tem suportado minhas pregações através
dos anos e com quem tenho debatido constantemente os vários aspectos deste
assunto cativante e vital.
D. M. Lloyd-Jones
Julho de 1971
Capítulo Um
A PRIMAZIA DA PREGAÇÃO
P or que estou preparado para falar e palestrar sobre a pregação? Há certo nú-
mero de razões. Esse tem sido o trabalho de minha vida. Estou no ministério há
quarenta e dois anos; e a maior parte de meu trabalho tem sido a pregação. Além
disso, a pregação é algo sobre o que estudo constantemente. Ao pregar durante
todos estes anos, tenho estado consciente de minhas inaptidões e meus fracassos.
Isso me tem levado, inevitavelmente, a muito estudo, debate e interesse geral
sobre o assunto. Entretanto, em última análise, a minha razão é que a obra da pre-
gação é a mais elevada, a maior e a mais gloriosa vocação para a qual alguém pode
ser chamado. Se alguém quer conhecer outra razão, eu diria, sem hesitação, que a
mais urgente necessidade da igreja cristã, na atualidade, é a pregação autêntica. E,
visto que esta é a maior e mais urgente necessidade da igreja, evidentemente ela
é também a maior necessidade do mundo.
Esta afirmativa a respeito da pregação como a mais urgente necessidade nos
leva à primeira questão que devemos considerar juntos: existe qualquer necessi-
dade da pregação? Há algum lugar para ela na igreja e no mundo moderno, ou a
pregação se tornou algo bastante fora de moda? O próprio fato de que temos de
apresentar essa pergunta e de considerá-la é, segundo me parece, o comentário
mais iluminador sobre o estado da igreja no tempo presente. Sinto que essa é a
principal explicação para a condição mais ou menos perigosa e a ineficácia da igre-
ja no mundo de nossos dias. Toda a questão a respeito da necessidade da pregação
e do lugar dela no ministério da igreja está sendo contestada nesta época (motivo
por que temos de começar nesse ponto). Com grande freqüência, quando pedimos
a alguém que faça preleções ou fale acerca da pregação, tal pessoa apressa-se a
considerar métodos, maneiras, meios e técnicas. Acredito que isso está completa-
mente errado. Devemos começar pelas pressuposições, pelo pano de fundo, bem
16 Pregação & Pregadores
conhecem o termo, quero esclarecer o que pretendo dizer. Nas décadas de 1920 e
1930, houve na Inglaterra um primeiro-ministro cujo nome era Stanley Baldwin.
Esse homem, tão insignificante que seu nome nada representa em nossos dias,
exerceu considerável efeito sobre a maneira de pensar das pessoas a respeito do
valor do discurso e da oratória na vida do povo. Ele assumiu o poder e o cargo após
a época de um governo coligado na Inglaterra, liderado e dominado por homens
como Lloyd George, Winston Churchill, Lord Birkenhead e outros do mesmo
caráter. Ora, esses homens eram oradores que sabiam realmente falar. Stanley
Baldwin não tinha esse dom; por esse motivo percebeu que, se tivesse de ser bem-
sucedido, era essencial que diminuísse o valor e a importância do discurso e da
oratória. Competia com homens brilhantes que eram, ao mesmo tempo, grandes
oradores; portanto, ele se passava por um inglês simples, honesto, comum. Dizia
não ser grande orador e transmitia a outros a sugestão de que um grande orador
é um homem em quem não se pode confiar e que não é honesto. Ele apresentava
essas coisas como antíteses; e o seu método consistia em adotar a postura do in-
glês comum, que não podia se dar a grandes arroubos de oratória e imaginação,
mas que fazia declarações simples, diretas e honestas.
Esta atitude para com a oratória e o poder do discurso se tornou moda, em
especial entre os políticos, na Inglaterra. Infelizmente, porém, afirmo que isso
tem exercido influência também sobre a igreja. Surgiu uma nova atitude para
com a oratória, a eloqüência e o falar de uma maneira digna do nome. É uma
atitude de desconfiança para com o orador. E, naturalmente, acompanhando
isso e reforçando a atitude inteira, tem-se dado uma nova ênfase à importância
da leitura. O argumento usado é que, na atualidade, somos um povo mais culto
e mais educado; que no passado as pessoas não costumavam ler e dependiam de
grandes oradores, grandes preletores e que, agora, isso não é mais necessário,
porque temos livros, bibliotecas e assim por diante. Além disso, temos o rádio
e a televisão, pelos quais o conhecimento e as informações sobre a verdade che-
gam diretamente aos nossos lares. Tudo isso, creio eu, tem influenciado a igreja
de modo geral, bem como a atitude da igreja e do povo evangélico, no que diz
respeito à palavra falada e à pregação.
Ora, não quero gastar muito tempo em refutar esta atmosfera geral que é
inimiga da pregação. Contentar-me-ei apenas em dizer que é muito interessante a
observação de que alguns dos maiores homens de ação que o mundo já conheceu
também eram grandes oradores e sabiam realmente discursar. Não foi por aci-
dente, assim penso, que na Grã-Bretanha, por exemplo, durante as duas Guerras
18 Pregação & Pregadores
Mundiais deste século, os dois grandes líderes que apareceram em cena também
foram notáveis oradores. E esses outros indivíduos que tendem a dar a impres-
são de que, se um homem sabe falar, ele não passa de um palrador ocioso, têm
sido refutados pelos fatos reais da história. Os maiores homens de ação têm sido
grandes oradores; e, naturalmente, faz parte da função de um líder, servindo-lhe
de requisito essencial, que ele seja capaz de entusiasmar as pessoas, despertando-
as e impelindo-as à ação. Basta-nos pensar em Péricles, Demóstenes e outros. A
história geral do mundo demonstra de forma bastante clara: os homens que ver-
dadeiramente fizeram história eram homens que sabiam falar, podiam entregar
uma mensagem e compelir as pessoas a agir por causa do efeito que produziam
sobre elas.
Eis a questão, de modo geral. Todavia, preocupamo-nos muito mais com
certas atitudes da própria igreja ou com certas razões existentes na própria igre-
ja, as quais explicam o declínio da importância dada à pregação. Sugiro que há
alguns fatores principais e primordiais neste assunto. Eu não hesitaria em colo-
car na primeira posição a perda da confiança na autoridade das Escrituras e uma
diminuição na crença da verdade. Coloco isto em primeiro lugar, porque tenho
certeza de ser este o fator principal. Se alguém não for revestido de autoridade,
não poderá falar bem, não poderá pregar. Grandes pregações sempre dependem
de grandes temas. Grandes temas sempre produzem grandes discursos em qual-
quer campo; e, de fato, isto é particularmente veraz, como é óbvio, no campo da
igreja. Enquanto os homens criam nas Escrituras como a Palavra de Deus auto-
ritária e falavam alicerçados nessa autoridade, tínhamos pregações grandiosas.
Porém, quando isso desapareceu, e os homens começaram a especular, a formular
teorias, a apresentar hipóteses e assim por diante, a eloqüência e a grandiosidade
da palavra falada declinaram inevitavelmente e começaram a desvanecer. Na ver-
dade, não podemos lidar com especulações e conjecturas da mesma maneira como
a pregação abordava, antigamente, os grandes temas das Escrituras. Mas, visto
que a crença nas grandes doutrinas da Bíblia começou a fenecer, e os sermões fo-
ram substituídos por pregações e homilias éticas, por estímulo moral e discursos
sócio-políticos, não é surpreendente que a pregação declinou. Sugiro que esta é a
causa primária e maior deste declínio.
Contudo, há uma segunda causa; e precisamos ser justos quanto a estas
questões. Acredito que tem havido uma reação contra o que foi chamado “os gran-
des pulpiteiros”, especialmente os da segunda metade do século XIX. Eles podiam
ser encontrados em grande número na Inglaterra e também nos Estados Unidos.
A P RIMA Z IA DA P REGAÇÃO 19
Sempre achei que o homem mais típico, neste particular, nos Estados Unidos, foi
Henry Ward Beecher. Ele ilustra com perfeição as principais características do
“pregador”. O próprio vocábulo é interessantíssimo, e acredito ser bem exato. Es-
tes homens eram pulpiteiros e não pregadores. O que quero dizer é que eles eram
homens que podiam ocupar um púlpito e dominá-lo, e dominar o povo. Eram pro-
fissionais. Havia neles muitos elementos de espetaculosidade; eram habilidosos
em manipular congregações, comovendo as emoções dos ouvintes. Finalmente,
podiam fazer quase qualquer coisa que desejassem com os ouvintes.
Ora, estou certo de que isto tem produzido uma reação; e isso é ótimo. Se-
gundo a minha perspectiva da pregação, estes pulpiteiros foram uma abominação;
e, de muitas maneiras, eles foram os principais responsáveis pela reação atual. É
deveras interessante notar que isso já aconteceu em épocas passadas, não somen-
te no que se refere à pregação do evangelho, mas também em outros campos. Em
um livro escrito por Edwin Hatch, há uma interessante afirmação sobre a influên-
cia das idéias gregas na igreja cristã; e essa afirmação me parece apresentar esta
questão de forma admirável. Ele disse que um fato comprovado é que a filosofia
caiu em descrédito e desapareceu da vida grega como resultado da retórica e do
seu uso crescente. Permita-me citar as palavras de Hatch. Ele afirma:
A “palestra”. Não mais um sermão, e sim uma “palestra” ou, talvez, uma preleção.
Tratarei dessas distinções mais adiante. Nos Estados Unidos, houve um homem
que publicou uma série de livros com o significativo título de Conversas Tranqüi-
las. Como você deve perceber, Conversas Tranqüilas em oposição ao “palavreado
bombástico” dos pregadores! Conversas Tranqüilas sobre a Oração; Conversas Tran-
qüilas sobre o Poder, etc. Noutras palavras, os próprios títulos anunciam que o
homem não tenciona pregar. A pregação, naturalmente, é algo carnal, despido de
espiritualidade; o necessário é uma conversa, uma conversa informal, conversas
tranqüilas e assim por diante! A idéia pegou.
Além disso, no topo desta idéia colocou-se nova ênfase sobre “o culto”, aquilo
que com freqüência se tem chamado de “o elemento da adoração”. Ora, essas ex-
pressões são muito desencaminhadoras. Lembro-me de um homem que disse em
certa ocasião, numa conferência: “Naturalmente, nós, das igrejas episcopais, damos
mais atenção à adoração do que vocês, das igrejas livres”. Pude determinar o que ele
realmente queria dizer: eles tinham uma forma litúrgica de culto, e nós não a tínha-
mos. Mas ele igualava a leitura da Liturgia à adoração. Assim, cresce a confusão.
No entanto, esta tendência existe. Há um aumento do elemento formal no
culto, à medida que a pregação enfraquece. É interessante observar como os ho-
mens das igrejas independentes, das igrejas não-episcopais (ou qualquer outro
nome que lhe queiramos dar) tomam emprestado, de maneira crescente, essas
idéias do tipo de culto episcopal, à proporção que a pregação desvanece. Eles têm
argumentado que o povo deve ter mais participação no culto e, assim, introduzi-
ram a “leitura responsiva”, bem como mais e mais música, cânticos e salmos. A
maneira de recolher as ofertas do povo ficou mais elaborada; o pastor e os mem-
bros do coral entram no templo formando uma procissão. É iluminador observar
estas coisas. À medida que a pregação entrou em declínio, estas outras coisas fo-
ram enfatizadas; e isso tem sido feito de modo bastante deliberado. Tudo isso faz
parte da reação contra a pregação; e o povo tem sentido que é mais dignificante
dar maior atenção às cerimônias, à forma e ao ritual.
Pior ainda tem sido o aumento do entretenimento no culto público — o uso
de filmes e a introdução de mais e mais cânticos. A leitura da Palavra e a oração
foram drasticamente abreviadas; mais e mais tempo, consagrado aos cânticos. Já
existe um “líder de louvor” como se fora uma novo tipo de oficial da igreja; conduz
os cânticos, e supostamente compete-lhe produzir a atmosfera propícia. Porém, ele
gasta tanto tempo para produzir a atmosfera propícia que não resta tempo para a
pregação nesse ambiente! Tudo isso faz parte da depreciação da mensagem.
22 Pregação & Pregadores
central; todavia, isso não acontece mais, e agora vemo-nos a olhar para algo que
corresponde a um altar, em vez de contemplarmos o púlpito, o qual geralmente
dominava o edifício inteiro. Tudo isso é extremamente significativo.
Mas, agora, desviemos nossa atenção do que tem acontecido entre aqueles
que ainda crêem na igreja e voltemo-nos para aqueles que estão sugerindo que
a própria igreja talvez seja o empecilho e que nos convém abandoná-la, se real-
mente tivermos de propagar o evangelho. Estou pensando naqueles que dizem:
devemos, em certo sentido, romper definitivamente com toda essa tradição que
temos herdado; e, se realmente queremos tornar as pessoas cristãs, a maneira
de fazer isso é nos misturarmos com elas, vivermos entre elas, compartilharmos
com elas a nossa vida e mostrar-lhes o amor de Deus, por levar as cargas uns dos
outros e tornar-nos como elas.
Tenho ouvido isto até da parte de pregadores. Eles têm encarado o declínio
da freqüência à igreja, particularmente na Grã-Bretanha. Afirmam que isto não
é surpreendente e que, enquanto os pregadores estiverem pregando a Bíblia e
as doutrinas cristãs, não terão o direito de esperar qualquer outro resultado. O
povo, dizem eles, não está interessado; o povo está interessado pela política, está
interessado nas condições sociais, está interessado nas várias injustiças que as
pessoas sofrem em diversas regiões do mundo; o povo também está interessado
na guerra e na paz. Assim, argumentam eles, se você quer influenciar as pesso-
as em direção ao cristianismo, não deve apenas falar sobre política e abordar as
questões sociais oralmente; deve também assumir um papel ativo nessas coisas.
Se ao menos esses homens que foram separados como pregadores e outros que
são proeminentes na igreja saíssem a campo e participassem da política, das ativi-
dades sociais e das obras filantrópicas, realizariam maior bem do que se ficassem
nos púlpitos e pregassem de acordo com a maneira tradicional. Um famoso prega-
dor da Inglaterra apresentou a questão nestes termos, cerca de dez anos atrás. Ele
declarou que a idéia de enviar missionários estrangeiros para o Norte da África
— na ocasião, ele era missionário naquela região — e de treiná-los, para pregarem
àqueles povos, era algo bastante ridículo, e já chegara o tempo de acabar com isso.
Ele sugeriu que, em lugar disso, devíamos enviar crentes para aquela região; estes
arranjariam empregos comuns, misturando-se com o povo e, mais especialmente,
envolvendo-se em suas atividades políticas e sociais. Se fizéssemos isso, como
crentes, dizia ele, talvez houvesse esperança de que os netos desta geração se tor-
nassem crentes. Como você percebe, este seria o método de fazê-lo! Não seria
a pregação, nem o método antigo, e sim o misturando-se com o povo, demons-
24 Pregação & Pregadores
que veio e tentou arrebatá-Lo à força, para torná-Lo rei (Jo 6.15). Eles pensaram:
“Ora, é exatamente isso que queremos. Ele está cuidando de um problema prático,
a fome, a necessidade de alimentos. Este é o homem a quem devemos fazer rei. Ele
tem poder. Ele pôde fazer isso”. No entanto, o que o evangelho nos diz é que Je-
sus, por assim dizer, os rejeitou e “retirou-se novamente, sozinho, para o monte”.
Ele considerou aquilo uma tentação, algo que tendia a desviá-Lo de seu propósito.
Isso foi o mesmo que aconteceu no episódio das tentações no deserto, acerca das
quais lemos em Lucas 4. O diabo ofereceu-Lhe todos os reinos deste mundo e as-
sim por diante. Mas Ele os rejeitou deliberada e especificamente. Estas coisas são
todas secundárias; não são a função primária, nem a tarefa principal.
Consideremos outro exemplo interessantíssimo, encontrado em Lucas
12.14, onde somos informados de que, em certa ocasião, nosso Senhor falava
com os discípulos, quando os enviava a pregar e ensinar, e lhes contava sobre o
relacionamento deles com Deus e como deveriam lidar com a oposição. Parece que
o Senhor fez uma pausa momentânea, e, imediatamente, um homem irrompeu
com uma pergunta: “Mestre, ordena a meu irmão que reparta comigo a herança”.
A resposta que nosso Senhor deu àquele homem nos fornece, sem dúvida, gran-
de entendimento sobre todo este assunto. Ele se voltou para o homem e disse:
“Homem, quem me constituiu juiz ou partidor entre vós?” Noutras palavras, Ele
deixou claro que não viera ao mundo para fazer essas coisas. Jesus não mostrou
que essas coisas não devem ser feitas; é necessário que o sejam; a justiça, a eqüi-
dade e a retidão têm o seu devido lugar; mas Ele não viera para fazer essas coisas.
É como se houvesse dito: “Não deixei os céus e desci à terra para fazer algo seme-
lhante a isso, pois esta não é a minha incumbência primária”. Por conseguinte,
Jesus repreendeu àquele homem.
De fato, descobrimos que, muitas vezes, quando Ele operava um milagre no-
tável e extraordinário, o povo tentava retê-Lo, na esperança de que faria mais
milagres. Contudo, Ele deixava a todos deliberadamente e se retirava para outro
lugar; ali passava a ensinar e a pregar. Ele é “A luz do mundo” — esta é a coisa
primária. “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por
mim.” Todas as demais coisas são secundárias. E você observa que, ao enviar seus
discípulos, Ele os enviou a ensinar e a expelir “demônios”. O ensino é a coisa mais
importante. E Jesus recordou-lhes que eram a luz do mundo. Assim como Ele é
a luz do mundo, assim também o crente torna-se a luz do mundo. “Não se pode
esconder a cidade edificada sobre um monte”, e assim por diante. Sugiro que nos
evangelhos, bem como na vida e ministério do próprio Senhor, temos essa indica-
26 Pregação & Pregadores
doze convocaram a comunidade dos discípulos e disseram: Não é razoável que nós
abandonemos a palavra de Deus para servir às mesas”.
Não há dúvida de que esta é uma declaração sobremodo interessante e im-
portante. O que a igreja deveria fazer? Ali estava um problema: as viúvas dos
helenistas, e elas eram não somente viúvas, mas também necessitadas; precisavam
de alimentos. Era um problema social e, talvez, em parte, um problema político;
mas certamente era um problema social grave e urgente. Sem dúvida, a igreja
cristã e seus líderes, em particular, tinham o dever de cuidar daquela necessida-
de premente, não tinham? Por que continuariam pregando, quando as pessoas
passavam fome, necessidade e sofriam? Essa foi a grande tentação que sobreveio
de maneira imediata à igreja; mas os apóstolos, sob a liderança e orientação do
Espírito Santo, bem como sob a influência do treinamento que haviam recebido e
da comissão que lhes fora dada por seu Senhor, perceberam o perigo e disseram:
“Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus para servir às mesas”.
Isto é errado. Estaríamos falhando em nossa comissão, se o fizéssemos. Estamos
aqui com a finalidade de pregar esta Palavra; esta é tarefa primordial. “Quanto a
nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra.”
Ora, nesta passagem as prioridades são estabelecidas de uma vez para sem-
pre. Esta é tarefa primordial da igreja, a incumbência primária dos lideres da igreja
— aqueles que foram colocados nesta posição de autoridade. E não podemos per-
mitir que qualquer coisa nos desvie disso, por melhor que seja a causa, por maior
que seja a necessidade. Esta é, com certeza, a resposta direta a muito daquele falso
pensamento e raciocínio a respeito destas questões, nesta época.
E, se examinarmos do começo ao fim o livro de Atos, encontraremos a mes-
ma coisa em todo o relato. Eu poderia conduzi-los na consideração de capítulo
após capítulo e mostrar-lhes esta mesma verdade. Quero restringir-me, porém, a
mais um exemplo. No capítulo 8, somos informados sobre a grande perseguição
que se levantou em Jerusalém e sobre a dispersão de todos os membros da igreja,
exceto os apóstolos. Que fizeram eles? O versículo 4 nos diz: “Entrementes, os
que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra”. Isto não significa
a pregação feita a partir de um púlpito. Alguém já apresentou a sugestão de que
essa expressão deveria ter sido traduzida por “tagarelar” a Palavra. O principal
desejo e preocupação daqueles crentes era anunciar ao povo a Palavra. “Filipe,
descendo à cidade de Samaria, anunciava-lhes a Cristo” (v. 5). Neste versículo,
emprega-se uma palavra diferente. Esta palavra significa anunciar como arauto e
aproxima-se mais da figura de um pregador no púlpito ou de pé em um local pú-
28 Pregação & Pregadores
blico, dirigindo a palavra ao povo. Assim, esta verdade sobre a pregação atravessa
todo o livro de Atos.
Nas epístolas, por semelhante modo, o apóstolo Paulo relembra a Timóteo
que a igreja é “coluna e baluarte da verdade”. A igreja não é uma organização ou
instituição social, não é uma sociedade política, não é uma sociedade cultural, é
“coluna e baluarte da verdade”.
Paulo, ao escrever a Timóteo, coloca o assunto nestes termos: “E o que de
minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a ho-
mens fiéis e também idôneos para instruir a outros” (2 Tm 2.2). A palavra final
de Paulo a Timóteo é esta: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não,
corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina”. Eis a mesma
verdade apresentada de modo bem claro.
Abordei apenas superficialmente o argumento, bem como a sua assevera-
ção, nas páginas do Novo Testamento. Tudo isto é amplamente confirmado na
história da igreja. Não se torna evidente, quando temos uma visão panorâmica
dessa história, que os períodos e eras de decadência sempre foram épocas em que
a pregação havia declinado? E o que sempre pressagia o alvorecer de uma reforma
ou de um avivamento? É a renovação da pregação. Não somente um novo interes-
se pela pregação, mas uma nova espécie de pregação. O avivamento da autêntica
pregação sempre anunciou de antemão esses grandes movimentos na história da
igreja. E, ao chegarem a reforma e o avivamento, eles sempre têm conduzido a
grandes e notáveis épocas da mais profunda pregação que a igreja já conheceu.
Assim como isso foi verdade no começo, conforme descrito em Atos dos Apósto-
los, assim também isso aconteceu após a Reforma Protestante. Lutero, Calvino,
Knox, Latimer, Ridley — todos estes homens foram magníficos pregadores. No
século XVII, temos exatamente a mesma coisa — os grandes pregadores purita-
nos e outros. E, no século XVIII, Jonathan Edwards, Whitefield, os irmãos Wesley,
Rowland e Harris, todos eles foram grandes pregadores. Foi uma era de pregação
grandiosa. Onde quer que haja reforma e avivamento, o resultado será sempre
este, inevitavelmente.
Portanto, a minha resposta até esta altura, a justificação da minha afirmati-
va de que a pregação é a tarefa primordial da igreja, está alicerçada na evidência
das Escrituras, bem como nas evidências confirmatórias e comprovadoras apre-
sentadas pela história da igreja.
Prosseguiremos, a fim de raciocinar e argumentar mais sobre essa afirmativa.
Esta obra foi composta em Chaparral Pro (90%), corpo 12 / 15 e impressa
por Imprensa da Fé, sobre o papel SP Bright 70g/m2,
para Editora Fiel, em outubro de 2008.