A Constituição Docente
A Constituição Docente
A Constituição Docente
CONSTITUIÇÃO DOCENTE:
FORMAÇÃO, IDENTIDADE E PROFESSORALIDADE
RESUMO
Este artigo aborda o tema da constituição docente: sua formação, identidade e professoralidade. O
estudo justifica-se pela centralidade da profissão docente na sociedade contemporânea, em que
o/a professor/a é responsabilizado/a pelos resultados da educação. O objetivo principal do estudo
visa a uma reflexão sobre a constituição docente, identificando as articulações entre formação,
identidade e profissionalização. Metodologicamente, trata-se de um estudo de cunho bibliográfico
exploratório, com aportes teóricos fundamentados em Gauthier (2006), Morgado (2011), Nóvoa
(2013), Pereira (2008), Perrenoud (2002), Pimenta (1994) e Tardif (2012). O texto está estruturado
em três tópicos, a saber: a) Formação docente – em que se pensa a formação como processo
contínuo; b) Identidade profissional docente – analisada na perspectiva de sua especificidade; e c)
Profissionalização docente – constituída a partir da formação profissional, da práxis docente e da
profissionalidade. As reflexões realizadas sobre o tema trouxeram importantes resultados, dentre
os quais, destacam-se: a) o ser professor/a constitui-se pela articulação da formação, da construção
da identidade e da profissionalização; b) a formação docente ocorre desde o ingresso na escola
como estudante (pois incorpora elementos observáveis sobre a ação docente) e estende-se para
dentro da profissão (formação em exercício); c) a construção da identidade docente incorpora
crenças, valores e saberes adquiridos em interação social; d) a profissionalização docente articula-
se com a formação e com a construção da identidade profissional docente; e e) a especificidade da
constituição docente é evidenciada pela relação pessoalidade-profissionalidade. Postula-se, à guisa
de considerações finais, que se vivem tempos da centralidade da profissão docente – os/as
docentes são os/as protagonistas das mudanças necessárias na contemporaneidade –, o que requer
o devido reconhecimento por parte da sociedade.
Palavras-chave: Constituição docente. Formação docente. Identidade docente. Profissionalização
docente.
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Mestrando em Educação. PPG UNILASALLE, Canoas, RS. E-mail: steffen@pvsinos.com.br.
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Professora do PPG em Educação. UNILASALLE e do PPG em Diversidade Cultural e Inclusão Social da Universidade
FEEVALE. E-mail: denisequaresmadasilva@gmail.com.
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1 INTRODUÇÃO
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Este estudo teve como objetivo refletir sobre a constituição docente, articulando formação,
identidade e profissionalização. Em termos metodológicos, trata-se de um estudo de cunho
bibliográfico exploratório, realizado a partir de aportes teóricos discutidos na linha de pesquisa
Formação de Professores, no PPG/EDU Unilasalle RS, em 2014.
O referencial teórico adotado fundamenta-se nos pressupostos de autores que discutem
essa temática, como: Alves e André (2013), Fossatti (2013), Garcia (2005), Gauthier (2006), Giroux
(1995), Josso (2004), Morgado (2011), Nóvoa (2009, 2011 e 2013), Oliveira (2008), Pavan (2013),
Pereira (2008), Perrenoud (2002), Pimenta (1994), Roldão (2007) e Tardif (2012), dentre outros.
O texto está estruturado em três tópicos, a saber: a) Formação docente – em que se pensa a
formação como processo contínuo; b) Identidade profissional docente – analisada na perspectiva de
sua especificidade; e c) Profissionalização docente – refletida a partir da formação profissional, da
práxis docente e da profissionalidade.
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realidade); c) modelo ecológico crítico (a pesquisa-ação como meio para a transformação social)
(PEREIRA; ZEICHER, 2008).
Formação implica criação, construção, constituição. Em educação, formação dos sujeitos
significa a construção mútua das pessoas que interagem de maneira cooperativa e reflexiva. Na sala
de aula, interagem professor/a e alunos/as, construindo-se mutuamente no processo de ensino-
aprendizagem. Ambos/as aprendem, todos/as se formam, se constituem. Todos/as incorporam
conhecimentos, valores e experiências. São vidas em formação, constantemente. A formação
docente, especificamente, implica uma série de aspectos: escolha profissional, constituição
identitária, trajetória de vida, saberes docentes e práticas educativas.
A escolha profissional remete para vivências desde a infância, destacando-se as influências
familiares e escolares. Além desses fatores, pesam a vocação e a identificação. Contexto de
socialização e tendência pessoal já são aspectos da constituição identitária do/a professor/a.
Conforme Nóvoa (2013), a construção da identidade docente é um processo em que o/a
professor/a “[...] se apropria do sentido da sua história pessoal e profissional” (p. 16).
Compreender-se como pessoa na profissionalidade contribui para a produção de sentido no
trabalho. Nessa perspectiva, Josso (2004) enfatiza a contribuição da abordagem biográfica, a qual
possibilita autoconhecimento e tomada de consciência sobre os processos de constituição e
formação do ser professor/a e, em decorrência, produz questionamentos, responsabilizações,
conformações, assimilações e mudanças de ordem pessoal.
Tendo em vista o papel reservado ao/à professor/a na formação de pessoas, é necessário
repensar a própria formação docente. Para Fossatti (2013), “Antes de formar o educador ou o
educando, se está formando a pessoa do educador ou do educando. Assim, o educador ou o
educando sempre vêm associados com seu ser pessoa” (p. 179). O/A educador/a é compreendido/a
como uma pessoa, um todo, e não como apenas um/a profissional. Pacheco (2009), referindo-se à
figura do/a professor/a, traz: “O dicionário diz-nos ser aquele que ensina. Eu diria ser mais aquele
que aprende... ensinando” (p. 93).
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A identidade profissional docente, segundo Garcia et al. (2005), é entendida pelas posições de
sujeito e pelas representações atribuídas aos/às professores/as, por discursos e agentes sociais, no
exercício de suas funções em instituições educacionais. Os autores identificam diferentes concepções
de identidade profissional docente a partir de modelos de profissionalismo, a saber: a) o
profissionalismo clássico, fundamentado na existência de um conhecimento especializado e com
rígido controle, conferindo à docência um caráter de atividade não profissional ou semiprofissional;
b) o profissionalismo como trabalho flexível, em que a atividade docente conduz a práticas associadas
a critérios flexíveis segundo cada localismo; c) o profissionalismo como trabalho prático, que
considera a docência como atividade na qual os saberes são práticos, experienciais, decorrentes da
ação reflexiva; d) o profissionalismo como trabalho extensivo, denominado “novo” profissionalismo,
que sobrecarrega o trabalho docente com novas atribuições; e e) o profissionalismo como trabalho
complexo, cujo trabalho docente passa a ser encarado como de alto grau de complexidade, o que
pode significar aumento de atribuições, tarefas e responsabilidades, com maior desgaste.
A identidade profissional docente é uma construção social marcada pela multiplicidade de
aspectos fundantes, como classe social, gênero, história de vida e formação profissional, marcando
a categoria pela heterogeneidade e pela instabilidade identitária. O elemento unificador que
melhor caracteriza esse grupo tão heterogêneo é a dedicação ao ensino – a ação de ensinar –,
componente da especificidade da profissão (GARCIA et al., 2005).
Lüdke e Boing (2004) consideram que a identidade profissional docente vem sofrendo
repercussões das transformações ocorridas no mundo do trabalho, muito em função das
fragilidades próprias da profissão, resultando na precarização do trabalho docente, na perda de
autonomia, no acúmulo de tarefas, na desvalorização do saber docente e na perda de prestígio
social. Para Mazzotti (2007), além dessa situação, o cenário complexo do mundo contemporâneo,
marcado pelas transformações decorrentes do processo de globalização, corrobora a proletarização
do trabalho do/a professor/a, com reflexos negativos na qualidade do ensino e na própria
identidade profissional docente.
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Para Morgado (2011), a afirmação de uma escola de qualidade como espaço de referência
social pressupõe a possibilidade de os/as professores/as construírem uma autonomia curricular,
construção essa pautada na competência profissional, na identidade profissional e na
profissionalidade docente. Por competência profissional entende a capacitação para o exercício da
profissão por meio da formação. O desenvolvimento profissional, como processo contínuo de
formação, agrega uma cultura profissional que favorece a construção da identidade profissional –
uma identidade carregada de especificidades. Fundamentada no desenvolvimento de competências
e na construção da identidade profissional, constrói-se a profissionalidade docente, isto é, o
conjunto de elementos e aspectos que constituem a especificidade de ser professor/a.
Alves e André (2013), analisando a profissionalidade docente, destacam as dimensões de
especificidade e de exclusividade da profissão. O professor presta um serviço específico e único,
utilizando saberes acadêmicos específicos e competências práticas específicas. Para os autores, a
constituição da profissionalidade docente é resultante das disposições reguladoras da instituição
escolar, das condições institucionais e do contexto político-socioeconômico-cultural em que a
escola interage.
Oliveira (2008) entende a construção da identidade como uma construção essencialmente
política, gerada cotidianamente nos espaços de inter-relacionamentos. A identificação dos/as
professores/as como trabalhadores/as, inseridos no mundo do trabalho com fortes marcos
regulatórios, está indicando uma tendência à desprofissionalização e à proletarização dos/as
docentes, a despeito da profissionalização ainda não ter sido plenamente consolidada como tal.
Ser professor/a implica ter de dar conta de um corpo de desafios e responsabilidades de
ordem pedagógica e social. A profissão docente é tensionada, constantemente, por um conjunto de
aspectos intervenientes na prática educativa. Sob pressão, o/a professor/a precisa encontrar
motivação para desempenhar satisfatoriamente o seu papel. Fundamentalmente, precisa trabalhar
o autoconhecimento, a autoimagem e a autoestima, mediante reflexões e interações (relações
intrapessoais e interpessoais). É preciso conhecer-se e compreender a sua formação na busca da
autorrealização. Ao longo de sua trajetória, cada professor/a vai internalizando aprendizagens
(conceitos e atitudes), as quais se manifestarão na sua práxis docente. Portanto, além da formação
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saberes docentes, que servem de base para o ato de ensinar, são provenientes da formação inicial e
continuada, do currículo, da experiência profissional, da formação cultural dos/as professores/as e de
outras fontes mais. Os saberes profissionais dos/as professores/as resultam, portanto, de diversos
fatores constitutivos que se traduzem na história de vida individual. O autor Tardif ressalta que os
fundamentos do saber-ensinar são de três instâncias: existenciais, sociais e pragmáticos. Existenciais: os
aspectos que constituem o sujeito professor (intelectual, emocional, afetivo, pessoal e interpessoal);
sociais: saberes adquiridos de fontes sociais diversas em tempos sociais diferentes; pragmáticos: o
saber-ensinar está ligado aos saberes práticos (operativos), saberes do trabalho.
Gauthier et al. (2006) apresentam um conjunto de conhecimentos específicos da docência.
Para eles, “[...] repertório de conhecimentos próprios ao ensino é concebido como um conjunto de
enunciados que expressam algo a respeito da prática docente na sala de aula” (p. 185).
Diferentemente da noção de “reservatório de conhecimentos específicos ao ensino”, que abrange
os saberes disciplinares, curriculares, profissionais, experienciais e da tradição pedagógica,
“repertório de conhecimentos próprios ao ensino” engloba apenas os saberes da ação pedagógica
(saberes produzidos pelos/as docentes no exercício de sua atividade). Esse repertório de
conhecimentos é constituído de enunciados denotativos (declarativos), que expressam fatos, e de
enunciados prescritivos (procedimentais), que indicam ações, operações. Tais enunciados tratam
apenas de saberes práticos relacionados à gestão da matéria (conteúdos) e à gestão da classe.
Repertório de conhecimentos diz respeito, portanto, “[...] à eficácia do ensino, à profissionalização
dos professores e à qualidade da formação inicial” (GAUTHIER et al., 2006, p. 188), cujo projeto
objetiva a “transformação da prática docente”. Pode-se afirmar que as funções pedagógicas de
gestão da matéria (conteúdo) e gestão da classe estão intimamente articuladas, ou seja, o trabalho
do professor em sala de aula requer conhecimentos, habilidades e competências para gerir o
processo de ensino-aprendizagem com eficácia: planejamento, interação e avaliação eficazes
garantem admiração, respeito, disciplina e aprendizagem.
As investigações de Josso (2004) inserem-se na metodologia de pesquisa-formação articulada
às histórias de vida. A abordagem biográfica possibilita a autorreflexão sobre tudo que aconteceu na
formação pessoal e profissional de cada um, abrangendo as crenças pessoais, a formação inicial e a
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Na sociedade pós-moderna, cada vez mais a identidade é esculpida pelo saber, o que põe
em evidência a educação e o papel do/a professor/a nesse cenário. De Masi (2000) corrobora a
ideia: “A identidade depende cada vez mais daquilo que aprendemos, da nossa formação, da nossa
capacidade de produzir ideias, do nosso modo de viver o tempo livre, do nosso estilo e da nossa
sensibilidade estética” (p. 252). O mundo do trabalho passa por profundas transformações na
concepção e nas relações. O sentido do trabalho, hoje, é viver com dignidade. Isso implica
realização pessoal e profissional. Produção de sentido no trabalho requer autoconhecimento e
autoestima, o que resulta em autorrealização.
Vive-se o tempo da centralidade da profissão docente. Investigações e reflexões apontam
para a importância do/a professor/a como protagonista das mudanças e das aprendizagens para as
mudanças. Confia-se à educação a tarefa de construir um mundo melhor. Como se formar para a
atuação nesse mundo? Como em todas as profissões, é preciso formar-se para o trabalho. Em
educação, formação para o trabalho significa formação integral da pessoa. Formação pessoal e
profissional implica construção permanente do indivíduo em interação social.
As reflexões e discussões realizadas sobre o tema constituição docente trouxeram
importantes considerações, dentre as quais, apontam-se:
a) o ser professor/a constitui-se pela articulação da formação, da construção da
identidade e da profissionalização;
b) a formação docente ocorre desde o ingresso na escola como estudante (pois
incorpora elementos observáveis sobre a ação docente) e estende-se para dentro da profissão
(formação em exercício);
c) a construção da identidade docente incorpora crenças, valores e saberes adquiridos
em interação social;
d) a profissionalização docente articula-se com a formação e com a construção da
identidade profissional docente; e
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